Processo nº 5001853-25.2024.4.03.6328
ID: 309992656
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5001853-25.2024.4.03.6328
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LESLIE CRISTINE MARELLI
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5001853-25.2024.4.03.6328 / 2ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: JOSE FELICIANO AMARO Advogado do(a) AUTOR: LESLIE CRISTINE MARELLI - SP2…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5001853-25.2024.4.03.6328 / 2ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: JOSE FELICIANO AMARO Advogado do(a) AUTOR: LESLIE CRISTINE MARELLI - SP294380 REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CONAFER CONFEDERACAO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND.FAMI.RURAIS DO BRASIL S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO Por força do disposto no art. 38 da Lei 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/01, dispenso a feitura do relatório. Sem prejuízo, consigno tratar-se de ação especial cível proposta em face do INSS e da CONAFER – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND. FAMI. RURAIS DO BRASIL, em que a parte autora pretende obter a restituição em dobro de descontos indevidos em seu benefício previdenciário (NB 41/139.399.591-5), bem como a indenização por danos morais no valor de 10.000,00 (dez mil reais). Passo, pois, à fundamentação. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Preliminarmente 2.1.1 Ilegitimidade passiva do INSS. Entendo não merecer acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva aduzida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Observa-se da análise dos documentos juntados aos autos que o INSS foi responsável por efetuar descontos de quantias alegadamente indevidas no benefício da parte autora. A realização de qualquer desconto em benefício previdenciário deve ser precedida de autorização regular de seu respectivo titular, consoante dispõe o art. 6º da Lei n.º 10.820/031, com redação dada pela Lei n.º 10.953/04. Além disso, a TNU já manifestou o entendimento quanto à legitimidade do INSS para figurar no polo passivo de demandas que tenham por objeto o questionamento de descontos indevidos em benefício a título de empréstimo consignado (PEDILEF 05126334620084058013, relator juiz federal Adel Américo De Oliveira, DJ 30/11/2012), que pode ser usado por semelhança com o presente caso. Especificamente quanto aos descontos associativos, as Turmas Recursais da 3ª Região reconhecem a legitimidade passiva do INSS. Nesse sentido: Responsabilidade Civil. Danos materiais e morais. Desconto de mensalidade de associação de aposentados sem a anuência do segurado. AMBEC. Legitimidade Passiva da Associação e do INSS (responsabilidade subsidiária) em litisconsórcio passivo. Sentença em dissonância com o Tema 183/TNU. Sentença de declaração de ilegitimidade da Associação e improcedência em relação ao INSS. Danos materiais comprovados. Danos morais caracterizados pela abusividade da conduta dos réus. Recurso da parte autora ao qual se dá parcial provimento. (TRF-3 - RecInoCiv: 50235360520244036301, Relator.: JUÍZA FEDERAL ISADORA SEGALLA AFANASIEFF, Data de Julgamento: 04/02/2025, 13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 12/02/2025) 2.1.2 Prescrição Trienal Outrossim, afasto a preliminar de prescrição trienal aduzida pelo INSS, tendo em vista a tese firmada pelo STJ no tema repetitivo nº 553 de que “Aplica-se o prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002”. Passo à análise do mérito. 2.2. Mérito Responsabilidade do INSS Na forma do art. 37, § 6º, da CF/88, com base na teoria do risco administrativo, não há dúvidas de que a autarquia promovida responde objetivamente pelos danos causados aos segurados da previdência social. A responsabilidade civil, nestas hipóteses, depende da comprovação dos seguintes pressupostos: a) fato antijurídico; b) dano; c) nexo de causalidade entre o fato antijurídico e o dano. Quanto à antijuridicidade (que é conceito mais preciso do que a simples ilicitude), deve-se tê-la como configurada quando o fato é praticado em desconformidade com as regras do ordenamento jurídico. Ou ainda, é praticado quando existe preceito normativo (legal, regimental, judicial etc.) que garanta a incolumidade do bem atingido. Outrossim, como se sabe, dois são os tipos de danos: a) os patrimoniais, e b) os extrapatrimoniais (que podem ser genericamente assimilados aos danos morais). No caso em apreço, tendo em vista a existência de divergência jurisprudencial a respeito do assunto ora discutido, faz-se necessário tecer algumas considerações quanto à responsabilidade do INSS. Acerca desse ponto, dispõe o art. 6º, § 2º, I e II, da Lei n.º 10.820/2003: Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (...). § 2º Em qualquer circunstância, a responsabilidade do INSS em relação às operações referidas no caput deste artigo restringe-se à: I – retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e II – manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição bancária enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado". Em sentido semelhante prescreve o art. 115, VI, da Lei n.º 8.213/91: "Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de trinta por cento do valor do benefício." Interpretando o dispositivo legal supratranscrito, facilmente se denota que o INSS somente pode efetuar descontos nos benefícios previdenciários mediante expressa autorização do segurado. E de outra maneira não poderia ser, pois a Autarquia Previdenciária não possui livre disposição sobre os valores pertencentes aos beneficiários. Desta conclusão lógica decorre também que o INSS não responde pelos débitos contratados, sendo a sua participação restrita à operacionalização dos descontos autorizados diretamente no benefício previdenciário. Ressalto, porém, que a exclusão de responsabilidade pelas dívidas contraídas pelo segurado não se estende nem se confunde com os ilícitos praticados pelo próprio INSS, como no caso de realizar descontos em benefício previdenciário sem que o segurado tenha autorizado tal operação, mesmo que este fato decorra de fraude perpetrada por terceiros. Nestes casos, é evidente a ausência de cuidado (negligência) por parte da Autarquia Ré e, por consequência, impõe-se o dever de indenizar. Adotando este entendimento, colaciono os seguintes acórdãos: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INOMINADO. DESCONTOS DE MENSALIDADE DE ASSOCIAÇÃO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA EM CASOS DE FALTA DE FISCALIZAÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA E PROSSEGUIMENTO DO FEITO. I. CASO EM EXAME […] Tese de julgamento: O INSS possui legitimidade passiva para responder por danos decorrentes de descontos de mensalidades associativas em benefícios previdenciários, especialmente quando há falha na fiscalização da autorização para esses descontos. O INSS pode ser civilmente responsabilizado de forma subsidiária caso se verifique negligência na conferência da autorização do beneficiário para o desconto de mensalidades associativas. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/91, art. 115, V; Decreto nº 3.048/1999, art. 154, V; Lei nº 9.099/95, art. 55. Jurisprudência relevante citada: TNU, Tema 183, PEDILEF 0500796-67 .2017.4.05.8307/PE, Rel. Juiz Federal Fábio Cesar Oliveira, julgado em 12/09/2018. (TRF-3 - RecInoCiv: 50238703920244036301, Relator.: JUIZ FEDERAL RICARDO GERALDO REZENDE SILVEIRA, Data de Julgamento: 12/12/2024, 8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 18/12/2024) E M E N T A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATAÇÃO E DESCONTOS FRAUDULENTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE MENSALIDADE DE ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. ASBAPI. Contratação fraudulenta e realização de descontos de mensalidades de associação de idosos aposentados em benefício previdenciário. Responsabilidade subsidiária do INSS. Tema 183 da TNU aplicado por analogia. Corréus que não comprovam regularidade da filiação. Majoração do valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00. Recurso da parte autora provido em parte para condenar subsidiariamente o INSS e majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00. (TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: 50848828820234036301 SP, Relator.: Juiz Federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO, Data de Julgamento: 23/08/2024, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 30/08/2024) Em harmonia ao entendimento jurisprudencial acerca de descontos indevidos em caso de empréstimos consignados, entendo que se aplica a mesma razão de decidir ao presente caso para fundamentar a legitimidade e responsabilidade do INSS no caso de quaisquer descontos associativos fraudulentos. Assim, não há dúvidas de que o INSS responde civilmente por eventuais descontos indevidos no benefício previdenciário dos segurados da previdência social. Responsabilidade da associação Em relação à CONAFER - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREENDEDORES FAMILIARES RURAIS, a responsabilidade civil é regida pelo Código Civil. A Confederação não responde com fundamento no CDC, pois o vínculo associativo-sindical, ainda que apenas teórico, não pode ser considerado relação de consumo. Não há a figura do consumidor nem do fornecedor. As confederações são entidades sindicais de grau superior de âmbito nacional. São constituídas de no mínimo três federações, tendo sede em Brasília (art. 535, CLT). Por sua vez, as federações também são entidades sindicais de grau superior, mas organizadas em âmbito estadual, constituídas em número não inferior a cinco sindicatos (art. 534, CLT). Por fim, sindicato é a associação de pessoas físicas ou jurídicas que têm atividades econômicas ou profissionais, visando à defesa dos interesses coletivos e individuais de seus membros ou da categoria (MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho, 41ª ed., 2025. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2024). Nos termos do art. 927 do Código Civil de 2002, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, sendo independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem (parágrafo único). Procedimentos em Órgãos de Controle Externo e Interno A solução do caso destes autos é auxiliada pelo resultado de procedimentos conduzidos por órgãos de fiscalização sobre os descontos associativos em benefícios previdenciários no âmbito do INSS. Sobre a questão, já se debruçou o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União. Além destes órgãos, atualmente está em andamento investigação realizada pela Polícia Federal (“Operação Sem Desconto”). Acórdão 1.115/2024 do Tribunal de Contas da União O Plenário do Tribunal de Costa da União (TCU), no Acórdão nº 1.115/2024, proferido no processo 032.069/2023-5, instaurado via Solicitação do Congresso Nacional (SCN), apurou irregularidade no âmbito do INSS, por entidades sindicais, associativas (descontos associativos) e instituições bancárias (descontos de crédito consignado), por descontos indevidos nos proventos de aposentadoria de aposentados. A Corte de Contas, após inspeção no INSS e na Dataprev, constatou que descontos consignados na folha de pagamento relativos à mensalidade associativa foram descontados sem a devida autorização pelos titulares dos benefícios. Do apurado na inspeção, registrado no Acórdão nº 1.115/2024, verifica-se a concorrência culposa do INSS, porquanto se concluiu que “identificou-se a existência de descontos de mensalidade associativa não autorizados, cujas principais causas são a ausência de verificação da filiação do beneficiário e de sua autorização previamente à averbação dos descontos; a fragilidade na ferramenta de bloqueio e desbloqueio para a averbação de descontos; e a falta de avaliação periódica das reclamações referentes a descontos indevidos” (destaquei). A grave negligência do INSS é inferida, de igual forma, pela conclusão do TCU de que, “quanto aos descontos de mensalidade associativa, os controles são insuficientes, uma vez que o INSS ainda não recepciona os termos de filiação e os termos de autorização de desconto de mensalidade associativa, conforme a própria Instrução Normativa 128/2022 do INSS. Assim, impera a necessidade de iniciar a avaliação periódica conforme previsto no § 1º-F do art. 154 do Decreto 3048/1999 e, caso identifique irregularidades frequentes ou substanciais, aplique as penalidades previstas em legislação” (destaques de agora). “Operação Sem Desconto” Conforme amplamente noticiado, várias entidades passaram a ser investigadas na “Operação Sem Desconto”, autorizada pela Justiça Federal, conduzida pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), que investiga esquema bilionário de fraudes no INSS com desvio de recursos de aposentados e pensionistas ao longo de anos. Segundo a investigação, 6 milhões de aposentados e pensionistas foram lesados e o impacto financeiro com descontos associativos é da ordem de R$ 6,3 bilhões (Disponível em: www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2025/04/sem_desconto.pdf. Acesso em: 27/04/2025). O modo de operação consistia nas entidades de classe, como associações e sindicatos, formalizarem Acordos de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS, de modo a permitir que as entidades realizem descontos de mensalidades associativas diretamente na folha de pagamento dos beneficiários do INSS, desde que autorizados pelos aposentados e pensionistas. Para que o desconto fosse realizado, a entidade precisaria da autorização expressa e individual de cada beneficiário. Na investigação, verificou-se, porém, a ausência de verificação rigorosa dessa autorização e a possibilidade de falsificação de documentos de filiação e autorização. Determinou-se judicialmente o afastamento de servidores, inclusive do Presidente do INSS e do Chefe da Procuradoria Federal Especializada do INSS. Os crimes investigados são de corrupção ativa e passiva, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, organização criminosa e lavagem de capitais. Relatório de Auditoria nº 1.675.291 da Controladoria-Geral da União (CGU) O Relatório nº 1675291 - INSS da Controladoria-Geral da União, publicado em 23/04/2025, no contexto da “Operação Sem Desconto”, avaliou os mecanismos de controle relativos aos descontos das contribuições associativas na folha de pagamentos do INSS. A responsabilização do INSS, em razão de culpa por negligência, também é percebida por este relatório da CGU. Colhe-se do Relatório nº 1675291 condutas negligentes que facilitaram descontos desautorizados: “o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos, e seguiu assinando ACT após a suspensão ocorrida em 2019, com o crescimento significativo dos descontos a partir de julho de 2023”; “o INSS limitou-se a suspender novas adesões de algumas entidades e por um curto período”; “o não bloqueio automático para consignações dos benefícios concedidos antes de setembro de 2021, o não arquivamento, em ambiente prontamente acessível ao INSS, das documentações requeridas, a ausência de validação das documentações para autorização do desconto, a ausência de fiscalização e de auditoria desses procedimentos, a reduzida equipe técnica para atuar neste processo”; “os descontos poderem ser realizados pelas entidades sem qualquer tipo de análise por um servidor do INSS” (destaques não constam no original). Mesmo quando os segurados constatavam desconto indevido, o INSS criou empecilhos para o cancelamento do desconto. Isto porque, como consta no Relatório nº 1675291, “não basta ao beneficiário solicitar o cancelamento do desconto; é necessário fazer novo requerimento para que o benefício seja bloqueado para novos descontos”; “os beneficiários encontram mais dificuldades para bloquear os descontos do que as entidades para implementá-los” (destaques de momento). Entidades investigadas na “Operação Sem Desconto” As associações e sindicatos investigados na “Operação Sem Desconto” são: Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec); Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi/FS); Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB); Associação de Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen, antiga ABSP); Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); Universo Associação de Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPPS Universo); União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub); Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer); Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (Adpap Prev, antiga Acolher); ABCB Clube de Benefícios/Amar Brasil; Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS (Caap). Em resumo, as circunstâncias reveladas pelo Acórdão 1.115/2024 do TCU e pelo Relatório de Auditória nº 1.675.291 da CGU demonstram, até o momento, a responsabilidade do INSS, no mínimo, por negligência, em face da conduta negligente de alguns de seus servidores, o que, com os demais elementos constantes nos autos, reforça a responsabilidade da corré. Demonstra-se, também, a responsabilidade da associação corré em razão de conduta dolosa de seu representante que, de forma consciente e voluntária, realizou descontos indevidos na conta de benefício de milhares de segurados. Neste processo, portanto, cabe verificar se a parte autora foi uma das pessoas lesadas. Caso dos autos No presente caso, a parte autora insurge-se quanto ao desconto de parcelas denominadas de contribuição à CONAFER – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND. FAMI. RURAIS DO BRASIL em seu benefício previdenciário de pensão por morte (NB 41/139.399.591-5), requerendo a devolução em dobro dos valores descontados e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Consta, em síntese, do processo, que estavam sendo efetuados mensalmente descontos em seu benefício previdenciário a título de contribuição à segunda requerida, cuja origem alega desconhecer. Afirma a parte autora que não se filiou a qualquer associação, nem tampouco autorizou que referidos descontos fossem efetuados em sua benesse. Citado, o INSS asseverou que não praticou qualquer ato lesivo em desfavor da requerente. No mérito, também pugnou pela improcedência dos pedidos. A CONAFER, embora devidamente citada, não ofereceu contestação. Contudo, nos termos do art. 345, I, do CPC, não há produção dos efeitos da revelia, previstos no art. 344 do CPC, uma vez que o INSS ofereceu contestação. Observo que o ponto controvertido nesta demanda está em saber se a parte autora se filiou ou não à CONAFER e se autorizou os descontos mensais de pagamento de contribuição em seu benefício previdenciário. No entanto, é fato que nenhuma das partes rés apresentou qualquer documentação que comprovasse autorização da parte autora para a realização dos descontos. Muito menos há nos autos um documento que comprove que a parte autora é vinculada à associação de classe ré. Assim, ante a ausência de qualquer elemento em contrário, à alegação da parte autora formulada na exordial de que não mantém qualquer tipo de vinculação com a segunda requerida e de que nunca celebrou qualquer negócio jurídico com ela deve ser dado acolhimento, sob pena de exigir-lhe a produção de prova negativa. Diante disso, não há como defender que os referidos descontos mensais no benefício previdenciário da parte autora estão sendo efetuados de acordo com vontade do demandante, pois não foi acostado aos autos qualquer termo de adesão celebrado pela parte autora com a sua assinatura, evidenciando que sua filiação à associação fora requerida, além de ter autorizado os descontos mensais em sua benesse, não existindo provas nos autos da existência destes documentos. Ante a ausência de qualquer elemento em contrário, à alegação da parte autora formulada na exordial de que não mantém qualquer tipo de vinculação com a segunda requerida e de que nunca celebrou qualquer negócio jurídico com ela deve ser dado acolhimento, sob pena de exigir-lhe a produção de prova negativa. Com base em todas as considerações, entendo que restou demonstrado não ter o postulante, por sua mera liberalidade, se filiado à segunda requerida, circunstância que aponta no sentido de eventual fraude. Situações parecidas já foram reconhecidas como causadoras de dano pela jurisprudência das Turmas Recursais da 3ª Região: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATAÇÃO E DESCONTOS FRAUDULENTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE MENSALIDADE DE ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. ASBAPI. Contratação fraudulenta e realização de descontos de mensalidades de associação de idosos aposentados em benefício previdenciário. Prescrição afastada. Aplicação do art. 27 do CDC - prazo prescricional de cinco anos para relação de consumo. Fraude reconhecida. Ausência de comprovação da efetiva contratação pela associação que determinou a realização dos descontos. Inversão do ônus da prova Responsabilidade subsidiária do INSS. Condena ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Além de mero dissabor. Finalidade dissuasória da indenização por danos morais. Recurso da parte autora provido para condenar a ASBAPI e subsidiariamente o INSS ao ressarcimento em dobro dos valores cobrados indevidamente e pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 5.000,00. (RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP 5013877-06.2023.4.03.6301 Relator(a) Juiz Federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO Órgão Julgador 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo Data do Julgamento 14/05/2024 Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 21/05/2024) Repetição do indébito Pretende a parte autora ser restituída, em dobro, dos valores descontados de seu benefício de aposentadoria por idade. A respeito desse tema, prevê o art. 940 do CC: "Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição." Segundo entendem a doutrina e jurisprudência, conforme o dispositivo legal acima, a devolução em dobro depende do preenchimento de dois requisitos: a) cobrança judicial ("demandar" é exigir algo judicialmente) de dívida já paga, sem ressalvar as quantias recebidas; b) má-fé do cobrador. No presente caso, como se observa, a associação não cobrou judicialmente da parte autora uma dívida já paga, mas apenas alega que ela é sua associada e autorizou a cobrança da mensalidade. Portanto, não se encontra presente o requisito legal de ter havido demanda judicial de cobrança. No que concerne ao dano material, está devidamente comprovado pelo desconto das contribuições no benefício da parte autora no período de 05/2020 a 08/2024 (totalizando um valor aproximado de R$ 2.583,01, conforme extratos ora anexados ao feito), não havendo o que perquirir a este respeito, devendo o montante indicado ser restituído de forma simples, pois a cobrança providenciada restou desprovida de qualquer fundamento, o que fez exsurgir o dolo perpetrado pela parte ao cobrar as quantias que sabia indevidas e a má-fé justificadora da incidência ao caso do art. 42, da Lei nº 8.078/90 e também do art. 940, do Código Civil.Outrossim, denoto que não restou comprovado nem demonstrada por qualquer um dos réus que os valores indevidamente descontados do benefício da parte autora lhe foram ressarcidos de forma voluntária. Além disso, a cobrança decorreu de ato contrário à vontade da parte demandante. Desta maneira, considerando que houve pagamento contra a manifesta vontade da autora, porém não ocorreu cobrança judicial, entendo que a parte demandante tem direito a ver restituído em seu favor integralmente os valores descontados do seu benefício de forma simples, pelo que julgo parcialmente procedente este capítulo do pedido autoral. Indenização por Dano Moral No que concerne ao dano moral, também resta devidamente demonstrado, porquanto é evidente que o aposentado ou pensionista que observa descontos indevidos em seus proventos passa por sentimentos de angústia, frustração, injustiça e raiva muito acima da normalidade. Em geral, o aposentado ou pensionista da autarquia oficial percebe baixos valores mensais e o dinheiro é usado para as primeiras necessidades da vida. Qualquer desfalque indevido, por mais ínfimo que pareça, causa preocupação, angústia e ansiedade acima da normalidade, além de inesperada e apreensiva alteração da rotina, circunstâncias que caracterizam o prejuízo moral. Resta, pois, verificada a violação a direito da personalidade da parte autora por ato ilícito praticado pelos réus, ensejando a responsabilização deste pelos danos morais causados. Assim, passo à fixação de seu valor, o que faço considerando seus fins reparatórios, punitivos e pedagógicos, bem como as circunstâncias do dano e as condições socioeconômicas, psicológicas e a culpabilidade das partes, atentando à proporcionalidade, não levando a uma indenização branda a ponto de frustrar o desestímulo que dela se espera ou ao enriquecimento sem causa da autora. Posto isso, dado o dano e a culpabilidade na forma acima exposta, fixo a indenização pelo dano moral em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), no valor vigente ao tempo da prolação desta sentença. Mas cabe aqui aplicar a responsabilidade subsidiária ao INSS na forma do Tema 183, II, da TNU, cuja tese foi assim fixada: “I - O INSS não tem responsabilidade civil pelos danos patrimoniais ou extrapatrimoniais decorrentes de ‘empréstimo consignado’, concedido mediante fraude, se a instituição financeira credora é a mesma responsável pelo pagamento do benefício previdenciário, nos termos do art. 6º, da Lei n. 10.820/03; II – O INSS pode ser civilmente responsabilizado por danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, se demonstrada negligência, por omissão injustificada no desempenho do dever de fiscalização, se os ‘empréstimos consignados’ forem concedidos, de forma fraudulenta, por instituições financeiras distintas daquelas responsáveis pelo pagamento dos benefícios previdenciários. A responsabilidade do INSS, nessa hipótese, é subsidiária em relação à responsabilidade civil da instituição financeira”. Entendo que esta tese também pode ser adotada no caso do desconto do benefício para pagamento de mensalidades associativas, visto que a autarquia não obtém ganho ou ressarcimento por gerir as informações necessárias para desconto dos pagamentos das mensalidades associativas. Logo, a responsabilidade do INSS deve ser subsidiária: somente deverá ser executado para pagar à parte autora as indenizações, como devedor subsidiário, se não forem pagas totalmente pelos devedores principais, as entidades associativas rés desta demanda. Por fim, consoante já destacado, fica a correquerida obrigada a restituir os valores já descontados a título de repetição do indébito, e a pagar à parte postulante indenização por danos morais no valor arbitrado. Os demais argumentos aventados pelas partes e porventura não abordados de forma expressa na presente sentença deixaram de ser objeto de apreciação por não influenciarem diretamente na resolução da demanda, a teor do quanto disposto no Enunciado nº 10 da ENFAM (“A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa”). 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para: a) declarar a inexistência de vínculo associativo entre a parte autora, JOSE FELICIANO AMARO - CPF 323.587.849-15, e a corré CONAFER - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREENDEDORES FAMILIARES RURAIS – CNPJ 14.815.352/0001-00; b) determinar ao INSS a exclusão dos descontos associativos requeridos pela CONAFER no benefício previdenciário NB 41/139.399.591-5, de titularidade da parte autora; c) condenar a CONAFER, de forma principal, e o INSS, de forma subsidiária: c.1) à restituição simples à parte autora de todos os valores descontados de seu benefício previdenciário NB 41/139.399.591-5 a título de desconto associativo, acrescidos de correção monetária e juros de mora, calculados nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal em vigor ao tempo do trânsito em julgado; e c.2) ao pagamento de valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, corrigidos a partir da data da sentença e juros a partir do primeiro desconto no benefício (maio/2020), tudo nos termos do Manual de Cálculos da Justiça No mais, deixo de oficiar ao Ministério Público Federal, como realizado por este Juízo em decisões anteriores, em razão da associação corré já estar sendo investigada na "Operação Sem Desconto", autorizada pela Justiça Federal, deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União. Sem custas processuais nem honorários advocatícios nesta instância (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95, c/c art. 1º da Lei nº 10.259/01). Havendo interposição de recurso, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo legal e, após, com ou sem apresentação destas, remetam-se os autos à Turma Recursal, com as formalidades de praxe. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Presidente Prudente/SP, data do registro no sistema. Juiz Federal (assinado eletronicamente)
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