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Simone Regina De Souza Kapi…
OAB/SP 205.337
SIMONE REGINA DE SOUZA KAPITANGO A SAMBA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 309437304
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Barueri
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5004263-26.2024.4.03.6144
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO CARLOS DE SOUZA SANTANA
OAB/SP XXXXXX
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2ª Vara Federal de Barueri Avenida Piracema, n. 1362, 2º andar, Tamboré, Barueri-SP, CEP: 06460-030 Fone: 11 4568-9000 - E-mail: baruer-se02-vara02@trf3.jus.br MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 500…
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Processo nº 5005037-56.2024.4.03.6144
ID: 324249257
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Barueri
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5005037-56.2024.4.03.6144
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCELO MIYOSHI IIZUKA
OAB/DF XXXXXX
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GERSON MAGALHAES DA MOTA
OAB/SP XXXXXX
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2ª Vara Federal de Barueri Avenida Piracema, n. 1362, 2º andar, Tamboré, Barueri-SP, CEP: 06460-030 Fone: 11 4568-9000 - E-mail: baruer-se02-vara02@trf3.jus.br MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 500…
2ª Vara Federal de Barueri Avenida Piracema, n. 1362, 2º andar, Tamboré, Barueri-SP, CEP: 06460-030 Fone: 11 4568-9000 - E-mail: baruer-se02-vara02@trf3.jus.br MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5005037-56.2024.4.03.6144 IMPETRANTE: GERSON MAGALHAES DA MOTA Advogado do(a) IMPETRANTE: GERSON MAGALHAES DA MOTA - SP288746 IMPETRADO: DIRETOR DE FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) IMPETRADO: MARCELO MIYOSHI IIZUKA - DF66788 SENTENÇA Trata-se de ação mandamental, impetrada por GERSON MAGALHAES DA MOTA , em face do DIRETOR DE FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS PELO COMANDO DO EXÉRCITO BRASILEIRO, que tem por objeto a declaração da validade do Certificado de Registro (CR) e dos Certificados de Registro de Arma de Fogo (CRAF) emitidos em seu nome pelo prazo de 10 (dez) anos, conforme legislação vigente na data de emissão dos documentos. Com a petição inicial, juntou documentos. Despacho determinou a emenda da petição inicial. A parte impetrante recolheu custas e manifestou-se favoravelmente à remessa do feito à Subseção Judiciária de São Paulo. Decisão declinou da competência. O MM. Juízo da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo suscitou conflito negativo de competência. Nos autos do conflito negativo, despacho designou a o juízo da 7ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciaria de São Paulo/SP para análise de questões de urgência. Decisão postergou a análise da medida liminar para após a vinda das informações (ID 353049035). A União ingressou no feito. O impetrado prestou informações, pugnando pela denegação da segurança (ID 360934608). Decisão indeferiu a medida liminar requerida. Decisão julgou procedente o conflito negativo de competência. Recebido o feito nesta 2ª Vara, despacho determinou a intimação das partes e do Ministério Público Federal. Petição intercorrente juntada pela parte impetrante. O Parquet opinou no sentido da denegação da segurança. Vieram os autos conclusos É O RELATÓRIO. DECIDO. O mandado de segurança consiste em garantia fundamental, prevista no inciso LXIX, do art. 5º, da Constituição da República, destinando-se à proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. De acordo com o art. 1º, da Lei n. 12.016/2009: Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Assim, no mandado de segurança preventivo ou no repressivo, devem ser demonstrados cabalmente: 1) a existência de direito líquido e certo; 2) a ocorrência de ilegalidade ou abuso de poder; 3) o justo receio ou a efetiva violação do direito; e 3) o ato imputável a autoridade ou agente de pessoa jurídica no exercício de atividade pública. No caso dos autos, a parte autora requereu a manutenção da validade do Certificado de Registro (CR) nº 000.944.973-62 e do Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) número Sigma 1728779, pelo prazo de 10 (dez) anos, conforme regramento anterior à edição do Decreto nº 11.615, de 21/07/2023 (CRAF) e à da Portaria COLOG/C Ex nº 166, de 22/12/2023 (CR), que reduziram o prazo de renovação para 3 (três) anos. Sustentou, em síntese, que tal redução vulnerou o ato jurídico perfeito. O Certificado de Registro (CR) e o Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) mencionados foram emitidos em 09.11.2022 e 12.04.2023, respectivamente, atribuindo-lhes validade de 10 (dez) anos, conforme ID 348889469 e ID 348889472. Pois bem. A Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, prevê período não inferior a 3 (três) anos para a revalidação do Certificado de Registro de Arma de Fogo – CRAF (art. 5º, §2º) Assim, o Decreto nº 5.123/2004, em sua redação original, conferia ao CRAF validade de 3 (três) anos. A partir das alterações introduzidas pelo Decreto nº 9.685/2019, passou a prever a necessidade de renovação do CRAF a cada 10 (dez) anos: Art.16.O Certificado de Registro de Arma de Fogo expedido pela Polícia Federal, precedido de cadastro no SINARM, tem validade em todo o território nacional e autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.(Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). (...) § 2º Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII docaputdo art. 12 deverão ser comprovados, periodicamente, a cada dez anos, junto à Polícia Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro.(Redação dada pelo Decreto nº 9.685, de 2019) No entanto, o Decreto nº 9.685/2019, que estabeleceu o prazo mencionado, foi revogado pelo Decreto nº 9.785/2019 (art. 10, §2º), que foi revogado pelo Decreto nº 9.844/2019, que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto nº 9.847/2019. O último Decreto, assim como os anteriores, manteve o prazo decenal para a revalidação do CRAF, conforme artigo 12, §11. Como visto, os sucessivos Decretos editados em 2019 estipularam prazo de 10 (dez) anos para a renovação do CRAF. E a concessão do CRAF ao autor ocorreu quando vigente tal prazo de validade, posteriormente reduzido para 3 (três) anos, a teor do artigo 24, I, do Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023. A contagem do novo prazo foi disciplinada no artigo 80 do Decreto nº 11.615/2023 estabeleceu: Art. 80. O prazo de validade estabelecido nos incisos II e III docaputdo art. 24 aplica-se a todos os CRAF vigentes se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido menos da metade do tempo estabelecido no ato da concessão ou da renovação. Parágrafo único. Na hipótese de CRAF anteriormente concedido para colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, incidirá o prazo de validade estabelecido no inciso I docaputdo art. 24, contado da data de publicação deste Decreto. (Grifei) Em relação ao Certificado de Registro (CR) de Colecionador, Atirador e Caçador expedido pelo Comando do Exército, o Decreto nº 9.846/2019 estabelecia validade de 10 (dez) anos (art. 1º, §2º e art. 3º, §3º). O aludido Decreto foi revogado pelo Decreto nº 11.366/2023, que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023, atualmente vigente e que, como visto, reduziu para 3 (três) anos a validade do CRAF, mas não estabeleceu o prazo máximo para a revalidação do CR. A questão, conforme autoriza o artigo 34 do Decreto nº 11.615/2023, foi disciplinada pela Portaria nº 166 – COLOG/C Ex, de 22 de dezembro de 2023, do Exército Brasileiro, que fixou prazo de validade de 3 (três) anos para o registro de colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional, contados a partir da data de sua concessão ou de sua última revalidação (artigo 16, caput). O parágrafo único do artigo 16 da Portaria ainda estabelece que “Para os CR concedidos ou revalidados em data anterior à vigência do Decreto nº 11.615/2023, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto.” Imperioso salientar, nesse contexto, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.134/DF e das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 581 e 586, declarou a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos: “ (i) do art. 3º, § 1º, do Decreto nº 9.845/2019; (ii) do art. 3º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto nº 9.846/2019; (iii) o art. 2º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto nº 9.845, o art. 2º, incisos I e II, e parágrafo único, do Decreto nº 9.846/2019, o art. 2º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto nº 9.847/2019; (iv) do § 11 do art. 12 do Decreto nº 9.847/2019 e do § 3º do art. 3º do Decreto nº 9.846/2019; (v) dos incisos II e III do § 2º do art. 34 do Decreto nº 9.847/2019”. Colaciono a ementa do julgamento do mérito da ADI e a decisão de julgamento da questão de ordem posteriormente suscitada para retificação de erro material, in verbis: Ementa Ação direta de inconstitucionalidade. Julgamento conjunto da ADI 6134 e das ADPFs 581 e 586. Decretos presidenciais que dispõem sobre aquisição, cadastro, registro, posse e porte de armas de fogo, acessórios e munições (Decretos nºs 9.845/2019, 9.846/2019 e 9.847/2019). Atos normativos editados com o propósito de promover a chamada “flexibilização das armas” no Brasil. Inovações regulamentares incompatíveis com o sistema de controle e fiscalização de armas instituído pelo Estatuto do Desarmamento. Dever estatal de promover a segurança pública como corolário do direito à vida. Normas que exorbitam dos limites do poder regulamentar outorgado pela Constituição ao Presidente da República, vulnerando, ainda, políticas públicas de proteção a direitos fundamentais. 1. Conversão da apreciação da liminar em julgamento final de mérito, em observância dos ditames da economia processual e da duração razoável do processo. Precedentes. 2. O modelo contemporâneo de segurança pública – positivado no texto constitucional e no âmbito do Sistema Global (ONU) e Regional (OEA) de Proteção dos Direitos Humanos – preconiza o controle rigoroso do acesso da população às armas de fogo, acessórios e munições, devido aos efeitos prejudiciais desses produtos sobre a segurança das pessoas, o bem-estar da comunidade, o desenvolvimento social e econômico do Estado e o direito à convivência em harmonia e paz. 3. Inúmeros estudos, nacionais e internacionais, públicos e privados, apoiados por expressiva maioria da comunidade científica mundial, revelam uma inequívoca correlação entre a facilitação do acesso da população às armas de fogo e o desvio desses produtos para as organizações criminosas, milícias e criminosos em geral, por meio de furtos, roubos ou comércio clandestino, aumentando ainda mais os índices gerais de delitos patrimoniais, de crimes violentos e de homicídios. 4. A segurança pública é corolário do direito à vida. É a tutela prestada pelo Estado em favor da vida digna, livre do medo, livre dos atos de barbárie que revoltam a consciência da humanidade. O Estatuto do Desarmamento é o diploma legislativo que consubstancia os valores constitucionais concernentes à proteção da vida humana (CF, art. 5º, caput) e à promoção da segurança pública (CF, art. 144, caput) contra o terror e a mortalidade provocada pelo uso indevido das armas de fogo. 5. Os regulamentos estão subordinados às leis que lhes dão fundamento, devendo observância ao espaço restrito de delegação normativa. O respeito a este limite de conformação regulamentar adquire relevância constitucional, na medida em que configura corolário do postulado da separação dos Poderes. 6. Os Decretos presidenciais impugnados, ao inovarem na ordem jurídica, fragilizaram o programa normativo estabelecido na Lei 10.826/2003, que inaugurou uma política de controle responsável de armas de fogo e munições no território nacional. 7. Ações diretas conhecidas em parte e, nessa extensão, julgadas procedentes. (ADI 6134 MC, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 03-07-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 04-09-2023 PUBLIC 05-09-2023) (Grifei) Questão de ordem Decisão: O Tribunal, por unanimidade, resolveu a questão de ordem para determinar a republicação do dispositivo do acórdão e da decisão de julgamento, com as retificações que se seguem: O Tribunal, por maioria, superou a perda de objeto suscitada, converteu o referendo em julgamento final de mérito e julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos: (i) do art. 3º, § 1º, do Decreto nº 9.845/2019; (ii) do art. 3º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto nº 9.846/2019; (iii) o art. 2º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto nº 9.845, o art. 2º, incisos I e II, e parágrafo único, do Decreto nº 9.846/2019, o art. 2º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto nº 9.847/2019; (iv) do § 11 do art. 12 do Decreto nº 9.847/2019 e do § 3º do art. 3º do Decreto nº 9.846/2019; (v) dos incisos II e III do § 2º do art. 34 do Decreto nº 9.847/2019, tudo nos termos do voto da Relatora, vencido parcialmente o Ministro Nunes Marques, que divergia da Relatora para declarar prejudicada, em parte, a ação, mas, no mérito, acompanhava-a, com ressalvas de entendimento pessoal. Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 1.12.2023 a 11.12.2023. (Questão de Ordem na ADI 6.134/DF, Relator, Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente), Plenário, Sessão Virtual de 1.12.2023 a 11.12.2023). (Grifei) A Excelentíssima Ministra Relatora, em seu voto, consignou que a ADI foi ajuizada, inicialmente, contra o Decreto nº 9.785/2019, regulamentava o Estatuto do Desarmamento. Após a instauração deste processo de fiscalização normativa de constitucionalidade, sobreveio a edição do Decreto nº 9.797/2019, que revogou algumas disposições do Decreto nº 9.785/2019 e promoveu modificações pontuais no seu texto. Afirmou que, na véspera do julgamento, no dia 25.06.2019, mediante edição extra do DOU, foram publicados os Decretos nº 9.844, nº 9.845 e nº 9.846, que revogaram os Decretos nº 9.785/2019 e nº 9.797/2019. Salientou a identidade de conteúdo normativo entre os atos revogados e a disciplina prevista nos novos Decretos presidenciais. Ressaltou que a diretriz jurisprudencial do STF se orienta no sentido de rejeitar a perda do objeto da ação de controle concentrado de constitucionalidade, sempre que, ocorrendo a revogação do ato normativo impugnado, for constatada a continuidade normativa das regras questionadas. Assim, decidiu pelo acolhimento do aditamento à petição inicial. Quanto ao prazo de validade de 10 (dez) anos para o porte de armas, a E. Ministra Relatora pontuou: (...) 11. Prazo de validade de dez anos para o porte de armas O Estatuto do Desarmamento impõe ao proprietário da arma de fogo a renovação periódica do registro em um período “não inferior a 3 (três) anos”. Essa norma estabelece o período mínimo de 03 (três) anos como critério razoável, tanto para Administração Pública como para os particulares, para efeito de renovação do registro de armas: “Art. 5º O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. § 2º Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4º deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo.“ É certo que a expressão “não inferior” autoriza a estipulação de prazo superior, desde que o período seja compatível com o parâmetro legal e adequado às necessidades e possibilidades da Administração Pública no exercício de sua função fiscalizatória. No entanto, os Decretos nºs 9.846/2019 (art. 5º, § 2º) e 9.847/2019 (art. 12, § 11), ao definirem o prazo de renovação do registro de armas, estipularam o prazo de renovação em 10 (dez) anos, exorbitando excessivamente do parâmetro estabelecido pelo Estatuto do Desarmamento. (...) Logo, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a fixação do prazo de 10 (dez) anos para a revalidação do Certificado de Registro (CR) e do Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF). Nesse contexto, não verifico ilegalidade no ato praticado pela autoridade impetrada. Com efeito, as normas insculpidas nos Decretos Presidenciais de 2019 foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, nos trópicos tratados nesta ação. Além do mais, a alteração da regulamentação da matéria implementada a partir de 2023, além de não impor a revogação da certificação concedida sob a égide das normas anteriores, estabeleceu novos prazos de validade razoáveis, que observam a periodicidade mínima prevista na Lei nº 10.826/2003, a qual considero suficiente para que os atiradores certificados se adequem ao novo regramento. Demais disso, em relação ao CRAF, o novo regulamento fixou prazo considerável para o requerimento de renovação após o vencimento do certificado. Nesse cenário, à luz dos elementos fáticos e jurídicos dos autos, entendo que não está comprovada a existência de direito líquido e certo, ameaçado ou violado por ilegalidade ou abuso de poder atribuível à indigitada autoridade coatora. Dispositivo Pelo exposto, resolvendo o mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido deduzido e, por conseguinte, DENEGO A SEGURANÇA. Descabe condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009 e das Súmulas n. 105 do Superior Tribunal de Justiça e n. 512 do Supremo Tribunal Federal. Custas pela parte impetrante, na forma da Lei n. 9.289/1996. No caso de interposição de recurso tempestivo, intime-se a parte apelada para contra-arrazoar, no prazo legal. Havendo preliminar em contrarrazões, intime-se a parte apelante para manifestação, na forma do art. 1.009, §2º, do Código de Processo Civil. Oportunamente, arquivem-se os autos virtuais. Registro eletrônico. Publique-se. Intimem-se. Barueri-SP, data lançada eletronicamente. Assinatura eletrônica.
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Processo nº 5019106-07.2019.4.03.6100
ID: 324387704
Tribunal: TRF3
Órgão: 12ª Vara Cível Federal de São Paulo
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 5019106-07.2019.4.03.6100
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) Nº 5019106-07.2019.4.03.6100 / 12ª Vara Cível Federal de São Paulo AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: DAVID MATEUS LOPES LITISCONSORTE: CAIXA…
AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) Nº 5019106-07.2019.4.03.6100 / 12ª Vara Cível Federal de São Paulo AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: DAVID MATEUS LOPES LITISCONSORTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF TERCEIRO INTERESSADO: ANDREA DE OLIVEIRA NASCIMENTO, DANILO SPERANZA FERREIRA DOS SANTOS, ROBERTO DE SOUZA FERREIRA GRECO, FABIO SILVA DE JESUS, MARIA CRISTINA PINHO COSTA ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ANAPAULA ZOTTIS - SP272024 S E N T E N Ç A Vistos em sentença. Trata-se de Ação por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de DAVID MATEUS LOPES sob a alegação de ofensa aos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Narra o autor, em suma, que, por meio do Inquérito Civil n. 1.34.001.004035/2016-40, restou apurado que o réu, no período compreendido entre agosto de 2014 e dezembro de 2015, valendo-se das facilidades de seu cargo de gerente-geral na Caixa Econômica Federal, enriqueceu-se ilicitamente e violou os princípios norteadores da Administração Pública, como a honestidade, legalidade e lealdade às instituições, mediante adulteração de boletos CAIXA, para efetuar o pagamento de suas próprias faturas de cartão de crédito e também exigindo comissões indevidas de seus clientes para prestar-lhes serviços bancários. Relata o autor que as apurações administrativas foram desencadeadas a partir da constatação de duplicidade de boletos, no dia 09/12/2015, de número 800000010651174-4, no valor de R$ 1.500,00, o que revelou uma sequência de autenticações “cujas contrapartidas eram debitadas da conta de correntistas e de eventos contábeis no âmbito da agência da Av. Ibirapuera para pagamento do cartão de crédito” do réu. Destaca que o “modus operandi” do réu consistia no desvio de recursos de clientes ligados às concessões de financiamentos imobiliários, cujos valores eram destinados ao pagamento da fatura de cartão de crédito do próprio réu. Para tanto, aduz que o réu subtraía os valores mediante a inserção de dados falsos em boletos de cobrança: código de barras do cartão do réu e no campo “sacado” dados de clientes que haviam requerido financiamento habitacional. Afirma que referidas operações irregulares resultaram em um prejuízo de R$ 49.282,68 (quarenta e nove mil, duzentos e oitenta e dois reais e sessenta e oito centavos) para a empresa pública federal. Sustenta que a conduta perpetrada pelo réu é violadora dos princípios da Administração Pública, sobretudo à legalidade dos atos administrativos, à moralidade e à honestidade, “expressada principalmente em valer-se de sua função pública para praticar ato visando fim proibido em lei”. Alega, pois, estar claramente demonstrada a prática de improbidade administrativa pelo réu, cujos atos estão enquadrados nos dispositivos da Lei n. 8.429/92. Com a inicial vieram documentos. O pedido formulado em sede liminar restou deferido pela decisão de ID 23886364, para determinar a indisponibilidade dos bens do requerido até o valor de R$ 344.978,76. Instada, a CEF requereu seu ingresso no feito na qualidade de litisconsorte ativa (ID 24769404). Embora tenha sido expedido edital de notificação (ID 44106340), o requerido compareceu pessoalmente à Defensoria Pública da União (ID 55135398), tendo ofertado sua defesa prévia (ID 55134389). Nela asseverou, em suma, a inconstitucionalidade formal da Lei de Improbidade Administrativa, bem como a impossibilidade de cumulação de sanções, requerendo a aplicação do princípio da proporcionalidade na dosimetria da pena. A decisão de ID 91347796, além de apreciar as preliminares suscitadas, recebeu a petição inicial. A contestação ofertada pelo requerido foi registrada sob o ID 141119085. Como prejudicial de mérito suscitou a ocorrência de prescrição. No mérito, asseverou que a “caracterização do ato de improbidade administrativa pressupõe a comprovação da má-fé (dolo) do sujeito ativo, qualificando subjetivamente sua conduta ilegal e imoral”, sendo que no caso concreto “não está comprovada nos autos a má-fé da parte ré em praticar ato ilegal e ímprobo”. Argumenta que “[n]ão se verifica de todos os elementos colhidos participação efetiva da parte ré no esquema de fraudes descobertos. Nesse cenário, não estando patente o dolo, deve ser rejeitada a exordial de improbidade em seu desfavor”. Por fim, sustenta a impossibilidade de cumulação de penas, pugnando pela proporcionalidade na fixação das sanções. Réplica no ID 168545988, oportunidade em que o MPF manifestou desinteresse na instrução probatória. Não houve manifestação do requerido. O julgamento do feito foi convertido em diligência para a delimitação da tipificação da conduta ao disposto no art. 9º, caput, inciso I, da LIA, com a reabertura do prazo para especificação de provas. O MPF pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas no ID 23031733 – pág. 21 (ID 246042216), ao passo que o requerido manifestou desinteresse na instrução probatória (ID 250370510). Em ID. 254006890 foi proferida decisão afastando a prescrição alegada pela parte e determinando a produção de prova oral. Pedido de cancelamento de indisponibilidade de bens em ID. 267692284, que restou deferido pela decisão de ID. 277021071. Foram ouvidas testemunhas em audiências em 05/10/2023 (ID. 303186966) e 28/01/2025 (ID. 351963239). Alegações finais do MPF em ID. 353288751. Alegações finais do réu em ID. 355185486. Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório do necessário. DECIDO. Tendo em vista que as questões preliminares e prejudiciais da análise do mérito já foram analisadas e superadas, passo diretamente ao mérito da demanda. Necessária a delimitação do conceito jurídico de improbidade, ante os efeitos profundos trazidos pela Lei nº 14.230/21 na qualificação jurídica dos fatos ora sob análise. A despeito das controvérsias travadas em relação à aplicabilidade da lei nº 14.230/21, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 843989, ocorrido em 18/08/2022, seguindo o voto do Ministro Relator, decidiu que as novas tipificações da improbidade administrativa, estampadas na nova lei, alcançam os fatos objeto de processos ainda em curso, pois somente foram excepcionados aqueles já atingidos pelo efeito da coisa julgada. Transcrevo o resultado proclamado do julgamento, publicado no DJE 12/12/2022 - ATA Nº 215/2022, DJE nº 251, divulgado em 09/12/2022. “Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 1.199 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a presente ação, e, por maioria, o Tribunal acompanhou os fundamentos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os Ministros André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Na sequência, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.” (ARE 843989 PR, Relator: Ministro ALEXANDRE DE MORAIS, julgado em 18/08/2022). No caso dos autos, o Ministério Público Federal requer a condenação do réu nas penas previstas na Lei 8.429/1992. Dispõe o artigo 37, caput e parágrafo 4º, da Constituição Federal: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Da análise dos supracitados dispositivos, observa-se que a moralidade é um dos princípios da administração pública, sendo que os atos que atentam contra ela são considerados de improbidade administrativa. Nessa seara foi editada a Lei nº 8.429/1992, que dispôs sobre os atos de improbidade administrativa, os procedimentos administrativo e judicial para a sua apuração e as sanções aplicáveis aos agentes públicos. De acordo com o art. 2º do referido diploma, na redação dada pela Lei nº 14.230/21: “Art. 2º. Para os efeitos desta lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Parágrafo único. No que se refere a recursos de origem pública, sujeita-se às sanções previstas nesta Lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)” Preconizam, atualmente, os dispositivos legais em que pretende o autor seja incurso o réu: “Seção I Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; (...) Seção II Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; (...) Seção III Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)” O pedido condenatório deve ser acolhido. A materialidade delitiva foi devidamente comprovada pelo Inquérito Civil acostado com a inicial, associado aos demais documentos carreados nestes autos e nas provas produzidas no curso da instrução. A conduta praticada pelo réu foi sintetizada nos seguintes termos: “Foram identificados diversos pagamentos envolvendo cartão de crédito do Gerente Geral David Mateus Lopes: Identificou-se montagem de boleto de cobrança de cartão de crédito do gestor: código de barras do cartão do empregado e no campo "sacado" dados de clientes que fizeram financiamento habitacional na unidade. Nos relatórios aparecem débitos nas contas dos clientes e o NSU imediatamente posterior é o pagamento de cartão. . No processo de habitação 160000013190-7 em nome de Liliana Gomes da Silva, foi constatado débito na conta da compradora e posterior pagamento de boleto de cobrança (cartão de crédito) no valor de R$ 10.086,48. Na liberação de valor aos vendedores do mesmo processo, o valor referente à correção sobre o montante financiado debitando o IR foi utilizado para pagar o mesmo cartão R$ 9.093,16. Foram encontramos outros lançamentos a crédito no cartão do empregado, cuja contrapartida é débito em conta de clientes Caixa.” De acordo com relatório elaborado administrativamente pela CEF, o modus operandi consistiu no desvio de recursos de clientes ligados a concessões de financiamentos imobiliários (comprador, vendedor e intermediadora de negócios) e operação de renegociação, cujos recursos eram destinados ao pagamento da fatura de cartão de crédito do arrolado, seja por meio de boleto CAIXA ou pagamento avulso. No depoimento prestado pelo réu à CEF, o arrolado alegou que esses valores foram decorrentes de prestação de serviços para os clientes, que tinha ciência que essa prática não é permitida pela CAIXA e que não possui nenhum tipo de contrato de prestação de serviço que respaldasse esses acordos com os clientes. A Comissão instauradora da Sindicância apresentou a seguinte conclusão: “8 CONCLUSÃO 8.1 Consubstanciado na análise dos fatos e das provas obtidas, restou evidenciado que o arrolado adotou conduta dolosa quando utilizou recursos de terceiros, por intermédio de débito na conta dos clientes, utilização de juros e atualização monetária do valor financiado ou cobrança de eventual comissão, para efetuar o pagamento das suas faturas de cartão de crédito, conforme descumprimentos normativos descritos no subitem 7.2.1 e subsequentes deste Relatório. (...) 8.2 Responsabilidade Administrativa 8.2.1 É o entendimento desta Comissão que os atos praticados pelo arrolado, David Mateus Lopes, decorrem de dolo e má fé e visaram, única e exclusivamente, a obtenção de benefícios financeiros para o próprio empregado.” Ficou sedimentado, nesse ponto, inclusive através do depoimento do réu na instrução administrativa, que o requerido obteve, no caso, benefício próprio, tanto de ordem financeira quanto pessoal, uma vez que suas ações refletiram na sua bonificação na qualidade de empregado da instituição financeira e no atingimento das metas estabelecidas institucionalmente. Também está comprovado o prejuízo ao erário público. Assim, à vista da alegação do MPF, suficientemente comprovada nos autos, de que o réu teria se enriquecido ilicitamente “mediante a adulteração de boletos CAIXA, para efetuar o pagamento de suas próprias faturas de cartão de crédito, exigindo comissões indevidas de seus clientes para prestar serviços bancários”, tem-se que as condutas, em tese, se subsumem ao disposto no art. 09º, caput, e inciso I, da LIA. As provas produzidas em Juízo corroboram os elementos probatórios coletados no processo administrativo, os quais autorizam concluir que o requerido foi o responsável pela realização das operações irregulares que culminaram no seu enriquecimento e no prejuízo ao erário, o que caracteriza ato de improbidade administrativa. Ainda que o requerido defenda que não praticou qualquer ato dolosamente, inexistindo benefício próprio ou prejuízo ao erário, os elementos constantes dos autos apontam em sentido contrário. Como já mencionado, há a comprovação cabal de que houve a adulteração dos boletos emitidos em operações financeiras em nome de clientes do requerido, mas que foram utilizados para o pagamento de suas faturas de cartão de crédito. Adicionalmente, não há como acreditar que o requerido ignorava as regras estabelecidas pela CEF no que toca aos procedimentos de liberação de crédito e pagamento de comissões/serviços para “acelerar” serviços bancários oferecidos pela CEF. Isso porque, ao contrário daquilo que ocorre em caso de crimes comuns (e não próprios), o requerido não era pessoa leiga, jovem, de poucas letras, inexperiente, mas sim empregado público, admitido em concurso público de provas altamente concorrido, para o exercício de atividade bancária, que sabidamente exige conhecimento técnico bastante razoável sobre as operações. Por fim, as testemunhas arroladas ao processo confirmam toda a situação apurada ao longo dos procedimentos. O Sr. Danilo Speranza Ferreira dos Santos, auditor da CEF à época dos fatos, narrou que após a análise de boleto em duplicidade pago pelo requerido notaram que constava, como sacado, sua fatura de cartão de crédito, o que deu início a uma apuração aprofundada da situação. A testemunha afirma, ainda, que a maior parte dos boletos era fraudada, ou seja, o código de barras era correspondente a boleto diverso do que constava no documento, creditando os valores na fatura de cartão de crédito do requerido. Os clientes efetuavam o pagamento dos boletos, mas os créditos eram alocados em locais diversos dos que apontavam no documento de pagamento. Além disso, a testemunha confirma que o requerido defendia que os valores eram correspondentes a comissões/serviços específicos prestados aos clientes fraudados; todavia, tal conduta é terminantemente proibida pelo estatuto da CEF. Afastadas as alegações de mérito do réu, entendo que a prova produzida é farta e demonstra, sem sombra de dúvidas, a prática de ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS formulados pelo MPF, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 487, I, CPC), para condenar o réu como incurso nos artigos 9, inciso XI da Lei nº 8.429/92, aplicando-lhe as sanções de: a) reparação integral do dano ao erário, devidamente atualizado desde a prática do ato ilícito; b) multa civil correspondente a duas vezes o valor do prejuízo patrimonial experimentado pelo Estado; c) proibição de contratar com o Poder Público, em todos os seus níveis federativos, ou receber benefícios fiscais ou de natureza creditória, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de (05) cinco anos. Na forma do art. 18 da Lei nº 8.429/92, o pagamento do montante devido a título de multa civil reverter-se-á em proveito do CEF, eis que esta é a pessoa jurídica de direito público interno lesada pelos atos ímprobos. Sobre os valores devidos a título de perda de bens e valores e multa civil incidirão juros moratórios e correção monetária a partir do primeiro pagamento feito pela CEF (Súmula 54, STJ), conforme os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Os bens do réu deverão permanecer indisponíveis como garantia para a satisfação do pagamento da multa civil e perda de bens e valores acrescidos ilicitamente. Sem custas (art. 4º, III, Lei nº 9.289/1996). Fixo a verba honorária em favor da CEF, no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Sentença não sujeita a reexame necessário. P.R.I.C. São Paulo, data da assinatura eletrônica.
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Processo nº 5019106-07.2019.4.03.6100
ID: 324387744
Tribunal: TRF3
Órgão: 12ª Vara Cível Federal de São Paulo
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 5019106-07.2019.4.03.6100
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) Nº 5019106-07.2019.4.03.6100 / 12ª Vara Cível Federal de São Paulo AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: DAVID MATEUS LOPES LITISCONSORTE: CAIXA…
AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) Nº 5019106-07.2019.4.03.6100 / 12ª Vara Cível Federal de São Paulo AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: DAVID MATEUS LOPES LITISCONSORTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF TERCEIRO INTERESSADO: ANDREA DE OLIVEIRA NASCIMENTO, DANILO SPERANZA FERREIRA DOS SANTOS, ROBERTO DE SOUZA FERREIRA GRECO, FABIO SILVA DE JESUS, MARIA CRISTINA PINHO COSTA ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ANAPAULA ZOTTIS - SP272024 S E N T E N Ç A Vistos em sentença. Trata-se de Ação por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de DAVID MATEUS LOPES sob a alegação de ofensa aos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Narra o autor, em suma, que, por meio do Inquérito Civil n. 1.34.001.004035/2016-40, restou apurado que o réu, no período compreendido entre agosto de 2014 e dezembro de 2015, valendo-se das facilidades de seu cargo de gerente-geral na Caixa Econômica Federal, enriqueceu-se ilicitamente e violou os princípios norteadores da Administração Pública, como a honestidade, legalidade e lealdade às instituições, mediante adulteração de boletos CAIXA, para efetuar o pagamento de suas próprias faturas de cartão de crédito e também exigindo comissões indevidas de seus clientes para prestar-lhes serviços bancários. Relata o autor que as apurações administrativas foram desencadeadas a partir da constatação de duplicidade de boletos, no dia 09/12/2015, de número 800000010651174-4, no valor de R$ 1.500,00, o que revelou uma sequência de autenticações “cujas contrapartidas eram debitadas da conta de correntistas e de eventos contábeis no âmbito da agência da Av. Ibirapuera para pagamento do cartão de crédito” do réu. Destaca que o “modus operandi” do réu consistia no desvio de recursos de clientes ligados às concessões de financiamentos imobiliários, cujos valores eram destinados ao pagamento da fatura de cartão de crédito do próprio réu. Para tanto, aduz que o réu subtraía os valores mediante a inserção de dados falsos em boletos de cobrança: código de barras do cartão do réu e no campo “sacado” dados de clientes que haviam requerido financiamento habitacional. Afirma que referidas operações irregulares resultaram em um prejuízo de R$ 49.282,68 (quarenta e nove mil, duzentos e oitenta e dois reais e sessenta e oito centavos) para a empresa pública federal. Sustenta que a conduta perpetrada pelo réu é violadora dos princípios da Administração Pública, sobretudo à legalidade dos atos administrativos, à moralidade e à honestidade, “expressada principalmente em valer-se de sua função pública para praticar ato visando fim proibido em lei”. Alega, pois, estar claramente demonstrada a prática de improbidade administrativa pelo réu, cujos atos estão enquadrados nos dispositivos da Lei n. 8.429/92. Com a inicial vieram documentos. O pedido formulado em sede liminar restou deferido pela decisão de ID 23886364, para determinar a indisponibilidade dos bens do requerido até o valor de R$ 344.978,76. Instada, a CEF requereu seu ingresso no feito na qualidade de litisconsorte ativa (ID 24769404). Embora tenha sido expedido edital de notificação (ID 44106340), o requerido compareceu pessoalmente à Defensoria Pública da União (ID 55135398), tendo ofertado sua defesa prévia (ID 55134389). Nela asseverou, em suma, a inconstitucionalidade formal da Lei de Improbidade Administrativa, bem como a impossibilidade de cumulação de sanções, requerendo a aplicação do princípio da proporcionalidade na dosimetria da pena. A decisão de ID 91347796, além de apreciar as preliminares suscitadas, recebeu a petição inicial. A contestação ofertada pelo requerido foi registrada sob o ID 141119085. Como prejudicial de mérito suscitou a ocorrência de prescrição. No mérito, asseverou que a “caracterização do ato de improbidade administrativa pressupõe a comprovação da má-fé (dolo) do sujeito ativo, qualificando subjetivamente sua conduta ilegal e imoral”, sendo que no caso concreto “não está comprovada nos autos a má-fé da parte ré em praticar ato ilegal e ímprobo”. Argumenta que “[n]ão se verifica de todos os elementos colhidos participação efetiva da parte ré no esquema de fraudes descobertos. Nesse cenário, não estando patente o dolo, deve ser rejeitada a exordial de improbidade em seu desfavor”. Por fim, sustenta a impossibilidade de cumulação de penas, pugnando pela proporcionalidade na fixação das sanções. Réplica no ID 168545988, oportunidade em que o MPF manifestou desinteresse na instrução probatória. Não houve manifestação do requerido. O julgamento do feito foi convertido em diligência para a delimitação da tipificação da conduta ao disposto no art. 9º, caput, inciso I, da LIA, com a reabertura do prazo para especificação de provas. O MPF pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas no ID 23031733 – pág. 21 (ID 246042216), ao passo que o requerido manifestou desinteresse na instrução probatória (ID 250370510). Em ID. 254006890 foi proferida decisão afastando a prescrição alegada pela parte e determinando a produção de prova oral. Pedido de cancelamento de indisponibilidade de bens em ID. 267692284, que restou deferido pela decisão de ID. 277021071. Foram ouvidas testemunhas em audiências em 05/10/2023 (ID. 303186966) e 28/01/2025 (ID. 351963239). Alegações finais do MPF em ID. 353288751. Alegações finais do réu em ID. 355185486. Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório do necessário. DECIDO. Tendo em vista que as questões preliminares e prejudiciais da análise do mérito já foram analisadas e superadas, passo diretamente ao mérito da demanda. Necessária a delimitação do conceito jurídico de improbidade, ante os efeitos profundos trazidos pela Lei nº 14.230/21 na qualificação jurídica dos fatos ora sob análise. A despeito das controvérsias travadas em relação à aplicabilidade da lei nº 14.230/21, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 843989, ocorrido em 18/08/2022, seguindo o voto do Ministro Relator, decidiu que as novas tipificações da improbidade administrativa, estampadas na nova lei, alcançam os fatos objeto de processos ainda em curso, pois somente foram excepcionados aqueles já atingidos pelo efeito da coisa julgada. Transcrevo o resultado proclamado do julgamento, publicado no DJE 12/12/2022 - ATA Nº 215/2022, DJE nº 251, divulgado em 09/12/2022. “Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 1.199 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a presente ação, e, por maioria, o Tribunal acompanhou os fundamentos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os Ministros André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Na sequência, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.” (ARE 843989 PR, Relator: Ministro ALEXANDRE DE MORAIS, julgado em 18/08/2022). No caso dos autos, o Ministério Público Federal requer a condenação do réu nas penas previstas na Lei 8.429/1992. Dispõe o artigo 37, caput e parágrafo 4º, da Constituição Federal: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Da análise dos supracitados dispositivos, observa-se que a moralidade é um dos princípios da administração pública, sendo que os atos que atentam contra ela são considerados de improbidade administrativa. Nessa seara foi editada a Lei nº 8.429/1992, que dispôs sobre os atos de improbidade administrativa, os procedimentos administrativo e judicial para a sua apuração e as sanções aplicáveis aos agentes públicos. De acordo com o art. 2º do referido diploma, na redação dada pela Lei nº 14.230/21: “Art. 2º. Para os efeitos desta lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Parágrafo único. No que se refere a recursos de origem pública, sujeita-se às sanções previstas nesta Lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)” Preconizam, atualmente, os dispositivos legais em que pretende o autor seja incurso o réu: “Seção I Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; (...) Seção II Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; (...) Seção III Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)” O pedido condenatório deve ser acolhido. A materialidade delitiva foi devidamente comprovada pelo Inquérito Civil acostado com a inicial, associado aos demais documentos carreados nestes autos e nas provas produzidas no curso da instrução. A conduta praticada pelo réu foi sintetizada nos seguintes termos: “Foram identificados diversos pagamentos envolvendo cartão de crédito do Gerente Geral David Mateus Lopes: Identificou-se montagem de boleto de cobrança de cartão de crédito do gestor: código de barras do cartão do empregado e no campo "sacado" dados de clientes que fizeram financiamento habitacional na unidade. Nos relatórios aparecem débitos nas contas dos clientes e o NSU imediatamente posterior é o pagamento de cartão. . No processo de habitação 160000013190-7 em nome de Liliana Gomes da Silva, foi constatado débito na conta da compradora e posterior pagamento de boleto de cobrança (cartão de crédito) no valor de R$ 10.086,48. Na liberação de valor aos vendedores do mesmo processo, o valor referente à correção sobre o montante financiado debitando o IR foi utilizado para pagar o mesmo cartão R$ 9.093,16. Foram encontramos outros lançamentos a crédito no cartão do empregado, cuja contrapartida é débito em conta de clientes Caixa.” De acordo com relatório elaborado administrativamente pela CEF, o modus operandi consistiu no desvio de recursos de clientes ligados a concessões de financiamentos imobiliários (comprador, vendedor e intermediadora de negócios) e operação de renegociação, cujos recursos eram destinados ao pagamento da fatura de cartão de crédito do arrolado, seja por meio de boleto CAIXA ou pagamento avulso. No depoimento prestado pelo réu à CEF, o arrolado alegou que esses valores foram decorrentes de prestação de serviços para os clientes, que tinha ciência que essa prática não é permitida pela CAIXA e que não possui nenhum tipo de contrato de prestação de serviço que respaldasse esses acordos com os clientes. A Comissão instauradora da Sindicância apresentou a seguinte conclusão: “8 CONCLUSÃO 8.1 Consubstanciado na análise dos fatos e das provas obtidas, restou evidenciado que o arrolado adotou conduta dolosa quando utilizou recursos de terceiros, por intermédio de débito na conta dos clientes, utilização de juros e atualização monetária do valor financiado ou cobrança de eventual comissão, para efetuar o pagamento das suas faturas de cartão de crédito, conforme descumprimentos normativos descritos no subitem 7.2.1 e subsequentes deste Relatório. (...) 8.2 Responsabilidade Administrativa 8.2.1 É o entendimento desta Comissão que os atos praticados pelo arrolado, David Mateus Lopes, decorrem de dolo e má fé e visaram, única e exclusivamente, a obtenção de benefícios financeiros para o próprio empregado.” Ficou sedimentado, nesse ponto, inclusive através do depoimento do réu na instrução administrativa, que o requerido obteve, no caso, benefício próprio, tanto de ordem financeira quanto pessoal, uma vez que suas ações refletiram na sua bonificação na qualidade de empregado da instituição financeira e no atingimento das metas estabelecidas institucionalmente. Também está comprovado o prejuízo ao erário público. Assim, à vista da alegação do MPF, suficientemente comprovada nos autos, de que o réu teria se enriquecido ilicitamente “mediante a adulteração de boletos CAIXA, para efetuar o pagamento de suas próprias faturas de cartão de crédito, exigindo comissões indevidas de seus clientes para prestar serviços bancários”, tem-se que as condutas, em tese, se subsumem ao disposto no art. 09º, caput, e inciso I, da LIA. As provas produzidas em Juízo corroboram os elementos probatórios coletados no processo administrativo, os quais autorizam concluir que o requerido foi o responsável pela realização das operações irregulares que culminaram no seu enriquecimento e no prejuízo ao erário, o que caracteriza ato de improbidade administrativa. Ainda que o requerido defenda que não praticou qualquer ato dolosamente, inexistindo benefício próprio ou prejuízo ao erário, os elementos constantes dos autos apontam em sentido contrário. Como já mencionado, há a comprovação cabal de que houve a adulteração dos boletos emitidos em operações financeiras em nome de clientes do requerido, mas que foram utilizados para o pagamento de suas faturas de cartão de crédito. Adicionalmente, não há como acreditar que o requerido ignorava as regras estabelecidas pela CEF no que toca aos procedimentos de liberação de crédito e pagamento de comissões/serviços para “acelerar” serviços bancários oferecidos pela CEF. Isso porque, ao contrário daquilo que ocorre em caso de crimes comuns (e não próprios), o requerido não era pessoa leiga, jovem, de poucas letras, inexperiente, mas sim empregado público, admitido em concurso público de provas altamente concorrido, para o exercício de atividade bancária, que sabidamente exige conhecimento técnico bastante razoável sobre as operações. Por fim, as testemunhas arroladas ao processo confirmam toda a situação apurada ao longo dos procedimentos. O Sr. Danilo Speranza Ferreira dos Santos, auditor da CEF à época dos fatos, narrou que após a análise de boleto em duplicidade pago pelo requerido notaram que constava, como sacado, sua fatura de cartão de crédito, o que deu início a uma apuração aprofundada da situação. A testemunha afirma, ainda, que a maior parte dos boletos era fraudada, ou seja, o código de barras era correspondente a boleto diverso do que constava no documento, creditando os valores na fatura de cartão de crédito do requerido. Os clientes efetuavam o pagamento dos boletos, mas os créditos eram alocados em locais diversos dos que apontavam no documento de pagamento. Além disso, a testemunha confirma que o requerido defendia que os valores eram correspondentes a comissões/serviços específicos prestados aos clientes fraudados; todavia, tal conduta é terminantemente proibida pelo estatuto da CEF. Afastadas as alegações de mérito do réu, entendo que a prova produzida é farta e demonstra, sem sombra de dúvidas, a prática de ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS formulados pelo MPF, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 487, I, CPC), para condenar o réu como incurso nos artigos 9, inciso XI da Lei nº 8.429/92, aplicando-lhe as sanções de: a) reparação integral do dano ao erário, devidamente atualizado desde a prática do ato ilícito; b) multa civil correspondente a duas vezes o valor do prejuízo patrimonial experimentado pelo Estado; c) proibição de contratar com o Poder Público, em todos os seus níveis federativos, ou receber benefícios fiscais ou de natureza creditória, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de (05) cinco anos. Na forma do art. 18 da Lei nº 8.429/92, o pagamento do montante devido a título de multa civil reverter-se-á em proveito do CEF, eis que esta é a pessoa jurídica de direito público interno lesada pelos atos ímprobos. Sobre os valores devidos a título de perda de bens e valores e multa civil incidirão juros moratórios e correção monetária a partir do primeiro pagamento feito pela CEF (Súmula 54, STJ), conforme os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Os bens do réu deverão permanecer indisponíveis como garantia para a satisfação do pagamento da multa civil e perda de bens e valores acrescidos ilicitamente. Sem custas (art. 4º, III, Lei nº 9.289/1996). Fixo a verba honorária em favor da CEF, no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Sentença não sujeita a reexame necessário. P.R.I.C. São Paulo, data da assinatura eletrônica.
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Processo nº 5004775-74.2025.4.03.0000
ID: 314946877
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5004775-74.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO PRETI DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA A…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A AGRAVADO: ANTONIO CESAR SALOMONI Advogado do(a) AGRAVADO: BRUNO PRETI DE SOUZA - SP270550 OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A AGRAVADO: ANTONIO CESAR SALOMONI Advogado do(a) AGRAVADO: BRUNO PRETI DE SOUZA - SP270550 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo previsto no artigo 1.021 do CPC/2.015 interposto por BANCO DO BRASIL S/A em face de decisão através da qual foi julgado improcedente o recurso de Agravo de Instrumento. Alega a parte agravante ser legítima para figurar no polo passivo do feito, uma vez que é mero depositário dos valores e não dispõe de qualquer ingerência quanto aos critérios de atualização monetária e juros legais, devendo a União Federal figurar no polo passivo da ação pois a mesma é a responsável pela gestão das contas vinculadas PASEP e da correção dos valores nelas constantes. O recurso não foi respondido. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A AGRAVADO: ANTONIO CESAR SALOMONI Advogado do(a) AGRAVADO: BRUNO PRETI DE SOUZA - SP270550 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A decisão ora agravada foi nestes termos proferida: “Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que reconheceu a legitimidade passiva do Banco do Brasil, ora agravante, para responder pelo pedido formulado na inicial da ação de conhecimento. Afirma a parte agravante que se pretende, na ação originária, a ”...aplicação de atualização monetária que entende ser devida por conta de aplicação de índices diversos daqueles estabelecidos na legislação da conta PASEP, salientando que não se trata desfalque ou saque indevido”. Entende que somente a União Federal detém legitimidade para figurar no polo passivo da ação originária. Pugna pela concessão da tutela recursal. É o relatório. Decido. A concessão da tutela recursal depende da presença do risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, conforme previsão contida no artigo 995, parágrafo único do Código de Processo Civil. A decisão agravada foi assim proferida: “Converto o julgamento em diligência. ANTONIO CESAR SALOMONI ajuizou esta ação de conhecimento, em face da UNIÃO, do BANCO DO BRASIL e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, objetivando “a CONDENAÇÃO dos requeridos ao pagamento dos danos materiais decorrentes da má gestão do fundo PASEP relativo a conta do autor, devidamente atualizado e corrigido conforme planilha anexa, relativo ao período de 10/1988 e 08/2017, correspondente a R$148.771,79 (cento e quarenta e oito mil e setecentos e setenta e um reais e setenta e nove centavos).” Tanto a UNIÃO quanto a CEF, em sede de preliminar, suscitaram a sua ilegitimidade passiva ad causam, requerendo a extinção do processo, sem resolução do mérito. Oportunizado o contraditório, a parte autora permaneceu inerte. Pois bem Sobre a matéria versada, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.150, fixou as seguintes teses: i) o Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa; ii) a pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil; iii) o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep. (REsp nº 1895936 / TO, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamin , j. 13.09.2023, publicação: 21/09/2023) - grifei No caso específico dos autos, a petição inicial refere que: O Autor foi nomeado em caráter efetivo para o cargo de Agente de Polícia Federal, por intermédio da Portaria n. 935-B publicada no DOU n. 242 de 22/12/1976, com posse e exercício em 03 de janeiro de 1977, tendo sido posteriormente nomeado para o cargo de Delegado de Polícia Federal, conforme Portaria n. 639, publicada no DOU n. 115 de 18/06/1999, com exercício e posse em 22/06/1999. Foi concedida aposentadora voluntária ao autor em 19/05/2017, com fundamento na EC n. 47/2005, conforme Portaria n. 5.662/17, publicada no DOU n. 95 de 19/05/2017, conforme certidão anexa emitida pelo Núcleo de Cadastro e Lotação da Superintendência Regional de Polícia Federal em São Paulo. Após transferência para a inatividade decorrente de sua aposentadoria voluntária, surgiu ao autor o direito ao recebimento dos valores depositados no programa PIS/PASEP e, conforme extrato anexo, em 27/06/2017 recebeu a quantia de R$4.163,23 (quatro mil e cento e sessenta e três reais e vinte e três centavos), valor este que, por óbvio, encontra-se aquém do que poderia se esperar após mais de 40 (quarenta) anos de rendimentos e correções. Restará demonstrado à evidência que os valores depositados por força do programa PIS/PASEP foram mal administrados e mal geridos pelo Banco do Brasil, ora requerido, responsável pela gestão/administração do programa, conforme a seguir será demonstrado Portanto, a causa de pedir diz respeito à má gestão dos valores depositados a título de o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), em virtude de supostos saques ou aplicações indevidas pela instituição bancária gestora, mediante apropriação do saldo. Destaco trecho da exordial: Fundamentalmente, as instituições responsáveis pelas questões referentes aos programas PIS/PASEP são a União Federal, encarregada da realização do recolhimento e depósito periódico dos valores na conta individual dos beneficiários, nos termos do art. 2º da Lei Complementar 08/19701, e o Banco do Brasil, encarregado da gestão/administração do programa, mantendo contas individualizadas em nome dos beneficiários e podendo cobrar comissão pelos serviços prestados, nos termos do art. 5º da Lei Complementar 08/19702. A gestão/administração dos valores depositados em razão do programa PIS/PASEP foi evidentemente irregular, considerando que não houve a atualização devida dos referidos valores, seja por parte da Caixa Econômica Federal quando responsável pela gestão dos depósitos, seja por parte do Banco do Brasil ou, ainda, solidariamente por parte da UNIÃO por meio do Conselho Diretor do fundo PIS/PASEP (Decreto n. 9.978/2019, artigos 3º e 4º), demanda para devida responsabilização material. Assim, verifico que o pedido e a causa de pedir não dizem respeito à falta de depósitos ou a índices equivocados de responsabilidade do Conselho Gestor do Fundo. De fato, versam sobre a má gestão imputada ao Banco, decorrente de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP. Desse modo, patente a ilegitimidade passiva ad causam da UNIÃO, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Colaciono precedentes: PROCESSUAL CIVIL. PASEP. DESFALQUE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. INSTITUIÇÃO GESTORA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SÚMULA 42/STJ. 1. Na origem, trata-se de Ação Ordinária ajuizada contra o Banco de Brasil S.A., na qual se pleiteia a recomposição de saldo na conta Pasep, tendo em vista suposta incorreção nos valores existentes, derivada de saques e correções errôneas do saldo depositado 2. É entendimento do STJ que, em ações nas quais se requer a recomposição do saldo existente em conta vinculada ao Pasep, a União deve figurar no polo passivo da demanda. No entanto, conforme delineado pelo acórdão recorrido, no caso dos autos, a demanda não versa sobre índices equivocados de responsabilidade do Conselho Gestor do Fundo, mas sobre responsabilidade decorrente da má gestão do banco, de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do Pasep. Assim, tem-se a conclusão de que a legitimidade passiva é do Banco do Brasil S.A., o que define a competência da Justiça Comum Estadual. Precedentes do STJ. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.925.228/TO, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 31/5/2021, DJe de 1/7/2021.) - grifei PROCESSUAL CIVIL. PASEP. DESFALQUE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. INSTITUIÇÃO GESTORA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SÚMULA 42/STJ. 1. Na origem, trata-se de Ação Ordinária ajuizada contra o Banco de Brasil S.A., na qual se pleiteia a recomposição de saldo na conta Pasep, tendo em vista suposta incorreção nos valores existentes, derivada de saques e correções errôneas do saldo depositado. 2. É entendimento do STJ que, em ações nas quais se pleiteia a recomposição do saldo existente em conta vinculada ao PASEP, a União deve figurar no polo passivo da demanda. No entanto, conforme delineado pelo acórdão recorrido, no caso dos autos, a demanda não versa sobre índices equivocados de responsabilidade do Conselho Gestor do Fundo, mas sobre a má gestão imputada ao Banco, decorrente de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP. Assim, conclui-se que a legitimidade passiva é do Banco do Brasil S.A., o que define a competência da Justiça Comum Estadual. Precedentes do STJ. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.907.473/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/4/2021, DJe de 3/8/2021.) PROCESSUAL CIVIL. PASEP. DESFALQUE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. SÚMULA N. 42/STJ. I - Na origem, trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais contra o Banco do Brasil alegando, em suma, que sua conta do PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, administrada pelo réu, deixou de receber a devida atualização monetária. II - O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios manteve a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, diante da ilegitimidade de parte. Nesta Corte, o recurso especial foi provido para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem. III - É entendimento do STJ de que, em ações nas quais se pleiteia a recomposição do saldo existente em conta vinculada ao PASEP, a União deve figurar no polo passivo da demanda. IV - No entanto, conforme delineado pelo acórdão recorrido, no caso dos autos, a demanda versa sobre responsabilidade decorrente da má gestão do banco, decorrente de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP. V - Assim, conclui-se que a legitimidade passiva é do Banco do Brasil S.A., o que define a competência da Justiça Comum estadual, em atenção à Súmula n. 42/STJ. Precedentes do STJ. Nesse sentido: AgInt no REsp n. 1.878.378/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8/2/2021, DJe 17/2/2021 e AgInt no CC n. 171.648/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 18/8/2020, DJe 24/8/2020. VI - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.901.712/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15/3/2021, DJe de 22/3/2021.) (grifei) PROCESSUAL CIVIL. CONTAS DE PIS/PASEP. SAQUE INDEVIDO. BANCO DO BRASIL. RESSARCIMENTO. VALORES REPASSADOS PELA UNIÃO. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA COMPOR O POLO PASSIVO DA LIDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I - Na origem, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais relacionados a má gestão de valores depositados no Fundo PIS/PASEP. Por sentença, julgou-se extinto o processo, sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. Nesta Corte, foi dado provimento ao recurso especial. II - Cinge-se a controvérsia quanto ao reconhecimento da legitimidade do Banco do Brasil S.A. para figurar no polo passivo da ação, cujo objeto é a restituição de valores alegadamente subtraídos da conta PASEP, sob a justificativa de falhas na prestação do serviço pelo banco e a compensar o aludido desfalque pela indenização por dano moral. III - O acórdão recorrido na origem considerou que o Banco do Brasil S.A. não teria legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que busque a correção do saldo depositado na conta vinculada ao PASEP, por considerar que a gestão desse fundo é de responsabilidade da União, por intermédio do Conselho Diretor do PIS-PASEP, cuja atuação em juízo fica vinculado à Procuradoria da Fazenda Nacional, utilizando-se de precedentes do TJDFT e do TRF1. IV - Consoante se verifica dos autos, a falta de depósitos não integra a causa de pedir da ação - o que pressupõe que foram efetivamente realizados na conta PASEP do recorrente, tanto no quantum devido, como no prazo e na periodicidade estabelecidos legalmente. Da mesma forma, não se discute sobre metodologia da atualização monetária do saldo depositado em conta vinculada do PASEP, cuja competência é do Conselho Diretor do PIS/PASEP. Logo, por não se tratar de hipótese de irresignação de atos de competência do Conselho Diretor do mencionado fundo, devendo ser afastada a aplicação da Súmula n. 77/STJ. V - Em se tratando a demanda de supostos "desfalques" na conta do PASEP do recorrente, ou seja, alega-se a ocorrência de débitos não autorizados, a responsabilidade é daquele que mantém a custódia dos valores a título de PASEP, no caso o Banco do Brasil S.A. Dessa forma, natural que fosse indicada pelo recorrente essa instituição financeira no polo passivo da ação. VI - Em recente julgamento, proferido por mim no Recurso Especial n. 1.864.842 - CE, DJe 5/6/2020, estabeleceu-se que, a respeito da questão, é forçoso consignar que a Primeira Seção desta Corte tem entendimento predominante de que compete à Justiça Estadual processar e julgar os feitos cíveis relativos ao PASEP, cujo gestor é o Banco do Brasil (sociedade de economia mista federal), incidindo, na espécie, a Súmula n. 42/STJ, no sentido de que "compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento". VII - Ademais, sobre a legitimidade da União para o feito, compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Inteligência da Súmula n. 150/STJ (CC n. 163.129/TO, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, DJe 8/3/2019; AgRg no CC n. 53.218/PB, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, julgado em 14/3/2007, DJ 22/3/2007; AgRg no CC n. 137.398/RN, relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/05/2016, DJe 30/05/2016; CC 149.906/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016). VIII - Nesse passo, para se se deduzir de modo diverso, pela legitimidade da União de figurar no polo passivo da lide, seria necessário preceder ao reexame do mesmo acervo fático-probatório já analisado, providência impossível pela via estreita do recurso especial, ante o óbice do enunciado da Súmula n. 7/STJ. A esse respeito, os seguintes julgados: REsp n. 1.864.849/CE, relator Ministro Gurgel de Faria, julgamento em 11/5/2020, Dje 14/5/2020 e REsp n. 1.855.750/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Julgamento em 1º/4/2020, Dje 3/4/2020. IX - Nesse panorama, admitida a legitimidade passiva do Banco do Brasil, os autos devem ser devolvidos à origem para o regular prosseguimento do feito. X - Correta a decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial da parte ora agravada. XI - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.863.683/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 8/2/2021, DJe de 12/2/2021.) – grifei No mesmo sentido tem decidido o Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região: E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE MÁ GESTÃO DE DEPÓSITOS DO PIS/PASEP. LEGITIMIDADE PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. I- Fundamento de má gestão decorrente de suposta incorreta remuneração dos depósitos e de saques indevidos do PIS/PASEP que acarreta a legitimidade passiva apenas da instituição depositária e consequentemente a incompetência da Justiça Federal. Precedentes. II - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5010680-02.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado em 28/07/2022, DJEN DATA: 03/08/2022) - grifei E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. SAQUE DE VALORES RELATIVOS AO PIS/PASEP. JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO NÃO PROVIDO. - Com relação ao pedido de suspensão do feito, anoto que a decisão proferida pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no SIRDR 71/TO, embora verse sobre a matéria discutida neste feito, destacou expressamente que “A ordem de suspensão não impede: a. o ajuizamento de novas ações, as quais deverão seguir a marcha processual até a fase de conclusão para a sentença, ocasião em que ficará suspensa; b. a apreciação de tutela de urgência, devendo as decisões concessivas da medida serem devidamente justificadas, em especial quanto ao perigo concreto ao STJ.” - Assim, inexiste fundamento para a suspensão do curso do processo no atual estágio. - Quanto ao mérito, não obstante os argumentos da recorrente acerca do direito invocado, fato é que os documentos apresentados, em sede de cognição preliminar, não trazem elementos suficientes para a conclusão sobre a necessidade de reforma da decisão agravada. - Outrossim, verifico que a decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência do C. STJ, no sentido de que cabe à Justiça Estadual processar as causas que versem sobre o saldo e saques de contas vinculadas ao PIS/PASEP, pois o Banco do Brasil é o gestor. Precedente da Quarta Turma - Recurso não provido (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5012066-67.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 26/04/2022, DJEN DATA: 06/05/2022) – grife Com relação à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, verifico que a empresa pública não possui legitimidade para figurar no polo passivo de demandas relacionadas ao PASEP, conforme a Súmula nº 77 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): "A Caixa Econômica Federal é parte ilegítima para figurar no polo passivo das ações relativas às contribuições para o fundo PIS/PASEP." Portanto, em ações que envolvem questões relacionadas ao PASEP, a legitimidade passiva recai sobre a União ou sobre o Banco do Brasil, dependendo da natureza da demanda. Assim, inexistente interesse jurídico da União, entidade autárquica ou empresa pública federal no feito, está caracterizada incompetência absoluta do Juízo Federal, nos moldes do artigo 109, I, da Constituição da República de 1988. Constato, outrossim, que a parte autora possui domicílio em São Roque - SP. Pelo exposto, acolhendo em parte a preliminar suscitada pelo ente demandado, declaro a ilegitimidade passiva da UNIÃO e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Consequentemente, reconheço a incompetência absoluta deste Juízo e declino da competência àJustiça Estadual de São Roque/SP. Encaminhem-se os autos ao Setor de Distribuição a fim de que exclua a UNIÃO e a CEF do cadastro processual. Após o decurso do prazo recursal, remetam-se os autos ao Juízo de Direito declinado. Promovam-se as anotações necessárias. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se com urgência. Barueri, data lançada eletronicamente. Assinatura eletrônica”. A parte agravante sustenta que não tem legitimidade passivara para responder a lide que trate de alteração de índice de correção monetária relativa ao PASEP. Verifica-se da petição inicial da ação originária que o autor, ora agravado, se insurge contra a má-gestão do PASEP da sua conta individual, afirmando: Restará demonstrado à evidência que os valores depositados por força do programa PIS/PASEP foram mal administrados e mal geridos pelo Banco do Brasil, ora requerido, responsável pela gestão/administração do programa, conforme a seguir será demonstrado. O pedido foi formulado no seguinte sentido: Ao final, a CONDENAÇÃO dos requeridos ao pagamento dos danos materiais decorrentes da má gestão do fundo PASEP relativo a conta do autor, devidamente atualizado e corrigido conforme planilha anexa, relativo ao período de 10/1988 e 08/2017, correspondente a R$148.771,79 (cento e quarenta e oito mil e setecentos e setenta e um reais e setenta e nove centavos). Obviamente, o objeto da ação originária não é a discussão acerca de índices de correção monetária, mas, sim, a responsabilidade do agravante pela manutenção da conta PASEP do autor. O Superior Tribunal de Justiça, no Tema 1150, fixou a seguinte tese: i) o Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa; ii) a pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil; e iii) o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep. A situação dos autos originários se enquadra no item “i” da tese supratranscrita, sendo certo que o Banco do Brasil deve permanecer do polo passivo da ação originária, visto que se discute falha na prestação do serviço. Considerando que a questão restou decidida em recurso repetitivo, possível o julgamento monocrático do presente recurso. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, com fulcro no artigo 932, IV, “b”, do Código de Processo Civil. Encaminhe-se cópia ao juízo recorrido. Decorrido o prazo para recurso, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais. Intime-se. Cumpra-se. São Paulo, data da assinatura digital.” No caso dos autos, a parte agravante (Banco do Brasil) insurge-se contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento em que se pleiteava reconhecer a sua ilegitimidade para figurar na ação e reconhecer a legitimidade da União Federal para figurar no polo passivo da ação, uma vez que esta é a responsável pela gestão das contas vinculadas PASEP e pelos índices de correção monetária aplicados aos valores nelas depositados. Consoante o artigo 1.021, §1º do CPC/2.015, "o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada". Necessário, portanto, para a reforma da decisão impugnação específica e convincente de ocorrência de desacerto da decisão, não apenas a reprodução dos argumentos já trazidos na exordial do Agravo de Instrumento que já foi apreciado e julgado. Ressalta-se que decisão agravada se funda em lei e na jurisprudência dominante sobre o tema, não abalando a convicção formada o alegado no presente recurso. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PASEP. LEGITIMIDADE PASSIVA. BANCO DO BRASIL. MÁ GESTÃO DOS RECURSOS DO FUNDO. RESPONSABILIDADE POR EVENTUAL FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto pelo Banco do Brasil contra decisão monocrática que negou provimento a agravo de instrumento, mantendo o reconhecimento de sua legitimidade passiva para responder por ação de conhecimento ajuizada com fundamento na má gestão da conta vinculada ao PASEP do autor, no período de 1988 a 2017, com pedido de indenização por danos materiais no valor de R$148.771,79. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se o Banco do Brasil possui legitimidade passiva para figurar no polo passivo da ação de conhecimento cujo pedido versa sobre má gestão da conta individual vinculada ao PASEP, especialmente no que se refere à ausência de atualização de valores e eventuais saques indevidos. III. RAZÕES DE DECIDIR A decisão agravada aplica a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.150, segundo a qual o Banco do Brasil possui legitimidade passiva para responder por falhas na prestação do serviço de administração de contas vinculadas ao PASEP, como saques indevidos e ausência de aplicação de rendimentos. A petição inicial da ação originária aponta expressamente como causa de pedir a má gestão dos valores do PASEP, atribuindo ao Banco do Brasil responsabilidade pela ausência de atualização e possíveis apropriações indevidas do saldo da conta. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, em hipóteses que envolvem falhas na execução do serviço bancário pelo Banco do Brasil — e não controvérsias sobre os critérios normativos de correção monetária ou depósitos —, a legitimidade passiva recai exclusivamente sobre a referida instituição financeira. A União e a Caixa Econômica Federal foram corretamente excluídas da lide, pois não possuem legitimidade passiva para responder por falhas na gestão das contas do PASEP, nos termos da Súmula nº 77 do STJ e jurisprudência consolidada. O recurso interno não impugna de forma específica os fundamentos da decisão agravada, limitando-se a repetir os argumentos do agravo de instrumento já rejeitado. IV. DISPOSITIVO E TESE Agravo Interno desprovido. Tese de julgamento: O Banco do Brasil possui legitimidade passiva para responder por ação que discute falhas na prestação do serviço de administração da conta vinculada ao PASEP, como má gestão, saques indevidos e ausência de atualização dos valores. A União e a Caixa Econômica Federal não são partes legítimas quando a controvérsia envolve exclusivamente a atuação do Banco do Brasil como gestor do fundo PASEP. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada impede o provimento do agravo interno. Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 932, IV, “b”, e 1.021, §1º; CF/1988, art. 109, I; CC, art. 205. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo 1.150, REsp nº 1.895.936/TO, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 13.09.2023; STJ, AgInt no REsp nº 1.925.228/TO, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 01.07.2021; STJ, AgInt no REsp nº 1.863.683/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 12.02.2021; STJ, Súmulas nº 42 e nº 77; TRF3, AI nº 5010680-02.2021.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Otavio Peixoto Junior, j. 28.07.2022. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. AUDREY GASPARINI Desembargadora Federal
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Processo nº 5004775-74.2025.4.03.0000
ID: 314946898
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5004775-74.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GIZA HELENA COELHO
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA A…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A AGRAVADO: ANTONIO CESAR SALOMONI Advogado do(a) AGRAVADO: BRUNO PRETI DE SOUZA - SP270550 OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A AGRAVADO: ANTONIO CESAR SALOMONI Advogado do(a) AGRAVADO: BRUNO PRETI DE SOUZA - SP270550 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo previsto no artigo 1.021 do CPC/2.015 interposto por BANCO DO BRASIL S/A em face de decisão através da qual foi julgado improcedente o recurso de Agravo de Instrumento. Alega a parte agravante ser legítima para figurar no polo passivo do feito, uma vez que é mero depositário dos valores e não dispõe de qualquer ingerência quanto aos critérios de atualização monetária e juros legais, devendo a União Federal figurar no polo passivo da ação pois a mesma é a responsável pela gestão das contas vinculadas PASEP e da correção dos valores nelas constantes. O recurso não foi respondido. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004775-74.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A AGRAVADO: ANTONIO CESAR SALOMONI Advogado do(a) AGRAVADO: BRUNO PRETI DE SOUZA - SP270550 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A decisão ora agravada foi nestes termos proferida: “Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que reconheceu a legitimidade passiva do Banco do Brasil, ora agravante, para responder pelo pedido formulado na inicial da ação de conhecimento. Afirma a parte agravante que se pretende, na ação originária, a ”...aplicação de atualização monetária que entende ser devida por conta de aplicação de índices diversos daqueles estabelecidos na legislação da conta PASEP, salientando que não se trata desfalque ou saque indevido”. Entende que somente a União Federal detém legitimidade para figurar no polo passivo da ação originária. Pugna pela concessão da tutela recursal. É o relatório. Decido. A concessão da tutela recursal depende da presença do risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, conforme previsão contida no artigo 995, parágrafo único do Código de Processo Civil. A decisão agravada foi assim proferida: “Converto o julgamento em diligência. ANTONIO CESAR SALOMONI ajuizou esta ação de conhecimento, em face da UNIÃO, do BANCO DO BRASIL e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, objetivando “a CONDENAÇÃO dos requeridos ao pagamento dos danos materiais decorrentes da má gestão do fundo PASEP relativo a conta do autor, devidamente atualizado e corrigido conforme planilha anexa, relativo ao período de 10/1988 e 08/2017, correspondente a R$148.771,79 (cento e quarenta e oito mil e setecentos e setenta e um reais e setenta e nove centavos).” Tanto a UNIÃO quanto a CEF, em sede de preliminar, suscitaram a sua ilegitimidade passiva ad causam, requerendo a extinção do processo, sem resolução do mérito. Oportunizado o contraditório, a parte autora permaneceu inerte. Pois bem Sobre a matéria versada, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.150, fixou as seguintes teses: i) o Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa; ii) a pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil; iii) o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep. (REsp nº 1895936 / TO, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamin , j. 13.09.2023, publicação: 21/09/2023) - grifei No caso específico dos autos, a petição inicial refere que: O Autor foi nomeado em caráter efetivo para o cargo de Agente de Polícia Federal, por intermédio da Portaria n. 935-B publicada no DOU n. 242 de 22/12/1976, com posse e exercício em 03 de janeiro de 1977, tendo sido posteriormente nomeado para o cargo de Delegado de Polícia Federal, conforme Portaria n. 639, publicada no DOU n. 115 de 18/06/1999, com exercício e posse em 22/06/1999. Foi concedida aposentadora voluntária ao autor em 19/05/2017, com fundamento na EC n. 47/2005, conforme Portaria n. 5.662/17, publicada no DOU n. 95 de 19/05/2017, conforme certidão anexa emitida pelo Núcleo de Cadastro e Lotação da Superintendência Regional de Polícia Federal em São Paulo. Após transferência para a inatividade decorrente de sua aposentadoria voluntária, surgiu ao autor o direito ao recebimento dos valores depositados no programa PIS/PASEP e, conforme extrato anexo, em 27/06/2017 recebeu a quantia de R$4.163,23 (quatro mil e cento e sessenta e três reais e vinte e três centavos), valor este que, por óbvio, encontra-se aquém do que poderia se esperar após mais de 40 (quarenta) anos de rendimentos e correções. Restará demonstrado à evidência que os valores depositados por força do programa PIS/PASEP foram mal administrados e mal geridos pelo Banco do Brasil, ora requerido, responsável pela gestão/administração do programa, conforme a seguir será demonstrado Portanto, a causa de pedir diz respeito à má gestão dos valores depositados a título de o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), em virtude de supostos saques ou aplicações indevidas pela instituição bancária gestora, mediante apropriação do saldo. Destaco trecho da exordial: Fundamentalmente, as instituições responsáveis pelas questões referentes aos programas PIS/PASEP são a União Federal, encarregada da realização do recolhimento e depósito periódico dos valores na conta individual dos beneficiários, nos termos do art. 2º da Lei Complementar 08/19701, e o Banco do Brasil, encarregado da gestão/administração do programa, mantendo contas individualizadas em nome dos beneficiários e podendo cobrar comissão pelos serviços prestados, nos termos do art. 5º da Lei Complementar 08/19702. A gestão/administração dos valores depositados em razão do programa PIS/PASEP foi evidentemente irregular, considerando que não houve a atualização devida dos referidos valores, seja por parte da Caixa Econômica Federal quando responsável pela gestão dos depósitos, seja por parte do Banco do Brasil ou, ainda, solidariamente por parte da UNIÃO por meio do Conselho Diretor do fundo PIS/PASEP (Decreto n. 9.978/2019, artigos 3º e 4º), demanda para devida responsabilização material. Assim, verifico que o pedido e a causa de pedir não dizem respeito à falta de depósitos ou a índices equivocados de responsabilidade do Conselho Gestor do Fundo. De fato, versam sobre a má gestão imputada ao Banco, decorrente de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP. Desse modo, patente a ilegitimidade passiva ad causam da UNIÃO, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Colaciono precedentes: PROCESSUAL CIVIL. PASEP. DESFALQUE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. INSTITUIÇÃO GESTORA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SÚMULA 42/STJ. 1. Na origem, trata-se de Ação Ordinária ajuizada contra o Banco de Brasil S.A., na qual se pleiteia a recomposição de saldo na conta Pasep, tendo em vista suposta incorreção nos valores existentes, derivada de saques e correções errôneas do saldo depositado 2. É entendimento do STJ que, em ações nas quais se requer a recomposição do saldo existente em conta vinculada ao Pasep, a União deve figurar no polo passivo da demanda. No entanto, conforme delineado pelo acórdão recorrido, no caso dos autos, a demanda não versa sobre índices equivocados de responsabilidade do Conselho Gestor do Fundo, mas sobre responsabilidade decorrente da má gestão do banco, de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do Pasep. Assim, tem-se a conclusão de que a legitimidade passiva é do Banco do Brasil S.A., o que define a competência da Justiça Comum Estadual. Precedentes do STJ. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.925.228/TO, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 31/5/2021, DJe de 1/7/2021.) - grifei PROCESSUAL CIVIL. PASEP. DESFALQUE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. INSTITUIÇÃO GESTORA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SÚMULA 42/STJ. 1. Na origem, trata-se de Ação Ordinária ajuizada contra o Banco de Brasil S.A., na qual se pleiteia a recomposição de saldo na conta Pasep, tendo em vista suposta incorreção nos valores existentes, derivada de saques e correções errôneas do saldo depositado. 2. É entendimento do STJ que, em ações nas quais se pleiteia a recomposição do saldo existente em conta vinculada ao PASEP, a União deve figurar no polo passivo da demanda. No entanto, conforme delineado pelo acórdão recorrido, no caso dos autos, a demanda não versa sobre índices equivocados de responsabilidade do Conselho Gestor do Fundo, mas sobre a má gestão imputada ao Banco, decorrente de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP. Assim, conclui-se que a legitimidade passiva é do Banco do Brasil S.A., o que define a competência da Justiça Comum Estadual. Precedentes do STJ. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.907.473/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/4/2021, DJe de 3/8/2021.) PROCESSUAL CIVIL. PASEP. DESFALQUE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. SÚMULA N. 42/STJ. I - Na origem, trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais contra o Banco do Brasil alegando, em suma, que sua conta do PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, administrada pelo réu, deixou de receber a devida atualização monetária. II - O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios manteve a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, diante da ilegitimidade de parte. Nesta Corte, o recurso especial foi provido para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem. III - É entendimento do STJ de que, em ações nas quais se pleiteia a recomposição do saldo existente em conta vinculada ao PASEP, a União deve figurar no polo passivo da demanda. IV - No entanto, conforme delineado pelo acórdão recorrido, no caso dos autos, a demanda versa sobre responsabilidade decorrente da má gestão do banco, decorrente de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP. V - Assim, conclui-se que a legitimidade passiva é do Banco do Brasil S.A., o que define a competência da Justiça Comum estadual, em atenção à Súmula n. 42/STJ. Precedentes do STJ. Nesse sentido: AgInt no REsp n. 1.878.378/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8/2/2021, DJe 17/2/2021 e AgInt no CC n. 171.648/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 18/8/2020, DJe 24/8/2020. VI - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.901.712/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15/3/2021, DJe de 22/3/2021.) (grifei) PROCESSUAL CIVIL. CONTAS DE PIS/PASEP. SAQUE INDEVIDO. BANCO DO BRASIL. RESSARCIMENTO. VALORES REPASSADOS PELA UNIÃO. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA COMPOR O POLO PASSIVO DA LIDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I - Na origem, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais relacionados a má gestão de valores depositados no Fundo PIS/PASEP. Por sentença, julgou-se extinto o processo, sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. Nesta Corte, foi dado provimento ao recurso especial. II - Cinge-se a controvérsia quanto ao reconhecimento da legitimidade do Banco do Brasil S.A. para figurar no polo passivo da ação, cujo objeto é a restituição de valores alegadamente subtraídos da conta PASEP, sob a justificativa de falhas na prestação do serviço pelo banco e a compensar o aludido desfalque pela indenização por dano moral. III - O acórdão recorrido na origem considerou que o Banco do Brasil S.A. não teria legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que busque a correção do saldo depositado na conta vinculada ao PASEP, por considerar que a gestão desse fundo é de responsabilidade da União, por intermédio do Conselho Diretor do PIS-PASEP, cuja atuação em juízo fica vinculado à Procuradoria da Fazenda Nacional, utilizando-se de precedentes do TJDFT e do TRF1. IV - Consoante se verifica dos autos, a falta de depósitos não integra a causa de pedir da ação - o que pressupõe que foram efetivamente realizados na conta PASEP do recorrente, tanto no quantum devido, como no prazo e na periodicidade estabelecidos legalmente. Da mesma forma, não se discute sobre metodologia da atualização monetária do saldo depositado em conta vinculada do PASEP, cuja competência é do Conselho Diretor do PIS/PASEP. Logo, por não se tratar de hipótese de irresignação de atos de competência do Conselho Diretor do mencionado fundo, devendo ser afastada a aplicação da Súmula n. 77/STJ. V - Em se tratando a demanda de supostos "desfalques" na conta do PASEP do recorrente, ou seja, alega-se a ocorrência de débitos não autorizados, a responsabilidade é daquele que mantém a custódia dos valores a título de PASEP, no caso o Banco do Brasil S.A. Dessa forma, natural que fosse indicada pelo recorrente essa instituição financeira no polo passivo da ação. VI - Em recente julgamento, proferido por mim no Recurso Especial n. 1.864.842 - CE, DJe 5/6/2020, estabeleceu-se que, a respeito da questão, é forçoso consignar que a Primeira Seção desta Corte tem entendimento predominante de que compete à Justiça Estadual processar e julgar os feitos cíveis relativos ao PASEP, cujo gestor é o Banco do Brasil (sociedade de economia mista federal), incidindo, na espécie, a Súmula n. 42/STJ, no sentido de que "compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento". VII - Ademais, sobre a legitimidade da União para o feito, compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Inteligência da Súmula n. 150/STJ (CC n. 163.129/TO, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, DJe 8/3/2019; AgRg no CC n. 53.218/PB, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, julgado em 14/3/2007, DJ 22/3/2007; AgRg no CC n. 137.398/RN, relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/05/2016, DJe 30/05/2016; CC 149.906/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016). VIII - Nesse passo, para se se deduzir de modo diverso, pela legitimidade da União de figurar no polo passivo da lide, seria necessário preceder ao reexame do mesmo acervo fático-probatório já analisado, providência impossível pela via estreita do recurso especial, ante o óbice do enunciado da Súmula n. 7/STJ. A esse respeito, os seguintes julgados: REsp n. 1.864.849/CE, relator Ministro Gurgel de Faria, julgamento em 11/5/2020, Dje 14/5/2020 e REsp n. 1.855.750/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Julgamento em 1º/4/2020, Dje 3/4/2020. IX - Nesse panorama, admitida a legitimidade passiva do Banco do Brasil, os autos devem ser devolvidos à origem para o regular prosseguimento do feito. X - Correta a decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial da parte ora agravada. XI - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.863.683/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 8/2/2021, DJe de 12/2/2021.) – grifei No mesmo sentido tem decidido o Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região: E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE MÁ GESTÃO DE DEPÓSITOS DO PIS/PASEP. LEGITIMIDADE PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. I- Fundamento de má gestão decorrente de suposta incorreta remuneração dos depósitos e de saques indevidos do PIS/PASEP que acarreta a legitimidade passiva apenas da instituição depositária e consequentemente a incompetência da Justiça Federal. Precedentes. II - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5010680-02.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado em 28/07/2022, DJEN DATA: 03/08/2022) - grifei E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. SAQUE DE VALORES RELATIVOS AO PIS/PASEP. JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO NÃO PROVIDO. - Com relação ao pedido de suspensão do feito, anoto que a decisão proferida pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no SIRDR 71/TO, embora verse sobre a matéria discutida neste feito, destacou expressamente que “A ordem de suspensão não impede: a. o ajuizamento de novas ações, as quais deverão seguir a marcha processual até a fase de conclusão para a sentença, ocasião em que ficará suspensa; b. a apreciação de tutela de urgência, devendo as decisões concessivas da medida serem devidamente justificadas, em especial quanto ao perigo concreto ao STJ.” - Assim, inexiste fundamento para a suspensão do curso do processo no atual estágio. - Quanto ao mérito, não obstante os argumentos da recorrente acerca do direito invocado, fato é que os documentos apresentados, em sede de cognição preliminar, não trazem elementos suficientes para a conclusão sobre a necessidade de reforma da decisão agravada. - Outrossim, verifico que a decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência do C. STJ, no sentido de que cabe à Justiça Estadual processar as causas que versem sobre o saldo e saques de contas vinculadas ao PIS/PASEP, pois o Banco do Brasil é o gestor. Precedente da Quarta Turma - Recurso não provido (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5012066-67.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 26/04/2022, DJEN DATA: 06/05/2022) – grife Com relação à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, verifico que a empresa pública não possui legitimidade para figurar no polo passivo de demandas relacionadas ao PASEP, conforme a Súmula nº 77 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): "A Caixa Econômica Federal é parte ilegítima para figurar no polo passivo das ações relativas às contribuições para o fundo PIS/PASEP." Portanto, em ações que envolvem questões relacionadas ao PASEP, a legitimidade passiva recai sobre a União ou sobre o Banco do Brasil, dependendo da natureza da demanda. Assim, inexistente interesse jurídico da União, entidade autárquica ou empresa pública federal no feito, está caracterizada incompetência absoluta do Juízo Federal, nos moldes do artigo 109, I, da Constituição da República de 1988. Constato, outrossim, que a parte autora possui domicílio em São Roque - SP. Pelo exposto, acolhendo em parte a preliminar suscitada pelo ente demandado, declaro a ilegitimidade passiva da UNIÃO e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Consequentemente, reconheço a incompetência absoluta deste Juízo e declino da competência àJustiça Estadual de São Roque/SP. Encaminhem-se os autos ao Setor de Distribuição a fim de que exclua a UNIÃO e a CEF do cadastro processual. Após o decurso do prazo recursal, remetam-se os autos ao Juízo de Direito declinado. Promovam-se as anotações necessárias. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se com urgência. Barueri, data lançada eletronicamente. Assinatura eletrônica”. A parte agravante sustenta que não tem legitimidade passivara para responder a lide que trate de alteração de índice de correção monetária relativa ao PASEP. Verifica-se da petição inicial da ação originária que o autor, ora agravado, se insurge contra a má-gestão do PASEP da sua conta individual, afirmando: Restará demonstrado à evidência que os valores depositados por força do programa PIS/PASEP foram mal administrados e mal geridos pelo Banco do Brasil, ora requerido, responsável pela gestão/administração do programa, conforme a seguir será demonstrado. O pedido foi formulado no seguinte sentido: Ao final, a CONDENAÇÃO dos requeridos ao pagamento dos danos materiais decorrentes da má gestão do fundo PASEP relativo a conta do autor, devidamente atualizado e corrigido conforme planilha anexa, relativo ao período de 10/1988 e 08/2017, correspondente a R$148.771,79 (cento e quarenta e oito mil e setecentos e setenta e um reais e setenta e nove centavos). Obviamente, o objeto da ação originária não é a discussão acerca de índices de correção monetária, mas, sim, a responsabilidade do agravante pela manutenção da conta PASEP do autor. O Superior Tribunal de Justiça, no Tema 1150, fixou a seguinte tese: i) o Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa; ii) a pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil; e iii) o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep. A situação dos autos originários se enquadra no item “i” da tese supratranscrita, sendo certo que o Banco do Brasil deve permanecer do polo passivo da ação originária, visto que se discute falha na prestação do serviço. Considerando que a questão restou decidida em recurso repetitivo, possível o julgamento monocrático do presente recurso. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, com fulcro no artigo 932, IV, “b”, do Código de Processo Civil. Encaminhe-se cópia ao juízo recorrido. Decorrido o prazo para recurso, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais. Intime-se. Cumpra-se. São Paulo, data da assinatura digital.” No caso dos autos, a parte agravante (Banco do Brasil) insurge-se contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento em que se pleiteava reconhecer a sua ilegitimidade para figurar na ação e reconhecer a legitimidade da União Federal para figurar no polo passivo da ação, uma vez que esta é a responsável pela gestão das contas vinculadas PASEP e pelos índices de correção monetária aplicados aos valores nelas depositados. Consoante o artigo 1.021, §1º do CPC/2.015, "o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada". Necessário, portanto, para a reforma da decisão impugnação específica e convincente de ocorrência de desacerto da decisão, não apenas a reprodução dos argumentos já trazidos na exordial do Agravo de Instrumento que já foi apreciado e julgado. Ressalta-se que decisão agravada se funda em lei e na jurisprudência dominante sobre o tema, não abalando a convicção formada o alegado no presente recurso. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PASEP. LEGITIMIDADE PASSIVA. BANCO DO BRASIL. MÁ GESTÃO DOS RECURSOS DO FUNDO. RESPONSABILIDADE POR EVENTUAL FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto pelo Banco do Brasil contra decisão monocrática que negou provimento a agravo de instrumento, mantendo o reconhecimento de sua legitimidade passiva para responder por ação de conhecimento ajuizada com fundamento na má gestão da conta vinculada ao PASEP do autor, no período de 1988 a 2017, com pedido de indenização por danos materiais no valor de R$148.771,79. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se o Banco do Brasil possui legitimidade passiva para figurar no polo passivo da ação de conhecimento cujo pedido versa sobre má gestão da conta individual vinculada ao PASEP, especialmente no que se refere à ausência de atualização de valores e eventuais saques indevidos. III. RAZÕES DE DECIDIR A decisão agravada aplica a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.150, segundo a qual o Banco do Brasil possui legitimidade passiva para responder por falhas na prestação do serviço de administração de contas vinculadas ao PASEP, como saques indevidos e ausência de aplicação de rendimentos. A petição inicial da ação originária aponta expressamente como causa de pedir a má gestão dos valores do PASEP, atribuindo ao Banco do Brasil responsabilidade pela ausência de atualização e possíveis apropriações indevidas do saldo da conta. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, em hipóteses que envolvem falhas na execução do serviço bancário pelo Banco do Brasil — e não controvérsias sobre os critérios normativos de correção monetária ou depósitos —, a legitimidade passiva recai exclusivamente sobre a referida instituição financeira. A União e a Caixa Econômica Federal foram corretamente excluídas da lide, pois não possuem legitimidade passiva para responder por falhas na gestão das contas do PASEP, nos termos da Súmula nº 77 do STJ e jurisprudência consolidada. O recurso interno não impugna de forma específica os fundamentos da decisão agravada, limitando-se a repetir os argumentos do agravo de instrumento já rejeitado. IV. DISPOSITIVO E TESE Agravo Interno desprovido. Tese de julgamento: O Banco do Brasil possui legitimidade passiva para responder por ação que discute falhas na prestação do serviço de administração da conta vinculada ao PASEP, como má gestão, saques indevidos e ausência de atualização dos valores. A União e a Caixa Econômica Federal não são partes legítimas quando a controvérsia envolve exclusivamente a atuação do Banco do Brasil como gestor do fundo PASEP. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada impede o provimento do agravo interno. Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 932, IV, “b”, e 1.021, §1º; CF/1988, art. 109, I; CC, art. 205. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo 1.150, REsp nº 1.895.936/TO, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 13.09.2023; STJ, AgInt no REsp nº 1.925.228/TO, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 01.07.2021; STJ, AgInt no REsp nº 1.863.683/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 12.02.2021; STJ, Súmulas nº 42 e nº 77; TRF3, AI nº 5010680-02.2021.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Otavio Peixoto Junior, j. 28.07.2022. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. AUDREY GASPARINI Desembargadora Federal
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Processo nº 5002431-23.2025.4.03.0000
ID: 256942918
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5002431-23.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CAROLINA FUSSI
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002431-23.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS AGRAVANTE: CARINA MORAES SILV…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002431-23.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS AGRAVANTE: CARINA MORAES SILVA Advogado do(a) AGRAVANTE: CAROLINA FUSSI - SP238966-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto pela parte autora, contra a r. decisão monocrática proferida em sede de processo de conhecimento, em que se objetiva o fornecimento de medicamento de alto custo Burosumabe registrado na ANVISA. A parte agravante afirmou sua hipossuficiência, sustentou a necessidade e a urgência com que o Poder Público fornecesse o que restou prescrito pelo médico, com a finalidade de manutenção de sua saúde. Apontou probabilidade de piora do quadro clínico e até mesmo risco à vida pelos óbices supostamente criados pela parte contrária. Apresentou, nos autos originários, relatório médico e receituário assinados por especialista em Endocrinologia e Metabologia, laudos de exames, todos positivos raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X (XLH). Juntou, também, comprovantes do requerimento administrativo de fornecimento do medicamento, pesquisa de preço do medicamento e bula. O Juízo a quo indeferiu o requerimento de tutela de urgência ao argumento de que ele não seria adequado ao quadro clínico da parte, em especial sua idade. Em suas razões de agravo, a parte sustentou que seu quadro de saúde é delicado e agrava-se a cada dia, havendo risco de piora irreversível e até mesmo óbito. Pugnou pela concessão da tutela de urgência para determinar ao Poder Público a concessão do medicamento, que seria o único indicado para sua enfermidade. O requerimento de tutela de urgência foi indeferido, do que a parte interpôs agravo interno. Houve a realização de perícia médica no processo de origem. Com contraminuta. É o relatório. DECIDO. Dispõe o art. 109, da Constituição Federal: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização; XI - a disputa sobre direitos indígenas. [...] § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) Com efeito, infere-se do referido dispositivo constitucional que a competência federal, regra geral, define-se em razão da pessoa, a Administração Pública Federal, cabendo a esta E. Corte Federal o julgamento das demandas que envolvam o interesse da União Federal direta ou indiretamente, observando-se o disposto no art. 108, II, da CF no tocante à competência delegada. Sobre a cumulação de pedidos, estabelecem os arts. 327, § 1º, II, do Código de Processo Civil, in verbis: Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. § 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que: I - os pedidos sejam compatíveis entre si; II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. Importante destacar, ainda, a Súmula nº 150 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas". Sobre a legitimidade ad causam enquanto condição da ação, Humberto Theodoro Júnior ensina: [...] para que o provimento de mérito seja alcançado, para que a lide seja efetivamente solucionada, não basta existir um sujeito ativo e um sujeito passivo. É preciso que os sujeitos sejam, de acordo com a lei, partes legítimas, pois, se tal não ocorrer, o processo se extinguirá sem resolução do mérito (art. 267, VI). [...] A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão. (Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2011) Segundo a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação são aferidas conforme a teoria da asserção, ou seja, tão somente a partir do que foi narrado na petição inicial. Com efeito, tudo que exige cotejo probatório pertence ao mérito, pois, "se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão" (Direito e Processo, São Paulo: RT, 1995, p. 78)." (BEDAQUE, José Roberto Santos, apud REsp 1157383/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 17/08/2012). Neste sentido, o E. STJ, no julgamento do REsp 1551968/SP sob a sistemática dos recursos repetitivos, já decidiu que, quanto às condições da ação, "prevalece a teoria da asserção" (Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016). Neste mesmo sentido, já decidiu esta E. Corte Federal: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PROTESTO DE DUPLICATA MERCANTIL RECEBIDA POR ENDOSSO-MANDATO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE PROMOVEU O PROTESTO. TEORIA DA ASSERÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. I.A Jurisprudência fixou o entendimento de que o ordenamento jurídico acolheu, para fins de legitimidade passiva, a teoria da asserção, segundo a qual é parte legítima para o processo, em princípio, aquele que o autor indicar como tal, devendo esta premissa ser afastada apenas nos casos em que esta indicação transbordar os limites da razoabilidade e proporcionalidade. II.Apelação provida. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1715822 - 0001087-19.2011.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 10/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/04/2018) CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SFH. SINISTRO DE MORTE. QUITAÇÃO POR COBERTURA SECURITÁRIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS APÓS A MORTE DO SEGURADO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. RECURSO PROVIDO. 1. Considerando a matéria em discussão no caso concreto, não há que se falar na ausência de interesse processual da agravante em relação à agravada, eis que a parte autora não tem o seu exercício do direito de ação condicionado à prévia discussão administrativa no que tange à devolução das parcelas de contrato de mútuo que entende terem sido indevidamente pagas, ainda que condicionada a uma questão prejudicial relativa ao efetivo direito à cobertura securitária. 2. Quanto à cobertura securitária em contrato de mútuo habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, tem-se que eventual interesse da CEF na lide é pautado pela natureza da apólice contratada. Assim, na qualidade de gestora do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS , o interesse da CEF em ações que versem sobre cobertura securitária no âmbito do SFH apenas estará configurado se a apólice de seguro habitacional pertencer ao "ramo 66 ", de natureza pública, o que não é o caso dos autos. 3. Todavia, na hipótese, verifica-se que a ação promovida pelo autor não tem por objeto unicamente a cobertura securitária, decorrente de doença grave que acomete o agravante, a qual daria ensejo à quitação do contrato. Com efeito, há também pedido de devolução de valores pagos indevidamente a partir de 17/05/2013, em face da CEF. 4. Se o autor apenas pretendesse a cobertura securitária, de fato, somente a CAIXA SEGURADORA S/A teria legitimidade para figurar no polo passivo, sendo da Justiça Comum Estadual a competência para julgamento da ação, mas, em razão dos outros pedidos, tenho que, levando-se em consideração a teoria da asserção, a CEF tem legitimidade para integrar o polo passivo da demanda. 5. Agravo provido. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 537701 - 0019796-64.2014.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 02/05/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/05/2017) PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO. Caso concreto em que a peça inicial não descreve a conduta omissiva da SUSEP que, outrossim, não se faz corresponsável pelo simples exercício de seu poder regulamentar, policial e sancionatório sobre as atividades financeiras. Apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1869346 - 0013127-09.2006.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/02/2019) Pois bem. Estabelece o Texto Constitucional, orientando-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, que a saúde é um direito social: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. [...] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Com efeito, previu o constituinte a competência comum dos entes federativos para "II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência" (art. 23, CF). Neste sentido, resguardando o quanto positivado no Texto Constitucional, o E. Supremo Tribunal Federal já definiu, no julgamento do RE 855178, leading case do tema 793 de repercussão geral, a tese: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Se é um direito social basilar do cidadão o acesso à saúde, e se é dever do Poder Público (de maneira solidária entre os entes federativos) dela cuidar, todas as alternativas cientificamente comprovadas e/ou prescritas destinadas ao resguardo deste devem ser consideradas, buscadas, e, quando devido, custeadas pelo Estado. Em havendo solidariedade entre os entes federativos quanto ao dever de fornecimento de medicamentos, faculta-se à parte autora o ajuizamento da ação em face de todos, de um ou mais entes, como sua estratégia processual entender mais adequada à proteção do direito almejado. A fixação da tese 793 pelo E. STF no tocante à solidariedade entre os entes federativos dizia respeito expressamente ao cumprimento do dever, e não à fase de conhecimento, interessando mais aos entes entre si, no tocante ao ressarcimento do que um ou mais tenha suportado em detrimento dos demais. Não se confundia com a opção da parte de demandar e exigir de qualquer deles a obrigação por inteiro, que, se o caso, por haver solidariedade, poderiam demandar em regresso em face dos demais, sem tumultuar o processo da parte adoentada. A propósito, já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça em diversas oportunidades: PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. JUSTIÇA ESTADUAL QUE DETERMINA A EMENDA DA INICIAL PARA INCLUSÃO DA UNIÃO. JUSTIÇA FEDERAL. RECONHECIMENTO DO LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. AFASTAMENTO DA UNIÃO DO POLO PASSIVO. SÚMULA 150/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Afastada a legitimidade da União para figurar no polo passivo da demanda pela Justiça Federal, deve-se reconhecer a competência da Justiça Estadual para o deslinde da controvérsia, na linha da Súmula 150/STJ e dos inúmeros precedentes desta Corte Superior. 2. No caso, a Justiça Federal excluiu a União da lide, pois a Justiça Estadual não poderia ter determinado a emenda da inicial para que houvesse a inclusão do referido ente público federal no litígio, haja vista que se está diante de um litisconsórcio facultativo. 3. A tese firmada no julgamento do Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente responsável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao cumprimento de sentença e às regras de ressarcimento aplicáveis ao ente público que suportou o ônus financeiro decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde. Logo, a referida orientação jurisprudencial não modifica a interpretação da Súmula 150/STJ, mormente porque o Juízo Federal, na situação em apreço, não afastou a solidariedade entre os entes federativos, mas apenas reconheceu a existência do litisconsórcio facultativo. 4. Ademais, no âmbito do conflito de competência, não se discute o mérito da ação, tampouco qual seria o rol de responsabilidades atribuído a cada ente federativo em relação ao Sistema Único de Saúde. Cumpre apenas a análise do juízo competente para o exame do litígio, nos termos em que apresentados o pedido e a causa de pedir. 5. Agravo interno a que se nega provimento.(AINTCC - AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 166964 2019.01.97527-7, OG FERNANDES, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:19/11/2019 ..DTPB:.) PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO MUNICÍPIO DE UBERABA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público estadual contra o Município de Uberaba para que este forneça o medicamento oxcarbazepina, 600 mg; 90 cumprimidos ao mês. 2. Rejeito o pedido de suspensão deste recurso, haja vista que a questão tratada neste processo não se refere ao fornecimento de medicamento de alto custo, mas a existência de solidariedade entre a União, Estado e Municípios no fornecimento de medicamentos. Por outro lado, acrescento que o REsp 1.144.382/AL, que tratava da matéria, teve a sua afetação cancelada. 3. O Tribunal pleno do STF, em 5.3.2015, julgou o RE 855.178/SE, com repercussão geral reconhecida, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o polo passivo da relação de direito processual pode ser composto por qualquer dos entes federados, porquanto a obrigação de fornecimento de medicamentos é solidária. 4. O direito constitucional à saúde faculta ao cidadão obter de qualquer dos Estados da federação (ou Distrito Federal) os medicamentos de que necessite, sendo dispensável o chamamento ao processo dos demais entes públicos não demandados. Desse modo, fica claro o entendimento de que a responsabilidade em matéria de saúde, aqui traduzida pela distribuição gratuita de medicamentos em favor de pessoas carentes, é dever do Estado, compreendidos aí todos os entes federativos. 5. Agravo Interno não provido. (AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1710679 2017.02.80328-3, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:05/11/2019 ..DTPB:.) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SAÚDE. PRESTAÇÃO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. SOLIDARIEDADE ENTRE OS MEMBROS FEDERATIVOS. 1. É solidária a responsabilidade da União, dos Estados-membros e dos Municípios em ação que objetiva a garantia do acesso a tratamento de saúde, razão pela qual o polo passivo da demanda pode ser ocupado por qualquer um deles, isolada ou conjuntamente. 2. Matéria pacificada pelo STF no julgamento do RE 855.178- RG/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 16/3/2015, sob o rito da repercussão geral. 3. Agravo interno a que se nega provimento.(AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1010069 2007.02.80767-5, OG FERNANDES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:11/10/2019 ..DTPB:.) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PRESCRIÇÃO POR MÉDICO PARTICULAR. OBRIGATORIEDADE DO ESTADO FORNECER A MEDICAÇÃO. RESPEITO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 284/STF. LITISCONSÓRCIO. UNIÃO E MUNICÍPIO DE TERESINA. AÇÃO PODE SER PROPOSTA CONTRA OS ENTES DE MODO CONJUNTO OU ISOLADO. SOLIDARIEDADE. PRECEDENTES DO STJ. ÔNUS DA PROVA. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Da análise do recurso especial verifica-se que o recorrente não indicou qual dispositivo legal estaria violado quanto as teses de incompetência absoluta da justiça estadual, impossibilidade de fornecimento de medicamento prescrito por médico particular, que o Estado do Piauí não é obrigado a fornecer o medicamento solicitado, além da necessidade de respeito ao princípio da reserva do possível, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. 2. A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses Entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de lide que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problemas de saúde. 3. Alterar o decidido no acórdão impugnado, no que se refere à distribuição do ônus da prova exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1799103 2019.00.56001-5, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:24/09/2019 ..DTPB:.) Vale mencionar, ainda, julgamento proferido pelo próprio E. STF advertindo da natureza protelatória de se pretender incluir no polo passivo da lide todos os entes solidariamente responsáveis: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida. 5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido. (RE-AgR - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, LUIZ FUX, STF.) No tocante ao mérito da terapêutica pretendida, de ordinário, o Poder Judiciário entende que cabe ao médico, devidamente habilitado para o exercício de sua atividade profissional e conhecedor das técnicas e tratamentos, indicar o procedimento e/ou medicamento mais adequado para a preservação da vida e da saúde, o que excepcionalmente pode implicar em sua realização de maneira diversa daquela ordinariamente praticada, seja pelo custo ou pelo método. A título de informação, adotando este raciocínio de maneira reiterada, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo editou as seguintes súmulas: Súmula 90: Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de “home care”, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer. Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico. Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento. Súmula 97: Não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida, havendo indicação médica. Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. Com efeito, este é o entendimento já sedimentado pelo E. Superior Tribunal de Justiça e também ostensivamente aplicado por esta E. Corte Federal: "Nas ações em que se busca o fornecimento de medicamentos, a escolha do fármaco compete a médico habilitado e conhecedor do quadro clínico do paciente, podendo ser tanto um profissional particular quanto um da rede pública." Julgados: AgInt no REsp 1373566/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 27/08/2020; EDcl no REsp 1801213/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 20/08/2020; RMS 61891/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 19/12/2019; AgInt no AREsp 405126/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 26/10/2016; AgInt no REsp 1658552/RJ (decisão monocrática), Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 29/03/2021, publicado em 05/04/2021; REsp 1866082/MG (decisão monocrática), Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2020, publicado em 02/06/2020. Inclusive, a jurisprudência pátria já fixou o entendimento de que a prova pericial é dispensável, bastando o receituário/relatório apresentado pelo próprio profissional que conhece as mazelas de seu paciente, não havendo que se falar, portanto, em cerceamento de defesa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. 1. Hipótese em que a Corte a quo anulou a sentença que havia determinado o fornecimento de medicamento ao agravante, porque não houve a realização de perícia judicial, tendo o medicamento sido prescrito por médico que acompanha o paciente. 2. O STJ, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe DJe 4/5/2018, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, entendeu que a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência. 3. Dessa forma, não prospera a tese do acórdão recorrido de que todo medicamento pleiteado em juízo depende da realização de prévia perícia oficial, uma vez que o STJ admite o fornecimento de medicamentos com base em laudo do médico que assiste o paciente. 4. Assim, o recurso deve ser provido, com o retorno dos autos para a instância de origem aferir a comprovação da necessidade do medicamento a partir dos parâmetros fixados pelo Superior Tribunal de Justiça no precedente repetitivo indicado acima. 5. Agravo conhecido para dar provimento ao Recurso Especial. (ARESP - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1534208 2019.01.92917-2, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:06/09/2019 ..DTPB:.) AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. TUTELA DE URGÊNCIA EM DEMANDA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER VOLTADA AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TRIKAFTA (ELEXACAFOR + TEZACAFTOR + IVACAFTOR 100MG/50MG/75MG E 150MG). APLICABILIDADE DO PARADIGMA FIRMADO NO JULGAMENTO DO RESP Nº 1.657.156/RJ. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PRESCINDIBILIDADE DE PRÉVIA PERÍCIA MÉDICA. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU MANTIDA. DILAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal contra a decisão que, nos autos da ação ordinária de obrigação de fazer aforada por Pâmela Roberta Ramelo contra a União Federal, deferiu a tutela de urgência requerida e determinou que a agravante providencie o fornecimento do medicamento TRIKAFTA (elexacafor + tezacaftor + ivacaftor 100mg/50mg/75mg e 150mg em dose suficiente para maior período possível, nunca inferior a 12 (doze) meses, 13 caixas, observado o fato de que a Requerente deverá tomar tal medicamento pelo resto de sua vida, na quantidade e na periodicidade descrita prescrita. 2. O acesso a medicamentos de alto custo não fornecidos pelo SUS pela via judicial ao hipossuficiente exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. Recurso Especial nº 1.657.156/RJ. Recurso repetitivo (Tema 106) 3. No caso presente, impõe-se reconhecer a presença dos requisitos necessários para a manutenção da tutela de urgência concedida em primeiro grau. 4. A documentação médica apresentada demonstra a necessidade urgente do medicamento pleiteado. A agravada está acometida de grave enfermidade progressiva/degenerativa e necessita do fármaco a fim de garantir o controle da doença e evitar o surgimento mais lesões irreversíveis. 5. O C. Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou entendimento no sentido de que a realização de perícia prévia não é imprescindível para prolação de decisão que determina o fornecimento de medicamentos. REsp n. 1.534.208/RN. 6. O risco de dano emerge da gravidade da doença que acomete a autora, da premência do tratamento para o seu controle e o iminente risco de vida imposto no caso de postergação da tutela. 7. Considerando a urgência do uso do medicamento e não havendo nos autos elementos que efetivamente comprovem a impossibilidade de cumprimento da ordem judicial no prazo fixado pelo MM. Juízo a quo, não há que se falar em dilação do prazo fixado 8. Agravo de instrumento interposto pela União não provido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5015041-28.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 28/11/2022, DJEN DATA: 02/12/2022) Se a jurisprudência tem entendido pela dispensa da perícia médica em casos suficientemente comprovados por meio de documentos médicos apresentados pela própria parte e, se pode o Magistrado até mesmo decidir de modo diverso do trabalho pericial (art. 479, CPC), igual raciocínio pode se aplicar quanto ao trabalho realizado através do sistema e-NatJus, a depender das circunstâncias do caso concreto. Seja quanto à perícia ou ao parecer do NatJus, tal dispensa ocorre porque, em regra, a controvérsia em ação em que se objetiva o fornecimento de medicamento ou a realização de cirurgia é se a Administração Pública tem ou não o dever de custear o tratamento. As particularidades ou idiossincrasias do quadro clínico da parte adoentada já foram avaliadas pelo médico ao prescrever o medicamento ou a cirurgia que entende mais compatível com o organismo de seu paciente. No tocante ao fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS (e o raciocínio equipara-se à realização de cirurgias), o E. STJ, no julgamento do REsp 1657156, sob a sistemática dos recursos repetitivos, fixou a tese 106 in verbis: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO. 1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. (REsp n. 1.657.156/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/4/2018, DJe de 4/5/2018.) Ao fixar a tese ementada acima, o E. Superior Tribunal de Justiça passou a exigir o preenchimento de três requisitos cumulativos para a concessão de medicamento não incorporado ao SUS: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. Sobre o primeiro requisito, bastaria que um profissional médico laudasse as circunstâncias em que se encontra o paciente e o medicamento indicado para o tratamento da moléstia; a partir daí, como já fundamentado anteriormente, haveria presunção de idoneidade do diagnóstico emitido pelo médico. Quanto ao segundo requisito, a incapacidade financeira para arcar com tratamento de alto custo, de ordinário, tende a ser presumida em razão do próprio valor elevado do medicamento pleiteado, comumente muito superior à remuneração anual do homem médio. Já sobre o último requisito, isto é, a existência de registro na ANVISA, também há jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o RE 657718, leading case do tema 500, afastou sua exigência, fixando a seguinte tese: 1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Vale pontuar, ainda, que esta C. Sexta Turma, reportando-se à jurisprudência do E. STF, já concedeu a tutela de urgência para fornecer medicamento sem registro na ANVISA, bem como já concedeu a tutela de urgência para determinar a realização de cirurgia com a utilização de material não coberto/padronizado pelo SUS, reconhecendo a prioridade do direito à vida sobre qualquer outro bem jurídico: PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. TUTELA DE URGÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO E SEM REGISTRO NA ANVISA. CARÁTER EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA E À SAÚDE. NECESSIDADE DEMONSTRADA. AGRAVO PROVIDO. 1. Em 25.04.2018, a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.657.156/RJ, representativo de controvérsia (Tema 106), submetido a julgamento sob o rito do art. 1036 do Código de Processo Civil de 2015, firmou tese no sentido de que "a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento". 2. Em sessão de julgamento do dia 04.05.2018, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao modular os efeitos do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, pois vinculativo (art. 927, inciso III, do CPC/2015), decidiu que "os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento." (trecho do acórdão publicado no DJe de 04.05.2018). 3. Tratando-se de ação distribuída antes de 05.04.2018, não são exigíveis os requisitos estipulados no REsp 1.657.156/RJ. 4. Pretende o autor o fornecimento de medicamento de alto custo e sem registro na ANVISA, denominado “Eteplirsen/Exondys 51”, para tratamento da doença denominada de Distrofia Muscular de Duchenne - DMD, doença genética ligada ao cromossomo X, progressivamente degenerativa e sem cura. 5. A análise da documentação colacionada aos autos autoriza dessumir a presença dos pressupostos necessários à concessão da medida emergencial. 6. O E. Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no sentido de que, "apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos" (ARE 870174, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 13/03/2015, publicado em DJe-055 DIVULG 19/03/2015 PUBLIC 20/03/2015). 7. O alegado alto custo do medicamento não é, por si só, motivo suficiente para caracterizar a ocorrência de grave lesão à economia e ordem públicas, visto que a política pública de medicamentos excepcionais tem por objetivo contemplar o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis (SS n.º 4316/RO, Rel. Min. Cezar Peluso (Presidente), j. 10/06/2011, publicada em 13/06/2011). 8. Frise-se que o óbice da inexistência de registro do medicamento na ANVISA foi superado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da SS n.º 4316/RO, Rel. Min. Cezar Peluso (Presidente), j. 10/06/2011, publicada em 13/06/2011. 9. O C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil, firmou entendimento no sentido de caber ao juiz adotar medidas eficazes à efetivação da tutela nos casos de fornecimento de medicamentos (REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 17/06/2014). 10. No presente caso, existe comprovação a respeito da enfermidade de que padece o autor, a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), conforme se verifica do Laudo Médico do Perito Judicial e exames carreados aos autos. No que diz respeito à necessidade do Tratamento, depreende-se dos autos que o medicamento em questão é o único eficaz no combate da enfermidade de que padece o autor. Os tratamentos paliativos não apresentaram a mesma eficácia em relação ao medicamento pleiteado nestes autos. 11. O não fornecimento do medicamento “Eteplirsen / Exondys 51” acarreta risco à saúde e à vida do agravante, o que está a malferir a norma do artigo 196 da Constituição da República, razão por que é de rigor a concessão da medida emergencial. 12. Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5025527-14.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 10/08/2019, Intimação via sistema DATA: 20/08/2019) ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE PRÓTESE DE CERÂMICA. NECROSE ASSÉPTICA DA CABEÇA FEMORAL. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Pacificou-se no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é solidária a responsabilidade dos entes da Federação na execução das ações e no dever fundamental de prestação de serviço público de saúde, consoante previsto no artigo 198, caput e §§, da Constituição Federal e na Lei n. 8.080/1990. 2. In casu, há documentos médicos que comprovam a gravidade da moléstia (necrose asséptica da cabeça femoral), bem como a necessidade de a autora se submeter à cirurgia para colocação de prótese no quadril. 3. A prótese de cerâmica, pleiteada pela autora, tem vida útil muito superior àquela fornecida pela rede pública de saúde, razão pela qual, demandando menos substituições ao longo da vida do paciente, reduz o risco de infecção e perda óssea. 4. Não seria razoável impor à autora, com 25 anos de idade, o uso de prótese fornecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde) quando há riscos à sua saúde e comprometimento de sua qualidade de vida. 5. Diante do alto custo da prótese de cerâmica e não tendo a autora condições de custeá-la, negar-lhe o fornecimento pretendido implicaria desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida. 6. A autora faz jus à antecipação da tutela para o imediato fornecimento da prótese de cerâmica e para se submeter, com urgência, à realização de cirurgia pelo SUS, com o tratamento pós-operatório necessário para sua recuperação. 7. Inversão do ônus de sucumbência. 8. Apelação provida. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1511232 - 0007298-85.2008.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 22/09/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/09/2016) Bem mais recentemente, o E. STF, reconhecendo a existência de repercussão geral, elegeu o RE 1366243 como leading case do tema 1234, in verbis: "Legitimidade passiva da União e competência da Justiça Federal, nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, mas não padronizados no Sistema Único de Saúde – SUS.". Após debates com os entes federativos, elaboraram-se acordos e o E. Supremo fixou a seguinte tese: I - Competência. 1) Para fins de fixação de competência, as demandas relativas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS e medicamentos oncológicos, ambos com registro na ANVISA, tramitarão perante a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo, com base no Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG – situado na alíquota zero), divulgado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED - Lei 10.742/2003), for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, na forma do art. 292 do CPC. 1.1) Existindo mais de um medicamento do mesmo princípio ativo e não sendo solicitado um fármaco específico, considera-se, para efeito de competência, aquele listado no menor valor na lista CMED (PMVG, situado na alíquota zero). 1.2) No caso de inexistir valor fixado na lista CMED, considera-se o valor do tratamento anual do medicamento solicitado na demanda, podendo o magistrado, em caso de impugnação pela parte requerida, solicitar auxílio à CMED, na forma do art. 7º da Lei 10.742/2003. 1.3) Caso inexista resposta em tempo hábil da CMED, o juiz analisará de acordo com o orçamento trazido pela parte autora. 1.4) No caso de cumulação de pedidos, para fins de competência, será considerado apenas o valor do(s) medicamento(s) não incorporado(s) que deverá(ão) ser somado(s), independentemente da existência de cumulação alternativa de outros pedidos envolvendo obrigação de fazer, pagar ou de entregar coisa certa. II - Definição de Medicamentos Não Incorporados. 2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico. 2.1.1) Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na tese fixada no tema 500 da sistemática da repercussão geral, é mantida a competência da Justiça Federal em relação às ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, as quais deverão necessariamente ser propostas em face da União, observadas as especificidades já definidas no aludido tema. III - Custeio. 3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes. 3.2) Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor. 3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão. 3.3.1) O ressarcimento descrito no item 3.3 ocorrerá no percentual de 65% (sessenta e cinco por cento) dos desembolsos decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.4) Para fins de ressarcimento interfederativo, quanto aos medicamentos para tratamento oncológico, as ações ajuizadas previamente a 10 de junho de 2024 serão ressarcidas pela União na proporção de 80% (oitenta por cento) do valor total pago por Estados e por Municípios, independentemente do trânsito em julgado da decisão, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. O ressarcimento para os casos posteriores a 10 de junho de 2024 deverá ser pactuado na CIT, no mesmo prazo. IV - Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS. 4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, § 1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise. V - Plataforma Nacional. 5) Os Entes Federativos, em governança colaborativa com o Poder Judiciário, implementarão uma plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco, de fácil consulta e informação ao cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e eventual resolução administrativa, além de posterior controle judicial. 5.1) A porta de ingresso à plataforma será via prescrições eletrônicas, devidamente certificadas, possibilitando o controle ético da prescrição, a posteriori, mediante ofício do Ente Federativo ao respectivo conselho profissional. 5.2) A plataforma nacional visa a orientar todos os atores ligados ao sistema público de saúde, possibilitando a eficiência da análise pelo Poder Público e compartilhamento de informações com o Poder Judiciário, mediante a criação de fluxos de atendimento diferenciado, a depender de a solicitação estar ou não incluída na política pública de assistência farmacêutica do SUS e de acordo com os fluxos administrativos aprovados pelos próprios Entes Federativos em autocomposição. 5.3) A plataforma, entre outras medidas, deverá identificar quem é o responsável pelo custeio e fornecimento administrativo entre os Entes Federativos, com base nas responsabilidades e fluxos definidos em autocomposição entre todos os Entes Federativos, além de possibilitar o monitoramento dos pacientes beneficiários de decisões judiciais, com permissão de consulta virtual dos dados centralizados nacionalmente, pela simples consulta pelo CPF, nome de medicamento, CID, entre outros, com a observância da Lei Geral de Proteção da Dados e demais legislações quanto ao tratamento de dados pessoais sensíveis. 5.4) O serviço de saúde cujo profissional prescrever medicamento não incorporado ao SUS deverá assumir a responsabilidade contínua pelo acompanhamento clínico do paciente, apresentando, periodicamente, relatório atualizado do estado clínico do paciente, com informações detalhadas sobre o progresso do tratamento, incluindo melhorias, estabilizações ou deteriorações no estado de saúde do paciente, assim como qualquer mudança relevante no plano terapêutico. VI - Medicamentos incorporados. 6) Em relação aos medicamentos incorporados, conforme conceituação estabelecida no âmbito da Comissão Especial e constante do Anexo I, os Entes concordam em seguir o fluxo administrativo e judicial detalhado no Anexo I, inclusive em relação à competência judicial para apreciação das demandas e forma de ressarcimento entre os Entes, quando devido. 6.1) A(o) magistrada(o) deverá determinar o fornecimento em face de qual ente público deve prestá-lo (União, estado, Distrito Federal ou Município), nas hipóteses previstas no próprio fluxo acordado pelos Entes Federativos, anexados ao presente acórdão. Pouco tempo tempo depois, no julgamento do RE 566471, leading case do tema 6 de repercussão geral, o E. Supremo, quanto à discussão sobre o "Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo", estabeleceu a tese: 1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo. 2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item '4' do Tema 1234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. 3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente: (a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo; (b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e (c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS. Do resultado destes dois julgamentos, o E. STF editou as súmulas vinculantes n. 60 e 61, cujos enunciados são, respectivamente: O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243). A concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471). Logo, o que se conclui da digressão histórica da jurisprudência uniformizada acima é a preocupação do Poder Judiciário pátrio com a proteção do direito à vida e à saúde, evitando-se, ainda, o desperdício de patrimônio público com técnicas e ou tratamentos que não sejam pautados em medicina baseada em evidências. Isto porque, como já fundamentado anteriormente, compete à Medicina (e não ao Direito) o estudo da saúde e da vida biológica, bem como sua manutenção; já à Ciência Jurídica, cabe a proteção da esfera que resguarde tais direitos de relevância constitucional, o que, em processos judiciais como o presente, corresponde a verificar o preenchimento de requisitos autorizadores para a concessão desta ou daquela medida (de ordinário, a condenação ao pagamento do tratamento). Todavia, apenas vale destacar que há disposições nos acordos entabulados entre os entes federativos, no bojo do julgamento mencionado anteriormente, que impõem o planejamento e a execução de políticas públicas não imediatas, como, por exemplo, a implementação e padronização de sistemas e/ou bancos de dados, que podem levar certo tempo até serem concluídas, enquanto demandas como a presente continuam sendo distribuídas diariamente, dada a urgência daquilo que discutem. Passo, assim, à análise do caso concreto, observadas as suas especificidade. Compulsando-se a documentação dos autos originários, verifica-se que o endocrinologista que acompanha a parte autora, asseverou: [...] a paciente Carina Moraes Silva é afetada pelo Raquitismo Hipofosfatêmico Ligado ao X, com diagnóstico confirmado através do teste molecular (DNA - sequenciamento do gene PHEX), apresentando a deleção, em heterozigose, envolvendo os éxons 12-22 do gene PHEX, com resposta clínica insatisfatória com o tratamento convencional disponível no SUS [...] Sobre a patologia e seu tratamento, o profissional de saúde acima referenciada assim consignou: O Raquitismo Hipofosfatêmico Ligado ao X (XLH) é a forma mais comum de raquitismo hereditário e, também, representa a etiologia mais frequente dentre as doenças hereditárias que causam aumento da perda renal de fósforo. É uma doença genética dominante ligada ao cromossomo X, causada por mutações no gene PHEX, gene regulador do fosfato com homologia para endopeptidases, localizado no cromossomo X. [...] Desta forma, burosumabe para uso injetável semanal, está indicado para o tratamento do Raquitismo Hipofosfatêmico ligado ao X (XLH) em pacientes adultos e pediátricos com um ano de idade ou mais. Tem seu perfil de segurança, eficácia demonstrado em estudos científicos robustos. Não suficiente, o médico oncologista ainda destacou a natureza insubstituível do tratamento: [...] com resposta clínica insatisfatória com o tratamento convencional disponível no SUS, ele tem indicação para o uso do burosumabe. Esta medicação, que é uma alternativa terapêutica capaz de estabilizar sua doença, reduzir as dores crônicas e melhorar a qualidade de vida, não está disponível no mercado brasileiro e não é intercambiável por qualquer outro medicamento disponível no SUS. A respeito dos estudos envolvendo o fármaco debatido nestes autos, verifica-se que a CONITEC reconhece resultados positivos no tratamento da patologia (Disponível em
). A Conitec analisou os estudos que trataram da eficácia (resultados esperados), segurança e impacto orçamentário do medicamento. Os resultados apresentaram melhora do raquitismo em crianças, da mobilidade e do crescimento em relação ao tratamento com fosfato e vitamina D. Em adultos, também houve benefícios com o uso do medicamento, porém menos consistentes do que em crianças. Apesar disso, ao publicar a PORTARIA SCTIE/MS Nº 1, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2021, a CONITEC assim dispôs: O SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E INSUMOS ESTRATÉGICOS EM SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais, e nos termos dos arts. 20 e 23, do Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011, resolve: Art. 1º Incorporar o burosumabe para o tratamento da hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em crianças conforme Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Parágrafo único. Conforme determina o art. 25, do Decreto nº 7.646/2011, o prazo máximo para efetivar a oferta ao SUS é de 180 (cento e oitenta) dias. Art. 2º Não incorporar o burosumabe para o tratamento da hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em adultos, no âmbito do SUS. Parágrafo único. A matéria de que trata o caput deste artigo poderá ser submetida a novo processo de avaliação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde - Conitec, caso sejam apresentados fatos novos que possam alterar o resultado da análise efetuada. É bem verdade que o E. STF pormenorizadamente decidiu, ao julgar o tema 1234 de repercussão geral, sobre o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS, que "4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS.". Todavia, no mesmo julgamento histórico também estabeleceu: "4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS.". É importante ponderar que a Medicina não é uma ciência exata, e o corpo humano é estrutura extremamente complexa e diversa, que por vezes responde aos mesmos estímulos de maneiras distintas, não sendo possível impor a todos os indivíduos que se submetam a um só tratamento e produzam os mesmos resultados. Ainda, conforme a evolução do quadro clínico do paciente e, no curso do processo, a terapêutica pode se modificar. Igualmente, ao longo da história, a Medicina revisita suas descobertas e, não raro, modifica seu posicionamento sobre os mais diversos objetos de estudo. Desta feita, verifica-se dos autos originários a juntada de nota técnica elaborada pelo Hospital Israelita Albert Einstein, cuja credibilidade é inquestionável, concluindo o seguinte: CONSIDERANDO que a paciente apresenta diagnóstico clínico e molecular de Raquitismo Hipofosfatêmico ligado ao X CONSIDERANDO que o Burosumabe possui registro na ANVISA; CONSIDERANDO a Portaria Conjunta Nº 2, de 11 de Janeiro de 2022 que aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Raquitismo e Osteomalácia; CONSIDERANDO que apesar do parecer desfavorável do CONITEC de não incorporar o Burosumabe para o tratamento da hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em adultos, no âmbito do SUS, há evidência de benefício clínico no seu uso, além da sua aprovação por órgão internacional como o FDA - CONCLUI-SE que HÁ ELEMENTOS TÉCNICOS suficientes para a indicação do medicamento pleiteado no caso em análise. Não fosse o suficiente, houve perícia médica no caso dos autos, tendo o profissional médico concluído também: BASEADO NO EXAME FÍSICO REALIZADO E DOCUMENTOS DE INTERESSE MÉDICO PERICIAL ANEXADOS AOS AUTOS, É POSSÍVEL CONCLUIR QUE A AUTORA NECESSITA FAZER USO DO MEDICAMENTO CRYSVITA (BUROSUMABE), CONFORME CONSTA NA RECEITA MÉDICA ANEXADA NO ID 349812562 DOS AUTOS. De todo o exposto, não há como ignorar os documentos mais recentes trazidos aos autos, elaborados por profissionais equidistantes, recomendando expressamente o uso deste medicamento, por entenderem que, hoje (diferentemente de quando editada a portaria), ele é o mais adequado para o tratamento da enfermidade que acomete a parte autora. Reforçando este entendimento, colhem-se diversas decisões proferidas por esta E. Corte em datas recentes, também posteriores à deliberação da CONITEC, dadas as evidências médicas mais atuais no sentido de que o mesmo medicamento pleiteado nestes autos é imprescindível para salvaguardar a vida dos jurisdicionados: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL DEFERIDA. MEDICAMENTO CRYSVITA (BUROSUMABE). FORNECIMENTO. 1. O artigo 5º, caput, da Constituição da República (CR) garante a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país o direito inviolável à vida. 2. A Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial 1.657.156/RJ, representativo de controvérsia, cristalizou o Tema 106/STJ, no sentido de que "a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento". 3. Na sessão de julgamento de 04/05/2018, o Colendo Superior Tribunal de Justiça ao modular os efeitos do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, pois vinculativo nos termos do artigo 927, inciso III, do CPC, decidiu que "os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento." (trecho do acórdão publicado no DJe de 04/05/2018). 4. No caso vertente, a agravante é portadora de doença denominada RAQUITISMO HIPOFOSFATÊMICO LIGADO AO X e necessita do medicamento CRYSVITA (BUROSUMABE), aprovado pela ANVISA, para tratamento da enfermidade, conforme declaração médica assinada por seu médico. 5. O não fornecimento do medicamento pleiteado pela agravante cuja necessidade foi demonstrada nos autos importa risco à sua saúde e, por via oblíqua, restrição ao direito constitucional à vida. 6. No presente caso, é dispensável, por ora, a produção de perícia médica prévia, para aferição e análise da saúde da autora, a fim de manutenção da medida emergencial. É que os documentos constantes da exordial afiguram-se suficientes, nesta etapa processual, para delimitar os requisitos autorizadores da antecipação da medida judicial. 7. Deve ser observada a prescrição médica feita pelo profissional de saúde que acompanha a autora, constante dos autos principais. 8. Agravo de instrumento provido. Embargos de declaração prejudicados. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5014692-54.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 18/10/2024, DJEN DATA: 23/10/2024) CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CRYSVITA (BUROSUMABE). MULTA DIÁRIA. REDUÇÃO. FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. 1. Ação cujo objeto consiste no fornecimento de medicamento de alto custo Crysvita (Burosumabe) em quantidade suficiente para o tratamento de Raquitismo Hipofosfatêmico Ligado ao X, doença que acomete a parte autora, nascida em 2018. 2. O direito à saúde, constitucionalmente assegurado, revela-se uma das pilastras sobre a qual se sustenta a Federação, o que levou o legislador constituinte a estabelecer sistema único e integrado por todos os entes federados, cada um dentro de sua esfera de atribuição, para administrá-lo e executá-lo, seja de forma direta ou por intermédio de terceiros. 3. Existência de expressa disposição constitucional sobre o dever de participação dos entes federados no financiamento do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198, parágrafo único. 4. O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo qualquer deles, em conjunto ou isoladamente, parte legítima para figurar no polo passivo de demanda que objetive a garantia de acesso a medicamentos ou a realização de tratamento médico. 5. Não deixa dúvidas o inciso III do art. 5º da Lei nº 8.080/90 acerca da abrangência da obrigação do Estado no campo das prestações voltadas à saúde pública. Mostra-se, mesmo, cristalina a interpretação do dispositivo em comento ao elencar, dentre os objetivos do Sistema Único de Saúde SUS, "a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas". 6. No caso vertente, a parte autora comprovou ser portadora de Raquitismo Hipofosfatêmico Ligado Ao X (CID-10 E83-3), bem como não possuir condições financeira de arcar com os custos do medicamento que pleiteia, cuja imprescindibilidade está devidamente comprovada nos autos, inclusive por documentações médicos e parecer Nat-Jus. Ademais, a medicação prescrita, conquanto não fornecida pelo SUS, foi aprovada pela CONITEC e está registrada na ANVISA 7. O princípio da dignidade da pessoa humana não permite que se negue o fornecimento de medicamentos ou tratamentos capazes de salvaguardar a vida ou melhorar sua qualidade. 8. No tocante à multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fixada na sentença, impõe-se sua redução para R$ 100,00 (cem reais) por dia, montante mais condizente com a realidade dos autos, considerando a necessidade de coibir ou sancionar o ato administrativo ilegal, sem gerar desproporção nem enriquecimento sem causa, frente ao conteúdo econômico da prestação devida em tais situações. 9. A jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça autoriza o arbitramento de honorários advocatícios por critério de equidade nas demandas em que se pleiteia do Estado o fornecimento de medicamentos, haja vista que, nessas hipóteses, não é possível mensurar, em geral, o proveito econômico obtido com a ação, por envolver questão relativa ao direito constitucional à vida e/ou à saúde. Honorários advocatícios reduzidos para R$ 15.000,00 (quinze mil reais). 10. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5001927-10.2022.4.03.6115, Rel. Desembargador Federal SAMUEL DE CASTRO BARBOSA MELO, julgado em 13/08/2024, Intimação via sistema DATA: 30/08/2024) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTO. COMPETÊNCIA. ENTES FEDERADOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TEMA 1.234 DA REPERCUSSÃO GERAL. INSTAURAÇÃO DO IAC Nº 14. EXCLUSÃO DA UNIÃO. RECURSO IMPROVIDO. - Conforme consta da ação principal, foi deferida parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, para determinar à União que forneça à parte agravada, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o medicamento CRYSVITA (BUROSUMABE), conforme a prescrição médica. - O Ministério Público Federal informou que, “Conforme se depreende da Portaria SCTIE/MS Nº 001, de 19/02/2021, o medicamento CRYSVITA foi incorporado, no âmbito do SUS, ao tratamento da doença apresentada pelo autor na população infantil.” - Após a apresentação da contestação da União, o juízo de origem proferiu a decisão agravada: (...) Ficou assente, nos autos, a incorporação do medicamento burosumabe para o tratamento da hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em crianças conforme Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) no âmbito do Sistema Único de Saúde. (...) Diante da ocorrência de fato novo posterior à propositura da ação, qual seja, a inclusão do medicamento no âmbito do SUS, patente a ilegitimidade passiva da União Federal, de modo que a excluo do polo passivo do feito. Defiro, pois, a inclusão do Estado de São Paulo no polo passivo. No que se refere ao pedido de fornecimento de medicamento de id nº 302984837, determino ao requerente que comprove o seu atual interesse de agir, demonstrando a negativa administrativa ao seu fornecimento, no prazo de 15 dias, sob pena de declínio de competência.” - Em relação a este ponto, o E. Supremo Tribunal Federal decidiu, no Tema 1234, em sede de repercussão geral ainda pendente de julgamento definitivo: “O Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão proferida em 17.4.2023, no sentido de conceder parcialmente o pedido formulado em tutela provisória incidental neste recurso extraordinário, "para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a atuação do Poder Judiciário seja regida pelos seguintes parâmetros: (i) nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual, sem prejuízo da concessão de provimento de natureza cautelar ainda que antes do deslocamento de competência, se o caso assim exigir; (ii) nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo; (iii) diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha relatoria, DJe de 5.2.2021); (iv) ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário".(grifei) - Destaco que matéria parecida também estava sendo discutido na Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, que instaurou o Incidente de Assunção de Competência-IAC nº 14, no qual, em decisão publicada no DJe de 27/11/2023, no Conflito de Competência n. 187276/RS, o Ministro Vice-Presidente determinou o sobrestamento do recurso extraordinário até o julgamento definitivo do citado Tema n. 1.234 do STF. - Anote-se, ainda, que, no IAC nº 14, a questão submetida a julgamento refere-se aos medicamentos não incluídos nas políticas públicas, havendo, nestes casos, possibilidade do autor eleger contra quem pretende demandar: “Tratando-se de medicamento não incluído nas políticas públicas, mas devidamente registrado na ANVISA, analisar se compete ao autor a faculdade de eleger contra quem pretende demandar, em face da responsabilidade solidária dos entes federados na prestação de saúde, e, em consequência, examinar se é indevida a inclusão da União no polo passivo da demanda, seja por ato de ofício, seja por intimação da parte para emendar a inicial, sem prévia consulta à Justiça Federal.” (grifei) - Dessa maneira, considerando que o medicamento foi incorporado no âmbito do SUS, não assiste razão ao agravante. - Agravo de instrumento improvido. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5034375-14.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 17/05/2024, Intimação via sistema DATA: 24/05/2024) CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. CRYSVITA (BUROSUMABE). DIREITO À SAÚDE. ART. 196/CF. TEMA Nº 106/STJ. REQUISITOS PREENCHIDOS. IMPRESCINDIBILIDADE DA PRESCRIÇÃO DO MEDICAMENTO. INSUFICIÊNCIA DO PROTOCOLO TERAPÊUTICO DISPONIBILIZADO PELO SUS. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REGISTRO DO FÁRMACO JUNTO À ANVISA. INCORPORAÇÃO AO SUS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO POR EQUIDADE. ART. 85, §8º, DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDAS. 1 – O direito à saúde é assegurado pela Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 196, dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 2 - A seu turno, o art. 198 contempla, expressamente, a participação da União no financiamento do Sistema Único de Saúde – SUS. 3 - No que diz com a temática relativa ao acesso de medicamentos de alto custo não fornecidos pelo SUS, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.657.156/RJ, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (cadastrado sob Tema nº 106), assentou entendimento no sentido de que "a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro do medicamento na ANVISA". 4 - No caso em exame, a parte autora, atualmente com 5 anos de idade, fora diagnosticada como portadora de “Raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X”, doença hereditária que causa aumento da perda renal de fósforo. O quadro clínico das crianças com a doença é caracterizado por baixa estatura, deformidades predominantemente em membros inferiores, que se desenvolvem após o início da deambulação, alargamento metafisário, rosário raquítico, bossa frontal e alterações dentárias decorrentes de anormalidades na formação da dentina, aumento da frequência de queda dentária e formação de abcessos dentários. 5 - O Relatório médico consigna, ainda, “o tratamento convencional que está sendo utilizado para NINA não trata a causa da doença, ou seja não consegue-se normalizar a concentração de fósforo no sangue o que acarreta prejuízo na mineralização óssea e aumenta o risco do desenvolvimento de deformidades ósseas graves além do prejuízo no crescimento e na estatura final. Desta forma, o controle da doença não é satisfatório”. Além disso, o laudo traz a informação de que o medicamento Burosumab (Crysvita) “é capaz de estabilizar a doença, prevenir as deformidades e normalizar o crescimento (...) e tem seu perfil de segurança, eficácia demonstrado em estudos científicos robustos”. 6 - Produziu-se, durante a instrução, laudo pericial por profissional de confiança do magistrado de origem, tendo o expert, em resposta aos quesitos formulados, afirmado, expressamente, que “ensaios clínicos recentes sugerem benefícios clínicos em crianças (melhora de mobilidade, crescimento, parâmetros de raquitismo) com tratamento com burosumabe em relação ao tratamento com fosfato e calcitriol (...) sugeriu-se, ainda, diminuição do número de fraturas”. 7 - Tem-se notícia, ainda, não só da aprovação do fármaco pela ANVISA, como de sua incorporação ao SUS, sendo formulado Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Raquitismo e Osteomalácia pela Portaria Conjunta 02, de 11 de janeiro de 2022, da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde e da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. 8 - Por outro lado, há nos autos declaração de hipossuficiência econômica firmada pela genitora da autora, sendo inequívoca a impossibilidade de aquisição, às suas expensas, do medicamento em questão. 9 - Tudo somado, o caso subsome-se às exigências previstas pelo Tema nº 106/STJ, quais sejam, comprovação da imprescindibilidade da prescrição do medicamento, dada a ineficácia do tratamento fornecido pelo SUS, incapacidade financeira do paciente e existência de registro do fármaco junto à ANVISA, razão pela qual sobressai evidente a procedência do pedido inicial. 10 - Considerada a natureza da presente demanda, cujo bem a ser tutelado, em última análise, é o direito constitucional à vida e à saúde, como tais, com valor inestimável, perfeitamente aplicável o entendimento no sentido da fixação de honorários advocatícios por equidade, a contento do disposto no art. 85, §8º, do Código de Processo Civil. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 11 - Considerados o tempo de tramitação da demanda, sua natureza, bem como o grau de zelo do profissional constituído, arbitram-se os honorários advocatícios, moderadamente, em R$10.000,00 (dez mil reais), hábeis a remunerar condignamente o advogado. 12 – Remessa necessária e apelação da União Federal parcialmente providas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5014432-49.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 18/12/2023, Intimação via sistema DATA: 30/12/2023) Neste sentido, curvando-me à recente jurisprudência do E. STF em matéria de medicamentos de alto custo, que tem como espírito preservar a vida e a saúde pautando-se na medicina baseada em evidências, deve ser fornecida a terapêutica cuja eficácia já atestou a profissional de saúde que acompanha a parte adoentada, domina a área do conhecimento com a qual trabalha e o quadro clínico sui generis de sua paciente, sendo responsável pela escolha do tratamento e seus resultados (inteligência do Juramento de Hipócrates). A propósito: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SITUAÇÃO QUE SE AMOLDA AO TEMA 106/STJ. RECURSO DA UNIÃO IMPROVIDO. [...] 2 Aqui, há relatório médico particular, expressamente referido e descrito na decisão agravada, que recomenda e justifica a ministração do tratamento [...]. 3. Não há que se discutir a eficácia do remédio [...] 4. A propósito, quanto ao tipo de medicamento sugerido, a conveniência ou não do uso de determinado fármaco ou tratamento, tudo isso é de competência exclusiva do médico que acompanha o doente (Resolução nº 1.246, de 8/1/88, do Conselho Federal de Medicina - Código de Ética Profissional), sendo inadmissível ao Juízo ou ao Poder Público limitar a indicação médica, tampouco questionar – por meras conjecturas – a efetividade dos medicamentos indicados para o tratamento da enfermidade de que sofre a parte autora. 5. Agravo interno não provido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5023222-18.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 28/11/2022, DJEN DATA: 01/12/2022) Em suma, sendo delicado o quadro de saúde da parte autora, rara a doença, caro o tratamento, mas havendo nexo entre o consumo do medicamento e a melhora da parte, deve o Poder Público custear a terapêutica. Note-se que o elevado valor, seja um medicamento ou uma cirurgia, não pode ser invocado como óbice à concessão da medida; trata-se de demonstração cristalina da vulnerabilidade da parte que reclama o socorro do Poder Público. Do contrário, estar-se-ia afirmando que existem vidas menos dignas de proteção estatal que outras em virtude da dispendiosidade de sua manutenção. Estar-se-ia aplicando uma visão utilitarista em que algumas vidas valem menos do que outras, em que a morte de alguém ou de alguns justifica-se para que muitos possam viver. Esse tipo de (des)valoração já deveria estar há muito enterrado na história humana. Como é cediço, descabe ao Judiciário, de ordinário, a interferência no modo como o Executivo exercerá suas políticas públicas, que observa conveniência e oportunidade; todavia, à título de exemplo, pode a Administração Pública (ciente do seu dever constitucional de proteção da vida na modalidade custeio de terapêutica a quem não pode pagar), precaver-se fomentando pesquisa, adquirindo medicamentos e insumos de alto custo em lotes maiores, negociando descontos com fabricantes; reduzir encargos que posteriormente refletem no preço do fármaco; ou até mesmo realizar a quebra de patente, se o caso, nos termos da lei. O que não é admissível é a alegação de impossibilidade de proteger o direito à vida sob o fundamento de que a terapêutica é onerosa, sob pena de se negar vigência ao Texto Constitucional, tornando-o uma mera folha de papel, um mero documento de intenções sem efetividade, de transformar nossa sociedade numa fantasia para muitos, e converter o bem jurídico mais importante do ordenamento em mero custo operacional. Desta feita, os elementos de prova acostados aos autos demonstram que a parte preenche os requisitos para a concessão do que restou prescrito pelo profissional da área da saúde que a acompanha, em especial a imprescindibilidade do tratamento e a ínfima capacidade pagadora. Outrossim, observo a reversibilidade da medida que causa impacto apenas e tão somente no patrimônio do polo passivo, caso fato novo evidencie, até o trânsito em julgado, que a parte autora não faz(ia) jus ao tratamento médico pleiteado, ou que ele não surtiu o efeito desejado no curso do processo. O risco à vida da parte autora na hipótese de demora, por outro lado, não se reverte. É dizer: a vida deve ser priorizada sobre qualquer outro bem jurídico discutido neste processo. A propósito: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SPINRAZA (NUSINERSENA). AUTORA PORTADORA DE ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL (AME 5q) TIPO III. PERÍCIA MÉDICA. DESNECESSIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE PARA VIDA E SAÚDE DA POSTULANTE. EXISTÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA SALVAGUARDAR DIREITO FUNDAMENTAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÕES E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDAS EM PARTE. 1. Tendo em vista o entendimento jurisprudencial firme, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da desnecessidade da realização de perícia médica para constatar se o fármaco postulado é necessário e adequado ao tratamento da patologia para a qual está sendo indicado, uma vez que o relatório do profissional médico que acompanha do tratamento do autor da demanda é suficiente para demonstrar a necessidade da terapêutica prescrita, resta afastada a matéria preliminar suscitada pela União Federal. Precedentes. 2. Os direitos fundamentais do cidadão à vida e à saúde são direitos subjetivos inatos à pessoa humana, irrenunciáveis, indisponíveis e inalienáveis, constitucionalmente protegidos, cujo fundamento, em um Estado Democrático de Direito, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. 3. É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser obrigação inafastável do Estado assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, mormente as mais graves, bem como de haver responsabilidade solidária entre os entes federativos no exercício desse múnus constitucional. Precedentes. 4. A jurisprudência se assentou no sentido de que, havendo conflito entre o direito fundamental à vida (art. 5º, Constituição Federal) e à saúde (art. 6º, Constituição Federal) do cidadão hipossuficiente e eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, deve ser dada prioridade àqueles, pois o Sistema Único de Saúde - SUS - deve prover os meios para se fornecer medicação e tratamentos que sejam necessários a preservação da vida, saúde e dignidade do paciente sem condições financeiras para custeio pessoal ou familiar, segundo prescrição médica. Precedentes. 5. Respeitada a orientação do CNJ, o óbice referente à inexistência de registro do medicamento pleiteado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, restou superado em precedente do Supremo Tribunal Federal, consulte-se: STF, SS n.º 4316/RO, Rel. Min. Cezar Peluso (Presidente), j. em 10.6.2011, p. em 13.6.2011, bem como pelo fato de que o medicamento possui o devido registro na ANVISA. 6. O E. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu os requisitos para a concessão judicial de medicamentos não previstos pelo SUS. 7. Assim, como a demanda é posterior ao marco temporal previsto no REsp 1.657.156/RJ (publicação do acórdão em 04/05/2018), aplica-se o entendimento assentado no julgamento retro assinalado. 8. Os documentos dos autos são conclusivos ao atestarem que a postulante é portadora de doença rara e grave, Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo III, sendo o medicamento pleiteado, Nusinersena, nome comercial Spinraza, registrado na ANVISA, o único tratamento capaz de deter a evolução da doença, promovendo a recuperação de força muscular, a melhora de tônus e movimentação dos membros inferiores e superiores, e controle cervical e dorsal da menor, com evidente aumento de sua qualidade de vida e independência funcional. 9. Patente, portanto, a imprescindibilidade do fármaco para assegurar à apelada, o cumprimento do direito fundamental à saúde (CF, art. 6º e 196) e, consequentemente, ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). 10. Honorários advocatícios, fixados na sentença, reduzidos. 11. Preliminar rejeitada. Apelações e remessa oficial, providas em parte. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5022606-18.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 05/08/2022, Intimação via sistema DATA: 09/08/2022) Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação, restando prejudicado o agravo interno interposto. Como consequência, defiro a antecipação dos efeitos da tutela recursal para determinar o fornecimento do medicamento pleiteado nos exatos termos em que receitado. Intime-se a parte contrária para cumprimento da decisão no prazo de 72 (setenta e duas) horas, sob pena de multa em caso de descumprimento da medida, inclusive aplicação da sanção prevista no art. 77 do CPC por ato atentatório à dignidade da Justiça. Comunique-se ao MM. Juízo a quo, com urgência. Dê-se vista ao Ministério Público Federal. P. I. São Paulo, 11 de abril de 2025.
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Processo nº 5000327-43.2025.4.03.6116
ID: 308517892
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Assis
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5000327-43.2025.4.03.6116
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JAMIL ISSY NETO
OAB/GO XXXXXX
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MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA
OAB/GO XXXXXX
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO5…
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO56534 IMPETRADO: P. C., P. M. D. E. D. S. P., P. F. FISCAL DA LEI: M. P. F. -. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO, em face do DIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e DO COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para manipulação de óleo de extrato de cannabis sativa (uso oral) associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial, foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no ID 365291059. Intimados os impetrantes a justificarem o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 366231691), manifestaram-se no id 366586084, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. Também argumentam a grande fila de espera gerada para a obtenção da substância pelo Estado de São Paulo, do que decorreu ter havido poucos contemplados, bem como a questão da desoneração do Estado com o cultivo domiciliar, que também contribui com a universalização de acesso aos serviços de saúde e à preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral (incisos I e III do art. 198 da CF). O MPF, por seu turno, acolheu a tese dos impetrantes, em seu parecer do id 366763155, mormente diante de notícia oficial no sentido de que o fornecimento de remédios à base de Cannabis não atenderá a todos, indistintamente, mas apenas aos casos de tratamento das síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA II.1 - PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL Fixo a competência deste Juízo para conhecer do presente habeas corpus, haja vista que não se insere na competência do Juiz de Garantias, por se tratar de medida preventiva, sem a existência de uma investigação criminal em curso, antes do oferecimento da denúncia. Se não há investigação em curso ou denúncia oferecida, não há suporte lógico e jurídico que atraia a competência do Juiz de Garantias II.2 - MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELOS IMPETRANTES E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante. No presente caso, o paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO foi assim diagnosticado (id 362546284): Paciente com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com impulsividade, irritabilidade, baixa da atenção e dificuldade de concentração associado a sintomas depressivos, insônia e crises de ansiedade. O quadro clínico interfere diretamente em sua qualidade de vida e atividades funcionais diárias. Os produtos à base de cannabis têm como objetivo melhorar a qualidade de vida e controlar/diminuir os sintomas da doença. Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, indico o uso de remédio à base de cannabis sativa. CID10: F900 - Distúrbios da atividade e da atenção F412 - Transtorno misto ansioso e depressivo G47 - Distúrbios do sono E, nos termos do relatório do id 362546285: Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, foi indicado o uso de remédio à base de cannabis sativa. Está sob tratamento médico (primeira consulta neste serviço em 20/11/2024) em uso oral de óleo de extrato de cannabis sativa associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, já que essa via promove uma maior biodisponibilidade, aumentando a intensidade e rapidez dos efeitos. Apresenta melhora substancial dos sintomas de TDAH, insônia e crises de ansiedade, melhorando também a qualidade de vida geral e as relações familiares/sociais. Devido ao alto custo, bem como a dificuldade em conseguir produtos específicos para o tratamento, paciente optou pelo cultivo artesanal; parte dos remédios utilizados atualmente no tratamento são provenientes de cultivo próprio e apresentam efeitos terapêuticos satisfatórios; o paciente demonstra capacidade e conhecimento técnico para produzir sua própria medicação através do autocultivo. Como se vê, de acordo com os receituários e relatórios médicos acostados à petição inicial, não há dúvida de que, do ponto de vista médico, o uso de óleo de “cannabis” se faz necessário para uma melhor qualidade de vida do paciente. Os custos, porém, representam um impeditivo para o paciente efetuar a aquisição direta no mercado (a exemplo do orçamento do id 362546292), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já cultiva a planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se, para o período de um ano, "78 plantas para a produção de óleo e 66 plantas para a produção de flores”, ou seja, 144 plantas ao ano, “além da importação de 144 sementes ao ano”. Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254) em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal
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Processo nº 5000327-43.2025.4.03.6116
ID: 308517915
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Assis
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5000327-43.2025.4.03.6116
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JAMIL ISSY NETO
OAB/GO XXXXXX
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MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA
OAB/GO XXXXXX
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO5…
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO56534 IMPETRADO: P. C., P. M. D. E. D. S. P., P. F. FISCAL DA LEI: M. P. F. -. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO, em face do DIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e DO COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para manipulação de óleo de extrato de cannabis sativa (uso oral) associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial, foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no ID 365291059. Intimados os impetrantes a justificarem o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 366231691), manifestaram-se no id 366586084, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. Também argumentam a grande fila de espera gerada para a obtenção da substância pelo Estado de São Paulo, do que decorreu ter havido poucos contemplados, bem como a questão da desoneração do Estado com o cultivo domiciliar, que também contribui com a universalização de acesso aos serviços de saúde e à preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral (incisos I e III do art. 198 da CF). O MPF, por seu turno, acolheu a tese dos impetrantes, em seu parecer do id 366763155, mormente diante de notícia oficial no sentido de que o fornecimento de remédios à base de Cannabis não atenderá a todos, indistintamente, mas apenas aos casos de tratamento das síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA II.1 - PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL Fixo a competência deste Juízo para conhecer do presente habeas corpus, haja vista que não se insere na competência do Juiz de Garantias, por se tratar de medida preventiva, sem a existência de uma investigação criminal em curso, antes do oferecimento da denúncia. Se não há investigação em curso ou denúncia oferecida, não há suporte lógico e jurídico que atraia a competência do Juiz de Garantias II.2 - MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELOS IMPETRANTES E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante. No presente caso, o paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO foi assim diagnosticado (id 362546284): Paciente com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com impulsividade, irritabilidade, baixa da atenção e dificuldade de concentração associado a sintomas depressivos, insônia e crises de ansiedade. O quadro clínico interfere diretamente em sua qualidade de vida e atividades funcionais diárias. Os produtos à base de cannabis têm como objetivo melhorar a qualidade de vida e controlar/diminuir os sintomas da doença. Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, indico o uso de remédio à base de cannabis sativa. CID10: F900 - Distúrbios da atividade e da atenção F412 - Transtorno misto ansioso e depressivo G47 - Distúrbios do sono E, nos termos do relatório do id 362546285: Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, foi indicado o uso de remédio à base de cannabis sativa. Está sob tratamento médico (primeira consulta neste serviço em 20/11/2024) em uso oral de óleo de extrato de cannabis sativa associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, já que essa via promove uma maior biodisponibilidade, aumentando a intensidade e rapidez dos efeitos. Apresenta melhora substancial dos sintomas de TDAH, insônia e crises de ansiedade, melhorando também a qualidade de vida geral e as relações familiares/sociais. Devido ao alto custo, bem como a dificuldade em conseguir produtos específicos para o tratamento, paciente optou pelo cultivo artesanal; parte dos remédios utilizados atualmente no tratamento são provenientes de cultivo próprio e apresentam efeitos terapêuticos satisfatórios; o paciente demonstra capacidade e conhecimento técnico para produzir sua própria medicação através do autocultivo. Como se vê, de acordo com os receituários e relatórios médicos acostados à petição inicial, não há dúvida de que, do ponto de vista médico, o uso de óleo de “cannabis” se faz necessário para uma melhor qualidade de vida do paciente. Os custos, porém, representam um impeditivo para o paciente efetuar a aquisição direta no mercado (a exemplo do orçamento do id 362546292), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já cultiva a planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se, para o período de um ano, "78 plantas para a produção de óleo e 66 plantas para a produção de flores”, ou seja, 144 plantas ao ano, “além da importação de 144 sementes ao ano”. Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254) em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal
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Processo nº 5002486-21.2022.4.03.6000
ID: 259376805
Tribunal: TRF3
Órgão: 3ª Vara Federal de Campo Grande
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5002486-21.2022.4.03.6000
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VLANDON XAVIER AVELINO
OAB/MS XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002486-21.2022.4.03.6000 / 3ª Vara Federal de Campo Grande AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA, ANTONIO GRACIAN…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002486-21.2022.4.03.6000 / 3ª Vara Federal de Campo Grande AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA, ANTONIO GRACIANO DA SILVA Advogado do(a) REU: VLANDON XAVIER AVELINO - MS25004 S E N T E N Ç A I - RELATÓRIO O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de JOSÉ DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA, CRISTIAN ALCIDES RAMIRES VALIENTE e ANTONIO GRACIANO DA SILVA, qualificados nos autos, imputando-lhes a prática do crime tipificado no art. 334, §1º, inciso III, c.c. artigo 62, incisos I e IV, e artigo 29, todos do Código Penal (ID 307361956). Narra o órgão acusador que, no dia 13/12/2021, uma equipe da Polícia Civil se deslocou à Rua Darwin Dolabani, n. 196, em Campo Grande/MS, e estabeleceram vigilância, para apurar a informação recebida de que o local servia de ponto para carregamento de drogas. Verificaram que o local consistia em um depósito desprovido de fachada, de portas fechadas, e que houve a entrada e saída de quatro vans do local. Após, os agentes de polícia avistaram uma carreta, acoplada a um semirreboque, entrando no galpão, procedendo à sua abordagem no momento de sua saída do estabelecimento, encontrando no interior do veículo 82 fardos contendo produtos diversos, como armações oculares, blusas e acessórios, avaliados em R$ 361.687,50, totalizando R$ 171.055,10 de tributos iludidos (Representação Fiscal para Fins Penais, ID 272877344 - Pág. 8). Na abordagem, o denunciado JOSÉ DA CRUZ se apresentou aos policiais e autorizou a busca veicular; afirmou ter adquirido os bens de um fornecedor em Pedro Juan Caballero, tendo contratado a pessoa de CRISTIAN ALCIDES RAMIRES VALIENTE para realizar o frete de Campo Grande/MS para São Paulo/SP, pelo valor de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), e que este tinha conhecimento de que a mercadoria era oriunda do Paraguai (ID 245648263 - Pág. 10). Perante a autoridade policial, afirmou que o galpão, que alugava há três anos e meio, era utilizado como depósito de mercadorias estrangeiras, que adquiriu as mercadorias de um fornecedor no Paraguai, pelo valor de aproximadamente R$ 100.000,00, as quais haviam sido entregues em seu estabelecimento naquela data por vans vindas do país vizinho. O denunciado ANTONIO GRACIANO DA SILVA (ID 245648267 - Pág. 2) disse ter sido contratado como motorista por CRISTIAN, proprietário do caminhão, para realizar o transporte da carga de Campo Grande/MS a São Paulo/SP, sob a promessa de receber cerca de 12% do valor do frete. Aduziu ter realizado o carregamento dos fardos no caminhão, os quais chegaram numa Kombi, e que desconhecia a natureza e a origem dos produtos. O denunciado CRISTIAN (ID 245648267 - Pág. 6) negou participação nos fatos. Alegou ter sido contratado por JOSE DA CRUZ por meio do aplicativo FRETEBRÁS, sendo ajustado o valor do frete em R$ 2.200,00, e que desconhecia a origem e o modo de aquisição dos produtos. A denúncia foi recebida em 19/11/2023 (ID 307382615). Certidões de antecedentes criminais do acusado nos ID’s 307641231, 307641233, 307792102, 307792104, 307792105, 307792109, 307792110. O MPF juntou ao processo cópia da certidão de óbito do denunciado CRISTIAN ALCIDES RAMIRES VALIENTE (ID 307882584) e com fundamento no disposto no artigo 107, I, do Código Penal c/c art. 62, do CPP, foi declarada extinta sua punibilidade (ID 307883892). Os acusados JOSÉ e ANTONIO foram citados em 01/04/2024 e 10/06/2024 (ID 319864666 e 328034414), e apresentaram resposta à acusação (ID 321957191 e 329932237). Através da decisão de ID 330165030, foram afastadas as hipóteses de absolvição sumária, confirmando-se o recebimento da denúncia e designando-se a audiência de instrução. A audiência foi realizada em 25/09/2024 (ID 340053074), com a oitiva da testemunha de acusação, Clodoaldo Silva Pereira, bem como o interrogatório dos réus. Na fase do art. 402 do CPP, as partes nada requereram. Passando às alegações finais por memoriais (ID 342752798), o MPF pugnou pela procedência da ação penal, sustentando que, após a produção de prova oral em Juízo, não restaram dúvidas de que JOSÉ era, de fato, o dono da carga; bem como que ANTÔNIO tinha pleno conhecimento da natureza ilícita da carga que transportava, dado ser um motorista experiente e pelo fato de não ter sido essa a primeira vez que é flagrado transportando carga ilícita. Na dosimetria da pena, pugnou pela exasperação da pena-base para ambos, pela incidência das agravantes de reincidência e promessa de recompensa para ANTONIO, e da agravante prevista no art. 62, I, do CP para JOSÉ. A defesa de ANTONIO GRACIANO DA SILVA apresentou suas alegações finais por memoriais (ID 343834765), arguindo preliminar de nulidade das provas, por ilegalidade na ação policial, e, no mérito, ausência de dolo, porquanto não há nos autos nenhuma prova ou elementos mínimos capazes de indicar que ANTONIO tinha conhecimento acerca da origem da mercadoria, pois apenas foi contratado como motorista por CRISTIAN, que por sua vez foi contratado por JOSÉ por meio de aplicativo “Fretebrás” para transportar a mercadoria. Requer a absolvição do réu, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. A defesa de JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA apresentou suas alegações finais por memoriais (ID 344460706), arguindo preliminar de nulidade processual por cerceamento de defesa e, no mérito, pugna pela sua absolvição, por insuficiência de provas de materialidade e de autoria, porquanto não restou demonstrado que acusado tinha ciência de que os produtos eram provenientes de uma importação fraudulenta. Subsidiarimante, na dosimetria da pena, requer a fixação da pena-base no mínimo legal, o afastamento da agravante do art. 62, I, do CP, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como o regime inicial de cumprimento de pena aberto. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO Preliminar – Nulidade – Ilegalidade da ação policial e cerceamento de defesa As defesas arguiram, preliminarmente, em seus memoriais, que a (1) ação policial foi ilegal, porquanto a polícia teria adentrado o galpão de forma arbitrária e violenta, sem que lhe fosse concedida permissão de entrada e sem fundadas razões que justificassem a invasão; e que (2) no momento da abordagem policial, o acusado foi exposto a uma situação de pressão e coação, sem a presença de um advogado, o que violou seu direito à ampla defesa e ao contraditório. As teses defensivas convergem para a alegação de nulidade das provas decorrentes da abordagem policial. Depreende-se do boletim de ocorrência que a abordagem policial teve a seguinte dinâmica (ID 245648263, p. 10): “a equipe de policiais civis deste Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado, que integra Operação "Hórus" do Ministério da Justiça, a qual tem dentre outros objetivos, o de coibir crimes como tráfico de drogas, contrabando e descaminho, recebeu a Informação de que um barracão, situado à Rua Davi Doiabani, 196, Bairro Itamaraca, estaria servindo de ponto para carregamento de drogas: que nesta data foi montado vigilância no local, onde foi constatado a entrada e saída de um veículo IVECO e acoplado a este um semi-reboque, ambos de cor branca, além de 4 (quatro) veículos do tipo VAN; que chamou a atenção da equipe que a porta do depósito ficava fechada, abrindo apenas para entrada e saída dos veículos, bem como que no local não havia fachada que indicava a existência de uma empresa formal; que quando a equipe percebeu que o veículo do tipo carreta, de cor branca, estava deixando o local, decidiu-se pela abordagem; que com autorização do responsável pelo local, que se apresentou como sendo JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA, foi procedido a vistoria minuciosa no veículo; que não foi localizada droga, entretanto verificou-se que no interior do semi-reboque havia 82 (oitenta e dois) fardos contendo em seu interior produtos diversos (...)” – grifos nossos Em Juízo, ouvido como testemunha compromissada, o policial que participou da ocorrência afirmou: “Estavam em investigação sobre a prática de tráfico de drogas, envolvendo CRISTIAN e ANTONIO; na data, havia a informação de que eles fariam um carregamento no local ou próximo dali; visualizaram a entrada e saída de veículos e optaram pela abordagem ali, mas na verdade, o carregamento seria após o carregamento das mercadorias de descaminho, de modo que perderam a oportunidade de flagrar o tráfico de drogas. Em uma oportunidade posterior, efetuaram a prisão de ANTONIO por tráfico de drogas, CRISTIAN não estava, porque foi executado pela organização que estava sendo investigada. O dono do estabelecimento, não tinha relação com o tráfico de drogas, mas com as roupas apreendidas, que acredita que serviria para camuflar a droga. Viram várias vans, o que chamou a atenção para a abordagem, entenderam que poderia ser a droga. Quando abordaram, o caminhão já estava carregado, deram tempo para carregar o material. Em conversa informal, o dono da mercadoria disse que as roupas iriam para São Paulo. Quem estava conduzindo o caminhão era o Sr. ANTONIO, ele estava com o CRISTIAN. Dentro do local, tinha mais gente que ajudava no carregamento. Eles não chegaram a sair, porque adentraram antes. JOSÉ disse que era dono da mercadoria, não se recorda se ele disse que vinha de fora, ou que iria para São Paulo e retornaria etiquetada com alguma marca. O Sr. JOSE não sabia do tráfico de drogas e o CRISTIAN e Sr. ANTONIO não saberiam da origem da roupa, porque foram contratados por frete on line, pegou por acaso. Isso ficou até demonstrado depois na investigação, que não tinha essa ligação de um com o outro. A documentação apresentada não indicava mercadoria diversa da que foi apreendida. Informalmente, JOSÉ confirmou que se tratava de mercadoria descaminhada. Era uma quantidade grande de mercadoria. JOSE falou que trabalhava com comércio. Na hora da abordagem não tinha ninguém dirigindo, o caminhão já estava lá dentro. JOSÉ não era alvo da outra investigação por tráfico de drogas, chegaram a essa conclusão no dia mesmo, depois da abordagem, não conseguiram linkar o Sr. JOSÉ a outra investigação. Acredita que tinha mais outras duas viaturas que participaram da diligência, em torno de 6 policiais. A abordagem ali seria feita independentemente da situação. A van não foi abordada e o caminhão, salvo engano, o caminhão foi abordado lá dentro. Essa informação de que carregaria naquele dia foi por denúncia anônima, mas eles já estavam em investigação há muito tempo. Não se recorda do horário, lembra que já era período da tardezinha, 19h, 18h. Abordou um dos que trabalhavam lá foi abordado saindo. Já chegou na situação do CRISTIAN, abordando ele. Não pode precisar se houve autorização para entrar, chegou depois que já tinha gente lá. Não sabe dizer se alguma autoridade policial fez o procedimento de pegar uma testemunha, documentar, filmar. Acredita que o Sr. ANTONIO não saberia da origem da mercadoria, porque ele disse que pegou o frete por plataforma on line. Acredita que o Sr. JOSE apresentou uma documentação e eles acreditaram, porque eles costumavam carregar a droga em meio a cargas “quentes”, não iriam camuflar a droga em meio de mercadoria sem nota, de descaminho, a organização não permitiria isso (...)”. Conclui-se, portanto, que o contexto fático anterior à invasão permitia a conclusão da ocorrência de crime no interior do estabelecimento, que justificasse o ingresso dos agentes: havia uma investigação em andamento quanto à prática de tráfico de drogas, envolvendo CRISTIAN e ANTONIO, ambos presentes no local, bem como uma denúncia anônima de suposto carregamento de drogas naquele dia e endereço; procedeu-se ao monitoramento do local pela equipe policial e a verificação prévia de situação suspeita com a entrada e saída de vans no estabelecimento, a todo momento mantido com as portas fechadas. Assim, os policiais, ainda que sem mandado judicial ou autorização do proprietário/responsável pelo local, agiram com o amparo de denúncia e de investigação prévia que os conduzisse a crer que ali havia tráfico de drogas; agiram, portanto, cumprindo o dever legal de fazer cessar a prática do delito. Vale dizer, havia em curso no estabelecimento, uma clara situação de carregamento velado de mercadorias ilícitas, a autorizar o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do proprietário. O fato de ser investigação por outro delito não conduz a conclusão diversa, considerando ser admissível o fenômeno do encontro fortuito, ou serendipidade, entendido como a apuração de nova infração penal descoberta a partir de investigação pretérita, ou seja, a descoberta inesperada, no decorrer de uma investigação legalmente autorizada, de provas sobre crime que a princípio não estava sendo investigado. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E DE RECEPTAÇÃO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). 2. Uma vez que havia fundadas razões que sinalizavam a ocorrência de crime e porque evidenciada, já de antemão, hipótese de flagrante delito, mostra-se regular o ingresso da polícia no domicílio do acusado, sem autorização judicial e sem o consentimento do morador. Havia, no caso, elementos objetivos e racionais que justificaram a invasão de domicílio. 3. A descoberta a posteriori da prática de novos crimes - na residência, foram encontrados 12 tijolos de crack, porções de cocaína, balanças de precisão, um rádio comunicador, uma submetralhadora FMK-3 (calibre 9 mm, semiautomática, municiada com um carregador que continha 36 cartuchos do mesmo calibre, não deflagrados), um colete balístico - decorreu de uma circunstância anterior concreta, justificadora do ingresso na casa do então suspeito, motivo pelo qual, à luz do fenômeno da serendipidade, são lícitas todas as provas obtidas por meio da medida, adotada em estrita consonância com a norma constitucional, ainda que os objetos ilícitos encontrados no domicílio do acusado não possuíssem, a priori, nenhum liame com o delito que ensejou o ingresso em sua residência (no caso, o crime de receptação). 4. Porque reconhecida a validade das provas obtidas em desfavor do recorrido, fica esvaída a análise da apontada violação do art. 619 do Código de Processo Penal. 5. Recurso especial provido, a fim de reconhecer a licitude das provas obtidas por meio do ingresso em domicílio, bem como todas as que delas decorreram, e, consequentemente, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, para que prossiga no julgamento da Apelação Criminal n. 70039093703 (CNJ n. 0497085-62.2010.8.21.7000) e analise as demais teses aduzidas tanto no apelo defensivo quanto no da acusação - dessa vez, considerando lícitas as provas obtidas em desfavor do acusado. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1558513 2015.02.50649-5, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA: 20/03/2018) - com destaques nossos No que tange à alegação de cerceamento de defesa, apresentada pela defesa do réu JOSÉ, também não prospera, vez que a ausência de advogado na abordagem policial ou mesmo no interrogatório do acusado em fase policial, por si só, não configura nulidade insanável, por se tratar de procedimento informativo e inquisitivo, sem contraditório, de modo que deve ser demonstrado o prejuízo. Nesse sentido, a defesa sequer logrou demonstrar em Juízo, por prova testemunhal, que os policiais agiram com excesso, com coação, desbordando do razoável para o contexto do flagrante, com o uso de força descomedida, a macular a prova obtida com a abordagem policial. Diante do exposto, afasto as preliminares arguidas. Descaminho (art. 334 do Código Penal) A conduta descrita pela acusação amolda-se, em tese, ao crime positivado no artigo 334, caput, do Código Penal Brasileiro, que enuncia: Art. 334- Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos A materialidade delitiva do crime de descaminho restou cabalmente comprovada pelo Boletim de Ocorrência (ID 245648263 - Pág. 10), pela Representação Fiscal para Fins Penais n. 100100-67836/2022 (ID 272877344 - Pág. 4-6); Relação de Mercadorias e Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos (ID 272877344, p. 8), Relação de Mercadorias n. 0140100-184279/2021 (ID 272877344, p. 16), Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias nº 0100100-67808/2022 (ID 272877344, p. 25-26). Os documentos demonstram que, em 13/12/2021, foi realizada apreensão, em um depósito/galpão localizado na Rua Darwin Dolabani, 196, em Campo Grande/MS, de mercadorias de origem estrangeira (vestuário, bateria de celular, smartwatch, óculos de sol, pente, bolsa, armação de óculos), avaliadas em R$ 361.687,50, com tributos iludidos no valor de R$ 171.055,10. A autoria de JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA também restou suficientemente provada nos autos. Perante a autoridade policial, o acusado JOSE afirmou ser o responsável pelo depósito onde foram encontradas as mercadorias, a título de locatário e que trabalha com importação de mercadorias estrangeiras diversas, tendo adquiridos os produtos em Pedro Juan Caballero/PY, pelo valor aproximado de R$ 100.000,00, os quais foram entregues por vans oriundas de Ponta Porã (ID 245648263, p. 19). JOSE apresentou à equipe policial que realizou abordagem um Documento Auxiliar de Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais – DAMDFE e um Documento Auxiliar do Conhecimento de Transporte Eletrônico - DACTE que, evidentemente, não correspondiam à carga transportada: emitida em 15/09/2021, por Hyper Transportes Eireli, com origem da prestação em Naviraí/MS, remetente Fernando de Paula da Silva Eireli e destinatário Luciani Alves Pereira (ID 245648263, p. 22-23). Ainda em sede policial, Wanderson Marcilio de Souza Gomes prestou esclarecimentos, confirmando que trabalhava para JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA, pegando mercadorias na Rodoviária de Campo Grande, que vinham de ônibus, trazidas por pessoas diversas, e acompanhadas de documentos emitidos em Dourados ou Ponta Porã, cujo destinatário era JOSÉ, bem como realizava o carregamento/descarregamento dessas mercadorias de cargas em caminhões, no galpão (ID 286495133). Em Juízo, JOSÉ confirmou ser o responsável pelo depósito, bem como que trabalhava com o armazenamento e fretes de mercadorias oriundas do Paraguai, ressalvando, apenas, que não era o dono da carga: Era a primeira vez que Cristian carregava, indicado por um conhecido agenciador de cargas, que teria contratado o frete via aplicativo Fretebrás. Ele não sabia da origem das mercadorias. Que os policiais entraram armados, 4 ou 5 viaturas na porta, sem a sua permissão, quando o caminhão estava saindo. No meio da confusão, entendeu o que se tratava aquela abordagem, atrás do Cristian, que fazia parte de uma organização criminosa. Por isso, teve que assumir a propriedade da carga, por temer a apreensão do caminhão do Cristian e assim ficar em dívida com um narcotraficante. Em Campo Grande, há um entreposto de transporte de carga do Paraguai. O seu serviço era de frete. As vans iam e voltavam, para buscar mercadorias da rodoviária. A carga era de várias pessoas, transportando cargas para São Paulo. Alugou o galpão, através de um terceiro, que organizou mais 3 pessoas, para trazer mercadoria. A pessoa ia até Ponta Porã, trazia a mercadoria até Campo Grande, então o acusado coletava e guardava a mercadoria nesse galpão, esperava o caminhão chegar, a pessoa mandava a nota, que seria entregue ao motorista. Que sabia que a mercadoria era do Paraguai. Sabia que as notas fiscais poderiam estar erradas, sim. Que esperava que houvesse consequências criminais, mas somente administrativa. Tinha, à época, duas vans, que não vinham do Paraguai, mas iam à rodoviária buscar as mercadorias. Antônio era o motorista, não o conhecia anteriormente, com ele pouco conversou. Que voltou à Delegacia no dia seguinte, porque o Delegado disse que verificaria a possibilidade de a Fazenda Estadual emitir uma guia para pagamento dos tributos estaduais e liberar a mercadoria; que o seu interesse de reaver a mercadoria se deve ao fato de que só receberia do contratante do frete se a mercadoria chegasse em São Paulo. Não se recorda se deu a nota ou iria esperar a nota em pdf e depois mandar para o motorista. Acha que Antônio não sabia da ilicitude da carga. Que a diligência começou 18h30, 19h, e se estendeu até 2 h do dia seguinte. As circunstâncias do caso concreto permitem dizer que o réu agiu imbuído do denominado elemento subjetivo do tipo penal em análise, vale dizer, o dolo direto, consubstanciado na vontade livre e consciente de iludir o pagamento de impostos devidos pela entrada de mercadorias (peças de veículos) de origem estrangeira, em desacordo com a legislação aduaneira vigente, sendo certo que ele possuía consciência de que sua conduta era penalmente ilícita, ou, ao menos, teria condições de alcançar tal entendimento. A mera alegação de desconhecimento da lei não é suficiente para a caracterização de erro de proibição. A ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Nesse sentido: ApCrim 0007948-66.2012.4.03.6106, Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, TRF3 - 11ª Turma, DJEN DATA: 10/11/2022. Em atenção ao fato narrado pelo réu no seu interrogatório, no sentido de que não era o proprietário das cargas, mas apenas as recebia na rodoviária de Campo Grande e as guardava, para posterior remessa em caminhões, ressalto que tal circunstância é irrelevante para a tipificação da conduta. Isto porque o tipo penal incide sobre quem efetua o transporte ou a remessa de mercadorias importadas sem o pagamento dos impostos, na medida em que tal agente está incluído na cadeia de internalização e distribuição de produtos indevidamente inseridos em território nacional e que a adesão do agente ao crime - ao prosseguir no trânsito de mercadorias que recém atravessaram a área de fronteira e a área de controle aduaneiro por ação de outro agente - configura evidente participação no iter criminis do descaminho. Nesse sentido: TRF 4 - Sétima Turma - ACR 5003703-40.2017. 404.7005/PR - data de julgamento 26/11/2019). Dessa forma, a tipicidade (adequação típica), a materialidade e a autoria do crime estão comprovadas, motivo pelo qual é impositiva a condenação de JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA às sanções do crime previsto no art. 334, caput, do Código Penal. Em relação à autoria do corréu ANTONIO GRACIANO DA SILVA, não restou suficientemente comprovada nos autos. A prova testemunhal e o interrogatório do corréu JOSÉ são harmônicos e indicam que ANTONIO GRACIANO DA SILVA não tinha conhecimento da origem da carga carregada no caminhão por ele conduzido. Ocorre que ANTONIO era motorista e trabalhava para Cristian, o qual, por sua vez, na ocasião, foi contratado para realizar o frete via aplicativo Fretebrás. O policial civil que realizou a diligência, ouvido em Juízo como testemunha compromissada, relatou que a equipe policial já investigava Cristian e ANTONIO, enquanto supostos participantes de organização criminosa voltada ao narcotráfico, que realizava transporte de drogas escamoteando-as em meio a cargas lícitas. E, por esse motivo, a testemunha afirmou que “acredita que ANTONIO não saberia da origem da mercadoria, porque ele disse que pegou o frete por plataforma on line. Acredita que o Sr. JOSE apresentou uma documentação e eles acreditaram, porque eles costumavam carregar a droga em meio a cargas “quentes”, não iriam camuflar a droga em meio de mercadoria sem nota, de descaminho, a organização não permitiria isso (...)”. Por outro lado, o corréu JOSÉ alegou em Juízo que essa foi a primeira vez que Cristian e ANTONIO lhe prestariam o serviço de transporte de cargas de Campo Grande até São Paulo; que não os conhecia anteriormente. Ademais, tanto em sede policial, como em Juízo, ANTONIO negou conhecimento da ilicitude das mercadorias que seriam transportadas, sendo mero motorista contratado por Cristian: “Que foi contratado pelo Cristian, como motorista. O frete foi pego por Cristian pelo Fretebrás. Cristian explicou que estava arrumando carga para levar a São Paulo e lhe ofereceu 12% do valor da carga. Não conversou com o Sr. JOSÉ. Disse ao Cristian que sem notas não poderiam viajar. Não lhe foi apresentada nenhuma nota. Estava ao volante quando os policiais entraram; o depoente e Cristian estavam esperando o rapaz, havia saído para buscar as notas. O motorista tem obrigação de fazer o carregamento, para saber o que está levando, mas não tem autorização para abrir os fardos. Havia 3 meses que trabalhava para Cristian”. Assim, diante da insuficiência de provas acerca da autoria e do dolo de ANTONIO GRACIANO DA SILVA, à luz do princípio do in dubio pro reo, a sua absolvição é medida que se impõe. Dosimetria da pena JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA Com relação ao crime tipificado no artigo 334 do Código Penal, a pena está prevista entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de reclusão. Na primeira fase da aplicação da pena, ao analisar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade e o dolo apresentam-se normais à espécie. b) o acusado não possui maus antecedentes registrados nos autos. c) não existem elementos que retratem a conduta social e a personalidade do réu; d) nada a ponderar sobre os motivos do crime, que não incrementam a reprovabilidade do crime em si; e) relativamente às circunstâncias do crime, verifico que denotam maior juízo de reprovabilidade que o ordinário, considerando-se a quantidade e o valor de mercadorias descaminhadas; f) as consequências do crime não foram consideráveis; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Assim sendo, considerando-se que houve a valoração negativa de uma circunstância judicial previstas no art. 59 do CP, majoro a pena-base em 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima (3 anos) e fixo-a em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda fase, verifico a aplicação ao caso da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal), nos termos da Súmula 545 do STJ, haja vista que o acusado confessou em Juízo a prática do descaminho e isso foi usado para o convencimento do Juízo quanto à autoria do delito em comento. Ademais, incide a agravante prevista no art. 62, inciso IV, do Código Penal, haja vista que o acusado praticou o delito mediante paga ou promessa de recompensa. Não incide a agravante do inciso I, pois não restou demonstrado que dirigia a atividade dos demais agentes, os quais foram simplesmente contratados como autônomos. Compensando-se a agravante reconhecida com a atenuante, mantenho a pena intermediária em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na terceira fase, não incidem causas de diminuição ou de aumento da pena, fixando-se a pena definitiva, pelo crime de descaminho, em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, pelo crime descrito no artigo 334 do Código Penal. Fixo o regime aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, “b”, do Código Penal, considerando o montante da pena aplicada e que o réu é tecnicamente primário. Presentes os requisitos dos incisos I, II e III do artigo 44 do Código Penal, razão pela qual, com fulcro no § 2.º do mesmo artigo, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: a) a prestação pecuniária, a ser revertida à conta vinculada ao Juízo da execução penal ou destinada a entidade definida por esse, no valor de 02 (dois) salários mínimos, a ser atualizado desde a data desta sentença, o que pode ser parcelado, na forma do que for decidido pelo Juízo da execução; b) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, nos moldes do art. 43, inciso IV e art. 46, "caput" e parágrafos, do Código Penal, pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída, à razão de uma hora por dia de condenação, devendo a definição das tarefas a serem executadas, bem como da entidade em favor da qual dar-se-ão estas últimas, ocorrer na fase de execução. O réu poderá apelar em liberdade, ante a ausência das circunstâncias que determinam o decreto de prisão preventiva. Da inabilitação para dirigir veículos Não é cabível a aplicação do art. 92, III, do CP ao réu, tendo em vista que a sua habilitação para conduzir veículo não foi utilizada para a prática do delito em comento. Dos bens apreendidos Não há bens apreendidos nos autos, visto que as mercadorias apreendidas foram encaminhadas à Receita Federal do Brasil. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva para o fim de: a) ABSOLVER o réu ANTONIO GRACIANO DA SILVA da prática do crime previsto nos art. 334 do Código Penal, com fulcro no art. 386, VII, do CPP. b) CONDENAR o réu JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA, pela prática do crime previsto nos art. 334 do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, no regime inicial aberto. Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: a) prestação pecuniária, a ser revertida à conta vinculada ao Juízo da execução penal ou destinada a entidade definida por esse, no valor de 02 (dois) salários mínimos, a ser atualizado desde a data desta sentença, o que pode ser parcelado, na forma do que for decidido pelo Juízo da execução; b) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, nos moldes do art. 43, inciso IV e art. 46, "caput" e parágrafos, do Código Penal, pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída, à razão de uma hora por dia de condenação, devendo a definição das tarefas a serem executadas, bem como da entidade em favor da qual dar-se-ão estas últimas, ocorrer na fase de execução. Nos termos do art. 804 do CPP, condeno o réu JOSE DA CRUZ FERREIRA DE SOUSA ao pagamento das custas processuais. Ressalvo, todavia, que ele foi assistido juridicamente pela Defensoria Pública da União, sendo beneficiário da justiça gratuita. O réu poderá apelar em liberdade, ante a ausência das circunstâncias que determinam o decreto de prisão preventiva. Após o trânsito em julgado, proceda-se também da seguinte forma: (a) anote-se a condenação junto aos institutos de identificação e ao SEDI; (b) expeça-se ofício ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos, nos termos do artigo 15, III, da Constituição Federal; (c) expeça-se a Guia de Execução de Pena. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Campo Grande/MS, datado e assinado eletronicamente. Felipe Bittencourt Potrich Juiz Federal
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