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Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL" – Página 230 de 248
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Sionara Pereira
OAB/PR 17.118
SIONARA PEREIRA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 291274672
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1008942-41.2020.4.01.3200
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DIEGO ROSSATO BOTTON
OAB/AM XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008942-41.2020.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 1008942-41.2020.4.01.3200 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) POLO ATIVO: JOÃ…
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Processo nº 1014599-56.2024.4.01.3900
ID: 297518069
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 33 - DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 1014599-56.2024.4.01.3900
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALFREDO BERTUNES DE ARAUJO
OAB/GO XXXXXX
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JOSE HENRIQUE BONELA DINON
OAB/PA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1014599-56.2024.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 1014599-56.2024.4.01.3900 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: INST…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1014599-56.2024.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 1014599-56.2024.4.01.3900 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA POLO PASSIVO:ROBERTO SIDNEY BIANCARDI REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE HENRIQUE BONELA DINON - PA31611-A e ALFREDO BERTUNES DE ARAUJO - GO35515-A RELATOR(A):RAFAEL PAULO SOARES PINTO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 33 - DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) n. 1014599-56.2024.4.01.3900 R E L A T Ó R I O O(A) EXMO(A). SR(A). DESEMBARGADOR(A) FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO (RELATOR(A)): Trata-se de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pelo IBAMA, em face da sentença que julgou pela improcedência do pedido e concedeu a segurança em mandado de segurança impetrado ROBERTO SIDNEY BIANCARDI para assegurar-lhe o exame de seu requerimento administrativo, no prazo de 30 dias, referente à restituição de veículo apreendido em auto de infração ambiental, em 19 de maio de 2020, do qual é fiel depositário, consoante Processo Administrativo nº 02001.013728/2020-79, com base em conduta de transportar madeira de modo ilegal. A sentença se fundamentou na circunstância de o requerimento de liberação do veículo, apesar de haver sido formalizado no dia 1º de setembro de 2023, não ter tido qualquer manifestação do IBAMA. Em Parecer, opina o Ministério Público Federal pela decretação da perda de objeto do mandamus. É o relatório. Des(a). Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO Relator(a) PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 33 - DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) n. 1014599-56.2024.4.01.3900 V O T O O(A) EXMO(A). SR(A). DESEMBARGADOR(A) FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO (RELATOR(A)): Trata-se de remessa oficial e de apelação do IBAMA à sentença que determinou à Autarquia examinar requerimento administrativo de liberação de veículo apreendido, no prazo assinalado de trinta dias. No dizer do IBAMA, o pedido administrativo já foi apreciado e a decisão proferida foi contrária ao pleito de liberação. I – Da contextualização fática O caso em apreço se refere à apreensão por fiscais do IBAMA, em procedimento de fiscalização, de veículo (caminhão), contendo o volume de 28,59 m³ de madeira, sem o devido documento ambiental. Desse modo, caracterizada infração ambiental, o veículo foi apreendido. No entanto, aduziu a parte impetrante que, sete meses depois de protocolizado o seu requerimento administrativo com vistas na liberação do veículo (Caminhão M. Benz – LK 2638, ano 2000, Cor Verde, Placa ATM 8885) este não tivera sido objeto de manifestação do IBAMA (ID 433494284). A questão tratada nestes autos é simples, e nota-se que está perfeitamente delineada no Parecer do Ministério Público (ID 433814808), que ora adoto como fundamento, per relationem, e que foi exarado nestes termos: (...) Consta nos autos que o apelado foi autuado em 19/05/2020 por “transportar 28,59 metros cúbicos de madeira em tora sem licença válida para todo tempo de viagem emitida pela autoridade competente” no município de Brasil Novo/PA, motivo pelo qual foram lavrados: 1 - Auto de Infração (AI) n. VYPL6DSO (Id 433494287, p. 11); 2 - Termo de Apreensão (TA) n. W62QROYZ (28,59 m³ de pranchas de madeira e um caminhão Mercedes Benz LK 2638, ano: 2000, placa: ATM-8885) (Id 433494287, p. 12); 3 - Comunicação de Bens Apreendidos (CBA) n. VZPSINZE (“M. Benz - LK 2638 - 2000 - ATM8885”) (Id 433494290, p. 44); 4 - Termo de Destruição/Inutilização n. 0OF2B4EQ (“ficam destruídos 28,59 metros cúbicos de tora de madeira”) (Id 433494290, p. 46). Também foi instaurado o Processo Administrativo (PA) n. 02001.013728/2020-79. No tocante ao veículo apreendido pelo IBAMA em razão de sua utilização na prática de infração ambiental, algumas observações devem ser feitas. Durante a tramitação do supramencionado processo, foram requeridas, além da restituição do bem apreendido solicitado por Roberto Sidney Biancardi (Id 433494289, p. 19-21), substituições do encargo de fiel depositário, demandadas por Paulo Cesar Biancardi (proprietário do veículo apreendido) (Id 433494290, p. 83-91), pela Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Abastecimento de Vitória de Xingu/PA (Id 433494290, p. 105) e pela Prefeitura de Brasil Novo/PA (Id 433494290, p. 116). Ocorre que, em um primeiro momento, o Núcleo de Fiscalização/PA se manifestou somente quanto ao pedido realizado pela Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Abastecimento de Vitória de Xingu/PA (Id 433494290, p. 134-135). Instado a se manifestar novamente pela Gerência Executiva em Santarém/PA (Id 433494290, p. 147), o Núcleo de Fiscalização/PA, agora analisando todas as solicitações feitas, sugeriu que o caminhão ficasse sob a guarda da Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Abastecimento de Vitória de Xingu/PA (Id 433494290, p. 164-165). Essa decisão foi posteriormente confirmada pela Gerência Executiva em Santarém/PA (Id 433494290, p. 166-167). Por fim, a autarquia ambiental decretou o perdimento do bem no âmbito administrativo sob os seguintes fundamentos (Id 433494314, p. 307-309): PERDIMENTO DO BEM APREENDIDO [...] 28. Em relação ao veículo apreendido, considerando ser instrumento para a consecução da infração ambiental de transporte, entende-se que houve o devido atendimento ao estabelecido no art. 101 e 102 do Decreto Federal nº 6.514/2008. Já sobre o perdimento de bens, este possui previsão legal no art. 25, § 3º, da Lei nº 9.605/98 e nos arts. 134 e seguintes do Decreto nº 6.514/08. Embora o art. 134 do Decreto Federal 6.514/2008, institua que os bens apreendidos em infrações ambientais, que não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão ao infrator, o art. 2º da Lei n° 9.784/1999, ressalta que os atos da Administração Pública Federal, no âmbito dos processos administrativos, obedecerão, entre outros, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. No caso em análise, os bens, de fato, foram instrumentos da infração ambiental tipificada. Resta caracterizada, portanto, a potencialidade para a prática de crimes ambientais. Todavia, não se trata de uso específico e exclusivo para tal fim, já que é um bem lícito. 29. Administrativamente, deve-se considerar a Manifestação Técnica nº 16/2019-SENPSA/COPSA/CGFIN/DIPLAN (SEI 6643387), com vistas à maior padronização dos procedimentos e das decisões relativas à destinação dos bens. Em atendimento aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, faz-se necessário saber a quantidade de vezes que o bem foi apreendido ou utilizado na infração; se houve comportamento ardil por parte do infrator e se o uso bem foi fundamental para concretizar a infração; se houve danos graves ou significativos ao meio ambiente ou à saúde humana; a utilidade do bem para ampliação da degradação ambiental; se o bem foi adaptado para a prática de infrações ou sofreu adulteração em sua identificação. 30. Considerando as informações trazidas no Relatório de Fiscalização e no Relatório de Análise Preliminar, verifica-se que não há infração anterior imputada ao autuado. Porém o fato de ter sido localizado em meio sobrevôo, sem qualquer documentação e sendo o autuado ciente da irregularidade praticada, caracteriza comportamento ardil por parte do infrator. O fato de ser produto de exploração ilegal na floresta amazônica e com danos significativos ao ambiente, entende-se que estariam presentes, neste processo administrativo, os requisitos de razoabilidade e proporcionalidade para a aplicação da sanção de perdimento do veículo, a critério da autoridade julgadora. [...] 8. CONCLUSÃO 36. Ante o exposto, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, constato que o processo foi devidamente analisado pelo Relatório de Análise Preliminar (8659228), sendo este integrante do presente documento, conforme art. 75, parágrafo único, da INConIbama/ICMBio nº 01/2021. Houve adesão à solução legal com conversão da multa, por parte do autuado. Em relação aos bens apreendidos, sugiro à autoridade julgadora: 37. Homologar o Termo de apreensão W62QROYZ, com o perdimento dos bens. [...] Assim, considerando que o objeto da demanda se limita à determinação judicial para que o IBAMA analise, imediatamente, o pedido de restituição do veículo apreendido protocolado no PA n. 02001.013728/2020-79, e que tal se deu antes mesmo do ajuizamento desta ação, houve perda do objeto do mandado de segurança, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Constata-se, pois, que a segurança não deve ser concedida, uma vez que, de fato, a homologação do Termo de apreensão W62QROYZ, com o perdimento dos bens, constitui-se em ato decisório que torna sem objeto o pleito administrativo da parte impetrante. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à remessa de ofício, para reformar a sentença e denegar a segurança impetrada, ao tempo em que declaro prejudicado o exame da apelação da parte autora. Honorários advocatícios não cabíveis, na espécie. É o voto. Des(a). Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO Relator(a) PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 33 - DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1014599-56.2024.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 1014599-56.2024.4.01.3900 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA POLO PASSIVO:ROBERTO SIDNEY BIANCARDI REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JOSE HENRIQUE BONELA DINON - PA31611-A e ALFREDO BERTUNES DE ARAUJO - GO35515-A E M E N T A CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE VEÍCULO EM PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE LIBERAÇÃO. ALEGADA MORA NA APRECIAÇÃO DO PLEITO. NÃO PERTINÊNCIA. HOMOLOGAÇÃO DO TERMO DE APREENSÃO. DECLARAÇÃO DE PERDIMENTO. PERDA DE OBJETO DO WRIT. REMESSA OFICIAL PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O caso dos autos trata de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pelo IBAMA, em face da sentença que concedeu a segurança para assegurar ao impetrante o exame de seu requerimento administrativo, no prazo de 30 dias, referente à restituição de veículo apreendido em decorrência de infração ambiental, do qual é fiel depositário, com base em conduta de transportar madeira de modo ilegal. 2. Constatado ter sido exarada decisão administrativa que homologou o Termo de Apreensão W62QROYZ, e que decretou o perdimento dos bens dele constantes, tal ato, de natureza decisória, dispôs sobre o pleito de liberação do veículo, razão por que, como bem posicionou o Parecer do Ministério Público Federal, o mandado de segurança perdeu seu objeto. 3. Remessa oficial a que se dá provimento para reformar a sentença e denegar a segurança impetrada, ao tempo em que se declara prejudicado o exame da apelação da parte autora. Honorários advocatícios não cabíveis, na espécie. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial e julgar prejudicada a apelação interposta pela parte-impetrante, nos termos do Voto do Relator. Brasília, Desembargador(a) Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO Relator(a)
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Processo nº 0016252-92.2010.4.01.4000
ID: 309681364
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0016252-92.2010.4.01.4000
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO RAMOS SILVA
OAB/PI XXXXXX
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UANDERSON FERREIRA DA SILVA
OAB/PI XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0016252-92.2010.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0016252-92.2010.4.01.4000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOSE LINCOLN SOBRAL …
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0016252-92.2010.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0016252-92.2010.4.01.4000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOSE LINCOLN SOBRAL MATOS e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: UANDERSON FERREIRA DA SILVA - PI5456-A e THIAGO RAMOS SILVA - PI10260-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL RELATOR(A):LEAO APARECIDO ALVES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0016252-92.2010.4.01.4000 RELATÓRIO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): A União ajuizou a presente ação de improbidade administrativa contra José Lincoln Sobral Matos e Policlínica Santa Maria. A autora imputa aos réus a prática da conduta ímproba consistente em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput (na redação original). Id. 290797558. Após regular instrução, o juízo acolheu em parte o pedido, nos termos do seguinte dispositivo: Com tais considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO e condeno JOSÉ LINCOLN SOBRAL MATOS e POLICLÍNCIA SANTA MARIA, qualificados nos autos, em decorrência da prática da conduta ímproba capitulada no art. 10, inciso I, da Lei n. 8.429/92, passando a fixar-lhe as seguintes sanções com base no art. 12, inciso II, conforme os critérios de razoabilidade/proporcionalidade: Em relação a JOSÉ LINCOLN SOBRAL MATOS: a) RESSARCIMENTO DO DANO- Deixa-se de aplicar a penalidade, em razão de já ter sido realizado o ressarcimento (fls. 197/200); b) PERDA DE BENS OU VALORES - no caso não se verificou a ocorrência de acréscimo patrimonial ilícito; c) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA - no caso não se verificou o exercício de função pública; d) SUSPENSÃO DOS- DIREITOS POLITICOS - não se vislumbra proporcionalidade nem razoabilidade (pertinência) na aplicação da medida; e) PAGAMENTO de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (Cinco mil Reais); f) PROIBIÇÃO de CONTRATAR com o Poder Público, ou. Receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado. Em relação à pessoa jurídica POLICLÍNICA SANTA MARIA: a) RESSARCIMENTO DO DANO - Deixa-se de aplicar a penalidade, em razão de já ter sido realizado o ressarcimento (fls. 197/200); b) PERDA DE BENS OU VALORES - no caso não se verificou a ocorrência de acréscimo patrimonial ilícito; c) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA- inaplicável para pessoa jurídica; d) SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLITICOS - inaplicável para pessoa jurídica; e) PAGAMENTO de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (Cinco mil Reais); f) PROIBIÇÃO de CONTRATAR com o Poder Público, ou receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado. Id. 290803060, grifo suprimido. A ré Policlínica Santa Maria opôs embargos de declaração, formulando o seguinte pedido: Ex-positis, requer-se a este douto juízo que CONHEÇA dos presente Embargos de Declaração, e, no mérito, que lhes dê TOTAL PROVIMENTO, visualizando a CONTRADIÇÃO aqui tratada,reformando-se a decisão embargada, reconhecendo a ilegitimidade passiva dos réus, bem como de consequência a inadequação da via eleita para processar e julgar atos praticados por particulares. Id. 290807021 – Pág. 8-13. A União apresentou contrarrazões. Id. 290807021 – Pág. 18. O juízo rejeitou os embargos de declaração. Id. 290807024. Insatisfeitos, os réus interpuseram apelações. Ids. 290807016 e 290807026. A União apresentou contrarrazões. Id. 290807028. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo não provimento das apelações. Id. 290807030. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0016252-92.2010.4.01.4000 VOTO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): I A. No tocante à prescrição disciplinada no Art. 37, § 5º, da Constituição da República, o STF decidiu que: 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. (STF, RE 852475, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, DJe-058 25-03-2019.) Em consequência, a Corte firmou a seguinte Tese, quanto ao Tema 897 da Repercussão Geral: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) “Segundo a jurisprudência pacífica [do STJ], é plenamente cabível a ação civil pública por improbidade administrativa, para fins exclusivos de ressarcimento ao erário, mesmo nos casos em que se reconhece a prescrição da ação quanto às outras sanções previstas na Lei 8.429/1992.” (STJ, REsp 1304930/AM, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 28/08/2013.) “Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92.” (STJ, REsp 1.899.455/AC, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Primeira Seção, julgado em 22/9/2021, DJe de 13/10/2021. Tema Repetitivo 1089.) Esta Corte também tem decidido que, “[r]econhecida a prescrição quanto as sanções por ato de improbidade, a ação deve prosseguir quanto ao pedido de ressarcimento do dano, que não prescreve, a teor da jurisprudência dominante.” (TRF1, AG 0060004-47.2014.4.01.0000, Desembargador Federal NÉVITON GUEDES, QUARTA TURMA, e-DJF1 04/04/2018.) Em consonância com a decisão final do STF, a pretensão ao ressarcimento ao erário é imprescritível. B. Em 26 de outubro de 2021 entrou em vigor a Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, que modificou substancialmente a LIA. Essas alterações e o impacto delas no julgamento das ações de improbidade administrativa foram examinados pelo STF em recurso extraordinário. Em conclusão, a Corte fixou as seguintes Teses, quanto ao Tema 1199 da repercussão geral: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. (STF, ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, DJe-251 12-12-2022.) Em suma, o STF reconheceu a aplicação aos processos em curso, sem trânsito em julgado, (i) da exigência de dolo específico para todas as condutas tipificadas na LIA; (ii) da revogação da modalidade culposa. O STF somente não reconheceu, expressamente, a aplicação aos processos em curso, do novo regime prescricional. Nesse contexto, é lícito concluir que as demais normas da Lei 14.230, com exceção das que regulam o novo regime prescricional, aplicam-se aos processos em curso. Assim sendo, é improcedente a pretensão do réu ao reconhecimento da prescrição intercorrente na espécie dos autos. Nessa direção, o STJ tem decidido que, “[e]m relação aos pedidos de aplicação da Lei n. 14.230/2021 em recursos que não ultrapassaram o juízo de admissibilidade, a Segunda Turma do STJ, no julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.706.946/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, realizado em 22/11/2022, DJe de 19/12/2022, flexibilizou o seu entendimento ao decidir pela possibilidade de retroação da referida Lei a ato ímprobo culposo não transitado em julgado, ainda que não conhecido o recurso, por força do Tema 1.199/STF.” (STJ, PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/5/2023, DJe de 1/6/2023.) Além disso, “[h]á também precedentes d[a] Corte Superior entendendo ser razoável a devolução dos autos à origem, para realizar o devido juízo de adequação/conformidade, quando ultrapassados os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, mesmo que o recurso não tenha sido conhecido. A propósito, vide: PET no AREsp n. 2.089.705, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 18/4/2023; AREsp n. 2.227.641, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 13/3/2023; AREsp n. 2.227.520, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 10/3/2023; AREsp n. 2.200.846, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 10/3/2023; AgInt no AREsp n. 2.152.903, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 1/3/2023; QO no AREsp n. 1.202.555/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 6/12/2022; EDcl no AgInt no AREsp n. 1.925.259/PI, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 7/10/2022; EDcl no AgInt no REsp n. 1.505.302/RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 6/10/2022; EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.732.009/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 3/10/2022; EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.391.197/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 29/9/2022; EDcl no AgInt no AREsp n. 1.973.740/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 8/9/2022; AgInt no AREsp n. 2.001.126, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 23/9/2022; AgInt no AREsp n. 2.017.645, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 22/9/2022; AgInt no AR Esp n. 1.704.315, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 22/9/2022; AREsp 1.617.716, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 22 /9/2022.” (STJ, PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, supra.) No mesmo sentido, o STF decidiu que, “[n]o julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado.” (STF, RE 1452533 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 08-11-2023, DJe-s/n 21-11-2023.) Assim, por exemplo, “[o] entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado.” (STF, RE 1452533 AgR, supra.) Como bem exposto pelo eminente Ministro ALEXANDRE DE MORAES, “em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente.” (STF, ARE 843989, supra.) Nesse contexto, as inovações previstas na Lei 14.230, salvo em relação ao novo regime prescricional (STF, ARE 843989, supra), podem ser aplicadas aos processos em curso, enquanto não houver trânsito em julgado. Na atual redação, o Art. 11, caput, da LIA, dispõe que “[c]onstitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas”. Em seguida, o legislador descreve nos incisos as condutas que, em conjunção com o caput, caracterizam a prática de ato de improbidade administrativa, por ação ou omissão. Assim sendo, não mais é possível imputar ao réu a prática, isolada, da conduta descrita no Art. 11, caput, da LIA, na redação da Lei 14.230. Nesse sentido, o STJ acolheu embargos de declaração, com efeitos infringentes, acentuando que: “Diante do novo cenário, a condenação com base em genérica violação a princípios administrativos, sem a tipificação das figuras previstas nos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, ou, ainda, quando condenada a parte ré com base nos revogados incisos I e II do mesmo artigo, sem que os fatos tipifiquem uma das novas hipóteses previstas na atual redação do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, remete à abolição da tipicidade da conduta e, assim, à improcedência dos pedidos formulados na inicial.” (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.174.735/PE, relator Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/3/2024, DJe de 8/3/2024.) Assim, as “[a]lterações da Lei nº 8.429/92 pela Lei nº 14.230/21” são aplicáveis “nas ações sem trânsito em julgado.” (STF, Rcl 68309 MC-Ref, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 24-06-2024, DJe-s/n 21-08-2024.) “As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STF, ARE 1414607 AgR-ED, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 02-07-2024; ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, DJe-s/n 06-09-2023. Com o mesmo entendimento supra.) Na mesma direção, o STF decidiu, em embargos de declaração, pela “INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO.” (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, DJe-s/n 06-09-2023.) O eminente Ministro GILMAR MENDES esclareceu que: [...] A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. [...] No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. [...] As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. [...] Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. [...] Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, supra.) No mesmo sentido, o Ministro GILMAR MENDES afirmou, em caso análogo, que [...] a nova legislação alterou prodigiosamente o regramento normativo dos chamados atos de improbidade por condutas atentatórias aos princípios da administração pública (Lei nº 8.429/1992, art. 11). Sem qualquer pretensão de exaustividade, as principais inovações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 para o ato de improbidade administrativa do art. 11 da Lei nº 8.429/1992 podem ser sintetizadas nas seguintes alterações: (i) necessidade do elemento subjetivo doloso para caracterização dos atos de improbidade por condutas atentatórias aos princípios da administração pública, com comprovação do dolo específico de obter proveito ou benefício indevido para o agente público ou terceiro (art. 11, caput e § 1º); (ii) tipificação taxativa dos atos dolosos de improbidade administrativa atentatórios aos princípios da administração pública (art. 11, parte final do caput e incisos III a XII); e (iii) necessidade de lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados para a caracterização do ato de improbidade (art. 11, § 4º). A esse respeito, tenho destacado, em sede doutrinária, que: O caso do art. 11, sobre a violação de princípios da Administração Pública, é simbólico ao se levantar, por exemplo, a possibilidade de algum ato que viole o princípio da legalidade. Essa questão foi abordada pela nova legislação com a retirada do rol exemplificativo do caput, vinculando o processo de subsunção ao enquadramento nas práticas descritas nos incisos do dispositivo. A par desse aspecto, a nova Lei implicou significativa redução do âmbito de incidência dos preceitos proibitivos, sobretudo em virtude da melhor caracterização das condutas, com o emprego de elementos finalísticos qualificadores do ato. Exemplo desse incremento normativo é a nova redação do inciso III do art. 11. Na legislação anterior, constituía ato de improbidade “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo”. Agora, a ação reprovada consiste em “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado”. Como se vê, há inequívoco fechamento do tipo, com a adjetivação aprimorada, de modo que o intérprete obtém na legislação maiores fatores de interpretação e análise da conduta do agente público. Ou seja, não basta que o servidor público quebre o sigilo de determinado fato, mas também que essa conduta resulte em benefício ou coloque em risco a segurança pública. Essa redação qualificada dos tipos dos atos de improbidade ressoa também na melhor definição do elemento subjetivo da conduta. Os parágrafos 1º e 2º do art. 1º da nova Lei de Improbidade afastam a possibilidade de ter-se atos de improbidade culposos e rejeitam que o exame da ação ímproba, sob o ângulo subjetivo, esgote-se na voluntariedade da conduta. (MENDES, Gilmar Ferreira. Supremo Tribunal Federal e Improbidade Administrativa: perspectivas sobre a reforma da Lei 8.429/1992. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CARNEIRO, Rafael de A. Araripe. Nova Lei de Improbidade Administrativa: Inspirações e desafios. Almedina Brasil: São Paulo, 2022. p. 52.) Ou seja, em suma, para que haja condenação por ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (ofensa a princípios da Administração Pública), após as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, há que se demonstrar a prática dolosa de alguma das condutas descritas nos incisos do dispositivo mencionado e que essa conduta seja lesiva ao bem jurídico tutelado, sendo que tal lesão não necessita da comprovação de enriquecimento ilícito ou do dano ao erário. No julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199) (Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022), o Plenário do Supremo Tribunal Federal defrontou-se com a questão relativa à eventual retroatividade da Lei nº 14.230/2021 a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigência, apreciando a questão, em especial, no que tange à “necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa” e à “aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente”. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes diretrizes quanto à retroatividade das inovações: (1) que é necessária a comprovação da presença do elemento subjetivo “dolo” para a tipificação dos atos de improbidade administrativa; (2) que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada e à processos de execução das penas e seus incidentes; (3) que a Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (4) e que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Definiu-se, portanto, como regra, a irretroatividade da Lei nº 14.230/2021, ressalvados os processos em que não tenha havido condenação transitada em julgado. Dito com outras palavras, admitiu-se a aplicação das novas disposições da Lei nº 8.429/1992 aos processos em curso, ou seja, no bojo dos quais ainda não tenha sido formada a coisa julgada quanto à condenação pelo ato de improbidade. Diga-se que, ainda que tal precedente tenha debatido a retroatividade da Lei nº 14.230/2021 à luz das alterações referentes ao elemento subjetivo e ao prazo prescricional, nota-se uma importante diretriz fixada no julgamento e do qual a presente decisão não pode se afastar, qual seja, a de que as novas disposições da Lei nº 8.429/1992 apenas não interferem nas decisões condenatórias protegidas sob o manto da coisa julgada. Lado outro, não há qualquer impedimento para que eventuais sentenças cujos recursos contra elas interpostos ainda se encontrem pendentes de julgamento sejam afetadas pelas alterações. Nesse sentido, colho os seguintes precedentes: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. III – Agravo improvido. (RE 1452533 AgR, Rel. Min. CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 08-11-2023) EMENTA: AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À TESE VINCULANTE FIXADA NO JULGAMENTO DO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 843.989 – TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 988, § 5º, II, DO CPC. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (Rcl 60429 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 27-11-2023) Tenho, portanto, que a ratio decidendi do ARE 843989 (Tema 1.199) quanto à incidência imediata das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 aos processos em curso conduz à conclusão de que as novas disposições da Lei 8.429/1992 são plenamente aplicáveis ao caso concreto. Ato contínuo, conclui-se que a redação do art. 11, que antes permitia a condenação por ato de improbidade com fundamento unicamente no caput do dispositivo, deve incidir imediatamente neste processo, com a redação atual, que não mais permite a condenação meramente por ofensa aos princípios da Administração Pública, sem restar devidamente demonstrada a prática de alguma das condutas descritas nos seus incisos. Da mesma forma, a condenação com base no art. 11, I, da LIA, que restou revogado pela Lei nº 14.230/2021 deve ser afastada. Observo, por fim, que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, à exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput e inciso I do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992. Nesse cenário, considerada a aplicabilidade imediata da Lei 14.230/2021 ao caso concreto e a abolição, pela nova legislação, do ato de improbidade administrativa por mera violação dos princípios da Administração Pública com fundamento no caput do art. 11, bem como na revogação de seu inciso I, da Lei 8.429/1992, constata-se a impossibilidade jurídica de manutenção da condenação ratificada pelo acórdão recorrido, impondo-se a sua reforma. (STF, ARE 1095911/SP, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 19/12/2023, DJe-s/n 08/01/2024.) Noutro julgado, em caso envolvendo essa questão, o Ministro GILMAR MENDES acrescentou que: Em suma, após as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, para que haja condenação por ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (ofensa a princípios da Administração Pública), há que se demonstrar a prática dolosa de alguma das condutas descritas nos incisos do dispositivo mencionado e que essa conduta seja lesiva ao bem jurídico tutelado. No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) (Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022), o Plenário do Supremo Tribunal Federal defrontou-se com a questão relativa à eventual retroatividade da Lei nº 14.230/2021 a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigência, apreciando a questão, em especial, sob a perspectiva da necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes diretrizes quanto à retroatividade das inovações: (1) que é necessária a comprovação da presença do elemento subjetivo “dolo” para a tipificação dos atos de improbidade administrativa; (2) que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada e à processos de execução das penas e seus incidentes; (3) que a Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (4) e que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Como se vê, embora tenha sido afirmada a irretroatividade da extinção da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, a Corte estabeleceu exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. No particular, a tese de julgamento restou assim redigida: “A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.” (ARE 843.989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022) Definiu-se, portanto, como regra, a irretroatividade da Lei nº 14.230/2021, ressalvados os processos em que não tenha havido condenação transitada em julgado. Dito com outras palavras, admitiu-se a aplicação das novas disposições da Lei nº 8.429/1992 aos processos em curso nos quais ainda não tenha sido formada a coisa julgada quanto à condenação pelo ato de improbidade. Ainda que tal precedente tenha debatido a retroatividade da Lei nº 14.230/2021 à luz das alterações referentes ao elemento subjetivo e ao prazo prescricional, a diretriz fixada no julgamento quanto à incidência imediata das novas disposições da Lei nº 8.429/1992 aos processos em que ainda não tenha ocorrido o trânsito em julgado é plenamente aplicável a casos em que não necessariamente esteja em discussão o elemento subjetivo da imputação, haja vista não ter sido essa a única alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021. Acrescente-se a isso a necessidade, que destaquei no voto em que proferi no julgamento do ARE 843.989/PR, de se conferir aos atos de improbidade administrativa tratamento similar àqueles da seara criminal, sobretudo quando em jogo garantias constitucionais. Entendo que diante da proximidade dos regimes jurídicos de combate a atos de improbidade administrativa e de persecução criminal, com sanções de grau similar de gravidade, impõe-se a incidência da garantia da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica. Não é novidade que o cuidado com o patrimônio público ocupou espaço preferencial no projeto constitucional de 1988. A moralidade administrativa foi expressamente alçada ao patamar de princípio da Administração Pública (CF, art. 37), e, dessa norma, floresceram, no próprio texto constitucional, as bases de novo e autônomo sistema de responsabilização cível de agentes públicos e privados cujas condutas atentam contra a probidade. Os contornos constitucionais desse sistema evidenciam o rigor do Constituinte com os atos de improbidade administrativa, no que estabelece que importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (CF, art. 37, § 4º). Ademais, como reforço na proteção da probidade administrativa, sob o ângulo da higidez do erário, o § 5º do art. 37 da Constituição previu igualmente a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário. O texto constitucional emitiu ao legislador, portanto, diversos comandos para edificação de grave e abrangente regime de responsabilização de agentes responsáveis por condutas ímprobas, fora da seara penal. Este ponto é importante para compreensão da abordagem proposta. É inequívoco que a ação de improbidade administrativa não se desdobra no âmbito penal, bem como que há uma relativa independência entre as esferas, nos termos da parte final do § 4º do art. 37 da Constituição. Trata-se de responsabilidade formada na seara cível, fora do processo penal. Disso não resulta, porém, que a questão esteja definitivamente resolvida, com a solução das controvérsias da ação de improbidade administrativa mediante a mera transposição de conceitos e princípios do direito civil. Isso porque o caráter sancionatório e o severo conjunto de responsabilidades atrelado ao regime de improbidade coloca-o em zona de inequívoca interface entre diferentes regimes de direito público. Nesse sentido, a questão da retroatividade das inovações inseridas pela Lei nº 14.230/2021 relaciona-se profundamente com a natureza das normas de improbidade administrativa, ora agregadas à principiologia do direito penal, ora dele apartadas, com a incidência de regras do direito administrativo sancionador ou, quando menos, do próprio direito civil. Reservadas as devidas vênias, não comungo do entendimento daqueles que posicionam os atos de improbidade administrativa exclusivamente no âmbito do direito civil, negligenciando o seu inequívoco caráter sancionador, bem como a profunda conexão entre o direito sancionador e o direito penal. Conforme fiz ver no julgamento da Rcl 41.557/SP (DJe de 10/03/2021), a relação entre direito penal e direito administrativo sancionador revela um nódulo problemático do sistema penal com o qual a doutrina especializada vem se ocupando desde o início do século XX, quase coincidindo com o desenvolvimento da própria dogmática jurídicopenal moderna. O ponto central de tensão, para além de traçar uma diferenciação formal e material entre o ilícito penal e o ilícito administrativo — algo que foi objeto de preocupação da doutrina desde a publicação de Das Verwaltungsstrafrecht, por Goldschmidt, em 1902 — é a limitação do jus puniendi estatal por meio do reconhecimento (1) da proximidade entre as diferentes esferas normativas e (2) da extensão de garantias individuais tipicamente penais para o espaço do direito administrativo sancionador. Nessa linha, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) estabelece, a partir do paradigmático caso Oztürk, em 1984, um conceito amplo de direito penal, que reconhece o direito administrativo sancionador como “autêntico subsistema” da ordem jurídico-penal. A partir disso, determinados princípios jurídico-penais se estenderiam para o âmbito do direito administrativo sancionador, que pertenceria ao sistema penal em sentido lato. (OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador. 2012, p. 128). Acerca disso, afirma a doutrina que: “A unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador. As mínimas garantias devem ser: legalidade, proporcionalidade, presunção de inocência e ne bis in idem.” (OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador. 2012. p. 241) A assunção desse pressuposto pelo intérprete, principalmente no tocante ao princípio do ne bis in idem, resulta na compreensão, como será observado, que tais princípios devem ser aplicados não somente dentro dos subsistemas mas também e principalmente na relação que se coloca entre os subsistemas. Reforçando a linha de fundamentação aqui construída, a professora e pesquisadora Helena Lobo da Costa, em monografia por meio da qual recebeu o título de Livre Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, destaca que a interpretação no sentido da independência absoluta entre o direito penal e o direito administrativo sancionador revela um equívoco metodológico, que alcança sérios problemas práticos: “Em nossa doutrina e, especialmente, em nossa jurisprudência prevalece ainda o paradigma de ‘independência entre as instâncias’, que além de não apresentar fundamentação científica convincente, gera diversos resultados paradoxais. Além disso, constrói um modelo que pouco se coaduna com a ideia de unidade da ordem jurídica, como um sistema jurídico estruturado e dotado de racionalidade interna. O ordenamento jurídico não pode ser tido como um conjunto desconexo de normas jurídicas, submetidas somente ao princípio da hierarquia. (...) Portanto, a ideia de independência entre as instâncias apresenta diversas inconsistências, não podendo ser abraçada como dogma inquestionável, bem ao contrário.” (LOBO DA COSTA, Helena. Direito Penal Econômico e Direito Administrativo Sancionador. 2013. pp. 119 e 222) Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais pátrios têm se inclinado pela aplicabilidade dos direitos e garantias constitucionais de cunho marcadamente penal, no que se refere à interpretação de normas jurídicas sucessivas que relevem ou minorem sanções a pessoas físicas e jurídicas (incluindo as de direito público) – direito sancionatório estatal. Ressalto que as sanções prescritas aos atos de improbidade são graves e em grande parte equiparadas àquelas atreladas à prática de crime comum, conforme evidenciado pelo próprio art. 15 da Constituição, que em seu inciso III atribui à condenação criminal transitada em julgado a mesma consequência, no tocante aos direitos políticos, daquela atribuída às condutas ímprobas. Essa penalidade de suspensão dos direitos políticos também está presente no sistema de responsabilidade político-administrativa de agentes políticos, os denominados crimes de responsabilidade. Basta observar que o Presidente da República, se condenado pelo Senado Federal em processo de impeachment, pode ser inabilitado para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos (CF, art. 52, parágrafo único). Também os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República estão sujeitos à inabilitação para o exercício de qualquer função pública, em virtude da prática de crime de responsabilidade, por força do art. 2º da Lei 1.079/1950. No que concerne à sanção de perda do cargo ou função pública, novamente os sistemas penal, de improbidade administrativa e de crimes de responsabilidade mostram-se coincidentes. Todos preveem a possibilidade de condenação do imputado a essa drástica penalidade. Tudo isso para pontificar que, a meu ver, não há como cindir de forma absoluta o tratamento conferido aos atos de improbidade administrativa daquele próprio à seara criminal, sobretudo quando em jogo as garantias processuais. A retroatividade da norma penal mais benéfica ao réu consubstancia direito fundamental e, como tal, não comporta interpretação restritiva, na esteira do entendimento consolidado desta Corte. É dizer, se há identidade de substratos fáticos para incidência do direito – do que não se tem dúvida pelo exposto até aqui –, descabe articular com leitura textual limitadora da eficácia normativa de direito fundamental (SCHLINK, Bernhard; PIEROTH, Bodo. Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 76-77). A bem da verdade, a própria Lei nº 14.230/2021 afirmou o caráter sancionatório da norma, apartando-a definitivamente das ações civis, tanto em relação à principiologia quanto no que concerne à finalidade dos institutos: “Art. 1º (...) § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Diante da incidência do poder punitivo estatal, que se apresenta único, quando considerados o direito penal e os atos de improbidade, em relação às sanções aplicadas e ao próprio conteúdo das condutas, é imperiosa a aplicação dos direitos e garantias fundamentais pertinentes, independentemente de sua natureza penal. Assim dispõe, no campo convencional, o art. 9º do Pacto de San Jose da Costa Rica, cujo âmbito de incidência material recai sobre normas sancionadoras extrapenais em geral, preconizando a retroatividade da norma sancionadora mais benéfica: “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado.” [...] Nesse diapasão, Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch e Guilherme Pupe da Nóbrega advertem que o dispositivo da Convenção Americana, ao replicar o princípio da retroatividade da lei benigna, não o cingiu à norma penal, de modo que, sabido ostentar a referida convenção status supralegal, sua dicção, sozinha, já haveria de se sobrepor à legislação infraconstitucional, particularmente no que concerne à interpretação sobre a extensão dos efeitos de alterações positivas (MUDROVITSCH, Rodrigo Bittencourt; NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Lei de improbidade administrativa comentada: de acordo com a reforma pela lei n. 14.230/2021. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 24). Assim, considerada a proximidade ontológica dos regimes jurídicos de combate a atos de improbidade administrativa e de persecução criminal, com sanções de grau similar de gravidade, impõe-se, a meu ver, a incidência da garantia da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica. Ressalto que essa diretriz hermenêutica ora proposta tem sido acolhida por esta Suprema Corte. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: “SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE INTELIGÊNCIA DO ARE 843.989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, a exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido.” (ARE 1.346.594AgR-segundo/SP, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 31.10.2023) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. III – Agravo improvido.” (RE 1.452.533-AgR/SC, Rel. Min. Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe 21.11.2023) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI N. 8.429/1982. ALTERAÇÃO PELA LEI N. 14.230/2021. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” (ARE 1.457.770-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, pendente de publicação) (STF, Rcl 64629 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13-05-2024, DJe-s/n 26-06-2024.) De acordo com o princípio da unidade do injusto (ou critério unitário do injusto), às infrações administrativas devem ser aplicados os critérios do direito penal e do direito processual penal. “A doutrina salienta que não há diferença ontológica ou qualitativa entre o ilícito penal comum, o administrativo, civil ou tributário.” (MISABEL DERZI, Direito Tributário Atual, Forense, 1999, p. 228.) “Inexiste distinção ontológica, mormente no campo da heterotutela, entre infração penal e infração administrativa, logo, comunicam-se à sanção administrativa os critérios do direito penal e do direito processual penal.” (TRF 1ª Região, AMS 1999.01.00.037217-6/MG, Rel. Desembargador Federal JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA, DJ de 25/10/2002 P.144.) No mesmo sentido: TRF1, AC 0002391-69.2006.4.01.4100, Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES (Conv.), QUINTA TURMA, e-DJF1 20/04/2016. Como decidido pelo STF, “[a] Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11) e que provocam prejuízo ao erário (Lei 8.249/1992, art. 10) promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal; e excluindo a modalidade culposa do ato descrito no art. 10. [...] No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. [...] As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 aos arts. 10 e 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STF, ARE 1318242 AgR-EDv, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 13-06-2024.) No mesmo sentido, o STJ tem decidido que: “Na linha de entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e por este Tribunal Superior, à vista da tese vinculante firmada no julgamento do Tema n. 1.199 da repercussão geral, não sendo possível o eventual reenquadramento típico da conduta ilícita, a atual redação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 aplica-se aos atos de improbidade administrativa decorrentes da violação aos princípios administrativos praticados na vigência do texto anterior, sem condenação transitada em julgado.” (STJ, EDcl no AgInt no REsp 1.991.321/BA, relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.) “A Suprema Corte, [...] pelas suas duas Turmas e pelo Plenário, ampliou a aplicação da referida tese, compreendendo que também as alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 no art. 11 da Lei n. 8.249/1992 aplicar-se-iam aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STJ, AgInt no AREsp 2.197.290/SP, relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/4/2024, DJe de 2/5/2024.) Assim sendo, a retroatividade da Lei 14.230, em favor do réu, não está restrita apenas às condutas culposas. A retroatividade também opera em caso de “abolição da tipicidade da conduta”, acarretando a “improcedência dos pedidos formulados na inicial.” (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.174.735/PE, supra.) C. Nos termos do § 3º do Art. 16 da LIA, na redação da Lei 14.230, “[o]pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.” Assim sendo, esse dispositivo legal é aplicável ao presente caso. A exigência da presença dos tradicionais requisitos do fumus boni iuris, consistente na “probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução”, e do periculum in mora, identificado no “perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”, o legislador afastou, expressamente, a possibilidade jurídica do reconhecimento do periculum in mora presumido, afirmado na jurisprudência do STJ à luz da redação original da LIA. (STJ, REsp 1.366.721/BA, relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, relator para acórdão Ministro OG FERNANDES, Primeira Seção, julgado em 26/2/2014, DJe de 19/9/2014. Tema Repetitivo 701.) LIA, Art. 16, § 6º. Na realidade, a LIA, na redação dada pela Lei 14.230, aboliu as presunções contra o réu na ação de improbidade administrativa. No Art. 16, § 4º, a LIA determina que “[a] indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.” No Art. 17-C, I, a LIA dispõe que “[a] sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015”, dentre outros, “indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos”. No Art. 17, § 19, I, a LIA dispõe que “[n]ão se aplicam na ação de improbidade administrativa”, dentre outros, “a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia”. Assim sendo, a presunção de veracidade dos atos administrativos é inaplicável à ação de improbidade administrativa quando for prejudicial ao réu. Essa presunção somente é admissível quando for favorável ao réu. Nessa direção, o STJ concluiu, recentemente, que “[a]demonstração do requisito da urgência para a indisponibilidade de bens, prevista no art. 16 da Lei de Improbidade Administrativa (com a redação dada pela Lei n. 14.230/2021), tem aplicação imediata ao processo em curso dado o caráter processual da medida.” (STJ, AREsp 2.272.508/RN, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.) (Apud: Informativo STJ 800.) “A nova redação da Lei n. 8.429/1992, dada pela Lei n. 14.230/2021, passou a exigir a demonstração do requisito da urgência, além da plausibilidade do direito invocado, para o deferimento da indisponibilidade de bens em sede de ação de improbidade administrativa. [...] Por possuir natureza de tutela provisória de urgência cautelar, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo, a decisão de indisponibilidade de bens reveste-se de caráter processual, de modo que, por força do art. 14 do CPC/2015, a norma mencionada deve ter aplicação imediata ao processo em curso.” (STJ, AgInt no AREsp 2.272.508/RN, relator Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 21/3/2024.) Na mesma direção, o STF decidiu que “[a]s alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 16, § 3º, da Lei 8.249/1992, aplicam-se aos processos em que houve o deferimento da indisponibilidade de bens na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. [...] Tendo em vista que (i) a indisponibilidade de bens é ato precário passível de revisão se modificados os elementos fáticos e jurídicos que fundamentaram o deferimento da medida; que (ii) no caso houve profunda alteração nos requisitos para a decretação da indisponibilidade, com a exigência da demonstração do perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo; e que (iii) não houve quebra nas regras que garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico, posto que jamais houvera a expectativa legítima na manutenção da indisponibilidade de bens indefinidamente no tempo, conclui-se que o acórdão impugnado não destoa da jurisprudência firmada por esta Corte.” (STF, ARE 1462586 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 23-05-2024.) Nesse contexto, não mais prevalecem, em matéria de improbidade administrativa, o dano presumido ou in re ipsa. Assim sendo, é inadmissível a presunção de dano ou de prejuízo ao erário. Todo dano e todo prejuízo deve ser concretamente provado, mediante prova substancial, idônea e inequívoca. II A. “Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que ‘a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10º (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014.” (STJ, AgRg no AREsp 494.124/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, julgado em 04/05/2017, DJe 09/05/2017.) Essa, também, é a firme orientação desta Corte. Assim, “[p]ara a configuração do ato de improbidade não basta a presença de uma das hipóteses elencadas na Lei 8.429/92, sendo imperiosa a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa grave, nas hipóteses do art. 10, de sorte que a improbidade administrativa não se caracteriza por meio de responsabilização objetiva dos agentes públicos (MS 16385/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, DJe de 13/06/2012).” (TRF1, AC 00057561320094013200, Desembargadora Federal MONICA SIFUENTES, Terceira Turma, e-DJF1 11/12/2017.) Assim, “[a]s condutas que configuram improbidade administrativa, descritas nos arts. 9º (que importam enriquecimento ilícito); 10 (que causam prejuízos ao erário); e 11 (que atentam contra os princípios da administração pública) da Lei 8.429/92, imprescindem da prova do elemento subjetivo do agente (dolo, má-fé, má-intenção), admitindo-se a modalidade culposa somente nos casos de atos que acarretem lesão ao erário”. (TRF1, AC 0009473-08.2006.4.01.3307/BA, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Segunda Seção, e-DJF1 p. 410 de 03/11/2014.) Na mesma direção: TRF1, AC 0008899-95.2010.4.01.3904/PA, Rel. Juiz Federal PABLO ZUNIGA DOURADO (Conv.), QUARTA TURMA, e-DJF1 p. 212 de 21/11/2014; AC 0011894-11.2010.4.01.3701/MA, Rel. Desembargador Federal CATÃO ALVES, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p. 97 de 02/08/2013; AC 200637000002325, Rel. Juíza Federal CLEMENCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (Conv.), QUARTA TURMA, e-DJF1 30/07/2013. Em suma, “[a] má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.” (STJ, REsp 1009953/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/03/2008, DJe 23/10/2008.) “A responsabilidade do servidor público por ato de improbidade, no caso de dano ao erário (art. 10 da Lei nº 8.429/1992), tem natureza jurídica subjetiva, exigindo, assim, a demonstração de dolo ou de culpa na sua conduta.” (TRF 1ª Região, AC 0000620-95.2006.4.01.3602/MT, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES (Conv.), Terceira Turma, DJ p. 37 de 05/10/2007.) “A responsabilidade no campo da improbidade administrativa é eminentemente subjetiva.” (TRF 1ª Região, AC 0008365-54.2010.4.01.3904/PA, Rel. Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Terceira Turma, e-DJF1 p.31 de 20/03/2015.) “O dever de reparar o dano causado à Administração pelo servidor exige a comprovação de o agente público ter agido com dolo ou culpa, por tratar-se de responsabilidade subjetiva. E a recomposição do prejuízo ao Erário deverá ser postulada pelo ente público mediante ação judicial, não decorrendo somente dos princípios da autotutela e da autoexecutoriedade do ato administrativo.” (TRF 1ª Região, AC 0019692-51.2009.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal HENRIQUE GOUVEIA DA CUNHA (Conv.), Segunda Turma, e-DJF1 p.1916 de 09/05/2014.) Na mesma direção, o STJ concluiu que “é assente a compreensão de que a obrigação de reparar o dano causado à Administração pelo servidor exige a comprovação de o agente público ter agido com dolo ou culpa, por tratar-se de responsabilidade subjetiva. Após essa comprovação, o ressarcimento ao Erário deverá ser buscado pelo ente público mediante ação judicial, não podendo decorrer somente dos princípios da autotutela e autoexecutoriedade.” (STJ, RMS 18.780/RS, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 11/06/2012.) Assim, a responsabilidade pela prática de ato de improbidade administrativa é subjetiva, e, não objetiva. Por outro lado, para a imposição do dever de indenizar, nos casos de responsabilidade objetiva ou subjetiva, é necessária a existência do nexo de causalidade, em relação direta e imediata, entre o dano e a ação ou a omissão do agente. (Código Civil de 1916, Art. 1.060.) O Supremo Tribunal Federal proclamou que, em nosso sistema jurídico, a teoria adotada, quanto ao nexo de causalidade, é a teoria do dano direto e imediato, como resulta do disposto no Art. 1.060 do Código Civil de 1916, e, atualmente, do Art. 403 do Código Civil de 2002. Em seu voto, salientou o eminente Relator: A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. [...] Ora, em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada (cfe. WILSON DE MELO DA SILVA, Responsabilidade sem culpa, nºs 78 e 79, os. 128 e segs., Editora Saraiva, São Paulo, 1974). Essa teoria, como bem demonstra AGOSTINHO ALVIM (Da inexecução das obrigações, 5ª ed., nº 226, pág. 370, Editora Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer AGOSTINHO ALVIM (l.c.): “os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis.” (STF, RE 130.764/PR, Relator(a) MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 12/05/1992, DJ 07-08-1992, P. 11782, RTJ 143/270.) Esse acórdão foi objeto de ação rescisória, cujo pedido foi julgado improcedente, vencido apenas o eminente Ministro MARCO AURÉLIO. (STF, AR 1376/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Revisor Min. CEZAR PELUSO, julgado em 09/11/2005, Tribunal Pleno, DJ 22-09-2006 P. 28.) No mesmo sentido: STF, RE 172.025/RJ, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, julgado em 08/10/1996, Primeira Turma, DJ 19-12-1996, P. 51791; RE 220.999/PE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. Acórdão Min. NELSON JOBIM, julgado em 25/04/2000, Segunda Turma, DJ 24-11-2000, P. 10462, RTJ 175/1169; RE 369820/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 04/11/2003, Segunda Turma, DJ 27-02-2004 P. 38; STJ, REsp 845.424/DF, Rel. Min. DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.10.2006, DJ 07.11.2006 p. 267. Em suma, a teoria do dano direto e imediato “só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva.” (STF, RE 130.764/PR, supra.) B. Na atualidade, o Art. 1º, e seus §§ 1º, 2º, 3º, e 4º, da LIA, na redação dada pela Lei 14.230, reforçaram ainda mais as conclusões acima expostas, ao prescreverem o seguinte: § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. LIA, Art. 1º, §§ 1º, 2º, 3º, e 4º. Diante da necessidade da “comprovação de ato doloso com fim ilícito” para o reconhecimento da “responsabilidade por ato de improbidade administrativa” (LIA, Art. 1º, § 3º), é necessária a prova da presença do dolo específico na conduta do réu. Como decidido pelo STF, “[c]onforme a redação atual do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.429, de 1992, é necessário o dolo específico da atuação do agente público, sendo insuficiente a mera voluntariedade no mister usual das competências públicas.” (STF, ARE 1498230 AgR, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Segunda Turma, julgado em 09-09-2024, DJe-s/n 25-09-2024.) “A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11) e que provocam prejuízo ao erário (Lei 8.249/1992, art. 10) promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal; e excluindo a modalidade culposa do ato descrito no art. 10. [...] No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. [...] As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 aos arts. 10 e 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STF, ARE 1318242 AgR-EDv, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 13-06-2024.) Nesse contexto, a aplicação imediata da Lei 14.230 para fazer incidir a exigência de dolo específico não implica ofensa ao devido processo legal. CR, Art. 5º, LIV. A condenação do acusado ou da acusada, no processo criminal, demanda a produção, pelo órgão da acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido”. (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19/12/1996, P. 51766; HC 92435/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe-197 17-10-2008, respectivamente.) No processo civil, segundo lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “[c]onsidera-se cumprido o onus probandi quando a instrução processual houver chegado à demonstração razoável da existência do fato, sem os extremos da exigência de uma certeza absoluta que muito dificilmente se atingirá.” (TRE/GO, Investigação Judicial nº 38174, Acórdão nº 15000/2014 de 02/09/2014, Rel. SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, DJ 04/09/2014, pp. 4-5.) Por outro lado, e, considerando que “[a]plicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador” (LIA, Art. 1º, § 4º), a prova necessária à condenação deve ser substancial, clara e convincente, mas, não, em nível acima de dúvida razoável. Prova substancial, como já registrou, com inteira propriedade, a Suprema Corte dos Estados Unidos, é aquela que é mais do que uma mera centelha, e significa prova cuja relevância uma mente razoável pode aceitar como adequada para fundamentar determinada conclusão. “[S]ubstantial evidence is more than a mere scintilla. It means such relevant evidence as a reasonable mind might accept as adequate to support a conclusion.” Universal Camera Corp. v. NLRB, 340 U. S. 474, 477 (1951). Com base nesses parâmetros, passo ao exame do presente caso. III – Preliminar de ilegitimidade passiva e nulidade por ausência de litisconsórcio passivo necessário do agente público A. O réu José Lincoln pleiteia a extinção do processo por ilegitimidade passiva e a nulidade por ausência de litisconsórcio passivo necessário sob o argumento de que “não houve a presença de um Agente Público nos atos imputados ao réu, não podendo o mesmo figurar no polo passivo da presente demanda, sendo este parte ilegítima”. Id. 290807016. Do mesmo modo, a ré Policlínica Santa Maria, atualmente denominada José Lincoln Sobral Matos – ME, defende sua ilegitimidade passiva “ante a ausência de agentes público” e argui nulidade em virtude da “ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário”. Id. 290807026. B. Nos termos da LIA, “[r]eputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” LIA, Art. 2º, na redação original. Na redação original, a LIA dispunha que “[e]stão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” LIA, Art. 1º, Parágrafo único, na redação original. Na espécie, a Policlínica Santa Maria, gerida à época pelo réu José Lincoln, enquadra-se na definição de “entidade que receba subvenção [...] de órgão público”, porquanto recebeu recursos da União no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). LIA, Art. 1º, Parágrafo único, na redação original. Como decidido pelo STJ, “[o] médico particular remunerado com verbas repassadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o fornecimento de exames equipara-se a agente público na ação de improbidade administrativa, exercendo função pública delegada. Nesse sentido: REsp n. 495.933/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16/3/2004, DJ de 19/4/2004.” (STJ, AgInt no REsp 1.778.796/MG, relator Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/4/2022, DJe de 26/4/2022.) “A Lei de Improbidade também possibilita a responsabilização dos terceiros por equiparação. Nos termos do artigo 1º c/c artigo 2º da Lei n. 8429/1992, na qualidade de representantes legais de quatro sociedades que receberam recursos públicos provenientes da Secretaria de Estado de Saúde, os ora recorrentes se equiparam aos agentes públicos e estão sujeitos, portanto, à Lei de Improbidade Administrativa.” (STJ, AgInt no AREsp 1.113.260/RJ, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/8/2018, DJe de 27/8/2018.) No mesmo sentido, explicando que “os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não são apenas os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, conforme os artigos 1º, parágrafo único, e 2º, da Lei 8.429/92. Nesse sentido: AgRg no REsp 1196801/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 26/08/2014, MS 21.042/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 17/12/2015, E REsp 1081098/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 03/09/2009.” (STJ, REsp 1.357.235/PA, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe de 30/11/2016.) Em suma, “[s]ão sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429/92. [...] Deveras, a Lei Federal nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327).” (STJ, REsp 495.933/RS, relator Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/3/2004, DJ de 19/4/2004, p. 155.) Dessa forma, “[h]ospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa.” (STJ, REsp 495.933/RS, supra.) Assim, “[h]ospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa” (STJ, REsp n. 495.933/RS, relator Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ de 19/4/2004, p. 155.). Além disso, “[a] situação fático-jurídica da causa não se confunde com a hipótese de apenas o particular responder por ato de improbidade, em que a jurisprudência afirma a ilegitimidade passiva do réu”, mas, sim, de responsabilidade da gestora da pessoa jurídica que recebeu recursos públicos da União no âmbito do SUS. (STJ, AgInt no REsp 1.778.796/MG, supra.) Desse modo, à vista da fundamentação supra, não há se falar em ilegitimidade passiva e em nulidade por ausência de litisconsórcio necessário. IV - LIA, Art. 10, inciso I A. Como registrado acima, a autora imputou aos réus a prática da conduta ímproba consistente em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput (na redação original). Id. 290797558. O juízo condenou o réu pela prática da conduta ímproba consistente em “facilitar ou concorrer, por qualquer forma para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, I (na redação original). Id. 290803060. Nesse contexto, inexiste congruência entre o pedido e a sentença no tocante à condenação relativa à conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, I. B. Como visto acima, as inovações previstas na Lei 14.230, salvo em relação ao novo regime prescricional (STF, ARE 843989, supra), podem ser aplicadas aos processos em curso, enquanto não houver trânsito em julgado. A LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade, o STF acolheu, em parte, os pedidos nelas formulados “para (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não []existe “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo, porém, a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica; (c) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021. Em consequência, declara-se a constitucionalidade: (a) do § 14 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art. 4º, X, da Lei 14.230/2021.” (STF, ADIs 7042 e 7043, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 31-08-2022, DJe-s/n 28-02-2023.) Dessa forma, vige, por ora, o Art. 17, § 10-F, da LIA. Em suma, a LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043, supra), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” O Ministro ALEXANDRE DE MORAES, na qualidade de relator, no início do julgamento do mérito da ADI 7236, votou no sentido de “conhec[er] parcialmente da [...] ação direta de inconstitucionalidade e julga[r] parcialmente procedente, nos seguintes termos (artigos da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021): i) declarar prejudicados os pedidos referentes ao artigo 1º, §§ 1º, 2º e 3º, e ao artigo 10, da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; ii) julgar inconstitucionais o artigo 1º, § 8º; o artigo 12, §§ 1º, 4º e 10; o artigo 17, § 10-D, e o artigo 17-B, § 3º; iii) declarar a parcial nulidade com redução de texto do art. 17, § 10-C, excluindo a expressão ‘e a capitulação legal apresentada pelo autor’; iv) julgar parcialmente procedente o pedido para dar interpretação conforme ao art. 17, § 10-F, inc. I, no sentido de que será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial, desde que não tenha tido a possibilidade de ampla defesa, observado o parágrafo 10-C; v) declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do art. 21, § 4º, da referida Lei, no sentido de que a absolvição criminal, em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, somente impede o trâmite da ação de improbidade administrativa nas hipóteses dos arts. 65 (sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito); 386, I (estar provada a inexistência do fato); e 386, IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), todos do Código de Processo Penal; vi) declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do artigo 23-C da referida Lei, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa; vii) declarar a parcial nulidade com redução de texto do artigo 23, § 5º, excluindo a expressão ‘pela metade do prazo previsto no caput deste artigo’; e viii) julgar improcedente a presente ação em relação ao artigo 11, caput, e revogação dos incisos I e II, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, declarando-os constitucionais”. (STF, ADI 7236/DF, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Plenário, 16/05/2024.) Prosseguindo no julgamento o Ministro GILMAR MENDES divergiu parcialmente do Relator, “conhecendo da presente ação direta e julgando-a parcialmente procedente para: (i) declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e’, contida no § 1º do art. 12 da Lei 8.429/1992, na redação que lhe foi dada pela Lei 14.230/2021; (ii) conferir interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, na redação que lhe foi dada pela Lei 14.230/2021, para excluir do seu âmbito de aplicação a hipótese absolutória contida no inciso III do art. 386 do CPP (‘não constituir o fato infração penal’); (iii) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 23-C da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, de modo a assentar que atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa, vedado eventual bis in idem, declarando, por fim, a constitucionalidade de todos os demais dispositivos impugnados”. (STF, ADI 7236/DF, supra, Plenário, 24/04/2025.) Em seguida, pediu vista o Ministro EDSON FACHIN. Assim sendo, a votação está empatada no tocante à conclusão do Relator no sentido de “declarar a parcial nulidade com redução de texto do art. 17, § 10-C, excluindo a expressão ‘e a capitulação legal apresentada pelo autor’; [e] julgar parcialmente procedente o pedido para dar interpretação conforme ao art. 17, § 10-F, inc. I, no sentido de que será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial, desde que não tenha tido a possibilidade de ampla defesa, observado o parágrafo 10-C”. (STF, ADI 7236/DF, supra.) Dessa forma, vige, por ora, o Art. 17, § 10-F, da LIA. Nos termos do Art. 17, §§ 10-C e 10-F, da LIA, na atual redação, é inadmissível a condenação do réu pela prática de conduta ímproba não veiculada na petição inicial. LIA, Art. 10, inciso I. Em suma, a LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043, supra), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” Como decidido pelo STJ, “[e]m elastério de entendimento, ao tratar da delimitação dos efeitos do precedente vinculante, a Suprema Corte concluiu pela aplicação das alterações trazidas pela Lei n. 14.320/2021 às ações de improbidade cujos atos dolosos foram praticados na vigência do texto anterior da norma, desde que sem condenação com trânsito em julgado, exceptuando-se o novo regime prescricional. A propósito: ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023; bem como AgInt no AREsp n. 2.535.830/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 30/8/2024. Nessa esteira de intelecção, inexistente ainda o trânsito em julgado deste feito, aplicáveis as alterações redacionais promovidas pela Lei n. 14.230/2021, com exceção do novo regime prescricional.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.662.145/SP, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, relatora para acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/3/2025, DJEN de 10/4/2025.) Por outro lado, o STF, em caso similar, deixou claro que é “[i]mpossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.[429]/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o [juízo] afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto.” (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, DJe-s/n 06-09-2023.) Como se vê, o STF “afastou a possibilidade de condenação do [agente] sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto.” (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, supra.) Considerando que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor” ou “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial” (LIA, Art. 17, § 10-C e 10-F, na redação da Lei 14.230, respectivamente), que o juízo não reconheceu a prática das condutas ímprobas descritas na petição inicial, bem como que a parte autora não interpôs recurso visando à prevalência da capitulação por ela descrita, impõe-se a rejeição do pedido. Assim sendo, afasto a condenação dos réus pela prática da conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, inciso I. V – LIA, Art. 10, caput A. O juízo condenou o réu pela prática da conduta ímproba consistente em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput. B. O juízo concluiu pela condenação com base nos seguintes fundamentos: No que pertine à alegação de venda de internações para a Secretaria Estadual de Saúde sem celebração de contrato para a prestação desses serviços, o fato restou incontroverso ante a ausência de impugnação pelos demandados. Registre-se que, segundo a conclusão da auditoria, não existe contrato de prestação de serviços hospitalares prestados ao SUS, firmado entre a POLICLÍNICA SANTA MARIA e a Secretaria Estadual de Saúde. No período de 2009 a referida Secretaria teria pago à POLICLÍNICA SANTA MARIA o valor de R$ 139.056,74 (Cento e trinta e nove mil, cinquenta e seis reais e setenta e quatro centavos), sem licitação e sem contrato. O valor repassado no período auditado (julho a dezembro/2009) corresponde a R$ 62.431 ,20 (Sessenta e dois mil, quatrocentos e trinta e um reais e vinte centavos), fl. 11 do Apenso. Sobreleva destacar que tal irregularidade contraria as disposições da Portaria MS/GM n. 3277/2006 (vigente à época dos fatos), que determinava para a participação complementar dos serviços privados de assistência ·à saúde no SUS a formalização de contrato ou convênio celebrado entre o Poder Público e a entidade privada, observadas as normas de direito público - sobretudo a Lei de Licitações e Contratos - e o disposto na portaria3 (arts. 3° e 6°). Quanto à alegação de cobrança indevida de primeira consulta do pediatra ao recém-nascido, a auditoria constatou que, na análise de 88 prontuários médicos de partos normal/cesárea, em 100% houve cobrança da primeira consulta do pediatra, sem a devida comprovação de sua realização e em nome do obstetra que consta na AIH como responsável pela realização do parto, contrariando a Portaria GM/MS n. 572/2000 e o Manual Técnico Operacional do Sistema de Informação Hospitalar, que determina que este procedimento é exclusivo para médicos especialistas em pediatria/neonatologia (fl. 12 do Apenso). A esse respeito, a defesa do réu JOSÉ LINCOLN sustenta que a realização da primeira consulta aos recém-nascidos de fato aconteceu, haja vista que todas as consultas desta espécie ocorrem imediatamente ao nascimento das crianças. O valor nominal de cada consulta é de apenas R$ 10,00 (dez reais), os quais são gerados pelo sistema automaticamente, pois ao incluir um parto o sistema gera de forma discriminada os serviços "agregados". Os réus também sustentam que o médico clínico geral tem atribuição técnica compatível com os serviços prestados. Contudo, observa-se que a auditoria refutou tal justificativa, pois "o sistema só paga se for feita a cobrança, ou seja, se for lançado no sistema o código do procedimento, no caso, 03.01.01.014-5. Nesse caso, a clínica lançou no Sistema o código de um procedimento não realizado, uma vez que o próprio dirigente da Clínica reconhece que a consulta ao recém-nascido é feita por clínico geral." (fls. 12/13 do Apenso). Quanto ao fato de as consultas terem sido realizadas por médico clínico geral, afirma a defesa que atualmente continua a agir dessa forma, mas sem cobrança pelo serviço, em razão da ausência de médicos especialistas no interior do estado do Piauí. Assim, considera que "o médico tem que trabalhar de forma gratuita por conta de uma norma inflexível e que impede a realização de procedimento pelo clinico geral que, diga-se de passagem possui plenas condições de realizar tal procedimento." Ocorre que a defesa "não produziu qualquer prova acerca da verossimilhança da assertiva de escassez de profissional e da atribuição técnica do médico clínico geral compatível com a pediatria/neonatologia. Veja-se que em relação a este fato a única evidência que se extrai da instrução probatória é a informação que consta no relatório da auditoria, uma vez que a prova produzida pela defesa (documentos de fls. 70/165 e prova testemunhal, fls. 293/297) nada esclarece sobre o fato. Dessa forma, em conformidade com as informações técnicas de rotinas/procedimentos do SUS expostas pela equipe da auditoria, impõe-se reconhecer que os réus indevidamente lançavam no sistema o código do procedimento para gerar a cobrança pela primeira consulta realizada no recém-nascido, mesmo sem a comprovação de sua efetivação e em nome do médico clínico-geral, quando a consulta deveria ser realizada pelo pediatra/neonatologista. Relativamente à cobrança pela realização de histeroscopia cirúrgica com ressectoscópio em 04 (quatro) pacientes, a equipe de auditoria considerou indevida, pois nem sequer teria sido localizado nas dependências da clínica, e tampouco cadastrado no CNES, o equipamento necessário para realizar o procedimento (fls. 13114 do Apenso). [...] Mauricélia Pereira de Almeida afirmou que fez cirurgia para retirada de um Cisto no útero e que antes da cirurgia foi realizado exame. O diagnóstico do cisto foi por exame realizado previamente. Foi realizado exame transvaginal (fl. 294). Hilda Gomes Mineiro afirmou que fez exame de colo do útero para realização da biópsia. Foi realizado exame prévio para cirurgia (fl. 295). Importa destacar que a União, nas alegações finais, informa que o procedimento faturado como 04.09.06.017-8 (histeroscopia cirúrgica com ressectoscópio) possui valor de R$ 173,33 (Cento e setenta e três reais e trinta e três centavos), mas o procedimento efetivamente realizado foi o 02.09.03.001-1 (histeroscopia cirúrgica), cujo valor é R$ 76,50 (Setenta e seis reais ecinquenta centavos). Vê-se, pois, que a prova dos autos se presta apenas a evidenciar que, de fato, foi realizado um procedimento, o qual, porém, não se trata daquele que teria gerado a cobrança ao SUS. Especificamente em relação a tal divergência, a defesa centra-se na tese de que teria ocorrido erro por parte da empresa responsável pela escrituração e informação ao SUS dos serviços realizados, sem, contudo, mais uma vez nada provar a esse respeito. Quanto à cobrança de procedimento cirúrgico (extirpação e supressão de lesão de pele e tecido) sem comprovação da realização, a equipe de auditoria apontou que não há registro nos prontuários de que os pacientes tenham sido atendidos pelo médico, contando apenas registro de atendimento de enfermagem (fl. 15 do Apenso). A defesa alega que "ocorreu tão somente um erro de preenchimento de prontuário que, por falha dos funcionários, foram omissos em preencher o prontuário com tal procedimento". Foi inquirida como testemunha de defesa uma das pacientes, cujo prontuário teria sido analisado pela equipe de auditoria (fls. 39/48 do Apenso). Dalva Soares de Souza afirmou que "há muito tempo tem problemas em sua pele; nos braços e no rosto até a presente data, que inclusive retirou um câncer de pele na Clínica do Dr. Lincoln; (...) que. foi retirado um pedacinho de couto em seu rosto e encaminhado para Teresina para proceder exame e que a própria depoente recebeu o resultado do exame. Que fez a cirurgia na Clínica do Dr. Lincoln; (...), que não lembra o mês e ano que submetida a cirurgia (...)", fl. 296. [...] Dessa forma, ainda que se considere crível o depoimento de Dalva Soares de Souza e a efetiva realização do procedimento, nada restou comprovado - tampouco esclarecido - em relação à cobrança do procedimento que supostamente teria sido realizado em Francisca Soares de Sousa, persistindo, assim, a irregularidade apontada pela auditoria, qual seja a não realização do procedimento cirúrgico. Relativamente à cobrança indevida do procedimento cirúrgico de salpingoplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina), com data de internação 12 e 13/07/2009, a equipe da auditoria afirmou que a paciente A. V. S. foi entrevistada e declarou que não fez essa cirurgia na clínica. Declarou, ainda, que no 2° semestre/2009 fez consultas de pré-natal na clínica e foi submetida à cirurgia (cesárea com laqueadura tubária) em 07.03.2010 (fl. 14 do Apenso). A defesa de JOSÉ LINCONL alega que "a paciente, por ser pessoa de parcos estudos, certamente se equivocou em sua resposta, posto que, de fato, houve a realização de um procedimento cirúrgico interventivo necessário à manutenção da gravidez de risco da mencionada paciente (...) o fato de a paciente ter negado a realização do procedimento o fez, porque sequer sabia especificamente o procedimento realizado pela clínica, ainda, assim, a mesma confirmou a internação, o que é razoável, pois o procedimento, em que pese tenha uma nomenclatura estranha é bem simples, e pode ser realizado de duas formas pelo método tradicional com pinças e demais instrumentos cirúrgicos ou por meio de um aparelho. Ressalte-se que o custo dos procedimentos são os mesmos, portanto tendo ocorrido os procedimentos, em que pese por método diferente, não há que se falar em improbidade administrativa." Conforme se extrai das fls. 817/824 do Apenso, a paciente A. V. S. trata- se de Antônia Vieira da Silva, que não foi arrolada como testemunha. E, muito embora a declaração escrita não tenha força probatória de testemunho, caso se reconheça que, de fato, houve uma internação no dia 12.07.2009, a paciente apenas teria sido medicada, pois estava: grávida e com dores abdominais, sendo transferida para Teresina no dia 13.07.2009, para ·realização de exame de ultrassonografia (fl. 107). Vê-se, pois, que não estou comprovada realizada da salpingóplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina) e nem do tal procedimento cirúrgico interventivo necessário à manutenção da gravidez de risco da mencionada paciente. Nesse contexto, impõe-se reconhecer que todas estas irregularidades, indubitavelmente, findam por configurar atos fraudulentos praticados em detrimento dos recursos do SUS. Id. 290803060. C. Na atualidade, a LIA dispõe que, “[n]os termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. “Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo [LIA, Art. 11] a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.” LIA, Art. 11, § 2º. Assim sendo, também no caso das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, “somente haverá improbidade administrativa [...] quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. As ilicitudes detectadas pela fiscalização e confirmadas na instrução processual, vistas em conjunto, demonstram que elas foram praticadas visando a “obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”, beneficiando os próprios réus. LIA, Art. 11, § 1º. Em suma, ficaram comprovadas, mediante prova documental não impugnada pelos réus, as seguintes ilicitudes: (i) “[a]pesar de vender internações para a Secretaria Estadual de Saúde, a Policlínica Santa Maria não firmou contrato para prestação desses serviços”; (ii) “no exercício 2009 a Secretaria de Estado da Saúde do Piauí pagou à Policlínica Santa Maria o valor de R$ 139.056,74 (cento e trinta e nove mil; cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), sem licitação e contrato”; (iii) “[c]obrança indevida de Primeira Consulta do Pediatra ao Recém-nascido em 100% das AIH de Partos”; (iv) “cobrança indevida de procedimento não realizado (Histeroscopia Cirúrgica)”; (v) “a unidade cobrou do SUS o procedimento Salpingoplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina), sendo que “a paciente confirma que não realizou o procedimento cirúrgico”; e (vi) “cobrança indevida de pequenas cirurgias não realizadas”. Id. 290797518 – Pág. 13-20. As inúmeras ilicitudes beneficiaram a Policlínica de Santa Maria, atualmente denominada Jose Licoln Sobral Matos – ME, que recebeu por serviços não prestados. Além disso, o réu José Lincoln também foi beneficiado, porquanto recebia pro labore na condição de sócio e diretor administrativo da Policlínica Santa Maria. LIA, Art. 11, §§ 1º e 2º. Ninguém recebe dinheiro por serviços não prestados e cujos pedidos de pagamento são instruídos com documentos constando informações inverídicas, por falta de zelo ou atenção, mas, sim, com a específica intenção “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Ninguém fabrica e usa documentos falsos para obter dinheiro público mediante negligência, imperícia ou imprudência, mas, sim, com o claro objetivo “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Assim sendo, o conjunto das ilicitudes acima resumidas demonstra, de forma clara e convincente, que o pagamento por serviços não prestados decorreu de conduta dolosa com “o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Em consequência, impõe-se a confirmação da condenação dos réus. VI A. A fixação da sanção pela prática de conduta caracterizadora de improbidade administrativa, assim como no Direito Penal, constitui, salvo ilegalidade flagrante, atividade confiada ao juízo da condenação. (STF, HC 67791/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 24/04/1990, DJ 19-02-1993 P. 2035; HC 88284/SC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 24/04/2007, DJe-032 08-06-2007; HC 61178/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER, Primeira Turma, julgado em 16/12/1983, DJ 17-02-1984 P. 1679; RHC 112706, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 18/12/2012, DJe-044 07-03-2013; STJ, HC 425.504/RJ, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017; HC 342.319/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016.) Ainda de forma similar ao direito penal, a fixação da sanção parte do mínimo legal, e, assim, a imposição de pena superior ao mínimo previsto em lei deve ser concreta e racionalmente fundamentada. (TRF 1ª Região, EINACR 2005.35.00.023131-6/GO, Rel. Juíza Federal ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (Convocada), Segunda Seção, e-DJF1 07/04/2008 P. 112; STF, HC 76196/GO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 29/09/1998, DJ de 15/12/2000, p. 62.) No Direito Penal, a lei determina que o juiz deve fixar a pena que seja necessária (qualidade da pena) e suficiente (quantidade da pena) à reprovação e à prevenção do crime. CP, Art. 59, caput. Essa disposição legal consagra a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da pena. (STJ, AgRg no Ag 1276131/PA, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 25/04/2011.) A pena não precisa ser maior do que a necessária e suficiente à reprovação e à prevenção do crime. “O juiz não pode fixar pena em quantidade além da necessária, nem mais do que o suficiente para a reprovação.” (NEY MOURA TELES, Direito penal: parte geral: arts. 1º a 120, volume 1, São Paulo: Atlas, 2004, p. 394.) Assim sendo, os juízes estão autorizados a impor a pena suficiente, mas não maior do que a necessária à consecução dos objetivos visados pela lei. “Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade administrativa e a cominação das penalidades, as quais podem ocorrer de maneira cumulativa, embora não necessariamente. Nesse sentido, os seguintes precedentes [do STJ]: REsp 1.091.420/SP, 1ª Turma, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe de 5.11.2014; AgRg no AREsp 149.487/MS, 2ª Turma, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 29.6.2012.” (STJ, AgInt no REsp 1.611.275/SC, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/3/2018, DJe de 20/3/2018.) Por outro lado, [...] a aplicação cumulativa, parcial ou isolada das sanções arroladas no art. 12 da LIA subordina-se aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim sendo, exigem que o Magistrado, no momento da aplicação das sanções previstas na LIA, à luz do caso concreto, limite-se àquelas estritamente necessárias (razoáveis e proporcionais) para alcançar, com justiça, os fins almejados pela LIA, sendo defeso a ele, pois, a mera aplicação objetiva e automática de sanções em bloco. (PAZZAGLINI FILHO, Mario. Lei de Improbidade Administrativa Comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas – 3ª ed. – São Paulo: Atlas, 2007, p. 156.) No mesmo sentido, esta Corte [c]onsolidou[] o entendimento de que o princípio da proporcionalidade deve servir de baliza na aplicação das penas previstas nos incisos do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, que poderão ser impostas de forma cumulativa, parcial ou isoladamente, conforme as peculiaridades do caso em análise. [...] No que diz respeito à aplicação das sanções pela prática de ato de improbidade, é preciso que haja razoabilidade no momento de se fazer essa correlação entre fato e sanção, para que não se configurem situações absurdas, desarrazoadas, decorrentes da aplicação de sanções exageradas ou ínfimas. (TRF1, AC 0005762-30.2004.4.01.3900/PA, Rel. Desembargador Federal CARLOS OLAVO, Terceira Turma, e-DJF1 p.115 de 10/06/2011.) Dessa forma, “[a]s penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 podem ser aplicadas de forma cumulativa, ou não, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade do ato, a extensão do dano e o benefício patrimonial obtido (REsp 1156564/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 08/09/2010).” (TRF1, AC 00024357120084013307, Desembargadora Federal MONICA SIFUENTES, Terceira Turma, e-DJF1 19/12/2017.) Dessa orientação não discrepa a jurisprudência do STJ. “O Superior Tribunal de Justiça adota orientação segundo a qual é cabível a aplicação isolada ou cumulativa das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, desde que sejam obedecidos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (STJ, REsp 600.734/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 20/02/2018.) “[A]pesar da cumulação das referidas sanções não ser obrigatória, é pacífico no âmbito [do STJ] o entendimento de que, caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas conseqüência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não pode figurar isoladamente como penalidade. [...] Sobre o tema: REsp 1302405/RR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 02/05/2017; AgRg no AREsp 606.352/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 10/02/2016; REsp 1376481/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 22/10/2015; REsp 664.440/MG, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/04/2006, DJ 08/05/2006, p. 175.” (STJ, AgInt no REsp 1611275/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 20/03/2018.) B. Nos termos da LIA, “[i]ndependentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: [...] II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos”. LIA, Art. 12, caput, II. C. O juízo, considerando que o dano ao erário já foi ressarcido, condenou os réus às penas de “PAGAMENTO de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)” e “PROIBIÇÃO de CONTRATAR com o Poder Público, ou receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado”. Id. 290803060 - Pág. 21. D. Na concreta situação de fato dos presentes autos, em que ficaram comprovadas diversas irregularidades no tocante à cobrança de procedimentos não realizados, considero justificada a aplicação das penas: (i) “de multa civil no valor de R$ 5.000,00”; e (ii) de “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de cinco anos.” LIA, Art. 12, caput, II. Em caso semelhante, no qual “ao demandado foi aplicada a sanção de multa civil em quantia equivalente ao dobro da última remuneração do réu, no cargo de Prefeito de Carnaubeira da Penha/PE”, o STJ concluiu pela legitimidade, “[l]evando em consideração que as irregularidades perduraram nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 e o demandado se manteve silente, tampouco apresentando justificativas para a não prestação das contas, demonstrando o desapego ao atendimento das determinações legais, tem-se que as medidas impostas atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser mantidas.” (STJ, AgInt no REsp 1.877.639/PE, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/2/2021, DJe de 1/3/2021.) Na mesma direção, decidindo que é legítima “a imposição da multa civil no importe referente à última remuneração (de um total possível de 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente), a suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos (patamar mínimo previsto no art. 12, III, da LIA) e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por 3 (três) anos (prazo fixo estabelecido na Lei de Improbidade Administrativa)”, por “evidencia[r] que a pena foi fixada dentro de um juízo de proporcionalidade, o que inviabiliza qualquer reproche a ser realizado na via excepcional.” (STJ, AgInt no AREsp 550.344/SP, relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe de 21/2/2019.) Em suma, [n]ão se revela adequada [a redução das penas aplicadas], tendo presente que ‘a ação de improbidade se destina fundamentalmente a aplicar as sanções de caráter punitivo [...] que têm a força pedagógica e intimidadora de inibir a reiteração da conduta ilícita’ (Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, em voto-vista no REsp 664.440/MG, DJU 6/4/2006). [...] Nada obstante, tendo em vista que as consequências do ato ímprobo ficaram restritas aos limites territoriais do Município [respectivo], revela-se desproporcional a aplicação da pena de proibição de contratar com o Poder Público para além das divisas do referido município. Nesse sentido: REsp 1.003.179/RO, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJe 18/8/2008; AgInt no REsp 1.589.661/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 24/3/2017; AgInt no REsp 1.300.198/SP, Min. SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 18/11/2020.” (STJ, AgInt no AREsp 791.744/SP, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe de 25/11/2021.) VI Em consonância com a fundamentação acima, voto pelo parcial provimento das apelações interpostas pelos réus, apenas para excluir a condenação pela prática da conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, I, mantida a condenação pela prática da conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, caput. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0016252-92.2010.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0016252-92.2010.4.01.4000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOSE LINCOLN SOBRAL MATOS e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: UANDERSON FERREIRA DA SILVA - PI5456-A e THIAGO RAMOS SILVA - PI10260-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL EMENTA: Ação de improbidade administrativa. Condenação dos réus pela prática das condutas ímprobas consistentes em: (i) “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; e (ii) “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput, I (na redação original), respectivamente. Pedido improcedente. Superveniência da Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Sentença parcialmente reformada. 1. (A) Nos termos da LIA, “[r]eputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” LIA, Art. 2º, na redação original. Na redação original, a LIA dispunha que “[e]stão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” LIA, Art. 1º, Parágrafo único, na redação original. (B) Segundo o STJ, “[h]ospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa” (STJ, REsp n. 495.933/RS.) (C) Além disso, “[a] situação fático-jurídica da causa não se confunde com a hipótese de apenas o particular responder por ato de improbidade, em que a jurisprudência afirma a ilegitimidade passiva do réu”, mas, sim, de responsabilidade da gestora da pessoa jurídica que recebeu recursos públicos da União no âmbito do SUS. (STJ, AgInt no REsp 1.778.796/MG.) (D) Consequente improcedência da alegação de ilegitimidade passiva e de nulidade por ausência de litisconsórcio necessário. 2. (A) Imputação aos réus da prática das condutas ímprobas consistentes em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput (na redação original). (B) Hipótese em que o juízo condenou o réu pela prática das condutas ímprobas consistentes em: (i) “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; e (ii) “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput, I (na redação original), respectivamente. (C) Consequente inexistência de congruência entre o pedido e a sentença no tocante à condenação relativa à conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, I. (D) A LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” (E) Dispositivos não declarados inconstitucionais pelo STF no julgamento das ADIs 7042 e 7043. (F) Nos termos do Art. 17, §§ 10-C e 10-F, da LIA, na atual redação, é inadmissível a condenação do réu pela prática de conduta ímproba não veiculada na petição inicial. LIA, Art. 10, inciso I. (G) Considerando que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor” ou “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial” (LIA, Art. 17, § 10-C e 10-F, na redação da Lei 14.230, respectivamente), que o juízo não reconheceu a prática das condutas ímprobas descritas na petição inicial, bem como que a parte autora não interpôs recurso visando à prevalência da capitulação por ela descrita, impõe-se a rejeição do pedido. (H) Sentença reformada nesse ponto. 3. (A) Condutas ímprobas consistente em: (i) “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput. (B) Caracterização, no caso. (C) Hipótese em que ficaram comprovada, mediante prova documental não impugnada pelos réus, as seguintes ilicitudes: (i) “[a]pesar de vender internações para a Secretaria Estadual de Saúde, a Policlínica Santa Maria não firmou contrato para prestação desses serviços”; (ii) “no exercício 2009 a Secretaria de Estado da Saúde do Piauí pagou à Policlínica Santa Maria o valor de R$ 139.056,74 (cento e trinta e nove mil; cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), sem licitação e contrato”; (iii) “[c]obrança indevida de Primeira Consulta do Pediatra ao Recém-nascido em 100% das AIH de Partos”; (iv) “cobrança indevida de procedimento não realizado (Histeroscopia Cirúrgica)”; (v) “a unidade cobrou do SUS o procedimento Salpingoplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina), sendo que “a paciente confirma que não realizou o procedimento cirúrgico”; e (vi) “cobrança indevida de pequenas cirurgias não realizadas”. (D) Ninguém recebe dinheiro por serviços não prestados e cujos pedidos de pagamento são instruídos com documentos constando informações inverídicas, por falta de zelo ou atenção, mas, sim, com a específica intenção “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Ninguém fabrica e usa documentos falsos para obter dinheiro público mediante negligência, imperícia ou imprudência, mas, sim, com o claro objetivo “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. (E) Condenação confirmada. 4. (A) Fixação da pena. (B) A fixação da sanção pela prática de conduta caracterizadora de improbidade administrativa, assim como no Direito Penal, constitui, salvo ilegalidade flagrante, atividade confiada ao juízo da condenação. (STF, HC 67791/RJ; RHC 112706; STJ, HC 425.504/RJ; HC 342.319/RJ.) (C) Ainda de forma similar ao direito penal, a fixação da sanção parte do mínimo legal, e, assim, a imposição de pena superior ao mínimo previsto em lei deve ser concreta e racionalmente fundamentada. (TRF 1ª Região, EINACR 2005.35.00.023131-6/GO; STF, HC 76196/GO.) (D) Na concreta situação de fato dos presentes autos, em que ficaram comprovadas diversas irregularidades no tocante à cobrança de procedimentos não realizados, cujo valor já foi devidamente ressarcido, considero justificada a aplicação das penas: (i) “de multa civil no valor de R$ 5.000,00”; e (ii) de “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de cinco anos.” LIA, Art. 12, caput, II. (E) Sentença confirmada. 4. Apelações parcialmente providas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal LEÃO ALVES Relator
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Processo nº 0016252-92.2010.4.01.4000
ID: 309681396
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0016252-92.2010.4.01.4000
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO RAMOS SILVA
OAB/PI XXXXXX
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UANDERSON FERREIRA DA SILVA
OAB/PI XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0016252-92.2010.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0016252-92.2010.4.01.4000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOSE LINCOLN SOBRAL …
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0016252-92.2010.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0016252-92.2010.4.01.4000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOSE LINCOLN SOBRAL MATOS e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: UANDERSON FERREIRA DA SILVA - PI5456-A e THIAGO RAMOS SILVA - PI10260-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL RELATOR(A):LEAO APARECIDO ALVES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0016252-92.2010.4.01.4000 RELATÓRIO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): A União ajuizou a presente ação de improbidade administrativa contra José Lincoln Sobral Matos e Policlínica Santa Maria. A autora imputa aos réus a prática da conduta ímproba consistente em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput (na redação original). Id. 290797558. Após regular instrução, o juízo acolheu em parte o pedido, nos termos do seguinte dispositivo: Com tais considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO e condeno JOSÉ LINCOLN SOBRAL MATOS e POLICLÍNCIA SANTA MARIA, qualificados nos autos, em decorrência da prática da conduta ímproba capitulada no art. 10, inciso I, da Lei n. 8.429/92, passando a fixar-lhe as seguintes sanções com base no art. 12, inciso II, conforme os critérios de razoabilidade/proporcionalidade: Em relação a JOSÉ LINCOLN SOBRAL MATOS: a) RESSARCIMENTO DO DANO- Deixa-se de aplicar a penalidade, em razão de já ter sido realizado o ressarcimento (fls. 197/200); b) PERDA DE BENS OU VALORES - no caso não se verificou a ocorrência de acréscimo patrimonial ilícito; c) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA - no caso não se verificou o exercício de função pública; d) SUSPENSÃO DOS- DIREITOS POLITICOS - não se vislumbra proporcionalidade nem razoabilidade (pertinência) na aplicação da medida; e) PAGAMENTO de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (Cinco mil Reais); f) PROIBIÇÃO de CONTRATAR com o Poder Público, ou. Receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado. Em relação à pessoa jurídica POLICLÍNICA SANTA MARIA: a) RESSARCIMENTO DO DANO - Deixa-se de aplicar a penalidade, em razão de já ter sido realizado o ressarcimento (fls. 197/200); b) PERDA DE BENS OU VALORES - no caso não se verificou a ocorrência de acréscimo patrimonial ilícito; c) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA- inaplicável para pessoa jurídica; d) SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLITICOS - inaplicável para pessoa jurídica; e) PAGAMENTO de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (Cinco mil Reais); f) PROIBIÇÃO de CONTRATAR com o Poder Público, ou receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado. Id. 290803060, grifo suprimido. A ré Policlínica Santa Maria opôs embargos de declaração, formulando o seguinte pedido: Ex-positis, requer-se a este douto juízo que CONHEÇA dos presente Embargos de Declaração, e, no mérito, que lhes dê TOTAL PROVIMENTO, visualizando a CONTRADIÇÃO aqui tratada,reformando-se a decisão embargada, reconhecendo a ilegitimidade passiva dos réus, bem como de consequência a inadequação da via eleita para processar e julgar atos praticados por particulares. Id. 290807021 – Pág. 8-13. A União apresentou contrarrazões. Id. 290807021 – Pág. 18. O juízo rejeitou os embargos de declaração. Id. 290807024. Insatisfeitos, os réus interpuseram apelações. Ids. 290807016 e 290807026. A União apresentou contrarrazões. Id. 290807028. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo não provimento das apelações. Id. 290807030. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0016252-92.2010.4.01.4000 VOTO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): I A. No tocante à prescrição disciplinada no Art. 37, § 5º, da Constituição da República, o STF decidiu que: 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. (STF, RE 852475, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, DJe-058 25-03-2019.) Em consequência, a Corte firmou a seguinte Tese, quanto ao Tema 897 da Repercussão Geral: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) “Segundo a jurisprudência pacífica [do STJ], é plenamente cabível a ação civil pública por improbidade administrativa, para fins exclusivos de ressarcimento ao erário, mesmo nos casos em que se reconhece a prescrição da ação quanto às outras sanções previstas na Lei 8.429/1992.” (STJ, REsp 1304930/AM, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 28/08/2013.) “Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92.” (STJ, REsp 1.899.455/AC, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Primeira Seção, julgado em 22/9/2021, DJe de 13/10/2021. Tema Repetitivo 1089.) Esta Corte também tem decidido que, “[r]econhecida a prescrição quanto as sanções por ato de improbidade, a ação deve prosseguir quanto ao pedido de ressarcimento do dano, que não prescreve, a teor da jurisprudência dominante.” (TRF1, AG 0060004-47.2014.4.01.0000, Desembargador Federal NÉVITON GUEDES, QUARTA TURMA, e-DJF1 04/04/2018.) Em consonância com a decisão final do STF, a pretensão ao ressarcimento ao erário é imprescritível. B. Em 26 de outubro de 2021 entrou em vigor a Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, que modificou substancialmente a LIA. Essas alterações e o impacto delas no julgamento das ações de improbidade administrativa foram examinados pelo STF em recurso extraordinário. Em conclusão, a Corte fixou as seguintes Teses, quanto ao Tema 1199 da repercussão geral: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. (STF, ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, DJe-251 12-12-2022.) Em suma, o STF reconheceu a aplicação aos processos em curso, sem trânsito em julgado, (i) da exigência de dolo específico para todas as condutas tipificadas na LIA; (ii) da revogação da modalidade culposa. O STF somente não reconheceu, expressamente, a aplicação aos processos em curso, do novo regime prescricional. Nesse contexto, é lícito concluir que as demais normas da Lei 14.230, com exceção das que regulam o novo regime prescricional, aplicam-se aos processos em curso. Assim sendo, é improcedente a pretensão do réu ao reconhecimento da prescrição intercorrente na espécie dos autos. Nessa direção, o STJ tem decidido que, “[e]m relação aos pedidos de aplicação da Lei n. 14.230/2021 em recursos que não ultrapassaram o juízo de admissibilidade, a Segunda Turma do STJ, no julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.706.946/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, realizado em 22/11/2022, DJe de 19/12/2022, flexibilizou o seu entendimento ao decidir pela possibilidade de retroação da referida Lei a ato ímprobo culposo não transitado em julgado, ainda que não conhecido o recurso, por força do Tema 1.199/STF.” (STJ, PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/5/2023, DJe de 1/6/2023.) Além disso, “[h]á também precedentes d[a] Corte Superior entendendo ser razoável a devolução dos autos à origem, para realizar o devido juízo de adequação/conformidade, quando ultrapassados os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, mesmo que o recurso não tenha sido conhecido. A propósito, vide: PET no AREsp n. 2.089.705, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 18/4/2023; AREsp n. 2.227.641, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 13/3/2023; AREsp n. 2.227.520, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 10/3/2023; AREsp n. 2.200.846, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 10/3/2023; AgInt no AREsp n. 2.152.903, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 1/3/2023; QO no AREsp n. 1.202.555/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 6/12/2022; EDcl no AgInt no AREsp n. 1.925.259/PI, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 7/10/2022; EDcl no AgInt no REsp n. 1.505.302/RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 6/10/2022; EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.732.009/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 3/10/2022; EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.391.197/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 29/9/2022; EDcl no AgInt no AREsp n. 1.973.740/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 8/9/2022; AgInt no AREsp n. 2.001.126, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 23/9/2022; AgInt no AREsp n. 2.017.645, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 22/9/2022; AgInt no AR Esp n. 1.704.315, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 22/9/2022; AREsp 1.617.716, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 22 /9/2022.” (STJ, PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, supra.) No mesmo sentido, o STF decidiu que, “[n]o julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado.” (STF, RE 1452533 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 08-11-2023, DJe-s/n 21-11-2023.) Assim, por exemplo, “[o] entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado.” (STF, RE 1452533 AgR, supra.) Como bem exposto pelo eminente Ministro ALEXANDRE DE MORAES, “em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente.” (STF, ARE 843989, supra.) Nesse contexto, as inovações previstas na Lei 14.230, salvo em relação ao novo regime prescricional (STF, ARE 843989, supra), podem ser aplicadas aos processos em curso, enquanto não houver trânsito em julgado. Na atual redação, o Art. 11, caput, da LIA, dispõe que “[c]onstitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas”. Em seguida, o legislador descreve nos incisos as condutas que, em conjunção com o caput, caracterizam a prática de ato de improbidade administrativa, por ação ou omissão. Assim sendo, não mais é possível imputar ao réu a prática, isolada, da conduta descrita no Art. 11, caput, da LIA, na redação da Lei 14.230. Nesse sentido, o STJ acolheu embargos de declaração, com efeitos infringentes, acentuando que: “Diante do novo cenário, a condenação com base em genérica violação a princípios administrativos, sem a tipificação das figuras previstas nos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, ou, ainda, quando condenada a parte ré com base nos revogados incisos I e II do mesmo artigo, sem que os fatos tipifiquem uma das novas hipóteses previstas na atual redação do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, remete à abolição da tipicidade da conduta e, assim, à improcedência dos pedidos formulados na inicial.” (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.174.735/PE, relator Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/3/2024, DJe de 8/3/2024.) Assim, as “[a]lterações da Lei nº 8.429/92 pela Lei nº 14.230/21” são aplicáveis “nas ações sem trânsito em julgado.” (STF, Rcl 68309 MC-Ref, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 24-06-2024, DJe-s/n 21-08-2024.) “As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STF, ARE 1414607 AgR-ED, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 02-07-2024; ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, DJe-s/n 06-09-2023. Com o mesmo entendimento supra.) Na mesma direção, o STF decidiu, em embargos de declaração, pela “INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO.” (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, DJe-s/n 06-09-2023.) O eminente Ministro GILMAR MENDES esclareceu que: [...] A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. [...] No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. [...] As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. [...] Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. [...] Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, supra.) No mesmo sentido, o Ministro GILMAR MENDES afirmou, em caso análogo, que [...] a nova legislação alterou prodigiosamente o regramento normativo dos chamados atos de improbidade por condutas atentatórias aos princípios da administração pública (Lei nº 8.429/1992, art. 11). Sem qualquer pretensão de exaustividade, as principais inovações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 para o ato de improbidade administrativa do art. 11 da Lei nº 8.429/1992 podem ser sintetizadas nas seguintes alterações: (i) necessidade do elemento subjetivo doloso para caracterização dos atos de improbidade por condutas atentatórias aos princípios da administração pública, com comprovação do dolo específico de obter proveito ou benefício indevido para o agente público ou terceiro (art. 11, caput e § 1º); (ii) tipificação taxativa dos atos dolosos de improbidade administrativa atentatórios aos princípios da administração pública (art. 11, parte final do caput e incisos III a XII); e (iii) necessidade de lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados para a caracterização do ato de improbidade (art. 11, § 4º). A esse respeito, tenho destacado, em sede doutrinária, que: O caso do art. 11, sobre a violação de princípios da Administração Pública, é simbólico ao se levantar, por exemplo, a possibilidade de algum ato que viole o princípio da legalidade. Essa questão foi abordada pela nova legislação com a retirada do rol exemplificativo do caput, vinculando o processo de subsunção ao enquadramento nas práticas descritas nos incisos do dispositivo. A par desse aspecto, a nova Lei implicou significativa redução do âmbito de incidência dos preceitos proibitivos, sobretudo em virtude da melhor caracterização das condutas, com o emprego de elementos finalísticos qualificadores do ato. Exemplo desse incremento normativo é a nova redação do inciso III do art. 11. Na legislação anterior, constituía ato de improbidade “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo”. Agora, a ação reprovada consiste em “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado”. Como se vê, há inequívoco fechamento do tipo, com a adjetivação aprimorada, de modo que o intérprete obtém na legislação maiores fatores de interpretação e análise da conduta do agente público. Ou seja, não basta que o servidor público quebre o sigilo de determinado fato, mas também que essa conduta resulte em benefício ou coloque em risco a segurança pública. Essa redação qualificada dos tipos dos atos de improbidade ressoa também na melhor definição do elemento subjetivo da conduta. Os parágrafos 1º e 2º do art. 1º da nova Lei de Improbidade afastam a possibilidade de ter-se atos de improbidade culposos e rejeitam que o exame da ação ímproba, sob o ângulo subjetivo, esgote-se na voluntariedade da conduta. (MENDES, Gilmar Ferreira. Supremo Tribunal Federal e Improbidade Administrativa: perspectivas sobre a reforma da Lei 8.429/1992. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CARNEIRO, Rafael de A. Araripe. Nova Lei de Improbidade Administrativa: Inspirações e desafios. Almedina Brasil: São Paulo, 2022. p. 52.) Ou seja, em suma, para que haja condenação por ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (ofensa a princípios da Administração Pública), após as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, há que se demonstrar a prática dolosa de alguma das condutas descritas nos incisos do dispositivo mencionado e que essa conduta seja lesiva ao bem jurídico tutelado, sendo que tal lesão não necessita da comprovação de enriquecimento ilícito ou do dano ao erário. No julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199) (Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022), o Plenário do Supremo Tribunal Federal defrontou-se com a questão relativa à eventual retroatividade da Lei nº 14.230/2021 a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigência, apreciando a questão, em especial, no que tange à “necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa” e à “aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente”. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes diretrizes quanto à retroatividade das inovações: (1) que é necessária a comprovação da presença do elemento subjetivo “dolo” para a tipificação dos atos de improbidade administrativa; (2) que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada e à processos de execução das penas e seus incidentes; (3) que a Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (4) e que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Definiu-se, portanto, como regra, a irretroatividade da Lei nº 14.230/2021, ressalvados os processos em que não tenha havido condenação transitada em julgado. Dito com outras palavras, admitiu-se a aplicação das novas disposições da Lei nº 8.429/1992 aos processos em curso, ou seja, no bojo dos quais ainda não tenha sido formada a coisa julgada quanto à condenação pelo ato de improbidade. Diga-se que, ainda que tal precedente tenha debatido a retroatividade da Lei nº 14.230/2021 à luz das alterações referentes ao elemento subjetivo e ao prazo prescricional, nota-se uma importante diretriz fixada no julgamento e do qual a presente decisão não pode se afastar, qual seja, a de que as novas disposições da Lei nº 8.429/1992 apenas não interferem nas decisões condenatórias protegidas sob o manto da coisa julgada. Lado outro, não há qualquer impedimento para que eventuais sentenças cujos recursos contra elas interpostos ainda se encontrem pendentes de julgamento sejam afetadas pelas alterações. Nesse sentido, colho os seguintes precedentes: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. III – Agravo improvido. (RE 1452533 AgR, Rel. Min. CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 08-11-2023) EMENTA: AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À TESE VINCULANTE FIXADA NO JULGAMENTO DO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 843.989 – TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 988, § 5º, II, DO CPC. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (Rcl 60429 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 27-11-2023) Tenho, portanto, que a ratio decidendi do ARE 843989 (Tema 1.199) quanto à incidência imediata das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 aos processos em curso conduz à conclusão de que as novas disposições da Lei 8.429/1992 são plenamente aplicáveis ao caso concreto. Ato contínuo, conclui-se que a redação do art. 11, que antes permitia a condenação por ato de improbidade com fundamento unicamente no caput do dispositivo, deve incidir imediatamente neste processo, com a redação atual, que não mais permite a condenação meramente por ofensa aos princípios da Administração Pública, sem restar devidamente demonstrada a prática de alguma das condutas descritas nos seus incisos. Da mesma forma, a condenação com base no art. 11, I, da LIA, que restou revogado pela Lei nº 14.230/2021 deve ser afastada. Observo, por fim, que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, à exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput e inciso I do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992. Nesse cenário, considerada a aplicabilidade imediata da Lei 14.230/2021 ao caso concreto e a abolição, pela nova legislação, do ato de improbidade administrativa por mera violação dos princípios da Administração Pública com fundamento no caput do art. 11, bem como na revogação de seu inciso I, da Lei 8.429/1992, constata-se a impossibilidade jurídica de manutenção da condenação ratificada pelo acórdão recorrido, impondo-se a sua reforma. (STF, ARE 1095911/SP, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 19/12/2023, DJe-s/n 08/01/2024.) Noutro julgado, em caso envolvendo essa questão, o Ministro GILMAR MENDES acrescentou que: Em suma, após as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, para que haja condenação por ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (ofensa a princípios da Administração Pública), há que se demonstrar a prática dolosa de alguma das condutas descritas nos incisos do dispositivo mencionado e que essa conduta seja lesiva ao bem jurídico tutelado. No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) (Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022), o Plenário do Supremo Tribunal Federal defrontou-se com a questão relativa à eventual retroatividade da Lei nº 14.230/2021 a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigência, apreciando a questão, em especial, sob a perspectiva da necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes diretrizes quanto à retroatividade das inovações: (1) que é necessária a comprovação da presença do elemento subjetivo “dolo” para a tipificação dos atos de improbidade administrativa; (2) que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada e à processos de execução das penas e seus incidentes; (3) que a Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (4) e que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Como se vê, embora tenha sido afirmada a irretroatividade da extinção da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, a Corte estabeleceu exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. No particular, a tese de julgamento restou assim redigida: “A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.” (ARE 843.989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022) Definiu-se, portanto, como regra, a irretroatividade da Lei nº 14.230/2021, ressalvados os processos em que não tenha havido condenação transitada em julgado. Dito com outras palavras, admitiu-se a aplicação das novas disposições da Lei nº 8.429/1992 aos processos em curso nos quais ainda não tenha sido formada a coisa julgada quanto à condenação pelo ato de improbidade. Ainda que tal precedente tenha debatido a retroatividade da Lei nº 14.230/2021 à luz das alterações referentes ao elemento subjetivo e ao prazo prescricional, a diretriz fixada no julgamento quanto à incidência imediata das novas disposições da Lei nº 8.429/1992 aos processos em que ainda não tenha ocorrido o trânsito em julgado é plenamente aplicável a casos em que não necessariamente esteja em discussão o elemento subjetivo da imputação, haja vista não ter sido essa a única alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021. Acrescente-se a isso a necessidade, que destaquei no voto em que proferi no julgamento do ARE 843.989/PR, de se conferir aos atos de improbidade administrativa tratamento similar àqueles da seara criminal, sobretudo quando em jogo garantias constitucionais. Entendo que diante da proximidade dos regimes jurídicos de combate a atos de improbidade administrativa e de persecução criminal, com sanções de grau similar de gravidade, impõe-se a incidência da garantia da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica. Não é novidade que o cuidado com o patrimônio público ocupou espaço preferencial no projeto constitucional de 1988. A moralidade administrativa foi expressamente alçada ao patamar de princípio da Administração Pública (CF, art. 37), e, dessa norma, floresceram, no próprio texto constitucional, as bases de novo e autônomo sistema de responsabilização cível de agentes públicos e privados cujas condutas atentam contra a probidade. Os contornos constitucionais desse sistema evidenciam o rigor do Constituinte com os atos de improbidade administrativa, no que estabelece que importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (CF, art. 37, § 4º). Ademais, como reforço na proteção da probidade administrativa, sob o ângulo da higidez do erário, o § 5º do art. 37 da Constituição previu igualmente a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário. O texto constitucional emitiu ao legislador, portanto, diversos comandos para edificação de grave e abrangente regime de responsabilização de agentes responsáveis por condutas ímprobas, fora da seara penal. Este ponto é importante para compreensão da abordagem proposta. É inequívoco que a ação de improbidade administrativa não se desdobra no âmbito penal, bem como que há uma relativa independência entre as esferas, nos termos da parte final do § 4º do art. 37 da Constituição. Trata-se de responsabilidade formada na seara cível, fora do processo penal. Disso não resulta, porém, que a questão esteja definitivamente resolvida, com a solução das controvérsias da ação de improbidade administrativa mediante a mera transposição de conceitos e princípios do direito civil. Isso porque o caráter sancionatório e o severo conjunto de responsabilidades atrelado ao regime de improbidade coloca-o em zona de inequívoca interface entre diferentes regimes de direito público. Nesse sentido, a questão da retroatividade das inovações inseridas pela Lei nº 14.230/2021 relaciona-se profundamente com a natureza das normas de improbidade administrativa, ora agregadas à principiologia do direito penal, ora dele apartadas, com a incidência de regras do direito administrativo sancionador ou, quando menos, do próprio direito civil. Reservadas as devidas vênias, não comungo do entendimento daqueles que posicionam os atos de improbidade administrativa exclusivamente no âmbito do direito civil, negligenciando o seu inequívoco caráter sancionador, bem como a profunda conexão entre o direito sancionador e o direito penal. Conforme fiz ver no julgamento da Rcl 41.557/SP (DJe de 10/03/2021), a relação entre direito penal e direito administrativo sancionador revela um nódulo problemático do sistema penal com o qual a doutrina especializada vem se ocupando desde o início do século XX, quase coincidindo com o desenvolvimento da própria dogmática jurídicopenal moderna. O ponto central de tensão, para além de traçar uma diferenciação formal e material entre o ilícito penal e o ilícito administrativo — algo que foi objeto de preocupação da doutrina desde a publicação de Das Verwaltungsstrafrecht, por Goldschmidt, em 1902 — é a limitação do jus puniendi estatal por meio do reconhecimento (1) da proximidade entre as diferentes esferas normativas e (2) da extensão de garantias individuais tipicamente penais para o espaço do direito administrativo sancionador. Nessa linha, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) estabelece, a partir do paradigmático caso Oztürk, em 1984, um conceito amplo de direito penal, que reconhece o direito administrativo sancionador como “autêntico subsistema” da ordem jurídico-penal. A partir disso, determinados princípios jurídico-penais se estenderiam para o âmbito do direito administrativo sancionador, que pertenceria ao sistema penal em sentido lato. (OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador. 2012, p. 128). Acerca disso, afirma a doutrina que: “A unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador. As mínimas garantias devem ser: legalidade, proporcionalidade, presunção de inocência e ne bis in idem.” (OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador. 2012. p. 241) A assunção desse pressuposto pelo intérprete, principalmente no tocante ao princípio do ne bis in idem, resulta na compreensão, como será observado, que tais princípios devem ser aplicados não somente dentro dos subsistemas mas também e principalmente na relação que se coloca entre os subsistemas. Reforçando a linha de fundamentação aqui construída, a professora e pesquisadora Helena Lobo da Costa, em monografia por meio da qual recebeu o título de Livre Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, destaca que a interpretação no sentido da independência absoluta entre o direito penal e o direito administrativo sancionador revela um equívoco metodológico, que alcança sérios problemas práticos: “Em nossa doutrina e, especialmente, em nossa jurisprudência prevalece ainda o paradigma de ‘independência entre as instâncias’, que além de não apresentar fundamentação científica convincente, gera diversos resultados paradoxais. Além disso, constrói um modelo que pouco se coaduna com a ideia de unidade da ordem jurídica, como um sistema jurídico estruturado e dotado de racionalidade interna. O ordenamento jurídico não pode ser tido como um conjunto desconexo de normas jurídicas, submetidas somente ao princípio da hierarquia. (...) Portanto, a ideia de independência entre as instâncias apresenta diversas inconsistências, não podendo ser abraçada como dogma inquestionável, bem ao contrário.” (LOBO DA COSTA, Helena. Direito Penal Econômico e Direito Administrativo Sancionador. 2013. pp. 119 e 222) Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais pátrios têm se inclinado pela aplicabilidade dos direitos e garantias constitucionais de cunho marcadamente penal, no que se refere à interpretação de normas jurídicas sucessivas que relevem ou minorem sanções a pessoas físicas e jurídicas (incluindo as de direito público) – direito sancionatório estatal. Ressalto que as sanções prescritas aos atos de improbidade são graves e em grande parte equiparadas àquelas atreladas à prática de crime comum, conforme evidenciado pelo próprio art. 15 da Constituição, que em seu inciso III atribui à condenação criminal transitada em julgado a mesma consequência, no tocante aos direitos políticos, daquela atribuída às condutas ímprobas. Essa penalidade de suspensão dos direitos políticos também está presente no sistema de responsabilidade político-administrativa de agentes políticos, os denominados crimes de responsabilidade. Basta observar que o Presidente da República, se condenado pelo Senado Federal em processo de impeachment, pode ser inabilitado para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos (CF, art. 52, parágrafo único). Também os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República estão sujeitos à inabilitação para o exercício de qualquer função pública, em virtude da prática de crime de responsabilidade, por força do art. 2º da Lei 1.079/1950. No que concerne à sanção de perda do cargo ou função pública, novamente os sistemas penal, de improbidade administrativa e de crimes de responsabilidade mostram-se coincidentes. Todos preveem a possibilidade de condenação do imputado a essa drástica penalidade. Tudo isso para pontificar que, a meu ver, não há como cindir de forma absoluta o tratamento conferido aos atos de improbidade administrativa daquele próprio à seara criminal, sobretudo quando em jogo as garantias processuais. A retroatividade da norma penal mais benéfica ao réu consubstancia direito fundamental e, como tal, não comporta interpretação restritiva, na esteira do entendimento consolidado desta Corte. É dizer, se há identidade de substratos fáticos para incidência do direito – do que não se tem dúvida pelo exposto até aqui –, descabe articular com leitura textual limitadora da eficácia normativa de direito fundamental (SCHLINK, Bernhard; PIEROTH, Bodo. Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 76-77). A bem da verdade, a própria Lei nº 14.230/2021 afirmou o caráter sancionatório da norma, apartando-a definitivamente das ações civis, tanto em relação à principiologia quanto no que concerne à finalidade dos institutos: “Art. 1º (...) § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Diante da incidência do poder punitivo estatal, que se apresenta único, quando considerados o direito penal e os atos de improbidade, em relação às sanções aplicadas e ao próprio conteúdo das condutas, é imperiosa a aplicação dos direitos e garantias fundamentais pertinentes, independentemente de sua natureza penal. Assim dispõe, no campo convencional, o art. 9º do Pacto de San Jose da Costa Rica, cujo âmbito de incidência material recai sobre normas sancionadoras extrapenais em geral, preconizando a retroatividade da norma sancionadora mais benéfica: “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado.” [...] Nesse diapasão, Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch e Guilherme Pupe da Nóbrega advertem que o dispositivo da Convenção Americana, ao replicar o princípio da retroatividade da lei benigna, não o cingiu à norma penal, de modo que, sabido ostentar a referida convenção status supralegal, sua dicção, sozinha, já haveria de se sobrepor à legislação infraconstitucional, particularmente no que concerne à interpretação sobre a extensão dos efeitos de alterações positivas (MUDROVITSCH, Rodrigo Bittencourt; NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Lei de improbidade administrativa comentada: de acordo com a reforma pela lei n. 14.230/2021. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 24). Assim, considerada a proximidade ontológica dos regimes jurídicos de combate a atos de improbidade administrativa e de persecução criminal, com sanções de grau similar de gravidade, impõe-se, a meu ver, a incidência da garantia da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica. Ressalto que essa diretriz hermenêutica ora proposta tem sido acolhida por esta Suprema Corte. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: “SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE INTELIGÊNCIA DO ARE 843.989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, a exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido.” (ARE 1.346.594AgR-segundo/SP, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 31.10.2023) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. III – Agravo improvido.” (RE 1.452.533-AgR/SC, Rel. Min. Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe 21.11.2023) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI N. 8.429/1982. ALTERAÇÃO PELA LEI N. 14.230/2021. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” (ARE 1.457.770-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, pendente de publicação) (STF, Rcl 64629 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13-05-2024, DJe-s/n 26-06-2024.) De acordo com o princípio da unidade do injusto (ou critério unitário do injusto), às infrações administrativas devem ser aplicados os critérios do direito penal e do direito processual penal. “A doutrina salienta que não há diferença ontológica ou qualitativa entre o ilícito penal comum, o administrativo, civil ou tributário.” (MISABEL DERZI, Direito Tributário Atual, Forense, 1999, p. 228.) “Inexiste distinção ontológica, mormente no campo da heterotutela, entre infração penal e infração administrativa, logo, comunicam-se à sanção administrativa os critérios do direito penal e do direito processual penal.” (TRF 1ª Região, AMS 1999.01.00.037217-6/MG, Rel. Desembargador Federal JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA, DJ de 25/10/2002 P.144.) No mesmo sentido: TRF1, AC 0002391-69.2006.4.01.4100, Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES (Conv.), QUINTA TURMA, e-DJF1 20/04/2016. Como decidido pelo STF, “[a] Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11) e que provocam prejuízo ao erário (Lei 8.249/1992, art. 10) promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal; e excluindo a modalidade culposa do ato descrito no art. 10. [...] No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. [...] As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 aos arts. 10 e 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STF, ARE 1318242 AgR-EDv, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 13-06-2024.) No mesmo sentido, o STJ tem decidido que: “Na linha de entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e por este Tribunal Superior, à vista da tese vinculante firmada no julgamento do Tema n. 1.199 da repercussão geral, não sendo possível o eventual reenquadramento típico da conduta ilícita, a atual redação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 aplica-se aos atos de improbidade administrativa decorrentes da violação aos princípios administrativos praticados na vigência do texto anterior, sem condenação transitada em julgado.” (STJ, EDcl no AgInt no REsp 1.991.321/BA, relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.) “A Suprema Corte, [...] pelas suas duas Turmas e pelo Plenário, ampliou a aplicação da referida tese, compreendendo que também as alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 no art. 11 da Lei n. 8.249/1992 aplicar-se-iam aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STJ, AgInt no AREsp 2.197.290/SP, relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/4/2024, DJe de 2/5/2024.) Assim sendo, a retroatividade da Lei 14.230, em favor do réu, não está restrita apenas às condutas culposas. A retroatividade também opera em caso de “abolição da tipicidade da conduta”, acarretando a “improcedência dos pedidos formulados na inicial.” (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.174.735/PE, supra.) C. Nos termos do § 3º do Art. 16 da LIA, na redação da Lei 14.230, “[o]pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.” Assim sendo, esse dispositivo legal é aplicável ao presente caso. A exigência da presença dos tradicionais requisitos do fumus boni iuris, consistente na “probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução”, e do periculum in mora, identificado no “perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”, o legislador afastou, expressamente, a possibilidade jurídica do reconhecimento do periculum in mora presumido, afirmado na jurisprudência do STJ à luz da redação original da LIA. (STJ, REsp 1.366.721/BA, relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, relator para acórdão Ministro OG FERNANDES, Primeira Seção, julgado em 26/2/2014, DJe de 19/9/2014. Tema Repetitivo 701.) LIA, Art. 16, § 6º. Na realidade, a LIA, na redação dada pela Lei 14.230, aboliu as presunções contra o réu na ação de improbidade administrativa. No Art. 16, § 4º, a LIA determina que “[a] indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.” No Art. 17-C, I, a LIA dispõe que “[a] sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015”, dentre outros, “indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos”. No Art. 17, § 19, I, a LIA dispõe que “[n]ão se aplicam na ação de improbidade administrativa”, dentre outros, “a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia”. Assim sendo, a presunção de veracidade dos atos administrativos é inaplicável à ação de improbidade administrativa quando for prejudicial ao réu. Essa presunção somente é admissível quando for favorável ao réu. Nessa direção, o STJ concluiu, recentemente, que “[a]demonstração do requisito da urgência para a indisponibilidade de bens, prevista no art. 16 da Lei de Improbidade Administrativa (com a redação dada pela Lei n. 14.230/2021), tem aplicação imediata ao processo em curso dado o caráter processual da medida.” (STJ, AREsp 2.272.508/RN, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.) (Apud: Informativo STJ 800.) “A nova redação da Lei n. 8.429/1992, dada pela Lei n. 14.230/2021, passou a exigir a demonstração do requisito da urgência, além da plausibilidade do direito invocado, para o deferimento da indisponibilidade de bens em sede de ação de improbidade administrativa. [...] Por possuir natureza de tutela provisória de urgência cautelar, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo, a decisão de indisponibilidade de bens reveste-se de caráter processual, de modo que, por força do art. 14 do CPC/2015, a norma mencionada deve ter aplicação imediata ao processo em curso.” (STJ, AgInt no AREsp 2.272.508/RN, relator Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 21/3/2024.) Na mesma direção, o STF decidiu que “[a]s alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 16, § 3º, da Lei 8.249/1992, aplicam-se aos processos em que houve o deferimento da indisponibilidade de bens na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. [...] Tendo em vista que (i) a indisponibilidade de bens é ato precário passível de revisão se modificados os elementos fáticos e jurídicos que fundamentaram o deferimento da medida; que (ii) no caso houve profunda alteração nos requisitos para a decretação da indisponibilidade, com a exigência da demonstração do perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo; e que (iii) não houve quebra nas regras que garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico, posto que jamais houvera a expectativa legítima na manutenção da indisponibilidade de bens indefinidamente no tempo, conclui-se que o acórdão impugnado não destoa da jurisprudência firmada por esta Corte.” (STF, ARE 1462586 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 23-05-2024.) Nesse contexto, não mais prevalecem, em matéria de improbidade administrativa, o dano presumido ou in re ipsa. Assim sendo, é inadmissível a presunção de dano ou de prejuízo ao erário. Todo dano e todo prejuízo deve ser concretamente provado, mediante prova substancial, idônea e inequívoca. II A. “Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que ‘a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10º (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014.” (STJ, AgRg no AREsp 494.124/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, julgado em 04/05/2017, DJe 09/05/2017.) Essa, também, é a firme orientação desta Corte. Assim, “[p]ara a configuração do ato de improbidade não basta a presença de uma das hipóteses elencadas na Lei 8.429/92, sendo imperiosa a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa grave, nas hipóteses do art. 10, de sorte que a improbidade administrativa não se caracteriza por meio de responsabilização objetiva dos agentes públicos (MS 16385/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, DJe de 13/06/2012).” (TRF1, AC 00057561320094013200, Desembargadora Federal MONICA SIFUENTES, Terceira Turma, e-DJF1 11/12/2017.) Assim, “[a]s condutas que configuram improbidade administrativa, descritas nos arts. 9º (que importam enriquecimento ilícito); 10 (que causam prejuízos ao erário); e 11 (que atentam contra os princípios da administração pública) da Lei 8.429/92, imprescindem da prova do elemento subjetivo do agente (dolo, má-fé, má-intenção), admitindo-se a modalidade culposa somente nos casos de atos que acarretem lesão ao erário”. (TRF1, AC 0009473-08.2006.4.01.3307/BA, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Segunda Seção, e-DJF1 p. 410 de 03/11/2014.) Na mesma direção: TRF1, AC 0008899-95.2010.4.01.3904/PA, Rel. Juiz Federal PABLO ZUNIGA DOURADO (Conv.), QUARTA TURMA, e-DJF1 p. 212 de 21/11/2014; AC 0011894-11.2010.4.01.3701/MA, Rel. Desembargador Federal CATÃO ALVES, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p. 97 de 02/08/2013; AC 200637000002325, Rel. Juíza Federal CLEMENCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (Conv.), QUARTA TURMA, e-DJF1 30/07/2013. Em suma, “[a] má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.” (STJ, REsp 1009953/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/03/2008, DJe 23/10/2008.) “A responsabilidade do servidor público por ato de improbidade, no caso de dano ao erário (art. 10 da Lei nº 8.429/1992), tem natureza jurídica subjetiva, exigindo, assim, a demonstração de dolo ou de culpa na sua conduta.” (TRF 1ª Região, AC 0000620-95.2006.4.01.3602/MT, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES (Conv.), Terceira Turma, DJ p. 37 de 05/10/2007.) “A responsabilidade no campo da improbidade administrativa é eminentemente subjetiva.” (TRF 1ª Região, AC 0008365-54.2010.4.01.3904/PA, Rel. Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Terceira Turma, e-DJF1 p.31 de 20/03/2015.) “O dever de reparar o dano causado à Administração pelo servidor exige a comprovação de o agente público ter agido com dolo ou culpa, por tratar-se de responsabilidade subjetiva. E a recomposição do prejuízo ao Erário deverá ser postulada pelo ente público mediante ação judicial, não decorrendo somente dos princípios da autotutela e da autoexecutoriedade do ato administrativo.” (TRF 1ª Região, AC 0019692-51.2009.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal HENRIQUE GOUVEIA DA CUNHA (Conv.), Segunda Turma, e-DJF1 p.1916 de 09/05/2014.) Na mesma direção, o STJ concluiu que “é assente a compreensão de que a obrigação de reparar o dano causado à Administração pelo servidor exige a comprovação de o agente público ter agido com dolo ou culpa, por tratar-se de responsabilidade subjetiva. Após essa comprovação, o ressarcimento ao Erário deverá ser buscado pelo ente público mediante ação judicial, não podendo decorrer somente dos princípios da autotutela e autoexecutoriedade.” (STJ, RMS 18.780/RS, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 11/06/2012.) Assim, a responsabilidade pela prática de ato de improbidade administrativa é subjetiva, e, não objetiva. Por outro lado, para a imposição do dever de indenizar, nos casos de responsabilidade objetiva ou subjetiva, é necessária a existência do nexo de causalidade, em relação direta e imediata, entre o dano e a ação ou a omissão do agente. (Código Civil de 1916, Art. 1.060.) O Supremo Tribunal Federal proclamou que, em nosso sistema jurídico, a teoria adotada, quanto ao nexo de causalidade, é a teoria do dano direto e imediato, como resulta do disposto no Art. 1.060 do Código Civil de 1916, e, atualmente, do Art. 403 do Código Civil de 2002. Em seu voto, salientou o eminente Relator: A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. [...] Ora, em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada (cfe. WILSON DE MELO DA SILVA, Responsabilidade sem culpa, nºs 78 e 79, os. 128 e segs., Editora Saraiva, São Paulo, 1974). Essa teoria, como bem demonstra AGOSTINHO ALVIM (Da inexecução das obrigações, 5ª ed., nº 226, pág. 370, Editora Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer AGOSTINHO ALVIM (l.c.): “os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis.” (STF, RE 130.764/PR, Relator(a) MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 12/05/1992, DJ 07-08-1992, P. 11782, RTJ 143/270.) Esse acórdão foi objeto de ação rescisória, cujo pedido foi julgado improcedente, vencido apenas o eminente Ministro MARCO AURÉLIO. (STF, AR 1376/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Revisor Min. CEZAR PELUSO, julgado em 09/11/2005, Tribunal Pleno, DJ 22-09-2006 P. 28.) No mesmo sentido: STF, RE 172.025/RJ, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, julgado em 08/10/1996, Primeira Turma, DJ 19-12-1996, P. 51791; RE 220.999/PE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. Acórdão Min. NELSON JOBIM, julgado em 25/04/2000, Segunda Turma, DJ 24-11-2000, P. 10462, RTJ 175/1169; RE 369820/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 04/11/2003, Segunda Turma, DJ 27-02-2004 P. 38; STJ, REsp 845.424/DF, Rel. Min. DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.10.2006, DJ 07.11.2006 p. 267. Em suma, a teoria do dano direto e imediato “só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva.” (STF, RE 130.764/PR, supra.) B. Na atualidade, o Art. 1º, e seus §§ 1º, 2º, 3º, e 4º, da LIA, na redação dada pela Lei 14.230, reforçaram ainda mais as conclusões acima expostas, ao prescreverem o seguinte: § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. LIA, Art. 1º, §§ 1º, 2º, 3º, e 4º. Diante da necessidade da “comprovação de ato doloso com fim ilícito” para o reconhecimento da “responsabilidade por ato de improbidade administrativa” (LIA, Art. 1º, § 3º), é necessária a prova da presença do dolo específico na conduta do réu. Como decidido pelo STF, “[c]onforme a redação atual do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.429, de 1992, é necessário o dolo específico da atuação do agente público, sendo insuficiente a mera voluntariedade no mister usual das competências públicas.” (STF, ARE 1498230 AgR, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Segunda Turma, julgado em 09-09-2024, DJe-s/n 25-09-2024.) “A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11) e que provocam prejuízo ao erário (Lei 8.249/1992, art. 10) promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal; e excluindo a modalidade culposa do ato descrito no art. 10. [...] No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. [...] As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 aos arts. 10 e 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.” (STF, ARE 1318242 AgR-EDv, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07-05-2024, DJe-s/n 13-06-2024.) Nesse contexto, a aplicação imediata da Lei 14.230 para fazer incidir a exigência de dolo específico não implica ofensa ao devido processo legal. CR, Art. 5º, LIV. A condenação do acusado ou da acusada, no processo criminal, demanda a produção, pelo órgão da acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido”. (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19/12/1996, P. 51766; HC 92435/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe-197 17-10-2008, respectivamente.) No processo civil, segundo lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “[c]onsidera-se cumprido o onus probandi quando a instrução processual houver chegado à demonstração razoável da existência do fato, sem os extremos da exigência de uma certeza absoluta que muito dificilmente se atingirá.” (TRE/GO, Investigação Judicial nº 38174, Acórdão nº 15000/2014 de 02/09/2014, Rel. SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, DJ 04/09/2014, pp. 4-5.) Por outro lado, e, considerando que “[a]plicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador” (LIA, Art. 1º, § 4º), a prova necessária à condenação deve ser substancial, clara e convincente, mas, não, em nível acima de dúvida razoável. Prova substancial, como já registrou, com inteira propriedade, a Suprema Corte dos Estados Unidos, é aquela que é mais do que uma mera centelha, e significa prova cuja relevância uma mente razoável pode aceitar como adequada para fundamentar determinada conclusão. “[S]ubstantial evidence is more than a mere scintilla. It means such relevant evidence as a reasonable mind might accept as adequate to support a conclusion.” Universal Camera Corp. v. NLRB, 340 U. S. 474, 477 (1951). Com base nesses parâmetros, passo ao exame do presente caso. III – Preliminar de ilegitimidade passiva e nulidade por ausência de litisconsórcio passivo necessário do agente público A. O réu José Lincoln pleiteia a extinção do processo por ilegitimidade passiva e a nulidade por ausência de litisconsórcio passivo necessário sob o argumento de que “não houve a presença de um Agente Público nos atos imputados ao réu, não podendo o mesmo figurar no polo passivo da presente demanda, sendo este parte ilegítima”. Id. 290807016. Do mesmo modo, a ré Policlínica Santa Maria, atualmente denominada José Lincoln Sobral Matos – ME, defende sua ilegitimidade passiva “ante a ausência de agentes público” e argui nulidade em virtude da “ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário”. Id. 290807026. B. Nos termos da LIA, “[r]eputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” LIA, Art. 2º, na redação original. Na redação original, a LIA dispunha que “[e]stão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” LIA, Art. 1º, Parágrafo único, na redação original. Na espécie, a Policlínica Santa Maria, gerida à época pelo réu José Lincoln, enquadra-se na definição de “entidade que receba subvenção [...] de órgão público”, porquanto recebeu recursos da União no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). LIA, Art. 1º, Parágrafo único, na redação original. Como decidido pelo STJ, “[o] médico particular remunerado com verbas repassadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o fornecimento de exames equipara-se a agente público na ação de improbidade administrativa, exercendo função pública delegada. Nesse sentido: REsp n. 495.933/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16/3/2004, DJ de 19/4/2004.” (STJ, AgInt no REsp 1.778.796/MG, relator Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/4/2022, DJe de 26/4/2022.) “A Lei de Improbidade também possibilita a responsabilização dos terceiros por equiparação. Nos termos do artigo 1º c/c artigo 2º da Lei n. 8429/1992, na qualidade de representantes legais de quatro sociedades que receberam recursos públicos provenientes da Secretaria de Estado de Saúde, os ora recorrentes se equiparam aos agentes públicos e estão sujeitos, portanto, à Lei de Improbidade Administrativa.” (STJ, AgInt no AREsp 1.113.260/RJ, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/8/2018, DJe de 27/8/2018.) No mesmo sentido, explicando que “os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não são apenas os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, conforme os artigos 1º, parágrafo único, e 2º, da Lei 8.429/92. Nesse sentido: AgRg no REsp 1196801/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 26/08/2014, MS 21.042/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 17/12/2015, E REsp 1081098/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 03/09/2009.” (STJ, REsp 1.357.235/PA, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe de 30/11/2016.) Em suma, “[s]ão sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429/92. [...] Deveras, a Lei Federal nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327).” (STJ, REsp 495.933/RS, relator Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/3/2004, DJ de 19/4/2004, p. 155.) Dessa forma, “[h]ospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa.” (STJ, REsp 495.933/RS, supra.) Assim, “[h]ospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa” (STJ, REsp n. 495.933/RS, relator Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ de 19/4/2004, p. 155.). Além disso, “[a] situação fático-jurídica da causa não se confunde com a hipótese de apenas o particular responder por ato de improbidade, em que a jurisprudência afirma a ilegitimidade passiva do réu”, mas, sim, de responsabilidade da gestora da pessoa jurídica que recebeu recursos públicos da União no âmbito do SUS. (STJ, AgInt no REsp 1.778.796/MG, supra.) Desse modo, à vista da fundamentação supra, não há se falar em ilegitimidade passiva e em nulidade por ausência de litisconsórcio necessário. IV - LIA, Art. 10, inciso I A. Como registrado acima, a autora imputou aos réus a prática da conduta ímproba consistente em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput (na redação original). Id. 290797558. O juízo condenou o réu pela prática da conduta ímproba consistente em “facilitar ou concorrer, por qualquer forma para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, I (na redação original). Id. 290803060. Nesse contexto, inexiste congruência entre o pedido e a sentença no tocante à condenação relativa à conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, I. B. Como visto acima, as inovações previstas na Lei 14.230, salvo em relação ao novo regime prescricional (STF, ARE 843989, supra), podem ser aplicadas aos processos em curso, enquanto não houver trânsito em julgado. A LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade, o STF acolheu, em parte, os pedidos nelas formulados “para (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não []existe “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo, porém, a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica; (c) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021. Em consequência, declara-se a constitucionalidade: (a) do § 14 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art. 4º, X, da Lei 14.230/2021.” (STF, ADIs 7042 e 7043, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 31-08-2022, DJe-s/n 28-02-2023.) Dessa forma, vige, por ora, o Art. 17, § 10-F, da LIA. Em suma, a LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043, supra), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” O Ministro ALEXANDRE DE MORAES, na qualidade de relator, no início do julgamento do mérito da ADI 7236, votou no sentido de “conhec[er] parcialmente da [...] ação direta de inconstitucionalidade e julga[r] parcialmente procedente, nos seguintes termos (artigos da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021): i) declarar prejudicados os pedidos referentes ao artigo 1º, §§ 1º, 2º e 3º, e ao artigo 10, da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; ii) julgar inconstitucionais o artigo 1º, § 8º; o artigo 12, §§ 1º, 4º e 10; o artigo 17, § 10-D, e o artigo 17-B, § 3º; iii) declarar a parcial nulidade com redução de texto do art. 17, § 10-C, excluindo a expressão ‘e a capitulação legal apresentada pelo autor’; iv) julgar parcialmente procedente o pedido para dar interpretação conforme ao art. 17, § 10-F, inc. I, no sentido de que será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial, desde que não tenha tido a possibilidade de ampla defesa, observado o parágrafo 10-C; v) declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do art. 21, § 4º, da referida Lei, no sentido de que a absolvição criminal, em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, somente impede o trâmite da ação de improbidade administrativa nas hipóteses dos arts. 65 (sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito); 386, I (estar provada a inexistência do fato); e 386, IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), todos do Código de Processo Penal; vi) declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do artigo 23-C da referida Lei, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa; vii) declarar a parcial nulidade com redução de texto do artigo 23, § 5º, excluindo a expressão ‘pela metade do prazo previsto no caput deste artigo’; e viii) julgar improcedente a presente ação em relação ao artigo 11, caput, e revogação dos incisos I e II, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, declarando-os constitucionais”. (STF, ADI 7236/DF, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Plenário, 16/05/2024.) Prosseguindo no julgamento o Ministro GILMAR MENDES divergiu parcialmente do Relator, “conhecendo da presente ação direta e julgando-a parcialmente procedente para: (i) declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e’, contida no § 1º do art. 12 da Lei 8.429/1992, na redação que lhe foi dada pela Lei 14.230/2021; (ii) conferir interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, na redação que lhe foi dada pela Lei 14.230/2021, para excluir do seu âmbito de aplicação a hipótese absolutória contida no inciso III do art. 386 do CPP (‘não constituir o fato infração penal’); (iii) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 23-C da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, de modo a assentar que atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa, vedado eventual bis in idem, declarando, por fim, a constitucionalidade de todos os demais dispositivos impugnados”. (STF, ADI 7236/DF, supra, Plenário, 24/04/2025.) Em seguida, pediu vista o Ministro EDSON FACHIN. Assim sendo, a votação está empatada no tocante à conclusão do Relator no sentido de “declarar a parcial nulidade com redução de texto do art. 17, § 10-C, excluindo a expressão ‘e a capitulação legal apresentada pelo autor’; [e] julgar parcialmente procedente o pedido para dar interpretação conforme ao art. 17, § 10-F, inc. I, no sentido de que será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial, desde que não tenha tido a possibilidade de ampla defesa, observado o parágrafo 10-C”. (STF, ADI 7236/DF, supra.) Dessa forma, vige, por ora, o Art. 17, § 10-F, da LIA. Nos termos do Art. 17, §§ 10-C e 10-F, da LIA, na atual redação, é inadmissível a condenação do réu pela prática de conduta ímproba não veiculada na petição inicial. LIA, Art. 10, inciso I. Em suma, a LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043, supra), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” Como decidido pelo STJ, “[e]m elastério de entendimento, ao tratar da delimitação dos efeitos do precedente vinculante, a Suprema Corte concluiu pela aplicação das alterações trazidas pela Lei n. 14.320/2021 às ações de improbidade cujos atos dolosos foram praticados na vigência do texto anterior da norma, desde que sem condenação com trânsito em julgado, exceptuando-se o novo regime prescricional. A propósito: ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023; bem como AgInt no AREsp n. 2.535.830/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 30/8/2024. Nessa esteira de intelecção, inexistente ainda o trânsito em julgado deste feito, aplicáveis as alterações redacionais promovidas pela Lei n. 14.230/2021, com exceção do novo regime prescricional.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.662.145/SP, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, relatora para acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/3/2025, DJEN de 10/4/2025.) Por outro lado, o STF, em caso similar, deixou claro que é “[i]mpossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.[429]/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o [juízo] afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto.” (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, DJe-s/n 06-09-2023.) Como se vê, o STF “afastou a possibilidade de condenação do [agente] sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto.” (STF, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, supra.) Considerando que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor” ou “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial” (LIA, Art. 17, § 10-C e 10-F, na redação da Lei 14.230, respectivamente), que o juízo não reconheceu a prática das condutas ímprobas descritas na petição inicial, bem como que a parte autora não interpôs recurso visando à prevalência da capitulação por ela descrita, impõe-se a rejeição do pedido. Assim sendo, afasto a condenação dos réus pela prática da conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, inciso I. V – LIA, Art. 10, caput A. O juízo condenou o réu pela prática da conduta ímproba consistente em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput. B. O juízo concluiu pela condenação com base nos seguintes fundamentos: No que pertine à alegação de venda de internações para a Secretaria Estadual de Saúde sem celebração de contrato para a prestação desses serviços, o fato restou incontroverso ante a ausência de impugnação pelos demandados. Registre-se que, segundo a conclusão da auditoria, não existe contrato de prestação de serviços hospitalares prestados ao SUS, firmado entre a POLICLÍNICA SANTA MARIA e a Secretaria Estadual de Saúde. No período de 2009 a referida Secretaria teria pago à POLICLÍNICA SANTA MARIA o valor de R$ 139.056,74 (Cento e trinta e nove mil, cinquenta e seis reais e setenta e quatro centavos), sem licitação e sem contrato. O valor repassado no período auditado (julho a dezembro/2009) corresponde a R$ 62.431 ,20 (Sessenta e dois mil, quatrocentos e trinta e um reais e vinte centavos), fl. 11 do Apenso. Sobreleva destacar que tal irregularidade contraria as disposições da Portaria MS/GM n. 3277/2006 (vigente à época dos fatos), que determinava para a participação complementar dos serviços privados de assistência ·à saúde no SUS a formalização de contrato ou convênio celebrado entre o Poder Público e a entidade privada, observadas as normas de direito público - sobretudo a Lei de Licitações e Contratos - e o disposto na portaria3 (arts. 3° e 6°). Quanto à alegação de cobrança indevida de primeira consulta do pediatra ao recém-nascido, a auditoria constatou que, na análise de 88 prontuários médicos de partos normal/cesárea, em 100% houve cobrança da primeira consulta do pediatra, sem a devida comprovação de sua realização e em nome do obstetra que consta na AIH como responsável pela realização do parto, contrariando a Portaria GM/MS n. 572/2000 e o Manual Técnico Operacional do Sistema de Informação Hospitalar, que determina que este procedimento é exclusivo para médicos especialistas em pediatria/neonatologia (fl. 12 do Apenso). A esse respeito, a defesa do réu JOSÉ LINCOLN sustenta que a realização da primeira consulta aos recém-nascidos de fato aconteceu, haja vista que todas as consultas desta espécie ocorrem imediatamente ao nascimento das crianças. O valor nominal de cada consulta é de apenas R$ 10,00 (dez reais), os quais são gerados pelo sistema automaticamente, pois ao incluir um parto o sistema gera de forma discriminada os serviços "agregados". Os réus também sustentam que o médico clínico geral tem atribuição técnica compatível com os serviços prestados. Contudo, observa-se que a auditoria refutou tal justificativa, pois "o sistema só paga se for feita a cobrança, ou seja, se for lançado no sistema o código do procedimento, no caso, 03.01.01.014-5. Nesse caso, a clínica lançou no Sistema o código de um procedimento não realizado, uma vez que o próprio dirigente da Clínica reconhece que a consulta ao recém-nascido é feita por clínico geral." (fls. 12/13 do Apenso). Quanto ao fato de as consultas terem sido realizadas por médico clínico geral, afirma a defesa que atualmente continua a agir dessa forma, mas sem cobrança pelo serviço, em razão da ausência de médicos especialistas no interior do estado do Piauí. Assim, considera que "o médico tem que trabalhar de forma gratuita por conta de uma norma inflexível e que impede a realização de procedimento pelo clinico geral que, diga-se de passagem possui plenas condições de realizar tal procedimento." Ocorre que a defesa "não produziu qualquer prova acerca da verossimilhança da assertiva de escassez de profissional e da atribuição técnica do médico clínico geral compatível com a pediatria/neonatologia. Veja-se que em relação a este fato a única evidência que se extrai da instrução probatória é a informação que consta no relatório da auditoria, uma vez que a prova produzida pela defesa (documentos de fls. 70/165 e prova testemunhal, fls. 293/297) nada esclarece sobre o fato. Dessa forma, em conformidade com as informações técnicas de rotinas/procedimentos do SUS expostas pela equipe da auditoria, impõe-se reconhecer que os réus indevidamente lançavam no sistema o código do procedimento para gerar a cobrança pela primeira consulta realizada no recém-nascido, mesmo sem a comprovação de sua efetivação e em nome do médico clínico-geral, quando a consulta deveria ser realizada pelo pediatra/neonatologista. Relativamente à cobrança pela realização de histeroscopia cirúrgica com ressectoscópio em 04 (quatro) pacientes, a equipe de auditoria considerou indevida, pois nem sequer teria sido localizado nas dependências da clínica, e tampouco cadastrado no CNES, o equipamento necessário para realizar o procedimento (fls. 13114 do Apenso). [...] Mauricélia Pereira de Almeida afirmou que fez cirurgia para retirada de um Cisto no útero e que antes da cirurgia foi realizado exame. O diagnóstico do cisto foi por exame realizado previamente. Foi realizado exame transvaginal (fl. 294). Hilda Gomes Mineiro afirmou que fez exame de colo do útero para realização da biópsia. Foi realizado exame prévio para cirurgia (fl. 295). Importa destacar que a União, nas alegações finais, informa que o procedimento faturado como 04.09.06.017-8 (histeroscopia cirúrgica com ressectoscópio) possui valor de R$ 173,33 (Cento e setenta e três reais e trinta e três centavos), mas o procedimento efetivamente realizado foi o 02.09.03.001-1 (histeroscopia cirúrgica), cujo valor é R$ 76,50 (Setenta e seis reais ecinquenta centavos). Vê-se, pois, que a prova dos autos se presta apenas a evidenciar que, de fato, foi realizado um procedimento, o qual, porém, não se trata daquele que teria gerado a cobrança ao SUS. Especificamente em relação a tal divergência, a defesa centra-se na tese de que teria ocorrido erro por parte da empresa responsável pela escrituração e informação ao SUS dos serviços realizados, sem, contudo, mais uma vez nada provar a esse respeito. Quanto à cobrança de procedimento cirúrgico (extirpação e supressão de lesão de pele e tecido) sem comprovação da realização, a equipe de auditoria apontou que não há registro nos prontuários de que os pacientes tenham sido atendidos pelo médico, contando apenas registro de atendimento de enfermagem (fl. 15 do Apenso). A defesa alega que "ocorreu tão somente um erro de preenchimento de prontuário que, por falha dos funcionários, foram omissos em preencher o prontuário com tal procedimento". Foi inquirida como testemunha de defesa uma das pacientes, cujo prontuário teria sido analisado pela equipe de auditoria (fls. 39/48 do Apenso). Dalva Soares de Souza afirmou que "há muito tempo tem problemas em sua pele; nos braços e no rosto até a presente data, que inclusive retirou um câncer de pele na Clínica do Dr. Lincoln; (...) que. foi retirado um pedacinho de couto em seu rosto e encaminhado para Teresina para proceder exame e que a própria depoente recebeu o resultado do exame. Que fez a cirurgia na Clínica do Dr. Lincoln; (...), que não lembra o mês e ano que submetida a cirurgia (...)", fl. 296. [...] Dessa forma, ainda que se considere crível o depoimento de Dalva Soares de Souza e a efetiva realização do procedimento, nada restou comprovado - tampouco esclarecido - em relação à cobrança do procedimento que supostamente teria sido realizado em Francisca Soares de Sousa, persistindo, assim, a irregularidade apontada pela auditoria, qual seja a não realização do procedimento cirúrgico. Relativamente à cobrança indevida do procedimento cirúrgico de salpingoplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina), com data de internação 12 e 13/07/2009, a equipe da auditoria afirmou que a paciente A. V. S. foi entrevistada e declarou que não fez essa cirurgia na clínica. Declarou, ainda, que no 2° semestre/2009 fez consultas de pré-natal na clínica e foi submetida à cirurgia (cesárea com laqueadura tubária) em 07.03.2010 (fl. 14 do Apenso). A defesa de JOSÉ LINCONL alega que "a paciente, por ser pessoa de parcos estudos, certamente se equivocou em sua resposta, posto que, de fato, houve a realização de um procedimento cirúrgico interventivo necessário à manutenção da gravidez de risco da mencionada paciente (...) o fato de a paciente ter negado a realização do procedimento o fez, porque sequer sabia especificamente o procedimento realizado pela clínica, ainda, assim, a mesma confirmou a internação, o que é razoável, pois o procedimento, em que pese tenha uma nomenclatura estranha é bem simples, e pode ser realizado de duas formas pelo método tradicional com pinças e demais instrumentos cirúrgicos ou por meio de um aparelho. Ressalte-se que o custo dos procedimentos são os mesmos, portanto tendo ocorrido os procedimentos, em que pese por método diferente, não há que se falar em improbidade administrativa." Conforme se extrai das fls. 817/824 do Apenso, a paciente A. V. S. trata- se de Antônia Vieira da Silva, que não foi arrolada como testemunha. E, muito embora a declaração escrita não tenha força probatória de testemunho, caso se reconheça que, de fato, houve uma internação no dia 12.07.2009, a paciente apenas teria sido medicada, pois estava: grávida e com dores abdominais, sendo transferida para Teresina no dia 13.07.2009, para ·realização de exame de ultrassonografia (fl. 107). Vê-se, pois, que não estou comprovada realizada da salpingóplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina) e nem do tal procedimento cirúrgico interventivo necessário à manutenção da gravidez de risco da mencionada paciente. Nesse contexto, impõe-se reconhecer que todas estas irregularidades, indubitavelmente, findam por configurar atos fraudulentos praticados em detrimento dos recursos do SUS. Id. 290803060. C. Na atualidade, a LIA dispõe que, “[n]os termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. “Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo [LIA, Art. 11] a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.” LIA, Art. 11, § 2º. Assim sendo, também no caso das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, “somente haverá improbidade administrativa [...] quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. As ilicitudes detectadas pela fiscalização e confirmadas na instrução processual, vistas em conjunto, demonstram que elas foram praticadas visando a “obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”, beneficiando os próprios réus. LIA, Art. 11, § 1º. Em suma, ficaram comprovadas, mediante prova documental não impugnada pelos réus, as seguintes ilicitudes: (i) “[a]pesar de vender internações para a Secretaria Estadual de Saúde, a Policlínica Santa Maria não firmou contrato para prestação desses serviços”; (ii) “no exercício 2009 a Secretaria de Estado da Saúde do Piauí pagou à Policlínica Santa Maria o valor de R$ 139.056,74 (cento e trinta e nove mil; cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), sem licitação e contrato”; (iii) “[c]obrança indevida de Primeira Consulta do Pediatra ao Recém-nascido em 100% das AIH de Partos”; (iv) “cobrança indevida de procedimento não realizado (Histeroscopia Cirúrgica)”; (v) “a unidade cobrou do SUS o procedimento Salpingoplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina), sendo que “a paciente confirma que não realizou o procedimento cirúrgico”; e (vi) “cobrança indevida de pequenas cirurgias não realizadas”. Id. 290797518 – Pág. 13-20. As inúmeras ilicitudes beneficiaram a Policlínica de Santa Maria, atualmente denominada Jose Licoln Sobral Matos – ME, que recebeu por serviços não prestados. Além disso, o réu José Lincoln também foi beneficiado, porquanto recebia pro labore na condição de sócio e diretor administrativo da Policlínica Santa Maria. LIA, Art. 11, §§ 1º e 2º. Ninguém recebe dinheiro por serviços não prestados e cujos pedidos de pagamento são instruídos com documentos constando informações inverídicas, por falta de zelo ou atenção, mas, sim, com a específica intenção “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Ninguém fabrica e usa documentos falsos para obter dinheiro público mediante negligência, imperícia ou imprudência, mas, sim, com o claro objetivo “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Assim sendo, o conjunto das ilicitudes acima resumidas demonstra, de forma clara e convincente, que o pagamento por serviços não prestados decorreu de conduta dolosa com “o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Em consequência, impõe-se a confirmação da condenação dos réus. VI A. A fixação da sanção pela prática de conduta caracterizadora de improbidade administrativa, assim como no Direito Penal, constitui, salvo ilegalidade flagrante, atividade confiada ao juízo da condenação. (STF, HC 67791/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 24/04/1990, DJ 19-02-1993 P. 2035; HC 88284/SC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 24/04/2007, DJe-032 08-06-2007; HC 61178/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER, Primeira Turma, julgado em 16/12/1983, DJ 17-02-1984 P. 1679; RHC 112706, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 18/12/2012, DJe-044 07-03-2013; STJ, HC 425.504/RJ, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017; HC 342.319/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016.) Ainda de forma similar ao direito penal, a fixação da sanção parte do mínimo legal, e, assim, a imposição de pena superior ao mínimo previsto em lei deve ser concreta e racionalmente fundamentada. (TRF 1ª Região, EINACR 2005.35.00.023131-6/GO, Rel. Juíza Federal ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (Convocada), Segunda Seção, e-DJF1 07/04/2008 P. 112; STF, HC 76196/GO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 29/09/1998, DJ de 15/12/2000, p. 62.) No Direito Penal, a lei determina que o juiz deve fixar a pena que seja necessária (qualidade da pena) e suficiente (quantidade da pena) à reprovação e à prevenção do crime. CP, Art. 59, caput. Essa disposição legal consagra a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da pena. (STJ, AgRg no Ag 1276131/PA, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 25/04/2011.) A pena não precisa ser maior do que a necessária e suficiente à reprovação e à prevenção do crime. “O juiz não pode fixar pena em quantidade além da necessária, nem mais do que o suficiente para a reprovação.” (NEY MOURA TELES, Direito penal: parte geral: arts. 1º a 120, volume 1, São Paulo: Atlas, 2004, p. 394.) Assim sendo, os juízes estão autorizados a impor a pena suficiente, mas não maior do que a necessária à consecução dos objetivos visados pela lei. “Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade administrativa e a cominação das penalidades, as quais podem ocorrer de maneira cumulativa, embora não necessariamente. Nesse sentido, os seguintes precedentes [do STJ]: REsp 1.091.420/SP, 1ª Turma, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe de 5.11.2014; AgRg no AREsp 149.487/MS, 2ª Turma, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 29.6.2012.” (STJ, AgInt no REsp 1.611.275/SC, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/3/2018, DJe de 20/3/2018.) Por outro lado, [...] a aplicação cumulativa, parcial ou isolada das sanções arroladas no art. 12 da LIA subordina-se aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim sendo, exigem que o Magistrado, no momento da aplicação das sanções previstas na LIA, à luz do caso concreto, limite-se àquelas estritamente necessárias (razoáveis e proporcionais) para alcançar, com justiça, os fins almejados pela LIA, sendo defeso a ele, pois, a mera aplicação objetiva e automática de sanções em bloco. (PAZZAGLINI FILHO, Mario. Lei de Improbidade Administrativa Comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas – 3ª ed. – São Paulo: Atlas, 2007, p. 156.) No mesmo sentido, esta Corte [c]onsolidou[] o entendimento de que o princípio da proporcionalidade deve servir de baliza na aplicação das penas previstas nos incisos do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, que poderão ser impostas de forma cumulativa, parcial ou isoladamente, conforme as peculiaridades do caso em análise. [...] No que diz respeito à aplicação das sanções pela prática de ato de improbidade, é preciso que haja razoabilidade no momento de se fazer essa correlação entre fato e sanção, para que não se configurem situações absurdas, desarrazoadas, decorrentes da aplicação de sanções exageradas ou ínfimas. (TRF1, AC 0005762-30.2004.4.01.3900/PA, Rel. Desembargador Federal CARLOS OLAVO, Terceira Turma, e-DJF1 p.115 de 10/06/2011.) Dessa forma, “[a]s penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 podem ser aplicadas de forma cumulativa, ou não, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade do ato, a extensão do dano e o benefício patrimonial obtido (REsp 1156564/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 08/09/2010).” (TRF1, AC 00024357120084013307, Desembargadora Federal MONICA SIFUENTES, Terceira Turma, e-DJF1 19/12/2017.) Dessa orientação não discrepa a jurisprudência do STJ. “O Superior Tribunal de Justiça adota orientação segundo a qual é cabível a aplicação isolada ou cumulativa das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, desde que sejam obedecidos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (STJ, REsp 600.734/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 20/02/2018.) “[A]pesar da cumulação das referidas sanções não ser obrigatória, é pacífico no âmbito [do STJ] o entendimento de que, caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas conseqüência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não pode figurar isoladamente como penalidade. [...] Sobre o tema: REsp 1302405/RR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 02/05/2017; AgRg no AREsp 606.352/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 10/02/2016; REsp 1376481/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 22/10/2015; REsp 664.440/MG, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/04/2006, DJ 08/05/2006, p. 175.” (STJ, AgInt no REsp 1611275/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 20/03/2018.) B. Nos termos da LIA, “[i]ndependentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: [...] II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos”. LIA, Art. 12, caput, II. C. O juízo, considerando que o dano ao erário já foi ressarcido, condenou os réus às penas de “PAGAMENTO de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)” e “PROIBIÇÃO de CONTRATAR com o Poder Público, ou receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado”. Id. 290803060 - Pág. 21. D. Na concreta situação de fato dos presentes autos, em que ficaram comprovadas diversas irregularidades no tocante à cobrança de procedimentos não realizados, considero justificada a aplicação das penas: (i) “de multa civil no valor de R$ 5.000,00”; e (ii) de “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de cinco anos.” LIA, Art. 12, caput, II. Em caso semelhante, no qual “ao demandado foi aplicada a sanção de multa civil em quantia equivalente ao dobro da última remuneração do réu, no cargo de Prefeito de Carnaubeira da Penha/PE”, o STJ concluiu pela legitimidade, “[l]evando em consideração que as irregularidades perduraram nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 e o demandado se manteve silente, tampouco apresentando justificativas para a não prestação das contas, demonstrando o desapego ao atendimento das determinações legais, tem-se que as medidas impostas atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser mantidas.” (STJ, AgInt no REsp 1.877.639/PE, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/2/2021, DJe de 1/3/2021.) Na mesma direção, decidindo que é legítima “a imposição da multa civil no importe referente à última remuneração (de um total possível de 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente), a suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos (patamar mínimo previsto no art. 12, III, da LIA) e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por 3 (três) anos (prazo fixo estabelecido na Lei de Improbidade Administrativa)”, por “evidencia[r] que a pena foi fixada dentro de um juízo de proporcionalidade, o que inviabiliza qualquer reproche a ser realizado na via excepcional.” (STJ, AgInt no AREsp 550.344/SP, relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe de 21/2/2019.) Em suma, [n]ão se revela adequada [a redução das penas aplicadas], tendo presente que ‘a ação de improbidade se destina fundamentalmente a aplicar as sanções de caráter punitivo [...] que têm a força pedagógica e intimidadora de inibir a reiteração da conduta ilícita’ (Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, em voto-vista no REsp 664.440/MG, DJU 6/4/2006). [...] Nada obstante, tendo em vista que as consequências do ato ímprobo ficaram restritas aos limites territoriais do Município [respectivo], revela-se desproporcional a aplicação da pena de proibição de contratar com o Poder Público para além das divisas do referido município. Nesse sentido: REsp 1.003.179/RO, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJe 18/8/2008; AgInt no REsp 1.589.661/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 24/3/2017; AgInt no REsp 1.300.198/SP, Min. SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 18/11/2020.” (STJ, AgInt no AREsp 791.744/SP, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe de 25/11/2021.) VI Em consonância com a fundamentação acima, voto pelo parcial provimento das apelações interpostas pelos réus, apenas para excluir a condenação pela prática da conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, I, mantida a condenação pela prática da conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, caput. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0016252-92.2010.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0016252-92.2010.4.01.4000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOSE LINCOLN SOBRAL MATOS e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: UANDERSON FERREIRA DA SILVA - PI5456-A e THIAGO RAMOS SILVA - PI10260-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL EMENTA: Ação de improbidade administrativa. Condenação dos réus pela prática das condutas ímprobas consistentes em: (i) “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; e (ii) “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput, I (na redação original), respectivamente. Pedido improcedente. Superveniência da Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Sentença parcialmente reformada. 1. (A) Nos termos da LIA, “[r]eputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” LIA, Art. 2º, na redação original. Na redação original, a LIA dispunha que “[e]stão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” LIA, Art. 1º, Parágrafo único, na redação original. (B) Segundo o STJ, “[h]ospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa” (STJ, REsp n. 495.933/RS.) (C) Além disso, “[a] situação fático-jurídica da causa não se confunde com a hipótese de apenas o particular responder por ato de improbidade, em que a jurisprudência afirma a ilegitimidade passiva do réu”, mas, sim, de responsabilidade da gestora da pessoa jurídica que recebeu recursos públicos da União no âmbito do SUS. (STJ, AgInt no REsp 1.778.796/MG.) (D) Consequente improcedência da alegação de ilegitimidade passiva e de nulidade por ausência de litisconsórcio necessário. 2. (A) Imputação aos réus da prática das condutas ímprobas consistentes em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput (na redação original). (B) Hipótese em que o juízo condenou o réu pela prática das condutas ímprobas consistentes em: (i) “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; e (ii) “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput, I (na redação original), respectivamente. (C) Consequente inexistência de congruência entre o pedido e a sentença no tocante à condenação relativa à conduta ímproba descrita na LIA, Art. 10, I. (D) A LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” (E) Dispositivos não declarados inconstitucionais pelo STF no julgamento das ADIs 7042 e 7043. (F) Nos termos do Art. 17, §§ 10-C e 10-F, da LIA, na atual redação, é inadmissível a condenação do réu pela prática de conduta ímproba não veiculada na petição inicial. LIA, Art. 10, inciso I. (G) Considerando que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor” ou “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial” (LIA, Art. 17, § 10-C e 10-F, na redação da Lei 14.230, respectivamente), que o juízo não reconheceu a prática das condutas ímprobas descritas na petição inicial, bem como que a parte autora não interpôs recurso visando à prevalência da capitulação por ela descrita, impõe-se a rejeição do pedido. (H) Sentença reformada nesse ponto. 3. (A) Condutas ímprobas consistente em: (i) “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”. LIA, Art. 10, caput. (B) Caracterização, no caso. (C) Hipótese em que ficaram comprovada, mediante prova documental não impugnada pelos réus, as seguintes ilicitudes: (i) “[a]pesar de vender internações para a Secretaria Estadual de Saúde, a Policlínica Santa Maria não firmou contrato para prestação desses serviços”; (ii) “no exercício 2009 a Secretaria de Estado da Saúde do Piauí pagou à Policlínica Santa Maria o valor de R$ 139.056,74 (cento e trinta e nove mil; cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), sem licitação e contrato”; (iii) “[c]obrança indevida de Primeira Consulta do Pediatra ao Recém-nascido em 100% das AIH de Partos”; (iv) “cobrança indevida de procedimento não realizado (Histeroscopia Cirúrgica)”; (v) “a unidade cobrou do SUS o procedimento Salpingoplastia (cirurgia reparadora da trompa uterina), sendo que “a paciente confirma que não realizou o procedimento cirúrgico”; e (vi) “cobrança indevida de pequenas cirurgias não realizadas”. (D) Ninguém recebe dinheiro por serviços não prestados e cujos pedidos de pagamento são instruídos com documentos constando informações inverídicas, por falta de zelo ou atenção, mas, sim, com a específica intenção “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. Ninguém fabrica e usa documentos falsos para obter dinheiro público mediante negligência, imperícia ou imprudência, mas, sim, com o claro objetivo “de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” LIA, Art. 11, § 1º. (E) Condenação confirmada. 4. (A) Fixação da pena. (B) A fixação da sanção pela prática de conduta caracterizadora de improbidade administrativa, assim como no Direito Penal, constitui, salvo ilegalidade flagrante, atividade confiada ao juízo da condenação. (STF, HC 67791/RJ; RHC 112706; STJ, HC 425.504/RJ; HC 342.319/RJ.) (C) Ainda de forma similar ao direito penal, a fixação da sanção parte do mínimo legal, e, assim, a imposição de pena superior ao mínimo previsto em lei deve ser concreta e racionalmente fundamentada. (TRF 1ª Região, EINACR 2005.35.00.023131-6/GO; STF, HC 76196/GO.) (D) Na concreta situação de fato dos presentes autos, em que ficaram comprovadas diversas irregularidades no tocante à cobrança de procedimentos não realizados, cujo valor já foi devidamente ressarcido, considero justificada a aplicação das penas: (i) “de multa civil no valor de R$ 5.000,00”; e (ii) de “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de cinco anos.” LIA, Art. 12, caput, II. (E) Sentença confirmada. 4. Apelações parcialmente providas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal LEÃO ALVES Relator
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Processo nº 1050265-91.2023.4.01.3500
ID: 262351123
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1050265-91.2023.4.01.3500
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIANA RODRIGUES VALLE GUIMARAES
OAB/RJ XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1050265-91.2023.4.01.3500 PROCESSO REFERÊNCIA: 1050265-91.2023.4.01.3500 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) POLO ATIVO: MAT…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1050265-91.2023.4.01.3500 PROCESSO REFERÊNCIA: 1050265-91.2023.4.01.3500 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) POLO ATIVO: MATHEUS FELIPE GOMES ROSA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARIANA RODRIGUES VALLE GUIMARAES - RJ205702 POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCELO ELIAS VIEIRA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) n. 1050265-91.2023.4.01.3500 R E L A T Ó R I O Juiz Federal MARCELO ELIAS VIEIRA (Relator em auxílio): O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a presente ação penal contra Matheus Felipe Gomes Rosa, pela suposta prática dos crimes de descaminho e contrabando, em concurso formal. Código Penal, arts. 334, §1º, IV e 334-A, §1º, II, e V, na forma do art. 70. Id. 384320628. Segundo o MPF: O denunciado MATHEUS FELIPE GOMES ROSA, no dia 09 de setembro de 2023, por volta das 10h47min, no KM 35 da GO-139, em Corumbaíba/GO, agindo de forma consciente e intencional (dolosa), adquiriu, importou e transportou, no exercício de atividade comercial, substância tóxica à saúde humana ou meio ambiente, produto para fins terapêuticos sem registro no órgão da vigilância sanitária, mercadorias proibidas pela legislação brasileira e mercadoria com ilusão de tributos consistentes em: (a) 56 (cinquenta e seis) garrafas de alumínio com conteúdo nominal de 1,5 kg cada contendo defensivo agrícola “Fosfuro Prime” de comercialização proibida em território nacional, em razão de não possuírem registro no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); (b) 96 (noventa e seis) caixas de anabolizantes de diversas marcas sem registro no órgão de vigilância; (c) 1.290 (hum mil duzentos e noventa) unidades de cigarros eletrônicos e diversas essências não contabilizadas para cigarro eletrônico1 ; (d) 30 (trinta) unidades de acessórios eletrônicos e informáticos diversos, bem como 36 (trinta e seis) garrafas de vinho “cabernet D. Catena”, produtos estrangeiros introduzidos em território nacional desacompanhados da devida documento fiscal comprobatória da regular importação. Id. 384320628. A denúncia foi recebida em 2/10/2023, nos termos propostos. Id. 384320637. Em 29/11/2023, o Juízo julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar Matheus pela prática do crime do Código Penal, art. 334-A, §1º, II, e V (contrabando) além de aplicar a penalidade de cassação da habilitação para dirigir veículo pelo prazo de cinco anos, nos termos da Lei n. 9.503/97, art. 278-A, tendo em vista que o crime foi praticado na condução de veículo automotor. Id. 384320692. Inconformado, o sentenciado interpôs recurso de apelação, com o seguinte pedido: a) seja o réu absolvido, nos termos do art. 386, inciso III ou VII, do CPP; b) subsidiariamente, em caso de manutenção da condenação, seja reduzida a pena de prestação pecuniária, bem como afastada a afastada a penalidade de cassação da Carteira Nacional de Habilitação – CNH do apelante, pelo período de 5 anos, ou, pelo menos, reduzida a período compatível com a duração da pena privativa de liberdade. Id. 421101871. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo não provimento da apelação. Id. 422808347. Esta Turma deu parcial provimento ao recurso de apelação, tão somente para tão somente para reduzir o montante da prestação pecuniária ao mínimo legal, de 1 (um) salário-mínimo. Código Penal, art. 45, § 1º. Id. 429758647. Matheus Felipe Gomes Rosa opôs embargos de declaração, com os seguintes pedidos: a) seja recebido os embargos de declaração, para no mérito reconhecer a nulidade de todos os atos praticados desde o momento anterior a apresentação das razões pela defensoria pública da união; b) superada a análise da preliminar, entende o Embargante a necessária devolução do prazo, para que o Embargante possa interpor os embargos de declaração com efeito de ver as matérias pré questionadas, conforme entendimento dos Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal nos recursos especial e extraordinário. Id. 431263329. Contrarrazões apresentadas. Id. 431506355. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) n. 1050265-91.2023.4.01.3500 V O T O Juiz Federal MARCELO ELIAS VIERIA (Relator em auxílio): I A. Embora visem ao aprimoramento da decisão judicial, os embargos de declaração não constituem o instrumento processual idôneo a fim que a parte registre seu inconformismo com o resultado do julgamento; não substituem o recurso cabível; não constituem oportunidade para que a parte lance novos argumentos sobre matérias já decididas pelo julgador; nem, muito menos, constituem oportunidade para que a parte possa suscitar fundamentação que deveria ter sido apresentada antes e não o foi. Dessa forma, são “incabíveis os embargos de declaração, quando [...] tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, vem a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal.” (STF, RE 202097 ED-EDv-AgR-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2004, DJ 27-08-2004 P. 52.) Os “[e]mbargos declaratórios não se prestam a submeter à reapreciação os fundamentos da decisão embargada.” (STF, AI 458072 ED/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009, DJe-195 16-10-2009.) Em idêntica direção, dentre outros precedentes: STF, HC 86579 ED/ES, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-036 29-02-2008; RE 230581 AgR-ED/MG, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/11/2007, DJe-157 07-12-2007 DJ 07-12-2007 P. 95. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 11/12/2007, DJe-162 29-08-2008.) Além disso, o STF firmou a tese de que “[o]s embargos de declaração não se prestam a corrigir erro de julgamento.” (STF, RE 194662 ED-ED-EDv, Rel. p/ Acórdão RISTF Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015, DJe-151 03-08-2015.) B. Somente existe omissão passível de suprimento em embargos de declaração quando a parte suscita no recurso questão relevante que não é examinada, nem expressa, nem implicitamente pelo Juízo ou Tribunal. Só há ofensa ao Art. 1.022 do CPC ou ao Art. 619 do CPP quando o Tribunal não examina matéria relevante para a solução da lide. Nesse sentido, o STJ reconheceu que em caso no qual “[o] aresto regional examinou suficientemente todas as questões relevantes para o deslinde da controvérsia postas em julgamento”, e, “[a]ssim [...], merece rejeição à alegada afronta ao artigo 535 do Código de Processo Civil [1973].” (STJ, REsp 802.971/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 09/05/2007, p. 231.) “A função judicial é prática, só lhe importando as teses discutidas no processo enquanto necessárias ao julgamento da causa. Não há, assim, lugar para o reexame da causa.” (TRF1, EDAC 0029331-47.2000.4.01.3400/DF, Rel. Desembargadora Federal SELENE MARIA DE ALMEIDA, Quinta Turma, e-DJF1 p. 222 de 03/12/2010.) Dessa forma, a “invocação impertinente” de fundamento de fato ou de direito “não prejudica a conclusão do julgado que tem outras premissas fácticas que o amparam.” (STF, RE 87102, Rel. Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 24/06/1977, DJ 26-08-1977 P. 5763.) As questões não suscitadas no recurso escapam à apreciação da Corte e a ausência de manifestação sobre elas não implica omissão. (CPC 1973, Arts. 2º, 128, 460 e 515, caput; CPC 2015, Arts. 2º, 141, 492 e 1.013, caput.) As questões omitidas no recurso somente podem ser apreciadas pelo tribunal revisor se forem passíveis de exame de ofício. CPC 1973, Arts. 267, § 3º, e 301, § 4º; CPC 2015, Art. 337, § 5º, e 485, § 3º. Assim sendo, a omissão da parte acarreta a “[i]mpossibilidade de suprir per saltum tal análise.” (STF, RE 524515 ED, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-096 28-05-2010.) Em suma, “não é omissa a sentença [ou acórdão] que explicita as premissas de fato e de direito da decisão e, ao fazê-lo, afirma tese jurídica contrária à aventada pela parte, ainda que não a mencione.” (STF, HC 70179, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 01/03/1994, DJ 24-06-1994 P. 16635.) No mesmo sentido: STF, HC 74892, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 22/04/1997, DJ 01/08/1997. Ademais, e, “[u]ma vez que não julgue extra ou ultra petita, não é o juiz obrigado a rastrear a questão jurídica pelo roteiro das partes.” (STF, RE 28490 EI, Rel. Min. OROZIMBO NONATO, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/1958, DJ 31-12-1958 P. 23564.) Essas lições não foram superadas pelo advento do CPC 2015. O Novo CPC não impõe ao juiz a análise de questão “impertinente” (STF, AI 231917 AgR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/1998, DJ 05-02-1999 P. 22), “insubsistente e despropositada”. (STF, HC 102930, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 28/09/2010, DJe-097 24-05-2011.) Por isso, “[n]ão cabem embargos de declaração ‘para obter manifestação do Tribunal sobre questão que, motivadamente, o acórdão embargado reputou impertinente ao caso concreto’ (RTJ 152/960).” (TRF1, EDAC 0025521-64.2000.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal NÉVITON GUEDES, Quinta Turma, e-DJF1 de 14/10/2016.) Nos termos do inciso IX do Art. 93 da Constituição da República, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. (Redação da Emenda Constitucional 45, de 2004.) Em julgado submetido à sistemática da repercussão geral, o STF concluiu que “[o] art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão.” (STF, AI 791292 QO-RG, Rel. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, DJe-149 13-08-2010.) “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o [art. 93, IX, da CR] exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões do seu convencimento. Enfrentadas todas as causas de pedir veiculadas pela parte, capazes de, em tese, influenciar no resultado da demanda, fica dispensando o exame detalhado de cada argumento suscitado, considerada a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador.” (STF, ARE 1271602 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER (Vice-Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2020, DJe-007 18-01-2021.) Por outro lado, “[a] decisão judicial tem que ser fundamentada (art. 93, IX), ainda que sucintamente, sendo prescindível que o decisum se funde na tese suscitada pela parte. Precedente: AI-QO-RG 791.292, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 13/8/2010.” (STF, ARE 805243 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 21/10/2014, DJe-221 11-11-2014.) Ademais, o STF, em caso submetido à repercussão geral (STF, RE 635729 RG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2011, DJe-162 24-08-2011), reconheceu a “validade constitucional” da “fundamentação per relationem”, que essa técnica não ofende o art. 93, IX, da CR, e que não implica “negativa de prestação jurisdicional.” (STF, ARE 1238775 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 21/02/2020, DJe-053 12-03-2020.) (Caixa alta suprimida.) A entrada em vigor do Art. 489 do CPC 2015 e do Art. 315, § 2º, do CPP não modificou essa questão. Segundo o § 1º do art. 489 do CPC 2015 e o § 2º do Art. 315 do CPP, “[n]ão se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.” Dessa forma, cabe ao juiz enfrentar os “argumentos deduzidos” pelas partes que sejam “capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. Os “argumentos deduzidos no processo”, mas incapazes “de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”, não precisam ser analisados. Em suma, se o argumento é irrelevante ou impertinente, descabe emitir qualquer manifestação sobre ele. A ausência de manifestação judicial sobre matéria “sem nenhuma pertinência ao tema em debate não caracteriza omissão”. (STF, AI 160433 AgR-ED, supra.) “A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, ‘sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.’ (EDcl no MS n. 21.315/DF, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 8/6/2016, DJe 15/6/2016).” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp n. 1.930.850/RJ, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022.) “Segundo entendimento pacífico d[a] Corte [Superior], o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.” (STJ, AgInt no REsp n. 1.950.404/RS, relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 4/4/2022, DJe de 7/4/2022.) Assim, para haver omissão, é necessário que a questão suscitada pelo embargante tenha sido objeto de seu recurso e que seja relevante à decisão da causa. Pretender que o juiz esteja obrigado a analisar questões carentes de relevância implicaria subverter a natureza pública do processo. CR, Art. 5º, XXXV; CPC 2015, Art. 489, § 1º. Sendo questão irrelevante ou impertinente, descabe emitir qualquer manifestação sobre ela. A ausência de manifestação judicial sobre matéria “sem nenhuma pertinência ao tema em debate não caracteriza omissão”. (STF, AI 160433 AgR-ED, supra.) Em suma, o juiz não está obrigado a responder a cada questionamento formulado pelas partes, mas, apenas, àqueles que sejam relevantes à decisão da controvérsia. Dessa forma, somente “[é] omisso o julgado que deixa de analisar questões oportunamente suscitadas quando o seu acolhimento, em tese, pode levar o julgamento a um resultado diverso do ocorrido.” (STJ, REsp 754.360/AL, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ 05/06/2006, p. 251.) Em consequência, para haver omissão, é necessário que a questão suscitada pelo embargante tenha sido objeto de seu recurso e que seja relevante à decisão da causa. Pretender que o juiz esteja obrigado a analisar questões carentes de relevância implicaria subverter a natureza pública do processo. CR, Art. 5º, XXXV; CPC, Art. 489, § 1º; CPP, Art. 315, § 2º. Sendo questão irrelevante ou impertinente, descabe emitir qualquer manifestação sobre ela. A ausência de manifestação judicial sobre matéria “sem nenhuma pertinência ao tema em debate não caracteriza omissão”. (STF, AI 160433 AgR-ED, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 23/04/1996, DJ 20-09-1996 P. 34542.) Dessa forma, somente existe omissão passível de suprimento em embargos de declaração quando a parte suscita no recurso questão relevante que não é examinada, nem expressa, nem implicitamente pelo Juízo ou Tribunal. As questões não suscitadas no recurso escapam à apreciação da Corte e a ausência de manifestação sobre elas não implica omissão. (CPC 1973, Arts. 2º, 128, 460 e 515, caput; CPC 2015, Arts. 2º, 141, 492 e 1.013, caput.) As questões omitidas no recurso somente podem ser apreciadas pelo tribunal revisor se forem passíveis de exame de ofício. CPC 1973, Arts. 267, § 3º, e 301, § 4º; CPC 2015, Art. 337, § 5º, e 485, § 3º. Assim sendo, a omissão da parte acarreta a “[i]mpossibilidade de suprir per saltum tal análise.” (STF, RE 524515 ED, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-096 28-05-2010.) Por outro lado, “o Tribunal [...] não está obrigado a se manifestar a respeito de matéria que não foi argüida no momento oportuno, em virtude do instituto da preclusão consumativa.” (STJ, RESP 848695, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 07/11/2006 P. 269.) “Na linha dos precedentes do STJ, os argumentos apresentados apenas em sede de embargos de declaração ou agravo interno não são passíveis de conhecimento por implicarem inovação recursal, inviável de conhecimento em virtude da preclusão consumativa.” (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1032955/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 15/09/2017.) Assim, quando “[a] tese suscitada nos embargos declaratórios não foi objeto de recurso em momento oportuno, [ocorre] inovação recursal, e não omissão sanável através do recurso declaratório.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1049009/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 29/08/2017, DJe 21/09/2017.) Na mesma direção: “A tentativa de discussão de matéria não suscitada nas razões recursais do apelo [...] apenas em sede de embargos de declaração não é passível de conhecimento por implicar indevida inovação recursal, não permitida em virtude da preclusão consumativa, conforme já decidiu o STJ.” (TRF1, ED-AC 00000707320104013307, Desembargador Federal CÂNDIDO RIBEIRO, QUARTA TURMA, e-DJF1 04/12/2017.) II A. Em que pese a argumentação trazida pelo embargante, reparo que os presentes embargos de declaração são intempestivos, uma vez que o sistema PJe registrou ciência automática da defesa em 21/1/2025, uma terça-feira, com prazo recursal iniciando-se em 22/1/2025 (quarta-feira) e esgotado no dia 23/1/2025 (quinta-feira), nos termos do Código de Processo Penal, arts. 619 e 798, § 1º c/c Lei 11.419/2006, art. 5º, §1º, porém as razões dos declaratórios somente foram opostas no dia 10/2/2025. Tal conclusão já basta para negar conhecimento ao presente recurso, pois a omissão da parte, quanto à suscitação tempestiva de questão relevante, acarreta a "[i]mpossibilidade de suprir per saltum tal análise." (STF, RE 524515 ED, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-096 28-05-2010.) B. Entretanto, por tratar de matéria de ordem pública, que pode ser alegada a qualquer tempo, passo a avaliar, de ofício, a suposta ocorrência da nulidade absoluta por cerceamento de defesa decorrente da “inobservância do devido processo legal, desde o abandono dos autos pelo advogado constituído até a falta de diligências prescritas pelo Desembargador Relator, passando pela involuntária representação pela Defensoria Pública da União sem autorização do Recorrente”. Id. 431263329 Mais especificamente, o embargante alega o seguinte: A instrumentalidade do processo e a dignidade da função jurisdicional impõem, como premissa indissociável à administração da justiça, a observância irrestrita aos princípios do contraditório e da ampla defesa. No caso em apreço, a singularidade dos fatos revela uma realidade processual marcada pelo cerceamento de defesa, evidenciado pela ausência de comunicação ao Embargante sobre os rumos da demanda, após o abandono pelo patrono constituído. Sendo o processo instrumento de realização da justiça, é imperativo que se garanta ao réu o direito à participação efetiva, o que, por si só, já caracteriza a essência da falha processual alegada. Nesse diapasão, a jurisdição, enquanto poder-dever do Estado, estabelece como corolário a necessidade de oferecer ao Réu todas as possibilidades de exercício do seu direito de defesa. A situação fática narrada abala, inexoravelmente, este fundamento, ao deixar o Embargante à deriva no processo, sem defesa técnica qualificada, sequela da atuação desidiosa não apenas do advogado previamente constituído, mas igualmente do sistema jurídico que não assegurou, como deveria, os meios para a correção tempestiva deste vazio representativo. Importante ressaltar que a jurisprudência pátria é pacífica ao sublinhar que o abandono do processo pelo advogado constituído, sem a devida intimação do réu para que promova a substituição do causídico dentro do prazo legal, configura nulidade absoluta, por violação direta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Esse entendimento coaduna-se com a situação vertente, em que tal nulidade é evidente, ante a completa desassistência jurídica ao Embargante, comprometendo, de forma irremediável, o equilíbrio e a isonomia que devem reger o trâmite processual. A intervenção da Defensoria Pública no feito, embora seja medida louvável na busca pela garantia da defesa àqueles economicamente hipossuficientes, deve obedecer ao princípio do devido processo legal, o que pressupõe, entre outros requisitos, a ciência e concordância do réu quanto à sua atuação. A ausência de prévia comunicação ao Embargante, para que exercesse seu direito de escolha ou manifestasse sua disposição acerca da representação legal, constitui mais um indicativo da quebra dos preceitos fundamentais do processo justo. Inexoravelmente, o contexto demonstra uma sequência de desacertos processuais que culminaram em prejuízo insuperável ao direito de defesa do Embargante. Nessa trilha de raciocínio, é imperativo que se reconheça a nulidade dos atos processuais subsequentes ao abandono do feito pelo advogado originariamente constituído, resguardando a integridade do devido processo legal e as garantias constitucionais que lhe são subjacentes. A reconstrução da relação processual, com a garantia de participação ativa do Embargante, emerge como único caminho para a correção das falhas e o restabelecimento da igualdade das partes perante a lei. Id. 431263329 A respeito, verifico dos autos que, após constatada a inércia do patrono constituído do embargante para oferecer as razões do recurso de apelação, o recorrente foi devidamente intimado, de forma pessoal, para que, querendo, nomeasse outro advogado de sua confiança (Id 418095689, p. 13). Todavia, quedou-se inerte, sendo as razões recursais apresentadas pela Defensoria Pública da União em observância às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (Id 421101871). Em casos como este, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse. [...] o reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Dessa forma, não se pode falar em nulidade do processo, uma vez que, na hipótese dos autos, não restou demonstrado o prejuízo à defesa, assumida pela Defensoria Pública, diante da inércia do advogado constituído nos autos e do silêncio do acusado, após sua intimação para indicar novo patrono”. (AgRg no REsp n. 1.935.350/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe de 20/8/2021.) Nesses termos, julgo inexistir nulidade a ser reconhecida de ofício. C. Por derradeiro, há uma questão de erro material levantada pelo MPF em contrarrazões que merece atenção. O MPF alega o seguinte: Outrossim, da análise do Acórdão ID 429758647, verifica-se a existência de erro material no item 4 da ementa, visto que a conclusão do Voto Condutor diverge da Ementa no tocante ao valor da prestação pecuniária. Senão, vejamos. Do Voto de ID 428160423, extrai-se: [...] G. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, nos termos do art. 45 do Código Penal, a fixação do valor da prestação pecuniária deve observar o montante do dano a ser reparado e a capacidade econômica do condenado. (REsp n. 1.967.713/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.) No caso concreto, o valor fixado observou o montante do dano a ser reparado. No tocante à capacidade econômica, entretanto, o Juízo, ao fixar o valor da prestação pecuniária em 5 (cinco) salários-mínimos, não teceu nenhuma consideração, a partir de elementos concretos, acerca da capacidade econômica do Condenado que, inclusive, é assistido pela Defensoria Pública, a evidenciar sua hipossuficiência financeira. Nesse contexto, julgo inidônea a fundamentação utilizada para estabelecer o montante da prestação pecuniária acima do mínimo legal, que é de 1 (um) salário-mínimo, segundo previsto no Código Penal, art. 45, § 1º. Nesses termos, dou provimento à apelação, no ponto, para reduzir o montante da prestação pecuniária ao mínimo legal, de 1 (um) salário-mínimo. (…) III Em conformidade com as razões acima expostas, voto para dar parcial provimento à apelação tão somente para reduzir o montante da prestação pecuniária ao mínimo legal, de 1 (um) salário-mínimo. Código Penal, art. 45, § 1º. (Grifos nossos) A seu turno, de se reprisar o item 4 da ementa do acórdão embargado (ID 428160579): (…) 4. Nos termos do art. 45 do Código Penal, a fixação do valor da prestação pecuniária deve observar o montante do dano a ser reparado e a capacidade econômica do condenado. (REsp n. 1.967.713/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.). Capacidade econômica comprovada. Manutenção da sentença condenatória. (...) Conforme se observa, a Ementa não espelha o resultado do julgamento, pois como consta do Voto, a pena de prestação pecuniária foi reduzida para o valor de 1 (um) salário-mínimo, sendo alterada a sentença nesse ponto. Id. 431506355 Por julgar irretocáveis, adoto como minhas as razões ministeriais para reconhecer a existência de erro material na ementa do julgado, que deve passar a constar da seguinte forma: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO E REDUÇÃO DA PENA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Acusado denunciado pela suposta prática dos crimes de descaminho e contrabando, em concurso formal. Código Penal, arts. 334, §1º, IV e 334-A, §1º, II, e V, na forma do art. 70. 2. O Juízo julgou parcialmente procedente a denúncia. Demonstrou a materialidade e autoria do delito de contrabando. 3. A diversidade e quantidade das mercadorias apreendidas denotam a ofensividade e expressividade da lesão jurídica à incolumidade pública, o que afasta a incidência da insignificância à hipótese dos autos. 4. Nos termos do art. 45 do Código Penal, a fixação do valor da prestação pecuniária deve observar o montante do dano a ser reparado e a capacidade econômica do condenado. (REsp n. 1.967.713/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.). No caso concreto, o valor fixado observou o montante do dano a ser reparado. No tocante à capacidade econômica, entretanto, o Juízo, ao fixar o valor da prestação pecuniária em 5 (cinco) salários-mínimos, não teceu nenhuma consideração, a partir de elementos concretos, acerca da capacidade econômica do Condenado que, inclusive, é assistido pela Defensoria Pública, a evidenciar sua hipossuficiência financeira. Apelação provida no ponto para reduzir o montante da prestação pecuniária ao mínimo legal, de 1 (um) salário-mínimo. 5. A menção ao art. 278-A do Código de Trânsito foi a título de reforço argumentativo, até porque a sanção ali imposta é administrativa, de efeito automático, após o trânsito em julgado da condenação. (EDcl no AgRg no REsp n. 1.922.918/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 16/12/2021.) III À vista do exposto, voto pelo não conhecimento dos embargos de declaração por intempestividade, e pela correção, de ofício, de erro material para ajustar a ementa nos termos do voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1050265-91.2023.4.01.3500 PROCESSO REFERÊNCIA: 1050265-91.2023.4.01.3500 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) POLO ATIVO: MATHEUS FELIPE GOMES ROSA REPRESENTANTES POLO ATIVO: MARIANA RODRIGUES VALLE GUIMARAES - RJ205702 POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO. ERRO MATERIAL. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. A C Ó R D Ã O Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, não conhecer os embargos de declaração, e corrigir, de ofício, erro material para ajustar a ementa do Acórdão embargado, nos termos do voto do Relator. Juiz Federal MARCELO ELIAS VIERA Relator em auxílio
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Processo nº 0000021-53.2019.4.01.3101
ID: 301300101
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000021-53.2019.4.01.3101
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ERLIENE GONCALVES LIMA NO
OAB/PA XXXXXX
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MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO
OAB/AP XXXXXX
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CAROLINA REZENDE MORAES
OAB/DF XXXXXX
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VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGE…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGEL e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA - DF15143-A, CAROLINA REZENDE MORAES - DF59689-A, MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO - AP2272-A e ERLIENE GONCALVES LIMA NO - PA6574-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0000021-53.2019.4.01.3101 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): Fernando Abreu Rangel, Marilia Grangeiro Almeida e Maria de Fátima Salgado da Fonseca apelam da sentença proferida pelo Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Laranjal do Jari/AP, que julgou procedente em parte a ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, e condenou os Requeridos pela prática de atos ímprobos previstos nos arts. 9º, caput, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92. Narra a inicial (ID 432850137, pp. 2/16): “Os requeridos, aproximadamente entre os dias 23/10/2017 e 4/12/2017, agindo de modo livre e consciente, em conluio, associaram-se com a finalidade espúria de praticar crimes, falsificaram atestados médicos, e, nos dias 30/11/2017 e 4/12/2017, FERNANDO ABREU RANGEL fez uso de 7 (sete) documentos falsos (atestados médicos) perante a Subseção Judiciária de Laranjal do Jari, induzindo a referida instituição a erro, mediante meio fraudulento, bem como recebeu remuneração sem efetivamente trabalhar e sem apresentar justificativa legal para tanto, obtendo, assim, vantagem ilícita e causando prejuízos ao erário e ao serviço público federal. Conforme consta dos autos, o servidor Fernando Abreu Rangel, técnico judiciário, matrícula AP20206, em exercício na Vara Única da Subseção Judiciária da Justiça Federal de Laranjal do Jari/AP, não compareceu ao trabalho nos dias 23, 25, 27, 30 e 31 do mês de outubro de 2017 e nos dias 23, 24, 27, 28 e 29 de novembro. Para justificar as ausências no mês de outubro/2017, o servidor Fernando apresentou 4 (quatro) atestados médicos em seu nome, emitidos pela Dra. Maria de Fátima Salgado da Fonseca, CRM 0532/AP, com o CID 10K29 (Gastrite e duodenite), noticiando que teria sido atendido na unidade de Saúde de Monte Dourado/PA (ids. 5229388, 5229461, 5229486 e 5229546, SEI 0003148-08.2017.4.01.8003, pgs. 5-8).” Por fim, o Ministério Público Federal requereu a condenação dos Réus às penas do art. 12, da Lei nº 8.429/92. A sentença (ID 432850297) julgou procedente em parte a ação, com base nos seguintes fundamentos: “De tudo o que se colheu nos autos, conforme tratado nas linhas anteriores, tem-se que foi comprovada a tese de acusação em face dos requeridos em razão do proposital uso de atestados ideologicamente falsos, que culminou no enriquecimento ilícito de FERNANDO ABREU RANGEL e do dano ao erário causado por MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, tendo a parte autora se desonerado do onus probandi nesse aspecto específico (art. 373, I, do CPC). Ainda que se tenha demonstrado, por meio do atestado médico emitido pela médica psiquiatra Ana Lúcia da Cunha Barbosa, que FERNANDO foi acompanhante de MARÍLIA em consulta de rotina, na cidade de Macapá-AP, na data de 23/10/2017, comprovou-se nos autos, de modo inequívoco, que os 7 (sete) atestados médicos emitidos por MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA em favor de FERNANDO nas datas de 23, 25, 27, 30 e 31/10/2017 se deram em falsidade ideológica quanto ao seu conteúdo. Assim, ainda que uma das faltas ao serviço por parte de FERNANDO tenha sido justificada por meio de atestado idôneo emitido por médica outra (23/10/2017), as demais 4 (quatro) faltas no período não o foram. Quanto a isso não há dúvidas de que FERNANDO ABREU RANGEL e sua companheira MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA, em estratagema articulado com a médica MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, por meio do fornecimento por parte desta última de atestados ideologicamente falsos, com a clara intenção de abonar faltas injustificadas ao trabalho por parte de FERNANDO, acabaram por incorrer, as duas requeridas, em ato de improbidade que importou em prejuízo à Administração, nos termos do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992, enquanto FERNANDO ABREU RANGEL incorreu em ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/1992, dado o recebimento indevido por dias não trabalhados. Vale dizer, quanto ao mais, que o acervo probatório dos autos é claro e hígido nesse aspecto, bem como que a Justiça Federal e o Ministério Público Federal são órgãos dotados de corpo técnico habilitado a realizar apurações administrativas e aferições dessa natureza, constituindo sua conclusão técnica nos autos da Sindicância, do PAD e do PIC elementos de robusta relevância aptos de serem utilizados como meio de prova adequada no âmbito processual, não sendo demais frisar que os fatos foram expostos pelos próprios requeridos nos autos, não havendo que se falar em controvérsia quanto a esse aspecto específico, tampouco se mostrando pertinente as tentativas de mudança de foco intentadas pelas defesas, dada a objetividade da comprovação da tese inicial havida nos autos em razão de seus fartos elementos. O sistema sancionatório da improbidade administrativa cuida de ilícitos pluriobjetivos, porque desafiam valores ou bens jurídicos tutelados na legislação penal, civil, política e administrativa. Para que se configure materialmente a improbidade administrativa é preciso que ela atinja os bens jurídicos tutelados, como no presente caso, a saber, a correta aplicação de verba pública orçamentária. Deste modo, diante do que foi exposto, as condutas intencionais atribuídas aos requeridos FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, amoldam-se, respectivamente, ao ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/1992, quanto ao primeiro, e ao ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992 quanto às duas últimas. Confira-se:” Maria de Fátima Salgado da Fonseca interpôs apelação contra a sentença (ID 432850314). Suscita, em síntese, a inocorrência de ato de improbidade, por ausência de comprovação de dolo ou má-fé nos fatos atribuídos. Assevera que todos os laudos, atestados e receitas carreados aos autos, foram expedidos após o atendimento do paciente Fernando Abreu Rangel. Requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Marilia Grangeiro Almeida e Fernando Abreu Rangel também interpuseram apelações contra a sentença (ID 432850323 e ID 432850324). Aduzem, em síntese, a inocorrência de ato de improbidade administrativa, em razão da falta do elemento subjetivo da conduta. O MPF apresentou contrarrazões às apelações (ID 432850329). A Procuradoria Regional da República da 1ª Região apresentou Parecer e opinou pelo não provimento das apelações (ID 435460206). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0000021-53.2019.4.01.3101 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): Como relatado, esta ação de improbidade administrativa se destina à persecução de fatos relacionados à suposta apresentação de atestados médicos falsos pelo servidor, Fernando Abreu Rangel, para justificar 4 (quatro) dias de faltas ao trabalho. A sentença julgou procedente em parte a ação, porque entendeu que a autoria e a materialidade dos atos ímprobos imputados aos Requeridos, foram comprovadas, motivo pelo qual foram condenados como incursos nos arts. 9º, caput, 10, caput, da LIA. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, que inseriu o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. O § 2º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 8.429/92, conclui-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Já o § 4º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, inserido pela Lei nº 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. No caso, a sentença condenou Fernando Abreu Rangel pela prática de conduta tipificada no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, Marilia Grangeiro Almeida e Maria de Fátima Salgado da Fonseca pela prática de conduta tipificada no art. 10, caput, da LIA: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: Como se nota, a Lei nº 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo prejuízo ou dano ao Erário para a configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. Ainda, inseriu o § 1º no art. 10 da Lei nº 8.429/92, que prevê que nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá a imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei. Examinando-se os documentos anexados aos autos, verifica-se que não há prova de efetiva perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos. Não há nos autos nenhuma comprovação de que o servidor Fernando Abreu Rangel recebeu integralmente no mês em que justificou os 4 dias de faltas com os supostos atestados falsos. Tendo em vista que diante das incongruências alegadas administrativamente, o Requerido pleiteou o desconto desses dias ou a sua compensação com as férias referente ao período aquisitivo 2017/2018 (ID 432850137, p. 6): [...] Venho respeitosamente requerer o abono das faltas dos dias 23, 25, 27, 30 e 31 de outubro de 2017 conforme atestados em anexo. Os dias faltosos foram para acompanhar companheira em consultas médicas, ultrassonografias e vários exames voltados à gestação. Requeiro também oportunamente, descontar 5 dias de férias referente ao exercício de 2017 para abonar as faltas dos dias 23,24,27,28 e 29 de novembro de 2017. No período que se encontrava de férias no Rio de Janeiro-RJ consoante anexo, foi enviada para a Subseção uma Carta de Intimação com finalidade de intimar para uma audiência de Conciliação na data 28/11/2017 conforme folha em anexo. Voltei na data 23/11/2017 para Macapá-AP com objetivos de vender alguns bens e tentar um acordo com a outra parte. Via de regra os dias faltosos do mês de novembro foram objetivamente para trabalhar a defesa e angariar dinheiro para Convenção das Partes no processo supracitado. Sob o lema de não prejudicar o bom andamento da Administração requeiro que sejam abonadas as referidas faltas do mês de novembro de 2017 de férias referente ao exercício de 2017. [...] Desse modo, apesar de tais irregularidades, o acervo probatório não permite concluir pelo efetivo prejuízo ao Erário, sendo este apenas presumido pela conduta irregular do servidor ao justificar sua ausência para acompanhar a esposa grávida em consultas na capital do Estado. Ainda, não há evidências de que os Requeridos agiram com dolo específico ou má-fé, que existia a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/92, ou que a conduta foi praticada com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiro, não bastando a voluntariedade do agente para a configuração do ato ímprobo. A sentença indica a existência de dolo genérico pelo fato de que os Requeridos tinham ciência da falsidade dos atestados e sua utilização para justificar as faltas: “No caso, é possível avaliar o conhecimento que os requeridos FERNANDO ABREU RANGEL e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, agentes públicos, tinham da ilicitude dos fatos e das consequências por advir, dado o grau de discernimento exigido para as respectivas funções públicas por eles exercidas e a presença de possíveis escusas. O mesmo se diz quanto à requerida MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA. Os requeridos FERNANDO ABREU RANGEL e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA ocupam, como já mencionado, os cargos de técnico judiciário perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e de médica perante o Município de Almeirim-PA, respectivamente, não sendo demais destacar que FERNANDO ABREU RANGEL, segundo se nota de seus assentos funcionais, já foi militar integrante das fileiras do Exército Brasileiro e a requerida MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA afirmou possuir vínculos há anos com o Município de Almeirim-PA e com o Estado do Amapá, o que leva à razoável conclusão de que ambos são experientes e são conhecedores das normas que regem o serviço público, mostrando-se razoável asseverar que ambos os requeridos já possuíam prévio conhecimento acerca da necessidade de observância das regras principiológicas da Administração, em especial quanto aos deveres de lealdade, honestidade e integridade. Por mais que as defesas dos requeridos tenham tentado controverter os fatos, especialmente após a mudança nas versões apresentadas pelos requeridos na fase judicial, ficou absolutamente indene de dúvidas que a emissão dos atestados ideologicamente falsos por MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA se deu na inequívoca intenção de abonar faltas de FERNANDO ABREU RANGEL ao trabalho, o que se deu a pedido de FERNANDO ABREU RANGEL e de MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA. Em um juízo de razoabilidade e fazendo uso da regra de experiência comum, os elementos objetivos dos autos deixam evidente que, mesmo conscientes de que não houve atendimento a FERNANDO ou MARÍLIA no Hospital de Monte Dourado ou no Laboratório Central de Almeirim nas datas de 23, 25, 27, 30 e 31/10/2017, os requeridos, ardilosamente e faltando com os deveres de lealdade e de honestidade, FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA montaram estratagema para fornecimento de atestados médicos por esta última com a clara e confessada intenção de abonar faltas de FERNANDO, o que deixa evidenciado o dolo como móvel de todas as condutas verificadas nos autos. MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA, ademais, apesar de figurar como a companheira de FERNANDO que teria ajudado a intermediar a obtenção de atestados médicos para este junto à médica MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, não era inexperiente, porquanto ficou evidenciado nos autos que era funcionária do Banco Bradesco em Monte Dourado-PA, sendo possível aquilatar que se tratava de pessoa consciente da ilicitude consistente na obtenção de atestados médicos ideologicamente falsos. O dolo, pois, foi o móvel da atuação de FERNANDO ABREU RANGEL e de MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA ao solicitarem atestados médicos ideologicamente falsos a MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA com a finalidade de abonar faltas injustificadas do primeiro, bem como se conflagra o dolo como elemento volitivo de MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA ao aquiescer a tal pedido e fornecer, em duas oportunidades, diversos atestados a FERNANDO e MARÍLIA com a mesma finalidade desonesta de abonar faltas injustificadas, assim como o dolo se evidencia inequívoco na conduta de FERNANDO ABREU RANGEL ao apresentar referidos atestados à sua chefia imediata com o fito de abonar faltas e, com isso, receber os pagamentos por dias não trabalhados, como de fato recebeu. Não há dúvidas de que os requeridos tinham prévia ciência da ilicitude dos atos que praticaram, bem como das consequências que deles adviriam, assumindo, conscientemente, o risco de praticar tais condutas. Tinham o dever objetivo de zelar pelas suas respectivas condutas perante a Administração Pública, mas, deliberada e conscientemente, optaram por compactuar, dissimular e falsear documento com finalidade ilegal de abonar faltas, o que ensejou o enriquecimento ilícito e o dano ao erário já destacados anteriormente. Mostrou-se evidente a atuação desonesta e, portanto, ímproba de FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, bem como a inobservância dos deveres de antemão já conhecidos para com a Administração Pública, o que se deu intencionalmente, sem qualquer margem para dúvidas. Assim, não houve demonstração de causas que excluam ou mitiguem a responsabilidade ou, ainda, que pudessem ter afetado a capacidade de decisão e reação por parte dos requeridos, que ostentaram maturidade e conhecimento prévios. Impõe-se, desse modo, o reconhecimento do dolo como elemento subjetivo em suas condutas, impondo-se, via de consequência, a sua responsabilização pelos atos ímprobos que causaram enriquecimento ilícito e dano ao erário.” (ID 432850297) Observa-se que não há nenhuma demonstração de que o servidor, Fernando de Abreu Rangel, possuía a intenção de se enriquecer ilicitamente ao justificar seus 4 (quatro) dias de faltas com atestados médicos obtidos juntamente com a médica que atendeu sua companheira grávida, passando por graves problemas psicológicos. Do mesmo modo, não há nenhuma comprovação de que Marília Grangeiro Almeida, companheira do servidor público, e Maria de Fátima Salgado da Fonseca que a atendeu e elaborou os atestados, possuíam qualquer intenção de lesar ao Erário. Sequer há a comprovação de efetivo dano, tendo em vista o pedido de compensação dos 4 (quatro) dias não trabalhados com as férias do Requerido. Ainda, não há comprovação de que o Requerido auferiu vantagem patrimonial indevida. É essencial que seja demonstrado o acréscimo patrimonial do agente para que se configure o ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito, o que não se verifica no caso. Desse modo, não é possível condenar o Requerido com base no art. 9º, da Lei nº 8.429/92. Nesse aspecto, não há como enquadrar as condutas aqui questionadas na Lei de Improbidade Administrativa, que atrai severas sanções para seus infratores, a exemplo da suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Pontua-se que todo ato ímprobo é um ato ilícito, mas nem todo ato ilícito constitui ato de improbidade. Conforme art. 17-C, § 1º, da Lei nº 8.429/92, “a ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Portanto, não há que se falar em ato de improbidade administrativa, impondo-se a reforma da sentença, para que seja julgada improcedente a ação. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO às apelações, para julgar improcedente a ação de improbidade administrativa. Sem honorários ou custas (art. 23-B, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.429/92). É como voto. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGEL e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA - DF15143-A, CAROLINA REZENDE MORAES - DF59689-A, MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO - AP2272-A e ERLIENE GONCALVES LIMA NO - PA6574-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) EMENTA ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 9º E 10, LEI Nº 8.429/92. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 14.230/2021. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO COMPROVADO. DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO NÃO DEMONSTRADOS. INEXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS PROVIDOS. 1. Ação de improbidade administrativa que imputa aos Requeridos a prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 9°, inciso XI, 10, caput, e 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92. 2. Conforme a sentença, os Requeridos praticaram condutas que ensejaram enriquecimento ilícito e dano ao Erário, nos termos dos arts. 9º, caput, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92, pela apresentação de atestados médicos falsos por servidor público para justificar 4 (quatro) dias de faltas ao trabalho. 3. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir a presença do dolo específico para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Ainda, a Lei nº 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo prejuízo ou dano ao Erário para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. 4. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. 5. É essencial que seja demonstrado o acréscimo patrimonial do agente para que se configure o ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito, o que não se verifica no caso. 6. Não restou comprovado o dolo específico na conduta dos Requeridos. Ainda, não restou demonstrado o efetivo prejuízo ao Erário, o que inviabiliza a condenação pelo art. 10 da LIA, tendo em vista as inovações da Lei nº 14.230/2021. 7. Recursos providos. Improcedência da ação de improbidade administrativa. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do voto do relator. Brasília-DF. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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Processo nº 0000021-53.2019.4.01.3101
ID: 301300106
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000021-53.2019.4.01.3101
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ERLIENE GONCALVES LIMA NO
OAB/PA XXXXXX
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MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO
OAB/AP XXXXXX
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CAROLINA REZENDE MORAES
OAB/DF XXXXXX
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VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGE…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGEL e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA - DF15143-A, CAROLINA REZENDE MORAES - DF59689-A, MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO - AP2272-A e ERLIENE GONCALVES LIMA NO - PA6574-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0000021-53.2019.4.01.3101 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): Fernando Abreu Rangel, Marilia Grangeiro Almeida e Maria de Fátima Salgado da Fonseca apelam da sentença proferida pelo Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Laranjal do Jari/AP, que julgou procedente em parte a ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, e condenou os Requeridos pela prática de atos ímprobos previstos nos arts. 9º, caput, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92. Narra a inicial (ID 432850137, pp. 2/16): “Os requeridos, aproximadamente entre os dias 23/10/2017 e 4/12/2017, agindo de modo livre e consciente, em conluio, associaram-se com a finalidade espúria de praticar crimes, falsificaram atestados médicos, e, nos dias 30/11/2017 e 4/12/2017, FERNANDO ABREU RANGEL fez uso de 7 (sete) documentos falsos (atestados médicos) perante a Subseção Judiciária de Laranjal do Jari, induzindo a referida instituição a erro, mediante meio fraudulento, bem como recebeu remuneração sem efetivamente trabalhar e sem apresentar justificativa legal para tanto, obtendo, assim, vantagem ilícita e causando prejuízos ao erário e ao serviço público federal. Conforme consta dos autos, o servidor Fernando Abreu Rangel, técnico judiciário, matrícula AP20206, em exercício na Vara Única da Subseção Judiciária da Justiça Federal de Laranjal do Jari/AP, não compareceu ao trabalho nos dias 23, 25, 27, 30 e 31 do mês de outubro de 2017 e nos dias 23, 24, 27, 28 e 29 de novembro. Para justificar as ausências no mês de outubro/2017, o servidor Fernando apresentou 4 (quatro) atestados médicos em seu nome, emitidos pela Dra. Maria de Fátima Salgado da Fonseca, CRM 0532/AP, com o CID 10K29 (Gastrite e duodenite), noticiando que teria sido atendido na unidade de Saúde de Monte Dourado/PA (ids. 5229388, 5229461, 5229486 e 5229546, SEI 0003148-08.2017.4.01.8003, pgs. 5-8).” Por fim, o Ministério Público Federal requereu a condenação dos Réus às penas do art. 12, da Lei nº 8.429/92. A sentença (ID 432850297) julgou procedente em parte a ação, com base nos seguintes fundamentos: “De tudo o que se colheu nos autos, conforme tratado nas linhas anteriores, tem-se que foi comprovada a tese de acusação em face dos requeridos em razão do proposital uso de atestados ideologicamente falsos, que culminou no enriquecimento ilícito de FERNANDO ABREU RANGEL e do dano ao erário causado por MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, tendo a parte autora se desonerado do onus probandi nesse aspecto específico (art. 373, I, do CPC). Ainda que se tenha demonstrado, por meio do atestado médico emitido pela médica psiquiatra Ana Lúcia da Cunha Barbosa, que FERNANDO foi acompanhante de MARÍLIA em consulta de rotina, na cidade de Macapá-AP, na data de 23/10/2017, comprovou-se nos autos, de modo inequívoco, que os 7 (sete) atestados médicos emitidos por MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA em favor de FERNANDO nas datas de 23, 25, 27, 30 e 31/10/2017 se deram em falsidade ideológica quanto ao seu conteúdo. Assim, ainda que uma das faltas ao serviço por parte de FERNANDO tenha sido justificada por meio de atestado idôneo emitido por médica outra (23/10/2017), as demais 4 (quatro) faltas no período não o foram. Quanto a isso não há dúvidas de que FERNANDO ABREU RANGEL e sua companheira MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA, em estratagema articulado com a médica MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, por meio do fornecimento por parte desta última de atestados ideologicamente falsos, com a clara intenção de abonar faltas injustificadas ao trabalho por parte de FERNANDO, acabaram por incorrer, as duas requeridas, em ato de improbidade que importou em prejuízo à Administração, nos termos do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992, enquanto FERNANDO ABREU RANGEL incorreu em ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/1992, dado o recebimento indevido por dias não trabalhados. Vale dizer, quanto ao mais, que o acervo probatório dos autos é claro e hígido nesse aspecto, bem como que a Justiça Federal e o Ministério Público Federal são órgãos dotados de corpo técnico habilitado a realizar apurações administrativas e aferições dessa natureza, constituindo sua conclusão técnica nos autos da Sindicância, do PAD e do PIC elementos de robusta relevância aptos de serem utilizados como meio de prova adequada no âmbito processual, não sendo demais frisar que os fatos foram expostos pelos próprios requeridos nos autos, não havendo que se falar em controvérsia quanto a esse aspecto específico, tampouco se mostrando pertinente as tentativas de mudança de foco intentadas pelas defesas, dada a objetividade da comprovação da tese inicial havida nos autos em razão de seus fartos elementos. O sistema sancionatório da improbidade administrativa cuida de ilícitos pluriobjetivos, porque desafiam valores ou bens jurídicos tutelados na legislação penal, civil, política e administrativa. Para que se configure materialmente a improbidade administrativa é preciso que ela atinja os bens jurídicos tutelados, como no presente caso, a saber, a correta aplicação de verba pública orçamentária. Deste modo, diante do que foi exposto, as condutas intencionais atribuídas aos requeridos FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, amoldam-se, respectivamente, ao ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/1992, quanto ao primeiro, e ao ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992 quanto às duas últimas. Confira-se:” Maria de Fátima Salgado da Fonseca interpôs apelação contra a sentença (ID 432850314). Suscita, em síntese, a inocorrência de ato de improbidade, por ausência de comprovação de dolo ou má-fé nos fatos atribuídos. Assevera que todos os laudos, atestados e receitas carreados aos autos, foram expedidos após o atendimento do paciente Fernando Abreu Rangel. Requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Marilia Grangeiro Almeida e Fernando Abreu Rangel também interpuseram apelações contra a sentença (ID 432850323 e ID 432850324). Aduzem, em síntese, a inocorrência de ato de improbidade administrativa, em razão da falta do elemento subjetivo da conduta. O MPF apresentou contrarrazões às apelações (ID 432850329). A Procuradoria Regional da República da 1ª Região apresentou Parecer e opinou pelo não provimento das apelações (ID 435460206). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0000021-53.2019.4.01.3101 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): Como relatado, esta ação de improbidade administrativa se destina à persecução de fatos relacionados à suposta apresentação de atestados médicos falsos pelo servidor, Fernando Abreu Rangel, para justificar 4 (quatro) dias de faltas ao trabalho. A sentença julgou procedente em parte a ação, porque entendeu que a autoria e a materialidade dos atos ímprobos imputados aos Requeridos, foram comprovadas, motivo pelo qual foram condenados como incursos nos arts. 9º, caput, 10, caput, da LIA. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, que inseriu o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. O § 2º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 8.429/92, conclui-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Já o § 4º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, inserido pela Lei nº 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. No caso, a sentença condenou Fernando Abreu Rangel pela prática de conduta tipificada no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, Marilia Grangeiro Almeida e Maria de Fátima Salgado da Fonseca pela prática de conduta tipificada no art. 10, caput, da LIA: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: Como se nota, a Lei nº 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo prejuízo ou dano ao Erário para a configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. Ainda, inseriu o § 1º no art. 10 da Lei nº 8.429/92, que prevê que nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá a imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei. Examinando-se os documentos anexados aos autos, verifica-se que não há prova de efetiva perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos. Não há nos autos nenhuma comprovação de que o servidor Fernando Abreu Rangel recebeu integralmente no mês em que justificou os 4 dias de faltas com os supostos atestados falsos. Tendo em vista que diante das incongruências alegadas administrativamente, o Requerido pleiteou o desconto desses dias ou a sua compensação com as férias referente ao período aquisitivo 2017/2018 (ID 432850137, p. 6): [...] Venho respeitosamente requerer o abono das faltas dos dias 23, 25, 27, 30 e 31 de outubro de 2017 conforme atestados em anexo. Os dias faltosos foram para acompanhar companheira em consultas médicas, ultrassonografias e vários exames voltados à gestação. Requeiro também oportunamente, descontar 5 dias de férias referente ao exercício de 2017 para abonar as faltas dos dias 23,24,27,28 e 29 de novembro de 2017. No período que se encontrava de férias no Rio de Janeiro-RJ consoante anexo, foi enviada para a Subseção uma Carta de Intimação com finalidade de intimar para uma audiência de Conciliação na data 28/11/2017 conforme folha em anexo. Voltei na data 23/11/2017 para Macapá-AP com objetivos de vender alguns bens e tentar um acordo com a outra parte. Via de regra os dias faltosos do mês de novembro foram objetivamente para trabalhar a defesa e angariar dinheiro para Convenção das Partes no processo supracitado. Sob o lema de não prejudicar o bom andamento da Administração requeiro que sejam abonadas as referidas faltas do mês de novembro de 2017 de férias referente ao exercício de 2017. [...] Desse modo, apesar de tais irregularidades, o acervo probatório não permite concluir pelo efetivo prejuízo ao Erário, sendo este apenas presumido pela conduta irregular do servidor ao justificar sua ausência para acompanhar a esposa grávida em consultas na capital do Estado. Ainda, não há evidências de que os Requeridos agiram com dolo específico ou má-fé, que existia a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/92, ou que a conduta foi praticada com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiro, não bastando a voluntariedade do agente para a configuração do ato ímprobo. A sentença indica a existência de dolo genérico pelo fato de que os Requeridos tinham ciência da falsidade dos atestados e sua utilização para justificar as faltas: “No caso, é possível avaliar o conhecimento que os requeridos FERNANDO ABREU RANGEL e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, agentes públicos, tinham da ilicitude dos fatos e das consequências por advir, dado o grau de discernimento exigido para as respectivas funções públicas por eles exercidas e a presença de possíveis escusas. O mesmo se diz quanto à requerida MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA. Os requeridos FERNANDO ABREU RANGEL e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA ocupam, como já mencionado, os cargos de técnico judiciário perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e de médica perante o Município de Almeirim-PA, respectivamente, não sendo demais destacar que FERNANDO ABREU RANGEL, segundo se nota de seus assentos funcionais, já foi militar integrante das fileiras do Exército Brasileiro e a requerida MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA afirmou possuir vínculos há anos com o Município de Almeirim-PA e com o Estado do Amapá, o que leva à razoável conclusão de que ambos são experientes e são conhecedores das normas que regem o serviço público, mostrando-se razoável asseverar que ambos os requeridos já possuíam prévio conhecimento acerca da necessidade de observância das regras principiológicas da Administração, em especial quanto aos deveres de lealdade, honestidade e integridade. Por mais que as defesas dos requeridos tenham tentado controverter os fatos, especialmente após a mudança nas versões apresentadas pelos requeridos na fase judicial, ficou absolutamente indene de dúvidas que a emissão dos atestados ideologicamente falsos por MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA se deu na inequívoca intenção de abonar faltas de FERNANDO ABREU RANGEL ao trabalho, o que se deu a pedido de FERNANDO ABREU RANGEL e de MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA. Em um juízo de razoabilidade e fazendo uso da regra de experiência comum, os elementos objetivos dos autos deixam evidente que, mesmo conscientes de que não houve atendimento a FERNANDO ou MARÍLIA no Hospital de Monte Dourado ou no Laboratório Central de Almeirim nas datas de 23, 25, 27, 30 e 31/10/2017, os requeridos, ardilosamente e faltando com os deveres de lealdade e de honestidade, FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA montaram estratagema para fornecimento de atestados médicos por esta última com a clara e confessada intenção de abonar faltas de FERNANDO, o que deixa evidenciado o dolo como móvel de todas as condutas verificadas nos autos. MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA, ademais, apesar de figurar como a companheira de FERNANDO que teria ajudado a intermediar a obtenção de atestados médicos para este junto à médica MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, não era inexperiente, porquanto ficou evidenciado nos autos que era funcionária do Banco Bradesco em Monte Dourado-PA, sendo possível aquilatar que se tratava de pessoa consciente da ilicitude consistente na obtenção de atestados médicos ideologicamente falsos. O dolo, pois, foi o móvel da atuação de FERNANDO ABREU RANGEL e de MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA ao solicitarem atestados médicos ideologicamente falsos a MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA com a finalidade de abonar faltas injustificadas do primeiro, bem como se conflagra o dolo como elemento volitivo de MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA ao aquiescer a tal pedido e fornecer, em duas oportunidades, diversos atestados a FERNANDO e MARÍLIA com a mesma finalidade desonesta de abonar faltas injustificadas, assim como o dolo se evidencia inequívoco na conduta de FERNANDO ABREU RANGEL ao apresentar referidos atestados à sua chefia imediata com o fito de abonar faltas e, com isso, receber os pagamentos por dias não trabalhados, como de fato recebeu. Não há dúvidas de que os requeridos tinham prévia ciência da ilicitude dos atos que praticaram, bem como das consequências que deles adviriam, assumindo, conscientemente, o risco de praticar tais condutas. Tinham o dever objetivo de zelar pelas suas respectivas condutas perante a Administração Pública, mas, deliberada e conscientemente, optaram por compactuar, dissimular e falsear documento com finalidade ilegal de abonar faltas, o que ensejou o enriquecimento ilícito e o dano ao erário já destacados anteriormente. Mostrou-se evidente a atuação desonesta e, portanto, ímproba de FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, bem como a inobservância dos deveres de antemão já conhecidos para com a Administração Pública, o que se deu intencionalmente, sem qualquer margem para dúvidas. Assim, não houve demonstração de causas que excluam ou mitiguem a responsabilidade ou, ainda, que pudessem ter afetado a capacidade de decisão e reação por parte dos requeridos, que ostentaram maturidade e conhecimento prévios. Impõe-se, desse modo, o reconhecimento do dolo como elemento subjetivo em suas condutas, impondo-se, via de consequência, a sua responsabilização pelos atos ímprobos que causaram enriquecimento ilícito e dano ao erário.” (ID 432850297) Observa-se que não há nenhuma demonstração de que o servidor, Fernando de Abreu Rangel, possuía a intenção de se enriquecer ilicitamente ao justificar seus 4 (quatro) dias de faltas com atestados médicos obtidos juntamente com a médica que atendeu sua companheira grávida, passando por graves problemas psicológicos. Do mesmo modo, não há nenhuma comprovação de que Marília Grangeiro Almeida, companheira do servidor público, e Maria de Fátima Salgado da Fonseca que a atendeu e elaborou os atestados, possuíam qualquer intenção de lesar ao Erário. Sequer há a comprovação de efetivo dano, tendo em vista o pedido de compensação dos 4 (quatro) dias não trabalhados com as férias do Requerido. Ainda, não há comprovação de que o Requerido auferiu vantagem patrimonial indevida. É essencial que seja demonstrado o acréscimo patrimonial do agente para que se configure o ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito, o que não se verifica no caso. Desse modo, não é possível condenar o Requerido com base no art. 9º, da Lei nº 8.429/92. Nesse aspecto, não há como enquadrar as condutas aqui questionadas na Lei de Improbidade Administrativa, que atrai severas sanções para seus infratores, a exemplo da suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Pontua-se que todo ato ímprobo é um ato ilícito, mas nem todo ato ilícito constitui ato de improbidade. Conforme art. 17-C, § 1º, da Lei nº 8.429/92, “a ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Portanto, não há que se falar em ato de improbidade administrativa, impondo-se a reforma da sentença, para que seja julgada improcedente a ação. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO às apelações, para julgar improcedente a ação de improbidade administrativa. Sem honorários ou custas (art. 23-B, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.429/92). É como voto. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGEL e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA - DF15143-A, CAROLINA REZENDE MORAES - DF59689-A, MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO - AP2272-A e ERLIENE GONCALVES LIMA NO - PA6574-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) EMENTA ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 9º E 10, LEI Nº 8.429/92. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 14.230/2021. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO COMPROVADO. DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO NÃO DEMONSTRADOS. INEXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS PROVIDOS. 1. Ação de improbidade administrativa que imputa aos Requeridos a prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 9°, inciso XI, 10, caput, e 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92. 2. Conforme a sentença, os Requeridos praticaram condutas que ensejaram enriquecimento ilícito e dano ao Erário, nos termos dos arts. 9º, caput, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92, pela apresentação de atestados médicos falsos por servidor público para justificar 4 (quatro) dias de faltas ao trabalho. 3. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir a presença do dolo específico para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Ainda, a Lei nº 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo prejuízo ou dano ao Erário para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. 4. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. 5. É essencial que seja demonstrado o acréscimo patrimonial do agente para que se configure o ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito, o que não se verifica no caso. 6. Não restou comprovado o dolo específico na conduta dos Requeridos. Ainda, não restou demonstrado o efetivo prejuízo ao Erário, o que inviabiliza a condenação pelo art. 10 da LIA, tendo em vista as inovações da Lei nº 14.230/2021. 7. Recursos providos. Improcedência da ação de improbidade administrativa. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do voto do relator. Brasília-DF. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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Processo nº 0000021-53.2019.4.01.3101
ID: 301300109
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000021-53.2019.4.01.3101
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ERLIENE GONCALVES LIMA NO
OAB/PA XXXXXX
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MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO
OAB/AP XXXXXX
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CAROLINA REZENDE MORAES
OAB/DF XXXXXX
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VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGE…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGEL e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA - DF15143-A, CAROLINA REZENDE MORAES - DF59689-A, MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO - AP2272-A e ERLIENE GONCALVES LIMA NO - PA6574-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0000021-53.2019.4.01.3101 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): Fernando Abreu Rangel, Marilia Grangeiro Almeida e Maria de Fátima Salgado da Fonseca apelam da sentença proferida pelo Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Laranjal do Jari/AP, que julgou procedente em parte a ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, e condenou os Requeridos pela prática de atos ímprobos previstos nos arts. 9º, caput, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92. Narra a inicial (ID 432850137, pp. 2/16): “Os requeridos, aproximadamente entre os dias 23/10/2017 e 4/12/2017, agindo de modo livre e consciente, em conluio, associaram-se com a finalidade espúria de praticar crimes, falsificaram atestados médicos, e, nos dias 30/11/2017 e 4/12/2017, FERNANDO ABREU RANGEL fez uso de 7 (sete) documentos falsos (atestados médicos) perante a Subseção Judiciária de Laranjal do Jari, induzindo a referida instituição a erro, mediante meio fraudulento, bem como recebeu remuneração sem efetivamente trabalhar e sem apresentar justificativa legal para tanto, obtendo, assim, vantagem ilícita e causando prejuízos ao erário e ao serviço público federal. Conforme consta dos autos, o servidor Fernando Abreu Rangel, técnico judiciário, matrícula AP20206, em exercício na Vara Única da Subseção Judiciária da Justiça Federal de Laranjal do Jari/AP, não compareceu ao trabalho nos dias 23, 25, 27, 30 e 31 do mês de outubro de 2017 e nos dias 23, 24, 27, 28 e 29 de novembro. Para justificar as ausências no mês de outubro/2017, o servidor Fernando apresentou 4 (quatro) atestados médicos em seu nome, emitidos pela Dra. Maria de Fátima Salgado da Fonseca, CRM 0532/AP, com o CID 10K29 (Gastrite e duodenite), noticiando que teria sido atendido na unidade de Saúde de Monte Dourado/PA (ids. 5229388, 5229461, 5229486 e 5229546, SEI 0003148-08.2017.4.01.8003, pgs. 5-8).” Por fim, o Ministério Público Federal requereu a condenação dos Réus às penas do art. 12, da Lei nº 8.429/92. A sentença (ID 432850297) julgou procedente em parte a ação, com base nos seguintes fundamentos: “De tudo o que se colheu nos autos, conforme tratado nas linhas anteriores, tem-se que foi comprovada a tese de acusação em face dos requeridos em razão do proposital uso de atestados ideologicamente falsos, que culminou no enriquecimento ilícito de FERNANDO ABREU RANGEL e do dano ao erário causado por MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, tendo a parte autora se desonerado do onus probandi nesse aspecto específico (art. 373, I, do CPC). Ainda que se tenha demonstrado, por meio do atestado médico emitido pela médica psiquiatra Ana Lúcia da Cunha Barbosa, que FERNANDO foi acompanhante de MARÍLIA em consulta de rotina, na cidade de Macapá-AP, na data de 23/10/2017, comprovou-se nos autos, de modo inequívoco, que os 7 (sete) atestados médicos emitidos por MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA em favor de FERNANDO nas datas de 23, 25, 27, 30 e 31/10/2017 se deram em falsidade ideológica quanto ao seu conteúdo. Assim, ainda que uma das faltas ao serviço por parte de FERNANDO tenha sido justificada por meio de atestado idôneo emitido por médica outra (23/10/2017), as demais 4 (quatro) faltas no período não o foram. Quanto a isso não há dúvidas de que FERNANDO ABREU RANGEL e sua companheira MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA, em estratagema articulado com a médica MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, por meio do fornecimento por parte desta última de atestados ideologicamente falsos, com a clara intenção de abonar faltas injustificadas ao trabalho por parte de FERNANDO, acabaram por incorrer, as duas requeridas, em ato de improbidade que importou em prejuízo à Administração, nos termos do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992, enquanto FERNANDO ABREU RANGEL incorreu em ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/1992, dado o recebimento indevido por dias não trabalhados. Vale dizer, quanto ao mais, que o acervo probatório dos autos é claro e hígido nesse aspecto, bem como que a Justiça Federal e o Ministério Público Federal são órgãos dotados de corpo técnico habilitado a realizar apurações administrativas e aferições dessa natureza, constituindo sua conclusão técnica nos autos da Sindicância, do PAD e do PIC elementos de robusta relevância aptos de serem utilizados como meio de prova adequada no âmbito processual, não sendo demais frisar que os fatos foram expostos pelos próprios requeridos nos autos, não havendo que se falar em controvérsia quanto a esse aspecto específico, tampouco se mostrando pertinente as tentativas de mudança de foco intentadas pelas defesas, dada a objetividade da comprovação da tese inicial havida nos autos em razão de seus fartos elementos. O sistema sancionatório da improbidade administrativa cuida de ilícitos pluriobjetivos, porque desafiam valores ou bens jurídicos tutelados na legislação penal, civil, política e administrativa. Para que se configure materialmente a improbidade administrativa é preciso que ela atinja os bens jurídicos tutelados, como no presente caso, a saber, a correta aplicação de verba pública orçamentária. Deste modo, diante do que foi exposto, as condutas intencionais atribuídas aos requeridos FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, amoldam-se, respectivamente, ao ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/1992, quanto ao primeiro, e ao ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992 quanto às duas últimas. Confira-se:” Maria de Fátima Salgado da Fonseca interpôs apelação contra a sentença (ID 432850314). Suscita, em síntese, a inocorrência de ato de improbidade, por ausência de comprovação de dolo ou má-fé nos fatos atribuídos. Assevera que todos os laudos, atestados e receitas carreados aos autos, foram expedidos após o atendimento do paciente Fernando Abreu Rangel. Requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Marilia Grangeiro Almeida e Fernando Abreu Rangel também interpuseram apelações contra a sentença (ID 432850323 e ID 432850324). Aduzem, em síntese, a inocorrência de ato de improbidade administrativa, em razão da falta do elemento subjetivo da conduta. O MPF apresentou contrarrazões às apelações (ID 432850329). A Procuradoria Regional da República da 1ª Região apresentou Parecer e opinou pelo não provimento das apelações (ID 435460206). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0000021-53.2019.4.01.3101 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): Como relatado, esta ação de improbidade administrativa se destina à persecução de fatos relacionados à suposta apresentação de atestados médicos falsos pelo servidor, Fernando Abreu Rangel, para justificar 4 (quatro) dias de faltas ao trabalho. A sentença julgou procedente em parte a ação, porque entendeu que a autoria e a materialidade dos atos ímprobos imputados aos Requeridos, foram comprovadas, motivo pelo qual foram condenados como incursos nos arts. 9º, caput, 10, caput, da LIA. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, que inseriu o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. O § 2º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 8.429/92, conclui-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Já o § 4º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, inserido pela Lei nº 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. No caso, a sentença condenou Fernando Abreu Rangel pela prática de conduta tipificada no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, Marilia Grangeiro Almeida e Maria de Fátima Salgado da Fonseca pela prática de conduta tipificada no art. 10, caput, da LIA: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: Como se nota, a Lei nº 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo prejuízo ou dano ao Erário para a configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. Ainda, inseriu o § 1º no art. 10 da Lei nº 8.429/92, que prevê que nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá a imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei. Examinando-se os documentos anexados aos autos, verifica-se que não há prova de efetiva perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos. Não há nos autos nenhuma comprovação de que o servidor Fernando Abreu Rangel recebeu integralmente no mês em que justificou os 4 dias de faltas com os supostos atestados falsos. Tendo em vista que diante das incongruências alegadas administrativamente, o Requerido pleiteou o desconto desses dias ou a sua compensação com as férias referente ao período aquisitivo 2017/2018 (ID 432850137, p. 6): [...] Venho respeitosamente requerer o abono das faltas dos dias 23, 25, 27, 30 e 31 de outubro de 2017 conforme atestados em anexo. Os dias faltosos foram para acompanhar companheira em consultas médicas, ultrassonografias e vários exames voltados à gestação. Requeiro também oportunamente, descontar 5 dias de férias referente ao exercício de 2017 para abonar as faltas dos dias 23,24,27,28 e 29 de novembro de 2017. No período que se encontrava de férias no Rio de Janeiro-RJ consoante anexo, foi enviada para a Subseção uma Carta de Intimação com finalidade de intimar para uma audiência de Conciliação na data 28/11/2017 conforme folha em anexo. Voltei na data 23/11/2017 para Macapá-AP com objetivos de vender alguns bens e tentar um acordo com a outra parte. Via de regra os dias faltosos do mês de novembro foram objetivamente para trabalhar a defesa e angariar dinheiro para Convenção das Partes no processo supracitado. Sob o lema de não prejudicar o bom andamento da Administração requeiro que sejam abonadas as referidas faltas do mês de novembro de 2017 de férias referente ao exercício de 2017. [...] Desse modo, apesar de tais irregularidades, o acervo probatório não permite concluir pelo efetivo prejuízo ao Erário, sendo este apenas presumido pela conduta irregular do servidor ao justificar sua ausência para acompanhar a esposa grávida em consultas na capital do Estado. Ainda, não há evidências de que os Requeridos agiram com dolo específico ou má-fé, que existia a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/92, ou que a conduta foi praticada com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiro, não bastando a voluntariedade do agente para a configuração do ato ímprobo. A sentença indica a existência de dolo genérico pelo fato de que os Requeridos tinham ciência da falsidade dos atestados e sua utilização para justificar as faltas: “No caso, é possível avaliar o conhecimento que os requeridos FERNANDO ABREU RANGEL e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, agentes públicos, tinham da ilicitude dos fatos e das consequências por advir, dado o grau de discernimento exigido para as respectivas funções públicas por eles exercidas e a presença de possíveis escusas. O mesmo se diz quanto à requerida MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA. Os requeridos FERNANDO ABREU RANGEL e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA ocupam, como já mencionado, os cargos de técnico judiciário perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e de médica perante o Município de Almeirim-PA, respectivamente, não sendo demais destacar que FERNANDO ABREU RANGEL, segundo se nota de seus assentos funcionais, já foi militar integrante das fileiras do Exército Brasileiro e a requerida MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA afirmou possuir vínculos há anos com o Município de Almeirim-PA e com o Estado do Amapá, o que leva à razoável conclusão de que ambos são experientes e são conhecedores das normas que regem o serviço público, mostrando-se razoável asseverar que ambos os requeridos já possuíam prévio conhecimento acerca da necessidade de observância das regras principiológicas da Administração, em especial quanto aos deveres de lealdade, honestidade e integridade. Por mais que as defesas dos requeridos tenham tentado controverter os fatos, especialmente após a mudança nas versões apresentadas pelos requeridos na fase judicial, ficou absolutamente indene de dúvidas que a emissão dos atestados ideologicamente falsos por MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA se deu na inequívoca intenção de abonar faltas de FERNANDO ABREU RANGEL ao trabalho, o que se deu a pedido de FERNANDO ABREU RANGEL e de MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA. Em um juízo de razoabilidade e fazendo uso da regra de experiência comum, os elementos objetivos dos autos deixam evidente que, mesmo conscientes de que não houve atendimento a FERNANDO ou MARÍLIA no Hospital de Monte Dourado ou no Laboratório Central de Almeirim nas datas de 23, 25, 27, 30 e 31/10/2017, os requeridos, ardilosamente e faltando com os deveres de lealdade e de honestidade, FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA montaram estratagema para fornecimento de atestados médicos por esta última com a clara e confessada intenção de abonar faltas de FERNANDO, o que deixa evidenciado o dolo como móvel de todas as condutas verificadas nos autos. MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA, ademais, apesar de figurar como a companheira de FERNANDO que teria ajudado a intermediar a obtenção de atestados médicos para este junto à médica MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, não era inexperiente, porquanto ficou evidenciado nos autos que era funcionária do Banco Bradesco em Monte Dourado-PA, sendo possível aquilatar que se tratava de pessoa consciente da ilicitude consistente na obtenção de atestados médicos ideologicamente falsos. O dolo, pois, foi o móvel da atuação de FERNANDO ABREU RANGEL e de MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA ao solicitarem atestados médicos ideologicamente falsos a MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA com a finalidade de abonar faltas injustificadas do primeiro, bem como se conflagra o dolo como elemento volitivo de MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA ao aquiescer a tal pedido e fornecer, em duas oportunidades, diversos atestados a FERNANDO e MARÍLIA com a mesma finalidade desonesta de abonar faltas injustificadas, assim como o dolo se evidencia inequívoco na conduta de FERNANDO ABREU RANGEL ao apresentar referidos atestados à sua chefia imediata com o fito de abonar faltas e, com isso, receber os pagamentos por dias não trabalhados, como de fato recebeu. Não há dúvidas de que os requeridos tinham prévia ciência da ilicitude dos atos que praticaram, bem como das consequências que deles adviriam, assumindo, conscientemente, o risco de praticar tais condutas. Tinham o dever objetivo de zelar pelas suas respectivas condutas perante a Administração Pública, mas, deliberada e conscientemente, optaram por compactuar, dissimular e falsear documento com finalidade ilegal de abonar faltas, o que ensejou o enriquecimento ilícito e o dano ao erário já destacados anteriormente. Mostrou-se evidente a atuação desonesta e, portanto, ímproba de FERNANDO ABREU RANGEL, MARÍLIA GRANGEIRO ALMEIDA e MARIA DE FÁTIMA SALGADO DA FONSECA, bem como a inobservância dos deveres de antemão já conhecidos para com a Administração Pública, o que se deu intencionalmente, sem qualquer margem para dúvidas. Assim, não houve demonstração de causas que excluam ou mitiguem a responsabilidade ou, ainda, que pudessem ter afetado a capacidade de decisão e reação por parte dos requeridos, que ostentaram maturidade e conhecimento prévios. Impõe-se, desse modo, o reconhecimento do dolo como elemento subjetivo em suas condutas, impondo-se, via de consequência, a sua responsabilização pelos atos ímprobos que causaram enriquecimento ilícito e dano ao erário.” (ID 432850297) Observa-se que não há nenhuma demonstração de que o servidor, Fernando de Abreu Rangel, possuía a intenção de se enriquecer ilicitamente ao justificar seus 4 (quatro) dias de faltas com atestados médicos obtidos juntamente com a médica que atendeu sua companheira grávida, passando por graves problemas psicológicos. Do mesmo modo, não há nenhuma comprovação de que Marília Grangeiro Almeida, companheira do servidor público, e Maria de Fátima Salgado da Fonseca que a atendeu e elaborou os atestados, possuíam qualquer intenção de lesar ao Erário. Sequer há a comprovação de efetivo dano, tendo em vista o pedido de compensação dos 4 (quatro) dias não trabalhados com as férias do Requerido. Ainda, não há comprovação de que o Requerido auferiu vantagem patrimonial indevida. É essencial que seja demonstrado o acréscimo patrimonial do agente para que se configure o ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito, o que não se verifica no caso. Desse modo, não é possível condenar o Requerido com base no art. 9º, da Lei nº 8.429/92. Nesse aspecto, não há como enquadrar as condutas aqui questionadas na Lei de Improbidade Administrativa, que atrai severas sanções para seus infratores, a exemplo da suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Pontua-se que todo ato ímprobo é um ato ilícito, mas nem todo ato ilícito constitui ato de improbidade. Conforme art. 17-C, § 1º, da Lei nº 8.429/92, “a ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Portanto, não há que se falar em ato de improbidade administrativa, impondo-se a reforma da sentença, para que seja julgada improcedente a ação. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO às apelações, para julgar improcedente a ação de improbidade administrativa. Sem honorários ou custas (art. 23-B, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.429/92). É como voto. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000021-53.2019.4.01.3101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000021-53.2019.4.01.3101 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: FERNANDO ABREU RANGEL e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: VALTER BRUNO DE OLIVEIRA GONZAGA - DF15143-A, CAROLINA REZENDE MORAES - DF59689-A, MARIA DAS NEVES DA ROCHA PINHEIRO - AP2272-A e ERLIENE GONCALVES LIMA NO - PA6574-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) EMENTA ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 9º E 10, LEI Nº 8.429/92. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 14.230/2021. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO COMPROVADO. DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO NÃO DEMONSTRADOS. INEXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS PROVIDOS. 1. Ação de improbidade administrativa que imputa aos Requeridos a prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 9°, inciso XI, 10, caput, e 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92. 2. Conforme a sentença, os Requeridos praticaram condutas que ensejaram enriquecimento ilícito e dano ao Erário, nos termos dos arts. 9º, caput, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92, pela apresentação de atestados médicos falsos por servidor público para justificar 4 (quatro) dias de faltas ao trabalho. 3. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir a presença do dolo específico para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Ainda, a Lei nº 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo prejuízo ou dano ao Erário para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. 4. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. 5. É essencial que seja demonstrado o acréscimo patrimonial do agente para que se configure o ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito, o que não se verifica no caso. 6. Não restou comprovado o dolo específico na conduta dos Requeridos. Ainda, não restou demonstrado o efetivo prejuízo ao Erário, o que inviabiliza a condenação pelo art. 10 da LIA, tendo em vista as inovações da Lei nº 14.230/2021. 7. Recursos providos. Improcedência da ação de improbidade administrativa. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do voto do relator. Brasília-DF. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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Processo nº 0002812-74.2011.4.01.4200
ID: 307066019
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0002812-74.2011.4.01.4200
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HENRIQUE SOBREIRA BARBUGIANI ATTUCH
OAB/SP XXXXXX
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JULIANA PEREIRA DE BARROS TOLEDO
OAB/SP XXXXXX
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AMANDA SANTOS DE OLIVEIRA
OAB/SP XXXXXX
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THIAGO MATIOLLI KLEINFELDER
OAB/SP XXXXXX
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GISELLE ZAMBONI
OAB/SP XXXXXX
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FLAVIO AUGUSTO BERNAVA BRANDAO
OAB/SP XXXXXX
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FERNANDO DE JESUS SANTANA
OAB/BA XXXXXX
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FELIPE AUGUSTO DA COSTA SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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BEATRIZ ALAIA COLIN
OAB/SP XXXXXX
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ANTONIO FURLAN NETO
OAB/SP XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002812-74.2011.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002812-74.2011.4.01.4200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: URZENI DA ROCHA F…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002812-74.2011.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002812-74.2011.4.01.4200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ANTONIO FURLAN NETO - SP426536, BEATRIZ ALAIA COLIN - SP454646, FELIPE AUGUSTO DA COSTA SOUZA - SP348018, FERNANDO DE JESUS SANTANA - BA66146, FLAVIO AUGUSTO BERNAVA BRANDAO - SP492717, GISELLE ZAMBONI - SP110261, THIAGO MATIOLLI KLEINFELDER - SP269289, AMANDA SANTOS DE OLIVEIRA - SP455330, JULIANA PEREIRA DE BARROS TOLEDO - SP500913 e HENRIQUE SOBREIRA BARBUGIANI ATTUCH - SP508865 POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0002812-74.2011.4.01.4200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal interposta por URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO à sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Roraima, que o condenou às penas de 11 (onze) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 246 (duzentos e quarenta e seis) dias-multa, pela prática do delito tipificado no artigo 312, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal. A sentença recorrida julgou ainda procedente em parte a pretensão punitiva do Estado para: absolver as acusadas Inara Patrícia Araújo da Silva e Rosilda Araújo de Oliveira; condenar Urzeni a Rocha Freitas Filho, Alcinara Magalhães Mota Freitas e Joaquim Estevam de Araújo Neto pela prática do delito de peculato, em continuidade delitiva; reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação ao delito do art. 288do Código Penal; reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação a Diva da Silva Brígiia, nos termos do art. 115 do Código Penal; e reconhecer a ocorrência de litispendência em relação ao réu Neudo Ribeiro Campos. Declarada extinta a punibilidade dos Recorrentes JOAQUIM ESTEVAM DE ARAÚJO NETO e ALCINARA MAGALHÃES MOTA FREITAS, quanto à prática do crime previsto no art. 312, caput, do CP, em razão da prescrição da pretensão punitiva em sua modalidade retroativa (ID 172915048 - Pág. 45). Conforme disposto na sentença, narra a denúncia (ID 172915031 - Pág. 2): (...) O Esquema e Seu Modus Operandi Por determinação do indiciado Neudo Ribeiro Campos, o dinheiro proveniente de convênios federais era transferido da conta específica do convênio para a conta destinada ao pagamento de servidores públicos, inclusive os chamados "gafanhotos". Os pagamentos aos supostos trabalhadores ("gafanhotos") eram efetuados pela empresa privada Norte Serviços de Arrecadação e Pagamento Ltda. (NSAP), que tinha autorização para movimentar as contas bancárias do Estado de Roraima. O então governador e ora denunciado Neudo Campos distribuía quotas aos seus afilhados políticos, notadamente deputados estaduais e conselheiros do Tribunal de Contas do Estado. Cada beneficiário era chamado pelo governador a uma reunião reservada, na qual era definida sua quota. Assim, cada beneficiário não sabia dos demais nem quanto cada um recebia, formando-se quadrilhas autônomas. Definido o valor a que cada beneficiário teria direito, este, diretamente ou através de prepostos seus, aliciava pessoas comuns da população, prometendo-lhes ajuda financeira e as relacionava como falsos servidores para serem incluídos na folha de pagamento do DER/RR ou da SEAD, dentro de sua quota. Essas pessoas aliciadas, que, via de regra, não tinham conhecimento da fraude, ficaram conhecidas como "gafanhotos", numa analogia aos insetos que comem folhas (esses comiam a folha de pagamento). A lista era então entregue ao indiciado Carlos Eduardo Levischi, diretor do DER/RR, ou à indicada Diva da Silva Briglia, Secretária de Administração, que gerenciavam a fraude a mando do governador, encaminhando o rol para que a NSAP realizasse os pagamentos. Para a retirada do pagamento, os "gafanhotos" passavam procurações com plenos poderes a pessoas de confiança ("testas de ferro") do deputado ou conselheiro beneficiado, que evitavam aparecer diretamente como procuradores. Os procuradores dos "gafanhotos" iam, então, mensalmente à NSAP receber os pagamentos dos salários, em dinheiro, conforme comprovam os recibos e procurações juntados aos autos. Na sequência, o procurador passava o dinheiro ao deputado ou conselheiro beneficiado. O "gafanhoto" não recebia nada ou, quando recebia, era uma quantia irrisória. (...) A fraude se processava, ademais, a partir do momento em que o ex-governador Neudo Campos autorizava que as verbas oriundas de convênios federais, que deveriam permanecer em contas vinculadas, fossem transferidas para a conta corrente nº 12.790-6, livremente movimentada pela Norte Serviços de Arrecadação e Pagamento Ltda. (NSAP), destinada ao pagamento dos "gafanhotos". (...) DO ESQUEMA DAS PROCURAÇÕES Como viso anteriormente, o indiciado URZENl DA ROCHA, conseguia, com auxílio dos co-indiciados NEUDO RIBEIRO CAMPOS, DIVA DA SILVA BRÍGLIA, E CARLOS EDUARDO LEVISCHI, incluir nomes de pessoas na folha de pagamento do Estado de Roraima, através das folhas da TE-ASS ou do DER/RR. Com auxilio dos co-indiciados ALCINARA MAGALHÃES MOTA FREITAS, JOAQUIM ESTEVAM DE ARAÚJO NETO, INARA PATRÍCIA ARAÚJO DA SILVA, e ROSILDA ARAÚJO DE OLIVEIRA, convencia pessoas, humildes e/ou conhecidas a outorgarem procurações para estas "testas-de-ferro", afim de que elas recebessem os vencimentos dos supostos funcionários, junto à empresa NSAP, mediante do uso das procurações. A grande maioria das pessoas que foram aliciadas pelo indiciado URZENI RQCHA não sabiam que eram funcionários do Governo do Estado de Roraima, sendo que alguns recebiam uma pequena ajuda do então Deputado, enquanto outras nada recebiam. (...) Os demais depoimentos de outorgantes de procurações colacionados aos autos se assemelham, em muito, aos aqui transcritos e comprovam que ALCINARA MAGALHÃES MOTA FREITAS, JOAQUIM ESTEVAM DE ARAÚJO NETO, INARA PATRÍCIA ARAÚJO DA SILVA e ROSILDA ARAÚJO DE OLIVEIRA recebiam os salários dos gafanhotos na NSAP e os repassavam ao então deputado estadual URZENl ROCHA, que com autorização do então governador NEUDO CAMPOS e execução de CARLOS LEVISCHI e DIVA BRIGLIA, o que permitia o desvio e apropriação da gigantesca quantia de dinheiro público no período já aduzido (Destaquei). (Excertos da denúncia - vide f.s. 02-À/02-S) Denúncia recebida em 10 de junho de 2011 (ID. 172915020). Sentença condenatória proferida em 27 de novembro de 2017 (ID. 172915031). Nas razões recursais URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO requer, em síntese (ID 172915041): a) Que seja dado provimento ao presente Recurso de Apelação, reformando-se integralmente a decisão originária e julgando-se improcedente o pedido formulado na exordial acusatória; b) Que seja decretada a nulidade da sentença pela falta de apreciação das provas documentais (recibos) apreendidos pela Polícia Federal e não incluídos no processo, nos termos do Art. 564, IV, do CPP e/ou; c) Que seja decretada a nulidade da sentença pelo vício na oitiva das testemunhas, considerando que houve contradição em fase judicial e o juiz não procedeu à acareação das declarações por elas prestadas, caracterizando omissão de formalidade essencial ao ato, em consonância com o Art. 564, IV, do CPP; d) Que seja determinado o desentranhamento da oitiva das testemunhas do processo, em razão de vícios ocorridos na fase de inquérito, uma vez que não foram observadas as formalidades legais exigidas, como a incomunicabilidade dos depoentes; e) Que seja concedida a absolvição pela inexistência de provas suficientes para condenação ("in dubio pro reo"), nos termos do Art. 386, VII, do CPP e/ou; f) Que seja concedida a absolvição, com base na comprovação de que o réu não concorreu para a infração penal, nos termos do Art. 386, IV, do CPP; g) Que seja reconhecida a exclusão da culpabilidade e a isenção da pena, em razão da obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal, conforme prevê o Art. 22 do CP; h) Que seja realizada a desclassificação do crime de peculato para o de prevaricação, caso se entenda pela existência de algum ilícito penal, com fundamento no Art. 319 do CP, e, em consequência, seja anulada a sentença, com a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal e o posterior reconhecimento da prescrição do crime; i) Que seja reconhecida a atenuante prevista no Art. 65, III, "c", do CP, caso Vossas Excelências não entendam pela absolvição do réu; j) Que sejam levados em consideração os bons antecedentes do réu, sua condição de primário e outras circunstâncias já reconhecidas na sentença, reduzindo-se a pena-base ao mínimo legal, em conformidade com o Art. 59 do CP; k) Que seja reconhecida a redução da pena para período de reclusão inferior a 4 anos, com a consequente substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos do Art. 44 do CP. Contrarrazões apresentadas (ID. 172915041), O Ministério Público Federal manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento da apelação (ID. 166881050). É o relatório. À eminente Revisora (CPP, Art. 613, I; RITRF1, Art. 30, III). MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0002812-74.2011.4.01.4200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação criminal. O RÉU foi condenado em razão de ter desviado recursos públicos do Departamento de Estradas de Rodagem de Roraima – DER/RR e da Secretaria de Administração daquele Estado por meio da inclusão de funcionários “fantasmas” nas folhas de pagamentos dos aludidos órgãos públicos, cujo esquema ficou conhecido como “Máfia dos Gafanhotos”. O denunciado nestes autos, URZENI DA ROCHA, com a interveniência de Neudo Ribeiro Campos, Diva da Silva Briglia e Carlos Eduardo Levinschi, incluiu nomes de supostos servidores públicos em folha de pagamento do estado de Roraima. Para isso, teve o auxílio dos corréus ALCINARA MAGALHÃES MOTA FREITAS, JOAQUIM ESTEVAM DE ARAÚJO NETO, INARA PATRÍCIA ARAÚJO DA SILVA, e ROSILDA ARAÚJO DE OLIVEIRA, que teriam aliciado pessoas humildes. Os aliciados outorgaram-lhes procurações para recebimento dos seus salários pagos, por intermédio da NSAP – Norte Serviços de Arrecadação e Pagamento Ltda., empresa autorizada a movimentar as contas do estado de Roraima. A grande maioria das pessoas aliciadas pelo ora apelante não sabiam que eram funcionárias do governo do estado de Roraima. Algumas obtinham deles uma pequena ajuda financeira, enquanto outras nada recebiam. 1. PRELIMINARMENTE 1.1 Nulidade por falta de apreciação dos recibos de pagamentos apreendidos pela Polícia Federal e não juntados – cerceamento de defesa A defesa alega que o magistrado sentenciante deixou de apreciar recibos apreendidos pela polícia federal que comprovariam a realização dos pagamentos, os quais não foram juntados aos autos, bem como que os referidos documentos não foram devolvidos ao Réu, prejudicando sua defesa. Não assiste razão ao apelante. O MPF, em sede de contrarrazões, demonstrou a dispensabilidade do pedido realizado pela defesa, argumentando que (ID . 172915045 - Pág. 6): No que tange à arguida nulidade, não vislumbro nenhum vício a ser sanado. Muito ao contrário, as alegações trazidas demonstram unicamente o inconformismo e resistência dos recorrentes em aceitar os termos da r. sentença. De qualquer forma, para reconhecimento de eventuais nulidades, as alegações devem ser feitas oportunamente e com a efetiva demonstração do prejuízo, conforme descrito no art. 563 do CPP e da Súmula 523, do Supremo Tribunal Federal, o que, repita-se, não ocorreu no presente feito. Em sede de alegações finais, inclusive na fase do artigo 402 do CPP (f. 3079), nenhum dos recorrentes alegou a necessidade de juntada dos recibos de pagamentos, o que reforça a ausência de demonstração de prejuízo, pois agiram com descaso quanto à persecução penal, não exercitando seus direitos nas oportunidades apropriadas, não alegando oportunamente eventuais nulidades e/ou ilegalidades praticadas no curso do processo, nem acompanhando detidamente sua transcorrência. Ademais, embora os recorrentes tenham alegado que os recibos comprovariam o repasse integral dos valores aos outorgantes, tal tese não pode ser aceita, uma vez que as provas periciais foram corroboradas pelos depoimentos das testemunhas que confirmaram o repasse apenas de pequena parte ou nenhuma parte, o que se evidencia quando se constata o baixo padrão de vida ostentado pelos funcionários fantasmas. Diante disso, rejeito a preliminar de nulidade. 1.2 Nulidade pelo vício cometido em oitivas de outorgantes. Não respeitada a regra da incomunicabilidade das testemunhas (art. 210, CPP). Alega a defesa que a sentença deve ser anulada, visto que houve omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato, pois o juiz, mesmo percebendo contradição nos depoimentos, não acareou as testemunhas, nos moldes do Art. 564, IV do CPP. A tese defensiva que pugna pela desconsideração dos depoimentos prestados pelos Réus em sede inquisitorial, em razão do desrespeito à regra da incomunicabilidade das testemunhas, também não merece acolhimento. Apesar das alegações, a defesa não trouxe elementos aptos a comprovar que houve a efetiva ocorrência de comunicação entre as testemunhas. Ademais, quanto à inobservância da incomunicabilidade das testemunhas, disposta no art. 210 do Código de Processo Penal, esta requer demonstração da efetiva lesão à Defesa, no comprometimento da cognição do magistrado (HC 166.719/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 11/05/2011). Conforme os fundamentos supra, no caso de não demonstração de prejuízo não há que se falar em nulidade, sendo que mais uma vez a defesa não logrou demonstrar o prejuízo concreto decorrente da oitiva das testemunhas em períodos distintos. O reconhecimento de eventual nulidade, relativa ou absoluta, exige a comprovação de efetivo prejuízo, vigorando o princípio pás de nulité sans grief, nos termos do art. 563 do CPP. Superadas as teses preliminares ventiladas, passa-se a análise meritória. 2.MÉRITO Segundo a denúncia, URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO participou de um esquema que consistia na utilização de dados de pessoas, geralmente humildes e semianalfabetas, cooptadas mediante a promessa de emprego no Estado de Roraima, para desvio de recursos públicos. Os dados eram inseridos na folha de pagamento do Estado, entretanto, as pessoas não trabalhavam efetivamente, sendo que o dinheiro era apropriado na boca do caixa mediante procurações outorgadas aos intermediários. A defesa de URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO aduz que os depoimentos testemunhais que serviram de base para a condenação são contraditórios e foram combinados. Alega ainda que as afirmações contidas na sentença de que o Apelante fez inclusões na folha de pagamento não passam de suposições que não encontram amparo nas provas carregadas aos autos. As provas da materialidade e da autoria delitivas são contundentes e, assim, aptas a justificar a persecução penal que resultou na sentença condenatória recorrida com relação ao Réu. De fato, a materialidade e a autoria delitivas do crime de peculato foram comprovadas em desfavor do acusado pelos depoimentos testemunhais corroborados pelos seguintes elementos: a) Laudos de Exame Contábil (IDs. 172914114 - Pág. 51; 172914114 - Pág. 80; 172914114 - Pág. 95 e 172914114 - Pág. 107); b) procurações a ALCINARA, JOAQUIM, INARA e ROSILDA constantes no Volume I e no Apenso II, Volume I; c) Relatório de Análise n° 004/2015 (ID 172632558 - Pág. 3 – Vol. 3). Tais documentos demonstram que ALCINARA, JOAQUIM, INARA e ROSILDA receberam valores mediante procurações outorgadas por funcionários fantasmas no âmbito da administração estadual, sendo que o Relatório de Análise n° 004/2015 demonstra que em praticamente todos os meses em que Joaquim Estevam de Araújo Neto recebeu valores da folha de pagamento do Estado de Roraima, em nomes de servidores outorgantes, ocorreram depósito não identificados na conta 49481-X de titularidade do Apelante. Destaca-se que ALCINARA MAGALHÃES MOTA FREITAS, a qual comprovadamente recebeu valores na condição de procuradora dos funcionários fantasmas era esposa do réu. Tais provas, corroboradas pelos depoimentos testemunhais colhidos em juízo, não deixam dúvidas acerca da prática do delito por parte do Acusado. A esse respeito, deliberou com acerto o Juízo a quo na r. sentença (ID 172915031 - pp. 11/20): (...) De fato, consta dos autos que o réu NEUDO RIBEIRO CAMPOS, na condição de Governador de Roraima, em troca de apoio político, instituiu quota e contribuiu de forma decisiva para o desvio de verbas públicas federais das quais tinha a posse em razão do cargo que exercia, no caso em apreço, em favor do então Deputado Estadual URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO. O conjunto probatório carreados aos autos desta ação penal – os laudos periciais, o teor dos depoimentos colhidos, em Juízo, e demais documentos acostados aos autos – indicam que a conduta do acusado URZENI ROCHA amolda-se ao figurino do beneficiário. CARLOS EDUARDO LEVISCHI, que também figura como réu nas ações penais relativas ao Escândalo dos Gafanhotos, exercia o cargo de Diretor do extinto DER/RR à época dos fatos. Narrou em seu depoimento extrajudicial como ocorria o esquema, confirmando a participação de Urzeni Rocha: "[...] que os Deputados que compareceram na presença do depoente, enquanto este era o Diretor Geral do DER/RR, apresentando a lista de seus indicados para serem cadastrados como funcionários 'fantasmas' daquela autarquia foram os seguintes: [...] URZENI ROCHA FREITAS FILHO; que o DER/RR fazia uma ordem bancária para a NSAF, no valor do pagamento correspondente aos funcionários que recebiam por esta empresa, possibilitando o saque do valor, em dinheiro, junto ao Banco do Brasil, para pagamento aos deputados e Conselheiros do TCE/RR; [...] que a folha paralela de funcionários 'fantasmas' do DER/RR perfazia o total de R$ 1.090.000,00 mensal, aproximadamente; que no início do esquema, os deputados recebiam, cada um, em média, R$ 22.000,00 até R$ 42.000,00, porém, com o passar do tempo, estes valores foram aumentando conforme o grau de colaboração de cada Deputado com o Governador Neudo Campos; [...]" (depoimento de Carlos Levischi, fls. 85/88, destaquei). MARIA DO LIVRAMENTO ALVES FERRO, responsável à época dos fatos pela elaboração da folha de pagamento do DER/RR, informou no seu depoimento dado à Polícia Federal acerca da existência do esquema de pagamentos de salários por meio de procuração no DER/RR, quando era subordinada a Carlos Levischi: "[...] que a depoente teve contato direto, para realizar os procedimentos acima descritos, seja no gabinete do Dr. Carlos Levischi ou em sua própria sala, com os seguintes deputados: URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO, BARAC DA SILVA BENTO, FRANCISCA AURELINA DE MEDEIROS; que existiam outros deputados que não iam pessoalmente, porém se faziam representar por meio de assessores, [...] que a depoente pode afirmar que todos os funcionários que recebiam os salários do DER/RR pela empresa NSAF eram funcionários indicados por deputados, portanto, funcionários fantasmas/gafanhotos, com exceção dos funcionários que trabalhavam em frentes de trabalho no interior e alguns poucos funcionários que não queriam receber seus vencimentos em contas bancárias; [...]; que no ano de 1999, quando foram realizados os dois primeiros pagamentos de funcionários indicados pelos deputados, a depoente, por ordem do Dr. Carlos Eduardo Levischi, se dirigiu ao posto de pagamento da NSAF, localizado na Av. Mário Homem de Melo, onde encontrou com um funcionário daquela empresa e, juntamente com este, levando um computador, uma impressora e um malote de dinheiro, foi fazer o pagamento diretamente aos deputados [...]" (depoimento prestado na Polícia Federal, fls. 89/96, destaquei). JOSUÉ ALVES DOS REIS, funcionário do departamento de Recursos Humanos do extinto DER/RR, prestou as seguintes declarações: "que o depoente se recorda que, a partir de 1998, começou a haver intenso movimento/trânsito de deputados estaduais na gerência de Recursos Humanos do extinto DER/RR; que os deputados lá compareciam para falar com a sra. Maria do Livramento Alves Ferro, gerente de Recursos Humanos e superiora hierárquica imediata do depoente; que o depoente, após estas visitas dos deputados estaduais, costumava receber listas de nomes para serem incluídos como funcionários do DER/RR, ficando subentendido que aquela lista havia sido apresentada pelo deputado indicando nomes para serem incluídos como funcionários do DER/RR; que as listas já eram entregues prontas pelo próprio deputado à sra. Maria do Livramento Alves Ferro, que as repassava ao depoente para incluir os nomes das pessoas constantes da lista como funcionários do DER/RR; [...] que o depoente se recorda que boa parte dos funcionários constantes das listas apresentadas pelos deputados possuíam como salário o valor de R$ 2.000,00 reais; que o depoente tem conhecimento de que era descontado o valor de imposto de renda e do INSS dos salários dos funcionários do DER/RR; [...] que o depoente posteriormente veio a saber que o INSS descontado dos funcionários não era recolhido aos cofres da Previdência, fato que veio a conhecimento público com a auditoria do INSS no extinto DER/RR; que o depoente se recorda de ter visto os seguintes deputados e ex-deputados estaduais na gerência de Recursos Humanos do extinto DER/RR, conversando com a sra. Maria do Livramento a fim de apresentar relação de indicados para constarem da folha de pagamento daquela extinta autarquia: [...] URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO." (depoimento prestado na Polícia Federal, fls. 97/100, destaquei) Também na Secretaria de Administração do Estado de Roraima - SEAD/RR, o esquema "gafanhotos" ocorria de maneira semelhante, consoante se observa do depoimento de Ana Ilza Silva Coelho, então chefe da folha de pagamento da SEAD/RR, no período de 1999 a abril de 2002, prestado em 17/09/2003 à Polícia Federal, no qual a declarante informou a existência da Tabela Especial TE-ASS, que tinha trâmite de inclusão de funcionários e era realizada em um computador separado. Além disso, informou que recebeu muitas listas com nomes de pessoas a serem incluídas diretamente de Diva da Silva Bríglia, as quais continham o nome, o CPF e o valor a ser pago. Em alguns casos, afirmou que havia nas listas o nome de algum deputado ao qual o suposto funcionário estaria vinculado, e dentre os nomes confirmou o de URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO. (fls. 101/107) A testemunha Sônia Pereira Nattrodt, chefe da folha de pagamento da SEAD/RR no período de abril de 2002 a julho de 2003, prestou declarações condizentes com o depoimento de Ana Ilza, informando ainda: "que os demais nomes inclusos na folha TE-ASS, totalizando o montante aproximado de R$ 3.500,00 (três milhões e meio de reais), eram funcionários fantasmas, isto é, pessoas que 'recebiam salário do governo, mas não trabalhavam'; que estas pessoas que possuíam seus nomes inclusos na folha TE-ASS eram indicadas por Deputados e demais autoridades estaduais, conforme acima mencionado, sendo que algumas, por desfrutarem de relação de amizade ou parentesco com a autoridade que a indicava, ficavam com o valor total do pagamento, porém, a maioria delas não ficava com os salários pagos em seus nomes, sendo os valores repassados aos Deputados que as indicavam; [...] que a depoente se recorda que lhe foram entregues relações pessoalmente, pelos seguintes deputados: [... ] URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO [...];" (depoimento de fls. 109/118, destaquei) Interrogada em Juízo, DIVA DA SILVA BRÍGLIA, em total harmonia com as demais provas apuradas nos autos, respondeu o seguinte: "(...) Que os deputados se dirigiam ao Governador Neudo Campos e levavam nomes de pessoas para serem contratadas; que levavam lista com os dados e os valores a serem pagos; que o Governador determinava as inclusões e os Deputados lhe entregavam; que as pessoas iam para a folha de pagamentos da tabela especial; que a tabela especial era vinculada ao gabinete civil do Governador; que algumas pessoas eram lotadas em secretarias; que a maioria era encaminhada aos deputados e ficavam à disposição deles; que confirma o procedimento que explicou na polícia federal; que o Governador chegou a entregar pessoalmente listas com nomes que haviam sido repassadas pelos Deputados; que Neudo entregava e dizia que era para contratação na tabela TE-ASS; que na maioria os deputados despachavam com o Governador e depois lhe entregavam as listas; que a folha de assessoria foi criada em abril de 1999 e perdurou até a divulgação da denúncia; que a folha começou com pouco mais de cem pessoas; que quando o escândalo foi divulgado deixou de ter acesso à folha; que quando saiu de sua gerência havia cerca de quatro mil pessoas; que os valores variavam entre duzentos reais a três mil reais; que algumas pessoas trabalhavam; que fazia a elaboração da folha e enviava para a SEFAZ; que o Governador centralizou a assinatura das ordens bancárias; que somente Neudo e o Secretário de Fazenda assinavam as ordens; que URZENI era um dos deputados que entregava listas com nomes para serem incluídas na folha de assessoria especial; que a identificação do deputado constava no cadastro das pessoas inseridas; que na folha não havia menção a nenhum deputado; que todas as inclusões na folha eram feitas com anuência do Governador; que não tinha autoridade para contratar ninguém; que a tabela especial - assessoria já existia antes de entrar na Secretaria; que quando assumiu havia sido extinta; que fez um levantamento e verificou que não havia mais vagas na tabela especial criada por lei; que Neudo disse para reativar a tabela especial - assessoria; que afirmou que não conhecia essa tabela; que pediu que falasse com a responsável pela folha e que fizesse as contratações pela tabela especial - assessoria; que o salário da tabela especial - assessoria era maior que da outra; que começou a passar funcionários da tabela especial criada por lei para a tabela especial - assessoria; que então permaneceram as duas tabelas que não havia formalização específica para as contratações; que vinha a documentação da pessoa com autorização do governador, então guardava a documentação, fazia um memorando e encaminhava para contratação; que a documentação ficava no setor de pagamento; que a tabela especial TE-ASS foi reaberta por determinação de Neudo; que a tabela especial criada por lei tinha as denominações dos cargos e valores dos salários; (...)" (Interrogatório prestado em Juízo, no dia 09/06/2014, por DIVA DA SILVA BRÍGLIA, então Secretária de Administração do Estado de Roraima - SEAD/RR, vide fl. 2745). Todos estes depoimentos demonstram de forma clara a ocorrência do esquema que ficou conhecido como "Gafanhotos", bem como o envolvimento do denunciado URZENI DA ROCHA como um dos deputados beneficiados pela fraude na folha de pagamento do Estado de Roraima.(...) Não se mostram críveis as versões apresentadas por Urzeni e Alcinira quando afirmam que as listas de pessoas que foram incluídas na folha de pagamentos se tratavam apenas de eleitores que vinham pedir ajuda. Também não se justifica o desconhecimento acerca das procurações e dos recebimentos, visto que tais alegações não se coadunam com a vasta prova documental e testemunhal dos presentes autos. Um dos depoimentos colhidos na fase extrajudicial foi o de Jakeliny Geanny de Freitas, irmã de Urzeni, no qual afirmou que Alcinira lhe pediu para passar uma procuração sem esclarecer para qual motivo e que nunca recebeu os valores constantes em seu nome. (fls. 181/182) Restou sobejamente comprovado que muitas pessoas sequer sabiam que figuravam como funcionários e que tiveram seus nomes indevidamente utilizados para que Deputados e intermediadores recebessem salários em seu lugar. Emerson Roberto Pinto, também digitador da folha de pagamento da Secretaria à época dos fatos, confirmou o recebimento de ofícios em nome do ex-Deputado Urzeni da Rocha Freitas Filho para inclusão de pessoas na folha de pagamento, além de listagens com nomes enviadas a pedido do então Deputado. Todo mês havia alterações com inclusão ou exclusão de nomes. Esclareceu que os ofícios sempre faziam referência a alguma autoridade, tais como deputados federais e estaduais, assim como conselheiros de Tribunal de Contas. De fato, conforme se observa das demais provas colhidas aos autos, as declarações de DIVA DA SILVA BRÍGLIA, CARLOS EDUARDO LEVISCHI e de diversas testemunhas mostram-se amplamente harmônicas com o acervo constante dos autos, oferecendo informações relevantes ao esclarecimento dos fatos.[...] O apelante, à época Deputado Estadual, valeu-se das facilidades do cargo para incluir, em folhas de pagamento, "funcionários fantasmas", que jamais prestaram qualquer tipo de serviço para a Administração Pública. Essas condutas são idôneas à consumação do crime de peculato, porquanto permitiram o desvio de recursos públicos por autor que se valeu da qualidade de agente público. Nesse contexto, é improcedente ainda a pretensão à desclassificação dessas condutas para o delito de prevaricação. Portanto, a autoria delitiva imputada ao Apelante está suficientemente demonstrada nos autos. Afastada a hipótese de responsabilização penal objetiva do réu, bem como não há que se falar na incidência da obediência hierárquica como causa excludente de culpabilidade. Isso porque ficou demonstrado o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano causado ao erário, assim como o dolo, não sendo o caso de ordem emanada de superior hierárquico manifestamente ilegal. Vê-se do exame do contexto probatório que, ao contrário do alegado pela defesa, restou devidamente comprovada a materialidade e a autoria do crime pelo crime de peculato, não havendo que se falar na desclassificação para o delito de prevaricação. Não pairam dúvidas, portanto, que o ora apelante, no cargo de Deputado Estadual, contribuiu de forma decisiva para o desvio de verbas públicas federais, apropriando-se do salário dos supostos funcionários, situação que se amolda ao delito de peculato. Dessa forma, a condenação do apelante destes autos pela prática do delito de peculato (art. 312 do CP) é medida que se impõe. A continuidade delitiva está configurada, tendo em vista que o desvio das verbas públicas ocorreu por vários meses seguidos, conforme se verifica da análise das provas documentais e testemunhais. Diante disso, presentes os elementos da materialidade e autoria delitivas do Réu, conforme a fundamentação supra, deve ser mantida a condenação pela prática do delito previsto no artigo 312, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal. 3.DOSIMETRIA 3.1 Pena-base O delito de peculato (art. 312 do CP) comina pena de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos e multa. Em relação ao tipo penal do art. 312 do CP, o Juízo de origem considerou que a culpabilidade, circunstâncias e consequências do delito devem ser valoradas negativamente, mediante os seguintes fundamentos (ID 172915031 - pp. 29/30): A conduta do réu apresenta grau máximo de reprovabilidade, visto que, na condição de representante do povo, agiu de forma consciente e premeditada, obtendo vantagem de forma indevida. Tal comportamento contraria as expectativas inerentes a quem exerce um cargo político, cuja obrigação é fiscalizar a ocorrência de atos ilícitos. Nesse sentido, a culpabilidade do acusado é acentuada, já que, enquanto Deputado Estadual, não observou os deveres inerentes ao cargo, ao participar de um delito grave. Os motivos do crime são os inerentes ao peculato, ou seja, o "lucro fácil e indevido". Por sua vez, as circunstâncias do crime também são desfavoráveis, considerando o volume expressivo de recursos públicos desviados para fins pessoais e enriquecimento ilícito. Para a prática do crime, o réu utilizou a máquina pública e o cargo que ocupava, contando ainda com a participação de outros indivíduos como testas de ferro no esquema criminoso. Além disso, as consequências do delito para a Administração Pública foram extremamente danosas, o que também pesa na fixação da pena-base. Os vultosos valores desviados deixaram de ser aplicados em suas finalidades legítimas, como a implementação de políticas públicas. Não constam dos autos informações sobre a personalidade do acusado, nem registro de condenações anteriores ou antecedentes criminais. Da mesma forma, não há nos autos elementos concretos que comprometam a conduta social do réu. Assim, considerando a presença de três circunstâncias negativas, fixou a pena-base em 05 anos de reclusão e 111 dias-multa, no valor de 1 (um) salário-mínimo vigente à época do fato. Aduz a defesa que o magistrado trouxe elementos de consequências lógicas do tipo penal, deixando de demonstrar de forma material, circunstâncias que fogem ao núcleo da norma. A dosimetria da pena merece reforma. No caso, entendo que a culpabilidade do acusado não pode ser considerada desfavorável, haja vista que a condição de parlamental já é ínsita ao tipo penal. Portanto, não cabe a fundamentação de que o Réu deixou de honrar a confiança que lhe foi depositada para obter vantagens ilícitas em detrimento da população que o elegeu. Quanto às circunstâncias e consequências do delito, a estipulação da pena-base acima do mínimo legal restou suficientemente fundamentada, eis que considerou o envolvimento de terceiros mediante esquema criminoso de desvio de recursos públicos, bem como a grande quantia desviada. Com relação ao quantum de aumento, sobre o cálculo da pena base em si, diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador (STJ - AgRg no HC: 810433 PB 2023/0091562-3, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 22/05/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/05/2023). Assim, considerando a fração de 1/8 (um oitavo) a incidir sobre o intervalo das penas abstratamente previstas por cada circunstância judicial negativamente valorada, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos, 07 (sete) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 86 (oitenta e seis) dias-multa. 3.2. Causa de aumento da pena prevista no § 2° do art. 327 do Código Penal O magistrado sentenciante aplicou a causa de aumento prevista no §2° do art. 327 do Código Penal conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segundo a qual a referida causa de aumento se aplica aos agentes detentores de mandato eletivo. A referida jurisprudência se refere aos agentes detentores de mandato eletivo que exercem, cumulativamente, as funções política e administrativa: Ementa: Recurso ordinário em Habeas Corpus. Penal. Sentença condenatória transitada em julgado. Impossibilidade de admitir-se o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal. Presidente da Câmara Legislativa. Peculato. Ausência de repasse das verbas descontadas. Exercício de função administrativa. Incidência da causa de aumento de pena do art. 327, § 2º, do CP. O habeas corpus não pode ser manejado como sucedâneo de revisão criminal em face da ausência de ilegalidade flagrante em condenação com trânsito em julgado. Recurso não conhecido nesse ponto. É entendimento reiterado desta Corte que a causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal se aplica aos agentes detentores de mandato eletivo que exercem, cumulativamente, as funções política e administrativa. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (STF - RHC: 110513 RJ, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 29/05/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 15-06-2012 PUBLIC 18-06-2012) In casu, consta nos autos que o Apelante exercia o cargo de Deputado Estadual, porém não há informações acerca do exercício de funções administrativas, razão pela qual é incabível a aplicação da referida causa de aumento. 3.3. Continuidade delitiva O Juízo a quo aplicou a causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal em seu grau máximo, qual seja, 2/3 (dois terços) considerando o desvio/apropriação de valores sacados por procuração ter se dado por várias vezes (vide apensos I e II), durante vários meses e mediante a utilização de inúmeras pessoas (ID 172915031 - Pág. 31). O Juiz Singular aplicou corretamente a referida causa de aumento, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONTINUIDADE DELITIVA. PATAMAR DE AUMENTO. NÚMERO DE CRIMES COMETIDOS INDETERMINADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Quanto ao aumento pela continuidade delitiva, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça entende que se aplica a fração de 1/6 pela prática de duas infrações; 1/5, para três infrações; 1/4, para quatro infrações; 1/3, para cinco infrações; 1/2, para seis infrações e 2/3, para sete ou mais infrações. 2. Na espécie, diante da comprovação de que os crimes ocorreram reiteradas vezes, pelo período de três anos, a fração de 2/3 não se mostra excessiva ou desarrazoada. 3. Agravo regimental não provido, com a correção de erro material no decisum agravado, conforme consignado no voto. (STJ - AgRg no AREsp: 2160705 PR 2022/0202584-6, Data de Julgamento: 04/10/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2022) Com isso, mantenho a fração de aumento de 2/3 (dois terços) aplicada pelo magistrado sentenciante. 4.REDIMENSIONAMENTO DAS PENAS O magistrado a quo condenou o Réu à pena-base de 05 (cinco) anos de reclusão e 111 (cento e onze) dias-multa. Elevou em 1/3 (um terço) ante a incidência do art. 327, § 2º, do CP (quando o autor for ocupante de cargos de assessoramento de administração direta), perfazendo 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 148 (cento e quarenta e oito) dias-multa. E aplicada a continuidade delitiva (art. 71 do CP) na fração de 2/3 (dois terços), aumentou em definitivo para 11 (onze) anos,01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 246 (duzentos e quarenta e seis) dias-multa. Conforme disposto supra, a pena-base deve fixada em 04 (quatro) anos, 7 (sete) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 86 (oitenta e seis) dias-multa. Ausentes agravantes e atenuantes. Mantida a aplicação da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal em seu grau máximo, qual seja, 2/3 (dois terços), a pena passa ao patamar de 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 3 (três) dias de reclusão e 143 (cento e quarenta e três) dias-multa, a qual torno definitiva. Mantido o valor de 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos para cada dia-multa. As penas privativas de liberdade serão inicialmente cumpridas em regime semiaberto (art. 33, § 2º, "b", do CP). Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, haja vista não se adequar o caso aos requisitos do art. 44, incisos I e III, do Código Penal. 5.DISPOSITIVO Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação. É o voto. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator APELAÇÃO CRIMINAL 0002812-74.2011.4.01.4200 VOTO VOGAL PARCIAL CONCORDÂNCIA A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (vogal): Trata-se de apelação criminal, interposta por URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, que condenou o apelante pela prática do crime previsto no 312, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal, fixando-lhe a pena de 11 (onze) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 246 (duzentos e quarenta e seis) dias-multa. A materialidade, a autoria e o elemento subjetivo do tipo restaram devidamente demonstrados mediante análise de todo o conjunto probatório carreado aos autos e corretamente confirmado pelo Eminente Relator, razão pela qual, deve ser mantida a sentença condenatória. Em relação à dosimetria da pena, peço vênia ao E. Relator para divergir em relação ao quantum da circunstância judicial valorada negativamente na 1ª fase (pena-base) da dosimetria. No caso concreto, o eminente relator, refazendo a dosimetria da pena, mantém a valoração negativa somente das circunstâncias e consequências do delito, e adotando o critério de 1/8 (um oitavo) a incidir sobre o intervalo da pena abstratamente prevista para cada circunstância judicial negativamente valorada, vota para fixar a pena-base em 04 (quatro) anos, 07 (sete) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 86 (oitenta e seis) dias-multa. Inicialmente, destaca-se que a lei não dispõe sobre o quantum de cada circunstância judicial, ficando a cargo do juiz tal avaliação, com observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e individualização da pena, para fixar a sanção mais adequada para a repressão e prevenção do crime. Assim, não há nenhum critério lógico ou matemático estabelecido pelo legislador, nem tampouco determinado pela jurisprudência vinculante. Portanto, o critério utilizado se baseia na discricionariedade vinculada do julgador, desde que haja fundamentação idônea. Na hipótese, por ser mais benéfico ao réu e, ainda, pela suficiência para prevenção e reprovação da infração penal, nos termos do que preconiza o art. 59, do Código Penal, adoto a fração de aumento de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância judicial negativamente valorada (circunstâncias e consequências do delito), a incidir sobre o mínimo da pena abstratamente estabelecida no preceito secundário do tipo penal incriminador. Por conseguinte, redimensiono a pena-base para fixá-la em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa. Afasto a causa de aumento prevista no §2° do art. 327 do Código Penal, mantendo tão somente a causa de aumento em razão da continuidade delitiva na fração máxima de 2/3 (dois terços) no mesmo sentido do voto proferido pelo E. Relator. Assim, deve ser majorada a pena para 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime semiaberto e sem substituição por restritivas de direitos, e 20 (vinte) dias-multa, mantendo o valor do dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos. Em síntese: diverge-se do e. Relator apenas quanto à pena definitiva readequada neste 2º Grau porque, ao passo que o e. Relator fixa a pena definitiva 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 3 (três) dias de reclusão e 143 (cento e quarenta e três) dias-multa, esta julgadora estabelece a pena definitiva em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, mantendo o valor do dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos. Da Prescrição Após a redução da pena privativa de liberdade aplicada ao apelante URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO necessário se torna avaliar a ocorrência ou não da prescrição da pretensão punitiva, cuja análise, tratando-se de matéria de ordem pública, pode ser verificada de ofício pelo julgador e, se for o caso, deve ser declarada em qualquer fase do processo, nos termos do art. 61, caput, do Código de Processo Penal (Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício). Para as condutas praticadas anteriormente à vigência da Lei 12.234/2010, de 05/05/2010 – hipótese dos autos porque os fatos delituosos ocorreram entre os anos de 1998 e 2002 (ID 172914098) –, é inaplicável a revogação do §2º do artigo 110 do Código Penal que passou a vedar o reconhecimento da prescrição na modalidade retroativa no período anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais grave. No caso concreto, diante da não interposição de recurso pelo MPF, o cálculo da prescrição passa a ser regulado pela pena aplicada, nos termos do art. 110, §§ 1º e 2º do CP (na redação anterior à Lei 12.234/2010). Registra-se também que o art. 119 do CP estabelece que no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente. Portanto, deve ser excluído do cálculo da prescrição o período correspondente ao crime continuado, conforme Súmula 497/STF - "Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação". Assim, desconsiderando o acréscimo referente ao crime continuado, a pena aplicada ao apelante restou fixada em 02 (dois) e 06 (seis) meses de reclusão, razão pela qual a prescrição, conforme art. 109, IV, do Código Penal, se opera em 08 (oito) anos. Os fatos ocorreram entre os anos de 1998 e 2002 (ID 172914098), o recebimento da denúncia ocorreu em 10/06/2011 (ID 172915020) e a sentença condenatória proferida em 27/11/2017 (ID 172915031), e publicada em cartório em 28/11/2017, conforme certidão (ID 172915034, p. 1) de inserção no Sistema de Catalogação de Documentos da Primeira Instância da Primeira Região (e-CVD). Assim, entre a data dos fatos (1998 e 2002 - ID 172914098) e o recebimento da denúncia (10/06/2011 - ID 172915020) transcorreu prazo superior a 08 (oito) anos. Portanto, impõe-se o reconhecimento da prescrição na modalidade retroativa pré- processual pela pena cominada in concreto, a teor dos artigos 107, inciso IV (primeira figura), 109, inciso IV, c/c art. 119, e art. 110, §§ 1º e 2º (este na redação anterior à Lei 12.234/2010), todos do Código Penal, contudo, condicionando essa extinção da punibilidade ao trânsito em julgado para a acusação. Diante do exposto: 1) Acompanho o e. Relator para dar parcial provimento à apelação para, mantendo a condenação, reduzir a pena, contudo em maior extensão, para fixa-la em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, mantendo o valor do dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos; e 2) De ofício (art. 61, CPP) e também em maior extensão, declaro a extinção da punibilidade do apelante URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO em razão do advento da prescrição retroativa pré-processual, pela pena cominada in concreto, ex vi dos artigos 107, inciso IV (primeira figura), 109, inciso IV, c/c art. 119, e art. 110, §§ 1º e 2º (este na redação anterior à Lei 12.234/2010), todos do Código Penal, contudo, condicionando essa extinção da punibilidade ao trânsito em julgado para a acusação. É o voto. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO contra sentença que o condenou pelo crime previsto no art. 312, caput, c/c art. 71 do Código Penal, à pena de 11 (onze) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 246 dias-multa em razão de ter desviado recursos públicos do DER-RR e da Secretaria de Administração daquele Estado. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) rejeitar a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, uma vez que, conforme manifestação do MPF "nenhum dos recorrentes alegou a necessidade de juntada de recibos de pagamentos, o que reforça a ausência de demonstração de prejuízo", bem cmo a de nulidade relativa ao suposto vício cometido em oitivas de testemunhas; ii) reconhecer a materialidade e a autoria delitivas, bem com o elemento subjetivo do tipo penal; iii) decotar da pena-base a valoração negativa da culpabilidade, porquanto ínsita ao tipo penal, mantida a das circunstâncias e consequências do delito; iv) afastar a causa de aumento do §2º do art. 327 do CP, por falta de informação a respeito do exercício de funções administrativas pelo réu; e v) redimensionar a pena para 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 3 (três) dias de reclusão e 143 dias-multa no valor de um salário-mínimo vigente à época dos fatos. Em face do exposto, ACOMPANHO o eminente relator e dou parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0002812-74.2011.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002812-74.2011.4.01.4200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: URZENI DA ROCHA FREITAS FILHO REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANTONIO FURLAN NETO - SP426536, BEATRIZ ALAIA COLIN - SP454646, FELIPE AUGUSTO DA COSTA SOUZA - SP348018, FERNANDO DE JESUS SANTANA - BA66146, FLAVIO AUGUSTO BERNAVA BRANDAO - SP492717, GISELLE ZAMBONI - SP110261 e THIAGO MATIOLLI KLEINFELDER - SP269289 POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PECULATO. PRELIMINARES REJEITADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DA PENA PREVISTA NO § 2° DO ART. 327 DO CÓDIGO PENAL. CONTINUIDADE DELITIVA. 1. Apelante acusado de, na condição de deputado estadual, ter participado de esquema para inserir, na folha de pagamento do Departamento de Estradas de Rodagem de Roraima – DER/RR e da Secretaria de Administração – SEAD, pessoas que jamais prestaram serviços ao estado de Roraima, cujos salários eram embolsados por terceiros mediante procuração outorgada pelos fictícios servidores. 2. Alegações de nulidades por falta de apreciação dos recibos de pagamentos juntados, bem como em razão do desrespeito à regra da incomunicabilidade das testemunhas afastadas. Ausência de demonstração de prejuízo concreto para a defesa. princípio pás de nulité sans grief, nos termos do art. 563 do CPP. Precedentes. 3. Materialidade e autoria do delito do art. 312, caput, do Código Penal suficientemente demonstradas. Presença de dolo. 4. Inviável o reconhecimento da excludente de culpabilidade referente à obediência hierárquica, bem como a desclassificação do crime de peculato para o delito de prevaricação, uma vez que configurada a prática do crime de peculato. 5. Afastada a valoração negativa da culpabilidade, haja vista que a condição de Deputado Estadual, e o fato não preservar os deveres inerentes ao cargo ao participar de delito, constitui elemento inerente à espécie do crime, não podendo ser utilizado como elemento hábil a proporcionar a majoração da reprimenda. 6. Quanto às circunstâncias e consequências do delito, a estipulação da pena-base acima do mínimo legal restou suficientemente fundamentada, eis que considerou o envolvimento de terceiros mediante esquema criminoso de desvio de recursos públicos, bem como a grande quantia desviada. 7. Incabível a aplicação da causa de aumento prevista no § 2° do art. 327 do Código Penal, considerando que não há informações acerca do exercício de funções administrativas pelo então Deputado Estadual. 8. Devidamente aplicada a causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal em seu grau máximo. 9. Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, vencida a Desembargadora Federal Solange Salgado. Brasília-DF. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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Processo nº 0004603-50.2012.4.01.4101
ID: 310602588
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0004603-50.2012.4.01.4101
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PAULA JAQUELINE DE ASSIS MIRANDA
OAB/RO XXXXXX
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FABIO PEREIRA MESQUITA MUNIZ
OAB/RO XXXXXX
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AIRTON PEREIRA DE ARAUJO
OAB/RO XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004603-50.2012.4.01.4101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004603-50.2012.4.01.4101 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: VALTER LUIZ ROSSO…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004603-50.2012.4.01.4101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004603-50.2012.4.01.4101 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: VALTER LUIZ ROSSONI e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: AIRTON PEREIRA DE ARAUJO - RO243-A, FABIO PEREIRA MESQUITA MUNIZ - RO5904-A e PAULA JAQUELINE DE ASSIS MIRANDA - RO4245-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):CESAR CINTRA JATAHY FONSECA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0004603-50.2012.4.01.4101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004603-50.2012.4.01.4101 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR): Cuida-se de apelações criminais interpostas pelos acusados (1) Valter Luiz Rossoni, (2) Raymundo Mesquita Muniz e (3) Alexandre de Morais Guimarães, em face de sentença (ID 274127021), proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Ji-Paraná/RO, que julgou procedente a pretensão punitiva articulada na denúncia para condenar os apelantes nas penas do art. 1º, I, do DL 201/67 (apropriação ou desvio de rendas públicas em proveito próprio ou alheio). As penas dos sentenciados assim foram fixadas: - Raymundo Mesquita Muniz e Valter Luiz Rossoni: 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses de reclusão e - Alexandre de Morais Guimarães: 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Foi fixado o regime semiaberto para o cumprimento inicial das penas dos acusados, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, do CP. Foram aplicadas aos acusados, como efeito automático da condenação, as penas de inabilitação pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, na forma do art. 1º, § 2º, do DL 201/67. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Por fim, foi concedido aos acusados o direito de recorrer da sentença em liberdade. 1) O acusado Valter Luiz Rossoni apela para alegar que não haveria nos autos provas de que ele seria proprietário ou participante do quadro societário das duas empresas vencedoras dos procedimentos licitatórios, tendo atuado como procurador para ambas, em razão de possuir muita experiência na realização de obras da natureza das licitadas. Aduz que as obras foram completamente realizadas, de acordo com o que fora contratado, em todas as suas especificações, conforme se verifica do depoimento, em Juízo, das testemunhas Raimundo Nonato Araújo Rodrigues e José Torres Dias. Da mesma forma, as testemunhas Oséias Carlos Vieira e Varley Gonçalves Ferreira comprovam a presença constante de engenheiros da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) durante a realização das obras, bem como suas concordâncias com as medições feitas com vistas ao pagamento dos serviços. Admite que apenas duas etapas das obras foram concluídas, não tendo sido executada a terceira etapa, em razão da falta de repasse dos valores pelo Governo Federal. Por esse motivo, o novo gestor do Município deixou de colocar o sistema em funcionamento, o qual se deteriorou (tubulação, equipamentos e prédios), pelo abandono e ação de vândalos. Relata que as medições se deram em 18/07/2002, 29/08/2002, 17/12/2002 e 10/02/2003, enquanto o Relatório de fls. 04/60 foi em firmado em 11/09/2007 e o Laudo de fls. 131/135, somente em 04/09/2008, mais de 04 (quatro) anos após o abandono das obras concluídas, sendo os administradores municipais que se sucederam os verdadeiros responsáveis pela deterioração, depredações e furtos ocorridos. Conclui pela ausência de provas de que as obras não foram concluídas de acordo com os projetos anexados aos contratos. Requer absolvição, com suporte no art. 386, VI, do CPP. Alternativamente, alega que a pena foi fixada de forma exacerbada. Assim, considerando sua condição de réu primário, bem como não existirem nos autos elementos que embasem a exacerbação da reprimenda, pugna por sua fixação no mínimo legal (IDs 274127023 e 274127027). 2) O acusado Alexandre de Morais Guimarães apela para alegar que as provas contidas nos autos são insuficientes para sustentar um decreto condenatório, pois seriam frágeis e intempestivas, por terem sido coletadas muito depois das paralisações das obras. Desse modo, para o apelante, não foram comprovadas a materialidade e a autoria delitivas. Ainda que as provas fossem verídicas, o apelante não era ordenador de despesas ou proprietário de empresa supostamente favorecida e, portanto, suas ações carecem de efeito danoso, o que configura crime impossível. Assevera jamais ter praticado qualquer tipo de desvio ou apropriação de bens, serviços ou recursos públicos, bem como ter ficado comprovado que as obras por ele fiscalizadas foram concluídas completamente, em todas as suas especificações, conforme se verifica do depoimento das testemunhas Raimundo Nonato Araújo Rodrigues, José Torres Dias, Oséias Carlos Vieira e Varley Gonçalves Ferreira. Segundo o apelante, duas etapas da obra foram concluídas (disponibilidade da rede de coleta e tratamento de esgoto doméstico), não tendo sido realizadas pela administração seguinte as demais, que seriam necessárias para efetivar as já existentes, resultando na perda de todo o trabalho, não podendo o acusado ser responsabilizado por isso. Requer a incidência do princípio in dubio pro reo. De todo modo, não assinou a medição para o pagamento de conclusão das obras referentes ao Convênio 1587/2001, tampouco o recebimento provisório ou definitivo. Pugna pela incidência do art. 15 do CP (desistência voluntária ou eficaz). Requer absolvição por crime impossível ou com suporte no art. 386, I (“estar provada a inexistência do fato”), II (“não haver prova da existência do fato’), III (atipicidade da conduta), V (“não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal “ e VII (insuficiência de provas), do CPP. Alternativamente, pugna pela desclassificação do crime previsto no inciso I para o tipo penal no inciso III, ambos do DL 201/67, considerando que, durante toda a instrução penal, não ficou comprovada a apropriação ou desvio de verbas públicas e, desse modo, no máximo, teria havido uso indevido de verbas públicas. Mantida a condenação, requer a diminuição da pena-base para 04 (quatro) anos, tendo em vista que o apelante não participou da medição final do Convênio 1587/2001, é primário, tem bons antecedentes, residência fixa e personalidade não voltada para o crime. Finalmente, pugna pelo benefício da assistência judiciária gratuita (ID 274127029). 3) O acusado Raymundo Mesquita Muniz apela para alegar que, nos termos dos arts. 5º, LVII, da CF e 156 do CPP, o ônus da prova cabe à acusação, sendo vedada, sob qualquer pretexto, sua inversão, bem com, em caso de dúvida, aplica-se o princípio in dubio pro reo. Na hipótese, aduz que a acusação não logrou provar as acusações, tendo em vista que a realidade dos fatos é oposta à narrada na denúncia e corroborada pela sentença, ante a ausência de dolo ou culpa na conduta do apelante, o qual, antes de ser prefeito, era professor, não engenheiro civil e, portanto, sem conhecimento acerca de planejamento e execução de obra. De todo modo, a fiscalização e o acompanhamento da execução das obras foram feitos por engenheiros da Funasa e da prefeitura, bem como por membros da comissão criada pelo Decreto 077/2001, composta por servidores de carreira e um vereador indicado pelo legislativo municipal. Assevera que eventuais glosas efetuadas pela Funasa, cujos engenheiros faziam visitas mensais aos trabalhos, ficavam a cargo do corréu Alexandre de Morais Guimarães, membro da supracitada comissão, conforme cláusulas contratuais. Os pagamentos, por sua vez, só ocorriam mediante relatório emitido pela comissão de acompanhamento e fiscalização, cujo responsável era um engenheiro civil, no sentido de que os serviços estavam de acordo com o projeto executivo e planilha orçamentária. Além disso, as obras foram executadas em sua totalidade. Contudo, não tiveram continuidade por parte da administração posterior. Alega já ter sido julgado na esfera cível quanto aos mesmos fatos tratados na presente ação penal na Ação de Ressarcimento ao Erário do Município nº 1001194-74.2006.8.22.0016, cuja decisão da 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Roraima se deu no sentido do reconhecimento da ausência de liame moral ou jurídico, para imputar ao apelante a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais prejuízos por danos materiais decorrentes da não execução do projeto. Aduz que, da leitura do relatório da auditoria citada na denúncia, não se verifica sequer menção a qualquer tipo de desvio ou apropriação de bens ou serviços públicos em benefício do apelante ou de terceiros. Tampouco há testemunhas ou corréus que comprovem ter o recorrente praticado o delito a ele atribuído. Requer absolvição com suporte no art. 386, VII, do CPP (insuficiência de provas). Mantida a condenação, alega que, no tocante à dosimetria da pena, as circunstâncias do art. 59 do CP foram julgadas desfavoráveis ao apelante com fundamentos ínsitos ao tipo penal. Não fora isso, o acusado é primário, tem boa conduta social e personalidade que não destoa da normalidade. Requer seja fixada a reprimenda no mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão (IDs 274127025 e 274127032). Contrarrazões do MPF pela manutenção da sentença condenatória (ID 274127034). O MPF, nesta instância, opinou pelo desprovimento das apelações (ID 274127036). É o relatório. Sigam os autos ao exame do Revisor, que pedirá a designação de dia para o julgamento (art. 613, I, CPP). Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0004603-50.2012.4.01.4101 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004603-50.2012.4.01.4101 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR): Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações interpostas. Os apelantes foram denunciados pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 1º, I, do DL 201/67, no contexto da denominada “Operação Pelo Cano”, que buscava investigar o desvio de recursos públicos na execução de obras de implantação do sistema de esgoto e tratamento sanitário, praticados pelo ex-gestor do Município de Costa Marques/RO, servidores públicos e empresas. De acordo com a inicial acusatória, entre outubro/2001 e agosto/2004, Raymundo Mesquita Muniz, Valter Luiz Rossoni e Alexandre de Morais Guimarães concorreram para o desvio da importância de R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta reais e sessenta e um centavos), repassados ao Município de Costa Marques/RO pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa, por meio dos Convênios nºs1779/2000 e 1587/2001, com vistas à construção e ampliação do sistema de esgotamento sanitário do referido Município. Pelo Convênio nº 1779/2000, a Funasa repassou R$ 498.788,30 (quatrocentos e noventa e oito mil, setecentos e oitenta e oito reais e trinta centavos) para a construção do sistema de esgotos do Município. Já pelo Convênio nº 1587/2001, foram repassados R$ 301.000,00 (trezentos e um mil reais) para a ampliação do sistema de esgotos do Município. Para a execução dos supracitados convênios, foram contratadas, por meio de procedimento licitatório, respectivamente, as empresas “V.J. Construções e Comércio Ltda.” e “Celta Terraplanagem Ltda.”, nas quais figurava como procurador dos sócios o acusado Valter Luiz Rossoni, o qual, na verdade, era o titular de fato das referidas sociedades, registradas em nome de terceiros. Com o início das obras, o acusado Alexandre de Morais Guimarães, à época engenheiro do Município de Costa Marques/RO, era o responsável por atestar os serviços executados para viabilizar o pagamento. Todavia, a despeito de grande parte do serviço não ter sido executado, Alexandre de Morais Guimarães atestou a execução da obra e o acusado Raymundo Mesquita Muniz, na condição de Prefeito, autorizou o pagamento do valor dos convênios pelos supostos serviços prestados pelas empresas representadas por Valter Luiz Rossoni. Desse modo, em relação ao contrato firmado com a “VJ Construções e Comércio Ltda.” (Convênio nº 1779/2000), foram pagos por serviços não realizados R$ 266.281,89 (duzentos e sessenta e seis reais, duzentos e oitenta e um reais e oitenta e nove centavos). Quanto ao contrato firmado com a “Celta Construções e Terraplanagem” (Convênio nº 1587/2001), foram pagos por serviços não realizados R$ 126.904,10 (cento e vinte e seis mil, novecentos e quatro reais e dez centavos) (ID 274118551). A denúncia foi recebida em 10/07/2012 (ID 274127016). A sentença foi proferida em 27/11/2018 (ID 274127021 - pg. 34). Os apelantes foram condenados nas penas do art. 1º, I, do DL 201/67: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (...) §1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos (...). Da preliminar de bis in idem O acusado Raymundo Mesquita Muniz alega que respondeu à Ação de Ressarcimento ao Erário do Município nº 1001194-74.2006.8.22.0016, que versa sobre os mesmos fatos tratados na presente Ação Penal. Aduz que o pedido formulado na referida ação de ressarcimento foi julgado improcedente pela 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Roraima, sob o fundamento de que o acusado não contribuiu para o dano ao erário. Contudo, vigora no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de independência das esferas cível e criminal, nos termos do art. 935 do CCB: Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Dessa forma não repercute na presente Ação Penal o julgamento improcedente da aventada Ação de Ressarcimento ao Erário. Não fora isso, de acordo com petição de ID 273904517 - pg. 104, a supracitada ação de ressarcimento se refere apenas ao Convênio nº 1587/2001. Afasto, portanto, a preliminar. Do mérito Da materialidade Os sentenciados foram condenados em razão do recebimento integral dos valores referentes aos Convênios nºs 1779/2000 e 1587/2001 firmados pelo Município de Costa Marques/RO com a Funasa, embora as obras por eles previstas não tivessem sido executadas na sua integralidade. O acusado Alexandre de Morais Guimarães alega não ter sido demonstrada a materialidade do delito, bem como que as provas contidas nos autos são frágeis e intempestivas, por terem sido coletadas muito depois da paralisação das obras. A materialidade do delito, todavia, está devidamente comprovada pelos seguintes documentos: - Notificação Técnica da Divisão/Serviço de Engenharia de Saúde Pública da Funasa, de 28/10/2003, solicitando a adoção de providências no sentido de solucionar pendências da obra detectadas em 31/07/2003, consistentes em: ausência de fiscalização técnica da prefeitura, execução da obra sem orientação técnica da empreiteira e obra paralisada por razões desconhecidas (ID 274118552 - pg. 25); - Tomada de Contas Especial pela Coordenadoria Regional da Funasa em Rondônia, de 26/03/2008, em desfavor do apelante Raymundo Mesquita Muniz, referente ao Convênio 1587/2001, cujo objeto era a ampliação do sistema de esgoto sanitário do Município de Costa Marques/RO (ID 274118556 - pg. 56); - Ofício da Funasa nº 099, de 12/11/2007, informando que a prestação de contas final do Convênio 1587/2001 não foi aprovada, considerando as irregularidades apontadas no Parecer nº 041/2007 (ID 274118556 - pg. 57); - Parecer Técnico nº 041/2007 da Funasa, de 12/11/2007 recomendando a não aprovação da prestação de contas final do supracitado convênio (ID 274118556 – pg. 58); - Laudo de Exame em Obra de Engenharia nº 0814/2008-SETEC/SR/DPF/RO, de 04/09/2008, o qual concluiu ter havido o cumprimento parcial dos objetos licitados, ficando as obras inacabadas e sem condições de uso, embora as pessoas jurídicas tenham recebido na totalidade os valores constantes dos contratos. Assim, foram pagos R$ 266.281,51 por serviços não executados à empresa “V.J. Construções e Comércio Ltda.” e R$ 126.904,10 à empresa “Celta Construções e Terraplanagem Ltda.”. Não havia sequer “Termo de Recebimento Definitivo da Obra” (ID 274118556 - pg. 89); - Informação nº 005/2009 da Polícia Federal, de 12/03/2009, após análise da documentação constante do IPL 268/2007 (ID 274118562 - pg. 74); - Termos de medição atestando a realização das etapas da obra (IDs 273904519 - pgs. 37, 48, 58 e 70 e 273904521 - pgs. 134, 146/147 e 163 e ID 274118553 – pgs. 4 e 12) e - Depoimento em Juízo da testemunha Hamilton Macedo Alves, agente da Polícia Federal, que atuou na Base da Polícia Federal em Costa Marques/RO, no ano de 2007, no qual detalhou o início da investigação, bem como ter encontrado o local da obra já depredado. Declarou que a prova técnica apontou que a obra não tinha sido executada completamente e sequer haveria condições de aproveitar o que fora feito, apesar de ter havido o empenho de todo o recurso público pela prefeitura (ID 273894095). Sobre a alegação de que as que as provas contidas nos autos são frágeis e intempestivas, por terem sido coletadas muito depois da paralisação das obras, verifico que a Funasa, em 31/07/2003, já detectara ausência de fiscalização da obra por parte da prefeitura e execução sem orientação técnica da empreiteira, tendo apresentado tais falhas às autoridades municipais, em 28/10/2003, portanto, ainda durante a administração do acusado Raymundo Mesquita Muniz (ID 274118552 - pg. 25). Não há noticia nos autos de que tais falhas tenham sido solucionadas, o que resultou na não aprovação da prestação de contas final (ID 274118556 – pg. 57) e instalação de Tomada de Contas Especial (ID 274118556 - pg. 56). Os apelantes Valter Luiz Rossoni, Alexandre de Morais Guimarães e Raymundo Mesquita Muniz aduzem que as obras foram inteiramente realizadas, de acordo com o que fora contratado, em todas as suas especificações, conforme documentos juntados aos autos e prova testemunhal. Todavia, o novo gestor do Município não deu continuidade ao trabalho, tendo deixado o sistema se deteriorar. Contudo, o Laudo Pericial nº 0814/2008 – SETEC/SR/DPF/RO concluiu que, embora as empresas tenham recebido a integralidade dos valores, houve pagamento apenas parcial dos objetos licitados, ficando a obra inacabada e sem condições de uso (ID 274118556 - pg. 89); Além disso, a Notificação Técnica da Divisão/Serviço de Engenharia de Saúde Pública da Funasa aponta que, já no ano de 2003, quando o apelante Raymundo Mesquita Muniz ainda era prefeito de Costa Marques/RO, as obras já apresentavam irregularidades (ID 274118552 - pg. 25). As contas do Convênio nº 1587/2001 sequer foram aprovadas, o que culminou na deflagração do processo de Tomada de Contas Especial pela Coordenadoria Regional da Fundação Nacional de Saúde – Funasa (ID 274118556 - pg. 56). Sobre a alegada prova testemunhal, o agente de Polícia Federal Hamilton Macedo Alves declarou em Juízo que, em 2007, em razão de denúncias de vários moradores de Costa Marques/RO sobre os desvios de recursos públicos destinados à construção de uma estação de tratamento de esgotos sanitários, participou de diligências no local, que já estava depredado, abandonado e sem condições de uso. Também examinou a documentação referente aos Convênios em questão e constatou que os recursos chegaram ao Município e foram usados. Declarou que a perícia esteve no local e constatou que a obra não fora integralmente feita (ID 273894095). Restam afastadas, assim, as teses defensivas, de modo que concluo que a materialidade delitiva foi devidamente demonstrada nos autos. Da autoria Acusado Valter Luiz Rossoni O acusado alega ausência de provas de que ele seria proprietário ou participante do quadro societário das duas empresas vencedoras dos procedimentos licitatórios, das quais era apenas procurador. O apelante também apresentou essa versão no seu interrogatório judicial, no qual declarou que era apenas procurador das sociedades “V.J. Construções e Comércio Ltda.” e “Celta Construções e Terraplanagem Ltda.”, recebendo apenas uma participação no lucro das empresas. Informou, ainda, que a empresa “Celta Construções e Terraplanagem Ltda.” era de sua sobrinha e de um amigo, ao passo que a “V.J. Construções e Comércio Ltda.” era de um amigo. Admitiu, contudo, que administrava o cotidiano dessas empresas, não vendo nisso contradição ou conflito de interesses (ID 273894104). Contudo, a versão de que não era o proprietário das empresas, apresentada em Juizo, contradiz com suas declarações em fase policial, no sentido de que constituiu a empresa “Celta Construções e Terraplanagem Ltda.”, tendo, na ocasião, convencido José Armando e sua esposa Antônia a figurarem como sócios, pois, na época estava impedido de contratar com órgãos públicos por força de uma decisão judicial. Por outro lado, quanto à empresa “V.J. Construções e Comércio Ltda.”, negou tê-la constituído (ID274118564 – pg.7). De todo modo, a prova testemunhal também foi no sentido de que o acusado era o proprietário de fato, pelo menos, da empresa “Celta Construções e Terraplanagem Ltda.” A testemunha Raimundo Nonato Araújo Rodrigues, servidor público municipal, membro da Comissão de Recebimento de Obra, declarou em fase policial que a empresa “Celta Construções e Terraplanagem Ltda.” pertencia ao acusado Valter Luiz Rossoni, apelidado de “Polaco”, a quem conhece como empreiteiro e que atuava em Costa Marques, São Francisco do Guaporé e outros municípios (ID 274127018 - pg. 199). Por sua vez, a testemunha Hamilton Macedo Alves, agente de Polícia Federal, declarou em Juízo ter participado de uma diligência na cidade de Rolim de Moura/RO, onde teve contado com José Armando de Almeida, cujo nome constava como sócio proprietário de pelo menos uma das empresas. Ali constatou que José Armando trabalhava em uma fazenda como vaqueiro e, ao ser indagado acerca da situação de constar como proprietário de empresa vencedora de um procedimento licitatório, cujo objeto era a construção de uma rede de tratamento de esgotos sanitários, declarou que apenas havia colocado o nome, mas não cuidava disso (ID 273894095). Tais evidências indicam que o apelante Valter Luiz Rossoni era o proprietário de fato e administrador das empresas em comento, tendo sido o responsável por todas as tratativas e recebimento dos valores durante o certame e a execução das obras. Acusado Alexandre de Morais Guimarães O acusado alega que não era ordenador de despesas ou proprietário de empresa supostamente favorecida e, portanto, suas ações carecem de efeito danoso, o que configura crime impossível. O crime impossível está previsto no art. 17 do CP, que determina não ser possível punir-se “a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.” O dispositivo não se aplica na hipótese, tendo em vista que o delito atribuído ao apelante se consumou. Além disso, o acusado, na condição de engenheiro da prefeitura, era o responsável pela fiscalização da obra e assinatura dos termos de medição, a demonstrar a eficácia do meio. O apelante nega ter assinado a medição para o pagamento de conclusão das obras referentes ao Convênio 1587/2001, tampouco o recebimento provisório ou definitivo. Pugna pela incidência do art. 15 do CP (desistência voluntária ou eficaz). O supracitado dispositivo prevê que o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do delito ou impede que seu resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. Contudo, verifica-se do exame dos termos de medição que todos eles foram assinados pelo apelante e, na sua maioria, apenas por ele, embora se refiram à “comissão de obra referente à construção do sistema de esgotamento sanitário” e possuam campos para outras três assinaturas (IDs 273904519 - pgs. 37, 48, 58 e 70 e 273904521 - pgs. 134, 146/147 e 163 e ID 274118553 – pgs. 4 e 12). O acusado atestou, portanto, a execução de serviços não executados de forma integral, o que resultou no desvio de verbas públicas federais. Acusado Raymundo Mesquita Muniz O acusado que o órgão ministerial não logrou provar as acusações, ante à ausência de dolo ou culpa na conduta do apelante, pois, tanto os engenheiros da Funasa, quanto os da prefeitura, fiscalizavam e acompanhavam a execução da obra. Além disso, a obra era fiscalizada por uma comissão composta por servidores de carreira e um vereador indicado pelo legislativo local. Assevera que só autorizava os pagamentos mediante relatório de acompanhamento e fiscalização da referida comissão. Contudo, do exame dos termos de medição, verifica-se que eles, em sua maioria, foram assinados apenas pelo corréu Alexandre de Morais Guimarães, embora tenham o título “comissão de obra referente à construção do sistema de esgotamento sanitário” e possuam campos para 03 (três) outras assinaturas(IDs 273904519 - pgs. 37, 48, 58 e 70 e 273904521 - pgs. 134, 146/147 e 163 e ID 274118553 – pgs. 4 e 12). Além disso, ainda durante a execução da obra, em 28/10/2003, a Funasa promoveu cobrança de solução de pendências por meio de Notificação Técnica, na qual alerta o administrador municipal acerca das inconsistências na empreitada, dentre elas a ausência de fiscalização técnica da prefeitura (ID 274118552 - pg. 25); Merece registro que, segundo petição de 25/05/2006 em Medida Cautelar Inominada, a nova administração municipal informa que o Município de Costa Marques/RO, estava no Cadastro de Inadimplentes do Governo Federal (Siafi) e Cadastro de Créditos não Quitados do Setor Público, o que vedava a celebração de novos convênios, bem como, o empenho das despesas municipais, impedindo a cidade de receber valores indispensáveis à manutenção de sua infraestrutura (ID 273904517 - pg. 80). Desse modo, é forçoso concluir que o apelante Raymundo Mesquita Muniz tinha plena consciência das deficiências de fiscalização da obra e, malgrado as irregularidades acima descritas, notadamente as assinaturas nos termos de medição, na sua maioria, apenas pelo corréu Alexandre de Morais Guimarães, à revelia do restante da comissão de obra, autorizou os pagamentos de serviços. Não pairam dúvidas, portanto, quanto à intenção do acusado de causar dano ao erário (dolo específico). Da desclassificação do crime previsto no inciso I para o tipo penal do inciso II do DL 201/67 O acusado Alexandre de Morais Guimarães pugna pela desclassificação do crime previsto no inciso I para o tipo penal no inciso III, ambos do art. 1º do DL 201/67, considerando que, durante toda a instrução penal, não ficou comprovada a apropriação ou desvio de verbas públicas e, desse modo, no máximo, teria havido uso indevido de verbas públicas. Os referidos dispositivos assim estabelecem: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (...) Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; De sua leitura, verifica-se que o inciso I tipifica a conduta de desvio de finalidade da coisa pública em proveito próprio ou alheio. Por sua vez, o inciso III pune a conduta menos grave de aplicação indevida de rendas ou verbas públicas. No caso desse inciso, o desvio ou a aplicação das verbas públicas, ainda que de forma indevida, deu-se em benefício público. Sobre a questão, a orientação jurisprudencial da Segunda Seção deste Regional é no sentido e que “O tipo do inciso III é apenas subsidiário ao do inciso I, somente se caracterizando o primeiro quando o desvio de aplicação das rendas públicas não se reverta em favor do próprio agente público ou de terceiro, o que não é o caso dos autos. Impossibilidade de desclassificação para o tipo do inciso III do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67”. (APN 0020185-06.2014.4.01.0000, Desembargador Federal Ney Bello, TRF1 - Segunda Seção, e-DJF1 15/04/2016 Pag.) Na hipótese, as provas contidas nos autos demonstram ter havido pagamento de obras públicas não executadas integralmente pelas empresas contratadas para esse fim, de propriedade do corréu Valter Luiz Rossoni. Portanto, não houve aplicação dos valores dos Convênios nºs1779/2000 e 1587/2001 em finalidade diversa, mas sim o desvio de verbas públicas em proveito próprio ou alheio. A conduta dos réus se adequa, portanto, ao tipo penal descrito no art. 1º, inciso I, do DL 201/67. No mesmo sentido já decidiu esta Turma, em acórdão do qual fui Relator: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. (DL: 201/67: ART. 1º, I). MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. PROVAS SUFICIENTES. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDDE. PENA REDIMENSIONADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA. PRELIMINARES DE NULIDADE REJEITADAS. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. 1. As provas juntadas aos autos demonstram claramente o desvio dos recursos públicos oriundos da FUNASA, objeto de convênio firmado com o município de Barra do Rocha/BA, na gestão do então prefeito e do responsável pela execução da obra. (...) 6. Os elementos de prova constantes dos autos apontam que o réu Jorge Carlos Silva Santos, à época Prefeito do Município de barra do Rocha/BA, de forma livre e consciente, desviou recursos públicos oriundos da FUNASA em proveito da empresa Construnor - Construções do Nordeste Ltda., administrada pelo corréu Leovegildo Oliveira de Sousa. 7. O repasse integral efetuado pela FUNASA ao Município de Barra do Rocha também foi demonstrado, conforme se infere dos documentos juntados aos autos, especialmente, pelo Relatório de Tomada de Contas Especial da Fundação Nacional de Saúde, no qual consta que todos os recursos do Convênio 2378/200, no qual consta que somente 26,45% dos serviços foram executados. 8. Não prospera o pedido de desclassificação do crime, uma vez que a conduta dos réus adequou perfeitamente ao descrito no art. 1º, inciso I, do DL 201 - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio -, sendo certo que, a orientação jurisprudencial da Segunda Seção deste Regional é no sentido e que "o tipo do inciso III é apenas subsidiário ao do inciso I, somente se caracterizando o primeiro quando o desvio de aplicação das rendas públicas não se reverta em favor do próprio agente público ou de terceiro, o que não é o caso dos autos. Impossibilidade de desclassificação para o tipo do inciso III do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67", (00201850620144010000, Desembargador Federal Ney Bello, TRF1 Segunda Seção, eDJF1 15/04/2016). (...) 11. Apelações parcialmente providas (itens 9 e 10). (ACR 0000189-60.2012.4.01.3308, Desembargador Federal Cesar Jatahy, TRF1 - Quarta Turma, PJe 05/08/2024 Pag.) (Grifo nosso). Mantenho, portanto, a condenação dos acusados Valter Luiz Rossoni, Alexandre de Morais Guimarães e Raymundo Mesquita Muniz nas penas do art. 1º, I, do DL 201/67 (apropriação ou desvio de rendas públicas em proveito próprio ou alheio). Da dosimetria da pena O crime do art. 1º, I, do DL 201/67 comina pena de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos. Acusado Valter Luiz Rossoni O acusado Valter Luiz Rossoni requer a fixação da pena no mínimo legal, pois é réu primário e não existem nos autos elementos que embasem a exacerbação da reprimenda. Primeiramente, registre-se que o fato do acusado ser tecnicamente primário não lhe serve para afastar circunstâncias desfavoráveis ou minorar a pena-base passível de ser fixada acima do mínimo legal, desde que corretamente fundamentada. A pena-base do acusado foi fixada em 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses de reclusão, ante a presença de 03 (três) circunstâncias do art. 59 do CP julgadas desfavoráveis, sob os seguintes fundamentos: - culpabilidade: “se apresenta agravada, pois se utilizou de pessoas interpostas para constituir a empresa e participar de licitação direcionada, recebendo valores decorrentes de serviços não integralmente executados que seriam destinados a obras que trariam maior bem-estar para a população do Município de Costa Marques.” (ID 274127021 – pg. 28); - circunstâncias: “mostram-se graves, porquanto, nos termos da fundamentação, o desvio de verbas públicas federais foi precedido por uma série de irregularidades nos certames licitatórios que culminaram com a contratação das empresas V.J. Construções e Comércio Ltda. e Celta Construções e Terraplanagem Ltda.” (ID 274127021 – pg. 29) e - consequências: “ são graves, considerando que o desvio da importância de R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta e cinco reais e sessenta e um centavos) de origem pública em proveito de particulares, quando deveriam ser investidos regularmente em obras para o bem-estar da população do Município de Costa Marques, tem efeitos extremamente danosos (ID 274127021 – pg. 29). Os fundamentos usados para o julgamento negativo das supracitadas circunstâncias não merecem reparos. A culpabilidade ultrapassa o normal para o tipo penal, pois o acusado, conforme ficou demonstrado nos autos, utilizou-se de “laranjas” para constituir as empresas, a fim de participar dos procedimentos licitatórios e execução das obras, bem como foi o beneficiário de valores que deveriam ser destinados a obra relevante para o Município. As circunstâncias do crime ultrapassam o esperado para o tipo penal, tendo em vista que, conforme consta do Laudo de Exame em Obra de Engenharia nº 0814/2008-SETEC/SR/DPF/RO (ID 274118556 - pg. 89), as irregularidades tiveram início ainda em fase de licitação, com o direcionamento da contratação das empresas envolvidas na presente Ação Penal, e perduraram até o recebimento da empreitada. As consequências também ultrapassam o normal para o tipo penal, considerando que, além do valor desviado ser muito alto para o padrão de um pequeno Município no interior de Rondônia, R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta reais e sessenta e um centavos), em valores da época, a não concretização da obra e o desvio de parte do montante a ela destinado impossibilitaram o funcionamento da rede de saneamento básico municipal, situação que afeta os direitos fundamentais da coletividade, notadamente à saúde e a um meio ambiente saudável. Contudo, quanto à fração de exasperação da pena, há julgados no STJ no sentido de que, salvo os casos excepcionais, o aumento da pena-base em face de circunstâncias do art. 59 do CP julgadas negativas deve se dar à razão de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima: (...) na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6 sobre o mínimo legal, para cada circunstância judicial negativa. O aumento de pena superior a esse quantum, para cada vetorial desfavorecida, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial. (HC - Habeas Corpus - 534844 2019.02.83399-0, Relator Reynaldo Soares Da Fonseca, STJ - Quinta Turma, DJE Data:19/12/2019 ..Dtpb:.) Não verifico, no caso dos autos, fundamentação idônea da sentença, tampouco indicação de situação de excepcionalidade apta a justificar a fixação da pena acima do parâmetro de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo legal, para cada circunstância judicial do art. 59 do CP julgada negativa. Além disso, não constato razão concreta para exacerbar a pena-base acima do parâmetro jurisprudencial, pois, a conduta do réu não extrapola a gravidade já consubstanciada nos fundamentos usados pela sentença para o julgamento negativo das circunstâncias judiciais. Assim, em observância ao julgado acima, bem como, aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixo a pena-base do acusado em 03 (três) anos de reclusão, que torno definitiva ante a ausência de circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de diminuição ou de aumento da pena. O regime inicial de cumprimento da pena é o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do CP. Com a dosimetria fixada no presente julgado, substituo a pena privativa de liberdade do acusado por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução, na forma do art. 66, V, "a", da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP). Acusado Alexandre de Morais Guimarães O acusado Alexandre de Morais Guimarães requer a diminuição da pena-base para 04 (quatro) anos, tendo em vista que o apelante não participou da medição final do Convênio 1587/2001, é primário, tem bons antecedentes, residência fixa e personalidade não voltada para o crime. Primeiramente, registre-se que o fato do acusado ser tecnicamente primário, ter bons antecedentes, residência fixa e personalidade não voltada para o crime não lhe serve para afastar circunstâncias desfavoráveis ou minorar a pena-base passível de ser fixada acima do mínimo legal, desde que corretamente fundamentada. Sobre a não participação da medição final do Convênio 1587/2001, foi demonstrado nos autos que o apelante assinou todos os termos de medição, a maioria deles sozinho, ainda que houvesse uma comissão de obras com essa finalidade (IDs 273904519 - pgs. 37, 48, 58 e 70 e 273904521 - pgs. 134, 146/147 e 163 e ID 274118553 – pgs. 4 e 12). A pena-base do acusado foi fixada em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, ante a presença de 02 (duas) circunstâncias do art. 59 do CP julgadas desfavoráveis, sob os seguintes fundamentos: - culpabilidade: “se apresenta agravada, pois, atestou a execução de serviços não completamente executados em obra pública de relevante valor social para a população do Município de Costa Marques, o que ocasionou o desvio e a apropriação dos recursos públicos federais” (ID 274127021 – pg. 31) e - consequências: “ são graves, considerando que o desvio da importância de R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta e cinco reais e sessenta e um centavos) de origem pública em proveito de particulares, quando deveriam ser investidos regularmente em obras para o bem-estar da população do Município de Costa Marques, tem efeitos extremamente danosos (ID 274127021 – pg. 32). Os fundamentos usados para o julgamento negativo das supracitadas circunstâncias não merecem reparos. A culpabilidade ultrapassa o normal para o tipo penal, pois o acusado foi conivente com o desvio de valores que deveriam ser destinados a obra relevante para o Município. As consequências, também ultrapassam o normal para o tipo penal, considerando que, além do valor desviado ser muito alto para o padrão de um pequeno Município no interior de Rondônia, R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta reais e sessenta e um centavos), em valores da época, a não concretização da obra e o desvio de parte do montante a ela destinado impossibilitaram o funcionamento da rede de saneamento básico municipal, situação que afeta os direitos fundamentais da coletividade, notadamente à saúde e a um meio ambiente saudável. Contudo, quanto à fração de exasperação da pena, não verifico, no caso dos autos, fundamentação idônea da sentença, tampouco indicação de situação de excepcionalidade apta a justificar a fixação da pena acima do parâmetro de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo legal, para cada circunstância judicial do art. 59 do CP julgada negativa. Além disso, não constato razão concreta para exacerbar a pena-base acima do parâmetro jurisprudencial, pois a conduta do réu não extrapola a gravidade já consubstanciada nos fundamentos usados pela sentença para o julgamento negativo das circunstâncias judiciais. Assim, em observância ao julgado acima, bem como, aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixo a pena-base do acusado em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, que torno definitiva ante a ausência de circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de diminuição ou de aumento da pena. O regime inicial de cumprimento da pena é o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do CP. Com a dosimetria fixada no presente julgado, substituo a pena privativa de liberdade do acusado por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução, na forma do art. 66, V, "a", da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP). Acusado Raymundo Mesquita Muniz O acusado Raymundo Mesquita Muniz aduz que as circunstâncias do art. 59 do CP foram julgadas desfavoráveis ao apelante com fundamentos ínsitos ao tipo penal. Não fora isso, o acusado é primário, tem boa conduta social e personalidade que não destoa da normalidade. Requer seja fixada a reprimenda no mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão. Primeiramente, registre-se que o fato do acusado ser tecnicamente primário, ter boa conduta social e personalidade que não destoa do normal, não lhe serve para afastar circunstâncias desfavoráveis ou minorar a pena-base passível de ser fixada acima do mínimo legal, desde que corretamente fundamentada. A pena-base do acusado foi fixada em 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses de reclusão, ante a presença de 03 (três) circunstâncias do art. 59 do CP julgadas desfavoráveis, sob os seguintes fundamentos: - culpabilidade: “se apresenta agravada, pois, como Prefeito de Costa Marques à época dos fatos, tinha o dever precípuo de zelar pelo patrimônio público e o bem-estar da população do município, de modo que o crime prejudicou claramente a população local pela execução irregular e incompleta das obras objetos dos Convênios, que possuíam elevada relevância social para o Município” (ID 274127021 – pgs. 25/26); - circunstâncias: “mostram-se graves, porquanto, nos termos da fundamentação, o desvio de verbas públicas federais foi precedido por uma série de irregularidades nos certames licitatórios que culminaram com a contratação das empresas V.J. Construções e Comércio Ltda. e Celta Construções e Terraplanagem Ltda.” (ID 274127021 – pg. 26) e - consequências: “ são graves, considerando que o desvio da importância de R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta e cinco reais e sessenta e um centavos) de origem pública em proveito de particulares, quando deveriam ser investidos regularmente em obras para o bem-estar da população do Município de Costa Marques, tem efeitos extremamente danosos (ID 274127021 – pg. 26). Os fundamentos usados para o julgamento negativo das supracitadas circunstâncias não merecem reparos. A culpabilidade ultrapassa o normal para o tipo penal, pois, o acusado deixou de zelar pela execução de obra relevante para o Município. As circunstâncias do crime ultrapassam o esperado para o tipo penal, tendo em vista que, conforme consta do Laudo de Exame em Obra de Engenharia nº 0814/2008-SETEC/SR/DPF/RO (ID 274118556 - pg. 89), as irregularidades tiveram início ainda em fase de licitação, com o direcionamento da contratação das empresas envolvidas na presente Ação Penal, e perduraram até o recebimento da empreitada. Sobre as consequências, também ultrapassam o normal para o tipo penal, considerando que, além do valor desviado ser muito alto para o padrão de um pequeno Município no interior de Rondônia, R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta reais e sessenta e um centavos), em valores da época, a não concretização da obra e o desvio de parte do montante a ela destinado impossibilitaram o funcionamento da rede de saneamento básico municipal, situação que afeta os direitos fundamentais da coletividade, notadamente à saúde e a um meio ambiente saudável. Contudo, quanto à fração de exasperação da pena, não verifico, no caso dos autos, fundamentação idônea da sentença, tampouco indicação de situação de excepcionalidade apta a justificar a fixação da pena acima do parâmetro de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo legal, para cada circunstância judicial do art. 59 do CP julgada negativa. Além disso, não constato razão concreta para exacerbar a pena-base acima do parâmetro jurisprudencial, pois, a conduta do réu não extrapola a gravidade já consubstanciada nos fundamentos usados pela sentença para o julgamento negativo das circunstâncias judiciais. Assim, em observância ao julgado acima, bem como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixo a pena-base do acusado em 03 (três) anos de reclusão, que torno definitiva ante a ausência de circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de diminuição ou de aumento da pena. O regime inicial de cumprimento da pena é o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do CP. Com a dosimetria fixada no presente julgado, substituo a pena privativa de liberdade do acusado por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução, na forma do art. 66, V, "a", da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP). Da justiça gratuita O acusado Alexandre de Morais Guimarães pugna pelo benefício da assistência judiciária gratuita. Diante da alegada situação de hipossuficiência do apelante, concedo-lhe o benefício da justiça gratuita, ressalvado o disposto no art. 804 do CPP, quanto à necessidade de condenação do vencido em custas, e suspendo a exigibilidade do pagamento, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, da Lei 13.105, de 16/03/2015. Do dispositivo Ante o exposto, dou parcial provimento às apelações para: - reduzir as penas dos acusados Valter Luiz Rossoni e Raymundo Mesquita Muniz para 03 (três) anos de reclusão, no regime inicial aberto. Substituo as reprimendas privativas de liberdade dos réus por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução; e - reduzir a pena do acusado Alexandre de Morais Guimarães para 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto. Substituo a reprimenda privativa de liberdade do réu por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução e concedido ao apelante o benefício da assistência judiciária gratuita. É o voto. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0004603-50.2012.4.01.4101/RO PROCESSO REFERÊNCIA: 0004603-50.2012.4.01.4101 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTES: VALTER LUIZ ROSSONI e outros REPRESENTANTES DOS APELANTES: AIRTON PEREIRA DE ARAUJO - RO243-A, FABIO PEREIRA MESQUITA MUNIZ - RO5904-A e PAULA JAQUELINE DE ASSIS MIRANDA - RO4245-A APELADO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. OPERAÇÃO “PELO CANO”. MUNICÍPIO DE COSTA MARQUES/RO. APROPRIAR-SE DE RENDAS PÚBLICAS E DESVIÁ-LAS EM PROVEITO PRÓPRIO E DE TERCEIRO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DESCLASSIFICAÇÃO AFASTADA. DOSIMETRIA DA PENA REFORMADA. JUSTIÇA GRATUITA. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Apelantes condenados nas penas do art. 1º, I, do DL 201/67, em razão de, na condição de prefeito, engenheiro da prefeitura e proprietário de fato das empresas vencedoras dos procedimentos licitatórios, terem desviado recursos públicos repassados pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa, com vistas à construção e ampliação do sistema de esgotamento sanitário do Município de Costa Marques/RO. 2. Vigora no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de independência das esferas cível e criminal, nos termos do art. 935 do CCB. Dessa forma, não repercute na presente ação penal o aventado julgamento improcedente do pedido formulado nos autos de ação de ressarcimento ao erário ajuizada em desfavor do ex-prefeito Raymundo Mesquita Diniz, supostamente em razão dos mesmos fatos aqui tratados. 3. Foram demonstradas a materialidade e autoria por parte dos acusados no tocante à conduta de receber integralmente os valores referentes aos Convênios nºs1779/2000 e 1587/2001 firmados pelo Município de Costa Marques/RO com a Funasa, embora as obras por eles previstas não tivessem sido executadas na sua integralidade, o que resultou no desvio de R$ 393.185,61 (trezentos e noventa e três mil, cento e oitenta reais e sessenta e um centavos). 4. "O tipo do inciso III é apenas subsidiário ao do inciso I, somente se caracterizando o primeiro quando o desvio de aplicação das rendas públicas não se reverta em favor do próprio agente público ou de terceiro, o que não é o caso dos autos. Impossibilidade de desclassificação para o tipo do inciso III do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67". (APN 0020185-06.2014.4.01.0000, Desembargador Federal Ney Bello, TRF1 - Segunda Seção, e-DJF1 15/04/2016 Pag.). Precedente da Turma. Pedido de desclassificação da conduta do inciso I do art. 1º do DL 201/67 para a do inciso III rejeitado. 5. Os fundamentos usados para o julgamento negativo das circunstâncias do art. 59 do CP não merecem reparos. Todavia, há julgados no STJ no sentido de que, salvo os casos excepcionais, o aumento da pena-base em face de circunstâncias do art. 59 do CP julgadas negativas deve se dar à razão de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima. Precedentes do STJ. 7. Dosimetrias das penas reformadas para melhor refletir o grau de reprovabilidade das condutas dos réus. Redução das penas dos acusados Valter Luiz Rossoni e Raymundo Mesquita Muniz para 03 (três) anos de reclusão, no regime inicial aberto. Substituição das penas privativas de liberdade dos réus por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução. Ademais, redução da pena do acusado Alexandre de Morais Guimarães para 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto. Substituição da reprimenda privativa de liberdade do réu por 02 (duas) sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo da Execução. 8. Concessão, ao apelante Alexandre de Morais Guimarães, do benefício da justiça gratuita, ressalvado o disposto no art. 804 do CPP, quanto à necessidade de condenação do vencido em custas, e suspensão da exigibilidade do pagamento, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, da Lei 13.105, de 16/03/2015. 9. Apelações dos acusados parcialmente providas (itens 7 e 8). ACÓRDÃO Decide a Turma, à unanimidade, dar parcial provimento às apelações, nos termos do voto do Relator. 4ª Turma do TRF/1ª Região - Brasília-DF, 24 de junho de 2025. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator IF/M
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