Processo nº 0002827-84.2018.4.01.4301
ID: 318910968
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0002827-84.2018.4.01.4301
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCONDES DA SILVEIRA FIGUEIREDO JUNIOR
OAB/TO XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002827-84.2018.4.01.4301 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002827-84.2018.4.01.4301 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: Ministério Públic…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002827-84.2018.4.01.4301 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002827-84.2018.4.01.4301 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:MADIAN CARNEIRO DE SOUSA REPRESENTANTES POLO PASSIVO: MARCONDES DA SILVEIRA FIGUEIREDO JUNIOR - TO2526-A RELATOR(A):MARCELO ELIAS VIEIRA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0002827-84.2018.4.01.4301 R E L A T Ó R I O Juiz Federal MARCELO ELIAS VIEIRA (Relator em auxílio): O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia contra João Matos de Sousa, José Ribeiro da Silva, vulgo Zé da Doca, e Madian Carneiro de Sousa, imputando-lhes a prática das infrações penais tipificadas no Art. 39 (todos os denunciados), e nos Arts. 50-A e 51 (denunciado João Matos), todos da Lei 9.605/1998. A denúncia, oferecida com base nos elementos contidos no IPL 0134/2014-4 – DPF/AGA/TO, relata que: JOÃO MATOS DE SOUSA, JOSÉ RIBEIRO DA SILVA ("ZÉ DA DOCA") e MADIAN CARNEIRO DE SOUSA, de forma livre consciente e voluntária, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, aproximadamente em setembro de 2015, cortaram árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão ambiental competente. No mesmo período, e também sem autorização do órgão ambiental competente, JOÃO MATOS DE SOUSA desmatou floresta em gleba de domínio da União Federal, situadada [sic] no Município de Maurilândia do Tocantins/TO, e utilizou motosserra, sem licença ou registro da autoridade competente. Consta do procedimento investigatório em epígrafe, deflagrado a partir de documentos extraídos dos autos do inquérito civil n° 1.36.001.000057/2014-02, autuado nesta Procuradoria da República no Município de Araguaína/TO, comunicação formulada pela Associação União das Aldeias Apinajé – PEMXÁ noticiando a retirada e venda ilegal, por não índios, de madeira de terras da aldeia Apinajé. Com o propósito de elucidar as irregularidades suscitadas, bem como para identificar os responsáveis pela extração ilegal de madeira nas terras indígenas da comunidade Apinajé, - foi realizada uma força tarefa composta por agentes da Policia Federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, que se deslocaram até o local das ocorrências (fls. 69/80) De acordo com o Relatório de Atividade Policial (fls. 69/80), e com o Relatório de Fiscalização do IBAMA, durante as atividades fiscalizatórias, desenvolvidas nos Municípios de Tocantinópolis e Maurilândia do Tocantins, no dia 22/09/2015, a equipe encontrou, em imóvel de JOÃO MATOS, 0,87 m³ de madeira serrada, sem nota fiscal e sem documento de origem florestal - DOF (fls. 84/85), o ensejando a lavratura do Auto de Infração n° 9078297-E (fl. 95). Na ocasião, JOÃO MATOS levou a equipe ao local de retirada da madeira (fl. 85), sendo que, posteriormente, o INCRA informou à Autoridade Policial que se trata do lote 46, da Gleba Maurilândia, Município de Maurilândia do Tocantins (fl. 177), área de domínio da União, mas fora da terra indígena Apinajé. No mesmo dia, na residência de JOÃO MATOS, a equipe fiscalizatória encontrou um lote de 0,296 m³ de madeira, extraída da Terra Indígena Apinajé sem autorização da autoridade ambiental competente (fl. 85). Entretanto, como o referido lote já havia sido objeto do Auto de Infração n° 139549 (fl. 209), não foi lavrado um novo auto. Apurou-se, ainda, que o lote objeto do Auto de Infração n° 139549 (extraído da Terra Indígena Apinajé) foi retirado com o auxílio e consentimento de JOSÉ RIBEIRO DA SILVA, popularmente conhecido por "ZÉ DA DOCA", pertencente à Comunidade Indígena Apinajé (fls. 85 e 211/212), e transportado por MADIAN CARNEIRQ PE SOUSA. Em declarações prestadas perante a Autoridade Policial (declarações audiovisuais às fls. 81, CD-ROM), JOÃO MATOS aduziu que “a madeira foi retirada da Terra Indígena Apinajé, com autorização do indígena conhecido por ZÉ DA DOCA, sendo que este teria ficado com parte da madeira extraída; que a madeira foi transportada por MARDIAN CARNEIRO DE SOUSA”. Outrossim, JOSÉ RIBEIRO ("ZÉ DA DOCA") também prestou esclarecimentos (declarações audiovisuais às fls. 81, CD-ROM), oportunidade em que confessou ter retirado madeira da Terra Indígena com JOÃO MATOS, com quem acordou que o pagamento pelo serviço de corte e extração seria efetuado com parte da madeira ilegalmente retirada. Por fim, durante as referidas atividades fiscalizatórias, no dia 22/09/2015, houve a apreensão de uma motosserra sem licença ou registro da autoridade competente, que estava na posse de JOÃO MATOS, e foi utilizada para a extração ilegal de madeira (fl. 100). Id. 428591275, pp. 3/7, caixa alta no original, grifo suprimido O MPF ofertou aos réus José e Madian a proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do Art. 89 da Lei 9.099/1995. Id. 428591275, pp. 8/11 e 24/25 A denúncia foi recebida em 02 de julho de 2018 pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Araguaína, TO. Id. 428591275, pp. 12/14 Posteriormente, o juízo rejeitou a denúncia quanto aos requeridos José Ribeiro da Silva e João Matos de Sousa, em virtude do reconhecimento da ocorrência de coisa julgada, nos termos do Art. 395, II, CPP. Ids. 428591314 e 428591359 O apelado Madian, por sua vez, aceitou a proposta de suspensão condicional do processo, porém não cumpriu as condições apresentadas pelo MPF, o que resultou na revogação do referido benefício. Id. 428591275, pp. 27/35, 87/89; Ids. 428591321, 428591322, 428591335 e 428591359 Após a retomada da instrução processual quanto ao apelado Madian, o juízo proferiu decisão determinando a redistribuição da presente ação penal ao Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Araguaína, TO. Id. 428591365 Em 17 de maio de 2024, o juízo prolatou sentença nos seguintes termos “[a]nte o exposto, julgo improcedente a pretensão acusatória, para absolver MADIAN CARNEIRO DE SOUSA, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal.” Id. 428591399, caixa alta no original, grifo suprimido Inconformado, o MPF apelou da sentença e formula o seguinte pedido “[p]ortanto, bem demonstradas a autoria e a materialidade do crime, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o recebimento e o provimento do presente recurso, para que, reformada a sentença, seja MADIAN CARNEIRO DE SOUSA condenado nas penas do art. 39, da Lei n.º 9.605/98.” Id. 428591400, caixa alta no original, grifo suprimido Em suas contrarrazões, a defesa do réu Madian “[...] requer, respeitosamente à esta Colenda Câmara, seja juntada a presente petição de contrarrazões de apelação, para que, seja conhecido o apelo Ministerial, pois presentes os pressupostos inerentes ao Juízo de prelibação, e no mérito improvido, mantendo inalterada a decisão prolatada pelo juízo a quo em face do ora apelado.” Id. 428591403 Nesta instância recursal, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) emitiu parecer pelo desprovimento da apelação ministerial. Id. 428892576 É o relatório. Sigam os autos ao exame do revisor, que pedirá a designação de dia para o julgamento (art. 613, I, CPP). PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0002827-84.2018.4.01.4301 V O T O Juiz Federal MARCELO ELIAS VIEIRA (Relator em auxílio): I) 1. “No Processo Penal cabe à acusação demonstrar e provar que a conduta do agente se amolda ao tipo penal, com a presença de todos os seus elementos”. (TRF1, ACR 4514-94.2006.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Quarta Turma, e-DJF1 p. 50 de 22/03/2012.) “Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado.” (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19/12/1996, P. 51766. Grifo original.) A condenação demanda a produção, pelo órgão da acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido”. (STF, HC 73.338/RJ, supra.) “Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). É dizer: o que dispensa qualquer demonstração ou elemento de prova é a não-culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e prova inequívoca de protagonização do fato criminoso.” (STF, HC 92435/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe-197 17-10-2008.) (Grifo acrescentado.) Por isso, o juiz não pode proferir decisão condenatória, “louva[ndo-se] em provas insuficientes ou imprecisas ou contraditórias para atestar a culpabilidade do sujeito que se ache no pólo passivo da relação processual penal.” (STF, HC 92435/SP, supra.) (Grifo acrescentado.) 2. Em geral, as constatações de fato fixadas pelo Juízo Singular somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor quando forem claramente errôneas, ou carentes de suporte probatório razoável. “A presunção é de que os órgãos investidos no ofício judicante observam o princípio da legalidade.” (STF, AI 151351 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 05/10/1993, DJ 18-03-1994 P. 5170.) Essa doutrina consubstancia o “[p]rincípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes.” (STF, RHC 50376/AL, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 17/10/1972, DJ 21-12-1972; STJ, RESP 569985, Rel. Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, 20/09/2006 [prevalência da prova que foi capaz de satisfazer o Juízo Singular]; TRF1, REO 90.01.18018-3/PA, Rel. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Segunda Turma, DJ p. 31072 de 05/12/1991 [prevalência da manifestação do órgão do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição].) Dessa forma, as constatações de fato fixadas pelo Juízo Singular somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor mediante demonstração inequívoca, a cargo do recorrente, de que elas estão dissociadas do conjunto probatório contido nos autos. Quando as constatações de fato fixadas pelo Juízo estão baseadas na análise de prova oral e na determinação da credibilidade das testemunhas ouvidas, maior deve ser a deferência do Tribunal Revisor a elas. É indubitável que o juiz responsável pela oitiva da testemunha, ao vivo, está em melhor posição do que os juízes de revisão para concluir pela credibilidade do depoimento respectivo. Na avaliação da prova testemunhal, somente o juiz singular pode estar ciente das variações no comportamento e no tom de voz da testemunha ao depor, elementos cruciais para a compreensão do ouvinte e a credibilidade do depoimento prestado. (TRF1, AC 60624-50.2000.4.01.0000/GO, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES, 6ª Turma Suplementar, e-DJF1 p. 183 de 19/10/2011.) Em suma, e considerando que o processo judicial consiste na tentativa de reconstituição de fatos históricos, as conclusões do Juízo responsável pela colheita da prova são de indubitável relevância na avaliação respectiva. Além disso, uma das principais responsabilidades dos juízes singulares consiste na oitiva de pessoas em audiência, e a repetição no cumprimento desse dever conduz a uma maior expertise. Nesse ponto, é preciso reconhecer a capacidade do juiz singular de interpretar os depoimentos testemunhais para avaliar a credibilidade respectiva. Nesse sentido, esta Corte tem prestigiado as conclusões de fato expostas pelo magistrado que ouviu as testemunhas em audiência. (TRF1, ACR 2006.35.00.021538-0/GO, Rel. Juiz TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 89 de 14/08/2009.) 3. No entanto, a decisão do juiz deve “encontr[ar] respaldo no conjunto de provas constante dos autos.” (STF, AO 1047 ED/RR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2008, DJe-043 06-03-2009.) (Grifo acrescentado.) Dessa forma, os elementos probatórios presentes nos autos devem ser “vistos de forma conjunta” (TRF1, ACR 2003.37.01.000052-3/MA, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Terceira Turma, DJ de 26/05/2006, p. 7; STF, RHC 88371/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 02-02-2007 P. 160; RHC 85254/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 04-03-2005 P. 37), e, não, isolada. Efetivamente, é indispensável “a análise do conjunto de provas para ser possível a solução da lide.” (STF, RE 559742/SE, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/10/2008, DJe-232 05-12-2008.) (Grifo acrescentado.) Por outro lado, cada prova, individualmente, deve ser analisada em conjunto com as demais constantes dos autos. Assim, “[o] laudo pericial há que ser examinado em conjunto com as demais provas existentes nos autos.” (STF, HC 70364/GO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 17/08/1993, DJ 10-09-1993 P. 18376.) (Grifo acrescentado.) Em resumo, a decisão judicial deve “result[ar] de um amplo e criterioso estudo de todo o conjunto probatório”. (STF, RE 190702/CE, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 04/08/1995, DJ 18-08-1995 P. 25026.) 4. O elemento subjetivo do tipo e a intenção dolosa podem ser provados por meio de indícios. “O conjunto consistente de indícios presentes nos autos, ou seja, de provas indiretas, de circunstâncias conhecidas e provadas nos autos, autorizam o julgador, por indução, a concluir a existência do dolo na prática do delito, a teor do art. 239 do CPP.” (TRF 1ª Região, ACR 1998.32.00.002889-2/AM, Rel. Desembargador Federal TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 53 de 06/03/2009; TRF 2ª Região, ACR 200451020021220, Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, Segunda Turma Especializada, DJ 04/08/2009 P. 27.) “Provar o dolo é atribuição da acusação, mas este só é passível de aferição por elementos objetivos que indicam que o acusado teve a intenção de praticar os elementos do tipo” (TRF 3ª Região, ACR 2002.61.02.007236-1/SP, Rel. Desembargador Federal LEONEL FERREIRA, Quinta Turma, julgado em 25/08/2008, DJ 16/09/2008.) “A prova do elemento subjetivo do crime somente pode ser fornecida por meios indiretos que apontem a ocorrência do dolo, ou seja, a vontade de realizar a conduta, de produzir o resultado e a ciência de sua ilicitude, uma vez que não é possível penetrar na mente do acusado.” (TRF 3ª Região, ACR 2001.60.00.006913-1/MS, Rel. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES, Segunda Turma, julgado em 27/08/2008, DJ 03/10/2008.) Em idêntica direção: TRF 1ª Região, ACR 2001.36.00.005996-3/MT, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Terceira Turma, e-DJF1 p. 126 de 16/05/2008; ACR 2004.35.00.008620-1/GO, Rel. Desembargador Federal TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 35 de 03/07/2009; TRF3, ACR 2002.61.02.007236-1/SP, Rel. Desembargador Federal LEONEL FERREIRA, Quinta Turma, julgado em 25/08/2008, DJ 16/09/2008. Em suma, “o dolo deve ser deduzido a partir de indicadores observáveis externamente (HASSEMER, Winfried. Kennzeichen des Vorsatzes. In: Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann. DORNSEIFER, Gerhard et alii (coord.). Köln: Heymanns, 1989).” (STF, AP 470 EI-sextos, Rel. Min. LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2014, DJe-161 21-08-2014.) Assim, o dolo pode ser inferido a partir dos fatos e das circunstâncias que envolvem o comportamento do agente. Nos termos do Art. 375 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal (CPP, Art. 3º), “[o] juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.” Assim, o dolo pode ser inferido a partir dos fatos e das circunstâncias que envolvem o comportamento do agente ou dos “indicadores observáveis externamente”. (STF, AP 470 EI-sextos, supra.) Com base nesses parâmetros, passo ao exame do presente caso. II) O apelante MPF requer a reforma da sentença para que o réu Madian seja condenado pela prática do crime tipificado no Art. 39 da Lei 9.605. Id. 428591400 Na sentença, o juízo absolveu o apelado por entender que: O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL atribui ao réu a prática do crime tipificado no art. 39 da Lei nº 9.605/98, uma vez que, consoante narrado na exordial acusatória, “JOÃO MATOS DE SOUSA, JOSÉ RIBEIRO DA SILVA ("ZÉ DA DOCA") e MADIAN CARNEIRO DE SOUSA, de forma livre consciente e voluntária, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, aproximadamente em setembro de 2015, cortaram árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão ambiental competente”. Finalizada a instrução processual, a acusação não se desincumbiu do seu ônus probatório. Isso porque, embora a materialidade do fato tenha ficado demonstrada, notadamente, por meio do auto de infração e termo de apreensão anexados no ID 259309965, p. 96/97, o mesmo não se pode falar em relação à autoria delitiva. Com efeito, não consta nos autos qualquer prova no sentido de que MADIAN CARNEIRO DE SOUSA praticou a conduta delitiva tipificada no art. 39 da Lei nº 9.605/98, consistente em “cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente”. A instrução processual revelou que MADIAN CARNEIRO DE SOUSA foi responsável apenas pelo parcial transporte da madeira indicada na denúncia, sem qualquer relação direta e prévia com a prática delitiva, conduta que foi reconhecida pelo próprio réu durante seu interrogatório em juízo, oportunidade em que afirmou que realizara o transporte da carga lenhosa após a ocorrência de defeito no veículo de JOÃO MATOS, no qual a mencionada madeira estava sendo transportada (ID 2091379166). Essa afirmação é corroborada pela pequena quantidade de madeira transportada - cerca de 0,296 m³ -, a indicar a possibilidade de utilização de veículo de frete comum para o transporte dessa carga. Quanto ao ponto, destaco que o simples transporte de eventual madeira retirada ilegalmente não é suficiente para configurar o crime descrito no art. 39 da Lei nº 9.605/98, que, repise, consiste em “cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente”. Nesse contexto, considerando não ter sido produzida pela acusação qualquer prova no sentido de corroborar que MADIAN CARNEIRO DE SOUSA praticou a conduta imputada na denúncia, ou tenha aderido a ela, consistente em “cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente”, tem-se que a absolvição, por ausência de prova de ter o réu concorrido para a infração penal, é a medida que se impõe no caso concreto. Do mesmo modo, embora tenha realizado o transporte da citada madeira, não há elementos de que ele tinha procedência da origem ilícita do bem, haja vista que o transporte se deu em acordo informal entre o acusado e o senhor João, em curto trecho e em pequena quantidade. Id. 428591399, caixa alta no original, grifo suprimido Em suas razões, o MPF sustenta que: Revela-se forçoso reconhecer que os fatos relatados na denúncia e confirmados em Juízo pelos elementos probatórios colhidos sob crivo do contraditório informam a necessidade de reforma da sentença penal, que deve ser revisada e a ação penal julgada procedente para condenar MADIAN CARNEIRO DE SOUSA às penas do art. 39, da Lei n.º 9.605/98. O dano ambiental foi constatado por força tarefa composta pela Polícia Federal, IBAMA e pela FUNAI, que ao final gerou o Relatório de Atividade Policial de fls. 89-100, id. 259293493, o Relatório de Fiscalização de fls. 103-107, id. 259293493 e os Autos de Infração, os Termos de Apreensão e Autos de Depósito de fls. 112-117, id. 259293493. [...] Fotografias dos autos de infração mencionados, bem como das madeiras ilegalmente extraídas foram juntados no id. 376723867. Durante o seu interrogatório, o acusado informou que trabalhava com fretes na região. Nos fundamentos da sentença, o magistrado reconhece a materialidade dos fatos, mas afirma a impossibilidade de confirmação da autoria. Ocorre que os fatos descritos na denúncia, relataram que o veículo de JOÃO MATOS DE SOUSA teria quebrado na estrada, enquanto transportava madeira irregularmente extraída. O acusado teria recebido ligação com pedido de auxílio. O acusado alegou que, para auxiliar o amigo JOÃO MATOS DE SOUSA, deslocou-se até o veículo quebrado na estrada e viabilizou, com seu veículo próprio, o transporte da madeira até localidade indicada por JOÃO MATOS DE SOUSA em Maurilândia do Tocantins/TO. A prova é suficiente à conclusão de que o acusado transportou madeira irregularmente cortada por JOÃO MATOS DE SOUSA. MADIAN CARNEIRO DE SOUSA, inclusive, não negou que transportou. O contexto dos fatos também revela que eles estavam previamente acertados com o transporte. Inobstante as escusas apresentadas pelo acusado durante o seu interrogatório, ele já conhecia JOÃO MATOS DE SOUSA (pessoa que chamou de amigo durante a inquirição) e que este promovia a ilegal extração de madeiras na região. Além disso, MADIAN CARNEIRO DE SOUSA trabalhava com transportes na região. É pouco crível a versão apresentada por MADIAN CARNEIRO DE SOUSA. Não é plausível que terceiro sem prévia combinação com o cortador de árvores concorde em transportar madeiras visivelmente extraídas de forma ilegal de terra indígena e de suas redondezas. Não se trata de mero favor, mas de crime. Id. 428591400, caixa alta no original, grifo suprimido O Art. 39 da Lei 9.605 preceitua que: Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Sobre o referido tipo penal, os juristas Victor Eduardo Rios Gonçalves e José Paulo Baltazar Júnior (Legislação Penal Especial Esquematizado, Coordenador Pedro Lenza, 5ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pp. 1128/1129), ensinam, em síntese, que: 16.19.1. Sujeito ativo Qualquer pessoa, cuidando-se de crime comum. 16.19.2. Tipo objetivo À semelhança do delito do art. 38, o tipo em questão também tem por objeto a floresta de preservação permanente, do qual se distingue pela conduta, que é mais aberta naquele, no qual o delito se configura por qualquer forma de dano, destruição ou utilização, enquanto no delito ora comentado a conduta consiste apenas no ato de cortar árvores, sem autorização da autoridade competente. Sobre o conceito de APP, v. arts. 3º e 6º da Lei n. 12.651/2012, transcritos nos comentários ao art. 38. É atípico o corte de árvores exóticas, ainda que às margens de rio (STJ, REsp 1557500, Moura, 6ª T., 02/06/2016). 16.19.3. Tipo subjetivo É o dolo, não havendo previsão de forma culposa, ao contrário do art. 38. 16.19.4. Consumação Com o corte de árvores, cuidando-se de crime material. 16.19.5. Pena A cominação de penas é alternativa. 16.19.6. Concurso de crimes O delito do art. 39 é especial em relação ao do art. 38 da LCA, mas, se houve corte de árvores e destruição ou inutilização de outras em área de preservação permanente, há crime único, restando o delito do art. 39 absorvido por aquele do art. 38 (STJ, HC 52.722, Moura, 6ª T., u., 25/03/2008). Sobre o conceito de área de preservação permanente, os mesmos autores (pp. 1123/1124), salientam que: “O elemento normativo do tipo floresta designa ‘a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa’, sendo essencial que seja constituída por árvores de grande porte, e não incluindo a vegetação rasteira” (STJ, HC 200700110074, Fischer, 5ª T., u., 21/06/2007). Não afasta o crime o fato de se tratar de floresta em formação, mas, em qualquer caso, somente são protegidas aquelas consideradas de preservação permanente. O inciso II do art. 3º da Lei n. 12.651/2012 apresenta o seguinte conceito: Área de Preservação Permanente — APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. A seu turno, o art. 6º da mesma Lei assim dispõe: Art. 6º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: I — conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; II — proteger as restingas ou veredas; III — proteger várzeas; IV — abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; V — proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; VI — formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII — assegurar condições de bem-estar público; VIII — auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares; IX — proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional. O recurso do MPF não merece provimento e a sentença absolutória deve ser mantida. Senão vejamos! De forma resumida, na peça acusatória o MPF narra que instaurou o Inquérito Civil 1.36.001.000057/2014-02, para apurar denúncia de “retirada e venda ilegal, por não índios, de madeira de terra da aldeia Apinajé.”, feita pela Associação União das Aldeias Apinajé (PEMPXÀ). Id. 428591275, pp. 3/7 Realizou-se, então, uma força tarefa composta por servidores da Polícia Federal, IBAMA e FUNAI, que se deslocaram, em setembro de 2015, aos municípios de Tocantinópolis e Maurilândia do Tocantins com o objetivo de averiguar in loco as denúncias recebidas. No dia 22 de setembro de 2015, a equipe de fiscalização encontrou num imóvel do corréu João Matos a quantia de 0,87 m³ de madeira serrada, sem nota fiscal e sem documento de origem florestal (DOF), retirada do Lote 46, da Gleba Maurilândia, em Maurilândia do Tocantins, cuja área é de domínio da União, o que ensejou a lavratura do Auto de Infração 9078297-E. No mesmo dia, a equipe se deslocou até a residência do corréu João Matos, oportunidade em que encontrou a quantia de 0,296 m³ de madeira, extraída da Terra Indígena Apinajé, no Estado do Tocantins, sem autorização legal. Na ocasião, a equipe não lavrou auto de infração porque a referida madeira já havia sido objeto do Auto de Infração 139548, lavrado em 23 de julho de 2015, por servidores do Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável daquele Estado. O MPF acrescenta que a madeira objeto do Auto de Infração 139548, foi retirada com o auxílio e consentimento do indígena e corréu José Ribeiro, vulgo Zé da Doca, que autorizou a entrada do corréu João Matos na reserva indígena, “[...] com quem acordou que o pagamento pelo serviço de corte e extração seria efetuado com parte da madeira ilegalmente.”, e que o apelado Madian foi responsável pelo transporte da referida madeira. Inicialmente, apenas para fins de registro, importante frisar que não há dúvidas quanto à materialidade delitiva, que ficou suficientemente comprovada a partir do Auto de Infração 139548, Termo de Embargo, Apreensão e Recolhimento 141163, Extrato de Ocorrência da Polícia Militar 060/2015 e Termo de Fiel Depositário. Id. 428591274, pp. 94/101 Quanto à autoria delitiva, o conjunto probatório dos autos não forneceu elementos para a formação de um juízo de certeza da participação dolosa do apelado Madian nos fatos delituosos narrados na denúncia. Em sede policial, o corréu João Matos declarou, em síntese, que: Trabalha com retirada de madeira; a madeira encontrada em sua residência foi retirada na chácara do Zé do Doca, que fica em terra indígena; quem chamou e auxiliou o depoente na retirada da madeira foi o Zé do Doca; que Zé do Doca disse que seria um pouco de madeira para ele e um pouco para o depoente; que o dia que a fiscalização foi em sua residência e fez a autuação da madeira, o depoente não estava, somente a sua esposa; a madeira que foi encontrada na chácara do depoente este comprou de uma mulher num assentamento, que não é terra indígena, para fazer uma área em sua residência; não tinha autorização para retirar nem para transportar essa madeira; que transportou essa madeira numa caminhonete sua; sabia que era crime retirar madeira em terra indígena, mas o Zé do Doca chamou o depoente para retirar a madeira porque lhe daria um pouco dela; acredita que Zé do Doca sabia que era crime porque ele é indígena. Em suas declarações prestadas à autoridade policial, o corréu José Ribeiro, vulgo Zé da Doca, indígena da Comunidade Indígena Apinajé, afirmou, em suma, que: Autorizou o corréu João a entrar em terra indígena, retirar a madeira e levar para a casa dele; que combinou com João de dividir com ele a madeira retirada; que sabe que é crime; que não pagou a multa que lhe foi aplicada porque não tem condições; que não sabe serrar madeira e por isso tem que pagar uma diária para alguém que sabe fazer o serviço; que não comercializa madeira, que retira madeira para consumo próprio; que não vendeu madeira, que pagou a diária do corréu João pela extração da madeira com um pouco de dinheiro e o restante em madeira. Id. 428591288 Em juízo, a testemunha João Batista do Carmo, Analista Ambiental do IBAMA, em Araguaína, TO, arrolada pelo MPF e pelo apelado Madian, declarou, em resumo, que: Participou de muitas operações de fiscalização de combate à extração ilegal de madeiras, mas não se recorda especificamente com referência ao réu; sabe que tem relatórios, mas não se recorda especificamente; nas diligências de verificação das denúncias sempre diziam que era invasão de reservas indígenas para retirada de madeiras clandestinamente; não se recorda de denúncias de que havia autorização e participação dos próprios indígenas na invasão da terra indígena Apinajé para a extração ilegal de madeiras; quando realizavam as diligências, as pessoas retiravam as madeiras e as revendiam imediatamente, de forma clandestina, e em alguns casos conseguiam constatar a existência de depósitos de madeiras, mas era mais madeira do tipo estaca que já levavam direto pro consumidor; quando encontravam madeira extraída ilegalmente, procediam à autuação e faziam o termo de depósito; se tivesse condições de retirar a madeira do local, retiravam e levavam para um depósito; caso contrário, deixavam a madeira depositada em nome do próprio infrator; se recorda da pessoa do indígena e réu José Ribeiro da Silva, vulgo Zé da Doca, mas, embora houvesse conversas, nunca conseguiram comprovar que ele participava do esquema de retirada ilegal de madeiras; não se recorda do réu João Matos de Sousa, pois passou-se muito tempo e participou de várias diligências; não se recorda do réu Madian Carneiro de Sousa. Ids. 428591390 e 428591392 O apelado Madian, em seu interrogatório judicial, esclareceu, em suma, que: Sempre trabalhou com fretes, mas agora não trabalha mais porque sua caminhonete quebrou o motor e não tem condições de consertá-lo; além disso, está muito doente, pois tem diabetes e colesterol e está vivendo quase que da aposentadoria da esposa; nunca foi preso nem processado, foi a primeira vez que está enrolado com esse problema por causa de um amigo seu; não é verdadeira acusação de que transportou madeira extraída ilegalmente de reserva indígena; não sabia que a madeira era ilegal porque foi socorrer um amigo; que a madeira que o rapaz comprou não foi adquirida dentro de área não [indígena], ele comprou foi fora de uma mulher que tem uma chácara que lhe vendeu a madeira; o rapaz foi tirar e saiu de lá com essa madeira pra fazer uma casa e o carro dele quebrou, aí ele veio atrás de mim e eu fui socorrer ele, mas não foi madeira de dentro de terra indígena, foi de dentro das terras nossas pra cá, nas terras da dona da chácara que não sabe nem o nome da mulher lá; que não chegou a entrar em terra indígena; não sabe o nome do local onde a madeira foi pega porque não conhecia a região, só conheceu a região no dia que foi buscar ele lá; que não procurou saber o nome do local onde foi socorrer o amigo e buscar a madeira; que não foi preso no dia e nem chegou a ser submetido a algum tipo de fiscalização; conhece o Zé da Doca, quando vai de Maurilândia para Tocantinópolis, o depoente passa em redor da propriedade dele na aldeia indígena em que ele mora; não sabe qual era a ocupação dele na aldeia, como ele vivia lá; não sabe dizer se havia o envolvimento de indígena na autorização e na participação de extração ilegal de madeira em reserva indígena; um amigo do depoente, chamado João Matos, estava com o carro quebrado; a profissão de João Matos é lavrador de roça também; nunca mais transportou madeira depois dessa vez; levou a madeira para um local em Maurilândia para fazer uma casa para João Matos, lá na roça dele; João Matos mora numa terrinha fora de Maurilândia; no local onde pegou a árvore que João Matos comprou não tinha outras cargas de madeiras armazenadas; naquela época trabalhava com frete e o carro de João Matos quebrou e o depoente foi em seu próprio carro para ajudá-lo; foi nisso aí que me enrolei porque foi socorrer ele lá transportando a madeira dele que ele tirou, tava no carro dele, botou a carga no meu carro, aí trouxe ele, trouxe a madeira dele e puxando o carro dele quebrado até chegar no local aonde ele ia fazer a casa dele, aí foi o problema porque passemos lá, o cara viu a carga e denunciaram ele; é verdade que entregou uma espingarda, quando pegaram ele lá, vieram lá pra casa, aí lá fui investigado, disse que não tinha motosserra, apenas o motor do seu carro; aí perguntaram se o depoente tinha arma, o depoente disse não, não tenho e tenho, porque tenho uma espingardinha que uso para espantar os bichos lá na roça quando estão comendo minhas galinhas, o tiú comendo os ovos nos ninhos das galinhas; aí mostrou a espingardinha pra eles e eles ficaram calados; quando foram pra sair de lá, despediram do depoente, e aí disseram “então me dê aqui ela, vou levar”, aí o depoente disse que não porque a arma estava guardadinha em sua casa só pra levar pra roça, que não era homem caçador, que não escuta, que é surdo, que só tem ela pra espantar minhas coisas, minhas criação lá na roça, mas não aceitaram e levaram a arma; que nunca mais comprou arma; a vida toda viveu na roça, não cavuca mais porque está doente e não consegue trabalhar mais, mas seus filhos que cuidam da roça lá; na roça mexia com mandioca, arroz, milho, abóbora; no local, que fica no município de Maurilândia, trabalhava com mais pessoas; tem mais de 20 anos que comprou a caminhonete e faz frete na cidade e na roça, mais na roça; o modelo da sua caminhonete F-1000 e o ano é 1981; não mexe com internet, não mexe nem com celular porque não conhece, não sabe o que é Instagram nem Facebook, só meus meninos é que mexem com essas coisas de internet; dá conta de pagar as contas, às vezes que não dá conta pede seus filhos e eles resolvem para o depoente. Ids. 428591390 e 428591393 Conforme acertadamente concluiu o juízo, o conjunto probatório demonstrou que o indígena e corréu José Ribeiro, vulgo Zé da Doca, em data aproximada ao mês de setembro de 2015, autorizou a entrada do corréu João Matos na Terra Indígena Apinajé, no Estado do Tocantins, oportunidade em que este extraiu daquele local, ilegalmente, 0,296 m³ de madeira, que, em seguida, foi dividida entre os referidos corréus, mas posteriormente foi apreendida pelas autoridades competentes. O conjunto probatório também evidenciou que o apelado Madian, de fato, auxiliou o corréu João Matos no transporte da madeira acima mencionada. O próprio apelado, em juízo, confessou que prestou esse auxílio àquele corréu. Todavia, ao contrário do que afirma o MPF, durante a instrução criminal não surgiram elementos concretos que evidenciem que o apelado Madian fez algum ajuste prévio com os corréus José Ribeiro e João Matos para aderir à empreitada criminosa e, com consciência e vontade livres, realizar as condutas de cortar ilegalmente árvores localizadas em território indígena e, posteriormente, de transportar a madeira extraída daquela área. Nesse sentido, a única testemunha inquirida judicialmente, o Analista Ambiental João Batista do Carmo, foi categórico ao afirmar que não se recordava da operação de fiscalização narrada na denúncia nem do apelado Madian e dos corréus José Ribeiro e João Matos. Conforme bem apontou a defesa nas alegações finais, “[o] MPF chegou a formular perguntas genéricas, tendo a testemunha apresentado respostas absolutamente genéricas, e ao final concluiu respondendo ao MPF que não se lembra do réu.” Id. 428591398 Acrescente-se, ainda, que o apelado Madian, homem simples, trabalhador rural e sem nenhuma instrução escolar, não foi surpreendido realizando o corte da madeira apreendida e não há nenhum indício de que ele tenha realizado essa conduta. Ademais, também não há indícios de que o apelado Madian tivesse ciência de que a madeira que ajudou a transportar, pertencente ao corréu João Matos, responsável pelo corte e pelo início do carregamento da madeira, teria sido extraída irregularmente de terra indígena. Em corroboração com essa conclusão, transcrevo abaixo parte do parecer da PRR1: O Juízo a quo, no entanto, entendeu que não há provas da autoria, nos seguintes termos (id. 428591399): [...] O referido entendimento não merece reparos. É cediço que a norma do art. 39 da Lei nº 9.605/98, ao prever que constitui crime contra a flora "cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente", tem por objeto jurídico a proteção da biodiversidade em florestas de preservação permanente mediante a proibição do corte de árvores. Compulsando os autos, vê-se que, de fato, a acusação não se desincumbiu do ônus probatório com relação à autoria do acusado. Vejamos. In casu, a materialidade foi constatada a partir dos elementos obtidos em ação conjunta entre a Polícia Federal, o IBAMA e a FUNAI, que resultou no Relatório de Atividade Policial (id. 259293493, fls. 89-100); no Relatório de Fiscalização (id. 428591273, fls. 103-111); e nos Autos de Infração, Termos de Apreensão e Termos de Depósito (id. 428591273, fls. 112-117). Em contrapartida, a autoria delitiva não está demonstrada, haja vista que não há elementos probatórios aptos a indicar, com o mínimo de segurança, a autoria ou participação do acusado na conduta típica em análise. O Sr. João Batista do Carmo, Analista Ambiental e testemunha arrolada pela acusação, foi inespecífico aos relatar os fatos ocorridos à época, bem como não se recordou da situação que ensejou a imputação em desfavor do denunciado (vide audiência no id. 428591392). De igual modo, ao analisar a oitiva do acusado, Sr. Madian Carneiro de Sousa (vide audiência no id. 428591393), é possível constatar que se trata de pessoa simples, sem nível de escolaridade (conforme declarado no depoimento), motivo pelo qual infere-se que ele sequer detinha o conhecimento de que a madeira transportada era irregular. Ademais, conforme afirmado em Juízo, ele tão somente foi chamado para auxiliar o Sr. João Matos, o verdadeiro responsável por transportar, inicialmente, as madeiras extraídas irregularmente, após o defeito no veículo deste. Para mais, não há provas de que o acusado cortou as árvores ou, ainda, que aderiu à prática delitiva. Portanto, a avaliação dos elementos de prova trazidos aos autos não demonstram, com a convicção necessária à condenação, a prática do delito imputado na exordial acusatória, devendo, pois, ser mantida a sentença absolutória. Id. 428892576, caixa alta no original, grifo suprimido Nesse contexto, é improcedente o pedido do MPF de reforma da sentença absolutória para que o apelado Madian Carneiro de Sousa seja condenado pela prática da infração penal tipificada no Art. 39, caput, da Lei 9.605, em virtude da inexistência de prova de que o acusado concorreu para a prática daquele delito. CPP, Art. 386, V Segundo o Ministro GILMAR MENDES, a instauração de um processo criminal fadado ao insucesso agride a dignidade da pessoa humana, porquanto “respeitar a dignidade da pessoa humana, em uma de suas dimensões, significa que o homem não pode ser transformado em objeto dos processos estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma GüntherDürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtlichesGehör) e fere o princípio da dignidade humana [‘EineAuslieferungdesMenschenaneinstaatlichesVerfahrenundeineDegradierung zum Objekt dieses Verfahrenswäre die VerweigerungdesrechtlichenGehörs.’] (MAUNZ-DÜRIG, GrundgesetzKommentar, Band I, München, VerlagC.H.Beck, 1990, 1I 18). O processo criminal inviável, na verdade, é um processo pecaminoso no sentido constitucional, porque ele onera, penaliza a parte simplesmente pela sua propositura. Em escritos doutrinários recentes tenho sustentado que a cláusula da dignidade da pessoa humana constitui um tipo de cláusula subsidiária em matéria de processo penal, como o é também a cláusula do devido processo legal.” (STF, Pet 3898, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2009, DJe-237 18-12-2009. Grifo original.) “Os mesmos fatos, como é natural no mundo jurídico, nem sempre se submetem às mesmas leituras jurídicas; mas, na realidade, o decreto absolutório, com arrimo no conjunto da prova, produzida sob as luzes do contraditório e da ampla defesa, não deve ser alterado.” (TRF 1ª Região, ACR 00018795920044013000, Desembargador Federal OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 18/07/2016.) Além disso, “[p]ouco importa que à leitura dos autos possa resultar uma impressão moral de culpa d[os] acusad[os]. Essa convicção íntima não basta para lastrear condenação legítima, que reclama convicção formada sob o devido processo legal.” (STF, HC 67917, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 17/04/1990, DJ 05-03-1993 P. 2897.) No mesmo sentido, reconhecendo que “[m]eras conjecturas ou ilações resultantes de avaliação subjetiva do julgador não são provas.” (STF, HC 76425, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 06/10/1998, DJ 13-11-1998 P. 2.) III) Em consonância com as fundamentações expostas anteriormente, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0002827-84.2018.4.01.4301 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Revisor: Nada tenho a acrescentar ao relatório. Não foram suscitadas preliminares. No tocante ao exame do mérito, embasado no conjunto probatório dos autos, não há o que ser aditado ao voto do Relator, que corretamente concluiu pela insuficiência de provas para a condenação de Madian Carneiro de Sousa pela prática do crime previsto no art. 39 da Lei 9.605/1998. Portanto, a absolvição foi acertada, diante da inexistência de prova de que o apelado tenha concorrido para infração penal, nos termos do art. 386, V, do CPP. Ante o exposto, acompanho integralmente o voto do eminente Relator e nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Revisor PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0002827-84.2018.4.01.4301 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002827-84.2018.4.01.4301 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:MADIAN CARNEIRO DE SOUSA REPRESENTANTES POLO PASSIVO: MARCONDES DA SILVEIRA FIGUEIREDO JUNIOR - TO2526-A E M E N T A PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE CORTE ILEGAL DE ÁRVORES NA RESERVA INDÍGENA APINAJÉ, ESTADO DO TOCANTINS. ART. 39 DA LEI 9.605/1998. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA DO RÉU MADIAN NÃO DEMONSTRADA. APELAÇÃO DO MPF EM QUE REQUER A CONDENAÇÃO DO RÉU. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO APELADO NO FATO DELITUOSO. APELAÇÃO DO MPF IMPROVIDA. I) DOS FATOS. 1. Em síntese, na peça acusatória o MPF narra que instaurou o Inquérito Civil 1.36.001.000057/2014-02, para apurar denúncia de “retirada e venda ilegal, por não índios, de madeira de terra da aldeia Apinajé.”, feita pela Associação União das Aldeias Apinajé (PEMPXÀ). 2. Realizou-se, então, uma força tarefa composta por servidores da Polícia Federal, IBAMA e FUNAI, que se deslocaram, em setembro de 2015, aos municípios de Tocantinópolis e Maurilândia do Tocantins com o objetivo de averiguar in loco as denúncias recebidas. 3. Em 22/9/2015, a equipe de fiscalização encontrou num imóvel do corréu João Matos a quantia de 0,87 m³ de madeira serrada, sem nota fiscal e sem documento de origem florestal (DOF), retirada do Lote 46, da Gleba Maurilândia, em Maurilândia do Tocantins, cuja área é de domínio da União, o que ensejou a lavratura do Auto de Infração 9078297-E. 4. No mesmo dia, a equipe se deslocou até a residência do corréu João Matos, oportunidade em que encontrou a quantia de 0,296 m³ de madeira, extraída da Terra Indígena Apinajé, no Estado do Tocantins, sem autorização legal. Na ocasião, a equipe não lavrou auto de infração porque a referida madeira já havia sido objeto do Auto de Infração 139548, lavrado em 23 de julho de 2015, por servidores do Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável daquele Estado. 5. O MPF acrescenta que a madeira objeto do Auto de Infração 139548, foi retirada com o auxílio e consentimento do indígena e corréu José Ribeiro, vulgo Zé da Doca, que autorizou a entrada do corréu João Matos na reserva indígena, “[...] com quem acordou que o pagamento pelo serviço de corte e extração seria efetuado com parte da madeira ilegalmente.”, e que o apelado Madian foi responsável pelo transporte da referida madeira. 6. Em consequência, o MPF pediu a condenação dos denunciados pela prática das infrações penais tipificadas no Art. 39 (todos os denunciados), e nos Arts. 50-A e 51 (denunciado João Matos), todos da Lei 9.605/1998. II) DA REJEIÇÃO DA DENÚNCIA REFERENTE AOS RÉUS JOSÉ RIBEIRO E JOÃO MATOS E DA ABSOLVIÇÃO DO RÉU MADIAN. 1. O juízo rejeitou a denúncia quanto aos requeridos José Ribeiro da Silva e João Matos de Sousa, em virtude do reconhecimento da ocorrência de coisa julgada, nos termos do Art. 395, II, CPP. 2. Ao final da instrução criminal, o juízo absolveu o réu Madian Carneiro de Sousa, nos termos do Art. 386, V, CPP. III) DO PEDIDO DO MPF DE CONDENAÇÃO DO RÉU MADIAN. 1. Em suas razões, o MPF sustenta, em síntese, que o réu Madian informou que trabalhava com fretes na localidade onde mora e que o corréu João Matos promovia a extração ilegal de madeiras na região. Dessa forma, ao contrário do que concluiu o juízo, os corréus João Matos e Madian combinaram previamente sobre o transporte de “[...] madeiras visivelmente extraídas de forma ilegal de terra indígena e de suas redondezas. Não se trata de mero favor, mas de crime.” (Id. 428591400) 2. O conjunto probatório demonstrou que o indígena e corréu José Ribeiro, vulgo Zé da Doca, em data aproximada ao mês de setembro de 2015, autorizou a entrada do corréu João Matos na Terra Indígena Apinajé, no Estado do Tocantins, oportunidade em que este extraiu daquele local, ilegalmente, 0,296 m³ de madeira, que, em seguida, foi dividida entre os referidos corréus, mas posteriormente foi apreendida pelas autoridades competentes. 3. O conjunto probatório também evidenciou que o apelado Madian, de fato, auxiliou o corréu João Matos no transporte da madeira acima mencionada. O próprio apelado, em juízo, confessou que prestou esse auxílio àquele corréu. Todavia, ao contrário do que afirma o MPF, durante a instrução criminal não surgiram elementos concretos que evidenciem que o apelado Madian fez algum ajuste prévio com os corréus José Ribeiro e João Matos para aderir à empreitada criminosa e, com consciência e vontade livres, realizar as condutas de cortar ilegalmente árvores localizadas em território indígena e, posteriormente, de transportar a madeira extraída daquela área. 4. A única testemunha inquirida judicialmente, o Analista Ambiental João Batista do Carmo, foi categórico ao afirmar que não se recordava da operação de fiscalização narrada na denúncia nem do apelado Madian e dos corréus José Ribeiro e João Matos. Conforme bem apontou a defesa nas alegações finais, “[o] MPF chegou a formular perguntas genéricas, tendo a testemunha apresentado respostas absolutamente genéricas, e ao final concluiu respondendo ao MPF que não se lembra do réu.” Id. 428591398 5. Acrescente-se, ainda, que o apelado Madian, homem simples, trabalhador rural e sem nenhuma instrução escolar, não foi surpreendido realizando o corte da madeira apreendida e não há nenhum indício de que ele tenha realizado essa conduta. 6. Improcedência do pedido do MPF de condenação do apelado Madian Carneiro de Sousa pela prática da infração penal tipificada no Art. 39, caput, da Lei 9.605, em virtude da inexistência de prova de que o acusado concorreu para a prática daquele delito, nos termos do Art. 386, V, CPP. 7. Sentença absolutória mantida. A C Ó R D Ã O Decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação do MPF, nos termos do voto do relator. Juiz Federal MARCELO ELIAS VIEIRA Relator em auxílio
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