Processo nº 5020239-50.2020.4.03.6100
ID: 310524624
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 5020239-50.2020.4.03.6100
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO
OAB/SP XXXXXX
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LUANDA MORAIS PIRES
OAB/SP XXXXXX
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AMANDA SOUTO BALIZA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5020239-50.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: ALIANCA NACIONAL …
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5020239-50.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT, UNIÃO FEDERAL REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELANTE: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A APELADO: UNIÃO FEDERAL, ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP INTERESSADO: MILTON RIBEIRO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5020239-50.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT, UNIÃO FEDERAL REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELANTE: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A APELADO: UNIÃO FEDERAL, ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação civil pública ajuizada por ALIANÇA NACIONAL LGBTI+, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MULHERES LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FAMÍLIAS HOMOTRANSAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIAÇÃO MÃES PELA DIVERSIDADE, ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERSIDADES PERIFÉRICAS, ASSOCIAÇÃO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO – BIANCA NIERO, ESPAÇO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE – PELA CIDADANIA PLENA, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO e UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - UNALGBT em face da UNIÃO FEDERAL e de MILTON RIBEIRO, então Ministro de Estado da Educação. Narram as associações autoras em sua inicial que, em 24/09/2020, o Estadão publicou entrevista com o corréu Milton Ribeiro, na qual o então Ministro manifestou-se de forma que as demandantes reputam homotransfóbica. Afirmam que a autoridade mentiu ao dizer que um vídeo, sobre o qual ele comentava, teria sido gravado dentro de uma escola, porque o material foi produzido numa universidade. Sustentam que são transfóbicas diversas afirmações dadas naquela entrevista, como (i) a de que as discussões de gênero não deveriam ser incentivadas, (ii) a de que a identidade de gênero seria uma escolha de cada indivíduo, (iii) a de que meninos de doze ou treze anos de idade estariam optando por serem gays por nunca terem estado com uma mulher de fato, (iv) a de que muitas pessoas que não são evangélicas não aceitam “isso”, assim como ele e (v) a de que professores transgêneros não deveriam fazer “uma propaganda aberta com relação a isso e incentivar meninos e meninas para andarem por esse caminho”. Tecem considerações sobre o contexto fático mundial e brasileiro sobre as condições de vida e situações discriminatórias experimentadas pelas pessoas transexuais, sobre a legislação brasileira e recomendações da ONU e da UNESCO a respeito, bem como sobre experiências de outros países sobre a educação sexual nas escolas. Pedem a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor sugerido de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) (ID 178755304). Deferida a gratuidade da justiça às associações autoras (ID 178759021). Contestações pelos réus (ID 178759034 e 178759036). Manifestação do Ministério Público Federal pelo reconhecimento da ilegitimidade passiva de Milton Ribeiro e pela procedência do pedido para se reconhecer o dever da União, em nome do agente público causador do dano moral, de indenizar coletivamente a sociedade LGBTQI+, nos limites fixados pelo Juízo de Origem, pelas falas discriminatórias proferidas pelo Sr. Milton Ribeiro durante o exercício do cargo de Ministro de Estado da Educação (ID 178759043). Em sentença proferida em 12/05/2021, o Juízo de Origem julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, em relação a Milton Ribeiro, em razão de sua ilegitimidade passiva, e julgou parcialmente procedente o pedido em relação à União Federal para condená-la ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, arbitrada em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), com juros de mora desde a data do evento danoso e correção monetária desde a data do arbitramento, segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal da 3ª Região, valores a serem revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985. Sem condenação em honorários (ID 178759044). A parte autora apela pleiteando a majoração da indenização, que os valores da condenação, tão logo sejam recebidos pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, sejam reservados até que projetos para a população LGBTI+ façam parte de seu rol e que a União seja em condenada em honorários, sustentando que o art. 18 da Lei nº 7.347/1985 não impede a condenação do réu em honorários (ID 178759056). A União Federal apela sustentando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, ao argumento de que a entrevista em questão foi dada em caráter pessoal pelo corréu Milton Ribeiro, e não como Ministro de Estado, bem como a nulidade da sentença ante a ausência de dilação probatória, que defende ser necessária para avaliar as demais entrevistas e opiniões pessoais do corréu, não sendo possível atribuir o alegado dano moral a uma única entrevista. No mérito, pleiteia o julgamento de improcedência do pedido, sustentando que o ato em questão não pode ser atribuído à Fazenda Pública, que está abrangido pela liberdade de expressão e manifestação do pensamento, sem implicar em danos anormais a quem quer que seja, que as declarações dadas numa única entrevista não podem servir de base à condenação da União por danos morais coletivos e que a matéria foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral nº 562, tendo sido firmada tese favorável aos seus interesses. Subsidiariamente, pede a redução do valor indenizatório e que os juros de mora incidam apenas a partir da data do arbitramento (ID 178759064). Contrarrazões pela União e pela parte autora (ID 178759068 e 178759070). Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso da União e pelo parcial provimento da remessa necessária e da apelação da parte autora para que a r. sentença seja reformada somente para determinar que o valor da indenização por danos morais, destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTI+ (ID 189958244). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5020239-50.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT, UNIÃO FEDERAL REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELANTE: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A APELADO: UNIÃO FEDERAL, ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP INTERESSADO: MILTON RIBEIRO V O T O PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5020239-50.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT, UNIÃO FEDERAL REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELANTE: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A APELADO: UNIÃO FEDERAL, ALIANCA NACIONAL LGBTI, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MULHERES LESBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABMLBT, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE FAMILIAS HOMOAFETIVAS - ABRAFH, ASSOCIACAO MAES PELA DIVERSIDADE, GRUPO ACONTECE - ARTE E POLITICA DE LESBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, ASSOCIACAO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE VINHEDO - BIANCA NIERO, ESPACO PARANAENSE DA DIVERSIDADE LGBT, GRUPO DIGNIDADE - PELA CIDADANIA DE GAYS, LESBICAS E TRANSGENEROS, GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GENERO - GADVS, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIVERCIDADES PERIFÉRICAS, UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS -UNALGBT REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: AMANDA SOUTO BALIZA - GO36578-A, LUANDA MORAIS PIRES - SP357642-A, PATRICIA DA SILVA ROSA MANNARO - SP197476-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do mérito da causa As teses de ilegitimidade passiva e de necessidade de dilação probatória trazidas pela União Federal confundem-se com o mérito da causa e com ele serão oportunamente analisadas. Assim restou fundamentada a sentença (ID 178759044): “(...) A pretensão surge em face da entrevista concedida pelo Primeiro Corréu ao jornal “O Estado de São Paulo” no dia 24.09.2020, intitulada “Volta às aulas no País e acesso à internet não são temas do MEC, diz ministro” (ID nº 41224498). A entrevista em questão foi concedida aproximadamente dois meses após a investidura do Primeiro Corréu no cargo de Ministro da Educação. Extrai-se da íntegra da entrevista apresentada nos autos que as perguntas ali contempladas diziam respeito ao retorno das aulas no País após a deflagração da Pandemia de Covid-19, em alusão direta aos planos da Pasta para a gestão da educação em território nacional. Por sua vez, constata-se que os excertos destacados pela parte autora na narrativa inicial (ID nº 40035826, págs. 06, 08-09 e 12) dizem respeito a respostas do Senhor Ministro quando questionado sobre a abordagem da educação sexual nas salas de aula, a discussão sobre práticas de “bullying” e a presença de professores transgêneros no ambiente letivo, todas inseridas no contexto de uma possível revisão da Base Nacional Comum Curricular pela nova gestão. Convém, nesse passo, consignar que o Supremo Tribunal Federal, debruçado sobre a hermenêutica aplicável ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, procedeu ao julgamento do RE nº 1.027.633-SP, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema nº 940), ocasião em que houve por bem reafirmar o entendimento de que as pessoas jurídicas de direito público (e as de direito privado, quando prestadoras de serviços públicos) responderão de forma primária pelos danos causados por seus agentes a particulares, ressalvado o futuro direito de regresso. Firmou-se, assim, a tese seguinte: “a teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Observa-se, ainda, que o venerando acórdão transitou em julgado na data de 14.01.2020. Mister destacar que, no caso dos autos, as declarações do Primeiro Corréu, nomeado para cargo de elevado grau no Poder Executivo, não podem ser reduzidas ao patamar de meras opiniões pessoais, tais como aquelas que são veiculadas rotineiramente por intermédio de redes sociais ou canais de comunicação exclusiva com público restrito e direcionado. Em que pese o fato de as declarações terem sido desprovidas de abordagem técnica e maior rigor formal, não podem ser retiradas de seu contexto originário – no caso, a entrevista formulada por jornal de grande circulação com o intuito de delinear o perfil da gestão recém-empossada e informar ao seu público as diretrizes que passariam a ser adotadas pelo Senhor Ministro da Educação na condução da pasta no Poder Executivo. Inserem-se, portanto, os fatos narrados na petição inicial, no contexto de ato praticado por agente da Administração no exercício de suas atribuições, de modo que eventuais danos dele decorrentes, deverão ser suportados exclusivamente pela União Federal, nos termos do entendimento firmado pela Corte Superior em sede de repercussão geral. Por outro lado, convém ressaltar que não se aproveitam em favor da pessoa jurídica de direito público, ao menos em relação à questão de ordem atinente à sua legitimidade passiva, os efeitos decorrentes da tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do julgamento do RE nº 685.493-SP, também afetado à sistemática da repercussão geral (Tema nº 652). Versando sobre a hipótese de imunização dos agentes investidos em cargos de representação política no contexto de sua investidura, em analogia à prerrogativa concebida pela Constituição Federal em seu art. 53, caput, aos representantes do Poder Legislativo, referida imunidade não assume natureza absoluta, como reconhecido pela própria Corte, esvaindo-se diante da caracterização do dolo manifesto, entre outras situações. Assim, a questão suscitada atine, essencialmente, ao mérito da demanda, e com este será enfrentada, mais adiante. Por ora, de rigor o acolhimento da preliminar arguida pelo Primeiro Corréu, em face de quem a presente ação deverá ser extinta e, por seu turno, o reconhecimento da legitimidade passiva da União Federal. Portanto, superadas as preliminares, presentes as condições da ação e preenchidos os pressupostos processuais, passo à análise do mérito. A controvérsia nos autos diz respeito à possibilidade de condenação da União Federal à reparação de eventuais danos morais coletivos experimentados pela sociedade em decorrência da entrevista dada pelo Senhor Ministro da Educação ao Jornal “O Estado de São Paulo” na data de 24.09.2020. A Constituição Federal assegura aos cidadãos, na forma do art. 5º, inciso V, o direito de resposta (proporcional ao agravo) e de indenização em decorrência de danos morais experimentados, tomando por invioláveis, em seu inciso X, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Nesta esteira, o Código de Defesa do Consumidor consagrou no ordenamento jurídico o direito de reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos, nos termos de seu art. 6º, inciso IV. Como cediço, o dano moral coletivo pertence a categoria específica de dano, cuja configuração não se restringe aos requisitos tradicionais da reparação do dano moral individual, vinculando-se “(...) à violação injusta, e intolerável de valores fundamentais titularizados pela coletividade (grupos, classes ou categorias de pessoas (...) (detendo a ) função de: a) proporcionar uma reparação indireta à lesão de um direito extrapatrimonial da coletividade; b) sancionar o ofensor; e c) inibir condutas ofensivas a esses direitos transindividuais” (cf. STJ, REsp nº 1.643.365-RS, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 05.06.2018, DJ 07.06.2018). Além disso, em razão do fato transpor aos atributos individuais da pessoa humana, inserindo-se no contexto dos valores fundamentais da sociedade, o dano moral coletivo dispensa a comprovação do dano concreto e do efetivo abalo moral, assumindo verdadeira natureza “in re ipsa”. Confira-se, a esse respeito, o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região: (...) Assim, ao conjugar os entendimentos firmados pela Corte Superior, verifica-se a responsabilização do agente político, por intermédio da pessoa de direito público competente, quando for possível aduzir de seus pronunciamentos, a violação aos interesses da coletividade. No presente caso, a parte autora insurge-se contra trechos da entrevista concedida pelo Ministro de Estado (ID nº 41224498), que implicariam na violação à imagem da população LGBTI+, assumindo caráter de discurso de ódio a essa parcela da sociedade. De fato, a leitura da entrevista, que teve elevada repercussão nacional, evidencia posicionamentos que excedem o limite da opinião pessoal e investe diretamente contra a imagem da população LGBTI+, cuja opção de gênero é repassada ao público como algo anormal e invariavelmente relacionada a ambientes familiares problemáticos. Transcreve-se da entrevista o trecho seguinte: (...) Evidencia-se, portanto, que as falas proferidas pelo Senhor Ministro da Educação ultrapassam o limite da opinião ocasional, conjugando-se em verdadeira investida contra os cidadãos com identidade de gênero homossexual, a quem destina a pecha de anormais, inclusive do ponto de vista biológico. Assumem, como bem mencionado pelo Ministério Público Federal, contornos de discriminação e preconceito, visando a marginalização de parcela da população em prol de supostos “princípios e valores” assumidos. Posturas dessa natureza tendem a desestabilizar a paz social e correm à contramão da evolução política e jurídica referente às conquistas sociais dos últimos anos, implicando em violação direta às garantias constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Importa ressaltar que o processo de evolução da proteção aos direitos humanos exsurge, justamente, da necessidade de se salvaguardar a identidade e a autonomia dos cidadãos em relação ao próprio Estado, assegurando, de maneira integrada, o exercício dos demais direitos sociais e políticos. A esse respeito, confira-se a lição da Professora Flávia Piovesan: (...) Não verifico, ademais, plausibilidade na alegação no sentido de possível “excludente de ilicitude”, visto que o discurso consistia em “prestação de contas à sociedade a respeito das atividades e da orientação política da pasta ministerial” (ID nº 45568176, pág. 06). Em verdade, a situação se reveste de maior gravidade justamente pelo fato de se tratar de ato praticado por Ministro de Estado, a quem compete, institucionalmente, o estabelecimento de políticas públicas para a erradicação das diversas formas de discriminação ainda presentes na sociedade. Sobre o tema em debate, confiram-se, ainda, os entendimentos firmados pela jurisprudência dos nossos Tribunais: (...) Dessa forma, em face da gravidade do conteúdo proferido pelo Ministro da Educação, na entrevista concedida na data de 20.09.2020, resta configurado o dano moral coletivo, como aduzido pelas associações autoras, bem como o dever da União Federal em repará-lo. No que diz respeito à fixação da indenização por dano moral, segundo jurisprudência consolidada, deve o Juiz, ao arbitrá-la, levar em consideração as circunstâncias da causa, como a intensidade da culpa do agente, a gravidade, extensão e a repercussão da ofensa, bem como a condição social, educacional, profissional e econômica do ofendido, de forma que tal valor não seja ínfimo, para não representar ausência de sanção efetiva ao ofensor; nem excessivo, a fim de evitar o enriquecimento sem causa da vítima. Tal fixação deve orientar-se, portanto, pelos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da moderação. Pelas razões apresentadas, considerando tratar-se de dano moral coletivo, a indenização correspondente deve possuir o caráter compensatório, a fim de reparar o dano sofrido que a conduta ilícita causou à coletividade, além de atuar como medida pedagógica, de prevenção a reiteração da prática censurada. Desse modo, entendo, neste caso, razoável a fixação da condenação em indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que serão revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. (...)” (destaquei). Pois bem. Discute-se nos autos a possível ocorrência de danos morais coletivos à população LGBTI+ em decorrência de uma entrevista concedida pelo corréu Milton Ribeiro, então Ministro de Estado da Educação. Esclareço que será empregada a expressão “população LGBTI+” neste voto, e não outra, por ter sido utilizada nas manifestações da parte autora. A matéria está relacionada às teses de repercussão geral nº 940 e 562, in verbis: “A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. “Ante conflito entre a liberdade de expressão de agente político, na defesa da coisa pública, e honra de terceiro, há de prevalecer o interesse coletivo, da sociedade, não cabendo potencializar o individual”. Como corretamente decidido em sentença, o Ministro de Estado é parte ilegítima para responder, diretamente, por danos decorrentes dos pronunciamentos que faz nessa qualidade, a teor do art. 37, § 6º da Constituição Federal e de acordo com a tese de repercussão geral nº 940. Destaco que eventual direito de regresso da União contra o agente público depende da comprovação de seu dolo ou culpa, nos termos da mencionada tese de repercussão geral nº 940, o que deve ser alegado e comprovado nas vias próprias a tanto. A tese da União de que os dizeres do corréu configuram manifestação pessoal sua, desvinculada de sua qualidade de então Ministro de Estado, não comporta acolhimento. O compulsar dos autos não deixa dúvidas de que o então Ministro concedeu entrevista nessa qualidade, na qual foram abordados diversos temas relativos à educação (ID 178759020). Tanto isso é verdade que a matéria jornalística foi intitulada “Volta às aulas no País e acesso à internet não são temas do MEC, diz ministro” e teve como subtítulo “Milton Ribeiro reconhece que a desigualdade se acentua, mas ressalta que escola é de responsabilidade de Estados e municípios”. Além disso, as declarações apontadas como lesivas pelas associações autoras tiveram início quando o então Ministro foi perguntado sobre educação sexual nas escolas. Confira-se o seguinte trecho em questão (ID 178759020): “(...) Isso seria com uma valorização financeira? Se tiver uma valorização financeira, o professor terá tempo de se preparar. A Capes e o MEC estão treinando professores com cursos online. Já deu uma diretriz para revisão da Base Nacional Comum Curricular? Esse é um ponto que precisamos atacar de maneira urgente. O prazo é 2023, mas não é feito da noite para o dia. Na educação básica, o Enem tem sido um balizador dos conteúdos que a gente requer, porque senão começa a falar lá de ideologia, sabe tudo sobre sexo, como colocar uma camisinha, tirar uma camisinha, sabe tudo. Fica gastando tempo com assuntos que são laterais. As crianças têm de aprender outras coisas. Mas a educação sexual não deve ser tratada dentro da aula, inclusive para proteger a criança? Nesse particular, sim. Existem temas que podem ser tocados para evitar que uma criança seja molestada. Mas não o outro lado que é uma erotização das crianças. Tem vídeo que corre na internet das meninas aprendendo a colocar uma camisinha com a boca. Isso é um vídeo dentro de uma escola pública? É dentro de uma escola (na verdade, o vídeo citado pelo ministro foi gravado em uma universidade no interior da Bahia). Está no YouTube, é só procurar. E a professora mostrando como é. Dizem que é para proteger gravidez indesejada, mas a verdade é que falar para adolescentes que estão com os hormônios num top sobre isso é a mesma coisa que um incentivo. É importante falar sobre como prevenir uma gravidez, mas não incentivar discussões sobre gênero. Quando o menino tiver 17, 18 anos, ele vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser um homossexual, eu respeito, não concordo. A escola é um ambiente com prática de bullying, o que leva, por exemplo, a depressão e outros casos mais graves. Não é importante fazer essa discussão dentro da escola? Por esse viés, é claro que é importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião. Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de princípios e valores. Esse posicionamento do sr. não é um choque com o seu compromisso de posse de respeitar a laicidade do Estado na sua gestão? Não. Tem muita gente que não é evangélico que também não aceita isso. É uma pauta da sociedade mais conservadora. Se eu estabelecesse, por exemplo, uma regra ‘não vai dar uma aula se o cara é homossexual’... Temos Estados aí que têm professores transgêneros, isso não tem nada a ver comigo. Não terei influência. O senhor é contra um professor transgênero na sala de aula? Se ele não fizer uma propaganda aberta com relação a isso e incentivar meninos e meninas para andarem por esse caminho… Tenho certas reservas. (...)” (destaquei). A mera leitura do teor da entrevista denota que as declarações em questão são indissociáveis do alto cargo ocupado pelo entrevistado, que, na qualidade de Ministro de Estado, respondia a diversas perguntas sobre a sua área de atribuição. Correta, portanto, a sentença ao reconhecer a legitimidade passiva ad causam da União Federal. Rejeito a alegação da União de que não seria possível sua condenação em danos morais coletivos com base em uma única entrevista de Ministro de Estado. Na verdade, eventual ocorrência do dano extrapatrimonial deve ser aferida a partir da análise do ato apontado como lesivo, não sendo imprescindível que, para causar o alegado dano, a conduta deva ter sido reiterada. Ao menos em tese, um único ato pode ser fonte desse dano. No mérito, registre-se que, no julgamento do Mandado de Injunção nº 4.733/DF, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual, in verbis: “EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. DEVER DO ESTADO DE CRIMINALIZAR AS CONDUTAS ATENTATÓRIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. HOMOTRANSFOBIA. DISCRIMINAÇÃO INCONSTITUCIONAL. OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO JULGADO PROCEDENTE. 1. É atentatório ao Estado Democrático de Direito qualquer tipo de discriminação, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou em sua identidade de gênero. 2. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual. 3. À luz dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil é parte, dessume-se da leitura do texto da Carta de 1988 um mandado constitucional de criminalização no que pertine a toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. 4. A omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay, lésbica, bissexual, transgênera ou intersex é tolerada, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade. A Constituição não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe. 5. A discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, tal como qualquer forma de discriminação, é nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor. 6. Mandado de injunção julgado procedente, para (i) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero” (destaquei). (STF, MI nº 4.733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, julgamento em 13/06/2019). E não poderia ser diferente, já que, independentemente de discussões técnicas mais aprofundadas sobre o que vem a ser identidade de gênero, fato é que a discussão posta nos autos diz com o modo de ser das pessoas. Trata-se, portanto, de tema afeto à vida privada e à intimidade, liberdades individuais garantidas constitucionalmente e, consequentemente, infensas à intervenção do Estado. Não há dúvidas, portanto, de que é ilícita a conduta do Ministro de Estado que emite juízo de desvalor em relação a pessoas que, nos seus dizerem, “optam” por serem gays. E, evidentemente, a tese firmada no tema de repercussão geral nº 562 não beneficia a União porque não há nenhum interesse público em manifestações de tal natureza. Cumpre analisar se daí decorre, ou não, os danos morais coletivos alegados pela parte autora. Com efeito, o C. Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de fixação de indenização por dano moral coletivo nas hipóteses em que se verifica lesão a "interesses essencialmente coletivos", que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais", como exemplifica o seguinte precedente: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ALIENAÇÃO DE TERRENOS A CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ORDENAMENTO URBANÍSTICO E DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. CONCEPÇÃO OBJETIVA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL TRANSINDIVIDUAL. 1. O dano moral coletivo caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por finalidade prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta). 2. Tal categoria de dano moral — que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos — é aferível in re ipsa, pois dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu) que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017), revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo à integridade psicofísica da coletividade. 3. No presente caso, a pretensão reparatória de dano moral coletivo, deduzida pelo Ministério Público estadual na ação civil pública, tem por causas de pedir a alienação de terrenos em loteamento irregular (ante a violação de normas de uso e ocupação do solo) e a veiculação de publicidade enganosa a consumidores de baixa renda, que teriam sido submetidos a condições precárias de moradia. 4. As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus, que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores/adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular — com precárias condições urbanísticas — como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente. 5. No afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores — protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas —, o CDC procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa (artigos 66 e 67), tipos penais de mera conduta voltados à proteção do valor ético-jurídico encartado no princípio constitucional da dignidade humana, conformador do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a permanência de profundas desigualdades, tal como a existente entre o fornecedor e a parte vulnerável no mercado de consumo. 6. Nesse contexto, afigura-se evidente o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões. 7. Outrossim, verifica-se que o comportamento dos demandados também pode ter violado o objeto jurídico protegido pelos tipos penais descritos na Lei 6.766/1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos), qual seja: o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social — intergeracional e fundamental — consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino). 8. A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados. 9. Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela-se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso. 10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso” (destaquei). (STJ, REsp n° 1.539.056/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 18/05/2021). No caso concreto, a leitura do teor da entrevista em questão revela que o então Ministro referiu-se à população LGBTI+ de forma depreciativa, ao dizer que optariam por ser gays as crianças e adolescentes advindas de famílias desajustadas, que não tiveram a atenção do pai e/ou da mãe e/ou que nunca estiveram com uma “mulher de fato” ou com um “homem de fato”, seja lá o que isso signifique. O modo pejorativo pelo qual a autoridade refere-se a essas pessoas também fica evidente quando o entrevistado afirma que, segundo as ciências, não seria “normal” essa questão de gênero e que ele não concorda com a opção de um adulto em ser homossexual. Tais declarações ultrapassam largamente o campo de atuação do Ministro da Educação porque, frise-se, não cabe ao Estado, por meio de um alto agente público, referir-se depreciativamente a uma parcela da população em razão de seu modo de ser. Sendo assim, tenho que o teor dessas declarações configura lesão grave, injusta e intolerável a valores e a interesses fundamentais da sociedade, notadamente o interesse em não ver o Estado tratar de forma distinta e discriminatória parcela da população por razões de gênero. Registre-se que não se está diante de uma lesão a direitos individuais homogêneos, mas a direitos coletivos, na forma do art. 81, II, do Código de Defesa do Consumidor, porque as declarações afetam os interesses transindividuais de um determinado grupo de pessoas, ligadas entre si pelo interesse comum em não serem tratadas com desprezo por razões de gênero e ligadas à União pela relação jurídica entre população e Estado. A distinção é relevante porque lesão a direitos individuais homogêneos não dá ensejo a danos morais coletivos (STJ, REsp n° 1.610.821/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 26/02/2021). Por tais razões, concluo que é lesiva aos direitos da população LGBTI+ e dá ensejo à condenação da União Federal por danos morais coletivos entrevista concedida por Ministro de Estado que, nessa qualidade, refere-se de modo depreciativo a essa parcela da população, em razão de seu modo de ser. Mantida, portanto, a condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Do valor da indenização No que se refere ao arbitramento do valor a título de indenização por danos morais, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesses casos, deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado, nos seguintes moldes, in verbis: “A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso”. (STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in RT 776/195) A matéria é, inegavelmente, cercada de dificuldades, na medida em que não é possível aferir, objetivamente, qual a extensão do dano extrapatrimonial. Tampouco se pode, de plano, afirmar qual o exato valor correspondente à gravidade da conduta lesiva. Mais especificamente quanto aos danos morais coletivos, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado as seguintes orientações: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ALIENAÇÃO DE TERRENOS A CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ORDENAMENTO URBANÍSTICO E DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. CONCEPÇÃO OBJETIVA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL TRANSINDIVIDUAL. 1. O dano moral coletivo caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por finalidade prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta). 2. Tal categoria de dano moral — que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos — é aferível in re ipsa, pois dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu) que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017), revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo à integridade psicofísica da coletividade. (...) 7. Outrossim, verifica-se que o comportamento dos demandados também pode ter violado o objeto jurídico protegido pelos tipos penais descritos na Lei 6.766/1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos), qual seja: o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social — intergeracional e fundamental — consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino). 8. A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados. 9. Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela-se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso. 10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso” (destaquei). (STJ, Recurso Especial nº 1.539.056/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 18/05/2021). Isto posto, tenho que o número de pessoas potencialmente atingidas pelas declarações, por si só, não serve de parâmetro seguro ao arbitramento da indenização, dado que não é isso o que torna mais ou menos reprovável a conduta da requerida. Também não cabe dividir o valor indenizatório pelo número de pessoas que integram a população LGBTI+ porque esses valores não serão direcionados diretamente a essas pessoas. A discussão posta nos autos tem relevância pelos valores jurídicos em questão, em especial a vedação ao tratamento discriminatório, e não propriamente pela quantidade de pessoas diretamente afetadas. Também não cabe elevar a indenização porque há julgado relativo a desabastecimento de cartões telefônicos em que foi arbitrada indenização mais substancial (STJ, AgInt no AREsp nº 911.111/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe: 21/10/2020). A comparação é impertinente porque são situações muito distintas. Sendo assim, e bem sopesando os elementos dos autos, tenho que andou bem a sentença ao levar em consideração circunstâncias concretas do caso, como o grau de culpa do agente, a gravidade, extensão e a repercussão da ofensa, e a vedação ao arbitramento de valores indenizatórios ínfimos ou excessivos. Examinando essas circunstâncias, reputo adequado o valor arbitrado em sentença, de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que ora mantenho. Dos juros de mora É cediço que, nas hipóteses de indenização por dano moral, a correção monetária deve incidir a partir da data do arbitramento do valor indenizatório, como se vê no enunciado da Súmula n° 362 do Superior Tribunal de Justiça: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”. O mesmo se diga quanto aos juros moratórios porque o devedor passa a estar em mora apenas quando do arbitramento do valor, uma vez que não é possível o pagamento antes desta data: "A indenização por dano moral puro (prejuízo, por definição, extrapatrimonial) somente passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou. O pedido do autor é considerado, pela jurisprudência do STJ, mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido (Súmula 326). Assim, a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral, sem base de cálculo, não traduzida em dinheiro por sentença judicial, arbitramento ou acordo (CC/1916, art. 1064). Os juros moratórios devem, pois, fluir, no caso de indenização por dano moral, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrada a indenização, tendo presente o magistrado, no momento da mensuração do valor, também o período, maior ou menor, decorrido desde o fato causador do sofrimento infligido ao autor e as consequências, em seu estado emocional, desta demora". (STJ. REsp n° 903.258 RS. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. DJe 17/11/2011). Portanto, acolho parcialmente o recurso da União para determinar que os juros de mora incidirão sobre a indenização desde a data do arbitramento (data da sentença). Da destinação da indenização Assim está disciplinada a matéria pela Lei nº 7.347/85: “Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento) § 1º Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.288, de 2010) § 2º Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010) (Vigência) (...)” (destaquei). De fato, a lei de regência expressamente estabelece uma correlação entre os bens lesados e o valor da indenização. E não poderia ser diferente, já que a tutela jurisdicional não seria efetiva se os recursos em questão não fossem revertidos, de alguma forma, em favor do grupo de pessoas atingidas pelo ato lesivo em questão. Contudo, tenho que não é possível acolher o pedido recursal da parte autora na extensão em que deduzido, para que os valores sejam reservados até que projetos para a população LGBTI+ façam parte do rol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Determinação dessa natureza poderia ser interpretada no sentido de que este Tribunal está determinando que o Fundo amplie o seu rol de projetos em caráter definitivo, sendo certo que a presente ação civil pública não é a via adequada para a medida. Diversamente, é possível acolher o parecer ministerial para determinar que o valor da indenização fixada nestes autos seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTI+, medida que se restringe aos limites da tutela jurisdicional que se pode prestar nestes autos e que garante a sua eficácia. Dos honorários advocatícios O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que o art. 18 da Lei nº 7.345/1985 - que condiciona a condenação em honorários sucumbenciais à má-fé da parte - é igualmente aplicável à parte autora e à parte ré, em razão do princípio da simetria, exceto nas ações civis públicas ajuizadas por associações e fundações privadas, hipóteses em que os honorários sucumbenciais constituem forma de viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a sociedade civil organizada. Neste sentido: “RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO DE NATUREZA PRIVADA. ART. 18 DA LEI 7.347/1985. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA SIMETRIA UTILIZADO EM BENEFÍCIO DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE. 1- Agravo em recurso especial interposto em 29/3/2021, convertido em recurso especial em 1º/12/2021 e concluso ao gabinete em 2/12/2021. 2- Na origem, Associação Estadual de Amparo ao Consumidor e ao Cidadão de Defesa contra as Práticas Abusivas – APRODEC ingressou com ação civil pública em desfavor de PEPSICO DO BRASIL LTDA, ora recorrente, com o objetivo de compeli-la a alterar todos os rótulos do produto Toddy Light, para que constassem, na embalagem, as seguintes informações corretas: a) a redução calórica, em comparação com o produto original, seria de 7,5%, e não de 31%; b) a comparação dos dois produtos – light e original – deveria ser lastreada com base na mesma proporção; e c) o valor energético do produto tradicional deveria ser indicado sem a adição de leite, de forma direta e clara. 3- O propósito recursal consiste em dizer se, ante o princípio da simetria, o réu, em ação civil pública ajuizada por associação privada, pode ser condenado a arcar com as custas e com os honorários advocatícios. 4- Esta Corte Superior perfilha o entendimento de que não cabe a condenação em honorários advocatícios do requerido em ação civil pública, quando inexistente má-fé, assim como ocorre com a parte autora, por força da norma contida no artigo 18 da Lei nº 7.345/1985, estendo à União o entendimento outrora fixado em favor do Ministério Público (EAREsp 962.250/SP). 5- Não obstante, é possível verificar que a hipótese em epígrafe possui uma particularidade: diferentemente de a ação civil pública ter sido ajuizada pela União ou pelo Ministério Público, aqui foi proposta por associação privada, de modo que é imprescindível verificar se o princípio da simetria na condenação das custas e dos honorários advocatícios também se estende a tais entidades. 6- Para solucionar o caso em apreço, o argumento de acesso à justiça se afigura de primaz importância. Isso porque a legitimação da justiça está subordinada ao efetivo poder de o indivíduo dela se avizinhar. Dessa maneira, para se atingir a efetiva composição dos litígios, faz-se mister, preludiarmente, permitir o acesso, sem embaraço, ao Poder Judiciário. Exprime-se, nesse sentido, a noção de acesso à justiça. 7- Não é suficiente a mera possibilidade de propositura da demanda para fixarem-se as balizas do acesso à justiça. Torna-se relevante garantir o acesso material à ordem jurídica justa. 8- Evidentemente, não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas o princípio da primazia na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios, pois, do contrário, barrado estaria, de fato, um dos objetivos mais nobres e festejados da Lei 7.347/1985, qual seja viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a sociedade civil organizada (REsp 1.796.436/RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 18/6/2019) 9- Soma-se a isso a agravante de que não seria razoável, sob o enfoque ético e político, equiparar ou tratar como simétricos grandes grupos econômicos/instituições do Estado com organizações não governamentais (de moradores, de consumidores, de pessoas com necessidades ambientais, de idosos, ambientais, entre outras). 10- Recurso especial não provido” (destaquei). (STJ, REsp nº 1.974.436/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe: 25/03/2022). “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI 7.347/1985). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. REGRA INAPLICÁVEL ÀS ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES PRIVADAS. 1. Por conta do princípio da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do réu, quando se tratar de demanda ajuizada pelo Parquet ou outro colegitimado estatal, ressalvadas associações e fundações privadas, que recebem tratamento privilegiado e diferenciado no domínio da ação civil pública. 2. O espírito de facilitação do acesso à justiça, que informa e orienta o processo civil coletivo, vem cabalmente realçado no art. 18 da Lei da Ação Civil Pública: ‘Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais’. 3. Nos termos da jurisprudência do STJ, a vedação de condenação do Ministério Público ou entidades estatais em honorários advocatícios – salvo comprovada má-fé – impede que sejam beneficiados quando vencedores na ação civil pública. Evidentemente, tal orientação não se deve aplicar a demandas propostas por associações e fundações privadas, pois, do contrário, barrado de fato estaria um dos objetivos mais nobres e festejados da Lei 7.347/1985, ou seja, viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a sociedade civil organizada. Tudo com o agravante de que não seria razoável, sob enfoque ético e político, equiparar ou tratar como "simétricos" grandes grupos econômicos/instituições do Estado e organizações não governamentais (de moradores, ambientais, de consumidores, de pessoas com necessidades especiais, de idosos, etc). 4. Assim, dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: ‘Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’. 5. Recurso Especial não provido” (destaquei). (STJ, REsp nº 1.796.436/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe: 18/06/2019). Não ignoro que o Superior Tribunal de Justiça afetou para julgamento, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a possibilidade, ou não, de condenação da União ao pagamento de honorários de sucumbência em sede de ação civil pública (Tema nº 1.177). Contudo, o Tribunal da Cidadania determinou a suspensão apenas “dos recursos especiais ou agravos em recursos especiais em segunda instância e/ou no STJ fundados em idêntica questão de direito”, o que não obsta o julgamento das presentes apelações e reexame necessário (disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1177&cod_tema_final=1177, último acesso em março de 2024). A presente ação civil pública é ajuizada por associações privadas, como relatei, de sorte que é cabível a condenação da ré em honorários sucumbenciais. Dada a baixa complexidade da causa, resolvida pela análise de prova pré-constituída e de teses de direito, fixo os honorários nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC/2015, a serem definidos em liquidação de sentença, incidentes sobre o valor atualizado da condenação. Dispositivo Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e ao reexame necessário para determinar que o valor da indenização por danos morais, destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTI+ e condenar a União ao pagamento de honorários fixados nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC/2015, a serem definidos em liquidação de sentença, incidentes sobre o valor atualizado da condenação, e dar parcial provimento à apelação da União Federal para que os juros de mora incidam sobre o valor indenizatório a partir da data do arbitramento. É como voto. DECLARAÇÃO DE VOTO Apelações interpostas pelas entidades autoras e pela União contra sentença que julgou extinta a ação civil pública, sem resolução do mérito, em relação a Milton Ribeiro, dada a sua ilegitimidade passiva, e julgou parcialmente procedente o pedido em relação à União para condená-la ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, arbitrada em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), com juros de mora desde a data do evento danoso e correção monetária desde a data do arbitramento, segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal da 3ª Região, valores a serem revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios (Id. 178759044). A eminente relatoria votou no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora e ao reexame necessário para determinar que o valor da indenização por danos morais, destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTQIA+ e condenar a União ao pagamento de honorários fixados nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC/2015, a serem definidos em liquidação de sentença, incidentes sobre o valor atualizado da condenação, e dar parcial provimento à apelação da União para que os juros de mora incidam sobre o valor indenizatório a partir da data do arbitramento. Divirjo em parte e passo a expor as razões do voto. No que toca aos danos morais coletivos, na peça vestibular da ação houve pedido para condenação da ré no montante de cinco milhões de reais (Id. 178755303). Acerca do tema, primeiramente, destaca-se a explicação de Carlos Alberto Bittar Filho: Podem, pois, ser traçados os lindes da teoria do dano moral, em sua configuração mais recente, com supedâneo nos seguintes elementos: a) responsabilização pelo simples fato da violação; b) outorga ao juiz de poderes para a definição da reparação cabível; c) acolhimento de certos fatores como de relevo na determinação da reparação; d) admissão de novas formas de reparação; e) fixação de valor de desestímulo como reparação pecuniária; f) submissão do agente à prestação de serviços na reparação não-pecuniária; g) cumulatividade das reparações por danos morais e patrimoniais. Com supedâneo, assim, em todos os argumentos levantados, chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). Ocorrido o dano moral coletivo, que tem um caráter extrapatrimonial por definição, surge automaticamente uma relação jurídica obrigacional que pode ser assim destrinchada: a) sujeito ativo: a coletividade lesada (detentora do direito à reparação); b) sujeito passivo: o causador do dano (pessoa física, ou jurídica, ou então coletividade outra, que tem o dever de reparação); c) objeto: a reparação - que pode ser tanto pecuniária quanto não-pecuniária. Sobre essa relação incide a teoria da responsabilidade civil. (Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6183>. Acesso em: 25 set. 2013, destaquei). Merece menção também publicação extraída do sítio do Superior Tribunal de Justiça, de 17/6/2012, e que apresenta a evolução jurisprudencial sobre o dano moral coletivo e retrata seu atual posicionamento, no sentido do seu reconhecimento e mensuração: Dano moral coletivo avança e inova na jurisprudência do STJ A possibilidade de indenização por dano moral está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso V. O texto não restringe a violação à esfera individual, e mudanças históricas e legislativas têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico. Essas ações podem tratar de dano ambiental (lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), desrespeito aos direitos do consumidor (por exemplo, por publicidade abusiva), danos ao patrimônio histórico e artístico, violação à honra de determinada comunidade (negra, judaica, japonesa, indígena etc.) e até fraude a licitações. A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi vê no Código de Defesa do Consumidor um divisor de águas no enfrentamento do tema. No julgamento do Recurso Especial (REsp) 636.021, em 2008, a ministra afirmou que o artigo 81 do CDC rompeu com a tradição jurídica clássica, de que só indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo ordenamento. Com o CDC, "criam-se direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa, indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados", explicou Andrighi, em seu voto. Na mesma linha, a ministra citou o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no artigo 208 permite que o Ministério Público ajuíze ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente. A ministra classifica como inquestionável a existência, no sistema legal brasileiro, dos interesses difusos e coletivos. Uma das consequências dessa evolução legislativa seria o reconhecimento de que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não patrimonial. Dano que, para a ministra, deve encontrar uma compensação. "Nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema jurídico admite, em poucas palavras, a existência de danos extrapatrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos", concluiu Andrighi. Vinculação individual. A posição da ministra Andrighi encontra eco nos Tribunais, mas a ocorrência do dano moral coletivo é, ainda hoje, polêmica no STJ. Caso a caso, os ministros analisam a existência desse tipo de violação, independentemente de os atos causarem efetiva perturbação física ou mental em membros da coletividade. Ou seja, é possível a existência do dano moral coletivo mesmo que nenhum indivíduo sofra, de imediato, prejuízo com o ato apontado como causador? Em 2009, a Primeira Turma negou um recurso em que se discutia a ocorrência de dano moral coletivo, porque entendeu "necessária sua vinculação com a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual, incompatível, assim, com a noção de transindividualidade - indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão" (REsp 971.844). Naquele caso, o Ministério Público Federal pedia a condenação da empresa Brasil Telecom por ter deixado de manter postos de atendimento pessoal aos usuários em todos os municípios do Rio Grande do Sul, o que teria violado o direito dos consumidores à prestação de serviços telefônicos com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza. O relator, ministro Teori Zavascki, destacou que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região considerou que eventual dano moral, nesses casos, se limitaria a atingir pessoas individuais e determinadas. Entendimento que estava de acordo com outros precedentes da Turma. Em 2006, Zavascki também havia relatado outro recurso que debateu a ocorrência de dano moral coletivo. O caso se referia a dano ambiental cometido pelo município de Uberlândia (MG) e por uma empresa imobiliária, durante a implantação de um loteamento. A Turma reafirmou seu entendimento de que a vítima do dano moral deve ser, necessariamente, uma pessoa. "Não existe 'dano moral ao meio ambiente'. Muito menos ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único" (REsp 598.281). Dano não presumível. Em outro julgamento ocorrido na Primeira Turma, em 2008, o relator do recurso, ministro Luiz Fux, fez ponderações a respeito da existência de dano moral coletivo. Naquele caso, o Ministério Público pedia a condenação de empresa que havia fraudado uma licitação a pagar dano moral coletivo ao município de Uruguaiana (RS) (REsp 821.891). Em primeira instância, a juíza havia entendido que "por não se tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a respeitabilidade" e que a sociedade efetivamente tenha sido lesada e abalada moralmente. Na apelação, o dano coletivo também foi repelido. "A fraude à licitação não gerou abalo moral à coletividade. Aliás, o nexo causal, como pressuposto basilar do dano moral, não exsurge a fim de determiná-lo, levando ao entendimento de que a simples presunção não pode sustentar a condenação pretendida". Ao negar o recurso, o ministro Fux afirmou que é preciso haver a comprovação de efetivo prejuízo para superar o caráter individual do dano moral. Prova prescindível. Em dezembro de 2009, ao julgar na Segunda Turma um recurso por ela relatado, a ministra Eliana Calmon reconheceu que a reparação de dano moral coletivo é tema bastante novo no STJ. Naquele caso, uma concessionária do serviço de transporte público pretendia condicionar a utilização do benefício do acesso gratuito de idosos no transporte coletivo (passe livre) ao prévio cadastramento, apesar de o Estatuto do Idoso exigir apenas a apresentação de documento de identidade (REsp 1.057.274). A ação civil pública, entre outros pedidos, pleiteava a indenização do dano moral coletivo. A ministra reconheceu os precedentes que afastavam a possibilidade de se configurar tal dano à coletividade, porém, asseverou que a posição não poderia mais ser aceita. "As relações jurídicas caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não pode ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais", ponderou. A Segunda Turma concluiu que o dano moral coletivo pode ser examinado e mensurado. Para Calmon, o dano extrapatrimonial coletivo prescindiria da prova da dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelos indivíduos. "É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições", disse a ministra. A dor, a repulsa, a indignação não são sentidas pela coletividade da mesma forma como pelos indivíduos, explicou a relatora: "Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à ideia do coletivo." A ministra citou vários doutrinadores que já se pronunciaram pela pertinência e necessidade de reparação do dano moral coletivo. Dano ambiental. Em dezembro de 2010, a Segunda Turma voltou a enfrentar o tema, desta vez em um recurso relativo a dano ambiental. Os ministros reafirmaram o entendimento de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar (REsp 1.180.078). No caso, a ação civil pública buscava a responsabilização pelo desmatamento de área de mata nativa. O degradador foi condenado a reparar o estrago, mas até a questão chegar ao STJ, a necessidade de indenização por dano moral coletivo não havia sido reconhecida. O relator, ministro Herman Benjamin, destacou que a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa. "A condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar", disse Benjamin, sobretudo pelo dano interino (o que permanece entre o fato e a reparação), o dano residual e o dano moral coletivo. "A indenização, além de sua função subsidiária (quando a reparação in natura não for total ou parcialmente possível), cabe de forma cumulativa, como compensação pecuniária pelos danos reflexos e pela perda da qualidade ambiental até a sua efetiva restauração", explicou o ministro Benjamin. No mesmo sentido julgou a Turma no REsp 1.178.294, da relatoria do ministro Mauro Campbell. Atendimento bancário. Nas Turmas de direito privado do STJ, a ocorrência de dano moral coletivo tem sido reconhecida em diversas situações. Em fevereiro passado, a Terceira Turma confirmou a condenação de um banco em danos morais coletivos por manter caixa de atendimento preferencial somente no segundo andar de uma agência, acessível apenas por escadaria de 23 degraus. Os ministros consideraram desarrazoado submeter a tal desgaste quem já possui dificuldade de locomoção (REsp 1.221.756). O relator, ministro Massami Uyeda, destacou que, embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) admita a indenização por danos morais coletivos e difusos, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar esse tipo de dano, resultando na responsabilidade civil. "É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e transborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva", esclareceu o relator. Para o ministro Uyeda, este era o caso dos autos. Ele afirmou não ser razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção (idosos, deficientes físicos, gestantes) à situação desgastante de subir 23 degraus de escada para acessar um caixa preferencial. O ministro destacou que a agência tinha condições de propiciar melhor forma de atendimento. A indenização ficou em R$ 50 mil. Medicamento ineficaz. Em outro julgamento emblemático sobre o tema no STJ, a Terceira Turma confirmou condenação do laboratório Schering do Brasil ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão, em decorrência da colocação no mercado do anticoncepcional Microvlar sem o princípio ativo, o que ocasionou a gravidez de diversas consumidoras (REsp 866.636). O caso das "pílulas de farinha" - como ficou conhecido o fato - aconteceu em 1998 e foi resultante da fabricação de pílulas para o teste de uma máquina embaladora do laboratório, mas o medicamento acabou chegando ao mercado para consumo. Na origem, a ação civil pública foi ajuizada pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon) e pelo Estado de São Paulo. Os fatos foram relacionados diretamente à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação que estes possuem e à compensação pelos danos morais sofridos. Os danos morais causados à coletividade foram reconhecidos logo na primeira instância, e confirmados na apelação. O juiz chegou a afirmar que "o dano moral é dedutível das próprias circunstâncias em que ocorreram os fatos". O laboratório pediu, no recurso especial, produção de prova pericial, para que fosse averiguada a efetiva ocorrência de dano moral à coletividade. A ministra Andrighi considerou incongruente o pedido de perícia, na medida em que a prova somente poderia ser produzida a partir de um estudo sobre consumidoras individualizadas. Para a ministra, a contestação seria uma "irresignação de mérito, qual seja, uma eventual impossibilidade de reconhecimento de danos morais a serem compensados diretamente para a sociedade e não para indivíduos determinados". (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106083) Inequivocamente, na atualidade, lei, doutrina e jurisprudência acolhem a noção de responsabilidade daqueles que, na sua omissão ou atividade, causam danos morais à coletividade. A partir do conceito individualista do Código Civil anterior, de cunho privatista e patrimonialista, o Direito evoluiu e construiu para conceber que grupos e um número indistinto de cidadãos podem ser atingidos na sua identidade, expectativas, direitos e existência. No mundo contemporâneo, caracterizado por grandes corporações e meios tecnológicos avançados, as ações de um indivíduo ou de empresas podem ocasionar danos a um conjunto relevante de pessoas e à própria natureza, no que ela representa para toda a sociedade. Ressalte-se ainda, por outro lado, que, diferentemente do dano moral individual, não há necessidade de demonstração da dor, de sofrimento e de abalo psicológico, conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça que se cita no ponto que interessa: Ementa: ... 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade. (...). (STJ - 2ª Turma - Resp 1.057.274/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 26.02.2010) No caso dos autos, a conduta do ministro de Estado, ao exteriorizar falas de conteúdo discriminatório e ofensivo em relação aos cidadãos LGBTQIA+ e às suas famílias, não apenas causou prejuízo direto a uma parcela significativa da população, mas frustrou direitos da coletividade que igualmente têm assento constitucional. Conforme destacou o Ministério Público Federal em seu parecer: “o estabelecimento do debate público sobre tais posicionamentos não deve ser fomentado através de manifestações ofensivas, discriminatórias e capazes de incitar o preconceito contra a população LGBTQI+ em toda a sociedade e, especialmente, em espaços públicos e privados de ensino, os quais tem senão a maior, uma das maiores contribuições na formação sociocultural do indivíduo através da educação e interação entre as crianças e adolescentes, o que resultará crucial na formação da consciência singular e coletiva do adulto e o modo como este olhará para si e para o mundo para que possa aceitar e respeitar as suas próprias diversidades e a dos demais” (Id. 178759043, p. 07). O respeito ao direito de ser quem se é está consagrado na Constituição Federal. Como bem aponta o Parquet, o Supremo Tribunal Federal (MI 4.733), ao classificar os atos discriminatórios à população LGBTQIA+ como crime de racismo, ressaltou os limites da liberdade de expressão não violenta: “O discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações e manifestações que incitem a discriminação, que estimulem a hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral) contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, não encontra amparo na liberdade constitucional de expressão nem na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 13, § 5º), que expressamente o repele” (Id. 178759043, p. 17). A gravidade da conduta se amplifica com a observação de que se tratava, à época, de ministro de Estado, responsável pela pasta da Educação, em fala que trata a orientação sexual dos indivíduos como falha de caráter atribuída a cada um e às suas famílias. Patente, pois, a discriminação atentatória aos direitos fundamentais enumerados na Constituição Federal, tais como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), ao objetivo fundamental de promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação (artigo 3º, IV) e o princípio da igualdade formal enunciado no artigo 5º (“todos são iguais perante a lei”). Assim, caracterizados os danos à coletividade e aos próprios direitos alhures referidos, há de se promover a sua efetiva prevenção e reparação. Como bem apontou o Ministro Luiz Fux: “Particularmente nos casos em que se trata de direitos de minorias é que incumbe à Corte Constitucional operar como instância contramajoritária, na guarda dos direitos fundamentais plasmados na Carta Magna em face da ação da maioria ou, como no caso em testilha, para impor a ação do Poder Público na promoção desses direitos. (...) Canetas de magistrados não são capazes de extinguir o preconceito, mas, num Estado Democrático de Direito, detêm o poder de determinar ao aparato estatal a atuação positiva na garantia da igualdade material entre os indivíduos e no combate ostensivo às discriminações odiosas” (STF, ADPF 132, 2011). Em conclusão, nas precisas palavras de Carlos Alberto Bittar Filho anteriormente mencionadas, houve inegável "violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos". Cabível, desse modo, o ressarcimento do dano moral correspondente. Divirjo, todavia, quanto à quantificação dos danos extrapatrimoniais coletivos, pois entendo que o montante requerido pelo apelante (cinco milhões de reais) se afigura adequado e suficiente para sua reparação, considerada a quantidade de pessoas atingidas pela conduta, sua gravidade, bem assim que foi praticada por Ministro de Estado, de forma que a União tem capacidade econômica para arcar com tal valor. Destarte, não é excessiva, por um lado, e propicia justa restauração dos prejuízos experimentados pela sociedade. Ademais, como bem ressaltou a eminente relatoria, o valor da indenização fixada nestes autos deverá ser aplicado em políticas públicas que beneficiem a população LGBTQIA+, o que denota a necessidade de que o valor seja expressivo e minimamente apto a possibilitar a respectiva implementação, em âmbito nacional. Por fim, as estatísticas demonstram o aumento do número de mortes violentas de pessoas LGBTQIA+. Segundo matéria da agência Brasil: “Em 2021, houve no Brasil, pelo menos 316 mortes violentas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+). Esse número representa um aumento de 33,3% em relação ao ano anterior, quando foram 237 mortes. Os dados constam do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil. Entre os crimes ocorridos no ano passado, 262 foram homicídios (o que corresponde a 82,91% dos casos), 26 suicídios (8,23%), 23 latrocínios (7,28%) e 5 mortes por outras causas (1,58%). O dossiê, produzido por meio do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, é resultado de uma parceria entre a Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Realizado por meio de uma base de dados compartilhada entre essas três instituições, o trabalho contém os registros dos casos encontrados em notícias de jornais, portais eletrônicos e redes sociais. As violências ocorreram em diferentes ambientes, como doméstico, via pública, cárcere e local de trabalho. (...) Os dois grupos que sofreram mais violência, reunindo 90,5% dos casos, foram os homens gays (45,89%), com um total de 145 mortes; e as travestis e mulheres trans (44,62%), com 141 mortes.” https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2022-05/numero-de-mortes-violentas-de-pessoas-lgbti-subiu-333-em-um-ano, acesso em 16.04.2024) Registre-se, ainda, o relatório de pesquisa feita Conselho Nacional de Justiça sobre discriminação e violência contra a população LGBTQIA+ (Brasília: CNJ, 2022), que apontou que: “a violência contra a população LGBTQIA+ apresentou significativo crescimento, conforme evidenciado pelos dados de 2022: 35,2% a mais de agressões, 7,2% a mais de homicídios e 88,4% a mais de estupros das pessoas identificadas como tais (FBSP, 2022)”. Os números demonstram a importância da ação civil pública manejada para se contrapor a falas da natureza da apontada nestes autos, que podem incentivar comportamentos de ódio e discriminação que evoluem para a violência de fato. Ressalte-se ainda que, nas conclusões do estudo efetuado pelo Conselho Nacional de Justiça a partir de dados coletados com a intenção de mapear casos de violência judicializados e tipificados como crimes cuja motivação foi LGBTfóbica, um dos aspectos verificados diz respeito à dificuldade de acesso à justiça pelas vítimas, decorrente de uma série de fatores: “o primeiro é a descrença na atuação do Estado para combater LGBTfobia ou para prover qualquer reparação, uma vez que os casos em que a vítima consegue proceder com ações penais são vistos como casos de “sorte”, segundo os(as) entrevistados(as). Outro ponto é a própria naturalização da violência nas vidas de pessoas LGBTQIA+, que leva a dificuldades do reconhecimento da situação de violência, ou ainda, a não percepção do direito delas em ser reparada ou protegida.” (grifos nossos) Há que se buscar reverter essa descrença, com a adoção de posicionamento que demonstre que o Poder Judiciário não está alheio e que reconhece o caráter educativo e preventivo da indenização pelas violências sofridas pela população LGBTQIA+, notadamente quando se está diante de condutas graves como a que ensejou a propositura da presente ação. Divirjo, ainda, quanto à data inicial da incidência dos juros moratórios, que deverão incidir a partir da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça) que, no caso, deve ser considerado a data da veiculação da entrevista (24.09.2020). Ante o exposto, acompanho o relator quanto à remessa oficial para determinar que o valor da indenização por danos morais, destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTQIA+, mas divirjo para dar parcial provimento à apelação da parte autora em maior extensão, para também acolher o pedido de majoração da indenização para cinco milhões de reais e para negar provimento à apelação da União. É como voto. ANDRÉ NABARRETE DESEMBARGADOR FEDERAL jgb E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ART. 942 DO CPC/15 E ART. 260, § 1º, DO RITRF3. DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBTI+. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTRO DE ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CF. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. DANOS MORAIS COLETIVOS À POPULAÇÃO LGBTI+. OCORRÊNCIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE E DO NÃO ENRIQUECIMENTO DESPROPOSITADO. VALOR ARBITRADO EM SENTENÇA MANTIDO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. DATA DO ARBITRAMENTO DO VALOR INDENIZATÓRIO. DATA DA SENTENÇA. SÚMULA Nº 362/STJ. DESTINAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. POLÍTICAS QUE BENEFICIEM A POPULAÇÃO LGBTI+. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAIS MÍNIMOS DO ART. 85, § 3º, DO CPC SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CONDENAÇÃO. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Diante do resultado não unânime, o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no art. 942 do CPC/15 e no art. 260, § 1º do RITRF3. 2. As teses de ilegitimidade passiva e de necessidade de dilação probatória trazidas pela União Federal confundem-se com o mérito da causa e com ele serão oportunamente analisadas. 3. Discute-se nos autos a possível ocorrência de danos morais coletivos à população LGBTI+ em decorrência de uma entrevista concedida pelo corréu Milton Ribeiro, então Ministro de Estado da Educação. 4. A matéria está relacionada às teses de repercussão geral nº 940 e 562, in verbis: “A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. “Ante conflito entre a liberdade de expressão de agente político, na defesa da coisa pública, e honra de terceiro, há de prevalecer o interesse coletivo, da sociedade, não cabendo potencializar o individual”. 5. O Ministro de Estado é parte ilegítima para responder, diretamente, por danos decorrentes dos pronunciamentos que faz nessa qualidade, a teor do art. 37, § 6º da Constituição Federal e de acordo com a tese de repercussão geral nº 940. Legitimidade passiva ad causam da União Federal. 6. A tese da União de que os dizeres do corréu configuram manifestação pessoal sua, desvinculada de sua qualidade de então Ministro de Estado, não comporta acolhimento. 7. O então Ministro concedeu entrevista nessa qualidade, na qual foram abordados diversos temas relativos à educação. As declarações apontadas como lesivas pelas associações autoras tiveram início quando o então Ministro foi perguntado sobre educação sexual nas escolas. 8. Rejeitada a alegação da União de que não seria possível sua condenação em danos morais coletivos com base em uma única entrevista de Ministro de Estado. 9. Eventual ocorrência do dano extrapatrimonial deve ser aferida a partir da análise do ato apontado como lesivo, não sendo imprescindível que, para causar o alegado dano, a conduta deva ter sido reiterada. Ao menos em tese, um único ato pode ser fonte desse dano. 10. No julgamento do Mandado de Injunção nº 4.733/DF, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual. 11. É ilícita a conduta do Ministro de Estado que emite juízo de desvalor em relação a pessoas que, nos seus dizerem, “optam” por serem gays. A tese firmada no tema de repercussão geral nº 562 não beneficia a União porque não há nenhum interesse público em manifestações de tal natureza. 12. O C. Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de fixação de indenização por dano moral coletivo nas hipóteses em que se verifica lesão a "interesses essencialmente coletivos", que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais". 13. No caso concreto, a leitura do teor da entrevista em questão revela que o então Ministro referiu-se à população LGBTI+ de forma depreciativa, ao dizer que optariam por ser gays as crianças e adolescentes advindas de famílias desajustadas, que não tiveram a atenção do pai e/ou da mãe e/ou que nunca estiveram com uma “mulher de fato” ou com um “homem de fato”, seja lá o que isso signifique. 14. O modo pejorativo pelo qual a autoridade refere-se a essas pessoas também fica evidente quando o entrevistado afirma que, segundo as ciências, não seria “normal” essa questão de gênero e que ele não concorda com a opção de um adulto em ser homossexual. 15. Tais declarações ultrapassam largamente o campo de atuação do Ministro da Educação porque, frise-se, não cabe ao Estado, por meio de um alto agente público, referir-se depreciativamente a uma parcela da população em razão de seu modo de ser. 16. O teor dessas declarações configura lesão grave, injusta e intolerável a valores e a interesses fundamentais da sociedade, notadamente o interesse em não ver o Estado tratar de forma distinta e discriminatória parcela da população por razões de gênero. 17. Não se está diante de uma lesão a direitos individuais homogêneos, mas a direitos coletivos, na forma do art. 81, II, do Código de Defesa do Consumidor, porque as declarações afetam os interesses transindividuais de um determinado grupo de pessoas, ligadas entre si pelo interesse comum em não serem tratadas com desprezo por razões de gênero e ligadas à União pela relação jurídica entre população e Estado. 18. A distinção é relevante porque lesão a direitos individuais homogêneos não dá ensejo a danos morais coletivos (STJ, REsp n° 1.610.821/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 26/02/2021). 19. É lesiva aos direitos da população LGBTI+ e dá ensejo à condenação da União Federal por danos morais coletivos entrevista concedida por Ministro de Estado que, nessa qualidade, refere-se de modo depreciativo a essa parcela da população, em razão de seu modo de ser. Mantida, portanto, a condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. 20. No que se refere ao arbitramento do valor a título de indenização por danos morais, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesses casos, deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado. Mantido o valor arbitrado em sentença, de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). 21. Nas hipóteses de indenização por dano moral, a correção monetária deve incidir a partir da data do arbitramento do valor indenizatório (data da sentença), como se vê no enunciado da Súmula n° 362 do Superior Tribunal de Justiça. 22. Não é possível acolher o pedido recursal da parte autora na extensão em que deduzido, para que os valores sejam reservados até que projetos para a população LGBTI+ façam parte do rol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 23. Determinação dessa natureza poderia ser interpretada no sentido de que este Tribunal está determinando que o Fundo amplie o seu rol de projetos em caráter definitivo, sendo certo que a presente ação civil pública não é a via adequada para a medida. 24. É possível acolher o parecer ministerial para determinar que o valor da indenização fixada nestes autos seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTI+, medida que se restringe aos limites da tutela jurisdicional que se pode prestar nestes autos e que garante a sua eficácia. 25. Honorários fixados nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC/2015, a serem definidos em liquidação de sentença, incidentes sobre o valor atualizado da condenação. 26. Apelação da parte autora e reexame necessário parcialmente providos para determinar que o valor da indenização por danos morais, destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTI+ e condenar a União ao pagamento de honorários fixados nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC/2015, a serem definidos em liquidação de sentença, incidentes sobre o valor atualizado da condenação. Apelação da União parcialmente provida para que os juros de mora incidam sobre o valor indenizatório a partir da data do arbitramento. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Na sequência do julgamento, após o voto do Des. Fed. LEILA PAIVA, foi proclamado o seguinte resultado: a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao reexame necessário para determinar que o valor da indenização por danos morais, destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, seja aplicado em políticas que beneficiem a população LGBTI+, nos termos do voto do Des. Fed. WILSON ZAUHY (Relator) e, por maioria, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora e condenar a União ao pagamento de honorários fixados nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC/2015, a serem definidos em liquidação de sentença, incidentes sobre o valor atualizado da condenação, e dar parcial provimento à apelação da União Federal para que os juros de mora incidam sobre o valor indenizatório a partir da data do arbitramento, nos termos do voto do Des. Fed. WILSON ZAUHY (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e a Des. Fed. LEILA PAIVA. Vencido, parcialmente, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, que dava parcial provimento à apelação da parte autora em maior extensão, para também acolher o pedido de majoração da indenização para cinco milhões de reais e para negar provimento à apelação da União. Fará declaração de voto o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. O Des. Fed. MARCELO SARAIVA e a Des. Fed. LEILA PAIVA votaram na forma do art. 260, § 1° do RITRF3. Ausente, justificadamente, por motivo de licença médica, nessa sessão, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. WILSON ZAUHY Desembargador Federal
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