Processo nº 0000619-30.2017.4.01.3601
ID: 280195433
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000619-30.2017.4.01.3601
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA H…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): Trata-se de apelação criminal, interposta por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI), de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou às seguintes penas, em relação aos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material: 1.JAIR NAMBIKWARA HALOTESU: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão ; 2.MANE MANDUCA: 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 3.MILTON NAMBIWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; 4.ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e 5.MARCOS NAMBIKWARA: 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Consta na denúncia que (ID 236427506, pp. 3/26): [...] 1) CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL Os fatos narrados foram investigados no Inquérito Policial em epígrafe no âmbito da "Operação Santa Cruz", em decorrência do bloqueio da BR-174, entre os municípios de Comodoro/MT e Vilhena/RO, iniciado em 19 de abril de 2015, promovido por índios da etnia Nambikwara. A justificativa dada pelos líderes indígenas para a realização dos bloqueios foi a necessidade de geração de renda à etnia. Quanto a este pleito, de rigor notar que no bojo do inquérito civil n° 1.20.001.000041/2015-32 o Ministério Público Federal tem adotado medidas de índole extrapenal para garantir o acesso à fruição dos direitos sociais aos membros da etnia Nambikwara. De rigor notar que restou atestado através de perícia antropológica que Manduka como as demais lideranças da terra indígena possui pleno conhecimento da ilegalidade dos bloqueios (laudo antropológico elaborado pelo perito do Ministério Público Federal, Leonardo Leocádio da Silva, que segue em anexo). O modo de atuação compreendia na mobilização de índios na rodovia (há registro da existência de acampamento às margens da BR 174 onde chegaram a se instalar cerca de 200 indígenas - conforme laudo antropológico que segue em anexo), para fechamento dos dois sentidos da rodovia, dando-se ordem de parada aos veículos. Alguns índios estavam munidos de arcos e flechas. Assim, realizava-se a "cobrança" de valores para a passagem, que variavam de acordo com o tipo do veículo, mediante a entrega de um "ticket" conforme diversos Boletins de Ocorrência Policial juntados nos autos do caderno apuratório. Consigne-se que os bloqueios foram reiterados e as arrecadações diárias, segundo informações prestadas pelo denunciado MANE MANDUCA (fl. 278), atingiam, em média, a quantia de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00. As interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, que tiveram como alvo os denunciados, cujas transcrições e demais documentos constam nos autos n° 1844-5.2015.4.01.3601 em apenso, elucidaram a formação de atuação arquiteta pelos denunciados, que mantiveram-se em conluio, comandando, cada um no âmbito de suas funções e atribuições, a realização e logística dos bloqueios. Além disso, ficou evidenciado, também, que os denunciados MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU exerciam uma liderança mais acentuada, sendo os mentores intelectuais dos crimes. II. DO CRIME DE EXTORSÃO (art. 158, § 10 do Código Penal) No período que compreende, aproximadamente, 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, na rodovia BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, previamente ajustados, atuando com unidade de desígnios, consciência e vontade cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, constrangeram, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela aludida rodovia, conforme Boletins de Ocorrência Policial de fls. 46, 47/48, 50/51, 53/55, 57/58, 60/61, 62/65, 67/68, 69/70, 72/73, 74/75, 76/77, 78, 80, 82/83, 130/131, 132/133, 135/136, 137/138, 174/176, 178/181,185/188, 190/192,193/194, 196/197, 198/200, 204/205, 206/207, 208, 209/210, 212/213, 215/216, 217/218, 219/220, 222 e 223. Conforme apurado, os acusados, nas condições de tempo e local acima indicados, organizaram a realização de bloqueios na rodovia, dirigindo a atuação de outros índios da etnia Nambikwara, de modo que constrangeram os usuários da rodovia ao pagamento de quantias em dinheiro a título de "pedágio" para que prosseguissem viagem. [...] Com relação às elementares do crime, o uso de grave ameaça fica expresso através do Termo de Declaração de fl. 151, em que Roseli de Souza Dutra externa que seu marido Jair Rosa Dutra, caminhoneiro, foi ameaçado pelos indígenas por se recusar a pagar o valor cobrado. Além disso, o Laudo de Perícia Criminal n° 075/2015 - UTEC/DPF/VLA/RO (fis. 229/233) atesta a total nocividade à integridade física e vida humana do artefato (flecha) atirado pelos indígenas que realizavam o bloqueio contra veículo conduzido por pessoa que por ali trafegava. A autoria delitiva pesa em favor de todos os denunciados e é respaldada pela Informação Policial n° 012- NO/CAE/DPF/MT de fls. 84/97, na qual constam fotografias de MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA e ANAEL NAMBIKWARA, identificados como líderes do movimento. Também o Termo de Declarações de fls.158/159, em que fora ouvido o denunciado JAIR NAMBIKWARA, em que este último assume sua participação e de MANE MANDUCA no cometimento do delito, ambos funcionando, inclusive, como lideranças. Vale mencionar, também, como prova da autoria delitiva a Informação n. 117/2016 - NO/DPF/CAE/MT de fls. 277/279. Além disso, as interceptações telefônicas constantes do Auto Circunstanciado Final n° 19 Operação Santa Cruz (fls. 236/299 dos autos em apenso), também são importantes para descortinar a autoria delitiva. O índice n. 6938835, em que MANE MANDUCA conversa com pessoa chamada Alessandra demonstra que o denunciado é parte da associação criminosa e percebe quantia indevida em razão do bloqueio ilegal: [...] Já o índice n. 6947060 revela conversa entre MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA em que ambos tratam, dentre outros assuntos, acerca do bloqueio: [...] O índice n. 6933208 deixa claro a importância do denunciado ANAEL NAMBIKWARA para o desenvolvimento da atividade criminosa: [...] Por fim, mencione-se o índice n. 6940996, que torna clara a efetiva participação de MARCOS NAMBIKWARA: [...] Demonstradas, portanto, autoria e materialidade delitiva, de rigor a condenação dos denunciados nas penas do art. 158, caput, do Código Penal, com o aumento de pena previsto em seu §1º. 3. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (art. 288, caput, do Código Penal). No período compreendido, aproximadamente, entre os dias 18 de abril de 2015 até meados do mês de julho de 2015, MANE MANDUCA, JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MILTON NAMBIWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e MARCOS NAMBIKWARA, se associaram, com o fim específico de cometer o crime de extorsão anteriormente imputado. De início, vale mencionar que JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, em Termo de Declarações de fls. 158/159, confessa que o bloqueio seria liderado por ele e por MANDE MANDUCA, uma vez que este é presidente da associação HYTO enquanto o declarante é Cacique-Geral. Já MANE MANDUCA, na informação n. 117/2016-NO/DPF/CAE/MT (fls. 278/279), também admite sua participação e a de JAIR HALOTESU no esquema criminoso, afirmando, inclusive, que sabia da ilegalidade de sua conduta e demonstra estrito conhecimento do funcionamento de todo arranjo delituoso. De acordo com o Auto Circunstanciado n. 19 (fls. 236/299 - autos n° 1844-56.2015.4.01.3601 em apenso), índice n. 6938835, fica demonstrada a associação efetiva entre MANE MANDUCA e JAIR NAMBIKWARA HALOTESU. Neste áudio, cuja degravação segue abaixo, MANE MANDUCA menciona com o outro interlocutor que conversará com JAIR para que possa "pegar um dia de estrada", ou seja, ficar um dia no pedágio e utilizar parte da quantia indevidamente obtida para satisfazer necessidade pessoal. Desde logo, fica clara a liderança exercia por ambos com relação às determinações acerca do "pedágio", como determinar os dias de realização, as pessoas que comporão os grupos para cobrança e qual a função de cada um. [...] Em outro diálogo, registrado sob o índice n. 6947060, MANE MANDUCA e MILTON NAMBIKWARA conversam sobre questões atinentes aos bloqueios, tendo o segundo alertado o primeiro acerca de eventual suspensão das cobranças indevidas. JAIR NAMBIKWARA HALOTESU também é mencionado por MANE, quando o último solicita a MILTON que fale com JAIR para que este segure determinada quantia obtida em razão da prática criminosa para satisfação de necessidade pessoal. [...] A liderança exercida por MANE MANDUCA é tão evidente, que ele chega a ser procurado por meios de comunicação para esclarecer a situação dos bloqueios, como indicam os índices n. 7016075 e n. 7021741: [...] O índice n. 7023533 é relativo a diálogo travado entre MANE e MILTON que tratam acerca da destinação dada por MANE ao dinheiro obtido nos bloqueios. [...] Ainda sobre o envolvimento de MILTON NAMBIKWARA, necessária a citação ao índice n. 7009982, que demonstra ter o denunciado controle sobre o dinheiro arrecadado. Neste diálogo, o interlocutor solicita a MILTON que guarde determinada quantia para lhe repassar posteriormente, ao passo que o denunciado afirma que dessa forma irá proceder conforme requerido. [...] O índice n. 6933208 é referente a diálogo entre o denunciado ANAEL NAMBIKWARA e terceira pessoa, momento em que se conversa acerca da destinação de quantias, supostamente as obtidas nos bloqueios. ANAEL revela estar sob posse das quantias e, ao que tudo indica, irá depositar em conta a ser aberta pelo outro interlocutor. Tal fato revela a importância de ANAEL na associação criminosa, uma vez que era ele quem dava destinação ao dinheiro percebido indevidamente: [...] O diálogo relativo ao índice n. 6933208 demonstra, mais uma vez, que ANAEL NAMBIKWARA era um dos organizadores dos bloqueios, em associação aos demais denunciados. Fica evidente que ANAEL atuava praticamente em substituição a JAIR e MANE quando estes no estivessem, por qualquer motivo, disponíveis para fornecer informações sobre os bloqueios ilegais. [...] No diálogo de código 7032761 fica claro, mais uma vez, que ANAEL é um dos responsáveis pela administração dos valores arrecadados em decorrência dos bloqueios. O diálogo registrado sob o índice n. 6940996 demonstra que o denunciado MARCOS NAMBIKWARA também era um dos líderes do movimento criminoso, integrando seleto grupo composto pelos outros denunciados. Fica evidente, conforme a transcrição abaixo, que a posição de MARCOS lhe possibilitava tomar decisões acerca do rumo a ser dado aos bloqueios efetuados, bem como sobre eventuais repercussões em caso de intervenções do Poder Público. [...] Denúncia recebida em 15.03.2017 (ID 236427507, p. 90). Sentença condenatória publicada em 20.09.2021 (ID 236433235). Os recorrentes sustentam, sumamente, (i) cerceamento de defesa, devido à ausência de laudo antropológico, (ii) ausência de laudo técnico para atestar a imputabilidade dos acusados, (iii) inexistência de crime, (iv) retificação da dosimetria, (v) fixação do regime de semiliberdade (ID 236433240). Contrarrazões apresentadas (ID 236433243). A PRR-1ª Região se manifestou pelo reconhecimento da prescrição quanto ao delito de associação criminosa e pelo desprovimento do recurso (ID 256332526) É o relatório. À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III). MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0000619-30.2017.4.01.3601 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR): A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Incialmente, deixa-se de apreciar a nulidade por cerceamento de defesa, porque o resultado de mérito é favorável. Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. No que se refere à infração penal de extorsão, a condenação não subsiste, como se verá. Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”) (ID 236433235): [...] MNI: Vocês continuam no pedágio? MARCOS: Verdade, enquanto o governo, o governo não dá resposta, pra licenciamento pra os índios NAMBIKWARA de comer (incompreensível), eles tá ali, com arma, tudo, pode vir Força Nacional (incompreensível). Novidade que tinha é essa mesma. MNI: Eu soube que ontem a FUNAI foi ali, eles não resolveram nada? MARCOS: Nada, eles não vai resolver. MNI: Ele não passou ali? MARCOS: Passou (incompreensível). MNI: Ahh tá. MARCOS: Diz que tá vindo Força Nacional, os índios não vai sair dali. MNI: Vai vir, vai vir a Força Nacional? MARCOS: Diz (incompreensível), os índio não vai sair dali. Eles tá pronto ali pra embassar os homem, morrer né ali, derramar sangue ali, acabou. MNI: (risos) Vocês estão disposto a morrer aí? MARCOS: Acho que não né? (risos) MNI: (risos) Pois é, porque aí seria ruim né, porque a gente precisa do povo NAMBIKWARA. MARCOS: Não, se os NAMBIKWARA decidi ir pra guerra ali (incompreensível). MNI: Pois é, o problema é que, eu tive já analisando a situação, o problema é tem coisas que vocês estão reivindicando que nem é de competência da FUNAI resolver, é difícil resolver na hora, porque depende de outros né? MARCOS: E, é verdade. MNI: Esse que é o caso né, como essa PCH que vocês querem é. MARCOS: (incompreensível) NAMBIKWARA eles quer dinheiro, né Lourdes (?)? Os NAMBIKWARA hoje, um dos lá em Brasília falar pra ele que NAMBIKWARA (incompreensível) pedágio da rodovia federal ainda, eles tá pronto, eles sabe proposta. Eles não vai sair dali, se o governo não tem licenciamento ali eles não vão sair dali, eles tá ali pronto, ele sabe a proposta. E guerra, é guerra e eu falo logo (incompreensível). MNI: E, só que esse licenciamento dessa PCH, o problema é que pra dar esse licenciamento tem que ter o estudo bem feito né, e a questão de vocês ali que o Ministério Público alega é que o estudo não está bem feito. Esse que é o problema. Porque o estudo, vamos dizer, no estudo eles tem que colocar quantos índios vão ser atendidos, qual é o prejuízo que vai trazer pros índios, várias coisas assim, e naquele estudo não tem isso, então o que as autoridades querem é um estudo mais bem feito né? Então por isso que agora, por exemplo, se agora aprova, de repente a empresa até paga um bom dinheiro pra vocês, mas aí no futuro vocês não tem como cobrar, porque vocês não tem como provar quais são os prejuízos que tá causando né? [...] MARCOS: Não, o negócio do NAMBIKWARA é direto, não tem negócio mais, porque eles já pediram eles já fizeram a reivindicação, solicitaram o pessoal de Brasília que que os índios NAMBIKWARA precisam, só que não deram resposta. Agora a ameaça que eles tem, eles vão sair dali do pedágio, eles vão sair pra ali no Rio Novo pra quebrar ponte, ele vai quebrar ponte. MNI: Vai quebrar ponte lá? MARCOS: Vai, vai sair os índios dali eles já marcaram até o ponto. Os índios que tá são muitos, os cuidados. [...] E este diálogo do acusado MANÉ complementa (ID 236433235): [...] ALESSANDRA: Negociaram, chegaram num acordo então? MANE: Não foi bem num acordo não, mas nós pegamos uma semana pra resolver. ALESSANDRA: É né, mas a reinvidicação mais em cima das terra? MANE: É questão de 4 mil, de licenciamento de 4 mil hectare, essas coisas, sabe? ALESSANDRA: Ahh tá, o licenciamento pra plantio né? MANE: Pra plantio, eles não quer dar resposta. ALESSANDRA: Com arrendamento né? MANE: É, porque nós não temos máquina, nós tem que passar pra produtor pegar e fazer. ALESSANDRA: Ummm aí vocês tiram a porcentagem né? [...] A prova cautelar demonstra, ainda, a utilização de quantia para tratamento de saúde (ID 236433235, p. 14): [...] ALESSANDRA: To bem, com quem eu falo? MANE: E MANDUCA. ALESSANDRA: Oh MANDUCA, você é enrolado heim, tá ganhando dinheiro aí pra gente? MANE: Eu também to querendo. ALESSANDRA: Você tá querendo né MANDUCA. MANE: Oh, você acha que é assim, só porque tem pedágio que MANDUCA tá rico ... risos... ALESSANDRA: Não, imagina, to falando isso não. MANE: Oi, eu to precisando de 4mil para fazer cirurgia da JOANA, da vesícula dela, particular, eu não to conseguindo. ALESSANDRA: Hummm. MANE: Verdade. Eu to conversando com o pessoal aqui, com o JAIR, vou pegar um dia de pista e vou fazer a cirurgia dela urgente, ela não está aguentando mais. [...] Havia fornecimento ticket com a menção de que se referia à “PARALISAÇÃO EM PROL DO CASCALHAMENTO DAS ESTRADAS DE ACESSO ÀS ALDEIAS” (ID 236427506, pp. 111, 115, 121,125, 237, 244, 251). Este trecho de reportagem, datada de 08.06.2015, acostada aos autos demonstra o intuito reivindicatório do pedágio (ID 236427506, p. 276): [...] A situação sobre a BR-174, rodovia que liga os estados do Mato Grosso e Rondônia (e já no estado de Rondônia se transforma em BR-364) a cerca de 30 quilômetros do município mato-grossense de Comodoro, em relação ao pedágio cobrado pelos indígenas da etnia Nambikwara, é delicada. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, o direito de plantar e conseguir gerar renda para o sustento das cerca de 600 pessoas que compõem o grupo, e para isso impedem o livre tráfego de homens brancos na rodovia. Os motoristas só podem passar pelo local mediante pagamento. Motocicletas, carros, caminhões e até ônibus coletivos são submetidos a cobranças que variam de R$ 15 a R$ 50 (no caso de veículos pesados). A maioria absoluta dos condutores paga, porém insatisfeita. O empecilho no local já gerou conflitos, reclamações de associações e cooperativas, e até mesmo registro de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF). A última tentativa de acabar com o pedágio Nambikwara foi realizada na manhã da última quarta-feira. A PRF e outros órgãos federais marcaram um encontro com lideranças Nambikwara na cidade de Comodoro para debater possibilidades que dessem fim ao pedágio. As lideranças da etnia não foram ao encontro, fato que lhes garantiu pelo menos uma semana a mais de prazo, e de pedágio na rodovia. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia esteve no local e conseguiu acesso ao acampamento dos manifestantes. Em conversa com o cacique geral, Jair Nambikwara, ele disse que participou de outra reunião na mesma semana com a PRF e a Fundação Nacional do índio (Funai), mas não havia firmado nenhum apoio porque não consultara as demais lideranças de sua tribo. "Eu não poderia tomar nenhuma decisão sem antes saber o que eles pensam, por isso marcamos este outro encontro", relatou Jair. As lideranças não compareceram porque alguns pajés consultaram os espíritos protetores do grupo, e eles haviam alertado sobre o perigo resultante do encontro. "Os espíritos relataram que as lideranças poderiam ser presas durante o encontro. Assim nosso movimento se enfraqueceria, por isso não participamos", relatou o cacique-geral Nambikwara, que fez uma revelação inquietante: "Estamos preparados para a guerra, e não vai ser fácil tirar a gente daqui do acampamento", garantiu. Jair relatou que a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos primeiros encontros dificultou um acordo inicial com a PRF. Agora que a fundação já tomou ciência de todas as exigências, fica mais fácil negociar, desde que haja documentação oficial de cada encontro realizado, pois segundo os indígenas, muitos acordos verbais feitos com as instituições públicas não foram cumpridos. Enquanto a equipe de reportagem estava no local, um grupo de policiais, componentes da força-tarefa da PRF incumbida da operação, passou pelo pedágio. Alguns índios que estavam na BR começaram a gritar, e em seguida entoavam cânticos aparentemente de alegria. Um grande volume de veículos se aglomerou no local, e enquanto a equipe registrava o momento ouvia de motoristas frases como "isso é um absurdo", ou "falta de vergonha". Alguns condutores que se recusavam a pagar tinham os carros cercados. Os veículos ficavam parados e a fila aumentava. O único jeito de sair do local é sucumbir ao preço estipulado pelo grupo. Mas afinal, o que querem os índios? Essa era a pergunta que não cessava na conversa entre os jornalistas que foram ao local para tentar ouvir a versão dos indígenas. Extremamente solícito, o cacique Jair Nambikwara, que é o líder geral do grupo, não se ofendeu com a pergunta, e demostrou bastante interesse em esclarecer a situação. "Conseguir fonte de renda para os índios, o licenciamento das terras para permitir o cultivo pra que a gente possa vender nossos produtos, e o pagamento da indenização pelo Dnit, da terra desapropriada para a construção da BR. Nada mais verbal, tudo com documentos", diz. O cacique-geral explicou que estes são os pedidos principais e os indígenas também querem o direito de mais acesso à saúde, educação e benefícios básicos garantidos a qualquer outro cidadão brasileiro. "O pedágio é uma forma de nós conseguirmos renda para compra de comida, e garantir o sustento de todos aqui", acrescenta. [...] Conforme o depoimento extrajudicial de JAIR NAMBIQUARA HALOTESU (ID 236427506, p. 286), na presença da Coordenadora Técnica Local da FUNAI, em Comodoro/MT, este narrou “...QUE pertence à etnia Nambiquara e reside na Aldeia Nova Mutum; QUE é Cacique Geral do povo Nambiquara do Cerrado, há mais de 15 (quinze) anos; QUE acerca do bloqueio da rodovia BR-174, que vem ocorrendo desde o mês de abril, respondeu que está sendo realizado pelos índios Nambiquara do Cerrado e Nambiquara do Vale; QUE acerca dos motivos desses bloqueios, disse que ocorre por conta de várias reivindicações, tais manutenção das estradas que dão acesso às aldeias, instalação de PCH e conclusão da instalação de rede de energia elétrica nas aldeias e compensação pelo impacto ambiental pelo DNIT, recebimento de ICMS ecológico, implantação lauvora (sic) mecanizada em regime de parceria com prefeitura, outros índios e a FUNAI, para sustento dos integrantes da comunidade; QUE não buscam a parceria com fazendeiros locais...” Em conformidade com o Parecer Pericial n. 04/2016 da PGR (ID 236427507, pp. 74 e 82), “Na visão de várias lideranças, o pedágio é a consequência da ausência de políticas públicas, principalmente de geração direta de renda” e as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. A propósito: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0001916-38.2018.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 07/10/2024, grifos meus.) Em igual sentido, deu-se na Apelação Criminal n. 0000187-40.2019.4.01.3601, com também identidade parcial: Apelação criminal. Crime de desobediência. CP, Art. 330. Prescrição da pretensão punitiva em virtude da pena concretizada na sentença e na ausência de recurso da acusação. Pena fixada em 24 dias de detenção. Prescrição que ocorre em 3 anos. Denúncia recebida em 2018. Sentença prolatada em 2022. CP, Art. 330, Art. 107, IV, Art. 109, VI, Art. 110, caput, Art. 117, I e IV. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício. Crime de extorsão. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. CP, Art. 158. Indígenas que reivindicavam direitos legítimos, cobrando "pedágio" de motoristas que trafegavam por rodovia federal. Erro de proibição culturalmente condicionado. CP, Art. 21. Apelação provida quanto ao crime de extorsão. CP, Art. 158. Prescrição da pretensão punitiva decretada de ofício em relação ao crime de desobediência. (ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024, grifos meus.) Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. Ante o exposto, DECLARO extinta a punibilidade de todos os acusados, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa, no que diz respeito ao delito do art. 288, caput, do CP, e, na parte não prejudicada, DOU PROVIMENTO à apelação, com o fim de, reformando a sentença, julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver (1) JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, (2) MANE MANDUCA, (3) MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, (4) ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU e (5) MARCOS NAMBIKWARA, no que toca à infração penal do art. 158, §1º, do CP, com fundamento no art. 386, III, do CPP. É o voto. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO Processo Judicial Eletrônico V O T O - R E V I S O R A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA): Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. Conforme relatado, trata-se de apelações interpostas por JAIR NAMBIKWARA HALOTESU, MANE MANDUCA, MILTON NAMBIKWARA HALOTESU, ANAEL NAMBIKWARA HALOTESU E MARCOS NAMBIKWARA, assistidos pela FUNAI, de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória e os condenou pelos delitos do art. 158, §1º, e 288, caput, ambos do CP, em concurso material, consubstanciados pelas condutas de, segundo a denúncia, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, terem, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 288 do CP, ante a incidência da prescrição; e ii) afastar a condenação relativa ao crime de extorsão, ante a ausência da elementar da "vantagem indevida", ante o intuito reivindicatório do "pedágio" cobrado, revertido à comunidade indígena, ante a omissão estatal para a garantia de seus direitos. Ante o exposto, ACOMPANHO o e. relator e declaro extinta a punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição, em relação ao crime do art. 288 do CP, ficando prejudicada a apelação nesse ponto; e dou provimento à apelação na parte não prejudicada para absolvê-los quanto ao crime do art. 158, §1º, do CP, nos termos apresentados. É o voto. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Revisora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0000619-30.2017.4.01.3601 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000619-30.2017.4.01.3601 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: JAIR NAMBIQUARA HALOTESU e outros POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. EXTORSÃO. ATIPICIDADE FORMAL. ABSOLVIÇÃO. 1.A imputação diz respeito às condutas de 5 (cinco) acusados, todos indígenas da etnia Nambikwara e habitantes da Terra Indígena Nambikwara, que, entre 18.04.2015 e meados de julho de 2015, na BR-174, no trecho entre Comodoro/MT e Vilhena/RO, em Comodoro/MT, teriam, supostamente, se associado e constrangido, mediante grave ameaça, e com o intuito de obter vantagem indevida em dinheiro, diversas pessoas que transitavam pela rodovia mencionada, para que lhes fosse paga uma espécie de “pedágio” para o prosseguimento da viagem. 2.Em relação ao delito do art. 288, caput, do CP, a pena de todos acusados não ultrapassou 2 (dois) anos, a qual, à falta de recurso da acusação, se estabilizou em concreto, com atração do prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V, do CP), o qual se consumou entre a data do recebimento da denúncia (15.03.2017) e a de publicação da sentença condenatória (20.09.2021), o que implica na prescrição da pretensão punitiva retroativa. 3.Constitui-se elementar do delito de extorsão que a vantagem obtida seja indevida (art. 158, caput, do CPP), o que não se evidencia. 4.A prova obtida por meio da interceptação telefônica indica que as barreiras foram promovidas para arrecadar valores para compelir o governo federal a realizar política pública, constituindo-se, pois, um meio de reinvindicação (“...pressão sobre o governo para liberação da construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH)”). 5.A Quarta Turma desta Corte, em sessão realizada em 01.10.2024, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001916-38.2018.4.01.3601, de Relatoria do Desembargador Federal Leão Alves, em relação à imputação, igualmente, relativa ao delito de extorsão pela cobrança de pedágio pelos Indígenas pertencentes à etnia Nambikwara, em Comodoro/MT, na BR 364, a partir de abril de 2018, reformou a sentença condenatória e os réus daquela ação penal, que são em parte aqueles que foram denunciados nos presentes autos, foram absolvidos, porque se reconheceu que “...agiram amparados pela causa legal excludente de culpabilidade referente ao erro de proibição (CP, Art. 21), mais especificamente em erro de compreensão culturalmente condicionado, uma vez que a cobrança do “pedágio” se deu na defesa de interesses legítimos”. À falta de recurso, o acórdão transitou em julgado em 27.11.2024. Em igual sentido: ACR 0000187-40.2019.4.01.3601, DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 21/10/2024. 6.Na hipótese em que, por meio de barreiras em rodovia federal os indígenas arrecadaram quantia, a qual, posteriormente, seria revertida à Comunidade Indígena, em decorrência da suposta omissão estatal para garantia de seus direitos, é forçoso reconhecer que as condutas dos acusados se revelam atípicas e não se ajustam ao tipo de extorsão, dado que a vantagem econômica, elementar da infração penal do art. 158, caput, do CP, não era materialmente indevida (dada a suposição de desinteresse estatal na efetividade dos direitos da etnia Nambikwara e a cobrança como forma de resistência reivindicatória, contexto que dá força justificante às ações e, a reboque, desconstrói o caráter indevido da arrecadação), mesmo que tenham se utilizado de utensílios identitários, arco e flecha, para a prática e consequente consumação (art. 386, III, do CPP). 7.É que, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Processo Penal, que é instrumento do Direito Penal para aplicação das sanções, deve ter como pressuposto o princípio democrático e o da isonomia, fincando-se numa visão plurívoca, holística, humanística, antropológica, multicultural e multiétnica, em observância às especificidades das minorias étnico-culturais, com suas cosmovisões, ancestralidades e religiosidades, para, a partir disso, voltar-se o olhar, com cautela e ponderação, para cada suposto autor de fato delituoso, a fim de, após o devido processo legal, impor-lhe a reprimenda apenas se esta for necessária, suficiente, justa e proporcional, que no caso não é, após se analisar o conjunto probatório em sua completude, especificamente o laudo pericial que aponta que as “...vantagens individuais relacionadas ao acúmulo de bens, tal como ocorre na sociedade ocidental, não se aplica a economia Nambikwara, o que isenta as lideranças de uma intencionalidade egoística no escopo de motivações que levaram a realizar o pedágio”. 8.Esta Décima Turma, em situações envolvendo aplicação do Processo Penal aos Povos Indígenas, tem se manifestado pela necessidade de, em respeito ao princípio da igualdade, adequação do rito ao indígena acusado, com observância à sua individualidade, para a garantia plena do devido processo legal, a exemplo do HC n. 1004886-20.2024.4.01.0000 e do HC n.1038212-05.2023.4.01.0000, ambos desta Relatoria, quando se reconheceu a nulidade do ato citatório, em relação a pacientes da etnia Enawenê-Nawê, realizado por meio de aplicativo de mensagens e sem o concurso de intérprete que pudesse traduzir os termos da acusação à língua indígena. 9.Punibilidade extinta, de ofício, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao delito de associação criminosa. Apelação a que se dá provimento, na parte não prejudicada, para absolver os réus, quanto à extorsão. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição e dar provimento à apelação, na parte não prejudicada, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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