Processo nº 1003831-26.2023.4.01.3506
ID: 275943910
Tribunal: TRF1
Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Formosa-GO
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 1003831-26.2023.4.01.3506
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Formosa-GO Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Formosa-GO SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1003831-26.2023.4.01.3506 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPRO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Formosa-GO Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Formosa-GO SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1003831-26.2023.4.01.3506 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: KARITA JOSEFA MOTA MENDES - GO21391 POLO PASSIVO:WESDEY FELIX FERREIRA SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de ação civil de improbidade administrativa proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF em face de WESDEY FÉLIX FERREIRA, objetivando a condenação do requerido nas cominações previstas no art. 12, caput e incisos I e III, da Lei nº 8.429, pela prática de “ato ímprobo tipificado no art. 9º, caput, e no art. 11, caput, e inciso I, todos da Lei n° 8.429/92, porquanto ele, enquanto empregado público da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (CORREIOS), e no exercício da função de carteiro da unidade CDD Formosa-GO (matricula 8.135.836-9), por 2 (duas) vezes, agindo de forma livre, consciente, voluntária, e valendo-se das facilidades que o cargo de carteiro lhe proporcionava, apropriou-se indevidamente de bens móveis – cartões de crédito –, de particulares, e aproveitando-se disso os desbloqueou e realizou, em proveito próprio, diversas compras em estabelecimentos comerciais de Formosa-GO.” Consoante narrado na inicial, a partir de representação feita pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, que encaminhou cópia do Processo Administrativo nº 53191.001373/2018-00, em que relatava ilícitos praticados pelo empregado público WESDEY FÉLIX FERREIRA, no exercício de sua função de carteiro da unidade CDD Formosa/GO, foram instaurados no âmbito do MPF, o Inquérito Civil nº 1.18.002.000012/2022-48 com o objetivo de apurar os atos de improbidade administrativa correlatos e o Inquérito Policial nº 1003767-50.2022.4.01.3506 destinado à investigação criminal dos mesmos fatos. Afirma o autor, que as investigações levadas a efeito no âmbito dos procedimentos civil, criminal e disciplinar, foram contundentes em revelar que o requerido, carteiro encarregado de fazer a entrega das encomendas registradas sob o número DE820149833BR e DE821323927BR, as quais continham, respectivamente, os cartões de créditos de Israel Santana de Souza e de Miguel Pereira Pinto, apropriou-se dos cartões e das senhas e promoveu várias compras na praça de Formosa/GO. Discorre que, em relação à vítima Israel Santana de Souza, que me junho de 2017, WESDEY FÉLIX FERREIRA em poder do cartão e da senha que o acompanhava, realizou o seu desbloqueio e efetuou inúmeras compras em diversos estabelecimentos da cidade, até o limite de crédito disponibilizado pela instituição financeira, totalizando o valor de R$ 4.286,64 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis reais e sessenta e quatro centavos). Aduz que, dos documentos constantes do IC, extrai-se as seguintes compras efetuadas pelo requerido com o referido cartão: 1 – Hipermercado Extra Brasília, em 29/06/2017, no valor de R$ 447,34; 2 – Cleiton Júnior, em 22/06/2017, no valor de R$ 12,62; 3 – Drogaria saúde genérica, em 03/07/2017, no valor R$ 134,40 (3x R$ 44,80); 4 – Supermercado Econômico, em 03/07/2017, no valor de R$ 15,58; 5 – Drogasil Formosa, em 04/07/2017, no valor de R$ 59,90; 6 – Eletroson Formosa, em 03/07/2017, no valor de R$ 1.830,00; 7 – Rand Affonso, em 04/07/2017, no valor R$ 8,50; 8 – Colcci Formosa, em 04/07/2017, no valor R$ 576,30, 9 – Tô na Onda, em 07/07/2017, no valor de R$ 232,00; 10 – Hidrofer Formosa, em 06/07/2017, no valor R$ 659,00; e 11 – Pepita Presentes, em 05/07/2017, no valor de R$ 220,00 (2x R$ 110,00). Prossegue narrando que o requerido era o carteiro encarregado de fazer a entrega da encomenda registrada sob o número DE820149833BR, que continha o cartão de crédito encaminhado pela Caixa Econômica Federal, bandeira Mastercard, tendo como destinatário Israel Santana de Souza, com endereço em Formosa/GO, o qual não foi entregue ao destinatário pelo motivo de “Destinatário desconhecido”, e também não teve mais saída para a entrega e não sendo mais localizado na unidade dos correios. Outrossim, ouvidos em sede policial, vendedores das lojas de Formosa/GO, onde WESDEY realizou compras utilizando-se dos cartões extraviados dos Correios, confirmaram o uso de cartões terceiros, a exemplo das declarações de Gerley Monteiro Lima, gerente da Hidrofor, o qual confirmou que WESDEY era cliente da empresa, na qual tinha efetuado compra na loja, na data de 06/07/2017, no valor total de R$ 1.059,00, que utilizou dois cartões para efetuar o pagamento, sendo um de Israel Santana, no valor de R$ 659,00, e outro de Miguel Pereira Pinto, no valor de R$ 400,00, informando ainda, em relação à utilização do cartão de Israel, ser seu primo, bem como as declarações de Cirlene dos Santos, funcionária da loja Eletroson, confirmou que WESDEY, usando o uniforme dos Correios e o nome de Israel Santana de Souza, em 03/07/2017, realizou compra na loja e utilizou o cartão de crédito como se fosse o próprio Israel Santana. Alega o MPF que o próprio requerido, ao ser ouvido em sede policial, no dia 23/02/2018, confessou ter utilizado o cartão de crédito de Israel Santana no estabelecimento comercial Hidrofor e que ainda consta dos documentos que instruem os autos, imagem de câmera de segurança da loja Eletroson, a qual registrou a imagem de WESDEY efetuando a compra na loja, no dia 03/07/2017. Adiciona que as declarações prestadas por Ivani Pereira dos Santos, funcionária da Loja Colcci de Formosa/GO, também confirmam que WESDEY, usando o uniforme dos Correios, em 04/07/2017, realizou compra na loja, no valor de R$ 576,30, efetuando o pagamento com cartão de crédito, sendo que a referida testemunha fez o reconhecimento da pessoa de WESDEY. Além disso, segundo o autor, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão no endereço do requerido, no dia 23/02/2018, dentre outros itens, foi encontrado um cupom fiscal da empresa Batista e Nunes Ltda., no valor de R$ 919,00, constando a aquisição de uma bermuda no valor de R$ 344,00, da marca Colcci, em nome de Israel Santana de Souza. Quanto à vítima Miguel Pereira Pinto, afirma o MPF que no mês de julho de 2017, WESDEY FÉLIX FERREIRA também apropriou-se do cartão de crédito emitido para Miguel, realizou o seu desbloqueio e o utilizou no dia 06/07/2017, na Loja Hidrofor, efetuando o pagamento no valor de R$ 400,00, fato este comprovado pelas declarações prestadas por Gerley Monteiro Lima, gerente da Loja Hidrofor, que confirmou que WESDEY era cliente da loja, na qual tinha efetuado uma compra na data de 06/07/2017, no valor total de R$ 1.059,00, e que na oportunidade utilizou dois cartões para efetuar o pagamento, sendo um de Israel Santana, no valor de R$ 659,00, e outro de Miguel Pereira Pinto, no valor de R$ 400,00, sendo que na ocasião o requerido informou ao gerente que Miguel Pereira se tratava de um devedor. Juntou documentos (ID 1882854152 ao ID 1882854167). Despacho ID 1914976694 recebeu a petição inicial e determinou a intimação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT para manifestar eventual interesse na lide. Intimada, a ECT manifestou interesse em ingressar no feito na condição de litisconsorte ativo (ID 1966584663). Citado (ID 2126669968), o requerido não ofereceu contestação, conforme certificado no ID 2133891077. Decisão ID 2143110287 decretou a revelia do réu sem os efeitos mencionados no art. 344 do CPC, e determinou a intimação das partes para especificarem provas. A ECT informou não dispor de outras provas a produzir (ID 2144243747). O MPF, a título de especificação de provas, requereu o compartilhamento das provas produzidas na audiência de instrução e julgamento da Ação Penal nº 1003767-50.2022.4.01.3506 (ID 2146615988). Despacho ID 2161100889 deferiu o compartilhamento das provas orais produzidas na audiência de instrução e julgamento na citada ação penal, as quais foram anexadas aos autos no ID 2161601033 e raízes. Intimadas as partes para manifestação sobre as mídias contendo os depoimentos prestados na ação penal, o MPF requereu o julgamento antecipado da lide (ID 2170417581), e a ECT manifestou concordância com o pedido do parquet (ID 2173308948). Vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, e art. 489, § 1º do CPC. II. FUNDAMENTAÇÃO O feito tramitou regularmente, estando presentes os pressupostos de existência e validade da relação jurídica processual. Não foram arguidas preliminares, tampouco há questões a serem pronunciadas de ofício. Passa-se ao julgamento do mérito. Ao tratar dos atos que configuram a improbidade administrativa, a Lei nº 8.429/92 enquadra-os em três categorias: aqueles que importam em enriquecimento ilícito do agente (art. 9º); os que causam prejuízo ao Erário (art. 10), que não geram, pelo menos necessariamente, benefício patrimonial para o agente público; e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). No caso dos autos, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL atribuiu na inicial (ID 1882750670) a conduta do requerido descrita no art. 9º, caput, e no art. 11, caput, e inciso I, ambos da Lei nº 8.429/92, requerendo a condenação do demandado nas penas previstas no art. 12, caput, e incisos I e III, da LIA, in verbis: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (…) Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (…) III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) No tocante ao sujeito do ato de improbidade, poderá sê-lo o agente público lato sensu, tido como aquele que mantenha vínculo permanente ou transitório com a Administração Pública, bem como a pessoa física ou jurídica que celebre contrato/convênio com a Administração Pública, nos termos do art. 2°, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.429/92. Além disso, também o terceiro não integrante da estrutura administrativa estatal pode sofrer as sanções da Lei de Improbidade, desde que tenha induzido ou concorrido dolosamente para a prática do ato de improbidade, praticado por agente público, conforme art. 3º da LIA. A Lei 14.230/2021 suprimiu a possibilidade de imputação de ato de improbidade administrativa a título de culpa, introduzindo expressamente previsão no sentido de que a caracterização de atos ímprobos pressupõe a comprovação do dolo específico do agente (art. 1º, § 2º, da LIA). Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do tema 1199, firmou entendimento no sentido de que a norma tem aplicabilidade em relação ao atos de improbidade culposos praticados antes de sua edição, porém sem condenação transitada em julgado. Dessa forma, eventual responsabilidade do réu pela prática dos atos imputados na inicial depende da existência de prova apta a caracterizar o elemento subjetivo ora exigido pela norma para fins de responsabilidade por atos de improbidade administrativa, qual seja, o dolo específico do agente (art. 1º, §§ 1º e 2º, da LIA). Além disso, após a reforma, os incisos do art. 11, da Lei nº 8.429/92 deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, tendo sido revogado ainda o inciso I, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Assentadas essas premissas, prossigo ao exame das provas carreadas pelas partes, sob o espectro do artigo 373, I e II, CPC. A condição de empregado público do réu, está comprovada nos autos, uma vez que no período dos fatos apurados na presente ação, no ano de 2017, ele exercia a função de agente de correios junto ao “CDD FORMOSA”, de matrícula nº 81358369, contratado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em 01/10/2012 para a entrega de correspondências (fls. 158/164, ID 1882854152), de modo que exercia atividade típica da Administração Pública, o que o qualifica, portanto, como agente público. Compulsando os documentos que instruem a inicial e as provas orais produzidas na audiência de instrução e julgamento da Ação Penal nº 1003767-50.2022.4.01.3506, anexadas a estes autos, verifica-se a existência de provas suficientes de que o demandado WESDEY FÉLIX FERREIRA, valendo-se da sua condição de empregado público da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (CORREIOS), e no exercício da função de carteiro da unidade CDD Formosa/GO, por 2 (duas) vezes, agindo de forma livre, consciente, voluntária, e valendo-se das facilidades que o cargo lhe proporcionava, apropriou-se indevidamente de cartões de crédito de particulares, e aproveitando-se disso os desbloqueou e realizou, em proveito próprio, diversas compras em estabelecimentos comerciais de Formosa/GO, sendo R$ 4.286,64 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis reais e sessenta e quatro centavos) do cartão do cliente dos Correios Israel Santana de Souza e R$ 400,00 (quatrocentos reais) do cartão do cliente Miguel Pereira Pinto. Destaca-se, em especial, os seguintes documentos: i) Ofício nº 20/2018 – CSEP-GSEP-BSB (fls. 13/14, ID 1882854152); ii) Registro de Atendimento Integrado Nº 3589894 (fls. 42/45, ID 1882854152); iii) Termo de Declarações prestado por Israel Santana de Souza (fls. 46/49, ID 1882854152); iv) Termo de Depoimento de Gerley Monteiro de Lima (fls. 65/66, ID 1882854152); v) Termo de Depoimento de Cirlene Pereira dos Santos (fls. 76/77, ID 1882854152); vi) Termo de Interrogatório de WESDEY em sede policial (fls. 113/115, ID 1882854152); vii) Julgamento Disciplinar nº 26045680 proferido no Processo SEI nº 53191.001373/2018-00, que culminou na aplicação da penalidade de justa causa ao requerido (fls. 252/265, ID 1882854152); e viii) Termo de Exibição e Apreensão (fls. 92/100, ID 1882854153). Em virtude dos fatos descritos na inicial, já tramitou Ação Penal nº 1003767-50.2022.4.01.3506 neste Juízo, movida pelo Ministério Público Federal em face do réu desta ação civil de improbidade administrativa, cuja sentença, transitada em julgado em 15/10/2024, determinou a condenação de WESDEY FÉLIX FERREIRA pelo crime de peculato (art. 312, caput, do Código Penal). Ressalte-se que, por ocasião da sentença criminal (ID 2149344302 dos autos nº 1003767-50.2022.4.01.3506), restou reconhecido neste Juízo, diante dos elementos de prova que instruem a citada ação, os quais são os mesmos da presente ACIA, a responsabilidade de WESDEY FÉLIX FERREIRA pela prática de apropriação de bens - cartões de crédito -, de particulares, e aproveitando-se disso os desbloqueou e realizou, em proveito próprio, diversas compras em estabelecimentos comerciais de Formosa. A propósito, confira-se trecho da sentença prolatada na referida ação criminal: “(…) As provas produzidas ao longo da instrução penal demonstram que o acusado apropriou-se dos referidos bens - cartões de crédito -, de particulares, e aproveitando-se disso os desbloqueou e realizou, em proveito próprio, diversas compras em estabelecimentos comerciais de Formosa. Dentre as atividades desempenhadas pelo mencionado funcionário público, estava a distribuição de correspondências de diferentes naturezas, incluindo eventuais entregas de cartão de crédito aos usuários residentes do bairro Setor Nordeste no Município de Formosa, conforme divisão interna da própria empresa pública. Bairro de residência tanto de Israel Santana de Souza, como de Miguel Pereira Pinto. No caso em tela, o primeiro objeto (DE820149833BR), de postagem da Caixa Econômica Federal em 26/06/2017, destinado a Israel Santana de Souza, teve a sua saída para entrega no dia 28/06/2017, no entanto não foi entregue ao destinatário, tendo o acusado aposto a sua assinatura e o número de matrícula, bem como incluído a observação de destinatário ‘‘desconhecido’’. De forma semelhante, foi a tentativa de entrega do objeto (DE821323927BR), de postagem da Caixa Econômica Federal em 30/06/2017, destinado a Miguel Pereira Pinto, sob a responsabilidade do acusado, que teve sua saída para entrega no dia 04/07/2017, no entanto não foi entregue ao destinatário em razão de ‘‘logradouro com numeração irregular’’. Durante este período, final de junho e começo de julho de 2017, foram realizadas diversas compras em diferentes estabelecimentos comerciais no Município de Formosa, a mencionar Loja Eletrosom e Loja Colcci, quando os destinatários ainda nem sequer haviam recebido os respectivos cartões de crédito. Há imagens capturadas pelas câmeras de segurança da loja Eletrosom que demonstram o acusado efetuando o pagamento da compra no dia 03/07/2017. A utilização conjunta dos cartões das vítimas Israel Santana de Souza e Miguel Pereira Pinto foi verificada na empresa Hidrofer de Formosa/GO. Restou comprovada a realização de uma compra no valor de R$ 1.059,00 no dia 06/07/2017, sendo o valor dividido em dois cartões: o primeiro pagamento de R$ 400,00 (quatrocentos reais) no cartão de titularidade de Miguel Pereira Pinto e outra transação subsequente no valor de R$ 659,00 (seiscentos e cinquenta e nove reais), em nome de Israel Santana de Souza. Além das notas fiscais juntadas aos autos, o gerente da loja informou que reconheceu o acusado como autor da compra. No que tange as entregas, cabe mencionar que, aproximadamente um mês após o extravio do objeto destinado a Israel Santana de Souza (DE820149833BR), o acusado entregou com sucesso a este destinatário outra correspondência (DE827108073BR), dirigida ao mesmo endereço, em 25/07/2017, conforme Ofício dos Correios nº 20/2018 - CSEP-GSEP-BSB (fls. 105/106, Id. 1435328267). Tais circunstâncias demonstram a ilicitude da conduta do réu em apor dados falsos na lista de objetos entregues para ocultar a ausência da efetiva entrega de encomendas, objetivando o extravio das mercadorias. Ressalta-se ainda a apreensão de uma nota fiscal em posse do réu em nome de Israel Santana, durante mandado de busca e apreensão realizado no dia 23/02/2018, na residência do denunciado localizada na Rua 10, nº 366, Setor Nordeste, Formosa/GO (fls. 77/88, Id.1435328267). Veja que o acusado detinha conhecimento acerca das normas e procedimentos de entrega das correspondências, contratado pela empresa pública há mais de 04 anos, havendo elementos suficientes nos autos que provam a sua autoria e o dolo para além de qualquer dúvida razoável. Sua culpabilidade também resta comprovada, pois à época do fato era sujeito imputável, tinha possibilidade de saber que seu comportamento era proibido pelo ordenamento jurídico, e, ainda, nas circunstâncias em que agiu, poderia ter agido de modo diferente, ou seja, conforme o direito. Portanto, é inafastável a conclusão de ter o acusado agido voluntariamente e de forma consciente à realização do tipo penal previsto no art. 312, caput, c/c art. 327, §1º, sendo-lhe imputável as sanções daí decorrentes. III. DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal veiculada na denúncia Id. 1605859866 para CONDENAR o acusado WESDEY FÉLIX FERREIRA pela prática do crime previsto no art. 312, caput, c/c art. 327, §1º, na forma do art. 71, todos do Código Penal. (…)” A prova testemunhal produzida nos autos da citada ação penal, admitida como prova emprestada nos presentes autos, da mesma forma, corrobora os ilícitos. A testemunha de acusação Francisco de Assis Martins de Souza, ex-funcionário dos Correios que saneou o Processo Administrativo nº 53191.001373/2018-00, narrou que houve os desvios das correspondências que continham os cartões de créditos, sendo que a responsabilidade pelas entregas dos referidos cartões era de WESDEY, conforme informações obtidas nos sistemas informatizados da ECT (IDs 2161607281, 2161607167, 2161606981 e 2161606829). A testemunha Cirlene Pereira dos Santos, então funcionária da empresa Eletroson, confirmou que o réu, usando o uniforme dos Correios, efetuou compras na loja e pagou com cartão de crédito como sendo o próprio Israel Santana de Souza (IDs 2161606426 e 2161606124). A vítima Miguel Pereira Pinto também confirmou que houve o extravio e o uso do seu cartão de crédito, o qual a Caixa Econômica Federal tinha encaminhado (IDs 2161606124 e 2161605978). Nesse contexto, concludentemente o requerido, WESDEY FÉLIX FERREIRA, valendo-se do cargo que ocupava na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, e no exercício da função de carteiro da unidade CDD Formosa/GO, agindo de forma livre, consciente, voluntária, e valendo-se das facilidades que o cargo lhe proporcionava, apropriou-se indevidamente de cartões de crédito de particulares, e aproveitando-se disso os desbloqueou e realizou, em proveito próprio, diversas compras em estabelecimentos comerciais de Formosa/GO, sendo R$ 4.286,64 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis reais e sessenta e quatro centavos) do cartão do cliente dos Correios Israel Santana de Souza e R$ 400,00 (quatrocentos reais) do cartão do cliente Miguel Pereira Pinto, condutas estas que importa em enriquecimento ilícito, tipificadas no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92. Consigno, por oportuno, que a atuação do réu não foi meramente voluntária, sendo possível aferir, a partir dos elementos de prova trazidos aos autos, pela presença do dolo específico exigido pela norma para a responsabilidade pela prática do ato, consistente na vontade livre de alcançar o resultado ilícito, e na percepção das vantagens patrimoniais indevidas decorrentes da utilização, em proveito próprio, de cartões de crédito de clientes dos Correios, realizando diversas compras no comércio local, no período de junho a julho de 2017 (art. 1º, § 2º, da LIA). A prova colhida durante a instrução, aliada aos documentos constante do inquérito policial, à prova testemunhal produzida nos autos da ação penal n° 1003767-50.2022.4.01.3506 e acolhida como emprestada nestes autos, e a documentação constante do inquérito civil que antecedeu ao ajuizamento da demanda, é conclusiva quanto à presença do elemento subjetivo doloso, capaz de caracterizar o ato como de improbidade administrativa. No tocante à imputação da conduta ímproba descrita no tipo do art. 11 da Lei nº 8.429/92, conforme a alteração promovida pela Lei nº 14.230/21, alguns incisos foram revogados (I, II, IX e X), e os incisos que restaram do referido artigo deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal, não subsistindo apenas o caput do referido artigo. Ressalve-se que a referida norma se aplica ao caso dos autos, eis que atinge as ações em curso conforme já fundamentado acima. Nesta mesma linha de raciocínio é o seguinte precedente do TRF da 1ª Região: PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ROL TAXATIVO. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. 2. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa por beneficiar o réu. 3. Considerando que a partir da vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada ao ora apelado deixou de ser típica, deve ser mantida a sentença absolutória. 4. Apelação não provida. (TRF1, AC 1003874-26.2020.4.01.4004, Desembargador Federal Ney Bello, Juiz Federal Marllon Sousa (Conv.), Terceira Turma, PJe 09/08/2022). Assim, o pedido de condenação do réu, nas penalidades do artigo 11, caput e inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser rejeitado, porquanto o inciso I, da Lei nº 8.429/92 foi revogado conforme alteração promovida pela Lei nº 14.230/21, e o caput do referido artigo não subsiste sem que se aponte qual das condutas listadas nos incisos foi praticada pelo agente ímprobo. Concluo, pois, que o réu WESDEY FÉLIX FERREIRA praticou atos de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito previstos no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, incorrendo nas penalidades previstas art. 12, inciso I, do mesmo diploma legal. Aplicação das sanções decorrentes da Lei 8.429/92 A legislação do caput do art. 12 da Lei 8.429/92 possibilita a aplicação das sanções de forma isolada ou cumulativa, considerando a gravidade do fato. Assim, é possível a aplicação parcial das penalidades previstas na LIA, quando, no caso concreto, verificar-se a desproporcionalidade entre a gravidade do ato praticado e as sanções referidas. Considerados os vetores constantes no art. 17-C da Lei 8.429/92, tenho por adequada a condenação do réu WESDEY ao ressarcimento do dano patrimonial causado, equivalente a R$ 4.286,64 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis reais e sessenta e quatro centavos), relativo ao valor utilizado do cartão do cliente dos Correios Israel Santana de Souza e a R$ 400,00 (quatrocentos reais) do cartão do cliente Miguel Pereira Pinto, tomando por base a relação anexada à inicial (fls. 46/49 e fls. 65/66, ID 1882854152). O valor deverá ser liquidado em sede de cumprimento de sentença, ocasião em que os Correios para ter direito à reparação dos danos, terá que provar nos autos, que efetivamente indenizou os clientes vítimas dos eventos ilícitos. Quanto à multa civil, a sanção possui efeito pedagógico e, dessa forma, deve ser aplicada. Ademais, a multa deve atentar para a realidade econômica do réu, sob pena de não ter nenhuma efetividade. Uma multa em valor muito além das condições econômicas do réu não será paga, transformando-se, ao final, em dívida de valor (inscrição em dívida ativa), sujeita à prescrição. Tendo em conta a gravidade da conduta, proporcionalidade e a condição econômica do réu (sem renda declarada), mostra-se suficiente a fixação da multa no valor do dano patrimonial produzido (R$ 4.686,64). Deixo de aplicar a pena de perda do cargo/função pública, uma vez que o réu WESDEY já foi punido, pelos mesmos fatos, com a pena de dispensa por justa causa na esfera administrativa (processo SEI nº 53191.001373/2018-00, fls. 252/265, ID 1882854152), bem como pela sentença penal condenatória já transitada em julgado (ação penal nº 1003767-50.2022.4.01.3506). Deixo de aplicar a pena de suspensão dos direitos políticos. A conduta do réu não teve motivação política, nem se desenvolveu no contexto de exercício de mandato eletivo, mas no exercício de emprego público, do qual já foi determinado o afastamento definitivo. No que concerne à proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, creio que a pena deve ser imposta ao demandado, pelo prazo de 5 (cinco) anos, uma vez que suas atitudes demonstraram sua inidoneidade para pactuar com o Estado. Embora o art. 18 da Lei 8.429/92 não se refira especificamente à multa, tenho que o ato de improbidade atinge, precipuamente, os interesses da pessoa jurídica em que eram desempenhadas as funções pelo agente público, razão pela qual a multa aplicada deve reverter em seu benefício. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na presente ação civil de improbidade administrativa, resolvendo o mérito conforme artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar WESDEY FÉLIX FERREIRA, qualificado na inicial, pela prática do ato de improbidade administrativa descrito no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, nos termos do artigo 12, I, do mesmo diploma legal, às penas de ressarcimento do dano patrimonial causado, equivalente a R$ 4.686,64 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis reais e sessenta e quatro centavos), de multa civil fixada no valor do dano produzido, correspondente a R$ 4.686,64 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis reais e sessenta e quatro centavos) e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, creio que a pena deve ser imposta ao demandado, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os valores de condenação a título de ressarcimento do dano patrimonial causado e de multa deverão ser devidamente atualizados em consonância com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, quando do cumprimento do julgado, e revertidos em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (art. 18 da LIA), observando que, para ter direito à reparação dos danos, deverá a ECT provar nos autos, que efetivamente indenizou os clientes vítimas dos eventos ilícitos. Ressalta-se que poderá ser compensado eventual ressarcimento do prejuízo nas searas administrativas ou criminal. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85. Não haverá remessa necessária (art. 17-C, § 3º, Lei nº 8.429/92). Transitada em julgado, arquivem-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Formosa/GO, data e assinatura eletrônicas. GABRIEL JOSÉ QUEIROZ NETO Juiz Federal
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