Processo nº 1001047-18.2019.4.01.3603
ID: 325492318
Tribunal: TRF1
Órgão: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 1001047-18.2019.4.01.3603
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLOS EDUARDO FURIM
OAB/MT XXXXXX
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LUIZ CARLOS MOREIRA DE NEGREIRO
OAB/SP XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT Avenida Alexandre Ferronato, nº 2082, R-38, CEP: 78.557-267, Sinop/MT - Fone (66) 3901-1250 - e-mai…
JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT Avenida Alexandre Ferronato, nº 2082, R-38, CEP: 78.557-267, Sinop/MT - Fone (66) 3901-1250 - e-mail: 01vara.sno.mt@trf1.jus.br Sentença Tipo A PROCESSO Nº: 1001047-18.2019.4.01.3603 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) AUTOR: Ministério Público Federal (Procuradoria) REU: RAIMUNDO NONATO TORRES MACHADO, CLAUDIO ROBERTO PAVIANI Advogado do(a) REU: CARLOS EDUARDO FURIM - MT6543/O Advogado do(a) REU: LUIZ CARLOS MOREIRA DE NEGREIRO - SP86518 SENTENÇA 1.RELATÓRIO Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Raimundo Nonato Torres Machado imputando-lhe a prática de ato de improbidade administrativa. A ação foi inicialmente ajuizada também contra Cláudio Roberto Paviani. Em suma, na petição inicial foi descrito que, nos 02/03 de março, 12/13 de abril, 20/21 de julho, 10 de agosto, 28/29 de dezembro de 2017, e 15/16 de fevereiro de 2018, Raimundo Nonato Torres Machado, este Técnico Ambiental vinculado ao IBAMA, utilizou atestados odontológicos falsos para justificar sua ausência no trabalho. O Parquet federal pleiteou a decretação da indisponibilidade de tantos bens dos réus quanto bastem para a garantia do pagamento integral do prejuízo ao erário e da multa civil, esta fixada em três vezes o montante do valor do acréscimo patrimonial, no montante total de R$ 9.484,56. Enquadrou os atos dos requeridos como incidentes na previsão do art. 9º, 10 e 11, todos da Lei nº 8.429/92. A inicial veio instruída com cópia do Inquérito Policial n. 0025/2018 instaurado na Delegacia de Polícia Federal em Sinop/MT. O réu Cláudio Roberto Paviani (ID 49924574) apresentou defesa após ser notificado, na qual não suscitou qualquer preliminar. Por sua vez, o réu Raimundo Nonato Torres Machado interpôs agravo de instrumento em face da decisão que determinou a contestação dos réus, sob o argumento de que deveria ter sido inicialmente oportunizada a defesa preliminar (ID 53680973. Entretanto, não há comprovação de que o recurso fora protocolizado no juízo ad quem. Na decisão ID 78075053 fora reconhecido o erro material e determinada a notificação de Raimundo Nonato, o qual deixou o prazo transcorrer in albis. A inicial foi recebida por meio da decisão 107319370. O pedido de indisponibilidade foi indeferido na ocasião, tendo o Ministério Público Federal interposto agravo de instrumento (232175382). O IBAMA informou não ter interesse em ingressar na lide (247151847). O TRF da 1ª Região concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra a decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória (doc. 107319370), pelo que foi determinada a indisponibilidade de bens do réu (327846364). A defesa de Cláudio Roberto Paviani apresentou contestação no evento 339088890. O réu Raimundo Nonato Torres Machado apresentou contestação no evento 339916402. O Ministério Público Federal apresentou impugnação no evento 398304883, tendo requerido a suspensão do processo para formular acordo de não persecução civil. Em seguida, o Parquet peticionou requerendo a homologação de acordo de não persecução civil firmado com o réu Cláudio (442696913). Na sequência, foi determinada a intimação do IBAMA para manifestação (946413820), tendo a autarquia concordado com o acordo e requerido o prosseguimento do feito contra Raimundo Nonato Torres (954593184). A defesa de Raimundo peticionou informando que o réu foi absolvido na esfera civil e administrativa (1110668291 e 1225371763). Requereu, assim, a liberação do dinheiro bloqueado via SISBAJUD (1254234262). Intimado para se manifestar, o Ministério Público Federal alegou que o julgamento na esfera penal só vincula a civil quando reconhece a inexistência do crime (1309873790). Sobreveio decisão de homologação do ANPP firmado por Cláudio Roberto Paviani (1330400764). Na mesma decisão, consignou-se que o MPF não havia recorrido da sentença da ação penal 0005314-84.2018.4.01.3603, indicando sua concordância. Intimado para se manifestar, o Ministério Público Federal reiterou a independência das instâncias civil e penal e requereu a produção de provas (1388479251). A prova testemunhal foi deferida por meio da decisão 2151892592. A prova testemunhal foi colhida nos eventos 2162573532 e 2163571811. O réu Raimundo Nonato Torres Machado requereu a juntada de depoimentos colhidos na ação penal (2163156906). O Ministério Público Federal apresentou alegações finais no evento 2177246064. O IBAMA apresentou alegações finais no evento 2177426943. A defesa não apresentou alegações finais. É o relatório. Decido. 2.FUNDAMENTAÇÃO Dado que não há preliminares ou questões processuais pendentes para analisar, passo ao julgamento do mérito Cinge-se a controvérsia, a saber, se ocorreram as irregularidades apontadas na petição inicial e se elas caracterizam ato doloso de improbidade administrativa. A Lei 14.230/2021 realizou profunda alteração na Lei de Improbidade, promovendo modificações nos prazos prescricionais, penas aplicáveis e na tipificação, por assim dizer, dos atos ímprobos, extirpando da lei a possibilidade de penalização pela prática de ato culposo. Quanto a esse aspecto, o Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento do ARE 843989 em sede de repercussão geral, fixou teses a respeito das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa, tendo consolidado o entendimento de que o novo regime prescricional é irretroativo e que a revogação da modalidade culposa se aplica a fatos anteriores objeto de processos ainda em curso, conforme a seguir transcrito: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente. 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Cumpre destacar que, de acordo com os ensinamentos de Fábio Medina Osório, as sanções da Lei de Improbidade administrativa, dada a sua gravidade, não foram direcionadas a toda e qualquer irregularidade praticada pelo agente público, mas somente àquelas ações que tenham maior reprovabilidade e que mereçam, por conseguinte, a aplicação das pesadas sanções cominadas no referido diploma legal. O objetivo é, em verdade, punir os atos de corrupção, desonestidade, má-fé, não raras vezes praticados em prejuízo do interesse público. Deste modo, ainda de acordo com o referido autor, apenas a conduta dolosa, dotada de má-fé, é que se incluem no campo de incidência da Lei de Improbidade Administrativa, ficando para a esfera do ressarcimento civil a solução das irregularidades cometidas pelos agentes públicos que não se amoldem às características do ato ímprobo. (Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. 2.ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010). Com efeito, a demanda por ato de improbidade certamente não é uma demanda qualquer. Quem responde por ato de improbidade fica, desde logo, gravado com um estigma: o estigma da malversação do dinheiro público, da prática de ato de corrupção e assim por diante. Por isso tal demanda não é direcionada para irregularidades formais praticadas no âmbito do serviço público, à má-gestão, à desorganização administrativa ou à inaptidão funcional, o que fica mais evidente quando se observam as sanções previstas na Lei n. 8.429/92, como dito, dando a entender que, certamente, a intenção foi punir condutas verdadeiramente revestidas de corrupção. No voto exarado por Alexandre de Moraes no ARE 843989 / PR, por meio do qual foi definido o Tema 1.199, fica claro que a Lei de Improbidade não se destinar a punir a simples ilegalidade, mas sim a “ilegalidade qualificada pela prática ou voltada à prática de corrupção”: Há grande necessidade, realmente - e a jurisprudência vem evoluindo nesse sentido -, de sempre diferenciar a ilegalidade, que deve ser combatida, obviamente, da ilegalidade qualificada pela prática ou voltada à prática de corrupção, que é a improbidade administrativa. Exemplo clássico: se toda ilegalidade for considerada uma impropriedade, todo mandado de segurança julgado procedente deve virar ação de improbidade porque aquele ato feriu algum princípio. [...] Essa inovação constitucional de 1988, em permitir tratamentos sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral e os atos de improbidade administrativa, inclusive com a normatização em parágrafos diversos, decorreu da necessidade de se punir mais severamente a ilegalidade qualificada, ou seja, a Constituição comandou ao Congresso Nacional a edição de lei que não punisse a mera ilegalidade, mas sim a conduta ilegal ou imoral do agente público voltada para a corrupção, e de todo aquele que o auxilie, no intuito de prevenir a corrosão da máquina burocrática do Estado e evitar o perigo de uma administração corrupta caracterizada pelo descrédito e pela ineficiência. [...] Essa premissa é importante por não permitir qualquer hipótese em que o autor da ação aponte genericamente condutas de agente público ou dos demais réus sem a imputação do necessário elemento subjetivo do tipo e sem qualquer indicação que mostrasse a intenção de praticar ato de corrupção, caracterizando a acusação tão somente responsabilidade objetiva do réu, por exercer determinado cargo ou função pública, pois, como ressaltado pelo Ministro TEORI ZAVASCKI, quando no SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade” (RESP 827.455/SP, Red. p/ acórdão Min. TEORI ZAVASCKI). Cabe consignar, ainda, que o ônus da prova da existência dos elementos do ato ímprobo é da parte autora, por efeito do princípio da presunção de inocência. De acordo com Teori Albino Zavascki, “no campo do processo, a consequência principal decorrente da adoção desse princípio é a de impor ao autor da ação todo o ônus da prova dos fatos configuradores do ilícito imputado, com todos os seus elementos, inclusive os relativos ao aspecto subjetivo da conduta (dolo ou culpa, conforme o caso), que, por isso mesmo, devem estar adequadamente descritos na petição inicial.” (TEORI ALBINO, Zavascki. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 110). Nesse sentido, o seguinte precedente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESTAÇÃO DE CONTAS À JUSTIÇA ELEITORAL. ALEGADA MALVERSAÇÃO DE RECURSOS REPASSADOS A PARTIDO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Em sede de ação de improbidade administrativa, é do autor o ônus da prova quanto aos fatos imputados aos réus na petição inicial, de modo que a comprovação de eventual dano e a própria responsabilidade de seus causadores incumbe a quem alega (Precedentes desta Corte e do STJ). 2. Evidenciada a ausência de prova em relação às condutas ímprobas atribuídas aos réus, a manutenção da sentença de improcedência dos pedidos é medida que se impõe. 3. Apelação não provida. (TRF-1 - AC: 00186588120124013300, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES, Data de Julgamento: 12/02/2020, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 21/02/2020) Na ação penal 0005314-84.2018.4.01.3603, o réu RAIMUNDO NONATO TORRES MACHADO foi processado pelos mesmos fatos objeto da presente ação civil pública. Praticamente as mesmas provas que instruíram a inicial da ação civil pública também foram utilizadas na instrução inicial da ação penal, pois ambas as ações se basearam nos elementos colhidos no inquérito policial. E, com base nesses elementos e na oitiva das testemunhas em audiência, o juízo criminal concluiu que o réu era inocente e que não havia provas capazes de convencer que os atestados continham informação falsa. A questão central não se restringia a verificar se os atendimentos odontológicos ocorreram de forma presencial nas datas dos atestados (este foi o foco da investigação), mas se o réu estava com o quadro de saúde debilitado a ponto de necessitar dos atestados, sendo nada relevante se os documentos foram emitidos presencialmente ou não. O que importava é se o fato descrito no atestado era verdadeiro, ou seja, se o réu precisava realmente do afastamento. Sob essa perspectiva, o juízo criminal concluiu que as provas indicavam que o réu apresentava quadro de saúde delicado, em virtude de doença do coração, diabetes, e que o procedimento odontológico pelo qual passou era bastante complexo. Ponderou-se que o réu ficou por longos períodos afastado do trabalho na época dos fatos em virtude de seu quadro de saúde e que foi submetido a várias perícias no IBAMA para verificar a veracidade de seus atestados, incluindo aqueles objeto desta ação, tais como os referentes a 20/21 de julho e 10 de agosto de 2017. Em todas as perícias realizadas pelo setor interno do IBAMA, a veracidade dos atestados foi confirmada. Dada a profundidade do exame das provas feitos na esfera penal, transcrevo aqui os fundamentos para fazerem parte desta sentença: “2.2. Do mérito No mérito, a pretensão punitiva é improcedente. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL imputou ao réu RAIMUNDO NONATO TORRES a prática, por seis vezes, do crime de uso de documento particular ideologicamente falsificado, tendo em vista que este, na qualidade servidor público federal lotado na unidade do IBAMA em Sinop/MT, de forma voluntária e consciente, apresentou 6 (seis) atestados odontológicos ideologicamente falsos para justificar ausência no serviço nos dias 02 e 03 de março, 12 e 13 de abril, 20 e 21 de julho, 10 de agosto, 28 e 29 de dezembro, todos de 2017, e 15 e 16 de fevereiro de 2018, atestados estes confeccionados pelo correu Cláudio Roberto Paviani, destacando que, coincidentemente, todos os dias de afastamentos eram próximos a datas favoráveis ao denunciado, como feriados, finais de semana e períodos de férias. 2.2.1. Da materialidade e autoria delitiva Destaco, de início, que o réu e sua DEFESA em nenhum momento se insurgem no tocante ao efetivo uso dos atestados odontológicos mencionados na denúncia, havendo também nos autos prova robusta de que estes foram, de fato, apresentados pelo referido servidor ao IBAMA. O réu e sua DEFESA, entretanto, contestam veementemente a falsidade ideológica dos indigitados atestados odontológicos, afirmando que o quadro clínico do réu correspondia à necessidade de afastamento do trabalho, exatamente como chancelado pelos atestados emitidos pelo correu Cláudio Roberto Paviani. Em vista disso, a instrução processual recaiu primordialmente sobre a materialidade delitiva, motivo pelo qual passo à sua apreciação de forma mais detida. Toda a investigação teve início a partir de um comunicado, via e-mail, que o então Gerente Executivo do Ibama em Sinop/MT, o Sr. Felipe Seino dos Santos, encaminhou à Polícia Federal em Sinop/MT, relatando circunstâncias que colocavam sob suspeita de falsidade de 05 (cinco) atestados odontológicos emitidos pelo odontologista Cláudio Roberto Paviani (CRO n.° 977), com atendimentos realizados na Clínica Odontológica Integrada (COI), situada na Rua das Avencas, 1540, Centro, Sinop/MT (fls. 11/24 do ID nº 221384866). A Polícia Federal, como primeira diligência investigativa, dirigiu-se até a referida clínica odontológica para apurar se, de fato, no dia mencionado no atestado supostamente falso, que deu origem à investigação (atestado emitido em 28/12/2017), o réu RAIMUNDO NONATO TORRES MACHADO havia sido atendido naquele local. Concluiu que “Na relação de pacientes da semana do dia 25/12/2017 a 30/12/2018 não consta o nome de RAIMUNDO NONATO TORRES MACHADO (fls. 27/28 do ID nº 221384866).” Posteriormente, o mesmo Gerente Executivo do Ibama encaminhou para a Polícia Federal outros atestados médicos e odontológicos apresentados pelo réu RAIMUNDO, sobre os quais também pairariam indícios de falsidade (fls. 35/42 do ID nº 221384866). Após deferimento de medida cautelar de busca e apreensão por este juízo, atendendo a pedido da Polícia Federal, logrou-se apreender farta prova documental que se encontrava na Clínica Odontológica Integrada (COI), a exemplo de lista de agendamentos, prontuários de paciente, atestados odontológicos, entre outros (fls. 02/34 do ID nº 221384864). Em seguida, a Polícia Federal interrogou odontologista Cláudio Roberto Paviani, que disse o seguinte (fls. 54/55 do ID nº 221384866): “QUE é dentista em Sinop/MT há 34 anos, atendendo na Rua das Avencas, n° 1540, Centro; QUE RAIMUNDO NONATO TORRES MACHADO é paciente do declarante há cerca de 05 anos e, desde próximo a maio de 2017, realizou complexo tratamento de implantes dentários, sendo necessário inclusive acompanhamento hospitalar; QUE, em razão da complexidade do tratamento e da dificuldade de adaptação dos pacientes em geral, o paciente foi orientado a evitar situações de estresse que poderiam implicar em apertamento dental, que gerariam cargas excessivas nos dentes objeto de tratamento; QUE RAIMUNDO NONATO informou ao declarante que o serviço dele no IBAMA era muito estressante e, em razão disso, o declarante se dispôs a fornecer atestados odontológicos para que o paciente pudesse se ausentar do serviço quando necessário; QUE esses atestados eram emitidos sempre visando a qualidade do tratamento e o bem-estar do paciente; QUE muitas vezes o paciente RAIMUNDO NONATO entrava em contato ou passava diretamente na clínica queixando-se de dificuldades na adaptação do implante, sendo atendido mesmo sem anotações na agenda de atendimento; QUE, acreditando na boa-fé do paciente, sempre confiou nas alegações dele; QUE, algumas vezes, mesmo sem consultar o paciente, emitia atestados odontológicos, visto conhecer o quadro clínico dele e a complexidade do tratamento; QUE nunca teve motivos para suspeitar da utilização indevida desses atestados perante o IBAMA; QUE, em relação ao atestado emitido em 01/03/2018, que solicita a dispensa de RAIMUNDO NONATO nos dias 15 e 16/02/2018, informa que o documento realmente foi emitido em 01/03/2018, atendendo a pedido do paciente, que declarou não ter ido trabalhar nesses dias em razão de transtornos decorrentes do tratamento; QUE, em relação aos demais atestados arrecadados em seu consultório por equipe de policiais federais, informou que toda vez que um atestado médico era digitado de forma errada no sistema, continuava, mesmo não sendo entregue ao paciente; QUE o paciente ainda continua em tratamento com o declarante”. Destaquei Na sequência, a Polícia Federal analisou todo o material probatório coletado até então, em especial no momento da busca e apreensão, procedendo detida análise de todos os atestados odontológicos apresentados pelo réu RAIMUNDO, concluindo o seguinte: “Considerando o bojo de todas as informações constantes no Inquérito Policial 25/2018, bem como a análise de todo material apreendido em mandado de busca e apreensão, verificam-se diversos pontos que causam estranheza. Os atestados apresentados por Raimundo e juntados ao bojo do inquérito, de fato, coincidem que quase suas totalidades com datas de interesse do servidor do IBAMA, ora por serem próximas a feriados, ora por serem próximas ao período de férias dele. Embora esses aspectos tenham ensejado a suspeita do IBAMA em relação a veracidade dos atestados ou de se as consultas de fatos estariam sendo efetivamente realizadas, até então nada havia de concreto que desabonasse tais condutas,- tanto do servidor do IBAMA, senhor Raimundo Nonato Torres Machado, como de seu dentista, senhor Cláudio Roberto Paviani, contudo, os indícios de fraude começaram a se concretizar no dia em que equipe dessa descentralizada compareceu ao consultório de Cláudio para verificar suposta consulta realizada em 28/12/2017 e não a encontrou na agenda de horários agendados. Assim, alguns aspectos já citados acima merecem novamente atenção: a) 03 (três) atestados emitidos ‘à mão’ por Cláudio. Tais consultas não constam na agenda desse profissional e nem registradas no histórico de laudos da plataforma de controle utilizada por ele. Embora fatores diversos possam levar o profissional a fazer os atestados dessa forma, como queda de energia ou algo do tipo, é pouco provável que isso tenha ocorrido 03 (três) vezes consecutivas, sendo elas 12/04/2017, 20/07/2017 e 10/08/2017, sendo a primeira antes do feriado da Paixão de Cristo e a segunda antes do início de férias do servidor. Considerando ainda que tais atestados foram feitos em meio ao período que Cláudio já utilizava a plataforma informatizada em questão, não houve justificativas para serem feitas dessa maneira. Além do mais, a boa prática profissional exigiria que Cláudio as lançassem posteriormente no sistema, entretanto, isso nunca ocorreu; b) O sistema de controle de agendamentos utilizados por Cláudio mostram 26 (vinte e seis) consultas agendadas mas apenas 03 (três) confirmadas e, mesmo estas, anotadas de maneira suspeita, como consulta com duração de 1 minuto, por exemplo. Decerto, o mero agendamento não gera por si só a garantia de que o paciente irá comparecer no horário agendado ou mesmo que compareça, pode o odontólogo esquecer de lançar tal ocorrência no sistema, todavia, parece forçoso crer que Cláudio tenha esquecido ao menos, 23 (vinte e três) vezes de efetuar esse lançamento e pior, praticamente nenhum dos atestados elaborados, tantos os apresentados ao IBAMA como os que constam em histórico de laudos gerados no sistema, ‘batem’ com os horários das consultadas agendadas; c) No controle de emissões de laudos utilizados por Cláudio, foram encontradas 18 (dezoito) criações, restando ao menos 07 (sete) após ‘filtragem’ feita neste relatório. Para cada atestado que Cláudio criava, ele chegava a salvar o arquivo e somente após certo tempo, ele tentava alterar algo mas, como o programa não permitia, ela tinha que criar outro. O que pode se observar é que para cada consulta a que tais atestados faziam referência, Cláudio emitida diversos laudos, ora alterando o número de dias de afastamento laboral de Raimundo, ora alterando dia/hora de consulta, como se fossem testes até se chegar ao ‘melhor’ laudo. Claro que erros podem ser cometidos e ensejam correções, porém, Cláudio chegava a salvar os arquivos e após isso, as vezes dias, tentar fazer as alterações. Assim como já citado em item anterior, parece forçoso também crer que tivesse que é normal criar tantos atestados para um número reduzido de consultas até se chegar ao ‘melhor laudo’ possível. Isso fica ainda mais evidente quando se comparada as datas das dispensas com a da agenda de Cláudio, que não combinam, isso sem olvidar o fato de que alguns laudos foram elaborados com data retroativa superior ao período de ano ou mesmo com datas futuras de mais de 6 dias. Dessa maneira, analisando o conjunto de todo material obtido, há fortes indícios do que tais consultas odontológicas nunca tenham ocorrido e que o odontólogo Cláudio Roberto Paviani, ao emitir diversos atestados odontológicos referentes a essas consultar, concorreu ilicitamente para que Raimundo Nonato Torres Machado os utilizassem de maneira indevida, obtendo dispensas laborais em datas que lhe eram de interesse pessoal, sem prejuízo de eventuais infrações previstas no Código de Ética Odontológica.” Grifei e destaquei Portanto, o cruzamento de dados feito na análise da Polícia Federal apontava firmemente no sentido da falsidade ideológica dos atestados odontológicos emitidos por Cláudio Roberto Paviani em favor do réu RAIMUNDO nos períodos indicados na denúncia, conclusão ancorada sobretudo nos indícios de que as consultas odontológicas nunca ocorreram de fato. Interrogado em sede policial, o réu RAIMUNDO destacou a fragilidade o seu quadro de saúde, a complexidade do tratamento dentário a que se submeteu e a higidez dos atestados odontológicos, pois correspondiam à verdade. Eis o que disse: “QUE exerce o cargo de técnico ambiental há 34 anos, estando lotado na Gerência Executiva do IBAMA em Sinop/MT há 17 anos; QUE, após ser informado sobre os fatos investigados, declarou que possui problemas de relacionamento e se sente perseguido pelo ex-Gerente da Unidade FELIPE SEINO DOS SANTOS; QUE, por volta de Novembro de 2017, esteve em consulta médica com o cardiologista Dr. HUGO, mesmo médico que atende FELIPE; QUE, ao chegar na unidade, FELIPE exigiu a apresentação do atestado referente a essa consulta, momento em que o declarante questionou a FELIPE se ele também havia entregue um atestado; QUE, desde essa ocasião, FELIPE passou a perseguir o declarante e a controlar especialmente a sua folha ponto e os seus afastamentos; QUE, em relação aos atestados emitidos pelo odontologista CLÁUDIO ROBERTO PAVIANI, informa que faz longo e difícil tratamento de implantes dentários com o profissional e que, sempre que apresentou algum atestado, era porque realmente não tinha condições de trabalhar em razão de decorrências do tratamento; QUE, muitas vezes, em razão da especialidade do tratamento, quando não estava em condições de trabalhar, entrava em contato com o Dr. CLÁUDIO que emitia o atestado para o declarante; QUE Dr. CLÁUDIO sempre emitiu atestados para o declarante por conhecer o seu histórico clínico e ser responsável pelo tratamento; QUE acredita que os atestados odontológicos são verdadeiros; QUE, em razão de normas do Serviço Público Federal, sempre que apresenta um atestado médico ou odontológico é submetido a urna junta médica pericial; QUE, sempre que o IBAMA solicitou, compareceu na junta médica, tendo os seus atestados médicos homologados.” Destaquei De fato, restou comprovado nos autos que o quadro de saúde do réu RAIMUNDO não era dos melhores antes, durante e depois dos fatos objeto da presente ação penal, sendo prova disso os diversos afastamentos para tratamento de saúde confirmados em perícia médica do Subsistema Integrado de Atenção à saúde do Servidor-SIASS do IBAMA. Nesse sentido, tem-se os Laudos Médicos do SIASS confirmando a necessidade de licença para tratamento de saúde por 53 (cinquenta e três) dias, no período entre 24/04/2017 a 15/06/2017, além de outros 03 dias no período de 04 a 06 de outubro de 2017. Embora nenhum dos atestados odontológicos objeto da presente ação penal refira-se a esses períodos, a menção a este é fato é digna de nota porque insere a análise da veracidade das informações inseridas nos atestados supostamente falsos em um quadro maior referente à saúde do réu RAIMUNDO (fls. 108 do ID nº 221384866). Os documentos de fls. 175/219 do ID nº 221384866 também demonstram que o quadro clínico do réu RAIMUNDO não era dos melhores ao menos desde o ano de 2014, apresentando problemas no coração e diabetes. O mesmo SIASS também confirmou a necessidade de afastamento do réu RAIMUNDO nos dias 20 e 21 de julho e 10 de agosto 2017 (fls. 110/111 do ID nº 221384866), confirmando assim a veracidade das informações dos atestados odontológicos emitidos por Cláudio Roberto Paviani em favor do réu RAIMUNDO para estas datas. Portanto, frise-se: o réu RAIMUNDO foi submetido a perícia interna de responsabilidade do IBAMA e a necessidade de afastamento nas referidas data restou confirmado, exatamente como nos atestados emitidos por Cláudio Roberto Paviani. Indo adiante, deve ser posto em destaque o documento juntado pela DEFESA no ID nº 832511053, o qual fora extraído do procedimento administrativo disciplinar instaurado em face do réu RAIMUNDO pelo IBAMA e apresenta uma relação de afastamentos do referido servidor entre março de 2014 e outubro de 2018. No mencionado período notam-se 21 afastamentos para tratamento de saúde, todos averbados pelo SIASS, dentre os quais encontram-se todos os afastamentos mencionados na denúncia, quais sejam, os dos dias 02 e 03 de março, 12 e 13 de abril, 20 e 21 de julho, 10 de agosto, 28 e 29 de dezembro, todos de 2017, e 15 e 16 de fevereiro de 2018. Aqui vale mais um destaque: como se verá mais adiante na análise da prova testemunhal, embora as testemunhas servidoras do IBAMA não soubesse com exatidão o procedimento a ser seguido internamente quando é apresentado um atestado médico ou odontológico no órgão, a maioria foi firme em asseverar que o referido documento era encaminhado para o setor de gestão de recursos humanos e, em seguida, para o SIASS e, a depender do período de afastamento, este último órgão requisitava uma perícia interna para confirmar a real necessidade de afastamento do servidor, embora não tenham precisado os parâmetros para a exigência da perícia. As partes também não trouxeram prova documental que esclarecesse quais os casos em que o SIASS do IBAMA exigia a perícia do servidor. Entretanto, há nos autos Laudos Médicos emitidos pelo SIASS atestando a veracidade do quadro de saúde do réu RAIMUNDO e envolvendo afastamentos de 01 e 02 dias (fls. 110/111 do ID nº 221384866), donde se conclui que todos os atestados odontológicos mencionados na denúncia, de fato, foram submetidos à apreciação do SIASS e foram devidamente aprovados/homologados, exatamente nos termos do Relatório de Afastamento emitido pelo SIASS e juntado no ID nº 832511053. Em juízo foram inquiridas diversas testemunhas e o próprio Gerente Executivo do Ibama na época dos fatos, o senhor Felipe Seino dos Santos, o qual foi inquirido na qualidade de informante do juízo, dispensado que foi do dever de dizer a verdade. Passo ao cotejo da prova oral. Felipe Seino dos Santos, Gerente Executivo do Ibama em Sinop/MT na época dos fatos, e responsável por noticiar o fato à Polícia Federal, afirmou que todas as folhas de ponto dos funcionários passavam pelo declarante antes de serem encaminhadas para o núcleo de recursos humanos em Cuiabá/MT. Embora a folha de pontos dos servidores fossem conferidas e assinadas em primeiro lugar pelos supervisores imediatos, logo em seguida estas eram encaminhadas para o declarante, exceção feita àqueles servidores que estavam imediatamente subordinados ao declarante, cujas folhas de ponto eram direta e imediatamente examinadas por este. Afirmou que, neste caso, chamou a atenção a recorrência de atestados médicos em datas próximas a feriados e fins de semana. Disse que encaminhou os indícios de que dispunha para a Polícia Federal. Esclareceu que, embora trabalhassem no mesmo prédio, havia dias em que não se encontrava com o réu RAIMUNDO e que não se recorda de ter gravemente discutido com o referido réu, exceção feita a uma discussão pelo uso indevido de uma viatura do trabalho. O fato foi comunicado à corregedoria. Os processos de apurações funcionais são restritos, motivo pelo qual não tem conhecimento da existência de PAD no Ibama. Inicialmente os fatos em epígrafe não foi comunicado à corregedoria, mas posteriormente o MPF procedeu esta comunicação. A testemunha disse que entendeu na época que deveria comunicar o fato diretamente à Polícia Federal e que quando os fatos chegaram até a corregedoria o declarante não era mais gerente da unidade de Sinop. Disse que não existe um procedimento operacional padrão que estabeleça quais providências tomar quando alguma irregularidade nas condutas dos servidores do Ibama é observada. Disse, ainda, que quando chegou ao Ibama em Sinop, a unidade já estava instalada naquele prédio, assim como o sistema de monitoramento por câmeras. Portanto, não sabe explicar qual foi a estratégia para a escolha dos locais em que eram instaladas as câmeras. Pelo que se recorda, a sala em que ficava sentado o réu era uma sala isolada por divisórias e não tinha câmeras dentro da sala dele. Não havia nenhuma câmera apontada para a mesa do réu, salvo se isso mudou depois de 2018, época em que o declarante deixou o Ibama em Sinop. As câmeras ficavam nos ambientes comuns, não se recordando se haviam câmeras em ambientes individuais. Afirmou que começou a trabalhar na unidade de Sinop em 2016, e não tinha conhecimento acerca do estado de saúde do réu RAIMUNDO. Ficou sabendo por alto de uma licença médica anterior que o réu RAIMUNDO havia gozado, a qual era anterior à chegada do declarante em Sinop. O réu não era diretamente subordinado ao declarante, pois aquele trabalhava no setor de transporte. Portanto, não tinha responsabilidade de conhecer detalhes acerca dos servidores que não lhe eram diretamente subordinados, a exemplo do estado de saúde destes. Disse que na comunicação feita à polícia, fez menção a vários atestados, pois o réu apresentou na época mais de uma dezena de atestados que chamaram a atenção, os quais apresentavam indícios de que supostamente poderiam ser falsos. Em momento nenhum, na comunicação com a polícia, chegou a afirmar que os atestados eram falsos, mas sim que eram estranhos. Afirmou que um dos atestados, em conjunto com as imagens do monitoramento interno do Ibama, apresentava mais fortes indícios de falsidade. Esclareceu que o que motivou a comunicação com a polícia foi a probidade pública, pois era chefe de uma unidade com mais de 20 servidores. Em nenhum momento afirmou ou mesmo pode afirmar que o réu não estava em tratamento de saúde. Um dos motivos pelo qual a polícia foi procurada é porque esta tinha os meios para apurar se os indícios se confirmariam. Confirmou que o Ibama tem comissão processante interna e que chegou a encaminhar outras comunicações para as autoridades envolvendo outras situações e outros servidores. Disse que o que lhe compete é levar os fatos ao conhecimento das autoridades competentes, mas não se recorda quanto destes outros fatos foram comunicados para a polícia federal. Disse que, internamente, não sabe exatamente qual é o rito a ser seguido quando o servidor apresenta um atestado médico no Ibama e que nos casos em que é necessário a realização de perícia, tudo era feito pela superintendência em Cuiabá. Afirmou, ainda, que não tem conhecimento de nenhum documento ou perícia médica da União chancelando todos os atestados apresentados pelo réu RAIMUNDO. Neste caso, como eram atestados passados, provavelmente eles já estivessem sido encaminhados para Cuiabá, os quais provavelmente também devem ter sido devidamente lançados, tanto assim que o servidor possivelmente não sofreu perda de salário por essas ausências. O que o declarante fez ao identificar um documento suspeito foi resgatar os atestados anteriores para identificar se havia um padrão dessa espécie de conduta. Acha que na época não adotou providências para a instauração de processo administrativo disciplinar ou sindicância. Por fim, destacou que durante todo o período em que esteve a frente do Ibama em Sinop sempre esteve preocupado em manter a probidade administrativa e que, devido ao estreito relacionamento que o órgão tinha com a Polícia Federal, os indícios foram encaminhados para esta (ID nº 428550888). Destaquei A testemunha Bruno da Silva Rosa pouco contribuiu no tocante ao cerne dos fatos, mas disse que o procedimento envolvendo os atestados no Ibama seria, basicamente, este: recebem o atestado do servidor e o encaminham com AR para o Núcleo de Gestão de Pessoas da Superintendência e de lá este é encaminhado para o SIASS e este convoca o servidor para a realização de perícia na UFMT. Salvo engano, são os atestados que não indicam a CID que são encaminhados para a perícia. Aqueles que indicam não são encaminhados. Tem uma regra de tempo de afastamento também, mas que não sabe precisar qual. Ficou sabendo do próprio réu que ele se submeteu a tratamento dentário, mas não sabe de atestados envolvendo isso (ID nº 428550888). Do mesmo modo, as testemunhas Pedro Rogério do Nascimento Souza e Enio Ossamu Kagueyama pouco acrescentaram ao cerne da questão fática a ser esclarecida, destacando-se em seus depoimentos judiciais apenas algumas nuances envolvendo o ambiente de trabalho e a relação do réu RAIMUNDO com a chefia superior da unidade executiva do Ibama em Sinop/MT, bem assim o procedimento interno da unidade no tocante aos atestados médicos e odontológicos apresentados pelos servidores públicos. Pedro Rogério do Nascimento Souza disse estar lotado na unidade do Ibama em Sinop desde o ano de 2015 e que soube através do próprio réu RAIMUNDO que este teve um problema no coração e era diabético. Disse ter conhecimento de que RAIMUNDO apresentou alguns atestados médicos ao IBAMA. O próprio declarante já apresentou atestados ao Ibama para justificar ausências ao trabalho. Esclareceu que o atestado é encaminhado para a Nugep em Cuiabá, o qual posteriormente é encaminhado para o setor de perícias, a qual é requerida a depender do período de afastamento. Disse, ainda, que, segundo o próprio RAIMUNDO, a relação deste com o chefe Felipe Seino era de atrito, mas não sabe dizer a origem desse atrito. Por fim, afirmou não se recordar se as ausências de RAIMUNDO ao trabalho eram próximas a feriados (ID nº 833206559). Enio Ossamu Kagueyama, também servidor do Ibama, por sua vez, disse saber que o réu RAIMUNDO tem problemas cardíacos e que, salvo engano, uma vez chegou a infartar. Esclareceu que os atestados são encaminhados para o núcleo de recursos humanos do Ibama e que depois este núcleo encaminha para o setor de perícia. Salvo engano, esses setores recebem os atestados e dependendo da quantidade de dias de afastamento é obrigatório a realização da perícia. Afirmou que a relação do RAIMUNDO e do gerente Felipe Seino era uma relação normal dentro órgão, ou seja, relação de chefia e servidores. Disse, ainda, que a sala do declarante é ao lado da sala do gerente do Ibama e presenciou uma vez em que o Felipe Seina e o RAIMUNDO discutiram a respeito de uma ausência do servidor Raimundo, pois o gerente cobrou uma justificativa em razão da ausência do servidor ao trabalho. Foi uma discussão verbal, mas com tom de voz alterado. Por fim, recordou-se que os atestados do RAIMUNDO coincidiam com fins de semana, não se recordando de coincidências com feriados (ID nº 833206559). A testemunha Dorli Bergonci, por sua vez, disse, inicialmente, que havia uma câmera que era direcionada para a mesa do réu na unidade do Ibama em Sinop, inclusive esta está lá até hoje. Acredita que o Gerente Executivo tinha acesso às imagens da referida câmera. Disse recordar-se que o réu teve um problema de saúde envolvendo o coração, inclusive com submissão à cirurgia. Soube também de uma cirurgia dentária. Lembra-se que o réu fez tratamento dentário por um longo período, mas não sabe precisar este ao certo. Recordou-se que o réu estava de atestado em várias oportunidades, mas não sabe precisar a quantidade e os dias de afastamento. Esclareceu que se o servidor precisar de afastamento ele deve pegar um atestado e protocolar no setor de recursos humanos do Ibama. O gerente também tem acesso a esses atestados e folhas de frequência do servidor. Disse que a depender do período de afastamento é preciso passar por uma perícia médica do órgão. Asseverou que o réu RAIMUNDO fez perícia interna no IBAMA também. Disse não ter conhecimento de atestados que não tenham sido aceitos pelo Ibama e, em decorrência, tenha havido o abatimento no salário. Embora não saiba precisar, parece que atestados de um dia não exigem perícia médica. Tem conhecimento de que o réu apresentou atestados, mas não sabe precisar a quantidade de dias de afastamentos. Não sabe precisar os dias e as datas dos atestados. Rememorou que a unidade do Ibama é quase toda monitorada por câmeras e que a câmera que alcança a mesa do réu também alcança vários outros ângulos e pontos do ambiente. Disse que a Câmara está instalada em uma antessala de vidro, mas apontada para o rumo da mesa do réu, mas não sabe dizer se há algum interesse específico para direcioná-la para o réu e que outras salas da unidade também são monitoradas, bem como o pátio. Por fim, disse que nas outras salas da unidade também aparecem os outros servidores trabalhando (ID nº 428550888). Carlos Henrique Fonseca, também odontologista, afirmou em juízo que é normal o paciente manter contato telefônico com o dentista por telefone e, inclusive, fora do horário do expediente, mormente agora com o advento do WhastApp e sobretudo envolvendo eventos cirúrgicos de maior complexidade, como aqueles realizados a nível hospitalar. Disse que, como protesista, coloca-se à disposição do paciente a qualquer hora. Atende a qualquer hora e faz o que for preciso. Quanto à cirurgia de zigomático, que é a que o réu foi submetido, é das cirurgias mais complexas da odontologia. Afirmou, ainda, que, como protesista deve ter todo o cuidado para não comprometer o trabalho do profissional do dentista que realizou os implantes, motivo pelo qual não pode deixar de dar uma assistência imediata ao paciente, motivo pelo qual nesses casos é comum o profissional fornecer o contato pessoal para o paciente. Pontuou que em pacientes fumantes e diabéticos a recuperação é bem mais demorada e que a avaliação de recuperação em procedimentos cirúrgicos varia de paciente para pacientes, mas nos diabéticos é mais demorado e tem que ter mais cuidado. Disse que em tratamentos mais longos e complexos em geral o acompanhamento do paciente é mais próximo, de forma que é comum nesses casos o paciente encaminhar mensagem por WhatsApp ao odontologista. Afirmou que trabalha dessa forma e acredita que o “Claudinho” também trabalhe assim. Por fim, destacou que, se o paciente liga relatando uma situação que é compatível com o tratamento que ele está fazendo e for uma queixa subjetiva, não pode falar pro paciente que ele não sentindo aquilo que está alegando, pois clinicamente não tem condições de avaliar isso, devendo, pois, acreditar na palavra do paciente (ID nº 428550888). Destaquei O réu RAIMUNDO foi interrogado em juízo e voltou a reafirmar que os atestados odontológicos apresentados ao IBAMA correspondiam ao seu real estado de saúde naqueles momentos. Reafirmou que o tratamento dentário foi realizado no ano de 2017 e foi um tratamento longo. Disse que no ano de 2014 sofreu um infarto no coração e ficou mais de dez meses de licença médica. Afirmou que, no tocante ao tratamento dos implantes dentários, o primeiro passo foi uma licença de 53 dias para poder recuperar toda a cirurgia que foi feita na arcada dentária. Depois disso, ficou programada a cirurgia dos implantes, que seria realizada após 2 ou 3 meses. Entretanto, como a recuperação foi rápida, acharam melhor antecipar os implantes. Disse ao Dr. Cláudio que não poderia ficar muito tempo afastado porque na função que exercia no trabalho só haviam dois servidores, o declarante e um outro colega do mesmo setor. Em razão disso, afirmou que não queria mais atestados. Então realizaram a cirurgia, mas a recuperação foi longa. Disse que ara não perder muito tempo de serviço no Ibama, procurava pegar os atestados para datas próximas a finais de semana e feriados, de forma a poder ficar seis ou sete dias em recuperação. Disse que o tratamento se estende até hoje e tem que fazer recuperação o tempo todo. Afirmou, ainda, que o tratamento foi feito em um hospital que possuía UTI, porque o declarante é diabético. O próprio odontologista perguntou ao declarante se queria ficar mais tempo afastado, ao que respondeu que não queria, justamente porque havia somente mais um funcionário no mesmo setor em que trabalhava. Em relação ao problema com Felipe Seina disse que houve uma vez em que, após os dois se consultarem no mesmo consultório médico, e após chegarem ao Ibama, o Felipe Seina perguntou se o declarante tinha atestado médico, ao que respondeu que não necessitava de atestado, pois tinha ido trabalhar e saiu somente para fazer esse exame. Disse, então, que não iria apresentar atestado porque estava voltando para o trabalho após a consulta, mas que poderia apresentar uma declaração médica de atendimento e que Felipe Seina aceitou. Então o declarante pediu se Felipe Seina também iria apresentar uma declaração dessa, ao que este respondeu que quem resolvia a questão em relação a ele era o pessoal em Cuiabá. O declarante esperou cerca de três dias e ligou para Cuiabá para saber se Felipe Seina tinha apresentado atestado ou não. A partir desse fato começou a confusão com o declarante. Disse que Felipe Seina de toda forma queria ter uma “treta” com o declarante e não conseguia, motivo pelo qual usou desse artifício para prejudicar-lhe. Afirmou que, antes disso, Felipe Seina já tinha prejudicado o declarante com um processo em razão de o declarante ter dado uma carona para uma funcionária até uma lanchonete próxima. Por esse fato, Felipe Seina abriu um processo contra o declarante, o qual foi arquivado em Brasília. Portanto, como não tinha outros motivos, Felipe Seina procurou esses atestados para dizer que eram falsos. Disse recordar-se do fato envolvendo o atestado do dia 28/12/2017 e esclareceu que todas as vezes que pegava atestado passava no Ibama para comunicar e, nesse dia, foi pela manhã no Ibama para dizer que precisava ficar dois dias afastado do trabalho. Disse, ainda, que às vezes era atendido até por telefone por Cláudio. Por fim, reafirmou que o próprio declarante pedia os atestados mais próximos dos finais de semana, sendo antes ou depois, justamente para não atrapalhar o serviço dentro do Ibama (ID nº 833206559). Destaquei Digno de nota, ainda, o fato de que, durante o curso da presente ação penal, o réu CLÁUDIO firmou acordo de não persecução penal com o MPF e, por força dessa avença, confessou a prática delitiva que lhe foi imputada, nos seguintes termos: “(...) CLÁUSULA PRIMEIRA – O (A) COMPROMISSÁRIO(A), nos termos da gravação registrada em audiência realizada na data da celebração do presente acordo, confessa formal e circunstancialmente a prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal por ter, nos dias 02 de março, 12 de abril, 20 de julho, 10 de agosto, 28 de dezembro de 2017, e O1 de março de 2018, de modo livre e consciente, inserido declaração falsa e diversa da que devia ser escrita em 6 (seis) atestados odontológicos, com o fim de justificar as ausências no serviço de Raimundo Nonato Torres Machado, servidor do IBAMA em Sinop/MT, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante. Destaquei (...)” Este é, portanto, todo o quadro probatório que se apresenta e, segundo ao qual, a meu sentir, não é suficiente para a condenação do réu RAIMUNDO. Em primeiro lugar, deve ser registrado que ao réu RAIMUNDO foi imputado apenas o crime de uso de documento particular ideologicamente falsificado e não a falsidade ideológica, como sugere a DEFESA em seus memoriais finais, destacando que esta última foi imputada somente ao correu CLÁUDIO, que, como visto, firmou ANPP com o MPF. Como visto alhures, o réu RAIMUNDO, de fato, apresentou os atestados odontológicos mencionados na denúncia para o IBAMA, autarquia federal da qual é servidor, de forma que o uso dos atestados é inconteste. Resta perquirir, entretanto, se há prova da falsidade ideológica, ou seja, se houve ou não a inserção de declarações falsas nos indigitados atestados odontológicos. O fato jurídico relevante, cuja verdade, em tese, foi alterada, e que tornaria a conduta penalmente típica, não é senão o estado de saúde do réu RAIMUNDO no momento da emissão dos atestados e nos dias de afastamentos do trabalho determinados por estes. Ou seja, se o réu realmente necessitava do afastamento do trabalho naquelas ocasiões. Entendo, portanto, ser juridicamente irrelevante, para fins penais, a circunstância mencionada nos atestados de que o réu esteve sob os cuidados do odontologista, sugerindo uma consulta pessoal e presencial, embora a prática de emissão de atestados a partir de consultas telefônicas possa ser censurada do ponto de vista ético e pelo respectivo órgão fiscalizador da conduta profissional. O que importa, dessa forma, é saber se há provas de que o réu RAIMUNDO não necessitava dos afastamentos determinados nos atestados emitidos por CLÁUDIO. Pois bem. Friso que o relatório da Polícia Federal, que realizou detida análise de todos os atestados emitidos por CLÁUDIO em favor do réu RAIMUNDO, embora tenha concluído pela presença de fortes indícios acerca da falsidade dos atestados em questão, o fez sob o principal fundamento de que as consultas odontológicas muito provavelmente não ocorreram. Entretanto, como dito alhures, é desimportante na espécie a prova acerca da efetiva realização das consultas de forma presencial com o odontologista, pois a prova colhida é firme no sentido de que o réu RAIMUNDO foi submetido a complexo tratamento dentário e, em razão disso, possuía o telefone pessoal de CLÁUDIO para, sempre que tivesse alguma queixa envolvendo a saúde bucal e os reflexos do tratamento, pudesse contatá-lo, relatar o estado em que se encontrava e solicitar eventual atestado para afastamento do trabalho. Não bastasse, há prova nos autos de que os atestados odontológicos referentes aos dias 20 e 21 de julho e 10 de agosto de 2017 foram devidamente analisados e chancelados pelo SIASS do Ibama (fls. 110 e 111 do ID nº 221384866), de forma que se conclui que nestas data o réu RAIMUNDO, de fato, necessitava do afastamento determinado nos referidos atestados. Embora não conste nos autos os laudos do SIASS quanto aos outros quatro atestados odontológicos mencionados na denúncia, a prova produzida sugere firmemente que o IBAMA os analisou e também os chancelou. Isso porque, considerando que os atestados dos dias 20 e 21 de julho e 10 de agosto de 2017 foram objeto de análise pelo SIASS, mesmo referindo-se a afastamentos de 01 e 02 dias, é possível concluir, a míngua de prova em outro sentido, de que todos os demais atestados citados na denúncia, ante a similaridade com estes dois, sobretudo na quantidade de dias de afastamentos, foram também analisados pelo SIASS. Partindo da premissa fixada no parágrafo anterior, e considerando o Relatório de Afastamentos do servidor RAIMUNDO juntado no ID nº 832511053, que abrange todas as datas de afastamentos mencionadas nos atestados indicados na denúncia, devidamente lançado pelo SIASS, a conclusão a que se pode chegar não é outra senão que todos os atestados odontológicos apresentados pelo réu RAIMUNDO foram devidamente analisados pelo setor de perícia interna do IBAMA, o qual teve por devidamente justificados todos os afastamentos determinados pelo odontologista. Por óbvio que os fatos podem ter se passado de outra maneira, mas o que se pode concluir a partir da prova produzida nos autos, é, no mínimo, que há sim a possibilidade de que o réu RAIMUNDO tenha se submetido a perícias internas no IBAMA todas as vezes em que precisou ser afastado do trabalho por problemas de saúde, independentemente da quantidade de dias, como o réu se sua DEFESA sustentaram desde o início. A verdade processual construída, portanto, não é segura o suficiente para se sustentar que o réu RAIMUNDO não necessitava dos afastamentos indicados nos atestados em questão e que, dessa forma, estes eram ideologicamente falsos. Ademais, o quadro de saúde do réu, devidamente demonstrado nos autos, em especial pela confirmação de que o tratamento dentário a que se submeteu na época dos fatos era dos mais complexos da odontologia, bem assim que a presença de comorbidades agravava o quadro de recuperação, também sinaliza no sentido de que os atestados em questão, de fato, correspondiam ao estado de saúde do réu RAIMUNDO naquele período. Dessa forma, se há indícios no sentido de que o réu não foi consultado pessoal e presencialmente pelo odontologista CLÁUDIO, apontando assim para a falsidade das declarações constantes nos atestados emitidos por este em favor do réu RAIMUNDO, há também elementos probatórios que demonstram ser prática comum na relação dentista/paciente que estes contatem o profissional por outros meios, podendo, inclusive, receber atestados para afastamentos do trabalho a partir dessas “consultas”, fato que, como dito alhures, embora atente contra a ética profissional, não chega a configurar uma prática criminosa. Outrossim, há elementos que apontam para a verossimilhança da versão defensiva, no sentido de que o quadro de saúde do réu amparava os afastamentos do trabalho determinados nos indigitados atestados. A condenação exige prova segura e não pode estar amparada em qualquer raciocínio especulativo, ainda que este possa apresentar-se como altamente provável no caso concreto. Como visto, a prova produzida terminou por revelar um quadro onde tanto a tese de acusação quanto a tese de defesa se mostram verossímeis, sobressaindo disso tudo a dúvida sobre o que de fato ocorreu. Neste ponto, vale dizer que nem mesmo a confissão do réu CLÁUDIO é capaz de dirimir a dúvida sobre a falsidade ideológica em questão, porquanto embora este tenha afirmado a falsidade destes por ocasião da formalização de ANPP com o MPF, há prova nos autos no sentido de que ao menos dois dos atestados (dias 10 de agosto e 20 e 21 de julho de 2017) levaram o réu à submissão de perícia médica perante o SIASS do Ibama e foram acolhidos por este, pois o estado de saúde do réu, de fato, demandava afastamento para tratamento, o que retira em muito o valor de convencimento da confissão do correu CLÁUDIO. Nos termos do artigo 197 do Código de Processo Penal, “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.” Grifei Na espécie, a confissão do réu CLÁUDIO acerca da falsidade ideológica dos atestados apresentou mostrou-se incompatível com os Laudos do SIASS de fls. 110 e 111 do ID nº 221384866, motivo pelo qual não é suficiente para dirimir a dúvida acima citada. Há dúvida, portanto. Em processo penal a dúvida não pode ser resolvida senão em benefício do réu, ainda que isso possa resultar na absolvição de um eventual culpado, custo social este muito menor que a condenação de um eventual inocente, conforme demonstra a experiência social da humanidade desde os primórdios da civilização.” Não se olvida que as instâncias civil, administrativa e penal sejam, em regra, independentes, exceto na hipótese de absolvição criminal por inexistência do fato ou da autoria, conforme artigo 21, §§ 3º e 4º, da Lei 8.429/92. No entanto, conforme dito acima, praticamente todas as provas citadas pelo juízo criminal estão no inquérito policial, o qual é a base da presente ação civil pública. Não há como chegar à conclusão distinta com base em quadro probatório similar. Saliente-se que o Ministério Público Federal não recorreu da aprofundada análise das provas e da absolvição do réu na esfera criminal, do que se infere sua concordância. E a prova testemunhal produzida na ação civil pública não foi capaz de alterar a conclusão acertada do juízo criminal, com a qual concordo e utilizo como razão de decidir. Com efeito, em seu primeiro depoimento, a testemunha FÁBIO LIBERALI WISSHEIMER confirmou que analisou o prontuário funcional de Raimundo Nonato, o qual continha registros de 36 atestados médicos apresentados ao longo do vínculo com a administração. Declarou que os afastamentos tiveram início em 2014, com períodos variáveis: um afastamento de 60 dias, depois outro de 30 dias, seguido de um de 180 dias, além de outros pontuais até o ano de 2018. Afirmou que todos os atestados examinados possuíam os elementos mínimos exigidos: identificação do servidor e do profissional, motivo, data e assinatura. Disse que não analisou se os afastamentos ocorreram em vésperas de feriados ou fins de semana, mas que também não encontrou nenhuma inconsistência que indicasse fraude. Questionado sobre o procedimento adotado na homologação dos atestados, Fábio explicou que a praxe do CIAS era exigir exame presencial do servidor quando os afastamentos superassem um limite anual. Especificou que, até o início da pandemia, atestados de até 5 dias podiam ser homologados administrativamente, desde que o total de afastamentos no ano não ultrapassasse 14 dias. Ultrapassado esse limite, o servidor deveria passar por perícia presencial. Informou que, mesmo após os afastamentos por motivo odontológico apresentados por Raimundo Nonato, a homologação foi registrada e que constava no sistema a realização de perícia. Com o prontuário em mãos, confirmou que os afastamentos dos dias 2 e 3 de março, 12 e 13 de abril, 20 e 21 de julho, 10 de agosto e 28 e 29 de dezembro de 2017 foram todos homologados por ele, tendo por base os documentos apresentados. Em seu segundo depoimento, FÁBIO LIBERALI WISSHEIMER, declarou que realizou três perícias presenciais no mesmo, em razão de atestados sem CID ou com afastamento superior ao limite permitido para homologação administrativa. As perícias ocorreram em 31 de maio de 2017 (no campus de Cuiabá), 13 de dezembro de 2017 (campus de Sinop, em mutirão realizado no interior do estado), e 27 de novembro de 2018 (novamente em Cuiabá). Em todas as ocasiões, segundo relatou, a convocação foi feita pela parte administrativa do CIAS, e os exames foram motivados por afastamentos superiores a 15 dias ou ausência de diagnóstico declarado nos atestados médicos. A testemunha declarou que o autor acumulou 36 perícias médicas entre os anos de 2006 e 2018, totalizando 709 dias de afastamento por doença. Afirmou ainda que todos os atestados avaliados possuíam os elementos formais exigidos, como assinatura do profissional de saúde, carimbo e número de inscrição no conselho de classe. Citou, inclusive, o nome do cirurgião-dentista responsável por alguns dos atestados, Cláudio Roberto Paviani, CRO nº 977, com registro ativo. Questionado sobre a capacidade de constatar a veracidade dos atestados médicos após certo tempo da sua emissão, respondeu que, mesmo com o lapso temporal, as anotações de anamnese, o exame físico pericial e o histórico clínico do autor eram compatíveis com os afastamentos relatados. Declarou que não havia elementos que motivassem a recusa de homologação dos atestados. Segundo ele, em todos os casos, os afastamentos sugeridos estavam de acordo com os parâmetros técnicos do Manual de Perícia, especialmente em relação a quadros odontológicos. Ao final de seu depoimento, reiterou que, embora os dias de afastamento tenham sido originalmente indicados pelos profissionais assistentes, como o cirurgião-dentista, os médicos peritos homologavam os atestados após análise e, no seu entendimento, os documentos eram verídicos e consistentes com a condição clínica do servidor no momento da perícia. Por sua vez, a testemunha Pedro Rogério do Nascimento Souza, servidor técnico-administrativo do IBAMA em Sinop/MT, relatou que trabalhou com Raimundo Nonato por aproximadamente sete anos. Informou que, quando assumiu seu posto na unidade, o acusado estava afastado por motivos de saúde, tendo conhecimento de que havia passado por uma cirurgia. Declarou também lembrar que o acusado realizou tratamento de implante dentário, mas não soube afirmar se o procedimento foi de longa ou curta duração. Já a testemunha Ênio Ansumum afirmou que o servidor Raimundo Nonato Torres Machado apresentou atestados médicos com o objetivo de justificar suas ausências no trabalho. Declarou lembrar que o referido servidor tinha problemas cardíacos e, inclusive, teria sofrido um infarto anos antes. Questionado sobre o tratamento dentário que ensejou os atestados, Ênio esclareceu que não se recordava se foi um procedimento extenso. Explicou ainda que, à época, o setor administrativo recebia os atestados e os encaminhava ao setor de Recursos Humanos do Ibama, que era centralizado em Cuiabá. Apontou que havia um número mínimo de dias de afastamento para que o atestado fosse submetido à perícia. Não soube informar a quantidade exata de atestados apresentados por Raimundo, mas afirmou que ele foi absolvido no processo administrativo disciplinar (PAD), o que possibilitou sua aposentadoria. O depoimento das testemunhas ouvidas na ação civil pública só confirmam a conclusão a que já havia chegado o juízo criminal: o réu realmente apresentava quadro de saúde bastante debilitado, passou por tratamento odontológico complexo, compatível com a necessidade de afastamento, e que o setor de perícias do IBAMA confirmou a veracidade dos atestados baseando-se no histórico de saúde do réu, inclusive os atestados de menor duração citados na inicial. O conjunto probatório indica que o réu realmente apresentava quadro de saúde compatível com o afastamento anotado nos atestados odontológicos, não sendo possível concluir seguramente que os fatos anotados nos atestados sejam inverídicos. Mais uma vez, cabe frisar, como dito pelo juízo criminal, que, no contexto dos autos, é irrelevante a comprovação específica de que as consultas tenham ocorrido presencialmente com o cirurgião-dentista. O que é relevante juridicamente é se o fato anotado no atestado é verdadeiro ou não, e, no caso dos autos, as provas militam em favor do réu, o que impõe a improcedência da ação civil pública. 3.DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I,do CPC. Sem custas ou honorários advocatícios, por força do artigo 18 da Lei n.° 7.347/85. Sentença sujeita à remessa necessária, por aplicação do artigo 19 da Lei n.° 4.717/65 (Lei da Ação Popular). Em caso de recurso, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões. Em seguida, remetam-se os autos ao Tribunal, independentemente de novo despacho. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Intime-se. Datado e assinado eletronicamente. JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA DA SSJ SINOP/MT
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