Processo nº 5002362-23.2022.4.03.6005
ID: 307330849
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Ponta Porã
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5002362-23.2022.4.03.6005
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOICE APARECIDA DOS SANTOS NUNES
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002362-23.2022.4.03.6005 / 2ª Vara Federal de Ponta Porã AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: RAFAE…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002362-23.2022.4.03.6005 / 2ª Vara Federal de Ponta Porã AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: RAFAELA ALVES DE OLIVEIRA Advogado do(a) REU: JOICE APARECIDA DOS SANTOS NUNES - SP397432 SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de ação penal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de RAFAELA ALVES DE OLIVEIRA pela prática em tese do crime previsto no artigo 33, caput, c/c §4º, e artigo 40, inciso I e V, ambos da Lei nº 11.343/2006. Decisão convertendo o flagrante em preventiva em Num. 267101564 - Pág. 8/12, revogada posteriormente em decisão que recebeu a denúncia. Alvará de soltura cumprido em 20.01.2022 (ID 267101562, p. 90) Desde então a acusada encontra-se solta. A inicial acusatória data de 16.12.2021 (ID 267101562 - Pág. 1/3) Recebimento da inicial em 18.01.2022 (ID 267101562 - Pág. 65/72). Citação ocorrida em 20.01.2022 (ID 267101564 - Pág. 7). Laudo de Química Forense em ID 267101564 - Pág. 23/28. Laudo de Informática n. 1203/2021 – NUTEC/DPF/DRS/MS no ID 267101564, p. 16/22 Resposta à Acusação em Num. 267101564 - Pág. 31/33. Realizada audiência de instrução em 01.08.2022 (Num. 267101564 - Pág. 71). Aberta a instrução, foi ouvida a testemunha ANDERSON BITTENCOURT DE BARROS - havendo desistência da oitiva da testemunha Diego Pereira, homologada pelo juízo - e realizado o interrogatório da ré RAFAELA ALVES DE OLIVEIRA. Na fase do artigo 402, do CPP, as partes nada requereram. As partes postularam prazo para alegações finais escritas. Em ID 267101564 - Pág. 73/78 o Ministério Público Estadual requereu a remessa dos autos à Justiça Federal, ante evidências de transnacionalidade do delito. Alegações Finais pela defesa da denunciada em ID. 267101564 - Pág. 79/81, a qual também acostou exame de ultrassom com vistas a demonstrar gravidez desta. Em ID 267101564 - Pág. 84/86, r. decisão exarada pelo juízo da 2ª Vara Criminal de Ponta Porã declinou de sua competência à Justiça Federal, ante a transnacionalidade dos fatos objeto do processo. O MPF ofereceu aditamento à denúncia em ID 268186227 para consignar as causas de aumento previstas no art. 40, inciso I e V, da Lei nº 11.343/06. A decisão em ID 268320950 fixou a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito, ratificou os atos praticados pelo juízo estadual e recebeu o aditamento à denúncia requerido pelo Ministério Público Federal. Carta Precatória relativa ao cumprimento de cautelares pela acusada em ID 328507745 - Pág. 16/33. Documentos relativos à gestação da denunciada em ID 328816154. Em ID 331147145, Termo de entrega de aparelho celular apreendido O Parquet complementou as alegações finais em ID 335346426, requerendo a condenação da denunciada, vez que a ré confessou a prática delituosa, havendo, além da confissão, provas suficientes de autoria e materialidade para a procedência da denúncia. Ademais, áudios e mensagens extraídas do celular da vítima evidenciam a transnacionalidade do delito. A defesa, por sua vez, pugnou pela aplicação da minorante relativa à confissão e pela causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006. É o relatório. Passo a decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO A denúncia narra que: no dia 24 de novembro de 2021, por volta das 06h00, no terminal rodoviário de Ponta Porã, a denunciada RAFAELA ALVES DE OLIVEIRA foi surpreendida transportando 14,4 kg (quatorze quilos e quatrocentos gramas) de "maconha", sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, rumo a outra Unidade Federativa, possivelmente ao Estado de São Paulo. Segundo restou apurado, por ocasião dos fatos, uma equipe da guarda municipal realizava fiscalização de rotina nas dependências do terminal rodoviário, nesta cidade, quando avistaram a denunciada RAFAELA ALVES DE OLIVEIRA embarcando em um ônibus da empresa Cruzeiro do Sul do Sul em atitude suspeita, eis que olhava fixamente para os agentes enquanto entregava sua bagagem para o funcionário do coletivo. Em razão do comportamento da denunciada, decidiu-se pela abordagem, ao que RAFAELA ficou ainda mais agitada e acabou confessando que estava com drogas em sua mala. De início, verifico que o processo tramitou de forma regular, com observância do contraditório e da ampla defesa. A denúncia atentou para a descrição completa dos fatos e para o quanto exige o art. 41 do CPP. Não há questões prejudiciais ou preliminares a analisar, pelo que passo à análise do mérito do processo. MATERIALIDADE A materialidade do crime refere-se à comprovação objetiva e concreta de que um fato delituoso efetivamente ocorreu, por meio de evidências tangíveis — como vestígios, documentos, objetos ou outros sinais detectáveis — que formam o corpo de delito, ou seja, o substrato físico necessário para atestar a ocorrência do crime. Nos crimes de tráfico de drogas, a materialidade do fato é comprovada, via de regra, pelo laudo de constatação provisório e pelo laudo toxicológico definitivo, sendo as demais provas complementares. O laudo de constatação provisório, elaborado no momento da apreensão, verifica preliminarmente se a substância apreendida é entorpecente. Já o laudo toxicológico definitivo confirma de forma conclusiva a natureza ilícita da substância e a quantidade da droga, sendo essencial para a certeza da ocorrência do evento criminoso. Diante disso, constato a materialidade com base nos seguintes elementos: a) Laudo de constatação provisório, que atestou preliminarmente a natureza ilícita da substância apreendida (ID 267101573 - Pág. 11); b) Laudo toxicológico definitivo, que confirmou a presença de substância entorpecente (Num. 267101573 - Pág. 90/95); c) Laudo de Informática no celular apreendido (ID 267101573 - Pág. 73/79) c) Auto de apreensão da droga (Num. 267101573 - Pág. 9); d) Auto de prisão em flagrante (Num. 267101562 - Pág. 4); e) Depoimentos testemunhal dos policiais responsáveis pela apreensão (Num. 267101562 - Pág. 5/7). O laudo toxicológico definitivo confirmou que o material apreendido consistia em QUANTIDADE gramas de MACONHA, devidamente identificada como entorpecente pela presença do canabinoide tetrahidrocannabinol (THC), substância psicotrópica proscrita em todo o território nacional, conforme a Portaria SVS/MS n.º 344/1998, atualizada pela RDC n.º 372/2020 da ANVISA. O guarda municipal Anderson Bittencourt de Barros fez a abordagem de RAFAELA. Ele relatou que RAFAELA chegou há poucos minutos da partida do ônibus em que embarcaria, aparentando grande nervosismo. Logo ao abordá-la, esta confirmou que havia droga em sua bagagem. Ao abrir a mala, encontrou-se a droga envolta em uma toalha, tendo a denunciada afirmado ter retirado a droga nas proximidades de um terminal rodoviário. RAFAELA afirmou que foi contratada para transportar a droga de Ponta Porã para São Paulo, e receberia R$ 6.000,00 pelo serviço. Ela declarou que retirou a droga em Ponta Porã, sem detalhar o local. Assim, a materialidade do crime está devidamente comprovada nos autos, não havendo dúvidas quanto à natureza e quantidade da droga apreendida. TIPICIDADE Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274) Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012) A situação se amolda, inequivocamente, ao caput do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, núcleo verbal “transportar” ou “trazer consigo”, “ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, e que a forma de acondicionamento da droga e a quantidade verificadas são próprias do crime. O bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a saúde pública, sendo o crime de tráfico de drogas classificado como de perigo abstrato, o que dispensa a comprovação de efetivo dano à coletividade. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm entendimento consolidado de que o princípio da insignificância é inaplicável ao crime de tráfico de drogas, independentemente da quantidade apreendida, dada a gravidade da conduta e a relevância do bem jurídico protegido (STJ, HC 461377/DF). Dessa forma, a tipicidade objetiva e material está configurada, pois os fatos narrados correspondem diretamente à descrição da conduta proibida na Lei Penal, ofendendo de forma lesiva o bem jurídico protegido, não tendo sido demonstradas causas excludentes da tipicidade. AUTORIA E DOLO A autoria é certa e induvidosa e se demonstra pelos mesmos elementos citados quando da análise da materialidade, que se somam aos depoimentos da testemunha (ID 267101568) em audiência de instrução e julgamento, que confirmaram integralmente os termos do registro de ocorrência policial. A acusada foi presa em flagrante, no terminal Rodoviário de cidade de Ponta Porã/MS, por volta das 6h00, quando iria iniciar o transporte, pela via rodoviária, grande quantidade de substância entorpecente. As circunstâncias da apreensão, o auto de prisão em flagrante, os laudos periciais e os depoimentos testemunhais constantes dos autos demonstram, de forma inequívoca, que a acusada é a autora da conduta delitiva. O flagrante ocorreu em região de fronteira, local com intensa fiscalização e conhecido pelo tráfico de drogas, circunstância que reforça a autoria. Não há qualquer elemento nos autos que suscite dúvida sobre a autoria do delito, sendo certo que a acusada foi encontrada na posse direta da substância entorpecente. Ademais, os depoimentos colhidos em juízo são coesos e corroboram a versão apresentada na denúncia. O dolo, por sua vez, está plenamente demonstrado. O conjunto probatório fornece sólida convicção de que o acusado agiu com plena consciência e vontade de praticar o fato típico. A confissão é compatível com os demais elementos probatórios. As circunstâncias da prisão em flagrante, a apreensão do entorpecente, o comportamento do acusado, a forma de acondicionamento da droga e a quantidade apreendida são indicativos claros de que o agente tinha ciência de que “transportava” ou “trazia consigo” substância considerada droga (elemento cognitivo) e que direcionou sua conduta para a prática criminosa (elemento volitivo). Deste modo, conclui-se que a autoria e o dolo do agente são evidentes e incontroversos, tendo o acusado “transportado” ou “trazido consigo" a substância entorpecente de modo livre e consciente, configurando inequivocamente o fato típico descrito na denúncia (tipicidade subjetiva). ILICITUDE No sistema penal brasileiro, a ilicitude (também denominada antijuridicidade) traduz-se na contrariedade da conduta em face do ordenamento jurídico, isto é, o agir do acusado em desacordo com a proibição contida no tipo penal. Sob a ótica adotada pelo Código Penal, que segue a teoria da ratio cognoscendi, o fato típico é indiciário de ilicitude, ou seja, parte-se da presunção de que a conduta típica é também ilícita, salvo se houver prova de alguma causa excludente (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, consentimento do ofendido). No caso concreto, não se verifica a presença de nenhuma causa excludente de ilicitude, razão pela qual se reconhece a ilicitude da conduta do réu. CULPABILIDADE A culpabilidade consiste em um juízo de reprovação dirigido ao agente que pratica um fato típico e ilícito, quando, nas circunstâncias concretas, ele tinha plena capacidade de agir de forma diversa, conforme o Direito. Trata-se de uma avaliação da possibilidade de o agente compreender o caráter ilícito de sua conduta e de agir em conformidade com essa compreensão, considerando as condições que tornem exigível o comportamento conforme as normas jurídicas. Esse elemento do crime, que tem função limitadora do poder punitivo, e é estruturada em três elementos essenciais: (a) imputabilidade, que corresponde à aptidão mental e psíquica do agente para compreender a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento; (b) potencial conhecimento da ilicitude, que analisa se o agente poderia ou deveria saber que sua conduta era proibida; e (c) exigibilidade de conduta diversa, que avalia se, nas circunstâncias específicas, o agente poderia ter agido conforme o Direito. No caso em análise, o acusado é imputável, pois é maior de 18 anos e não apresenta qualquer deficiência mental ou intelectual, tampouco agiu sob estado de embriaguez completa acidental ou por força maior. Além disso, possuía potencial conhecimento da ilicitude, ou seja, tinha condições de saber que sua conduta era proibida ou alcançar essa compreensão. Destaco que dificuldades econômicas não se enquadram na hipótese de estado de necessidade, cuja essência é a colisão imediata e inevitável entre bens jurídicos protegidos pelo Direito. Salvo em situações extremamente excepcionais, a falta de recursos financeiros não justifica nem exime de culpabilidade aquele que pratica o crime, tampouco autoriza que a delinquência se torne fonte habitual de renda ou meio de vida. O ordenamento jurídico brasileiro não reconhece, como justificativa aceitável, a opção pelo crime como mecanismo de superação de dificuldades financeiras, pois isso, além de violar o princípio da legalidade e fragilizar o Estado Democrático de Direito, compromete valores e estruturas muito importantes para nossa sociedade. Nesse sentido, as condições pessoais e sociais do acusado, bem como as circunstâncias da ação, demonstram que, no momento do fato, o acusado era plenamente capaz de escolher um comportamento diverso, afastando-se da prática delituosa, e que lhe era razoavelmente exigível que assim agisse. Conclui-se que estão configurados todos os elementos necessários à reprovação penal da conduta do réu, não havendo qualquer causa excludente de culpabilidade. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA – TRANSNACIONALIDADE E INTERESTADUALIDADE No que toca à transnacionalidade da traficância, configuradora da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei 11.343/06, tenho por bem abordá-la desde já, por se tratar exatamente da circunstância que determinou a competência desta Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Constituição Federal de 1988. No ponto, referido artigo dispõe que as penas previstas nos artigos 33 a 37 devem ser aumentadas de um sexto a dois terços caso “a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito”. Conforme a Súmula 607 do STJ, é irrelevante a efetiva transposição da fronteira para a aplicação da majorante, bastando a comprovação, por exemplo, de que a droga ingressou no Brasil oriunda do exterior ou se destinava a outro país. Assim, prova de aquisição em região fronteiriça, rotas utilizadas, depoimentos demonstrando a origem estrangeira ou o animus de exportar, e até mesmo a prisão do agente em deslocamento típico de importação ou exportação rodoviária — como em postos de fiscalização próximos à linha limítrofe — constituem provas indiciárias suficientes para caracterizar a transnacionalidade. Não há bis in idem entre a causa de aumento de transnacionalidade (art. 40, I, da Lei de Drogas) e as condutas de “importar” ou “exportar” constantes do caput do art. 33, pois a própria estrutura típica do tráfico é de conduta múltipla (importar, exportar, transportar, remeter, guardar etc.). O simples enquadramento do acusado em “importar” ou “exportar” não exaure, por si só, o acréscimo de gravidade inerente ao tráfico que ultrapassa fronteiras, uma vez que a majorante foi estabelecida para punir o plus de reprovabilidade derivado do transporte internacional, verificado, por exemplo, pela efetiva ultrapassagem (ou tentativa evidente de ultrapassagem) dos limites territoriais do país. Em outras palavras, a subsunção ao verbo “importar” ou “exportar” caracteriza o próprio crime de tráfico, enquanto a transnacionalidade incide para punir o grau mais elevado de risco e audácia do agente, desde que as provas dos autos demonstrem que a droga, de fato, veio do exterior ou para lá seria enviada, não havendo, assim, duplicidade na valoração. No caso do tráfico interestadual, previsto no artigo 40, inciso V, da mesma Lei, exige-se que a substância seja destinada a outro Estado ou recebida de outro ente federativo, não sendo obrigatória a efetiva ultrapassagem da fronteira estadual. A Súmula 587 do STJ assenta que é suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual. A ratio legis, similar à transnacionalidade, é reprimir de modo mais severo condutas que ampliem a difusão do entorpecente e gerem maior periculosidade, pois o deslocamento em múltiplos Estados aumenta a complexidade e o alcance do delito. Cumpre notar que, tendo o artigo 40 fixado o aumento em patamar variável entre um sexto e dois terços, cabe ao julgador fundamentar concretamente o quantum aplicado, nos termos do que exige a jurisprudência do STJ (p. ex. Súmula 443, por analogia). Em outras palavras, nem a existência de uma única majorante impõe, de modo automático, o aumento mínimo, nem a soma de diversas causas de aumento determina necessariamente a fixação do patamar máximo. A lei não adota critério matemático, exigindo, ao revés, a consideração das peculiaridades do caso concreto, notadamente a quantidade, a qualidade, a rota da droga (distância percorrida), o grau de organização e a periculosidade da atividade (art. 42 da Lei de Drogas, art. 68, parágrafo único, do CP). Quanto à concorrência das majorantes (transnacionalidade e interestadualidade), a doutrina e a jurisprudência indicam que não há bis in idem se houver circunstâncias fáticas diversas a embasar cada uma: a importação da droga (elemento transnacional) e a efetiva difusão ou destinação a outro Estado (interestadual), respectivamente. Todavia, se o caminho interestadual for apenas continuação inevitável da rota internacional, sem qualquer propósito adicional de distribuição em vários Estados, o juiz deve avaliar com cautela a necessidade de aplicar cumulativamente as duas majorações. Por outro lado, quando a prova demonstra animus autônomo de pulverização do entorpecente em múltiplas unidades federativas, além de a substância ter origem estrangeira, admite-se a aplicação simultânea do art. 40, I e V, sobretudo se claramente demonstrado o interesse em comercializar a droga em mais de um Estado da Federação. In casu, o conjunto probatório demonstra de forma inequívoca o dolo específico da acusada quanto à circunstância que configura a causa de aumento de pena pela transnacionalidade, prevista no art. 40, I, da Lei 11.343/06. O deslocamento por rota típica desse tipo de crime, se aproveitando das vulnerabilidades regionais, associado a prova extraída do celular, no sentido que a substância foi adquirida no exterior, comprova que a acusada aderiu de forma voluntária e consciente à dinâmica do tráfico transnacional. As provas indicam que a acusada não apenas tinha plena ciência da transnacionalidade da operação criminosa, mas também que quis participar ativamente da cadeia de internalização da droga no território nacional. Nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. ORIGEM ESTRANGEIRA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. 1. O Auto de Prisão em Flagrante relata que, em razão de fiscalização de rotina no Posto Lampião Aceso, localizado na Rodovia BR-262, na cidade de Corumbá/MS, policiais militares, ao abordarem o ônibus da empresa Andorinha que saiu de Corumbá às 16h30m com destino a Campo Grande/MS, encontraram juntamente com o recorrido 37 (trinta e sete) cápsulas de cocaína, escondidas por debaixo de suas vestes, além de outras 41 (quarenta e uma) cápsulas ingeridas por ele, razão pela qual procederam a sua prisão em flagrante. 2. O próprio indiciado afirmou perante a autoridade policial que reside em Montes Claros/MG, sendo que lá conheceu um homem chamado "Paulo" que lhe propôs que viesse a Corumbá para transportar drogas para ele até São Paulo/SP. E, assim, já na cidade de Corumbá, recebeu as 78 (setenta e oito) cápsulas de cocaína no hotel onde estava hospedado, localizado em Corumbá/MS, de um homem de nacionalidade boliviana, porém não soube identificá-lo, tampouco como encontrá-lo. 3. A origem estrangeira da droga e a transnacionalidade do tráfico restaram devidamente caracterizadas não apenas pelas próprias declarações do indiciado na fase inquisitorial, mas também pelas circunstâncias fáticas que envolveram o crime, notadamente a natureza e procedência do entorpecente. 4. Sabe-se que não há registro de plantação de drogas no Estado de Mato Grosso do Sul, bem como nos demais Estados com que este faz divisa, e que as drogas são provenientes do Paraguai ou Bolívia, países vizinhos, incontestavelmente reconhecidos como fornecedores de cocaína e outras substâncias entorpecentes ilícitas. 5. Irrelevante se o entorpecente foi recebido de um lado ou de outro da fronteira, ainda que a entrega houvesse ocorrido alguns metros dentro do território brasileiro. Isso porque, sendo inequívoca a ciência da proveniência estrangeira, a adesão prévia a essa importação pelo acusado implica seja igualmente culpado pelo tráfico transnacional, porquanto está demonstrado que sabia que a substância deveria ultrapassar os limites entre países diversos, pouco importando se foi ele quem pessoalmente trouxe a droga para o Brasil, ou se foi um comparsa em comunhão de desígnios [...] (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000324-44.2013.4.03.6004/MS Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO, TRF3 - 5ª Turma, j. 17.03.2014, e-DJF3 Judicial 1: 25/03/2014). Por outro lado, não se extrai dos elementos probatórios que a acusada tivesse a intenção de pulverizar a droga em mais de um Estado, pois quaisquer registros que apontem outra finalidade do agente senão a entrega final em um único Estado da Federação, afastando-se a hipótese do inciso V. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA – TRÁFICO PRIVILEGIADO A Lei nº 11.343/06 estabelece no art. 33, § 4º a possibilidade de redução de pena de um sexto a dois terços para o agente que, embora responda por tráfico de drogas, apresente condições de menor reprovabilidade. Trata-se de norma de política criminal que objetiva diferenciar o traficante ocasional daquele que faz do crime um meio de vida, garantindo-lhe uma oportunidade de ressocialização mais célere. No ponto, o art. 33, § 4º, não cria um “tipo privilegiado” autônomo, mas sim uma causa de diminuição de pena aplicável apenas aos delitos do caput e do § 1º do art. 33, jamais se estendendo aos crimes dos arts. 34 a 37. Desse modo, a estrutura típica permanece inalterada, mas o legislador abriu espaço para reduzir o quantum de reprimenda quando preenchidos os quatro requisitos legais. A doutrina e a jurisprudência, inclusive o Supremo Tribunal Federal, denominam tal redução de “tráfico privilegiado”, embora se trate tecnicamente de causa especial de diminuição de pena, cujo exame se dá, em regra, na terceira fase da dosimetria (art. 68 do CP). A ratio legis do dispositivo consiste em punir com menor gravidade o indivíduo que não apresente sinais de habitualidade ou maior periculosidade no narcotráfico. Por esse motivo, exige-se o preenchimento cumulativo dos seguintes elementos pelo acusado: (a) primariedade; (b) bons antecedentes; (c) não se dedicar a atividades criminosas; (d) não integrar organização criminosa. Afinal, é “inviável o reconhecimento da causa de diminuição objeto do § 4º do artigo 33 (...), que só se aplica ao tráfico de menor expressão que envolve quantidades módicas de drogas, no varejo, praticados por mulas, sem qualquer ligação com organização criminosa” (TRF3, ACR nº 0001942-55.2012.403.6005, Relator Desembargador Federal Nino Toldo, 11ª Turma, e-DJF3 16/06/2016). A vedação ao benefício ocorre quando comprovado, por elementos probatórios concretos e autônomos, que o acusado mantém vínculo estável com a criminalidade ou se dedica de forma reiterada ao tráfico de drogas. Provas materiais, como interceptações telefônicas, monitoramento de atividades ilícitas, apreensões reiteradas, uso de logística sofisticada, transporte de grandes quantidades de entorpecentes ou atuação em rotas consolidadas de tráfico, podem evidenciar a habitualidade delitiva e afastar a incidência da minorante. No que concerne à integração a organização criminosa, a exclusão do benefício exige a comprovação de que o acusado participa de grupo estruturado, estável e com divisão de tarefas, nos termos do art. 1º da Lei nº 12.850/13. Nessa linha, a condição de “mula” — pessoa aliciada para o transporte eventual de drogas, mediante remuneração ou coação, sem envolvimento direto na gestão ou estrutura da organização — não configura, por si só, vínculo associativo com o grupo criminoso. Assim, incumbe ao Ministério Público o ônus de demonstrar, de forma inequívoca, que o acusado não apenas colaborou pontualmente, mas integra de fato a organização criminosa ou atua de forma habitual no tráfico, sob pena de ser reconhecido o direito subjetivo à aplicação da causa de diminuição de pena. A lei estabelece uma faixa de redução variável, que deve observar as peculiaridades do caso concreto. Muito embora os quatro requisitos sejam de verificação excludente (“tudo ou nada”), a jurisprudência reconhece que se pode aplicar a fração de diminuição em níveis intermediários, levando em conta fatores como natureza e quantidade da droga ou modo de execução do delito (art. 42 da Lei de Drogas), desde que não haja bis in idem na valoração. Nada impede, por outro lado, que a gravidade concreta da conduta, demonstrada por outras circunstâncias (v.g., sofisticada estrutura logística; rota altamente complexa), seja utilizada para graduar a fração abaixo do máximo de 2/3, sem incidir em dupla valoração. Caso não haja elementos a indicarem especial gravidade ou dedicação do réu, a redução no patamar máximo é a que melhor se coaduna com a finalidade do art. 33, § 4º. A quantidade e a natureza do entorpecente só podem ser consideradas uma única vez na dosimetria — ou na primeira fase (pena-base) ou na terceira (quantum da minorante) (STF, ARE 666.334). Neste ponto, entendo que sempre que apreendida grande quantidade de entorpecente, essa circunstância deve ser valorada na terceira fase da dosimetria, respeitando o modelo trifásico progressivo previsto no Código Penal. O “tráfico privilegiado” não se equipara a crime hediondo (STF, HC 118.533). Com isso, não incidem as restrições mais gravosas da Lei nº 8.072/90, prevalecendo o regime geral do Código Penal e da Lei de Execução Penal. A Lei nº 13.964/2019, que incluiu o §5º ao art. 112 da LEP, veio a positivar esse entendimento, afastando, por consequência, a aplicação do regime mais rigoroso previsto para delitos hediondos ou equiparados. Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, é possível converter a pena em restritiva de direitos, caso a pena final não supere quatro anos e não haja outro óbice legal (STF, HC 97.256 e ARE 663.261). Na espécie, o conjunto fático-probatório demonstra que a acusada não registra condenações definitivas (primária e bons antecedentes), não há elementos que indiquem envolvimento habitual com o tráfico ou adesão a organização criminosa, e a conduta denunciada se revela isolada. A versão de que se trata de um transportador eventual (“mula” do tráfico) é plausível, à luz do que se conhece do modus operandi adotado pelos grupos criminosos dedicados à narcotraficância nesta região de fronteira. Desse modo, revela-se cabível o reconhecimento do tráfico privilegiado, procedendo-se à redução de pena no patamar que melhor reflita as peculiaridades do caso concreto. CONCLUSÃO A tipicidade (adequação típica), a materialidade e a autoria do crime estão comprovadas além de qualquer dúvida razoável, assim como o dolo do acusado, e não há causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, pelo que foi observado o standard probatório exigido pelo devido Processo Penal, sendo impositiva a condenação às sanções do crime previsto no artigo 33, caput, c/c §4º, e artigo 40, incisos I, da Lei nº 11.343/2006. Passo à dosimetria da pena. DOSIMETRIA Dou início à dosimetria a partir da pena mínima, considerando para eventuais aumentos de pena-base a diferença entre a pena mínima e a pena máxima previstas para o delito em abstrato, observando o método trifásico sucessivo (arts. 59 e 68 do Código Penal c/c art. 42 da Lei n. 11.343/06 c/c art. 93, IX, da Constituição Federal). Com relação ao crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, a pena prevista é de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão, além do pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 1ª Fase Pondero as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, em conjunto com o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, que determina a preponderância da quantidade e natureza da substância entorpecente na fixação da pena-base: a) Culpabilidade: o grau de reprovabilidade apresenta-se normal à espécie; b) Antecedentes: a acusada não possui registros criminais com trânsito em julgado certificados nos autos; c) Conduta social: não há elementos que retratem a conduta social do acusado; d) Personalidade: não há elementos que retratem a personalidade da acusada; e) Motivos: os motivos do crime são inerentes ao tipo penal, visando a obtenção de lucro fácil; f) Circunstâncias: normais à espécie; g) Consequências: as consequências extrapenais não extrapolam o normal ao tipo penal, especialmente porque a substância entorpecente foi apreendida; h) Comportamento da vítima: irrelevante para a dosimetria, por se tratar de crime sem vítima direta. i) Quantidade e natureza da droga: a substância apreendida é entorpecente de uso proibido, contudo, sua natureza não justifica o aumento da pena-base, e a quantidade será analisada exclusivamente na terceira fase da dosimetria, conforme o critério sucessivo, evitando-se a dupla valoração desse fator. Assim, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis à acusada, fixo a pena-base no mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. 2ª Fase Não há circunstâncias agravantes a serem consideradas. Reconheço a confissão espontânea (art. 65, III, d, CP e Súmula 545, STJ), contudo deixo de aplicar a redução de pena, haja vista que “incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal” (Súmula 231, STJ). Assim, fixo a pena intermediária em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. 3ª fase Considerando as circunstâncias que potencializam o risco e a gravidade do tráfico transnacional, notadamente a proximidade da linha de fronteira onde se deu a abordagem, a rota típica de tráfico internacional utilizada (com exploração das vulnerabilidades regionais), a logística e grau de sofisticação da empreitada, aumento a pena em 1/5. Quanto ao tráfico privilegiado, avalio o grau de intensidade do auxílio prestado pelo acusado para o sucesso da operação de traficância. Nesse sentido, pondero elementos que demonstram o grau de reprovabilidade da conduta, como a quantidade expressiva da droga transportada, o deslocamento da acusada com a única finalidade de realizar transportar a droga, a escolha de rota sabidamente utilizada para o tráfico e a exploração de vulnerabilidades regionais. As provas dão conta de tratar-se de um tráfico eventual. Contudo, o grau de colaboração/ contribuição causal para a dinâmica do tráfico é total, pois, diferentemente de diversas "mulas" de fronteira em posição de maior vulnerabilidade, a acusada deslocou-se do litoral de São Paulo para esta área de fronteira. Assim, considerada a importância deste tipo de "braço operacional" para que tais atos de traficância se realizem e um enorme tempo e grau de contribuição causal por eles aportada, bem como a intenção deliberada de explorar as vulnerabilidades regionais da fronteira com o Paraguai, reduzo a pena em 1/2. Por todo exposto, fixo a pena definitiva em 3 anos de reclusão e 300 dias-multa. Quanto à sanção pecuniária, estabeleço o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime, diante da falta de elementos concretos que provem a situação econômica do acusada, bem como na presença de indicativos de sua hipossuficiência. DETRAÇÃO E REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO (art. 387, §2º, CPP c/c art. 42, CP) O regime inicial não se alteraria pelo espaço de tempo em que a acusada ficou presa cautelarmente. Assim, deixa-se de realizar a detração da pena neste momento, para fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena. Em consonância com o disposto no art. 33, §§ 2º e 3º c/c art. 59, todos do Código Penal, e considerando o entendimento jurisprudencial sedimentado nas Súmulas 718 e 719, ambos do STF, e a Súmula Vinculante n.º 59, a acusada deverá cumprir a pena, inicialmente, em regime aberto. SUBSTITUIÇÃO DA PENA E SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (arts. 44 e 77, CP) Por fim, ante as circunstâncias dos autos, reputo preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 44, CP, pelo que substituo a pena privativa de liberdade aplicada, fixando as penas restritivas que seguem: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo da Execução, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, ficando facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada; e, b) prestação pecuniária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), em favor de entidade a ser especificada pelo Juízo da Execução. Prejudicada a análise do cabimento do sursis (art. 77, caput do CP). III - DISPOSITIVO Ante o exposto, na forma da fundamentação, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia para CONDENAR a acusada RAFAELA ALVES DE OLIVEIRA pela prática do delito tipificado no artigo 33, caput, c/c §4º, e artigo 40, incisos I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 3 anos de reclusão e pagamento de 300 dias-multa, cada um desses arbitrados em 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime (devendo haver atualização do valor, quando da execução), em regime inicial aberto, convertida em 02 (duas) penas restritivas de direito, a saber: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo da Execução, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, ficando facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada; e, b) prestação pecuniária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), em favor de entidade a ser especificada pelo Juízo da Execução. IV - MEDIDAS CAUTELARES Considerando que a acusada respondeu ao processo em liberdade, que não houve fatos novos que justifiquem a decretação de sua prisão preventiva e que a pena imposta prevê regime inicial aberto, não há motivos para impor-lhe a medida cautelar mais grave neste momento processual. Portanto, concedo ao acusado o direito de recorrer desta sentença em liberdade, nos termos do artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal. De outro lado, é necessário observar que o presente caso apresenta elementos de práticas que se alinham à criminalidade de turismo ou criminalidade profissional. A criminalidade de turismo caracteriza-se pela mobilidade geográfica do agente, que se desloca de sua região de residência para áreas específicas, geralmente fronteiriças, visando à prática de crimes com objetivos econômicos, retornando em seguida ao local de origem. Essa conduta evidencia a premeditação e organização voltadas à exploração de vulnerabilidades regionais, como a fiscalização reduzida ou facilidades logísticas. Por sua vez, a criminalidade profissional é marcada pela habitualidade, reiteração e pela sistemática organização do agente, que faz do delito uma forma de obtenção de renda regular e meio de vida. No presente caso, a proibição de frequentar regiões de fronteira, notadamente Ponta Porã/MS, e de deixar o país, bem como a suspensão da autorização para dirigir, constituem medidas necessárias para interromper o acesso a locais que possibilitem ou fomentem esses crimes transfronteiriços, especialmente em razão da fragilidade do controle na faixa fronteiriça com o Paraguai. Tais restrições são indispensáveis para prevenir a reiteração criminosa e assegurar a ordem pública. Além disso, as medidas cautelares observam o princípio da homogeneidade, segundo o qual devem guardar proporcionalidade com a pena aplicável, tanto em natureza quanto em gravidade. Enquanto a pena permanece em abstrato, admitem-se cautelares também em abstrato; uma vez fixada a pena concreta, contudo, as cautelares devem se ajustar a ela, não podendo ser mais gravosas. No caso, as medidas são compatíveis com a pena em regime aberto, podendo inclusive ser aplicadas como condições de seu cumprimento (art. 115 da Lei n. 7.210/1984), de modo que respeitam os direitos do acusado, ao mesmo tempo em que protegem a comunidade local de Ponta Porã. Diante do exposto e da necessidade de se resguardar a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal, DECRETO as seguintes medidas cautelares diversas da prisão ao acusado NOMEACUSADO, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal, que deverão ser observadas até o trânsito em julgado da sentença: a) Proibição de frequentar regiões de fronteira com o Paraguai, em especial o município de Ponta Porã/MS, salvo mediante autorização judicial prévia; b) Proibição de sair do país, com registro das restrições nos sistemas de controle policial (INFOSEG, SIGO e outros), independentemente da existência, obtenção ou uso de passaporte. c) Suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Advirto o acusado de que o descumprimento de quaisquer dessas cautelares poderá ensejar a adoção de providências mais gravosas, inclusive a decretação de prisão preventiva (art. 282, §4º, CPP). Comunique-se à Polícia Federal, à Polícia Civil e à Polícia Rodoviária Federal e ao DETRAN do Estado-membro emissor de sua CNH para registro das restrições em seus sistemas. V - PROVIDÊNCIAS FINAIS Condeno a acusada ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804, do Código de Processo Penal. A droga apreendida já foi destinada (Num. 255344679 - Pág. 3). Autorizo a restituição do aparelho celular apreendido (Num. 264976823). A sentenciada terá 5 dias para manifestar seu interesse na devolução do bem. Inerte aquela, providencie-se a destruição do aparelho. Deixo de fixar valor mínimo de indenização, dada a ausência de pedido expresso (art. 387, CPP). Intimem-se a acusação e a defesa. A sentenciada será intimada, por sua defensora (TRF3, HC 5006561-90.2024.4.03.0000, 24/04/2024). Transitada em julgado a sentença condenatória (ou acórdão condenatório), expeça-se o necessário para providenciar o que segue, observada a utilização do sistema adequado para cada caso com a juntada do comprovante respectivo: a) o lançamento do nome do acusado no rol dos culpados, anotando-se a condenação também no sistema PJe; b) as anotações junto ao Instituto Nacional de Identificação (INI); c) a Guia de Execução de Pena, instruindo-a devidamente; d) a suspensão de direitos políticos, comunicando-se ao Tribunal Regional Eleitoral; e) a inabilitação para dirigir, comunicando-se ao DETRAN; f) os preparativos para execução de eventual pena de multa, comunicando-se o Juízo da Execução Penal responsável por isto; g) a destinação dos bens, na forma supra, alimentando-se o SNGB; h) fica decretado o perdimento de bens de terceiro de boa-fé não reivindicados - valores serão transferidos em favor da União (em casso de moeda estrangeira, deverá esta ser convertida em numerário nacional antes) e demais bens serão leiloados com destinação do valor obtidos também em favor da União; i) a cobrança das custas processuais (salvo em caso de suspensão da execução dessa verba); j) o arquivamento do feito, após ultimadas essas ordens e feita a juntada acerca da destinação final dos bens. Se for o caso, transitada em julgado a sentença absolutória (ou acórdão absolutório), expeça-se o necessário para providenciar o que segue, observada a utilização do sistema adequado para cada caso com a juntada do comprovante respectivo: a) anotação no sistema PJe; b) as anotações junto ao Instituto Nacional de Identificação (INI); c) comunicação ao eventual Juízo da Execução Penal (em caso de pessoa presa); d) a liberação dos bens, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato lícito, alimentando-se o SNGB; e) fica decretado o perdimento de bens de terceiro de boa-fé não reivindicados - valores serão transferidos em favor da União (em caso de moeda estrangeira, deverá esta ser convertida em numerário nacional antes) e demais bens serão leiloados com destinação do valor obtidos também em favor da União; f) o arquivamento do feito, após ultimadas essas ordens e feita a juntada acerca da destinação final dos bens. Ponta Porã-MS data e assinatura digitais. Rafael Figueiredo Braz Spirlandelli Juiz Federal Substituto
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