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Simone Regina De Souza Kapi…
OAB/SP 205.337
SIMONE REGINA DE SOUZA KAPITANGO A SAMBA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 305919473
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Barueri
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5000237-53.2025.4.03.6110
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JEAN MAURICIO MENEZES DE AGUIAR
OAB/SP XXXXXX
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2ª Vara Federal de Barueri Avenida Piracema, n. 1362, 2º andar, Tamboré, Barueri-SP, CEP: 06460-030 Fone: 11 4568-9000 - E-mail: baruer-se02-vara02@trf3.jus.br PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000237…
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Processo nº 5000969-05.2019.4.03.6123
ID: 259451839
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Bragança Paulista
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5000969-05.2019.4.03.6123
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCIO DE OLIVEIRA JACOB
OAB/SP XXXXXX
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HEITOR TEIXEIRA PENTEADO
OAB/SP XXXXXX
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WAGNER AZEVEDO DE OLIVEIRA
OAB/SP XXXXXX
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SANDRO AZEVEDO AMORIM DE OLIVEIRA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000969-05.2019.4.03.6123 / 1ª Vara Federal de Bragança Paulista AUTOR: MARCELO JOVINO DE SOUZA Advogados do(a) AUTOR: SANDRO AZEVEDO AMORIM DE OLIVEIRA - SP292137, WA…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000969-05.2019.4.03.6123 / 1ª Vara Federal de Bragança Paulista AUTOR: MARCELO JOVINO DE SOUZA Advogados do(a) AUTOR: SANDRO AZEVEDO AMORIM DE OLIVEIRA - SP292137, WAGNER AZEVEDO DE OLIVEIRA - SP261524 REU: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - JUCESP, SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO-SP Advogados do(a) REU: HEITOR TEIXEIRA PENTEADO - SP126537, MARCIO DE OLIVEIRA JACOB - SP430728 S E N T E N Ç A I – RELATÓRIO Demanda anulatória, com pedido de tutela provisória de urgência (CPC, art. 300), ajuizada por MARCELO JOVINO DE SOUZA contra SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – JUCESP e UNIÃO (Id. 17926719). Afirmou como fatos (CPC, art. 319, III, início): (i) “em 23/02/2003 por volta das 23 horas, estacionou seu veículo no interior da garagem do prédio onde residia a então namorada (...) na manhã seguinte percebeu que o automóvel estava com vidro da porta do motorista completamente danificado”; (ii) “constatou que alguns pertences haviam sido subtraídos, dentre eles: a) Cédula de identidade; b) CPF; c) Título de eleitor; c) Reservista; d) Documentos do veículo; e) Talão de cheques emitido pelo banco Bradesco, entre outros”; (iii) “se dirigiu à Delegacia de Polícia de São Caetano do Sul, para narrar o acontecido e lavrar o Boletim de Ocorrência sob o nº 1257/2003”; (iv) “em 18/03/2003, publicou o furto de seus documentos no Jornal “Diário do ABC”; (v) “no dia 22/05/2004 o autor fora surpreendido com uma cobrança da Cia. Brasileira de Distribuição - Grupo Pão de Açúcar, do município de Sorocaba/SP, informando que o cheque nº 850019, do banco 001 (Banco do Brasil), agência 0995 (cidade de Votorantim/SP), conta corrente 0100220590, no valor de R$ 293,48 (duzentos e noventa e três reais e quarenta e oito centavos), emitido em 10/05/2004, em seu nome, havia sido devolvido por falta de fundos”; (vi) “o autor se dirigiu novamente a Delegacia de Polícia de São Caetano do Sul, em 27/05/2004, onde prestou novas informações ao delegado de polícia, que resultou no Boletim de Ocorrência nº 3134/2004”; (vii) “viajou até a cidade de Votorantim onde procurou a gerência da agência 0995 do Banco do Brasil (...) a gerente afirmou que havia sido aberta uma conta corrente de pessoa física e outra conta corrente de pessoa jurídica. Informou também, que foi concedido empréstimos vinculados as referidas contas e que a pessoa havia apresentado declaração de Imposto de Renda Pessoa Física e Jurídica, razão pela qual foi permitida abertura das contas e a concessão de empréstimos”; (viii) “em 23/08/2004 seu nome se encontrava na lista do SERASA, onde constava diversos apontamentos do Banco do Brasil e um apontamento da antiga Telesp Celular”; (ix) “em 01/10/2004, propôs ação de reparação de danos morais e materiais contra o Banco do Brasil e Telesp Celular (...) processo nº 583.00.2006.139478-6 (...) o MM. Juiz daquela demanda deferiu liminarmente o pedido autoral determinando o cancelamento da ‘declaração de Imposto de Renda do ano de 2004, feita, indevidamente por terceiros, em nome do requerente Marcelo Jovino de Freitas, CPF/MF nº 212.444.668-60, RG.25.570.991-2’ (...) foi concedido também liminar para cancelamento dos apontamentos no SERASA e baixa dos protestos em nome do autor (...) a ação foi julgada procedente”; (x) “foi morar no estado de Minas Gerais (...) mudou com sua família para cidade de Jarinu, interior do estado de São Paulo (...) resolveu vender o lote na cidade mineira (...) ao encaminhar a documentação para o banco a fim de dar continuidade na obtenção dos valores, houve impedimento por parte da Caixa Econômica Federal por haver débito perante a secretaria da Receita Federal vinculado ao CPF do autor, inscrito na Dívida Ativa conforme CDA nº 80405040257-27, que atualizado até 18/12/2018 o valor importa em R$ 76.879,99, (...) tem como devedor principal a empresa “MARCIAL & SOUZA COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA ME”, CNPJ nº 04.962.616/0001-02, que foi, indevidamente por terceiros, registrada em nome do autor”; (xi) “conforme se verifica do contrato social anexo, a alteração promovida em 13/04/2004 ocorreu de forma fraudulenta, mediante a falsificação das assinaturas do autor” (destaquei). Deduziu como fundamentos jurídicos (CPC, art. 319, III, fim): (i) “o ato da alteração de composição de sociedade é absolutamente nulo de pleno direito, porque objetivou simuladamente fraudar os registros da JUCESP e assim a lei de registros, afrontando o interesse público”; (ii) “a falsidade da assinatura e a ausência do ato de vontade por parte do autor tornam o ATO NULO DE PLENO DIREITO, conforme elencado nos incisos IV e V do art. 166 do CC”. Formulou pedidos (CPC, art. 319, IV) de: (i) gratuidade da justiça (CPC, arts. 98-102); (ii) tutela provisória de urgência (CPC, arts. 300-302); (iii) procedência da demanda. Juntou documentos (CPC, arts. 320; 434). A ação foi inicialmente distribuída ao Juízo da Subseção Judiciária de Sorocaba, o qual declinou da competência, nos termos da decisão de Id. 17927201. Os autos foram redistribuídos ao juizado Especial Federal de Bragança Paulista/SP (Id. 17927526). Contestação das rés, Fazenda pública do Estado de São Paulo e JUCESP (CPC, art. 335) (Ids. 17927549 e 179281153), sustentando, preliminarmente: (i) incompetência do foro; (ii) ilegitimidade passiva; (iii) litisconsórcio passivo necessário, devendo integrar a lide todos os sócios envolvidos no negócio jurídico societário. No mérito, responderam que: (i) “a Junta Comercial não participa da elaboração do instrumento de Constituição ou Alteração Contratual na medida em que o sistema de Registro Empresarial se opera por arquivamentos de atos”; (ii) “se houve alguma prática fraudulenta para desvirtuar a manifestação livre e consciente da autora, a Junta Comercial não tem nenhuma participação na mesma”; (iii) “a Junta Comercial, atendendo ao prescrito na Lei nº 8.934/96 e Decreto nº 1.800/96, está obrigada a analisar os documentos somente no seu aspecto formal”; (iv) “a Junta Comercial não recebe um "ato" para arquivamento e registro, desprovido de documentos de identificação, na medida em que é necessário conferir todos os dados do empresário, como número de identificação pessoal, e o cadastro de pessoas físicas, além da maioridade civil (menores púberes necessitam de ser assistidos e impúberes são representados), além do nome empresarial, que depende totalmente do nome civil do empresário quando se utiliza o tipo jurídico ‘firma’. Isso, contudo, não exclui a possibilidade de fraude, que pode decorrer inclusive de compra de documentos, o que afasta a possibilidade de identificação do delito, por mera análise formal”; (v) “não se pode falar em omissão dos servidores da JUCESP, assim como não se pode falar em nulidade do arquivamento e registro da empresa mencionada. O que se pode dizer é que há uma nulidade no instrumento de alteração e não no registro em si”. Requereu a improcedência da ação. As rés requereram a juntada de ficha cadastral da sociedade “Marçal & Souza Comércio e Serviços Ltda. ME”, e alteração contratual registrada sob o nº 155.810/04-2 que trata da dissolução da sociedade (Id. 17928191). Decisão interlocutória (CPC, art. 203, § 2º): (i) declarou a incompetência do Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2001, art. 3º); (ii) determinou a remessa a este Juízo (Id. 17928358). Decisão interlocutória (CPC, art. 203, § 2º) (i) indeferiu a tutela provisória de urgência (Id. 18037653). Decisão interlocutória (CPC, art. 203, § 2º) (i) deferiu ao autor a gratuidade da justiça (CPC, arts. 98-102); e (ii) determinou esclarecimentos sobre possível prevenção com os autos de nº 0027631-88.2004.4.03.6100 (Id. 18622378). Manifestação do autor (Id. 18289798). Indeferido o pedido de tutela antecipada recursal no agravo de instrumento interposto pelo autor (Id. 19128560). Contestação da União (CPC, art. 335) (Id. 20986228), sustentando: “na ausência de comprovação da fraude mediante decisão judicial e cancelamento do ato de registro da pessoa jurídica, não há que se falar em suspensão ou cancelamento das restrições no CPF do Autor perante a Dívida Ativa da União, porque permanece hígida, sob pálio da presunção de certeza e liquidez (art. 3º da Lei 6830/80), a inscrição em dívida ativa supramencionada, da qual Autor é responsável em conjunto com a pessoa jurídica em que figura como sócio”. Requereu a improcedência da ação. A União requereu o julgamento antecipado da lide (Id. 24194455). O autor apresentou réplica (Id. 24260641) e requereu a produção de prova pericial grafotécnica (Id. 24262583). Agravo de instrumento, interposto pelo autor, não provido (CPC, art. 1.015, I) (Id. 27963305). A União não se opôs à realização da prova pericial requerida (Id. 53875146). Deferida a realização da perícia grafotécnica (Id. 111545000). Quesitos apresentados pelo autor (Id. 135037064). Laudo pericial grafotécnico juntado no Id. 300431922. Manifestação das partes acerca do laudo pericial (Ids. 300499209, 304929851, 304942664, 304944301, 305287520). É o relatório. II – FUNDAMENTOS Preliminarmente, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela JUCESP, uma vez que é responsável pela verificação da regularidade dos documentos a ela apresentados para arquivamento e registro. Rejeita-se a preliminar de necessidade de integração ao polo passivo de todos os envolvidos no negócio jurídico societário, uma vez que a lide diz respeito ao arquivamento de alterações contratuais submetidas à JUCESP sem a observância das normas que disciplinam o registro de contratos ou alterações. Rejeita-se a preliminar de incompetência de foro. Figurando a União no polo passivo do feito, é possível o ajuizamento da ação no foro do domicílio do autor, nos termos do CPC, art. 51, parágrafo único e CR, art. 109, § 2º. Na hipótese dos autos, o autor tem domicílio em Jarinu/SP, que se encontra sob a jurisdição desta Subseção Judiciária de Bragança Paulista/SP. Por outro lado, acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, tendo em vista que não é responsável pela anulação do ato impugnado, o que compete à JUCESP. No mérito, é caso de procedência da ação. Pleiteia o autor seja determinado o imediato cancelamento ou suspensão da alteração cadastral promovida em 13/04/2004, cessando todos os seus efeitos desde a data em que foi incluído no quadro societário da empresa Marcial & Souza Comércio e Serviços Ltda. ME. Relata que teve seus documentos furtados em 23/02/2003 e, a partir de então, foram realizados diversos negócios jurídicos utilizando-se indevidamente o nome do autor como responsável legal da empresa Marcial & Souza Comércio e Serviços Ltda. ME, dos quais decorreram débitos que ocasionaram a inscrição de seu nome no SERASA e débito inscrito em dívida ativa vinculado ao seu CPF. Alega que a alteração contratual ocorreu fraudulentamente. Analisando os documentos anexados aos autos e aqueles fornecidos para a realização dos trabalhos, o perito nomeado pelo Juízo concluiu que (Id. 300431922): “Após confrontar os grafismos padrões com os grafismos motivo da demanda, utilizando software de ampliação de imagens, equipamento óptico apropriado, imagens digitais e fotográficas que ilustram o presente Laudo Grafotécnico, com os resultados alcançados ao final dos exames, a signatária é levada a CONCLUIR que é FALSA a assinatura atribuída ao punho escritor do senhor MARCELO JOVINO DE SOUZA acostados às fls. 13/14 (id. 17928352) e fls. 43/45 (id. 17926728)”. Embora a JUCESP sustente que “está obrigada a analisar os documentos somente no seu aspecto formal”, a respeito da apresentação de atos e arquivamento, dispõe a Lei nº 8.934/1994: “Art. 37. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento: I - o instrumento original de constituição, modificação ou extinção de empresas mercantis, assinado pelo titular, pelos administradores, sócios ou seus procuradores; II - a certidão criminal do registro de feitos ajuizados, comprobatória de que inexiste impedimento legal à participação de pessoa física em empresa mercantil, como titular ou administradora, por não estar incurso nas penas dos crimes previstos no art. 11, inciso II, desta lei; II - declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal; (Redação dada pela Lei nº 10.194, de 14.2.2001) (Vide Lei nº 9.841, de 1999) III - a ficha cadastral segundo modelo aprovado pelo DNRC; III - a ficha cadastral de acordo com o modelo aprovado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração; (Redação dada pela Medida Provisória nº 861, de 2018) III - a ficha cadastral de acordo com o modelo aprovado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração; (Redação dada pela Lei nº 13.833,de 2019) (Revogado dada pela Medida Provisória nº 1.040, de 2021) III - a ficha cadastral padronizada, que deverá seguir o modelo aprovado pelo Drei, a qual incluirá, no mínimo, as informações sobre os seus titulares e administradores, bem como sobre a forma de representação da empresa mercantil; (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021) IV - os comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes; V - a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil. (...) Art. 40. Todo ato, documento ou instrumento apresentado a arquivamento será objeto de exame do cumprimento das formalidades legais pela junta comercial. § 1º Verificada a existência de vício insanável, o requerimento será indeferido; quando for sanável, o processo será colocado em exigência. (Destaquei) Ainda, a perícia grafotécnica apurou que “após criteriosa análise, entende-se que a assinatura aposta na Peça Questionada, trata-se de FALSIFICAÇÃO SEM IMITAÇÃO, ou seja, consiste no simples ato de assinar em nome de outra pessoa, sem que ao menos se tente imitar a morfologia de sua firma. Situações dessa natureza ocorrem quando o falsário não conhece a assinatura de sua vítima - muitas vezes nem conhece a pessoa, apenas seu nome”. Portanto, embora a JUCESP tenha sustentado, na contestação, que “não recebe um ‘ato’ para arquivamento e registro, desprovido de documentos de identificação, na medida em que é necessário conferir todos os dados do empresário, como número de identificação pessoal, e o cadastro de pessoas físicas, além da maioridade civil (menores púberes necessitam de ser assistidos e impúberes são representados)”, observa-se que não agiu com a devida cautela, confrontando a assinatura aposta no instrumento de alteração contratual com o documento de identificação apresentado por suposto sócio da empresa. Assim, constata-se que as alegações do autor restaram demonstradas pelo laudo pericial, que comprovou a ocorrência de fraude na alteração contratual registrada na JUCESP em 13/04/2004, que incluiu indevidamente o autor no quadro societário da empresa denominada MARCIAL & SOUZA COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA ME (Id. 17926728 – pp. 43/45). Destarte, reconhecida a fraude, deve também ser reconhecida a ausência de responsabilidade tributária do autor no que se refere ao débito inscrito em dívida ativa da União sob o nº 80.4.05.04257-27, vinculado ao seu CPF. Nessa linha, a demanda é procedente. III – DISPOSITIVO Ante o exposto: 1. Em relação à FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, EXTINGUE-SE O FEITO, sem resolução do mérito, nos termos do CPC, art. 485, VI. 1. Resolvendo-se o mérito do processo, ACOLHEM-SE os pedidos formulados na ação (CPC, art. 487, I), para determinar: i) à Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP que proceda ao cancelamento da alteração contratual promovida em 13/04/2004, com efeitos desde o seu registro, desvinculando-se o CPF do autor da sociedade denominada Marcial & Souza Comércio e Serviços Ltda. ME, CNPJ nº 04.962.616/0001-02; ii) à UNIÃO que proceda ao cancelamento de eventuais pendências vinculadas ao CPF do autor, relativas à empresa Marcial & Souza Comércio e Serviços Ltda. ME, CNPJ nº 04.962.616/0001-02. 2. Condenam-se os réus a pagarem ao autor (CPC, art. 85, §§ 6º e 2º): (i) honorários advocatícios de 10% (dez por cento) (CPC, art. 85, § 3º, I) sobre o valor da causa (CPC, art. 85, § 2º); e (ii) eventuais despesas processuais antecipadas (CPC, art. 82, § 2º). 3. 2. Suspensa a exigibilidade por ter-lhe sido reconhecido o direito à gratuidade da justiça (CPC, art. 98, § 3º), condena-se o autor a pagar à corré Fazenda Pública do Estado de São Paulo (CPC, art. 85, §§ 6º e 2º) honorários advocatícios de 10% (dez por cento) (CPC, art. 85, § 3º, I) sobre o valor da causa (CPC, art. 85, § 2º). 4. DEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência para determinar a suspensão dos efeitos da alteração contratual realizada em 13/04/2004; bem como das pendências vinculadas ao CPF do autor referentes à empresa Marcial & Souza Comércio e Serviços Ltda. ME. Publique-se, registre-se, intimem-se e cumpra-se. Bragança Paulista, data e assinatura conforme certificação eletrônica.
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Processo nº 5000436-50.2021.4.03.6002
ID: 262977720
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5000436-50.2021.4.03.6002
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLA CRISTINA CARVALHO DA SILVA
OAB/MS XXXXXX
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BRUNA BACK GARCIA
OAB/MS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000436-50.2021.4.03.6002 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: RAFAEL DA SILVA CABRERA Advoga…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000436-50.2021.4.03.6002 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: RAFAEL DA SILVA CABRERA Advogados do(a) APELANTE: BRUNA BACK GARCIA - MS25346-A, CARLA CRISTINA CARVALHO DA SILVA - MS24923 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000436-50.2021.4.03.6002 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: RAFAEL DA SILVA CABRERA Advogados do(a) APELANTE: BRUNA BACK GARCIA - MS25346-A, CARLA CRISTINA CARVALHO DA SILVA - MS24923 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por RAFAEL DA SILVA CABRERA em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Dourados (MS) que o absolveu da imputação de prática do crime previsto no art. 334 do Código Penal (princípio da consunção) e o condenou à pena de 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 334-A do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade pelo tempo da pena, e (ii) prestação pecuniária, no valor de 2 (dois) salários mínimos, destinados a entidade pública. O Ministério Público Federal (MPF) deixou de propor acordo de não persecução penal (ANPP) em razão da vedação contida no art. 28-A, § 2º, II, do Código de Processo Penal (ID 310812157, p. 4), não tendo havido manifestação da defesa sobre isso ao apresentar resposta à acusação (ID 310812170). A denúncia (ID 310812157, pp. 1/3), recebida em 29.11.2021 (ID 310812161), narra: No dia 10 de junho de 2020, por volta das 11h40, no Município de Maracaju/MS, mais precisamente na rodovia BR 164, km 21, RAFAEL DA SILVA CABRERA, de maneira consciente e voluntária, transportou, após importar, do Paraguai para o Brasil, 1.500 (mil e quinhentos) maços de cigarro da marca " Fox", de origem estrangeira e de importação proibida por não ter o exigido registro no órgão competente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (arts. 3º e 4º, ambos da Resolução RDC nº 90 de 27 de dezembro de 2007), assim como diversas outras mercadorias estrangeiras (eletrônicos, pneus, entre outros). Nas circunstâncias acima descritas, equipe de policiais militares abordou o veículo VW/Voyage, preto, de placas HTF-8656, conduzido pelo ora denunciado, no interior do qual localizaram as respectivas mercadorias (grande quantidade de cigarros, bem como outros produtos, todos estrangeiros). A relação de mercadoria apreendida totalizou a quantia de R$ 51.264,77 (cinquenta e um mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e sete centavos), valor exorbitante, que notoriamente caracteriza prejuízo considerável ao fisco, dada a proporção de imposto iludido, alcançando o montante de R$ 25.632,38 (vinte e cinco mil, seiscentos e trinta e dois reais e trinta e oito centavos), quando considerados o Imposto de Importação (I.I) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (I.P.I). A prova da materialidade e os indícios de autoria estão demonstrados pela Representação Fiscal Para Fins Penais (Documento 1), Termo de Guarda (Documento 1, Página 7), Boletim de ocorrência (Documento 1, 8-9) e Auto de Infração e Apreensão de Mercadoria (Documento 1, Página 14-15), sem prejuízo dos demais elementos de prova que vierem a ser juntados aos autos. II Assim agindo, RAFAEL DA SILVA CABRERA praticou os crimes previsto no art. 334 do Código Penal e art. 334-A, caput, e §1º, I, do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei 399/68. A sentença foi publicada em 30.7.2024 (ID 310812200). Em suas razões recursais (ID 312380272), a defesa pede: i) a absolvição do apelante por insuficiência de provas da existência do crime a ele imputado; ii) a aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista a quantidade inexpressiva de cigarros; iii) a fixação da pena-base no mínimo legal; iv) o afastamento da agravante do art. 62, IV, do Código Penal e o reconhecimento da atenuante da confissão. As contrarrazões e o parecer da Procuradoria Regional da República foram apresentados em peça única, na qual opinou pelo desprovimento da apelação (ID 314307378 e 315374092). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000436-50.2021.4.03.6002 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: RAFAEL DA SILVA CABRERA Advogados do(a) APELANTE: BRUNA BACK GARCIA - MS25346-A, CARLA CRISTINA CARVALHO DA SILVA - MS24923 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por RAFAEL DA SILVA CABRERA em face da sentença que o condenou pela prática do crime de contrabando. Mérito da imputação A materialidade, a autoria e o dolo foram devidamente comprovados pela representação fiscal para fins penais, pelo termo de guarda, pelo boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Militar, pela relação de mercadorias, pelo auto de infração e apreensão e de mercadorias (ID 310812159, pp. 6/16) e pela prova produzida em contraditório judicial, além de estar corroborada pela confissão do acusado. A defesa pede a absolvição do apelante, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal (CPP), sob a alegação de que a testemunha da acusação, na audiência de instrução, não soube explicar com exatidão os fatos e não conseguiu identificar quem era o acusado, de modo que os elementos informativos do inquérito policial não são suficientes para a condenação (CPP, art. 155). Sem razão. A despeito de a testemunha Manoel Carlos de Queiroz Ramos, policial militar que participou da apreensão dos cigarros, ter declarado em seu depoimento não se recordar dos fatos e do apelante, confirmou o histórico da ocorrência nº 132/2020, narrado no momento da apreensão (ID 310812159, pp. 9/10). Logo, não se pode falar em condenação com base apenas nos elementos informativos do inquérito policial. Cabe à acusação apresentar provas da materialidade, da autoria e do elemento subjetivo do tipo penal, relativamente às imputações feitas, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Contudo, deflui do mesmo texto que incumbe à defesa, ao apresentar versão distinta dos fatos ou alegação de excludentes, fazer prova ou, ao menos, trazer elementos que levantem dúvida razoável acerca do quanto sustentado pela acusação. Trata-se de uma "via de mão dupla", em que o ônus probatório cabe à parte que alega. No caso, a defesa não trouxe aos autos nenhum elemento probatório que pudesse colocar em dúvida a narrativa feita pela acusação. Além do mais, em seu interrogatório em juízo, o apelante confessou a autoria delitiva, tendo admitido que fora contratado para transportar os cigarros do Paraguai até Campo Grande (MS). Princípio da insignificância A defesa pede a absolvição do acusado pela aplicação do princípio da insignificância. Sem razão, contudo. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1.971.993/SP, representativo de controvérsia (Tema nº 1.143), alterou sua jurisprudência e fixou a seguinte tese: O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação. A ementa do acórdão tem a seguinte redação: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONTRABANDO DE CIGARROS. SAÚDE PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE RESTRITA (APREENSÃO DE ATÉ 1.000 MAÇOS), SALVO REITERAÇÃO. DIMINUTA REPROVABILIDADE DA CONDUTA E NECESSIDADE DE SE CONFERIR PRIMAZIA À REPRESSÃO AO CONTRABANDO DE VULTO. MODULAÇÃO DE EFEITOS. NOVEL ORIENTAÇÃO APLICÁVEL AOS FEITOS AINDA EM CURSO QUANDO DO ENCERRAMENTO DO JULGAMENTO. 1. O crime de contrabando de cigarros tutela, entre outros bens jurídicos, a saúde pública, circunstância apta a não recomendar a aplicação do princípio da insignificância. 2. Obstar a aplicação do princípio da insignificância para todos os casos, notadamente para aqueles em que verificada a apreensão de quantidade de até 1.000 (mil) maços, é uma medida ineficaz à luz dos dados estatísticos apresentados, além do que não é razoável do ponto de vista de política criminal e de gestão de recursos dos entes estatais encarregados da persecução penal, razão pela qual se revela adequado admitir a incidência do princípio em comento para essa hipótese - apreensão de até 1.000 (mil) maços -, salvo reiteração da conduta, circunstância que, caso verificada, é apta a afastar a atipicidade material, ante a maior reprovabilidade da conduta e periculosidade social da ação. 3. Modulado os efeitos do julgado, de modo que a tese deve ser aplicada apenas aos feitos ainda em curso na data em que encerrado o julgamento, sendo inaplicáveis aos processos com trânsito em julgado, notadamente considerando os fundamentos que justificaram a alteração jurisprudencial no caso e a impossibilidade de rescisão de coisa julgada calcada em mera modificação de orientação jurisprudencial. 4. Recurso especial desprovido. Acolhida a seguinte tese: O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação. (REsp nº 1.971.993/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Rel. p/acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, j. 13.9.2023, DJe 19.9.2023) No caso, porém, o apelante não cumpre os requisitos para a aplicação da insignificância, pois foram apreendidos 1.500 (mil e quinhentos) maços de cigarros de importação proibida. Portanto, não é aplicável ao caso o princípio da insignificância. Em razão disso, mantenho a condenação de RAFAEL DA SILVA CABRERA pela prática do crime previsto no art. 334-A do Código Penal, nos termos da denúncia. Dosimetria da pena Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, acima do mínimo legal, valorando negativamente a culpabilidade do réu. Em seu recurso, a defesa pede a redução da pena-base ao mínimo legal, argumentando que o réu é confesso, primário, ostenta bons antecedentes e que não está provado o suposto envolvimento do réu com organização criminosa. Pois bem. O juízo a quo assim fundamentou a valoração negativa da culpabilidade do acusado: “Verifica-se que a culpabilidade é intensa, eis que concorreu de modo consciente para Organização Criminosa. O próprio réu reconheceu, em interrogatório, que não era o proprietário da carga e nem do veículo. Ou seja, evidentemente não atuou de forma isolada, em aventura delitiva dissociada de um aparato criminoso. Neste ponto, ante o alto grau de reprovabilidade da conduta do agente, mister a exasperação da pena. Destaque-se que, ainda que não haja prova bastante de que membro ou integrante de organização criminosa isso não o impediu de ter praticado o crime se utilizando dessa estrutura, concorrendo para o agigantamento da organização, merecendo reprimenda maior do que aquele que pratica conduta isolada.”. Do exame dos autos, verifico que não se justifica a exasperação da pena-base com base em mera probabilidade de integração em organização criminosa voltada à prática de crimes de contrabando, valendo ressaltar que não há provas nos autos acerca da existência dessa suposta organização. Além disso, o fato de ter o réu admitido que não era o proprietário da carga e do veículo transportador, tendo sido contratado por terceiros (“pessoal do camelô”, segundo suas declarações), constitui circunstância agravante a ser valorada na segunda fase da dosimetria. Assim, provejo o recurso da defesa nesse ponto e reduzo a pena-base para o mínimo legal, isto é, 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase, o juízo reconheceu as circunstâncias agravante do art. 62, IV, do Código Penal (cometimento do crime mediante paga ou promessa de recompensa) e atenuante do art. 65, III, "d" (confissão espontânea), compensando-as, o que confirmo. A defesa pede seja afastada a circunstância agravante, ao argumento de que a promessa de paga ou recompensa não ficou devidamente comprovada. Sem razão, pois o próprio réu admitiu ter sido contratado para fazer o “frete”, de modo que deve incidir a agravante. Registro que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é tranquila no sentido de que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho, sendo admitida essa agravante em casos como o dos autos. A título exemplificativo: AgInt no REsp 1.457.834/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.2016, DJe 25.05.2016; e REsp 1.317.004/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 23.09.2014, DJe 09.10.2014. Por isso, confirmo essa circunstância agravante. Na terceira fase, não há causas de aumento ou de diminuição a aplicar, razão pela qual torno definitiva a pena de 2 (dois) anos de reclusão. Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "c"), assim como a substituição dessa pena por duas penas restritivas de direitos (CP, art. 44, I), nos termos fixados na sentença. Conclusão Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para reduzir a pena-base ao mínimo legal, ficando a pena definitiva estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos da fundamentação supra. É o voto. Autos: APELAÇÃO CRIMINAL - 5000436-50.2021.4.03.6002 Requerente: RAFAEL DA SILVA CABRERA Requerido: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL EMENTA DIREITO PENAL. CRIME DE CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. QUANTIDADE SUPERIOR AO LIMITE FIXADO PELO STJ. DOSIMETRIA DA PENA. READEQUAÇÃO DA PENA-BASE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. I. Caso em exame 1. Apelação interposta pelo réu em face da sentença que o condenou pela prática do crime de contrabando. 2. A sentença fixou a pena-base acima do mínimo legal, valorando negativamente a culpabilidade do réu. II. Questão em discussão 3. Há três questões em discussão: (i) saber se há possibilidade de absolvição ante a fragilidade do depoimento testemunhal e da prova indiciária; (ii) saber se é aplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando, considerando a quantidade de cigarros apreendidos; (iii) saber se é possível reduzir a pena-base fixada pelo juízo de origem, afastando-se a valoração negativa de circunstância judicial. III. Razões de decidir 4. A materialidade, a autoria e o dolo foram devidamente comprovados pela representação fiscal para fins penais, boletim de ocorrência e demais provas produzidas em contraditório judicial. Logo, não se pode falar em condenação com base apenas nos elementos informativos do inquérito policial. 5. O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 maços, conforme decidido no Tema 1.143 do STJ. No caso concreto, a quantidade apreendida supera tal limite, afastando-se a tese de atipicidade material. 6. A fixação da pena-base acima do mínimo legal, com fundamento na suposta vinculação do réu a organização criminosa, carece de suporte probatório adequado. Assim, a pena-base é reduzida para o mínimo legal. 7. A agravante relacionada ao cometimento do crime mediante paga ou promessa de recompensa (art. 62, IV, do CP) é cabível, conforme jurisprudência consolidada do STJ. IV. Dispositivo e tese 8. Apelação parcialmente provida. Tese de julgamento: "1. O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de contrabando quando a quantidade apreendida ultrapassa 1.000 maços de cigarros. 2. A fixação da pena-base acima do mínimo legal deve ser devidamente fundamentada e não pode se basear na presunção de vinculação do réu a organização criminosa sem suporte probatório concreto." _________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 62, IV, 33, § 2º, "c", e 44, I; CPP, art. 386, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.971.993/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 13.9.2023, DJe 19.9.2023; STJ, AgInt no REsp 1.457.834/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.2016, DJe 25.05.2016; STJ, REsp 1.317.004/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 23.09.2014, DJe 09.10.2014. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para reduzir a pena-base ao mínimo legal, ficando a pena definitiva estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. NINO TOLDO Desembargador Federal
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Processo nº 5012055-96.2025.4.03.0000
ID: 278316188
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5012055-96.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GALIVALDO ROGERIO LERO DE OLIVEIRA
OAB/MS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5012055-96.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI PACIENTE: MARCUS RENATO ZAMARR…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5012055-96.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI PACIENTE: MARCUS RENATO ZAMARRENHO IMPETRANTE: GALIVALDO ROGERIO LERO DE OLIVEIRA Advogado do(a) PACIENTE: GALIVALDO ROGERIO LERO DE OLIVEIRA - MS19439-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE JALES/SP - 1ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP D E C I S Ã O Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Galivaldo Rogério Lero de Oliveira em favor do paciente MARCUS RENATO ZAMARRENHO, contra ato do Juízo da 1ª Vara Federal de Jales/SP, proferido nos autos nº 5000774-12.2022.4.03.6124. Narra o impetrante que o paciente foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, incisos II e IV, por quatro vezes, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, por, supostamente, importar clandestinamente mercadoria cuja importação é proibida pela ANVISA, e vender e fornecer, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria proibida pela lei brasileira, consistente em cigarros eletrônicos. Assevera que, após o oferecimento da denúncia, a defesa apresentou resposta à acusação, oportunidade em que foi suscitada a preliminar de ausência de oferecimento de proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), embasando-se nos seguintes fundamentos, in verbis: “a) O paciente preenche cumulativamente todos os requisitos legais; b) O órgão acusador não apresentou proposta, tampouco fundamentou adequadamente a recusa; e c) A denúncia foi oferecida sem o devido controle de legalidade da recusa, sendo esta condição de procedibilidade.” Segundo o impetrante, mesmo diante da presença dos requisitos legais para a formalização do acordo e da ausência de fundamentação idônea para a recusa do Ministério Público Federal, o pleito foi indevidamente rejeitado pelo Juízo impetrado. Em nova manifestação do Parquet quanto à possibilidade de celebração do ANPP, o órgão acusatório reiterou não se tratar de hipótese de oferecimento da proposta, e consignou que não se opunha à remessa ao órgão superior do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 28-A, §14, do Código de Processo Penal. Contudo, até o presente momento, o feito segue tramitando normalmente, sem que tenha sido realizada a remessa do caso ao Procurador-Chefe. O presente writ visa, nas palavras do impetrante, “garantir ao Paciente o direito subjetivo à avaliação fundamentada da possibilidade de celebração do ANPP, em conformidade com o artigo 28-A, do CPP e a jurisprudência dominante do STF e STJ”. Nesse sentido, argumenta que estão presentes os requisitos para a celebração do acordo, haja vista se tratar de denunciado primário, de bons antecedentes e não ter sido o crime praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, consistindo em crime com pena mínima inferior a quatro anos. Afirma que os Tribunais Superiores já se manifestaram no sentido de que o ANPP pode ser requerido até mesmo após o oferecimento da denúncia, desde que ainda não haja sentença condenatória definitiva. Sustenta, assim, que a ausência de proposta pelo órgão ministerial sem justificativa idônea configura manifesta coação ilegal ao direito de liberdade do paciente, e que a discordância da defesa quanto à não propositura exige a remessa obrigatória do caso ao órgão superior do Ministério Público Federal. Com esteio nesses argumentos, requer o deferimento do pleito liminar para remeter os autos ao órgão superior do MPF, nos termos do artigo 28-A, §14, do Código de Processo Penal, bem como para suspender o curso da ação penal até a manifestação da instância revisora e julgamento final deste habeas corpus. No mérito, pugna pela concessão definitiva da ordem, a fim de se “reconhecer que a decisão interlocutória merece reparos para o fim de OFERECER ao Paciente o ANPP”. É o relatório. DECIDO. Extrai-se da prova pré-constituída que MARCUS RENATO ZAMARRENHO, paciente neste habeas corpus, foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no artigo no artigo 334-A, §1º, incisos II e IV, por quatro vezes, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. Em sua cota, o Ministério Público Federal consignou (ID 324845313 – Pág. 217): Segue denúncia em desfavor de MARCUS RENATO ZAMARRENHO, pela prática do delito descrito no art. 334-A, §1º, inciso II e IV, do Código Penal. Deixo de oferecer acordo de não persecução penal (ANPP) ao denunciado, pois não estão preenchidos os pressupostos subjetivos necessários a demonstrar a suficiência da medida para reprovação e prevenção do crime, tendo em vista os elementos que comprovam a habitualidade do denunciado nessa espécie de crime. A denúncia foi recebida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Jales/SP por meio da decisão de ID 324845313 – Pág. 226/228, que não se pronunciou a respeito do ANPP. Em resposta à acusação (ID 324845313 – Pág. 239/261), a defesa do ora paciente apresentou preliminar em que impugna a recusa do Ministério Público Federal no oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal e requer o “reconhecimento da nulidade parcial da denúncia por ausência de fundamentação válida da recusa do ANPP, bem como seja submetida a negativa do Parquet ao controle do Juízo, com eventual remessa ao Procurador-Chefe, nos termos do artigo 28-A, §14, do CPP; e alternativamente, que seja concedido prazo para manifestação expressa da defesa sobre eventual proposta a ser formulada”. Alega, ainda, inépcia da denúncia e ausência de justa causa, e pugna pela absolvição sumária, com fulcro no artigo 397, incisos III ou IV, do Código de Processo Penal. Após apreciar a peça defensiva, o Juízo impetrado proferiu a seguinte decisão (ID 324845313 – Pág. 267/270): O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra MARCUS RENATO ZAMARRENHO, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, incisos II e IV, do Código Penal (ID 357829704). Segundo a denúncia, o réu, no dia 01.05.2022, da cidade de Santa Fé do Sul, na Avenida Navarro de Andrade, 2431, por volta das 16h00, até a cidade de Jales/SP, defronte ao Posto da Polícia Militar Rodoviária em Jales/SP, Rodovia SP-320, importou clandestinamente mercadoria cuja importação é proibida pela ANVISA, e vendeu e forneceu, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria proibida pela lei brasileira (FATO 1). Extrai-se da denúncia que no interior do veículo conduzido por VITOR BIANCHI DOS SANTOS, GM/Astra, placas EIU-8C47, foi encontrada uma caixa contendo 90 (noventa) pacotes de cigarros eletrônicos, sendo que cada pacote possuía 10 (dez) cigarros, totalizando 900 (novecentos) cigarros eletrônicos apreendidos – Auto de Apresentação e Apreensão, p. 2/3 do ID 252637526. Interrogado pela autoridade policial, VITOR afirmou que pegou a referida caixa com RENATO ZAMARRENHO, no posto de gasolina em Santa Fé do Sul/SP, cujo destino seria São José do Rio Preto e desconhecia a natureza da mercadoria, o que restou confirmado pelas imagens da câmera de segurança fornecidas pelo Supermercado anexo ao posto de gasolina, restando comprovada a conduta do réu. Ademais, após o deferimento de mandado de busca e apreensão e quebra de sigilo de dados, (p. 14 e ss. do ID 303793210 – autos 5001452-27.2022.403.6124) verificou-se das conversas empreendidas pelo denunciado que se trata de pessoa que fez dessa espécie de crime seu meio de vida, pois comercializa enormes quantidade e valores de produtos oriundos do Paraguai. Com o prosseguimento das investigações, apurou-se, ainda, que o réu: “(...) Fato 02 - Em 26/01/2023 o denunciado MARCUS RENATO ZAMARRENHO em concurso com pessoa nominada de ALI HASSIB participa da comercialização e transporte de ao menos 03 caixas de cigarros eletrônicos, totalizando mais de 1.000 unidades, conforme imagem de ID 303793210, p. 41 (prova da materialidade e autoria 303793210 - p. 40, 41 e 42) Fato 03 - Em 20/02/2023 o denunciado MARCUS RENATO ZAMARRENHO despacha em favor de Douglas Giacometi Junior duas Caixas de cigarros eletrônicos contendo 4.000 unidades da Marca VAPESUL (prova da materialidade e autoria 303793210 - p. 25 e seguintes). Fato 04 - Em 24/02/2023 o denunciado MARCUS RENATO ZAMARRENHO em concurso com pessoa nominada de ALI HASSIB participa da comercialização e transporte de 3000 (três mil) unidades de cigarro eletrônico da marca VAPESOUL, no valor total de U$ 9.480,00 (prova da materialidade e autoria 303793210 - p. 37 e seguintes) (...)”. Constou na cota da denúncia que o MPF deixou de oferecer proposta de ANPP ao réu por não estar preenchido os pressupostos subjetivos, tendo em vista que os elementos comprovam a habitualidade nessa espécie de crime. A denúncia, que arrolou duas testemunhas, foi recebida em 26/03/2025 (ID 358427038). Citado, o réu apresentou resposta à acusação, por meio de advogado constituído (ID 359993695), requerendo, preliminarmente: i) a concessão dos benefícios da justiça gratuita; ii) a concessão do acordo de não persecução penal, arguindo que na denúncia há descrição de um fato único em continuidade delitiva e não habitualidade, impugnando a manifestação do MPF na cota da denúncia; e iii) inépcia da denúncia, aduzindo que a denúncia carece da individualização concreta da conduta do acusado nos Fatos 02, 03 e 04. Por fim, requereu a absolvição, por ausência de prova da materialidade e da existência de crime. Arrolou 5 testemunhas. É o relatório. Decido. Inicialmente, quanto à concessão dos benefícios da justiça gratuita, o acusado não juntou aos autos declaração de hipossuficiência, tampouco demonstrou a situação de hipossuficiência econômica. Assim, intime-se a defesa do acusado para que, no prazo de 15 (quinze) dias, junte aos autos cópia dos últimos três holerites ou cópia integral de sua última declaração de Imposto de Renda. Ademais, o artigo 397 do Código de Processo Penal autoriza a absolvição nesta fase do processo apenas se a prova indiciária for suficiente para demonstrar que há manifesta (i) causa excludente da ilicitude do fato ou (ii) da culpabilidade do agente; que (iii) o fato narrado não constitui crime ou que (iv) já está extinta a punibilidade do agente. No caso, a tese de inépcia da petição inicial não se sustenta. A denúncia atende os requisitos do art. 41 do CPP, com descrição adequada dos fatos delituosos. Com efeito, na Informação de Polícia Judiciária nº 1320719/2023, juntada no IPL nº2022.0028140-DPF/JLS/SP (ID 303793210) consta que, na análise das conversas entre os investigados, apurou-se a participação de MARCUS RENATO ZAMARRENHO nos fatos 2, 3 e 4, descritos na denúncia, evidenciando que comercializa enormes quantidade e valores de produtos oriundo do Paraguai. Especifica, assim, dia, local e modo de cometimento do suposto delito, no que é perfeitamente possível o exercício da ampla defesa. No mais, verifico que inexistem elementos aptos à absolvição sumária. Verifico que, em princípio, os fatos narrados constituem crime, não está extinta a punibilidade e não resta evidente qualquer causa de exclusão da ilicitude do fato ou da culpabilidade do acusado, assim como constato ausentes na reposta à acusação outras questões preliminares e meritórias a serem debatidas. Assim, eventual decreto absolutório não prescindirá da produção de provas em audiência e outras diligências eventualmente necessárias, franqueando-se às partes amplo debate acerca da matéria posta em Juízo. Concluo, portanto, que não se faz presente qualquer fundamento que autorize a absolvição sumária, de sorte que se mostra de rigor o prosseguimento da ação penal. Ante o exposto: i) REJEITO O PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA; ii) DESIGNO para o dia 12 de agosto de 2025, às 14h30, a audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, pela defesa e interrogatório do réu. (...)” - grifei. Com vistas ao órgão acusatório, o Ministério Público Federal manifestou-se pela impossibilidade de oferecimento de ANPP ao paciente, nos seguintes moldes (ID 324845313 – Pág. 271): O Ministério Público Federal manifesta-se ciente da designação de audiência de instrução para o dia 12.08.2025 às 14h30 (ID 360431933). Com relação à insurgência do acusado acerca da não proposição de acordo de não persecução penal (ANPP), conforme já constou da cota de oferecimento da denúncia, a nosso ver, o acusado não faz jus ao benefício, pois não estão preenchidos os pressupostos subjetivos necessários a demonstrar a suficiência da medida para reprovação e prevenção do crime, tendo em vista os elementos que comprovam a habitualidade do denunciado nessa espécie de crime. Ainda que "apenas" quatro delitos tenham sido descritos na peça acusatória - o que entendemos já ser suficiente para impedir o benefício -, extrai-se da investigação que o acusado faz do comércio de produtos fruto de contrabando e descaminho seu meio de vida, não se fazendo possível celebrar o ANPP no presente caso ante a flagrante habitualidade delitiva. Por fim, este órgão ministerial não se opõe à remessa do caso ao órgão superior do MPF (art. 28-A, §14, CPP), registrando-se, todavia, que tal providência não terá o condão de suspender o normal prosseguimento do feito, ante a ausência de disposição legal neste sentido. Diante do quanto aduzido pelo Parquet Federal, o Juízo de Origem proferiu o despacho abaixo transcrito: DEFIRO o pedido de remessa dos autos ao Conselho Superior do MPF para apreciar a recusa de oferta de ANPP ao acusado MARCUS RENATO ZAMARRENHO, nos termos do artigo 28-A, §14, do CPP, sem prejuízo do normal prosseguimento do feito, por ausência de previsão legal para sobrestamento dos autos. Aguarde-se a audiência designada para o dia 12 de agosto de 2025, às 14h30, para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, pela defesa e interrogatório do réu. P.I.C. Em um juízo perfunctório, não vislumbro a presença do fumus boni iuris nem do periculum in mora indispensáveis ao deferimento da medida liminar. Como visto acima, o Ministério Público Federal, seja na cota de oferecimento da denúncia, seja em reanálise após a apresentação da resposta à acusação pela defesa, manifestou-se de forma fundamentada pela impossibilidade de celebração de ANPP, indicando os motivos pelos quais não estariam preenchidos os requisitos para o oferecimento do acordo, mormente em virtude dos indícios, colhidos na investigação, de habitualidade por parte do paciente MARCUS RENATO na prática de crimes dessa espécie (contrabando e descaminho). Assim sendo, não cabe a esta E. Corte pronunciar-se sobre o tema. O oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação. Neste sentido já decidiu o STJ no AgRg no RHC 74.464/PR, que tratava da suspensão condicional do processo, compreendendo-a não como um direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, a quem compete, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o instituto do ANPP, já que ambos têm o mesmo caráter de instrumento da Justiça Penal consensual. O Ministério Público não é obrigado a ofertar o acordo, pois a ele compete avaliar a aptidão e suficiência do mesmo para reprovação e prevenção do crime, observado que, na hipótese de não oferecimento, o órgão fundamente a razão pela qual está deixando de fazê-lo. Ademais, observo que, em 13 de maio de 2025, o Juízo da 1ª Vara Federal de Jales/SP deferiu o pedido defensivo de remessa dos autos ao Conselho Superior do Ministério Público Federal para apreciação da recusa de oferta de ANPP em relação ao paciente, manifestando ciência o órgão acusatório. Não se verifica, portanto, qualquer ilegalidade na decisão proferida pela autoridade impetrada, que observou a regra prevista no artigo 28-A, §14, do Código de Processo Penal, inexistindo recusa por parte do magistrado em remeter os autos à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público como sustenta o impetrante, eis que já houve determinação nesse sentido. Por conseguinte, o tema será submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial. Saliento, contudo, que o recurso previsto no artigo 28-A, §14, do Código e Processo Penal não é dotado de efeito suspensivo. Assim, mesmo diante da remessa da matéria para provocação do órgão de revisão do Ministério Público Federal, cuja forma certamente será ponderada pelo Juízo (se por meio de encaminhamento de cópias dos autos, por exemplo), a ação penal deve prosseguir regularmente, inclusive com a realização da audiência de instrução já designada. Desse modo, no âmbito da cognição sumária, não verifico flagrante ilegalidade na decisão proferida pelo Juízo impetrado. Ante o exposto, indefiro o pedido liminar. Requisitem-se informações à autoridade impetrada. Após, à Procuradoria Regional da República. P.I. São Paulo, 22 de maio de 2025.
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Processo nº 0005050-81.2015.4.03.6104
ID: 316799306
Tribunal: TRF3
Órgão: 6ª Vara Federal de Santos
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0005050-81.2015.4.03.6104
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ARIEL DE CASTRO ALVES
OAB/SP XXXXXX
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ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL
OAB/SP XXXXXX
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FRANCISCO LUCIO FRANCA
OAB/SP XXXXXX
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FELIPE FONTES DOS REIS COSTA PIRES DE CAMPOS
OAB/SP XXXXXX
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EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI
OAB/SP XXXXXX
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BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0005050-81.2015.4.03.6104 / 6ª Vara Federal de Santos AUTOR: M. P. F. -. P. REU: F. C. D. C., L. A. C., R. J. D. A., M. D. P. ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTIN…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0005050-81.2015.4.03.6104 / 6ª Vara Federal de Santos AUTOR: M. P. F. -. P. REU: F. C. D. C., L. A. C., R. J. D. A., M. D. P. ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: U. B. F. Advogados do(a) REU: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP357110-E, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A Advogado do(a) REU: FELIPE FONTES DOS REIS COSTA PIRES DE CAMPOS - SP223061 Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955, FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660 S E N T E N Ç A SENTENÇA TIPO M Cuida-se de embargos de declaração (id. 372197537) opostos à sentença deste Juízo, proferida aos 03/06/2025 (id. 366433824), através do qual se sustenta a existência de vícios de omissão a macular o decisum. Alega o Embargante que, ao se definir as penas-base dos crimes pelos quais L. A. C. foi condenado (Art.313-A c/c Art.71, e Art.317, caput, n/f do Art.69, todos do Código Penal), deixou de se discriminar as respectivas frações de aumento referentes a cada critério negativamente avaliado do Art.59 do Código Penal. Pleiteia-se, assim, o acolhimento dos embargos para que se esclareça as exatas frações de aumento aplicadas. 2. Instado, o MPF (id. 373577026) requereu a manutenção da decisão em seus exatos termos, aduzindo sobre os embargos que: “Embora a jurisprudência frequentemente utilize frações como 1/8 ou 1/6 para modular o aumento da pena com base nas circunstâncias judiciais negativas, não há uma exigência legal nesse sentido. O importante é que a fundamentação do juiz seja clara e justifique o quantum de aumento de forma proporcional e razoável”. 3. Os embargos são tempestivos, face a publicação em 24/06/2025, da decisão proferida aos 03/06/2025, vindo a defesa de L. A. C. a apresentar Embargos aos 25/06/2025 (id. 372197537). Assim, deles conheço e passo a analisá-los. 4. Os embargos de declaração vêm previstos no Art. 382 do Código de Processo Penal, e se destinam à correção ou eliminação de vícios que representam inobservância à exigência de clareza, precisão, completude e coerência, qualidade que, juntamente com a devida fundamentação (Art. 93, IX, CF), devem se apresentar nos provimentos jurisdicionais. 5. Desta forma, os embargos não são o recurso próprio à obtenção da reforma do julgado, nem tampouco para protelar o curso do processo, mas podem, eventualmente, gerar efeitos modificativos no decisum, desde que as alterações derivem da eliminação de quaisquer vícios constantes do Art.382, do CPP, v. g., obscuridade, ambiguidade, contradição, omissão e/ou de erro material, in verbis: “em essência, a oposição de embargos de declaração almeja o aprimoramento da prestação jurisdicional, por meio da retificação de julgado que se apresenta omisso, contraditório, ambíguo, obscuro ou com erro material (Art. 619 do CPP)” (STJ – Edcl no AgRg no Ag 1387408/SP – Proc. 2011/0052015-5 – 6ª Turma – j. 16/05/2013 – Dje de 31/05/2013 – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior). 6. Sem razão o Embargante. Inexiste a alegada omissão, à míngua de previsão legal a amparar o pleito de explicitação, no dispositivo da sentença penal condenatória da exata fração matemática aplicada em sede da primeira fase da dosimetria da pena, v. g. a aferição da pena-base. E nem poderia ser de forma diversa, haja vista cuidar-se a fixação da pena de processo de discricionariedade juridicamente vinculada (cfr. Guilherme Nucci, Código Penal Comentado, Gen Forense, 2017, 17ª edição, p.454). Importa também deixar estabelecido que a fixação da pena-base (e igualmente toda a dosimetria da pena) não equivale ou se reduz a meras fórmulas matemáticas. Os fatos examinados em cada ação penal refletem determinado contexto, trazem consigo consequências próprias e afetam uma (ou mais) pessoas e/ou instituições, estendem-se por diversos períodos de tempo, implicam diferentes lesões econômico-financeiras, etc.. Por outro lado, ao se examinar a dinâmica do delito, não é possível avaliar-se de maneira rigorosamente idêntica todos os aspectos/circunstâncias contemplados pelo Art.59, CP. Ou seja, em qualquer caso concreto, um ou mais critérios podem ser mais deletérios e/ou reprováveis que outro(s), e assim por diante, de forma que é impossível fixar exatamente a mesma fração para todos aqueles considerados negativos, in casu. Nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DE DECISÃO NA QUAL SE CONHECEU DE AGRAVO PARA CONHECER EM PARTE DE RECURSO ESPECIAL E, NA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO. MATÉRIA DEVIDAMENTE PREQUESTIONADA. RECURSO ESPECIAL QUE DEVER SER CONHECIDO NA ÍNTEGRA. EXTORSÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGAL PENA-BASE. REVISÃO DA FIXAÇÃO. REDEFINIÇÃO DE PREMISSAS DAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PATAMAR DE ELEVAÇÃO FIXADO A PARTIR DE DUAS CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS. EXASPERAÇÃO FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Agravo regimental interposto de decisão na qual se conheceu do agravo para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. 2. A exasperação da pena-base na sentença foi arguida em apelação, debatida e decidida pelo Tribunal. Satisfeito o requisito do prequestionamento, deve-se conhecer do recurso especial na integralidade. 3. É assente na jurisprudência desta Corte que "a exasperação da pena-base não se dá por critério objetivo ou matemático, uma vez que é admissível certa discricionariedade do órgão julgador, desde que vinculada aos elementos concretos dos autos" (AgRg no HC n. 618.292/SC, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/2/2021, DJe de 17/2/2021.) 4. Na leitura das razões de decidir da condenação, encontra-se que a exasperação foi decidida com base em premissas fincadas após exame do suporte fático-probatório, cuja revisão é obstada pela Súmula 7/STJ, porquanto exigiri a, na profundidade e extensão pretendidas pelo recorrente, refazimento, por esta Corte, de todo o exercício de subsunção. 5. A fundamentada fixação da pena-base acima do mínimo legal - em patamar (fração de 1/4) definido a partir da consideração de duas circunstâncias negativas - nada tem de arbitrário ou aprioristicamente inadequado. Precedentes. 6. Agravo regimental provido para conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento. (AgRg no AREsp n. 2.293.915/RJ, relator Ministro João Batista Moreira (Desembargador Convocado do TRF1), Quinta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 13/6/2023.) (grifos nossos) PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DOSIMETRIA PENAL. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. POSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO TANTO NA PRIMEIRA QUANTO NA TERCEIRA ETAPA DOS CÁLCULOS, AFASTADO INDEVIDO BIS IN IDEM. DISCRICIONARIEDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Valorada a quantidade e natureza da droga na primeira etapa da dosimetria, inviável sua utilização na terceira etapa para negar ou mesmo modular o fator de diminuição da pena pelo privilégio do tráfico de drogas (ut, AgRg no HC n. 445.769/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/10/2018). 2. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas e às Cortes Superiores, em grau recursal, o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias (HC 122.184, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Julgamento: 10/2/2015, Publicação: 5/3/2015). 3. Agravo não provido. (AgRg no REsp n. 2.048.549/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023.) (grifos nossos) AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ART. 213 DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS CONCRETOS QUE EXTRAPOLAM O TIPO PENAL. HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvados os casos de flagrante ilegalidade que permitam a concessão da ordem de ofício. 2. Não há ilegalidade na dosimetria da pena quando a valoração negativa das circunstâncias judiciais está devidamente fundamentada em elementos concretos que extrapolam os limites do tipo penal, como o uso de arma branca e a premeditação (culpabilidade), bem como o modus operandi caracterizado pela invasão de residência (circunstâncias do crime). 3. A dosimetria da pena insere-se no juízo de discricionariedade do julgador, à luz dos parâmetros legais aplicáveis, cabendo sua correção somente em hipóteses de flagrante ilegalidade, o que não se verifica no caso dos autos. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 982.603/AL, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 4/6/2025, DJEN de 9/6/2025.) (grifos nossos) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO APELATÓRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. SÚMULA N. 284/STF. INCIDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REVERSÃO DO JULGADO. REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DOSIMETRIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. ALTERAÇÃO DE FRAÇÃO APLICADA. 1/6 (UM SEXTO) SOBRE A PENA MÍNIMA. 1/8 (UM OITAVO) SOBRE A MÉDIA DOS EXTREMOS. ESCOLHA PELO JULGADOR. DISCRICIONARIEDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A análise das alegadas violações dos arts. 619 do Código de Processo Penal, 1.022, incisos I e II, parágrafo único, inciso II, c/c 489, § 1º, incisos IV e VI, ambos do Código de Processo Civil demanda fundamentação específica. Não obste o Parquet alegue carente de fundamentação o acórdão apelatório, não indicou quais pontos do acórdão recorrido estariam eivados pelos vícios da omissão, ambiguidade, obscuridade ou contradição, bem como não esclareceu, de forma concreta, a relevância da análise dos eventuais vícios para o correto deslinde da controvérsia, motivo pelo qual incide o comando da Súmula n. 284/STF. Precedentes. 2. O Tribunal de Apelação, soberano na análise dos elementos de convicção, concluiu que o acervo probatório era insuficiente para relacionar o acusado Relton com a droga apreendida no imóvel em que se encontrava, não havendo demonstração de que tenha incorrido em quaisquer dos núcleos verbais do art. 33, caput, da Lei Antidrogas. Para dissentir da conclusão a que chegou à instância ordinária, de modo a vislumbrar elementos suficientes para sua condenação, seria necessário profundo reexame probatório, juízo que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. 3. Embora não exista direito subjetivo do acusado ou do sujeito-acusação a aplicação de determinada fração de acréscimo da pena-base pela valoração de cada uma das vetoriais do art. 59 do Código Penal, a jurisprudência desta Corte Superior reputa como razoáveis tanto a fração de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima, ou seja, o coeficiente aplicado na decisão ora agravada, como aquela pretendida pelo Ministério Público nas razões deste agravo regimental, vale dizer, 1/8 (um oitavo) sobre a média dos extremos previstos para o tipo. Assim, tendo-se optado por uma das frações tidas, a princípio, como proporcionais para o recrudescimento da pena basilar, a reforma do julgado, além de não promover alteração significativa da pena definitiva, avilta a discricionaridade do julgador na fixação da pena adequada. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.273.777/MG, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 18/12/2024, DJEN de 23/12/2024.) (grifos nossos) 7. Outrossim, ausente qualquer prejuízo à defesa, ante à possibilidade de se calcular tal proporção imediatamente a partir dos patamares considerados. Nesse sentido, observo que a dosimetria da pena-base está inserida no âmbito de discricionariedade do julgador, estando atrelada, in casu, às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas dos agentes, elementos estes constantes de referido provimento judicial, in verbis: “L. A. C. 16. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS DE INFORMAÇÕES (Art.313-S c/c Art.71, CP) Sua culpabilidade pode ser considerada acentuada para o tipo em questão. O corréu LUIZ ALVES utilizou-se de sua ascendência perante os demais servidores do PVPAF/SANTOS, em especial sobre o corréu RUBENS, para disseminar e estimular as práticas ilegais e irregulares no âmbito da administração da ANVISA, v. g., descumprimento de deveres funcionais, desrespeito às ordens da chefia imediata, etc.. É Réu primário. Os critérios de conduta social e personalidade são desconhecidos. O motivo para prática do crime foi a obtenção da vantagem fraudulenta, também consubstanciada nos termos do Relatório Parcial nº02/Operação SAGA (id 38297933 p.03/ss.). As circunstâncias envolveram a exploração de pontos sensíveis e vulnerabilidades administrativas do Posto da ANVISA em Santos/SP, de cuja ciência o corréu, à época servidor público, extraiu o máximo de proveito para locupletar-se, quando poderia ter contribuído para efetiva melhoria dos serviços públicos da autarquia. Ainda, estimulou o estabelecimento de ligações e relações indevidas entre particulares e servidores, aviltando os interesses públicos, e praticamente inviabilizando a continuidade dos serviços da autarquia reguladora (ANVISA) em Santos. As consequências foram expressivas e acarretaram, dentre outras, a reformulação dos serviços do PVPAF/Santos, a demissão de servidores, modificações em procedimentos e protocolos internos da ANVISA, o ingresso indevido/irregular no país de inúmeros produtos, danos ao erário e à Administração, além da deflagração da operação policial (SAGA). A propósito, por similitude: “O STJ reconhece que o delito previsto no Art. 313-A do CP não é de natureza patrimonial e que a concessão indevida de benefícios previdenciários implica prejuízo sistêmico à autarquia federal, instituição fundamental para a sobrevivência de inúmeros brasileiros, o que caracteriza gravidade concreta não prevista no citado tipo penal.” (AgRg no REsp nº1988116/CE – Proc. 2022/0058019-2 – 6ª Turma – j. 09/08/2022 – DJe de 18/08/2022 – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz) (grifos nossos) Diante disso, fixo a pena-base em 06 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO e 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, com o valor unitário de cada dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente ao tempo do crime, considerada a situação econômica do Réu, devendo haver a atualização monetária quando da execução. 16.1. Sem agravantes. Sem atenuantes. 16.2. Existe uma causa de aumento de pena a ser levada em consideração, prevista no Art.71, Código Penal. Aumento a pena em 2/3 (dois terços) nos termos da Súmula 659/STJ, em razão da continuidade delitiva (os delitos da mesma espécie foram cometidos ininterruptamente durante os anos de 2012 e 2013) – tornando a pena definitiva em 10 (DEZ) ANOS DE RECLUSÃO E 50 (CINQUENTA) DIAS-MULTA. 17. CORRUPÇÃO PASSIVA (Art.317, caput, CP) Sua culpabilidade pode ser considerada acentuada para o tipo em questão. Em décadas de exercício no serviço público federal no PVPAF/ANVISA, o corréu adquiriu consideráveis conhecimentos dos sistemas DATAVISA e SISCOMEX os quais preferiu, no entanto, utilizar em prol de interesses particulares, aí incluídos os próprios, ao cometer crimes em conluio com particulares. É Réu primário. Os critérios de conduta social e personalidade são desconhecidos. O motivo para prática do crime foi a obtenção da vantagem ilícita (cfr. Relatório Parcial nº02/Operação SAGA, id 38297933 p.03/ss.). As circunstâncias revelam a ousadia e insolência do agente, a familiaridade e intimidade que desfrutava no trato diário e informal no âmbito da relação de amizade que desfrutava com o (à época) despachante F. C. D. C., seu amigo de viagens, eventos sociais, barracas de praia, etc., tudo isso transferido de maneira espúria e criminosa para o ambiente público, de forma a macular e conspurcar o serviço público federal prestado pelo órgão regulador sanitário (ANVISA em SANTOS/SP). Deflui daí a naturalização desses pagamentos aos olhos dos corréus FRANCISCO CARLOS e LUIZ e sua completa banalização. A desenvoltura, a agilidade através da qual o corréu dispõe e negocia o bem (serviço) público ao seu bel-prazer, recebe as correlatas vantagens, realiza despesas desproporcionais ao subsídio recebido por servidor da ANVISA em cargo equivalente ao seu, etc. – o que impõe gravame na fixação da pena. As consequências implicaram ainda maior descrédito e desconfiança nos serviços de vigilância sanitária da ANVISA em Santos. Diante disso, fixo a PENA-BASE EM 04 (QUATRO) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 22 (VINTE E DOIS) DIAS-MULTA, a qual torno definitiva nesse patamar à míngua de agravantes e/ou atenuantes, e causas de aumento e/ou diminuição de pena. Fixo o valor unitário de cada dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente ao tempo do crime, considerada a situação econômica do Réu, devendo haver a atualização monetária quando da execução.” (grifos no original) 8. Isto posto, à mingua dos requisitos legais, pois ausente qualquer vício na sentença de 03/06/2025 (id. 366433824), REJEITO os embargos de declaração. P.R.I. Santos, na data da assinatura eletrônica.
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Processo nº 5002644-15.2023.4.03.6106
ID: 300575608
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5002644-15.2023.4.03.6106
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE RICARDO VIEIRA
OAB/SP XXXXXX
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MARCELO MARIN
OAB/SP XXXXXX
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HELENA REGINA LOBO DA COSTA
OAB/SP XXXXXX
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MARCEL LELIS MOREIRA
OAB/SP XXXXXX
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EDLENIO XAVIER BARRETO
OAB/SP XXXXXX
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RENATO LUIZ SCOCHI
OAB/SP XXXXXX
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HENRIQUE TREMURA LOPES
OAB/SP XXXXXX
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YUKI HILTON DE NORONHA
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002644-15.2023.4.03.6106 / 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP REU: ANDRE RICA…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002644-15.2023.4.03.6106 / 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP REU: ANDRE RICARDO VIEIRA, DANIEL AUGUSTO GONSALES CAMARA, PAULO ROBERTO SEGATELLI CAMARA, RENATO SIDNEI COSENZA DOURADO, RICARDO NUMER COSENZA, ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGENCIO INVESTIGADO: EDER PAULO SOARES, JOSE RENATO DOS SANTOS FILHO Advogado do(a) REU: EDLENIO XAVIER BARRETO - SP270131-A Advogado do(a) REU: YUKI HILTON DE NORONHA - SP316046 Advogado do(a) REU: HELENA REGINA LOBO DA COSTA - SP184105 Advogado do(a) INVESTIGADO: RENATO LUIZ SCOCHI - SP415357 Advogados do(a) INVESTIGADO: HENRIQUE TREMURA LOPES - SP318984, MARCEL LELIS MOREIRA - SP268103, MARCELO MARIN - SP264984 Advogado do(a) REU: ANDRE RICARDO VIEIRA - SP241842 D E C I S Ã O/O F Í C I O Consta da denúncia que, no dia 13 de julho de 2017 (data da homologação da Chamada Pública nº 004/2017), no município de Mirassol/SP, em tese, o ex-Prefeito ANDRÉ RICARDO VIEIRA, ÉDER PAULO SOARES (Chefe da Divisão de Compras e Licitação da Prefeitura, à época dos fatos, e funcionário da Prefeitura até o momento – fl. 04 do ID 331527316), bem como JOSÉ RENATO DOS SANTOS FILHO, Presidente da Comissão de Habilitação e Seleção referente à Chamada Pública 04/2017 (fl. 06 do ID 349996600) e funcionário concursado da Prefeitura de Mirassol (fl. 12 do ID 320884614), DANIEL AUGUSTO GONSALES CÂMARA, PAULO ROBERTO SEGATELLI CÂMARA, RENATO SIDNEI COSENZA DOURADO e RICARDO NUMER COSENZA, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, dolosamente e conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, frustraram e fraudaram o caráter competitivo da Chamada Pública 04/2017, mediante ajuste, com o intuito de obterem vantagem decorrente da adjudicação do objeto de licitação em favor da Organização Social – OS denominada INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISA E GESTÃO EM SAÚDE – INSAÚDE, CNPJ 44.563.716/0001-7. Consta, ainda, em tese, que os denunciados DANIEL AUGUSTO GONSALES CÂMARA e PAULO SEGATELLI CÂMARA, agindo em conjunto e unidade de desígnios com RENATO SIDNEI COSENZA DOURADO, RICARDO COSENZA e ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGÊNCIO, prometeram, ofereceram e pagaram vantagem indevida ao ex-Prefeito ANDRE RICARDO VIEIRA, bem como ao servidor da Prefeitura EDER PAULO SOARES, a fim de determiná-los a praticarem atos de ofício, de forma fraudulenta, relacionados à Chamada Pública 04/2017. O ex-Prefeito ANDRÉ RICARDO VIEIRA e o servidor da prefeitura de Mirassol, EDER PAULO SOARES (Chefe da Divisão de Compras e Licitação da Prefeitura, à época dos fatos, e funcionário da Prefeitura até o momento – fl. 04 do ID 331527316), em meados de 2017, também em tese, solicitaram e receberam, para si, vantagem indevida, assim como aceitaram a promessa dessa vantagem indevida em razão das funções que exerciam à época, praticando atos de ofício que infringiram dever funcional em consequência da vantagem indevida recebida. A denúncia foi recebida em face de ANDRÉ RICARDO VIEIRA, DANIEL AUGUSTO GONSALES CÂMARA, PAULO ROBERTO SEGATELLI CÂMARA, RENATO SIDNEI COSENZA DOURADO, RICARDO NUMER COSENZA, ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGÊNCIO e foi determinada notificação dos acusados ÉDER PAULO SOARES e JOSÉ RENATO DOS SANTOS FILHO para responderem por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 514, do Código de Processo Penal. Foi solicitado, ainda, ao Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas/SP, para fins de instrução do presente feito, que encaminhasse a este Juízo: a) cópia dos acordos de colaboração premiada celebrados entre DANIEL GONSALES CÂMARA e PAULO ROBERTO SEGATELLI CÂMARA e o Ministério Público do Estado de São Paulo (GAECO – NÚCLEO CAMPINAS), no bojo da Operação “Ouro Verde”, devidamente homologados e eventuais aditamentos, juntados nos autos da ação penal 5011414-34.2022.403.6106 (TJ/SP 0026786-40.2017.8.26.0114), tendo em vista que o conteúdo do ANEXOS 7 e 8 do rol dos tópicos abordados pelos referidos colaboradores refere-se aos crimes objetos dos presentes autos (audiências realizadas em 19/04/2018 e 20/04/2018) e b) remessa da interceptação telefônica realizada no bojo da Operação “Ouro Verde”, juntada na ação penal 5011414-34.2022.403.6105 e deferida no pedido de quebra de sigilo telefônico 5008521.70.2022.403.6105, conforme requerido pelo Ministério Público Federal (id 354897093). Citado (id 355851616), RENATO SIDNEI COSENZA DOURADO, requereu a suspensão do prazo da Resposta a Acusação até a apresentação dos documentos solicitados pelo Ministério Público a 1ª Vara Federal de Campinas e a apresentação das Respostas a Acusação dos colaboradores Daniel e Paulo Câmara, em homenagem e respeito a plenitude de defesa (id 356397850). EDER PAULO SOARES e JOSE RENATO DOS SANTOS FILHO foram notificados nos termos do art. 514, do Código de Processo Penal (id 356533589). Eder Paulo Soares requereu o sobrestamento do feito até a vinda aos autos da cópia dos acordos de colaboração premiada celebrados entre DANIEL GONSALES CÂMARA e PAULO ROBERTO SEGATELLI CÂMARA e o Ministério Público do Estado de São Paulo (GAECO – NÚCLEO CAMPINAS), no bojo da Operação “Ouro Verde”, devidamente homologados e eventuais aditamentos, juntados nos autos da ação penal 5011414-34.2022.403.6106 (TJ/SP 0026786-40.2017.8.26.0114), tendo em vista que o conteúdo do ANEXOS 7 e 8 do rol dos tópicos abordados pelos referidos colaboradores refere-se aos crimes objetos dos presentes autos (audiências realizadas em 19/04/2018 e 20/04/2018) e a remessa da interceptação telefônica realizada no bojo da Operação “Ouro Verde”, juntada na ação penal 5011414-34.2022.403.6105 e deferida no pedido de quebra de sigilo telefônico 5008521.70.2022.403.6105. Com a juntada, requereu a abertura de novo prazo para apresentação de resposta escrita (id 356670047). José Renato Santos Filho apresentou resposta e pleiteou, preliminarmente, o sobrestamento do feito para fins de cumprimento da decisão de id 354897093. Pleiteou a aplicação imediata do § 14 do artigo 28-A do CPP, com a remessa dos autos ao Órgão Superior do Ministério Público Federal, para análise da possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Penal (id 356679964). ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGENCIO, apresentou resposta à acusação (id 358455375) e pleiteou: I-seja anulada a decisão que recebeu a denúncia em face do réu e dos outros corréus: André Ricardo Vieira, Daniel Augusto Gonsales Câmara; Paulo Roberto Segatelli Câmara; Renato Sidnei Cosenza Dourado; e Ricardo Numer Consenza), determinando-se na sequência a notificação destes para apresentação de defesa escrita no prazo de 15 (quinze) dias, conforme dispõe o art. 514, “caput” do Código de Processo Penal, sob pena de ser declarada a nulidade ab initio pela não observância do rito processual adequado; II- deferido ou não o pedido contido no item (i), seja determinado o sobrestamento da ação até que os presentes autos sejam regularizados, com a vinda dos documentos solicitados pela il. Procuradora da República, devolvendo-se o prazo integral, para que o peticionário possa apresentar a sua resposta à acusação ou defesa preliminar, garantindo-se o direito de apresentá-la, após a juntada das defesas dos denunciados colaboradores, além de garantir o direto de sempre se manifestarem por último em todas as fases processuais, nos termos do art. 4º, §10-A, da Lei nº 12.850/2013; III- a remessa dos autos ao Órgão Superior do Ministério Público Federal, para análise da viabilidade do cabimento do ANPP no caso em apreço, nos termos do art. 28, § 14º, do Código de Processo Penal. Éder Paulo Soares apresentou defesa preliminar, alegando, preliminarmente, inexistência de documentos essenciais ao oferecimento da denúncia e inépcia da peça inicial. Pleiteou a rejeição da denúncia por falta de justa causa, considerando a inexistência da íntegra do termo de colaboração premiada firmados por Daniel e Paulo, assim como dos termos aditivos, dos anexos, dos relatórios de colaboração, da decisão que homologou os acordos e de eventuais documentos entregues pelos colaboradores que envolvam menções ao denunciado Eder. Subsidiariamente, caso esse não seja o entendimento, pleiteou o sobrestamento do feito até que todos os elementos indicados sejam trazidos ao feito, considerando, principalmente, a Súmula nº 14 do STF, reabrindo-se o prazo para a complementação da defesa preliminar. Subsidiariamente, ainda preliminarmente, a rejeição da denúncia por ausência de justa causa com relação ao crime previsto no art. 337-F do Código Penal, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, considerando se tratar de crime-meio para o crime-fim narrado na exordial acusatória, intimando-se, posteriormente, o Parquet para que, querendo, ofereça o devido ANPP ao acusado, fundamentando-se eventual negativa (id 358492244). DANIEL AUGUSTO GONSALES CAMARA e PAULO ROBERTO SEGATELLI CAMARA apresentaram resposta à acusação (id 359654342). Os documentos encaminhados pela 1ª Vara Federal de Campinas foram juntados aos autos (id’s 361521925 e seguintes). Foi concedida vista às partes dos documentos juntados, possibilitando à defesa ratificar ou retificar as respostas apresentadas, no prazo de 10 dias (id 357829109). Manifestação do Ministério Público Federal no id 363856621, pleiteando a expedição de novo ofício à 1ª Vara Federal de Campinas, solicitando a íntegra da interceptação telefônica realizada no bojo da "Operação Ouro Verde" (decisões de deferimento e prorrogações, áudios interceptados e cópia integral da transcrição dos diálogos interceptados). Embargos de declaração com efeitos infringente interpostos por ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGENCIO (id 364198311), com o objetivo de sanar suposta omissão quanto a todos os pedidos formulados na petição de id 35845537. ANDRE RICARDO VIEIRA apresentou resposta à acusação (id 364659033). Pleiteou a uniformidade do procedimento e a proteção dos direitos fundamentais de todos os denunciados, seja anulada a r. decisão que recebeu a denúncia (ID 354897093) em face do peticionário e dos outros corréus (André Ricardo Vieira, Daniel Augusto Gonsales Câmara; Paulo Roberto Segatelli Câmara; Renato Sidnei Cosenza Dourado; e Ricardo Numer Consenza), determinando-se na sequência a notificação destes para apresentação de defesa escrita no prazo de 15 (quinze) dias, conforme dispõe o art. 514, “caput” do Código de Processo Penal, sob pena de ser declarada a nulidade ab initio pela não observância do rito processual adequado, para todos os denunciados; Deferido ou não o pedido, seja determinado o sobrestamento da ação até que os presentes auto s sejam regularizados, com a vinda dos documentos solicitados pela Procuradora da República, devolvendo-se o prazo integral, para que o peticionário possa apresentar a sua resposta à acusação ou defesa preliminar, garantindo se o direito de apresentá-la, após a juntada das defesas dos denunciados colaboradores, além de garantir o direto de sempre se manifestar por último em todas as fases processuais, nos termos do art. 4º, §10-A, da Le i nº 12.850/ 2013. Sobrestamento do feito até que todos os elementos citados sejam trazido aos autos, considerando a Súmula 14, do STF, reabrindo-se o prazo para a complementação da defesa preliminar. Em despacho, foi acolhida manifestação, a fim de instruir o presente feito, nos termos do requerido pelo Ministério Público Federal (cópia em anexo), a fim de que seja encaminhada a este Juízo a íntegra da interceptação telefônica realizada no bojo da "Operação Ouro Verde" (decisões de deferimento e prorrogações, áudios interceptados e cópia integral da transcrição dos diálogos interceptados) nos autos acima mencionados (ID 364583294). Eder Paulo Soares manifestou-se, no id 365165781, reiterando a extinção do feito por ausência de justa causa uma vez os documentos trazidos aos autos através da juntada promovida ainda não satisfaz integralmente os requisitos essenciais para formação da justa causa. Argumenta que ainda que tenham sido juntadas partes de transcrições e termos aditivos, não há nos autos qualquer relatório ministerial ou judicial que delimite objetivamente os fatos atribuídos ao acusado e sua correspondência com os elementos colhidos, o que impede a aferição adequada da regularidade e da pertinência da prova, especialmente se considerada a exclusividade da delação como base da acusação. Por fim, esclareceu que como ainda não teve acesso ao conteúdo das colaborações premiadas, pugnou pelo saneamento, uma vez que o MPF narrou expressamente que eles foram gravados em áudio e vídeo. JOSE RENATO DOS SANTOS FILHO, por sua vez, manifestou-se no sentido de aguarda a juntada dos documentos pela 1ª Vara Federal de Campinas/SP (id 365384801). O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões aos embargos de declaração interpostos (id 365509573). É o relatório. Decido. Primeiramente, passo a apreciar os embargos de declaração com efeitos infringentes interpostos pelo réu ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGÊNCIO, com o objetivo de sanar suposta omissão quanto a todos os pedidos formulados na petição de ID 35845537. Após o recebimento da denúncia e a citação dos réus, o embargante ORLANDO LEANDRO DE PAULA FULGÊNCIO peticionou nos autos requerendo o seguinte (ID 358455375): (i) a nulidade da decisão que recebeu a denúncia (ID 354897093) em face do peticionário e dos outros corréus (André Ricardo Vieira, Daniel Augusto Gonsales Câmara; Paulo Roberto Segatelli Câmara; Renato Sidnei Cosenza Dourado; e Ricardo Numer Consenza), objetivando a uniformidade do procedimento e a proteção dos direitos fundamentais de todos os denunciados, determinando-se a notificação destes para apresentação de defesa escrita no prazo de 15 (quinze) dias, conforme dispõe o art. 514, caput, do Código de Processo Penal, sob pena de ser declarada a nulidade ab initio pela não observância do rito processual adequado para todos os denunciados; (ii) o sobrestamento da ação até que os presentes autos sejam regularizados, com a vinda dos documentos solicitados à 1ª Vara Federal de Campinas, devolvendo-se o prazo integral para que o peticionário possa apresentar a sua resposta à acusação ou defesa preliminar, garantindo-se o direito de apresentá-la, após a juntada das defesas dos denunciados colaboradores, além de garantir o direto de sempre se manifestarem por último em todas as fases processuais, nos termos do art. 4º, §10-A, da Lei nº 12.850/2013; e (iii) a remessa dos autos ao Órgão Superior do Ministério Público Federal, para análise da viabilidade do cabimento do ANPP no caso em apreço, nos termos do art. 28, § 14º, do Código de Processo Penal. Após a juntada de documentos oriundos da 1ª Vara Federal de Campinas/SP (IDs 361521925 e seguintes) foi deferido por este Juízo prazo de 10 (dez) dias para as defesas ratificarem ou retificarem as respostas anteriormente apresentadas (ID 357829109). O Ministério Público Federal manifestou-se no sentido de que ainda pendente a juntada de outros documentos, razão pela qual, este Juízo oficiou novamente ao r. Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas/SP (id 364583294), para que encaminhe a íntegra da interceptação telefônica realizada no bojo da "Operação Ouro Verde" (decisões de deferimento e prorrogações, áudios interceptados e cópia integral da transcrição dos diálogos interceptados) nos autos acima mencionados. Nada há a ser esclarecido. O despacho foi preciso e cristalino quando deu vista às partes dos documentos juntados e concedeu prazo de 10 (dez) dias às defesas para, querendo, ratificar ou retificar as respostas apresentadas. Não há que se falar em acolhimento da pretensão formulada. Na verdade, pretende a parte embargante, com o manejo dos embargos de declaração, tão somente a reforma da r. decisão já mencionada, sem que haja necessidade de aclará-la, o que é inviável em sede de tal espécie recursal. Não se encontram presentes, portanto, nenhum dos pressupostos dos embargos de declaração previstos no artigo 619 do Código de Processo Penal, razão pela qual estes não devem ser acolhidos. A análise das defesas apenas foi postergada para momento posterior à fluência do prazo concedido para as defesas ratificarem ou retificarem as respostas anteriormente apresentadas. Assim, não há contradição, obscuridade, ou omissão a ser sanada ou suprida na decisão, de sorte que não podem ser acolhidos os presentes embargos de declaração. Em prosseguimento, cumpra-se da seguinte forma: URGENTE OFÍCIO– SC/02-P.2.240 – AO MM. JUIZ DA 1ª VARA FEDERAL DE CAMPINAS/SP – Solicito, reiterando o ofício de id 364583294, a fim de instruir o presente feito, nos termos do requerido pelo Ministério Público Federal (cópia em anexo), que encaminhe a este Juízo a íntegra da interceptação telefônica realizada no bojo da "Operação Ouro Verde" (decisões de deferimento e prorrogações, áudios interceptados e cópia integral da transcrição dos diálogos interceptados) nos autos acima mencionados. Cópia do presente servirá como Ofício, que deverá ser instruído com cópia de id 363856621 e de 364583294. Intimem-se. São José do Rio Preto, datado e assinado eletronicamente. Juiz Federal
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Processo nº 5002529-32.2025.4.03.6103
ID: 309579923
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de São José dos Campos
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5002529-32.2025.4.03.6103
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ENRICO CUONO MANGINI
OAB/SP XXXXXX
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CAIO CRUSCO DE TOMIM
OAB/SP XXXXXX
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5002529-32.2025.4.03.6103 PACIENTE: I. G. S. F. Advogados do(a) PACIENTE: CAIO CRUSCO DE TOMIM - SP419743, ENRICO CUONO MANGINI - SP425184 IMPETRADO: P. F., C. D. P. C…
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5002529-32.2025.4.03.6103 PACIENTE: I. G. S. F. Advogados do(a) PACIENTE: CAIO CRUSCO DE TOMIM - SP419743, ENRICO CUONO MANGINI - SP425184 IMPETRADO: P. F., C. D. P. C. D. E. D. S. P., C. D. P. M. D. E. D. S. P. S E N T E N Ç A Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido liminar, impetrado para resguardar a liberdade de locomoção do paciente I. G. S. F., em face de ameaça à sua liberdade de locomoção, a fim de determinar que a Polícia Federal, Polícia Civil e Polícia Militar, sejam impedidas de proceder à prisão em flagrante do paciente pelo cultivo de Cannabis de até 145 (cento e quarenta e cinco) plantas por ano e a importação de 174 (cento e setenta e quatro) sementes, sendo que o cultivo será dividido em 03 (três) ciclos de 120 (cento e vinte) dias, sendo 48 (quarenta e oito) plantas por ciclo, impedindo que as autoridades coatoras procedam sua persecução penal pelo plantio, cultivo, colheita, produção e transporte dos remédios fitoterápicos, vedando-se, ainda, a apreensão e destruição das plantas e todo material inerente à produção dos medicamentos obtidos a partir dos derivados da planta Cannabis Sativa, para fins exclusivamente medicinais. Requer ainda decretação do sigilo dos autos (ID363060293). Consta dos autos que o paciente é portador de ansiedade generalizada e insônia (CID F41, G47) e que após o tratamento com outras medicações, atualmente realiza tratamento com cannabis medicinal, com resultado satisfatório, conferindo-lhe maior qualidade de vida. Em avaliação médica foi constatada a eficácia da utilização do remédio a base de cannabis medicinal para o tratamento das doenças. Aduz que o paciente já possui autorização da ANVISA para importação de medicamentos à base de cannabis, porém o custo destes é elevado, bem como informa que o paciente possui condições técnicas de produzir seu próprio remédio, pois concluiu cursos de cultivo e extração da cannabis medicinal e que possui laudo técnico agronômico atestando a quantidade necessária daquela. Relatórios médicos juntados (IDs 363060918, 363060919) e prescrição médica (IDs 363060907, 363060910, 363060911, 363060912, 363060914) . Autorização da ANVISA para importação de medicamentos à base de cannabis trazida aos autos (IDs 363060908, 363060915 e 363060916) e laudo técnico agronômico (ID 363060925). Certificados de curso de plantio e extração de cannabis medicinal (ID 363060924), orçamento da medicação (ID 363060922) e declaração de renda (ID 363060906). Por meio de ato ordinatório (ID 363084143), determinou-se a intimação do MPF, que opinou pela denegação da liminar pleiteada e, no mérito, pela não concessão da ordem de Habeas Corpus (ID 363257643). A medida liminar foi indeferida (ID 363745655). As autoridades coatoras manifestaram-se: Comando Geral da Polícia Militar (ID 366605849), Delegacia Geral de Polícia Civil do Estado de São Paulo (ID 366105205) e Departamento da Polícia Federal (ID 366075947). O paciente apresentou novos documentos (IDs 366564115 e ss) O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da liminar e posteriormente da ordem (IDs 363257643, 364505634 e 366667990). É a síntese do necessário. Fundamento e decido. Afasto a preliminar de falta de interesse de agir. A Lei n.º 17.618/2023, no Estado de São Paulo, e sua regulamentação pelo Decreto nº 68.233/2023, preveem o fornecimento de óleo à base de canabidiol somente aos pacientes que fazem tratamento para as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e para Esclerose Tuberosa. Outras doenças ou síndromes ainda não foram abrangidas. Inclusive, a nota técnica n.º 05/2024 da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica do Estado de São Paulo estabelece o fluxo de acesso ao produto canabidiol, com restrição de acesso apenas as doenças citadas. No caso concreto, a parte impetrante é portadora de doenças não abrangidas pelo protocolo clínico do Estado de São Paulo, conforme relatórios médicos (IDs 363060918, 363060919). Portanto, há interesse no presente feito. Sem outras preliminares para análise, presentes os pressupostos processuais, bem como as condições da ação, passo ao exame do mérito. Do não cabimento de dilação probatória O habeas corpus exige prova pré-constituída, não admitindo dilação probatória. Cabia ao paciente no momento da impetração instruir a ação com os documentos necessários para fundamentar seu pedido. A instrução inicial deficiente não pode ser suprida, conforme pretende o impetrante com a juntada de novos documentos (IDs 366564115 e ss). Neste sentido, acórdão do C. STJ, a cuja fundamentação adiro: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do recurso em habeas corpus, ante a instrução deficiente, pela ausência de cópia do decreto de prisão, peça imprescindível à compreensão do alegado constrangimento ilegal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste na análise da necessidade de apresentação da prova pré-constituída para apreciação de habeas corpus e se há flagrante ilegalidade na prisão preventiva do recorrente. III. RAZÕES DE DECIDIR3. O habeas corpus foi impetrado sem a documentação necessária, especificamente a cópia do decreto preventivo, inviabilizando a análise do constrangimento ilegal alegado. 4. A ação de habeas corpus exige a apresentação de prova pré-constituída, incumbindo ao impetrante instruí-la suficiente e adequadamente, sob pena de inviabilizar a apreciação do constrangimento ilegal alegado. 5. A juntada posterior de documentos não sana o vício da instrução deficiente no momento da impetração, impossibilitando o conhecimento do habeas corpus. 6. Mostra-se idônea a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública, com base na periculosidade do agente, demonstrada pelo modus operandi da prática criminosa. 7. "Havendo a indicação de fundamentos concretos para justificar a custódia cautelar, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, visto que insuficientes para resguardar a ordem pública" (AgRg no HC 955834 / GO, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN 18/2/2025.) 8. A manutenção da custódia cautelar na sentença condenatória, quando o réu permaneceu preso durante a instrução, não exige fundamentação exaustiva, sendo suficiente apontar que permanecem inalterados os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva, desde que preenchidos os requisitos legais do art. 312 do CPP. 9. "'É vedada a apreciação per saltum da pretensão defensiva, sob pena de supressão de instância, uma vez que compete ao Superior Tribunal de Justiça, na via processual do habeas corpus, apreciar ato de um dos Tribunais Regionais Federais ou dos Tribunais de Justiça estaduais (art. 105, inciso II, alínea a, da Constituição da República)" (EDcl no HC 609.741/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 15/9/2020, DJe 29/9/2020)" (AgRg no HC 924444 / RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/12/2024, DJEN 23/12/2024.)IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no RHC n. 212.397/SP, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 21/5/2025.) grifo nosso. DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE DECRETO PRISIONAL. FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO MÉRITO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto por David Soares Pinheiro contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente habeas corpus, por ausência de prova pré-constituída, diante da falta de juntada do decreto de prisão preventiva aos autos. A defesa sustentou que a ausência se deu por falha no sistema eletrônico de peticionamento e apresentou os documentos apenas com o agravo, requerendo a reconsideração da decisão ou sua submissão à Quinta Turma. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a ausência de peça essencial, como o decreto de prisão, inviabiliza o conhecimento do habeas corpus por instrução deficiente; e (ii) estabelecer se a juntada posterior do documento, em agravo regimental, supre a falha e permite a análise do mérito da impetração. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A análise do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do alegado constrangimento ilegal, devendo as peças indispensáveis estar presentes desde a impetração, sob pena de indeferimento liminar do writ. 4. O decreto de prisão é documento essencial para a verificação da legalidade da custódia cautelar, sendo imprescindível sua apresentação para viabilizar o exame da controvérsia. 5. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a instrução deficiente impede o conhecimento do habeas corpus, sendo inadmitida a juntada posterior das peças faltantes, tampouco a remissão a links eletrônicos ou consulta externa. 6. A alegação de falha técnica no sistema eletrônico de peticionamento não exime a defesa do dever de apresentar todos os documentos relevantes no momento da impetração, especialmente em razão da celeridade e da natureza documental do rito do habeas corpus. 7. Considerando que o agravante deixou de apresentar fato novo ou fundamento capaz de infirmar a decisão agravada, mantém-se o indeferimento liminar do habeas corpus por instrução deficiente. IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no HC n. 990.713/AM, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 21/5/2025, DJEN de 26/5/2025.) grifo nosso. O pedido é improcedente. Os fundamentos expandidos por ocasião da decisão por meio da qual houve o deferimento parcial do pedido da liminar são suficientes também para análise do feito, pois não há fato superveniente que os modifique: "(...) O Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), prevê como direito fundamental, o direito social à saúde (art. 6º, “caput”) e proclama que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196). A Lei n.º 11.343/06, a qual institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, entre outros, autoriza o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais se possa extrair ou produzir drogas para fins medicinais: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. O parágrafo único do art. 2º da Lei 11.343/2006, que neste ponto repete a previsão existente da antiga Lei 6.368/76, prevê que cabe a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita de vegetais para fins medicinais, mediante fiscalização e por prazo determinado. Todavia, passados mais de 40 anos, persiste a omissão e mora estatal, não havendo regulamentação da matéria. A Anvisa, órgão atualmente responsável por autorizar a importação de medicamentos à base de cannabis, entende que não tem competência para conceder referida autorização, por ausência de previsão legal.No julgamento do processo 25351.421833/2017-76, em 2019, que tinha como objeto estabelecer os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da cannabis para fins medicinais e científicos, decidiu-se pelo arquivamento, atribuindo a competência para regulamentação ao Ministério da Saúde: (...) Pelo acima exposto, é inequívoca a fragilidade processual, agravada pelo fato de tratar-se o presente instrumento de proposta de regulação de atividade econômica inexistente no Brasil, cujo escopo de atuação desta Agência demandaria delegação de competência pelo Ministério da Saúde, tendo como foco plantas proscritas em diplomas legais nacionais e internacionais, alvo de capital interesse de organizações criminosas, sem que uma completa e ampla discussão multisetorial tivesse sido efetivada. Reiterando, após criteriosa análise de tudo o que já foi exposto e por entender não ser possível o aproveitamento, ainda que parcial de partes deste processo, em face de vícios e fragilidades incontornáveis, voto pela não aprovação e pelo arquivamento da Proposta de Resolução de Diretoria Colegiada - RDC que dispõe sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis spp. exclusivamente para fins medicinais ou científicos, e dá outras providências. (...) (acesso em 19.09.2022, disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/documents/2857848/5680794/Voto+039-2019DIRE5.pdf/c8ac5255-6c5a-4a37-add8-ac47b8f61556). Por sua vez, o Ministério da Saúde em resposta à consulta sobre propostas de regulamentação de uso medicinal e científico da cannabis, manifestou que não se faz necessária a liberação do cultivo em solo brasileiro, tem em vista a baixa demanda do mercado: (...) Uma vez que a nossa manifestação se pauta apenas na liberação do canabidiol para uma única indicação terapêutica, não se faz necessária a instalação de uma capacidade nacional para o cultivo de Cannabis spp., tendo em vista que a demanda de mercado a ser suprida é baixa. A liberação do cultivo neste momento para atender um nicho restrito de mercado interno é inviável, podendo inclusive encarecer o medicamento produzido com insumo farmacêutico. (...) (Ministério da Saúde. SEI n. 0745714, Nota Técnica n. 1/2019-DATDOF/CGGM/GM/ MS, datada de 19/8/2019). O cenário brasileiro é de omissão estatal. Assim, mister se faz a concessão de salvo-conduto para garantir a não tipificação da conduta da paciente nos crimes tipificados na Lei 11.343/06, restando claro que este não substitui a autorização para importação das sementes e seu cultivo para fins terapêuticos, que permanece afeta aos órgãos administrativos. A Convenção Única sobre Entorpecentes da ONU de 1961, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 5/64 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 54.216/64 estabelece em seu preâmbulo a possibilidade do uso de substâncias entorpecentes para uso medicinal: (...) Reconhecendo que o uso médico dos entorpecentes continua indispensável para o alívio da dor e do sofrimento e que medidas adequadas devem ser tomadas para garantir a disponibilidade de entorpecentes para tais fins, (...)" A Convenção ONU sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 90/72 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 79.388/1977, em seu preâmbulo prevê: (...) Reconhecendo que o uso de substâncias psicotrópicas para fins médicos e científicos é indispensável e que a disponibilidade daquelas para esses fins não deve ser indevidamente restringida; (...) Por fim, citamos a Convenção ONU contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 162/91 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 154/91, que traz normas para o combate do tráfico ilícito de entorpecentes, extraindo-se, a contrário sensu, a existência de emprego lícito de entorpecentes. Portanto, após leitura das referidas normas, extrai-se a possibilidade do uso lícito para fins médicos e terapêuticos de substâncias entorpecentes, desde que haja a necessária autorização por órgãos designados para tal fim, prescrição médica e fiscalização. De acordo com c. Superior Tribunal de Justiça, três são os requisitos para a concessão de salvo-conduto para o cultivo artesanal de Cannabis: (i) prescrição médica devidamente circunstanciada, (ii) autorização de importação da ANVISA e (iii) expertise para produção e cultivo para uso próprio, comprovada por certificado de curso ministrado por associação/entidade capacitada para tal fim: RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SALVO-CONDUTO. CULTIVO ARTESANAL DE CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. OMISSÃO REGULAMENTAR. DIREITO À SAÚDE. 1. O Direito Penal é conformado pelo princípio da intervenção mínima e seus consectários, a fragmentariedade e a subsidiariedade. Passando pelo legislador e chegando ao aplicador, o Direito Penal, por ser o ramo do direito de mais gravosa sanção pelo descumprimento de suas normas, deve ser ultima ratio. Somente em caso de ineficiência de outros ramos do direito em tutelar os bens jurídicos é que o legislador deve lançar mão do aparato penal. Não é qualquer lesão a um determinado bem jurídico que deve ser objeto de criminalização, mas apenas as lesões relevantes, gravosas, de impacto para a sociedade. 2. A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma penal incriminadora, o uso medicinal, científico ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares. 3. A omissão legislativa em não regulamentar o plantio para fins medicinais não representa "mera opção do Poder Legislativo" (ou órgão estatal competente) em não regulamentar a matéria, que passa ao largo de consequências jurídicas. O Estado possui o dever de observar as prescrições constitucionais e legais, sendo exigível atuações concretas na sociedade. 4. O cultivo de planta psicotrópica para extração de princípio ativo é conduta típica apenas se desconsiderada a motivação e a finalidade. A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, visto que, nesse caso, coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio, visto que a finalidade, aqui, é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina. 5. Vislumbro flagrante ilegalidade na instauração de persecução penal de quem, possuindo prescrição médica devidamente circunstanciada, autorização de importação da ANVISA e expertise para produção, comprovada por certificado de curso ministrado por associação, cultiva cannabis sativa para extração de canabidiol para uso próprio. 6. Recurso em habeas corpus provido para conceder salvo-conduto a Guilherme Martins Panayotou, para impedir que qualquer órgão de persecução penal, como polícias civil, militar e federal, Ministério Público estadual ou Ministério Público Federal, turbe ou embarace o cultivo de 15 mudas de cannabis sativa a cada 3 meses, totalizando 60 por ano, para uso exclusivo próprio, enquanto durar o tratamento, nos termos de autorização médica, a ser atualizada anualmente, que integra a presente ordem, até a regulamentação do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006. (RHC n. 147.169/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022.) - grifei AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO CONCEDIDA PELA ANVISA E PRESCRIÇÃO MÉDICA RELATANDO A NECESSIDADE DO USO. AGRAVO PROVIDO. 1. Hipótese em que o Agravante busca a permissão para importar sementes, transportar e plantar Cannabis para fins medicinais, sob a afirmação de ser indispensável para o controle de sua enfermidade. 2. Considerando que o art. 2.º, parágrafo único, da Lei 11.343/06, expressamente autoriza o plantio, a cultura e a colheita de vegetais dos quais possam ser extraídas substâncias psicotrópicas, exclusivamente para fins medicinais, bem como que a omissão estatal em regulamentar tal cultivo tem deixado pacientes sob o risco de rigorosa reprimenda penal, não há como deixar de reconhecer a adequação procedimental do salvo-conduto. 3. À luz dos princípios da legalidade e da intervenção mínima, não cabe ao Direito Penal reprimir condutas sem a rigorosa adequação típico-normativa, o que não há em tais casos, já que o cultivo em questão não se destina à produção de substância entorpecente. Notadamente, o afastamento da intervenção penal configura meramente o reconhecimento de que a extração do óleo da cannabis sativa, mediante cultivo artesanal e lastreado em prescrição médica, não atenta contra o bem jurídico saúde pública, o que não conflita, de forma alguma, com a possibilidade de fiscalização ou de regulamentação administrativa pelas autoridades sanitárias competentes. 4. Comprovado nos autos que o Impetrante obteve autorização da Anvisa para importação do medicamento canábico (fl. 99), e juntada documentação médica que demonstra a necessidade do uso do óleo extraído da Cannabis para o tratamento do quadro depressivo do Recorrente, há de ser concedida a medida pretendida. 5. Agravo regimental provido para restabelecer a decisão de primeiro grau que concedeu o salvo conduto ao ora Agravante. (AgRg no RHC n. 153.768/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/6/2022, DJe de 1/7/2022.) - grifei No mesmo passo, a jurisprudência do e. TRF da 3a Região: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA IMPORTAÇÃO DE SEMENTES, PLANTIO E UTILIZAÇÃO ÓLEO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto para que o paciente possa importar e plantar cannabis para fins medicinais, pois sofre de ansiedade desde, pelo menos, 2017, bem como dor crônica e depressão (CID10 F41.1, M54 .2 / M50.3 / R52.2 / F06.4 / F32 .0), conforme descrito nos relatórios médicos. Os medicamentos convencionais prescritos para o tratamento ocasionaram efeitos colaterais, minimizados com uso medicinal Cannabis sativa. 2. Comprovação do estado de saúde do paciente e autorização pela ANVISA da importação de medicamento à base de óleos e derivados da cannabis . 3. Em que pese a edição da Lei 17.618/2023 do Estado de São Paulo e sua regulamentação pelo Decreto n 68.233/2023, somente os pacientes que fazem tratamento para as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e para Esclerose Tuberosa serão os primeiros a ter acesso aos novos fármacos. Outras doenças, como, por exemplo, as psicológicas, oncológicas, bem como as dores crônicas, ainda não foram abrangidas. Não se pode restringir o acesso à saúde, diante da omissão do Poder Público em regulamentar o adequado acesso ao uso medicinal da cannabis, pois, conforme preceitua o art. 196 da CF/88, a saúde é direito de todos e dever do Estado. 4. Permitida a importação de sementes de maconha e o seu cultivo, para uso exclusivamente pessoal e com fins medicinais enquanto houver prescrição médica e autorização de importação pela ANVISA válidas, ressalvada a possibilidade de fiscalização, pelas autoridades competentes. 5. Inexistência de indicativos de que o emprego da cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 6. Conforme pedido da defesa, limitada a importação de 120 sementes por ano para o cultivo da produção do óleo medicinal integral de cannabis de uso terapêutico e exclusivamente pessoal e com fins medicinais, ressalvada a possibilidade de fiscalização pelas autoridades competentes. 7. Salvo conduto concedido para que as autoridades policiais apontadas na inicial se abstenham de adotar qualquer medida voltada a cercear a liberdade de locomoção do paciente ou a inviolabilidade do seu domicílio, ou que resulte em apreensão ou destruição das plantas, limitando-se a importação em 120 sementes por ano para o cultivo da produção do óleo medicinal integral de cannabis, bem como transportar o remédio, portar e consumi-lo, para uso exclusivamente pessoal e com fins medicinais enquanto houver prescrição médica e autorização de importação da ANVISA, ressalvada a possibilidade de fiscalização, pelas autoridades competentes. 8 . Recurso em sentido estrito provido. (TRF-3 - ReSe: 50078143420234036181 SP, Relator.: Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, Data de Julgamento: 23/07/2024, 5ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 24/07/2024) Direito penal. Recurso em sentido estrito. Despenalização / Descriminalização. Recurso provido. I. Caso em exame 1. Trata-se de recurso em sentido estrito interposto contra sentença da 1ª Vara Federal de São Vicente (SP) que denegou a ordem de habeas corpus preventivo impetrado com vistas à expedição de salvo-conduto para importação de sementes de cannabis sativa, cultivo e extração de óleo de canabidiol para uso próprio e medicinal. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se é possível a importação de sementes de Cannabis sativa, seu plantio, cultivo e produção artesanal de óleo para fins terapêuticos, bem como a sua posse, transporte, manutenção em depósito e uso. III. Razões de decidir 3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no HC nº 783.717/PR (Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Rel. p/ acórdão Ministro Jesuíno Rissato - Desembargador Convocado do TJDFT -, j. 13.9.2023, DJe 03.10.2023), firmou entendimento no sentido de que "o uso pleiteado do óleo da Cannabis sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela ANVISA na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso - não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos". 4. Esta ordem terá validade enquanto durar o tratamento médico indicado para o paciente ou até o momento em que haja no mercado brasileiro medicamento canabinoide produzido por indústria farmacêutica brasileira aprovado pela Anvisa (ou importado, com preço acessível), específico para esse tratamento, o que ocorrer primeiro. Em qualquer desses casos, as plantas cultivadas pelo paciente deverão ser destruídas. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso provido. Tese de julgamento: “1. É possível a concessão de salvo-conduto para o cultivo doméstico de Cannabis sativa L. e extração artesanal de óleo para fins medicinais, desde que comprovada a necessidade terapêutica e observadas as restrições impostas. 2. O paciente assume responsabilidade integral pela produção, segurança, descarte e uso do produto, vedada qualquer forma de comercialização ou cessão a terceiros. 3. A decisão é válida enquanto inexistente medicamento equivalente acessível e autorizado pela Anvisa.” (...) (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ReSe - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 5003028-33.2024.4.03.6141, Rel. MARIA FERNANDA DE MOURA E SOUZA, julgado em 07/05/2025, Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO) - grifei No caso sob análise, não estão presentes os requisitos para a concessão da liminar. A probabilidade do direito não está configurada. Conquanto o paciente tenha comprovado ter prescrição médica para uso de medicamentos à base de cannabis (ID 363060907, 363060910, 363060911, 363060912, 363060914) e ser portador de patologias tratáveis com cannabis (IDs 363060918, 363060919), não restou demostrada sua capacidade técnica para produzir seus medicamentos, ausência de capacidade econômica para sua aquisição, a quantidade necessária e, principalmente, a autorização da ANVISA para a importação de sementes. Os certificados de curso apresentados identificam o aluno tão somente com o nome de Iago Fonseca, não constando o nome completo do paciente e tão pouco qualquer número de documento de identificação pessoal; portanto, não é apto a certificar a capacidade técnica do paciente para a produção dos medicamentos. O paciente se limitou a apresentar um único orçamento de medicamentos, o qual não possui qualquer identificação do vendedor a comprovar sua origem (ID 363060922), bem como apresentou tão somente uma declaração de renda, sem qualquer documento a lastreá-la (ID 363060906). Assim, não restou comprovado o alto custo dos medicamentos e a incapacidade econômica do paciente. O laudo técnico agronômico refere-se a terceira pessoa estranha ao feito, não comprovando a quantidade necessária de cannabis para a produção dos medicamentos do paciente (ID 363060925). Por fim, o comprovante de cadastro para importação de produto derivado de cannabis (ID 363060916) não identifica o produto autorizado, e os demais comprovantes autorizam a importação de medicação, não a importação de sementes (ID 363060908 e 363060915). (...)" Diante do exposto, não concedo a ordem. Sem custas (artigos 5o da Lei 9289/96 e 5o, LXXVII, da CF). Ciência ao representante do Ministério Público Federal Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se.
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Processo nº 5002026-09.2024.4.03.6115
ID: 319148733
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de São Carlos
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5002026-09.2024.4.03.6115
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VINICIUS PINHEIRO BOMFIM DOS SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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LEOMAR GONCALVES PINHEIRO
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002026-09.2024.4.03.6115 / 2ª Vara Federal de São Carlos AUTOR: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM SÃO PAULO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - P…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5002026-09.2024.4.03.6115 / 2ª Vara Federal de São Carlos AUTOR: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM SÃO PAULO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: THIAGO JOSE SILVA BARBOZA DE PAULA Advogados do(a) REU: LEOMAR GONCALVES PINHEIRO - SP144349, VINICIUS PINHEIRO BOMFIM DOS SANTOS - SP488370 SENTENÇA 1. RELATÓRIO THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, qualificado nos autos, foi denunciado pelo Ministério Público Federal como incurso nas penas do artigo 2º, § 1º, inciso I, do artigo 3º, caput, e no artigo 5º, caput, todos da Lei nº 13.260/16. Segundo consta da denúncia (Id 351140678): Em 31 de outubro de 2024 a Adidância do Federal Bureau of Investigation (FBI) comunicou à Polícia Federal do Brasil que “detectou recentemente atividades na internet de um brasileiro usando o perfil Salafi860. OSalafi860, com sede no Brasil, era ativo em vários grupos online do ISIS1 focados em disseminar propaganda do ISIS, fabricar explosivos e orientar o planejamento de ataques. Salafi860 é avaliado como um risco de segurança para o seu pais” (p. 7-8 do ID 350740468). As autoridades norte-americanas informaram os dados de IP (internet protocol), as portas de acesso e as datas e horários de conexões realizadas por esse usuário entre os dias 25 a 29/10/2024. Instaurado o inquérito policial, verificou-se que o usuário identificado pelo nome “Salafi860” era o administrador e proprietário (owner) de um canal denominado “Comando_860”, que teve início em 10/09/2024, no ambiente“Techhaven”2, este hospedado na plataforma digital RocketChat3. Consoante relata a Polícia Federal, “[d]a exploração do canal pôde-se depreender que o numeral 860 nos nomes ‘Comando_860’ e ‘Salafi860’ fazem referência à passagem do Alcorão 8:60”, de seguinte teor: “Mobilizai todo poder que dispuserdes, em armas e cavalaria, para intimidartes, com isso, o inimigo de Allah e vosso, e se intimidarem ainda outros que não conheceis, mas que Allah bem conhece. Tudo quanto investirdes na causa de Allah, ser-vos-á retribuído e não sereis injustiçados.”4 Apurou-se, ademais, que o usuário “Salafi860” divulgava no ambiente “TechHaven”, especialmente no canal“Comando_860”, propagandas e notícias produzidas por agências vinculadas à organização terrorista autodenominada Estado Islâmico, bem como distribuía manuais de guerrilha, de produção de explosivos, de uso de armas de fogo, de teoria militar e conteúdos congêneres, muitas vezes em versões em árabe, inglês e/ou português. Oficiada, a operadora de telefonia TIM informou que o titular da conexão móvel responsável por IPs informados pelo FBI às autoridades brasileiras era o denunciado THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, por intermédio da linha telefônica nº +55 16 98200-62065. Em pesquisas, verificou-se que um dos e-mails associados a THIAGO é “shahadabrasil@gmail.com”6, tendo sido localizado um perfil no Youtube intitulado “@shadabrasil5578” “(…) de conteúdo limitado, mas de um franco proselitismo religioso muçulmano que defende a islamização do Brasil.”7 Constatou-se, também, que, pouco mais de dois anos antes, no dia 16/02/2022, THIAGO foi impedido de ingressar no Paraguai, por intermédio da fronteira entre Foz do Iguaçu/PR e Ciudad Del Este/PY, por estar portando um facão contendo inscrições em árabe8, cuja imagem é reproduzida abaixo: (...) Quatro dias antes deste fato, THIAGO havia sido abordado pela Polícia Militar brasileira, após adentrar em uma Mesquita na cidade de Foz do Iguaçu/PR com uma bolsa de mão em cujo anterior carregava o facão9. A operadora DESKTOP TELECOMUNICAÇÕES, por sua vez, informou que uma das conexões informadas pelo FBI foi realizada a partir do endereço da Rua Dr. Procópio Toledo Malta, nº 570, Loteamento Habitacional São Carlos 1, em São Carlos/SP10. Esclareceu-se posteriormente que naquele local havia08 (oito) casas ou kitnets, sendo que a de nº 07 era alugada e habitada por THIAGO11, embora os dados da operadora DESKTOP tenha informado o nome do locador (Jose Maria Pereira)12. Com base em tais elementos e mediante prévia autorização judicial, no dia 12/12/2024 a Polícia Federal deu cumprimento a mandado de busca e apreensão expedido nos autos nº 5002027-91.2024.403.6115 no endereço citado no parágrafo precedente, tendo confirmado que, de fato, THIAGO morava naquele local. Lá foram encontrados e arrecadados, entre outros objetos13, uma pistola de pressão (simulacro/air soft), um spray de pimenta, um facão combainha, uma bandeira da cor preta com inscrições relacionadas ao Estado Islâmico, três exemplares do livro do “Alcorão Sagrado”, um documento de “juramento de lealdade ao Califado”, bem como diversos produtos químicos14, garrafas com aparência de “coquetéis molotovs”, materiais para manipulação de produtos químicos, objetos e evidências que comprovaram a vinculação de THIAGO com a organização terrorista Estado Islâmico e a prática de condutas criminais tipificadas na Lei de Terrorismo (nº 13.260/16). 2- DO CRIME DE PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO TERRORISTA Pelo menos no período de agosto a 12 de dezembro de 2024, THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, integrou a organização terrorista autointitulada “Estado Islâmico”, bem como promoveu-a e prestou-lhe auxílio consistentes: na difusão de propagandas, notícias, preceitos e conteúdos de interesse do Estado Islâmico, propagando a discriminação, o ódio e a violência por razões religiosas; e no compartilhamento de material para fomentar a prática de atentados terroristas, tais como manuais de táticas de guerrilha, de produção de explosivos, de teoria militar e publicações congêneres, notadamente no ambiente “Techhaven” hospedado na plataforma digital RocketChat, acessível a um número indeterminado de pessoas em todo o mundo. [...] 3- DOS CRIMES DE ATOS DE TERRORISMO E SEUS ATOS PREPARATÓRIOS No dia 12 de dezembro de 2024, em sua residência na Rua Dr. Procópio Toledo Malta, nº 570, Loteamento Habitacional São Carlos 1, em São Carlos/SP, THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, motivado por razões religiosas em prol dos ideais da organização terrorista Estado Islâmico, guardou artefatos explosivos (coquetéis “molotov”) capazes de causar danos com a finalidade de utilizá-los para provocar terror social, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública. No mesmo local acima, em período incerto que perdurou pelo menos entre agosto a 12 de dezembro de 2024, THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, motivado por razões religiosas em prol dos ideais da organização terrorista Estado Islâmico, realizou atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de colocá-los em prática, ao adquirir equipamentos e insumos para a fabricação de explosivos capazes de causar danos e que seriam utilizados para provocar terror social, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública. Ato contínuo, em sua cota ministerial (Id 351140726), o Parquet formulou os seguintes requerimentos: i) seja declarada sem efeito a “autoconcessão” de prorrogação de prazo para encerramento do inquérito realizada pela Polícia Federal por intermédio da certidão na p. 63 do ID 350740472, uma vez que em descompasso com o artigo 7º da Resolução CJF nº 063/2009 e com o disposto no artigo 66 da Lei 5.10/66; ii) seja requisitada à Polícia Federal: a-) a apresentação, em prazo a ser fixado por Vossa Excelência, dos laudos periciais solicitados pelo exmo. Delegado de Polícia Federal pelos Ofícios nº 5193262/2024 (perícia de local do crime, p. 61 do ID 350740468), nº 5194657/2024 (de telefone celular e itens informáticos, p. 62 do ID 350740468). Relativamente à perícia de telefone celular e de itens informáticos, o MPF requer seja requisitado à Polícia Federal que proceda a análise e o cruzamento dos dados extraídos com os demais elementos da investigação, notadamente para corroborar, ou não, o conjunto probatório dos fatos já conhecidos, propiciar a descoberta de condutas penalmente relevantes ainda desconhecidas e para a identificação de outros participantes em solo nacional da organização terrorista; b-) a realização, em prazo a ser fixado por Vossa Excelência, de perícia de informática para a preservação (extração e gravação de cópia) dos dados (imagens, mensagens, arquivos de texto, de áudio e/ou vídeo etc.) veiculados no canal “Comando_860” no ambiente “Techhaven” da plataforma digital “RocketChat”, bem como de outras mensagens e/ou conteúdos publicados naquele ambiente pelo usuário “Salafi860”, notadamente aqueles mencionadas na Informação de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (p. 18-39 do ID 350740468). iii) com o objetivo de apurar eventuais condutas penalmente relevantes de THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA não abrangidas pela denúncia ora oferecida1 e para a identificação de outros participantes em solo nacional da organização terrorista, o MPF requer seja requisitada à Polícia Federal a instauração de novo inquérito policial, a ser instruído com as cópias pertinentes desta investigação. iv) a decretação da prisão preventiva de THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, para a garantia da ordem pública, haja vista que medidas cautelares substitutivas à custódia são claramente insuficientes no caso concreto. Ainda, por meio da manifestação Id 351153879, o MPF requereu “seja determinada à Polícia Federal, em prazo a ser fixado por Vossa Excelência, a realização de perícia nos produtos químicos e nos dois objetos assemelhados a ‘coquetéis molotov’ apreendidos na residência do denunciado THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA , a fim de que sejam respondidos os quesitos periciais de praxe para aferição de artefatos explosivos e de produtos destinados à sua fabricação, especialmente acerca da sua potencialidade lesiva”. A defesa técnica, por sua vez, depois do oferecimento da denúncia, apresentou a petição Id 351775311, nos autos do pedido de busca e apreensão nº 5002027-91.2024.4.03.6115, aduzindo que a “defesa se sente totalmente prejudicada da forma que o Ministério Público vem conduzindo o presente processo, querendo a todo custo encobrir a falha de ter requerido a prorrogação fora do prazo e requer a nulidade de todos os atos práticos desde o requerente a prorrogação da prisão preventiva”. A denúncia foi recebida em 30/01/2025 por este Juízo da 2ª Vara Federal de São Carlos/SP, por decisão que ainda acolheu a representação do Ministério Público Federal e converteu a prisão temporária de Thiago em prisão preventiva; indeferiu a pretensão ministerial de tornar sem efeito a prorrogação de prazo para encerramento do inquérito realizada pela Polícia Federal, especialmente em razão da sua inutilidade naquele estágio da persecução penal; indeferiu as requisições à autoridade policial pretendidas pelo Ministério Público Federal, sem prejuízo de que o próprio Parquet adotasse as medidas necessárias para juntar aos autos as provas que entendesse necessárias ao julgamento da ação penal; e indeferiu o pedido da defesa para anulação dos atos praticados na fase policial (Id 352131077). A defesa apresentou resposta à acusação pugnando pela rejeição da denúncia por ausência de justa causa; pelo reconhecimento da atipicidade da conduta; pela impossibilidade de enquadramento na Lei Antiterrorismo. Aduziu a ilegalidade da prorrogação da prisão temporária e da conversão em prisão preventiva. Pugnou pela revogação da prisão preventiva por ausência de risco concreto à ordem pública. Por fim, arrolou as mesmas testemunhas indicadas pela acusação e requereu a realização de perícia técnica para comprovar se Thiago realmente era o administrador do canal “Comando_860” e se os produtos químicos apreendidos possuem potencial ofensivo (Id 356315967). O MPF se manifestou pela manutenção da prisão preventiva e pela ausência de elementos ensejadores da absolvição sumária do acusado, pugnando pelo prosseguimento da ação, nos termos do artigo 399 do Código de Processo Penal (Id 356659772). A decisão de Id356925522, proferida em 13/03/2025, afastou a absolvição sumária, manteve o recebimento da denúncia e a prisão preventiva do réu, bem como designou audiência de instrução. A defesa de Thiago informou que protocolou pedido junto à Administração da Penitenciária de Araraquara/SP para obter autorização para manutenção da barba de Thiago, permissão para acesso ao Alcorão e fornecimento do medicamento Fluoxetina. Contudo, até aquele momento não teria obtido resposta (Id 359461192). O Ministério Público Federal apresentou parecer favorável ao deferimento dos pedidos (Id 359747086). A decisão de Id 359789423 determinou à unidade prisional onde se encontrava recolhido o custodiado que, caso ainda não o tivesse feito, autorizasse o acesso a exemplar do Alcorão por Thiago, bem como que submetesse o custodiado a avaliação por médico vinculado ao próprio sistema prisional e, caso fosse prescrita alguma medicação, que esta fosse fornecida a Thiago, nos termos da prescrição. Neste ponto, foi facultada à defesa a apresentação perante a unidade prisional de receita médica com prescrição da medicação pretendida, a fim de que a direção da unidade viabilizasse o necessário para o acesso ao tratamento medicamentoso pelo custodiado. Por fim, com base na jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, foi indeferido o pedido de manutenção da barba. Aos Ids 363589220 e 364396104 e seus respectivos anexos, vieram aos autos laudos técnicos e outros documentos. Em audiência realizada, foram tomados os depoimentos de cinco testemunhas comuns e, na sequência, realizado o interrogatório do acusado. Na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, nada foi requerido pelas partes (Id 364826944). Ainda em audiência de instrução, a defesa requereu expressamente a concessão de liberdade provisória. Após manifestação do MPF, foi proferida decisão pela manutenção da prisão preventiva, nos termos da decisão de Id 356925522 e diante da ausência de modificação das circunstâncias fáticas que levaram à prisão, destacando-se, inclusive, que por ocasião da prolação de sentença seria reapreciada a prisão. Ao final foi concedido prazo para apresentação de memoriais finais pelas partes e determinada a expedição de ofício à unidade prisional para que informasse acerca do cumprimento da decisão de Id 359789423 a respeito da submissão do réu “a avaliação por médico vinculado ao próprio sistema prisional e, caso seja prescrita alguma medicação, que esta seja fornecida a THIAGO JOSE SILVA BARBOZA DE PAULA nos termos da prescrição”. Ficou consignado que se a decisão Id 359789423 (atendimento médico) ainda não tivesse sido cumprida, deveria a unidade prisional, ao receber o Ofício deste Juízo, submeter o réu imediatamente ao atendimento médico determinado por este Juízo, prestando as devidas informações ao Juízo no mesmo prazo. O Ministério Público Federal apresentou seus memoriais ao Id 365583980, asseverando, em suma, que "A materialidade dos delitos narrados na denúncia está confortavelmente assentada em inúmeros documentos juntadas a esta ação penal", que "Não há dúvidas de que a conduta do acusado alcançava a dupla motivação exigida pelo caput artigo 2º para a configuração do terrorismo, pois agia insuflado por preconceito de religião e tinha por finalidade provocar terror social ou generalizado e expunha a perigo pessoa, patrimônio, paz pública e incolumidade pública"; que "os mesmos citados elementos de convicção permitem afirmar a tipicidade do artigo 3º da Lei 13.260/16. Sim, pois as postagens promoviam, a toda evidência, a organização terrorista Estado Islâmico. Aliadas ao juramento, confirmam que THIAGO integrava a mesma organização, cuja bandeira guardava em seu quitinete. De resto, prestava-lhe auxílio buscando recrutar novos integrantes"; que "Há, igualmente, materialidade bastante a confirmar que o acusado guardava explosivos, conteúdos químicos, ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa (art. 2º, §1º, I, da Lei 13.260/16)"; que "os fatos tratados nesta ação penal são de singular gravidade. Não fosse a natureza já por si extremamente violenta do crime de terrorismo, a possibilidade de ocorrer no meio acadêmico, como algumas notícias parecem sugerir, acentua a proporção trágica que a pretensão do acusado poderia ter alcançado"; que "a variedade e a natureza específica dos materiais físicos encontrados no local periciado, em confronto com o conteúdo da atividade online (salafi860, Comando_860, Techhaven), com a identificação dos IPs e com as notícias advindas da Universidade onde estudava, formam um acervo probatório coeso e robusto a confirmar a autoria de THIAGO e a refutar de maneira categórica a hipótese de que tenha sido envolvido nos fatos por uma terceira pessoa, em retaliação a uma desavença pontual"; ao final, requereu "a condenação de THIAGO JOSE SILVA BARBOZA DE PAULA nos exatos termos da denúncia". Ao Id 365681546, veios aos autos Relatório Médico produzido pela unidade prisional (Id 365681546), sobre o qual foi dada ciência às partes e nada foi requerido. Na sequência, a defesa apresentou suas alegações finais (Id 367140878), aduzindo, em síntese, que "a atribuição da autoria digital é absolutamente frágil, baseada em inferência remota, sem qualquer lastro técnico ou cadeia de custódia digital válida"; que "os itens apreendidos foram possivelmente plantados por esse vizinho, justamente no intervalo em que a residência de Thiago foi deixada desguarnecida pela Polícia Militar, após a condução do réu"; que "Não houve lacração do imóvel, nem vigilância, nem preservação da cena até a chegada da Polícia Federal — o que rompeu a cadeia de custódia e permitiu a manipulação indevida do local"; que " Não possui antecedentes, não apresenta comportamento violento e nunca promoveu qualquer ação que se relacione a terror, violência ou perturbação da ordem pública"; que "as provas obtidas em contexto de possível plantação, sem qualquer controle técnico, sem garantia de autenticidade ou integridade, são imprestáveis para embasar uma condenação criminal, devendo ser expressamente desconsideradas por este juízo"; que "Não há mensagens, planos, alvos, ameaças ou ações preparatórias reais com indício de que Thiago buscasse causar pânico, medo coletivo ou desestabilização da ordem pública"; que "A única conexão atribuída entre o réu e qualquer grupo extremista parte de inferência indireta, sem comunicação, filiação ou adesão explícita"; que "a análise técnica e jurídica do conteúdo apreendido revela que não há qualquer prova de que esses itens possuíam potencial lesivo real ou se enquadrassem na definição legal de artefatos explosivos"; que "A linha do tempo dos acontecimentos demonstra, com nitidez, a possibilidade real de que os materiais supostamente incriminadores tenham sido plantados na residência do réu, após sua condução à delegacia"; que "a persecução penal em curso carece de base fática legítima e transborda para a esfera de uma perseguição ideológica, incompatível com o Estado Democrático de Direito". Ao final, requer "seja declarada a absolvição do réu Thiago José da Silva Barboza de Paula". É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Das imputações contidas na denúncia Imputou-se ao acusado a prática dos delitos previstos no artigo 2º, § 1º, inciso I (atos de terrorismo), no artigo 3º, caput (promoção, integração ou prestação de auxílio à organização terrorista) e no artigo 5º, caput (atos preparatórios de terrorismo), todos da Lei nº 13.260/16, conhecida como Lei Antiterrorismo. A supracitada lei, conforme se constata da leitura do seu artigo primeiro, “regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista”. O referido dispositivo constitucional, por sua vez, assim prevê: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; Na lição de Alex Schmid, o ato de terrorismo pode ser definido da seguinte forma: "O terrorismo é um método de combate no qual vítimas aleatórias ou simbólicas servem como um alvo instrumental da violência. Essas vítimas instrumentais compartilham características de grupos ou classe que formam a base para sua seleção para vitimização. [...] A vitimização do alvo da violência é considerado extranormal pela maioria dos observadores do público testemunha, com base em sua atrocidade, o tempo (por exemplo, tempo de paz) ou local (não um campo de batalha) de vitimização, ou o desrespeito pelas regras de combate aceitas em guerra convencional. A violação da norma cria uma audiência atenta além do alvo do terror; setores dessa audiência podem, por sua vez, formar o principal objeto de manipulação. O objetivo desse método indireto de combate é imobilizar o alvo do terror, a fim de produzir desorientação e/ou conformidade, ou mobilizar alvos secundários de demandas (por exemplo, um governo) ou alvos de atenção (por exemplo, opinião pública) a mudanças de atitude ou comportamento favorecendo os interesses de curto ou longo prazo dos usuários deste método de combate" (APUD VEIGA, Eduardo de Lima. Terrorismo e direito penal do inimigo: contornos e legitimidade à luz do direito internacional – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. pág. 15 – grifo nosso). Embora o repertório jurídico anterior à Lei Antiterrorismo pudesse oferecer respostas penais a eventuais atentados, tipificando as condutas terroristas como homicídios, crimes de ódio ou relativas à posse de armamento ou explosivos, é certo que o legislador, ao fixar uma definição para o terrorismo, finca novo horizonte de análise e convida o intérprete a observar o entorno do fato em suas múltiplas dimensões. Não por outra razão, a Lei nº 13.260/16 antecipa a punição do terrorismo para os atos preparatórios, por entender que este é um crime cuja resposta penal tem que ser prospectiva, ou seja, anterior ao delito. Tal manobra justifica-se pela peculiaridade do delito, cujo tempo de ação é demasiado curto e que, caso assim não fosse, não seria possível alcançar a efetividade para a ação penal. A par dessas considerações introdutórias, passo à análise das imputações propriamente ditas. 2.2. Artigo 2º, § 1º, inciso I (atos de terrorismo) e artigo 5º, caput (atos preparatórios de terrorismo) Antes de adentrar na análise de cada espécie delitiva, transcrevo entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC n. 537.118/RJ, no sentido de que o delito do artigo 5º tem caráter subsidiário em relação ao crime do artigo 2º da Lei 13.260/16, funcionando como uma espécie de "soldado de reserva", confira-se: HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE TERRORISMO. ART. 5º, C/C O ART. 2º, § 1º, I E V, DA LEI N. 13.260/2016. ELEMENTARES DO TIPO. MOTIVAÇÃO POR RAZÕES DE XENOFOBIA, DISCRIMINAÇÃO OU PRECONCEITO DE RAÇA, COR, ETNIA E RELIGIÃO NÃO CARACTERIZADA. TIPO PENAL DO ART. 5º SUBSIDIÁRIO EM RELAÇÃO AO ART. 2º DA LEI ANTITERRORISMO. 1. O tipo penal exerce uma imprescindível função de garantia. Decorrente do princípio da legalidade, a estrutura semântica da lei incriminadora deve ser rigorosamente observada e suas elementares devem encontrar adequação fática para que o comando secundário seja aplicado. 2. O uso da expressão "por razões de" indica uma elementar relativa à motivação. A construção sociológica do ato de terrorismo conjuga motivação e finalidade qualificadas, compreensão essa englobada na tipificação penal brasileira. 3. O delito do art. 5º funciona como soldado de reserva em relação ao delito de terrorismo, art. 2º, ambos da Lei n. 13.260/2016. Trata-se de criminalização dos atos preparatórios do delito de terrorismo, expressão que remete ao dispositivo anterior, exigindo a interpretação sistemática. A tipificação da conduta descrita no art. 5º exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º da Lei Antiterrorismo. 4. O Tribunal local, ao dispensar a motivação constante do dispositivo legal, terminou por admitir a configuração do delito sem a clara definição da motivação. Trata-se de operação indevida, visto que admite a perpetração de (ato infracional análogo a) crime, sem que estejam devidamente configuradas todas as suas elementares. 5. Ordem concedida para cassar o acórdão impugnado, afastando a capitulação da conduta como ato infracional análogo ao crime descrito no art. 5º, c/c o art. 2º, § 1º, I e V, da Lei n. 13.260/2016, e determinar o rejulgamento da causa pelo Tribunal local, como se entender de direito. (HC n. 537.118/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 11/12/2019.) Em razão do entendimento acima exposto, as espécies delitivas previstas no artigo 2º, §1º, inciso I (atos de terrorismo) e no artigo 5º, caput (atos preparatórios de terrorismo) serão analisadas em conjunto. A denúncia imputou ao réu a suposta prática dos delitos assim previstos na Lei Antiterrorismo: “Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. § 1º São atos de terrorismo: I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; (...) Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.” --- “Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito: Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.” A configuração do crime de terrorismo pressupõe intenção específica por parte dos agentes, a qual está elencada no caput do art. 2º, que exige dupla motivação: a) agir por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião; e b) finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. Interessante notar que parte das elementares do crime de terrorismo se encontra no caput do art. 2º (elemento subjetivo) e parte em seu § 1º (condutas típicas e objeto material). O inciso I, §1º do artigo 2º traz as condutas puníveis de “usar ou ameaçar usar”, “transportar”, “guardar”, “portar” ou “trazer consigo” quaisquer dos itens nela enumerados - explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa. O artigo 5º, caput, por sua vez, traz a conduta punível de “realizar atos preparatórios” dos atos de terrorismo do artigo 2º da lei de regência. Evidencia-se, assim, que na Lei Antiterrorismo há previsão de punição não só nos casos de execução do crime, mas também no caso da prática dos atos preparatórios do crime. Ambos os crimes são formais, que se consumam com a mera prática do tipo penal, independentemente de qualquer resultado naturalístico. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Por sua vez, os sujeitos passivos são o Estado e a coletividade. No caso dos autos, segundo a denúncia, no “dia 12 de dezembro de 2024, em sua residência na Rua Dr. Procópio Toledo Malta, nº 570, Loteamento Habitacional São Carlos 1, em São Carlos/SP, THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, motivado por razões religiosas em prol dos ideais da organização terrorista Estado Islâmico, guardou artefatos explosivos (coquetéis “molotov”) capazes de causar danos com a finalidade de utilizá-los para provocar terror social, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública. No mesmo local acima, em período incerto que perdurou pelo menos entre agosto a 12 de dezembro de 2024, THIAGO JOSÉ SILVABARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, motivado por razões religiosas em prol dos ideais da organização terrorista Estado Islâmico, realizou atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de colocá-los em prática, ao adquirir equipamentos e insumos para a fabricação de explosivos capazes de causar danos e que seriam utilizados para provocar terror social, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública”. Percebe-se que o MPF narrou as condutas de modo a cumular as tipificações dos artigos 2, § 1º, inciso I, e 5º, ambos da Lei nº 13.260/16. Contudo, nos termos da já citada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, estes tipos penais são inacumuláveis, sendo necessário enquadrar a conduta narrada em apenas um deles. No caso dos autos, a despeito de todos dos materiais apreendidos, que serão melhor detalhados a seguir, não foi possível identificar, de plano, a existência de um artefato pronto que pudesse ser classificado como "meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa", conforme exige o inciso I do § 1º do artigo 2º da Lei nº 13.260/16. Por outro lado, de todas as aprovas que serão vistas adiante, é possível constatar que o conteúdo das apreensões contém substâncias e petrechos aptos à elaboração de explosivos que poderiam, a depender do contexto da sua utilização, serem capazes de causar danos ou promover destruição em massa, a revelar a configuração de ato preparatório na forma do artigo 5º, caput, da lei especial. Vale registrar, a título de ilustração, o atentado à Maratona de Boston de 2013, quando duas bombas caseiras feitas com panelas de pressão explodiram, causando a morte de três pessoas e ferindo outras 264 pessoas. Tudo não passou de uma empreitada artesanal engendrada por dois irmãos, que fabricaram explosivos em sua própria residência. Assim, a conduta narrada na denúncia melhor se amolda ao delito previsto no art. 5º, caput, da Lei nº 13.260/16, que é figura subsidiária em relação ao crime do artigo 2º da Lei nº 13.260/16 (STJ - HC n. 537.118/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 11/12/2019). Da conduta descrita no artigo 5º, caput da Lei nº 13.260/16 (atos preparatórios de terrorismo) Segundo consta da denúncia, o FBI – Federal Bureau of Investigation (Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos da América) identificou atividades na internet de um cidadão de nacionalidade brasileira atuando em grupos de integrantes/apoiadores da organização Estado Islâmico (EI), voltados à disseminação de propaganda, fabricação de explosivos e orientação/planejamento de atividades terroristas. O referido cidadão se identificava nesses grupos sob o nome de usuário “Salafi860” (Id 350740468, fls. 8). Conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38), diligências efetuadas no ambiente digital e em fontes abertas identificaram a plataforma denominada “TechHaven”, onde há um canal de comunicação denominado “Comando_860”, administrado por pessoa com o mesmo nome de usuário. Nesse canal, verificou-se a divulgação de propaganda e notícias produzidas por agências como "Amaq", ligada ao EI, além de temas variados sobre o Oriente Médio e atuação de grupos terroristas espalhados pelo mundo. Em 10/09/2024, o usuário “Salafi860” afirmou, em postagem no canal, que o único objeto desse meio seria “recrutar e treinar operadores” do EI em solo brasileiro. Destaco da referida IPJ nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38): Da exploração realizada no canal pôde-se depreender que o numeral 860 nos nomes Comando_860 e Salafi860 fazem referência à passagem do Alcorão 8:60 (Imagem 04), uma vez que foi localizada essa referência em publicação do usuário Salafi860, conforme: O policial responsável pela elaboração da IPJ IPJ nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38), após destacar as dificuldades técnicas para preservar o conteúdo das publicações do “Techhaven”, assinala que a fim de documentar os achados de interesse localizados na plataforma, adotou a metodologia de extração de impressões de tela e links de acesso aos conteúdos. Assim, prossegue exemplificando algumas publicações feitas pelo usuário Salafi860, tanto no canal Comando_860, como em outros canais da plataforma “Techhaven”, dentre as quais destaco a publicação ocorrida no dia 24/08/2024 pelo referido usuário assim descrita na IPJ: Data: 24 AGO 2024 Link: https://big.fileditchstuff.me/b40/XNrpWWDQXWRGqgrQLIN.mp4 “Comentário: O vídeo de propaganda do Comando_860 possui legendas inglês. Em uma breve descrição, inicia-se com escritos em árabe, profissão de fé muçulmana, seguido por uma logo do Estado Islâmico. A seguir, uma série de recortes de matérias jornalísticas sobre o conflito entre Israel e o Hamas, com viés anti Israel, e referências a manifestações pró-Israel que aconteceram no Brasil. O vídeo também apresenta reportagens televisivas a respeito de operações da Polícia Federal como a que prendeu Fábio Samuel, a Operação Trapiche e a respeito da morte de Valdir Pereira, alvo da Operação Hashtag. Na parte final do vídeo há um recorte de um vídeo de recrutamento do Estado Islâmico intitulado “insidethekhilafah”, produzido pela ALHAYAT, braço de mídia da organização terrorista. No vídeo há orientações por parte de um militante daquela organização terrorista de como realizar ataques contra “infiéis”. É apresentado também um pequeno trecho de vídeo da imagem de um lobo, em possível referência a atuação dos chamados “lobos solitários”. Destaca-se que os 13 (treze) segundos finais são, aparentemente, as únicas cenas originais, ou seja, não são recortes produzidos por outros. Esse breve clipe no final do vídeo contém imagens trêmulas, provavelmente registradas com uma câmera de telefone. A cena mostra uma bandeira do Estado Islâmico presa a uma parede e, ato contínuo, um indivíduo mostrando um objeto semelhante a uma arma de fogo, propositalmente escondido por um efeito de baixa resolução e, posteriormente, uma faca sendo erguida e movimentada em direção a câmera. O clipe encerra com fundo negro e escritos em árabe e a frase “Estado Islâmico – COMANDO 860 – Agosto 2024”. Neste ponto cumpre destacar que a bandeira (n.° do bem 2024.61015) e a faca (n.º do bem 2024.61009) apreendidos na residência do réu Thiago (Id 350740472, fls. 39) guardam evidente semelhança com a faca e a bandeira que aparecem na parte final do vídeo publicado pelo usuário Salafi860 no dia 24/08/2024, objeto da IPJ já transcrita acima: “Destaca-se que os 13 (treze) segundos finais são, aparentemente, as únicas cenas originais, ou seja, não são recortes produzidos por outros. Esse breve clipe no final do vídeo contém imagens trêmulas, provavelmente registradas com uma câmera de telefone. A cena mostra uma bandeira do Estado Islâmico presa a uma parede e, ato contínuo, um indivíduo mostrando um objeto semelhante a uma arma de fogo, propositalmente escondido por um efeito de baixa resolução e, posteriormente, uma faca sendo erguida e movimentada em direção a câmera. O clipe encerra com fundo negro e escritos em árabe e a frase “Estado Islâmico – COMANDO 860 – Agosto 2024”. Seguem imagens da faca e da bandeira apreendidas: Ainda segundo a IPJ nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38), o usuário identificado como “Salafi860” enviou àquele canal diversos materiais ligados ao extremismo jihadista, como “O Guia do Mujahid para sobrevivência e Esconderijo”, “Recomendações para treinamento de pessoal e equipamentos para o mujahid iniciante”; “O básico no mundo dos explosivos”; “Matar os insolentes é o direito de todo muçulmano”; “Operações de Martírio”. Conforme esclarecido pela Polícia Federal, o termo “mujahid” designa o “combatente da guerra santa”. Conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4905885/2024 (Id 350740468, fl. 40), a Polícia Federal, a partir dos IPs informados pelo FBI, identificou que o usuário “Salafi860” utilizava conexão ligada ao terminal 5516982006206, registrado em nome do réu THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA – CPF 087.040.567-52. Com essa identificação, localizaram-se dois registros do réu THIAGO em atividades suspeitas: a) em 12/02/2022, a Polícia Miliar do Paraná teria o abordado na cidade de Foz do Iguaçu, por atitude suspeita, ocasião em que o surpreenderam portando bolsa de mão na qual estava guardado um facão; b) quatro dias depois, autoridades migratórias do Paraguai teriam impedido sua entrada naquele país; nessa oportunidade, ele também portaria um facão com inscrições em árabe (Id 350740468, fl. 48 a 51). Conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4949787/2024 (Id 350740468, fl. 78), resposta encaminhada pela provedora de Internet Desktop revelou que o acesso do usuário “Salafi860” foi realizado a partir de conexão realizada a partir de um endereço de instalação na cidade de São Carlos/SP, a saber: Rua Dr. Procópio Toledo Malta, 570, Lote Habitacional São Carlos I, CEP 13.563-002. Ainda segundo a IPJ, a titularidade do serviço consta em nome de José Maria Pereira. Apurou-se na instrução processual, como se verá mais adiante, que José Maria Pereira era o proprietário do imóvel em que o réu THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA alugava uma instalação residencial e residia, motivo pelo qual a conexão de wi-fi estava em nome de José Maria Pereira. Em cumprimento ao mandado de busca e apreensão no referido endereço, a Polícia Federal, na casa 07 onde o réu residia, apreendeu, dentre outros, os seguintes objetos: notebook, pen drive, dispositivos de armazenamento de arquivos eletrônicos, chip de celular, celular, Pistola de pressão (simulacro/air soft com cilindros de gás), faca, canivete, passaporte em nome do acusado, anotações manuscritas, bandeira e livros relacionados ao EI, luneta, spray gás de pimenta, silenciador de arma, produtos químicos identificados (glicerina pura, álcool e água oxigenada) e não identificados, dentre outros, conforme Termos de Apreensão nº 5187557/2024 e nº 5192916/2024 (Id 350740472, fl. 35 e 42). A materialidade do crime tipificado no artigo 5º, caput, da Lei nº 13.260/2016, restou demonstrada a partir dos elementos contidos (i) nas Informações de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (Id 350740468, fls. 18/39) e nº 5219181/2024 (Id 350740472, fls. 44/59); (ii) dos bens apreendidos na residência do acusado, discriminados nos Termos de Apreensão nº 5187557/2024 e nº 5192916/2024 (Id 350740472, fls. 35/43); (iii) do Laudo de Perícia 816/2025-SETEC/SR/PF/SP (Química Forense) (Id 360857754, fls. 02/13) e seu Laudo complementar n.º 1697/2025 (Id 364396106); (iv) do Laudo de Perícia 1025/2025-INC/DITEC/PF (Química Forense) (Id 364396107); (v) Informação de Exploração de Material (dados) extraídos das mídias informacionais e dispositivos móveis apreendidos na residência do réu (Id 360857754, fls. 14/19); (vi) do Laudo de Perícia 066/2025-NUTEC/DPF/POR/SP (Exame do local) (Id 363589221, fls. 01/13); e (vi) dos depoimentos testemunhais prestados em juízo, que serão explanados adiante. Oportuno destacar que o Laudo de Perícia 816/2025-SETEC/SR/PF/SP (Química Forense) (Id 360857754, fls. 02/13) identificou entre as substâncias apreendidas na residência do acusado: uréia (item I.1, em 12,2 g (doze gramas e dois decigramas); glicerina (item I.2,100 ml (cem mililitros); peróxido de hidrogênio (item I.4, 90 ml (noventa mililitros); hidrocarbonetos – compatível com cera (item I.5, em 9,8 g (nove gramas e oito decigramas); fosfato de amônio (item I.6.1, em 6,7g (seis gramas e sete decigramas); etanol (item I.10, em 13,9 g (treze grama e nove decigramas) e item I.12, em 30,0 g (trinta gramas) e hidrocarbonetos e ésteres de hidrocarbonetos de cadeia curta a média – compatível com combustível (item I.13, em 121,0 g (cento e vinte e um gramas). Ainda segundo o referido laudo, “Não foi possível identificar de maneira inequívoca, através dos exames disponíveis neste Setor, os materiais descritos nos itens I.3, I.6.2, I.6.3, I.7, I.8, I.9 e I.11. Assim, todo o restante desses materiais segue encaminhado ao SEPLAB/INC para a realização de análises (Tabela 3). Todo o restante dos materiais indicados na Tabela 3 como “CONTRAPROVA” seguem encaminhados juntamente com este Laudo para arquivamento no depósito de contraprovas deste Setor.” Em relação ao material que foi possível a identificação nesta primeira perícia ,consta do referido laudo: A ureia é uma substância rica em nitrogênio, sendo muito utilizada na agricultura como fertilizante. Apresenta alto teor hidratante, apresentando muitas aplicações na indústria cosmética. Pode também ser utilizada como estabilizador em explosivos. A glicerina é uma substância hidratante, muito utilizada na indústria e na cosmetologia. O peróxido de hidrogênio é um composto com grande capacidade de liberação de oxigênio, sendo utilizado para limpeza e desinfecção de superfícies, clareamento de tecidos. Pode ser utilizado como propelente em motores devido à liberação rápida de oxigênio. O fosfato de amônio é uma substância rica em fósforo e nitrogênio, sendo amplamente utilizada como fertilizante. Além disso, é também utilizado como retardante de chamas sendo utilizado em extintores de incêndio de pó químico. O etanol é um líquido altamente inflamável, reagindo violentamente com agentes oxidantes e podendo causar incêndios e explosões. Combustíveis a base de hidrocarbonetos e ésteres de hidrocarbonetos são considerados inflamáveis. (Grifei) Atendendo a requerimento do Parquet Federal, foi apresentado o complementar Laudo de Perícia n.º 1697/2025-SETEC/SR/PF/SP (Química Forense) (Id 364396106, fls. 01/03), que em resposta a quesito que questionava expressamente se as substâncias apreendidas poderiam ser utilizadas na preparação de materiais incendiários ou explosivos, assim asseverou: A ureia e a glicerina não são substâncias incendiárias ou explosivas, mas apresentam potencial para a síntese de compostos explosivos. O nitrato de ureia (NH2)2COHNO3, poderoso explosivo, pode ser obtido a partir da reação da ureia (NH2)2CO com o ácido nítrico (HNO3), em um processo que requer controle de temperatura. A nitroglicerina, composto químico explosivo, pode ser obtido a partir da reação de nitração da glicerina ou glicerol. Essa é uma reação que precisa de aquecimento e pressão controlada e utiliza como reagentes o ácido sulfúrico e o ácido nítrico. O Peróxido de oxigênio (ou água oxigenada) é um composto oxidante. Mesmo sem a presença de uma fonte de ignição, soluções de peróxido de hidrogênio em concentrações acima de 50% em peso (200 volumes), em contato com materiais combustíveis, podem causara ignição desses produtos. O HMDT (Hexametileno triperóxido diamina), por exemplo, é um composto orgânico altamente explosivo, que utiliza água oxigenada (ou peróxido de hidrogênio) na sua obtenção, juntamente com outras substâncias como o ácido cítrico e a hexamina. Os hidrocarbonetos compatíveis com cera são produtos estáveis, não incendiários nem explosivos. O fosfato de amônio é uma substância rica em fósforo e nitrogênio, sendo amplamente utilizada como fertilizante. A signatária não tem conhecimento de aplicações dessas substâncias na síntese de explosivos. O etanol é um líquido altamente inflamável, reagindo violentamente com agentes oxidantes e podendo causar incêndios e explosões. Combustíveis a base de hidrocarbonetos e ésteres de hidrocarbonetos são considerados inflamáveis e podem ser explosivos. Ainda acerca dos produtos apreendidos na residência do réu THIAGO e cuja sujeição à análise química mostrou-se necessária, verifico que foi produzido o Laudo de Perícia 1025/2025-INC/DITEC/PF (Química Forense) (Id 364396107) que identificou as seguintes substâncias não identificadas no primeiro laudo pericial: solução aquosa a base de amônia, ureia, dolomita, cloreto de potássio e solução aquosa básica de hipoclorito de sódio. Segundo o supracitado laudo: “2. As substâncias são inflamáveis ou incendiárias? As substâncias listadas não são consideradas inflamáveis ou incendiárias. 3. As substâncias podem ser utilizadas na preparação de materiais incendiários ou explosivos? Ureia, amônia e hipoclorito de sódio, embora possuam diversas aplicações legítimas, também apresentam potencial para a síntese de compostos explosivos. Por exemplo, a amônia pode reagir com ácido nítrico (HNO) para formar nitrato de amônio (NHNO), enquanto a ureia pode ser nitrada com HNO, resultando em nitrato de ureia. O hipoclorito de sódio (NaClO), por sua vez, pode ser convertido em clorato de sódio (NaClO) através de aquecimento. Nitrato de amônio, nitrato de ureia e clorato de sódio são compostos frequentemente utilizados em formulações de explosivos. Por outro lado, o cloreto de potássio (KCl) e a dolomita são substâncias estáveis, e o signatário não tem conhecimento de aplicações específicas dessas substâncias no contexto de síntese de explosivos. De igual modo, além de tudo que já foi dito, a autoria restou demonstrada pelos documentos que evidenciam a materialidade e ainda: (i) pela IPJ nº 4905885/2024 (Id 350740468, fls. 40/53), IPJ nº 4949787/2024 (Id 350740468, fls. 78 e Id 350740472, fls. 01), IPJ nº 73805/2025 (Id 350740468, fls. 74/76) e IPJ nº 5219181/2024 (Id 350740472, fls. 44/59); pela IPJ nº 4251589/2024 (Id 363589221, fls. 87/88), pela IPJ nº 4886472/2024 (Id 363589221, fls. 89/98); (ii) pela informação prestada pela operadora Desktop Telecomunicações (Id 350740468, fls. 60); (iii) pela informação prestada pela operadora TIM (Id 363589221, fls. 103/105); (iv) pelas informações e documentos fornecidos pela Universidade de São Paulo em resposta à requisição policial (Id 363589221); (v) pelos depoimentos colhidos em juízo. Observo que consta do Laudo de Perícia 132/2025-SETEC/SR/PF/SP (Informática), produzido em 13/01/2025 (Id 363589221, fls. 14/18), relativo à análise do material de informática apreendido na residência do réu, que não foi possível extrair dados, em razão de criptografia do disco rígido da marca Samsung e do disco rígido encontrado dentro do notebook Lenovo, razão pela qual seria encaminhada solicitação para tentativa de quebra de senha dos dispositivos criptografados ao SEPINF (Serviço de Perícias de Informática), porém, “uma vez que o algoritmo de criptografia utilizado no LUKS2 é de alta complexidade, não é possível determinar um prazo para a quebra da senha do dispositivo”. Em relação ao celular, destacou o laudo que foi possível extrair alguns dados do dispositivo, observou-se, porém, que o dispositivo foi formatado para o seu estado de fábrica (Factory Reset) no dia 12/12/2024 às 06:56:50 (fuso UTC-3). Registre-se que essa formatação aconteceu momentos antes da abordagem policial no dia da prisão e da busca e apreensão no endereço do réu. Ao Id 364396108, o Ministério Público Federal juntou Ofício resposta n.º 077/2025/NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, datado de 16/05/2025, no qual o setor responsável pela perícia dos dispositivos criptografados apreendidos com o réu assevera “...que foram empregados todos os recursos técnicos atualmente disponíveis neste setor, bem como no Laboratório Nacional de Criptoanálise. Considerando o nível de complexidade e robustez da criptografia LUKS2, até o presente momento não foi possível proceder à quebra da proteção ou acessar os dados armazenados. Ressalta-se que, devido às características desse tipo de criptografia, não é possível estimar um prazo para eventual superação da barreira criptográfica.” Contudo, a Informação de Exploração de Material (dados) extraídos das mídias informacionais e dispositivos móveis apreendidos na residência do réu (Id 360857754, fls. 14/19) analisou os dados que foi possível extrair do celular do acusado a partir do Laudo de Perícia 132/2025-SETEC/SR/PF/SP. Destaca-se da referida Informação as seguintes passagens: “. O primeiro elemento de informação relevante é que - como já descrito no Laudo dereferência - o dispositivo móvel celular periciado foi "resetado", voltando à condição de fábrica, ou seja, apagando no processo quaisquer dados do usuário às 06h56min do dia 12/12/2024, quando se efetuara a prisão de THIAGO por Policiais Militares do Estado de SãoPaulo; (...) . Também importa destacar que os número IMEIs (International Mobile EquipmentIdentity) extraídos do dispositivo coincidem com aqueles informados pela operadora de telefonia quando oficiada a respeito de número telefônico móvel de titularidade de THIAGO. Tal fatocorrobora não apenas que o aparelho telefônico estava com THIAGO no momento de suaprisão como também vinha sendo utilizado por este, estando vinculado a linhas de telefoniamóvel de sua titularidade ao longo do tempo;” . O exame pericial também foi capaz de recuperar 13 mensagens tipo SMS, que só não foram apagadas porque estavam salvas no chip sim e não na memória interna do dispositivo. Destas 13 mensagens apenas 5 foram trocadas com outro assinante (+5514998563958), sendo que as demais foram mensagens de publicidade e serviços da própria operadora de telefonia. Todas as mensagens datam do período entre o dia 02 MAR 2022 e 03 MAR 2022. Sendo que 03 (três) tratam de assuntos políticos relativos a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Outras duas mensagens abordam outros temas, não sendo possível presumir exatamente o contexto geral, conforme imagens abaixo: Ao Id 363589221, fls. 24/86 o Ministério Público Federal juntou Ofício resposta da Universidade de São Paulo, Campus São Carlos/SP, no qual requisitada a informar se foi registrada ou recebida informalmente alguma reclamação em relação ao réu a USP informa que: “l. Aluno de Pós-Graduação (estrangeiro) procurou o Coordenador do Curso para informar ter sido procurado pelo discente THIAGO JOSÉ DA SILVA BARBOSA DE PAULA para ser cooptado para a fabricação de bombas. O aluno relata ter trocado de número de celular várias vezes e o Thiago sempre descobriu os números novos, encaminhando vídeos sobre atentados terroristas e confecção de bombas. O mesmo aluno relata que esse comportamento do Thiago se repete com os moradores do alojamento e alunos em situação de vulnerabilidade; 2. Servidor do Campus de São Carlos levou ao conhecimento de membro da Guarda Universitária ter ouvido conversa telefónica onde o discente THIAGO JOSÉ DA SILVA BARBOSA DOS SANTOS marca encontro para ensinar a confeccionar bomba e como disparar dispositivos à distância (14/08/24); 3. Thiago frequentemente pergunta sobre onde os alunos e professores se reúnem; 4. Apesar de ter aulas na Área 2 é frequentemente visto nas dependências da Biblioteca da Escola de Engenharia de São Carlos; 5. Uma professora informou que servidor técnico do Departamento de Engenharia de Materiais participa das reuniões; 6. A Guarda Universitária vem monitorando as reuniões promovidas pelo THIAGO. Nos últimos meses vem ocorrendo às sextas-feiras, nas imediações do Departamento de Geotecnia, às 13h ou 16h. A fim de garantir a segurança dos agentes, em 19/06/24 foi providenciada instalação de câmera no Departamento, para melhor monitoramento dessas reuniões, porém não é possível ter áudio. A Guarda Universitária possuí mais imagens e vídeos.” (destaque nosso) Do referido Ofício resposta da Universidade de São Paulo, unidade de São Carlos, merece destaque, ainda, a informação contida no Relatório de Ocorrência n.º 202400153, emitido em 01/10/2024, segundo a qual (Id 363589221, fls. 83/84): “Informo que foi encontrada uma imagem plotada no monitor de um computador na Biblioteca central EESC. Funcionários, ao acharem a imagem estranha, verificaram quem havia utilizado aquele computador e constataram que o responsável foi o aluno do curso de Engenharia de Materiais, Thiago José Silva Barbosa de Paula, nº USP 15490110.” (...) Em que pese a péssima qualidade da supracitada imagem, a respeito do referido episódio ocorrido na Biblioteca da Universidade, verifica-se constar do “Relatos sobre eventos observados no Campus da USP em São Carlos” (Id 363589221, fls. 97) que: (...) No dia 02/10/24 foi encontrada uma imagem suspeita no monitor de computador da biblioteca central da EESC. AO verificar quem havia utilizado o computador foi identificado o aluno de engenharia de materiais Thiago José Silva Barbosa de Paula. Em contato com o Casemiro, foi informado que a imagem plotada no computador, constava desenho de tanque, fuzil, mina/bomba e submarino.” Rememoro que, conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38), o canal "Comando_860", administrado pelo usuário "Salafi860" utiliza imagem que contém tanque e submarino: Por fim, consta da documentação apresentada pelo Ministério Público Federal ao Id 363589221, uma comunicação protocolada em 20/09/2024 perante o sistema de comunicação on line de crimes da Polícia Federal (“Comunica PF”), segundo a qual (fls. 91/92): “Há uma série de informações circulando pelo campus USP SÃO CARLOS que o aluno THIAGO JOSÉ SILVA BARBOSA DE PAULA esteja assediando e aliciando membros da comunidade universitária com intenções de algum atentado terrorista. O que nos foi informado é que esse aluno encaminha vídeos contendo imagens de atentados terroristas e também que ensinam a fabricar bombas. Não recebemos nenhuma denúncia formal mas essas informações correm entre os os membros da comunidade universitária. Esse aluno está matriculado no 1º ano de engenharia de materiais e, no primeiro semestre teve aprovação em apenas 2 disciplinas. Em seu desfavor há 2 processos que tramitaram na justiça por problemas em universidades nas quais já foi matriculado PROCESSO Nº 5015867-34.2017.4.04.7200 - Justiça Federal de Santa Catarina PROCESSO Nº 0006253- 49.2011.4.02.5101 - Justiça Federal do Rio de Janeiro E há, ainda, a notícia que o mesmo aluno foi expulso do Paraguai por ações que nos levam a crer ser relativas a prática de terrorismo: https://www.tnpress.com.py/2022/02/17/expulsan-a-tres-brasilenos-que-ingresaronilegalmente-al-pais-uno-de-ellos-armado/ Tudo isso nos leva a acreditar que os propósitos do Thiago não são acadêmicos. Esse aluno vem, também, realizando reuniões periódicas no campus e a Guarda Universitária tem feito monitoramento dessas reuniões, conforme imagens anexas feitas pela própria guarda, mas não é possível captar o áudio.” Em juízo, por ocasião da audiência de instrução, foram ouvidas 05 (cinco) testemunhas, bem como o réu. A testemunha José Maria Pereira, proprietário da casa (kitnet) alugada por Thiago, disse que fazia aproximadamente 08 (oito) meses que o réu morava na casa e era um morador tranquilo, que sempre pagava o aluguel em dinheiro e adiantado e não recebia visitas. Disse que Thiago saia de casa às 11h do dia e voltada 19h da noite. Questionado se o réu tinha desentendimento com vizinho, disse que o próprio Thiago alguns dias antes de ser preso havia chamado a Polícia para vizinhos que estavam bebendo e fazendo barulho. Disse que dias depois a Polícia voltou lá e prendeu Thiago. Afirmou que assinava contrato de internet com a Desktop, mas que a internet era só para ele. Disse que Thiago lhe pediu a senha da internet desde que foi morar lá e ele a forneceu para ele. Disse que não fornecia a senha da internet para todos os moradores, somente para quem lhe pagava R$20,00 (vinte reais) por mês. Disse que as pessoas que optavam por lhe pagar usavam a internet somente no celular delas sendo que era ele próprio quem colocava a senha já que as pessoas não ficavam sabendo da senha. Disse que somente Thiago lhe pediu para usar a senha da internet no próprio computador com o que ele concordou. Afirmou que das pessoas que moravam lá somente Thiago fazia faculdade. Relatou que acompanhou um pouco prisão, já que viu pela câmera de monitoramento a Polícia Militar chegar por volta da 07 (sete) da manhã e foi até lá abrir o portão para eles. Disse que somente depois a Polícia Federal chegou. Disse que nunca viu Thiago chegar na Kitnet com aquilo que ele viu lá dentro depois, assim como também nunca ouviu barulhos diferentes lá dentro. Embora não residisse no local, nenhum vizinho falou que Thiago fazia barulho; ele era quieto demais. Questionado pela defesa acerca do morador com quem Thiago teve desentendimento disse que não sabe dizer quem era, que embora esse vizinho ainda morasse lá quando Thiago foi preso, depois esse outro morador mudou do local porque falou para ele ir embora de lá porque como ele estava fazendo muito barulho ele não servia para morar lá. Disse que esse morador, após a prisão de Thiago, ficou ainda um mês aproximadamente morando lá e depois saiu. Disse que esse morador não tinha nenhuma relação com Thiago, nem amizade eles tinham. Afirmou que as Kitnet são uma do lado da outra, cada porta fica uma do lado da outra e que dividem o quintal. Sobre o uso da internet afirmou que para os outros moradores não entregava a senha, sendo que ele próprio quem colocava no celular das pessoas para que elas usassem a internet. Já o Thiago lhe pediu para usar a senha no computador, então somente para ele entregou a senha anotada num pedaço de papel para que ele conseguisse usar a internet no computar da casa dele. Sobre o dia da prisão, narrou que a Polícia Militar chegou no local por volta das 07h30m, que como monitorava o local por câmera foi até lá e, após confirmar o nome do morador que a Polícia procurava, abriu o portão para eles entrarem. Afirmou que a pedido da Polícia foi até a porta do Thiago e o chamou, quando ele abriu a porta a Polícia já o algemou e o levou para Delegacia. Afirmou que a PM levou a chave da casa, que ficou fechada. Depois a Polícia voltou e ficou até umas oito e meia da noite. Disse que Thiago não tinha muitos pertences; que era praticamente roupa, já que as casas são alugadas já com os móveis dentro (geladeira, fogão, televisão). Afirmou que quando liberaram a chave para ele, embalou as coisas de Thiago, embalou numa caixa, colocou no corredor do lado de fora e alugou a kitnet de novo, sendo que com o tempo foi sumindo as coisas dele de lá, porque entra um e outro no local, mas as coisas de valor foram levadas pela Polícia. Disse sobre o dia da prisão, que sabe que a Polícia levou a chave da casa do Thiago e que acredita que trancaram a porta, mas não sabe dizer com certeza. Perguntado se a porta tivesse ficado aberta se saberia de alguém que poderia ter entrado lá dentro respondeu que não sabia. Sobre a afirmação da defesa no sentido de que o réu afirmou que a testemunha falou para a Polícia Civil que no dia que a Polícia estava lá entrou gente na residência e roubou os pertences dele, esclareceu que o que ele falou foi que colocou as coisas de Thiago numa caixa e colocou do lado de fora da kitnet e que aí sim alguém pode ter pego as coisas dele. Sobre o dia da prisão disse que os Policiais prenderam Thiago, foram embora e que demoraram por volta de uma hora e meia para voltarem para a casa, sendo que desta vez eles entraram direto, pois tinham a chave. Disse que os Policiais ficaram lá o dia todo e que os vizinhos também estavam lá o dia todo, inclusive assinaram como testemunha. Disse que os policiais peritos devolveram a chave da casa para ele já era oito e meia da noite, que ele foi até lá pegar. Disse que o vizinho para quem o Thiago chamou a Polícia para ele não ficou com raiva do Thiago. Afirmou que esse vizinho bebia e ficava gritando no corredor, mas que ele não tinha nada com o Thiago. Disse que ficou sabendo que Thiago foi preso porque estava fabricando bomba. Afirmou que Thiago nunca falou com ele sobre bomba. Disse que lá no local tem câmera de segurança, que elas filmavam e gravavam e inclusive tinha imagens da Polícia entrando e saindo, mas depois elas deram problema no HD e pararam de filmar. Reafirmou que à época gravava, mas não tem mais essas gravações que o HD apaga (Id 364906320 e Id 364906328). A testemunha Alexandre Faad, Escrivão de Policial Federal, disse que sua atuação na investigação foi mais no início, quando receberam a informação e passaram a pesquisar na internet possíveis sites ou locais onde poderiam ser localizados grupos extremistas. Esclareceu que o setor onde trabalha é voltado para atuação trabalhando com fontes abertas, pesquisas pela internet e tudo mais. Disse que buscando locais onde o “ISIS” (Estado Islâmico) pudesse colocar propaganda localizaram o site Techhaven por meio de uma postagem no Twitter. Foi feita uma conta no referido site Techhaven e começou a buscar ali dentro e achou o canal “Comando 860”. Disse que a partir dali o objetivo foi analisar as postagens e ver se tinham conteúdo extremista. Afirmou que embora não seja perito técnico para descrever de forma elaborada como essa plataforma funciona, pode descrever que ela funciona como um fórum, com várias salas de “bate-papo” onde os usuários ficam interagindo, sendo que essas salas podem ser abertas, caso em que qualquer um pode escrever, ou podem ser fechadas, caso em que só um ou alguns escrevem. Disse que durante sua investigação constatou que o proprietário/administrador do canal “Comando 860” era o usuário chamado “Salafi860”, usuário este que também interagia com outros canais com esta temática terrorismo. Disse que na época esta plataforma era algo para eles e não sabia como ia preservar esse material publicado, por isso começou a fazer “prints” da tela, colocando no word, seguida do endereço eletrônico daquela imagem. Disse que lembra que um dos “prints” realizados era sobre a passagem do alcorão 8:60. Esclareceu que trabalha na Divisão Antiterrorismo desde 2007, 2008 e que acompanha muito material do Estado Islâmico publicado na internet, sendo que no auge do referido Estado Islâmico ele produzia essas revistas digitais até que veio a derrota militar e pararam, mas de vez em quando retomam. Disse que recebem material, que tem sites que acompanham as organizações terroristas, então esse material do Estado Islâmico é bem conhecido no meio do enfrentamento ao terrorismo. Questionado sobre o que vincula Thiago às publicações, disse que no início as publicações do canal “Comando 860” eram feitas só pelo usuário “Salafi860”. Relatou que a denúncia compartilhada pelo FBI cita o usuário “Salafi860” e cita os números de IP. Com os números de IP, o padrão deles é oficiar as operadoras. Disse que no caso dos autos, a denúncia apresentada pelo FBI indicava números de IP, não sabendo precisar quantos, mas que ele não atuou nesta parte da investigação acerca da investigação acerca dos IPs. Disse que só atuou no processo do Thiago na parte inicial, depois ele saiu de férias e licença e quando voltou a trabalhar a prisão e tudo mais já tinha ocorrido. Relatou que as publicações do Estado Islâmico normalmente são encontradas em ambientes que são mais de propagação de ideias extremistas. Afirmou que as vezes se encontra material do Estado islâmico circulando na “deep web”, em canais de fóruns “chans”, que são fóruns onde circulam, por exemplo, muitos dos ataques em escolas que acontecem. Afirmou que dentro de uma dessas revistas virtuais do Estado Islâmico tem um título que chama “Como fazer uma bomba na cozinha da sua mãe” que é um material que ensina a fazer uma bomba utilizando uma panela de pressão, que é a bomba que foi utilizada no atentado da maratona de Boston. Esse material era distribuído pelo Estado Islâmico. Disse que não sabe mensurar quantas vezes já encontrou esse manual na internet, mas lembra que foi menos que dez vezes, recordando de ver no caso Techhaven, no caso “4chan” ou “oitochan” e no caso “Hashtag” também alguma coisa desse material circulou em grupo do Telegram. Disse que não é um material que circula abertamente, mas também não é um material exclusivo, já que isso é difícil para algo que está na internet. Afirmou que a maior parte das informações que encontrou nas publicações do Salafi são publicações que já existiam na internet, são materiais publicitários do Estado Islâmico, como vídeos que eles produziram em algum momento. Narrou que a conclusão dele no sentido de que havia propaganda para o Estado Islâmico nas publicações do Salafi860 foi a partir, por exemplo, de uma publicação deste usuário do juramento de fidelidade ao Califa do Estado Islâmico, juramento este que é um dos quesitos, talvez até o principal, para você se incorporar ao Estado Islâmico. Disse que isto traz um elemento de que aquela pessoa integrou ou integra aquela organização. Afirmou que já encontrou esse juramento em uma outra publicação em um caso que tiveram no ano passado, no qual não trabalhou, mas que um rapaz publicou esse juramento na internet e foi preso quando tentava sair do Brasil para ir viajar para o Oriente Médio. Afirmou que as palavras que compõem o juramento estão na internet, mas que no caso do Salafi860 o material do juramento parece ter sido produzido por ele, porque tem o logotipo do canal “Comando 860” e o juramento está na primeira pessoa (Id 364907274, Id 364907292 e Id 364907287). A testemunha Pedro Passos Sundfeld, Agente da Polícia Federal, afirmou que sua participação na investigação foi no cumprimento do mandado de busca. Disse que no dia que ocorreu a prisão do Thiago receberam uma ligação da Divisão de Terrorismo, pois o investigado teria sido preso, mas o mandado de busca referente à casa dele não havia sido cumprido. Afirmou que ele e o Almir deram cumprimento a este mandado até os colegas da DAT chegarem de São Paulo em São Carlos/SP. Afirmou que ele e o Almir chegaram no endereço antes do Leonardo, que faz parte da Divisão Antiterrorismo e é lotado em Brasília, mas que estava em missão em São Paulo na data da prisão. Disse que já tinham feito contato inicial com eles por telefone, então tinham uma ideia do conteúdo da operação e dos materiais que seriam relevantes a arrecadação. Afirmou que no momento que chegaram fizeram a entrada no local, fizeram a segurança do cômodo e começaram a realizar a busca dos materiais que seriam relevantes com base no que eles já haviam passado e já começaram a arrecadação, de tal forma que quando chegaram só ratificaram o que eles já haviam olhado. Afirmou que quando chegaram no local a Polícia Militar já não estava lá; que o cumprimento do mandado ocorreu pela manhã e eles chegaram na hora do almoço, tanto que eles foram na Cadeia e pegaram a chave do imóvel com o Thiago para não terem que arrombar a porta; que Thiago até deu o ciente no mandado. Afirmou que quando chegaram no imóvel este estava fechado. Acredita que a Polícia Militar só efetuou a prisão e o dono do estabelecimento deve ter fechado a casa/quarto que o Thiago morava. Confirmou que eles não arrecadaram todo o material, pois parte foi deixado para quem ia fazer a perícia no local do crime. Afirmou que chegaram um pouco antes do perito, então fizeram a segurança do local, pois tinha materiais inflamáveis e alguns que poderiam ser usados como explosivos ali. Disse que alguns materiais que não seriam necessários à perícia, pelo menos imediata, já foram arrecadando como documentos com inscrições, bandeiras. Afirmou que a arrecadação do material de maior risco e que necessitava de perícia no local foi o perito que fez. Relatou que procederam dessa forma conforme ordenou o Delegado que estava com eles. Disse que o proprietário do imóvel acompanhou o procedimento e foi uma das testemunhas, inclusive. Questionado se lembrava se documentos pessoais, cartão de crédito do Thiago foi arrecado respondeu não lembrar desse tipo de material, mas lembrava que a carteira de Thiago estava lá, mas não lembra se tinha cartão de crédito. Disse que dentre o material arrecadado tinha algo parecido com alvo, que acredita que ele atirava com arma de ar comprimido. Afirmou que chamou atenção durante a busca foram 03 (três) coquetéis molotov que estavam do lado da cama, tinha bastante facão e faca e, de forma incomum, tinha bastante combustível também; tinha gasolina e álcool além do álcool dos coquetéis molotov; tinha também bandeira ligada ao Estado Islâmico e livros e inscrições em árabe. Questionado se havia participado de um procedimento interno que havia em Araraquara com algumas notícias relacionadas a atividade na USP em São Carlos disse que sabia que já houve alguma comunicação na Delegacia de Araraquara, mas que nunca participou dessa investigação. Afirmou que quando chegaram na Delegacia o Thiago já estava na carceragem. Que a chave da casa estava na Delegacia, nos pertences apreendidos junto com o Thiago, sendo que ele sabia do cumprimento da busca, pois ele deu visto no mandado. Afirmou que imaginaram que a chave estava com o Thiago porque ele estava preso lá. Afirmou que foram até a casa, bateram no portão, um dos moradores do local abriu, entraram e já foram para o quarto que era do Thiago, abriu a porta e entraram, sendo que a residência estava bem organizada. Disse que algumas facas estavam escondidas e arma de pressão estava dentro do armário dele. Afirmou que a maioria dos materiais estavam dentro de bolsas que estavam dentro do armário dele. Relatou que chegou perto do horário do almoço no local, entre 13h, 14h, sendo que ficou até o final, entre 7h, 8h da noite. Afirmou que não teve nenhum contato com os Policia Militares que fizeram a prisão. Descreveu os três coquetéis molotov como sendo uma garrafa, com gasolina dentro e um pavio feito com gaze, sendo que o pavio estava envolto no papel alumínio para proteger o pavio. Disse não se lembrar quem foi o primeiro morador que estava ali, mas pelo menos três tinha. Afirma que durante todo o período da busca a porta ficou aberta com policial, delegado ou perito lá dentro. Afirma que tinha câmera no local e que o proprietário é que tinha acesso, sendo que ele próprio não chegou a solicitar essas imagens. Relatou que alguns dos itens arrecadados foram levados pelo perito e outros foram levados pelo DAT(Id 364908327 e Id 364908328). A testemunha Bruno Ramos Craesmeyer, Agente da Polícia Federal, disse que produziu algumas Informações de Polícia Judiciária (IPJ) sendo a mais extensa dela relativa à vinculação do Thiago ao IP. Disse que oficiou operadora de celular, salvo engano a TIM, e ela responde fornecendo informação sobre o assinante que teria acessado aquele IP naquela data e hora. Relata que a partir daí fizeram pesquisa e uma coleta profunda em fontes abertas a respeito do Thiago e começa a encontrar convergências muito relevantes que no contexto levaram à conclusão que a pessoa por traz do usuário Salafi860 era o Thiago. Disse que a primeira relação direta do Thiago com o Salafi860 decorre da informação da operadora de celular no sentido que Thiago foi o assinante que teria acessado o IP naquela data e hora. Afirmou que a partir do CPF de Thiago fez levantamento de chaves PIX vinculadas a ele, que lhes forneceram uma série de achados dentre eles um e-mail que continha a expressão “shahadabrasil”. Afirmou que encontrou ainda um perfil no youtube intitulado @shahadabrasil5578, que seria um “perfil de conteúdo limitado, mas de um franco proselitismo religioso muçulmano que defende a islamização do Brasil. Disse ainda que realizando buscas mais profundas no “google” com o nome Thiago e possível sigla de seu nome (TJSBP) foi possível identificar que Thiago tinha interesse em criptomoedas, embora não tenha sido localizada uma carteira. Afirmou que também localizou um perfil de Thiago na plataforma GitHub, que é uma plataforma de pessoas interessadas em tecnologia e sobretudo programação, o que revelava que Thiago era alguém que tinha algum domínio ou ao menos interesse em programação. Disse, ainda, que mesmo após a prisão de Thiago continuaram acompanhando as postagens no fórum Techhaven e, ao mesmo tempo, a ausência de postagens no canal Comando860 e observaram que o conjunto das postagens no fórum mostrava que os próprios usuários extremistas do Techhaven apontavam que a prisão ocorrida em São Carlos era a prisão do Salafi860 e de outra parte foi possível perceber a ausência de postagens no canal Comando860 que era atribuído como o canal sob a administração do Thiago. Esclareceu que os IPs foram informados pela Agência parceira norte americana como sendo IPs de onde o usuário Salafi acessou e a partir daí oficiaram tanto as empresas provedoras de acesso à internet quanto as provedoras de telefonia e identificaram de um lado o assinante da empresa de operadora móvel e de outro lado o endereço na cidade de São Carlos. Esclareceu que o próprio desenrolar da investigação acabou por corroborar as informações fornecidas pela Agência parceira. Disse que o servidor Techhaven é um servidor fechado, de tal forma que não é possível oficiá-lo para solicitar quem é a pessoa por traz dos usuários; o referido servidor é um espaço montado por organização criminosa para cometimento de crime, para veiculação de material extremista, de tal forma que não seria possível oficiá-lo. Disse ainda não saber informar como o próprio FBI angariou essa informação. Confirmou que recebeu duas informações sobre o responsável por aquela conexão, uma da TIM e outra da DESKTOP, sendo que esta última forneceu como responsável pela conexão um senhor que era proprietário de um imóvel que sublocava kitnet em São Carlos, sendo que o perfil daquele senhor não indicava nenhum tipo de radicalização. Afirmou desconhecer sobre o perfil de outros moradores que sublocavam o lugar. Afirmou que a conexão é apenas uma das corroborações de que Thiago se tratava do Salafi. Disse que não participou da perícia, mas sabe que o aparelho celular do Thiago foi apagado na manhã em que ele foi detido pela Polícia Militar de São Paulo (Id 364909517 e Id 364909520). A testemunha Leonardo Martins Coelho,Agente da Polícia Federal, disse que é lotado em Brasília e estava em São Paulo para missão por isso se deslocou para São Carlos/SP. Questionado se foram surpreendidos com a prisão de Thiago, disse que o mandado de prisão saiu no dia anterior à prisão, sendo que eles estavam se programando para que a prisão ocorresse dois dias depois e consequentemente realizariam a busca, mas no dia seguinte à expedição do mandado, que estava no BNMP, a Polícia Militar cumpriu o mandado. Disse acreditar que a Polícia não sabia do Thiago, que só verificaram que havia um mandado em aberto e foram lá e cumpriram. Afirmou que se deslocou para São Carlos, mas quando chegou já estavam os policiais de Araraquara. Disse que demoraram em torno de três horas para se deslocarem de São Paulo para São Carlos e para evitar um dano maior, uma perca de dados ou informações, o Chefe da unidade solicitou apoio de equipe de Araraquara que é bem mais próxima e pode chegar antes. Disse que quando chegaram em São Carlos alguma coisa já havia sido arrecada e alguma cosia já havia sido identificada, mas sabiam por informação da análise que poderia haver uma bandeira do Estado Islâmico ou outros elementos que comprovassem a participação do Thiago no crime então, mesmo sabendo que os colegas já haviam feito uma busca inicial, foram lá e continuaram a busca, ocasião em que encontraram dentro do armário dele uma espécie de pochete de perna contendo uma bandeira preta com símbolos brancos que identificam como sendo do Estado Islâmico. Disse que continuaram olhando, principalmente no quarto, e havia a “BAY’AH”, que é um juramento que a pessoa faz para o Estado Islâmico. Afirmou que não sabe dizer se o juramento foi feito pelo Thiago ou não, mas estava dentro do quarto dele. Esclareceu que pelo que conhece quando a pessoa faz a “BAY’AH” ela está disposta a fazer o que for determinado para ela fazer. Afirmou que na casa do Thiago haviam três alcorões, sendo dois em português e um inglês ou árabe, salvo engano. Afirmou que todos tinham uma marcação na mesma página, na mesma “Surata 8, versículo 60”, que juntos dão o final do nome do canal do Thiago no Techhaven. Esclarece que saiu do local da busca um pouco antes da perita chegar, pois precisavam levar o material para São Paulo para ser periciado, mas o pessoal de Araraquara permaneceu lá. Disse que durante o tempo que permaneceu no local, este não ficou desguarnecido; ficaram todos no ambiente que era bem pequeno. Afirmou que saiu de São Paulo e foipara a diligência em São Carlos porque precisavam cumprir um mandado de busca e um de prisão; o mandado de prisão já havia sido cumprido e entendem na unidade que quanto mais policiais especializados na matéria estiverem no local melhores elementos de prova eles conseguem colher, então foi solicitado que se deslocassem de São Paulo para São Carlos, destacando que já iriam de qualquer jeito. Afirmou que quando chegou no local já havia uma equipe policial composta por um delegado, um escrivão e dois agentes, havia também duas testemunhas que acompanharam a busca inicial e eles estavam aguardando a chegada da equipe especializada. Disse que até onde saiba o local não ficou desguarnecido nenhum momento. Esclareceu sobre os itens apreendidos, que a respeito da bandeira, a pesquisa que fez e o que eles conversam entre eles, é que a bandeira ou está vinculada ao Estado Islâmico ou está vinculada ao “Boko Haram”, que são duas organizações extremistas. Ainda sobre os bens apreendidos disse que foi encontrado no quarto do Thiago algumas notas fiscais relacionadas ao material químico, foi encontrado um vidro de Becker, um termômetro que são relacionados a fabricação de algum produto químico, mas um livro especifico dizendo “como se produz”, “como você faz determinada coisa”, isso não encontraram. Afirmou, ainda, que foi encontrado dois coquetéis molotov, pelo menos a aparência era, pois eram duas garrafas de vidro, fechadas com um pedaço de pano por fora, bem característico de coquetel molotov. Afirmou que não teve acesso ao laudo da perita, então não sabe dizer o que havia ali dentro, mas o que havia ali é de alguém que iria manipular produtos químicos e havia produtos químicos no local, como água oxigenada e algumas outras coisas em quantidade relativamente grande. Disse que quando chegou lá as garrafas estavam dispostas encima da geladeira para que ninguém mexesse porque a equipe que havia chegado antes deles já havia identificado então deixaram separadas; encima da garrafa havia um pedaço de pano, não cobrindo a garrafa, mas sim com o pano para dentro da garrafa e aí a maneira de você acender é acender aquele estopim e lança a garrafa, quando ela bate em alguma coisa ela estoura e o líquido ali dentro pega fogo (Id 364909545). Interrogado em juízo, Thiago José Silva Barboza de Paula negou os fatos que lhe foram imputados pela denúncia. Afirmou que fez amizade, não muito próxima, com outro muçulmano que morava nessa vila e que conversavam muito sobre o Islã e que numa certa noite viu ele consumindo bebida alcoólica até tarde da noite e então chamou atenção dele, mas ele não gostou, se irritou e começou a ameaçá-lo, razão pela qual chamou a polícia. Disse que a polícia foi, fez o que tinha que fazer e foi embora, sendo que três dias depois estava sendo preso. Questionado sobre se lembrava do nome da referida pessoa disse que preferia não falar, pois ainda se sentia ameaçado por essa pessoa, que lhe pedia para comprar coisas para ele. Afirmou que essa pessoa usava a identidade dele, por exemplo, a arma de “air soft” comprou para ele, os produtos químicos também, o material de laboratório comprou para ele, que dizia ter problema com a documentação. Relatou que fez isso na camaradagem, na amizade islâmica e não imaginava que fosse de desenrolar dessa maneira. Afirmou que, assim como essa pessoa, é muçulmano, que pratica a religião do islã. Esclareceu que pela doutrina do islã não é possível o consumo de bebida alcoólica, drogas, tudo isso é proibido, é “haram”, por isso advertiu ele. Afirmou que quando morou em São Paulo, em 2023, frequentava mesquitas da capital, mas quando passou na FUVEST no primeiro semestre de 2024 mudou para São Carlos para estudar engenharia de materiais. Disse que em São Carlos não tem uma mesquita, mas tinha um grupo de muçulmanos que se reunia dentro da Universidade, toda sexta-feira, entre onze e meia e meio dia e meio. Relatou que dentro da USP de São Carlos tinham outros estudantes muçulmanos, sendo a maioria estudantes de pós-graduação. Afirmou que pela internet suas interações eram com canais de conteúdo islâmico, como o canal do youtube “MercifulServant” e principalmente o canal de pregação da sexta-feira “Khutbah”, além de canais de notícias geral que afeta o mundo islâmico. Disse que conheceu a plataforma Techhaven somente a partir da sua prisão, com a denúncia e que acredita que esse amigo seu, da vila onde morava, devia conhecer já que ele tinha um perfil um tanto violento. Afirmou que às vezes esse amigo até pedia o celular emprestado, porque ele não tinha um, e ele emprestava na camaradagem. Questionado se realmente não gostaria de, a seu critério, identificar essa pessoa, reafirmou que não queria. Afirmou que nunca tinha ouvido falar do grupo ou do canal “Comando860”, somente com a denúncia teve conhecimento. Confirmou que o telefone celular 016982006206 é dele. Afirmou que já ouviu falar de vários grupos extremistas em geral, o que a imprensa divulga a respeito deles, mas não conhece ninguém que integre esses grupos. Disse que nunca tinha ouvido falar de “Estado Islâmico Brasileiro”. Afirmou que já ouviu falar da Agência Amaq através do canal de notícias como “Mirror”, mas nunca acessou conteúdo a respeito. Disse que tem também as mídias indianas de notícias em geral que fala da Rússia, Estados Unidos e mundo em geral, mas que a maior parte do seu tempo era ocupada com a Faculdade. Afirmou não fazer idéia de quem seja o detentor do perfil denominado “Salafi860”. Questionado sobre a passagem 860 que estaria destacada nos alcorões apreendidos na sua casa disse que não tinha alcorão físico, que usava só “pdf”, que seus pertences eram somente os dispositivos eletrônicos (o notebook, HD externo, celular, chip,). Afirmou acreditar que esses alcorões esse vizinho deve ter colocado lá; eles não lhe pertenciam. Afirmou que o alcorão é um texto religioso e ao mesmo tempo é um texto legal, é lei; a partir do momento que o muçulmano rejeita um versículo do alcorão ele está anulando o islã dele, então todos os versículos do alcorão eles aceitam, tanto aqueles que podem ser interpretados de maneira extremista quanto aqueles muitos versículos que incentivam a paz. Disse que cada pessoa, cada grupo ou cada país pode interpretar de maneira diferente tanto o alcorão quanto a lei. Sobre essa passagem disse que sua interpretação é de que guerra é guerra, que se um país é invadido ele tem direito de se defender; aquele que é combatido tem direito de se defender. Disse que nunca fez juramento de lealdade ao califado e que o papel contendo o texto do juramento encontrado em sua casa não era dele. Afirmou ainda que nunca foi contatado ou convidado para integrar algo vinculado ao Estado Islâmico e até lhe causou estranheza saber que o Brasil tivesse esse tipo de recrutamento. Negou conhecer os canais “Dabiq Magazine”, “Rumiyah Magazine”, “VoiceofHind Magazine” e “VoiceofKhurasan Magazine”. Disse que nunca ouviu falar no usuário da internet de perfil “Ahmadleo2007”. Confirmou que criou o canal do youtube chamado “@shahadabrasil5578” para divulgar o conteúdo islâmico, mas com caráter pacífico. Disse que possui 30 anos de experiência com informática, inclusive, dentro da USP, na disciplina de computação, tirou nota máxima na média final e chegou a criar uma criptomoeda para testar, para aprender a linguagem de programação de criptomoedas e tem conhecimento de criptografia e computação. Disse ser programador. Afirmou não possuir investimentos em criptomoedas. Sobre a ocorrência de Foz do Iguaçu em 2022 disse que havia recebido seu pagamento do bolsa família e ia para o Paraguai comprar um celular, sendo que o facão na bolsa era para defesa pessoal, porque Foz do Iguaçu é uma cidade perigosa e a primeira oração do dia de sua religião é de madrugada, quando o céu começa a mudar de preto para branco. Além disso, disse que é agricultor, com curso realizado em 2021 para plantio de hortaliças e o facão era usado para abrir espaço no terreno para abrir horta, sendo que estas eram as duas necessidades que tinha de ter o facão. Disse que naquela ocasião a Polícia achou e começaram a pensar que ele ia fazer alguma coisa. Disse achar que tudo isso foi um grande mal-entendido. Afirmou que o facão da residência não era seu, que o facão do Paraguai ficou apreendido no Paraguai e ele foi preso e expulso do país. Sobre as inscrições em árabe no facão disse não lembrar de ter escrito nada no facão, mas que ele ficou apreendido no Paraguai. Disse que a arma de air soft foi comprada para o vizinho a pedido dele, mas não sabia que ele usava, treinava, não sabia de nada disso. Afirmou que o vizinho deu-lhe dinheiro e ele foi lá e comprou, sem desconfiar de nada. Afirmou a respeito do coquetel molotov, ureia, glicerina, nada disso era dele. Afirmou que apenas o álcool era dele, pois o usava para cozinhar, quando o gás acabava. Afirmou que viu as fotos da apreensão, mas que nunca tinha visto nada daquilo ali. Afirmou que por ocasião da prisão os Policias não lhe deram voz de prisão; deram a entender que ele não estava preso; que ele seria apenas conduzido para ser ouvido pelo Delegado. Afirmou que pensou que tudo aquilo era por causa daquele “BO” que tinha tido uns três, quatro dias antes com o vizinho. Afirmou que achou que seria rápido, logo não chegou a trancar a porta. Disse achar que foi a partir do episódio em que ele chamou a Polícia para o vizinho que este ficou revoltado com ele. Sobre reclamações feitas contra ele na USP no sentido de que estaria ensinando pessoas a fazerem bombas, disse que nunca ensinou ninguém a fazer bomba e que inclusive foi reprovado em química teórica e aguardava outro exame de recuperação.Disse que tinha um grupo na USP de muçulmanos que se reuniam às sextas-feiras, mas era apenas para fazer a oração de sexta-feira. Disse que nunca colou em computador da USP um adesivo relacionado ao Comando860. Afirmou que nunca participou de nenhum evento organizado por terceiros relacionado a produção de material explosivo ou prática de disparos. Disse não saber fazer bomba. Afirmou que este outro muçulmano não morava na mesma kitnet que ele e sim em outra. Disse que quando foi preso na sua kitnet só havia suas roupas, seus dispositivos eletrônicos e alimentos. Afirmou que quando saiu deixou com a Polícia a porta ficou aberta, mas levou a chave, porque tinham duas chaves: a do portão e a da casa e como o portão ficava sempre fechado achou que não tinha problema deixar a porta aberta. Disse que levou a chave para conseguir abrir o portão quando voltasse da Polícia. Disse que foi surpresa ter perfurações no armário, pois nunca fez isso. Afirmou que as chaves “Pix” encontradas pela Polícia realmente lhe pertencem. Sobre os eletrônicos apreendidos em sua casa disse que somente o HD externo e o notebook estavam criptografados, sendo que a criptografia é LUKS. Afirmou que dentro desses bens tem seus livros e trabalhos da Faculdade. Disse que todos os alunos que fizeram a disciplina de programação tinham que ter perfil no GitHub, pois era onde faziam o upload dos trabalhos. Ao final ser inocente de todas as acusações (Id 364910586, Id 364910594, Id 364910598, Id 364912071 e Id 364912051). Pois bem. De acordo com as provas amealhadas ao longo da instrução criminal, com ampla corroboração em juízo dos elementos informativos coletados na fase policial, o que se apurou é que o acusado THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA é o usuário “Salafi860”, administrador e proprietário do canal denominado “Comando860” junto à plataforma "Techhaven" e, assim o sendo, é evidente apoiador dos preceitos da organização Estado Islâmico, inclusive incentivando e justificando a prática de atos terroristas, notadamente quando menciona em suas publicações que “TERRORISMO É HALAL, PACIFISMO É HARAM” e finaliza com os seguintes dizeres: “MUÇULMANO QUE NÃO PRATICA O TERRORISMO, SOFRE TERRORISMO. EM QUAL LADO VOCÊ VAI ESTA?” (Informação de Polícia Judiciária nº 4865802/2024, Id 350740468, fls. 18/38). Reitero que conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4905885/2024 (Id 350740468, fl. 40/53), a Polícia Federal, a partir dos IPs informados pelo FBI e do ofício resposta enviado pela operadora de Telefonia TIM, identificou que o usuário “Salafi860” utilizava conexão ligada ao terminal 5516982006206, registrado em nome do réu THIAGO, o qual confirmou em interrogatório judicial a propriedade da referida linha. Neste ponto, apesar de relatar a existência de um vizinho muçulmano a quem teria entregue seu aparelho celular para eventual uso, o réu THIAGO não se desincumbiu de seu ônus probatório sequer quanto à efetiva existência dessa pessoa, recusando-se até mesmo a falar qual seria o seu nome. Thiago afirma em seu depoimento que havia um vizinho muçulmano para quem emprestava seu celular, sua identidade, seu cartão de crédito, dinheiro em espécie, para quem comprou a arma de air soft e quem o réu insinua ser o verdadeiro proprietário do material apreendido em sua residência, porém não declina sequer o nome dessa alegada pessoa, não se desincumbindo, assim, do ônus probatório que neste caso lhe pertence. Ademais, não é crível que, sob a justificativa de compartilharem a mesma fé islâmica, o réu, pessoa com quarenta e cinco anos de idade e esclarecida, forneceria a este vizinho tudo o que o réu aduz ter fornecido, sobretudo quando se observa que o que foi atribuído ao referido vizinho são elementos incriminadores do réu, notadamente o celular. Nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo que no caso dos autos o réu não se desincumbiu desse ônus. Confira-se a jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DESCAMINHO . INVIABILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados . 2. Cabe à acusação a produção das provas que corroborem a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo do tipo penal, relativamente à imputação feita ao acusado, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Contudo, deflui do mesmo texto que incumbe à defesa, ao apresentar versão distinta dos fatos ou alegação de excludentes, fazer prova ou, ao menos, trazer elementos que levantem dúvida razoável acerca do quanto sustentado pela acusação . Trata-se de uma "via de mão dupla", estabelecendo o ônus probatório à parte que alega, seja a acusação ou a defesa. 3. No caso, a defesa limitou-se a apresentar versões contraditórias e inverossímeis, sem apresentar qualquer prova que amparasse suas alegações, de modo que não há no conjunto probatório elementos aptos a suscitar, no mínimo, dúvida razoável quanto ao dolo do apelante no crime descrito na denúncia. Portanto, não procede a alegação de inexistência de provas de autoria. 4. A importação de cigarros estrangeiros desacompanhados da respectiva documentação comprobatória de sua regular introdução no país configura o crime de contrabando, e não o de descaminho. Isso porque a importação de cigarros é submetida a uma extensa normatização por parte da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que torna proibido o seu ingresso irregular no território nacional, não se tratando de irregularidade tributária, com a prática da evasão tributária, como ocorre no descaminho. Ademais, é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, e não o de descaminho . 5. Apelações não providas. (TRF-3 - ApCrim: 00015265520164036132 SP, Relator.: Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, Data de Julgamento: 09/03/2023, 11ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 14/03/2023) Oportuno destacar, ainda, os dois registros prévios envolvendo Thiago: a) em 12/02/2022, a Polícia Militar do Paraná teria o abordado na cidade de Foz do Iguaçu, por atitude suspeita, ocasião em que o surpreenderam portando bolsa de mão na qual estava guardado um facão; b) quatro dias depois, autoridades migratórias do Paraguai teriam impedido sua entrada naquele país; nessa oportunidade, ele também portaria um facão com inscrições em árabe (Id 350740468, fl. 48 a 51). A identidade do réu como o usuário Salafi860 também restou reforçada pelo fato de que após a sua prisão temporária, decretada pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos, ainda na fase das investigações, a Polícia Federal, conforme Informação de Polícia Judiciária nº 73805/2025 (Id 350740468, fl. 74), ratificada em depoimento judicial pela testemunha Bruno Ramos Craesmeyer responsável pela referida informação, identificou que no dia 5 de janeiro de 2025, às 09h30, o usuário de nome “Redarmich” na plataforma “Techhaven” postou mensagem em que afirma "Salafigotarrestedpossible" (Salafi foi preso possivelmente, em tradução livre), seguido de um link para site de notícias (https://voz.us/en/world/241219/19343/arrest-of-isis-linked-man-in-brazil-heightens-fears-of-jihadist-invasion-of-latin-america.html). Às 09h50, o usuário "macroon1446" questiona "whatishisaccountonhere" (Qual é a conta dele aqui, tradução livre) e, minutos depois, às 10h03, uma conta de nome “Anwar” em árabe responde: "salafi860". Reitero que conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4949787/2024 (Id 350740468, fl. 78), resposta encaminhada pela provedora de Internet Desktop revelou que o acesso do usuário Salafi860 foi realizado a partir de conexão realizada a partir de um endereço de instalação na cidade de São Carlos/SP, a saber: Rua Dr. Procópio Toledo Malta, 570, Lote Habitacional São Carlos I, cep 13.563-002, sendo a titularidade do serviço pertencente a José Maria Pereira. Em juízo, José Maria Pereira, em depoimento coeso e seguro, confirmou que é o proprietário da casa (kitnet) alugada por Thiago; que assinava contrato de internet com a Desktop; que para aqueles moradores que lhe pagassem R$20,00 (vinte reais) por mês ele próprio colocava a senha da internet nos celulares dos moradores, os quais não ficavam sabendo da senha; que somente Thiago lhe pediu para usar a senha da internet no próprio computador, com o que ele concordou entregando-lhe a senha anotada num pedaço de papel. Por fim, o Relatório de diligência policial nº 5219181/2024 (Id 350740472, fl. 44/59) descreve que na busca foi encontrado, dentro de um armário, um bornal tático de perna camuflado, dentro deste bornal havia uma pequena bolsa que guardava uma bandeira preta, com símbolos na cor branca, com palavras escritas na língua árabe. Essa bandeira seria identificada como a bandeira usada pelo grupo radical islâmico ESTADO ISLÂMICO DO IRAQUE E DO LEVANTE (ISIS) e pelo grupo BOKO HARAM. Além da bandeira, também estavam na casa do réu: um par de luvas, uma tesoura e dois rolos de linha de nilon. Também foram encontradas cópias do “BAY’AH” (juramento de lealdade ao califado) e 03 cópias do ALCORÃO SAGRADO, duas em português e uma em árabe, e um dicionário árabe-inglês. Todas as cópias do ALCORÃO estavam marcadas no mesmo capítulo, “SURATA 8”, na página onde se encontra o versículo 60, que diz “Mobilizai todo poder que dispuserdes em armas e cavalaria, para intimidardes, com isso, o inimigo de Allah[...]”. Foram encontrados também cartão da Federação de Associações Muçulmanas do Brasil e cartão da empresa New Armas, bem como caixa contendo 25 tubos de CO2 e garrafas de coquetéis “molotov”. Oportuno asseverar que, não havendo dúvidas por parte deste juízo com base na prova dos autos de que o usuário Salafi860 e o réu são a mesma pessoa, e considerando o teor das publicações efetuadas pelo referido usuário já expostas nesta sentença, a negativa do réu de propriedade dos bens apreendidos em sua residência, dentre os quais material com potencial explosivo, torna-se demasiadamente frágil, porquanto desacompanhada de qualquer elemento minimamente apto a desconstituir todo o acervo probatório que o incrimina. A insinuação realizada pelo réu em juízo e reafirmada em alegações finais de que tais materiais pertenceriam a um descontente vizinho muçulmano, que teria plantado esse materiais na residência do réu e por quem este se sentiria intimidado, restou isolada nos autos e sem qualquer comprovação, não se desincumbindo o réu de seu ônus probatório, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal, já que o réu alega a existência de vizinho com tal perfil, mas não declina sequer seu nome. Igualmente, improcede a tese da defesa técnica sobre o suposto rompimento da cadeia de custódia das provas, ao argumento de que a residência do réu teria sido deixada desguarnecida pela Polícia Militar após a prisão daquele e até a chegada da Polícia Federal. Frise-se que “(o) instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que eventual interferência durante o trâmite processual pode vir a resultar na sua imprestabilidade.(...) Para que uma prova seja tida por imprestável, ilegítima ou ilícita é necessário que, além da quebra da cadeia de custódia, haja algum indício de que a fonte de prova tenha sido modificada, maculada, adulterada, substituída, o que não ocorreu no presente caso, pois não há qualquer elemento que indique tais vícios. (...)” (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim – APELAÇÃO CRIMINAL - 5004397-05.2021.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 07/12/2022, Intimação via sistema DATA: 09/12/2022). No caso, conforme se extrai dos autos, o que se teve foram duas diligências completamente distintas e sem interferência recíproca: uma realizada pela Polícia Militar (a prisão) e outra realizada pela Polícia Federal (a busca e apreensão). Tudo ocorreu no mesmo dia. A Polícia Militar, quando do cumprimento do mandado de prisão, limitou-se a conduzir o réu, não adentrando no imóvel para apreender nenhum objeto. Em seguida, veio a Polícia Federal para cumprir a diligência de busca e apreensão. O Agente da Polícia Federal, Pedro Passos Sundfeld, que participou do cumprimento do mandado de busca e apreensão, foi categórico ao afirmar que o imóvel se encontrava TRANCADO quando chegaram; que antes de se dirigirem à residência para cumprimento da busca foram até a Cadeia para pegar a chave do imóvel que estava entre os pertences do réu apreendidos na carceragem; que Thiago sabia do cumprimento da busca e deu visto no mandado; que durante todo o período de cumprimento da busca, a porta do local ficou aberta com Policial, Delegado ou Perito lá dentro. Outrossim, o Agente da Polícia Federal lotado na Divisão Antiterrorismo, Leonardo Martins Coelho, também foi categórico ao afirmar que quando chegou na residência do réu, já havia uma equipe policial de Araraquara composta por um Delegado, um Escrivão e dois Agentes, havia também duas testemunhas que acompanharam a busca inicial e eles estavam aguardando a chegada da equipe especializada; que durante o tempo que permaneceu no local, este não ficou desguarnecido. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "[...] O depoimento policial merece credibilidade em virtude da fé pública inerente ao exercício da função estatal, só podendo ser relativizado diante da existência de indícios que apontem para a incriminação injustificada de investigados por motivos pessoais" (STJ - AgRg no HC: 911080 SP 2024/0159518-1, Relator.: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 17/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/06/2024). Assim, não há razão para o acolhimento da tese defensiva no sentido de que teria havido “introdução clandestina dos objetos” na residência do réu, tampouco procede a pretensão de anulação da busca e apreensão. Por todo o exposto, restou comprovado que THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, motivado por razões religiosas em prol dos ideais da organização terrorista Estado Islâmico (EI), realizou atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de colocá-los em prática, ao adquirir equipamentos e insumos para a fabricação de explosivos capazes de causar danos e que seriam utilizados para provocar terror social, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública. Outrossim, restou evidenciada a presença do dolo específico, que se consubstancia na intenção de provocar terror social, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública, motivado por razões religiosas em prol dos ideais da organização terrorista Estado Islâmico (EI). Recorde-se, a título de ilustração, do atentado à Maratona de Boston de 2013, quando duas bombas feitas com panelas de pressão explodiram, causando a morte de três pessoas e ferindo outras 264 pessoas. Tudo não passou de uma empreitada artesanal engendrada por dois irmãos, que fabricaram explosivos em sua própria residência. De tudo o que foi narrado nestes autos, de fato, é possível compreender que os atos praticados pelo réu THIAGO estavam mesmo na linha do cometimento de alguma empreitada grave com feição terrorista (propósito inequívoco de consumar o delito), configurando, pelas características dos materiais apreendidos e pelo contexto apresentado, atos preparatórios de terrorismo preconizados no artigo 5º, caput, da Lei nº 13.260/2016, merecendo reprimenda estatal, a fim de prevenir maiores riscos à incolumidade pública e ao patrimônio da coletividade. Assim, os fatos narrados na denúncia e comprovados na instrução probatória são típicos, ilícitos e há presença do dolo específico, sendo certo, ainda, que o réu, à época dos fatos, era imputável, detinha potencial consciência da ilicitude e dele era exigível conduta diversa, não havendo, no caso, nenhuma causa excludente do delito. Portanto, é justa e adequada a condenação do réu THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, como incurso na pena do artigo 5º, caput da Lei nº 13.260/16. 2.3. Artigo 3º, caput da Lei nº 13.260/16 (promoção, integração ou prestação de auxílio à organização terrorista) A denúncia imputou ao réu a suposta prática do delito assim previsto na Lei nº 13.260/2016: Art. 3º Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista: Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa. Pois bem. Trata-se de tipo de ação múltipla, pois são puníveis as condutas de “promover”, “constituir”, “integrar” ou “prestar auxílio”, não se exigindo a produção de resultado naturalístico, pois se trata de crime formal. O dispositivo incriminador não menciona o número mínimo de indivíduos atuantes em prol da organização terrorista, a revelar que o crime pode ser configurado pela conduta de apenas um pessoa, desde que demonstrada a pratica de um ou mais núcleos do tipo. Observo que “promover” deve ser entendido, no caso, como o ato de difundir, fomentar, encorajar, estimular, impelir, impulsionar, incentivar, instigar ou motivar organização terrorista. No caso dos autos, segundo a denúncia (Id 351140678): Pelo menos no período de agosto a 12 de dezembro de 2024, THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, integrou a organização terrorista autointitulada “Estado Islâmico”, bem como promoveu-a e prestou-lhe auxílio consistentes: na difusão de propagandas, notícias, preceitos e conteúdos de interesse do Estado Islâmico, propagando a discriminação, o ódio e a violência por razões religiosas; e no compartilhamento de material para fomentar a prática de atentados terroristas, tais como manuais de táticas de guerrilha, de produção de explosivos, de teoria militar e publicações congêneres, notadamente no ambiente “Techhaven” hospedado na plataforma digital RocketChat, acessível a um número indeterminado de pessoas em todo o mundo. Com efeito a materialidade do crime tipificado no artigo 3º, caput, da Lei nº 13.260/2016, restou demonstrada a partir dos elementos contidos (i) nas Informações de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (Id 350740468, fls. 18/39) e nº 5219181/2024 (Id 350740472, fls. 44/59); (ii)dos bens apreendidos na residência do acusado, discriminados nos Termos de Apreensão nº 5187557/2024 e nº 5192916/2024 (Id 350740472, fls. 35/43); (iii) do Laudo de Perícia 816/2025-SETEC/SR/PF/SP (Química Forense) (Id 360857754, fls. 02/13)e seu Laudo complementar n.º 1697/2025 (Id 364396106);(iv) do Laudo de Perícia 1025/2025-INC/DITEC/PF (Química Forense) (Id 364396107);(v)da Informação de Exploração de Material (dados) extraídos das mídias informacionais e dispositivos móveis apreendidos na residência do réu (Id 360857754, fls. 14/19); (vi) do Laudo de Perícia 066/2025-NUTEC/DPF/POR/SP (Exame do local) (Id 363589221, fls. 01/13); (vii) dos depoimentos testemunhais em juízo. De igual modo, a autoria restou demonstrada pelos documentos acima e ainda: (i) pela IPJ nº 4905885/2024 (Id 350740468, fls. 40/53), IPJ nº 4949787/2024 (Id 350740468, fls. 78 e Id 350740472, fls. 01), IPJ nº 73805/2025 (Id 350740468, fls. 74/76) e IPJ nº 5219181/2024 (Id 350740472, fls. 44/59); pela IPJ nº 4251589/2024 (Id 363589221, fls. 87/88), pela IPJ nº 4886472/2024 (Id 363589221, fls. 89/98); (ii)pela informação prestada pela operadora Desktop Telecomunicações (Id 350740468, fls. 60); (iii) pela informação prestada pela operadora TIM (Id 363589221, fls. 103/105); (iv) pelas informações e documentos fornecidos pela Universidade de São Paulo em resposta à requisição policial (Id 363589221); (v) pelos depoimentos colhidos em juízo. Toda a explanação realizada no capítulo anterior merece ser reprisada para, juntamente com outro elementos que serão adiante tratados, embasar a constatação de que o réu THIAGO, efetivamente, praticou as condutas de "promover" e "prestar auxílio" a organização terrorista, na forma do caput do art. 3º da Lei nº 13.260/2016. Conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38), diligências efetuadas no ambiente digital e em fontes abertas identificaram a plataforma denominada “TechHaven”, onde há um canal de comunicação denominado “Comando_860”, administrado por pessoa com o mesmo nome de usuário. Nesse canal, verificou-se a divulgação de propaganda e notícias produzidas por agências como "Amaq", ligada ao EI, além de temas variados sobre o Oriente Médio e atuação de grupos terroristas espalhados pelo mundo. Com efeito, consta da referida IPJ 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38) que o usuário “Salafi860”, no canal “Comando_860”, declarou em postagem, em português e em inglês, apoio aos preceitos da organização Estado Islâmico e manifestou a sua intenção de recrutar e treinar operadores do Estado Islâmico no Brasil, nos seguintes termos: “Nós do COMANDO 860 declaramos inocência sobre quaisquer intenções ou ações que possam trazer dano ao Califado. Em particular, declaramos não ter qualquer associação ou colaboração com qualquer indivíduo com username ‘ameer al ghurubah’, tão pouco temos quaisquer detalhes sobre sua pessoa ou atividades e intenções. Nosso único objetivo é recrutar e treinar operadores do Estado Islâmico em solo brasileiro. e nosso BAY'AH pode ser conferido aqui: (…)” (Id 350740468, fls. 21-22). Ainda segundo IPJ, o usuário “Salafi860” compartilhou os textos intitulados “COMENTÁRIOS ESPECIAIS [postados na página do filme 22HEALING OF THE BELIVERS…]”, “Enciclopédia de Segurança Abu Zubaydah”, “Ciclo de Palestras da Indústria do Terrorismo”, “Recomendações de treinamento pessoal”, “O básico no mundo dos explosivos”, “Matar os insolentes é o direito de todo muçulmano”, “Os muçulmanos e a lógica do poder” e “O Guia do Mujahid para Sobrevivência e Esconderijo”. Ainda conforme o documento acima citado, foi compartilhado pelo usuário Salafi860 em seu canal os materiais intitulados “RESUMÃO DE QUÍMICA DA COLEÇÃO SCHAUM!”, “MANUAL DE EXPLOSIVOS DA CIA!” e “TÁTICAS DE COMBATE DO USMC!”, bem como foi feita uma postagem no canal propagando os preceitos do Estado Islâmico e incentivando e justificando a prática de atos terroristas, notadamente ao mencionar que “TERRORISMO É HALAL, PACIFISMO É HARAM” e finalizando com os seguintes dizeres: “MUÇULMANO QUE NÃO PRATICA O TERRORISMO, SOFRE TERRORISMO. EM QUAL LADO VOCÊ VAI ESTA?”. Conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4905885/2024 (Id 350740468, fl. 40), a Polícia Federal, a partir dos IPs informados pelo FBI, identificou que o usuário “Salafi860” utilizava conexão ligada ao terminal 5516982006206, registrado em nome de THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA – CPF 087.040.567-52. Toda a divulgação de conteúdo de interesse de organização terrorista mencionada acima revela que, de fato, houve um significativo auxílio prestado pelo réu THIAGO para a divulgação da ideologia terrorista. Após a prisão temporária do acusado, decretada pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos ainda na fase das investigações, a Polícia Federal, conforme Informação de Polícia Judiciária nº 73805/2025 (Id 350740468, fl. 74), identificou que no dia 5 de janeiro de 2025, às 09h30, o usuário de nome “Redarmich” na plataforma “Techhaven” postou mensagem em que afirma "Salafigotarrestedpossible" (Salafi foi preso possivelmente, em tradução livre), seguido de um link para site de notícias (https://voz.us/en/world/241219/19343/arrest-of-isis-linked-man-in-brazil-heightens-fears-of-jihadist-invasion-of-latin-america.html). Às 09h50, o usuário "macroon1446" questiona "whatishisaccountonhere" (Qual é a conta dele aqui, tradução livre) e, minutos depois, às 10h03, uma conta de nome “Anwar” em árabe responde: "salafi860". Perceba-se que havia uma ligação com pessoas de outros países que estavam com os olhos voltados para o fato noticiado na mídia brasileira, revelando a preocupação dos citados interlocutores com a prisão do réu THIAGO. Conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4949787/2024 (Id 350740468, fl. 78), resposta encaminhada pela provedora de Internet Desktop revelou que o acesso do usuário “salafi860” foi realizado a partir de conexão realizada a partir de um endereço de instalação na cidade de São Carlos/SP, a saber: Rua Dr. Procópio Toledo Malta, 570, Lote Habitacional São Carlos I, CEP 13.563-002.Ainda segundo, IPJ a titularidade do serviço consta em nome de José Maria Pereira. Em cumprimento ao mandado de busca e apreensão no referido endereço, a Polícia Federal, na casa 07 onde o réu residia, apreendeu, dentre outros, os seguintes objetos: notebook, pen drive, dispositivos de armazenamento de arquivos eletrônicos, chip de celular, celular, Pistola de pressão (simulacro/air soft com cilindros de gás), faca, canivete, passaporte em nome do acusado, anotações manuscritas, bandeira e livros relacionados ao EI, luneta, spray gás de pimenta, silenciador de arma, produtos químicos identificados (glicerina pura, álcool e água oxigenada) e não identificados, dentre outros, conforme Termos de Apreensão nº 5187557/2024 e nº 5192916/2024 (Id 350740472, fl. 35 e 42). O Relatório de diligência policial nº 5219181/2024 (Id 350740472, fl. 44) descreve que na busca foi encontrado, dentro de um armário, um bornal tático de perna camuflado, dentro deste bornal havia uma pequena bolsa que guardava uma bandeira preta, com símbolos na cor branca, com palavras escritas na língua árabe. Essa bandeira seria identificada como a bandeira usada pelo grupo radical islâmico ESTADO ISLÂMICO DO IRAQUE E DO LEVANTE (ISIS) e pelo grupo BOKO HARAM. Além da bandeira, também estavam: um par de luvas, uma tesoura e dois rolos de linha de nilon. Também foram encontradas cópias do “BAY’AH” (juramento de lealdade ao califado) e 03 cópias do ALCORÃO SAGRADO, duas em português e uma em árabe, e um dicionário árabe-inglês. Todas as cópias do ALCORÃO estavam marcadas no mesmo capítulo, “SURATA 8”, na página onde se encontra o versículo 60, que diz “Mobilizai todo poder que dispuserdes em armas e cavalaria, para intimidardes, com isso, o inimigo de Allah[...]”. Foram encontrados também cartão da Federação de Associações Muçulmanas do Brasil e cartão da empresa New Armas, bem como caixa contendo 25 tubos de CO2 e garrafas com aparência de coquetéis “molotov”. Ao Id 364396108, o Ministério Público Federal juntou Ofício resposta n.º 077/2025/NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, datado de 16/05/2025, no qual o setor responsável pela perícia dos dispositivos criptografados apreendidos com o réu assevera “...que foram empregados todos os recursos técnicos atualmente disponíveis neste setor, bem como no Laboratório Nacional de Criptoanálise. Considerando o nível de complexidade e robustez da criptografia LUKS2, até o presente momento não foi possível proceder à quebra da proteção ou acessar os dados armazenados. Ressalta-se que, devido às características desse tipo de criptografia, não é possível estimar um prazo para eventual superação da barreira criptográfica.” Contudo, a Informação de Exploração de Material (dados) extraídos das mídias informacionais e dispositivos móveis apreendidos na residência do réu (Id 360857754, fls. 14/19) analisou os dados que foi possível extrair do celular do acusado a partir do Laudo de Perícia 132/2025-SETEC/SR/PF/SP. Destaca-se da referida Informação as seguintes passagens: “. O primeiro elemento de informação relevante é que - como já descrito no Laudo dereferência - o dispositivo móvel celular periciado foi "resetado", voltando à condição defábrica, ou seja, apagando no processo quaisquer dados do usuário às 06h56min do dia12/12/2024, quando se efetuara a prisão de THIAGO por Policiais Militares do Estado de SãoPaulo; (...) . Também importa destacar que os número IMEIs (International Mobile EquipmentIdentity)extraídos do dispositivo coincidem com aqueles informados pela operadora de telefonia quando oficiada a respeito de número telefônico móvel de titularidade de THIAGO. Tal fato corrobora não apenas que o aparelho telefônico estava com THIAGO no momento de sua prisão como também vinha sendo utilizado por este, estando vinculado a linhas de telefonia móvel de sua titularidade ao longo do tempo;” . O exame pericial também foi capaz de recuperar 13 mensagens tipo SMS, que só não foram apagadas porque estavam salvas no chip sim e não na memória interna do dispositivo. Destas 13 mensagens apenas 5 foram trocadas com outro assinante (+5514998563958),sendo que as demais foram mensagens de publicidade e serviços da própria operadora de telefonia. Todas as mensagens datam do período entre o dia 02 MAR 2022 e 03 MAR 2022. Sendo que 03 (três) tratam de assuntos políticos relativos a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Outra sduas mensagens abordam outros temas, não sendo possível presumir exatamente o contexto geral, conforme imagens abaixo: A imagem abaixo mostra uma mensagem enviada para THIAGO no dia 02 MAR 2022onde o interlocutor manifesta sua convicção nos preceitos islâmicos, pois ao final do texto refere-se a Deus como Allah, termo utilizado para esse fim pelos muçulmanos. A mensagem possui um teor dúbio, pois o interlocutor diz “O dia que O SANTO ETERNOE BENDITO Mandar eu ir eu vou. Medo é uma ilusao, a vida de verdade nao é aqui!” (grifonosso), pois pode ser uma referência a uma possível ação radical, uma vez que na sequência aafirmativa de que o medo seria ilusório e “a vida de verdade nao é aqui”, o que pode remeter auma ação de martírio No dia seguinte, 03 MAR 2022, o interlocutor afirma “Não fiz algo tão grave a esse ponto,nem me refiro a guerra em expecifico”. Da mesma forma como na mensagem acima, não épossível especificar o contexto da conversa, mas que se tratam de conversas correlatas, poisnovamente há uma possível relação com uma ação que só seria empreendida após umadeterminação divina. ” Ao Id 363589221, fls. 24/86 o Ministério Público Federal juntou Ofício resposta da Universidade de São Paulo no qual, requisitada a informar se foi registrada ou recebida informalmente alguma reclamação em relação ao réu, a USP informa que: “l. Aluno de Pós-Graduação (estrangeiro) procurou o Coordenador do Curso para informar ter sido procurado pelo discente THIAGO JOSÉ DA SILVA BARBOSA DE PAULA para ser cooptado para a fabricação de bombas. O aluno relata ter trocado de número de celular várias vezes e o Thiago sempre descobriu os números novos, encaminhando vídeos sobre atentados terroristas e confecção de bombas. O mesmo aluno relata que esse comportamento do Thiago se repete com os moradores do alojamento e alunos em situação de vulnerabilidade; 2. Servidor do Campus de São Carlos levou ao conhecimento de membro da Guarda Universitária ter ouvido conversa telefónica onde o discente THIAGO JOSÉ DA SILVA BARBOSA DOS SANTOS marca encontro para ensinar a confeccionar bomba e como disparar dispositivos à distância (14/08/24); 3. Thiago frequentemente pergunta sobre onde os alunos e professores se reúnem; 4. Apesar de ter aulas na Área 2 é frequentemente visto nas dependências da Biblioteca da Escola de Engenharia de São Carlos; 5. Uma professora informou que servidor técnico do Departamento de Engenharia de Materiais participa das reuniões; 6. A Guarda Universitária vem monitorando as reuniões promovidas pelo THIAGO. Nos últimos meses vem ocorrendo às sextas-feiras, nas imediações do Departamento de Geotecnia, às 13h ou 16h. A fim de garantir a segurança dos agentes, em 19/06/24 foi providenciada instalação de câmera no Departamento, para melhor monitoramento dessas reuniões, porém não é possível ter áudio. A Guarda Universitária possuí mais imagens e vídeos.” (destaque nosso) Do referido Ofício resposta da Universidade de São Paulo, unidade de São Carlos, merece destaque, ainda, a informação contida no Relatório de Ocorrência n.º 202400153, emitido em 01/10/2024, segundo a qual (Id 363589221, fls. 83/84): “Informo que foi encontrada uma imagem plotada no monitor de um computador na Biblioteca central EESC. Funcionários, ao acharem a imagem estranha, verificaram quem havia utilizado aquele computador e constataram que o responsável foi o aluno do curso de Engenharia de Materiais, Thiago José Silva Barbosa de Paula, nº USP 15490110.” (...) Em que pese a qualidade da supracitada imagem, a respeito do referido episódio ocorrido na Biblioteca da Universidade verifica-se constar do documento “Relatos sobre eventos observados no Campus da USP em São Carlos” (Id 363589221, fls. 97) que: (...) No dia 02/10/24 foi encontrada uma imagem suspeita no monitor de computador da biblioteca central da EESC. Ao verificar quem havia utilizado o computador foi identificado o aluno de engenharia de materiais Thiago José Silva Barbosa de Paula. Em contato com o Casemiro, foi informado que a imagem plotada no computador, constava desenho de tanque, fuzil, mina/bomba e submarino.” Rememoro que conforme Informação de Polícia Judiciária nº 4865802/2024 (Id 350740468, fl. 18/38), o canal Comando_860, administrado Salafi860 utiliza imagem que contém tanque e submarino: Por fim, consta da documentação apresentada pelo Ministério Público Federal ao Id 363589221 uma comunicação protocolada em 20/09/2024 perante o sistema de comunicação on line de crimes da Polícia Federal (“Comunica PF”), segundo a qual (fls. 91/92): “Há uma série de informações circulando pelo campus USP SÃO CARLOS que o aluno THIAGO JOSÉ SILVA BARBOSA DE PAULA esteja assediando e aliciando membros da comunidade universitária com intenções de algum atentado terrorista. O que nos foi informado é que esse aluno encaminha vídeos contendo imagens de atentados terroristas e também que ensinam a fabricar bombas. Não recebemos nenhuma denúncia formal mas essas informações correm entre os os membros da comunidade universitária. Esse aluno está matriculado no 1º ano de engenharia de materiais e, no primeiro semestre teve aprovação em apenas 2 disciplinas. Em seu desfavor há 2 processos que tramitaram na justiça por problemas em universidades nas quais já foi matriculado PROCESSO Nº 5015867-34.2017.4.04.7200 - Justiça Federal de Santa Catarina PROCESSO Nº 0006253- 49.2011.4.02.5101 - Justiça Federal do Rio de Janeiro E há, ainda, a notícia que o mesmo aluno foi expulso do Paraguai por ações que nos levam a crer ser relativas a prática de terrorismo: https://www.tnpress.com.py/2022/02/17/expulsan-a-tres-brasilenos-que-ingresaronilegalmente-al-pais-uno-de-ellos-armado/ Tudo isso nos leva a acreditar que os propósitos do Thiago não são acadêmicos. Esse aluno vem, também, realizando reuniões periódicas no campus e a Guarda Universitária tem feito monitoramento dessas reuniões, conforme imagens anexas feitas pela própria guarda, mas não é possível captar o áudio.” Em juízo, por ocasião da audiência de instrução, foram ouvidas 05 (cinco) testemunhas, bem como o réu. A testemunha José Maria Pereira, proprietário da casa (kitnet) alugada por Thiago, disse que fazia aproximadamente 08 (oito) meses que o réu morava na casa e era um morador tranquilo, que sempre pagava o aluguel em dinheiro e adiantado e não recebia visitas. Disse que Thiago saia de casa às 11h do dia e voltada 19h da noite. Questionado se o réu tinha desentendimento com vizinho, disse que o próprio Thiago alguns dias antes de ser preso havia chamado a Polícia para vizinhos que estavam bebendo e fazendo barulho. Disse que dias depois a Polícia voltou lá e prendeu Thiago. Afirmou que assinava contrato de internet com a Desktop, mas que a internet era só para ele. Disse que Thiago lhe pediu a senha da internet desde que foi morar lá e ele a forneceu para ele. Disse que não fornecia a senha da internet para todos os moradores, somente para quem lhe pagava R$20,00 (vinte reais) por mês. Disse que as pessoas que optavam por lhe pagar usavam a internet somente no celular delas sendo que era ele próprio quem colocava a senha já que as pessoas não ficavam sabendo da senha. Disse que somente Thiago lhe pediu para usar a senha da internet no próprio computador com o que ele concordou. Afirmou que das pessoas que moravam lá somente Thiago fazia faculdade. Relatou que acompanhou um pouco prisão, já que viu pela câmera de monitoramento a Polícia Militar chegar por volta da 07 (sete) da manhã e foi até lá abrir o portão para eles. Disse que somente depois a Polícia Federal chegou. Disse que nunca viu Thiago chegar na Kitnet com aquilo que ele viu lá dentro depois, assim como também nunca ouviu barulhos diferentes lá dentro. Embora não residisse no local, nenhum vizinho falou que Thiago fazia barulho; ele era quieto demais. Questionado pela defesa acerca do morador com quem Thiago teve desentendimento disse que não sabe dizer quem era, que embora esse vizinho ainda morasse lá quando Thiago foi preso, depois esse outro morador mudou do local porque falou para ele ir embora de lá porque como ele estava fazendo muito barulho ele não servia para morar lá. Disse que esse morador, após a prisão de Thiago, ficou ainda um mês aproximadamente morando lá e depois saiu. Disse que esse morador não tinha nenhuma relação com Thiago, nem amizade eles tinham. Afirmou que as Kitnet são uma do lado da outra, cada porta fica uma do lado da outra e que dividem o quintal. Sobre o uso da internet afirmou que para os outros moradores não entregava a senha, sendo que ele próprio quem colocava no celular das pessoas para que elas usassem a internet. Já o Thiago lhe pediu para usar a senha no computador, então somente para ele entregou a senha anotada num pedaço de papel para que ele conseguisse usar a internet no computar da casa dele.Sobre o dia da prisão, narrou que a Polícia Militar chegou no local por volta das 07h30m, que como monitorava o local por câmera foi até lá e, após confirmar o nome do morador que a Polícia procurava, abriu o portão para eles entrarem. Afirmou que a pedido da Polícia foi até a porta do Thiago e o chamou, quando ele abriu a porta a Polícia já o algemou e o levou para Delegacia. Afirmou que a PM levou a chave da casa, que ficou fechada. Depois a Polícia voltou e ficou até umas oito e meia da noite. Disse que Thiago não tinha muitos pertences; que era praticamente roupa, já que as casas são alugadas já com os móveis dentro (geladeira, fogão, televisão). Afirmou que quando liberaram a chave para ele, embalou as coisas de Thiago, embalou numa caixa, colocou no corredor do lado de fora e alugou a kitnet de novo, sendo que com o tempo foi sumindo as coisas dele de lá, porque entra um e outro no local, mas as coisas de valor foram levadas pela Polícia. Disse sobre o dia da prisão, que sabe que a Polícia levou a chave da casa do Thiago e que acredita que trancaram a porta, mas não sabe dizer com certeza. Perguntado se a porta tivesse ficado aberta se saberia de alguém que poderia ter entrado lá dentro respondeu que não sabia. Sobre a afirmação da defesa no sentido de que o réu afirmou que a testemunha falou para a Polícia Civil que no dia que a Polícia estava lá entrou gente na residência e roubou os pertences dele, esclareceu que o que ele falou foi que colocou as coisas de Thiago numa caixa e colocou do lado de fora da kitnet e que aí sim alguém pode ter pego as coisas dele. Sobre o dia da prisão disse que os Policiais prenderam Thiago, foram embora e que demoraram por volta de uma hora e meia para voltarem para a casa, sendo que desta vez eles entraram direto, pois tinham a chave. Disse que os Policiais ficaram lá o dia todo e que os vizinhos também estavam lá o dia todo, inclusive assinaram como testemunha. Disse que os policiais peritos devolveram a chave da casa para ele já era oito e meia da noite, que ele foi até lá pegar. Disse que o vizinho para quem o Thiago chamou a Polícia para ele não ficou com raiva do Thiago. Afirmou que esse vizinho bebia e ficava gritando no corredor, mas que ele não tinha nada com o Thiago. Disse que ficou sabendo que Thiago foi preso porque estava fabricando bomba. Afirmou que Thiago nunca falou com ele sobre bomba. Disse que lá no local tem câmera de segurança, que elas filmavame gravavam e inclusive tinha imagens da Polícia entrando e saindo, mas depois elas deram problema no HD e pararam de filmar. Reafirmou que à época gravava, mas não tem mais essas gravações que o HD apaga (Id 364906320 e Id 364906328). A testemunha Alexandre Faad, Escrivão de Policial Federal, disse que sua atuação na investigação foi mais no início, quando receberam a informação e passaram a pesquisar na internet possíveis sites ou locais onde poderiam ser localizados grupos extremistas. Esclareceu que o setor onde trabalha é voltado para atuação trabalhando com fontes abertas, pesquisas pela internet e tudo mais. Disse que buscando locais onde o “ISIS” (Estado Islâmico) pudesse colocar propaganda localizaram o site Techhaven por meio de uma postagem no Twitter. Foi feita uma conta no referido site Techhaven e começou a buscar ali dentro e achou o canal “Comando 860”. Disse que a partir dali o objetivo foi analisar as postagens e ver se tinham conteúdo extremista. Afirmou que embora não seja perito técnico para descrever de forma elaborada como essa plataforma funciona, pode descrever que ela funciona como um fórum, com várias salas de “bate-papo” onde os usuários ficam interagindo, sendo que essas salas podem ser abertas, caso em que qualquer um pode escrever, ou podem ser fechadas, caso em que só um ou alguns escrevem. Disse que durante sua investigação constatou que o proprietário/administrador do canal “Comando 860” era o usuário chamado “Salafi860”, usuário este que também interagia com outros canais com esta temática terrorismo. Disse que na época esta plataforma era algo para eles e não sabia como ia preservar esse material publicado, por isso começou a fazer “prints” da tela, colocando no word, seguida do endereço eletrônico daquela imagem.Disse que lembra que um dos “prints” realizados era sobre a passagem do alcorão 8:60. Esclareceu que trabalha na Divisão Antiterrorismo desde 2007, 2008 e que acompanha muito material do Estado Islâmico publicado na internet, sendo que no auge do referido Estado Islâmico ele produzia essas revistas digitais até que veio a derrota militar e pararam, mas de vez em quando retomam. Disse que recebem material, que tem sites que acompanham as organizações terroristas, então esse material do Estado Islâmico é bem conhecido no meio do enfrentamento ao terrorismo. Questionado sobre o que vincula Thiago às publicações, disse que no início as publicações do canal “Comando 860” eram feitas só pelo usuário “Salafi860”. Relatou que a denúncia compartilhada pelo FBI cita o usuário “Salafi860” e cita os números de IP. Com os números de IP, o padrão deles é oficiar as operadoras. Disse que no caso dos autos, a denúncia apresentada pelo FBI indicava números de IP, não sabendo precisar quantos, mas que ele não atuou nesta parte da investigação acerca da investigação acerca dos IPs. Disse que só atuou no processo do Thiago na parte inicial, depois ele saiu de férias e licença e quando voltou a trabalhar a prisão e tudo mais já tinha ocorrido. Relatou que as publicações do Estado Islâmico normalmente são encontradas em ambientes que são mais de propagação de ideias extremistas. Afirmou que as vezes se encontra material do Estado islâmico circulando na “deep web”, em canais de fóruns “chans”, que são fóruns onde circulam, por exemplo, muitos dos ataques em escolas que acontecem. Afirmou que dentro de uma dessas revistas virtuais do Estado Islâmico tem um título que chama “Como fazer uma bomba na cozinha da sua mãe” que é um material que ensina a fazer uma bomba utilizando uma panela de pressão, que é a bomba que foi utilizada no atentado da maratona de Boston. Esse material era distribuído pelo Estado Islâmico. Disse que não sabe mensurar quantas vezes já encontrou esse manual na internet, mas lembra que foi menos que dez vezes, recordando de ver no caso Techhaven, no caso “4chan” ou “oitochan” e no caso “Hashtag”também alguma coisa desse material circulou em grupo do Telegram. Disse que não é um material que circula abertamente, mas também não é um material exclusivo, já que isso é difícil para algo que está na internet. Afirmou que a maior parte das informações que encontrou nas publicações do Salafi são publicações que já existiam na internet, são materiais publicitários do Estado Islâmico, como vídeos que eles produziram em algum momento. Narrou que a conclusão dele no sentido de que havia propaganda para o Estado Islâmico nas publicações do Salafi860 foi a partir, por exemplo, de uma publicação deste usuário do juramento de fidelidade ao Califa do Estado Islâmico, juramento este que é um dos quesitos, talvez até o principal, para você se incorporar ao Estado Islâmico. Disse que isto traz um elemento de que aquela pessoa integrou ou integra aquela organização. Afirmou que já encontrou esse juramento em uma outra publicação em um caso que tiveram no ano passado, no qual não trabalhou, mas que um rapaz publicou esse juramento na internet e foi preso quando tentava sair do Brasil para ir viajar para o Oriente Médio. Afirmou que as palavras que compõem o juramento estão na internet, mas que no caso do Salafi860 o material do juramento parece ter sido produzido por ele, porque tem o logotipo do canal “Comando 860” e o juramento está na primeira pessoa (Id 364907274, Id 364907292 e Id 364907287). A testemunha Pedro Passos Sundfeld, Agente da Polícia Federal, afirmou que sua participação na investigação foi no cumprimento do mandado de busca. Disse que no dia que ocorreu a prisão do Thiago receberam uma ligação da Divisão de Terrorismo, pois o investigado teria sido preso, mas o mandado de busca referente à casa dele não havia sido cumprido. Afirmou que ele e o Almir deram cumprimento a este mandado até os colegas da DAT chegarem de São Paulo em São Carlos/SP. Afirmou que ele e o Almir chegaram no endereço antes do Leonardo, que faz parte da Divisão Antiterrorismo e é lotado em Brasília, mas que estava em missão em São Paulo na data da prisão. Disse que já tinham feito contato inicial com eles por telefone, então tinham uma ideia do conteúdo da operação e dos materiais que seriam relevantes a arrecadação. Afirmou que no momento que chegaram fizeram a entrada no local, fizeram a segurança do cômodo e começaram a realizar a busca dos materiais que seriam relevantes com base no que eles já haviam passado e já começaram a arrecadação, de tal forma que quando chegaram só ratificaram o que eles já haviam olhado. Afirmou que quando chegaram no local a Polícia Militar já não estava lá; que o cumprimento do mandado ocorreu pela manhã e eles chegaram na hora do almoço, tanto que eles foram na Cadeia e pegaram a chave do imóvel com o Thiago para não terem que arrombar a porta; que Thiago até deu o ciente no mandado. Afirmou que quando chegaram no imóvel este estava fechado. Acredita que a Polícia Militar só efetuou a prisão e o dono do estabelecimento deve ter fechado a casa/quarto que o Thiago morava. Confirmou que eles não arrecadaram todo o material, pois parte foi deixado para quem ia fazer a perícia no local do crime. Afirmou que chegaram um pouco antes do perito, então fizeram a segurança do local, pois tinha materiais inflamáveis e alguns que poderiam ser usados como explosivos ali. Disse que alguns materiais que não seriam necessários à perícia, pelo menos imediata, já foram arrecadando como documentos com inscrições, bandeiras. Afirmou que a arrecadação do material de maior risco e que necessitava de perícia no local foi o perito que fez. Relatou que procederam dessa forma conforme ordenou o Delegado que estava com eles. Disse que o proprietário do imóvel acompanhou o procedimento e foi uma das testemunhas, inclusive. Questionado se lembrava se documentos pessoais, cartão de crédito do Thiago foi arrecado respondeu não lembrar desse tipo de material, mas lembrava que a carteira de Thiago estava lá, mas não lembra se tinha cartão de crédito. Disse que dentre o material arrecadado tinha algo parecido com alvo, que acredita que ele atirava com arma de ar comprimido. Afirmou que chamou atenção durante a busca foram 03 (três) coquetéis molotov que estavam do lado da cama, tinha bastante facão e faca e, de forma incomum, tinha bastante combustível também; tinha gasolina e álcool além do álcool dos coquetéis molotov; tinha também bandeira ligada ao Estado Islâmico e livros e inscrições em árabe. Questionado se havia participado de um procedimento interno que havia em Araraquara com algumas notícias relacionadas a atividade na USP em São Carlos disse que sabia que já houve alguma comunicação na Delegacia de Araraquara, mas que nunca participou dessa investigação. Afirmou que quando chegaram na Delegacia o Thiago já estava na carceragem. Que a chave da casa estava na Delegacia, nos pertences apreendidos junto com o Thiago, sendo que ele sabia do cumprimento da busca, pois ele deu visto no mandado. Afirmou que imaginaram que a chave estava com o Thiago porque ele estava preso lá. Afirmou que foram até a casa, bateram no portão, um dos moradores do local abriu, entraram e já foram para o quarto que era do Thiago, abriu a porta e entraram, sendo que a residência estava bem organizada. Disse que algumas facas estavam escondidas e arma de pressão estava dentro do armário dele. Afirmou que a maioria dos materiais estavam dentro de bolsas que estavam dentro do armário dele. Relatou que chegou perto do horário do almoço no local, entre 13h, 14h, sendo que ficou até o final, entre 7h, 8h da noite. Afirmou que não teve nenhum contato com os Policia Militares que fizeram a prisão. Descreveu os três coquetéis molotov como sendo uma garrafa, com gasolina dentro e um pavio feito com gaze, sendo que o pavio estava envolto no papel alumínio para proteger o pavio. Disse não se lembrar quem foi o primeiro morador que estava ali, mas pelo menos três tinha. Afirma que durante todo o período da busca a porta ficou aberta com policial, delegado ou perito lá dentro. Afirma que tinha câmera no local e que o proprietário é que tinha acesso, sendo que ele próprio não chegou a solicitar essas imagens. Relatou que alguns dos itens arrecadados foram levados pelo perito e outros foram levados pelo DAT(Id 364908327 e Id 364908328). A testemunha Bruno Ramos Craesmeyer, Agente da Polícia Federal, disse que produziu algumas Informações de Polícia Judiciária (IPJ) sendo a mais extensa dela relativa à vinculação do Thiago ao IP. Disse que oficiou operadora de celular, salvo engano a TIM, e ela responde fornecendo informação sobre o assinante que teria acessado aquele IP naquela data e hora. Relata que a partir daí fizeram pesquisa e uma coleta profunda em fontes abertas a respeito do Thiago e começa a encontrar convergências muito relevantes que no contexto levaram à conclusão que a pessoa por traz do usuário Salafi860 era o Thiago. Disse que a primeira relação direta do Thiago com o Salafi860 decorre da informação da operadora de celular no sentido que Thiago foi o assinante que teria acessado o IP naquela data e hora. Afirmou que a partir do CPF de Thiago fez levantamento de chaves PIX vinculadas a ele, que lhes forneceram uma série de achados dentre eles um e-mail que continha a expressão “shahadabrasil”. Afirmou que encontrou ainda um perfil no youtube intitulado @shahadabrasil5578, que seria um “perfil de conteúdo limitado, mas de um franco proselitismo religioso muçulmano que defende aislamização do Brasil. Disse ainda que realizando buscas mais profundas no “google” com o nome Thiago e possível sigla de seu nome (TJSBP) foi possível identificar que Thiago tinha interesse em criptomoedas, embora não tenha sido localizada uma carteira. Afirmou que também localizou um perfil de Thiago na plataforma GitHub, que é uma plataforma de pessoas interessadas em tecnologia e sobretudo programação, o que revelava que Thiago era alguém que tinha algum domínio ou ao menos interesse em programação. Disse, ainda, que mesmo após a prisão de Thiago continuaram acompanhando as postagens no fórum Techhaven e, ao mesmo tempo, a ausência de postagens no canal Comando860 e observaram que o conjunto das postagens no fórum mostrava que os próprios usuários extremistas do Techhaven apontavam que a prisão ocorrida em São Carlos era a prisão do Salafi860 e de outra parte foi possível perceber a ausência de postagens no canal Comando860 que era atribuído como o canal sob a administração do Thiago. Esclareceu que os IPs foram informados pela Agência parceira norte americana como sendo IPs de onde o usuário Salafi acessou e a partir daí oficiaram tanto as as empresas provedoras de acesso à internet quanto as provedoras de telefonia e identificaram de um lado o assinante da empresa de operadora móvel e de outro lado o endereço na cidade de São Carlos. Esclareceu que o próprio desenrolar da investigação acabou por corroborar as informações fornecidas pela Agência parceira. Disse que o servidor Techhavené um servidor fechado, de tal forma que não é possível oficiá-lo para solicitar quem é a pessoa por traz dos usuários; o referido servidor é um espaço montado por organização criminosa para cometimento de crime, para veiculação de material extremista, de tal forma que não seria possível oficiá-lo. Disse ainda não saber informar como o próprio FBI angariou essa informação. Confirmou que recebeu duas informações sobre o responsável por aquela conexão, uma da TIM e outra da DESKTOP, sendo que esta última forneceu como responsável pela conexão um senhor que era proprietário de um imóvel que sublocava kitnets em São Carlos, sendo que o perfil daquele senhor não indicava nenhum tipo de radicalização. Afirmou desconhecer sobre o perfil de outros moradores que sublocavam o lugar. Afirmou que a conexão é apenas uma das corroborações de que Thiago se tratava do Salafi. Disse que não participou da perícia, mas sabe que o aparelho celular do Thiago foi apagado na manhã em que ele foi detido pela Polícia Militar de São Paulo (Id 364909517 e Id 364909520). A testemunha Leonardo Martins Coelho,Agente da Polícia Federal, disse que é lotado em Brasília e estava em São Paulo para missão por isso se deslocou para São Carlos/SP. Questionado se foram surpreendidos com a prisão de Thiago, disse que o mandado de prisão saiu no dia anterior à prisão, sendo que eles estavam se programando para que a prisão ocorresse dois dias depois e consequentemente realizariam a busca, mas no dia seguinte à expedição do mandado, que estava no BNMP, a Polícia Militar cumpriu o mandado. Disse acreditar que a Polícia não sabia do Thiago, que só verificaram que havia um mandado em aberto e foram lá e cumpriram. Afirmou que se deslocou para São Carlos, mas quando chegou já estavam os policiais de Araraquara. Disse que demoraram em torno de três horas para se deslocarem de São Paulo para São Carlos e para evitar um dano maior, uma perca de dados ou informações, o Chefe da unidade solicitou apoio de equipe de Araraquara que é bem mais próxima e pode chegar antes. Disse que quando chegaram em São Carlos alguma coisa já havia sido arrecada e alguma cosia já havia sido identificada, mas sabiam por informação da análise que poderia haver uma bandeira do Estado Islâmico ou outros elementos que comprovassem a participação do Thiago no crime então, mesmo sabendo que os colegas já haviam feito uma busca inicial, foram lá e continuaram a busca, ocasião em que encontraram dentro do armário dele uma espécie de pochete de perna contendo uma bandeira preta com símbolos brancos que identificam como sendo do Estado Islâmico. Disse que continuaram olhando, principalmente no quarto, e havia a “BAY’AH”, que é um juramento que a pessoa faz para o Estado Islâmico. Afirmou que não sabe dizer se o juramento foi feito pelo Thiago ou não, mas estava dentro do quarto dele. Esclareceu que pelo que conhece quando a pessoa faz a “BAY’AH” ela está disposta a fazer o que for determinado para ela fazer. Afirmou que na casa do Thiago haviam três alcorões, sendo dois em português e um inglês ou árabe, salvo engano. Afirmou que todos tinham uma marcação na mesma página, na mesma “Surata 8, versículo 60”, que juntos dão o final do nome do canal do Thiago no Techhaven. Esclarece que saiu do local da busca um pouco antes da perita chegar, pois precisavam levar o material para São Paulo para ser periciado, mas o pessoal de Araraquara permaneceu lá. Disse que durante o tempo que permaneceu no local, este não ficou desguarnecido; ficaram todos no ambiente que era bem pequeno. Afirmou que saiu de São Paulo e foi para a diligência em São Carlos porque precisavam cumprir um mandado de busca e um de prisão; o mandado de prisão já havia sido cumprido e entendem na unidade que quanto mais policiais especializados na matéria estiverem no local melhores elementos de prova eles conseguem colher, então foi solicitado que se deslocassem de São Paulo para São Carlos, destacando que já iriam de qualquer jeito. Afirmou que quando chegou no local já havia uma equipe policial composta por um delegado, um escrivão e dois agentes, havia também duas testemunhas que acompanharam a busca inicial e eles estavam aguardando a chegada da equipe especializada. Disse que até onde saiba o local não ficou desguarnecido nenhum momento. Esclareceu sobre os itens apreendidos, que a respeito da bandeira, a pesquisa que fez e o que eles conversam entre eles, é que a bandeira ou está vinculada ao Estado Islâmico ou está vinculada ao “BokoHaram”, que são duas organizações extremistas. Ainda sobre os bens apreendidos disse que foi encontrado no quarto do Thiago algumas notas fiscais relacionadas ao material químico, foi encontrado um vidro de Becker, um termômetro que são relacionados a fabricação de algum produto químico, mas um livro especifico dizendo “como se produz”, “como você faz determinada coisa”, isso não encontraram. Afirmou, ainda, que foi encontrado dois coquetéis molotov, pelo menos a aparência era, pois eram duas garrafas de vidro, fechadas com um pedaço de pano por fora, bem característico de coquetel molotov. Afirmou que não teve acesso ao laudo da perita, então não sabe dizer o que havia ali dentro, mas o que havia ali é de alguém que iria manipular produtos químicos e havia produtos químicos no local, como água oxigenada e algumas outras coisas em quantidade relativamente grande. Disse que quando chegou lá as garrafas estavam dispostas encima da geladeira para que ninguém mexesse porque a equipe que havia chegado antes deles já havia identificado então deixaram separadas; encima da garrafa havia um pedaço de pano, não cobrindo a garrafa, mas sim com o pano para dentro da garrafa e aí a maneira de você acender é acender aquele estopim e lança a garrafa, quando ela bate em alguma coisa ela estoura e o líquido ali dentro pega fogo (Id 364909545). Interrogado em juízo, Thiago José Silva Barboza de Paula, negou os fatos que lhe foram imputados pela denúncia. Afirmou que fez amizade, não muito próxima, com outro muçulmano que morava nessa vila e que conversavam muito sobre o Islã e que numa certa noite viu ele consumindo bebida alcoólica até tarde da noite e então chamou atenção dele, mas ele não gostou, se irritou e começou a ameaçá-lo, razão pela qual chamou a polícia. Disse que a polícia foi, fez o que tinha que fazer e foi embora, sendo que três dias depois estava sendo preso. Questionado sobre se lembrava do nome da referida pessoa disse que preferia não falar, pois ainda se sentia ameaçado por essa pessoa, que lhe pedia para comprar coisas para ele. Afirmou que essa pessoa usava a identidade dele, por exemplo, a arma de “air soft” comprou para ele, os produtos químicos também, o material de laboratório comprou para ele, que dizia ter problema com a documentação. Relatou que fez isso na camaradagem, na amizade islâmica e não imaginava que fosse de desenrolar dessa maneira. Afirmou que, assim como essa pessoa, é muçulmano, que pratica a religião do islã. Esclareceu que pela doutrina do islã não é possível o consumo de bebida alcoólica, drogas, tudo isso é proibido, é “haram”, por isso advertiu ele. Afirmou que quando morou em São Paulo, em 2023, frequentava mesquitas da capital, mas quando passou na FUVEST no primeiro semestre de 2024 mudou para São Carlos para estudar engenharia de materiais. Disse que em São Carlos não tem uma mesquita, mas tinha um grupo de muçulmanos que se reunia dentro da Universidade, toda sexta-feira, entre onze e meia e meio dia e meio. Relatou que dentro da USP de São Carlos tinham outros estudantes muçulmanos, sendo a maioria estudantes de pós-graduação. Afirmou que pela internet suas interações eram com canais de conteúdo islâmico, como o canal do youtube “MercifulServant” e principalmente o canal de pregação da sexta-feira “Khutbah”, além de canais de notícias geral que afeta o mundo islâmico. Disse que conheceu a plataforma Techhaven somente a partir da sua prisão, com a denúncia e que acredita que esse amigo seu, da vila onde morava, devia conhecer já que ele tinha um perfil um tanto violento. Afirmou que às vezes esse amigo até pedia o celular emprestado, porque ele não tinha um, e ele emprestava na camaradagem. Questionado se realmente não gostaria de, a seu critério, identificar essa pessoa, reafirmou que não queria. Afirmou que nunca tinha ouvido falar do grupo ou do canal “Comando860”, somente com a denúncia teve conhecimento. Confirmou que o telefone celular 016982006206 é dele. Afirmou que já ouviu falar de vários grupos extremistas em geral, o que a imprensa divulga a respeito deles, mas não conhece ninguém que integre esses grupos. Disse que nunca tinha ouvido falar de “Estado Islâmico Brasileiro”. Afirmou que já ouviu falar da Agência Amaq através do canal de notícias como “Mirror”, mas nunca acessou conteúdo a respeito. Disse que tem também as mídias indianas de notícias em geral que fala da Rússia, Estados Unidos e mundo em geral, mas que a maior parte do seu tempo era ocupada com a Faculdade. Afirmou não fazer idéia de quem seja o detentor do perfil denominado “Salafi860”. Questionado sobre a passagem 860 que estaria destacada nos alcorões apreendidos na sua casa disse que não tinha alcorão físico, que usava só “pdf”, que seus pertences eram somente os dispositivos eletrônicos (o notebook, HD externo, celular, chip,). Afirmou acreditar que esses alcorões esse vizinho deve ter colocado lá; eles não lhe pertenciam. Afirmou que o alcorão é um texto religiosoe ao mesmo tempo é um texto legal, é lei; a partir do momento que o muçulmano rejeita um versículo do alcorão ele está anulando o islã dele, então todos os versículos do alcorão eles aceitam, tanto aqueles que podem ser interpretados de maneira extremista quanto aqueles muitos versículos que incentivam a paz. Disse que cada pessoa, cada grupo ou cada país pode interpretar de maneira diferente tanto o alcorão quanto a lei. Sobre essa passagem disse que sua interpretação é de que guerra é guerra, que se um país é invadido ele tem direito de se defender; aquele que é combatido tem direito de se defender. Disse que nunca fez juramento de lealdade ao califado e que o papel contendo o texto do juramento encontrado em sua casa não era dele. Afirmou ainda que nunca foi contatado ou convidado para integrar algo vinculado ao Estado Islâmico e até lhe causou estranheza saber que o Brasil tivesse esse tipo de recrutamento. Negou conhecer os canais “Dabiq Magazine”, “Rumiyah Magazine”, “VoiceofHind Magazine” e “VoiceofKhurasan Magazine”. Disse que nunca ouviu falar no usuário da internet de perfil “Ahmadleo2007”. Confirmou que criou o canal do youtube chamado “@shahadabrasil5578” para divulgar o conteúdo islâmico, mas com caráter pacífico. Disse que possui 30 anos de experiência com informática, inclusive, dentro da USP, na disciplina de computação, tirou nota máxima na média final e chegou a criar uma criptomoeda para testar, para aprender a linguagem de programação de criptomoedas e tem conhecimento de criptografia e computação. Disse ser programador. Afirmou não possuir investimentos em criptomoedas. Sobre a ocorrência de Foz do Iguaçu em 2022 disse que havia recebido seu pagamento do bolsa família e ia para o Paraguai comprar um celular, sendo que o facão na bolsa era para defesa pessoal, porque Foz do Iguaçu é uma cidade perigosa e a primeira oração do dia de sua religião é de madrugada, quando o céu começa a mudar de preto para branco. Além disso, disse que é agricultor, com curso realizado em 2021 para plantio de hortaliças e o facão era usado para abrir espaço no terreno para abrir horta, sendo que estas eram as duas necessidades que tinha de ter o facão. Disse que naquela ocasião a Polícia achou e começaram a pensar que ele ia fazer alguma coisa. Disse achar que tudo isso foi um grande mal-entendido. Afirmou que o facão da residência não era seu, que o facão do Paraguai ficou apreendido no Paraguai e ele foi preso e expulso do país. Sobre as inscrições em árabe no facão disse não lembrar de ter escrito nada no facão, mas que ele ficou apreendido no Paraguai. Disse que a arma de air soft foi comprada para o vizinho a pedido dele, mas não sabia que ele usava, treinava, não sabia de nada disso. Afirmou que o vizinho deu-lhe dinheiro e ele foi lá e comprou, sem desconfiar de nada. Afirmou a respeito do coquetel molotov, ureia, glicerina, nada disso era dele. Afirmou que apenas o álcool era dele, pois o usava para cozinhar, quando o gás acabava. Afirmou que viu as fotos da apreensão, mas que nunca tinha visto nada daquilo ali. Afirmou que por ocasião da prisão os Policias não lhe deram voz de prisão; deram a entender que ele não estava preso; que ele seria apenas conduzido para ser ouvido pelo Delegado. Afirmou que pensou que tudo aquilo era por causa daquele “BO” que tinha tido uns três, quatro dias antes com o vizinho. Afirmou que achou que seria rápido, logo não chegou a trancar a porta. Disse achar que foi a partir do episódio em que ele chamou a Polícia para o vizinho que este ficou revoltado com ele. Sobre reclamações feitas contra ele na USP no sentido de que estaria ensinando pessoas a fazerem bombas, disse que nunca ensinou ninguém a fazer bomba e que inclusive foi reprovado em química teórica e aguardava outro exame de recuperação. Disse que tinha um grupo na USP de muçulmanos que se reuniam às sextas-feiras, mas era apenas para fazer a oração de sexta-feira. Disse que nunca colou em computador da USP um adesivo relacionado ao Comando860. Afirmou que nunca participou de nenhum evento organizado por terceiros relacionado a produção de material explosivo ou prática de disparos. Disse não saber fazer bomba. Afirmou que este outro muçulmano não morava na mesma kitnet que ele e sim em outra. Disse que quando foi preso na sua kitnet só havia suas roupas, seus dispositivos eletrônicos e alimentos. Afirmou que quando saiu deixou com a Polícia a porta ficou aberta, mas levou a chave, porque tinham duas chaves: a do portão e a da casa e como o portão ficava sempre fechado achou que não tinha problema deixar a porta aberta. Disse que levou a chave para conseguir abrir o portão quando voltasse da Polícia. Disse que foi surpresa ter perfurações no armário, pois nunca fez isso. Afirmou que as chaves “Pix” encontradas pela Polícia realmente lhe pertencem. Sobre os eletrônicos apreendidos em sua casa disse que somente o HD externo e o notebook estavam criptografados, sendo que a criptografia é LUKS. Afirmou que dentro desses bens tem seus livros e trabalhos da Faculdade. Disse que todos os alunos que fizeram a disciplina de programação tinham que ter perfil no GitHub, pois era onde faziam o upload dos trabalhos. Ao final ser inocente de todas as acusações (Id 364910586, Id 364910594, Id 364910598, Id 364912071 e Id 364912051). Restou comprovando nos autos que THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, de forma consciente e voluntária, promoveu e prestou auxílio à organização terrorista do Estado Islâmico, disseminando, estimulando e compartilhando os ideais da referida organização, bem como atuando no sentido de arregimentar pessoas para compor seus projetos escusos. De igual modo, “[...] importante observar que, segundo a perspectiva do autor do crime do artigo 3º da Lei 13.260/2016, de modo especial sob a ótica dos núcleos típicos 'promover' e 'prestar auxílio a', erige-se faticamente viável que o autor participe ou não da própria organização que promove ou à qual presta auxílio. Isso importa em aceitar que comete o crime aquele que promove ou presta auxílio a, de qualquer modo, uma organização criminosa da qual faz parte, ou promove ou presta auxílio à organização criminosa com a qual não haja outra forma de interação que não o próprio auxílio, a sugerir, portanto, que o réu por si não participa das ações praticadas pela organização terrorista.” (TRF4, ACR 5046863-67.2016.4.04.7000, 7ª Turma, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, julgado em 19/06/2018). É dizer, não há necessidade da assunção de uma posição ou cargo formal dentro de uma organização terrorista, tampouco é preciso haver uma conexão bilateral entre ambos. Em verdade, basta que o réu, aderindo unilateralmente às ideais e as práticas da organização terrorista, a promova e a auxilie. Ainda assim, o caso dos autos parece ir além, pois há elementos probatórios já explorados que demonstram que outros interlocutores estrangeiros, usuários das plataformas alimentadas pelo réu, manifestaram preocupação ao interagirem acerca da prisão do réu THIAGO, demonstrando que a atuação do réu não era propriamente isolada. Assim, os fatos narrados na denúncia e comprovados na instrução probatória são típicos, ilícitos e há presença do dolo, sendo certo, ainda, que o réu, à época dos fatos, era imputável, detinha potencial consciência da ilicitude e dele era exigível conduta diversa, não havendo, no caso, nenhuma causa excludente do delito. Portanto, é justa e adequada a condenação do réu THIAGO JOSÉ SILVA BARBOZA DE PAULA, como incurso na pena do artigo 3º, caput da Lei nº 13.260/16. Por fim, deve ser aplicado o concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal), pois as condutas descritas nos artigos 3º e 5º da Lei Antiterrorismo são autônomas e independentes entre si, conforme preconiza a doutrina: "O ato preparatório a que o dispositivo se refere não pode ser a formação de uma organização terrorista porque, se o for, estará tipificado crime autônomo, previsto no art. 3º da Lei. [...] Quem integra organização terrorista e vem efetivamente a come-ter ato terrorista responde pelos dois crimes em concurso material" (GONÇALVES, Victor Eduardo R. Legislação penal especial: crimes hediondos – drogas – terrorismo – tortura – arma de fogo – contravenções penais – crimes de trânsito. 16. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2020. E-book. p.108). 3. DOSIMETRIA Passo, então, à dosimetria da pena, observando o disposto no artigo 93, inciso IX, da CF/1988 e o sistema trifásico determinado pelo artigo 68 do Código Penal. 3.1 Dos delitos do artigo 5º, caput e artigo 3º, caput, ambos da Lei 13.260/16 1ª fase – Circunstâncias Judiciais À luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "[...] - A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade vinculada, devendo o Direito pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça. - O entendimento desta Corte firmou-se também no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6 sobre o mínimo legal, para cada circunstância judicial negativa. O aumento de pena superior a esse quantum, para cada vetorial desfavorecida, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial" (STJ - AgRg no HC n. 736.390/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 30/5/2022). No caso dos autos, com base no artigo 59 do Código Penal, merecem registro as seguintes circunstâncias judiciais: A) Culpabilidade: para o Superior Tribunal de Justiça "[...] tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu" (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.874.253/DF, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/11/2024, DJe de 19/11/2024). No caso, a conduta do réu não destoou do padrão previsto para a espécie delitiva, sendo, portanto, desnecessário o incremento de pena. B) Antecedentes: são os dados atinentes à vida pregressa do réu na seara criminal. Doutrina bem elucida que "[...] o Pretório Excelso tem decidido que maus antecedentes são unicamente as condenações definitivas que não caracterizam reincidência, seja pelo decurso do prazo de 5 anos após a extinção da pena (CP, art. 64, I), seja pela condenação anterior ter sido lançada em consequência de crime militar próprio ou político (CP, art. 64, II), seja finalmente pelo fato de o novo crime ter sido cometido antes da condenação definitiva por outro delito" (MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1 - 18ª Edição 2024. 18. ed. Rio de Janeiro: Método, 2024. E-book. p.599). Vale destacar, ainda, os seguintes entendimentos das Cortes Superiores: i. "Não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal, podendo o julgador, fundamentada e eventualmente, não promover qualquer incremento da pena-base em razão de condenações pretéritas, quando as considerar desimportantes, ou demasiadamente distanciadas no tempo, e, portanto, não necessárias à prevenção e repressão do crime, nos termos do comando do artigo 59, do Código Penal" (Tese fixada no julgamento do Tema 150 da Repercussão Geral); ii. "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base" (Súmula nº 444 do STJ); iii. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a consideração de crime anterior ao fato em julgamento com trânsito em julgado posterior como maus antecedentes" (AgRg no HC n. 935.443/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 3/10/2024); iv. "Outrossim, condenações transitadas em julgado por fatos posteriores, não podem ser considerados como maus antecedentes" (AgRg no HC n. 866.362/AL, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 3/5/2024); v. “A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência” (Súmula nº 636 do STJ); vi. "A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial" (Súmula nº 241 do STJ). Ademais, a transação penal (Lei 9.099/1995, art. 76, § 6.º) e a celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal (CPP, art. 28-A, § 12) não caracterizam maus antecedentes. No caso, o réu é tecnicamente primário e não registra antecedentes penais. C) Conduta social: De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, "a conduta social diz respeito à avaliação do comportamento do agente no convívio social, familiar e laboral, perante a coletividade em que está inserido" (REsp: 1794854 DF, Relatora Ministra LAURITA VAZ, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/07/2021). NUCCI esclarece "que conduta social não é mais sinônimo de antecedentes criminais. Deve-se observar como se comporta o réu em sociedade, ausente qualquer figura típica incriminadora" (NUCCI, Guilherme de S. Curso de Direito Penal - Vol. 1 - 8ª Edição 2024. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.620). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "a existência de inquéritos ou ações penais em curso não maculam o réu como portador de má conduta social" (STJ - AgRg no HC: 766531 RJ 2022/0268148-9, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/05/2023). No caso, não foram produzidos elementos de convicção sobre a conduta social do réu, inexistindo fatos dignos de nota para a valoração da referida circunstância. D) Personalidade: "É o perfil subjetivo do réu, nos aspectos moral e psicológico, pelo qual se analisa se tem ou não o caráter voltado à prática de infrações penais" (MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Geral (Arts. 1º a 120) - Vol. 1 - 18ª Edição 2024. 18. ed. Rio de Janeiro: Método, 2024. E-book. p.602). NUCCI, citando FLAVIO FORTES D’ANDREA, assevera que "não há personalidades idênticas como não existem duas pessoas idênticas, razão pela qual a individualização da pena é uma questão de necessidade se buscarmos fórmula justa e democrática de dar a cada um o que é seu, o que efetivamente merece." (NUCCI, Guilherme de S. Curso de Direito Penal - Vol. 1 - 8ª Edição 2024. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.682). Segundo o Superior Tribunal de Justiça, "a existência de processos em curso não permite a valoração negativa da personalidade do agente" (AgRg no HC: 728080/ES, Relator Ministro OLINDO MENEZES, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2022). Ademais, "[...] diversas condenações pretéritas devem ser atreladas apenas aos maus antecedentes, pois constitui, no mínimo, uma atecnia entender que as condenações transitadas em julgado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do agente" (STJ - AgRg no AREsp: 1442287 MS 2019/0037699-1, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 23/04/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2019). No caso, o acervo probatório nada demonstra, em concreto, sobre a personalidade do réu, o que inviabiliza a valoração negativa deste vetor; E) Motivo: É o fator qualificativo da vontade humana, elemento indispensável à compreensão da conduta. Doutrina, tecendo importante distinção em relação ao dolo/culpa, esclarece que "o motivo, cuja forma dinâmica é o móvel, varia de indivíduo a indivíduo, de caso a caso, segundo o interesse ou o sentimento. Tanto o dolo como a culpa se ligam à figura do crime em abstrato, ao passo que o móvel muda incessantemente dentro de cada figura concreta de crime, sem afetar a existência legal da infração. Assim, o homicídio pode ser praticado por motivos opostos, como a perversidade e a piedade (eutanásia), porém a todo homicídio corresponde o mesmo dolo (a consciência e a vontade de produzir morte)" (ROBERTO LYRA, Comentários ao Código Penal, v. 2, p. 218). No caso, os motivos são inerentes aos tipos em comento. F) Circunstâncias: "São os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolvendo o delito" (NUCCI, Guilherme de S. Curso de Direito Penal - Vol. 1 - 8ª Edição 2024. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.631). Assim, no caso, entendo que as circunstâncias não desbordam do padrão delitivo esperado em relação aos crimes em comento, não cabendo valoração negativa. G) Consequências: Envolvem o conjunto de efeitos danosos provocados pelo crime que transcendem ao resultado típico. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, não é possível a utilização de argumentos genéricos ou circunstâncias elementares do próprio tipo penal para o aumento da pena-base com fundamento nas consequências do delito (AgRg no AREsp: 2239123/CE, Relator: ROGERIO SCHIETTI CRUZ, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/04/2023). No caso, a conduta do réu causou consequências inerentes às espécies delitivas, não podendo funcionar como fator de exasperação da pena. H) Comportamento da vítima: Para o Superior Tribunal de Justiça, o comportamento da vítima apenas deve ser utilizado em benefício do réu, devendo tal circunstância ser neutralizada no caso de não interferência do ofendido na prática do crime (AgInt no REsp: 1711875/AL, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/04/2019). No caso, não há comportamento da vítima a ser valorado. O artigo 3º, caput, da Lei 13.260/16 prevê a pena de "reclusão de cinco a oito anos e multa". Já o artigo 5º, caput, da Lei nº 13.260/16 prevê "Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade". Note-se que se trata do próprio preceito secundário do tipo, e não propriamente de uma causa de diminuição a ser valorada da terceira fase da dosimetria. Assim, é preciso já definir o patamar de diminuição na primeira fase da dosimetria para fixar a pena-base. Nesse contexto, considerando que a pena do delito consumado, que está previsto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 13.260/16, é de "reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência", aplico o redutor máximo da metade, para estabelecer o preceito secundário em seis a quinze anos de reclusão. Assim, na ausência de circunstâncias judiciais que justifiquem o incremento das penas na primeira fase da dosimetria: (i) para o crime do artigo 5º, caput, fixo a pena-base no mínimo legal de 06 (seis) anos de reclusão; e (ii) para o crime do artigo 3º, caput, fixo a pena-base no mínimo legal de 05 (cinco) anos e 10 (dez) dias-multa. 2ª fase – Circunstâncias atenuantes e agravantes Na segunda fase de aplicação da pena não incidem circunstâncias atenuantes nem agravantes. Assim, as penas intermediárias permanecem no mínimo legal, motivo pelo qual fixo: (i) para o crime do artigo 5º, caput, a pena intermediária de 06 (seis) anos de reclusão; e (ii) para o crime do artigo 3º, caput, fixo a pena intermediária de 05 (cinco) anos e 10 (dez) dias-multa. 3ª fase – Causas de diminuição e causas de aumento. Não incidem causas de diminuição e causas de aumento em sentido estrito. Assim, a título de pena definitiva, fixo: (i) para o crime do artigo 5º, caput, a pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão; e (ii) para o crime do artigo 3º, caput, a pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) dias-multa. Pelo concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal), fica a pena definitiva consolidada em 11 (onze) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Cada dia-multa corresponderá a 1/30 do valor do salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato (art. 49, § 1º, do Código Penal), pois não verifico no acusado capacidade econômica suficiente para justificar eventual aumento. O regime inicial é o FECHADO, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “a” do Código Penal. Incabíveis a substituição da pena e o sursis da pena, nos termos dos artigos 44 e 77 do Código Penal, respectivamente. Nos termos do artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal, com redação conferida pela Lei nº 11.719/2008, verifico que continuam presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, motivo pelo qual MANTENHO A PRISÃO PREVENTIVA do réu. O sentenciado respondeu ao processo preso e essa condição deve ser mantida porque não houve alteração das condições que ensejaram a decretação da prisão original, as quais foram corroboradas pela colheita de provas em juízo. Há gravidade em concreto das condutas praticadas e a liberdade do réu ofereceria risco à ordem pública, pois a sua nítida inclinação para condutas vinculadas à disseminação de ideias terroristas e ao manuseio de materiais com potencial para a fabricação de explosivos, denotam o risco da prática de atos subversivos de feição terrorista. Pelas mesmas razões, também não se mostra cabível a adoção de qualquer das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, a teor do que dispõe o artigo 282, inciso II, do mesmo diploma, eis que verifico que a prisão preventiva é a única medida adequada ao caso em tela para resguardar a ordem pública, especialmente considerando tudo que constou nesta sentença e restou sobejamente comprovado nos autos. 4. DISPOSITIVO Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público Federal, para: I) ABSOLVER o réu THIAGO JOSE SILVA BARBOZA DE PAULA da imputação da prática do crime previsto no artigo 2º, § 1º, inciso I, da Lei nº 13.260/16; e II) CONDENAR o réu THIAGO JOSE SILVA BARBOZA DE PAULA, qualificado nos autos, à pena privativa de liberdade de 11 (onze) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pelos crimes descritos no artigo 3º, caput, e no artigo 5º, caput, ambos da Lei nº 13.260/16, na forma do artigo 69 do Código Penal. Regime inicial FECHADO. Cada dia-multa fixado na condenação corresponderá a 1/30 do valor do salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, pois não verifico no acusado capacidade econômica suficiente para justificar eventual aumento. Conforme fundamentado anteriormente, o réu não poderá recorrer em liberdade, pois continuam presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, motivo pelo qual MANTENHO A PRISÃO PREVENTIVA do réu THIAGO JOSE SILVA BARBOZA DE PAULA. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal. Após o trânsito em julgado desta sentença: lance-se o nome do réu no rol dos culpados (Resolução CJF nº 947, de 15 de abril de 2025), fazendo-se as demais anotações, comunicações pertinentes aos órgãos responsáveis pelas estatísticas criminais (art. 15, III, da CF) e arquivem-se os autos com as cautelas de estilo. Outras deliberações: Ao Id 368109270, a Polícia Federal solicita orientação quanto ao local de depósito dos itens apreendidos no presente feito, vez que o inquérito se encontraria relatado. Contudo, antes de deliberar a respeito da guarda dos referidos itens, DETERMINO a intimação do Ministério Público Federal para que se manifeste expressamente acerca da destinação de todos os bens apreendidos. Intimem-se. Cumpra-se. Sentença publicada e registrada eletronicamente. São Carlos, data registrada no sistema. GUILHERME REGUEIRA PITTA Juiz Federal Substituto (Assinado digitalmente)
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Processo nº 5005183-49.2025.4.03.6181
ID: 319523943
Tribunal: TRF3
Órgão: 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5005183-49.2025.4.03.6181
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS VINICIUS RODRIGUES CESAR DORIA
OAB/SP XXXXXX
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DANIEL GUEDES SOLHA
OAB/SP XXXXXX
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PAMELA LOPES DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5005183-49.2025.4.03.6181 / 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo IMPETRANTE: L. G. C. Advogados do(a) IMPETRANTE: DANIEL GUEDES SOLHA - SP382707, MARCOS VINICIUS ROD…
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5005183-49.2025.4.03.6181 / 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo IMPETRANTE: L. G. C. Advogados do(a) IMPETRANTE: DANIEL GUEDES SOLHA - SP382707, MARCOS VINICIUS RODRIGUES CESAR DORIA - SP178801, PAMELA LOPES DE SOUZA - SP350857 IMPETRADO: S. R. D. P. F. E. S. P., S. D. P. C. D. E. D. S. P., S. D. P. M. D. E. D. S. P. TERCEIRO INTERESSADO: M. P. F. -. P. S E N T E N Ç A Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido de concessão de liminar, impetrado por Daniel Guedes Sôlha, Marcos Vinícius Rodrigues Cesar Doria e Pâmela Lopes de Souza, em favor de L. G. C., indicando como autoridades coatoras o Superintendente Regional da Polícia Federal em São Paulo, o Secretário de Polícia Civil do Estado de São Paulo e o Secretário da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Em síntese, o impetrante relata que o paciente foi diagnosticado com adenocarcinoma de cólon com metástase hepática (CID C-18), submetido a múltiplos tratamentos oncológicos agressivos (cirurgias, radioterapia e quimioterapia), desenvolvendo como consequência náuseas severas, hiporexia, dor abdominal crônica e caquexia, com significativa piora da qualidade de vida. Alega que o uso de medicamentos tradicionais não produziu efeitos satisfatórios, sendo necessária a introdução da cannabis medicinal (CBD e THC), conforme prescrição médica, o que teria promovido melhora expressiva de seu quadro clínico. Argumenta, ainda, que o custo do tratamento com canabidiol importado ou farmacêutico é excessivamente alto, o que motivou o paciente a iniciar o cultivo artesanal da planta Cannabis sativa, com conhecimento técnico e estrutura apropriada. Juntou autorização de importação da ANVISA, laudos médicos e agronômicos, bem como comprovantes de capacitação técnica. Liminarmente, requereu a concessão de salvo-conduto para que as autoridades coatoras apontadas se abstenham de promover quaisquer atos que atentem contra a liberdade física, bem como de apreender ou destruir materiais e insumos destinados ao cultivo e ao uso doméstico do vegetal Cannabis sativa na residência do paciente, garantindo-se que o paciente tenha o direito plantar para uso exclusivamente medicinal e terapêutico, no limite da prescrição médica. No mérito, requereu seja julgada totalmente procedente a ação de habeas corpus para o fim de conceder salvo-conduto, nos mesmos termos do pedido liminar (ID 368471805). O pedido veio acompanhado dos seguintes documentos: (i) procuração (ID 368471806); (ii) documento de identificação em nome do paciente (ID 368471807); (iii) comprovante de residência (ID 368471811); (iv) relatório médico (ID 368471815 e 368471816); (v) receituário médico (ID 368471820 e 368471821); (vi) laudo psicológico (ID 368471817); (vii) autorização de importação de medicamento de produto derivado de cannabis perante a Anvisa (ID 368471809); (viii) laudo de engenheiro agrônomo (ID 368471818); (ix) certificado de curso de cultivo de cannabis (ID 368471810); e (x) orçamento (ID 368471812). Foi juntada certidão informando a existência de processos associados com possível prevenção ou dependência a este feito (ID 368527642). Deferido o pedido liminar para conceder salvo-conduto em favor do paciente L. G. C. (ID 369390049). A Polícia Federal (ID 371423777) e a Polícia Civil do Estado de São Paulo apresentaram informações (ID 372988584). O MPF opinou pela não concessão da ordem por inadequação da via eleita (ID 374850907). É o relatório. Fundamento e decido. Dispõe o art. 5º, inciso, LXVIII, da CF: “LXVIII – conceder-se-á ‘habeas corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O art. 647 do CPP dispõe: “Art. 647. Dar-se-á ‘habeas corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”. Dois são, portanto, os pressupostos constitucionais de impetração do habeas corpus: I) violência ou ameaça ao jus libertatis e II) que o ato seja praticado com ilegalidade ou abuso de poder. Tais pressupostos constitucionais, na lição de UADI LAMMÊGO BULOS, são diretrizes de observância obrigatória, sem os quais a ação não terá condições de prosperar (“Constituição Federal Anotada”, 5ª ed., Saraiva, 2003, p. 326). No caso dos autos, a impetrante pugna pela concessão de salvo-conduto alegando que a paciente Adriana, de 60 anos, possui patologia grave conhecida como doença de Lyme (CID A69.2), que causa lesões no sistema nervoso, na pele, no coração e nas articulações e dores severas em todo o corpo. Com efeito, o artigo 2º, caput, e artigo 33, da Lei nº 11.343/2006 estabelecem o seguinte: Art. 2º - Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o - Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. § 2o - Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3o - Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4o - Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Evidentemente, a não concessão de ordem de salvo conduto pode resultar em eventual autuação do paciente, tendo em vista os fatos retratados na inicial, considerando-se ainda a concreta possibilidade de vir a ser presa por importar sementes de maconha ou mesmo pelo cultivo dos vegetais e extração de seu óleo. Isto porque não está pacificada na jurisprudência a atipicidade da importação de sementes para uso pessoal, havendo decisões considerando-a como crime de contrabando ou mesmo de tráfico de drogas. Além disso, a conduta prevista no artigo 28, caput e §1º da Lei n. 11343/2006, embora não seja mais considerada crime conforme recente decisão do STF (RE n. 635.659/SP), ainda permanece como infração administrativa. Eis a tese de repercussão geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal: 1) Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (artigo 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (artigo 28, III); 2) As sanções estabelecidas nos incisos I e III do artigo 28 da Lei 11.343/2006 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3) Em se tratando de posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em juízo, sendo vedada a lavratura de auto de prisão em flagrante ou de termo circunstanciado; 4) Nos termos do §2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5) A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos indicativos do intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6) Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7) Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4 deverá o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8) A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir pela atipicidade da conduta, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário. (STF, RE n. 635.659/SP. Plenário. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/6/2024) Vê-se, portanto, que a decisão do STF não trouxe mudança significativa na situação envolvendo a importação de sementes e no auto cultivo de maconha para fins medicinais, pois tais condutas ainda podem, em tese, configurar crime de contrabando ou infração administrativa. Resta comprovada, assim, a possibilidade de violência ou ameaça ao jus libertatis. Quanto à demonstração da plausibilidade da medida postulada, a entendo também presente. Vejamos: Os benefícios do uso medicinal da Cannabis estão comprovados, tanto que cada vez mais países autorizam a sua utilização. Aqui mesmo, no Brasil, já se reconhece o uso medicinal da Cannabis, tanto que desde 2015 são emitidas autorizações para a importação de produtos, hoje regulamentadas por meio RDC 335/2020. Atualmente, também estão autorizadas a fabricação e comercialização de produtos derivados da Cannabis. O próprio paciente possui autorização para importação de medicamento de uso controlado derivado de Cannabis válida até 15/5/2026 (ID 327546882). Já venho decidindo (HC n° 0001081-16.2018.403.6181), pela atipicidade do crime de tráfico no que tange à importação de sementes de maconha até determinada quantidade, por entender atípica a conduta, nos seguintes termos: “Estabelece o artigo 33, §1º, da Lei 11.343/2006: §1º. Nas mesmas penas incorre quem: I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; (...)” (grifo acrescido). Verifica-se que os frutos aquênios de Cannabis Sativa Linneu não podem ser considerados como droga, nem mesmo como matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. O iter criminis não foi plenamente percorrido no caso em tela, uma vez que a conduta não ultrapassou os meros atos preparatórios. Conforme ensinamento de Anibal Bruno: “Como todo ato humano voluntário, no crime a idéia precede a ação. É no pensamento do homem que se inicia o movimento delituoso, e a sua primeira fase é a ideação e resolução criminosa. São os atos internos, durante os quais, no espírito do agente, surge a ideia do fato punível, toma forma, debate-se no meio de motivos favoráveis ou contrários, desenvolve-se até a deliberação e propósito final, isto é, até que se firma a vontade cuja realização objetiva vai constituir o crime (...) Dessa fase inteiramente subjetiva parte o movimento criminoso para os atos externos. O delinquente passa do pensamento à ação subjetiva. Arma-se dos instrumentos necessários à prática do crime, procura o local ou a hora mais favorável, ordena e encaminha, em suma, os fatos no sentido de preparar o momento em que há de desferir o golpe. Entramos com isso nos momentos externos da vida do crime, na sua primeira fase que é a preparação, e a que se devem seguir a execução e a consumação. Os atos preparatórios escapam, em regra, à aplicação da lei penal, salvo quando, por si mesmos, constituem figuras delituosas. É a hipótese, por exemplo, do art. 291 do Código – fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar petrechos para fabricação de moeda. Alguns raros Códigos declaram expressamente não puníveis. Assim o nosso Código de 1890, no seu art. 10. Outros igualmente raros os punem, em regras mais ou menos gerais (...) Em geral, porém, não se admite a punibilidade desses atos. E assim resolve o nosso Direito. Falta-lhes a tipicidade” (Direito Penal, Tomo 2º, Forense, RJ, págs. 229/231). No caso dos crimes previstos na Lei de Tóxicos, se pune o mero ato preparatório, nos estritos limites do § 1º, I, do art. 33, da Lei em questão, quando fala em “matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas”. Ainda que a leitura do tipo penal possa ser um tanto aberta, passível de incluir condutas de importação de componentes que, de per si, não configurem conduta criminosa, é necessário esclarecer, para maior segurança jurídica, os exatos limites da tipicidade penal na hipótese de “sementes de maconha”. Em relação à definição do que seja “matéria-prima” e a inclusão de “sementes de maconha” em tal definição, já se manifestou Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Leis Penais e Processuais Penais Comentadas (Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p.777): “(...) O objeto, neste caso, diversamente de droga é a matéria-prima (substância bruta da qual se extrai qualquer produto), insumo (elemento participante do processo de formação de determinado produto) ou produto químico (substância química qualquer, pura ou composta, utilizada em laboratório) voltada à preparação (composição de elementos) de drogas.” A semente não pode ser considerada matéria-prima, pois dela não se extrai diretamente qualquer produto voltado à preparação de maconha. É necessária a ocorrência de uma transformação natural (feita pela natureza) para que o fruto se torne planta e desta possa ser extraída a droga. Neste sentido: “APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. SEMENTES DE CANNABIS SATIVA (ART; 12, § 1º, INCISO I, DA LEI 6.368/76). AS SEMENTES DE MACONHA NÃO CONSTITUEM MATÉRIA- PRIMA - OBJETO MATERIAL DO DELITO -. CONDUTA ATÍPICA. APELAÇÃO PROVIDA PARA ABSOLVER O RÉU. I - A importação de semente de maconha não configura o delito do artigo 12 - § 1º - I, da lei nº 6.368/76 que se refere à matéria prima destinada à preparação de substância entorpecente. II- A semente de maconha não é a matéria-prima, porquanto não possui nela própria as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., produzir o entorpecente proibido. Não se obtém a maconha da semente em si, mas só da planta que resultar da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e produzir as folhas necessárias para tanto. III - A semente é pressuposto lógico e antecedente para a configuração do tipo penal descrito no inciso II, do mesmo artigo 12, da Lei n.º 6.368/76, em que o legislador tipificou como sendo crime a conduta de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação da droga. No caso dos autos, o apelante não iniciou os atos executórios consistentes em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga, pois sequer chegou a ter as sementes apreendidas em sua posse. IV - Recurso provido para absolver o réu.” (TRF3, ACR 48270, 1ªT, Rel.Des.Fed.José Lunardelli, p.15/06/2012). Além disso, as sementes de maconha não apresentam o princípio ativo THC em sua composição, e não possuem qualidades químicas que mediante adição, mistura, preparação ou transformação química possam resultar na droga maconha. Da mesma forma, não se pode entender o fruto como insumo, uma vez que o elemento utilizado no preparo da droga, qual seja, Tetrahidrocanabinol -THC, só existe em potencial, pois somente após o florescimento da Cannabis sativa Linneu é que passa a existir o insumo necessário para a preparação da maconha. Também não há de se falar em frutos de Cannabis sativa Linneu como produto químico, vez que têm natureza vegetal, de fruto. Ademais, verifica-se a existência de caráter de mero ato preparatório impunível da conduta de exportar semente de maconha. No sentido também da atipicidade, vê-se o magistério de Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Paulo Henrique Aranda Fuller: “Porte de sementes de maconha: a tipicidade depende da presença do princípio ativo, o que alocaria a adequação típica no caput, e não no presente inciso, eis que seria mero ato preparatório impunível quanto ao 'semear' ". (Legislação Penal Especial, Volume I, Saraiva, SP, 2010, pág. 302)". Evidente, pois, a ausência de tipicidade e/ou potencialidade lesiva na importação de sementes de maconha, bem como na importação para fins medicinais, ou mesmo plantio para esse fim.[...]”. Além disso, vale ressaltar que, a autorização aqui pretendida não é a de autorização genérica do cultivo de Cannabis - até porque tal conduta não pode ser permitida por nenhuma das autoridades impetradas -, mas sim a análise concreta da conduta do paciente cuidador, formalmente típica, em face dos vários elementos trazidos pela impetrante acerca da alegada imprescindibilidade de seu comportamento. E, nesse sentido, a Sexta Turma do STJ, no RHC nº 147169/SP (2021/0141522-6) concedeu a ordem de habeas corpus para impedir que qualquer órgão de persecução penal, como polícias civil, militar e federal, Ministério Público estadual ou Ministério Público Federal, turbe ou embarace o cultivo de mudas de Cannabis para fins medicinais, nos seguintes termos: "RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SALVO-CONDUTO. CULTIVO ARTESANAL DE CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. OMISSÃO REGULAMENTAR. DIREITO À SAÚDE. 1. O Direito Penal é conformado pelo princípio da intervenção mínima e seus consectários, a fragmentariedade e a subsidiariedade. Passando pelo legislador e chegando ao aplicador, o Direito Penal, por ser o ramo do direito de mais gravosa sanção pelo descumprimento de suas normas, deve ser ultima ratio. Somente em caso de ineficiência de outros ramos do direito em tutelar os bens jurídicos é que o legislador deve lançar mão do aparato penal. Não é qualquer lesão a um determinado bem jurídico que deve ser objeto de criminalização, mas apenas as lesões relevantes, gravosas, de impacto para a sociedade. 2. A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma penal incriminadora, o uso medicinal, científico ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares. 3. A omissão legislativa em não regulamentar o plantio para fins medicinais não representa "mera opção do Poder Legislativo" (ou órgão estatal competente) em não regulamentar a matéria, que passa ao largo de consequências jurídicas. O Estado possui o dever de observar as prescrições constitucionais e legais, sendo exigível atuações concretas na sociedade. 4. O cultivo de planta psicotrópica para extração de princípio ativo é conduta típica apenas se desconsiderada a motivação e a finalidade. A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, visto que, nesse caso, coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio, visto que a finalidade, aqui, é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina. 5. Vislumbro flagrante ilegalidade na instauração de persecução penal de quem, possuindo prescrição médica devidamente circunstanciada, autorização de importação da ANVISA e expertise para produção, comprovada por certificado de curso ministrado por associação, cultiva cannabis sativa para extração de canabidiol para uso próprio. 6. Recurso em habeas corpus provido para conceder salvo-conduto a Guilherme Martins Panayotou, para impedir que qualquer órgão de persecução penal, como polícias civil, militar e federal, Ministério Público estadual ou Ministério Público Federal, turbe ou embarace o cultivo de 15 mudas de cannabis sativa a cada 3 meses, totalizando 60 por ano, para uso exclusivo próprio, enquanto durar o tratamento, nos termos de autorização médica, a ser atualizada anualmente, que integra a presente ordem, até a regulamentação do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006." (RHC n. 147.169/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022.) Ademais, embora se verifique precedente anterior da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a questão haveria de ser dirimida na jurisdição cível competente (RHC n. 123.402/RS), tal entendimento foi recentemente alterado. Desse modo, pacificou-se a jurisprudência entre as Turmas Criminais do STJ. Nesse sentido, paradigmático acórdão da 5ª Turma, a conceder o writ: "PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. 1. UTILIZAÇÃO DO MANDAMUS COMO SUBSTITUTO RECURSAL. NÃO CABIMENTO. AFERIÇÃO DE EVENTUAL FLAGRANTE ILEGALIDADE. 2. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. NECESSIDADE DE EXAME NA SEARA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DO MEDICAMENTO NA SEARA CÍVEL. AUTO-CONTENÇÃO JUDICIAL NA SEARA PENAL. 3. SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DO ÓRGÃO COMPETENTE. ESFERA CÍVEL. SOLUÇÃO MAIS ONEROSA E BUROCRÁTICA. NECESSIDADE DE SE PRIVILEGIAR O ACESSO À SAÚDE. 4. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE (ART. 196 DA CF). REPRESSÃO AO TRÁFICO (ART. 5º, XLIII, DA CF). NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO. LEI 11.343/2006 QUE PROÍBE APENAS O USO IDEVIDO E NÃO AUTORIZADO. ART. 2º, P. ÚNICO, DA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE A UNIÃO AUTORIZAR O PLANTIO. TIPOS PENAIS QUE TRAZEM ELEMENTOS NORMATIVOS. 5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. BENEFÍCIOS DA TERAPIA CANÁBICA. USO MEDICINAL AUTORIZADO PELA ANVISA. 6. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. SAÚDE PÚBLICA NÃO PREJUDICADA PELO USO MEDICINAL DA MACONHA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL E CONGLOBANTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CRIMINALIZAR QUEM BUSCA ACESSO AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. 7. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES. AUSÊNCIA DO PRINCÍPIO ATIVO. ATIPICIDADE NA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE TIPIFICAR O CRIME DE CONTRABANDO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SALVO-CONDUTO QUE DEVE ABARCAR TAMBÉM REFERIDA CONDUTA. 8. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. PRECEDENTES. 1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 123.402/RS, concluí que a autorização para plantio de maconha com fins medicinais depende de critérios técnicos cujo estudo refoge à competência do juízo criminal, que não pode se imiscuir em temas cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária. - De igual sorte, considerando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza a importação de fármacos à base de cannabis sativa, considerei que o direito à saúde estaria preservado, principalmente em razão da existência de precedentes desta Corte Superior, favoráveis ao custeio de medicamentos à base de canabidiol pelo plano de saúde (REsp n. 1.923.107/SP), bem como do Supremo Tribunal Federal (RE 1.165.959/SP), que, em repercussão geral, fixou a tese de que "cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada". - Dessa forma, vinha determinando que o pedido fosse analisado administrativamente, com possibilidade de, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, porém à jurisdição cível competente, privilegiando a auto-contenção judicial na seara penal. 3. Contudo, ao me deparar novamente com a matéria na presente oportunidade, passados quase dois anos do julgamento do recurso acima indicado, verifico que o cenário não se alterou administrativamente. De fato, a ausência de regulamentação administrativa persiste e não tem previsão para solução breve, uma vez que a Anvisa considera que a competência para regular o cultivo de plantas sujeitas a controle especial seria do Ministério da Saúde e este considera que a competência seria da Anvisa. - Ademais, apesar de a matéria também poder ser resolvida na seara cível, conforme anteriormente mencionado, observo que a solução se revela mais onerosa e burocrática, com riscos, inclusive, à continuidade do tratamento. Dessa forma, é inevitável evoluir na análise do tema na seara penal, com o objetivo de superar eventuais óbices indicados por mim, anteriormente, privilegiando-se, dessa forma, o acesso à saúde, por todos os meios possíveis, ainda que pela concessão de salvo-conduto. 4. A matéria trazida no presente mandamus diz respeito ao direito fundamental à saúde, constante do art. 196 da Carta Magna, que, na hipótese, toca o direito penal, uma vez que o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, determina a repressão ao tráfico e ao consumo de substâncias entorpecentes e psicotrópicas, determinando que essas condutas sejam tipificadas como crime inafiançável e insuscetível de graça e de anistia. - Diante da determinação constitucional, foi editada mais recentemente a Lei 11.343/2006. Pela simples leitura da epígrafe da referida lei, constata-se que, a contrario sensu, ela não proíbe o uso devido e a produção autorizada. Dessa forma, consta do art. 2º, parágrafo único, que "pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas". - Nesse contexto, os dispositivos de Lei de Drogas que tipificam os crimes, trazem um elemento normativo do tipo redigido nos seguintes termos: "sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". Portanto, havendo autorização ou determinação legal ou regulamentar, não há se falar em crime, porquanto não estaria preenchido o elemento normativo do tipo. No entanto, conforme destacado, até o presente momento, não há qualquer regulamentação da matéria, o que tem ensejado inúmeros pedidos perante Poder Judiciário. 5. Como é de conhecimento, um dos pilares da dignidade da pessoa humana é a prevalência dos direitos fundamentais, dentre os quais se inclui o direito à saúde, garantido, de acordo com a Constituição Federal, mediante ações que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. - Contudo, diante da omissão estatal em regulamentar o plantio para uso medicinal da maconha, não é coerente que o mesmo Estado, que preza pela saúde da população e já reconhece os benefícios medicinais da cannabis sativa, condicione o uso da terapia canábica àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento, em regra importado, ou à burocracia de se buscar judicialmente seu custeio pela União. - Desde 2015 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem autorizando o uso medicinal de produtos à base de Cannabis sativa, havendo, atualmente, autorização sanitária para o uso de 18 fármacos. De fato, a ANVISA classificou a maconha como planta medicinal (RDC 130/2016) e incluiu medicamentos à base de canabidiol e THC que contenham até 30mg/ml de cada uma dessas substâncias na lista A3 da Portaria n. 344/1998, de modo que a prescrição passou a ser autorizada por meio de Notificação de Receita A e de Termo de Consentimento Informado do Paciente. 6. Trazendo o exame da matéria mais especificamente para o direito penal, tem-se que o bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas é a saúde pública, a qual não é prejudicada pelo uso medicinal da cannabis sativa. Dessa forma, ainda que eventualmente presente a tipicidade formal, não se revelaria presente a tipicidade material ou mesmo a tipicidade conglobante, haja vista ser do interesse do Estado, conforme anteriormente destacado, o cuidado com a saúde da população. - Dessa forma, apesar da ausência de regulamentação pela via administrativa, o que tornaria a conduta atípica formalmente - por ausência de elemento normativo do tipo -, tem-se que a conduta de plantar para fins medicinais não preenche a tipicidade material, motivo pelo qual se faz mister a expedição de salvo-conduto, desde que comprovada a necessidade médica do tratamento, evitando-se, assim, criminalizar pessoas que estão em busca do seu direito fundamental à saúde. 7. Quanto à importação das sementes para o plantio, tem-se que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram o entendimento de que a conduta não tipifica os crimes da Lei de Drogas, porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à cannabis sativa. Ficou assentado, outrossim, que a conduta não se ajustaria igualmente ao tipo penal de contrabando, em razão do princípio da insignificância. - Entretanto, considerado o potencial para tipificar o crime de contrabando, importante deixar consignado que, cuidando-se de importação de sementes para plantio com objetivo de uso medicinal, o salvo-conduto deve abarcar referida conduta, para que não haja restrição, por via transversa do direito à saúde. - Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851). Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal). Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da Fraternidade - um instrumento para proteção de direitos fundamentais transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para expedir salvo-conduto em benefício do paciente, para que as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de drogas, inclusive da forma transnacional, abstenham-se de promover qualquer medida de restrição de liberdade, bem como de apreensão e/ou destruição dos materiais destinados ao tratamento da saúde do paciente, dentro dos limites da prescrição médica, incluindo a possibilidade de transporte das plantas, partes ou preparados dela, em embalagens lacradas, ao Laboratório de Toxicologia da Universidade de Brasília, ou a qualquer outra instituição dedicada à pesquisa, para análise do material. Parecer ministerial pela concessão da ordem. Precedentes." (HC n. 779.289/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 28/11/2022.) No caso dos autos, consoante já reconhecido, consta que o paciente L. G. C. está acometido por adenocarcinoma de cólon com metástase hepática, submetido a múltiplos tratamentos oncológicos agressivos (cirurgias, radioterapia e quimioterapia), desenvolvendo como consequência náuseas severas, hiporexia, dor abdominal crônica e caquexia, estando atualmente em tratamento com utilização de extrato de Cannabis sp. com resultado satisfatório, sob orientação dos médicos Vinicius Bueno Nogueira, CRM 177724 (ID 368471816) e Renata Arakelian Netto, CRM 107746 (ID 368471815). Destaco relatório médico de ID 368471815: Outrossim, consta dos autos autorização da Anvisa para importação do produto EastFork CBD válida até 02/04/2024 (ID 368471809) e prescrição do medicamentos à base de cannabis (ID 368471820 e 368471821). Não se desconhece que a questão poderia ser dirimida no âmbito cível, seara na qual eventualmente poderia ser o Estado obrigado a custear o medicamento, a exemplo do que já foi decidido pelo E. TRF3: "DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO. CANABIDIOL – HEMP OIL (RSHO). PACIENTE PORTADORA DE EPILEPSIA. TRATAMENTO FORNECIDO PELO SUS: INEFICÁCIA. APLICAÇÃO DO TEMA 106 DO STJ. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DOS REPETITIVOS. RESP 1.657.156/STJ. REQUISITOS NÃO CUMULATIVOS. MODULAÇÃO DOS EFEITOS E PROPOSITURA DA PRESENTE AÇÃO ANTERIORMENTE À CONCLUSÃO DO PARADIGMA. APELOS E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS. 01. O cerne da controvérsia diz respeito à aferição da possibilidade de fornecimento, pelo ente público federal, do medicamento Hemp Oil (RSHO) – cannabidiol (CDB) à tutelada Isabela Ramos Spósito, pelo tempo necessário ao seu tratamento, mesmo diante a ausência de registro nacional na ANVISA. 02. No presente caso, restou configurada a tutela de direitos individuais indisponíveis, ensejando a legitimidade ativa ministerial. Vale ressaltar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores se alinhou no sentido de que a responsabilidade dos entes federativos na execução das ações e no dever fundamental de prestação de serviço públicos de saúde, se afigura solidária, nos moldes previstos no art. 198 da CF/88 e na Lei nº 8.080/90. Preliminar de ausência de legitimidades ativa do MPF e passiva da União e do Estado de São Paulo não configuradas. 03. Preliminar de ausência de interesse de agir afastada, em razão da omissão estatal na execução de políticas públicas. 04. Cumpre mencionar que a presente demanda foi distribuída em 01/03/2016, anteriormente à conclusão do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, em 25/04/2018, que analisou, em sede de repercussão geral, a questão da concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS. Considerando a modulação dos efeitos da decisão supra referida, os critérios e requisitos cumulativos estipulados no paradigma somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos após 25 de abril de 2018. 05. Com efeito, a reiterada jurisprudência desta Terceira Turma Julgadora já se posicionou no sentido de que o interesse público não pode se reduzir ao aspecto financeiro sustentado pelo recorrente, tampouco prevalece sobre o direito à saúde. Precedente: ApCiv 5000417-31.2018.4.03.6105, Rel. Des. Federal NELTON DOS SANTOS, TERCEIRA TURMA, j. 19/11/2019, DJe 21/11/2019. Efeito suspensivo indeferido. 06. No mérito, as razões recursais não se sustentam. No plano fático, o compulsar dos autos revela que os relatórios médicos demonstram, à saciedade, a gravidade do quadro clínico de saúde da tutelada Isabela Ramos Spósito, portadora de Epilepsia (CID G 40.8), com várias crises epilépticas diárias, tratando-se de paciente refratária e resistente ao tratamento padronizado pelo SUS, não sendo esta medida o suficiente para controlar a doença. 07. Reforça este entendimento a conclusão da perícia médica, realizada no juízo de origem, por especialista em epilepsia, pela necessidade do tratamento medicamentoso, à base de canabidiol, a título de controle da doença. 08. Verifica-se, ainda, a juntada do relatório, firmado pelo médico assistente, que informa sobre o controle e a estabilização do quadro de saúde da paciente Isabela Ramos Spósito, com a introdução do medicamento “HEMP OIL (RSHO) – cannabidiol (CBD)”, prescrevendo, inclusive, a sua manutenção. 09. Depreende-se das circunstâncias do caso e do projeto social envolvido, com escopo eminentemente assistencial, que a paciente, tutelada nestes autos pelo órgão ministerial, se afigura hipossuficiente. Logo, não seria crível exigir que seus representantes legais arquem com o custo do medicamento prescrito, sem o amparo do Poder Público. 10. No que tange à ausência de registro na ANVISA, cumpre mencionar que a canabidiol não é mais considerada substância proibida no Brasil, na medida em que o órgão sanitário a reclassificou como substância controlada e enquadrada na lista C1 da Portaria nº 344/98, retirando-a do rol da lista de vedações no país, desde de janeiro de 2015. Dessa feita, as insurgências apresentadas pelos recorrentes contra o fornecimento do fármaco para fins terapêuticos, no presente caso, já se encontram superadas no âmbito da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que incluiu, desde 2016, o canabidiol na lista de substâncias permitidas no território brasileiro, mediante controle. 11. Vale ressaltar que a ANVISA, através da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 17/2015 -, autorizou, em caráter excepcional, a importação de medicamentos à base de canabidiol e tetrahidrocannabinol (THC) em sua formação, por pessoa física, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para uso próprio e tratamento de saúde. 12. À luz do ordenamento jurídico constitucional, é atribuição do Poder Público a adoção de políticas públicas voltadas à promoção da saúde e a redução de agravos provocados por doenças. Desse modo, a obrigação de fazer imposta ao Estado na origem, para o caso dos autos, se afigura excepcional, na medida em que se revelam preenchidos os critérios norteadores do recurso repetitivo, ora analisado, em sua maior parte, sendo certo que as demandas dessa natureza objetivam a preservação da vida e/ou da saúde garantidas constitucionalmente, bens cujo valor é inestimável. 13. Remessa oficial e apelações improvidas." (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0000948-58.2016.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 08/11/2021, Intimação via sistema DATA: 24/11/2021) Ocorre que eventual ação cível para a obtenção do medicamento poderia perdurar por lapso temporal capaz de interromper o uso do óleo da Cannabis pela paciente, o que seria capaz de comprometer o tratamento médico, e, por consequência, configuraria afronta ao seu direito à saúde constitucionalmente garantido, o que lhe seria prejudicial. Sabe-se que a Resolução nº 2113/2014 do Conselho Federal de Medicina aprovou o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos convencionais. Em que pese o fato de a regulamentação fazer referência à doença e a grupo etário diversos, verifica-se que há nos autos declaração e prescrição médicas que comprovam a efetividade dos tratamentos à base de óleo extraído da Cannabis em relação às doenças da paciente, bem como informação de que os tratamentos tradicionais não foram suficientes para a melhora significativa do quadro clínico, o que demonstra a necessidade do uso do óleo da Cannabis sp. para resguardar o seu direito à saúde. Como já citado, em recente decisão, a Sexta Turma do STJ, no RHC nº 147169/SP (2021/0141522-6) concedeu a ordem de habeas corpus para impedir que qualquer órgão de persecução penal, como polícias civil, militar e federal, Ministério Público Estadual ou Ministério Público Federal, turbe ou embarace o cultivo de mudas de Cannabis para fins medicinais. Por todos os elementos aqui colacionados, verifico que a interrupção do tratamento por eventual falta do medicamento poderia ocasionar prejuízos ao paciente, o que deve ser evitado pelo Estado, em observância ao direito à saúde constitucionalmente assegurado. Foi com base em tais elementos, analisados em cognição sumária diante da urgência, que aliás, foi parcialmente deferida a medida liminar pleiteada, concedendo-se salvo conduto para importação de sementes, cultivo da planta, nos limites expressamente consignados na decisão anterior, com validade até o julgamento do mérito. Prestadas as informações pelas autoridades impetradas, juntado o parecer do Ministério Público Federal, nada foi apresentado que modifique a situação fática e jurídica verificada quando da concessão da medida liminar pleiteada, que deve, portanto, ser confirmada. Diante de todo o exposto, CONCEDO A ORDEM de habeas corpus requerida em favor do paciente Leandro Galaverna confirmando a medida liminar anteriormente concedida (ID 369390049) e autorizando a importação de sementes de Cannabis Sativa para extração de óleo para finalidade terapêutica, impedindo às autoridades Policiais que se abstenham de apreender os produtos mencionados, desde que observados os parâmetros abaixo prescritos: I) Quantidade de sementes Como dito, já venho decidindo pela atipicidade do crime de tráfico no que tange à importação de sementes de maconha até determinada quantidade, por entender atípica a conduta. No entanto, há de se ter um parâmetro para limitar o plantio, sob pena de se autorizar uma verdadeira plantação sem o devido controle. Assim, utilizo como parâmetro o limite autorizado no Uruguai, como sendo de 20 (vinte) sementes mensais, limitadas a 67 (sessenta e sete) sementes por ano, considerando-se, inclusive, que nem todas as sementes frutificam. Assim, fica autorizada a importação de sementes de Cannabis sp. com concentração de THC e CBD para atendimento da necessidade médica do paciente nos limites aqui fixados. II) Quantidade de plantas cultivadas Em relação à quantidade de plantas, adotando-se como parâmetro o utilizado em outras decisões proferidas por este juízo em casos análogos, que leva em consideração a necessidade mínima aproximada de 40 (quarenta) plantas fêmeas em período de floração para a obtenção do produto necessário para consumo de cinco meses, autorizo o cultivo mensal de até 12 (doze) plantas, limitadas a 61 (sessenta e uma) plantas por ano. III) Finalidade, local e prazo Considerando que o artigo 2º, parágrafo único, da Lei 11.343/2006, ao ressalvar a possibilidade de autorização pela União do plantio, cultura e colheita dos vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, consignou expressamente que esta se dará "exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados", consigno que a autorização ora concedida fica restrita ao domicílio da paciente e desde que destinada unicamente para tratamento de sua saúde, pelo prazo determinado de 2 anos. A fim de possibilitar o acompanhamento do tratamento médico, autorizo o porte, transporte/remessa de plantas e flores, em quantidade de no máximo 2g de flores ou 5ml de óleo, estritamente para a realização de teste de quantificação e análise de canabinoides por meio de guia de remessa lacrada confeccionada pelo próprio paciente a órgãos e entidades de pesquisa, públicos ou privados, ainda que em outra unidade da federação, para que seja possível a feitura da parametrização laboratorial. Não está autorizado o cultivo, porte ou transporte dos vegetais e produtos dele derivados, além das condições expressamente previstas nesta ordem. A fim de viabilizar o controle da medida ora concedida, tendo em vista que não há fiscalização administrativa do plantio e cultivo da cannabis e tampouco é viável eventual monitoramento exclusivamente pelos órgãos de polícia, o salvo conduto ora concedido terá validade pelo prazo determinado de 2 anos, período que reputo razoável para possibilitar eventual reavaliação da necessidade e eficácia do tratamento, o mesmo período pelo qual a paciente está autorizada pela ANVISA a importar os produtos industrializados prescritos, conforme ID 368471809. Caso haja necessidade de continuidade do cultivo para o tratamento médico, caberá a renovação do pedido antes da expiração do prazo, de forma fundamentada e instruída com a documentação médica pertinente, não havendo que se cogitar a concessão de salvo conduto por prazo indeterminado. Finalmente, por força dos rigores administrativos para a concessão de licença até para pessoa jurídica (cf. RDC 16/2014), o salvo conduto não impede eventual instauração de investigação policial até para averiguar as circunstâncias de eventual plantação, se o caso, mas proíbe qualquer medida de restrição da liberdade da paciente e de seu cuidador, bem com a apreensão das sementes, plantas e insumos utilizados para a produção terapêutica do aludido óleo de cânhamo. Dessa forma estabelece-se a proporcionalidade entre o direito de obtenção dos produtos para fins terapêuticos e, por outro laudo, a eventual fiscalização da atividade. Aqui o que se busca resguardar, tendo em vista a presença dos requisitos para a concessão do Habeas Corpus, em decorrência de violência ou coação ilegal, é a finalidade terapêutica, e esta fica resguardada nos limites desta decisão. Fica expressamente vedada qualquer forma de comercialização da matéria prima ou de compostos, que devem ser utilizados exclusivamente pela paciente. Além disso, o presente salvo-conduto se restringe ao cultivo de plantas de Cannabis Sativa nos limites acima indicados estritamente para fins medicinais, especificamente para a extração do óleo necessário para o tratamento médico da paciente, ficando ressalvada à autoridade policial eventual prisão em flagrante, se inobservadas as determinações contidas na presente Sentença. Sentença sujeita a Reexame Necessário (artigo 574, inciso I, do CPP). Após as intimações, encaminhem-se os autos ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, observadas as formalidades pertinentes. Sem custas (artigos 5º da Lei 9289/96 e 5º, LXXVII, da CF). Comuniquem-se às autoridades coatoras. Publique-se. Registre-se. Intimem-se e Comuniquem-se, servindo cópia desta como ofício ou mandado. São Paulo, na data da assinatura eletrônica. (assinado eletronicamente) SILVIO GEMAQUE Juiz Federal
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Processo nº 5002310-53.2024.4.03.6103
ID: 278470102
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de São José dos Campos
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5002310-53.2024.4.03.6103
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RAFAEL DA CUNHA RAMOS
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5002310-53.2024.4.03.6103 / 2ª Vara Federal de São José dos Campos AUTOR: WALLACE ALMEIDA MOURA Advogado do(a) AUTOR: RAFAEL DA CUNHA RAMOS - SP328280 REU: UNIÃO FEDER…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5002310-53.2024.4.03.6103 / 2ª Vara Federal de São José dos Campos AUTOR: WALLACE ALMEIDA MOURA Advogado do(a) AUTOR: RAFAEL DA CUNHA RAMOS - SP328280 REU: UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SÃO PAULO Advogado do(a) REU: HELOISA YOSHIKO ONO - SP177542 FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP S E N T E N Ç A Trata-se de ação sob o rito comum, com pedido de tutela de urgência, formulado por WALLACE ALMEIDA MOURA em face da UNIÃO FEDERAL e do ESTADO DE SÃO PAULO, requerendo que seja determinado aos réus que forneçam o medicamento ALENTUZUMABE 12MG, nos termos das prescrições da médica do autor (05 ampolas iniciais, sendo mais 03 após 12 meses), além da indenização por danos morais, com todos os consectários legais. Noticia o autor, em síntese, que se encontra acometido de esclerose múltipla (CID G35), que é uma doença neurológica degenerativa e incurável. Narra que iniciou tratamento com Natalizumabe em agosto/2022, fármaco fornecido pelo SUS através do Estado, todavia, apresentou recorrência de surto desmielinizante (falha terapêutica), encerrando o uso do medicamento em junho/2023. Em substituição ao aludido medicamento, seu neurologista solicitou em 15/09/2023 com urgência a liberação do fármaco Alentuzumabe 12MG, já incorporado à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), sendo fármaco de alto custo e, portanto, de responsabilidade de dispensação pelos réus. Desta feita, em 28/09/2023, o Autor deu entrada no pedido de liberação do fármaco perante a prefeitura local, todavia, se passaram 07 meses e o medicamento ainda não fora ministrado ao requerente, ocasionando terríveis crises, inclusive com aumento do número de surtos, aumento do número de lesões desmielinizantes, piora de suas incapacidades e comorbidades, assim como o aumento da dependência de terceiros para atos do cotidiano. Inicial instruída com documentos. A ação foi inicialmente distribuída perante a 1ª Vara da Fazenda Pública desta Comarca de São José dos Campos/SP. Concedido ao autor os benefícios da justiça gratuita, bem como a prioridade na tramitação requerida. Conforme requisitado pelo juízo, sobrevieram informações da DRS de Taubaté sobre o alegado na inicial quanto ao fornecimento do medicamento ALENTUZUMABE, e o parecer do médico atuante junto ao Fórum local. O autor informou persistir interesse na demanda ante a demora no fornecimento do medicamento e reiterou o pedido de tutela de urgência. Deferida a tutela de urgência apenas para que a ré providenciasse ao autor a entrega do medicamento (já deferido administrativamente) no prazo máximo de 10 dias, sob pena de aplicação de multa diária e/ou sequestro de verbas públicas. A FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO opôs embargos de declaração para que fosse intimado o autor a emendar a petição inicial a fim de incluir a União no polo passivo, com posterior remessa dos autos à Justiça Federal. Na sequência, a ré contestou o feito, com arguição de preliminares e, no mérito, sustenta a improcedência da ação. Acolhidos os embargos de declaração opostos pela ré para determinar ao autor que procedesse à inclusão da União Federal no polo passivo da ação, o que foi cumprido pela parte. Incluída a União no feito, foi proferida decisão de declínio de competência, sendo os autos redistribuídos a esta 2ª Vara Federal. Neste juízo, foram ratificados os atos praticados pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José dos Campos, inclusive quanto ao deferimento da gratuidade da justiça e da tutela de urgência. Nesta oportunidade, intimados o autor e o corréu Estado de São Paulo para que informassem a situação quanto ao fornecimento do medicamento, e solicitado apoio técnico ao Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), nos termos do Provimento nº84/2019 do CNJ, além de outras deliberações. O Ministério Público Federal manifestou ciência do processado. O autor informou que permanecia aguardando o fornecimento do fármaco pelo Estado. Sobreveio aos autos a Nota Técnica 231578, emitida pelo Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), nos termos do Provimento nº84/2019 do CNJ. Determinada a expedição de ofício à DIRETORIA TÉCNICA DA DELEGACIA REGIONAL DE SAÚDE – DSR VII de Taubaté requisitando-se seja informado a este Juízo acerca da efetiva entrega do medicamento ALENTUZUMABE ao autor. O autor reiterou pedido de tutela de urgência com a aplicação de multa diária em montante não inferior a título sugestivo R$5.000,00/dia (CPC, art. 297, parágrafo único, e art. 536, §1º), limitada ao valor de R$ 382.800,00 (trezentos e oitenta e dois mil oitocentos reais), inerente ao valor dos 8 (oito) frascos-ampolas inicialmente recomendados para o tratamento da doença, ou ainda, que se realize o sequestro de verbas públicas. Intimado o corréu ESTADO DE SÃO PAULO para informar, no prazo de 05 (cinco) dias, acerca da efetiva entrega do medicamento ao autor A União apresentou contestação, com pedido inicial de exclusão do feito e, no mérito, aduz argumentos pela improcedência da demanda. Juntou documentos. O autor reiterou pedido de tutela de urgência na concessão do fármaco, com juntada de documentos. Determinada a intimação pessoal do ESTADO DE SÃO PAULO, na pessoa do Procurador Geral do Estado de São Paulo, da DIRETORA TÉCNICA DE SAÚDE III DO DRS XVII – TAUBATÉ e do DIRETOR TÉCNICO DE SAÚDE II DRS XVII – TAUBATÉ, para cumprirem a decisão de fornecimento do medicamento ao autor, sob pena de incidência nos crimes de desobediência e prevaricação, além de outras responsabilidades no âmbito cível e administrativo, e fixação de multa diária no caso de descumprimento. A FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO juntou recibo aos autos, o qual demonstra a entrega do medicamento referente aos meses de agosto e setembro de 2024. A União requereu a realização de prova pericial por especialista na área da enfermidade objeto da ação. O autor apresentou réplica à contestação e requereu o julgamento da lide. O ESTADO DE SÃO PAULO se manifestou para destacar a necessidade de direcionamento da obrigação de fazer para a União, por força da Súmula Vinculante nº 60 e tese de repercussão geral 1.234. Juntou documentos. Determinada a realização de perícia médica, sobreveio aos autos o respectivo laudo, acerca do qual se manifestaram as partes. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Fundamento e decido. Nos termos do art. 355, inciso I do Código de Processo Civil, passo ao julgamento antecipado da lide. Preliminarmente, afasto a arguição de falta de interesse de agir nos moldes arguidos pelo Estado de São Paulo. A despeito do deferimento administrativo da dispensação do fármaco, comprovou-se nos autos o atraso de mais de 07 meses na entrega do medicamento ao autor, o qual somente ocorreu em decorrência de reiteradas determinações judiciais para fornecimento do medicamento, inclusive com intimação pessoal das autoridades administrativas responsáveis, sob pena de aplicação das sanções cabíveis em caso de descumprimento da ordem. Assim, patente o interesse na ação, a fim de confirmar a decisão que determinou a efetiva entrega do medicamento ao autor, de forma a garantir que seus efeitos subsistam mediante o pronunciamento jurisdicional definitivo, que se concretiza no presente julgamento. As demais preliminares arguidas pelo Estado de São Paulo restaram superadas com a inclusão da União no polo passivo do feito e redistribuição a esta Justiça Federal. Da mesma forma, não merece acolhida o pedido de exclusão da União do feito. Embora as ações e serviços públicos de saúde integrem uma rede regionalizada e hierarquizada, marcada pela descentralização, constituem um sistema único (art. 198, caput, da CF), de responsabilidade de todos os entes políticos. Não obstante, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que embora a obrigação de fornecimento de tratamento de saúde e medicamentos seja solidária entre os entes da federação (União, Estado e Município), o litisconsórcio em Juízo é facultativo e não necessário, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles, em conjunto ou isoladamente. No caso, a presente ação foi ajuizada em face da União e do Estado de São Paulo, devendo, assim, contra eles prosseguir. Outrossim, a questão atinente a responsabilidade pelo custeio integral do medicamento, nos moldes suscitados pelo Estado de São Paulo, diz respeito ao mérito, com o qual será analisado. Passo à análise do mérito propriamente dito. Busca o autor seja-lhe fornecida a medicação ALENTUZUMABE 12 MG, que alega ser a única forma de obstar a evolução da doença de que afirma ser portador (esclerose múltipla). Importa repisar que os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inatos à pessoa humana, irrenunciáveis, indisponíveis e inalienáveis, constitucionalmente protegidos, cujo fundamento, em um Estado Democrático de Direito, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. O art. 6º da Constituição da República estabelece que os direitos à saúde e a proteção à infância constituem direitos sociais, impondo, desta feita, ao Poder Público o dever de concretizá-los por meio de ações e serviços públicos que assegurem a sua efetiva proteção. Por sua vez, o art. 196 da Constituição estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo o acesso igualitário e universal aos serviços de saúde. Dispõe, ainda, que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único a ser financiado com recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (art. 198). Com relação à criança e ao adolescente, o art. 227 da Constituição Federal ordena, de forma incisiva, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à vida, à saúde e à alimentação, sendo obrigação do Estado promover programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente. De modo a efetivar operacionalidade ao comando constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) assegura à criança e ao adolescente o direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso (art. 7º). Já a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe que o Sistema Único de Saúde - SUS é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, estabelecendo as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como para a organização e funcionamento dos serviços correspondentes. O art. 6º do diploma acima citado (com a redação dada pela Lei nº12.401/2011), dispõe estar incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de ações de vigilância sanitária, de vigilância epidemiológica, de saúde do trabalhador e de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. No entanto, segundo o art. 19-M da Lei nº12.401/2011, a assistência terapêutica integral em questão consiste na “dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art.19-P” (ou seja, de acordo com relatório a cargo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, vinculada ao Ministério da Saúde, considerando as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento e a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas). Pois bem. Não se pode negar que, em casos tais (em que se busca a tutela do direito à saúde, especificamente o fornecimento de medicamento de alto custo não contemplado em protocolo do SUS), a imposição ao(s) ente(s) público(s) do fornecimento de fármaco com tal natureza ocasiona impacto financeiro aos cofres públicos, notadamente em razão da ausência de previsão orçamentária para tanto (embora seja sabido que há várias fontes de receita e meios orçamentários legais para recolocação de verbas). Todavia, sobrepõe-se a tal entrave (a meu ver, contornável) o direito à vida, sem o qual nenhum outro direito (propriedade, liberdade, educação etc), sustenta-se isoladamente, tem razão de existir. Com efeito, o direito à vida (direito fundamental assegurado pelo art. 5º da CF/88) deve sobrepor-se a qualquer outro, quando confrontado sobre sua maior ou menor relevância de valor. Todo e qualquer empenho destinado a salvar uma vida é digno de louvor, não sendo plausível nenhuma tentativa de escusa por parte do Poder Público de propiciar a concessão de tratamento e medicamento aos necessitados, seja sob o argumento do alto custo de dispêndio monetário ou da falta de previsão orçamentária para tanto. A propósito, a “Teoria da Reserva do Possível” não é oponível ao mínimo existencial a que todo ser humano tem direito, no qual estão inclusos os direitos à vida e à saúde. Nesse sentido, colaciono precedentes do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido.” (AGRESP 200900766912, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:21/06/2010) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA. – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – ART. 461, § 5º, DO CPC – BLOQUEIO DE VALORES PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL – POSSIBILIDADE. 1. Inexiste omissão capaz de ensejar a ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem examina, ainda que implicitamente, a questão dita omissa. 2. É vedada a esta Corte, em sede de recurso especial, analisar suposta violação a dispositivos constitucionais. 3. Inexistência de similitude fática entre os arestos confrontados no recurso especial, sendo inviável o conhecimento do recurso pela alínea "c" do permissivo constitucional. 4. Tem prevalecido no STJ o entendimento de que é possível, com amparo no art. 461, § 5º, do CPC, o bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado. 5. Embora venha o STF adotando a "Teoria da Reserva do Possível" em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.” (RESP 200501603248, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/04/2008) Ademais, a partir do julgamento dos temas 1234 e 6 pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, a concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS deve se limitar a casos excepcionais, considerando a escassez de recursos e eficiência de polícias públicas, igualdade no acesso à saúde e respeito à expertise técnica e medicina baseada em evidências. Foram traçadas, na oportunidade, algumas balizas que devem orientar a apreciação de demandas dessa natureza: 1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo. 2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item “4” do Tema 1.234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. 3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente: (a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo; (b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e (c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS. __________ Atos normativos citados: Constituição Federal, arts. 2º, 5º, 6º, 196 e 198, §§ 1º e 2º; Lei nº 8.080/1990, arts. 19-Q e e 19-R; Decreto nº 7.646/2011. Dos elementos colhidos nos autos, em análise da situação específica dos autos, entendo preenchidos os requisitos para procedência da demanda. O ponto crucial a ser esclarecido por meio da presente ação é definir se o autor, de fato, é portador de esclerose múltipla a justificar a utilização do medicamento ALENTUZUMABE – aprovado pela ANVISA e incorporado ao SUS -, na forma prescrita pelo médico assistente do requerente. Neste tópico, a questão não comporta maiores digressões, tendo em vista que o perito judicial apurou que o autor está em tratamento de esclerose múltipla e a medicação pleiteada é imprescindível para sua sobrevivência (ID 350010039). Ainda, o parecer técnico do NAT-JUS é favorável à tese autoral, dele constando o seguinte: ““(...) CONSIDERANDO o diagnóstico de ESCLEROSE MÚLTIPLA RECORRENTE REMITENTE (EMRR) de acordo com os dados disponíveis de laudo de ressonância magnética de crânio anexados aos autos do processo. CONSIDERANDO que a paciente referida nos autos já fez uso de outras medicações de primeira linha para tratamento de EMRR de alta atividade (Natalizumabe) e que mesmo assim apresentou falta terapêutica (presença de novos surtos clínicos). CONSIDERANDO que a tecnologia pleitada nos autos do processo (Alentuzumabe) está disponíveis no PCDT SUS para pacientes com quadro de EMRR de alta atividade e que sejam positivos para a sorologia do vírus JC em uso de natalizumabe. CONCLUI-SE que HÁ elementos para o caso em tela que justifiquem o uso do Alentuzumabe para o tratamento da paciente, e que esta indicação está inclusive contemplada na lista de medicamentos do PCDT-SUS para tratamento da EMRR de alta atividade” (ID 329700352 – grifei). Descabidas, portanto, as impugnações da União. Desta forma, no caso concreto, as informações extraídas da Nota Técnica NAT-JUS e do Laudo Pericial dão conta da análise médica técnica da imprescindibilidade do fornecimento do medicamento ALENTUZUMABE ao autor, com registro aprovado pela ANVISA e incorporado ao SUS, e, ainda, sem opções disponíveis existentes na rede pública de saúde (haja vista o insucesso no tratamento realizado com o fármaco Natalizumabe ante a falha terapêutica). Comprovado, ainda, a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito, haja vista que o autor encontra-se desempregado, sendo beneficiário de auxílio-doença previdenciário em decorrência da doença do qual é portador (ID 328626506 – pág.28), e o preço atual da caixa contendo 01 ampola do medicamento postulado na lista CMED (Câmara de Regulação dos Mercado de Medicamentos (CEMED – Lei 10.742/2003) é de R$40599,26 (PMVG, situado na alíquota zero, conforme: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed/precos) e, consoante prescrição da médica do requerente, serão necessárias 05 ampolas iniciais, sendo mais 03 após 12 meses. Aliás, o preenchimento dos requisitos para a concessão do referido medicamente foi confirmado inicialmente na via administrativa, com o deferimento do fármaco ao autor, todavia, repiso, a negligência na efetiva entrega, por mais de 07 meses, implicou na judicialização da demanda a fim de se ver concretizado o direito reconhecido. De rigor, assim, o acolhimento do pedido formulado na inicial, devendo ser os réus condenados solidariamente a fornecer ao autor o medicamento ALENTUZUMABE 12MG (com a seguinte posologia: 05 ampolas iniciais, sendo mais 03 após 12 meses), conforme indicado pelo(a) médico(a) da parte autora (prescrição médica constante do ID328626506 – pág. 34/35). Curial, portanto, em observância à tese fixada no Tema 793 do STF, a delimitação, no caso concreto, das atribuições de cada ente público no cumprimento da decisão ora proferida, a fim de obstar que ocorram paralisações periódicas do cumprimento da medida deferida, em total prejuízo da saúde da requerente, cujo tratamento necessita de uma solução de continuidade. Nas ações que de medicamentos incorporados ao Grupo 1A do CEAF (Componente Especializado da Assistência Farmacêutica), como no caso dos autos (ID 328626517 – pág.48), o fornecimento do fármaco deverá ser integralmente custeado pela União Federal, nos termos dos artigos 49, I, “a”, e 51, incisos I e III, da Portaria de Consolidação nº 02/2017, do Ministério da Saúde. Lado outro, embora a aquisição do fármaco esteja a cargo da UNIÃO, por intermédio do Ministério da Saúde (Coordenação de Compra por Determinação Judicial – CDJU e/ou setores correlatos responsáveis), os processos ligados à assistência farmacêutica (programação, armazenamento, distribuição e dispensação) devem ser direcionados ao ESTADO DE SÃO PAULO. No caso de eventual custo financeiro comprovadamente arcado pelo Estado de São Paulo, deverá haver o ressarcimento integral pela União via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES). Ainda, pertinente trazer a lume o teor do Enunciado nº2 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, a seguir transcrito: Concedidas medidas judiciais de prestação continuativa, em tutela provisória ou definitiva, é necessária a renovação periódica do relatório e prescrição médicos a serem apresentados preferencialmente ao executor da medida, no prazo legal ou naquele fixado pelo julgador como razoável, considerada a natureza da enfermidade, de acordo com a legislação sanitária, sob pena de perda de eficácia da medida. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019) Desse modo, fica aqui consignado que o fornecimento de novas remessas do medicamento deverá ser precedido da apresentação semestral de laudo médico e receituário atualizados que justifiquem a necessidade de continuidade do tratamento. A documentação acima referida (receituário e laudo médico atualizados) deverão - bem antes do término de cada lote da medicação que for entregue - ser enviada pela autora diretamente para o endereço eletrônico atendimento.njud@saude.gov.br., a fim de viabilizar a realização das próximas compras do medicamento (assim sucessivamente ao longo do tempo), independentemente de nova ordem judicial. Por fim, no que se refere ao pedido de condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, o pleito não procede. Não se vislumbra, pelos fatos narrados na peça exordial e na defesa, bem como pelos documentos carreados, que os agentes públicos tenham agido fora do que impõe o devido processo legal, de modo a propiciar algum gravame à esfera de direitos subjetivos do autor que não fosse previsto. A despeito do reconhecido estado de saúde do autor demandar celeridade no tratamento médico, os agentes da ré agiram no estrito cumprimento de dever legal, não havendo prova de omissão deliberada. Deveras, “No que tange aos danos morais, é bem de ver que apesar de o Poder Público não se mostrar tão célere e eficiente como o esperado, não resta configurado sofrimento capaz de atingir a esfera moral da parte autora” (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003422-71.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 28/06/2023, Intimação via sistema DATA: 29/06/2023) Ainda que o Judiciário venha a anular o ato estatal produzido na via administrativa, a verdade é que o faz no exercício de um poder próprio que lhe é conferido pela Constituição Federal, sem que haja o reconhecimento implícito de cometimento de abuso de direito por parte dos agentes públicos. Consequentemente, não demonstrado o nexo causal na espécie, não se há falar em compensação dos danos morais. Neste tópico há sucumbência do autor. Ante o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para condenar os réus a fornecerem ao autor o ALENTUZUMABE 12MG (com a seguinte posologia: 05 ampolas iniciais, sendo mais 03 após 12 meses), conforme indicado pelo(a) médico(a) da parte autora (prescrição médica constante do ID328626506 – pág. 34/35). Embora a responsabilidade pela prestação da ação/serviço de saúde em questão seja solidária entre os entres públicos, como explicitado na fundamentação desta decisão, como medida necessária à profícua efetivação da tutela jurisdicional ora concedida, estabeleço que o fornecimento do medicamento ALENTUZUMABE 12MG, na dosagem e quantidade prescritas pelo(a) médico(a) assistente, observe as seguintes disposições: 1) A aquisição do fármaco ficará a cargo da UNIÃO, por intermédio do Ministério da Saúde (Coordenação de Compra por Determinação Judicial – CDJU e/ou setores correlatos responsáveis), observada a dosagem prescrita pelo(a) médico(a) assistente; 2) À FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO caberá os processos ligados à assistência farmacêutica (programação, armazenamento, distribuição e dispensação) com indicação de unidade de saúde, responsáveis pelo recebimento, setor de armazenamento e entrega do fármaco. Custas na forma da lei. Considerando a sucumbência mínimo do autor, condeno os réus ao reembolso das suas despesas e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 08% (oito por cento) do valor atribuído à causa, nos termos dos § 3º, II, do art. 85 do CPC. Sentença sujeita ao reexame necessário. Publique-se e intimem-se. São José dos Campos, data da assinatura digital.
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