Processo nº 5000541-49.2020.4.03.6006
ID: 257828322
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Naviraí
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5000541-49.2020.4.03.6006
Data de Disponibilização:
16/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO PEREIRA DOS SANTOS
OAB/GO XXXXXX
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NATHALIA DIAS OLIVEIRA
OAB/DF XXXXXX
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JOAO CARLOS CAMPANINI
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000541-49.2020.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: DAVI PACAGNELA, HYGGOR MOREIRA DA SILVA Advogado do(…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000541-49.2020.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: DAVI PACAGNELA, HYGGOR MOREIRA DA SILVA Advogado do(a) REU: JOAO CARLOS CAMPANINI - SP258168 Advogados do(a) REU: BRUNO PEREIRA DOS SANTOS - GO40659, NATHALIA DIAS OLIVEIRA - DF65854 S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fundamento no Inquérito Policial IPL 0048/2020-4-DPF/NVI/MS, oriundo da Delegacia da Polícia Federal de Naviraí/MS, autuado neste juízo sob o nº 5000541-49.2020.4.03.6006, ofereceu denúncia em face de: DAVI PACAGNELA, brasileiro, divorciado, filho de Vicente Pacagnela e Dinora Vilarde Pacagnela, nascido ao 30/06/1987, natural de Campinas/SP, inscrito no CPF sob o n. 346.897.048-05, portador do Registro Geral n. 41669748 SSP/SP, residente na Rua Tenente Antônio da Silva Pires, 253, Parque São Martinho, Campinas/SP, telefone n. (19) 99302-4471; e HYGGOR MOREIRA DA SILVA, brasileiro, convivente, autônomo, filho de Hamilton Moreira da Silva e Vânia Aparecida Caetano da Silva, nascido aos 25/11/1996, natural de Anápolis/GO, inscrito no CPF sob o n. 239.956.778-19, portador do Registro Geral n. 63790162 SSP/SP, residente e domiciliado na Rua CM-6, Quadra 14, Lote 06, Apartamento 04, Setor Cândida de Morais, Goiânia/GO, telefone (62) 98239-2986. Narra a denúncia ofertada no dia 25/07/2023 (ID 295638765): “[...] No dia 20/07/2020, por volta das 12h30, no km 08 da rodovia MS 141, município de Naviraí/MS, DAVI PACAGNELA e HYGGOR MOREIRA DA SILVA, dolosamente, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, transportavam, após terem importado do Paraguai para o Brasil, grande variedade de produtos estrangeiros (foram relacionados 86 itens diferentes), sobretudo unidades de cigarro eletrônico, de comercialização proibida, pois em desacordo com o disposto no art. 1º, caput, da Resolução-RDC n° 46/2009 da Anvisa 21, com fundamento no arts. 6º e 8º, §1°, X, da Lei nº 9.782/1999. Os produtos foram avaliados em R$ 194.708,92. Nas circunstâncias de fato acima especificadas, Policiais Rodoviários Federais realizavam fiscalização de rotina quando avistaram o veículo FIAT/Toro, placas QWX-7943. Ao abordarem o veículo, identificaram que era conduzido por DAVI PACAGNELA, tendo HYGGOR MOREIRA DA SILVA como passageiro. Em entrevista preliminar, o condutor, DAVI, afirmou ser Policial Militar do Estado de São Paulo e informou que transportava tava mercadorias ilícitas "muamba". Ele explicou que os produtos eram de sua propriedade e que os revenderia, por meio de uma loja virtual na internet. De outro lado, HYGGOR MOREIRA DA SILVA admitiu ter conhecimento de que DAVI PACAGNELA transportava produtos contrabandeados. Acompanhava-o durante a viagem para auxiliar no trajeto, visto que revezavam na direção do veículo. Durante a vistoria no veículo, foram encontrados diversos produtos de origem estrangeira, sobretudo aqueles relacionados a cigarros eletrônicos, tais como peças, refis, além de aparelhos. (...) Assim agindo, DAVI PACAGNELA e HYGGOR MOREIRA DA SILVA praticaram o crime previsto no art. 334-A, §1°, inciso I do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei n.º 399/68 [...]”. A denúncia foi recebida em 24/05/2024 (ID 312216819). Juntadas as certidões de antecedentes dos réus (IDs 335970784, 335970785 e 336201985). Devidamente citados(ID. 342204017 e 338066815), os réus apresentaram resposta à acusação por meio de defensores constituídos (ID 339164074 e 339290872). Analisada as respostas à acusação, estas não incidiram em nenhuma hipótese de absolvição sumária (art. 397 do Código de Processo Penal), de modo que foi mantido o recebimento da denúncia. Ato contínuo, foi designada audiência de instrução (ID 344143398). Iniciada a audiência, foram ouvidas as testemunhas Felipe Vasconcelos (ID. 359328352) e Evaner Mazorana (ID. 359327608), após, procedeu-se ao interrogatório dos réus DAVI PACAGNELA (ID. 359327631) e HYGGOR MOREIRA DA SILVA (ID. 359327630). Na fase do art. 402 do CPP, não houve requerimentos por parte do MPF e da Defesa do réu HYGGOR. Pela defesa do Réu DAVI foi requerida a juntada de documentos, o que foi indeferido pelo magistrado pois o conjunto probatório acostado aos autos é suficiente para a formação do convencimento judicial. Ato contínuo, foi aberta a palavra as partes para sustentar suas alegações finais de forma oral. Em suas alegações finais orais, o Ministério Público Federal (ID. 359327604) sustentou, em síntese, que os fatos narrados na denúncia encontram pleno amparo nos elementos probatórios dos autos. Afirmou ter restado demonstrada a materialidade do delito de contrabando (art. 334-A, §1º, I, do CP), evidenciada pelo auto de apreensão que descreveu minuciosamente a carga de cigarros eletrônicos e acessórios apreendidos, todos sem documentação fiscal ou autorização sanitária. Quanto à autoria, destacou que ambos os acusados atuaram em concurso de pessoas, com unidade de desígnios, sendo irrelevante para a tipificação a discussão sobre eventual transposição de fronteira, bastando a difusão irregular da mercadoria no território nacional. Refutou as teses defensivas: no caso de Davi Pacagnela, rejeitou o alegado desconhecimento da ilicitude, considerando especialmente grave sua condição de policial militar à época dos fatos, sujeito ao dever de conhecer a norma - em particular a Resolução da ANVISA que proíbe tais produtos desde 2009. Frisou que o acusado admitiu o transporte mediante remuneração, o que configura a agravante do art. 62, IV, do CP. Quanto a Hyggor Moreira da Silva, afastou a versão de que teria realizado a viagem sem finalidade econômica, considerando implausível percorrer cerca de 2.000 km com pessoa desconhecida para região não turística, além de haver prova de que compartilhou a direção do veículo. Sobre a dosimetria, reconheceu que a condenação anterior de Hyggor não poderia ser considerada, em face da prescrição reconhecida em segundo grau. Para Davi, além da compensação entre agravante e atenuante, postulou exasperação da pena-base em razão do abuso de sua função pública, com aplicação da pena acessória de perda do cargo, nos termos da jurisprudência do STJ (AgRg nos ED no AREsp 903.057/PR), mesmo após sua demissão administrativa. Requereu ainda a suspensão de seus direitos políticos e do direito de dirigir (art. 92, III, do CP), além da condenação de ambos nos termos da denúncia. Por outro lado, a defesa do réu HYGGOR, em suas alegações finais orais (ID. 359327630), sustentou a absolvição do acusado com base na insuficiência probatória quanto à sua autoria ou participação no delito de contrabando. Argumentou que o conjunto probatório demonstrou, de forma clara e incontroversa, que Hyggor não detinha posse, propriedade ou controle sobre os cigarros eletrônicos apreendidos, circunstância reconhecida pelo próprio coautor Davi Pacagnela, que assumiu integralmente a titularidade da mercadoria ilícita em sede policial e perante as testemunhas de acusação. Frisou que a conduta do acusado se limitou a acompanhar a viagem com o objetivo de revezar a direção do veículo e conhecer a região, estando de férias em Campinas/SP à época, sem qualquer vínculo comprovado com a carga irregular. Salientou a ausência de elementos que atestassem conluio ou conhecimento prévio da ilicitude, ressaltando que a simples condição de passageiro não configura, por si só, participação delitiva, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Criticou as inferências da acusação baseadas em suposições sobre a finalidade da viagem, sem lastro probatório objetivo, violando o princípio da presunção de inocência e a vedação à responsabilização penal por meras conjecturas. Em caráter subsidiário, postulou o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no art. 29, §1º, do CP, caso eventualmente reconhecido algum nível de contribuição indireta. Destacou, ainda, os bons antecedentes do acusado e a ausência de reincidência, pleiteando, em última hipótese, a fixação da pena-base no mínimo legal. Requereu, em síntese, a absolvição com fulcro no art. 386, V, do CPP, pela insuficiência de provas quanto à autoria ou, alternativamente, o reconhecimento de participação de menor importância. A defesa do réu DAVI, em suas alegações finais (ID. 359327633), sustentou a absolvição do acusado com base em três linhas argumentativas principais: preliminar processual, atipicidade da conduta e erro de proibição. Quanto à preliminar, alegou cerceamento de defesa pela não admissão de documentos que refutariam o depoimento das testemunhas da acusação, especialmente quanto à dinâmica da abordagem, requerendo a aplicação do art. 402 do CPP. No mérito, defendeu a atipicidade da conduta, argumentando que: (i) o simples transporte de mercadoria de origem estrangeira não configura por si só o crime de contrabando, exigindo-se prova do ingresso irregular no território nacional; (ii) o local da apreensão (Naviraí) e a origem declarada dos produtos (Iguatemi) não caracterizam área de fronteira; (iii) não havia nos autos elementos que comprovassem que os acusados realizaram pessoalmente a importação; e (iv) Davi atuou exclusivamente como motorista contratado, sem contato com os produtos (que estavam lacrados) e sem participar de qualquer etapa comercial. Como fundamento subsidiário, alegou erro de proibição inevitável, destacando que: (a) Davi recebeu reiteradas garantias do colega policial militar (Sargento Samuel) sobre a legalidade dos produtos; (b) como profissional de segurança pública há 15 anos, jamais recebeu orientação institucional sobre a proibição específica de cigarros eletrônicos; (c) a ampla disseminação social desses produtos criava legítima aparência de licitude; e (d) limitou-se a cumprir serviço de transporte sem atribuições de conferir o que se tratava. Frisou que o erro sobre a ilicitude fática difere do desconhecimento da lei, sendo escusável no caso concreto também pela cultura social. Em última alternativa, requereu a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 21 do CP, caso reconhecido erro evitável, e a fixação da pena-base no mínimo legal, considerando a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e seus bons antecedentes. Postulou a absolvição com fundamento nos arts. 386, III, IV, V ou VI do CPP, conforme o entendimento adotado pelo juízo É o relatório. Fundamento e Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Da Preliminar A defesa do réu DAVI sustentou a preliminar de cerceamento de defesa, com fundamento no artigo 402 do CPP, alegando violação ao direito constitucional à ampla defesa. Argumentou que os documentos não juntados aos autos possuíam relevância para desconstituir o depoimento das testemunhas ouvidas, especialmente porque uma delas narrou fatos inexistentes, como a realização de abordagem que não ocorreu. Sustentou que o artigo 402 abrange não apenas provas produzidas durante a instrução, mas também documentos preexistentes necessários para refutar alegações surgidas na fase processual. Concluiu que as diligências requeridas estavam em conformidade com o artigo 402 do CPP, por decorrerem diretamente das oitivas testemunhais, e pleiteou o reconhecimento da preliminar, com abertura de fase para juntada dos documentos imprescindíveis à defesa de Davi. Pois bem. As provas e documentos que poderiam eventualmente ser admitidos nesta fase devem guardar relação com fatos novos surgidos durante a instrução processual. No presente caso, os documentos que a defesa agora pretende juntar não decorrem de situações imprevistas ou inesperadas que tenham surgido na fase probatória, mas sim de elementos que já estavam à disposição da parte desde muito tempo. Ao longo da longa tramitação deste feito, que perdura anos, a defesa teve ampla e reiterada oportunidade para requerer a juntada dos documentos que agora alega serem essenciais. O sistema processual penal brasileiro, em sua estrutura acusatória, confere às partes igualdade de armas e oportunidades para produção de provas, sendo que a defesa optou por não utilizar esses meios em momento oportuno buscando, através desta atitude, eternizar a instrução processual em clara violação aos princípios da cooperação e boa-fé que permeiam toda relação jurídico-processual. A alegação de que os documentos não juntados seriam capazes de desconstituir o depoimento das testemunhas mostra-se frágil, pois não ficou demonstrado como tais documentos contradiriam especificamente as declarações testemunhais, bem como deve-se ter em mente que o conjunto probatório já formado nos autos é robusto o suficiente para embasar a convicção judicial, independentemente da juntada desses documentos, porquanto o magistrado é o destinatário final da prova e tem o poder de analisar a pertinência e relevância da juntada de novos documentos aos autos, o que não restou necessário no presente caso. Neste sentido, é a jurisprudência do E. STJ AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. NULIDADE. VIOLAÇÃO AO ART . 402 DO CPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA REQUERIDA PELA DEFESA. PRECLUSÃO . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, em regra, salvo situação excepcionalíssima, não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências requeridas pela defesa, porquanto o magistrado é o destinatário final da prova, logo, compete a ele, de maneira fundamentada e com base no arcabouço probatório produzido, analisar a pertinência, relevância e necessidade da realização da atividade probatória pleiteada. 3 . Para rever o entendimento da instância anterior, seria imperioso o reexame de fatos e provas, providência obstada em razão da incidência da Súmula n. 7 desta Corte Superior. 4. Agravo regimental desprovido . (STJ - AgRg no REsp: 2149961 SP 2024/0211265-8, Relator.: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 16/10/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/10/2024) Além disso, a admissão de provas em fase tão avançada do processo, sem justificativa plausível para o retardamento do pedido, violaria o princípio da concentração dos atos processuais e prejudicaria a razoável duração do processo, sem que isso representasse efetivo ganho probatório para a defesa. Máxime pelo fato de que vige no processo penal a máxima de que não há nulidade sem prejuízo, conforme art. 563 do Código de Processo Penal. Dessa forma, o direito à ampla defesa não pode ser invocado de forma abstrata, mas deve estar lastreado em concreta demonstração de necessidade e pertinência, principalmente quando importar no retardamento injustificado da marcha processual. No caso, a defesa não comprovou a potencial utilidade dos documentos para o deslinde da causa, muito menos os prejuízo advindos com a não juntada. Por essas razões, rechaço a preliminar arguida e passo ao exame do mérito. Do mérito Aos réus foi imputada a prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, inciso I do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei n.º 399/68. Transcrevo o dispositivo legal citado: Código Penal Contrabando Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) DL 399/68 Art. 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nele mencionados. Da materialidade e da autoria A materialidade e a autoria estão suficientemente comprovadas pelos seguintes elementos de informação e provas: Documentos produzidos na fase policial (ID. 35697818): a) Auto de Prisão em Flagrante (IPL nº 0048/2020-4 - DPF/NV/IMS), que detalha a conduta dos investigados, a ausência de documentação regular e as circunstâncias da prisão, reforçando a tipicidade da conduta e a autoria delitiva. b) Termo de Depoimento do Condutor do Flagrante (EVANER MAZORANA DE ASSIS, PRF) com relato detalhado da abordagem policial ao veículo FIAT/TORO, placa QWX7943, no KM 08 da rodovia MS 141, em Naviraí/MS, em 20/07/2020, onde foram encontrados produtos de fabricação estrangeira (cigarros eletrônicos, essências, refis e peças) sem documentação fiscal ou autorização da ANVISA. Declaração do condutor, Davi Pacagnela, admitindo a posse dos produtos e a intenção de comercializá-los via loja virtual e confirmação do passageiro, Hyggor Moreira da Silva, sobre o conhecimento do transporte de mercadorias contrabandeadas e sua participação no auxílio ao condutor, revezando a condução do veículo. c) Termo de Depoimento da Testemunha (FELIPE VASCONCELOS ANASTACIO, PRF), em que consta relato convergente com o do condutor do flagrante, reforçando a irregularidade da carga e a conduta dos investigados; d) Termo de Interrogatório de Davi Pacagnela, onde o conduzido, após ser cientificado de seus direitos, optou por permanecer em silêncio em sede policial, limitando-se a informar que residia em Campinas/SP há 33 anos e que era policial militar com renda mensal aproximada de R$ 3.500,00, sem apresentar qualquer justificativa para a posse dos produtos apreendidos, o que, somado à sua confissão preliminar durante a abordagem, reforça a autoria delitiva. e) Termo de Interrogatório de Hyggor Moreira da Silva, no qual o conduzido, igualmente ciente de seus direitos, confirmou residir em Goiânia/GO há quatro anos e declarou-se autônomo, mantendo-se em silêncio sobre os fatos. f) Boletim de Ocorrência (n. 2314929200720123039), onde consta a descrição pormenorizada da abordagem policial, a apreensão dos produtos ilícitos e a declaração dos investigados sobre a origem e destino da mercadoria, além de fotos que comprovam a carga no veículo, integrando-se aos demais elementos de prova. g) Termo de Apreensão (n. 147/2020), que relaciona minuciosamente os produtos de fabricação estrangeira apreendidos, incluindo cigarros eletrônicos, essências, refis, peças e acessórios, todos desacompanhados de documentação fiscal ou autorização da ANVISA, demonstrando a materialidade do contrabando (ID. 35697818 - pág. 22 e seguintes) Provas produzidas em juízo h) Depoimento da testemunha Policial Rodoviário Federal, Condutor do flagrante, Sr. Filipe Vasconcelos (ID. 359328352) que ratificou o depoimento prestado em sede policial e narrou detalhadamente o ocorrido durante a abordagem. i) Depoimento da testemunha Policial Rodoviário Federal, testemunha do flagrante, Sr. Evaner Mazorana, em que ratifica as informações prestadas no inquérito policial e narra o ocorrido com clareza e riqueza de detalhes (ID. 359327608); j) Interrogatório do réu Hyggor (ID. 359327630) em que afirma ter recebido convite de um terceiro para dirigir o carro até o local de destino a fim de possibilitar que DAVI estivesse descansado para retornar na condução do veículo. Para mais, afirma que conhecia que se tratava do transporte de produtos oriundos do Paraguai, os quais denominou como “mulamba”, embora afirme desconhecer ao certo do que se tratava, estando ciente do transporte que estaria realizando. Confirmou (aproximadamente 11 minutos e 40 segundos da mídia) que ambos os policias rodoviários, testemunhas neste processo, haviam participado da abordagem. Ressaltou que a viagem seria para conhecer o local e que sua atuação se restringiria a dirigir o veículo na ida até Iguatemi/MS. k) Interrogatório do réu Davi (ID. 359327631), oportunidade que afirmou estar ciente de que se tratava de cigarros eletrônicos, porém alegou desconhecer a ilicitude da mercadoria, embora fosse policial militar de longa data. Informou que foi a mando de um ex-superior seu, o Sr. Samuel, sendo que esta pessoa lhe prometeu o pagamento da quantia de R$1.000,00 (mil reais) para fazer o transporte. Perguntado pelo MPF sobre a prática delitiva, informou que desconhecia a ilicitude dos cigarros eletrônicos e que também não tinha ciência de que, caso os produtos fossem lícitos, a importação sem o correto desembaraço aduaneiro constituiria descaminho. Informou que Hyggor era ex-cunhado da pessoa que havia lhes enviado para realizar a viagem. Apontados os elementos de autoria e materialidade, faz-se necessário uma análise minuciosa acerca dos acusados em sua individualidade para demonstrar a prática delitiva. Do crime de contrabando (Art. 334-A, §1º, I, do Código Penal c/c Art. 3º do DL 399/68. Do réu DAVI PACAGNELA Verifica-se que, durante a persecução penal, considerando o conjunto probatório dos autos, restou inconteste a materialidade e autoria do réu DAVI PACAGNELA quanto ao delito previsto no artigo 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68. Passo à análise do crime pelo qual foi denunciado o réu. A conduta delitiva praticada pelo réu, conforme as provas dos autos, amolda-se perfeitamente ao crime descrito no artigo 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, pois se sujeita às penas desse dispositivo aquele que importa ou exporta e também aquele que, de alguma maneira, contribui para que um dos verbos nucleares do tipo se realizem, assim como aquele que adquire, transporta, vende, expõe à venda, tem em depósito, possui ou consome cigarros de procedência estrangeira. A Resolução n. º 46/09 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, considerando a inexistência de dados científicos que comprovem a eficiência, a eficácia e a segurança no uso e manuseio de dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarro eletrônico, em face da incidência do princípio da precaução proibiu as suas importações, frise-se que a proibição foi mantida pela RDC n. 855/2024 do mesmo órgão. Ademais, cuida-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Importar significa trazer do estrangeiro ou introduzir no território nacional. Além disso, não se exige dolo específico ou se admite a figura culposa, sendo irrelevante, portanto, a intenção do agente, tampouco é relevante a obtenção de lucro ou não ao importar, exportar ou favorecer. Quanto às teses defensivas, há de se ter em vista que merecem ser rechaçadas uma a uma, como passo a empreender. Primeiramente, a tese defensiva que exige comprovação do ingresso irregular no território nacional desconsidera a natureza do delito previsto no art. 334-A, §1, I, do CP. O dispositivo trata do fato equiparado ao contrabando e não condiciona a tipificação à demonstração do momento exato da importação, mas sim, conforme o art. 3º do DL 399/68, à conduta de posse, transporte ou comercialização de mercadorias cuja importação é absolutamente proibida – como os cigarros eletrônicos, vedados pela RDC 46/2009 da ANVISA. O art. 3º do DL 399/68 explicita que o transporte ou posse desses produtos, por si só, configura fato assimilado a contrabando (art. 334-A, §1º, I, CP), independentemente da etapa da cadeia logística em que o agente atue. Quanto à alegação defensiva sobre a localização geográfica dos municípios de Iguatemi e Naviraí, embora nítida a caracterização como região fronteiriça, cumpre esclarecer que a discussão sobre essa definição como área de fronteira mostra-se irrelevante para os fins do tipo penal em análise. Isso porque, como bem afirmado acima, o tipo penal imputado pune o tão só transporte das mercadorias encontradas em posse do réu. Prosseguindo, é insustentável a tese de que não há nos autos elementos aptos a comprovar que os acusados realizaram pessoalmente a importação, isso porque, como exaustivamente afirmando, o tipo penal em análise pune o tão só transporte dessas mercadorias. Para mais, ainda há elementos suficientes para comprovar que o réu, ciente de que se tratava de mercadorias de procedência estrangeira, mais especificamente, do Paraguai, concorreu para a importação com o objetivo de revender em lojas virtuais dentro do território nacional. Incontestável que concorreu para a importação, até mesmo pelo seu próprio interrogatório, oportunidade que repisou ter aceitado o transporte ciente dos produtos que se tratava, outrora ventilasse a tese de desconhecer a sua proibição. Dessa forma, cumpre salientar que o dolo para a prática delitiva é evidente, tendo em vista que acaso os produtos fossem permitidos, ainda sim estaria praticando crime conscientemente, uma vez que também iludiu o pagamento dos impostos, o que configuraria a prática do descaminho. Para mais, a tese de que Davi atuou exclusivamente como motorista contratado, sem contato com os produtos (que estavam lacrados) e sem participar da empreitada criminosa não é minimamente aceitável. A alegação de que o acusado teria atuado como simples motorista contratado, alheio à natureza ilícita da carga, não se sustenta diante dos elementos probatórios consolidados nos autos. A condição de "mero condutor" não exime de responsabilidade penal quando comprovado o conhecimento da ilicitude da mercadoria transportada, conforme estabelece o art. 334-A do Código Penal em conjugação com o art. 3º do Decreto-Lei 399/1968. O próprio réu Davi, em suas declarações, admitiu ter ciência de que se tratava de cigarros eletrônicos e reconheceu receber remuneração específica para o transporte, caracterizando coautoria consciente na operação. A alegação de que os produtos estavam lacrados não elide o dolo, pois a vedação ao comércio de tais itens existe desde 2009 (RDC 46/2009 da ANVISA), sendo inverossímil que um policial militar, profissional habituado ao cumprimento de normas, ignorasse tal proibição, principalmente porque ao tempo dos fatos estava vinculado à corporação. Por conseguinte, no que toca à tese de erro de proibição, tanto evitável quanto inevitável, não se revela apta a prosperar. Em princípio, a alegação de confiança em afirmações de terceiros não configura erro de proibição inevitável nos termos do art. 21 do CP. O dever objetivo de cuidado, agravado pela condição de policial militar, impunha ao acusado a obrigação de verificar pessoalmente a legalidade dos produtos transportados, especialmente quando envolvendo carga de alto valor (R$ 194.708,92) e natureza comercial. Para mais, a mera alegação de boa-fé perde força ante a constatação de que o réu recebia remuneração específica para a atividade de transporte. Ademais, como policial militar com 15 anos de serviço, o acusado tinha dever reforçado de informar-se sobre a legalidade dos produtos que transportava, principalmente porque revelou em seu interrogatório que atuou por grande período na Polícia Rodoviária Militar. Sendo assim, o conhecimento da norma proibitiva dos cigarros eletrônicos que está vigente desde 2009 (RDC 46/2009 da ANVISA) era de conhecimento obrigatório para o exercício dessa função. Assim, não estamos diante de um erro evitável, quiçá inevitável. As condições da prática delitiva não permitem que essa tese prospere. A uma porque a condição de policial militar há 15 anos é suficiente para afastar qualquer plausibilidade na alegação de desconhecimento da ilicitude de norma. A duas porque não é crível que alguém aceite valor expressivo para realizar uma viagem longa para região fronteiriça visando buscar produtos oriundos do estrangeiro, mais especificamente do Paraguai, conhecidamente local de busca de produtos ilícitos ou com importação irregular. Por derradeiro, porque o desconhecimento da norma é uma mera conveniência para o acusado. Em seu interrogatório judicial, o parquet lhe indagou se desconhece também o delito de descaminho, uma vez que o praticaria acaso as mercadorias fossem permitidas e o réu afirmou que também desconhece. Alegar desconhecer uma proibição feita em norma técnica de uma agência reguladora já se mostra inaceitável para quem trabalha na repressão desses delitos, a alegação de desconhecimento de uma norma contida no Código Penal revela apenas que a alegação de desconhecimento é mera conveniência para a defesa (Interrogatório do réu – minutos 16:00 até 16:40). Além disso, a eventual circulação informal desses produtos na sociedade não gera aparência de licitude capaz de caracterizar erro escusável, pois a vedação legal é expressa e de fácil verificação, precipuamente para profissionais que atuem diretamente na repressão desse tipo de delito. Assim, diante de todo o exposto, resta comprovado que o réu agiu de forma dolosa, o que, somado às provas de autoria e materialidade já analisadas, é suficiente a tipificar o delito previsto no art. 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68. Não se verifica ainda qualquer excludente de ilicitude em relação ao réu. A ilicitude é a contrariedade da conduta praticada pelo réu com o tipo penal previamente existente. Em razão da adoção pelo Código Penal da teoria da ratio cognoscendi, o fato típico é indiciariamente ilícito (caráter indiciário da ilicitude), ou seja, a antijuridicidade é presumida, podendo ser afastada apenas por alguma causa excludente, quais sejam, legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito ou consentimento da vítima (causa supralegal). Considerando que não há causa excludente no caso em análise, os fatos descritos na denúncia são típicos e antijurídicos. Da mesma forma, não se verifica na conduta do réu qualquer excludente de culpabilidade, que exige como elementos a imputabilidade, a potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Ausente um desses elementos, resta afastada a aplicação da pena. No caso dos autos, verifica-se que o réu é imputável (maiores de 18 anos e sem deficiência mental), tinham potencial conhecimento da ilicitude da conduta por ele praticada, bem como podiam agir de outra forma, em conformidade com o direito. No que se refere à capacidade de o réu entender o caráter ilícito dos fatos ou de proceder consoante esse entendimento, do conjunto de dados suscitados ao longo da instrução do feito, leva-se a crer que se encontravam extremamente apto a discernir o caráter ilícito dos fatos, não havendo dúvidas quanto à sua imputabilidade. Tendo em vista, portanto, a comprovação do fato típico imputado ao réu, sem que a defesa tenha demonstrado causa excludente de ilicitude ou mesmo de culpabilidade, impõe-se a condenação do réu DAVI PACAGNELA. Passo à dosimetria da pena. Na fixação da pena-base pela prática do crime do art. 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, parto do mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão. Circunstâncias judiciais (1ª fase) Na primeira fase de aplicação da pena, da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput do Código Penal, infere-se que: a) a culpabilidade, ou seja, o grau de reprovabilidade da conduta praticada pelo réu, é elevadíssima, uma vez que se trata de policial militar que estava em exercício há aproximadamente 15 anos na época dos fatos, além de atuar na polícia rodoviária militar que engloba atuação na repressão do delito ora praticado. Dessa forma, havendo o dever inerente à função policial de reprimir a prática de crimes destas estirpes, somada a quebra da legítima expectativa e confiança que a sociedade deposita nos agentes públicos de segurança como protetores da ordem jurídica, os comportamentos desviantes por parte destes agentes goza de reprovabilidade e censurabilidade mais intenção em relação aos crimes praticados por particulares, sem qualquer dever legal de combate ao crime. Logo, a conduta criminosa praticada pelo réu está carregada de elevadíssima culpabilidade, pelo qual a exasperação da pena-base em 1/2 é medida adequada à singularidade do caso; b) quanto aos maus antecedentes, nada a ponderar; c) não há elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos do crime foram o lucro fácil, o que é ínsito ao tipo penal em análise; e) as circunstâncias do crime fogem drasticamente do ordinário. Primeiramente, conforme consta no Termo de Apreensão nº 147/2020 da Polícia Federal em Naviraí/MS, os itens relacionados a cigarros eletrônicos foram discriminados em 77 linhas (itens 4 a 80, exceto os itens 1-3, 78 e 79, que são celulares e armas) somando um total aproximado de 3.973 itens (342 kits + 1.011 líquidos + 380 coils + 240 pacotes). Além disso, o valor das mercadorias se revela demasiadamente elevado, isto é, soma R$ 194.708,92 (cento e noventa e quatro mil setecentos e oito reais e noventa e dois centavos). Tendo em vista que a quantidade de mercadoria proibida não é elemento do tipo, é passível de ser utilizada para exasperar a pena-base, sendo a fração de até ½ adequada considerando o vulto apreendido, nos termos do julgado, que trata de situação similar, do E. TRF3 nos autos da Apelação Criminal 50023956020204036109 SP, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, j. em 06/06/2023, p. em 06/06/2023. Em segundo lugar, as circunstâncias do crime revelam ainda maior necessidade de reprimenda. Isso porque a conduta do réu DAVI PACAGNELA durante a abordagem sugere uma tentativa de evitar ou minimizar as consequências da fiscalização, utilizando sua condição de policial militar como elemento de influência. Tome, com as devidas cautelas, esses dois trechos do depoimento prestado pelo réu. Ressalvados alguns erros materiais decorrentes da transcrição, o conteúdo é perfeitamente visualizável. "Aí até durante a abordagem teve algum um estressezinho, porque eu já tinha 15 anos. Eu falei: 'Gente, eu estou de motorista. Não tô fazendo nada, não sou contrabandista, não sou nada. Eu sou policial há 15 anos. Não tem porque vocês ficar me questionando isso.” "Então, o stress que rolou na hora lá, doutor, foi por causa disso. Porque aconteceu, eles chegaram, falou assim, ó: “Se a mercadoria está no carro, é sua”. Aí, como o senhor comentou comigo na época, eu tinha 14 anos, eu falei: “Gente, vocês estão fazendo comigo, a gente às vezes aborda e você vai dar ideia em ladrão, em nóia.' 'Vocês estão fazendo comigo, vocês estão me tratando como ladrão, vocês estão querendo imputar o que eu tô falando que não é”. Nesse sentido cumpre ter em mente que o réu destacou, em mais de uma ocasião, seus "15 anos de serviço policial", não como mera informação contextual, mas como um argumento para questionar a legitimidade e a necessidade da abordagem em face de sua posição. Esses elementos demonstram que o réu, além de praticar o delito ciente da ilicitude de sua conduta, buscou utilizar sua função pública como escudo para a prática de crime o que é uma circunstância que merece reproche considerável, razão pela qual a exasperação da pena-base é medida que se impõe. Dessa forma, pela elevada quantidade de mercadorias proibidas apreendidas, pelo seu elevado valor e também por tentar se furtar à fiscalização por ser policial militar, a exasperação da pena-base em mais 2/3 é medida adequada à hipótese. f) as consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão das mercadorias; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Diante desse quadro, para a necessária e suficiente reprovação e prevenção do crime, sopesando negativamente a vetorial culpabilidade, cuja fração de aumento é 1/2, as circunstâncias do crime pela quantidade de mercadorias apreendidas e seu elevado valor, bem como pela tentativa de se furtar da fiscalização utilizando-se como pretexto a função de policial militar, exasperada a pena de mais 2/3, razão pela qual fixo a pena-base substancialmente acima do seu mínimo legal, vale dizer, em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Circunstâncias agravantes e atenuantes (2ª fase) No tocante a agravante da paga ou promessa de recompensa, prevista no art. 62, IV do Código Penal, verifico que em sede de interrogatório perante este juízo, o réu afirmou que foi contratado por terceiro para fazer o transporte da carga de mercadorias objeto de contrabando e que receberia a importância de R$ 1.000,00 (mil reais) para proceder de tal forma. Logo, referida agravante deve incidir no presente caso, haja vista que não é elementar típica do delito de contrabando, motivo pelo qual plenamente possível seu reconhecimento e, por via de consequência, a majoração em 1/6 da pena intermediária. Entretanto, conforme consolidado pela jurisprudência, inclusive com a Súmula 231, STJ, na segunda fase da dosimetria da pena, o reconhecimento de circunstância atenuante não autoriza a imposição de pena inferior ao patamar mínimo legalmente estabelecido em abstrato, assim como a verificação de agravante não legitima a ultrapassagem do limite máximo previsto em abstrato pela norma penal. Assim, na segunda fase do processo dosimétrico, estabeleço a pena intermediária em 05 (cinco) anos de reclusão. Causas de aumento e diminuição de pena (3ª fase) Inexistem causas de aumento ou de diminuição da pena. Assim, pela prática do crime do art. 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, fica o réu DAVI PACAGNELA definitivamente condenado à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão. Regime inicial Em consonância com o disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, combinado com o art. 59, III, do Código Penal, e considerando o entendimento jurisprudencial sedimentado nas Súmulas 718 e 719, ambos do STF, e na Súmula 269 do STJ, tendo em vista a presença de elevada culpabilidade e de múltiplas agravantes das circunstâncias do crime, o réu deverá cumprir a pena, inicialmente, em regime FECHADO. O art. 33, § 3º, do CP dispõe que 'a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código. In casu, ainda que a pena tenha sido fixada em patamar superior a 4 e inferior a 8 anos, o réu ostenta circunstâncias judiciais extremamente negativas (culpabilidade e três circunstâncias do crime), o que justifica a fixação de regime prisional mais gravoso. Detração Em atenção ao art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, saliento que eventual progressão de regime deve ser analisada pelo juízo da execução, nos termos do disposto no artigo 66, inciso III, alínea "b", c/c o artigo 112, ambos da LEP. Substituição da pena privativa de liberdade e da Suspensão Condicional da Pena. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e circunstâncias do crime), de modo que fica evidente que essa substituição não será suficiente para a reprovação e repressão do crime, nos termos do artigo 44, III do Código Penal. Em razão da quantidade de pena imposta, deixo de aplicar o instituto da Suspensão Condicional da Pena, previsto no art. 77 e seguintes do Código Penal e art. 156 e seguintes da Lei 7.210/84 (LEP). Do Direito de apelar em liberdade Faculto ao condenado a interposição de recurso desta sentença em liberdade, uma vez que ausentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal e, além disso, o réu permaneceu em liberdade durante toda a instrução processual, não se justificando, portanto, sua reclusão nesse momento. Da inabilitação para dirigir veículos O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação: Art. 92 - São também efeitos da condenação:[...] III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. § 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença pelo juiz, mas independem de pedido expresso da acusação, observado o disposto no inciso III do § 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024). Trata-se de efeito secundário da condenação, exigindo-se para sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa para a prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68. Tal efeito da condenação apresenta-se como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena. Indubitável que, no caso em tela, o réu valeu-se da licença de condução de veículo automotor para a prática de delito. Diante dessas circunstâncias, há suficientes fundamentos para determinar a inabilitação de DAVI PACAGNELA para dirigir veículos, pelo prazo da pena imposta. Da perda do cargo público É entendimento assentado no âmbito da C. Superior Corte de Justiça o de que, "segundo o art. 92, inciso I, alínea 'a', do CP, sendo a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, a decretação de perda do cargo público só pode ocorrer na hipótese em que o crime tenha sido cometido com abuso de poder ou com a violação de dever para com a Administração Pública" (REsp n. 1.561.248/GO, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 01/12/2015). Nos termos da jurisprudência vigente no C. Superior Tribunal de Justiça, em que pese a perda da função pública não ser decorrência automática da condenação, há a possibilidade de aplicação da referida penalidade pelo juiz sentenciante como efeito da reprimenda fixada, devendo o magistrado fundamentar suas conclusões em critérios objetivos e subjetivos inseridos nos autos, que demonstrem a incompatibilidade do ato criminoso com o cargo ocupado pelo acusado (AgRg no AgRg no AREsp 1.277.816/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe de 26/9/2018; AgRg no REsp n. 1.798.325/RO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 19/12/2019; (AgRg no Ag 1388953/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/6/2013, DJe 28/6/2013). Acerca dessa temática, convém consignar que a C. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado a necessidade de decretação da perda do cargo público nos casos em que a conduta criminosa demonstra a violação dos deveres do agente com o ente estatal e a infringência dos princípios mais básicos da Administração Pública, entre eles o da moralidade e o da impessoalidade. Além disso, esse órgão julgador, no julgamento das Ações Penais nºs. 825/DF e 841/DF, decidiu que o fato de o acusado se encontrar na inatividade não impede a imposição da perda do cargo público, considerada a independência da esfera penal (STJ, Corte Especial, APn n. 841/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 8/4/2019, DJe de 22/5/2019; STJ, Corte Especial, APn 825/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/04/2019, DJe 26/04/2019). No caso em análise, o réu DAVI PACAGNELA, na qualidade de Policial Militar, violou seu dever para com a administração pública, ao praticar crime no qual, em nome do ente estatal vinculado, estava obrigado a reprimir. Para mais, ainda foi aplicada pena privativa de liberdade superior a 04 anos, de modo que, de um ou de outro modo, a perda do cargo público é medida que se impõe. A reprovabilidade da conduta do réu é gravíssima, pois, enquanto servidor público da Polícia Militar do Estado de São Paulo, praticou crime contra a própria administração pública. A condição de policial militar revela demasiada culpabilidade na conduta. Para mais, ainda tentou utilizar de sua condição para se esquivar da fiscalização, claramente em infração a dever funcional da probidade administrativa. Esses elementos fáticos demonstram que o réu cometeu, em nefasto conluio, grave violação de seus deveres funcionais perante a Administração Pública, bem como evidenciam manifesta incompatibilidade com o cargo público de que tinha titularidade, nos termos do art. 92, I, "a", do Código Penal." Em consequência dessas reprováveis ilegalidades, mostra-se necessária a decretação da perda do cargo público, no âmbito da Administração Pública do Estado de São Paulo, de titularidade de DAVI PACAGNELA, porquanto praticou o crime em apreço com grave violação dos seus deveres funcionais, na forma do disposto no artigo 92, inciso I, alínea "a" do Código Penal, bem como por ter sido aplicada pena máxima superior a 04 anos, segundo os termos do artigo 92, inciso I, alínea "b" do Código Penal. Após o trânsito em julgado, oficie-se a Secretária de Segurança Pública do Estado de São Paulo ou o órgão que seja competente, para adoção das medidas cabíveis ao cumprimento do determinado na presente sentença. Do réu HYGGOR MOREIRA DA SILVA Verifica-se que, durante a persecução penal, considerando o conjunto probatório dos autos, restou inconteste a materialidade e autoria do réu HYGGOR MOREIDA DA SILVA quanto ao delito previsto no artigo 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68. Passo à análise do crime pelo qual foi denunciado o réu. A conduta delitiva praticada pelo réu, conforme as provas dos autos, amolda-se perfeitamente ao crime descrito no artigo 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, pois se sujeita às penas desse dispositivo aquele que importa ou exporta e também aquele que, de alguma maneira, contribui para que um dos verbos nucleares do tipo se realizem, assim como aquele que adquire, transporta, vende, expõe à venda, tem em depósito, possui ou consome cigarros de procedência estrangeira. A Resolução n. º 46/09 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, considerando a inexistência de dados científicos que comprovem a eficiência, a eficácia e a segurança no uso e manuseio de dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarro eletrônico, em face da incidência do princípio da precaução proibiu as suas importações, frise-se que a proibição foi mantida pela RDC n. 855/2024 do mesmo órgão. Ademais, cuida-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Importar significa trazer do estrangeiro ou introduzir no território nacional. Além disso, não se exige dolo específico ou se admite a figura culposa, sendo irrelevante, portanto, a intenção do agente, tampouco é relevante a obtenção de lucro ou não ao importar, exportar ou favorecer. Quanto às teses defensivas, há de se ter em vista que merecem ser rechaçadas uma a uma, como passo a empreender. A defesa sustenta que não há elementos concretos que vinculem HYGGOR diretamente ao crime de contrabando, destacando que o coautor Davi assumiu integralmente a titularidade da mercadoria ilícita. No entanto, o Direito Penal não exige que o agente seja proprietário ou tenha controle absoluto sobre os produtos para caracterizar sua participação na empreitada criminosa. Os autos demonstram que HYGGOR não apenas acompanhou a viagem, mas também revezou na direção do veículo, integrando-se ativamente à logística da operação. Sua presença não foi ocasional, mas funcional ao deslocamento da carga ilícita, tanto é assim que ele mesmo afirmou que recebeu o convite para conduzir o veículo até o local de destino para possibilitar que o coautor DAVI retornasse na condução, agindo assim em conluio. Por outro lado, a alegação de que HYGGOR teria atuado apenas como acompanhante, em viagem de férias, não se coaduna com a dinâmica dos fatos. O transporte de mercadorias em grande quantidade, sem documentação e com origem estrangeira, exigia coordenação entre os envolvidos. O fato de revezar a direção do veículo denota participação ativa, e não mera casualidade. Ademais, a justificativa de estar "conhecendo a região" mostra-se frágil diante da rota incomum (de Campinas/SP a Naviraí/MS e Iguatemi/MS, municípios sem atrativos turísticos relevantes) e da ausência de provas que corroborem essa finalidade lúdica. Para mais, foi ventilada a tese de que não há prova de que HYGGOR tinha conhecimento prévio da ilicitude. Contudo, o próprio termo "muamba", utilizado durante a abordagem e em seu interrogatório judicial, é amplamente reconhecido como referência a produtos de importação proibida, ou, ao menos, irregular, especialmente em regiões próximas a fronteiras. Além disso, a natureza e o volume da carga (cigarros eletrônicos em grande quantidade, sem nota fiscal ou autorização sanitária) eram suficientes para gerar desconfiança até mesmo para leigos, quanto mais para alguém que participou ativamente do transporte. Dessa forma, a alegação de desconhecimento é incompatível com a realidade fática. Embora a jurisprudência do STJ exija prova de contribuição efetiva para o crime, não se trata de mera presença acidental. HYGGOR não era um carona ocasional, mas participou do revezamento na direção, facilitando o transporte da carga ilícita por longa distância. Há diferenças entre "coautoria" e "mera presença" e o que se vislumbra nesse caso é a coautoria delitiva. Isso porque, HYGGOR, consciente do transporte de mercadorias ilícitas que lhe fora proposto, o aceitou e o realizou. A motivação não se tem confirmação, mas o dolo da prática delitiva resta inconteste. Além disso, a defesa critica a acusação por basear-se em suposições, mas os elementos probatórios vão além de meras conjecturas. Para além do flagrante com a carga ilegal, há a declaração de Davi sobre o conhecimento mútuo da operação e a confissão indireta de HYGGOR ao utilizar o termo "muamba". A presunção de inocência não impede a condenação quando há provas robustas, como ocorre neste caso. A alegação de que a viagem teria motivação turística carece de qualquer comprovação, enquanto a versão acusatória está lastreada em documentos e depoimentos consistentes. O argumento de que HYGGOR não praticou os núcleos do tipo ("importar" ou "exportar") desconsidera que o art. 334-A, §1º, I, do CP, combinado com o art. 3º do DL 399/68, que tipifica também o transporte e a posse das mercadorias proibidas. Não é necessário que o agente tenha cruzado fronteiras; basta que tenha contribuído para a circulação interna dos produtos. A participação de HYGGOR no deslocamento do veículo, associada ao seu conhecimento da origem estrangeira da carga, enquadra-se perfeitamente na conduta típica. Quanto à alegação defensiva sobre a localização geográfica dos municípios de Iguatemi e Naviraí, embora nítida a caracterização como região fronteiriça, cumpre esclarecer que a discussão sobre essa definição como área de fronteira mostra-se irrelevante para os fins do tipo penal em análise. Isso porque, como bem afirmado acima, o tipo penal imputado pune o tão só transporte das mercadorias encontradas em posse do réu. Prosseguindo, é insustentável a tese de que não há nos autos elementos aptos a comprovar que os acusados realizaram pessoalmente a importação, isso porque, como exaustivamente afirmando, o tipo penal em análise pune o tão só transporte dessas mercadorias. Para mais, ainda há elementos suficientes para comprovar que o réu, ciente de que se tratava de mercadorias de procedência estrangeira, mais especificamente, do Paraguai, concorreu para a importação com o objetivo de revender em lojas virtuais dentro do território nacional. Incontestável que concorreu para a importação, até mesmo pelo seu próprio interrogatório, oportunidade que repisou ter aceitado o transporte ciente dos produtos que se tratava, outrora ventilasse a tese de desconhecer a sua proibição. Dessa forma, cumpre salientar que o dolo para a prática delitiva é evidente, tendo em vista que acaso os produtos fossem permitidos, ainda sim estaria praticando crime conscientemente, uma vez que também iludiu o pagamento dos impostos, o que configuraria a prática do descaminho. Por derradeiro, a defesa postula que, caso se admita alguma participação, deve ser reconhecido que HYGGOR agiu sem consciência da ilicitude. Todavia, as circunstâncias do caso – carga volumosa, ausência de documentação, uso do termo "muamba" – tornavam clara a irregularidade e a consciência e vontade dirigida à prática de delito aduaneiro. Além disso, a condição de ex-cunhado de Samuel (suposto organizador da operação, segundo Davi) sugere que HYGGOR não era alheio ao contexto ilícito. A alegação de boa-fé é incompatível com a realidade dos fatos e com o dever mínimo de cuidado que qualquer cidadão deve ter ao participar de operações comerciais atípicas. A defesa postula, em caráter subsidiário, o reconhecimento da participação de menor importância (art. 29, §1º, do CP), alegando que, mesmo que reconhecida alguma contribuição do acusado, esta teria sido irrelevante para o resultado criminoso. A tese, no entanto, não se sustenta diante dos elementos concretos dos autos. A participação de HYGGOR não se limitou a uma colaboração secundária ou acidental. O réu não apenas acompanhou a viagem, mas assumiu ativamente o revezamento na direção do veículo, viabilizando o transporte da carga ilícita por uma rota extensa (de Campinas/SP a Naviraí/MS). Essa conduta foi essencial para a consecução do delito, pois permitiu que a mercadoria proibida circulasse pelo território nacional, o que permite atribuir à HYGGOR a condição de coautor do delito e não partícipe com menor importância. O art. 29, §1º, do CP prevê a redução de pena para o partícipe cuja contribuição tenha sido "de menor importância", mas essa atenuação pressupõe uma atuação marginal, sem influência decisiva no êxito da infração. Não é o caso aqui. A direção alternada do veículo foi um elemento estrutural da operação, sem o qual o transporte da carga teria sido inviável ou significativamente mais arriscado. Portanto, diante de todo o exposto, resta comprovado que o réu agiu de forma dolosa, o que, somado às provas de autoria e materialidade já analisadas, é suficiente a tipificar o delito previsto no art. 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68. Não se verifica ainda qualquer excludente de ilicitude em relação ao réu. A ilicitude é a contrariedade da conduta praticada pelo réu com o tipo penal previamente existente. Em razão da adoção pelo Código Penal da teoria da ratio cognoscendi, o fato típico é indiciariamente ilícito (caráter indiciário da ilicitude), ou seja, a antijuridicidade é presumida, podendo ser afastada apenas por alguma causa excludente, quais sejam, legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito ou consentimento da vítima (causa supralegal). Considerando que não há causa excludente no caso em análise, os fatos descritos na denúncia são típicos e antijurídicos. Da mesma forma, não se verifica na conduta do réu qualquer excludente de culpabilidade, que exige como elementos a imputabilidade, a potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Ausente um desses elementos, resta afastada a aplicação da pena. No caso dos autos, verifica-se que o réu é imputável (maiores de 18 anos e sem deficiência mental), tinham potencial conhecimento da ilicitude da conduta por ele praticada, bem como podiam agir de outra forma, em conformidade com o direito. No que se refere à capacidade de o réu entender o caráter ilícito dos fatos ou de proceder consoante esse entendimento, do conjunto de dados suscitados ao longo da instrução do feito, leva-se a crer que se encontravam extremamente apto a discernir o caráter ilícito dos fatos, não havendo dúvidas quanto à sua imputabilidade. Tendo em vista, portanto, a comprovação do fato típico imputado ao réu, sem que a defesa tenha demonstrado causa excludente de ilicitude ou mesmo de culpabilidade, impõe-se a condenação do réu HYGGOR MOREIRA DA SILVA. Passo à dosimetria da pena. Na fixação da pena-base pela prática do crime do art. 334-A, caput, do Código Penal, parto do mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão. Circunstâncias judiciais (1ª fase) Na primeira fase de aplicação da pena, da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) a culpabilidade, é normal à espécie; b) quanto aos maus antecedentes, nada a ponderar; c) não há elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos do crime não são averiguáveis no caso concreto; e) as circunstâncias do crime fogem do ordinário. Isso porque, conforme consta no Termo de Apreensão nº 147/2020 da Polícia Federal em Naviraí/MS, os itens relacionados a cigarros eletrônicos foram discriminados em 77 linhas (itens 4 a 80, exceto os itens 1-3, 78 e 79, que são celulares e armas) somando um total aproximado de 3.973 itens (342 kits + 1.011 líquidos + 380 coils + 240 pacotes). Além disso, o valor das mercadorias se revela demasiadamente elevado, isto é, soma R$ 194.708,92 (cento e noventa e quatro mil setecentos e oito reais e noventa e dois centavos). Tendo em vista que a quantidade de mercadoria proibida não é elemento do tipo, é passível de ser utilizada para exasperar a pena-base, sendo a fração de até ½ adequada considerando o vulto apreendido, nos termos do julgado, que trata de situação similar, do E. TRF3 nos autos da Apelação Criminal 50023956020204036109 SP, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, j. em 06/06/2023, p. em 06/06/2023. Assim, majoro a pena-base em 1/2. f) as consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão das mercadorias; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Diante desse quadro, para a necessária e suficiente reprovação e prevenção do crime, sopesando negativamente a vetorial circunstâncias do crime pela quantidade de mercadorias apreendidas e seu elevado valor, exaspero a pena em 1/2, razão pela qual fixo a pena-base substancialmente acima do seu mínimo legal, vale dizer, em 03 (três) anos de reclusão. Circunstâncias agravantes e atenuantes (2ª fase) Não se visualizam circunstâncias agravantes ou atenuantes da pena. Assim, na segunda fase do processo dosimétrico, mantenho a pena intermediária em 03 (três) anos de reclusão. Causas de aumento e diminuição de pena (3ª fase) Inexistem causas de aumento ou de diminuição da pena. Assim, pela prática do crime do art. 334-A, caput e § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, fica o réu HYGGOR MOREIRA DA SILVA definitivamente condenado à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão. Regime inicial Em consonância com o disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, combinado com o art. 59, III, do Código Penal, e considerando o entendimento jurisprudencial sedimentado nas Súmulas 718 e 719, ambos do STF, e na Súmula 269 do STJ o réu deverá cumprir a pena, inicialmente, em regime ABERTO. Detração Em atenção ao art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, saliento que eventual progressão de regime deve ser analisada pelo juízo da execução, nos termos do disposto no artigo 66, inciso III, alínea "b", c/c o artigo 112, ambos da LEP. Substituição da pena privativa de liberdade e da Suspensão Condicional da Pena. Considerando a quantidade de pena aplicada e as condições pessoais do acusado, substituo a pena privativa de liberdade aplicada ao réu HYGGOR MOREIRA DA SILVA por duas restritivas de direito, nos termos do §2º do artigo 44 do Código Penal, quais sejam: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo prazo da pena aplicada cabendo ao juiz encarregado da execução definir a entidade beneficiada, a forma e as condições de cumprimento e b) prestação pecuniária, na quantia de 50 salários mínimos, nos termos do art. 45, §1º do Código Penal, considerando o elevado valor das mercadorias transportadas (R$ 194.708,92 (cento e noventa e quatro mil setecentos e oito reais e noventa e dois centavos) segundo consta no Laudo pericial - merceologia - Id.64750410 - Pág. 12 – 21. Do direito de apelar em liberdade Faculto ao condenado a interposição de recurso desta sentença em liberdade, uma vez que ausentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal e, além disso, o réu permaneceu em liberdade durante toda a instrução processual, não se justificando, portanto, sua reclusão nesse momento. Da inabilitação para dirigir veículos O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação: Art. 92 - São também efeitos da condenação:[...] III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. § 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença pelo juiz, mas independem de pedido expresso da acusação, observado o disposto no inciso III do § 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024). Trata-se de efeito secundário da condenação, exigindo-se para sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa para a prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68. Tal efeito da condenação apresenta-se como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena. Indubitável que, no caso em tela, o réu valeu-se da licença de condução de veículo automotor para a prática de delitos. Diante dessas circunstâncias, há suficientes fundamentos para determinar a inabilitação de HYGGOR MOREIRA DA SILVA para dirigir veículos, pelo prazo da pena imposta. Dos bens apreendidos Por ocasião da prisão em flagrante foram apreendidos diversos bens, dentre eles estão cigarros eletrônicos, armas e munições (1 revólver Taurus calibre .38 (nº série II21966) e 11 cartuchos (10 CBC .38 SPL e 1 Federal .38 Special), celulares (Positivo S431, Motorola XT1979-1, Motorola XT1962-2) e um veículo Fiat/Toro. Quanto aos cigarros eletrônicos apreendidos, verifica-se que já foram enviados à Receita Federal do Brasil para a devida destinação administrativa dada a crimes aduaneiro (ID. 64750410, pág. 3) (ID. 332677007, págs 6/8), motivo pelo qual deixo de determinar qualquer medida em relação à eles. No tocante ao veículo, verifica-se ter sido restituído ao terceiro de boa-fé (ID. 242618151). Com relação aos aparelhos telefônicos apreendidos, segundo consta no Auto de Apresentação e Apreensão nº 147/2020 (ID. 35697818 –Fls. 22 e seguintes) item 01, considerando que foram utilizados pelos réus em suas tratativas ilícitas, bem como o tempo decorrido desde a apreensão, tornando os aparelhos obsoletos, DECRETO o seu perdimento em favor da União Federal, com fulcro no art. 91, II, alínea "a" do Código Penal e autorizo a destruição e o encaminhamento ao GEBIO para a destinação ambientalmente adequada dos resíduos. Ciência ao servidor responsável pelo Setor de Depósito desta Vara. Noutro giro, a arma de fogo e cartuchos apreendidos, segundo consta nos itens 02 e 03 do Auto de Apresentação e Apreensão nº 147/2020 (ID. 35697818 –Fls. 22 e seguintes) permanecem no depósito da Polícia Federal de Naviraí/MS (ID. 291812090, pág. 12). Uma vez que foram utilizadas em contexto criminoso, servindo inclusive como instrumento apto a proteger a empreitada criminosa, determino sua perda em favor da União, com fulcro no art. 91, II alínea "a" do Código Penal. Dessa forma, uma vez que se encontram periciadas (ID. 150131069, pág. 7 e ss.) determino seu envio ao comando do exército para a devida destinação. Da intimação da sentença Observo que os réus estão representados por defensores constituídos. Nesse sentido, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, "em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado, sem que haja qualquer empecilho ao início do prazo recursal e a posterior certificação do trânsito em julgado" (AgRg nos EDcl no RHC n. 191.783/MT, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024). Essa é a posição, aliás, que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, interpretando o disposto no art. 392 do CPP, tem adotado em suas decisões mais recentes (TRF 3ª Região, 5ª Turma, HCCrim - Habeas Corpus Criminal - 5006561-90.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Mauricio Yukikazu Kato, julgado em 23/04/2024, Publicado em: 24/04/2024). Diante disso, fica dispensada a intimação pessoal do réu acerca da presente sentença. Com a intimação por publicação do defensor e decorrido o respectivo prazo recursal sem a interposição de recurso, providencie a Secretaria a certificação do trânsito em julgado, na data pertinente, com as consequentes medidas necessárias ao cumprimento do estabelecido em sentença. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia para: a) CONDENAR o réu, DAVI PACAGNELA, qualificado nos autos, pela prática da conduta descrita no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68, a pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão em regime inicial de cumprimento FECHADO. Em consequência, mostra-se necessária a DECRETAÇÃO da perda do cargo público do réu DAVI PACAGNELA, no âmbito da Administração Pública do Estado de São Paulo, porquanto praticou o crime em apreço com grave violação dos seus deveres funcionais, na forma do disposto no artigo 92, inciso I, alínea "a" do Código Penal, bem como por ter sido aplicada pena máxima superior a 04 anos, segundo os termos do artigo 92, inciso I, alínea "b" do Código Penal. Após o trânsito em julgado, oficie-se a Secretária de Segurança Pública do Estado de São Paulo ou o órgão que seja competente, para adoção das medidas cabíveis ao cumprimento do determinado na presente sentença. Decreto, como efeito da condenação, com fulcro no art. 92, III do Código Penal, a inabilitação do réu DAVI PACAGNELA para dirigir veículo pelo tempo fixado na presente sentença. Indefiro o pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, consoante fundamentação. b) CONDENAR o réu, HYGGOR MOREIRA DA SILVA, qualificado nos autos, pela prática da conduta descrita no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68, a pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão em regime inicial de cumprimento ABERTO a qual substituo por duas restritivas de direito, nos termos do §2º do artigo 44 do Código Penal, quais sejam: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo prazo da pena aplicada cabendo ao juiz encarregado da execução definir a entidade beneficiada, a forma e as condições de cumprimento e b) prestação pecuniária, na quantia de 50 salários mínimos, nos termos do art. 45, §1º do Código Penal, consoante fundamentação. Decreto, como efeito da condenação, com fulcro no art. 92, III do Código Penal, a inabilitação do réu HYGGOR MOREIRA DA SILVA para dirigir veículo pelo tempo fixado na presente sentença. Concedo a ambos os réus o direito de apelar em liberdade da presente sentença. Condeno os réus ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal. Em relação aos bens apreendidos, deem a destinação nos termos constantes na fundamentação. Com o trânsito em julgado, a) Expeçam-se as guias de execução da pena, encaminhando-as devidamente instruídas, nos termos da Resolução nº 287/2019 do E. TRF da 3ª Região, ao Juízo competente para a execução penal; (b) Retifique-se a autuação para alteração da situação processual dos réus; (c) Lance-se o nome dos réus no rol dos culpados; (d) Procedam-se às comunicações de condenação criminal ao Instituto Nacional de Identificação e ao Instituto de Identificação Estadual de Mato Grosso do Sul; (e) Comunique-se o Tribunal Regional Eleitoral, por meio do sistema INFODIP, para os fins previstos no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal; (f) Certifique a Secretaria o valor das custas, encaminhando a certidão ao Juízo de Execução Penal. (g) oficie-se ao órgão do Detran respectivo para as providências necessárias quanto à inabilitação do direito de dirigir dos réus DAVI PACAGNELA e HYGGOR MOREIRA DA SILVA, pelo tempo da pena ora imposta; CÓPIA DESTA SERVE COMO MANDADO/OFÍCIO/CARTA PRECATÓRIA (art. 359, §1º, Provimento COGE 01/2020). Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Naviraí/MS, datada e assinada eletronicamente.
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