Processo nº 5029601-42.2021.4.03.6100
ID: 262650189
Tribunal: TRF3
Órgão: 8ª Vara Cível Federal de São Paulo
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 5029601-42.2021.4.03.6100
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WILSON AMORIM DA SILVA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 8ª Vara Cível Federal de São Paulo AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) Nº 5029601-42.2021.4.03.6100 AUTOR: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Ad…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 8ª Vara Cível Federal de São Paulo AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) Nº 5029601-42.2021.4.03.6100 AUTOR: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Advogado do(a) AUTOR: CHRISTIANO CARVALHO DIAS BELLO - SP188698 REU: YAGO ABNER FAVARETTO Advogado do(a) REU: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395 S E N T E N Ç A Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa (Dano ao Erário), ajuizada pela Caixa Econômica Federal (CEF), na qual objetiva seja: i) decretada a indisponibilidade dos bens da parte ré, por meio de sequestro e/ou arresto dos bens existentes em seu nome, sendo oficiada a Receita Federal para o fim de informar sobre a existência de bens e, por fim, seja oficiado o BACEN para que bloqueie os valores constantes em contas e aplicações financeiras dos acima mencionados; ii) seja a presente inicial recebida, analisada a questão da prescrição, com manifestação expressa do Juízo sobre o tema e, respectivamente, seja citada a parte ré para apresentar contestação, nos termos do § 9º do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa; iii) caso não recebida a inicial, nos termos da Lei de Improbidade Administrava, que seja recebida a presente ação como Ação Civil Pública por dano ao erário, tendo em vista a imprescritibilidade de tal ressarcimento e a legitimidade da CEF para tal interposição ou, ainda, caso não seja este o entendimento do juízo, ação ordinária de ressarcimento por dano ao erário; iv) condenada a parte ré na obrigação de pagar à Caixa Econômica Federal, quantia por ela desviada acrescida de juros, correção monetária e demais encargos legais; v) condenada a parte ré ao pagamento de multa civil, calculada em três vezes o valor da quantia desviada (art. 12, inc. II da L. 8429/92); vi) a parte ré proibida de contratar com o poder público, de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de dez anos a partir da condenação (art. 12, inc. II da L. 8429/92). Narra a parte autora, em síntese, que foi instaurado o Processo Administrativo nº. SP.2574.2020.C.000252, com o objetivo de apurar irregularidades em liberações e pagamentos de alvarás com indícios de fraude na Agência Marquês de São Vicente e na agência Fórum Ruy Barbosa. Consta da apuração a realização de 22 (vinte e dois) créditos em conta de titularidade da Sra. Vânia Aparecida Rhormens de Souza, sendo que estes créditos eram oriundos de depósitos em contas recursais. Tais créditos teriam sido transferidos pela parte ré em contrapartida à compra de um imóvel da Sra. Vânia, que os recebeu antes mesmo de assinar qualquer documento, bem como haverem sido grafados como crédito de FGTS. Prossegue a autora afirmando que estas peculiaridades fizeram com que a vendedora desconfiasse da lisura da operação e comunicasse o fato para a gerente da agência, Lívia Maria dos Santos. Destaca que as solicitações de saques ocorreram mediante alvarás judiciais, sendo 21 deles referentes à empresa Viação Aérea de São Paulo (VASP), que se encontrava em recuperação judicial à época, sendo que alguns alvarás, inclusive, possuíam a mesma numeração de processos. Ressalta que ao tomar conhecimento dos fatos, os gerentes das unidades encaminharam ofícios para as Varas onde os alvarás estavam vinculados, sendo que as respostas constam do processo administrativo anexo. Por fim, em pesquisa realizada, constatou-se que o réu foi o responsável pela abertura, em 17/07/2018, da conta n.º 3011.013.6072-0 em nome de Sra. Marli da Silva Salgado, sua sogra, sendo que, desde sua abertura, todos os créditos realizados foram oriundos de FGTS e os saques, que totalizaram R$ 589.657,55, realizados por terceiros também indicados no processo administrativo. Portanto, com base nos fatos investigados, provas documentais e testemunhais, que contemplam o Processo Administrativo, concluiu-se que a parte-ré direcionou de forma dolosa, sistemática e por longo período recursos oriundos do FGTS para conta de titularidade de sua sogra, por ele aberta. Ao todo foram inúmeras transferências indevidas realizadas pela parte-ré, incluindo transferências para de terceiros, minuciosamente discriminadas na planilha que consta da apuração anexa. Nesse contexto, afirma a autora que os atos praticados caracterizam improbidade administrativa e provocaram, assim, a quebra da confiança que deve existir entre empregado e empregador. A reiterada prática dos atos ilícitos causou dano à imagem institucional da CAIXA e, ao causar prejuízo à empregadora e a terceiros, caracterizou conduta da justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Ainda, nos termos das Resoluções CDR/SP nº 0003/2021 foi aplicada a penalidade disciplinar de rescisão do contrato de trabalho do réu com a CAIXA. Acrescenta, por fim, que o processo administrativo foi desenvolvido com respeito ao contraditório e à ampla defesa, culminando na imposição de responsabilidade civil ao réu, bem como pela sua demissão por justa causa, em decorrência da improbidade administrativa. Informa que a dívida atualizada para a data mencionada no anexo demonstrativo de débito atinge o montante de R$ 871.146,19 (oitocentos e setenta e um mil cento e quarenta e seis reais e dezenove centavos), a qual deverá ser corrigida até a data do seu efetivo pagamento. Nesse ponto, alega que o réu se negou a pagar o débito, não restando outro meio à autora a não ser interpor a presente demanda, visando ao ressarcimento do que lhe é devido. Concedida a antecipação de tutela de urgência com a decretação da indisponibilidade de bens móveis e imóveis do réu em valor suficiente para assegurar o adimplemento da indenização calculada pela autora (R$871.146,19), por meio dos sistemas BACENJUD, RENAJUD e Sistema Nacional de Indisponibilidade de Bens. Ainda, foi determinada a expedição de ofícios à BOVESPA e à JUCESP, com a posterior notificação do réu, nos termos do vigente, à época, art. 17, § 7º da Lei 8.429/92 e vista ao MPF para posterior recebimento da exordial (ID 135462084). Diligências positivas do RENAJUD (ID 135477618 e ID 135477619). Protocolada a ordem de indisponibilidade de bens (ID 135563111). Expedidos os ofícios à JUCESP e BOVESPA (ID 135478003 e ID 135576966). Pesquisa de ativos negativa junto à BOVESPA (ID 150355774). Resultado positivo da indisponibilidade de bens imóveis (ID 171683018). Resultado do bloqueio de ativos no SISBAJUD no valor de R$ 3.208,44 (ID 243000032). Defesa preliminar do réu. Sustentou, preliminarmente, a existência de vícios no PAD, cerceamento de defesa, excesso de prazo e suspeição (ID 242363220). O MPF, na qualidade de custos legis, juntou aos autos cópia do inquérito policial n.º 5000915-54.2022.4.03.6181, instaurado pela Polícia Federal a partir da remessa de cópia do Processo de Apuração de Responsabilidade Disciplinar e Civil nº SP.2574.2020.C.000252 da Caixa Econômica Federal para apuração, no âmbito criminal, dos fatos aqui apurados (ID 243795924 e ID 243795925). Decisão que, no intuito de prevenir a ocorrência de eventuais nulidades processuais, considerando o disposto nos artigos 17 e seguintes da Lei 8.429/1992, com a nova redação conferida pela Lei 14.230/2021, determinou a intimação da CEF para, em 15 (quinze) dias, ratificar ou emendar a petição inicial, em especial quanto ao enquadramento das condutas imputadas ao réu, segundo a nova redação dos artigos 9º, 10º e 11 da Lei 8.429/1992, com posterior retorno dos autos à conclusão para análise da admissibilidade da ação. Em consequência, deixou-se de apreciar a defesa preliminar apresentada pelo réu e foi mantida a decisão que determinou a indisponibilidade de bens, que seria reanalisada após a manifestação da CEF (ID 245404079). A CEF apresentou emenda à inicial, reiterando os fatos e pleitos da petição anterior, com destaque para os pedidos de condenação do réu ao pagamento de multa civil, calculada em três vezes o valor da quantia desviada (art. 12, da L. 14.230/2021) e a proibição de contratar com o poder público, de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de dez anos a partir da condenação (art. 12 da L. 14.230/2021) – ID 247757478. O MPF se manifestou pelo prosseguimento do feito, pois verificado que a conduta praticada pelo réu continua sendo considerada irregular pela nova Lei, conforme destacado pela CEF (ID 249877766). Decisão que recebeu parcialmente a inicial somente no que tange aos fatos enquadrados no art. 9º, XI, da lei de improbidade, com a nova redação da lei 14.230/2021, e determinou a citação do réu para que oferecesse contestação no prazo legal (ID 250442586). Certidão que discriminou as medidas constritivas cumpridas nos autos (ID 250611504). O réu apresentou defesa sob a denominação “exceção” para extinção da ação por motivo de cerceamento de defesa, prejuízo processual, excesso de prazo e suspeição. Juntou documentos (ID 251934839 e seguintes). O réu, no prazo da réplica, apresentou nova petição para “complementação da contestação”, sustentando: nulidade do PAD, negativa de prestação jurisdicional, impedimento e suspeição no âmbito do PAD, inexistência de enriquecimento ilícito, inexistência de ilicitude e defeito do objeto, inexistência de desvio de finalidade (ID 267268977). O MPF pugnou pela intimação das partes para apresentação de alegações finais, dada a ausência de pedido de produção de outras provas pelas partes (ID 268676102). Decisão que recebeu a exceção apresentada no ID 251934839 como contestação e deu por encerrada a instrução processual, haja vista a ausência de requerimentos de produção de provas. Em consequência, foi determinada a intimação das partes para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentarem alegações finais, com seguida vista ao MPF no mesmo prazo e futura remessa à conclusão para sentença (ID 270897464). Alegações finais do réu, reiterando os termos da sua defesa (ID 275438919). Alegações finais da CEF, pugnando pela total procedência da demanda (ID 275449468). O réu apresentou nos autos petições avulsas de arguição de “impedimento” e “suspeição” no âmbito do PAD (ID 275459058 e ID 275455941). Juntou o réu declaração de imposto de renda do ano-calendário 2020 (ID 275620148). O MPF requereu a intimação da CEF para juntar aos autos a cópia integral dos autos do Processo de Apuração de Responsabilidade Disciplinar e Civil n.º 2574.2020.C.000252. 275730744 (ID 275730744). O réu se manifestou informando que o inteiro teor do PAD já se encontra juntado nos autos (ID 278382948). Despacho que concedeu a gratuidade ao réu; determinou a manifestação da CEF sobre a “arguição de impedimento” ofertada pelo réu e determinou a juntada da cópia integral do PAD (ID 278606163). Concedido prazo suplementar à CEF para juntada da cópia do PAD (ID 285570440). A CEF juntou a cópia do PAD (ID 286544017 e seguintes). Manifestação do réu (ID 288895550). Juntou suas declarações de imposto de renda de anos anteriores (ID 289936079). Memoriais apresentados pelo MPF, opinando pela procedência da ação (ID 295450018). Despacho que declarou encerrada a instrução processual, considerando que as preliminares arguidas pelo réu se confundiriam com o mérito da ação (ID 302072448). Remetidos os autos à conclusão para sentença. Certidão da Secretaria noticiando o levantamento das restrições do automóvel MMC/PAJERO TR4 FLEX HP, placa FJO9943, chassi 93XFRH77WECD86831, via RENAJUD, conforme determinado nos EMBARGOS DE TERCEIRO CÍVEL Nº 5032954-22.2023.4.03.6100 (ID 290076308). A CEF juntou comprovante de recolhimento de custas processuais (ID 341281327). Juntada Sentença proferida nos EMBARGOS DE TERCEIRO CÍVEL Nº 5032954-22.2023.4.03.6100, a qual determinou “a liberação definitiva do veículo marca MMC/PAJERO TR4 FLEX HP, placa FJO9943, chassi 93XFRH77WECD86831, registrado em nome de YAGO ABNER FAVARETTO” (ID 342016305). É o relato do essencial. Decido. Preliminarmente, alega o réu: (i) desrespeito ao direito de ampla defesa, uma vez que Yago não teria sido ouvido no processo disciplinar e nem instado a pagar o débito, sem que tenha sido o Tribunal de Contas da União instado a se manifestar sobre os fatos; (ii) excesso de prazo do PAD; (iii) suspeição e impedimento de Silvia Conceição Faustino, gerente lotada na mesma agência do réu. Afasto a preliminar de violação ao princípio da ampla defesa, tendo em vista que o réu prestou declarações na fase preliminar do procedimento, porém, no curso do processo disciplinar, não compareceu para prestar depoimento, mesmo após ser devidamente notificado via e-mail (ID n.º 2879821028 – pág. 5-6, 17 e 19). Quanto à alegação de excesso de prazo, me filio ao entendimento consolidado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça na Súmula n.º 592, no sentido de que “o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa”. No caso em comento, a defesa não comprovou a existência de prejuízo na tramitação do processo disciplinar, motivo pelo qual não merece ser acolhida a referida preliminar. Alega o réu, ainda, a suspeição/impedimento de Silvia Conceição Faustino, sob o argumento de que Silvia, gerente lotada na mesma agência do réu e amiga de Sandra Miyuki Honkawa, seria corresponsável pelas liberações nos valores acima de R$ 7.000,00, e que Sílvia seria impedida de atuar no PAD, nos termos do artigo 18 da Lei n.º 9.784/1999. Ademais, acrescenta que Sílvia teria atuado na fase preliminar de investigação e integrado, posteriormente, a comissão processante, o que caracterizaria ciência prévia dos fatos. No que tange ao suposto vínculo de amizade mantido entre Sílvia e Sandra, ainda que a defesa tenha juntado fotografias em que Sílvia e Sandra aparecem juntas, entendo que não há elementos nos autos que indiquem a participação de Sandra nas irregularidades envolvendo a liberação e pagamento de alvarás supostamente emitidos por Varas do Trabalho e a consequente transferência dos valores às contas da sogra do réu e da Sra. Vânia. Ademais, consta dos autos que, em fase preliminar de investigação, Sílvia, na condição de gerente de relacionamento da agência em que o réu estava lotado, apenas assinou ofícios para esclarecimentos sobre os fatos noticiados, endereçados às Varas do Trabalho (ID n.º 287979250 – pág. 30 e seguintes). Por fim, como não houve manifestação quanto ao mérito dos fatos em sede preliminar, entendo que não se caracteriza o impedimento para a atuação preliminar e posterior atuação como uma das integrantes da Comissão Processante do Processo Disciplinar. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PENA DE DEMISSÃO APLICADA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1.A aplicação da pena de demissão a Servidor Público é forma de exercício do poder disciplinar da Administração Pública, ao poder Público outorgado pela lei e pela Constituição Federal, artigo 41, § 1º, II, em função do interesse e da necessidade de controle e aperfeiçoamento do Serviço Público e consecução dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, arrolados no caput do artigo 37 da Constituição Federal. 2.Não constatadas nulidades no PAD, que garantiu à apelante a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes. 3.Não é causa de nulidade a ausência de acompanhamento por advogado no processo administrativo disciplinar, especialmente durante a fase inquisitiva. A autora fez-se representar por advogado a partir da fase do interrogatório. Incide a Súmula Vinculante nº 5 do E. STF : "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição". 4.Inocorrente impedimento, suspeição por inimizade ou por prévio conhecimento dos fatos pelo presidente da comissão de sindicância. O artigo 18 da Lei 8.112/90 não pode ser invocado em relação a depoimento em outro processo, posterior, em que o membro da comissão figure como testemunha dos fatos que apurou. No caso concreto, o depoimento em processo criminal foi posterior e apurava-se a conduta de outros servidores. 5.No mérito, não foram infirmados, mas antes confirmados, em juízo, os fatos que deram ensejo à demissão da apelante. 6.Apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1905332 - 0009068-07.2008.4.03.6100, Rel. JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, julgado em 13/03/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/03/2017). ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DOS MEMBROS DA COMISSÃO. JUÍZO VALORATIVO NÃO DEMONSTRADO. DEFESA TÉCNICA. DESNECESSIDADE. INDEFERIMENTO M OTIVADO DE PROVAS. NULIDADE NÃO VERIFICADA. OITIVA DE TESTEMUNHAS SEM A PRESENÇA DO ACUSADO, DEVIDAMENTE INTIMADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. VARIAÇÃO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. DOLO CARACTERIZADO PELA FALTA DE TRANSPARÊNCIA DO SERVIDOR. ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 14.230/2021. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À AUTORIDADE COATORA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE MANDAMENTAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Este Superior Tribunal de Justiça perfilha entendimento segundo o qual a constatação de impedimento ou suspeição dos membros de Comissão Processante reclama a comprovação da emissão, no processo administrativo disciplinar, de prévio juízo valorativo quanto às irregularidades imputadas ao Acusado, o que não ocorreu no caso em análise. III - Consoante dispõe a Súmula Vinculante n. 5 do Supremo Tribunal Federal, a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. IV - Não acarreta a nulidade do PAD, por cerceamento de defesa, o indeferimento de produção de provas e diligências, quando estas forem desnecessárias ou protelatórias, desde que haja motivação idônea nesse sentido, como na espécie. V - Devidamente intimados o Impetrante e seu defensor para as oitivas das testemunhas, a realização do ato sem sua presença não importa em nulidade, ausente nos autos justificativa idônea para o não comparecimento. VI - Afastar o caráter protelatório dos atestados apresentados demandaria dilação probatória, providência inviável em sede mandamental. VII - O art. 283 do Código de Processo Civil de 2015, reproduzindo anterior determinação do diploma processual, traz a regra oriunda do Direito francês - pas de nullité sans grief - segundo a qual não se decreta a nulidade do ato se dela não resultar prejuízo para as partes. VIII - Na espécie, o Impetrante, ciente do teor dos depoimentos prestados, não aponta, objetivamente, quais fatos deixaram de ser esclarecidos ou foram colocados de forma equivocada nas declarações das testemunhas, bem como a relevância disso nas conclusões da comissão processante e da autoridade julgadora, deixando, portando, de demonstrar efetivo prejuízo decorrente da sua ausência nas oitivas. IX - Esta Corte possui orientação segundo a qual, nos casos de variação patrimonial a descoberto, resta caracterizado o dolo na conduta do agente público que não demonstre a licitude da evolução de seu patrimônio constatada pela Administração, caracterizado pela falta de transparência do servidor. X - A comissão de processo disciplinar demonstrou, detalhadamente, a evolução patrimonial desproporcional do indiciado, tendo sido franqueada a oportunidade de comprovar a origem lícita dos valores a descoberto, ônus do qual não se desincumbiu. XI - Quanto às inovações introduzidas pela Lei n. 14.230/2021, observo não ter sido examinada pela autoridade coatora, porquanto a penalidade foi aplicada anteriormente à sua vigência, razão pela qual inviável tal análise na via célere do mandado de segurança. Precedente. XII - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. XIII - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. XIV - Agravo Interno improvido. (AgInt no MS n. 27.380/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 19/12/2023, DJe de 2/2/2024.) Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito. Inicialmente, a fim de que não pairem dúvidas acerca da pertinência desta ação judicial para a responsabilização do réu pelos atos descritos na inicial, cabe observar que, à época em que tais condutas foram praticadas, o réu era funcionário da Caixa Econômica Federal – CEF. Sendo assim, ostenta a qualidade de agente público e, independentemente das apurações efetivadas na esfera administrativa, via Processo Administrativo Disciplinar (PAD), sujeita-se aos ditames da Lei nº 8.429/92, a Lei de Improbidade Administrativa, que em seu artigo 2º prevê: Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Parágrafo único. No que se refere a recursos de origem pública, sujeita-se às sanções previstas nesta Lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) Quanto à aplicação da Lei 14.230/2021, que promoveu alterações na Lei 8429/92, adoto os entendimentos fixados pelo STF no Tema 1.199: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo — DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065). Destaco, ainda, que serão analisados os fatos nos termos da decisão de ID 250442586, que recebeu a petição inicial somente no que tange aos fatos enquadrados no art. 9º, XI, da lei de improbidade administrativa. Feitas tais considerações iniciais, passo ao exame do conjunto probatório. Narra a parte autora que, entre 31.07.2018 e 13.09.2019, o réu realizou a transferência de 22 (vinte e dois) créditos em contas de titularidade de Marli da Silva Salgado, sogra de Yago (conta n.º 3011.013.6072-0), e de Vânia Aparecida Rhormens de Souza (conta n.º 0357.013.106335-2), créditos esses que eram oriundos de depósitos em contas recursais (FGTS). Compulsando os autos, verifico que tais valores encontram-se identificados na tabela contida no relatório conclusivo do PAD (ID n.º 130842622 – pág. 24-27), na qual consta o valor de R$ 589.657,55 creditado em favor de Marli da Silva Salgado e de R$ 195.956,09 em favor de Vânia Aparecida Rhomens de Souza, resultando em prejuízo ao erário no montante de R$ 784.613,64 (13/09/2019). Nesse ponto, destaco que as investigações se iniciaram a partir de e-mail enviado pela Sra. Vânia à Caixa Econômica Federal, dirigido à Sra. Lívia Maria dos Santos, gerente de relacionamento da agência de Taboão da Serra. Assim consta do corpo do e-mail (ID n.º 287981028 – pág. 36): “Lívia Bom dia estou vendendo meu apto para um rapaz chamado Yago e sua esposa Bianca pelo valor de 190.000 e achei estranho porque nem assinamos nada e ele já passou o valor total para minha conta e além disso estranhei porque entrou como crédito de FGTS é normal isso? Tenho medo de passar a escritura e esse valor sumir da minha conta kkk Att Vania” Em diligências realizadas na fase preliminar do procedimento administrativo constatou-se que os créditos foram liberados em favor da sra. Vânia pela agência 3744 – Marquês de São Vicente, com alvarás emitidos, em sua maioria, entre 2016 e 2017, com apresentação para pagamento em 2019. Após informações prestadas pelas Varas do Trabalho supostamente responsáveis pelas emissões dos alvarás, foram constatadas fraudes na expedição de tais documentos (ID n.º 287979250 – pág. 30 e seguintes). Da análise do relatório conclusivo do processo disciplinar, extrai-se que foram verificadas imagens das liberações de FGTS, apurando-se que, em pelo menos duas das liberações, Yago tratou os alvarás no atendimento do escritório, sem a presença de advogados, ao passo que as liberações mais recentes de valores se deram no prazo de dois dias úteis, ou seja, prazo menor que o padrão de cinco dias úteis previsto no normativo MN FP005. Com relação aos valores creditados em favor de Marli da Silva Salgado, constata-se que o réu foi o responsável pela abertura da conta de sua sogra, na agência em que esse trabalhava (ID 287981030 – pág. 10). Constatou-se, ainda, pelo relatório conclusivo do processo disciplinar que os valores nela creditados referem-se exclusivamente a liberações fraudulentas de FGTS por meio de alvarás judiciais supostamente expedidos por Varas do Trabalho de São Paulo, ocorridas entre julho de 2018 e dezembro de 2019. Analisados os fatos, passo à tipificação jurídica. No caso em tela, entendo que restou comprovada a prática de ato de improbidade administrativa que importou em enriquecimento ilícito, nos termos do artigo 9.º, XI, da Lei n.º 8.429/1992, o qual dispõe: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) [...] XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; Quanto ao dolo do réu, entendo que restou configurado pela utilização de expedientes de manipulação de alvarás judiciais, o que resultou na liberação de valores de FGTS, transferidos em favor de conta mantida por sua sogra (e por ele próprio aberta) e de conta mantida em nome de Vânia Aparecida Rhomens de Souza, para quem o réu estava negociando a aquisição de um imóvel. Ademais, verifico que o réu não produziu prova suficiente para afastar o material probatório produzido pela Caixa Econômica Federal. Tendo em vista a constatação da prática de atos previstos no artigo 9.º, XI, da Lei n.º 8.429/1992, aplico as sanções previstas no artigo 12, I, do referido diploma legal. Tal como sugere a própria lei de improbidade administrativa, em seu art. 12, caput, as penalidades podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente. Nesse ponto, afasto a aplicação da proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, tendo em vista que as demais sanções são suficientes para o presente caso. Quanto à sucumbência, o Colendo Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que não cabe a condenação do réu, em ação civil pública, ao pagamento de honorários, em razão da simetria. Neste sentido, cito a ementa que segue: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PROCESSUALCIVIL. AÇÃO CIVILPÚBLICA DEIMPROBIDADEADMINISTRATIVA.HONORÁRIOSADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA UNIÃO E DO MP. DISSENSO NÃO DEMONSTRADO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA INDEFERIDOS LIMINARMENTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 168/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Em razão dasimetria,descabe a condenação emhonoráriosadvocatícios da parte requerida emação civilpública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985" (EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018). 2. Súmula n.º 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado". 3. Agravo interno desprovido. (STJ – Agravo Interno nos Embargos de Divergência em Recurso Especial – 1544693 – Relatora Ministra Laurita Vaz – Corte Especial - julgado em 13/08/2019 e publicado em 22/08/2019) [destaquei] Em face do exposto, confirmo a decisão que decretou a indisponibilidade de bens do réu, considerando o decidido nos Embargos de Terceiro Cível nº 5032954-22.2023.4.03.6100 quanto à liberação de veículo, e JULGO PROCEDENTE a presente ação,nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil/2015, e condeno o réu pela prática do ato de improbidade tipificado no artigo 9º, caput e inciso XI, aplicando-lhes as penalidades previstas no artigo 12, inciso I, previstas na Lei nº. 8.429/92, nos seguintes termos: i) perda dos valores acrescidos ilicitamente, que fica aqui considerado aquele apontado no demonstrativo de débito de ID 130842626 – pág. 13 (R$ 784.613,64), devidamente atualizado com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária pelos índices do Manual da justiça Federal, desde a data de 13/09/2019. ii) perda da função pública; iii) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos; iv) pagamento de multa civil equivalente ao acréscimo patrimonial, no valor estipulado no item “i”, a ser apurado na fase de cumprimento de sentença. Defiro a gratuidade de justiça ao réu. Sem condenação em honorários, em razão da simetria. Custas pelo réu, observada a concessão da gratuidade de justiça. Sentença não sujeita ao reexame necessário. Após o trânsito em julgado da sentença, se confirmada esta, comunique-se ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a fim de fornecer as informações necessárias à inscrição do réu junto ao Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade– CNCIAI, nos termos da Resolução n° 6, de 20 de novembro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça. Havendo recurso(s) voluntário(s), dê-se vista à parte contrária para que apresente contrarrazões no prazo legal. Após, em se tratando de embargos de declaração, torne o processo concluso. Em se tratando de apelação, remeta-se o processo ao E. TRF da 3ª Região. P.I. São Paulo, data da assinatura eletrônica. - assinado eletronicamente - Mayara de Lima Reis Juíza Federal Substituta
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