Processo nº 0001783-29.2009.4.01.3304
ID: 331160578
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001783-29.2009.4.01.3304
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GINIS BASTOS BARRETO
OAB/BA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001783-29.2009.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001783-29.2009.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOVINO SOARES BARRET…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001783-29.2009.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001783-29.2009.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JOVINO SOARES BARRETO REPRESENTANTES POLO ATIVO: GINIS BASTOS BARRETO - BA32076-A POLO PASSIVO:FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO e outros RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001783-29.2009.4.01.3304 R E L A T Ó R I O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por JOVINO SOARES BARRETO (ID 20984449 - Pág. 24/45) em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Irecê/BA que, nos autos da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa ajuizada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, em litisconsórcio com o Ministério Público Federal, e em face do apelante, julgou parcialmente procedente os pedidos para condenar o réu, ora apelante, por atos de improbidade administrativa descritos no art. 10, caput e inciso VIII, da Lei 8.429/1992 (ID 20984449 - Pág. 3/20). Ao demandado foram aplicadas as seguintes sanções: (i) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; (ii) pagamento de multa civil no valor de 1 (uma) remuneração percebida pelo agente à época; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 5 (cinco) anos. Em razões recursais, Jovino Soares Barreto alega, preliminarmente, nulidade do processo por (i) inconstitucionalidade da Lei 8.429/1992; e (ii) violação ao devido processo legal, por não observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório. No mérito, sustenta, em suma, a ausência de comprovação do dolo e má-fé em sua conduta, bem como a não comprovação de dano ao erário, afirmando que o Juízo de origem reconheceu que os recursos foram aplicados corretamente. Por fim, sustenta a ausência de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação das sanções. Pugna, assim, pela nulidade da sentença, em razão das preliminares aventadas e, no mérito, requer a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, pede a reforma das sanções aplicadas (ID 20984449 - Pág. 24/45). O Parquet Federal apresentou contrarrazões à apelação, pugnando pela manutenção da sentença (ID 20984449 - Pág. 50/57). O FNDE reiterou as contrarrazões apresentadas pelo MPF (ID 20984449 - Pág. 60). Em Parecer, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifestou pelo não provimento do recurso (ID 20984449 - Pág. 65/71). Intimadas as partes acerca das modificações introduzidas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992 (ID 340719132): (i) a PRR1 reiterou os termos do Parecer exarado, afirmando que há dolo e dano a justificar a manutenção da condenação do demandado por ato de improbidade, pois sua conduta permaneceu tipificada na LIA após a Lei 14.230/2021 (ID 343049138); (ii) o FNDE pugna pela manutenção da sentença, afirmando que não devem ser aplicadas de forma retroativa as modificações trazidas pela Lei 14.230/2021, e que o ato de improbidade do art. 10, VIII, da LIA restou configurado, já que demonstrado o dolo do agente na aquisição de gêneros alimentícios para a merenda escolar sem a realização prévia de licitação (ID 346805626); (iii) Jovino Soares Barreto não se manifestou. Diante da ampliação do quadro de Desembargadores Federais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o feito foi redistribuído em 13/05/2023 para este Gabinete 31. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001783-29.2009.4.01.3304 V O T O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Ressalvada a opinião pessoal desta julgadora, curvo-me ao posicionamento majoritário que se formou na sessão de julgamento presencial de 23/04/2025 da 2a Seção deste Tribunal, ocasião em que, por maioria, vencidos no Conflito de Jurisdição 1029201-15.2024.4.01.0000 os Juízes Marcelo Elias Vieira, em substituição ao Desembargador Leão Alves, e José Magno Linhares Moraes, em minha substituição; No Conflito de Jurisdição 1027509-78.2024.4.01.0000 vencido o Juiz Federal José Magno Linhares, em minha substituição; e no conflito de competência 1023852-31.2024.4.01.0000 vencidos os Desembargadores Federais Leão Alves e José Magno Linhares, a 2a Seção declarou a competência desta Desembargadora Federal suscitada, sob a compreensão de que a redistribuição - para os novos Gabinetes em razão da criação de novos cargos de desembargador - é válida mesmo quando houver relator da 3a ou 4a Turma originariamente preventos. Firmada a competência desta julgadora para a relatoria, prossigo. Requisitos de admissibilidade Verifica-se que o apelante recolheu o preparo (ID 20984449 – Pág. 46/47). Ressalta-se que, ainda que não tivesse sido recolhido o preparo, o apelo não deixaria de ser conhecido por este motivo e, portanto, o recurso não seria deserto, pois a Lei 14.230/2021 alterou a Lei 8.429/1992 no que toca à necessidade do preparo, determinando que “não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas” (art. 23-B, caput) e estabelece que, caso a sentença seja de procedência, “as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final” (art. 23-B, § 1º). Avançando, constata-se que o recurso é tempestivo, não há hipótese de deserção por ausência ou insuficiência de preparo e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Preliminar de inconstitucionalidade da Lei 8.429/1992 Alega o apelante que a Lei 8.429/1992 não poderia ser aplicada ao caso concreto, pois é inconstitucional, em razão não ter sido observado o procedimento legislativo bicameral quando de sua edição. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.182/DF, rejeitou o pedido de declaração de inconstitucionalidade formal da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) e validou trechos da LIA no julgamento virtual da ADI 4.295/DF, julgando-a improcedente. Infere-se do exposto que o STF manteve a norma válida no ordenamento jurídico. Além disso, o Pretório Excelso novamente apreciou referida Lei em sede de Repercussão Geral, fixando o Tema 1.199, e reafirmando a constitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Ambos os precedentes sobreditos são de observância obrigatória (art. 927, I e III, do CPC/15). Assim, rejeito a preliminar, pois não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei 8.429/1992. Preliminar de violação ao devido processo legal Afirma o apelante que a sentença deve ser anulada, pois se baseou, exclusivamente, em Parecer da Controladoria-Geral da União. Alega que, com isso, houve cerceamento de sua defesa, com violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois a CGU é órgão da mesma estrutura administrativa do FNDE, autor desta demanda, de modo que os documentos exarados pela Controladoria “não ostentam o condão de imprimir judidicidade [sic: juridicidade] substancial apta a amparar uma condenação em face do réu”. A CGU é órgão que promove o controle interno do Poder Executivo Federal, por meio das atividades de controle, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. Em razão dessa competência da CGU, algumas municipalidades são escolhidas, mediante sorteios públicos amplamente divulgados, a fim de que seja feita uma fiscalização pormenorizada da aplicação dos recursos federais. A CGU não tem qualquer competência para julgamento, pois apenas colhe dados e informa as irregularidades detectadas para que os órgãos possam adotar as medidas cabíveis. Assim, embora o FNDE e a CGU façam parte da organização administrativa da União, suas competências são completamente díspares e notadamente delimitadas, de modo que não há ingerência entre os referidos entes. Portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa ou violação à ampla defesa e ao contraditório pelo fato de a demanda proposta pelo autor ter se baseado em fiscalização realizada por órgão definido pelo ordenamento jurídico brasileiro para tanto. Além disso, ao serem juntados aos autos os documentos referentes à fiscalização realizada pela CGU, o apelante pode trazer seus elementos probatórios para contraditá-los. Rejeito, assim, a preliminar aventada. E ainda que fosse verificado, no caso concreto, a alegada nulidade - hipoteticamente falando -, seria o caso de avançar ao mérito porque, diante da constatação de hipótese de absolvição, incide aqui o § 2º do art. 282 do CPC que estabelece que, “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Referida diretriz decorre do princípio da primazia do julgamento de mérito, que orienta os magistrados a resolver o mérito de uma causa, mesmo que haja vícios formais, deixo de decretar a nulidade do ato de intimação do réu, para prosseguir no julgamento do mérito, nos termos do art. 282, § 2º, do CPC. Sem mais questões preliminares ou prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador. Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/1992, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir) retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão (ARE 843.989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, preveem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa. A Lei 14.230/2021 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[1] e 7043, o STF proferiu decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação. Já nos autos da ADI 7236/DF[2], ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/1992. E mais recentemente, o Plenário do STF julgou o mérito do RE 656.558/SP/Tema 309 da repercussão geral, reafirmando sua jurisprudência no sentido de que o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992, em sua redação originária. Confira-se: Decisão: O Tribunal, (...) Por maioria, apreciando o tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE nº 656.558/SP, a fim de se restabelecer a decisão em que se julgou improcedente a ação, e fixou a seguinte tese: "a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores." Tudo nos termos do voto ora aditado do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, André Mendonça e Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2024 a 25.10.2024. Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/1992 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II da Lei 8.429/1992 trazidas pela Lei 14.230/2021 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É nesse prisma que serão analisadas as condutas da parte ré/apelante que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo, o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Do caso concreto. A ação foi ajuizada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, em litisconsórcio com o Ministério Público Federal, e em desfavor de Jovino Soares Barreto, ex-Prefeito do Município de Ibipeba/BA, em razão de irregularidades na aplicação e prestação de contas de verbas públicas federais do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE/2004, o que configurariam atos de improbidade previstos nos artigos 9º, 10 e 11, todos da Lei 8.429/1992. O Juízo de origem julgou procedente o pedido para condenar Jovino Soares Barreto por atos de improbidade previstos no art. 10, caput e inciso VIII, da Lei 8.429/1992. No caso concreto, após a prolação da sentença, entrou em vigor a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/1992 e que devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022. Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal. Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg. TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos. Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos) Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/1992, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Já o § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/1992, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[3] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/1992[4], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Na hipótese, Jovino Soares Barreto sustenta, em suma, a ausência de comprovação do dolo e má-fé em sua conduta, bem como a não comprovação de dano ao erário, afirmando que o Juízo de origem reconheceu que os recursos foram aplicados corretamente. Narra o FNDE que o Município de Ibipeba/BA, sob a gestão do demandado Jovino Soares Barreto, recebeu verbas federais no montante de R$ 87.464,40 (oitenta e sete mil quatrocentos e sessenta e quatro reais e quarenta centavos) para serem aplicadas na execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, no ano de 2004. Afirma a autarquia federal que a Controladoria-Geral da União realizou fiscalização no referido Município, através da qual foram constatadas as seguintes irregularidades na gestão dos recursos federais: (i) inexistência de licitação na compra de gêneros alimentícios para a merenda escolar; (ii) ausência de atesto nas notas fiscais; e (iii) constituição irregular do Conselho de Alimentação Escolar. Alega o FNDE que, através da Tomada de Contas Especial, foi apurado o débito de R$ 167.878,78 (cento e sessenta e sete mil oitocentos e setenta e oito reais e setenta e oito centavos). Entre as irregularidades apontadas pelo FNDE, ressalta-se a inexistência de licitação na compra de gêneros alimentícios para a merenda escolar como a única irregularidade que tem o condão de configurar ato de improbidade. Quanto a esta constatação, transcreve-se o que a CGU, ao realizar fiscalização no Município de Ibipeba/BA, apurou na execução do PNAE/2004 (ID 20984445 - Pág. 35/36): 4.1) Inexistência de licitação na compra de gêneros para merenda escolar. Fato(s): A Prefeitura Municipal não realiza os processos licitatórios previstos na Lei 8.666/93. Os processos de pagamentos de 2004 e 2005 (janeiro a julho) para aquisição de gêneros alimentícios somaram R$87.752,97 e R$42.031,34, respectivamente. O gestor estaria obrigado a licitar, tendo em vista que as compras realizadas superaram os valores limites para dispensa de licitação, considerados num prazo de um ano. Essa prática realizada pelo gestor público pode comprometer a escolha da proposta mais vantajosa e a transparência, princípios inerentes à Administração Pública. Os procedimentos poderiam, sem maiores prejuízos, englobar as aquisições referentes a 3 ou 4 meses, estipulando-se que as entregas pelos fornecedores seriam parceladas. Nota-se que, em razão desta irregularidade, o FNDE determinou que o ex-Prefeito, ora apelante, devolvesse o valor repassado de R$ 87.464,40 (oitenta e sete mil quatrocentos e sessenta e quatro reais e quarenta centavos) para a execução do PNAE/2004 (ID 20984445 - Pág. 67/68). Jovino Soares Barreto apresentou documentação de inexigibilidade e dispensa de licitação para a aquisição de gêneros alimentícios para a merenda escolar (ID 20984445 - Pág. 60/66). Também é possível verificar através dos documentos juntados aos autos que, embora tenham sido apuradas irregularidades quanto ao PNAE/2004 pela CGU, o FNDE, posteriormente, apresentou Parecer pela aprovação das contas com ressalvas, devido a não demonstração de dano ao erário (ID 20984447 - Pág. 105/108). Desta forma, após análise da prestação de contas dos recursos do PNAE/2004, o FNDE emitiu outro Parecer pela aprovação destas, afirmando que “a análise das peças constantes nos autos não evidenciou impropriedade ou irregularidade na execução financeira, considero que a referida prestação de contas encontra-se em condições de receber os registros de Aprovação desta Autarquia, ressaltando que não houve inspeção "in loco"”. (ID 20984447 - Pág. 20). Assim, não foi instaurada Tomada de Contas Especial, em razão da não demonstração de prejuízo aos cofres públicos (ID 20984447 - Pág. 106). O Juízo sentenciante, embora tenha entendido que houve prática de atos de improbidade previstos no art. 10, caput e inciso VIII, da LIA, não aplicou ao demandado a sanção de ressarcimento ao erário, sob os seguintes fundamentos (ID 20984449 - Pág. 14/15): (...) É Importante deixar assentado que a condenação do réu na obrigação de ressarcir o erário exige prova contundente que indique a malversação do dinheiro relativo ao programa objeto desta ação. Este, porém, não é o caso dos autos. Pelo contrário, o substrato documental constante do processo leva a crer que não houve má destinação das verbas repassadas ao município. Em primeiro lugar, ressalto que, provocado pela Controladoria-Geral da União (fls. 310), o próprio Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, por meio de sua Diretoria Financeira, emitiu o Parecer n. 219/2010, deixando transparecer que, no caso em apreço, não houve qualquer prejuízo ao erário (fls. 311V/313), o que resultou na aprovação das contas, com ressalvas, e posterior arquivamento do procedimento. Não fosse isso, repita-se, a fiscalização realizada in loco no município, contemporânea as fatos, não evidenciou qualquer constatação, denúncia ou indício de que os gêneros da merenda escolar não foram entregues nas respectivas escolas. Ademais, além de não terem afirmado que os materiais deixaram de ser efetivamente recebidos pela comuna, os autores não trouxeram qualquer elemento que apontasse nessa direção. Tudo leva a crer, portanto, que as aquisições alcançaram suas finalidades, provendo os alunos com a merenda necessária. De outra banda, a análise dos recibos de pagamento e notas fiscais que instruíram os processos de pagamento já referidos (arquivo Evidência 4.1.pdf na mídia às fls. 373) não sugere qualquer suspeita ou tentativa de superfaturamento das compras. Também nesse particular, os autores não se desvencilharam do encargo de demonstrar eventual superfaturannento dos gêneros adquiridos. Nesta esteira, no caso, não cabe a condenação por ressarcimento ao erário, pois se por um lado é induvidosa o ato ímprobo de não ter sido realizada a licitação, por outro não existe qualquer prova que indique a malversação do dinheiro relativo ao convênio objeto desta ação. Presumir que houve prejuízo material ao erário é uma presunção contra o réu sem amparo legal. (grifou-se) Nem toda irregularidade apurada na conduta de um agente público é passível de configurar atos de improbidade de enriquecimento ilícito (art. 9º da LIA) e causadores de lesão ao erário (art. 10 da LIA), pois, para tanto, é preciso que sejam preenchidos os requisitos caracterizadores do ato ímprobo sancionado pela Lei 8.429/1992, como a demonstração de dolo específico. Para a configuração da improbidade administrativa, capitulada no artigo 10 da Lei 8.429/1992, com as alterações da Lei 14.230/2021, é necessária a demonstração do elemento subjetivo doloso, bem como a comprovação do efetivo dano acarretado ao erário, sob pena de inadequação típica. Nota-se que o FNDE, em sua inicial, não alega a ocorrência de superfaturamento ou sobrepreço nos gêneros alimentícios adquiridos pelo Município de Ibipeba/BA, nem há alegação de que a merenda escolar não foi fornecida. Logo a imputação ao demandado do art. 10, caput e inciso VIII, da Lei 8.429/1992 se deu em decorrência de dano presumido, reportando-se o FNDE à ausência de melhor proposta pelos produtos adquiridos, já que não houve licitação para a aquisição. Corrobora essa linha intelectiva, o Parecer da PRR1 (ID 20984449 - Pág. 70): (...) Dessa forma, as irregularidades na licitação reconhecida às fls. 450, ofende ao menos aos princípios da moralidade e legalidade, ensejando prejuízo ao erário com a ausência de busca de melhor proposta. Nesse sentido, colaciono abaixo precedente do Superior Tribunal de Justiça: (grifou-se) A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ou dano ao erário para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10. Ainda, inseriu o § 1º no art. 10 da Lei 8.429/1992, que prevê que nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá a imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei. Examinando-se os elementos de prova existentes nos autos, verifica-se que não há prova de desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos. Logo, não há elementos de prova nos autos de que as verbas públicas federais deixaram de atender a uma finalidade pública, nem que foram desviadas em proveito próprio ou de terceiro. Nesse diapasão, de se julgar improcedente os pedidos de condenação do demandado, já que não restou comprovado o efetivo prejuízo causado aos cofres públicos, tendo em vista que a frustração do caráter competitivo do procedimento licitatório enseja tão somente dano presumido, se não for apurado superfaturamento ou sobrepreço nos valores cobrados pelas empresas contratadas. Alia-se a isso o fato de não se ter demonstrado o dolo específico na conduta do apelante. Com efeito, além de o Juízo de origem não ter inferido a existência do elemento subjetivo presente na conduta do ora apelante, da presente análise do conjunto fático-probatório também não é possível inferir a existência de dolo em sua conduta. Não se comprovou que a conduta do apelante foi praticada com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiro, não bastando a voluntariedade do agente para a configuração do ato ímprobo, com o fim de imputar a ele a conduta prevista no art. 10, caput e inciso VIII, da Lei 8.429/1992, após as alterações trazidas pela Lei 14.230/2021. Logo, ausente o dolo específico do apelante no caso concreto, não há falar em improbidade administrativa, posto que não ficou comprovado nos autos ato do demandado com ânimo de causar prejuízo ao erário ou de se apropriar indevidamente de verbas públicas federais. Anoto, ademais, que não se revela possível a aplicação do princípio da continuidade normativo-típica no art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, ao caso em testilha, pois, conforme fundamentação supra, não demonstrado o dolo específico na conduta do apelante. Logo, não é possível condená-lo por qualquer tipo daqueles previsto na LIA, seja no art. 9º, 10 ou 11, diante da ausência do elemento subjetivo doloso. Assim, não sendo o caso de condenação do demandado pela prática do ato de improbidade administrativa descrito no artigo 10, caput e inciso VIII, da Lei 8.429/1992, a sentença condenatória deve ser reformada. Ante o exposto dou provimento à apelação para reformar a sentença e absolver o demandado das condutas a ele imputadas. Descabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, posto que não verificada má-fé (inteligência do §2º do artigo 23-B da Lei 8.429/1992, com a redação incluída pela Lei 14.230/2021)[5]. É o voto. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora [1]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [2]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [3]No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [4]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [5] Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 0001783-29.2009.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001783-29.2009.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: JOVINO SOARES BARRETO REPRESENTANTES DO APELANTE: GINIS BASTOS BARRETO - BA32076-A APELADOS: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO e outro E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE/2004). AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DANO EFETIVO AO ERÁRIO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por ex-prefeito municipal contra sentença que julgou parcialmente procedente ação civil pública por ato de improbidade administrativa, proposta pelo FNDE e Ministério Público Federal, relativa à gestão de recursos do PNAE/2004. A sentença condenou o apelante com base no art. 10, caput e inciso VIII, da Lei 8.429/1992, aplicando as sanções de suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público. 2. O apelante alega nulidade do processo por inconstitucionalidade da Lei 8.429/1992 e cerceamento de defesa. No mérito, sustenta ausência de dolo e de dano ao erário, e pugna pela improcedência dos pedidos ou, subsidiariamente, pela readequação das penalidades impostas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se a sentença deve ser anulada por vício formal ou inconstitucionalidade da Lei 8.429/1992 e por cerceamento de defesa; e (ii) se estão presentes os elementos configuradores do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10 da LIA, em especial o dolo específico e o dano efetivo ao erário, à luz das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. Rejeita-se a alegação de inconstitucionalidade da Lei 8.429/1992, tendo em vista sua constitucionalidade já reconhecida pelo STF nas ADIs 2.182 e 4.295, bem como nos Temas 309 e 1.199 da repercussão geral. 5. Também se afasta a alegação de cerceamento de defesa, uma vez que a CGU tem competência legal para realizar fiscalização e auditoria de recursos públicos federais e seus relatórios produzidos no âmbito administrativo não impedem o contraditório ou a ampla defesa na esfera judicial. E ainda que fosse verificada a referida nulidade, hipoteticamente falando, incidiria o art. 282, § 2º, do CPC, diante da possibilidade de decisão de mérito favorável à parte que alega a nulidade. 6. Aplica-se retroativamente a Lei 14.230/2021 ao caso concreto, por se tratar de processo em curso e em razão de previsão expressa de incidência imediata, inclusive quanto à exigência de dolo específico e comprovação de dano efetivo para configuração dos atos de improbidade administrativa. 7. Constatou-se que o FNDE aprovou as contas do Município de Ibipeba/BA com ressalvas e que não houve instauração de Tomada de Contas Especial, nem comprovação de dano efetivo ou desvio de finalidade nos gastos com gêneros alimentícios para merenda escolar. 8. Inexistente demonstração de dolo específico, entendido como a vontade livre e consciente de alcançar resultado ilícito, e ausente prova de prejuízo material, não se caracteriza a improbidade administrativa prevista no art. 10 da LIA. 9. A simples ausência de licitação, sem demonstração de dano ao erário ou dolo específico, não autoriza a condenação por improbidade administrativa. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso provido para reformar a sentença e absolver o demandado das imputações de improbidade administrativa. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 23-B, § 2º, da Lei 8.429/1992. Tese de julgamento: "1. A aplicação retroativa da Lei 14.230/2021 é admissível em processos em curso, nos termos do Tema 1.199 da repercussão geral. 2. A ausência de comprovação do dolo específico e do dano efetivo ao erário impede a condenação por ato de improbidade administrativa com base no art. 10 da Lei 8.429/1992. 3. A simples ausência de licitação não configura improbidade administrativa se não demonstrada a intenção ilícita do agente e o prejuízo material ao patrimônio público." Legislação relevante citada: CF/1988, art. 5º, XXXVI; CF/1988, art. 37, § 4º; CPC, art. 282, § 2º, art. 927, I e III, art. 1.009, art. 1.013; Lei 8.429/1992, arts. 1º, §§ 1º, 2º e 4º, 10, caput e VIII, 11; Lei 14.230/2021; Lei 8.666/1993, art. 13, V e 25, II. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022 (Tema 1.199); STF, RE 656.558/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 25.10.2024 (Tema 309); STF, ARE 803.568 AgR-EDv-ED, Rel. Min. Luiz Fux, Red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 22.08.2023. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à Apelação, nos termos do voto da Relatora. Brasília, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
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