Processo nº 5000630-04.2022.4.03.6006
ID: 323692649
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Naviraí
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5000630-04.2022.4.03.6006
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO HENRIQUE MORAES OLIVEIRA
OAB/MS XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000630-04.2022.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PR/MS RÉU: JHONE SANTOS SILVA ADVOGADO DO RÉU: PEDRO HENRIQUE M…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000630-04.2022.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PR/MS RÉU: JHONE SANTOS SILVA ADVOGADO DO RÉU: PEDRO HENRIQUE MORAES OLIVEIRA - MS27362 S E N T E N Ç A O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com base nos elementos informativos colhidos no Inquérito Policial IPL nº 2022.0043572-DPF/NVI/MS, autuado neste juízo sob o nº 5000630-04.2022.4.03.6006, ofereceu denúncia (Id. 274541076 - Pág. 224), datada de 03 de fevereiro de 2023, em desfavor de JHONE SANTOS SILVA, brasileiro, solteiro, filho de Juarez Ribeiro da Silva e de Ivete Santos da Silva, natural de Querência do Norte/PR, nascido em 24 de fevereiro de 1990, com instrução fundamental incompleta, inscrito no CPF sob o n. 082.382.559-02, residente na Rua Florianópolis, nº 160, Centro, em Querência do Norte/PR, imputando-lhe a prática das condutas tipificadas no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, c/c o art. 3º do Decreto-Lei n.º 399/68, em concurso com o crime previsto no artigo 70 da Lei n. 4.117/62. Narra a peça acusatória que, em 29 de junho de 2022, por volta das 11h00, no quilômetro 09 da rodovia BR-163, no município de Mundo Novo/MS, o denunciado Jhone Santos Silva, de forma livre e consciente, transportava, após importação irregular do Paraguai, 7.500 maços de cigarros de origem estrangeira da marca EIGHT, cuja importação é proibida por ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Consta ainda que, no mesmo contexto fático, com o intuito de assegurar a prática do crime de contrabando, o denunciado utilizou, dolosamente, aparelho de telecomunicação, consistente em rádio transceptor modelo FT-2980R, marca YAESU, sem a devida observância das disposições regulamentares. Registre-se que a prisão em flagrante do réu foi homologada e foi-lhe concedida liberdade provisória, mediante o pagamento de fiança no valor de R$ 1.100,00 e o cumprimento de outras medidas cautelares, conforme a decisão em Audiência de Custódia (Id. 255431786 - Pág. 40), proferida em 30 de junho de 2022. A denúncia foi recebida em 03 de abril de 2024 (Id. 312087432 - Pág. 232). Citado por meio de carta precatória (Id. 334847624 - Pág. 263), o réu, por intermédio de defensor dativo nomeado, apresentou resposta à acusação (Id. 345325541 - Pág. 293), na qual informou que não possuía preliminares a arguir, reservando-se o direito de discutir o mérito em memoriais finais e aderindo às testemunhas arroladas pela acusação. Em decisão (Id. 350237089 - Pág. 295), datada de 09 de janeiro de 2025, não se vislumbrando hipótese de absolvição sumária, foi determinado o prosseguimento do feito com a designação de audiência de instrução e julgamento. Na audiência de instrução realizada em 09 de julho de 2025, abertos os trabalhos, foram inquiridas as testemunhas Douglas Keiti Noguchi e Douglas Owada. Ato contínuo, assegurado ao réu o direito à entrevista prévia com seu defensor e cientificado do direito ao silêncio, procedeu-se à realização do interrogatório judicial do réu. Encerrada a instrução processual, as partes não requereram a realização de diligências complementares. Em seguida, o Ministério Público Federal e a Defesa apresentaram alegações finais orais, devidamente registradas por meio audiovisual. O Ministério Público Federal, em sua última manifestação, sustentou a procedência da pretensão punitiva quanto ao crime de contrabando, em razão da confissão do acusado e das provas coligidas, notadamente a abordagem em via utilizada para transporte de ilícitos e a apreensão de 7.500 maços de cigarros no interior do veículo. Requereu o reconhecimento da agravante da reincidência, com fundamento em condenação anterior proferida pelo E. TRF da 4ª Região, por crime da mesma natureza, e da agravante prevista no artigo 62, inciso IV, do Código Penal, por ter o réu atuado mediante promessa de pagamento. No tocante ao delito inicialmente tipificado no artigo 70 da Lei 4.117/62, pugnou pela readequação da capitação jurídica, com fundamento no artigo 383 do Código de Processo Penal, para o artigo 183 da Lei 9.472/97, diante da ausência de autorização da entidade reguladora para operação do equipamento de radiocomunicação, conforme laudo pericial. Defendeu a inaplicabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, em razão da reincidência específica, e requereu a fixação do regime inicial fechado, além da suspensão dos direitos políticos do acusado, nos termos do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. A Defesa, por sua vez, postulou a absolvição do acusado quanto ao crime de contrabando, com base no princípio da insignificância, alegando reduzido grau de reprovabilidade da conduta e baixo potencial ofensivo da carga apreendida. Em relação ao crime previsto na Lei de Telecomunicações, sustentou inexistirem provas da utilização efetiva do radiotransmissor, destacando que o aparelho teria sido encontrado lacrado e em compartimento de difícil acesso no interior do painel do veículo. Requereu, de forma subsidiária, a fixação da pena no mínimo legal, o afastamento da agravante da reincidência, por já ter transcorrido lapso superior a cinco anos entre a condenação anterior e o novo fato, e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Por fim, pleiteou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou, alternativamente, a imposição do regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. Fundamento e Decido. A presente ação penal imputa ao réu a prática do crime de contrabando tipificado no art. 334-A, §1°, inciso I, do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-lei n° 399/68 em concurso com o crime previsto no artigo 70 da Lei n. 4.117/62. Para uma análise mais detida e sistemática das condutas imputadas, proceder-se-á ao exame individualizado de cada delito. Do crime de contrabando (artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei n.º 399/68) A materialidade do crime de contrabando encontra-se devidamente comprovada nos autos, especialmente pelos seguintes elementos: i) Auto de Prisão em Flagrante; ii) Termo de Lacração de Volumes nº 0147700-74545/2022 (Id. 255333511 - Pág. 17), que atesta a apreensão de 7.500 (sete mil e quinhentos) maços de cigarros da marca PALERMO e 1.500 (mil e quinhentos) maços da marca EIGHT; iii) Termo de Apreensão nº 2375143/2022 (Id. 255333511 - Pág. 24); iv) Termo de Depoimento n° 2375136/2022 do Condutor; v) Termo de Depoimento n° 2375328/2022 da Testemunha; vi) Termo de Qualificação e Interrogatório n° 2376247/2022; vii) Termo de Retenção de Veículos nº 0147700-74550/2022; viii) Laudo nº 1405/2022 da perícia realizada no aparelho transceptor encontrado no veículo; ix) Laudo nº 1357/2022 da perícia realizada no veículo FIAT/Palio, placas AVQ8E13. Além disso, a procedência estrangeira e a ausência de documentação fiscal foram confirmadas pelos depoimentos dos agentes fiscais Douglas Keiti Noguchi (Id. 255333511 - Pág. 8) e Douglas Owada (Id. 255333511 - Pág. 9), assim como pelas imagens que servem de relatório fotográfico (id. 255333511 - Págs. 12 e 13). A autoria delitiva, por sua vez, também é inconteste e recai sobre o réu, conforme se depreende dos seguintes elementos. Com efeito, o réu Jhone Santos Silva foi preso em flagrante em 29/06/2022, no município de Mundo Novo/MS, enquanto transportava, em um veículo (FIAT/Palio, placas AVQ8E13), 18 caixas de cigarros de origem estrangeira (9.000 maços). Segundo relatos colhidos em fase policial, ingressou no país por estrada vicinal conhecida como “estrada da borracharia”, rota clandestina usada para evitar fiscalização. Durante a perícia, constatou-se a presença de aparelho transceptor de sinais no veículo. Em interrogatório policial, Jhone confessou o crime, ainda que tenha presentado versões contraditórias: inicialmente disse ter agido por conta própria e, depois, que fora contratado por pessoa desconhecida para levar a carga até Naviraí/MS, sem saber o local exato de entrega. Durante a instrução, a testemunha Douglas Owada declarou que, na data de 29 de junho de 2022, por volta das 11h, participava de operação de monitoramento em uma estrada vicinal situada ao lado da alfândega da Receita Federal de Mundo Novo/MS, via comumente conhecida como "estrada da borracharia" ou "estrada da mandioquinha". Segundo relatou, essa rota é amplamente utilizada na região de fronteira para o transporte de mercadorias ilícitas. Durante a vigilância, avistou o veículo Fiat Pálio, cor branca, conduzido pelo acusado, saindo da mencionada estrada e adentrando a BR-163. A abordagem ocorreu já na rodovia federal, sendo constatada, no interior do automóvel, a existência de significativa quantidade de cigarros de origem estrangeira, posteriormente apreendidos. O condutor foi encaminhado à Delegacia da Polícia Federal em Naviraí/MS para lavratura do flagrante. A testemunha afirmou não se recordar da existência de radiotransmissor no veículo, tampouco de declarações do acusado sobre a propriedade ou destino da carga. Ressaltou que não houve qualquer intercorrência relevante na abordagem, que foi conduzida de forma padronizada, sem resistência ou tentativa de evasão. Na mesma ocasião, a testemunha Douglas Keiti Noguchi corroborou os termos da abordagem, informando que, na companhia de outro agente da Receita Federal, realizava fiscalização nas imediações do posto de fiscalização, quando identificaram o veículo Fiat Pálio branco saindo da estrada vicinal. A equipe iniciou acompanhamento e realizou a abordagem na BR-163, ocasião em que constataram que o automóvel transportava grande quantidade de cigarros estrangeiros. O acusado foi conduzido à Polícia Federal em Naviraí/MS para os procedimentos cabíveis. O agente não se recordou de outros detalhes da ocorrência, tampouco da presença de equipamento de radiocomunicação no veículo. Esclareceu que o acusado não apresentou comportamento hostil ou tentativa de fuga, frisando que eventual resistência teria sido registrada formalmente, o que não ocorreu no caso concreto. O réu Jhone Santos Silva, ao ser interrogado em juízo, confirmou que, na data dos fatos, realizava o transporte de cigarros oriundos de Salto del Guairá, no Paraguai, com destino a Naviraí/MS, mediante o pagamento de trezentos reais. Declarou que utilizava veículo de sua propriedade, um Fiat Pálio branco recentemente financiado, do qual havia quitado apenas a primeira parcela. Informou que, além da carga de cigarros, havia apenas seu telefone celular no interior do veículo. Negou, de forma veemente, conhecimento ou utilização de radiotransmissor, alegando que tal equipamento não foi apresentado pelas autoridades fiscais no momento da abordagem. Autorizou expressamente o acesso ao seu celular, que foi periciado pelas autoridades policiais. O réu ainda relatou ser pintor, com renda mensal variando entre dois mil e dois mil e cem reais, e pai de três filhos, dois dos quais recebem pensão alimentícia. Confirmou ter sido processado anteriormente por contrabando em 2016, mas alegou que, desde o presente episódio, não teve qualquer novo envolvimento com a prática de ilícitos. Também demonstrou arrependimento e afirmou estar atualmente residindo no Mato Grosso, onde presta serviços de pintura e em frigorífico, com o objetivo de manter-se financeiramente e evitar conflitos com a Justiça. Esclareceu que não conseguiu pagar a fiança fixada na audiência de custódia, por dificuldades financeiras, mas afirmou ter cumprido as demais condições impostas para manutenção de sua liberdade. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que a confissão judicial, quando corroborada pelos demais elementos de prova, constitui elemento robusto para a condenação. No caso em tela, a confissão do réu em ambas as fases (policial e judicial) é coerente e se harmoniza com os demais elementos probatórios, como os depoimentos dos policiais e a apreensão da mercadoria. Ademais, os depoimentos dos agentes públicos, colhidos na fase investigativa e repetidos em juízo, podem ser utilizados para a formação do convencimento judicial, desde que corroborados por outros elementos de prova produzidos sob o crivo do contraditório, o que ocorre no presente caso com a confissão judicial do réu. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado nesse sentido. A alegação defensiva de aplicação do princípio da insignificância não merece acolhida. A expressiva quantidade de cigarros apreendidos – 9.000 maços – somada ao ingresso clandestino em território nacional por rota notoriamente utilizada para evitar a fiscalização, bem como à presença de transceptor de sinais no veículo, revela elevada reprovabilidade da conduta. Essas circunstâncias afastam a atipicidade material do fato e tornam incabível a incidência do princípio invocado, conforme orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que consideram a quantidade da mercadoria e a habitualidade como fatores impeditivos ao reconhecimento da bagatela em crimes de contrabando. Ressalte-se que a conduta imputada ao réu se amolda ao crime de contrabando, e não aos delitos de favorecimento real ou descaminho. A Lei nº 13.008/2014 promoveu a cisão entre contrabando e descaminho, conferindo-lhes tratamento penal distinto. Enquanto o contrabando (art. 334-A do CP) envolve a importação ou exportação de mercadoria proibida, ofendendo bens jurídicos como a saúde pública e a segurança, o descaminho (art. 334 do CP) limita-se à supressão de tributos incidentes sobre mercadoria lícita, tutelando a ordem tributária. Desse modo, a conduta delitiva em análise se enquadra perfeitamente na figura típica prevista no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei n.º 399/68, porquanto o réu concorreu para a importação de mercadoria cuja internalização no território nacional é legalmente vedada. Em face da fundamentação exposta, a condenação do réu Jhone Santos Silva como incurso nas sanções do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei n.º 399/68, é medida que se impõe, ante a comprovação da materialidade e da autoria delitiva. Do delito previsto na Lei nº 4.117/62 Registro que a tipificação adotada na denúncia está correta, pois a jurisprudência dos Tribunais Superiores reconhece a coexistência da vigência tanto do artigo 70 da Lei n. 4.117/62 quanto do artigo 183 da Lei n. 9.472/97. A definição do enquadramento legal depende da habitualidade da conduta: o artigo 70 da Lei n. 4.117/62 aplica-se quando não há caráter habitual, enquanto o artigo 183 da Lei n. 9.472/97 exige a reiteração da prática ilícita. Portanto, no caso concreto, ausente a habitualidade, a tipificação prevista no artigo 70 da Lei n. 4.117/62 revela-se adequada e em conformidade com o entendimento consolidado pelo STF e STJ (STF, HC n. 128.567, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 08.09.15; STF, HC n. 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.12.13; STF, HC n. 93.870, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20.04.10; STJ, AgRg no Agravo em REsp n. 743.364, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.04.16). Superado essa questão, registro que se trata de crime formal (TRF3, AC 93030522915, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, 1ª T., unânime, j. 27.9.94) e de perigo abstrato (TRF1, AC 19983800032808-5/MG, Rel. Des. Fed. Mário Ribeiro, 4ª T., unânime, j. 6.2.02; TRF2, RCCR 20000201073259-3/RJ, Rel. Des. Fed. Paulo Barata, 3ª T., unânime, j. 25.9.01; TRF4, AC 20010401041394-0/RS, Rel. Des. Fed. Fábio Rosa, 7ª T., unânime, j. 11.9.01), que dispensa a ocorrência de resultado lesivo concreto (TRF2, RCCR 20010201022225-0/RJ, Rel. Des. Fed. Fernando Marques, 4ª T., unânime, j. 27.2.02), de modo que a consumação se perfaz com o efetivo funcionamento da estação ou aparelho de radiocomunicação. A materialidade do delito de atividade clandestina de telecomunicação, previsto no artigo 70 da Lei n. 4.117/62, está consubstanciada no Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos) nº 1405/2022 (Id. 269709002 - Pág. 134), que examinou o transceptor de radiocomunicação encontrado oculto no painel do veículo do réu. Esse laudo concluiu que o equipamento é um transceptor móvel FM, operando na faixa de 136 a 174 MHz, com potência de saída de 50 Watts, e que, por suas características, possui potencial para causar interferência prejudicial em outros serviços de telecomunicação, sendo sua operação dependente de prévia licença da autoridade competente, a qual não foi apresentada. É bem verdade que a perícia técnica identificou que “foram observados indícios de que o Transceptor se encontrava em uso anteriormente, tais como a inserção de frequência em memória e funcionamento imediato após a energização”, entretanto o réu, tanto na fase policial quanto em juízo, negou ter conhecimento da existência do rádio transceptor instalado no veículo. Afirmou que recebeu o automóvel já carregado para realizar o transporte dos cigarros e que esse bem lhe pertencia há apenas dois meses, tendo usado o telefone móvel para comunicação com o proprietário da carga ilícita. A detida análise do conjunto probatório revela que é minimamente plausível a alegação do réu, Jhone Santos Silva, no sentido de que desconhecia a existência do rádio transceptor posteriormente encontrado no interior do veículo que conduzia. Desde seu interrogatório judicial, o acusado afirmou de forma coerente e reiterada que não tinha ciência da presença do equipamento, sustentando que havia adquirido o automóvel havia cerca de dois meses e que a comunicação com o contratante do transporte ilícito seria realizada por meio de telefone celular, o qual foi devidamente apresentado e franqueado à autoridade policial. O conteúdo de seu depoimento foi ratificado por elementos objetivos dos autos. Verifica-se, do exame do auto de prisão em flagrante, lavrado em 29/06/2022, que não houve qualquer menção à apreensão de rádio transceptor no momento da abordagem, circunstância que demonstra que os próprios agentes fiscais federais — experientes em ações repressivas na fronteira — não identificaram a existência do aparelho à época da lavratura da prisão. Somente, em 29/11/2022, mais de cinco meses após os fatos é que foi registrado, em sede de perícia técnica, que o rádio estava oculto no interior do painel do veículo apreendido (c.f. id. 269709002 - Pág. 62). Esse hiato temporal, somado à ausência de qualquer referência ao equipamento pelos auditores Douglas Owada e Douglas Keiti Noguchi, que atuaram na operação fiscal, enfraquece sobremaneira a tese de que o réu tinha ciência inequívoca da instalação e da funcionalidade do dispositivo. Ambos os agentes, quando ouvidos em juízo, confirmaram a apreensão dos cigarros, todavia não souberam afirmar ou sequer recordar a presença desse equipamento de comunicação, o que reforça a alegação de que a instalação se deu de modo não perceptível até mesmo para agentes treinados em detectar indícios de ocultação. Ainda que a perícia realizada em novembro de 2022 tenha atestado o pleno funcionamento do transceptor instalado no veículo e sua compatibilidade com o modus operandi comumente empregado na prática reiterada de ilícitos aduaneiros na região, tal circunstância, por si só, não autoriza a presunção de culpabilidade. O tipo penal em questão exige demonstração de que o agente operava conscientemente serviço clandestino de telecomunicação, com vontade dirigida a tal finalidade. No caso, há dúvida razoável quanto ao conhecimento do réu sobre o equipamento, sobretudo porque o veículo era de aquisição recente e a existência do dispositivo só foi constatada mediante perícia técnica. Ausente a prova inequívoca de que o réu tinha ciência da existência do rádio transceptor ou da sua utilização para fins ilícitos, ou que aderiu à conduta de desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, a absolvição é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo. Da aplicação da pena em relação ao delito de contrabando Na fixação da pena-base pela prática do crime do artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, parto do mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão. Das circunstâncias judiciais (1ª fase) Na primeira fase de aplicação da pena, da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) a culpabilidade do réu é normal à espécie; b) não há maus antecedentes, pois não constam dos autos registros de condenações penais com trânsito em julgado em desfavor do réu, com exceção da condenação imposta nos autos n. 5000585-93.2016.4.04.7004, a qual será valorada na segunda fase da dosimetria; c) não há elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos do crime são neutros; e) as circunstâncias do delito revelam elevado grau de engenhosidade, notadamente pela rota escolhida para o ingresso no país. O réu utilizou via clandestina conhecida como “estrada da borracharia”, amplamente reconhecida por sua utilização para evitar a fiscalização aduaneira, conforme registrado por agentes fiscais e pela autoridade policial. Essa escolha demonstra prévio planejamento e intenção deliberada de fraudar o controle estatal. Soma-se a isso a expressiva quantidade de cigarros apreendidos – 9.000 maços –, circunstâncias que, em conjunto, caracterizam fator judicial desfavorável, nos termos do art. 59 do Código Penal; f) as consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão das mercadorias; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Saliento que, conforme jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, cabe ao magistrado, pautando-se pelos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, a fixação do quantum para o aumento da pena-base na primeira fase da dosimetria da pena, não havendo previsão para que seja observada a mesma fração para eventual diminuição na segunda fase. Ademais, eventuais parâmetros matemáticos adotados pela jurisprudência e pela doutrina para a valoração das circunstâncias judiciais têm caráter meramente indicativo, e não vinculam o julgador, ao qual cabe apenas fundamentar sua decisão. Nesse sentido, STJ, Sexta Turma, AgRg no AREsp 2480609/DF, Rel. Ministro TEODORO SILVA SANTOS, j. em 06/02/2024, p. em 14/02/2024. Além disso, não há ainda previsão legal ou jurisprudencial para a compensação entre circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis, pois as circunstâncias favoráveis ou neutras apenas impedem a aplicação da pena-base acima do mínimo legal. Nesse sentido, STJ, Quinta Turma, AgRg no AREsp 2384726 / SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, j. em 30/09/2024, p. em 03/10/2024. Diante desse quadro, para a necessária e suficiente reprovação e prevenção do crime, sopesando negativamente a vetorial circunstâncias do crime, mostra-se imperativa a majoração da pena em 12 (doze) meses para a mencionada circunstância negativa, de sorte que fixo a pena-base em patamar substancialmente acima do mínimo legal, vale dizer, em 3 (três) anos de reclusão. Das circunstâncias agravantes e atenuantes (2ª fase) Deve ser reconhecida a agravante da reincidência, nos termos do art. 61, inciso I, do Código Penal, uma vez que o réu foi definitivamente condenado nos autos n. 5000585-93.2016.4.04.7004, com trânsito em julgado em 18/08/2016, não tendo decorrido o período depurador (ID 376127075). Ademais, restou evidenciado nos autos que a empreitada criminosa foi realizada mediante paga ou promessa de pagamento, conforme previsto no art. 62, inciso IV, do Código Penal, pois o réu declarou, em Juízo, que receberia R$ 300,00 pelo transporte da mercadoria ilícita. Ressalte-se que tal agravante é compatível com o crime de contrabando, uma vez que a vantagem econômica não integra o tipo penal. Por outro lado, o réu confessou a prática delitiva em sede policial, declaração que restou corroborada pelo conjunto probatório e serviu de base para a condenação. Assim, deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, nos termos do art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, em consonância com o enunciado da Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal”. Tanto a agravante da promessa de recompensa quanto a atenuante da confissão espontânea constituem circunstâncias preponderantes, por se relacionarem à personalidade do agente e aos motivos do crime, conforme dispõe o art. 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação integral entre ambas. Em razão da incidência da agravante da reincidência, não compensada por nenhuma atenuante, fixo a pena intermediária, na segunda fase da dosimetria, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Das causas de aumento e diminuição de pena (3ª fase) Não há causas de aumento ou diminuição da pena. Assim, pela prática do crime do 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, fica o réu definitivamente condenado à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Do regime de cumprimento de pena Embora a pena fixada não alcance 4 (quatro) anos, pela existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, que levaram à fixação da pena-base substancialmente acima do mínimo legal, além do reconhecimento da reincidência, mostra-se justificado o estabelecimento do regime prisional inicial semiaberto, mais severo, conforme a interpretação conjunta dos arts. 59 e 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal (c.f. AgRg no HC 618.167/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 05/04/2021). Da detração Em atenção ao artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, saliento que eventual progressão de regime deve ser analisada pelo juízo da execução, nos termos do disposto no artigo 66, inciso III, ‘b’ c/c artigo 112, ambos da LEP. Da substituição e suspensão condicional da pena Considerando a quantidade de pena aplicada, bem como em atenção à regra estabelecida no § 1º do artigo 69 do Código Penal, não é cabível a aplicação de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Penal. Do mesmo modo, mostra-se incabível, na espécie, a suspensão condicional da pena, a teor do artigo 77, inciso III, do Código Penal. Da inabilitação para dirigir veículos O artigo 92, inciso III, do Código Penal é claro ao dispor que um dos efeitos da condenação é a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Trata-se de efeito secundário da condenação, exigindo-se para sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de carga ilícita oriunda do Paraguai. Tal efeito da condenação apresenta-se como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena. Indubitável que, no caso em apreço, o réu era o motorista do veículo transportador da carga ilícita, tendo sido utilizado para perpetrar os crimes pelos quais foi condenado. Por tais razões, e tendo em vista o comando previsto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, determino a inabilitação do réu para dirigir veículos, pelo tempo da pena imposta nesta Ação Penal. Após o trânsito em julgado, providencie a Serventia a anotação da inabilitação do direito de dirigir pelo sistema Renajud. Das medidas cautelares diversas da prisão A fiança fixada como condição para a liberdade provisória do réu Jhone Santos Silva, no valor de R$ 1.100,00, não foi adimplida, a despeito de sucessivas intimações e prorrogações de prazo concedidas pelo Juízo ao longo de dois anos. Em seu interrogatório judicial, o réu admitiu expressamente que não realizou o pagamento da fiança, justificando que, à época, encontrava-se desempregado, enfrentando dificuldades financeiras, e que optou por priorizar despesas essenciais com sustento próprio e familiar. Alegou, ainda, que não compreendia plenamente as implicações jurídicas do não pagamento e acreditava que poderia quitá-la futuramente, conforme suas possibilidades. Essas justificativas, associadas à ausência de qualquer indício de descumprimento das demais condições impostas à liberdade provisória, revelam-se plausíveis e compatíveis com sua condição socioeconômica. Diante disso, e considerando o decurso de mais de dois anos desde a soltura, bem como a manifestação do Ministério Público Federal contrária à decretação da prisão preventiva, impõe-se a revogação da medida de fiança, por perda de utilidade e razoabilidade. Desse modo, tendo em vista que não remanescem os motivos para a manutenção das medidas cautelares diversas da prisão aplicadas nas decisões anteriores (id. 255431786 e id. 331209247), uma vez que cumpriram com seu propósito no que tange à garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal nesta instância, revogo tais medidas, inclusive a fiança. Independentemente do trânsito em julgado, providencie-se o necessário. Dos bens apreendidos Com relação ao veículo e cigarros apreendidos, observo que esses bens foram postos à disposição da Receita Federal do Brasil, razão pela qual desnecessária a adoção de qualquer providência por parte deste Juízo Federal. Quanto rádio transceptor, encontrado no veículo apreendido (id. 269709002 - Pág. 62), decreto o seu perdimento em favor da União e determino a sua imediata destruição, independentemente do trânsito em julgado, nos termos das orientações gerais deste Juízo Federal. Dê-se ciência ao servidor responsável pelo Setor de Depósito desta Vara para o imediato cumprimento desta decisão judicial. Caso algum bem não tenha sido encaminhado a este Juízo, o referido servidor deverá comunicar diretamente à Delegacia da Polícia Federal de Naviraí/MS sobre a presente sentença, sem necessidade de nova ordem judicial. Do direito de apelar em liberdade Faculto ao condenado a interposição de recurso desta sentença em liberdade, uma vez que ausentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Do pagamento da defesa dativa Considerando que esta Unidade Jurisdicional está classificada como de difícil provimento, em razão de sua proximidade com a fronteira nacional, nos termos da Resolução CNJ nº 557/2024, e que não dispõe da atuação da Defensoria Pública da União, dependendo, assim, do auxílio de um número reduzido de advogados locais, que atuam com recursos e estrutura próprios para assegurar assistência judiciária gratuita às partes necessitadas, arbitro os honorários advocatícios ao defensor dativo no valor máximo estabelecido pela tabela do Conselho da Justiça Federal (CJF). Após o trânsito em julgado desta sentença, requisite-se o pagamento dos honorários arbitrados em favor do defensor dativo, Dr. Pedro Henrique Moraes Oliveira, OAB/MS 27362. Da intimação do réu Observo que o réu atualmente está representado por defensor dativo. Nesse sentido, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, "em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado, sem que haja qualquer empecilho ao início do prazo recursal e a posterior certificação do trânsito em julgado" (AgRg nos EDcl no RHC n. 191.783/MT, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024). Essa é a posição, aliás, que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, interpretando o disposto no art. 392 do CPP, tem adotado em suas decisões mais recentes (TRF 3ª Região, 5ª Turma, HCCrim - Habeas Corpus Criminal - 5006561-90.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Mauricio Yukikazu Kato, julgado em 23/04/2024, Publicado em: 24/04/2024). Diante disso, fica dispensada a intimação pessoal do réu acerca da presente sentença. Com a intimação do defensor e decorrido o respectivo prazo recursal sem a interposição de recurso, providencie a Secretaria a certificação do trânsito em julgado, na data pertinente, com as consequentes medidas necessárias ao cumprimento do estabelecido em sentença. DISPOSITIVO Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia para: i) CONDENAR o réu JHONE SANTOS SILVA, brasileiro, solteiro, filho de Juarez Ribeiro da Silva e de Ivete Santos da Silva, natural de Querência do Norte/PR, nascido em 24 de fevereiro de 1990, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, inicialmente em regime semiaberto, pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68; ii) ABSOLVER o réu JHONE SANTOS SILVA, brasileiro, solteiro, filho de Juarez Ribeiro da Silva e de Ivete Santos da Silva, natural de Querência do Norte/PR, nascido em 24 de fevereiro de 1990, da acusação da prática do crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, tudo consoante fundamentação. Concedo ao réu o direito de apelar em liberdade. Indefiro o pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas processuais. Com o trânsito em julgado, (a) expeça-se a Guia de Recolhimento Definitiva que, nos termos da Resolução nº 287/2019 do TRF3, deverá ser encaminhada devidamente instruída à unidade judiciária responsável pela execução penal, via mensagem eletrônica ou malote digital, para cadastramento no SEEU e ulterior processamento; (b) retifique-se a autuação para alterar a situação processual do réu; (c) lance-se o nome do réu no rol dos culpados; (d) procedam-se às comunicações de condenação criminal ao Instituto Nacional de Identificação e ao Instituto de Identificação de Mato Grosso do Sul; (e) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins previstos no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, por meio do sistema Infodip; (f) certifique-se o valor das custas, encaminhando-se posteriormente ao Juízo da Execução; (g) providencie-se a anotação da inabilitação do direito de dirigir pelo sistema Renajud. Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se. Naviraí/MS, datada e assinada eletronicamente.
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