Resultados para o tribunal: TRF1
Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL" – Página 225 de 226
Envolvidos encontrados nos registros
Ver Mais Detalhes
Faça login para ver perfis completos
Login
Sionara Pereira
OAB/PR 17.118
SIONARA PEREIRA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 311960802
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1006030-60.2019.4.01.3700
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANDERLEY RAMOS DOS SANTOS
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
NELSON SERENO NETO
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
JOAO BATISTA FREITAS JUNIOR
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1006030-60.2019.4.01.3700 PROCESSO REFERÊNCIA: 1006030-60.2019.4.01.3700 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JOAO BATISTA FREI…
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 1004671-68.2021.4.01.4100
ID: 322831477
Tribunal: TRF1
Órgão: 3ª Vara Federal Criminal da SJRO
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1004671-68.2021.4.01.4100
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ADRIANA NASCIMENTO AZEVEDO
ADRIANO RONALDO COELHO ZUIM
ANDERSON SARAIBA BOBADILHA
CAROLINE ECKERT CORDEIRO
CYRUS NATHANN KABAD DA COSTA
GANDHI JACOB KABAD COSTA
JARVIS CHIMENEZ PAVAO
JENIFER CRISLAINE DE SOUZA TROCHE
KALINE OLIVEIRA SANTOS
KLEITON CHIMENES LARSON REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO KLEITON CHIMENES LARSON
LUAN AZEVEDO PAVAO
LUIZ CARLOS BONETTI
NAIR CHIMENES LARSON
PAULO LARSON DIAS
RAUL PAULO TIRLONI
REGINA ESTELA CHIMENES PAVAO
TALESSA ARIANY SANTOS DA SILVA
TALLISSON GILBERTO SANTOS DA SILVA
THIAGO SOUZA DE PAULA
Advogados:
JOAO VITOR MOLINA LOPES
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
NAYARA CRISLAYNE ANDRADE NEVES
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
KAMILA IURY ARAUJO KUNIYOSHI
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
TAINARA GONCALVES GAMARRA VARGAS
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
LUIS GABRIEL BATISTA MORAIS
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
DOUGLAS ORTIZ DA SILVA JUNIOR
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
RIAD REDA MOHAMAD WEHBE
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
JOAO VICTOR CERZOSIMO DERZI
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
LUCIANA ANDREIA AMARAL CHAVES
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
RODRIGO SIQUEIRA PONCIANO LUIZ
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
AHMAD MERHY DAYCHOUM
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PAOLA AZAMBUJA MARCONDES
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
FABRICIO DIAS VITAL
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
LARISSA ARAUJO XAVIER
OAB/DF XXXXXX
Desbloquear
LUTFIA DAYCHOUM
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
MERHY DAYCHOUM
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
JAD RAYMOND EL HAGE
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
MARCIO DE CAMPOS WIDAL FILHO
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
ALEXANDRE GONCALVES TRANZOLOSO
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
LUIZ RENE GONCALVES DO AMARAL
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
CARLOS RAFAEL CAVALHEIRO DE LIMA
OAB/SC XXXXXX
Desbloquear
FABIO RICARDO MENDES FIGUEIREDO
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÔNIA 3ª VARA FEDERAL – CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES FINANCEIROS, LAVAGEM DE CAPITAIS E ORGANI…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÔNIA 3ª VARA FEDERAL – CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES FINANCEIROS, LAVAGEM DE CAPITAIS E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Av. Presidente Dutra, 2203, Centro, Porto Velho/RO Telefone: (69) 2181-5871, E-mail: 03vara.ro@trf1.jus.br PROCESSO: 1004671-68.2021.4.01.4100 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTORIDADE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉU(S): JARVIS CHIMENES PAVÃO E OUTROS Observação: não há réus presos por este processo OPERAÇÃO PAVO REAL DECISÃO 1. Relatório O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor das pessoas abaixo relacionadas (ID 750759957): NUM. DENUNCIADO(A) IMPUTAÇÃO CITAÇÃO E RESPOSTA À ACUSAÇÃO 1 Jarvis Chimenes Pavão (autos de execução penal - regime fechado - n. 1001425-35.2019.4.01.4100 no SEEU junto à 15ª Vara Federal da SJDF) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 01: Toyota SW4 – Placas QBO0901; - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776; - evento 04: Land Rover Sport 3.0 – Placas WNZH-889 (PY); - evento 05: Land Rover/Evoque Dynamic – Placas FCS-1624; - evento 06: Volvo XC40 T5 Momentum - Placas QJY-4977; - evento 07: Mercedes Benz C180FF – Placas FOF-6494; - evento 08: Chevrolet Tracker – Placas QJA-0844; - evento 09: AUDI Q3 – Placas OKF-7584; - evento 10: Toyota/SW4 – Placas QAD-2104; - evento 11: Chevrolet S/10 – Placas PBW-2721; - evento 12: VW/T Cross – Placas PBW-5248; - evento 13: Toyota Hilux CDSRXA4FD – Placas AVR-0979; - evento 14: Hyundai Santa Fé – Placa QAE-3005; - evento 15: Toyota Hilux CDSRXA4FD – Placa FXQ-0903; - evento 16: Toyota SW4 – Placa QCP-3838 Citação no ID 926073690; Resposta à acusação no ID 1032142785, com 09 testemunhas (incluindo a mesma do MPF) 2 Adriana Azevedo Pavão (Adriana Nascimento Azevedo) (autos de execução penal - regime aberto - n. 0000932-23.2006.8.24.0005 no SEEU junto à 1ª Vara Criminal de Balneário Camboriú/SC Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 01: Toyota SW4 – Placas QBO-0901 Citação no ID 934191657; Resposta à acusação no ID 1032314259, com 10 testemunhas 3 Gandhi Jacob Kabad Costa (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 01: Toyota SW4 – Placas QBO-0901; - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ-6776; - evento 07: Mercedes Benz C180FF – Placas FOF-6494; - evento 09: AUDI Q3 – Placas OKF-7584; - evento 17: Toyota SW4 - Placa AYN-7270 Citação no ID 1038576773; Resposta à acusação no ID 1051832259, com 03 testemunhas 4 Luan Azevedo Pavão (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 01: Toyota SW4 – Placas QBO-0901; - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ-6776; - evento 05: Land Rover/Evoque Dynamic – Placas FCS-1624; - evento 06: Volvo XC40 T5 Momentum - Placas QJY-4977; - evento 07: Mercedes Benz C180FF – Placas FOF-6494; - evento 08: Chevrolet Tracker – Placas QJA-0844; - evento 09: AUDI Q3 – Placas OKF-7584 Citação no ID 963647743; Resposta à acusação no ID 1032314250, com 14 testemunhas (incluindo a mesma do MPF) 5 Jenifer Crislaine de Souza Troche (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 01: Toyota SW4 – Placas QBO0901; - evento 02: Toyota SW4 – Placas QAF6074 Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 955701161, com 03 testemunhas 6 Adriano Ronaldo Coelho Zuim (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776 Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 1061243285, com 01 testemunha 7 Kaline Oliveira Santos (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 07: Mercedes Benz C180FF – Placas FOF-6494 Citação no ID 997293674; Resposta à acusação no ID 960004217, indicando a mesma testemunha do MPF 8 Kleiton Chimenes Larson (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Organização Criminosa (art. 2º, caput, da Lei n. 12.850); e Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 10: Toyota/SW4 – Placas QAD—2104; - evento 11: Chevrolet S/10 – Placas PBW-2721 Citação no ID 1024173781; Resposta à acusação no ID 1032323756, com 10 testemunhas 9 Luiz Carlos Bonetti (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 14: Hyundai Santa Fé – Placa QAE-3005 Citação no ID 1166359786; Resposta à acusação no ID 1254644776, com 06 testemunhas 10 Nair Chimenes Larson (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 10: Toyota/SW4 – Placas QAD—2104; - evento 11: Chevrolet S/10 – Placas PBW-2721; - evento 12: VW/T Cross – Placas PBW-5248 Citação no ID 975431649; Resposta à acusação no ID 1032284266, com 11 testemunhas 11 Paulo Larson Dias (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 10: Toyota/SW4 – Placas QAD—2104; - evento 11: Chevrolet S/10 – Placas PBW-2721; - evento 12: VW/T Cross – Placas PBW-5248 Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 1032298765, com 10 testemunhas 12 Raul Paulo Tirloni (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 10: Toyota/SW4 – Placas QAD—2104; - evento 11: Chevrolet S/10 – Placas PBW-2721 Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 1085109323 sem indicação de testemunhas 13 Regina Estela Chimenes Pavão (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 13: Toyota Hilux CDSRXA4FD – Placas AVR-0979 Citação no ID 975478165; Resposta à acusação no ID 1032298753, com 11 testemunhas 14 Talessa Ariany Santos da Silva (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776; - evento 04: Land Rover Sport 3.0 – Placas WNZH-889 (PY); - evento 09: AUDI Q3 – Placas OKF-7584; - evento 14: Hyundai Santa Fé – Placa QAE-3005; - evento 15: Toyota Hilux CDSRXA4FD – Placa FXQ-0903; - evento 16: Toyota SW4 – Placa QCP-3838 Citação no ID 981759662; Resposta à acusação no ID 1032314287, com 10 testemunhas 15 Tallisson Gilberto Santos da Silva (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Organização Criminosa (art. 2º, caput, da Lei n. 12.850); e Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776; - evento 04: Land Rover Sport 3.0 – Placas WNZH-889 (PY) Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 1032262760, com 09 testemunhas 16 Thiago Souza de Paula (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 14: Hyundai Santa Fé – Placa QAE-3005; Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 993529177, indicando a mesma testemunha do MPF 17 Anderson Sarabia Bobadilha (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de Capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §4º, da Lei n. 9613/98): - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776 Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 1065603766, indicando a mesma testemunha do MPF 18 Caroline Eckert Cordeiro (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de Capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §4º, da Lei n. 9613/98): - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776 Citação no ID 929730674; Resposta à acusação no ID 1048456273, indicando a mesma testemunha do MPF 19 Wilians de Souza Yamamoto (Luís Augusto Nakayama) (art. 366, CPP) (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de Capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §4º, da Lei n. 9613/98): - evento 03: Jeep Cherokee Limited – Placas KWZ6776 Citação por edital no ID 908623560; Deferida a produção antecipada de provas no ID 1141481255 20 Cyrus Nathann Kabad da Costa (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 09: AUDI Q3 – Placas OKF-7584 Citação no ID 941300654; Resposta à acusação no ID 955957671, com 07 testemunhas 21 Antônio Carlos da Costa Freitas (art. 366, CPP) (a consulta pública ao SEEU não indicou autos de execução penal) Organização Criminosa (art. 2º, caput, da Lei n. 12.850); e Lavagem de capitais (art. 1º, c/c §1º, inc. I e II, e §2º, inc. II, da Lei n. 9613/98): - evento 07: Mercedes Benz C180FF – Placas FOF-6494; Citação por edital no ID 1142404276; Deferida a produção antecipada de provas no ID 1141481255 Em síntese, de acordo com o MPF, entre 2012 e 2020, os denunciados, em comunhão de esforços e em unidade de desígnios, uns aderindo às condutas dos outros (considerando os eventos criminosos separadamente), ocultaram e dissimularam a origem, localização, movimentação e propriedade de veículos, em tese, adquiridos com valores provenientes do tráfico de drogas praticado por JARVIS CHIMENES PAVÃO e a organização criminosa de que supostamente faz parte. Ainda segundo o MPF, o crime foi cometido por meio de organização criminosa, conforme fatos delituosos descritos na denúncia oferecida nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 (IPL 071/2019-4-SR/PF/RO), sendo que essa ORCIM, supostamente coordenada por JARVIS CHIMENES PAVÃO, movimenta valores ilícitos oriundos do tráfico de drogas, mediante a aquisição, registro e movimentação de veículos de elevado valor de mercado. A peça acusatória foi apresentada no bojo deste IPL nº. 2020.0066028 (autos nº. 1004671-68.2021.4.01.4100). Ao apresentar a denúncia, o MPF se manifestou pela impossibilidade de acordo de não persecução penal. A denúncia foi recebida em 20.01.2022 (ID 893845580). No ID 997293674, foi deferido pedido de dilação de prazo para apresentação de resposta à acusação. Na decisão saneadora de ID 1141481255: a) foi recebido o aditamento da denúncia para fins de correção da qualificação do acusado LUIZ CARLOS BONETTI, visto que a qualificação apresentada incialmente era de um homônimo (correção feita no ID 1142368255 - Pág. 1); e b) deferida a produção antecipada de provas em relação a ANTÔNIO CARLOS DA CISTA FARIAS e WILLIANS DE SOUZA YAMAMOTO. Na decisão de ID 1579593401: a) foram rejeitadas as teses de inépcia da inicial e de ausência de justa causa para a ação penal, bem como determinado o prosseguimento do feito em virtude da impossibilidade de absolvição sumária; e b) foi determinada a intimação das partes para informarem se insistem na oitiva das testemunhas que indicaram, registrando-se que o silêncio seria interpretado como interesse na oitiva. No ID 1592637894, o MPF informou que tem interesse apenas na oitiva da testemunha Rubem John Minas. No ID 1607175887, CYRUS NATHAN KABAD DA COSTA informou que tem interesse na oitiva da integralidade do rol de testemunhas indicadas na resposta à acusação. No ID 1616934387, GANDHI JACOB KABAD COSTA informou que tem interesse na oitiva da integralidade do rol de testemunhas indicadas na resposta à acusação. Cópia da decisão saneadora das medidas cautelares foi juntada no ID 1850350649. Na decisão de ID 2128859247, este Juízo Federal: a) reconheceu que, com exceção do MPF e das defesas de CYRUS e GANDHI, as demais partes desistiram da oitiva das testemunhas anteriormente indicadas, visto que não se manifestaram nos autos após a decisão de ID 1579593401; b) designou audiência de instrução, para os dias 30/09 e 1º/10/2024, para oitiva da única testemunha da acusação e das testemunhas de defesa de CYRUS e GANDHI; e c) dispensou a presença dos réus nas referidas audiências, bastando que sejam representados pelos respectivos causídicos. Todas as defesas foram intimadas da decisão de ID 2128859247, via PJe ( ID 2128985975). Vistos em correição (ID 2130782353). A única testemunha da acusação, Sr. Ruben John Minas, foi intimada da audiência, conforme ID 2147264176. A defesa de ADRIANA NASCIMENTO AZEVEDO, JARVIS CHIMENEZ PAVAO, LUAN AZEVEDO PAVAO e TALESSA ARIANY SANTOS DA SILVA se manifestou sobre a oitiva das testemunhas de defesa no ID 2148056985. A defesa de TALISSON GILBERTO SANTOS se manifestou sobre a oitiva das testemunhas de defesa no ID 2148060996. A defesa de KLEITON CHIMENES LARSON, NAIR CHIMENES LARSON, PAULO LARSON DIAS e REGINA ESTELA CHIMENES se manifestou sobre a oitiva das testemunhas de defesa no ID 2148154229. Atualização dos antecedentes criminais dos réus no ID 2149742151. Foi proferida decisão saneadora no ID 2150009740. Em relação ao réu RAUL PAULO TIRLONI, consta renúncia de advogado ID 2150414474 (analisada no ID 2150534841). Ademais, no ID 2170075582, esse réu informou que necessita de assistência de defensor público. Registro que: a) os réus ANTÔNIO CARLOS DA CISTA FARIAS e WILLIANS DE SOUZA YAMAMOTO, em relação aos quais foi deferida a produção antecipada de provas (art. 366, CPP), são assistidos pela DPU; e b) com exceção de RAUL PAULO TIRLONI (vide conclusão desta decisão), todos os outros réus possuem advogados constituídos nos autos. É o breve relatório. Decido. 2. Testemunhas Parte que indicou Testemunha Observação MPF E OS RÉUS CAROLINE ECKERT CORDEIRO ANDERSON SARABIA BOBADILHA THIAGO SOUZA DE PAULA KALINE OLIEVIRA SANTOS LUAN AZEVEDO PAVAO JARVIS CHIMENEZ PAVAO RUBEN JOHN MINAS Mídia no ID 2150778334 GANDHI JACOB KABAD COSTA LUCIANO CÔGO No ID 2150534841, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 NELSON ISSAMU KANOMATA JÚNIOR No ID 2150534841, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 DANIEL LIMA KAYATT No ID 2150534841, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 CYRUS NATHAN KABAD DA COSTA MARCELO RODRIGO DA SILVA Desistência da oitiva homologada no ID 2150534841 THIAGO QUINHONES ROCHA Mídia no ID 2150778334 e ID 2150779019 ALEXANDRE REICHARDT DE SOUZA Desistência da oitiva homologada no ID 2150534841 RAFAEL WINCKLER RODRIGUES Desistência da oitiva homologada no ID 2150534841 JEAN CARLOS LAURINDO BORRALHO Desistência da oitiva homologada no ID 2150534841 SÉRGIO LUIZ GEORGES KABAD Desistência da oitiva homologada no ID 2150534841 RAPHAEL MODESTO CARVALHO ROJAS Desistência da oitiva homologada no ID 2150534841 TALLISSON GILBERTO SANTOS DA SILVA THIAGO ANDRÉ FERREIRA CARRAPEIRO No ID 2148060996, a defesa INSISTIU na oitiva a ser realizada, posteriormente, nestes autos LEONARDO MARINO GOMES DOSSANTOS No ID 2148060996, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No ID 2148060996, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No ID 2148060996, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No ID 2148060996, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No ID 2148060996, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No ID 2148060996, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA No ID 2148060996, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ESTENIO SEANOE No ID 2148060996, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) TALESSA ARIANY SANTOS DA SILVA DIONES GONÇALVES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 JEAN MARCELO CHIMENES JUNIOR (réu na ação penal nº. 1007896-33.2020.4.01.4100) No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA No 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva,a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ESTENIO SEANOE No 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) REGINA ESTELA CHIMENES PAVÃO CLEONICE COIMBRA DE OLIVEIRA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 FABIANA DE OLIVEIRA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 FÉLIX JAVIER ZACARIAS ALMEIDA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740,com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA No ID 2148154229, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ESTENIO SEANOE No ID 2148154229, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) PAULO LARSON DIAS EDSON LIMA DE SOUZA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 FÉLIX JAVIER ZACARIAS ALMEIDA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA Pedido de desistência no ID 2151726267 homologado nesta decisão ESTENIO SEANOE Pedido de desistência no ID 2151726267 homologado nesta decisão NAIR CHIMENES LARSON CLEONICE COIMBRA DE OLIVEIRA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 FABIANA DE OLIVEIRA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 FÉLIX JAVIER ZACARIAS ALMEIDA No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA Pedido de desistência no ID 2151726267 homologado nesta decisão ESTENIO SEANOE Pedido de desistência no ID 2151726267 homologado nesta decisão LUIZ CARLOS BONETTI SIMEONA RAOMONA DE LEON DIAMANDU Indicado(a) na resposta à acusação, em 04/08/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão MARIA APARECIDA DA SILVA SANTOS Indicado(a) na resposta à acusação, em 04/08/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS (ouvido nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100) Indicado(a) na resposta à acusação, em 04/08/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão HEVELIN RODRIGUES CHAVES (ouvido nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100) Indicado(a) na resposta à acusação, em 04/08/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão FERNANDO HENRIQUE AFONSO (ouvido nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100) Indicado(a) na resposta à acusação, em 04/08/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI (ouvido nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100) Indicado(a) na resposta à acusação, em 04/08/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão KLEITON CHIMENES LARSON FÁBIO KLAUZER COLMAN PRETO Insistência e qualificação no ID 2151726267 JOSÉ CARLOS MUNIZ SILVA (VENDEDOR ZECA) Insistência e qualificação no ID 2151726267 LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No ID 2148154229, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA Pedido de desistência no ID 2151726267 homologado nesta decisão ESTENIO SEANOE Pedido de desistência no ID 2151726267 homologado nesta decisão ADRIANO RONALDO COELHO ZUIM CLEBER GOULART ATHAYDE Indicado(a) na resposta à acusação, em 05/05/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão JENIFER CRISLAINE DE SOUZA TROCHE ISMAEL RIBEIRO IBANEZ Indicado(a) na resposta à acusação, em 02/03/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão MARIA APARECIDA LANGER Indicado(a) na resposta à acusação, em 02/03/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão BRUNO ARTEMANN BENITES Indicado(a) na resposta à acusação, em 02/03/2022 Reconhecida a desistência da oitiva nesta decisão LUAN AZEVEDO PAVAO ULISSES VINICIUS DA SILVA No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 EBER VESTERGAARD DIAS No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854e m 22/05/2025 ROGER SALES UHDE No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 JOAO PAULO DOS SANTOS PAZ No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 ANDRE CARDINAL QUINTINO No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA No ID 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ESTENIO SEANOE No ID 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ADRIANA AZEVEDO PAVAO MARCIA RITA DE BAIRROS ARCE No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, mas ainda não juntada a respectiva mídia DANIEL OVIEDO ARCE No ID 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, mas ainda não juntada a respectiva mídia LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA No ID 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ESTENIO SEANOE No ID 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) JARVIS CHIMENEZ PAVAO LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada nas certidões de ID 2166708148 e ID 2166708148 em 21/01/2025 HEVELIN RODRIGUES CHAVES No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FERNANDO HENRIQUE AFONSO No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167434010 em 21/01/2025 FRANCISCO ANTONIO RODRIGUES DOS SANTOS No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150009740, com mídia juntada na certidão de ID 2167446854 em 22/05/2025 GUILHERME RODRIGUES CHOTE No 2148056985, a defesa pediu o aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100 Deferido o aproveitamento no ID 2150534841, com mídia juntada na certidão de ID 2168334757 em 27/01/2025 PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA No ID 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) ESTENIO SEANOE No ID 2148056985, a defesa pediu aproveitamento da oitiva realizada nos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, todavia, essa oitiva não foi realizada (ID 779174490 daqueles autos), em razão da desistência pelas defesas Intimada da decisão de ID 2150009740, sob pena de desistência tácita da oitiva, a defesa não se manifestou (ver conclusão desta decisão) 3. Conclusão Ante o exposto, a fim de dar prosseguimento regular ao feito: a) RECONHEÇO/HOMOLOGO a desistência da oitiva da testemunha de defesa PEDRO TIAGO DA SILVA OLIVEIRA, conforme informações constantes no quadro acima. b) RECONHEÇO/HOMOLOGO a desistência da oitiva da testemunha de defesa ESTENIO SEANOE, conforme informações constantes no quadro acima. c) Na decisão de ID 2150009740, datada de 27/09/2024, foi procedida à intimação das defesas dos réus ADRIANO RONALDO COELHO ZUIM e JENIFER CRISLAINE DE SOUZA TROCHE para que, no prazo de 05 dias, informassem se persistia o interesse na oitiva das testemunhas indicadas na resposta à acusação (vide quadro acima). Nessa mesma decisão, constou que, caso houvesse insistência na oitiva, as defesas deveriam atualizar os dados (endereços) dessas testemunhas (incluindo, se possível, telefone com WhatsApp). Além disso, constou nessa mesma decisão que o silêncio das defesas importaria em desistência tácita da oitiva. Pois bem, transcorridos mais de nove meses desde a aludida decisão, verifico que as defesas não se manifestaram sobre esse tema, razão pela qual RECONHEÇO/HOMOLOGO a desistência da oitiva das testemunhas de defesa CLEBER GOULART ATHAYDE, ISMAEL RIBEIRO IBANEZ, MARIA APARECIDA LANGER e BRUNO ARTEMANN BENITES. d) Na decisão de ID 2150009740, datada de 27/09/2024, foi procedida à intimação da defesa do réu LUIZ CARLOS BONETTI para que, no prazo de 05 dias, informasse se persistia o interesse na oitiva das testemunhas indicadas na resposta à acusação (vide quadro acima). Nessa mesma decisão, constou que, caso houvesse insistência na oitiva, a defesa deveria atualizar os dados (endereços) dessas testemunhas (incluindo, se possível, telefone com WhatsApp). Além disso, constou nessa mesma decisão que o silêncio da defesa importaria em desistência tácita da oitiva. Pois bem, transcorridos mais de nove meses desde a aludida decisão, verifico que a defesa não se manifestou sobre esse tema, razão pela qual RECONHEÇO/HOMOLOGO a desistência da oitiva das testemunhas de defesa indicadas pelo réu LUIZ CARLOS BONETTI na resposta à acusação. De todo modo, especificamente, em relação às testemunhas LEONARDO MARINO GOMES DOS SANTOS, HEVELIN RODRIGUES CHAVES, FERNANDO HENRIQUE AFONSO e GARY CHRISTIAN EVANGELISTA TOYOTANI, saliento que já haverá o aproveitamento da oitiva realizada na ação penal nº. 1007896-33.2020.4.01.4100, em virtude de requerimento de outras defesas. e) À SECRETARIA DA VARA PARA, com brevidade, juntar aos autos as mídias referentes aos depoimentos judiciais das testemunhas de defesa MARCIA RITA DE BAIRROS ARCE e DANIEL OVIEDO ARCE, realizados no ID 763541999 dos autos nº. 1007896-33.2020.4.01.4100. f) Conforme quadro acima, REGISTRO que resta pendente apenas a oitiva das testemunhas de defesa THIAGO ANDRÉ FERREIRA CARRAPEIRO (réu Talisson), FÁBIO KLAUZER COLMAN PRETO (réu Kleiton) e JOSÉ CARLOS MUNIZ SILVA (réu Kleiton). g) Tendo em vista a informação constante no ID 2170075582, NOMEIO a Defensoria Pública da União para patrocinar a defesa do réu RAUL PAULO TIRLONI nestes autos. Ademais, DETERMINO a exclusão dos advogados destituídos destes autos. h) Quanto à audiência de instrução em continuação: h.1) FIXO as seguintes datas e horários para oitiva das 3 testemunhas de defesa faltantes e interrogatórios de 19 réus: Dia 20 de outubro de 2025 às 8:30 (horário de Porto Velho/RO) Na condição de THIAGO ANDRÉ FERREIRA CARRAPEIRO (residente na Rua Ramón Franco, 764, Centro, Ponta Porã-MS, conforme consta no ID 1032262760) Testemunha de defesa do réu Talisson FÁBIO KLAUZER COLMAN PRETO (residente na Av. Brasil, 4974, Centro, Ponta Porã-MS, com telefone para contato (67) 99294-8778, conforme consta no ID 2151726267) Testemunha de defesa do réu Kleiton JOSÉ CARLOS MUNIZ SILVA (Vendedor Zeca) (residente na Quadra 07, Casa 31, Bairro Valparaiso I – Etapa C, em Valparaíso de Goiás/GO, com telefone para contato (61) 99328-5242, conforme consta no ID 2151726267) Testemunha de defesa do réu Kleiton JARVIS CHIMENES PAVÃO (recolhido na Penitenciária Federal de Brasília) Réu (ré) Dia 21 de outubro de 2025 às 8:30 (horário de Porto Velho/RO) Na condição de ADRIANA AZEVEDO PAVÃO (ADRIANA NASCIMENTO AZEVEDO Réu (ré) GANDHI JACOB KABAD COSTA Réu (ré) LUAN AZEVEDO PAVÃO Réu (ré) JENIFER CRISLAINE DE SOUZA TROCHE Réu (ré) ADRIANO RONALDO COELHO ZUIM Réu (ré) Dia 22 de outubro de 2025 às 8:30 (horário de Porto Velho/RO) Na condição de KALINE OLIVEIRA SANTOS Réu (ré) KLEITON CHIMENES LARSON Réu (ré) LUIZ CARLOS BONET Réu (ré) NAIR CHIMENES LARSON Réu (ré) PAULO LARSON DIAS Réu (ré) Dia 23 de outubro de 2025 às 8:30 (horário de Porto Velho/RO) Na condição de RAUL PAULO TIRLON Réu (ré) REGINA ESTELA CHIMENES PAVÃO Réu (ré) TALESSA ARIANY SANTOS DA SILVA Réu (ré) TALLISSON GILBERTO SANTOS DA SILVA Réu (ré) THIAGO SOUZA DE PAULA Réu (ré) Dia 24 de outubro de 2025 às 8:30 (horário de Porto Velho/RO) Na condição de ANDERSON SARABIA BOBADILHA Réu (ré) CAROLINE ECKERT CORDEIRO Réu (ré) CYRUS NATHANN KABAD DA COSTA Réu (ré) h.2) REGISTRO que, no decorrer das audiências, as oitivas poderão ser adiantadas ou postergadas, a depender do tempo de duração das inquirições; que o interrogatório dos réus será realizado na ordem da denúncia; e que as partes deverão observar a diferença de fuso-horário (se for o caso), já que 8:30 em Porto Velho/RO corresponde a 9:30 em Brasília. h.3) REGISTRO que a audiência ocorrerá, em linha de princípio, presencialmente na Sala de Audiências desta 3ª Vara Federal, salvo requerimento das partes, em até 05 (cinco) dias, no sentido de que seja realizada virtualmente (arts. 3º e 5º, Resolução CNJ nº. 354/2020). Escoado esse prazo, INTIMEM-SE a(s) testemunha(s) acerca da forma de realização da audiência. h.4) Optando as partes pela realização de audiência telepresencial, o acesso dar-se-á por meio do Aplicativo Microsoft Teams, através do link: https://teams.microsoft.com/l/meetup-join/19%3ameeting_OTY2OTQyNzktOWMxOS00MjkwLWIxMmYtZTdiN2Y4YzRhZmJj%40thread.v2/0?context=%7b%22Tid%22%3a%22963819f6-e1a3-491c-a1cc-5096f914cf4b%22%2c%22Oid%22%3a%2279f3b066-7235-42fb-b612-132e3232b0e8%22%7d h.5) CONSIGNO que, na ausência de opção expressa pela audiência virtual no prazo assinado, o link de acesso à sala de audiência virtual será cancelado e a audiência será realizada, exclusivamente, de modo presencial. h.6) ADVIRTO aos Advogados e Membros do MPF/DPU de que, no caso de audiência virtual, também é necessária a utilização de vestimenta adequada (traje forense, beca ou toga), bem como fundo adequado, estático e de natureza neutra (art. 2º, Resolução CNJ nº. 465/2022). h.7) INTIMEM-SE as defesas para que, no prazo de 10 (dez) dias, INFORMEM/ATUALIZEM os NÚMEROS DE TELEFONE (preferencialmente, com acesso ao WhatsApp) e ENDEREÇOS DOS RÉUS e das TESTEMUNHAS por si arroladas (se houver), para que o juízo possa promover-lhes as intimações necessárias (art. 9º, parágrafo único, Resolução CNJ nº. 354/2020), sob pena de revelia (réus) e desistência tácita da oitiva (testemunhas), caso não sejam encontrados com os dados constantes nos autos. h.8) ATENTE a Secretaria para eventual necessidade de intimação das chefias diretas de servidores públicos ou de requisição de militares na condição de testemunhas (art. 11, Resolução CNJ nº. 354/2020); e/ou para a adoção das medidas necessárias à realização do ato com a participação de presos (art. 6º, Resolução CNJ nº. 354/2020). h.9) INTIMEM-SE as partes para ciência desta decisão, especialmente sobre a forma de realização da audiência. i) Intimem-se. Cumpra-se. Porto Velho/RO, data e assinatura do sistema. (assinado eletronicamente) REGINAL ACHRE SIQUEIRA Juiz Federal Substituto
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.
Fazer Login para Ver Mais
Processo nº 0000619-30.2017.4.01.3601
ID: 280195425
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000619-30.2017.4.01.3601
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA H…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal, interposta por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI), de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou às seguintes penas, em relação aos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material: 1.JAIR NAMBIKWARA HALOTESU: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão ; 2.MANE MANDUCA: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 3.MILTON NAMBIWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 4.ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e 5.MARCOS NAMBIKWARA: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Consta na denúncia que (ID 236427506, pp. 3/26): [...] 1) CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL Os fatos narrados foram investigados no Inquérito Policial em epígrafe no âmbito da "Operação Santa Cruz", em decorrência do bloqueio da BR-174, entre os municípios de Comodoro/MT e Vilhena/RO, iniciado em 19 de abril de 2015, promovido por índios da etnia Nambikwara. A justificativa dada pelos líderes indígenas para a realização dos bloqueios foi a necessidade de geração de renda à etnia. Quanto a este pleito, de rigor notar que no bojo do inquérito civil n° 1.20.001.000041/2015-32 o Ministério Público Federal tem adotado medidas de índole extrapenal para garantir o acesso à fruição dos direitos sociais aos membros da etnia Nambikwara. De rigor notar que restou atestado através de perícia antropológica que Manduka como as demais lideranças da terra indígena possui pleno conhecimento da ilegalidade dos bloqueios (laudo antropológico elaborado pelo perito do Ministério Público Federal, Leonardo Leocádio da Silva, que segue em anexo). O modo de atuação compreendia na mobilização de índios na rodovia (há registro da existência de acampamento às margens da BR 174 onde chegaram a se instalar cerca de 200 indígenas - conforme laudo antropológico que segue em anexo), para fechamento dos dois sentidos da rodovia, dando-se ordem de parada aos veículos. Alguns índios estavam munidos de arcos e flechas. Assim, realizava-se a "cobrança" de valores para a passagem, que variavam de acordo com o tipo do veículo, mediante a entrega de um "ticket" conforme diversos Boletins de Ocorrência Policial juntados nos autos do caderno apuratório. Consigne-se que os bloqueios foram reiterados e as arrecadações diárias, segundo informações prestadas pelo denunciado MANE MANDUCA (fl. 278), atingiam, em média, a quantia de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00. As interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, que tiveram como alvo os denunciados, cujas transcrições e demais documentos constam nos autos n° 1844-5.2015.4.01.3601 em apenso, elucidaram a formação de atuação arquiteta pelos denunciados, que mantiveram-se em conluio, comandando, cada um no âmbito de suas funções e atribuições, a realização e logística dos bloqueios. Além disso, ficou evidenciado, também, que os denunciados MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU exerciam uma liderança mais acentuada, sendo os mentores intelectuais dos crimes. II. DO CRIME DE EXTORSÃO (art. 158, § 10 do Código Penal) No período que compreende, aproximadamente, 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, na rodovia BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, previamente ajustados, atuando com unidade de desígnios, consciência e vontade cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, constrangeram, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela aludida rodovia, conforme Boletins de Ocorrência Policial de fls. 46, 47/48, 50/51, 53/55, 57/58, 60/61, 62/65, 67/68, 69/70, 72/73, 74/75, 76/77, 78, 80, 82/83, 130/131, 132/133, 135/136, 137/138, 174/176, 178/181,185/188, 190/192,193/194, 196/197, 198/200, 204/205, 206/207, 208, 209/210, 212/213, 215/216, 217/218, 219/220, 222 e 223. Conforme apurado, os acusados, nas condições de tempo e local acima indicados, organizaram a realização de bloqueios na rodovia, dirigindo a atuação de outros índios da etnia Nambikwara, de modo que constrangeram os usuários da rodovia ao pagamento de quantias em dinheiro a título de "pedágio" para que prosseguissem viagem. [...] Com relação às elementares do crime, o uso de grave ameaça fica expresso através do Termo de Declaração de fl. 151, em que Roseli de Souza Dutra externa que seu marido Jair Rosa Dutra, caminhoneiro, foi ameaçado pelos indígenas por se recusar a pagar o valor cobrado. Além disso, o Laudo de Perícia Criminal n° 075/2015 - UTEC/DPF/VLA/RO (fis. 229/233) atesta a total nocividade à integridade física e vida humana do artefato (flecha) atirado pelos indígenas que realizavam o bloqueio contra veículo conduzido por pessoa que por ali trafegava. A autoria delitiva pesa em favor de todos os denunciados e é respaldada pela Informação Policial n° 012- NO/CAE/DPF/MT de fls. 84/97, na qual constam fotografias de MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA e ANAEL NAMBIKWARA, identificados como líderes do movimento. Também o Termo de Declarações de fls.158/159, em que fora ouvido o denunciado JAIR NAMBIKWARA, em que este último assume sua participação e de MANE MANDUCA no cometimento do delito, ambos funcionando, inclusive, como lideranças. Vale mencionar, também, como prova da autoria delitiva a Informação n. 117/2016 - NO/DPF/CAE/MT de fls. 277/279. Além disso, as interceptações telefônicas constantes do Auto Circunstanciado Final n° 19 Operação Santa Cruz (fls. 236/299 dos autos em apenso), também são importantes para descortinar a autoria delitiva. O índice n. 6938835, em que MANE MANDUCA conversa com pessoa chamada Alessandra demonstra que o denunciado é parte da associação criminosa e percebe quantia indevida em razão do bloqueio ilegal: [...] Já o índice n. 6947060 revela conversa entre MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA em que ambos tratam, dentre outros assuntos, acerca do bloqueio: [...] O índice n. 6933208 deixa claro a importância do denunciado ANAEL NAMBIKWARA para o desenvolvimento da atividade criminosa: [...] Por fim, mencione-se o índice n. 6940996, que torna clara a efetiva participação de MARCOS NAMBIKWARA: [...] Demonstradas, portanto, autoria e materialidade delitiva, de rigor a condenação dos denunciados nas penas do art. 158, caput, do Código Penal, com o aumento de pena previsto em seu §1º. 3. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (art. 288, caput, do Código Penal). No período compreendido, aproximadamente, entre os dias 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, se associaram, com o fim específico de cometer o crime de extorsão anteriormente imputado. De início, vale mencionar que JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, em Termo de Declarações de fls. 158/159, confessa que o bloqueio seria liderado por ele e por MANDE MANDUCA, uma vez que este é presidente da associação HYTO enquanto o declarante é Cacique-Geral. Já MANE MANDUCA, na informação n. 117/2016-NO/DPF/CAE/MT (fls. 278/279), também admite sua participação e a de JAIR HALOTESU no esquema criminoso, afirmando, inclusive, que sabia da ilegalidade de sua conduta e demonstra estrito conhecimento do funcionamento de todo arranjo delituoso. De acordo com o Auto Circunstanciado n. 19 (fls. 236/299 - autos n° 1844-56.2015.4.01.3601 em apenso), índice n. 6938835, fica demonstrada a associação efetiva entre MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU. Neste áudio, cuja degravação segue abaixo, MANE MANDUCA menciona com o outro interlocutor que conversará com JAIR para que possa "pegar um dia de estrada", ou seja, ficar um dia no pedágio e utilizar parte da quantia indevidamente obtida para satisfazer necessidade pessoal. Desde logo, fica clara a liderança exercia por ambos com relação às determinações acerca do "pedágio", como determinar os dias de realização, as pessoas que comporão os grupos para cobrança e qual a função de cada um. [...] Em outro diálogo, registrado sob o índice n. 6947060, MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA conversam sobre questões atinentes aos bloqueios, tendo o segundo alertado o primeiro acerca de eventual suspensão das cobranças indevidas. JAIR NAMBIKWARA HALOTESU também é mencionado por MANE, quando o último solicita a MILTON que fale com JAIR para que este segure determinada quantia obtida em razão da prática criminosa para satisfação de necessidade pessoal. [...] A liderança exercida por MANE MANDUCA é tão evidente, que ele chega a ser procurado por meios de comunicação para esclarecer a situação dos bloqueios, como indicam os índices n. 7016075 e n. 7021741: [...] O índice n. 7023533 é relativo a diálogo travado entre MANE e MILTON que tratam acerca da destinação dada por MANE ao dinheiro obtido nos bloqueios. [...] Ainda sobre o envolvimento de MILTON NAMBIKWARA, necessária a citação ao índice n. 7009982, que demonstra ter o denunciado controle sobre o dinheiro arrecadado. Neste diálogo, o interlocutor solicita a MILTON que guarde determinada quantia para lhe repassar posteriormente, ao passo que o denunciado afirma que dessa forma irá proceder conforme requerido. [...] O índice n. 6933208 é referente a diálogo entre o denunciado ANAEL NAMBIKWARA e terceira pessoa, momento em que se conversa acerca da destinação de quantias, supostamente as obtidas nos bloqueios. ANAEL revela estar sob posse das quantias e, ao que tudo indica, irá depositar em conta a ser aberta pelo outro interlocutor. Tal fato revela a importância de ANAEL na associação criminosa, uma vez que era ele quem dava destinação ao dinheiro percebido indevidamente: [...] O diálogo relativo ao índice n. 6933208 demonstra, mais uma vez, que ANAEL NAMBIKWARA era um dos organizadores dos bloqueios, em associação aos demais denunciados. Fica evidente que ANAEL atuava praticamente em substituição a JAIR e MANE quando estes no estivessem, por qualquer motivo, disponíveis para fornecer informações sobre os bloqueios ilegais. [...] No diálogo de código 7032761 fica claro, mais uma vez, que ANAEL é um dos responsáveis pela administração dos valores arrecadados em decorrência dos bloqueios. O diálogo registrado sob o índice n. 6940996 demonstra que o denunciado MARCOS NAMBIKWARA também era um dos líderes do movimento criminoso, integrando seleto grupo composto pelos outros denunciados. Fica evidente, conforme a transcrição abaixo, que a posição de MARCOS lhe possibilitava tomar decisões acerca do rumo a ser dado aos bloqueios efetuados, bem como sobre eventuais repercussões em caso de intervenções do Poder Público. [...] Denúncia recebida em 15.03.2017 (ID 236427507, p. 90). Sentença condenatória publicada em 20.09.2021 (ID 236433235). Os recorrentes sustentam, sumamente, (i) cerceamento de defesa, devido à ausência de laudo antropológico, (ii) ausência de laudo técnico para atestar a imputabilidade dos acusados, (iii) inexistência de crime, (iv) retificação da dosimetria, (v) fixação do regime de semiliberdade (ID 236433240). Contrarrazões apresentadas (ID 236433243). A PRR-1ª Região se manifestou pelo reconhecimento da prescrição quanto ao delito de associação criminosa e pelo desprovimento do recurso (ID 256332526) É o relatório. À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III). MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Incialmente, deixa-se de apreciar a nulidade por cerceamento de defesa, porque o resultado de mérito é favorável. Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. No que se refere à infração penal de extorsão, a condenação não subsiste, como se verá. Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”) (ID 236433235): [...] MNI: Vocês continuam no pedágio? MARCOS: Verdade, enquanto o governo, o governo não dá resposta, pra licenciamento pra os índios NAMBIKWARA de comer (incompreensível), eles tá ali, com arma, tudo, pode vir Força Nacional (incompreensível). Novidade que tinha é essa mesma. MNI: Eu soube que ontem a FUNAI foi ali, eles não resolveram nada? MARCOS: Nada, eles não vai resolver. MNI: Ele não passou ali? MARCOS: Passou (incompreensível). MNI: Ahh tá. MARCOS: Diz que tá vindo Força Nacional, os índios não vai sair dali. MNI: Vai vir, vai vir a Força Nacional? MARCOS: Diz (incompreensível), os índio não vai sair dali. Eles tá pronto ali pra embassar os homem, morrer né ali, derramar sangue ali, acabou. MNI: (risos) Vocês estão disposto a morrer aí? MARCOS: Acho que não né? (risos) MNI: (risos) Pois é, porque aí seria ruim né, porque a gente precisa do povo NAMBIKWARA. MARCOS: Não, se os NAMBIKWARA decidi ir pra guerra ali (incompreensível). MNI: Pois é, o problema é que, eu tive já analisando a situação, o problema é tem coisas que vocês estão reivindicando que nem é de competência da FUNAI resolver, é difícil resolver na hora, porque depende de outros né? MARCOS: E, é verdade. MNI: Esse que é o caso né, como essa PCH que vocês querem é. MARCOS: (incompreensível) NAMBIKWARA eles quer dinheiro, né Lourdes (?)? Os NAMBIKWARA hoje, um dos lá em Brasília falar pra ele que NAMBIKWARA (incompreensível) pedágio da rodovia federal ainda, eles tá pronto, eles sabe proposta. Eles não vai sair dali, se o governo não tem licenciamento ali eles não vão sair dali, eles tá ali pronto, ele sabe a proposta. E guerra, é guerra e eu falo logo (incompreensível). MNI: E, só que esse licenciamento dessa PCH, o problema é que pra dar esse licenciamento tem que ter o estudo bem feito né, e a questão de vocês ali que o Ministério Público alega é que o estudo não está bem feito. Esse que é o problema. Porque o estudo, vamos dizer, no estudo eles tem que colocar quantos índios vão ser atendidos, qual é o prejuízo que vai trazer pros índios, várias coisas assim, e naquele estudo não tem isso, então o que as autoridades querem é um estudo mais bem feito né? Então por isso que agora, por exemplo, se agora aprova, de repente a empresa até paga um bom dinheiro pra vocês, mas aí no futuro vocês não tem como cobrar, porque vocês não tem como provar quais são os prejuízos que tá causando né? [...] MARCOS: Não, o negócio do NAMBIKWARA é direto, não tem negócio mais, porque eles já pediram eles já fizeram a reivindicação, solicitaram o pessoal de Brasília que que os índios NAMBIKWARA precisam, só que não deram resposta. Agora a ameaça que eles tem, eles vão sair dali do pedágio, eles vão sair pra ali no Rio Novo pra quebrar ponte, ele vai quebrar ponte. MNI: Vai quebrar ponte lá? MARCOS: Vai, vai sair os índios dali eles já marcaram até o ponto. Os índios que tá são muitos, os cuidados. [...] E este diálogo do acusado MANÉ complementa (ID 236433235): [...] ALESSANDRA: Negociaram, chegaram num acordo então? MANE: Não foi bem num acordo não, mas nós pegamos uma semana pra resolver. ALESSANDRA: É né, mas a reinvidicação mais em cima das terra? MANE: É questão de 4 mil, de licenciamento de 4 mil hectare, essas coisas, sabe? ALESSANDRA: Ahh tá, o licenciamento pra plantio né? MANE: Pra plantio, eles não quer dar resposta. ALESSANDRA: Com arrendamento né? MANE: É, porque nós não temos máquina, nós tem que passar pra produtor pegar e fazer. ALESSANDRA: Ummm aí vocês tiram a porcentagem né? [...] A prova cautelar demonstra, ainda, a utilização de quantia para tratamento de saúde (ID 236433235, p. 14): [...] ALESSANDRA: To bem, com quem eu falo? MANE: E MANDUCA. ALESSANDRA: Oh MANDUCA, você é enrolado heim, tá ganhando dinheiro aí pra gente? MANE: Eu também to querendo. ALESSANDRA: Você tá querendo né MANDUCA. MANE: Oh, você acha que é assim, só porque tem pedágio que MANDUCA tá rico ... risos... ALESSANDRA: Não, imagina, to falando isso não. MANE: Oi, eu to precisando de 4mil para fazer cirurgia da JOANA, da vesícula dela, particular, eu não to conseguindo. ALESSANDRA: Hummm. MANE: Verdade. Eu to conversando com o pessoal aqui, com o JAIR, vou pegar um dia de pista e vou fazer a cirurgia dela urgente, ela não está aguentando mais. [...] Havia fornecimento ticket com a menção de que se referia à “PARALISAÇÃO EM PROL DO CASCALHAMENTO DAS ESTRADAS DE ACESSO ÀS ALDEIAS” (ID 236427506, pp. 111, 115, 121,125, 237, 244, 251). Este trecho de reportagem, datada de 08.06.2015, acostada aos autos demonstra o intuito reivindicatório do pedágio (ID 236427506, p. 276): [...] A situação sobre a BR-174, rodovia que liga os estados do Mato Grosso e Rondônia (e já no estado de Rondônia se transforma em BR-364) a cerca de 30 quilômetros do município mato-grossense de Comodoro, em relação ao pedágio cobrado pelos indígenas da etnia Nambikwara, é delicada. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, o direito de plantar e conseguir gerar renda para o sustento das cerca de 600 pessoas que compõem o grupo, e para isso impedem o livre tráfego de homens brancos na rodovia. Os motoristas só podem passar pelo local mediante pagamento. Motocicletas, carros, caminhões e até ônibus coletivos são submetidos a cobranças que variam de R$ 15 a R$ 50 (no caso de veículos pesados). A maioria absoluta dos condutores paga, porém insatisfeita. O empecilho no local já gerou conflitos, reclamações de associações e cooperativas, e até mesmo registro de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF). A última tentativa de acabar com o pedágio Nambikwara foi realizada na manhã da última quarta-feira. A PRF e outros órgãos federais marcaram um encontro com lideranças Nambikwara na cidade de Comodoro para debater possibilidades que dessem fim ao pedágio. As lideranças da etnia não foram ao encontro, fato que lhes garantiu pelo menos uma semana a mais de prazo, e de pedágio na rodovia. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia esteve no local e conseguiu acesso ao acampamento dos manifestantes. Em conversa com o cacique geral, Jair Nambikwara, ele disse que participou de outra reunião na mesma semana com a PRF e a Fundação Nacional do índio (Funai), mas não havia firmado nenhum apoio porque não consultara as demais lideranças de sua tribo. "Eu não poderia tomar nenhuma decisão sem antes saber o que eles pensam, por isso marcamos este outro encontro", relatou Jair. As lideranças não compareceram porque alguns pajés consultaram os espíritos protetores do grupo, e eles haviam alertado sobre o perigo resultante do encontro. "Os espíritos relataram que as lideranças poderiam ser presas durante o encontro. Assim nosso movimento se enfraqueceria, por isso não participamos", relatou o cacique-geral Nambikwara, que fez uma revelação inquietante: "Estamos preparados para a guerra, e não vai ser fácil tirar a gente daqui do acampamento", garantiu. Jair relatou que a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos primeiros encontros dificultou um acordo inicial com a PRF. Agora que a fundação já tomou ciência de todas as exigências, fica mais fácil negociar, desde que haja documentação oficial de cada encontro realizado, pois segundo os indígenas, muitos acordos verbais feitos com as instituições públicas não foram cumpridos. Enquanto a equipe de reportagem estava no local, um grupo de policiais, componentes da força-tarefa da PRF incumbida da operação, passou pelo pedágio. Alguns índios que estavam na BR começaram a gritar, e em seguida entoavam cânticos aparentemente de alegria. Um grande volume de veículos se aglomerou no local, e enquanto a equipe registrava o momento ouvia de motoristas frases como "isso é um absurdo", ou "falta de vergonha". Alguns condutores que se recusavam a pagar tinham os carros cercados. Os veículos ficavam parados e a fila aumentava. O único jeito de sair do local é sucumbir ao preço estipulado pelo grupo. Mas afinal, o que querem os índios? Essa era a pergunta que não cessava na conversa entre os jornalistas que foram ao local para tentar ouvir a versão dos indígenas. Extremamente solícito, o cacique Jair Nambikwara, que é o líder geral do grupo, não se ofendeu com a pergunta, e demostrou bastante interesse em esclarecer a situação. "Conseguir fonte de renda para os índios, o licenciamento das terras para permitir o cultivo pra que a gente possa vender nossos produtos, e o pagamento da indenização pelo Dnit, da terra desapropriada para a construção da BR. Nada mais verbal, tudo com documentos", diz. O cacique-geral explicou que estes são os pedidos principais e os indígenas também querem o direito de mais acesso à saúde, educação e benefícios básicos garantidos a qualquer outro cidadão brasileiro. "O pedágio é uma forma de nós conseguirmos renda para compra de comida, e garantir o sustento de todos aqui", acrescenta. [...] Conforme o depoimento extrajudicial de JAIR NAMBIQUARA HALOTESU (ID 236427506, p. 286), na presença da Coordenadora Técnica Local da FUNAI, em Comodoro/MT, este narrou “...QUE pertence à etnia Nambiquara e reside na Aldeia Nova Mutum; QUE é Cacique Geral do povo Nambiquara do Cerrado, há mais de 15 (quinze) anos; QUE acerca do bloqueio da rodovia BR-174, que vem ocorrendo desde o mês de abril, respondeu que está sendo realizado pelos índios Nambiquara do Cerrado e Nambiquara do Vale; QUE acerca dos motivos desses bloqueios, disse que ocorre por conta de várias reivindicações, tais manutenção das estradas que dão acesso às aldeias, instalação de PCH e conclusão da instalação de rede de energia elétrica nas aldeias e compensação pelo impacto ambiental pelo DNIT, recebimento de ICMS ecológico, implantação lauvora (sic) mecanizada em regime de parceria com prefeitura, outros índios e a FUNAI, para sustento dos integrantes da comunidade; QUE não buscam a parceria com fazendeiros locais...” Em conformidade com o Parecer Pericial n. 04/2016 da PGR (ID 236427507, pp. 74 e 82), “Na visão de várias lideranças, o pedágio é a consequência da ausência de políticas públicas, principalmente de geração direta de renda” e as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. A propósito: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0001916-38.2018.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 07/10/2024, grifos meus.) Em igual sentido, deu-se na Apelação Criminal n. 0000187-40.2019.4.01.3601, com também identidade parcial: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024, grifos meus.) Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. Ante o exposto, DECLARO extinta a punibilidade de todos os acusados, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa, no que diz respeito ao delito do art. 288, caput, do CP, e, na parte não prejudicada, DOU PROVIMENTO à apelação, com o fim de, reformando a sentença, julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver (1) JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, (2) MANE MANDUCA, (3) MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, (4) ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e (5) MARCOS NAMBIKWARA, no que toca à infração penal do art. 158, §1º, do CP, com fundamento no art. 386, III, do CPP. É o voto. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelações interpostas por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNAI, de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou pelos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material, consubstanciados pelas condutas de, segundo a denúncia, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, terem, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 288 do CP, ante a incidência da prescrição; e ii) afastar a condenação relativa ao crime de extorsão, ante a ausência da elementar da "vantagem indevida", ante o intuito reivindicatório do "pedágio" cobrado, revertido à comunidade indígena, ante a omissão estatal para a garantia de seus direitos. Ante o exposto, ACOMPANHO o e. relator e declaro extinta a punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição, em relação ao crime do art. 288 do CP, ficando prejudicada a apelação nesse ponto; e dou provimento à apelação na parte não prejudicada para absolvê-los quanto ao crime do art. 158, §1º, do CP, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. EXTORSÃO. ATIPICIDADE FORMAL. ABSOLVIÇÃO. 1.A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. 2.Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. 3.Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. 4.A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”). 5.A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. Em igual sentido: ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024. 6.Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). 7.É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. 8.Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. 9.Punibilidade extinta, de ofício, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao delito de associação criminosa. Apelação a que se dá provimento, na parte não prejudicada, para absolver os réus, quanto à extorsão. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição e dar provimento à apelação, na parte não prejudicada, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0000619-30.2017.4.01.3601
ID: 280195428
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000619-30.2017.4.01.3601
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA H…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal, interposta por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI), de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou às seguintes penas, em relação aos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material: 1.JAIR NAMBIKWARA HALOTESU: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão ; 2.MANE MANDUCA: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 3.MILTON NAMBIWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 4.ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e 5.MARCOS NAMBIKWARA: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Consta na denúncia que (ID 236427506, pp. 3/26): [...] 1) CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL Os fatos narrados foram investigados no Inquérito Policial em epígrafe no âmbito da "Operação Santa Cruz", em decorrência do bloqueio da BR-174, entre os municípios de Comodoro/MT e Vilhena/RO, iniciado em 19 de abril de 2015, promovido por índios da etnia Nambikwara. A justificativa dada pelos líderes indígenas para a realização dos bloqueios foi a necessidade de geração de renda à etnia. Quanto a este pleito, de rigor notar que no bojo do inquérito civil n° 1.20.001.000041/2015-32 o Ministério Público Federal tem adotado medidas de índole extrapenal para garantir o acesso à fruição dos direitos sociais aos membros da etnia Nambikwara. De rigor notar que restou atestado através de perícia antropológica que Manduka como as demais lideranças da terra indígena possui pleno conhecimento da ilegalidade dos bloqueios (laudo antropológico elaborado pelo perito do Ministério Público Federal, Leonardo Leocádio da Silva, que segue em anexo). O modo de atuação compreendia na mobilização de índios na rodovia (há registro da existência de acampamento às margens da BR 174 onde chegaram a se instalar cerca de 200 indígenas - conforme laudo antropológico que segue em anexo), para fechamento dos dois sentidos da rodovia, dando-se ordem de parada aos veículos. Alguns índios estavam munidos de arcos e flechas. Assim, realizava-se a "cobrança" de valores para a passagem, que variavam de acordo com o tipo do veículo, mediante a entrega de um "ticket" conforme diversos Boletins de Ocorrência Policial juntados nos autos do caderno apuratório. Consigne-se que os bloqueios foram reiterados e as arrecadações diárias, segundo informações prestadas pelo denunciado MANE MANDUCA (fl. 278), atingiam, em média, a quantia de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00. As interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, que tiveram como alvo os denunciados, cujas transcrições e demais documentos constam nos autos n° 1844-5.2015.4.01.3601 em apenso, elucidaram a formação de atuação arquiteta pelos denunciados, que mantiveram-se em conluio, comandando, cada um no âmbito de suas funções e atribuições, a realização e logística dos bloqueios. Além disso, ficou evidenciado, também, que os denunciados MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU exerciam uma liderança mais acentuada, sendo os mentores intelectuais dos crimes. II. DO CRIME DE EXTORSÃO (art. 158, § 10 do Código Penal) No período que compreende, aproximadamente, 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, na rodovia BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, previamente ajustados, atuando com unidade de desígnios, consciência e vontade cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, constrangeram, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela aludida rodovia, conforme Boletins de Ocorrência Policial de fls. 46, 47/48, 50/51, 53/55, 57/58, 60/61, 62/65, 67/68, 69/70, 72/73, 74/75, 76/77, 78, 80, 82/83, 130/131, 132/133, 135/136, 137/138, 174/176, 178/181,185/188, 190/192,193/194, 196/197, 198/200, 204/205, 206/207, 208, 209/210, 212/213, 215/216, 217/218, 219/220, 222 e 223. Conforme apurado, os acusados, nas condições de tempo e local acima indicados, organizaram a realização de bloqueios na rodovia, dirigindo a atuação de outros índios da etnia Nambikwara, de modo que constrangeram os usuários da rodovia ao pagamento de quantias em dinheiro a título de "pedágio" para que prosseguissem viagem. [...] Com relação às elementares do crime, o uso de grave ameaça fica expresso através do Termo de Declaração de fl. 151, em que Roseli de Souza Dutra externa que seu marido Jair Rosa Dutra, caminhoneiro, foi ameaçado pelos indígenas por se recusar a pagar o valor cobrado. Além disso, o Laudo de Perícia Criminal n° 075/2015 - UTEC/DPF/VLA/RO (fis. 229/233) atesta a total nocividade à integridade física e vida humana do artefato (flecha) atirado pelos indígenas que realizavam o bloqueio contra veículo conduzido por pessoa que por ali trafegava. A autoria delitiva pesa em favor de todos os denunciados e é respaldada pela Informação Policial n° 012- NO/CAE/DPF/MT de fls. 84/97, na qual constam fotografias de MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA e ANAEL NAMBIKWARA, identificados como líderes do movimento. Também o Termo de Declarações de fls.158/159, em que fora ouvido o denunciado JAIR NAMBIKWARA, em que este último assume sua participação e de MANE MANDUCA no cometimento do delito, ambos funcionando, inclusive, como lideranças. Vale mencionar, também, como prova da autoria delitiva a Informação n. 117/2016 - NO/DPF/CAE/MT de fls. 277/279. Além disso, as interceptações telefônicas constantes do Auto Circunstanciado Final n° 19 Operação Santa Cruz (fls. 236/299 dos autos em apenso), também são importantes para descortinar a autoria delitiva. O índice n. 6938835, em que MANE MANDUCA conversa com pessoa chamada Alessandra demonstra que o denunciado é parte da associação criminosa e percebe quantia indevida em razão do bloqueio ilegal: [...] Já o índice n. 6947060 revela conversa entre MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA em que ambos tratam, dentre outros assuntos, acerca do bloqueio: [...] O índice n. 6933208 deixa claro a importância do denunciado ANAEL NAMBIKWARA para o desenvolvimento da atividade criminosa: [...] Por fim, mencione-se o índice n. 6940996, que torna clara a efetiva participação de MARCOS NAMBIKWARA: [...] Demonstradas, portanto, autoria e materialidade delitiva, de rigor a condenação dos denunciados nas penas do art. 158, caput, do Código Penal, com o aumento de pena previsto em seu §1º. 3. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (art. 288, caput, do Código Penal). No período compreendido, aproximadamente, entre os dias 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, se associaram, com o fim específico de cometer o crime de extorsão anteriormente imputado. De início, vale mencionar que JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, em Termo de Declarações de fls. 158/159, confessa que o bloqueio seria liderado por ele e por MANDE MANDUCA, uma vez que este é presidente da associação HYTO enquanto o declarante é Cacique-Geral. Já MANE MANDUCA, na informação n. 117/2016-NO/DPF/CAE/MT (fls. 278/279), também admite sua participação e a de JAIR HALOTESU no esquema criminoso, afirmando, inclusive, que sabia da ilegalidade de sua conduta e demonstra estrito conhecimento do funcionamento de todo arranjo delituoso. De acordo com o Auto Circunstanciado n. 19 (fls. 236/299 - autos n° 1844-56.2015.4.01.3601 em apenso), índice n. 6938835, fica demonstrada a associação efetiva entre MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU. Neste áudio, cuja degravação segue abaixo, MANE MANDUCA menciona com o outro interlocutor que conversará com JAIR para que possa "pegar um dia de estrada", ou seja, ficar um dia no pedágio e utilizar parte da quantia indevidamente obtida para satisfazer necessidade pessoal. Desde logo, fica clara a liderança exercia por ambos com relação às determinações acerca do "pedágio", como determinar os dias de realização, as pessoas que comporão os grupos para cobrança e qual a função de cada um. [...] Em outro diálogo, registrado sob o índice n. 6947060, MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA conversam sobre questões atinentes aos bloqueios, tendo o segundo alertado o primeiro acerca de eventual suspensão das cobranças indevidas. JAIR NAMBIKWARA HALOTESU também é mencionado por MANE, quando o último solicita a MILTON que fale com JAIR para que este segure determinada quantia obtida em razão da prática criminosa para satisfação de necessidade pessoal. [...] A liderança exercida por MANE MANDUCA é tão evidente, que ele chega a ser procurado por meios de comunicação para esclarecer a situação dos bloqueios, como indicam os índices n. 7016075 e n. 7021741: [...] O índice n. 7023533 é relativo a diálogo travado entre MANE e MILTON que tratam acerca da destinação dada por MANE ao dinheiro obtido nos bloqueios. [...] Ainda sobre o envolvimento de MILTON NAMBIKWARA, necessária a citação ao índice n. 7009982, que demonstra ter o denunciado controle sobre o dinheiro arrecadado. Neste diálogo, o interlocutor solicita a MILTON que guarde determinada quantia para lhe repassar posteriormente, ao passo que o denunciado afirma que dessa forma irá proceder conforme requerido. [...] O índice n. 6933208 é referente a diálogo entre o denunciado ANAEL NAMBIKWARA e terceira pessoa, momento em que se conversa acerca da destinação de quantias, supostamente as obtidas nos bloqueios. ANAEL revela estar sob posse das quantias e, ao que tudo indica, irá depositar em conta a ser aberta pelo outro interlocutor. Tal fato revela a importância de ANAEL na associação criminosa, uma vez que era ele quem dava destinação ao dinheiro percebido indevidamente: [...] O diálogo relativo ao índice n. 6933208 demonstra, mais uma vez, que ANAEL NAMBIKWARA era um dos organizadores dos bloqueios, em associação aos demais denunciados. Fica evidente que ANAEL atuava praticamente em substituição a JAIR e MANE quando estes no estivessem, por qualquer motivo, disponíveis para fornecer informações sobre os bloqueios ilegais. [...] No diálogo de código 7032761 fica claro, mais uma vez, que ANAEL é um dos responsáveis pela administração dos valores arrecadados em decorrência dos bloqueios. O diálogo registrado sob o índice n. 6940996 demonstra que o denunciado MARCOS NAMBIKWARA também era um dos líderes do movimento criminoso, integrando seleto grupo composto pelos outros denunciados. Fica evidente, conforme a transcrição abaixo, que a posição de MARCOS lhe possibilitava tomar decisões acerca do rumo a ser dado aos bloqueios efetuados, bem como sobre eventuais repercussões em caso de intervenções do Poder Público. [...] Denúncia recebida em 15.03.2017 (ID 236427507, p. 90). Sentença condenatória publicada em 20.09.2021 (ID 236433235). Os recorrentes sustentam, sumamente, (i) cerceamento de defesa, devido à ausência de laudo antropológico, (ii) ausência de laudo técnico para atestar a imputabilidade dos acusados, (iii) inexistência de crime, (iv) retificação da dosimetria, (v) fixação do regime de semiliberdade (ID 236433240). Contrarrazões apresentadas (ID 236433243). A PRR-1ª Região se manifestou pelo reconhecimento da prescrição quanto ao delito de associação criminosa e pelo desprovimento do recurso (ID 256332526) É o relatório. À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III). MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Incialmente, deixa-se de apreciar a nulidade por cerceamento de defesa, porque o resultado de mérito é favorável. Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. No que se refere à infração penal de extorsão, a condenação não subsiste, como se verá. Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”) (ID 236433235): [...] MNI: Vocês continuam no pedágio? MARCOS: Verdade, enquanto o governo, o governo não dá resposta, pra licenciamento pra os índios NAMBIKWARA de comer (incompreensível), eles tá ali, com arma, tudo, pode vir Força Nacional (incompreensível). Novidade que tinha é essa mesma. MNI: Eu soube que ontem a FUNAI foi ali, eles não resolveram nada? MARCOS: Nada, eles não vai resolver. MNI: Ele não passou ali? MARCOS: Passou (incompreensível). MNI: Ahh tá. MARCOS: Diz que tá vindo Força Nacional, os índios não vai sair dali. MNI: Vai vir, vai vir a Força Nacional? MARCOS: Diz (incompreensível), os índio não vai sair dali. Eles tá pronto ali pra embassar os homem, morrer né ali, derramar sangue ali, acabou. MNI: (risos) Vocês estão disposto a morrer aí? MARCOS: Acho que não né? (risos) MNI: (risos) Pois é, porque aí seria ruim né, porque a gente precisa do povo NAMBIKWARA. MARCOS: Não, se os NAMBIKWARA decidi ir pra guerra ali (incompreensível). MNI: Pois é, o problema é que, eu tive já analisando a situação, o problema é tem coisas que vocês estão reivindicando que nem é de competência da FUNAI resolver, é difícil resolver na hora, porque depende de outros né? MARCOS: E, é verdade. MNI: Esse que é o caso né, como essa PCH que vocês querem é. MARCOS: (incompreensível) NAMBIKWARA eles quer dinheiro, né Lourdes (?)? Os NAMBIKWARA hoje, um dos lá em Brasília falar pra ele que NAMBIKWARA (incompreensível) pedágio da rodovia federal ainda, eles tá pronto, eles sabe proposta. Eles não vai sair dali, se o governo não tem licenciamento ali eles não vão sair dali, eles tá ali pronto, ele sabe a proposta. E guerra, é guerra e eu falo logo (incompreensível). MNI: E, só que esse licenciamento dessa PCH, o problema é que pra dar esse licenciamento tem que ter o estudo bem feito né, e a questão de vocês ali que o Ministério Público alega é que o estudo não está bem feito. Esse que é o problema. Porque o estudo, vamos dizer, no estudo eles tem que colocar quantos índios vão ser atendidos, qual é o prejuízo que vai trazer pros índios, várias coisas assim, e naquele estudo não tem isso, então o que as autoridades querem é um estudo mais bem feito né? Então por isso que agora, por exemplo, se agora aprova, de repente a empresa até paga um bom dinheiro pra vocês, mas aí no futuro vocês não tem como cobrar, porque vocês não tem como provar quais são os prejuízos que tá causando né? [...] MARCOS: Não, o negócio do NAMBIKWARA é direto, não tem negócio mais, porque eles já pediram eles já fizeram a reivindicação, solicitaram o pessoal de Brasília que que os índios NAMBIKWARA precisam, só que não deram resposta. Agora a ameaça que eles tem, eles vão sair dali do pedágio, eles vão sair pra ali no Rio Novo pra quebrar ponte, ele vai quebrar ponte. MNI: Vai quebrar ponte lá? MARCOS: Vai, vai sair os índios dali eles já marcaram até o ponto. Os índios que tá são muitos, os cuidados. [...] E este diálogo do acusado MANÉ complementa (ID 236433235): [...] ALESSANDRA: Negociaram, chegaram num acordo então? MANE: Não foi bem num acordo não, mas nós pegamos uma semana pra resolver. ALESSANDRA: É né, mas a reinvidicação mais em cima das terra? MANE: É questão de 4 mil, de licenciamento de 4 mil hectare, essas coisas, sabe? ALESSANDRA: Ahh tá, o licenciamento pra plantio né? MANE: Pra plantio, eles não quer dar resposta. ALESSANDRA: Com arrendamento né? MANE: É, porque nós não temos máquina, nós tem que passar pra produtor pegar e fazer. ALESSANDRA: Ummm aí vocês tiram a porcentagem né? [...] A prova cautelar demonstra, ainda, a utilização de quantia para tratamento de saúde (ID 236433235, p. 14): [...] ALESSANDRA: To bem, com quem eu falo? MANE: E MANDUCA. ALESSANDRA: Oh MANDUCA, você é enrolado heim, tá ganhando dinheiro aí pra gente? MANE: Eu também to querendo. ALESSANDRA: Você tá querendo né MANDUCA. MANE: Oh, você acha que é assim, só porque tem pedágio que MANDUCA tá rico ... risos... ALESSANDRA: Não, imagina, to falando isso não. MANE: Oi, eu to precisando de 4mil para fazer cirurgia da JOANA, da vesícula dela, particular, eu não to conseguindo. ALESSANDRA: Hummm. MANE: Verdade. Eu to conversando com o pessoal aqui, com o JAIR, vou pegar um dia de pista e vou fazer a cirurgia dela urgente, ela não está aguentando mais. [...] Havia fornecimento ticket com a menção de que se referia à “PARALISAÇÃO EM PROL DO CASCALHAMENTO DAS ESTRADAS DE ACESSO ÀS ALDEIAS” (ID 236427506, pp. 111, 115, 121,125, 237, 244, 251). Este trecho de reportagem, datada de 08.06.2015, acostada aos autos demonstra o intuito reivindicatório do pedágio (ID 236427506, p. 276): [...] A situação sobre a BR-174, rodovia que liga os estados do Mato Grosso e Rondônia (e já no estado de Rondônia se transforma em BR-364) a cerca de 30 quilômetros do município mato-grossense de Comodoro, em relação ao pedágio cobrado pelos indígenas da etnia Nambikwara, é delicada. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, o direito de plantar e conseguir gerar renda para o sustento das cerca de 600 pessoas que compõem o grupo, e para isso impedem o livre tráfego de homens brancos na rodovia. Os motoristas só podem passar pelo local mediante pagamento. Motocicletas, carros, caminhões e até ônibus coletivos são submetidos a cobranças que variam de R$ 15 a R$ 50 (no caso de veículos pesados). A maioria absoluta dos condutores paga, porém insatisfeita. O empecilho no local já gerou conflitos, reclamações de associações e cooperativas, e até mesmo registro de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF). A última tentativa de acabar com o pedágio Nambikwara foi realizada na manhã da última quarta-feira. A PRF e outros órgãos federais marcaram um encontro com lideranças Nambikwara na cidade de Comodoro para debater possibilidades que dessem fim ao pedágio. As lideranças da etnia não foram ao encontro, fato que lhes garantiu pelo menos uma semana a mais de prazo, e de pedágio na rodovia. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia esteve no local e conseguiu acesso ao acampamento dos manifestantes. Em conversa com o cacique geral, Jair Nambikwara, ele disse que participou de outra reunião na mesma semana com a PRF e a Fundação Nacional do índio (Funai), mas não havia firmado nenhum apoio porque não consultara as demais lideranças de sua tribo. "Eu não poderia tomar nenhuma decisão sem antes saber o que eles pensam, por isso marcamos este outro encontro", relatou Jair. As lideranças não compareceram porque alguns pajés consultaram os espíritos protetores do grupo, e eles haviam alertado sobre o perigo resultante do encontro. "Os espíritos relataram que as lideranças poderiam ser presas durante o encontro. Assim nosso movimento se enfraqueceria, por isso não participamos", relatou o cacique-geral Nambikwara, que fez uma revelação inquietante: "Estamos preparados para a guerra, e não vai ser fácil tirar a gente daqui do acampamento", garantiu. Jair relatou que a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos primeiros encontros dificultou um acordo inicial com a PRF. Agora que a fundação já tomou ciência de todas as exigências, fica mais fácil negociar, desde que haja documentação oficial de cada encontro realizado, pois segundo os indígenas, muitos acordos verbais feitos com as instituições públicas não foram cumpridos. Enquanto a equipe de reportagem estava no local, um grupo de policiais, componentes da força-tarefa da PRF incumbida da operação, passou pelo pedágio. Alguns índios que estavam na BR começaram a gritar, e em seguida entoavam cânticos aparentemente de alegria. Um grande volume de veículos se aglomerou no local, e enquanto a equipe registrava o momento ouvia de motoristas frases como "isso é um absurdo", ou "falta de vergonha". Alguns condutores que se recusavam a pagar tinham os carros cercados. Os veículos ficavam parados e a fila aumentava. O único jeito de sair do local é sucumbir ao preço estipulado pelo grupo. Mas afinal, o que querem os índios? Essa era a pergunta que não cessava na conversa entre os jornalistas que foram ao local para tentar ouvir a versão dos indígenas. Extremamente solícito, o cacique Jair Nambikwara, que é o líder geral do grupo, não se ofendeu com a pergunta, e demostrou bastante interesse em esclarecer a situação. "Conseguir fonte de renda para os índios, o licenciamento das terras para permitir o cultivo pra que a gente possa vender nossos produtos, e o pagamento da indenização pelo Dnit, da terra desapropriada para a construção da BR. Nada mais verbal, tudo com documentos", diz. O cacique-geral explicou que estes são os pedidos principais e os indígenas também querem o direito de mais acesso à saúde, educação e benefícios básicos garantidos a qualquer outro cidadão brasileiro. "O pedágio é uma forma de nós conseguirmos renda para compra de comida, e garantir o sustento de todos aqui", acrescenta. [...] Conforme o depoimento extrajudicial de JAIR NAMBIQUARA HALOTESU (ID 236427506, p. 286), na presença da Coordenadora Técnica Local da FUNAI, em Comodoro/MT, este narrou “...QUE pertence à etnia Nambiquara e reside na Aldeia Nova Mutum; QUE é Cacique Geral do povo Nambiquara do Cerrado, há mais de 15 (quinze) anos; QUE acerca do bloqueio da rodovia BR-174, que vem ocorrendo desde o mês de abril, respondeu que está sendo realizado pelos índios Nambiquara do Cerrado e Nambiquara do Vale; QUE acerca dos motivos desses bloqueios, disse que ocorre por conta de várias reivindicações, tais manutenção das estradas que dão acesso às aldeias, instalação de PCH e conclusão da instalação de rede de energia elétrica nas aldeias e compensação pelo impacto ambiental pelo DNIT, recebimento de ICMS ecológico, implantação lauvora (sic) mecanizada em regime de parceria com prefeitura, outros índios e a FUNAI, para sustento dos integrantes da comunidade; QUE não buscam a parceria com fazendeiros locais...” Em conformidade com o Parecer Pericial n. 04/2016 da PGR (ID 236427507, pp. 74 e 82), “Na visão de várias lideranças, o pedágio é a consequência da ausência de políticas públicas, principalmente de geração direta de renda” e as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. A propósito: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0001916-38.2018.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 07/10/2024, grifos meus.) Em igual sentido, deu-se na Apelação Criminal n. 0000187-40.2019.4.01.3601, com também identidade parcial: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024, grifos meus.) Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. Ante o exposto, DECLARO extinta a punibilidade de todos os acusados, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa, no que diz respeito ao delito do art. 288, caput, do CP, e, na parte não prejudicada, DOU PROVIMENTO à apelação, com o fim de, reformando a sentença, julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver (1) JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, (2) MANE MANDUCA, (3) MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, (4) ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e (5) MARCOS NAMBIKWARA, no que toca à infração penal do art. 158, §1º, do CP, com fundamento no art. 386, III, do CPP. É o voto. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelações interpostas por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNAI, de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou pelos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material, consubstanciados pelas condutas de, segundo a denúncia, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, terem, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 288 do CP, ante a incidência da prescrição; e ii) afastar a condenação relativa ao crime de extorsão, ante a ausência da elementar da "vantagem indevida", ante o intuito reivindicatório do "pedágio" cobrado, revertido à comunidade indígena, ante a omissão estatal para a garantia de seus direitos. Ante o exposto, ACOMPANHO o e. relator e declaro extinta a punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição, em relação ao crime do art. 288 do CP, ficando prejudicada a apelação nesse ponto; e dou provimento à apelação na parte não prejudicada para absolvê-los quanto ao crime do art. 158, §1º, do CP, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. EXTORSÃO. ATIPICIDADE FORMAL. ABSOLVIÇÃO. 1.A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. 2.Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. 3.Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. 4.A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”). 5.A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. Em igual sentido: ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024. 6.Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). 7.É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. 8.Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. 9.Punibilidade extinta, de ofício, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao delito de associação criminosa. Apelação a que se dá provimento, na parte não prejudicada, para absolver os réus, quanto à extorsão. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição e dar provimento à apelação, na parte não prejudicada, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0000619-30.2017.4.01.3601
ID: 280195433
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000619-30.2017.4.01.3601
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA H…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal, interposta por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI), de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou às seguintes penas, em relação aos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material: 1.JAIR NAMBIKWARA HALOTESU: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão ; 2.MANE MANDUCA: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 3.MILTON NAMBIWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 4.ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e 5.MARCOS NAMBIKWARA: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Consta na denúncia que (ID 236427506, pp. 3/26): [...] 1) CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL Os fatos narrados foram investigados no Inquérito Policial em epígrafe no âmbito da "Operação Santa Cruz", em decorrência do bloqueio da BR-174, entre os municípios de Comodoro/MT e Vilhena/RO, iniciado em 19 de abril de 2015, promovido por índios da etnia Nambikwara. A justificativa dada pelos líderes indígenas para a realização dos bloqueios foi a necessidade de geração de renda à etnia. Quanto a este pleito, de rigor notar que no bojo do inquérito civil n° 1.20.001.000041/2015-32 o Ministério Público Federal tem adotado medidas de índole extrapenal para garantir o acesso à fruição dos direitos sociais aos membros da etnia Nambikwara. De rigor notar que restou atestado através de perícia antropológica que Manduka como as demais lideranças da terra indígena possui pleno conhecimento da ilegalidade dos bloqueios (laudo antropológico elaborado pelo perito do Ministério Público Federal, Leonardo Leocádio da Silva, que segue em anexo). O modo de atuação compreendia na mobilização de índios na rodovia (há registro da existência de acampamento às margens da BR 174 onde chegaram a se instalar cerca de 200 indígenas - conforme laudo antropológico que segue em anexo), para fechamento dos dois sentidos da rodovia, dando-se ordem de parada aos veículos. Alguns índios estavam munidos de arcos e flechas. Assim, realizava-se a "cobrança" de valores para a passagem, que variavam de acordo com o tipo do veículo, mediante a entrega de um "ticket" conforme diversos Boletins de Ocorrência Policial juntados nos autos do caderno apuratório. Consigne-se que os bloqueios foram reiterados e as arrecadações diárias, segundo informações prestadas pelo denunciado MANE MANDUCA (fl. 278), atingiam, em média, a quantia de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00. As interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, que tiveram como alvo os denunciados, cujas transcrições e demais documentos constam nos autos n° 1844-5.2015.4.01.3601 em apenso, elucidaram a formação de atuação arquiteta pelos denunciados, que mantiveram-se em conluio, comandando, cada um no âmbito de suas funções e atribuições, a realização e logística dos bloqueios. Além disso, ficou evidenciado, também, que os denunciados MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU exerciam uma liderança mais acentuada, sendo os mentores intelectuais dos crimes. II. DO CRIME DE EXTORSÃO (art. 158, § 10 do Código Penal) No período que compreende, aproximadamente, 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, na rodovia BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, previamente ajustados, atuando com unidade de desígnios, consciência e vontade cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, constrangeram, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela aludida rodovia, conforme Boletins de Ocorrência Policial de fls. 46, 47/48, 50/51, 53/55, 57/58, 60/61, 62/65, 67/68, 69/70, 72/73, 74/75, 76/77, 78, 80, 82/83, 130/131, 132/133, 135/136, 137/138, 174/176, 178/181,185/188, 190/192,193/194, 196/197, 198/200, 204/205, 206/207, 208, 209/210, 212/213, 215/216, 217/218, 219/220, 222 e 223. Conforme apurado, os acusados, nas condições de tempo e local acima indicados, organizaram a realização de bloqueios na rodovia, dirigindo a atuação de outros índios da etnia Nambikwara, de modo que constrangeram os usuários da rodovia ao pagamento de quantias em dinheiro a título de "pedágio" para que prosseguissem viagem. [...] Com relação às elementares do crime, o uso de grave ameaça fica expresso através do Termo de Declaração de fl. 151, em que Roseli de Souza Dutra externa que seu marido Jair Rosa Dutra, caminhoneiro, foi ameaçado pelos indígenas por se recusar a pagar o valor cobrado. Além disso, o Laudo de Perícia Criminal n° 075/2015 - UTEC/DPF/VLA/RO (fis. 229/233) atesta a total nocividade à integridade física e vida humana do artefato (flecha) atirado pelos indígenas que realizavam o bloqueio contra veículo conduzido por pessoa que por ali trafegava. A autoria delitiva pesa em favor de todos os denunciados e é respaldada pela Informação Policial n° 012- NO/CAE/DPF/MT de fls. 84/97, na qual constam fotografias de MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA e ANAEL NAMBIKWARA, identificados como líderes do movimento. Também o Termo de Declarações de fls.158/159, em que fora ouvido o denunciado JAIR NAMBIKWARA, em que este último assume sua participação e de MANE MANDUCA no cometimento do delito, ambos funcionando, inclusive, como lideranças. Vale mencionar, também, como prova da autoria delitiva a Informação n. 117/2016 - NO/DPF/CAE/MT de fls. 277/279. Além disso, as interceptações telefônicas constantes do Auto Circunstanciado Final n° 19 Operação Santa Cruz (fls. 236/299 dos autos em apenso), também são importantes para descortinar a autoria delitiva. O índice n. 6938835, em que MANE MANDUCA conversa com pessoa chamada Alessandra demonstra que o denunciado é parte da associação criminosa e percebe quantia indevida em razão do bloqueio ilegal: [...] Já o índice n. 6947060 revela conversa entre MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA em que ambos tratam, dentre outros assuntos, acerca do bloqueio: [...] O índice n. 6933208 deixa claro a importância do denunciado ANAEL NAMBIKWARA para o desenvolvimento da atividade criminosa: [...] Por fim, mencione-se o índice n. 6940996, que torna clara a efetiva participação de MARCOS NAMBIKWARA: [...] Demonstradas, portanto, autoria e materialidade delitiva, de rigor a condenação dos denunciados nas penas do art. 158, caput, do Código Penal, com o aumento de pena previsto em seu §1º. 3. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (art. 288, caput, do Código Penal). No período compreendido, aproximadamente, entre os dias 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, se associaram, com o fim específico de cometer o crime de extorsão anteriormente imputado. De início, vale mencionar que JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, em Termo de Declarações de fls. 158/159, confessa que o bloqueio seria liderado por ele e por MANDE MANDUCA, uma vez que este é presidente da associação HYTO enquanto o declarante é Cacique-Geral. Já MANE MANDUCA, na informação n. 117/2016-NO/DPF/CAE/MT (fls. 278/279), também admite sua participação e a de JAIR HALOTESU no esquema criminoso, afirmando, inclusive, que sabia da ilegalidade de sua conduta e demonstra estrito conhecimento do funcionamento de todo arranjo delituoso. De acordo com o Auto Circunstanciado n. 19 (fls. 236/299 - autos n° 1844-56.2015.4.01.3601 em apenso), índice n. 6938835, fica demonstrada a associação efetiva entre MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU. Neste áudio, cuja degravação segue abaixo, MANE MANDUCA menciona com o outro interlocutor que conversará com JAIR para que possa "pegar um dia de estrada", ou seja, ficar um dia no pedágio e utilizar parte da quantia indevidamente obtida para satisfazer necessidade pessoal. Desde logo, fica clara a liderança exercia por ambos com relação às determinações acerca do "pedágio", como determinar os dias de realização, as pessoas que comporão os grupos para cobrança e qual a função de cada um. [...] Em outro diálogo, registrado sob o índice n. 6947060, MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA conversam sobre questões atinentes aos bloqueios, tendo o segundo alertado o primeiro acerca de eventual suspensão das cobranças indevidas. JAIR NAMBIKWARA HALOTESU também é mencionado por MANE, quando o último solicita a MILTON que fale com JAIR para que este segure determinada quantia obtida em razão da prática criminosa para satisfação de necessidade pessoal. [...] A liderança exercida por MANE MANDUCA é tão evidente, que ele chega a ser procurado por meios de comunicação para esclarecer a situação dos bloqueios, como indicam os índices n. 7016075 e n. 7021741: [...] O índice n. 7023533 é relativo a diálogo travado entre MANE e MILTON que tratam acerca da destinação dada por MANE ao dinheiro obtido nos bloqueios. [...] Ainda sobre o envolvimento de MILTON NAMBIKWARA, necessária a citação ao índice n. 7009982, que demonstra ter o denunciado controle sobre o dinheiro arrecadado. Neste diálogo, o interlocutor solicita a MILTON que guarde determinada quantia para lhe repassar posteriormente, ao passo que o denunciado afirma que dessa forma irá proceder conforme requerido. [...] O índice n. 6933208 é referente a diálogo entre o denunciado ANAEL NAMBIKWARA e terceira pessoa, momento em que se conversa acerca da destinação de quantias, supostamente as obtidas nos bloqueios. ANAEL revela estar sob posse das quantias e, ao que tudo indica, irá depositar em conta a ser aberta pelo outro interlocutor. Tal fato revela a importância de ANAEL na associação criminosa, uma vez que era ele quem dava destinação ao dinheiro percebido indevidamente: [...] O diálogo relativo ao índice n. 6933208 demonstra, mais uma vez, que ANAEL NAMBIKWARA era um dos organizadores dos bloqueios, em associação aos demais denunciados. Fica evidente que ANAEL atuava praticamente em substituição a JAIR e MANE quando estes no estivessem, por qualquer motivo, disponíveis para fornecer informações sobre os bloqueios ilegais. [...] No diálogo de código 7032761 fica claro, mais uma vez, que ANAEL é um dos responsáveis pela administração dos valores arrecadados em decorrência dos bloqueios. O diálogo registrado sob o índice n. 6940996 demonstra que o denunciado MARCOS NAMBIKWARA também era um dos líderes do movimento criminoso, integrando seleto grupo composto pelos outros denunciados. Fica evidente, conforme a transcrição abaixo, que a posição de MARCOS lhe possibilitava tomar decisões acerca do rumo a ser dado aos bloqueios efetuados, bem como sobre eventuais repercussões em caso de intervenções do Poder Público. [...] Denúncia recebida em 15.03.2017 (ID 236427507, p. 90). Sentença condenatória publicada em 20.09.2021 (ID 236433235). Os recorrentes sustentam, sumamente, (i) cerceamento de defesa, devido à ausência de laudo antropológico, (ii) ausência de laudo técnico para atestar a imputabilidade dos acusados, (iii) inexistência de crime, (iv) retificação da dosimetria, (v) fixação do regime de semiliberdade (ID 236433240). Contrarrazões apresentadas (ID 236433243). A PRR-1ª Região se manifestou pelo reconhecimento da prescrição quanto ao delito de associação criminosa e pelo desprovimento do recurso (ID 256332526) É o relatório. À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III). MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Incialmente, deixa-se de apreciar a nulidade por cerceamento de defesa, porque o resultado de mérito é favorável. Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. No que se refere à infração penal de extorsão, a condenação não subsiste, como se verá. Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”) (ID 236433235): [...] MNI: Vocês continuam no pedágio? MARCOS: Verdade, enquanto o governo, o governo não dá resposta, pra licenciamento pra os índios NAMBIKWARA de comer (incompreensível), eles tá ali, com arma, tudo, pode vir Força Nacional (incompreensível). Novidade que tinha é essa mesma. MNI: Eu soube que ontem a FUNAI foi ali, eles não resolveram nada? MARCOS: Nada, eles não vai resolver. MNI: Ele não passou ali? MARCOS: Passou (incompreensível). MNI: Ahh tá. MARCOS: Diz que tá vindo Força Nacional, os índios não vai sair dali. MNI: Vai vir, vai vir a Força Nacional? MARCOS: Diz (incompreensível), os índio não vai sair dali. Eles tá pronto ali pra embassar os homem, morrer né ali, derramar sangue ali, acabou. MNI: (risos) Vocês estão disposto a morrer aí? MARCOS: Acho que não né? (risos) MNI: (risos) Pois é, porque aí seria ruim né, porque a gente precisa do povo NAMBIKWARA. MARCOS: Não, se os NAMBIKWARA decidi ir pra guerra ali (incompreensível). MNI: Pois é, o problema é que, eu tive já analisando a situação, o problema é tem coisas que vocês estão reivindicando que nem é de competência da FUNAI resolver, é difícil resolver na hora, porque depende de outros né? MARCOS: E, é verdade. MNI: Esse que é o caso né, como essa PCH que vocês querem é. MARCOS: (incompreensível) NAMBIKWARA eles quer dinheiro, né Lourdes (?)? Os NAMBIKWARA hoje, um dos lá em Brasília falar pra ele que NAMBIKWARA (incompreensível) pedágio da rodovia federal ainda, eles tá pronto, eles sabe proposta. Eles não vai sair dali, se o governo não tem licenciamento ali eles não vão sair dali, eles tá ali pronto, ele sabe a proposta. E guerra, é guerra e eu falo logo (incompreensível). MNI: E, só que esse licenciamento dessa PCH, o problema é que pra dar esse licenciamento tem que ter o estudo bem feito né, e a questão de vocês ali que o Ministério Público alega é que o estudo não está bem feito. Esse que é o problema. Porque o estudo, vamos dizer, no estudo eles tem que colocar quantos índios vão ser atendidos, qual é o prejuízo que vai trazer pros índios, várias coisas assim, e naquele estudo não tem isso, então o que as autoridades querem é um estudo mais bem feito né? Então por isso que agora, por exemplo, se agora aprova, de repente a empresa até paga um bom dinheiro pra vocês, mas aí no futuro vocês não tem como cobrar, porque vocês não tem como provar quais são os prejuízos que tá causando né? [...] MARCOS: Não, o negócio do NAMBIKWARA é direto, não tem negócio mais, porque eles já pediram eles já fizeram a reivindicação, solicitaram o pessoal de Brasília que que os índios NAMBIKWARA precisam, só que não deram resposta. Agora a ameaça que eles tem, eles vão sair dali do pedágio, eles vão sair pra ali no Rio Novo pra quebrar ponte, ele vai quebrar ponte. MNI: Vai quebrar ponte lá? MARCOS: Vai, vai sair os índios dali eles já marcaram até o ponto. Os índios que tá são muitos, os cuidados. [...] E este diálogo do acusado MANÉ complementa (ID 236433235): [...] ALESSANDRA: Negociaram, chegaram num acordo então? MANE: Não foi bem num acordo não, mas nós pegamos uma semana pra resolver. ALESSANDRA: É né, mas a reinvidicação mais em cima das terra? MANE: É questão de 4 mil, de licenciamento de 4 mil hectare, essas coisas, sabe? ALESSANDRA: Ahh tá, o licenciamento pra plantio né? MANE: Pra plantio, eles não quer dar resposta. ALESSANDRA: Com arrendamento né? MANE: É, porque nós não temos máquina, nós tem que passar pra produtor pegar e fazer. ALESSANDRA: Ummm aí vocês tiram a porcentagem né? [...] A prova cautelar demonstra, ainda, a utilização de quantia para tratamento de saúde (ID 236433235, p. 14): [...] ALESSANDRA: To bem, com quem eu falo? MANE: E MANDUCA. ALESSANDRA: Oh MANDUCA, você é enrolado heim, tá ganhando dinheiro aí pra gente? MANE: Eu também to querendo. ALESSANDRA: Você tá querendo né MANDUCA. MANE: Oh, você acha que é assim, só porque tem pedágio que MANDUCA tá rico ... risos... ALESSANDRA: Não, imagina, to falando isso não. MANE: Oi, eu to precisando de 4mil para fazer cirurgia da JOANA, da vesícula dela, particular, eu não to conseguindo. ALESSANDRA: Hummm. MANE: Verdade. Eu to conversando com o pessoal aqui, com o JAIR, vou pegar um dia de pista e vou fazer a cirurgia dela urgente, ela não está aguentando mais. [...] Havia fornecimento ticket com a menção de que se referia à “PARALISAÇÃO EM PROL DO CASCALHAMENTO DAS ESTRADAS DE ACESSO ÀS ALDEIAS” (ID 236427506, pp. 111, 115, 121,125, 237, 244, 251). Este trecho de reportagem, datada de 08.06.2015, acostada aos autos demonstra o intuito reivindicatório do pedágio (ID 236427506, p. 276): [...] A situação sobre a BR-174, rodovia que liga os estados do Mato Grosso e Rondônia (e já no estado de Rondônia se transforma em BR-364) a cerca de 30 quilômetros do município mato-grossense de Comodoro, em relação ao pedágio cobrado pelos indígenas da etnia Nambikwara, é delicada. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, o direito de plantar e conseguir gerar renda para o sustento das cerca de 600 pessoas que compõem o grupo, e para isso impedem o livre tráfego de homens brancos na rodovia. Os motoristas só podem passar pelo local mediante pagamento. Motocicletas, carros, caminhões e até ônibus coletivos são submetidos a cobranças que variam de R$ 15 a R$ 50 (no caso de veículos pesados). A maioria absoluta dos condutores paga, porém insatisfeita. O empecilho no local já gerou conflitos, reclamações de associações e cooperativas, e até mesmo registro de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF). A última tentativa de acabar com o pedágio Nambikwara foi realizada na manhã da última quarta-feira. A PRF e outros órgãos federais marcaram um encontro com lideranças Nambikwara na cidade de Comodoro para debater possibilidades que dessem fim ao pedágio. As lideranças da etnia não foram ao encontro, fato que lhes garantiu pelo menos uma semana a mais de prazo, e de pedágio na rodovia. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia esteve no local e conseguiu acesso ao acampamento dos manifestantes. Em conversa com o cacique geral, Jair Nambikwara, ele disse que participou de outra reunião na mesma semana com a PRF e a Fundação Nacional do índio (Funai), mas não havia firmado nenhum apoio porque não consultara as demais lideranças de sua tribo. "Eu não poderia tomar nenhuma decisão sem antes saber o que eles pensam, por isso marcamos este outro encontro", relatou Jair. As lideranças não compareceram porque alguns pajés consultaram os espíritos protetores do grupo, e eles haviam alertado sobre o perigo resultante do encontro. "Os espíritos relataram que as lideranças poderiam ser presas durante o encontro. Assim nosso movimento se enfraqueceria, por isso não participamos", relatou o cacique-geral Nambikwara, que fez uma revelação inquietante: "Estamos preparados para a guerra, e não vai ser fácil tirar a gente daqui do acampamento", garantiu. Jair relatou que a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos primeiros encontros dificultou um acordo inicial com a PRF. Agora que a fundação já tomou ciência de todas as exigências, fica mais fácil negociar, desde que haja documentação oficial de cada encontro realizado, pois segundo os indígenas, muitos acordos verbais feitos com as instituições públicas não foram cumpridos. Enquanto a equipe de reportagem estava no local, um grupo de policiais, componentes da força-tarefa da PRF incumbida da operação, passou pelo pedágio. Alguns índios que estavam na BR começaram a gritar, e em seguida entoavam cânticos aparentemente de alegria. Um grande volume de veículos se aglomerou no local, e enquanto a equipe registrava o momento ouvia de motoristas frases como "isso é um absurdo", ou "falta de vergonha". Alguns condutores que se recusavam a pagar tinham os carros cercados. Os veículos ficavam parados e a fila aumentava. O único jeito de sair do local é sucumbir ao preço estipulado pelo grupo. Mas afinal, o que querem os índios? Essa era a pergunta que não cessava na conversa entre os jornalistas que foram ao local para tentar ouvir a versão dos indígenas. Extremamente solícito, o cacique Jair Nambikwara, que é o líder geral do grupo, não se ofendeu com a pergunta, e demostrou bastante interesse em esclarecer a situação. "Conseguir fonte de renda para os índios, o licenciamento das terras para permitir o cultivo pra que a gente possa vender nossos produtos, e o pagamento da indenização pelo Dnit, da terra desapropriada para a construção da BR. Nada mais verbal, tudo com documentos", diz. O cacique-geral explicou que estes são os pedidos principais e os indígenas também querem o direito de mais acesso à saúde, educação e benefícios básicos garantidos a qualquer outro cidadão brasileiro. "O pedágio é uma forma de nós conseguirmos renda para compra de comida, e garantir o sustento de todos aqui", acrescenta. [...] Conforme o depoimento extrajudicial de JAIR NAMBIQUARA HALOTESU (ID 236427506, p. 286), na presença da Coordenadora Técnica Local da FUNAI, em Comodoro/MT, este narrou “...QUE pertence à etnia Nambiquara e reside na Aldeia Nova Mutum; QUE é Cacique Geral do povo Nambiquara do Cerrado, há mais de 15 (quinze) anos; QUE acerca do bloqueio da rodovia BR-174, que vem ocorrendo desde o mês de abril, respondeu que está sendo realizado pelos índios Nambiquara do Cerrado e Nambiquara do Vale; QUE acerca dos motivos desses bloqueios, disse que ocorre por conta de várias reivindicações, tais manutenção das estradas que dão acesso às aldeias, instalação de PCH e conclusão da instalação de rede de energia elétrica nas aldeias e compensação pelo impacto ambiental pelo DNIT, recebimento de ICMS ecológico, implantação lauvora (sic) mecanizada em regime de parceria com prefeitura, outros índios e a FUNAI, para sustento dos integrantes da comunidade; QUE não buscam a parceria com fazendeiros locais...” Em conformidade com o Parecer Pericial n. 04/2016 da PGR (ID 236427507, pp. 74 e 82), “Na visão de várias lideranças, o pedágio é a consequência da ausência de políticas públicas, principalmente de geração direta de renda” e as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. A propósito: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0001916-38.2018.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 07/10/2024, grifos meus.) Em igual sentido, deu-se na Apelação Criminal n. 0000187-40.2019.4.01.3601, com também identidade parcial: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024, grifos meus.) Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. Ante o exposto, DECLARO extinta a punibilidade de todos os acusados, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa, no que diz respeito ao delito do art. 288, caput, do CP, e, na parte não prejudicada, DOU PROVIMENTO à apelação, com o fim de, reformando a sentença, julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver (1) JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, (2) MANE MANDUCA, (3) MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, (4) ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e (5) MARCOS NAMBIKWARA, no que toca à infração penal do art. 158, §1º, do CP, com fundamento no art. 386, III, do CPP. É o voto. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelações interpostas por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNAI, de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou pelos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material, consubstanciados pelas condutas de, segundo a denúncia, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, terem, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 288 do CP, ante a incidência da prescrição; e ii) afastar a condenação relativa ao crime de extorsão, ante a ausência da elementar da "vantagem indevida", ante o intuito reivindicatório do "pedágio" cobrado, revertido à comunidade indígena, ante a omissão estatal para a garantia de seus direitos. Ante o exposto, ACOMPANHO o e. relator e declaro extinta a punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição, em relação ao crime do art. 288 do CP, ficando prejudicada a apelação nesse ponto; e dou provimento à apelação na parte não prejudicada para absolvê-los quanto ao crime do art. 158, §1º, do CP, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. EXTORSÃO. ATIPICIDADE FORMAL. ABSOLVIÇÃO. 1.A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. 2.Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. 3.Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. 4.A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”). 5.A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. Em igual sentido: ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024. 6.Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). 7.É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. 8.Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. 9.Punibilidade extinta, de ofício, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao delito de associação criminosa. Apelação a que se dá provimento, na parte não prejudicada, para absolver os réus, quanto à extorsão. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição e dar provimento à apelação, na parte não prejudicada, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0000619-30.2017.4.01.3601
ID: 280195434
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000619-30.2017.4.01.3601
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA H…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal, interposta por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI), de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou às seguintes penas, em relação aos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material: 1.JAIR NAMBIKWARA HALOTESU: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão ; 2.MANE MANDUCA: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 3.MILTON NAMBIWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 4.ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e 5.MARCOS NAMBIKWARA: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Consta na denúncia que (ID 236427506, pp. 3/26): [...] 1) CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL Os fatos narrados foram investigados no Inquérito Policial em epígrafe no âmbito da "Operação Santa Cruz", em decorrência do bloqueio da BR-174, entre os municípios de Comodoro/MT e Vilhena/RO, iniciado em 19 de abril de 2015, promovido por índios da etnia Nambikwara. A justificativa dada pelos líderes indígenas para a realização dos bloqueios foi a necessidade de geração de renda à etnia. Quanto a este pleito, de rigor notar que no bojo do inquérito civil n° 1.20.001.000041/2015-32 o Ministério Público Federal tem adotado medidas de índole extrapenal para garantir o acesso à fruição dos direitos sociais aos membros da etnia Nambikwara. De rigor notar que restou atestado através de perícia antropológica que Manduka como as demais lideranças da terra indígena possui pleno conhecimento da ilegalidade dos bloqueios (laudo antropológico elaborado pelo perito do Ministério Público Federal, Leonardo Leocádio da Silva, que segue em anexo). O modo de atuação compreendia na mobilização de índios na rodovia (há registro da existência de acampamento às margens da BR 174 onde chegaram a se instalar cerca de 200 indígenas - conforme laudo antropológico que segue em anexo), para fechamento dos dois sentidos da rodovia, dando-se ordem de parada aos veículos. Alguns índios estavam munidos de arcos e flechas. Assim, realizava-se a "cobrança" de valores para a passagem, que variavam de acordo com o tipo do veículo, mediante a entrega de um "ticket" conforme diversos Boletins de Ocorrência Policial juntados nos autos do caderno apuratório. Consigne-se que os bloqueios foram reiterados e as arrecadações diárias, segundo informações prestadas pelo denunciado MANE MANDUCA (fl. 278), atingiam, em média, a quantia de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00. As interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, que tiveram como alvo os denunciados, cujas transcrições e demais documentos constam nos autos n° 1844-5.2015.4.01.3601 em apenso, elucidaram a formação de atuação arquiteta pelos denunciados, que mantiveram-se em conluio, comandando, cada um no âmbito de suas funções e atribuições, a realização e logística dos bloqueios. Além disso, ficou evidenciado, também, que os denunciados MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU exerciam uma liderança mais acentuada, sendo os mentores intelectuais dos crimes. II. DO CRIME DE EXTORSÃO (art. 158, § 10 do Código Penal) No período que compreende, aproximadamente, 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, na rodovia BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, previamente ajustados, atuando com unidade de desígnios, consciência e vontade cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, constrangeram, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela aludida rodovia, conforme Boletins de Ocorrência Policial de fls. 46, 47/48, 50/51, 53/55, 57/58, 60/61, 62/65, 67/68, 69/70, 72/73, 74/75, 76/77, 78, 80, 82/83, 130/131, 132/133, 135/136, 137/138, 174/176, 178/181,185/188, 190/192,193/194, 196/197, 198/200, 204/205, 206/207, 208, 209/210, 212/213, 215/216, 217/218, 219/220, 222 e 223. Conforme apurado, os acusados, nas condições de tempo e local acima indicados, organizaram a realização de bloqueios na rodovia, dirigindo a atuação de outros índios da etnia Nambikwara, de modo que constrangeram os usuários da rodovia ao pagamento de quantias em dinheiro a título de "pedágio" para que prosseguissem viagem. [...] Com relação às elementares do crime, o uso de grave ameaça fica expresso através do Termo de Declaração de fl. 151, em que Roseli de Souza Dutra externa que seu marido Jair Rosa Dutra, caminhoneiro, foi ameaçado pelos indígenas por se recusar a pagar o valor cobrado. Além disso, o Laudo de Perícia Criminal n° 075/2015 - UTEC/DPF/VLA/RO (fis. 229/233) atesta a total nocividade à integridade física e vida humana do artefato (flecha) atirado pelos indígenas que realizavam o bloqueio contra veículo conduzido por pessoa que por ali trafegava. A autoria delitiva pesa em favor de todos os denunciados e é respaldada pela Informação Policial n° 012- NO/CAE/DPF/MT de fls. 84/97, na qual constam fotografias de MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA e ANAEL NAMBIKWARA, identificados como líderes do movimento. Também o Termo de Declarações de fls.158/159, em que fora ouvido o denunciado JAIR NAMBIKWARA, em que este último assume sua participação e de MANE MANDUCA no cometimento do delito, ambos funcionando, inclusive, como lideranças. Vale mencionar, também, como prova da autoria delitiva a Informação n. 117/2016 - NO/DPF/CAE/MT de fls. 277/279. Além disso, as interceptações telefônicas constantes do Auto Circunstanciado Final n° 19 Operação Santa Cruz (fls. 236/299 dos autos em apenso), também são importantes para descortinar a autoria delitiva. O índice n. 6938835, em que MANE MANDUCA conversa com pessoa chamada Alessandra demonstra que o denunciado é parte da associação criminosa e percebe quantia indevida em razão do bloqueio ilegal: [...] Já o índice n. 6947060 revela conversa entre MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA em que ambos tratam, dentre outros assuntos, acerca do bloqueio: [...] O índice n. 6933208 deixa claro a importância do denunciado ANAEL NAMBIKWARA para o desenvolvimento da atividade criminosa: [...] Por fim, mencione-se o índice n. 6940996, que torna clara a efetiva participação de MARCOS NAMBIKWARA: [...] Demonstradas, portanto, autoria e materialidade delitiva, de rigor a condenação dos denunciados nas penas do art. 158, caput, do Código Penal, com o aumento de pena previsto em seu §1º. 3. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (art. 288, caput, do Código Penal). No período compreendido, aproximadamente, entre os dias 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, se associaram, com o fim específico de cometer o crime de extorsão anteriormente imputado. De início, vale mencionar que JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, em Termo de Declarações de fls. 158/159, confessa que o bloqueio seria liderado por ele e por MANDE MANDUCA, uma vez que este é presidente da associação HYTO enquanto o declarante é Cacique-Geral. Já MANE MANDUCA, na informação n. 117/2016-NO/DPF/CAE/MT (fls. 278/279), também admite sua participação e a de JAIR HALOTESU no esquema criminoso, afirmando, inclusive, que sabia da ilegalidade de sua conduta e demonstra estrito conhecimento do funcionamento de todo arranjo delituoso. De acordo com o Auto Circunstanciado n. 19 (fls. 236/299 - autos n° 1844-56.2015.4.01.3601 em apenso), índice n. 6938835, fica demonstrada a associação efetiva entre MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU. Neste áudio, cuja degravação segue abaixo, MANE MANDUCA menciona com o outro interlocutor que conversará com JAIR para que possa "pegar um dia de estrada", ou seja, ficar um dia no pedágio e utilizar parte da quantia indevidamente obtida para satisfazer necessidade pessoal. Desde logo, fica clara a liderança exercia por ambos com relação às determinações acerca do "pedágio", como determinar os dias de realização, as pessoas que comporão os grupos para cobrança e qual a função de cada um. [...] Em outro diálogo, registrado sob o índice n. 6947060, MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA conversam sobre questões atinentes aos bloqueios, tendo o segundo alertado o primeiro acerca de eventual suspensão das cobranças indevidas. JAIR NAMBIKWARA HALOTESU também é mencionado por MANE, quando o último solicita a MILTON que fale com JAIR para que este segure determinada quantia obtida em razão da prática criminosa para satisfação de necessidade pessoal. [...] A liderança exercida por MANE MANDUCA é tão evidente, que ele chega a ser procurado por meios de comunicação para esclarecer a situação dos bloqueios, como indicam os índices n. 7016075 e n. 7021741: [...] O índice n. 7023533 é relativo a diálogo travado entre MANE e MILTON que tratam acerca da destinação dada por MANE ao dinheiro obtido nos bloqueios. [...] Ainda sobre o envolvimento de MILTON NAMBIKWARA, necessária a citação ao índice n. 7009982, que demonstra ter o denunciado controle sobre o dinheiro arrecadado. Neste diálogo, o interlocutor solicita a MILTON que guarde determinada quantia para lhe repassar posteriormente, ao passo que o denunciado afirma que dessa forma irá proceder conforme requerido. [...] O índice n. 6933208 é referente a diálogo entre o denunciado ANAEL NAMBIKWARA e terceira pessoa, momento em que se conversa acerca da destinação de quantias, supostamente as obtidas nos bloqueios. ANAEL revela estar sob posse das quantias e, ao que tudo indica, irá depositar em conta a ser aberta pelo outro interlocutor. Tal fato revela a importância de ANAEL na associação criminosa, uma vez que era ele quem dava destinação ao dinheiro percebido indevidamente: [...] O diálogo relativo ao índice n. 6933208 demonstra, mais uma vez, que ANAEL NAMBIKWARA era um dos organizadores dos bloqueios, em associação aos demais denunciados. Fica evidente que ANAEL atuava praticamente em substituição a JAIR e MANE quando estes no estivessem, por qualquer motivo, disponíveis para fornecer informações sobre os bloqueios ilegais. [...] No diálogo de código 7032761 fica claro, mais uma vez, que ANAEL é um dos responsáveis pela administração dos valores arrecadados em decorrência dos bloqueios. O diálogo registrado sob o índice n. 6940996 demonstra que o denunciado MARCOS NAMBIKWARA também era um dos líderes do movimento criminoso, integrando seleto grupo composto pelos outros denunciados. Fica evidente, conforme a transcrição abaixo, que a posição de MARCOS lhe possibilitava tomar decisões acerca do rumo a ser dado aos bloqueios efetuados, bem como sobre eventuais repercussões em caso de intervenções do Poder Público. [...] Denúncia recebida em 15.03.2017 (ID 236427507, p. 90). Sentença condenatória publicada em 20.09.2021 (ID 236433235). Os recorrentes sustentam, sumamente, (i) cerceamento de defesa, devido à ausência de laudo antropológico, (ii) ausência de laudo técnico para atestar a imputabilidade dos acusados, (iii) inexistência de crime, (iv) retificação da dosimetria, (v) fixação do regime de semiliberdade (ID 236433240). Contrarrazões apresentadas (ID 236433243). A PRR-1ª Região se manifestou pelo reconhecimento da prescrição quanto ao delito de associação criminosa e pelo desprovimento do recurso (ID 256332526) É o relatório. À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III). MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Incialmente, deixa-se de apreciar a nulidade por cerceamento de defesa, porque o resultado de mérito é favorável. Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. No que se refere à infração penal de extorsão, a condenação não subsiste, como se verá. Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”) (ID 236433235): [...] MNI: Vocês continuam no pedágio? MARCOS: Verdade, enquanto o governo, o governo não dá resposta, pra licenciamento pra os índios NAMBIKWARA de comer (incompreensível), eles tá ali, com arma, tudo, pode vir Força Nacional (incompreensível). Novidade que tinha é essa mesma. MNI: Eu soube que ontem a FUNAI foi ali, eles não resolveram nada? MARCOS: Nada, eles não vai resolver. MNI: Ele não passou ali? MARCOS: Passou (incompreensível). MNI: Ahh tá. MARCOS: Diz que tá vindo Força Nacional, os índios não vai sair dali. MNI: Vai vir, vai vir a Força Nacional? MARCOS: Diz (incompreensível), os índio não vai sair dali. Eles tá pronto ali pra embassar os homem, morrer né ali, derramar sangue ali, acabou. MNI: (risos) Vocês estão disposto a morrer aí? MARCOS: Acho que não né? (risos) MNI: (risos) Pois é, porque aí seria ruim né, porque a gente precisa do povo NAMBIKWARA. MARCOS: Não, se os NAMBIKWARA decidi ir pra guerra ali (incompreensível). MNI: Pois é, o problema é que, eu tive já analisando a situação, o problema é tem coisas que vocês estão reivindicando que nem é de competência da FUNAI resolver, é difícil resolver na hora, porque depende de outros né? MARCOS: E, é verdade. MNI: Esse que é o caso né, como essa PCH que vocês querem é. MARCOS: (incompreensível) NAMBIKWARA eles quer dinheiro, né Lourdes (?)? Os NAMBIKWARA hoje, um dos lá em Brasília falar pra ele que NAMBIKWARA (incompreensível) pedágio da rodovia federal ainda, eles tá pronto, eles sabe proposta. Eles não vai sair dali, se o governo não tem licenciamento ali eles não vão sair dali, eles tá ali pronto, ele sabe a proposta. E guerra, é guerra e eu falo logo (incompreensível). MNI: E, só que esse licenciamento dessa PCH, o problema é que pra dar esse licenciamento tem que ter o estudo bem feito né, e a questão de vocês ali que o Ministério Público alega é que o estudo não está bem feito. Esse que é o problema. Porque o estudo, vamos dizer, no estudo eles tem que colocar quantos índios vão ser atendidos, qual é o prejuízo que vai trazer pros índios, várias coisas assim, e naquele estudo não tem isso, então o que as autoridades querem é um estudo mais bem feito né? Então por isso que agora, por exemplo, se agora aprova, de repente a empresa até paga um bom dinheiro pra vocês, mas aí no futuro vocês não tem como cobrar, porque vocês não tem como provar quais são os prejuízos que tá causando né? [...] MARCOS: Não, o negócio do NAMBIKWARA é direto, não tem negócio mais, porque eles já pediram eles já fizeram a reivindicação, solicitaram o pessoal de Brasília que que os índios NAMBIKWARA precisam, só que não deram resposta. Agora a ameaça que eles tem, eles vão sair dali do pedágio, eles vão sair pra ali no Rio Novo pra quebrar ponte, ele vai quebrar ponte. MNI: Vai quebrar ponte lá? MARCOS: Vai, vai sair os índios dali eles já marcaram até o ponto. Os índios que tá são muitos, os cuidados. [...] E este diálogo do acusado MANÉ complementa (ID 236433235): [...] ALESSANDRA: Negociaram, chegaram num acordo então? MANE: Não foi bem num acordo não, mas nós pegamos uma semana pra resolver. ALESSANDRA: É né, mas a reinvidicação mais em cima das terra? MANE: É questão de 4 mil, de licenciamento de 4 mil hectare, essas coisas, sabe? ALESSANDRA: Ahh tá, o licenciamento pra plantio né? MANE: Pra plantio, eles não quer dar resposta. ALESSANDRA: Com arrendamento né? MANE: É, porque nós não temos máquina, nós tem que passar pra produtor pegar e fazer. ALESSANDRA: Ummm aí vocês tiram a porcentagem né? [...] A prova cautelar demonstra, ainda, a utilização de quantia para tratamento de saúde (ID 236433235, p. 14): [...] ALESSANDRA: To bem, com quem eu falo? MANE: E MANDUCA. ALESSANDRA: Oh MANDUCA, você é enrolado heim, tá ganhando dinheiro aí pra gente? MANE: Eu também to querendo. ALESSANDRA: Você tá querendo né MANDUCA. MANE: Oh, você acha que é assim, só porque tem pedágio que MANDUCA tá rico ... risos... ALESSANDRA: Não, imagina, to falando isso não. MANE: Oi, eu to precisando de 4mil para fazer cirurgia da JOANA, da vesícula dela, particular, eu não to conseguindo. ALESSANDRA: Hummm. MANE: Verdade. Eu to conversando com o pessoal aqui, com o JAIR, vou pegar um dia de pista e vou fazer a cirurgia dela urgente, ela não está aguentando mais. [...] Havia fornecimento ticket com a menção de que se referia à “PARALISAÇÃO EM PROL DO CASCALHAMENTO DAS ESTRADAS DE ACESSO ÀS ALDEIAS” (ID 236427506, pp. 111, 115, 121,125, 237, 244, 251). Este trecho de reportagem, datada de 08.06.2015, acostada aos autos demonstra o intuito reivindicatório do pedágio (ID 236427506, p. 276): [...] A situação sobre a BR-174, rodovia que liga os estados do Mato Grosso e Rondônia (e já no estado de Rondônia se transforma em BR-364) a cerca de 30 quilômetros do município mato-grossense de Comodoro, em relação ao pedágio cobrado pelos indígenas da etnia Nambikwara, é delicada. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, o direito de plantar e conseguir gerar renda para o sustento das cerca de 600 pessoas que compõem o grupo, e para isso impedem o livre tráfego de homens brancos na rodovia. Os motoristas só podem passar pelo local mediante pagamento. Motocicletas, carros, caminhões e até ônibus coletivos são submetidos a cobranças que variam de R$ 15 a R$ 50 (no caso de veículos pesados). A maioria absoluta dos condutores paga, porém insatisfeita. O empecilho no local já gerou conflitos, reclamações de associações e cooperativas, e até mesmo registro de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF). A última tentativa de acabar com o pedágio Nambikwara foi realizada na manhã da última quarta-feira. A PRF e outros órgãos federais marcaram um encontro com lideranças Nambikwara na cidade de Comodoro para debater possibilidades que dessem fim ao pedágio. As lideranças da etnia não foram ao encontro, fato que lhes garantiu pelo menos uma semana a mais de prazo, e de pedágio na rodovia. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia esteve no local e conseguiu acesso ao acampamento dos manifestantes. Em conversa com o cacique geral, Jair Nambikwara, ele disse que participou de outra reunião na mesma semana com a PRF e a Fundação Nacional do índio (Funai), mas não havia firmado nenhum apoio porque não consultara as demais lideranças de sua tribo. "Eu não poderia tomar nenhuma decisão sem antes saber o que eles pensam, por isso marcamos este outro encontro", relatou Jair. As lideranças não compareceram porque alguns pajés consultaram os espíritos protetores do grupo, e eles haviam alertado sobre o perigo resultante do encontro. "Os espíritos relataram que as lideranças poderiam ser presas durante o encontro. Assim nosso movimento se enfraqueceria, por isso não participamos", relatou o cacique-geral Nambikwara, que fez uma revelação inquietante: "Estamos preparados para a guerra, e não vai ser fácil tirar a gente daqui do acampamento", garantiu. Jair relatou que a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos primeiros encontros dificultou um acordo inicial com a PRF. Agora que a fundação já tomou ciência de todas as exigências, fica mais fácil negociar, desde que haja documentação oficial de cada encontro realizado, pois segundo os indígenas, muitos acordos verbais feitos com as instituições públicas não foram cumpridos. Enquanto a equipe de reportagem estava no local, um grupo de policiais, componentes da força-tarefa da PRF incumbida da operação, passou pelo pedágio. Alguns índios que estavam na BR começaram a gritar, e em seguida entoavam cânticos aparentemente de alegria. Um grande volume de veículos se aglomerou no local, e enquanto a equipe registrava o momento ouvia de motoristas frases como "isso é um absurdo", ou "falta de vergonha". Alguns condutores que se recusavam a pagar tinham os carros cercados. Os veículos ficavam parados e a fila aumentava. O único jeito de sair do local é sucumbir ao preço estipulado pelo grupo. Mas afinal, o que querem os índios? Essa era a pergunta que não cessava na conversa entre os jornalistas que foram ao local para tentar ouvir a versão dos indígenas. Extremamente solícito, o cacique Jair Nambikwara, que é o líder geral do grupo, não se ofendeu com a pergunta, e demostrou bastante interesse em esclarecer a situação. "Conseguir fonte de renda para os índios, o licenciamento das terras para permitir o cultivo pra que a gente possa vender nossos produtos, e o pagamento da indenização pelo Dnit, da terra desapropriada para a construção da BR. Nada mais verbal, tudo com documentos", diz. O cacique-geral explicou que estes são os pedidos principais e os indígenas também querem o direito de mais acesso à saúde, educação e benefícios básicos garantidos a qualquer outro cidadão brasileiro. "O pedágio é uma forma de nós conseguirmos renda para compra de comida, e garantir o sustento de todos aqui", acrescenta. [...] Conforme o depoimento extrajudicial de JAIR NAMBIQUARA HALOTESU (ID 236427506, p. 286), na presença da Coordenadora Técnica Local da FUNAI, em Comodoro/MT, este narrou “...QUE pertence à etnia Nambiquara e reside na Aldeia Nova Mutum; QUE é Cacique Geral do povo Nambiquara do Cerrado, há mais de 15 (quinze) anos; QUE acerca do bloqueio da rodovia BR-174, que vem ocorrendo desde o mês de abril, respondeu que está sendo realizado pelos índios Nambiquara do Cerrado e Nambiquara do Vale; QUE acerca dos motivos desses bloqueios, disse que ocorre por conta de várias reivindicações, tais manutenção das estradas que dão acesso às aldeias, instalação de PCH e conclusão da instalação de rede de energia elétrica nas aldeias e compensação pelo impacto ambiental pelo DNIT, recebimento de ICMS ecológico, implantação lauvora (sic) mecanizada em regime de parceria com prefeitura, outros índios e a FUNAI, para sustento dos integrantes da comunidade; QUE não buscam a parceria com fazendeiros locais...” Em conformidade com o Parecer Pericial n. 04/2016 da PGR (ID 236427507, pp. 74 e 82), “Na visão de várias lideranças, o pedágio é a consequência da ausência de políticas públicas, principalmente de geração direta de renda” e as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. A propósito: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0001916-38.2018.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 07/10/2024, grifos meus.) Em igual sentido, deu-se na Apelação Criminal n. 0000187-40.2019.4.01.3601, com também identidade parcial: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024, grifos meus.) Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. Ante o exposto, DECLARO extinta a punibilidade de todos os acusados, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa, no que diz respeito ao delito do art. 288, caput, do CP, e, na parte não prejudicada, DOU PROVIMENTO à apelação, com o fim de, reformando a sentença, julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver (1) JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, (2) MANE MANDUCA, (3) MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, (4) ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e (5) MARCOS NAMBIKWARA, no que toca à infração penal do art. 158, §1º, do CP, com fundamento no art. 386, III, do CPP. É o voto. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelações interpostas por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNAI, de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou pelos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material, consubstanciados pelas condutas de, segundo a denúncia, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, terem, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 288 do CP, ante a incidência da prescrição; e ii) afastar a condenação relativa ao crime de extorsão, ante a ausência da elementar da "vantagem indevida", ante o intuito reivindicatório do "pedágio" cobrado, revertido à comunidade indígena, ante a omissão estatal para a garantia de seus direitos. Ante o exposto, ACOMPANHO o e. relator e declaro extinta a punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição, em relação ao crime do art. 288 do CP, ficando prejudicada a apelação nesse ponto; e dou provimento à apelação na parte não prejudicada para absolvê-los quanto ao crime do art. 158, §1º, do CP, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. EXTORSÃO. ATIPICIDADE FORMAL. ABSOLVIÇÃO. 1.A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. 2.Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. 3.Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. 4.A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”). 5.A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. Em igual sentido: ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024. 6.Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). 7.É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. 8.Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. 9.Punibilidade extinta, de ofício, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao delito de associação criminosa. Apelação a que se dá provimento, na parte não prejudicada, para absolver os réus, quanto à extorsão. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição e dar provimento à apelação, na parte não prejudicada, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0000619-30.2017.4.01.3601
ID: 280195436
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000619-30.2017.4.01.3601
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA H…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal, interposta por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI), de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou às seguintes penas, em relação aos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material: 1.JAIR NAMBIKWARA HALOTESU: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão ; 2.MANE MANDUCA: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 3.MILTON NAMBIWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 4.ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e 5.MARCOS NAMBIKWARA: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Consta na denúncia que (ID 236427506, pp. 3/26): [...] 1) CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL Os fatos narrados foram investigados no Inquérito Policial em epígrafe no âmbito da "Operação Santa Cruz", em decorrência do bloqueio da BR-174, entre os municípios de Comodoro/MT e Vilhena/RO, iniciado em 19 de abril de 2015, promovido por índios da etnia Nambikwara. A justificativa dada pelos líderes indígenas para a realização dos bloqueios foi a necessidade de geração de renda à etnia. Quanto a este pleito, de rigor notar que no bojo do inquérito civil n° 1.20.001.000041/2015-32 o Ministério Público Federal tem adotado medidas de índole extrapenal para garantir o acesso à fruição dos direitos sociais aos membros da etnia Nambikwara. De rigor notar que restou atestado através de perícia antropológica que Manduka como as demais lideranças da terra indígena possui pleno conhecimento da ilegalidade dos bloqueios (laudo antropológico elaborado pelo perito do Ministério Público Federal, Leonardo Leocádio da Silva, que segue em anexo). O modo de atuação compreendia na mobilização de índios na rodovia (há registro da existência de acampamento às margens da BR 174 onde chegaram a se instalar cerca de 200 indígenas - conforme laudo antropológico que segue em anexo), para fechamento dos dois sentidos da rodovia, dando-se ordem de parada aos veículos. Alguns índios estavam munidos de arcos e flechas. Assim, realizava-se a "cobrança" de valores para a passagem, que variavam de acordo com o tipo do veículo, mediante a entrega de um "ticket" conforme diversos Boletins de Ocorrência Policial juntados nos autos do caderno apuratório. Consigne-se que os bloqueios foram reiterados e as arrecadações diárias, segundo informações prestadas pelo denunciado MANE MANDUCA (fl. 278), atingiam, em média, a quantia de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00. As interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, que tiveram como alvo os denunciados, cujas transcrições e demais documentos constam nos autos n° 1844-5.2015.4.01.3601 em apenso, elucidaram a formação de atuação arquiteta pelos denunciados, que mantiveram-se em conluio, comandando, cada um no âmbito de suas funções e atribuições, a realização e logística dos bloqueios. Além disso, ficou evidenciado, também, que os denunciados MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU exerciam uma liderança mais acentuada, sendo os mentores intelectuais dos crimes. II. DO CRIME DE EXTORSÃO (art. 158, § 10 do Código Penal) No período que compreende, aproximadamente, 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, na rodovia BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, previamente ajustados, atuando com unidade de desígnios, consciência e vontade cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, constrangeram, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela aludida rodovia, conforme Boletins de Ocorrência Policial de fls. 46, 47/48, 50/51, 53/55, 57/58, 60/61, 62/65, 67/68, 69/70, 72/73, 74/75, 76/77, 78, 80, 82/83, 130/131, 132/133, 135/136, 137/138, 174/176, 178/181,185/188, 190/192,193/194, 196/197, 198/200, 204/205, 206/207, 208, 209/210, 212/213, 215/216, 217/218, 219/220, 222 e 223. Conforme apurado, os acusados, nas condições de tempo e local acima indicados, organizaram a realização de bloqueios na rodovia, dirigindo a atuação de outros índios da etnia Nambikwara, de modo que constrangeram os usuários da rodovia ao pagamento de quantias em dinheiro a título de "pedágio" para que prosseguissem viagem. [...] Com relação às elementares do crime, o uso de grave ameaça fica expresso através do Termo de Declaração de fl. 151, em que Roseli de Souza Dutra externa que seu marido Jair Rosa Dutra, caminhoneiro, foi ameaçado pelos indígenas por se recusar a pagar o valor cobrado. Além disso, o Laudo de Perícia Criminal n° 075/2015 - UTEC/DPF/VLA/RO (fis. 229/233) atesta a total nocividade à integridade física e vida humana do artefato (flecha) atirado pelos indígenas que realizavam o bloqueio contra veículo conduzido por pessoa que por ali trafegava. A autoria delitiva pesa em favor de todos os denunciados e é respaldada pela Informação Policial n° 012- NO/CAE/DPF/MT de fls. 84/97, na qual constam fotografias de MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA e ANAEL NAMBIKWARA, identificados como líderes do movimento. Também o Termo de Declarações de fls.158/159, em que fora ouvido o denunciado JAIR NAMBIKWARA, em que este último assume sua participação e de MANE MANDUCA no cometimento do delito, ambos funcionando, inclusive, como lideranças. Vale mencionar, também, como prova da autoria delitiva a Informação n. 117/2016 - NO/DPF/CAE/MT de fls. 277/279. Além disso, as interceptações telefônicas constantes do Auto Circunstanciado Final n° 19 Operação Santa Cruz (fls. 236/299 dos autos em apenso), também são importantes para descortinar a autoria delitiva. O índice n. 6938835, em que MANE MANDUCA conversa com pessoa chamada Alessandra demonstra que o denunciado é parte da associação criminosa e percebe quantia indevida em razão do bloqueio ilegal: [...] Já o índice n. 6947060 revela conversa entre MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA em que ambos tratam, dentre outros assuntos, acerca do bloqueio: [...] O índice n. 6933208 deixa claro a importância do denunciado ANAEL NAMBIKWARA para o desenvolvimento da atividade criminosa: [...] Por fim, mencione-se o índice n. 6940996, que torna clara a efetiva participação de MARCOS NAMBIKWARA: [...] Demonstradas, portanto, autoria e materialidade delitiva, de rigor a condenação dos denunciados nas penas do art. 158, caput, do Código Penal, com o aumento de pena previsto em seu §1º. 3. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (art. 288, caput, do Código Penal). No período compreendido, aproximadamente, entre os dias 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, se associaram, com o fim específico de cometer o crime de extorsão anteriormente imputado. De início, vale mencionar que JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, em Termo de Declarações de fls. 158/159, confessa que o bloqueio seria liderado por ele e por MANDE MANDUCA, uma vez que este é presidente da associação HYTO enquanto o declarante é Cacique-Geral. Já MANE MANDUCA, na informação n. 117/2016-NO/DPF/CAE/MT (fls. 278/279), também admite sua participação e a de JAIR HALOTESU no esquema criminoso, afirmando, inclusive, que sabia da ilegalidade de sua conduta e demonstra estrito conhecimento do funcionamento de todo arranjo delituoso. De acordo com o Auto Circunstanciado n. 19 (fls. 236/299 - autos n° 1844-56.2015.4.01.3601 em apenso), índice n. 6938835, fica demonstrada a associação efetiva entre MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU. Neste áudio, cuja degravação segue abaixo, MANE MANDUCA menciona com o outro interlocutor que conversará com JAIR para que possa "pegar um dia de estrada", ou seja, ficar um dia no pedágio e utilizar parte da quantia indevidamente obtida para satisfazer necessidade pessoal. Desde logo, fica clara a liderança exercia por ambos com relação às determinações acerca do "pedágio", como determinar os dias de realização, as pessoas que comporão os grupos para cobrança e qual a função de cada um. [...] Em outro diálogo, registrado sob o índice n. 6947060, MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA conversam sobre questões atinentes aos bloqueios, tendo o segundo alertado o primeiro acerca de eventual suspensão das cobranças indevidas. JAIR NAMBIKWARA HALOTESU também é mencionado por MANE, quando o último solicita a MILTON que fale com JAIR para que este segure determinada quantia obtida em razão da prática criminosa para satisfação de necessidade pessoal. [...] A liderança exercida por MANE MANDUCA é tão evidente, que ele chega a ser procurado por meios de comunicação para esclarecer a situação dos bloqueios, como indicam os índices n. 7016075 e n. 7021741: [...] O índice n. 7023533 é relativo a diálogo travado entre MANE e MILTON que tratam acerca da destinação dada por MANE ao dinheiro obtido nos bloqueios. [...] Ainda sobre o envolvimento de MILTON NAMBIKWARA, necessária a citação ao índice n. 7009982, que demonstra ter o denunciado controle sobre o dinheiro arrecadado. Neste diálogo, o interlocutor solicita a MILTON que guarde determinada quantia para lhe repassar posteriormente, ao passo que o denunciado afirma que dessa forma irá proceder conforme requerido. [...] O índice n. 6933208 é referente a diálogo entre o denunciado ANAEL NAMBIKWARA e terceira pessoa, momento em que se conversa acerca da destinação de quantias, supostamente as obtidas nos bloqueios. ANAEL revela estar sob posse das quantias e, ao que tudo indica, irá depositar em conta a ser aberta pelo outro interlocutor. Tal fato revela a importância de ANAEL na associação criminosa, uma vez que era ele quem dava destinação ao dinheiro percebido indevidamente: [...] O diálogo relativo ao índice n. 6933208 demonstra, mais uma vez, que ANAEL NAMBIKWARA era um dos organizadores dos bloqueios, em associação aos demais denunciados. Fica evidente que ANAEL atuava praticamente em substituição a JAIR e MANE quando estes no estivessem, por qualquer motivo, disponíveis para fornecer informações sobre os bloqueios ilegais. [...] No diálogo de código 7032761 fica claro, mais uma vez, que ANAEL é um dos responsáveis pela administração dos valores arrecadados em decorrência dos bloqueios. O diálogo registrado sob o índice n. 6940996 demonstra que o denunciado MARCOS NAMBIKWARA também era um dos líderes do movimento criminoso, integrando seleto grupo composto pelos outros denunciados. Fica evidente, conforme a transcrição abaixo, que a posição de MARCOS lhe possibilitava tomar decisões acerca do rumo a ser dado aos bloqueios efetuados, bem como sobre eventuais repercussões em caso de intervenções do Poder Público. [...] Denúncia recebida em 15.03.2017 (ID 236427507, p. 90). Sentença condenatória publicada em 20.09.2021 (ID 236433235). Os recorrentes sustentam, sumamente, (i) cerceamento de defesa, devido à ausência de laudo antropológico, (ii) ausência de laudo técnico para atestar a imputabilidade dos acusados, (iii) inexistência de crime, (iv) retificação da dosimetria, (v) fixação do regime de semiliberdade (ID 236433240). Contrarrazões apresentadas (ID 236433243). A PRR-1ª Região se manifestou pelo reconhecimento da prescrição quanto ao delito de associação criminosa e pelo desprovimento do recurso (ID 256332526) É o relatório. À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III). MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Incialmente, deixa-se de apreciar a nulidade por cerceamento de defesa, porque o resultado de mérito é favorável. Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. No que se refere à infração penal de extorsão, a condenação não subsiste, como se verá. Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”) (ID 236433235): [...] MNI: Vocês continuam no pedágio? MARCOS: Verdade, enquanto o governo, o governo não dá resposta, pra licenciamento pra os índios NAMBIKWARA de comer (incompreensível), eles tá ali, com arma, tudo, pode vir Força Nacional (incompreensível). Novidade que tinha é essa mesma. MNI: Eu soube que ontem a FUNAI foi ali, eles não resolveram nada? MARCOS: Nada, eles não vai resolver. MNI: Ele não passou ali? MARCOS: Passou (incompreensível). MNI: Ahh tá. MARCOS: Diz que tá vindo Força Nacional, os índios não vai sair dali. MNI: Vai vir, vai vir a Força Nacional? MARCOS: Diz (incompreensível), os índio não vai sair dali. Eles tá pronto ali pra embassar os homem, morrer né ali, derramar sangue ali, acabou. MNI: (risos) Vocês estão disposto a morrer aí? MARCOS: Acho que não né? (risos) MNI: (risos) Pois é, porque aí seria ruim né, porque a gente precisa do povo NAMBIKWARA. MARCOS: Não, se os NAMBIKWARA decidi ir pra guerra ali (incompreensível). MNI: Pois é, o problema é que, eu tive já analisando a situação, o problema é tem coisas que vocês estão reivindicando que nem é de competência da FUNAI resolver, é difícil resolver na hora, porque depende de outros né? MARCOS: E, é verdade. MNI: Esse que é o caso né, como essa PCH que vocês querem é. MARCOS: (incompreensível) NAMBIKWARA eles quer dinheiro, né Lourdes (?)? Os NAMBIKWARA hoje, um dos lá em Brasília falar pra ele que NAMBIKWARA (incompreensível) pedágio da rodovia federal ainda, eles tá pronto, eles sabe proposta. Eles não vai sair dali, se o governo não tem licenciamento ali eles não vão sair dali, eles tá ali pronto, ele sabe a proposta. E guerra, é guerra e eu falo logo (incompreensível). MNI: E, só que esse licenciamento dessa PCH, o problema é que pra dar esse licenciamento tem que ter o estudo bem feito né, e a questão de vocês ali que o Ministério Público alega é que o estudo não está bem feito. Esse que é o problema. Porque o estudo, vamos dizer, no estudo eles tem que colocar quantos índios vão ser atendidos, qual é o prejuízo que vai trazer pros índios, várias coisas assim, e naquele estudo não tem isso, então o que as autoridades querem é um estudo mais bem feito né? Então por isso que agora, por exemplo, se agora aprova, de repente a empresa até paga um bom dinheiro pra vocês, mas aí no futuro vocês não tem como cobrar, porque vocês não tem como provar quais são os prejuízos que tá causando né? [...] MARCOS: Não, o negócio do NAMBIKWARA é direto, não tem negócio mais, porque eles já pediram eles já fizeram a reivindicação, solicitaram o pessoal de Brasília que que os índios NAMBIKWARA precisam, só que não deram resposta. Agora a ameaça que eles tem, eles vão sair dali do pedágio, eles vão sair pra ali no Rio Novo pra quebrar ponte, ele vai quebrar ponte. MNI: Vai quebrar ponte lá? MARCOS: Vai, vai sair os índios dali eles já marcaram até o ponto. Os índios que tá são muitos, os cuidados. [...] E este diálogo do acusado MANÉ complementa (ID 236433235): [...] ALESSANDRA: Negociaram, chegaram num acordo então? MANE: Não foi bem num acordo não, mas nós pegamos uma semana pra resolver. ALESSANDRA: É né, mas a reinvidicação mais em cima das terra? MANE: É questão de 4 mil, de licenciamento de 4 mil hectare, essas coisas, sabe? ALESSANDRA: Ahh tá, o licenciamento pra plantio né? MANE: Pra plantio, eles não quer dar resposta. ALESSANDRA: Com arrendamento né? MANE: É, porque nós não temos máquina, nós tem que passar pra produtor pegar e fazer. ALESSANDRA: Ummm aí vocês tiram a porcentagem né? [...] A prova cautelar demonstra, ainda, a utilização de quantia para tratamento de saúde (ID 236433235, p. 14): [...] ALESSANDRA: To bem, com quem eu falo? MANE: E MANDUCA. ALESSANDRA: Oh MANDUCA, você é enrolado heim, tá ganhando dinheiro aí pra gente? MANE: Eu também to querendo. ALESSANDRA: Você tá querendo né MANDUCA. MANE: Oh, você acha que é assim, só porque tem pedágio que MANDUCA tá rico ... risos... ALESSANDRA: Não, imagina, to falando isso não. MANE: Oi, eu to precisando de 4mil para fazer cirurgia da JOANA, da vesícula dela, particular, eu não to conseguindo. ALESSANDRA: Hummm. MANE: Verdade. Eu to conversando com o pessoal aqui, com o JAIR, vou pegar um dia de pista e vou fazer a cirurgia dela urgente, ela não está aguentando mais. [...] Havia fornecimento ticket com a menção de que se referia à “PARALISAÇÃO EM PROL DO CASCALHAMENTO DAS ESTRADAS DE ACESSO ÀS ALDEIAS” (ID 236427506, pp. 111, 115, 121,125, 237, 244, 251). Este trecho de reportagem, datada de 08.06.2015, acostada aos autos demonstra o intuito reivindicatório do pedágio (ID 236427506, p. 276): [...] A situação sobre a BR-174, rodovia que liga os estados do Mato Grosso e Rondônia (e já no estado de Rondônia se transforma em BR-364) a cerca de 30 quilômetros do município mato-grossense de Comodoro, em relação ao pedágio cobrado pelos indígenas da etnia Nambikwara, é delicada. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, o direito de plantar e conseguir gerar renda para o sustento das cerca de 600 pessoas que compõem o grupo, e para isso impedem o livre tráfego de homens brancos na rodovia. Os motoristas só podem passar pelo local mediante pagamento. Motocicletas, carros, caminhões e até ônibus coletivos são submetidos a cobranças que variam de R$ 15 a R$ 50 (no caso de veículos pesados). A maioria absoluta dos condutores paga, porém insatisfeita. O empecilho no local já gerou conflitos, reclamações de associações e cooperativas, e até mesmo registro de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF). A última tentativa de acabar com o pedágio Nambikwara foi realizada na manhã da última quarta-feira. A PRF e outros órgãos federais marcaram um encontro com lideranças Nambikwara na cidade de Comodoro para debater possibilidades que dessem fim ao pedágio. As lideranças da etnia não foram ao encontro, fato que lhes garantiu pelo menos uma semana a mais de prazo, e de pedágio na rodovia. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia esteve no local e conseguiu acesso ao acampamento dos manifestantes. Em conversa com o cacique geral, Jair Nambikwara, ele disse que participou de outra reunião na mesma semana com a PRF e a Fundação Nacional do índio (Funai), mas não havia firmado nenhum apoio porque não consultara as demais lideranças de sua tribo. "Eu não poderia tomar nenhuma decisão sem antes saber o que eles pensam, por isso marcamos este outro encontro", relatou Jair. As lideranças não compareceram porque alguns pajés consultaram os espíritos protetores do grupo, e eles haviam alertado sobre o perigo resultante do encontro. "Os espíritos relataram que as lideranças poderiam ser presas durante o encontro. Assim nosso movimento se enfraqueceria, por isso não participamos", relatou o cacique-geral Nambikwara, que fez uma revelação inquietante: "Estamos preparados para a guerra, e não vai ser fácil tirar a gente daqui do acampamento", garantiu. Jair relatou que a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos primeiros encontros dificultou um acordo inicial com a PRF. Agora que a fundação já tomou ciência de todas as exigências, fica mais fácil negociar, desde que haja documentação oficial de cada encontro realizado, pois segundo os indígenas, muitos acordos verbais feitos com as instituições públicas não foram cumpridos. Enquanto a equipe de reportagem estava no local, um grupo de policiais, componentes da força-tarefa da PRF incumbida da operação, passou pelo pedágio. Alguns índios que estavam na BR começaram a gritar, e em seguida entoavam cânticos aparentemente de alegria. Um grande volume de veículos se aglomerou no local, e enquanto a equipe registrava o momento ouvia de motoristas frases como "isso é um absurdo", ou "falta de vergonha". Alguns condutores que se recusavam a pagar tinham os carros cercados. Os veículos ficavam parados e a fila aumentava. O único jeito de sair do local é sucumbir ao preço estipulado pelo grupo. Mas afinal, o que querem os índios? Essa era a pergunta que não cessava na conversa entre os jornalistas que foram ao local para tentar ouvir a versão dos indígenas. Extremamente solícito, o cacique Jair Nambikwara, que é o líder geral do grupo, não se ofendeu com a pergunta, e demostrou bastante interesse em esclarecer a situação. "Conseguir fonte de renda para os índios, o licenciamento das terras para permitir o cultivo pra que a gente possa vender nossos produtos, e o pagamento da indenização pelo Dnit, da terra desapropriada para a construção da BR. Nada mais verbal, tudo com documentos", diz. O cacique-geral explicou que estes são os pedidos principais e os indígenas também querem o direito de mais acesso à saúde, educação e benefícios básicos garantidos a qualquer outro cidadão brasileiro. "O pedágio é uma forma de nós conseguirmos renda para compra de comida, e garantir o sustento de todos aqui", acrescenta. [...] Conforme o depoimento extrajudicial de JAIR NAMBIQUARA HALOTESU (ID 236427506, p. 286), na presença da Coordenadora Técnica Local da FUNAI, em Comodoro/MT, este narrou “...QUE pertence à etnia Nambiquara e reside na Aldeia Nova Mutum; QUE é Cacique Geral do povo Nambiquara do Cerrado, há mais de 15 (quinze) anos; QUE acerca do bloqueio da rodovia BR-174, que vem ocorrendo desde o mês de abril, respondeu que está sendo realizado pelos índios Nambiquara do Cerrado e Nambiquara do Vale; QUE acerca dos motivos desses bloqueios, disse que ocorre por conta de várias reivindicações, tais manutenção das estradas que dão acesso às aldeias, instalação de PCH e conclusão da instalação de rede de energia elétrica nas aldeias e compensação pelo impacto ambiental pelo DNIT, recebimento de ICMS ecológico, implantação lauvora (sic) mecanizada em regime de parceria com prefeitura, outros índios e a FUNAI, para sustento dos integrantes da comunidade; QUE não buscam a parceria com fazendeiros locais...” Em conformidade com o Parecer Pericial n. 04/2016 da PGR (ID 236427507, pp. 74 e 82), “Na visão de várias lideranças, o pedágio é a consequência da ausência de políticas públicas, principalmente de geração direta de renda” e as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. A propósito: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0001916-38.2018.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 07/10/2024, grifos meus.) Em igual sentido, deu-se na Apelação Criminal n. 0000187-40.2019.4.01.3601, com também identidade parcial: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024, grifos meus.) Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. Ante o exposto, DECLARO extinta a punibilidade de todos os acusados, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa, no que diz respeito ao delito do art. 288, caput, do CP, e, na parte não prejudicada, DOU PROVIMENTO à apelação, com o fim de, reformando a sentença, julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver (1) JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, (2) MANE MANDUCA, (3) MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, (4) ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e (5) MARCOS NAMBIKWARA, no que toca à infração penal do art. 158, §1º, do CP, com fundamento no art. 386, III, do CPP. É o voto. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelações interpostas por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNAI, de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou pelos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material, consubstanciados pelas condutas de, segundo a denúncia, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, terem, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 288 do CP, ante a incidência da prescrição; e ii) afastar a condenação relativa ao crime de extorsão, ante a ausência da elementar da "vantagem indevida", ante o intuito reivindicatório do "pedágio" cobrado, revertido à comunidade indígena, ante a omissão estatal para a garantia de seus direitos. Ante o exposto, ACOMPANHO o e. relator e declaro extinta a punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição, em relação ao crime do art. 288 do CP, ficando prejudicada a apelação nesse ponto; e dou provimento à apelação na parte não prejudicada para absolvê-los quanto ao crime do art. 158, §1º, do CP, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. EXTORSÃO. ATIPICIDADE FORMAL. ABSOLVIÇÃO. 1.A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. 2.Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. 3.Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. 4.A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”). 5.A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. Em igual sentido: ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024. 6.Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). 7.É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. 8.Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. 9.Punibilidade extinta, de ofício, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao delito de associação criminosa. Apelação a que se dá provimento, na parte não prejudicada, para absolver os réus, quanto à extorsão. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição e dar provimento à apelação, na parte não prejudicada, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0006698-61.2009.4.01.4100
ID: 329065687
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 0006698-61.2009.4.01.4100
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELIEL SANTOS GONCALVES
OAB/RO XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0006698-61.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0006698-61.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: ERNA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0006698-61.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0006698-61.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: ERNANDES SANTOS AMORIM e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: ELIEL SANTOS GONCALVES - RO6569-A POLO PASSIVO:MUNICIPIO DE ARIQUEMES e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: MICHEL EUGENIO MADELLA - RO3390-A, PAULO CESAR DOS SANTOS - RO4768-A e VERGILIO PEREIRA REZENDE - RO4068-A RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 0006698-61.2009.4.01.4100 R E L A T Ó R I O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto por ERNANDES SANTOS AMORIM e DANIELA SANTANA AMORIM (IDs 244897791 - Pág. 190/213; 244897792; e 244890429 – Pág. 3/5) em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Rondônia que, nos autos da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em litisconsórcio com o Município de Ariquemes/RO, e em face dos apelantes e de Osmar Santos Amorim, Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação, P.S. Vieira e Arte Cimento Construções e Terraplenagem, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes e a empresa Rangel & Matias por atos de improbidade administrativa descritos no art. 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992, aplicando a eles as sanções previstas no art. 12, inciso I, da LIA, e absolvendo a empresa P.S. Vieira (ID 244897791 - Pág. 152/184). Foi determinado o desmembramento do feito em relação às empresas Portal Construções, Comércios e Representação Ltda e Arte e Cimento Construções e Terraplanagem Ltda, excluindo-as do polo passivo da demanda (ID 244890394 – Pág. 65 c/c Pág. 70) e incluindo-as em novo processo de número 0000560-39.2013.4.01.4100 (já transitado em julgado). Diante do falecimento de Osmar Santos Amorim, o Juízo de origem deferiu o pedido do MPF de habilitação de seus herdeiros (Helena Pereira dos Santos, Eduardo Henrique dos Santos e Amanda Carolina Santos Amorim) para integrarem o polo passivo (ID 244897788 - Pág. 20) e, em seguida, chamou o feito à ordem para excluí-los do polo passivo, em razão da inexistência de bens a inventariar (ID 244897788 - Pág. 42 c/c Pág. 62). Aos demandados foram impostas as seguintes sanções: (i) ressarcimento integral e solidário do dano causado no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos); (ii) pagamento solidário de multa civil no importe de duas vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos); (iii) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 (dez) anos; (iv) suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos, exceto para a empresa; e (v) perda da função pública, exceto para a empresa. Em razões recursais, os apelantes alegam, preliminarmente, (i) haver recurso de agravo retido ainda pendente de análise, pugnando por seu provimento para que seja denunciada à lide a Caixa Econômica Federal; e (ii) violação ao contraditório e à ampla defesa, diante da juntada de documentos sem intimação dos réus para se manifestarem, além da utilização de tais provas, consideradas nulas, para fundamentar a condenação. Alegam, em prejudicial de mérito, a prescrição quinquenal para Ernandes Santos Amorim. No mérito, os apelantes afirmam que não restou comprovada ação ou omissão dos ex-Prefeitos que configurem ato de improbidade. Sustentam que não podem ser responsabilizados pelos atos praticados pelos donos das empresas que concorrem nas licitações, nem aqueles praticados pela comissão de licitação. Argumentam que paira discussão acerca da validade das provas que subsidiaram sua condenação, no caso, as interceptações telefônicas, acostadas aos autos como prova emprestada. Alegam, ainda, ausência de dolo ou culpa em suas condutas. Salientam que as empresas participantes do certame em questão já existiam antes mesmo de os apelantes tomarem posse como Prefeitos. Argumentam que foi regular o fracionamento das despesas, assim como a licitação realizada para a execução das obras. Por fim, insurgem-se em face da proporcionalidade na aplicação das sanções. Requerem, assim, a análise do agravo retido e a reforma da sentença. Subsidiariamente pedem a redução das sanções impostas. Pedem, também, a concessão da justiça gratuita (IDs 244897791 - Pág. 190/213; 244897792; e 244890429 – Pág. 3/5). O MPF apresentou contrarrazões à apelação, pugnando pela manutenção da sentença (ID 244890445). Foi indeferido o pedido de gratuidade de justiça formulado pelos apelantes e remetidos os autos a este Tribunal pelo Juízo a quo (ID 244890447). Em Parecer, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifestou pelo não provimento do recurso (ID 250211550). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 0006698-61.2009.4.01.4100 V O T O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Remessa Necessária Como relatado, a sentença foi submetida à remessa necessária. A Lei 8.429/1992, na redação anterior à Lei 14.230/2021, não dispunha sobre a questão da remessa necessária, razão pela qual o STJ tinha entendimento pela aplicação, por analogia (método de integração da lei), do disposto no art. 19 da Lei 4.717/1965. Todavia, com o advento da Lei 14.230/2021, que alterou de forma substancial a Lei 8.429/1992, a questão relativa ao cabimento ou não da remessa necessária recebeu tratamento expresso, uma vez que a própria Lei trouxe dispositivos no sentido de que não haverá remessa necessária nas sentenças proferidas em ação de improbidade administrativa (art. 17, § 19, IV, e art. 17-C, VII, § 3º, ambos da Lei 8.429/1992, com a redação dada pela Lei 14.230/2021). Ademais, em sessão realizada em 26/04/2023, a Primeira Seção do STJ, ante a supracitada vedação à remessa necessária introduzida pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992, decidiu desafetar o Tema Repetitivo 1042 – cuja questão que seria submetida a julgamento era a discussão se há remessa de ofício nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau –, na compreensão de que a lei, agora, expressamente afasta a necessidade de reexame necessário. Dessa forma, o não conhecimento da remessa necessária tida por interposta é medida que se impõe. Requisitos de admissibilidade recursal De início, indefiro o pedido de gratuidade de justiça requerido pelos apelantes (ID 244897791 - Pág. 200/203), tendo em vista o não preenchimento dos requisitos necessários para tanto, como declaração de hipossuficiência econômica ou procuração com cláusula específica para requerer a gratuidade da justiça. Além disso, nota-se que o Juízo de origem indeferiu a concessão do benefício aos apelantes, antes de remeter os autos para esta Corte Regional (ID 244890447). Ressalta-se que, mesmo diante desse cenário, a compreensão atual desta relatora é de que o apelo não deixaria de ser conhecido e, portanto, o recurso não seria deserto, pois a Lei 14.230/2021 alterou a Lei 8.429/1992 no que toca à necessidade do preparo, determinando que “não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas” (art. 23-B, caput) e estabelece que, caso a sentença seja de procedência, “as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final” (art. 23-B, § 1º). Avançando, constata-se que o recurso é tempestivo, não há hipótese de deserção por ausência ou insuficiência de preparo e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Agravo Retido Afirmam os apelantes que interpuseram agravo retido em face da decisão do Juízo de origem que indeferiu o pedido de denunciação à lide da Caixa Econômica Federal, requerendo o julgamento do recurso perante esta Corte Regional, já que interposto na vigência do CPC de 1973. O Juízo, em sentença, ratificou a decisão que havia indeferido o pedido de denunciação à lide da CEF (ID 244897791 - Pág. 159 c/c Pág. 182). Com o novo CPC, a lei criou um regime de preclusão diferida para as decisões interlocutórias que não comportam agravo de instrumento. Isso significa que a discussão sobre essas decisões pode ser feita pela primeira vez no recurso de apelação, quando a sentença for impugnada. Naquele recurso, Daniela Amorim requer a denunciação à lide da CEF, alegando que se faz necessária a presença da empresa pública nos autos para que esclareça os fatos, já que era a responsável pelo repasse dos valores referentes às licitações em comento. Afirma, ainda, que, se houve irregularidade, a CEF também seria responsável pelos fatos narrados, já que era quem liberava os recursos após certificar que as obras estavam sendo executadas com regularidade. Assim, prossegue, a CEF deverá ressarcir a demandada, caso tenha liberado verbas sem verificar a correta contraprestação. A denunciação da lide é procedimento processual que permite que o réu chame um terceiro para o processo, com o objetivo de garantir seu direito de regresso caso seja condenado. Isto é, se o réu for responsabilizado por um dano, ele poderá buscar o ressarcimento desse dano ao terceiro que também tem responsabilidade. Contudo, a presente demanda se trata de ação civil pública por improbidade administrativa, cujo intuito é apurar eventual prática de ato de improbidade por um agente público, que pode ensejar a aplicação da sanção de ressarcimento ao erário, caso ocorra dano aos cofres públicos decorrente da conduta ímproba praticada. Ademais, não se trata de hipótese na qual, por exemplo, haja a necessidade de se reconhecer a denunciação à lide de responsável técnico de uma empresa pública responsável pelo financiamento de uma obra. Assim, não cabe inserir no polo passivo da demanda de improbidade a empresa pública, posto que a simples atuação como condutora dos instrumentos de repasse dos recursos não induz à sua responsabilização pelas verbas públicas supostamente desviadas. A denunciação da lide há de ser indeferida se não é possível aferir a existência do direito de regresso. Condição, na espécie, que depende de apuração em processo autônomo, com dilação probatória própria. Neste contexto, caso os apelantes entendam que cabe direito de regresso em face da Caixa Econômica Federal, nada os impede de ajuizar a ação cabível para tanto. Da mesma forma, incabível trazer a CEF para compor a lide com o intuito de que preste informações, uma vez que se pode buscar esclarecimentos junto à empresa pública intimando-a para tanto. Rejeito, assim, o pedido de denunciação à lide da CEF. Preliminar de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa Alegam os apelantes que as provas juntadas pelo MPF, produzidas nas ações 2004.41.00.003869-7 (nova numeração 0003851-62.2004.4.01.4100) e 2008.41.00.006229-2 (nova numeração 0006226-94.2008.4.01.4100) são nulas, pois foram ordenadas por Juízo incompetente e declaradas nulas por esta Corte Regional, em decisão transitada em julgado, de modo que não podem ser utilizadas para condenar os apelantes. Afirmam, ainda, que a sentença deve ser anulada, pois usou provas emprestadas sem o devido processo legal, violando o contraditório e a ampla defesa, pois Daniela Amorim não era parte em nenhuma daquelas ações, de modo que não pode se defender das provas produzidas naqueles autos. Além disso, sustentam que, após a juntada dos documentos pelo MPF, os demandados não foram intimados para se manifestarem a respeito delas. Compulsando os autos, verifica-se que o MPF trouxe, junto com a inicial, além de anexos com diversos outros documentos, cópia da ação penal 0006226-94.2008.4.01.4100 (IDs 244890416 e 244890418). Nota-se, assim, que os apelantes poderiam ter se manifestado sobre os documentos juntados pelo órgão ministerial desde o início da demanda, vindo somente a arguir a suposta nulidade em razões de apelação, caracterizando a chamada “nulidade de algibeira” ou de bolso. Nesse ponto, cumpre consignar que, em atenção ao princípio da boa-fé processual, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a arguição de nulidade processual, quando realizada apenas após a ciência, pela parte interessada, da decisão de mérito contrária a seus interesses e o vício já poderia ser vislumbrado com nitidez antes disso, constitui a chamada “nulidade de algibeira”, incompatível com o referido princípio e que pode estar configurada mesmo nos casos de nulidade absoluta (aqui hipoteticamente falando, pois não verificada nulidade absoluta, tampouco relativa). Logo, não há que se falar em violação ao contraditório e à ampla defesa, já que os apelantes tiveram oportunidade de contraditar os documentos juntados pelo Parquet Federal, tendo permanecido, no entanto, inertes. Por fim, no que toca à alegação de nulidade das provas por terem sido ordenadas por Juízo incompetente, melhor sorte não assiste aos apelantes. Nota-se que o Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem no HC 39.246-RO, que tinha como paciente o acusado Ernandes Santos Amorim, para o fim de: a) anular o julgamento transcorrido no 1° grau (Justiça Federal de 1ª instância); b) anular o decreto segregatório; c) reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para julgar os acusados; e d) expedir alvará de soltura em favor de Ernandes Amorim (ID 244890429 - Pág. 158). Remetidos os autos das referidas ações penais a este TRF da 1ª Região (ID 244890429 - Pág. 161), perante esta Corte Regional o MPF ratificou a denúncia apresentada e requereu a unificação dos inquéritos/processos em trâmite no referido Tribunal e o aproveitamento dos atos instrutórios (ID 244890429 - Pág. 165/166). Esta Corte Regional indeferiu, então, os pedidos do MPF e julgou nulos os atos decisórios praticados no processo, por terem sido proferidos por juiz absolutamente incompetente (ID 244890429 - Pág. 168/169). Em seguida, por força da decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.797/DF e 2.860/DF, que reconheceu a inconstitucionalidade dos §§1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal (que concedia aos ex-ocupantes de cargos públicos e/ou mandatos eletivos foro por prerrogativa de função), foi determinado o retorno dos autos para o Juízo Federal de 1ª instância para prosseguimento do feito (ID 244890429 - Pág. 178). Com o retorno dos autos ao Juízo que determinou as provas que foram produzidas naquelas ações penais e determinada sua competência para tanto, as provas emprestadas juntadas na presente demanda pelo MPF são, portanto, válidas. Por fim, e para que não se interponha futuros embargos de declaração sob a premissa de omissão, registra-se, oportunamente, que a recente tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do HC 232627, quando se revisitou o tema, não afasta a validade e eficácia dos atos judiciais proferidos nas referidas ações penais sobreditas. Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 11/03/2025, ao concluir o julgamento do HC 232.627, proferiu a seguinte decisão com fixação de tese: Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para processar e julgar a ação penal 1033998-13.2020.4.01.3900, com a fixação da seguinte tese: “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”, com aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O Ministro Flávio Dino acompanhou o Relator, efetuando um complemento à tese. Plenário, Sessão Virtual de 28.2.2025 a 11.3.2025. (destaquei). Rejeito, desta forma, a preliminar de nulidade da sentença por ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Prejudicial de prescrição quinquenal Alegam os apelantes que os fatos narrados pelo MPF ocorreram no ano de 2001, quando assinados os Contratos de Repasse entre o Município de Ariquemes/RO e a Caixa Econômica Federal, data em que o apelante Ernandes Amorim era Prefeito do referido ente municipal. Afirmam que Ernandes Amorim teria renunciado ao seu mandato em 04/04/2002, quando teria iniciado o prazo prescricional para a propositura da presente demanda em relação ao ex-Prefeito. Assim, tendo a presente ação de improbidade sido ajuizada somente em 19/06/2009, a pretensão estaria prescrita em relação a Ernandes Amorim. Verifica-se, no entanto, que, da análise da exordial do MPF, o ex-Prefeito Ernandes Amorim exercia a função de líder do grupo criminoso denunciado pelo órgão ministerial, de modo que suas condutas se perpetuaram para além do seu mandato, tendo continuado no mandato de sua filha, a ora apelante Daniela Amorim, como Prefeita do Município de Ariquemes/RO. Veja-se partes da petição inicial do MPF em que são narradas as condutas praticadas pelo ex-Prefeito (ID 244899743 - Pág. 4): (...) Contudo, embora oficialmente DANIELA ocupasse o cargo de Prefeita, sendo a ordenadora de despesas do Município de Ariquemes, a verdade é que, de fato, AMORIM continuou a gerenciar a Administração Municipal, tomando todas as decisões que competiam à Prefeitura Municipal, sempre em benefício das empresas integrantes de seu grupo econômico, conforme restou evidenciado na Operação Rondônia/Mamoré, conduzida pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Controladoria-Geral da União. Neste sentido, as degravações da interceptação telefônica deixam bem explícita a liderança de AMORIM na Prefeitura de Ariquemes, orientando os demais, decidindo e acertando todos os detalhes, de modo a prevalecer seus interesses privados. (...) Assim, embora ele não mais exercesse o cargo de Prefeito do Município de Ariquemes/RO, Ernandes Amorim teria participado dos esquemas de fraudes licitatórias apurados pelo MPF, pela PF e pela CGU, o que o faz ter participação nos atos de improbidade como particular. Neste contexto, a prescrição, para todos os requeridos, se regula pelo término do exercício do mandato de Prefeita da corré / litisconsorte passiva Daniela Santana Amorim, ocorrido em 2004, já que foi durante a gestão dela que ocorreram as fraudes nos procedimentos licitatórios. Antes do advento da Lei 14.230/2021, o art. 23, inciso I, da Lei 8.429/1992 previa o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a propositura de ação civil pública por improbidade administrativa, contado do término do exercício, em relação aos detentores de mandato, cargo em comissão e função comissionada. Relativamente aos particulares, pessoas física ou jurídica, a regulação do prazo prescricional se daria de acordo com aquele previsto para os agentes públicos a que também seja cominada à responsabilidade por atos ímprobos. Logo, considerando que Ernandes Santos Amorim era Prefeito do Município de Ariquemes/RO e Daniela Santana Amorim Vice-Prefeita, tendo aquele posteriormente renunciado e esta o sucedido, apontando a inicial que Ernandes Amorim continuou a gerenciar a Administração municipal em benefício de empresas integrantes de seu grupo econômico, a prescrição quinquenal teve como marco inicial o término do mandato da corré Daniela Santana Amorim, no final do ano de 2004. Assim, considerando que a ação foi ajuizada em 22/10/2009 (ID 244899743 - Pág. 2), não se consumou a prescrição em relação a quaisquer dos requeridos. Sem mais questões preliminares ou prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador. Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/1992, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir) retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão (ARE 843.989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, preveem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa. A Lei 14.230/2021 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[1] e 7043, o STF proferiu decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação. Já nos autos da ADI 7236/DF[2], ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/1992. E mais recentemente, o Plenário do STF julgou o mérito do RE 656.558/SP/Tema 309 da repercussão geral, reafirmando sua jurisprudência no sentido de que o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992, em sua redação originária. Confira-se: Decisão: O Tribunal, (...) Por maioria, apreciando o tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE nº 656.558/SP, a fim de se restabelecer a decisão em que se julgou improcedente a ação, e fixou a seguinte tese: "a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores." Tudo nos termos do voto ora aditado do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, André Mendonça e Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2024 a 25.10.2024. Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/1992 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II da Lei 8.429/1992 trazidas pela Lei 14.230/2021 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É nesse prisma que serão analisadas as condutas da parte ré/apelante que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo, o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Do caso concreto. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor de Ernandes Santos Amorim, Daniela Santana Amorim, Osmar Santos Amorim e das empresas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação, P.S. Vieira e Arte Cimento Construções e Terraplenagem, em razão de suposto esquema de fraudes em procedimentos licitatórios envolvendo verbas públicas federais, através de contratação simulada, o que configuraria atos de improbidade previstos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. Foi determinado o desmembramento do feito em relação às empresas Portal Construções, Comércios e Representação Ltda e Arte e Cimento Construções e Terraplanagem Ltda, excluindo-as do polo passivo da demanda (ID 244890394 – Pág. 65 c/c Pág. 70) e incluindo-as em novo processo de número 0000560-39.2013.4.01.4100 (já transitado em julgado). Diante do falecimento de Osmar Santos Amorim, o Juízo de origem excluiu seus herdeiros do polo passivo, em razão da inexistência de bens a inventariar (ID 244897788 - Pág. 42 c/c Pág. 62). O Juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes e a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda por atos de improbidade administrativa descritos no art. 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992, absolvendo a empresa P.S. Vieira. No caso concreto, após a prolação da sentença condenatória, entrou em vigor a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/1992 e que devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022. Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal. Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg. TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos. Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos) Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/1992, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Já o § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[3] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/1992[4], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Na hipótese, Ernandes Santos Amorim e Daniela Santana Amorim, ora apelantes e ex-prefeitos do Município de Ariquemes/RO, afirmam que não restou comprovada ação ou omissão dos ex-Prefeitos que configurem ato de improbidade. Sustentam que não podem ser responsabilizados pelos atos praticados pelos donos das empresas que concorrem nas licitações, nem aqueles praticados pela comissão de licitação. Argumentam que paira discussão acerca da validade das provas que subsidiaram sua condenação, no caso, as interceptações telefônicas, acostadas aos autos como prova emprestada. Alegam, ainda, ausência de dolo ou culpa em suas condutas. Salientam que as empresas participantes do certame em questão já existiam antes mesmo de os apelantes tomarem posse como Prefeitos. Argumentam que foi regular o fracionamento das despesas, assim como a licitação realizada para a execução das obras. Narra o MPF que no ano de 2001 Ernandes Santos Amorim e Daniela Santana Amorim ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito e Vice-Prefeita do Município de Ariquemes/RO, tendo Ernandes Amorim renunciado ao cargo em 2002, para se candidatar ao cargo de Governador do Estado de Rondônia. Afirma o órgão ministerial que, embora Ernandes Amorim tenha renunciado, ele continuou a gerenciar a Administração Municipal junto a Daniela Amorim, sua filha, tomando decisões que competiam à Prefeita, em benefício das empresas integrantes de seu grupo econômico, o Grupo Amorim. Sustenta o MPF que, em decorrência das fraudes licitatórias perpetradas pelos apelantes, a Polícia Federal, junto ao Parquet Federal e à Controladoria-Geral da União, deflagrou a Operação Rondônia/Mamoré. Alega o Parquet Federal que as degravações da interceptação telefônica juntada aos autos mostram a liderança de Ernandes Amorim na Prefeitura de Ariquemes/RO, mesmo após sua renúncia, orientando Daniela Amorim e acertando os detalhes das simulações nas licitações, de modo a prevalecer seus interesses privados. Afirma o Parquet Federal que foram apuradas fraudes em procedimentos licitatórios instaurados no âmbito do Município de Ariquemes/RO, através do fracionamento de despesas e consequente direcionamento da contratação, bem como por meio de utilização de empresas fantasmas (que não existiam na prática), ou constituídas em nome de “laranjas” ou “testas-de-ferro” do Grupo Amorim, e gerenciadas por Osmar Santos Amorim, irmão de Ernandes. Assim, participavam dos esquemas fraudulentos as empresas Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda, Arte Cimento Construções e Terraplanagem Ltda, a ora demandada Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, dentre outras. Salienta o órgão ministerial que, para tanto, funcionários da Prefeitura de Ariquemes/RO participavam dos esquemas fraudulentos, como Secretários Municipais e membros da comissão de licitação. No caso dos autos, o MPF se reporta aos Contratos de Repasse 126.928-66/2001, 126.929-70/2001, 126.930-07/2001 e 126.931-11/2001 para a construção da Ceasa (Central de Compras, Abastecimento, Comercialização e Armazenagem de Produtos Agrícolas) no Município de Ariquemes/RO. Para tanto foram realizados alguns procedimentos licitatórios, os Convites 138/02; 137/02; 136/02; e 109/02, cujos objetos abrangiam, cada um, uma determinada área da Ceasa a ser construída. Participaram dos certames as empresas Portal Construções, Comércio e Representação Ltda, Arte Cimento Construções e Terraplanagem Ltda e a ora demandada Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda. Apenas no Convite 109/02 houve a participação de outra empresa, a demandada P.S. Vieira, vencedora da licitação. Foram vencedoras dos demais certames a empresa Portal Construções, Comércio e Representação Ltda (Convite 138/02) e a demandada Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda (Convites 137/02 e 136/02), todas pertencentes ao Grupo Amorim, segundo apuração feita pela Polícia Federal. Constatou-se que havia unidade de comando entre as empresas participantes das licitações em comento e uma das razões para se chegar a essa conclusão foram as propostas comerciais feitas por elas, nas quais havia formatação muito semelhante, sugerindo terem sido feitas pela mesma pessoa ou grupo. Neste diapasão, apurou-se que a abertura dos procedimentos licitatórios se deu apenas para cumprir formalidade, pois o intuito era apenas favorecer as empresas ligadas ao Grupo Amorim, através do fracionamento indevido das despesas, com o intuito de direcionar a licitação, já que o objeto era único, in casu, a construção da Ceasa de Ariquemes/RO. Afirma o Parquet Federal que a construção da Ceasa ultrapassava o valor de R$ 150.000,00 previsto para a adoção da modalidade de licitação Convite nos casos de obras e serviços de engenharia, de modo que o correto seria a utilização da modalidade Tomada de Preços ou Concorrência Pública. A CGU constatou, ainda, que houve superfaturamento de serviços, decorrentes do pagamento sem a devida contraprestação, já que houve inexecução de alguns serviços contratados, resultando em um prejuízo ao erário de R$ 33.116,33 (trinta e três mil cento e dezesseis reais e trinta e três centavos). Alia-se a isso a verificação da CGU de que foram alteradas algumas especificações técnicas, assim como as qualidades de alguns objetos contratados, sendo utilizados materiais de qualidade inferior e havendo substituição do projeto inicial, sem a diminuição do valor acordado, além de diversas outras irregularidades na execução dos serviços que ensejaram prejuízos ao erário. Importante ressaltar, também, que a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda pertencia ao Grupo Amorim, e tinha como sócio gerente Francisco José Rangel Nunes, pessoa de confiança de Ernandes Amorim, o que restou evidenciado na interceptação telefônica realizada durante a Operação Rondônia/Mamoré. Verificou-se, ainda, que a condição financeira dos sócios da empresa e a movimentação financeira da empresa e dos sócios eram incompatíveis com a realidade por eles apresentadas. Também foi apurado que Osmar Santos Amorim seria o verdadeiro dono da empresa, já que foram encontrados em sua residência diversos documentos relacionados à empresa Rangel & Matias, além de procuração com poderes outorgados a ele para que representasse a empresa perante a Prefeitura de Campo Novo/RO. O Juízo de origem bem analisou como se dava o modus operandi do esquema fraudulento encabeçado pelo Grupo Amorim, como se depreende dos seguintes trechos da sentença (ID 244897791 - Pág. 165/170): (...) Da análise dos autos, efetivamente se constata a existência de um grupo de empresas que se beneficiavam das fraudes em licitações, todas sob a liderança de Ernandes Amorim. O modus operandi, conforme já dito, consistiu na constituição prévia de empresas em nome de pessoas interpostas (laranjas) e empresas que, na prática, não atuavam (fantasmas), todas pertencentes ao denominado Grupo amorim, dentre elas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Arte Cimento Construções e Terraplanagem, as quais participavam de licitações apenas para dar aparência de legalidade ao certame. Antecipadamente Ernandes Amorim já definia quais empresas iriam participar e qual iria vencer a licitação, sendo o procedimento licitatório forjado, com a conivência e participação dos membros da comissão de licitação e da então Prefeita Daniela Amorim. No seio da organização criminosa, havia divisão de tarefas no sentido de quais empresas ficavam sob a responsabilidade de determinado membro, todavia, como faziam parte do mesmo grupo, em diversas ocasiões determinado membro passava a atuar como representante de outra participante. (...) Confira-se, a título de exemplo, alguns dos elementos de prova constantes dos autos que evidenciam tal contexto: (...) e) a empresa ré Rangel & Matias outorgou procuração para Osmar Santos Amorim (irmão de Ernandes Amorim e tio de Daniela Amorim), para que a representasse junto à Prefeitura Municipal de Campo Novo/RO (fl.293); f) o endereço registrado da ré Rangel & Matias não foi localizado e o sítio encontrado continha somente uma sala e computador (fls. 330-331); g) conforme fl. 297, somente em 2002 o estabelecimento passou a ter movimentação financeira, equivalente a R$ 109.122,50 (cento e nove mil, cento e vinte e dois reais e cinquenta centavos), passando já em 2003 a movimentar R$ 934.886,27 (novecentos e trinta e quatro mil, oitocentos e oitenta e seis reais e vinte e sete centavos), além da movimentação financeira de R$ 2.270.950,00 (dois milhões, duzentos e setenta mil, novecentos e cinquenta reais) de Francisco José Rangel Nunes (fls. 236/237); h) o resumo da análise das reclamações trabalhistas de fls. 346-350 evidencia em especial considerando que os empregados vivem o dia-a-dia da empresa, que as reclamadas ali citadas e seus representantes pertencem a um mesmo grupo (...). (...) Assim, em que pese a alegação de inexistência de provas quanto à formação do "Grupo Amorim" a partir da participação das empresas rés, os elementos de prova existentes nos autos, vistos em seu conjunto, são suficientes para comprovar o alegado. Os envolvidos, como é comum nessas situações, cientes da ilicitude e gravidade de seus atos, buscaram disfarçar o teor ilícito de suas ações, inclusive nas tratativas via telefone, mas o contexto probatório existente nos autos é deveras suficiente para tornar visível a forma de atuação. Dessa forma, conclui-se que os réus Ernandes Amorim, Daniela Amorim e Osmar Amorim faziam parte da organização criminosa, observando que este último e seus sucessores foram excluídos do polo passivo em razão de seu falecimento e inexistência de bens (fls. 2536 e 2546), bem como que as empresas Rangel & Matias, Portal Construções e Arte Cimento compunham o “Grupo Amorim”, observando que houve desmembramento do feito em relação às empresas Portal Construções e Arte Cimento, excluindo-as do polo passivo desta demanda (fls. 2219-2228). (destacou-se) Neste contexto, o Juízo sentenciante firmou posicionamento pela condenação dos apelantes e da empresa Rangel & Matias, diante da demonstração pelo MPF da materialidade e autoria dos fatos narrados, bem como o dolo na conduta dos réus, analisando de forma exaustiva os elementos probatórios presentes nos autos, que deixam evidente a fraude licitatória, através do fracionamento indevido e do direcionamento dos certames (ID 244897791 - Pág. 163/172): (...) Especificamente em relação a construção da Central de Compra, Abastecimento, Comercialização e Armazenagem de Produtos Agrícolas de Ariquemes/RO - CEASA, objeto da presente ação de improbidade, relata o autor que resultaram evidenciadas na denominada “Operação Rondônia/Mamoré" conduzida pelo MPF, pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, as seguintes irregularidades: a) fracionamento do objeto licitado em 04 (quatro) certames licitatórios na modalidade convite e direcionamento para empresas do “Grupo Amorim”; b) superfaturamento dos serviços; c) alteração das especificações acordadas, com prejuízo para o objeto contratado; d) elaboração de orçamentos básicos com cotação de preços unitários diferenciados para serviços idênticos; (...). (...) Contudo, da análise dos Contratos de Repasse celebrados entre União Federal (representada pela CEF) e o Município de Ariquemes/RO (Apenso IV – Volume IIU – fls. 528-557 – numeração MPF, correspondente ao apenso 03 da JF), não se verifica exigência de que para cada contrato de repasse surja certame licitatório, tampouco há nos autos prova produzida pelos réus nesse sentido. Ademais, conforme quadro constante do item II, a própria Administração Municipal fez a junção de 02 (dois) contratos de repasse (126.928-66/2001 e 128.930-07/2001) no Convite nº 138/CPL/02, o que demonstra a possibilidade de junção de todos os contratos em uma única licitação, conforme a modalidade adequada para a obra. Note-se que a própria fiscalização da CEF, para fins de liberação de valores, já englobava todos os contratos de repasse, independentemente do fracionamento da licitação (Apenso 02 - fls. 311 e 332 da DPF). Assim, constato que houve infringência ao artigo 23, I, "b", c/c § 5°, da Lei nº 8.666/93, que veda a utilização da modalidade convite quando for o caso de adoção da tomada de preços Quanto ao direcionamento, considerando que as empresas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Arte Cimento Construções e Terraplanagem fazem parte das empresas pertencentes ao “Grupo Amorim”, conforme já fundamentado no item III, conclui-se pelo direcionamento dos certames licitatórios, a fim de que a empresa definida antecipadamente por Ernandes Amorim vencesse a licitação, sendo a Portal Construções vencedora do Convite nº 138/CPL/02 e a empresa Rangel & Matias vencedora dos Convites nº 136/CPLO2 e nº 137/CPL/02. (...) Pontuo, ainda, o fato de a empresa Portal Construções, vencedora do Convite n. 138/CPL/02, se encontrar inativa/omissa (fl. 236) (...) Portanto, devidamente comprovado o fracionamento do objeto da licitação e o direcionamento. (destacou-se) É preciso ressaltar que o Juízo a quo também condenou os demandados a ressarcirem os prejuízos causados ao erário, diante da comprovação pelo MPF da ocorrência de inexecução parcial das obras, configurando superfaturamento por pagamento além da medição dos serviços prestados, além de diversas outras irregularidades apresentadas na execução do objeto, conforme se nota nestes trechos da sentença (ID 244897791 - Pág. 172/174): (...) No relatório que serviu de base para a alegação de superfaturamento (fls. 1779-1789), a Controladoria-Geral da União a Controladoria-Geral da Uniao aponta serviços contratados, devidamente pagos, mediante Contrato de Repasse, mas não executados. Tal constatação se deu a partir de verificação in loco, sendo discriminado pormenorizadamente pela CGU todos os serviços não executados, inclusive com fotos comprobatórias e seus respectivos valores (tabela a seguir): (...) Os requeridos alegaram genericamente que não teria havido superfaturamento, mas não comprovaram que os serviços apontados em verificação no local pela CGU tenham sido efetivamente realizados, ônus que lhes competia (art. 373, II, do CPC). Assim, há de se considerar a existência de enriquecimento ilícito decorrente dos serviços contratados, mas não realizados, no valor de R$ 33.536,35 (trinta e três mil, quinhentos e trinta e seus e trinta e cinco centavos). Anote que na inicial não há alegação de que a obra tenha sido contratada por valor acima do mercado. (...) Nos itens 1.1.5.6 e 1.1.57 do Relatório da CGU (fl. 1787) foram identificadas as alterações das especificações técnicas contratadas, com prejuízo financeiro, em especial mudanças no quadro de distribuição, tomadas e interruptores, totalizando prejuízo de R$ 243,44 (duzentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos). (...) No item 1158 do Relatório da CGU (fls. 1787-1788) foram discriminados preços unitários divergentes para serviços idênticos no Convite nº 138/CPL/02 (construção da sede administrativa e banheiros). Conforme consta, ao vidro liso 3,00 mm (m2) na edificação do prédio da Administração foi atribuído o valor de R$ 18,00/m2, embora na edificação dos banheiros tenha sido indicado R$ 36,00/m2, resultando em prejuízo de R$ 3.662,23 (três mil, seiscentos e sessenta e dois reais e vinte e três centavos). (destacou-se) O Juízo de origem julgou parcialmente procedente o pedido, tendo em vista a demonstração de fraude nas licitações em questão, bem como a comprovação do dano causado ao erário, com o direcionamento da contratação para favorecer as empresas do Grupo Amorim, condenando os apelantes e a empresa Rangel & Matias por atos de improbidade previstos no art. 9º, art. 10 e art. 11, todos da Lei 8.429/1992 (ID 244897791 - Pag. 177/180): (...) A partir da fundamentação delineada nos tópicos precedentes, resultou devidamente demonstrada a atuação de Ernandes Amorim como líder das fraudes perpetradas pelas empresas pertencentes ao Grupo Amorim, bem como que a empresa Rangel & Matias compunha o referido grupo, tendo participado dos direcionamentos do certame licitatório referente à obra do CEASA, objeto dos presentes autos, em especial mediante a atuação de Francisco José Rangel Nunes (vulgo Chicão), pessoa interposta indicada no contrato social como sócio. (...) Em relação à ré Daniela Santana Amorim, oportuno tecer mais algumas considerações, a fim de que não haja dúvidas quanto à forma de sua participação. (...) Todavia, os elementos de prova constante dos autos demonstram, como já dito, que a ré tinha conhecimento, aprovava e até participava das ações ilícitas de seu genitor. (...) Sua participação, na qualidade de Prefeita do Município de Ariquemes/RO, foi fundamental para a execução das fraudes, porquanto possuía conhecimento, permitia e até determinava sua realização pelos outros membros da organização criminosa, em especial os servidores da Prefeitura. Assim, há de se concluir pelo dolo dos réus nas ações ímprobas relativas à construção da CEASA. Nesse contexto, resulta demonstrada a prática pelos requeridos de atos de improbidade administrativa que importaram em enriquecimento ilícito (art. 9° da Lei n. 8.429/92); causaram dano ao erário (art. 10 da Lei n. 8.429/92) e atentaram contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei n. 8.429/92), impondo a estes a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92. (destacou-se) Neste contexto, a conduta imputada aos demandados, ora apelantes, consistente na fraude das licitações em questão, através de indevido fracionamento, a um só tempo, frustrou o caráter concorrencial do necessário processo licitatório, beneficiou de forma direta as empresas demandadas e causou dano ao erário. O MPF enquadrou a conduta dos demandados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 e o Juízo sentenciante imputou aos demandados a prática de atos ímprobos dos artigos 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992. Contudo, a partir do contexto fático delineado nos autos remanesce a definição das condutas entre aquelas previstas no art. 10, inciso VIII, e art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992. Isso porque se constatou que houve conluio entre os demandados para fraudar as licitações em apreço, frustrando o caráter concorrencial dos certames, em razão da participação de empresas que pertenciam ao grupo econômico e/ou familiar do Grupo Amorim, denotando o dolo dos apelantes em “obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade” (art. 11, § 1º, da LIA), privilegiando e favorecendo as empresas contratadas, em detrimento da própria Administração Pública que deixou de selecionar proposta mais vantajosa. No caso em apreço, como restou comprovada a perda patrimonial efetiva, a conduta atribuída aos apelantes encontra total ressonância ao tipo descrito no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021. Com efeito, interessante registrar que o entendimento jurisprudencial anterior à Lei 14.230/2021 se inclinava para a consideração do dano in re ipsa nos casos de fraude licitatória, já que, naturalmente, o expediente tem o propósito de, eliminando a concorrência, maximizar os ganhos dos fraudadores. Em sentido parcialmente diverso, o Legislador promoveu diferenciação nas tipologias inerentes às fraudes licitatórias, incluindo no inciso VIII do art. 10 a exigência de que a fraude acarrete “perda patrimonial efetiva”, ao passo que, no art. 11, introduziu tipologia específica no inciso V, para aquele que “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. Ao que se percebe, realizou-se precisa distinção entre a fraude licitatória com dano ao erário evidente (por exemplo, preço praticado acima das condições de mercado ou demonstração em concreto de que se deixou de contratar outro licitante com proposta melhor etc.), caracterizada no art. 10, e a fraude que não conta com a demonstração de dano, caracterizada no art. 11 (o que não afasta o dano inerente à fraude, apenas não demonstrado especificamente). A questão, assim, se refere à delimitação fática, com certificação ou não do dano, conforme o caso. Assim, embora o Juízo de origem não tenha identificado os incisos previstos na Lei 8.429/1992 em que os demandados incorreram, reportando-se aos artigos 9º, 10 e 11, todos da LIA, é possível extrair dos autos que os apelantes praticaram condutas que causaram prejuízo aos cofres públicos da União, nos termos do art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992 que, com redação dada pela Lei 14.230/2021, dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário “frustrar a licitude de processo licitatório (...), acarretando perda patrimonial efetiva”. É possível inferir do exposto que, com a edição da Lei 14.230/2021, não houve extinção da reprovabilidade na esfera cível, pelo contrário, a conduta de frustrar o procedimento licitatório continua descrita na Lei 8.429/1992, no art. 10, inciso VIII. Isto é, em nenhum momento a conduta de frustrar o procedimento licitatório passou a ser admitida como válida em nosso ordenamento, o que reforça a necessidade da tutela da probidade administrativa em relação a esse tipo de ilícito. O Juízo a quo, além de constatar que a conduta praticada causou efetivo dano ao erário, diante do pagamento por serviços que não foram prestados, além de diversas outras irregularidades na execução do objeto, foi categórico ao afirmar a presença do dolo específico na conduta dos apelantes, incorrendo, dessa forma, no tipo previsto no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992. Neste sentido, veja-se o seguinte precedente da Eg. Corte de Justiça, em que se destacou: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OPERAÇÃO SANGUESSUGA. EX-PREFEITO. AGENTE POLÍTICO. POSSIBILIDADE DE PERSECUÇÃO CÍVEL MEDIANTE AÇÃO POR IMPROBIDADE. TEMA 576/STF. CONDENAÇÃO DOS RÉUS COM BASE NOS ARTS. 10, V E VIII, E 11, I, DA LIA. FRAUDE EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. PRESENÇA DE DOLO ESPECÍFICO E DO DANO EFETIVO AO ERÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA (ART. 11, V, DA LEI 8.429/1992). MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO COM BASE EM AMBOS OS DISPOSITIVOS DA LEI DE IMPROBIDADE. PROVIMENTO NEGADO. 1. A Suprema Corte, no âmbito da repercussão geral, pacificou a questão relativa à possibilidade de condenação de agentes políticos em ação por improbidade administrativa. Tema 576: "O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias." 2. Atos ímprobos reconhecidos no âmbito da conhecida operação sanguessuga. Fraude no procedimento licitatório a corroborar a tipificação dos arts. 10, V e VIII, e 11 da LIA. O reexame do contexto fático-probatório dos autos redunda na formação de novo juízo acerca dos fatos e das provas. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 3. A superveniência da Lei 14.230/2021 e do quanto pacificado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Tema 1.199 não altera a presente condenação, considerado o reconhecimento de efetivo dano ao erário e de fraude licitatória voltada à obtenção de vantagem por terceiro. Incidência do princípio da continuidade típico-normativa, mantendo-se a condenação dos demandados não só com base no art. 10, V e VIII, mas, também, com fundamento no art. 11, V, da Lei 8.429/1992. 4. As penas aplicadas aos demandados não se mostram desproporcionais, não se podendo, assim, proceder à sua revisão na forma da Súmula 7/STJ. Amoldam-se, ademais, ao que atualmente dispõem os incisos II e III do art. 12 da LIA. 5. Agravo a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1.387.869/MS, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 7/4/2025, DJEN de 10/4/2025.) Presente, por isso, o elemento subjetivo doloso da gestora pública, a ora apelante Daniela Amorim, que, em conluio com o apelante Ernandes Amorim, e a empresa demandada Rangel & Matias, vencedora de alguns dos certames licitatórios em comento, fraudaram os procedimentos licitatórios, liberando vultosa quantia à referida empresa pertencente ao Grupo Amorim, sem a devida contraprestação dos serviços. A execução dos contratos de repasse ficou aquém do estipulado, não logrando êxito os demandados em cumprirem os termos do instrumento de modo satisfatório. Assim, tendo a execução do objeto dos Contratos de Repasse se dado em percentual inferior ao contratado, em decorrência da simulação do procedimento licitatório em comento, configura-se dano ao erário, dando ensejo a prática de ato de improbidade previsto no artigo 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, pois não se sabe onde foram aplicadas as verbas federais repassadas em valores superiores à execução física do objeto, com alcance menor dos objetivos propostos pelos instrumentos e em prejuízo da população e do erário federal. Assim, sendo o caso de condenação dos apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, a sentença condenatória deve ser mantida. Dosimetria das sanções Por fim, é preciso analisar a dosimetria das seguintes sanções aplicadas aos apelantes: (i) ressarcimento integral e solidário do dano causado no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos); (ii) pagamento solidário de multa civil no importe de duas vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos); (iii) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 (dez) anos; (iv) suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos; e (v) perda da função pública. Quanto à possibilidade de cumulação das sanções, o próprio art. 12 da Lei 8.429/1992 prevê a possibilidade de que as cominações nela previstas possam ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Quanto ao ressarcimento do dano, desde que ocorrida repercussão patrimonial negativa no Erário, é consequência da lesão econômico-financeira, de tal sorte que é dever jurídico de restituição. Caracterizado o prejuízo ao Erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas consequência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não pode figurar isoladamente como penalidade. Desta forma, deve ser mantida a sanção de ressarcimento do dano causado ao erário, de forma integral e solidária, no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos). Assevera-se que os valores eventualmente já ressarcidos deverão ser alegados e comprovados para fins de eventual abatimento por ocasião do futuro cumprimento do acórdão. Assim, eventual ressarcimento ocorrido em outra esfera deverá ser levado em consideração no momento do cumprimento do acórdão, por meio de comprovação de pagamento, nos termos do § 6º do art. 12 da LIA. A penalidade de suspensão de direitos políticos visa a subtrair a capacidade cívica do cidadão, a assunção de qualquer outra função pública e o direito de promoção de ação popular. Assim, no que toca à aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos, infere-se que o prazo se mostra razoável, frente à gravidade e reprovação da conduta dos agentes. Quanto à multa civil, trata-se de sanção pecuniária que tem finalidade corretiva, sancionatória, de modo a ressarcir a Administração Pública lesada, para além do dano causado, punindo aquele que atuou de forma ímproba e prevenindo novo cometimento de infrações. O valor da multa civil deve corresponder ao valor do dano causado ao erário, podendo ser “aumentada até o dobro, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, o valor calculado na forma dos incisos I, II e III do caput deste artigo é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade” (art. 12, § 2º, LIA, com redação dada pela Lei 14.230/2021). O Juízo a quo condenou os demandados ao pagamento solidário de multa civil no montante de 2 (duas) vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos), devendo ser mantida tal sanção, tal como fixado em sentença pelo Juízo a quo, posto que observada a razoabilidade e a proporcionalidade em sua fixação. O termo inicial dos juros e da correção monetária da multa civil prevista na Lei de Improbidade Administrativa será o momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), considerando-se a tese firmada no recente julgamento do Tema Repetitivo 1128 pela 1ª Seção do STJ, em 12/3/2025, e observando-se, no mais, os termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação da sentença. Nesse ponto, não há que se falar em reformatio in pejus em recurso exclusivo dos réus, pois o Juízo a quo condenou os réus, ora apelantes, à sanção, dentre outras, de pagamento de multa civil, sem determinar o termo inicial dos juros e da correção monetária (ID 244897791 - Pag. 181/184). Ressalta-se que a multa civil deverá reverter, nos termos do art. 18 da Lei 8.429/1992, em favor do ente lesado, in casu, a União, que foi quem firmou o Contrato de Repasse com o Município de Ariquemes/RO, transferindo recursos federais ao ente municipal para a execução do objeto. A despeito da omissão legislativa quanto ao destino da multa civil, mas considerando a especialidade da Lei, confere-se que os valores arrecadados a título de multa civil devem ser revertidos, tal como as indenizações, ao ente público prejudicado pelo ilícito. No que toca à sanção de proibição de contratar com o poder público, trata-se de suspensão temporária do exercício de direitos, impedindo que se possa negociar com a Administração Pública ou se beneficiar de fomento público. Logo, a sanção de proibição de contratar com o poder público se coaduna ao caso dos autos, revelando-se necessário manter a sanção de proibição, no prazo de 10 (dez) anos, conforme estabelecido pelo Juízo de origem, pois este se mostrou razoável ao caso concreto. Por fim, quanto à sanção de perda do cargo ou função pública, está consolidado na jurisprudência do Eg. STJ o posicionamento de que a perda da função pública deve se limitar às situações de maior gravidade, levando em conta a extensão do dano, o proveito obtido e a intenção do agente. Como se sabe, em 27/12/2022, o Ministro Alexandre de Moraes, em liminar parcialmente deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.236/DF, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, determinou a suspensão da eficácia do art. 12, § 1º, da LIA, incluído pela Lei 14.230/2021 e que determina que a “sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração”. E, segundo posicionamento do Eg. STJ, “a condenação transitada em julgado pela prática de ato de improbidade administrativa coloca em evidência a completa inaptidão do agente para o desempenho de qualquer atividade com a res pública e, por assim ser, o conceito de função pública é abrangente e abarca todas as espécies de vínculos jurídicos com a administração pública, incluindo o próprio cargo efetivo ocupado quando da condenação irrecorrível. O objetivo precípuo da lei é salvaguardar o coletivo dos maus agentes e, nesta ordem de coisas, punir as condutas ímprobas praticadas dentro da Administração Pública e não apenas aquelas cometidas em cargo público específico” (AgInt no REsp 2.010.214/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024). Infere-se, desta forma, que a sanção de perda da função pública aplicada aos apelantes deve ser mantida, porque proporcional às peculiaridades do caso, tendo em vista o caráter doloso de suas condutas. Por tudo, de ser mantida a condenação dos apelantes por ato de improbidade previsto no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, e, sob a orientação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando o dano causado, a gravidade e a reprovação dos atos de improbidade praticados, as sanções aplicáveis ficam estabelecidas da seguinte forma: (i) ressarcimento integral e solidário do dano no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos), em favor da União, abatido o que já foi ressarcido, devidamente atualizado desde à época do evento danoso até o efetivo pagamento, o que deve ser feito em futuro cumprimento de sentença (sem prejuízo de prévia liquidação de sentença, se necessário), desde que já não tenha ocorrido o ressarcimento integral no âmbito administrativo. Sobre tais valores, incidirão juros e correção em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à data da atualização/correção do valor; (ii) perda da função pública; (iii) pagamento solidário de multa civil no importe de duas vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos), com juros e correção a partir do momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), observando-se, no mais, as disposições do Manual de Cálculos da Justiça Federal, a ser revertida em favor da União; (iv) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos; e (v) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 (dez) anos. Por fim, não é caso de ampliação dos efeitos deste Acórdão à empresa corré que não recorreu (Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda), com fulcro no art. 1.005, do CPC, porque aqui não houve alteração favorável à esfera jurídica dos apelantes. Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e nego provimento ao agravo retido e à apelação de Daniela Santana Amorim e Ernandes Santos Amorim, mantendo a condenação por ato de improbidade previsto no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, assim como as sanções impostas. Descabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, posto que, aplicado o princípio da simetria, não verificada má-fé (inteligência do §2 do artigo 23-B da Lei 8.429/1992, com a redação incluída pela 14.230/2021)[5]. É o voto. Com amparo no art. 29, XII, RI-TRF1, determino a correção da autuação para cadastrar como ré a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, bem como seus advogados, caso tenham sido constituídos. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora [1]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [2]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [3]No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [4]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [5]Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 0006698-61.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0006698-61.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) APELANTES: ERNANDES SANTOS AMORIM e outro REPRESENTANTES DOS APELANTES: ELIEL SANTOS GONCALVES - RO6569-A APELADOS: MUNICIPIO DE ARIQUEMES e outros REPRESENTANTES DOS APELADOS: MICHEL EUGENIO MADELLA - RO3390-A, PAULO CESAR DOS SANTOS - RO4768-A e VERGILIO PEREIRA REZENDE - RO4068-A E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE ARIQUEMES/RO. CONTRATOS DE REPASSE. LICITAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE CEASA. DIRECIONAMENTO DE CERTAMES. FRACIONAMENTO INDEVIDO DO OBJETO. UTILIZAÇÃO DE EMPRESAS DE FACHADA E LARANJAS. DANOS EFETIVOS AOS COFRES PÚBLICOS. FRAUDE E DOLO COMPROVADOS. ELEMENTO SUBJETIVO EXIGIDO PELA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS MAIS BENÉFICAS. TIPIFICAÇÃO NO ART. 10, VIII, DA LEI 8.429/1992. MANUTENÇÃO DAS SANÇÕES APLICADAS. RECURSOS DE APELAÇÃO E DE AGRAVO RETIDO NÃO PROVIDOS. REMESSA NÃO CONHECIDA. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta por ex-Prefeitos do Município de Ariquemes/RO contra sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, em litisconsórcio com o Município de Ariquemes/RO, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, condenando os apelantes e a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda pela prática de atos de improbidade administrativa, com fundamento nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. 2. A condenação abrangeu: (i) ressarcimento solidário do dano apurado em R$ 37.469,20; (ii) multa civil equivalente ao dobro do prejuízo (R$ 74.938,40); (iii) suspensão dos direitos políticos por oito anos; (iv) proibição de contratar com o Poder Público por dez anos; e (v) perda da função pública. 3. A sentença foi objeto de remessa necessária e impugnação recursal, nas quais os apelantes arguiram nulidades processuais, prescrição, inexistência de dolo e desproporcionalidade das sanções; além de agravo retido interposto com fundamento no CPC/1973, visando à denunciação da Caixa Econômica Federal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As matérias em debate são: (i) existência de remessa necessária à luz das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 na Lei de Improbidade; (ii) existência de nulidade processual por violação ao contraditório e à ampla defesa; (iii) ocorrência de prescrição quinquenal em relação ao apelante E. S. A.; (iv) reconfiguração do tipo de improbidade administrativa com base na nova redação legal; (v) legalidade e proporcionalidade das sanções impostas; e (vi) julgamento de agravo retido interposto com base no CPC/1973. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, que incluiu expressa vedação à remessa necessária nas ações de improbidade administrativa (arts. 17, § 19, IV e 17-C, VII, § 3º, da LIA), esta não deve ser conhecida. 6. O agravo retido interposto com fundamento no CPC/1973, visando à denunciação da Caixa Econômica Federal, foi indeferido. A hipótese não atrai a responsabilidade da instituição financeira, na medida em que sua atuação se restringiu à intermediação dos repasses financeiros, sem vínculo jurídico que justificasse sua integração à lide. Não se vislumbra, ademais, a existência de direito de regresso imediato e certo, passível de reconhecimento em sede de ação de improbidade administrativa. A eventual pretensão ressarcitória poderá ser deduzida em ação própria, não se prestando a denunciação da lide como substituto da instrução autônoma necessária. 7. Inexistem nulidades processuais, uma vez que os documentos tidos como provas emprestadas foram juntados à inicial, conferindo plena possibilidade de contraditório. A alegação tardia de nulidade configura hipótese de “nulidade de algibeira”, rejeitada pela jurisprudência. 8. A alegação de prescrição não prospera, pois a atuação ilícita de E. S. A. se estendeu até o final do mandato de sua sucessora e coapelante, D. S. A., em 2004, sendo a demanda ajuizada tempestivamente em 2009, pois dentro do prazo quinquenal previsto no art. 23, I, Lei 8.429/92, em sua redação anterior ao advento da Lei 14.230/2021. 9. As condutas atribuídas aos apelantes consistem em fraude à licitação, por meio de fracionamento indevido, direcionamento dos certames e utilização de empresas vinculadas ao grupo familiar denominado “Grupo Amorim”, com contratação de empresas de fachada e prejuízo efetivo ao erário. 10. A jurisprudência consolidada do STF (Tema 1.199) e as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021 exigem a demonstração de dolo específico, que restou comprovado nos autos. 11. A conduta dos apelantes subsume-se ao art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, por haver frustração à licitude do processo licitatório com perda patrimonial efetiva à União, conforme apurado pela Controladoria-Geral da União. 12. As sanções aplicadas foram corretamente dosadas, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, em consonância com o art. 12 da LIA, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, restando todas mantidas. 13. Ressarcimento solidário do valor do dano efetivo. Multa civil solidária no equivalente ao dobro do valor do dano. Valores atualizados a partir da data do ilícito e revertidos à União, ente lesado. 14. A perda da função pública, a proibição de contratar com o Poder Público e a suspensão de direitos políticos são medidas adequadas à gravidade das condutas praticadas, em consonância com os precedentes da jurisprudência superior. IV. DISPOSITIVO E TESE 15. Remessa necessária não conhecida. Agravo Retido e Apelação não providos. Mantida integralmente a condenação por improbidade administrativa, com as respectivas sanções e sua dosimetria. Tese de julgamento: "1. A remessa necessária não se aplica às ações de improbidade administrativa, nos termos da redação conferida pela Lei 14.230/2021. 2. A Lei 14.230/2021 tem aplicação imediata às ações em curso, quando mais benéfica ao réu. 3. A caracterização do ato de improbidade administrativa exige a demonstração de dolo específico, conforme interpretação firmada pelo STF. 4. Frustrar dolosamente a licitude de licitação com dano efetivo ao erário caracteriza improbidade administrativa prevista no art. 10, VIII, da LIA. 5. São proporcionais e legais as sanções impostas quando demonstrado prejuízo ao erário e conduta dolosa do agente público." Legislação relevante citada: Lei 8.429/1992, arts. 1º, §§ 1º, 2º e 4º; 10, VIII; 11, V; 12, I, II, III, §§ 2º e 6º; 17, § 19, IV; 17-C, VII, § 3º; 18; 23-B, caput e § 2º. Lei 8.666/1993, art. 23, I, “b”, § 5º. CPC, arts. 1.005, 1.009. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022 (Tema 1.199); STF, RE 656.558/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 25.10.2024 (Tema 309); STJ, AgInt no AREsp 1.387.869/MS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, j. 07.04.2025, DJe 10.04.2025. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER da remessa necessária e NEGAR PROVIMENTO ao Agravo Retido e às Apelações, nos termos do voto da Relatora. Brasília-DF, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0006698-61.2009.4.01.4100
ID: 329065697
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 0006698-61.2009.4.01.4100
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELIEL SANTOS GONCALVES
OAB/RO XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0006698-61.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0006698-61.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: ERNA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0006698-61.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0006698-61.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: ERNANDES SANTOS AMORIM e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: ELIEL SANTOS GONCALVES - RO6569-A POLO PASSIVO:MUNICIPIO DE ARIQUEMES e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: MICHEL EUGENIO MADELLA - RO3390-A, PAULO CESAR DOS SANTOS - RO4768-A e VERGILIO PEREIRA REZENDE - RO4068-A RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 0006698-61.2009.4.01.4100 R E L A T Ó R I O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto por ERNANDES SANTOS AMORIM e DANIELA SANTANA AMORIM (IDs 244897791 - Pág. 190/213; 244897792; e 244890429 – Pág. 3/5) em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Rondônia que, nos autos da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em litisconsórcio com o Município de Ariquemes/RO, e em face dos apelantes e de Osmar Santos Amorim, Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação, P.S. Vieira e Arte Cimento Construções e Terraplenagem, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes e a empresa Rangel & Matias por atos de improbidade administrativa descritos no art. 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992, aplicando a eles as sanções previstas no art. 12, inciso I, da LIA, e absolvendo a empresa P.S. Vieira (ID 244897791 - Pág. 152/184). Foi determinado o desmembramento do feito em relação às empresas Portal Construções, Comércios e Representação Ltda e Arte e Cimento Construções e Terraplanagem Ltda, excluindo-as do polo passivo da demanda (ID 244890394 – Pág. 65 c/c Pág. 70) e incluindo-as em novo processo de número 0000560-39.2013.4.01.4100 (já transitado em julgado). Diante do falecimento de Osmar Santos Amorim, o Juízo de origem deferiu o pedido do MPF de habilitação de seus herdeiros (Helena Pereira dos Santos, Eduardo Henrique dos Santos e Amanda Carolina Santos Amorim) para integrarem o polo passivo (ID 244897788 - Pág. 20) e, em seguida, chamou o feito à ordem para excluí-los do polo passivo, em razão da inexistência de bens a inventariar (ID 244897788 - Pág. 42 c/c Pág. 62). Aos demandados foram impostas as seguintes sanções: (i) ressarcimento integral e solidário do dano causado no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos); (ii) pagamento solidário de multa civil no importe de duas vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos); (iii) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 (dez) anos; (iv) suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos, exceto para a empresa; e (v) perda da função pública, exceto para a empresa. Em razões recursais, os apelantes alegam, preliminarmente, (i) haver recurso de agravo retido ainda pendente de análise, pugnando por seu provimento para que seja denunciada à lide a Caixa Econômica Federal; e (ii) violação ao contraditório e à ampla defesa, diante da juntada de documentos sem intimação dos réus para se manifestarem, além da utilização de tais provas, consideradas nulas, para fundamentar a condenação. Alegam, em prejudicial de mérito, a prescrição quinquenal para Ernandes Santos Amorim. No mérito, os apelantes afirmam que não restou comprovada ação ou omissão dos ex-Prefeitos que configurem ato de improbidade. Sustentam que não podem ser responsabilizados pelos atos praticados pelos donos das empresas que concorrem nas licitações, nem aqueles praticados pela comissão de licitação. Argumentam que paira discussão acerca da validade das provas que subsidiaram sua condenação, no caso, as interceptações telefônicas, acostadas aos autos como prova emprestada. Alegam, ainda, ausência de dolo ou culpa em suas condutas. Salientam que as empresas participantes do certame em questão já existiam antes mesmo de os apelantes tomarem posse como Prefeitos. Argumentam que foi regular o fracionamento das despesas, assim como a licitação realizada para a execução das obras. Por fim, insurgem-se em face da proporcionalidade na aplicação das sanções. Requerem, assim, a análise do agravo retido e a reforma da sentença. Subsidiariamente pedem a redução das sanções impostas. Pedem, também, a concessão da justiça gratuita (IDs 244897791 - Pág. 190/213; 244897792; e 244890429 – Pág. 3/5). O MPF apresentou contrarrazões à apelação, pugnando pela manutenção da sentença (ID 244890445). Foi indeferido o pedido de gratuidade de justiça formulado pelos apelantes e remetidos os autos a este Tribunal pelo Juízo a quo (ID 244890447). Em Parecer, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifestou pelo não provimento do recurso (ID 250211550). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 0006698-61.2009.4.01.4100 V O T O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Remessa Necessária Como relatado, a sentença foi submetida à remessa necessária. A Lei 8.429/1992, na redação anterior à Lei 14.230/2021, não dispunha sobre a questão da remessa necessária, razão pela qual o STJ tinha entendimento pela aplicação, por analogia (método de integração da lei), do disposto no art. 19 da Lei 4.717/1965. Todavia, com o advento da Lei 14.230/2021, que alterou de forma substancial a Lei 8.429/1992, a questão relativa ao cabimento ou não da remessa necessária recebeu tratamento expresso, uma vez que a própria Lei trouxe dispositivos no sentido de que não haverá remessa necessária nas sentenças proferidas em ação de improbidade administrativa (art. 17, § 19, IV, e art. 17-C, VII, § 3º, ambos da Lei 8.429/1992, com a redação dada pela Lei 14.230/2021). Ademais, em sessão realizada em 26/04/2023, a Primeira Seção do STJ, ante a supracitada vedação à remessa necessária introduzida pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992, decidiu desafetar o Tema Repetitivo 1042 – cuja questão que seria submetida a julgamento era a discussão se há remessa de ofício nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau –, na compreensão de que a lei, agora, expressamente afasta a necessidade de reexame necessário. Dessa forma, o não conhecimento da remessa necessária tida por interposta é medida que se impõe. Requisitos de admissibilidade recursal De início, indefiro o pedido de gratuidade de justiça requerido pelos apelantes (ID 244897791 - Pág. 200/203), tendo em vista o não preenchimento dos requisitos necessários para tanto, como declaração de hipossuficiência econômica ou procuração com cláusula específica para requerer a gratuidade da justiça. Além disso, nota-se que o Juízo de origem indeferiu a concessão do benefício aos apelantes, antes de remeter os autos para esta Corte Regional (ID 244890447). Ressalta-se que, mesmo diante desse cenário, a compreensão atual desta relatora é de que o apelo não deixaria de ser conhecido e, portanto, o recurso não seria deserto, pois a Lei 14.230/2021 alterou a Lei 8.429/1992 no que toca à necessidade do preparo, determinando que “não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas” (art. 23-B, caput) e estabelece que, caso a sentença seja de procedência, “as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final” (art. 23-B, § 1º). Avançando, constata-se que o recurso é tempestivo, não há hipótese de deserção por ausência ou insuficiência de preparo e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Agravo Retido Afirmam os apelantes que interpuseram agravo retido em face da decisão do Juízo de origem que indeferiu o pedido de denunciação à lide da Caixa Econômica Federal, requerendo o julgamento do recurso perante esta Corte Regional, já que interposto na vigência do CPC de 1973. O Juízo, em sentença, ratificou a decisão que havia indeferido o pedido de denunciação à lide da CEF (ID 244897791 - Pág. 159 c/c Pág. 182). Com o novo CPC, a lei criou um regime de preclusão diferida para as decisões interlocutórias que não comportam agravo de instrumento. Isso significa que a discussão sobre essas decisões pode ser feita pela primeira vez no recurso de apelação, quando a sentença for impugnada. Naquele recurso, Daniela Amorim requer a denunciação à lide da CEF, alegando que se faz necessária a presença da empresa pública nos autos para que esclareça os fatos, já que era a responsável pelo repasse dos valores referentes às licitações em comento. Afirma, ainda, que, se houve irregularidade, a CEF também seria responsável pelos fatos narrados, já que era quem liberava os recursos após certificar que as obras estavam sendo executadas com regularidade. Assim, prossegue, a CEF deverá ressarcir a demandada, caso tenha liberado verbas sem verificar a correta contraprestação. A denunciação da lide é procedimento processual que permite que o réu chame um terceiro para o processo, com o objetivo de garantir seu direito de regresso caso seja condenado. Isto é, se o réu for responsabilizado por um dano, ele poderá buscar o ressarcimento desse dano ao terceiro que também tem responsabilidade. Contudo, a presente demanda se trata de ação civil pública por improbidade administrativa, cujo intuito é apurar eventual prática de ato de improbidade por um agente público, que pode ensejar a aplicação da sanção de ressarcimento ao erário, caso ocorra dano aos cofres públicos decorrente da conduta ímproba praticada. Ademais, não se trata de hipótese na qual, por exemplo, haja a necessidade de se reconhecer a denunciação à lide de responsável técnico de uma empresa pública responsável pelo financiamento de uma obra. Assim, não cabe inserir no polo passivo da demanda de improbidade a empresa pública, posto que a simples atuação como condutora dos instrumentos de repasse dos recursos não induz à sua responsabilização pelas verbas públicas supostamente desviadas. A denunciação da lide há de ser indeferida se não é possível aferir a existência do direito de regresso. Condição, na espécie, que depende de apuração em processo autônomo, com dilação probatória própria. Neste contexto, caso os apelantes entendam que cabe direito de regresso em face da Caixa Econômica Federal, nada os impede de ajuizar a ação cabível para tanto. Da mesma forma, incabível trazer a CEF para compor a lide com o intuito de que preste informações, uma vez que se pode buscar esclarecimentos junto à empresa pública intimando-a para tanto. Rejeito, assim, o pedido de denunciação à lide da CEF. Preliminar de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa Alegam os apelantes que as provas juntadas pelo MPF, produzidas nas ações 2004.41.00.003869-7 (nova numeração 0003851-62.2004.4.01.4100) e 2008.41.00.006229-2 (nova numeração 0006226-94.2008.4.01.4100) são nulas, pois foram ordenadas por Juízo incompetente e declaradas nulas por esta Corte Regional, em decisão transitada em julgado, de modo que não podem ser utilizadas para condenar os apelantes. Afirmam, ainda, que a sentença deve ser anulada, pois usou provas emprestadas sem o devido processo legal, violando o contraditório e a ampla defesa, pois Daniela Amorim não era parte em nenhuma daquelas ações, de modo que não pode se defender das provas produzidas naqueles autos. Além disso, sustentam que, após a juntada dos documentos pelo MPF, os demandados não foram intimados para se manifestarem a respeito delas. Compulsando os autos, verifica-se que o MPF trouxe, junto com a inicial, além de anexos com diversos outros documentos, cópia da ação penal 0006226-94.2008.4.01.4100 (IDs 244890416 e 244890418). Nota-se, assim, que os apelantes poderiam ter se manifestado sobre os documentos juntados pelo órgão ministerial desde o início da demanda, vindo somente a arguir a suposta nulidade em razões de apelação, caracterizando a chamada “nulidade de algibeira” ou de bolso. Nesse ponto, cumpre consignar que, em atenção ao princípio da boa-fé processual, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a arguição de nulidade processual, quando realizada apenas após a ciência, pela parte interessada, da decisão de mérito contrária a seus interesses e o vício já poderia ser vislumbrado com nitidez antes disso, constitui a chamada “nulidade de algibeira”, incompatível com o referido princípio e que pode estar configurada mesmo nos casos de nulidade absoluta (aqui hipoteticamente falando, pois não verificada nulidade absoluta, tampouco relativa). Logo, não há que se falar em violação ao contraditório e à ampla defesa, já que os apelantes tiveram oportunidade de contraditar os documentos juntados pelo Parquet Federal, tendo permanecido, no entanto, inertes. Por fim, no que toca à alegação de nulidade das provas por terem sido ordenadas por Juízo incompetente, melhor sorte não assiste aos apelantes. Nota-se que o Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem no HC 39.246-RO, que tinha como paciente o acusado Ernandes Santos Amorim, para o fim de: a) anular o julgamento transcorrido no 1° grau (Justiça Federal de 1ª instância); b) anular o decreto segregatório; c) reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para julgar os acusados; e d) expedir alvará de soltura em favor de Ernandes Amorim (ID 244890429 - Pág. 158). Remetidos os autos das referidas ações penais a este TRF da 1ª Região (ID 244890429 - Pág. 161), perante esta Corte Regional o MPF ratificou a denúncia apresentada e requereu a unificação dos inquéritos/processos em trâmite no referido Tribunal e o aproveitamento dos atos instrutórios (ID 244890429 - Pág. 165/166). Esta Corte Regional indeferiu, então, os pedidos do MPF e julgou nulos os atos decisórios praticados no processo, por terem sido proferidos por juiz absolutamente incompetente (ID 244890429 - Pág. 168/169). Em seguida, por força da decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.797/DF e 2.860/DF, que reconheceu a inconstitucionalidade dos §§1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal (que concedia aos ex-ocupantes de cargos públicos e/ou mandatos eletivos foro por prerrogativa de função), foi determinado o retorno dos autos para o Juízo Federal de 1ª instância para prosseguimento do feito (ID 244890429 - Pág. 178). Com o retorno dos autos ao Juízo que determinou as provas que foram produzidas naquelas ações penais e determinada sua competência para tanto, as provas emprestadas juntadas na presente demanda pelo MPF são, portanto, válidas. Por fim, e para que não se interponha futuros embargos de declaração sob a premissa de omissão, registra-se, oportunamente, que a recente tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do HC 232627, quando se revisitou o tema, não afasta a validade e eficácia dos atos judiciais proferidos nas referidas ações penais sobreditas. Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 11/03/2025, ao concluir o julgamento do HC 232.627, proferiu a seguinte decisão com fixação de tese: Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para processar e julgar a ação penal 1033998-13.2020.4.01.3900, com a fixação da seguinte tese: “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”, com aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O Ministro Flávio Dino acompanhou o Relator, efetuando um complemento à tese. Plenário, Sessão Virtual de 28.2.2025 a 11.3.2025. (destaquei). Rejeito, desta forma, a preliminar de nulidade da sentença por ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Prejudicial de prescrição quinquenal Alegam os apelantes que os fatos narrados pelo MPF ocorreram no ano de 2001, quando assinados os Contratos de Repasse entre o Município de Ariquemes/RO e a Caixa Econômica Federal, data em que o apelante Ernandes Amorim era Prefeito do referido ente municipal. Afirmam que Ernandes Amorim teria renunciado ao seu mandato em 04/04/2002, quando teria iniciado o prazo prescricional para a propositura da presente demanda em relação ao ex-Prefeito. Assim, tendo a presente ação de improbidade sido ajuizada somente em 19/06/2009, a pretensão estaria prescrita em relação a Ernandes Amorim. Verifica-se, no entanto, que, da análise da exordial do MPF, o ex-Prefeito Ernandes Amorim exercia a função de líder do grupo criminoso denunciado pelo órgão ministerial, de modo que suas condutas se perpetuaram para além do seu mandato, tendo continuado no mandato de sua filha, a ora apelante Daniela Amorim, como Prefeita do Município de Ariquemes/RO. Veja-se partes da petição inicial do MPF em que são narradas as condutas praticadas pelo ex-Prefeito (ID 244899743 - Pág. 4): (...) Contudo, embora oficialmente DANIELA ocupasse o cargo de Prefeita, sendo a ordenadora de despesas do Município de Ariquemes, a verdade é que, de fato, AMORIM continuou a gerenciar a Administração Municipal, tomando todas as decisões que competiam à Prefeitura Municipal, sempre em benefício das empresas integrantes de seu grupo econômico, conforme restou evidenciado na Operação Rondônia/Mamoré, conduzida pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Controladoria-Geral da União. Neste sentido, as degravações da interceptação telefônica deixam bem explícita a liderança de AMORIM na Prefeitura de Ariquemes, orientando os demais, decidindo e acertando todos os detalhes, de modo a prevalecer seus interesses privados. (...) Assim, embora ele não mais exercesse o cargo de Prefeito do Município de Ariquemes/RO, Ernandes Amorim teria participado dos esquemas de fraudes licitatórias apurados pelo MPF, pela PF e pela CGU, o que o faz ter participação nos atos de improbidade como particular. Neste contexto, a prescrição, para todos os requeridos, se regula pelo término do exercício do mandato de Prefeita da corré / litisconsorte passiva Daniela Santana Amorim, ocorrido em 2004, já que foi durante a gestão dela que ocorreram as fraudes nos procedimentos licitatórios. Antes do advento da Lei 14.230/2021, o art. 23, inciso I, da Lei 8.429/1992 previa o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a propositura de ação civil pública por improbidade administrativa, contado do término do exercício, em relação aos detentores de mandato, cargo em comissão e função comissionada. Relativamente aos particulares, pessoas física ou jurídica, a regulação do prazo prescricional se daria de acordo com aquele previsto para os agentes públicos a que também seja cominada à responsabilidade por atos ímprobos. Logo, considerando que Ernandes Santos Amorim era Prefeito do Município de Ariquemes/RO e Daniela Santana Amorim Vice-Prefeita, tendo aquele posteriormente renunciado e esta o sucedido, apontando a inicial que Ernandes Amorim continuou a gerenciar a Administração municipal em benefício de empresas integrantes de seu grupo econômico, a prescrição quinquenal teve como marco inicial o término do mandato da corré Daniela Santana Amorim, no final do ano de 2004. Assim, considerando que a ação foi ajuizada em 22/10/2009 (ID 244899743 - Pág. 2), não se consumou a prescrição em relação a quaisquer dos requeridos. Sem mais questões preliminares ou prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador. Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/1992, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir) retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão (ARE 843.989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, preveem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa. A Lei 14.230/2021 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[1] e 7043, o STF proferiu decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação. Já nos autos da ADI 7236/DF[2], ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/1992. E mais recentemente, o Plenário do STF julgou o mérito do RE 656.558/SP/Tema 309 da repercussão geral, reafirmando sua jurisprudência no sentido de que o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992, em sua redação originária. Confira-se: Decisão: O Tribunal, (...) Por maioria, apreciando o tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE nº 656.558/SP, a fim de se restabelecer a decisão em que se julgou improcedente a ação, e fixou a seguinte tese: "a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores." Tudo nos termos do voto ora aditado do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, André Mendonça e Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2024 a 25.10.2024. Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/1992 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II da Lei 8.429/1992 trazidas pela Lei 14.230/2021 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É nesse prisma que serão analisadas as condutas da parte ré/apelante que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo, o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Do caso concreto. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor de Ernandes Santos Amorim, Daniela Santana Amorim, Osmar Santos Amorim e das empresas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação, P.S. Vieira e Arte Cimento Construções e Terraplenagem, em razão de suposto esquema de fraudes em procedimentos licitatórios envolvendo verbas públicas federais, através de contratação simulada, o que configuraria atos de improbidade previstos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. Foi determinado o desmembramento do feito em relação às empresas Portal Construções, Comércios e Representação Ltda e Arte e Cimento Construções e Terraplanagem Ltda, excluindo-as do polo passivo da demanda (ID 244890394 – Pág. 65 c/c Pág. 70) e incluindo-as em novo processo de número 0000560-39.2013.4.01.4100 (já transitado em julgado). Diante do falecimento de Osmar Santos Amorim, o Juízo de origem excluiu seus herdeiros do polo passivo, em razão da inexistência de bens a inventariar (ID 244897788 - Pág. 42 c/c Pág. 62). O Juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes e a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda por atos de improbidade administrativa descritos no art. 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992, absolvendo a empresa P.S. Vieira. No caso concreto, após a prolação da sentença condenatória, entrou em vigor a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/1992 e que devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022. Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal. Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg. TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos. Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos) Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/1992, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Já o § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[3] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/1992[4], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Na hipótese, Ernandes Santos Amorim e Daniela Santana Amorim, ora apelantes e ex-prefeitos do Município de Ariquemes/RO, afirmam que não restou comprovada ação ou omissão dos ex-Prefeitos que configurem ato de improbidade. Sustentam que não podem ser responsabilizados pelos atos praticados pelos donos das empresas que concorrem nas licitações, nem aqueles praticados pela comissão de licitação. Argumentam que paira discussão acerca da validade das provas que subsidiaram sua condenação, no caso, as interceptações telefônicas, acostadas aos autos como prova emprestada. Alegam, ainda, ausência de dolo ou culpa em suas condutas. Salientam que as empresas participantes do certame em questão já existiam antes mesmo de os apelantes tomarem posse como Prefeitos. Argumentam que foi regular o fracionamento das despesas, assim como a licitação realizada para a execução das obras. Narra o MPF que no ano de 2001 Ernandes Santos Amorim e Daniela Santana Amorim ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito e Vice-Prefeita do Município de Ariquemes/RO, tendo Ernandes Amorim renunciado ao cargo em 2002, para se candidatar ao cargo de Governador do Estado de Rondônia. Afirma o órgão ministerial que, embora Ernandes Amorim tenha renunciado, ele continuou a gerenciar a Administração Municipal junto a Daniela Amorim, sua filha, tomando decisões que competiam à Prefeita, em benefício das empresas integrantes de seu grupo econômico, o Grupo Amorim. Sustenta o MPF que, em decorrência das fraudes licitatórias perpetradas pelos apelantes, a Polícia Federal, junto ao Parquet Federal e à Controladoria-Geral da União, deflagrou a Operação Rondônia/Mamoré. Alega o Parquet Federal que as degravações da interceptação telefônica juntada aos autos mostram a liderança de Ernandes Amorim na Prefeitura de Ariquemes/RO, mesmo após sua renúncia, orientando Daniela Amorim e acertando os detalhes das simulações nas licitações, de modo a prevalecer seus interesses privados. Afirma o Parquet Federal que foram apuradas fraudes em procedimentos licitatórios instaurados no âmbito do Município de Ariquemes/RO, através do fracionamento de despesas e consequente direcionamento da contratação, bem como por meio de utilização de empresas fantasmas (que não existiam na prática), ou constituídas em nome de “laranjas” ou “testas-de-ferro” do Grupo Amorim, e gerenciadas por Osmar Santos Amorim, irmão de Ernandes. Assim, participavam dos esquemas fraudulentos as empresas Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda, Arte Cimento Construções e Terraplanagem Ltda, a ora demandada Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, dentre outras. Salienta o órgão ministerial que, para tanto, funcionários da Prefeitura de Ariquemes/RO participavam dos esquemas fraudulentos, como Secretários Municipais e membros da comissão de licitação. No caso dos autos, o MPF se reporta aos Contratos de Repasse 126.928-66/2001, 126.929-70/2001, 126.930-07/2001 e 126.931-11/2001 para a construção da Ceasa (Central de Compras, Abastecimento, Comercialização e Armazenagem de Produtos Agrícolas) no Município de Ariquemes/RO. Para tanto foram realizados alguns procedimentos licitatórios, os Convites 138/02; 137/02; 136/02; e 109/02, cujos objetos abrangiam, cada um, uma determinada área da Ceasa a ser construída. Participaram dos certames as empresas Portal Construções, Comércio e Representação Ltda, Arte Cimento Construções e Terraplanagem Ltda e a ora demandada Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda. Apenas no Convite 109/02 houve a participação de outra empresa, a demandada P.S. Vieira, vencedora da licitação. Foram vencedoras dos demais certames a empresa Portal Construções, Comércio e Representação Ltda (Convite 138/02) e a demandada Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda (Convites 137/02 e 136/02), todas pertencentes ao Grupo Amorim, segundo apuração feita pela Polícia Federal. Constatou-se que havia unidade de comando entre as empresas participantes das licitações em comento e uma das razões para se chegar a essa conclusão foram as propostas comerciais feitas por elas, nas quais havia formatação muito semelhante, sugerindo terem sido feitas pela mesma pessoa ou grupo. Neste diapasão, apurou-se que a abertura dos procedimentos licitatórios se deu apenas para cumprir formalidade, pois o intuito era apenas favorecer as empresas ligadas ao Grupo Amorim, através do fracionamento indevido das despesas, com o intuito de direcionar a licitação, já que o objeto era único, in casu, a construção da Ceasa de Ariquemes/RO. Afirma o Parquet Federal que a construção da Ceasa ultrapassava o valor de R$ 150.000,00 previsto para a adoção da modalidade de licitação Convite nos casos de obras e serviços de engenharia, de modo que o correto seria a utilização da modalidade Tomada de Preços ou Concorrência Pública. A CGU constatou, ainda, que houve superfaturamento de serviços, decorrentes do pagamento sem a devida contraprestação, já que houve inexecução de alguns serviços contratados, resultando em um prejuízo ao erário de R$ 33.116,33 (trinta e três mil cento e dezesseis reais e trinta e três centavos). Alia-se a isso a verificação da CGU de que foram alteradas algumas especificações técnicas, assim como as qualidades de alguns objetos contratados, sendo utilizados materiais de qualidade inferior e havendo substituição do projeto inicial, sem a diminuição do valor acordado, além de diversas outras irregularidades na execução dos serviços que ensejaram prejuízos ao erário. Importante ressaltar, também, que a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda pertencia ao Grupo Amorim, e tinha como sócio gerente Francisco José Rangel Nunes, pessoa de confiança de Ernandes Amorim, o que restou evidenciado na interceptação telefônica realizada durante a Operação Rondônia/Mamoré. Verificou-se, ainda, que a condição financeira dos sócios da empresa e a movimentação financeira da empresa e dos sócios eram incompatíveis com a realidade por eles apresentadas. Também foi apurado que Osmar Santos Amorim seria o verdadeiro dono da empresa, já que foram encontrados em sua residência diversos documentos relacionados à empresa Rangel & Matias, além de procuração com poderes outorgados a ele para que representasse a empresa perante a Prefeitura de Campo Novo/RO. O Juízo de origem bem analisou como se dava o modus operandi do esquema fraudulento encabeçado pelo Grupo Amorim, como se depreende dos seguintes trechos da sentença (ID 244897791 - Pág. 165/170): (...) Da análise dos autos, efetivamente se constata a existência de um grupo de empresas que se beneficiavam das fraudes em licitações, todas sob a liderança de Ernandes Amorim. O modus operandi, conforme já dito, consistiu na constituição prévia de empresas em nome de pessoas interpostas (laranjas) e empresas que, na prática, não atuavam (fantasmas), todas pertencentes ao denominado Grupo amorim, dentre elas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Arte Cimento Construções e Terraplanagem, as quais participavam de licitações apenas para dar aparência de legalidade ao certame. Antecipadamente Ernandes Amorim já definia quais empresas iriam participar e qual iria vencer a licitação, sendo o procedimento licitatório forjado, com a conivência e participação dos membros da comissão de licitação e da então Prefeita Daniela Amorim. No seio da organização criminosa, havia divisão de tarefas no sentido de quais empresas ficavam sob a responsabilidade de determinado membro, todavia, como faziam parte do mesmo grupo, em diversas ocasiões determinado membro passava a atuar como representante de outra participante. (...) Confira-se, a título de exemplo, alguns dos elementos de prova constantes dos autos que evidenciam tal contexto: (...) e) a empresa ré Rangel & Matias outorgou procuração para Osmar Santos Amorim (irmão de Ernandes Amorim e tio de Daniela Amorim), para que a representasse junto à Prefeitura Municipal de Campo Novo/RO (fl.293); f) o endereço registrado da ré Rangel & Matias não foi localizado e o sítio encontrado continha somente uma sala e computador (fls. 330-331); g) conforme fl. 297, somente em 2002 o estabelecimento passou a ter movimentação financeira, equivalente a R$ 109.122,50 (cento e nove mil, cento e vinte e dois reais e cinquenta centavos), passando já em 2003 a movimentar R$ 934.886,27 (novecentos e trinta e quatro mil, oitocentos e oitenta e seis reais e vinte e sete centavos), além da movimentação financeira de R$ 2.270.950,00 (dois milhões, duzentos e setenta mil, novecentos e cinquenta reais) de Francisco José Rangel Nunes (fls. 236/237); h) o resumo da análise das reclamações trabalhistas de fls. 346-350 evidencia em especial considerando que os empregados vivem o dia-a-dia da empresa, que as reclamadas ali citadas e seus representantes pertencem a um mesmo grupo (...). (...) Assim, em que pese a alegação de inexistência de provas quanto à formação do "Grupo Amorim" a partir da participação das empresas rés, os elementos de prova existentes nos autos, vistos em seu conjunto, são suficientes para comprovar o alegado. Os envolvidos, como é comum nessas situações, cientes da ilicitude e gravidade de seus atos, buscaram disfarçar o teor ilícito de suas ações, inclusive nas tratativas via telefone, mas o contexto probatório existente nos autos é deveras suficiente para tornar visível a forma de atuação. Dessa forma, conclui-se que os réus Ernandes Amorim, Daniela Amorim e Osmar Amorim faziam parte da organização criminosa, observando que este último e seus sucessores foram excluídos do polo passivo em razão de seu falecimento e inexistência de bens (fls. 2536 e 2546), bem como que as empresas Rangel & Matias, Portal Construções e Arte Cimento compunham o “Grupo Amorim”, observando que houve desmembramento do feito em relação às empresas Portal Construções e Arte Cimento, excluindo-as do polo passivo desta demanda (fls. 2219-2228). (destacou-se) Neste contexto, o Juízo sentenciante firmou posicionamento pela condenação dos apelantes e da empresa Rangel & Matias, diante da demonstração pelo MPF da materialidade e autoria dos fatos narrados, bem como o dolo na conduta dos réus, analisando de forma exaustiva os elementos probatórios presentes nos autos, que deixam evidente a fraude licitatória, através do fracionamento indevido e do direcionamento dos certames (ID 244897791 - Pág. 163/172): (...) Especificamente em relação a construção da Central de Compra, Abastecimento, Comercialização e Armazenagem de Produtos Agrícolas de Ariquemes/RO - CEASA, objeto da presente ação de improbidade, relata o autor que resultaram evidenciadas na denominada “Operação Rondônia/Mamoré" conduzida pelo MPF, pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, as seguintes irregularidades: a) fracionamento do objeto licitado em 04 (quatro) certames licitatórios na modalidade convite e direcionamento para empresas do “Grupo Amorim”; b) superfaturamento dos serviços; c) alteração das especificações acordadas, com prejuízo para o objeto contratado; d) elaboração de orçamentos básicos com cotação de preços unitários diferenciados para serviços idênticos; (...). (...) Contudo, da análise dos Contratos de Repasse celebrados entre União Federal (representada pela CEF) e o Município de Ariquemes/RO (Apenso IV – Volume IIU – fls. 528-557 – numeração MPF, correspondente ao apenso 03 da JF), não se verifica exigência de que para cada contrato de repasse surja certame licitatório, tampouco há nos autos prova produzida pelos réus nesse sentido. Ademais, conforme quadro constante do item II, a própria Administração Municipal fez a junção de 02 (dois) contratos de repasse (126.928-66/2001 e 128.930-07/2001) no Convite nº 138/CPL/02, o que demonstra a possibilidade de junção de todos os contratos em uma única licitação, conforme a modalidade adequada para a obra. Note-se que a própria fiscalização da CEF, para fins de liberação de valores, já englobava todos os contratos de repasse, independentemente do fracionamento da licitação (Apenso 02 - fls. 311 e 332 da DPF). Assim, constato que houve infringência ao artigo 23, I, "b", c/c § 5°, da Lei nº 8.666/93, que veda a utilização da modalidade convite quando for o caso de adoção da tomada de preços Quanto ao direcionamento, considerando que as empresas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Arte Cimento Construções e Terraplanagem fazem parte das empresas pertencentes ao “Grupo Amorim”, conforme já fundamentado no item III, conclui-se pelo direcionamento dos certames licitatórios, a fim de que a empresa definida antecipadamente por Ernandes Amorim vencesse a licitação, sendo a Portal Construções vencedora do Convite nº 138/CPL/02 e a empresa Rangel & Matias vencedora dos Convites nº 136/CPLO2 e nº 137/CPL/02. (...) Pontuo, ainda, o fato de a empresa Portal Construções, vencedora do Convite n. 138/CPL/02, se encontrar inativa/omissa (fl. 236) (...) Portanto, devidamente comprovado o fracionamento do objeto da licitação e o direcionamento. (destacou-se) É preciso ressaltar que o Juízo a quo também condenou os demandados a ressarcirem os prejuízos causados ao erário, diante da comprovação pelo MPF da ocorrência de inexecução parcial das obras, configurando superfaturamento por pagamento além da medição dos serviços prestados, além de diversas outras irregularidades apresentadas na execução do objeto, conforme se nota nestes trechos da sentença (ID 244897791 - Pág. 172/174): (...) No relatório que serviu de base para a alegação de superfaturamento (fls. 1779-1789), a Controladoria-Geral da União a Controladoria-Geral da Uniao aponta serviços contratados, devidamente pagos, mediante Contrato de Repasse, mas não executados. Tal constatação se deu a partir de verificação in loco, sendo discriminado pormenorizadamente pela CGU todos os serviços não executados, inclusive com fotos comprobatórias e seus respectivos valores (tabela a seguir): (...) Os requeridos alegaram genericamente que não teria havido superfaturamento, mas não comprovaram que os serviços apontados em verificação no local pela CGU tenham sido efetivamente realizados, ônus que lhes competia (art. 373, II, do CPC). Assim, há de se considerar a existência de enriquecimento ilícito decorrente dos serviços contratados, mas não realizados, no valor de R$ 33.536,35 (trinta e três mil, quinhentos e trinta e seus e trinta e cinco centavos). Anote que na inicial não há alegação de que a obra tenha sido contratada por valor acima do mercado. (...) Nos itens 1.1.5.6 e 1.1.57 do Relatório da CGU (fl. 1787) foram identificadas as alterações das especificações técnicas contratadas, com prejuízo financeiro, em especial mudanças no quadro de distribuição, tomadas e interruptores, totalizando prejuízo de R$ 243,44 (duzentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos). (...) No item 1158 do Relatório da CGU (fls. 1787-1788) foram discriminados preços unitários divergentes para serviços idênticos no Convite nº 138/CPL/02 (construção da sede administrativa e banheiros). Conforme consta, ao vidro liso 3,00 mm (m2) na edificação do prédio da Administração foi atribuído o valor de R$ 18,00/m2, embora na edificação dos banheiros tenha sido indicado R$ 36,00/m2, resultando em prejuízo de R$ 3.662,23 (três mil, seiscentos e sessenta e dois reais e vinte e três centavos). (destacou-se) O Juízo de origem julgou parcialmente procedente o pedido, tendo em vista a demonstração de fraude nas licitações em questão, bem como a comprovação do dano causado ao erário, com o direcionamento da contratação para favorecer as empresas do Grupo Amorim, condenando os apelantes e a empresa Rangel & Matias por atos de improbidade previstos no art. 9º, art. 10 e art. 11, todos da Lei 8.429/1992 (ID 244897791 - Pag. 177/180): (...) A partir da fundamentação delineada nos tópicos precedentes, resultou devidamente demonstrada a atuação de Ernandes Amorim como líder das fraudes perpetradas pelas empresas pertencentes ao Grupo Amorim, bem como que a empresa Rangel & Matias compunha o referido grupo, tendo participado dos direcionamentos do certame licitatório referente à obra do CEASA, objeto dos presentes autos, em especial mediante a atuação de Francisco José Rangel Nunes (vulgo Chicão), pessoa interposta indicada no contrato social como sócio. (...) Em relação à ré Daniela Santana Amorim, oportuno tecer mais algumas considerações, a fim de que não haja dúvidas quanto à forma de sua participação. (...) Todavia, os elementos de prova constante dos autos demonstram, como já dito, que a ré tinha conhecimento, aprovava e até participava das ações ilícitas de seu genitor. (...) Sua participação, na qualidade de Prefeita do Município de Ariquemes/RO, foi fundamental para a execução das fraudes, porquanto possuía conhecimento, permitia e até determinava sua realização pelos outros membros da organização criminosa, em especial os servidores da Prefeitura. Assim, há de se concluir pelo dolo dos réus nas ações ímprobas relativas à construção da CEASA. Nesse contexto, resulta demonstrada a prática pelos requeridos de atos de improbidade administrativa que importaram em enriquecimento ilícito (art. 9° da Lei n. 8.429/92); causaram dano ao erário (art. 10 da Lei n. 8.429/92) e atentaram contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei n. 8.429/92), impondo a estes a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92. (destacou-se) Neste contexto, a conduta imputada aos demandados, ora apelantes, consistente na fraude das licitações em questão, através de indevido fracionamento, a um só tempo, frustrou o caráter concorrencial do necessário processo licitatório, beneficiou de forma direta as empresas demandadas e causou dano ao erário. O MPF enquadrou a conduta dos demandados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 e o Juízo sentenciante imputou aos demandados a prática de atos ímprobos dos artigos 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992. Contudo, a partir do contexto fático delineado nos autos remanesce a definição das condutas entre aquelas previstas no art. 10, inciso VIII, e art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992. Isso porque se constatou que houve conluio entre os demandados para fraudar as licitações em apreço, frustrando o caráter concorrencial dos certames, em razão da participação de empresas que pertenciam ao grupo econômico e/ou familiar do Grupo Amorim, denotando o dolo dos apelantes em “obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade” (art. 11, § 1º, da LIA), privilegiando e favorecendo as empresas contratadas, em detrimento da própria Administração Pública que deixou de selecionar proposta mais vantajosa. No caso em apreço, como restou comprovada a perda patrimonial efetiva, a conduta atribuída aos apelantes encontra total ressonância ao tipo descrito no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021. Com efeito, interessante registrar que o entendimento jurisprudencial anterior à Lei 14.230/2021 se inclinava para a consideração do dano in re ipsa nos casos de fraude licitatória, já que, naturalmente, o expediente tem o propósito de, eliminando a concorrência, maximizar os ganhos dos fraudadores. Em sentido parcialmente diverso, o Legislador promoveu diferenciação nas tipologias inerentes às fraudes licitatórias, incluindo no inciso VIII do art. 10 a exigência de que a fraude acarrete “perda patrimonial efetiva”, ao passo que, no art. 11, introduziu tipologia específica no inciso V, para aquele que “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. Ao que se percebe, realizou-se precisa distinção entre a fraude licitatória com dano ao erário evidente (por exemplo, preço praticado acima das condições de mercado ou demonstração em concreto de que se deixou de contratar outro licitante com proposta melhor etc.), caracterizada no art. 10, e a fraude que não conta com a demonstração de dano, caracterizada no art. 11 (o que não afasta o dano inerente à fraude, apenas não demonstrado especificamente). A questão, assim, se refere à delimitação fática, com certificação ou não do dano, conforme o caso. Assim, embora o Juízo de origem não tenha identificado os incisos previstos na Lei 8.429/1992 em que os demandados incorreram, reportando-se aos artigos 9º, 10 e 11, todos da LIA, é possível extrair dos autos que os apelantes praticaram condutas que causaram prejuízo aos cofres públicos da União, nos termos do art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992 que, com redação dada pela Lei 14.230/2021, dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário “frustrar a licitude de processo licitatório (...), acarretando perda patrimonial efetiva”. É possível inferir do exposto que, com a edição da Lei 14.230/2021, não houve extinção da reprovabilidade na esfera cível, pelo contrário, a conduta de frustrar o procedimento licitatório continua descrita na Lei 8.429/1992, no art. 10, inciso VIII. Isto é, em nenhum momento a conduta de frustrar o procedimento licitatório passou a ser admitida como válida em nosso ordenamento, o que reforça a necessidade da tutela da probidade administrativa em relação a esse tipo de ilícito. O Juízo a quo, além de constatar que a conduta praticada causou efetivo dano ao erário, diante do pagamento por serviços que não foram prestados, além de diversas outras irregularidades na execução do objeto, foi categórico ao afirmar a presença do dolo específico na conduta dos apelantes, incorrendo, dessa forma, no tipo previsto no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992. Neste sentido, veja-se o seguinte precedente da Eg. Corte de Justiça, em que se destacou: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OPERAÇÃO SANGUESSUGA. EX-PREFEITO. AGENTE POLÍTICO. POSSIBILIDADE DE PERSECUÇÃO CÍVEL MEDIANTE AÇÃO POR IMPROBIDADE. TEMA 576/STF. CONDENAÇÃO DOS RÉUS COM BASE NOS ARTS. 10, V E VIII, E 11, I, DA LIA. FRAUDE EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. PRESENÇA DE DOLO ESPECÍFICO E DO DANO EFETIVO AO ERÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA (ART. 11, V, DA LEI 8.429/1992). MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO COM BASE EM AMBOS OS DISPOSITIVOS DA LEI DE IMPROBIDADE. PROVIMENTO NEGADO. 1. A Suprema Corte, no âmbito da repercussão geral, pacificou a questão relativa à possibilidade de condenação de agentes políticos em ação por improbidade administrativa. Tema 576: "O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias." 2. Atos ímprobos reconhecidos no âmbito da conhecida operação sanguessuga. Fraude no procedimento licitatório a corroborar a tipificação dos arts. 10, V e VIII, e 11 da LIA. O reexame do contexto fático-probatório dos autos redunda na formação de novo juízo acerca dos fatos e das provas. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 3. A superveniência da Lei 14.230/2021 e do quanto pacificado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Tema 1.199 não altera a presente condenação, considerado o reconhecimento de efetivo dano ao erário e de fraude licitatória voltada à obtenção de vantagem por terceiro. Incidência do princípio da continuidade típico-normativa, mantendo-se a condenação dos demandados não só com base no art. 10, V e VIII, mas, também, com fundamento no art. 11, V, da Lei 8.429/1992. 4. As penas aplicadas aos demandados não se mostram desproporcionais, não se podendo, assim, proceder à sua revisão na forma da Súmula 7/STJ. Amoldam-se, ademais, ao que atualmente dispõem os incisos II e III do art. 12 da LIA. 5. Agravo a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1.387.869/MS, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 7/4/2025, DJEN de 10/4/2025.) Presente, por isso, o elemento subjetivo doloso da gestora pública, a ora apelante Daniela Amorim, que, em conluio com o apelante Ernandes Amorim, e a empresa demandada Rangel & Matias, vencedora de alguns dos certames licitatórios em comento, fraudaram os procedimentos licitatórios, liberando vultosa quantia à referida empresa pertencente ao Grupo Amorim, sem a devida contraprestação dos serviços. A execução dos contratos de repasse ficou aquém do estipulado, não logrando êxito os demandados em cumprirem os termos do instrumento de modo satisfatório. Assim, tendo a execução do objeto dos Contratos de Repasse se dado em percentual inferior ao contratado, em decorrência da simulação do procedimento licitatório em comento, configura-se dano ao erário, dando ensejo a prática de ato de improbidade previsto no artigo 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, pois não se sabe onde foram aplicadas as verbas federais repassadas em valores superiores à execução física do objeto, com alcance menor dos objetivos propostos pelos instrumentos e em prejuízo da população e do erário federal. Assim, sendo o caso de condenação dos apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, a sentença condenatória deve ser mantida. Dosimetria das sanções Por fim, é preciso analisar a dosimetria das seguintes sanções aplicadas aos apelantes: (i) ressarcimento integral e solidário do dano causado no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos); (ii) pagamento solidário de multa civil no importe de duas vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos); (iii) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 (dez) anos; (iv) suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos; e (v) perda da função pública. Quanto à possibilidade de cumulação das sanções, o próprio art. 12 da Lei 8.429/1992 prevê a possibilidade de que as cominações nela previstas possam ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Quanto ao ressarcimento do dano, desde que ocorrida repercussão patrimonial negativa no Erário, é consequência da lesão econômico-financeira, de tal sorte que é dever jurídico de restituição. Caracterizado o prejuízo ao Erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas consequência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não pode figurar isoladamente como penalidade. Desta forma, deve ser mantida a sanção de ressarcimento do dano causado ao erário, de forma integral e solidária, no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos). Assevera-se que os valores eventualmente já ressarcidos deverão ser alegados e comprovados para fins de eventual abatimento por ocasião do futuro cumprimento do acórdão. Assim, eventual ressarcimento ocorrido em outra esfera deverá ser levado em consideração no momento do cumprimento do acórdão, por meio de comprovação de pagamento, nos termos do § 6º do art. 12 da LIA. A penalidade de suspensão de direitos políticos visa a subtrair a capacidade cívica do cidadão, a assunção de qualquer outra função pública e o direito de promoção de ação popular. Assim, no que toca à aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos, infere-se que o prazo se mostra razoável, frente à gravidade e reprovação da conduta dos agentes. Quanto à multa civil, trata-se de sanção pecuniária que tem finalidade corretiva, sancionatória, de modo a ressarcir a Administração Pública lesada, para além do dano causado, punindo aquele que atuou de forma ímproba e prevenindo novo cometimento de infrações. O valor da multa civil deve corresponder ao valor do dano causado ao erário, podendo ser “aumentada até o dobro, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, o valor calculado na forma dos incisos I, II e III do caput deste artigo é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade” (art. 12, § 2º, LIA, com redação dada pela Lei 14.230/2021). O Juízo a quo condenou os demandados ao pagamento solidário de multa civil no montante de 2 (duas) vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos), devendo ser mantida tal sanção, tal como fixado em sentença pelo Juízo a quo, posto que observada a razoabilidade e a proporcionalidade em sua fixação. O termo inicial dos juros e da correção monetária da multa civil prevista na Lei de Improbidade Administrativa será o momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), considerando-se a tese firmada no recente julgamento do Tema Repetitivo 1128 pela 1ª Seção do STJ, em 12/3/2025, e observando-se, no mais, os termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação da sentença. Nesse ponto, não há que se falar em reformatio in pejus em recurso exclusivo dos réus, pois o Juízo a quo condenou os réus, ora apelantes, à sanção, dentre outras, de pagamento de multa civil, sem determinar o termo inicial dos juros e da correção monetária (ID 244897791 - Pag. 181/184). Ressalta-se que a multa civil deverá reverter, nos termos do art. 18 da Lei 8.429/1992, em favor do ente lesado, in casu, a União, que foi quem firmou o Contrato de Repasse com o Município de Ariquemes/RO, transferindo recursos federais ao ente municipal para a execução do objeto. A despeito da omissão legislativa quanto ao destino da multa civil, mas considerando a especialidade da Lei, confere-se que os valores arrecadados a título de multa civil devem ser revertidos, tal como as indenizações, ao ente público prejudicado pelo ilícito. No que toca à sanção de proibição de contratar com o poder público, trata-se de suspensão temporária do exercício de direitos, impedindo que se possa negociar com a Administração Pública ou se beneficiar de fomento público. Logo, a sanção de proibição de contratar com o poder público se coaduna ao caso dos autos, revelando-se necessário manter a sanção de proibição, no prazo de 10 (dez) anos, conforme estabelecido pelo Juízo de origem, pois este se mostrou razoável ao caso concreto. Por fim, quanto à sanção de perda do cargo ou função pública, está consolidado na jurisprudência do Eg. STJ o posicionamento de que a perda da função pública deve se limitar às situações de maior gravidade, levando em conta a extensão do dano, o proveito obtido e a intenção do agente. Como se sabe, em 27/12/2022, o Ministro Alexandre de Moraes, em liminar parcialmente deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.236/DF, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, determinou a suspensão da eficácia do art. 12, § 1º, da LIA, incluído pela Lei 14.230/2021 e que determina que a “sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração”. E, segundo posicionamento do Eg. STJ, “a condenação transitada em julgado pela prática de ato de improbidade administrativa coloca em evidência a completa inaptidão do agente para o desempenho de qualquer atividade com a res pública e, por assim ser, o conceito de função pública é abrangente e abarca todas as espécies de vínculos jurídicos com a administração pública, incluindo o próprio cargo efetivo ocupado quando da condenação irrecorrível. O objetivo precípuo da lei é salvaguardar o coletivo dos maus agentes e, nesta ordem de coisas, punir as condutas ímprobas praticadas dentro da Administração Pública e não apenas aquelas cometidas em cargo público específico” (AgInt no REsp 2.010.214/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024). Infere-se, desta forma, que a sanção de perda da função pública aplicada aos apelantes deve ser mantida, porque proporcional às peculiaridades do caso, tendo em vista o caráter doloso de suas condutas. Por tudo, de ser mantida a condenação dos apelantes por ato de improbidade previsto no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, e, sob a orientação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando o dano causado, a gravidade e a reprovação dos atos de improbidade praticados, as sanções aplicáveis ficam estabelecidas da seguinte forma: (i) ressarcimento integral e solidário do dano no valor de R$ 37.469,20 (trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte centavos), em favor da União, abatido o que já foi ressarcido, devidamente atualizado desde à época do evento danoso até o efetivo pagamento, o que deve ser feito em futuro cumprimento de sentença (sem prejuízo de prévia liquidação de sentença, se necessário), desde que já não tenha ocorrido o ressarcimento integral no âmbito administrativo. Sobre tais valores, incidirão juros e correção em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à data da atualização/correção do valor; (ii) perda da função pública; (iii) pagamento solidário de multa civil no importe de duas vezes o valor do dano (R$ 74.938,40 - setenta e quatro mil novecentos e trinta e oito reais e quarenta centavos), com juros e correção a partir do momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), observando-se, no mais, as disposições do Manual de Cálculos da Justiça Federal, a ser revertida em favor da União; (iv) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos; e (v) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 (dez) anos. Por fim, não é caso de ampliação dos efeitos deste Acórdão à empresa corré que não recorreu (Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda), com fulcro no art. 1.005, do CPC, porque aqui não houve alteração favorável à esfera jurídica dos apelantes. Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e nego provimento ao agravo retido e à apelação de Daniela Santana Amorim e Ernandes Santos Amorim, mantendo a condenação por ato de improbidade previsto no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, assim como as sanções impostas. Descabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, posto que, aplicado o princípio da simetria, não verificada má-fé (inteligência do §2 do artigo 23-B da Lei 8.429/1992, com a redação incluída pela 14.230/2021)[5]. É o voto. Com amparo no art. 29, XII, RI-TRF1, determino a correção da autuação para cadastrar como ré a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, bem como seus advogados, caso tenham sido constituídos. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora [1]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [2]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [3]No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [4]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [5]Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 0006698-61.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0006698-61.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) APELANTES: ERNANDES SANTOS AMORIM e outro REPRESENTANTES DOS APELANTES: ELIEL SANTOS GONCALVES - RO6569-A APELADOS: MUNICIPIO DE ARIQUEMES e outros REPRESENTANTES DOS APELADOS: MICHEL EUGENIO MADELLA - RO3390-A, PAULO CESAR DOS SANTOS - RO4768-A e VERGILIO PEREIRA REZENDE - RO4068-A E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE ARIQUEMES/RO. CONTRATOS DE REPASSE. LICITAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE CEASA. DIRECIONAMENTO DE CERTAMES. FRACIONAMENTO INDEVIDO DO OBJETO. UTILIZAÇÃO DE EMPRESAS DE FACHADA E LARANJAS. DANOS EFETIVOS AOS COFRES PÚBLICOS. FRAUDE E DOLO COMPROVADOS. ELEMENTO SUBJETIVO EXIGIDO PELA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS MAIS BENÉFICAS. TIPIFICAÇÃO NO ART. 10, VIII, DA LEI 8.429/1992. MANUTENÇÃO DAS SANÇÕES APLICADAS. RECURSOS DE APELAÇÃO E DE AGRAVO RETIDO NÃO PROVIDOS. REMESSA NÃO CONHECIDA. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta por ex-Prefeitos do Município de Ariquemes/RO contra sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, em litisconsórcio com o Município de Ariquemes/RO, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, condenando os apelantes e a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda pela prática de atos de improbidade administrativa, com fundamento nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. 2. A condenação abrangeu: (i) ressarcimento solidário do dano apurado em R$ 37.469,20; (ii) multa civil equivalente ao dobro do prejuízo (R$ 74.938,40); (iii) suspensão dos direitos políticos por oito anos; (iv) proibição de contratar com o Poder Público por dez anos; e (v) perda da função pública. 3. A sentença foi objeto de remessa necessária e impugnação recursal, nas quais os apelantes arguiram nulidades processuais, prescrição, inexistência de dolo e desproporcionalidade das sanções; além de agravo retido interposto com fundamento no CPC/1973, visando à denunciação da Caixa Econômica Federal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As matérias em debate são: (i) existência de remessa necessária à luz das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 na Lei de Improbidade; (ii) existência de nulidade processual por violação ao contraditório e à ampla defesa; (iii) ocorrência de prescrição quinquenal em relação ao apelante E. S. A.; (iv) reconfiguração do tipo de improbidade administrativa com base na nova redação legal; (v) legalidade e proporcionalidade das sanções impostas; e (vi) julgamento de agravo retido interposto com base no CPC/1973. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, que incluiu expressa vedação à remessa necessária nas ações de improbidade administrativa (arts. 17, § 19, IV e 17-C, VII, § 3º, da LIA), esta não deve ser conhecida. 6. O agravo retido interposto com fundamento no CPC/1973, visando à denunciação da Caixa Econômica Federal, foi indeferido. A hipótese não atrai a responsabilidade da instituição financeira, na medida em que sua atuação se restringiu à intermediação dos repasses financeiros, sem vínculo jurídico que justificasse sua integração à lide. Não se vislumbra, ademais, a existência de direito de regresso imediato e certo, passível de reconhecimento em sede de ação de improbidade administrativa. A eventual pretensão ressarcitória poderá ser deduzida em ação própria, não se prestando a denunciação da lide como substituto da instrução autônoma necessária. 7. Inexistem nulidades processuais, uma vez que os documentos tidos como provas emprestadas foram juntados à inicial, conferindo plena possibilidade de contraditório. A alegação tardia de nulidade configura hipótese de “nulidade de algibeira”, rejeitada pela jurisprudência. 8. A alegação de prescrição não prospera, pois a atuação ilícita de E. S. A. se estendeu até o final do mandato de sua sucessora e coapelante, D. S. A., em 2004, sendo a demanda ajuizada tempestivamente em 2009, pois dentro do prazo quinquenal previsto no art. 23, I, Lei 8.429/92, em sua redação anterior ao advento da Lei 14.230/2021. 9. As condutas atribuídas aos apelantes consistem em fraude à licitação, por meio de fracionamento indevido, direcionamento dos certames e utilização de empresas vinculadas ao grupo familiar denominado “Grupo Amorim”, com contratação de empresas de fachada e prejuízo efetivo ao erário. 10. A jurisprudência consolidada do STF (Tema 1.199) e as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021 exigem a demonstração de dolo específico, que restou comprovado nos autos. 11. A conduta dos apelantes subsume-se ao art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, por haver frustração à licitude do processo licitatório com perda patrimonial efetiva à União, conforme apurado pela Controladoria-Geral da União. 12. As sanções aplicadas foram corretamente dosadas, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, em consonância com o art. 12 da LIA, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, restando todas mantidas. 13. Ressarcimento solidário do valor do dano efetivo. Multa civil solidária no equivalente ao dobro do valor do dano. Valores atualizados a partir da data do ilícito e revertidos à União, ente lesado. 14. A perda da função pública, a proibição de contratar com o Poder Público e a suspensão de direitos políticos são medidas adequadas à gravidade das condutas praticadas, em consonância com os precedentes da jurisprudência superior. IV. DISPOSITIVO E TESE 15. Remessa necessária não conhecida. Agravo Retido e Apelação não providos. Mantida integralmente a condenação por improbidade administrativa, com as respectivas sanções e sua dosimetria. Tese de julgamento: "1. A remessa necessária não se aplica às ações de improbidade administrativa, nos termos da redação conferida pela Lei 14.230/2021. 2. A Lei 14.230/2021 tem aplicação imediata às ações em curso, quando mais benéfica ao réu. 3. A caracterização do ato de improbidade administrativa exige a demonstração de dolo específico, conforme interpretação firmada pelo STF. 4. Frustrar dolosamente a licitude de licitação com dano efetivo ao erário caracteriza improbidade administrativa prevista no art. 10, VIII, da LIA. 5. São proporcionais e legais as sanções impostas quando demonstrado prejuízo ao erário e conduta dolosa do agente público." Legislação relevante citada: Lei 8.429/1992, arts. 1º, §§ 1º, 2º e 4º; 10, VIII; 11, V; 12, I, II, III, §§ 2º e 6º; 17, § 19, IV; 17-C, VII, § 3º; 18; 23-B, caput e § 2º. Lei 8.666/1993, art. 23, I, “b”, § 5º. CPC, arts. 1.005, 1.009. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022 (Tema 1.199); STF, RE 656.558/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 25.10.2024 (Tema 309); STJ, AgInt no AREsp 1.387.869/MS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, j. 07.04.2025, DJe 10.04.2025. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER da remessa necessária e NEGAR PROVIMENTO ao Agravo Retido e às Apelações, nos termos do voto da Relatora. Brasília-DF, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0000254-08.2006.4.01.4200
ID: 306936151
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000254-08.2006.4.01.4200
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
FREDERICO SILVA LEITE
OAB/RR XXXXXX
Desbloquear
JORCI MENDES DE ALMEIDA JUNIOR
OAB/RR XXXXXX
Desbloquear
MARCELO BRUNO GENTIL CAMPOS
OAB/PA XXXXXX
Desbloquear
LORRAINE ALVES SILVA
OAB/RR XXXXXX
Desbloquear
CAROLINA AYRES DA SILVA
OAB/RR XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000254-08.2006.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000254-08.2006.4.01.4200 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JORCI MENDES DE ALME…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000254-08.2006.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000254-08.2006.4.01.4200 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JORCI MENDES DE ALMEIDA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: CAROLINA AYRES DA SILVA - RR896-A, LORRAINE ALVES SILVA - RR2473, MARCELO BRUNO GENTIL CAMPOS - PA13717-A, JORCI MENDES DE ALMEIDA JUNIOR - RR749-A e FREDERICO SILVA LEITE - RR514-A POLO PASSIVO:JORCI MENDES DE ALMEIDA e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JORCI MENDES DE ALMEIDA JUNIOR - RR749-A, CAROLINA AYRES DA SILVA - RR896-A, MARCELO BRUNO GENTIL CAMPOS - PA13717-A, LORRAINE ALVES SILVA - RR2473 e FREDERICO SILVA LEITE - RR514-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0000254-08.2006.4.01.4200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por JORCI MENDES DE ALMEIDA, ROBERTO LEONEL VIEIRA, NEUDO RIBEIRO CAMPO e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima que decretou liminarmente a imediata indisponibilidade de bens dos réus e julgou parcialmente procedente o pedido para condená-los, pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, XI, da Lei 8.429/1992, em razão de movimentação indevida das verbas federais oriundas do Ministério da Saúde, referentes aos Convênios 12/1997, 1.645/1998, 3.214/1998, 1.223/1999 e 88/2000, nas penas de perda das funções públicas exercidas à época dos fatos e de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco (5) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença; e ao pagamento de multa civil no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser corrigido monetariamente, a partir da sentença e até a data do efetivo pagamento, na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Os réus foram condenados, ainda, na vedação de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco (5) anos; e ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. O réu JORCI MENDES DE ALMEIDA interpõe recurso de apelação, arguindo, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, sob alegação de que não há nos autos nenhuma descrição detalhada ou individualizada da conduta a ele imputada que indique o momento que teria havido ofensa às normas legais. Acresce que as ações para o ressarcimento do dano ao erário decorrentes de ato de improbidade administrativa são prescritíveis, sob pena de afronta à Constituição, devendo ser aplicada a regra contida na Lei da Ação Popular que estabelece o prazo de cinco (5) anos, que deve ser contado na forma do art. 23, I, da LIA, após o término de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. Alega que o próprio parquet, no item 1.6 de sua peça acusatória, afirmou que o ato praticado é mera irregularidade formal e que os valores foram aplicados corretamente ou foram devolvidos, o que comprova que o apelante não agiu com dolo ou má-fé. Aduz que em processo semelhante, em trâmite na 1ª Vara Federal da SJRR, o apelante foi absolvido, porquanto a sua participação não passou das assinaturas das ordens bancárias. Assevera que não há que se falar em liberação de verbas, pois os valores foram transferidos para outra conta pertencente ao Estado de Roraima e, ainda, em relação aos Convênios 088/2000 e 012/97, as quantias repassadas foram devolvidas através das ordens bancárias que indica. Assim, segundo sustenta, inexistem nos autos provas de que as verbas teriam sido aplicadas inadequadamente e, considerando que já foi condenado anteriormente pelo TCU, não pode ser novamente penalizado pelo mesmo fato, sob pena de enriquecimento ilícito por parte do poder público. Requer a reforma da sentença para que julgado improcedente o pedido e, caso não seja esse o entendimento, que seja extirpada a multa imposta ou pelo menos reduzida, considerando a multa já aplicada pelo TCU (fls. 2.676/2.706). O réu ROBERTO LEONEL VIEIRA, em suas razões de apelação, argui, preliminarmente, a inépcia da inicial, em face da ausência do pedido e de suas especificações, na forma exigida no art. 282, IV, do CPC. No mérito, afirma que a condenação do apelante por ato de improbidade decorre do descumprimento do disposto no art. 20 da Instrução Normativa 01/97, que não tem força de lei, e consiste em mera irregularidade formal. Aduz ter cumprido com o seu dever legal, pois recebeu os recursos federais referentes aos convênios em análise nesta demanda, transferindo-os para conta única do Estado de Roraima para aplicações, mas que, posteriormente, tais recursos retornaram integralmente para a conta do convênio, o que demonstra que não houve dano ao erário e justifica a reforma da sentença. Afirma que já foi penalizado pelo MPF, não podendo sofrer nova punição pelo mesmo fato, o que configuraria enriquecimento ilícito por parte do poder público (fls. 2.742/2.791). O réu NEUDO RIBEIRO CAMPOS também apela, suscitando, preliminarmente, a nulidade da sentença por ausência de fundamentação e também por incorrer em julgamento extra petita, tendo em vista que o pedido deduzido pelo MPF para a condenação restringiu-se à aplicação do artigo 12, II, da Lei 8.429/1992, não havendo requerimento para outro enquadramento legal. Argui, ainda, a incompetência do Juízo Federal, tendo em vista que os atos indicados pelo MPF como ímprobos não consubstanciam infração praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, notadamente porque jamais se pagou pessoal da Administração Direta de Roraima e de seu Departamento de Estradas de Rodagem - DER/RR com recursos federais. Assevera que as provas então produzidas em juízo são insuficientes para comprovar a prática individualizada de atos de improbidade pelo recorrente, não tendo sido a prova técnica pericial submetida ao contraditório e à ampla defesa. Aduz que o caso demandava dilação probatória, inclusive a produção de prova técnica pericial, que foi deferida pelo Juízo e cujos honorários periciais foram depositados, mas, como não houve despacho encerrando a fase de instrução processual, ficou impossibilitado de interpor o recurso cabível, tendo sido surpreendido com a prolação da sentença. Alega ter impugnado o valor dos honorários periciais, o que sequer foi analisado pelo Juízo de origem, assim como a preliminar de incompetência absoluta. Sustenta, ainda, que as conclusões da sentença, com base exclusivamente em indícios probatórios e conclusões administrativas alçadas pela CGU não podem ser válidas para a condenação, tendo em vista que demandam instrução probatória e eventual reiteração em Juízo. Aduz que o ato ímprobo previsto no artigo 10 da LIA exige em qualquer caso o dano ao erário, sequer alegado na hipótese em exame. Afirma ser impróprio o agente político responder em ação de improbidade administrativa, tendo em vista que já está submetido ao regime especial de responsabilidade político-administrativa da Lei 1.079/1950. Ao final, sustenta a impossibilidade de dupla condenação pelos mesmos fatos, uma vez que já está sendo processado em ação criminal (AP 2003.42.00.002916-5) e também em acórdão do TCU. Alega a inexistência de ato de improbidade, ante a ausência de dolo específico de lesar os cofres públicos, bem como por não ter havido comprovação de que o apelante teria autorizado as movimentações da conta específica do convênio para outros fins que não o pagamento de obras (fls. 2.806/2.888). O MPF também interpõe recurso de apelação, objetivando a condenação dos réus ao ressarcimento do dano efetivamente comprovado nos autos - R$ 5.688.265,06 (cinco milhões e seiscentos e oitenta e oito mil e duzentos e sessenta e cinco reais e seis centavos) -, correspondente ao montante de verba pública irregularmente liberada, pois o prejuízo decorre in re ipsa dessa conduta ilegal Com contrarrazões (ID. 21240959). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos dos réus e pelo provimento da apelação do MPF (ID. 21240959, fls. 146/167). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0000254-08.2006.4.01.4200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: 1. PRELIMINARES 1.1. Incompetência da Justiça Federal A preliminar de incompetência da Justiça Federal não merece ser acolhida. Nas ações de improbidade administrativa, a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição Federal, assim como a do MPF (Precedente: AC 1001696-51.2017.4.01.3700), e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União ou da incorporação da verba pelo Município. Acerca do tema, cite-se do STJ: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA POR ENTE MUNICIPAL EM RAZÃO DE IRREGULARIDADES EM PRESTAÇÃO DE CONTAS DE VERBAS FEDERAIS. MITIGAÇÃO DAS SÚMULAS 208/STJ E 209/STJ. COMPETÊNCIA CÍVEL DA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, I, DA CF) ABSOLUTA EM RAZÃO DA PESSOA. AUSÊNCIA DE ENTE FEDERAL EM QUALQUER DOS POLOS DA RELAÇÃO PROCESSUAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. No caso dos autos, o Município de Água Doce do Maranhão/MA ajuizou ação de improbidade administrativa contra José Eliomar da Costa Dias, em razão de irregularidades na prestação de contas de verbas federais decorrentes de convênio firmado com o PRONAT. 2. A competência para processar e julgar ações de ressarcimento ao erário e de improbidade administrativa, relacionadas à eventuais irregularidades na utilização ou prestação de contas de repasses de verbas federais aos demais entes federativos, estava sendo dirimida por esta Corte Superior sob o enfoque das Súmulas 208/STJ ("Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal") e 209/STJ ("Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal"). 3. O art. 109, I, da Constituição Federal prevê, de maneira geral, a competência cível da Justiça Federal, delimitada objetivamente em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. Estabelece, portanto, competência absoluta em razão da pessoa (ratione personae), configurada pela presença dos entes elencados no dispositivo constitucional na relação processual, independentemente da natureza da relação jurídica litigiosa. 4. Por outro lado, o art. 109, VI, da Constituição Federal dispõe sobre a competência penal da Justiça Federal, especificamente para os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim, para reconhecer a competência, em regra, bastaria o simples interesse da União, inexistindo a necessidade da efetiva presença em qualquer dos polos da demanda. 5. Nesse contexto, a aplicação dos referidos enunciados sumulares, em processos de natureza cível, tem sido mitigada no âmbito deste Tribunal Superior. A Segunda Turma afirmou a necessidade de uma distinção (distinguishing) na aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, no âmbito cível, pois tais enunciados provêm da Terceira Seção deste Superior Tribunal, e versam hipóteses de fixação da competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal, nos termos do inciso IV do art. 109 da CF. Logo adiante concluiu que a competência da Justiça Federal, em matéria cível, é aquela prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, que tem por base critério objetivo, sendo fixada tão só em razão dos figurantes da relação processual, prescindindo da análise da matéria discutida na lide (excertos da ementa do REsp 1.325.491/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 25/06/2014). 6. Assim, nas ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa ajuizadas em face de eventuais irregularidades praticadas na utilização ou prestação de contas de valores decorrentes de convênio federal, o simples fato das verbas estarem sujeitas à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal. 7. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o fato dos valores envolvidos transferidos pela União para os demais entes federativos estarem eventualmente sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União não é capaz de alterar a competência, pois a competência cível da Justiça Federal exige o efetivo cumprimento da regra prevista no art. 109, I, da Constituição Federal. 8. Igualmente, a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito civil, não pode impor de maneira absoluta a competência da Justiça Estadual. Se houver manifestação de interesse jurídico por ente federal que justifique a presença no processo, (v.g. União ou Ministério Público Federal) regularmente reconhecido pelo Juízo Federal nos termos da Súmula 150/STJ, a competência para processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa será da Justiça Federal. 9. Em síntese, é possível afirmar que a competência cível da Justiça Federal, especialmente nos casos similares à hipótese dos autos, é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual, seja como autora, ré, assistente ou oponente e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Corte de Contas da União. Precedentes: AgInt no CC 167.313/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 16/03/2020; AgInt no CC 157.365/PI, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2020, DJe 21/02/2020; AgInt nos EDcl no CC 163.382/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 07/05/2020; AgRg no CC 133.619/PA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 16/05/2018. 10. No caso dos autos, não figura em nenhum dos pólos da relação processual ente federal indicado no art. 109, I, da Constituição Federal, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a referida ação. Ademais, não existe nenhuma manifestação de interesse em integrar o processo por parte de ente federal e o Juízo Federal consignou que o interesse que prevalece restringe-se à órbita do Município autor, o que atrai a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda. 11. Agravo interno não provido. (AgInt no Conflito de Competência 174.764/MA, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dje 17/02/2022.) De todo modo, anoto que restou comprovado nos autos que os recursos públicos objeto de exame nestes autos constituem verbas federais. Rejeito a preliminar. 1.2. Inépcia da Inicial No tocante à preliminar de inépcia da inicial, alegada pelo réu ROBERTO LEONEL VIEIRA, em face da ausência de pedido e de suas especificações, na forma exigida no art. 282, IV, do CPC, tenho que esta merece ser rejeitada. Observo que o MPF descreve, na petição inicial, de forma clara e suficiente, os atos supostamente ímprobos praticados pelos réus, indicando as sanções a serem aplicadas, tendo instruído a inicial com provas mínimas do alegado, o que possibilitou ao Juízo conhecer da causa e processar a demanda até o seu julgamento, com a efetiva defesa dos réus. Colhem-se os seguintes trechos da inicial: 1.4. A análise dos convênios nº 12/97, 1645/98, 3214/98, 1223/99 e 88/00 revelou a prática de ato de improbidade administrativa imputável aos requeridos, tendo em vista a movimentação indevida da conta do convênio, ocasionando a retirada de verbas relativas ao mesmo da conta especifica para a conta única do Estado de Roraima, causando graves lesões ao erário federal, vez que, além do dispêndio indevido da verba, tomou-se mais difícil a fiscalização acerca da correta aplicação de recursos públicos. (...) 1.16. As ordens bancárias relativas ao Convênio nº 12/97, constantes da relação de fl. 53, algumas das quais foram anexadas aos autos, tendo as demais sido extraviadas, conforme informado pelo Banco do Brasil, somam um valor - total de R$ 2.250.000,00 (dois milhões, duzentos e cinquenta mil reais). Não obstante existam ordens bancárias por meio das quais parte desse valor retorna à conta do convênio, tal fato não elide o ato de improbidade já praticado pelos requeridos Roberto Leonel e Jorci Mendes. 1.17. O mesmo fato pode ser afirmado também no que se refere ao Convênio nº 1645/98, em que constam dos autos as ordens bancárias nº 000B2793, 000B29606, 000B27001, 000B27116, 000B031035 e 000B534821, subscritas pelos requeridos Roberto Leonel Vieira e Neudo Ribeiro Campos; Convênio nº 3214/98, subscritas pelo requerido Roberto Leonel Vieira; Convênio nº 1223/99, subscritas igualmente por Roberto Leonel, e Convênio nº 88/00, subscritas por Jorci Mendes de Almeida. 1.18. Trata-se de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário federal, nos moldes do artigo 10, XI, da Lei nº 8.429/92, (...). 1.20. Tal ato, por violar a citada norma, imbuído do dolo de dificultar a fiscalização do destino dado às verbas federais, desviadas para fins espúrios, representando liberação irregular de verba pública, configura ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, nos moldes do artigo 10, XI, da Lei nº 8.429/92. Como se pode ver, da leitura dos trechos acima transcritos, a petição inicial atende os requisitos exigidos na legislação processual de regência, sendo imprópria a alegação de inépcia. Rejeito a preliminar. 1.3. Nulidade da sentença Alega o apelante NEUDO RIBEIRO CAMPOS a nulidade da sentença, primeiramente, por ausência de fundamentação e por incorrer em julgamento extra petita, tendo em vista que o pedido deduzido pelo MPF para a condenação restringiu-se à aplicação do artigo 12, II, da Lei 8.429/1992, não havendo requerimento para outro enquadramento legal. Argui, também, a nulidade da sentença por ter sido proferida sem o devido encerramento da fase instrutória, que já contava com o anterior deferimento do pedido para realização de prova pericial, que não foi realizada. Não identifico as nulidades apontadas. Nos termos do art. 93, IX, da Constituição, "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade". No caso, a sentença proferida pelo Juízo a quo encontra-se devidamente fundamentada, tendo sido apreciados os argumentos de fato e de direito apresentados pelas partes, concluindo a magistrado a quo, por meio do cotejo das condutas praticadas pelos réus com os dispositivos legais da Lei de Improbidade Administrativa, pela procedência do pedido deduzido na inicial. As razões que levaram o Juízo de origem a decidir pela procedência do pedido constam da sentença, permitindo aos réus que delas tomem conhecimento e, inclusive, possibilitando a interposição de recurso, caso não satisfeitos com a sua conclusão. E foi exatamente isso o que aconteceu na hipótese. Quanto à alegação de nulidade da sentença, em face da ausência de encerramento da fase instrutória, a preliminar também merece ser rechaçada. Ao contrário do que alegado pelo apelante, consta da sentença que "a parte ré não promoveu o depósito dos honorários [periciais], valendo-se de efeito suspensivo concedido em sede de agrado de instrumento. Após, em 10/10/2011, o TRF da 1ª Região negou provimento ao agravo do réu Neudo Campos, confirmando a condução do processo por parte do Juízo desta 2ª Vara Federal". Em razão disso, na sentença, a magistrada de origem afastou a necessidade de produção de prova pericial, considerando suficientes os elementos constantes dos autos para o julgamento da causa e ressaltando, verbis: "É incontroversa a transferência dos valores das contas específicas dos convênios para a conta única do Estado de Roraima. O fato é confessado pela própria parte ré e atestado por incontáveis extratos bancários juntados aos autos. A partir disto, discute-se se a só transferência configuraria ou não um ato de improbidade administrativa. Assim, a perícia não é necessária para o enquadramento jurídico nem tampouco para a análise de extratos bancários, bastando, para tanto, a farta prova documental constante nos autos". O Direito Processual Civil Brasileiro adota como sistema de valoração das provas o da persuasão racional, também chamado sistema do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado é livre para formar seu convencimento, exigindo-se apenas que apresente os fundamentos de fato e de direito. E isso, ao meu ver, foi feito. Assevere-se que o entendimento jurisprudencial do STF é no sentido de que o “Princípio do pas de nullité sans grief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, podendo ser ela tanto a nulidade absoluta quanto a relativa, pois não se decreta nulidade processual por mera presunção” (HC 132.149-AgR, Rel. Min. Luiz Fux). No caso, também não foi demonstrado o suposto prejuízo sofrido pelos réus. Assim, rejeita-se a preliminar de nulidade da sentença. 1.4. Ilegitimidade passiva ad causam O réu JORCI MENDES DE ALMEIDA argui sua ilegitimidade passiva ad causam, sob alegação de que não há nos autos descrição detalhada ou individualizada da conduta a ele imputada que indique a ofensa às normas legais. A preliminar deve ser rejeitada, porquanto o MPF descreveu, na petição inicial, os atos praticados pelos réus e a tipificação legal para considerá-los atos de improbidade administrativa. Ademais disso, a imputação diz respeito ao dano ao erário causado pela movimentação irregular de verbas públicas federais destinadas a melhorias no setor de saúde, durante a gestão de um dos réu, que ocupava o cargo de prefeito, que teriam impedido a fiscalização da correta aplicação de tais recursos. Nessa perspectiva, ao menos em tese, verifica-se a existência de um nexo causal mínimo entre sua conduta e as irregularidades apontadas. Dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade passiva frente a eventual responsabilidade que, ao menos no campo teórico, pode configurar ato de improbidade passível da correspondente sanção legal, o que constituirá objeto do exame meritório. Não é outro o entendimento do STJ, conforme arresto seguinte: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COMO AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECEBIMENTO DA INICIAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. INVIABILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO. (...) 4. O Tribunal de origem , com base no acervo probatório, reconheceu a presença de elementos suficientes a justificar o recebimento da inicial da ação de improbidade administrativa. A revisão desta conclusão implicaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que atrai a incidência da Súmula 7 do STJ. 5. "É pacífico nesta Corte que, no momento do recebimento da ação de improbidade administrativa, o magistrado apenas verifica se há a presença de indícios suficientes da prática de atos ímprobos, deixando para analisar o mérito, se ocorreu ou não improbidade, dano ao erário, enriquecimento ilícito ou violação de princípios, condenando ou absolvendo os denunciados, após regular instrução probatória" (AgInt no AREsp 1.823.133/MG, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 10/12/2021). 6. Embargos de declaração recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento. (EDcl no AREsp 1.488.582/GO, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, DJe 30/11/2023). Logo, a preliminar deve ser rejeitada. 1.5. Inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa a agente político Melhor sorte não assiste ao apelante, em relação à preliminar de inaplicabilidade da LIA em face de agentes políticos, tendo em vista que em contraste com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1.856.755/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 26/06/2020). Rejeito a preliminar. 2. PRESCRIÇÃO Em relação à prescrição, estabelece o art. 37, § 5º, da CF: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. O STF, no julgamento do RE 852.475/SP, definiu a tese de repercussão geral do Tema 897, nos seguintes termos: "São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Na mesma linha, o STJ, no julgamento do Tema 1.089, definiu que: “Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992”. Desse modo, pelo que se extrai dos precedentes vinculantes e obrigatórios sobre a matéria, é possível demandar a compensação do prejuízo causado aos cofres públicos pela prática de ações dolosas de improbidade administrativa, ainda que prescritas todas as demais sanções da Lei 8.429/1992. Rejeita-se, portanto, a prescrição. 3. MÉRITO A presente ação de improbidade administrativa foi ajuizada pelo MPF, em razão da constatação de irregularidades que, segundo o parquet, demonstram a malversação de verbas públicas federais, oriundas do Ministério da Saúde e repassadas ao Estado de Roraima, destinadas à realização de serviços e obras no setor de saúde, no período de 1997 a 2000, por meio de convênios (Convênio 12/1997 - melhora das condições das unidades de saúde de referência do Estado de Roraima e do Município de Alto Alegre; Convênio 1.645/1998 - construção de abrigo de resíduos e incinerador do Hemocentro de Roraima; Convênio 3.214/1998 - implantação de melhorias em atendimentos de urgência e emergência do SUS; Convênio 1.223/1999 - execução do sistema de esgoto sanitário no Bairro Caçari, em Boa Vista; e Convênio 88/2000 - construção de sistema de coleta e tratamento de esgoto nos Bairros Canarinho, São Francisco, Paraviana e São Vicente). Ainda de acordo com o MPF, ao movimentarem os valores das contas específicas dos convênios, ocasionando a retirada de verbas dessa conta bancária para a conta única do Estado, os réus causaram grave lesão ao erário federal, tendo em vista que, além do dispêndio indevido da verba, dificultaram a fiscalização acerca da aplicação dos recursos públicos, praticando, assim, atos de improbidade, na forma prescrita no art. 10, XI, da Lei 8.492/1992, que devem ser punidos com as sanções previstas no art. 12, II, do mesmo Diploma Legal. Na sentença, o magistrado a quo considerou incontroversa a transferência dos valores das contas específicas dos convênios para a conta única do Estado, conforme inclusive confessado pela parte ré e atestado pelos extratos bancários juntados aos autos, antes de efetivar o pagamento a diversos fornecedores contratados, os quais, segundo apurado pela CGU, não executaram os objetos dos convênios a contento. Segundo consta da sentença, no Relatório da CGU foi atestado que, por diversas vezes, os valores retirados da conta eram nela novamente creditados, mas, a despeito disso, houve a conduta de misturar as contas, o que descumpre os termos dos convênios, dificultando a fiscalização e violando a Instrução Normativa/STN 01/1997. Nesse contexto, o magistrado a quo pontuou que "mesmo que não tenha havido apropriação da integralidade dos recursos e que parte deles tenha retornado à conta específica, parece-me caracterizada a tipificação do art. 10, XI, da Lei nº 8.429/92, pois a conduta de liberar verba pública deve ser entendida de modo abrangente, seja porque a liberação ocorre no ato do depósito em conta corrente, seja porque a complementação do dispositivo é no sentido de que é ato de improbidade toda prática que influi para a aplicação irregular de dinheiro público" e, ao final, julgou procedente o pedido, condenando os réus nas penas do art. 12, II, da Lei 8.429/1992. O citado art. 10, XI, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, estava assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Com a edição da Lei 14.230/2021, o caput do dispositivo recebeu nova redação. Confira-se: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). A presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. Essa revogação não alcança ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No presente caso, foi imputada aos apelantes a prática de atos de improbidade causadores de dano ao erário em decorrência da movimentação irregular de recursos públicos federais, comprovada por meio de extratos bancários e também de ordens bancárias subscritas pelos réus, atestando o descumprimento dos termos dos convênios e, além disso, dificultando a fiscalização acerca da aplicação das verbas públicas. Saliente-se que o MPF, na petição inicial, afirma que "As verbas recebidas, que deveriam permanecer nas contas vinculadas aos próprios convênios, ficando, em razão de cláusula contratual, sujeita a diversas restrições no que tange à sua movimentação, foram repassadas à conta única do Estado de Roraima, e daí repassadas para finalidades ignoradas, e certamente as mais diversas que não o pagamento dos serviços". Note-se que não consta da petição inicial a afirmação de que os réus teriam se locupletado dos recursos públicos repassados pelo Ministério da Saúde, tendo sido identificado pelo MPF, no caso, o dolo dos réus de dificultar a fiscalização do destino dado às verbas federais. Destaque-se que, de um lado, o fato de os réus terem sido anteriormente condenados pelo Tribunal de Contas da União, em decorrência da prática dos mesmos atos de improbidade, mas em relação a convênios outros, não é capaz de gerar de forma automática a condenação deles também nestes autos, sem que tenha havido, de fato, a comprovação da prática do ato de improbidade a eles imputado. Além disso, por outro lado, tal fato também não obsta eventual condenação neste feito, porquanto se trata de fatos outros relacionados a convênios diversos, sendo imprópria a alegação de bis in idem. Deve ser salientado, outrossim, que, conforme consta dos autos, parte dos recursos públicos advindos dos aludidos convênios e indevidamente movimentados pelos réus entre contas bancárias retornaram para as contas dos convênios. Inclusive, constou da sentença que "Quanto à aplicação das penas, reputo que não é possível imputar aos réus o prejuízo integral dos valores conveniados ou transferidos, porque neste processo não se verifica prova suficiente de que os valores foram desviados em definitivo ou incorporados ao património de particulares. O parquet cingiu-se em juntar a prova das transferências e ainda o relatório da auditoria da CGU, que, por si só, não é elemento suficiente para definir o exato encaminhamento dos recursos transferidos", o que, a meu ver, comprova apenas a atuação culposa dos apelantes na gestão dos recursos públicos, mas não o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção dele de causar dano ao erário, o que afasta o dolo específico. Não há nos autos a alegação de desvio de recursos públicos em proveito próprio, mas de movimentação irregular dos recursos entre contas bancárias, obstando a fiscalização, e, en passant, a não execução a contento dos objetos dos convênios. À vista disso, concluo que, embora não tenha sido direcionado integralmente os valores repassados ao objeto do convênio, não resta indene de dúvidas o intuito dos réus de lesar o erário, mas que o fato decorreu da conduta culposa dos apelantes. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, o que não restou comprovado no caso. Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dolo específico dos apelantes na prática das condutas, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10, XI, da LIA. Ante o exposto, rejeito as preliminares e a prejudicial de prescrição e dou parcial provimento às apelações dos réus para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido, julgando prejudicada a apelação do MPF. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0000254-08.2006.4.01.4200 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO LEONEL VIEIRA, JORCI MENDES DE ALMEIDA, NEUDO RIBEIRO CAMPOS Advogado do(a) APELANTE: JORCI MENDES DE ALMEIDA JUNIOR - RR749-A Advogados do(a) APELANTE: FREDERICO SILVA LEITE - RR514-A, MARCELO BRUNO GENTIL CAMPOS - PA13717-A Advogados do(a) APELANTE: CAROLINA AYRES DA SILVA - RR896-A, LORRAINE ALVES SILVA - RR2473 APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO LEONEL VIEIRA, NEUDO RIBEIRO CAMPOS, JORCI MENDES DE ALMEIDA Advogado do(a) APELADO: JORCI MENDES DE ALMEIDA JUNIOR - RR749-A Advogados do(a) APELADO: CAROLINA AYRES DA SILVA - RR896-A, LORRAINE ALVES SILVA - RR2473 Advogados do(a) APELADO: FREDERICO SILVA LEITE - RR514-A, MARCELO BRUNO GENTIL CAMPOS - PA13717-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL; INÉPCIA DA INICIAL; NULIDADE DA SENTENÇA, POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO, POR JULGAMENTO EXTRA PETITA E POR AUSÊNCIA DE ENCERRAMENTO DA FASE INSTRUTÓRIA; ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM; E INAPLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A AGENTE POLÍTICO REJEITADAS. PRESCRIÇÃO REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10, XI, DA LIA. MOVIMENTAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PÚBLICOS ENTRE CONTAS BANCÁRIAS. CONDUTAS CULPOSAS. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÕES DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDAS. APELAÇÃO DO MPF PREJUDICADA. 1. Nas ações de improbidade administrativa, a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição Federal, assim como a do MPF (Precedente: AC 1001696-51.2017.4.01.3700), e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União ou da incorporação da verba pelo Município. De todo modo, restou comprovado nos autos que os recursos públicos objeto de exame nestes autos constituem verbas federais. 2. Não prospera a preliminar de inépcia da inicial, tendo em vista que o MPF descreve, de forma clara e suficiente, os atos supostamente ímprobos praticados pelos réus e indica as sanções a serem aplicadas, tendo instruído a inicial com provas mínimas do alegado, o que possibilitou ao Juízo conhecer da causa e processar a demanda até o seu julgamento, com a efetiva defesa dos réus. 3. Não há que se falar em nulidade da sentença, tendo em vista que devidamente fundamentada, tendo sido apreciados os argumentos de fato e de direito apresentados pelas partes, concluindo a magistrado de origem, por meio do cotejo das condutas praticadas pelos réus com os dispositivos legais da Lei de Improbidade Administrativa, pela procedência do pedido deduzido na inicial. As razões que levaram à procedência do pedido constam expressamente da sentença, permitindo aos réus que delas tomem conhecimento e possibilitando a interposição de recurso, caso não satisfeitos com a sua conclusão. E foi exatamente isso o que aconteceu na hipótese. 4. Também não se identifica nulidade na sentença, em razão da ausência de encerramento da fase instrutória, considerando que a parte ré não promoveu o depósito dos honorários periciais, valendo-se de efeito suspensivo concedido a agravo de instrumento, ao qual foi posteriormente negado provimento, tendo o magistrado a quo reconsiderado a necessidade da produção da prova, por julgar suficientes os elementos constantes dos autos para o julgamento da causa. 5. Anote-se que o Direito Processual Civil Brasileiro adota como sistema de valoração das provas o da persuasão racional, também chamado sistema do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado é livre para formar seu convencimento, exigindo-se apenas que apresente os fundamentos de fato e de direito. 6. A preliminar de inaplicabilidade da LIA em face de agentes políticos deve ser rejeitada, tendo em vista que em contraste com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1.856.755/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 26/06/2020). 7. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), por unanimidade, fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente (...)”. 8. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. 9. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 10. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 11. Não comprovada a existência de dolo específico na conduta dos apelantes, uma vez que se imputa apenas a atuação culposa na prática das irregularidades contatadas, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10, XI, da LIA. 12. Preliminares e prejudicial de prescrição rejeitadas. Apelações dos réus parcialmente providas. Apelação do MPF julgada prejudicada. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar as preliminares e a prejudicial de prescrição e dar parcial provimento às apelações dos réus, julgando prejudicada a apelação do MPF. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Encontrou 2259 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.
Fazer Login para Ver Detalhes