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Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL" – Página 220 de 229
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Simone Regina De Souza Kapi…
OAB/SP 205.337
SIMONE REGINA DE SOUZA KAPITANGO A SAMBA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 294648946
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5007756-46.2024.4.03.6100
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MAYSA DE SA PITTONDO DELIGNE
OAB/MG XXXXXX
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THIAGO DE OLIVEIRA CUNHA MIRANDA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 3ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007756-46.2024.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES…
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Processo nº 5001341-13.2022.4.03.6134
ID: 281019057
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Americana
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5001341-13.2022.4.03.6134
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JORGE CRISTIANO LUPPI
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5001341-13.2022.4.03.6134 / 1ª Vara Federal de Americana AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP TESTEMUNHA: GRACIELI CRISTINA MIRANDA, MARIA APARECIDA …
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5001341-13.2022.4.03.6134 / 1ª Vara Federal de Americana AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP TESTEMUNHA: GRACIELI CRISTINA MIRANDA, MARIA APARECIDA BISPO REU: PATRICIA DE PAULA Advogado do(a) REU: JORGE CRISTIANO LUPPI - SP353625 S E N T E N Ç A PATRÍCIA DE PAULA foi denunciada como incursa no artigo 155, § 4º, II e IV, c/c o artigo 14, II, ambos do Código Penal, vez que, segundo consta nos autos, em 04 de junho de 2022, na agência da Caixa Econômica Federal localizada na Avenida Antônio Lobo, 53, em Americana/SP e, de forma livre e consciente e previamente ajustada com pessoa não identificada, tentou subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, consistente em valores existentes nas contas bancárias de clientes da Caixa Econômica Federal, mediante concurso de agentes e emprego de fraude, consistente na instalação de equipamento em um dos caixas eletrônicos existentes na sala de autoatendimento da citada agência, para a retenção de cartões magnéticos visando a posterior realização de saques, apenas não conseguindo seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade, em virtude da atuação da Guarda Civil Municipal de Americana. A denúncia (id. 322824563) foi recebida em 27/05/2024 (id. 326679324). A ré foi devidamente citada e apresentou resposta à acusação por meio de defensor constituído (id. 341610056). Ausentes quaisquer das hipóteses previstas no artigo 397, do Código de Processo Penal, o Juízo determinou o prosseguimento do feito, designando audiência de instrução (ids. 344703360 e 347599075). Realizada audiência de instrução, a acusada foi interrogada (id. 353969146). Memoriais do MPF (id. 355255304) e da defesa (id. 356454543). A acusação pediu a condenação nos termos da denúncia, eis que provados materialidade e autoria. A defesa pugnou pela fixação da pena-base no mínimo legal, além do reconhecimento da tentativa, com a redução da pena em dois terços (art. 14, II, do CP) e da atenuante prevista no art. 65, inciso III, “d”, do CP, com a consequente substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito. Pugnou, ainda, pela fixação do regime aberto para cumprimento da pena e pelo direito de recorrer em liberdade. É o relatório. Passo a decidir. A denúncia imputa à ré a prática do crime previsto no artigo 155, §4º, incisos II e IV, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal. O crime de furto está previsto no artigo 155 do Código Penal, que assim dispõe: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. §3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. [...]” A materialidade e a autoria do delito restaram sobejamente demonstradas por meio das provas coligidas tanto na fase policial quanto em juízo. A materialidade do crime encontra-se suficientemente comprovada pelos documentos constantes dos autos, especialmente pelo Auto de Prisão em Flagrante (id. 252869663), pelo Termo de Apreensão nº 2044834/2022 (id. 252869663 – fls. 01/20), no qual consta a apreensão de “uma embalagem lacrada sob o nº 0239938, contendo uma folha com cabeçalho do Instituto de Criminalística, contendo um petrecho utilizado para a retenção de cartões em caixa eletrônico, 01 adesivo da Caixa, bem como diversos manuscritos”, além de “01 (um) celular Samsung, com adesivo SM-A127M/DS, bloqueado por senha, a qual a conduzida se recusou a fornecer - Lacre nº 0003342”, bem como pelos Laudos Periciais nº 217/2022 e nº 424/2022, ambos emitidos pelo NUTEC/DPF/SOD/SP (id. 265692072 – fls. 21/24 e id. 273174870 – fls. 4/25, respectivamente). No tocante à autoria, esta também se mostra incontroversa. A vítima, em seu depoimento prestado em juízo, relatou de forma coerente e harmônica que, ao utilizar um terminal de autoatendimento da Caixa Econômica Federal, localizado na Avenida Antônio Lobo, nº 53, em Americana/SP, teve seu cartão bancário “retido”. Na tentativa de obter auxílio, entrou em contato com o número constante em adesivo afixado ao terminal, tendo, então, fornecido dados pessoais e bancários, acreditando tratar-se de número oficial da instituição. Após não conseguir reaver seu cartão, acionou a Guarda Civil Municipal e permaneceu na agência. Durante esse tempo, observou a presença da ré no local, que aparentava acompanhar seus movimentos. Com a chegada dos agentes públicos, a acusada tentou evadir-se, sendo detida em seguida. Os guardas constataram, no terminal utilizado pela vítima, a presença de dispositivo fraudulento voltado à retenção de cartões. Os relatos da vítima são amplamente corroborados pelas imagens captadas pelas câmeras de circuito interno de televisão (CFTV) da agência bancária, conforme descrito no Laudo nº 424/2022 (id. 273174870 – fls. 4/25), que confirmam a atuação da ré, em conjunto com terceiro não identificado, na manipulação do terminal eletrônico para a instalação de dispositivo destinado à retenção de cartões, além da afixação de etiqueta com número de telefone falso. Tais elementos indicam que a ré Patrícia participou ativamente da empreitada criminosa, permanecendo no interior da sala de autoatendimento da agência bancária nas proximidades do terminal, em atitude vigilante e suspeita, até o momento da intervenção policial. Ademais, a própria acusada, em juízo, confirmou ter estado na agência da Caixa Econômica Federal com o intuito de praticar o ilícito acompanhada de pessoa não identificada, reforçando os demais elementos de prova quanto à sua responsabilidade penal. Diante do exposto, restam amplamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, não subsistindo dúvidas quanto à prática do crime nos moldes descritos na denúncia. O elemento subjetivo do tipo penal tipificado no art. 155 do CP é o dolo (animus furandi) e o elemento subjetivo especial do tipo consistente na subtração para si ou para outrem de coisa alheia móvel. Há dolo quando o agente quer o resultado criminoso ou assume o risco de produzi-lo. Não pairam dúvidas de que a ré, na companhia de agente não identificado, agiu de forma livre e consciente e quis o resultado criminoso. Com efeito, consoante se extrai do conjunto probatório acima analisado, em especial dos depoimentos da testemunha de acusação, da vítima e da ré, bem assim das imagens captadas pelas câmeras de circuito interno de televisão (CFTV) do estabelecimento bancário, a acusada permaneceu no interior da agência da Caixa Econômica Federal com a finalidade da prática do delito. Sobre a tipicidade, o fato se amolda à tentativa de furto qualificado. O crime de furto se consuma com a efetiva subtração, para si ou para outrem, da coisa alheia móvel. No caso, conforme narrado na peça acusatória, a empreitada criminosa apenas não prosseguiu em razão do acionamento da Guarda Civil Municipal pela vítima. Nesse contexto, a conduta da ré se restringe à esfera da tentativa (art. 14, II, do CP), pois a instalação de equipamentos configura claro início da execução material da conduta delitiva. Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. FURTO QUALIFICADO. ART. 155, §4º, II, DO CP. VIOLAÇÃO DE CAIXA ELETRÔNICO. PERTENCENTE A CEF. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. TENTATIVA. CONFIGURADA. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA ABERTO. NÃO PROVIMENTO DOS APELOS. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados em relação a tentativa de furto qualificado, mediante instalação de equipamentos conhecidos como "pescadores" com o objetivo de subtração de dinheiro depositado em envelopes bancários pelos clientes da CEF. 3. Justificado o reconhecimento de uma valoração negativa quanto a culpabilidade, na forma do artigo 59 do Código Penal, a pena-base pode ser fixada acima do mínimo legal. 4. Regime inicial de cumprimento da pena mantido no aberto. 5. Apelação da defesa desprovida. Apelação do Ministério Público Federal desprovida. (ApCrim 0004277-28.2017.4.03.6181, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/09/2019.) PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO MEDIANTE FRAUDE. "CHUPA-CABRA". AUTORIA E MATERIALIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA. ITER CRIMINIS. INICIADOS OS ATOS EXECUTÓRIOS. AUSENTE IMPUGNAÇÃO, MANTIDA DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. MEDIDA QUE NÃO É SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Materialidade e autoria não impugnados. 2. Não há que se falar na existência apenas de atos preparatórios, pois o início da execução se deu pela instalação do dispositivo eletrônico no caixa eletrônico da Caixa Econômica Federal, conhecido como "chupa-cabra", com a clara intenção de clonagem dos cartões magnéticos, sendo certo que a consumação somente não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do agente, ou seja, porque foram surpreendidos por seguranças do shopping e por policiais militares antes de concluírem referida clonagem. 3. Mantida a dosimetria da pena nos termos da sentença a quo. 4. Regime inicial aberto de cumprimento de pena. 5. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos legais exigidos para tanto, por se tratar de réu reincidente (artigo 44, inciso II, do Código Penal), conforme certidão de fls. 398/399. 6. Não obstante seja possível a substituição da pena corporal para condenados cuja reincidência não seja específica, nos termos do §3º, do artigo 44 do Código Penal, a medida não é socialmente recomendável ao caso, tendo em vista condenação anterior pela prática crime de mesma natureza ao processado nestes autos (crime contra o patrimônio - receptação - art. 180, caput, do CP), bem como posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (Lei nº 10.826/03). 7. Determinada a expedição de carta de sentença para início de execução provisória da pena, conforme entendimento fixado pelo E. STF no HC 126.292-SP reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal". 8. Apelação a que se nega provimento. [...] (Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 70432 0007160-77.2011.4.03.6109, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2017) Por conseguinte, deve ser aplicada à ré, no caso em tela, a causa de diminuição de pena atinente à tentativa. A tentativa é de furto qualificado por uso de fraude e por concurso de duas ou mais pessoas (art. 155, §4º, II e IV, do CP). No tocante à fraude, o equipamento foi instalado de forma dissimulada, possuindo aspecto de disfarce para imitar o acabamento original do terminal. Nessa orientação, já se decidiu no E. TRF3: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO MEDIANTE FRAUDE. "CHUPA-CABRA". AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. CULPABILIDADE AFASTADA. FRAUDE E CONTINUIDADE DELITIVA. PENA DEFINITIVA REDUZIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A materialidade restou evidenciada a contento nos autos, como depreendido do Auto de Prisão em Flagrante Delito, Boletim de Ocorrência, Auto de Exibição e Apreensão, Laudos Periciais, bem como pelo depoimento das vítimas colhidos em sede policial e judicial. 2. A autoria é igualmente inconteste. O acervo probatório é robusto em identificar o apelante como autor da infração em questão. A defesa não trouxe aos autos contraprovas aptas a desconstituir a prova amealhada pela acusação, não havendo credibilidade na versão apresentada em juízo, à míngua de comprovação, nos moldes do artigo 156 do Código de Processo Penal. Ademais, é certa a relação de causalidade entre a conduta do apelante e os resultados obtidos à espécie (furto qualificado mediante fraude, em continuidade delitiva), tendo em vista a violação do sistema eletrônico da CEF por meio de ferramentas e aparelhos próprios para a instalação do chamado "chupa-cabras". 3. Dosimetria da pena. 4. Pena-base reduzida para 04 (quatro) anos de reclusão e o pagamento de 60 (sessenta) dias-multa, porquanto, afastada a circunstância da culpabilidade. 5. Mantida a exasperação da pena em decorrência da continuidade delitiva à razão de 1/6, resultando na pena definitiva de 04 (quatro) anos, 08 (oito) meses e 70 (setenta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal. 6. Fixado o regime semiaberto para início de cumprimento de pena. 7. Penas corporais não substituídas, à vista do não preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 44, §2º do Código Penal. 8. Apelação parcialmente provida. (ApCrim 0009420-33.2011.4.03.6108, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/01/2018.) E, além do emprego de fraude, também se encontra presente a qualificadora do concurso de pessoas (CP, art. 155, § 4º, inciso IV), pois, conquanto não identificada, participou do delito, no caso em tela, além da ré, uma outra pessoa, conforme imagens descritas no Laudo de Perícia Criminal Federal nº 424/2022 - NUTEC/DPF/SOD/SP, que, ao descrever a ação delituosa, identificou a atuação de duas pessoas. Como é cediço, as qualificadoras não ingressam nas fases da dosimetria da pena, eis que alteram a própria pena em abstrato. Por conseguinte, na hipótese de mais de uma qualificadora, a remanescente pode atuar como circunstância legal ou judicial (STJ, HC 37.107-SP, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 01/04/2008, v.u.). Destarte, a qualificadora remanescente, no caso em exame, deve ser considerada como circunstância judicial, na primeira fase da fixação da pena. Não se haveria falar, ademais, em aplicação ao caso do princípio da insignificância. O princípio na insignificância - na esteira dos princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – preceitua que, para além da subsunção formal de determinada conduta humana a um tipo penal, a tipicidade exige a verificação de uma lesão significativa ao bem jurídico protegido. De acordo com a Suprema Corte, para a aplicação do princípio em debate devem estar presentes, concomitantemente, os seguintes vetores: (i) mínima ofensividade da conduta; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 138134, Segunda Turma, julgado em 07/02/2017, PUBLIC 28-03-2017). No caso em tela, não obstante o baixo prejuízo suportado pela empresa pública federal, a reprovabilidade da conduta levada a efeito pela ré não pode ser considerada reduzida. Com efeito, depreende-se das certidões a ré ostenta condenação pela prática dos crimes previstos no art. 17, da Lei n.º 10.826/03 c/c arts. 29, 71 e 288 do Código Penal, o que igualmente conduz a um juízo de maior reprovabilidade do comportamento analisado. Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. FURTO QUALIFICADO MEDIANTE FRAUDE E CONCURSO DE AGENTES. BATERIA DE AUTOMÓVEL AVALIADA EM R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS). ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício. II - In casu, o paciente foi condenado pela subtração de uma bateria de automóvel avaliada em R$ 200,00 (duzentos reais), valor que correspondia a quase um terço do salário mínimo vigente à época do fato (R$ 678,00 em 2013), não podendo ser considerado como ínfimo ou irrisório. III - Ressalvado meu entendimento pessoal, em respeito ao princípio da colegialidade, verifico que também se mostra incompatível com o princípio da insignificância a conduta ora examinada, uma vez que o paciente praticou a ação mediante fraude e em concurso de pessoas, circunstâncias que qualificam o crime de furto e impedem o reconhecimento do mencionado princípio (precedentes). Habeas Corpus não conhecido. (HC - HABEAS CORPUS - 354497 2016.01.07783-3, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:25/08/2016) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. TENTATIVA. ART. 155, § 4°, I E IV, DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL NÃO CONFIGURADO. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A aplicação do princípio da insignificância depende da análise conjunta das circunstâncias em que praticado o delito. No caso, a tentativa de furto foi cometida mediante fraude e em concurso de pessoas, o que afasta a aplicação desse princípio. Precedentes. 2. Afastada a tese de crime impossível porque a conduta dos acusados, tendente à subtração do patrimônio da instituição, traduziu-se em verdadeira etapa da execução do crime de furto planejado. 3. A incidência de duas qualificadoras (mediante fraude e em concurso de pessoas) autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal previsto no § 4º do art. 155 do Código Penal. 4. Redimensionamento, de ofício, da pena de multa, considerando que a sua fixação deve ser proporcional à pena corporal, não podendo, no entanto, ficar abaixo do mínimo legal (CP, art. 49). 5. Mantido o regime aberto para início do cumprimento da pena. 6. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44). 7. Apelações das defesas providas parcialmente. Apelação da acusação não provida. (ApCrim 0010420-69.2010.4.03.6119, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/05/2018.) Destarte, não há que se falar em atipicidade material do caso em apreço. Pelas mesmas razões, revela-se incabível a aplicação do privilégio previsto no §2º do art. 155 do Código Penal (nesse sentido, mutatis mutandis, decidiu o C. STJ: “A partir dessa nova orientação, esta Corte Superior passou, também, a admitir a figura do furto qualificado-privilegiado, desde que haja compatibilidade entre as qualificadoras e o privilégio. Precedentes da Quinta e Sexta Turmas. 3. No caso, entretanto, o crime foi praticado mediante fraude, tendo sido demonstrado maior grau de sofisticação no seu cometimento, para o qual foram utilizadas sacolas revestidas com alumínio com o fim específico de impedir o acionamento do sistema de segurança da loja-vítima, que era disparado pelas tarjas magnéticas contidas nos produtos. Sendo assim, mostra-se incompatível a aplicação do privilégio” - C - HABEAS CORPUS - 131864 2009.00.52196-9, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:17/10/2011). Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido que consta da inicial, para condenar a ré PATRÍCIA DE PAULA como incursa no art. 155, §4º, II e IV, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal. Passo à dosimetria da pena: Primeira fase: culpabilidade evidenciada, não sendo o grau de reprovação da conduta da ré elevado. Houve a normalidade no resultado ao tipo e a equivalência do grau de culpa em casos semelhantes. Não obstante, consoante já explicitado acima, além do emprego de fraude, também se encontra presente a qualificadora do concurso de pessoas (CP, art. 155, § 4º, inciso IV), devendo, então, uma das qualificadoras servir como circunstância judicial em desfavor da ré. Não vislumbro a demonstração de maus antecedentes. Conquanto conste da certidão de id. 358109436 que a ré já possui condenação pela prática do delito do art. 17, da Lei n.º 10.826/03, c/c arts. 29, 71 e 288 do Código Penal, com trânsito em julgado em 18/05/2021, e que, portanto, é reincidente, tal circunstância deve ser observada na segunda fase da dosimetria. Em prosseguimento, não denoto maiores elementos acerca da conduta social da ré; não depreendo elementos desfavoráveis a serem considerados quanto à personalidade; os motivos do crime não são de todo desfavoráveis; as circunstâncias do fato não são desfavoráveis; as consequências extrapenais não foram graves. Logo, exceto no que toca à culpabilidade, não vislumbro, no mais, indicadores outros, consignados no art. 59 do CP, que o desabonem. Portanto, a pena base deve ser fixada acima do piso legal, mas próxima a este. Desta sorte, bem sopesadas as circunstâncias do art. 59 do CP, que são em sua maioria favoráveis à ré, fixo-lhe a pena base em 02 anos e 04 meses de reclusão. Segunda fase: em relação às agravantes, conforme acima já mencionado, constata-se que a ré é reincidente, circunstância prevista no artigo 61, I, do Código Penal. Por outro lado, presente a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, ‘d’, CP). No tocante à atenuante da confissão, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a confissão do acusado, conquanto parcial, meramente voluntária, condicionada, extrajudicial ou posteriormente retratada, enseja a incidência da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea ‘d’, do Código Penal, desde que efetivamente utilizada para o convencimento e convicção do julgador quanto ao acerto da sentença, sendo, pois, expresso fundamento para a condenação (v.g. HC 355.826/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 02/06/2016, DJe 09/06/2016; HC 347.799/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/05/2016, DJe 27/05/2016). Tem-se ainda a recente Súmula 545 do STJ, segundo a qual “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal”. No caso em julgamento, a ré confessou a prática do crime em sede judicial e esta sentença utilizou a confissão como fundamento para o édito condenatório, de modo que a ré realmente faz jus à atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea ‘d’, do Código Penal. Compensando-se a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência (STJ, cf. Tema Repetitivo 585), mantenho pena provisória em 02 anos e 04 meses de reclusão. Terceira fase: inexistem causas de aumento de pena a serem aplicadas. Por outro lado, no entanto, denoto que o crime se deu na forma tentada, causa de diminuição prevista no artigo 14, II, do Código Penal. A agente percorreu apenas parte do iter criminis, de modo que houve certo distanciamento entre a interrupção da execução do delito e a visada consumação deste. Sendo assim, reduzo a pena da fase anterior em 1/2, resultando a pena privativa de liberdade de 01 ano e 02 meses de reclusão, tornando-a definitiva. Torno, então, definitiva a pena privativa de liberdade de 01 ano e 02 meses de reclusão. Considerando ser a ré reincidente e o teor do disposto no art. 33, § 2º, alínea c, do CP, o regime inicial de pena será o semiaberto. Embora haja reincidência, esta não se operou em virtude do mesmo crime, e, nesse passo, ainda, vislumbro ser mais recomendável socialmente, na espécie, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (art. 44, § 3º, do CP), sendo certo que as circunstâncias judiciais não são inteiramente desfavoráveis e a pena não foi fixada em patamar elevado, conforme, mutatis mutandis, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: (...), pois a reincidência não se operou pelo mesmo delito, tratando-se de medida socialmente adequada e razoável, até porque não foram reconhecidas circunstâncias judiciais desfavoráveis e a pena não é elevada. (TJSP; Apelação Criminal 1508079-40.2020.8.26.0050; Relator (a): Marcelo Semer; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda - 16ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 22/01/2025; Data de Registro: 22/01/2025). Por conseguinte, uma vez preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, e em conformidade com o art. 44, § 2º, segunda parte, do mesmo estatuto repressivo, substituo a pena privativa de liberdade aplicada, pela pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, a ser cumprida e definida no local do domicílio da condenada, de acordo com as aptidões desta, em entidade a ser indicada pelo juiz da execução competente, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixada de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, bem assim à restritiva de prestação pecuniária, consistente no pagamento a entidade com destinação social (CP, art. 45, § 1º) do valor de R$ 3.000,00, que ficará, para tanto, à disposição do juízo federal das execuções penais. No que toca à pena de multa, para a fixação dos dias-multa, consoante já decidiu o C. STJ, deve-se levar em consideração apenas o disposto no art. 59 do CP. Destarte, verificando, em conformidade com a fundamentação supra, que as diretrizes do art. 59 do CP são favoráveis à ré, fixo o número de dias-multa no mínimo, em 10 dias-multa. Quanto ao valor do dia-multa, à míngua de maiores elementos acerca da condição financeira da ré, fixo-o em 1/30 do salário mínimo. Deixo de fixar, a teor do disposto no art. 387, IV, do CPP, valor mínimo a título de reparação. Não há pedido inicial nesse sentido. Observo que, consoante corrente jurisprudencial, necessário se faz que haja um pedido inicial (TJSP, Ap. 990.0913308.17, Rel. Desembargador Almeida Sampaio, j. 26/10/2009), e que seja um "... pedido formal apto a propiciar instrução específica (...)" (TJSP, Embargos Infringentes e de Nulidade 0003444-28.2016.8.26.0019, Relator: Euvaldo Chaib, 4ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Americana - 2ª Vara Criminal; j. em 25/08/2020; Data de Registro: 27/08/2020). Tal pleito faz possibilitar, ao longo do processo, o exercício do contraditório e da ampla defesa pelo réu em relação à reparação, não se olvidando que questões e aspectos outros não abordados – que normalmente são questionados em ação própria – poderiam, em princípio, ser suscitados e debatidos. Nesse passo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça trilha no sentido de que "a fixação de valor mínimo para reparação dos danos materiais causados pela infração exige, além de pedido expresso na inicial, a indicação de valor e instrução probatória específica, de modo a possibilitar ao réu o direito de defesa com a comprovação de inexistência de prejuízo a ser reparado ou a indicação de quantum diverso" (AgRg no REsp 1.724.625/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe de 28/06/2018; AgRg no REsp 1844856/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 18/05/2020). Ainda, mutatis mutantis, já se decidiu: “Ademais, apesar de o Ministério Público ter solicitado a indenização às vítimas, o fez somente em sede de alegações finais, quando já finda a instrução processual. Assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa foram feridos, pois não se oportunizou à ré defender-se, de modo a indicar valor diferente, comprovar que inexistiu prejuízo material ou, até mesmo, que este já fora ressarcido às vítimas” (TJ-DF, APR 888854520058070001, Relato: Mario Machado, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 13/01/2010). Além disso, não há, no caso, notícia sobre danos a serem reparados. Após o trânsito em julgado da presente sentença, determino: seja lançado o nome da ré no rol dos culpados; que se oficie ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, para os fins do inciso III, do artigo 15 da Constituição Federal; que sejam cumpridas as disposições do parágrafo 3º do artigo 809 do Código de Processo Penal. Custas ex lege. P.R.I.
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Processo nº 5000042-81.2024.4.03.6311
ID: 319629471
Tribunal: TRF3
Órgão: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5000042-81.2024.4.03.6311
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MAURICIO BALTAZAR DE LIMA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.0…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.03.6311 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: NORMA MARGOT FERNANDES ROQUE Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO BALTAZAR DE LIMA - SP135436-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: MATEUS PEREIRA SOARES - RS60491-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.03.6311 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: NORMA MARGOT FERNANDES ROQUE Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO BALTAZAR DE LIMA - SP135436-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: MATEUS PEREIRA SOARES - RS60491-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que a parte pleiteia a indenização por danos materiais e morais formulado em face da Caixa Econômica Federal por cliente desta, que alega a existência de saques indevidos em sua conta bancária. Prolatada sentença, julgando procedente o pedido. A CEF interpôs, requerendo, em síntese, a reforma da sentença. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.03.6311 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: NORMA MARGOT FERNANDES ROQUE Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO BALTAZAR DE LIMA - SP135436-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: MATEUS PEREIRA SOARES - RS60491-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Dos danos materiais Presente o liame negocial entre as partes, consistente na prestação de serviço de natureza bancária pelo uso de cartão magnético, mister definir, como ponto de partido da presente discussão, a legislação aplicável à espécie – civil ou consumerista –, em especial no que respeita à apuração da responsabilidade civil da ré. Esta questão foi, outrora, objeto de intenso debate jurisprudencial, haja vista que muitos relutavam em atribuir às relações bancárias a natureza de autêntica relação de consumo. Argumentava-se que as instituições financeiras submetiam-se a regramento próprio e, por isso, não eram alcançadas pela legislação consumerista. Este entendimento pode-se dizer superado, desde que editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 297 (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”), bem como decidida pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591/DF, relatada pelo eminente Ministro Eros Grau, oportunidade em que restou afirmado que “as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor”. Prevaleceu, na minha visão, a corrente mais concatenada com o espírito e a letra do Código do Consumidor, cujo art. 3º, § 2º, não exclui, ou melhor, insere as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária dentro do campo de incidência da legislação especial. Sob esta perspectiva, que passa a nortear o presente julgamento, parece-me oportuna, de início, a transcrição do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, atinente à responsabilidade do fornecedor de serviços: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Este preceito legal institui a responsabilidade objetiva do fornecedor. Neste sentido, provada a existência do fato (defeito na prestação do serviço), do dano e do nexo de causalidade entre fato e dano, exsurge a responsabilidade do fornecedor, que dela não se exime se demonstrar que não negligenciou na prestação do serviço. Trata-se de responsabilidade fundada no risco do empreendimento. O fornecedor só não será responsabilizado, nos termos da lei, se provar que o defeito na prestação do serviço inexiste ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. De fato, em tais hipóteses, deixa de existir o nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano experimentado pelo consumidor. Contudo, a prova destas situações constitui ônus exclusivo do fornecedor, por expressa disposição legal. A responsabilidade objetiva do fornecedor não dispensa, contudo, a prova dos elementos geradores do dever de indenizar, isto é, da prestação defeituosa do serviço, do dano e do nexo de causalidade. Importante verificar, nesse passo, de quem é o ônus desta prova. De acordo com tradicional regra de distribuição do ônus da prova, incumbe ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do Código de Processo Civil). Ocorre que a irrestrita aplicação desta regra no âmbito das relações de consumo dificultaria sobremaneira a afirmação em juízo dos direitos do consumidor, seja em razão do elevado custo da prova, seja porque extremamente dificultosa a sua obtenção, situações que trazem à tona a questão da hipossuficiência econômica e técnica do consumidor. Atento a estas dificuldades, o legislador consumerista estabeleceu que constitui direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, inciso VIII). Evidentemente, a hipossuficiência a que faz remissão o preceito legal não pode ser analisada sob o prisma exclusivamente econômico, até porque o Código do Consumidor não constitui diploma de defesa das pessoas economicamente desfavorecidas. Sem excluir este enfoque, certo é que o objeto da legislação especial é atenuar o desequilíbrio ínsito às relações de consumo, nas quais os consumidores, que não detêm o controle dos meios de produção, submetem-se às condições impostas pelos agentes econômicos fornecedores de bens e serviços, em situação de manifesta inferioridade. Neste sentido, a vulnerabilidade do consumidor é, sobretudo, técnica. Kazuo Watanabe, a partir de hipotético conflito entre consumidor e montadora de veículo, discorre que numa relação de consumo “a situação do fabricante é de evidente vantagem, pois somente ele tem pleno conhecimento do projeto, da técnica e do processo utilizado na fabricação do veículo, e por isso está em melhores condições de demonstrar a inocorrência do vício de fabricação. A situação do consumidor é de manifesta vulnerabilidade, independentemente de sua situação econômica. O mesmo acontece, ordinariamente, nas relações de consumo em que a outra parte tem o domínio do conhecimento técnico especializado, em mutação e aperfeiçoamento constantes, como ocorre no setor de informática. Foi precisamente em razão destas situações, enquadradas no conceito amplo de hipossuficiência, que o legislador estabeleceu a inversão do ônus da prova para facilitar a tutela jurisdicional do consumidor” (WATANABE, K. Da defesa do consumidor em Juízo. In: GRINOVER, A. P. et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 713). Este raciocínio aplica-se perfeitamente à prestação de serviço bancário discutida nos autos, em que evidente a hipossuficiência técnica do consumidor frente à diversidade de expedientes utilizados pelas instituições financeiras com o intuito de facilitar a mobilização do crédito, ao complexo sistema de segurança utilizado para o controle das operações financeiras e às possíveis formas de violação desta segurança. Quanto a este último aspecto, não se pode deixar de mencionar que há grupos criminosos especializados na prática de crimes ligados ao sistema bancário, sendo variados e cada vez mais sofisticados os expedientes utilizados na fraude bancária. Necessária, pois, a inversão do ônus da prova no caso em exame, pelo que dispensada a parte autora da prova de que houve fraude no saque de numerário de sua conta. Deve a ré, instituição financeira sólida e de inegável poderio econômico, demonstrar que o seu sistema de segurança não foi violado. No caso em tela, constou da sentença prolatada: “... No caso concreto, os documentos juntados aos autos comprovam que, no dia 12/09/2023, a conta bancária de titularidade da parte autora foi objeto de operações de transferências indevida, através de PIX (ID 311300173). A parte autora formalizou contestação administrativa (ID. 311300190). Em situações semelhantes, entendo que o “dever de adotar mecanismos que obstem operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores enseja a responsabilidade do prestador de serviços, que responderá pelo risco da atividade, pois a instituição financeira precisa se precaver a fim de evitar golpes desta natureza, cada vez mais frequentes no país” (REsp n. 2.015.732/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023). Neste mesmo sentido, se “verificam indícios de fraude, caracterizados pela realização de diversas transações em sequência, em valores altos e em curto espaço de tempo, procedimento que coincide com aquele adotado por estelionatários que visam esvaziar a conta do cliente” (TRF 3ª Região, 2ª Turma, Apelação Cível - 5000355-19.2022.4.03.6115, Relatora Desembargadora Federal Audrey Gasparini, julgado em 23/09/2024, DJEN Data: 25/09/2024). Conforme análise do extrato bancário anexado aos autos, observo que a autora apenas utilizava a conta bancária para transferências pontuais e de valor inferior ao enviado, além de compras de pequena monta. Considero que transferências inesperadas, fora do perfil do consumidor, são indicativas que as instituições financeiras têm a obrigação de adotar um parâmetro mínimo de segurança quando oferecem serviços online, considerando que o conhecimento dessas informações é intrínseco à natureza da atividade bancária. Apenas como exemplo, são conhecidos mecanismos como mensagens de texto para liberação ou confirmação de compras, ligações diretas ou até mesmo negativa de negócios quando a instituição financeira suspeita que seus clientes estão sendo vítimas de golpe. Em verdade, quando se trata de segurança tecnológica bancária, há duas etapas bem definidas. A primeira é de responsabilidade do titular da conta bancária, devendo ser adotadas todas as medidas que estão ao seu alcance para obstar qualquer intento criminoso. A segunda etapa é de responsabilidade da instituição financeira, que tem a incumbência de adotar mecanismos tecnológicos com o fim de evitar a ocorrência de fraudes que causem prejuízos aos seus clientes. Na primeira etapa, a instituição financeira não possui elevada ingerência, pois são diversos os fatores que influenciam na ocorrência da fraude, inclusive métodos de engenharia social, conceituados como técnicas de manipulação que exploram erros humanos para obter informações privadas, acessos ou coisas de valor. Ainda que, de alguma forma, exista algum erro do consumidor referente à primeira etapa, não há que se afastar a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência de falha na segunda etapa, sob pena do colocar o consumidor em situação de excessiva desvantagem perante o fornecedor. Ademais, o rompimento do nexo causal é observado apenas quando há culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro, nos termos do artigo 14, §3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumir. Nesse sentido, reconheço a existência do dano material (dano patrimonial), relativamente ao prejuízo sofrido pela autora, delimitado ao montante definido na inicial. Superada essa questão, passo a analisar o pedido de compensação de danos morais. O STJ já pacificou o entendimento no sentido de que o mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral. Assim, somente deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, de forma anormal e grave, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, atingindo a sua honra subjetiva, bem como nos reflexos causados perante à sociedade, quando atingida a sua honra objetiva. Para o exame do aludido pedido, imprescindível analisar a instituição financeira praticou ato ilícito (arts. 187 e 927 do Código Civil), que se caracteriza pela existência de fato lesivo voluntário causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia; culpa; ocorrência de um dano moral; e nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. No presente caso, é de se reconhecer que a CEF atuou com desídia ao permitir a utilização fraudulenta da conta corrente de titularidade da parte autora, em violação dos deveres de segurança esperados pelos fornecedores de serviços bancários. Ainda, não possibilitou a resolução extrajudicial do litígio, atuando com resistência ao reconhecimento da pretensão autoral e dificultando a solução da controvérsia. Relativamente ao valor da indenização, afora os critérios mencionados para o presente caso concreto, devem ser observados, ainda, os seguintes aspectos: condição social do ofensor e do ofendido; viabilidade econômica do ofensor (neste aspecto, há que se considerar que a indenização não pode ser tão elevada, mas nem tão baixa, que não sirva de efetivo desestímulo à repetição de condutas semelhantes, dado o caráter pedagógico, preventivo e punitivo da medida) e do ofendido (a soma auferida deve minimizar os sentimentos negativos advindos da ofensa sofrida, sem, contudo, gerar o sentimento de que valeu a pena a lesão, sob pena de, então, se verificar o enriquecimento sem causa); grau de culpa; gravidade do dano; e reincidência (não consta dos autos informação neste sentido). Ante os parâmetros acima estabelecidos e as circunstâncias específicas do caso concreto, fixo a compensação, a título de dano moral, em R$ 5.000,00 que se mostra, a meu ver, um patamar razoável, eis que não se trata de condenação irrisória, tampouco exorbitante. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos para: a) CONDENAR a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL a restituir à parte autora os danos materiais de R$ 25.000,00. O valor deverá ser monetariamente corrigido desde o ato ilícito (12/09/2023), e com juros de mora desde a citação, observando-se os índices fixados pelo Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal; d) CONDENAR ambos os réus à compensação por danos morais, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), em partes iguais. Sobre o montante desta condenação incidirão juros de mora desde o evento danoso (12/09/2023), nos termos do art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ, e a correção monetária incidirá desde a data da sentença (data do arbitramento), na forma da Súmula 362 do STJ, observando-se os índices fixados pelo Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal.....” A CEF argui tratar-se de golpe perpetrado por terceiros, aduzindo que foi utilizado pelo dispositivo normalmente utilizado pela parte autora. Cabe aqui destacar que saques, pagamentos de boletos e transferências bancárias de qualquer modalidade só podem ser realizadas de duas formas: 1) com uso de cartão com chip conjugado com senha pessoal e intransferível; 2) com uso de dispositivos eletrônicos pessoais (celular, tablet ou computador) previamente autorizados pelo próprio cliente conjugado com senha pessoal e intransferível. Em outras palavras, a operação bancária só pode ser realizada por indivíduo que possua um elemento concreto (cartão oficial emitido pelo banco ou dispositivo eletrônico pessoal e autorizado pelo cliente) e que tenha conhecimento do elemento imaterial básico para qualquer operação - a senha pessoal e intransferível. Cumpre, ainda, esclarecer como se dão as autorizações para que os dispositivos eletrônicos pessoais (celular, tablet ou computador) sejam utilizados na realização de operações bancárias junto à CEF sem a necessidade de comparecimento pessoal em uma agência bancária: 1) o correntista do banco que já tenha obtido na agência senha para uso do internet banking solicita a inclusão de um dispositivo eletrônico pessoal para realização de operações bancárias; 2) ao solicitar a inclusão, o requerente deve dar um nome qualquer (apelido) para facilitar a identificação do dispositivo; 3) automaticamente, o banco pré-cadastra o novo dispositivo, o qual, contudo, ainda não pode ser utilizado para as operações; 4) o cliente, então, deve autorizar a inclusão do novo dispositivo. Para tanto, o cliente tem duas alternativas: a) comparecer pessoalmente a um terminal eletrônico oficial do banco e, utilizando seu cartão com chip e senha pessoal, selecionar o apelido do novo dispositivo para autorizar seu uso; ou b) utilizando um dispositivo já autorizado, acessar o internet banking, selecionar o apelido do novo dispositivo e então autorizar seu uso com a senha pessoal. Criminosos podem obter os dados pessoais, bancários e senhas da vítima quando esta clica em um malware (link que instala uma espécie de vírus capaz de copiar todas as informações do dispositivo eletrônico infectado, permitindo aos criminosos visualizar dados armazenados e senhas digitadas pelas vítimas); Munidos dos dados pessoais e senhas bancárias obtidos na clonagem do dispositivo eletrônico da vítima, os criminosos solicitam ao banco a inclusão de um novo dispositivo. A partir de um dispositivo clonado o criminoso passa a atuar no sistema do banco como se o cliente fosse e, assim, não está descartada a falha no sistema de segurança do banco que identifica essa fraude. O que está provado nos autos é que, como a parte autora nega ter sido a responsável pelas operações fraudulentas, certamente as movimentações foram efetuadas por terceiros (a partir de outros aparelhos celulares e em IPs não vinculados à parte autora). Apesar da CEF não poder ser responsabilizada pelo crime de terceiros se este não decorreu de falha na prestação de serviços do banco, mas de falta de zelo da vítima, com o uso da senha pessoal e intransferível da vítima, o acesso ao sistema da instituição financeira por intermédio de clonagem de cartão ou de dispositivo eletrônico habilitado, torna essa responsabilização possível. Colacionado extrato bancário da parte autora (doc. 325866794), no qual se verifica utilização regular de PIX mensalmente no valor de R$ 2.800,00, de modo que o montante impugnado – duas transferências PIX que totalizaram R$ 25.000,00, per si, deveria ter alertado a instituição financeira no sentido de que a movimentação poderia ser fraudulenta. A CEF não demonstrou qualquer providência ou cautela para evitar a consumação da fraude, o que já corrobora a sua responsabilidade civil pelos prejuízos à parte autora. Logo, o conjunto probatório produzido nos autos permite concluir que as operações realizadas pelos operadores apresentam características inegavelmente suspeitas, uma vez que, em um curto período de tempo, foram realizadas operações em valores no mínimo suspeitos e totalmente diversas das movimentações realizadas normalmente pela parte autora, conforme extratos colacionados ao processo. Tais operações poderiam ter sido identificadas como suspeitas pelo sistema de segurança do banco. Sendo assim, o defeito do serviço está configurado e consiste na falha de segurança nos procedimentos adotados pelo banco. Do defeito do serviço decorre o prejuízo sofrido pela parte autora, evidenciando-se os demais elementos da responsabilidade civil. Assim, os danos materiais reclamados deverão ser suportados pela parte ré. Correto o posicionamento do Juízo Singular. Dos danos morais Quanto ao pleito de indenização por danos morais, me curvo ao entendimento de que o saque indevido em conta bancária do titular decorre da má prestação do servido do banco ao não oferecer segurança suficiente para impedir esse tipo de dissabor e ver o dinheiro usurpado de sua conta e assim o dissabor experimentado ou o sentimento de impotência decorre dessa falha no serviço e, portanto, geradora de dano moral. Considero, pois, ausente prova em contrário, que a prestação de serviço foi defeituosa, haja vista que a ré não proveu a esperada segurança do sistema bancário, permitindo a do cartão emitido em nome do autor por terceira pessoa, o que ocasionou sua utilização fraudulenta. No tocante ao pedido de indenização por danos morais, entendo necessário, para que o dano seja indenizável, haver perturbação aviltante ou humilhante, gerada pelo ato ilícito da ré, nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, ou seja, situações aptas a produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito. Eis um dos aspectos mais importantes do instituto em tela, a de permitir que os abusos sem mensuração patrimonial possível, que atentem contra a paz interior das pessoas, não restem impunes. Anoto, por sua vez, que é incabível se falar em prova do dano moral, bastando para reconhecê-lo assentar a ocorrência do fato, sendo neste sentido a jurisprudência dominante: “Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil.(...)" REsp 86.271/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ:09/12/1997 ”. Há de se considerar que a indenização pode não ser capaz de, por si só, reparar o desconforto, a sensação desagradável pela qual passou ou passa a pessoa atingida em sua honra ou em sua esfera pessoal de direitos, mas serve para minimizar tal sensação. No tocante à quantificação, é bem verdade que a sua fixação não pode gerar enriquecimento. Porém, não pode ser tão irrisória em relação à ré, sob pena de não cumprir com o papel de inibição e expiação. Por sua vez, não se pode negar que, quando da fixação da indenização por dano moral, o juiz enfrenta sempre um grau de dificuldade, pois a discricionariedade do magistrado é grande, salvo quando a lei fixa desde logo os indicativos pelos quais a decisão deve guiar-se. A jurisprudência tem levado em conta duas funções quando da fixação do valor a ser pago a título de danos morais: satisfação da dor da vítima e dissuasão da ré de praticar a mesma conduta novamente. Neste sentido, LEX n. 236, Apelação Cível, 95.913-4, São Paulo, Rel. Cezar Peluso, p. 171: “O valor por arbitrar a título de reparação moral precisa ser eficaz para atender à sua dupla função jurídica, transparente à necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa (cf., da antiga 2ª Câmara Civil, Apel. 143.413-1, in RTJESP 137/238-240). (...)”. Friso que os tribunais, considerando a riqueza das demandas que lhes são submetidas, tem assentado, dentre outros, os seguintes critérios para a fixação do valor da indenização por danos morais: a) transtorno e o abalo psíquico sofridos pela vítima, b) a sua posição sócio-cultural, c) capacidade financeira do agente causador da lesão, d) o tempo que o agente responsável pela dano manteve a situação ensejadora da responsabilização civil e e) outras circunstâncias particulares do negócio jurídico. No caso em foco, apesar de o banco ser responsabilizado materialmente por falha na segurança em razão de não identificação de movimentação atípica, visto que realizadas com uso de dispositivo normalmente utilizado pela parte autora, há indícios de clonagem do celular, que, de alguma forma, teve participação da parte autora, de modo que apesar da responsabilidade material do banco, não há causalidade na falha do banco para condenação à indenização por dano moral. Ação de terceiro foi a causadora da situação relatada. Existindo a fraude no caso, são a CEF e a parte autora vítimas de terceiros de má-fé, não havendo como responsabilizar a CEF pelo dano moral, visto que a ele não deu causa. Não existindo ato ilícito da ré que tenha causado desconforto subjetivo humilhante, vexatório ou aviltante à parte autora, não há que se falar em dever de reparar dano por não existir dano moral no caso. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da CEF para reformar em parte a sentença e manter a condenar a CEF a pagar a indenização por danos materiais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), devidamente corrigido e julgando improcedente o pedido de indenização por danos morais. A correção monetária é devida desde o vencimento de cada prestação e juros da mora incidem a partir da citação, nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, até a data da publicação do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021. A partir da publicação desta, a correção monetária e os juros da mora incidem exclusivamente pela variação do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente, na forma do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021. Considerando a impossibilidade de cumulação da Selic com taxas de juros e índices de correção monetária, o termo inicial da Selic será 01/01/2022 (Comunicado nº 01/2022 – CECALC). Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios tendo em vista que o art. 55 da Lei nº 9.099/95 prevê que só poderá haver condenação do recorrente vencido. É o voto. E M E N T A RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA CEF. DANOS MATERIAIS. TRANSFERÊNCIA VIA PIX. EXTRATO BANCÁRIO. FALHA DE SEGURANÇA NOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO BANCO. INDÍCIO DE CLONAGEM DO APARELHO NORMALMENTE UTILIZADO PELA PARTE AUTORA. IDENTIFICADAS OPERAÇÕES DESTOANTES DAS TRANSAÇÕES COTIDIANAS DO CORRENTISTA, ESPECIFICAMENTE EM RELAÇÃO AOS VALORES EXORBITANTES. DANOS MORAIS. APESAR DE O BANCO SER RESPONSABILIZADO MATERIALMENTE POR FALHA NA SEGURANÇA EM RAZÃO DE NÃO IDENTIFICAÇÃO DE MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA, HÁ INDÍCIOS DE CLONAGEM DO CELULAR, QUE, DE ALGUMA FORMA, TEVE PARTICIPAÇÃO DA PARTE AUTORA, DE MODO QUE APESAR DA RESPONSABILIDADE MATERIAL DO BANCO, NÃO HÁ CAUSALIDADE NA FALHA DO BANCO PARA CONDENAÇÃO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AÇÃO DE TERCEIROS. INCABÍVEL A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO DA CEF PARCIALMENTE PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma Recursal Cível do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da CEF, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. ALEXANDRE CASSETTARI Juiz Federal
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Processo nº 5000042-81.2024.4.03.6311
ID: 319629496
Tribunal: TRF3
Órgão: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5000042-81.2024.4.03.6311
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MAURICIO BALTAZAR DE LIMA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.0…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.03.6311 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: NORMA MARGOT FERNANDES ROQUE Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO BALTAZAR DE LIMA - SP135436-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: MATEUS PEREIRA SOARES - RS60491-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.03.6311 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: NORMA MARGOT FERNANDES ROQUE Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO BALTAZAR DE LIMA - SP135436-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: MATEUS PEREIRA SOARES - RS60491-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que a parte pleiteia a indenização por danos materiais e morais formulado em face da Caixa Econômica Federal por cliente desta, que alega a existência de saques indevidos em sua conta bancária. Prolatada sentença, julgando procedente o pedido. A CEF interpôs, requerendo, em síntese, a reforma da sentença. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000042-81.2024.4.03.6311 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: NORMA MARGOT FERNANDES ROQUE Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO BALTAZAR DE LIMA - SP135436-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: MATEUS PEREIRA SOARES - RS60491-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Dos danos materiais Presente o liame negocial entre as partes, consistente na prestação de serviço de natureza bancária pelo uso de cartão magnético, mister definir, como ponto de partido da presente discussão, a legislação aplicável à espécie – civil ou consumerista –, em especial no que respeita à apuração da responsabilidade civil da ré. Esta questão foi, outrora, objeto de intenso debate jurisprudencial, haja vista que muitos relutavam em atribuir às relações bancárias a natureza de autêntica relação de consumo. Argumentava-se que as instituições financeiras submetiam-se a regramento próprio e, por isso, não eram alcançadas pela legislação consumerista. Este entendimento pode-se dizer superado, desde que editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 297 (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”), bem como decidida pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591/DF, relatada pelo eminente Ministro Eros Grau, oportunidade em que restou afirmado que “as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor”. Prevaleceu, na minha visão, a corrente mais concatenada com o espírito e a letra do Código do Consumidor, cujo art. 3º, § 2º, não exclui, ou melhor, insere as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária dentro do campo de incidência da legislação especial. Sob esta perspectiva, que passa a nortear o presente julgamento, parece-me oportuna, de início, a transcrição do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, atinente à responsabilidade do fornecedor de serviços: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Este preceito legal institui a responsabilidade objetiva do fornecedor. Neste sentido, provada a existência do fato (defeito na prestação do serviço), do dano e do nexo de causalidade entre fato e dano, exsurge a responsabilidade do fornecedor, que dela não se exime se demonstrar que não negligenciou na prestação do serviço. Trata-se de responsabilidade fundada no risco do empreendimento. O fornecedor só não será responsabilizado, nos termos da lei, se provar que o defeito na prestação do serviço inexiste ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. De fato, em tais hipóteses, deixa de existir o nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano experimentado pelo consumidor. Contudo, a prova destas situações constitui ônus exclusivo do fornecedor, por expressa disposição legal. A responsabilidade objetiva do fornecedor não dispensa, contudo, a prova dos elementos geradores do dever de indenizar, isto é, da prestação defeituosa do serviço, do dano e do nexo de causalidade. Importante verificar, nesse passo, de quem é o ônus desta prova. De acordo com tradicional regra de distribuição do ônus da prova, incumbe ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do Código de Processo Civil). Ocorre que a irrestrita aplicação desta regra no âmbito das relações de consumo dificultaria sobremaneira a afirmação em juízo dos direitos do consumidor, seja em razão do elevado custo da prova, seja porque extremamente dificultosa a sua obtenção, situações que trazem à tona a questão da hipossuficiência econômica e técnica do consumidor. Atento a estas dificuldades, o legislador consumerista estabeleceu que constitui direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, inciso VIII). Evidentemente, a hipossuficiência a que faz remissão o preceito legal não pode ser analisada sob o prisma exclusivamente econômico, até porque o Código do Consumidor não constitui diploma de defesa das pessoas economicamente desfavorecidas. Sem excluir este enfoque, certo é que o objeto da legislação especial é atenuar o desequilíbrio ínsito às relações de consumo, nas quais os consumidores, que não detêm o controle dos meios de produção, submetem-se às condições impostas pelos agentes econômicos fornecedores de bens e serviços, em situação de manifesta inferioridade. Neste sentido, a vulnerabilidade do consumidor é, sobretudo, técnica. Kazuo Watanabe, a partir de hipotético conflito entre consumidor e montadora de veículo, discorre que numa relação de consumo “a situação do fabricante é de evidente vantagem, pois somente ele tem pleno conhecimento do projeto, da técnica e do processo utilizado na fabricação do veículo, e por isso está em melhores condições de demonstrar a inocorrência do vício de fabricação. A situação do consumidor é de manifesta vulnerabilidade, independentemente de sua situação econômica. O mesmo acontece, ordinariamente, nas relações de consumo em que a outra parte tem o domínio do conhecimento técnico especializado, em mutação e aperfeiçoamento constantes, como ocorre no setor de informática. Foi precisamente em razão destas situações, enquadradas no conceito amplo de hipossuficiência, que o legislador estabeleceu a inversão do ônus da prova para facilitar a tutela jurisdicional do consumidor” (WATANABE, K. Da defesa do consumidor em Juízo. In: GRINOVER, A. P. et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 713). Este raciocínio aplica-se perfeitamente à prestação de serviço bancário discutida nos autos, em que evidente a hipossuficiência técnica do consumidor frente à diversidade de expedientes utilizados pelas instituições financeiras com o intuito de facilitar a mobilização do crédito, ao complexo sistema de segurança utilizado para o controle das operações financeiras e às possíveis formas de violação desta segurança. Quanto a este último aspecto, não se pode deixar de mencionar que há grupos criminosos especializados na prática de crimes ligados ao sistema bancário, sendo variados e cada vez mais sofisticados os expedientes utilizados na fraude bancária. Necessária, pois, a inversão do ônus da prova no caso em exame, pelo que dispensada a parte autora da prova de que houve fraude no saque de numerário de sua conta. Deve a ré, instituição financeira sólida e de inegável poderio econômico, demonstrar que o seu sistema de segurança não foi violado. No caso em tela, constou da sentença prolatada: “... No caso concreto, os documentos juntados aos autos comprovam que, no dia 12/09/2023, a conta bancária de titularidade da parte autora foi objeto de operações de transferências indevida, através de PIX (ID 311300173). A parte autora formalizou contestação administrativa (ID. 311300190). Em situações semelhantes, entendo que o “dever de adotar mecanismos que obstem operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores enseja a responsabilidade do prestador de serviços, que responderá pelo risco da atividade, pois a instituição financeira precisa se precaver a fim de evitar golpes desta natureza, cada vez mais frequentes no país” (REsp n. 2.015.732/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023). Neste mesmo sentido, se “verificam indícios de fraude, caracterizados pela realização de diversas transações em sequência, em valores altos e em curto espaço de tempo, procedimento que coincide com aquele adotado por estelionatários que visam esvaziar a conta do cliente” (TRF 3ª Região, 2ª Turma, Apelação Cível - 5000355-19.2022.4.03.6115, Relatora Desembargadora Federal Audrey Gasparini, julgado em 23/09/2024, DJEN Data: 25/09/2024). Conforme análise do extrato bancário anexado aos autos, observo que a autora apenas utilizava a conta bancária para transferências pontuais e de valor inferior ao enviado, além de compras de pequena monta. Considero que transferências inesperadas, fora do perfil do consumidor, são indicativas que as instituições financeiras têm a obrigação de adotar um parâmetro mínimo de segurança quando oferecem serviços online, considerando que o conhecimento dessas informações é intrínseco à natureza da atividade bancária. Apenas como exemplo, são conhecidos mecanismos como mensagens de texto para liberação ou confirmação de compras, ligações diretas ou até mesmo negativa de negócios quando a instituição financeira suspeita que seus clientes estão sendo vítimas de golpe. Em verdade, quando se trata de segurança tecnológica bancária, há duas etapas bem definidas. A primeira é de responsabilidade do titular da conta bancária, devendo ser adotadas todas as medidas que estão ao seu alcance para obstar qualquer intento criminoso. A segunda etapa é de responsabilidade da instituição financeira, que tem a incumbência de adotar mecanismos tecnológicos com o fim de evitar a ocorrência de fraudes que causem prejuízos aos seus clientes. Na primeira etapa, a instituição financeira não possui elevada ingerência, pois são diversos os fatores que influenciam na ocorrência da fraude, inclusive métodos de engenharia social, conceituados como técnicas de manipulação que exploram erros humanos para obter informações privadas, acessos ou coisas de valor. Ainda que, de alguma forma, exista algum erro do consumidor referente à primeira etapa, não há que se afastar a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência de falha na segunda etapa, sob pena do colocar o consumidor em situação de excessiva desvantagem perante o fornecedor. Ademais, o rompimento do nexo causal é observado apenas quando há culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro, nos termos do artigo 14, §3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumir. Nesse sentido, reconheço a existência do dano material (dano patrimonial), relativamente ao prejuízo sofrido pela autora, delimitado ao montante definido na inicial. Superada essa questão, passo a analisar o pedido de compensação de danos morais. O STJ já pacificou o entendimento no sentido de que o mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral. Assim, somente deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, de forma anormal e grave, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, atingindo a sua honra subjetiva, bem como nos reflexos causados perante à sociedade, quando atingida a sua honra objetiva. Para o exame do aludido pedido, imprescindível analisar a instituição financeira praticou ato ilícito (arts. 187 e 927 do Código Civil), que se caracteriza pela existência de fato lesivo voluntário causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia; culpa; ocorrência de um dano moral; e nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. No presente caso, é de se reconhecer que a CEF atuou com desídia ao permitir a utilização fraudulenta da conta corrente de titularidade da parte autora, em violação dos deveres de segurança esperados pelos fornecedores de serviços bancários. Ainda, não possibilitou a resolução extrajudicial do litígio, atuando com resistência ao reconhecimento da pretensão autoral e dificultando a solução da controvérsia. Relativamente ao valor da indenização, afora os critérios mencionados para o presente caso concreto, devem ser observados, ainda, os seguintes aspectos: condição social do ofensor e do ofendido; viabilidade econômica do ofensor (neste aspecto, há que se considerar que a indenização não pode ser tão elevada, mas nem tão baixa, que não sirva de efetivo desestímulo à repetição de condutas semelhantes, dado o caráter pedagógico, preventivo e punitivo da medida) e do ofendido (a soma auferida deve minimizar os sentimentos negativos advindos da ofensa sofrida, sem, contudo, gerar o sentimento de que valeu a pena a lesão, sob pena de, então, se verificar o enriquecimento sem causa); grau de culpa; gravidade do dano; e reincidência (não consta dos autos informação neste sentido). Ante os parâmetros acima estabelecidos e as circunstâncias específicas do caso concreto, fixo a compensação, a título de dano moral, em R$ 5.000,00 que se mostra, a meu ver, um patamar razoável, eis que não se trata de condenação irrisória, tampouco exorbitante. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos para: a) CONDENAR a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL a restituir à parte autora os danos materiais de R$ 25.000,00. O valor deverá ser monetariamente corrigido desde o ato ilícito (12/09/2023), e com juros de mora desde a citação, observando-se os índices fixados pelo Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal; d) CONDENAR ambos os réus à compensação por danos morais, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), em partes iguais. Sobre o montante desta condenação incidirão juros de mora desde o evento danoso (12/09/2023), nos termos do art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ, e a correção monetária incidirá desde a data da sentença (data do arbitramento), na forma da Súmula 362 do STJ, observando-se os índices fixados pelo Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal.....” A CEF argui tratar-se de golpe perpetrado por terceiros, aduzindo que foi utilizado pelo dispositivo normalmente utilizado pela parte autora. Cabe aqui destacar que saques, pagamentos de boletos e transferências bancárias de qualquer modalidade só podem ser realizadas de duas formas: 1) com uso de cartão com chip conjugado com senha pessoal e intransferível; 2) com uso de dispositivos eletrônicos pessoais (celular, tablet ou computador) previamente autorizados pelo próprio cliente conjugado com senha pessoal e intransferível. Em outras palavras, a operação bancária só pode ser realizada por indivíduo que possua um elemento concreto (cartão oficial emitido pelo banco ou dispositivo eletrônico pessoal e autorizado pelo cliente) e que tenha conhecimento do elemento imaterial básico para qualquer operação - a senha pessoal e intransferível. Cumpre, ainda, esclarecer como se dão as autorizações para que os dispositivos eletrônicos pessoais (celular, tablet ou computador) sejam utilizados na realização de operações bancárias junto à CEF sem a necessidade de comparecimento pessoal em uma agência bancária: 1) o correntista do banco que já tenha obtido na agência senha para uso do internet banking solicita a inclusão de um dispositivo eletrônico pessoal para realização de operações bancárias; 2) ao solicitar a inclusão, o requerente deve dar um nome qualquer (apelido) para facilitar a identificação do dispositivo; 3) automaticamente, o banco pré-cadastra o novo dispositivo, o qual, contudo, ainda não pode ser utilizado para as operações; 4) o cliente, então, deve autorizar a inclusão do novo dispositivo. Para tanto, o cliente tem duas alternativas: a) comparecer pessoalmente a um terminal eletrônico oficial do banco e, utilizando seu cartão com chip e senha pessoal, selecionar o apelido do novo dispositivo para autorizar seu uso; ou b) utilizando um dispositivo já autorizado, acessar o internet banking, selecionar o apelido do novo dispositivo e então autorizar seu uso com a senha pessoal. Criminosos podem obter os dados pessoais, bancários e senhas da vítima quando esta clica em um malware (link que instala uma espécie de vírus capaz de copiar todas as informações do dispositivo eletrônico infectado, permitindo aos criminosos visualizar dados armazenados e senhas digitadas pelas vítimas); Munidos dos dados pessoais e senhas bancárias obtidos na clonagem do dispositivo eletrônico da vítima, os criminosos solicitam ao banco a inclusão de um novo dispositivo. A partir de um dispositivo clonado o criminoso passa a atuar no sistema do banco como se o cliente fosse e, assim, não está descartada a falha no sistema de segurança do banco que identifica essa fraude. O que está provado nos autos é que, como a parte autora nega ter sido a responsável pelas operações fraudulentas, certamente as movimentações foram efetuadas por terceiros (a partir de outros aparelhos celulares e em IPs não vinculados à parte autora). Apesar da CEF não poder ser responsabilizada pelo crime de terceiros se este não decorreu de falha na prestação de serviços do banco, mas de falta de zelo da vítima, com o uso da senha pessoal e intransferível da vítima, o acesso ao sistema da instituição financeira por intermédio de clonagem de cartão ou de dispositivo eletrônico habilitado, torna essa responsabilização possível. Colacionado extrato bancário da parte autora (doc. 325866794), no qual se verifica utilização regular de PIX mensalmente no valor de R$ 2.800,00, de modo que o montante impugnado – duas transferências PIX que totalizaram R$ 25.000,00, per si, deveria ter alertado a instituição financeira no sentido de que a movimentação poderia ser fraudulenta. A CEF não demonstrou qualquer providência ou cautela para evitar a consumação da fraude, o que já corrobora a sua responsabilidade civil pelos prejuízos à parte autora. Logo, o conjunto probatório produzido nos autos permite concluir que as operações realizadas pelos operadores apresentam características inegavelmente suspeitas, uma vez que, em um curto período de tempo, foram realizadas operações em valores no mínimo suspeitos e totalmente diversas das movimentações realizadas normalmente pela parte autora, conforme extratos colacionados ao processo. Tais operações poderiam ter sido identificadas como suspeitas pelo sistema de segurança do banco. Sendo assim, o defeito do serviço está configurado e consiste na falha de segurança nos procedimentos adotados pelo banco. Do defeito do serviço decorre o prejuízo sofrido pela parte autora, evidenciando-se os demais elementos da responsabilidade civil. Assim, os danos materiais reclamados deverão ser suportados pela parte ré. Correto o posicionamento do Juízo Singular. Dos danos morais Quanto ao pleito de indenização por danos morais, me curvo ao entendimento de que o saque indevido em conta bancária do titular decorre da má prestação do servido do banco ao não oferecer segurança suficiente para impedir esse tipo de dissabor e ver o dinheiro usurpado de sua conta e assim o dissabor experimentado ou o sentimento de impotência decorre dessa falha no serviço e, portanto, geradora de dano moral. Considero, pois, ausente prova em contrário, que a prestação de serviço foi defeituosa, haja vista que a ré não proveu a esperada segurança do sistema bancário, permitindo a do cartão emitido em nome do autor por terceira pessoa, o que ocasionou sua utilização fraudulenta. No tocante ao pedido de indenização por danos morais, entendo necessário, para que o dano seja indenizável, haver perturbação aviltante ou humilhante, gerada pelo ato ilícito da ré, nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, ou seja, situações aptas a produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito. Eis um dos aspectos mais importantes do instituto em tela, a de permitir que os abusos sem mensuração patrimonial possível, que atentem contra a paz interior das pessoas, não restem impunes. Anoto, por sua vez, que é incabível se falar em prova do dano moral, bastando para reconhecê-lo assentar a ocorrência do fato, sendo neste sentido a jurisprudência dominante: “Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil.(...)" REsp 86.271/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ:09/12/1997 ”. Há de se considerar que a indenização pode não ser capaz de, por si só, reparar o desconforto, a sensação desagradável pela qual passou ou passa a pessoa atingida em sua honra ou em sua esfera pessoal de direitos, mas serve para minimizar tal sensação. No tocante à quantificação, é bem verdade que a sua fixação não pode gerar enriquecimento. Porém, não pode ser tão irrisória em relação à ré, sob pena de não cumprir com o papel de inibição e expiação. Por sua vez, não se pode negar que, quando da fixação da indenização por dano moral, o juiz enfrenta sempre um grau de dificuldade, pois a discricionariedade do magistrado é grande, salvo quando a lei fixa desde logo os indicativos pelos quais a decisão deve guiar-se. A jurisprudência tem levado em conta duas funções quando da fixação do valor a ser pago a título de danos morais: satisfação da dor da vítima e dissuasão da ré de praticar a mesma conduta novamente. Neste sentido, LEX n. 236, Apelação Cível, 95.913-4, São Paulo, Rel. Cezar Peluso, p. 171: “O valor por arbitrar a título de reparação moral precisa ser eficaz para atender à sua dupla função jurídica, transparente à necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa (cf., da antiga 2ª Câmara Civil, Apel. 143.413-1, in RTJESP 137/238-240). (...)”. Friso que os tribunais, considerando a riqueza das demandas que lhes são submetidas, tem assentado, dentre outros, os seguintes critérios para a fixação do valor da indenização por danos morais: a) transtorno e o abalo psíquico sofridos pela vítima, b) a sua posição sócio-cultural, c) capacidade financeira do agente causador da lesão, d) o tempo que o agente responsável pela dano manteve a situação ensejadora da responsabilização civil e e) outras circunstâncias particulares do negócio jurídico. No caso em foco, apesar de o banco ser responsabilizado materialmente por falha na segurança em razão de não identificação de movimentação atípica, visto que realizadas com uso de dispositivo normalmente utilizado pela parte autora, há indícios de clonagem do celular, que, de alguma forma, teve participação da parte autora, de modo que apesar da responsabilidade material do banco, não há causalidade na falha do banco para condenação à indenização por dano moral. Ação de terceiro foi a causadora da situação relatada. Existindo a fraude no caso, são a CEF e a parte autora vítimas de terceiros de má-fé, não havendo como responsabilizar a CEF pelo dano moral, visto que a ele não deu causa. Não existindo ato ilícito da ré que tenha causado desconforto subjetivo humilhante, vexatório ou aviltante à parte autora, não há que se falar em dever de reparar dano por não existir dano moral no caso. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da CEF para reformar em parte a sentença e manter a condenar a CEF a pagar a indenização por danos materiais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), devidamente corrigido e julgando improcedente o pedido de indenização por danos morais. A correção monetária é devida desde o vencimento de cada prestação e juros da mora incidem a partir da citação, nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, até a data da publicação do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021. A partir da publicação desta, a correção monetária e os juros da mora incidem exclusivamente pela variação do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente, na forma do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021. Considerando a impossibilidade de cumulação da Selic com taxas de juros e índices de correção monetária, o termo inicial da Selic será 01/01/2022 (Comunicado nº 01/2022 – CECALC). Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios tendo em vista que o art. 55 da Lei nº 9.099/95 prevê que só poderá haver condenação do recorrente vencido. É o voto. E M E N T A RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA CEF. DANOS MATERIAIS. TRANSFERÊNCIA VIA PIX. EXTRATO BANCÁRIO. FALHA DE SEGURANÇA NOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO BANCO. INDÍCIO DE CLONAGEM DO APARELHO NORMALMENTE UTILIZADO PELA PARTE AUTORA. IDENTIFICADAS OPERAÇÕES DESTOANTES DAS TRANSAÇÕES COTIDIANAS DO CORRENTISTA, ESPECIFICAMENTE EM RELAÇÃO AOS VALORES EXORBITANTES. DANOS MORAIS. APESAR DE O BANCO SER RESPONSABILIZADO MATERIALMENTE POR FALHA NA SEGURANÇA EM RAZÃO DE NÃO IDENTIFICAÇÃO DE MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA, HÁ INDÍCIOS DE CLONAGEM DO CELULAR, QUE, DE ALGUMA FORMA, TEVE PARTICIPAÇÃO DA PARTE AUTORA, DE MODO QUE APESAR DA RESPONSABILIDADE MATERIAL DO BANCO, NÃO HÁ CAUSALIDADE NA FALHA DO BANCO PARA CONDENAÇÃO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AÇÃO DE TERCEIROS. INCABÍVEL A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO DA CEF PARCIALMENTE PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma Recursal Cível do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da CEF, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. ALEXANDRE CASSETTARI Juiz Federal
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ID: 308474716
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. Vice Presidência
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5004740-09.2023.4.03.6104
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELLISON ANDRADE DOS SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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MAURICIO ALMEIDA DE ALBUQUERQUE
OAB/SP XXXXXX
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HELOISA CRISTINA DE MOURA DE BEM
OAB/SP XXXXXX
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JOAO CARLOS PEREIRA FILHO
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Vice Presidência APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004740-09.2023.4.03.6104 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Vice Presidência APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004740-09.2023.4.03.6104 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ANDRE BATISTA, LYNNECKER NUNES SOUZA DA COSTA, RICHARD JESUS DO NASCIMENTO, VITOR AFONSO DA SILVA AMPARO ALVES Advogado do(a) APELANTE: JOAO CARLOS PEREIRA FILHO - SP249729-A Advogado do(a) APELANTE: HELOISA CRISTINA DE MOURA DE BEM - SP432938-A Advogados do(a) APELANTE: ELLISON ANDRADE DOS SANTOS - SP289715-A, MAURICIO ALMEIDA DE ALBUQUERQUE - SP400743-A APELADO: ANDRE BATISTA, LYNNECKER NUNES SOUZA DA COSTA, RICHARD JESUS DO NASCIMENTO, VITOR AFONSO DA SILVA AMPARO ALVES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: JOAO CARLOS PEREIRA FILHO - SP249729-A Advogados do(a) APELADO: ELLISON ANDRADE DOS SANTOS - SP289715-A, MAURICIO ALMEIDA DE ALBUQUERQUE - SP400743-A Advogado do(a) APELADO: HELOISA CRISTINA DE MOURA DE BEM - SP432938-A OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Trata-se de RECURSOS ESPECIAIS interpostos por RICHARD JESUS DO NASCIMENTO e por LYNNECKER NUNES SOUZA DA COSTA contra o v. acórdão proferido pela Quinta Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3R), assim ementado: Ementa. DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO. BUSCA VEICULAR. DIREITO AO SILÊNCIO. ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. TRANSNACIONALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO. RECURSO DA ACUSAÇÃO NÃO PROVIDO. RECURSOS DA DEFESA PROVIDOS EM PARTE. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal, pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelas defesas dos acusados em face da sentença que, julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou os réus pela prática do crime do art. 33, caput, c/c o 40, inc. I, da Lei 11.343/2006, e os absolveu da imputação do crime do art. 35 da Lei 11.343/2006, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. O MPF requer: (i) a condenação dos acusados pela prática do crime do art. 35 da Lei 11.343/2006; (ii) a aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, inc. III, da Lei 11.343/2006 na dosimetria do delito de tráfico transnacional de drogas. 3. A defesa de RICHARD JESUS DO NASCIMENTO sustenta, preliminarmente, o reconhecimento de duas nulidades: (i) da busca feita no caminhão; (ii) da abordagem realizada pela guarda portuária, tendo em vista o desrespeito ao direito ao silêncio. No mérito, requer: (iii) a absolvição da imputação do crime do art. 33, caput, c/c o art. 40, inc. I, da Lei 11.343/2006, tendo em vista a ausência de dolo ou a caracterização da inexigibilidade de conduta diversa; (iv) o redimensionamento da pena-base; (v) a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006; (vi) a incidência da causa de diminuição de pena do art. 14, inc. II, do Código Penal; (vii) a incidência da atenuante da confissão espontânea; (viii) o refazimento da dosimetria, evitando o “bis in idem” causado pela utilização da quantidade de droga para negar a aplicação do tráfico privilegiado e, ao mesmo tempo, aumentar a pena-base. 4. A defesa de VITOR AFONSO DA SILVA AMPARO ALVES requer: (i) o redimensionamento da pena-base; (ii) a fixação do regime inicial semiaberto. 5. A defesa de LINNECKER NUNES SOUZA DA COSTA (ID 304910281) requer: (i) a diminuição da pena-base; (ii) o afastamento da circunstância agravante da reincidência; (iii) a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006; (iv) a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 41 da Lei 11.343/2006. 6. A defesa de ANDRÉ BATISTA (ID 306942584) alega, preliminarmente: (i) a ilegalidade da abordagem realizada pela Guarda Portuária; (ii) a nulidade da busca realizada pela Guarda Portuária no caminhão; (iii) a diminuição da pena-base; (iv) a aplicação da atenuante da confissão espontânea; (v) afastamento da causa de aumento de pena do art. 40, inc. I, da Lei 11.343/2006; (vi) a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006; (vii) a fixação do regime inicial semiaberto para cumprimento de pena. III. RAZÕES DE DECIDIR 7. Quanto à preliminar de nulidade da busca veicular, verifica-se que a guarda portuária agiu nos exatos termos de sua atribuição, conforme previsões legais. 8. A revista restou respaldada em fundadas suspeitas, uma vez que a atitude do motorista na condução do caminhão levantou suspeitas tanto em relação à carga transportada, quanto à presença de outras pessoas escondidas no veículo. 9. A falta de informação ao direito ao silêncio em entrevistas de caráter informal, durante o flagrante, constitui nulidade relativa e, como tal, depende de alegação oportuna e demonstração de efetivo prejuízo, não constatados na espécie. 10. Apesar de evidente a participação dos réus no crime de tráfico transnacional de drogas, o que inclusive foi confessado por parte deles, considero que os demais elementos de prova carreados aos autos não demonstram, com clareza, a intenção dos agentes de associarem-se com estabilidade e permanência para a prática delitiva do crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006. 11. Materialidade, autoria e dolo do crime de tráfico devidamente comprovados nos autos. 12. Não incide, no caso, a majorante do art. 40, III, da Lei 11.343/06, pois sua incidência exige a demonstração de que o agente visava à disseminação do entorpecente no ambiente de trabalho coletivo. 13. No caso, restou demonstrado que a ação delitiva visava o embarque das drogas para exportação, e não a sua disseminação naquele ambiente de trabalho coletivo. 14. Quanto aos motivos do crime (lucro fácil), relacionam-se a uma característica inerente ao próprio tipo penal de tráfico, razão pela qual não se justifica a elevação da pena-base. 15. A confissão extrajudicial foi inegavelmente utilizada como elemento de convicção para a condenação, de modo que incide, no caso, a atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal. 16. A transnacionalidade do delito foi comprovada pela origem e destino da droga, a qual possivelmente seria enviada ao exterior por meio de navios, haja vista o contexto do flagrante. 17. O modo de operação organizado indica não se tratar de simples “mula” do tráfico, pois os elementos de prova demonstram que os acusados integravam, de alguma forma, a organização criminosa, destacando-se o importante auxílio por ele prestado ao tráfico transnacional de drogas. 18. Para a aplicação da causa de diminuição decorrente da “colaboração voluntária”, faz-se necessário que as informações prestadas revertam na efetiva identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, devendo constar dos autos elementos concretos no que se refere à localização dos integrantes de uma quadrilha, grupo ou organização criminosa. Na hipótese, as declarações do acusado se resumiram a detalhes de sua participação e dos demais corréus. IV. DISPOSITIVO E TESE 19. Recurso de apelação da acusação não provido. Recurso das defesas providos em parte. Tese de julgamento: mantida a condenação dos acusados pela prática do artigo 33 da Lei 11.343/06. Não há elementos para condenar os acusados pela prática do delito do artigo 35 da Lei 11.343/06. Não incide a causa de aumento do artigo 40, III, da citada lei. _________ Dispositivos relevantes citados: art. 65, III, ‘d’, do Código Penal; arts. 6º e 9º, §2º, inciso XVI, da Lei 13.675/18; arts. 240, § 2º e 244, do CPP; arts. 28, 33, 35 e 40, I e III, da Lei 11.343/06; Jurisprudência relevante citada: STJ: Súmula 607; AgRg no HC n. 855.675/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 10/10/2023; AgRg no AREsp 1640414/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020. TRF-3: ApCrim 5000283-45.2020.4.03.6004. Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, TRF3 - 5ª Turma, DEJN DATA: 16/11/2021; ApCrim n. 5000697-09.2022.4.03.6122, Rel. Des. Fed. ANDRE NEKATSCHALOW, j. em 25/10/2024. Do recurso especial de RICHARD JESUS DO NASCIMENTO (artigo 105, III, a, da Constituição Federal) Nas razões de recurso alega-se, em apertada síntese, (1) negativa de vigência aos artigos 144, 157 e 244 do Código de Processo Penal, pois a busca pessoal se deu sem autorização e sem ciência prévia do estado de flagrância; ...em se tratando de abordagem por Guardas Portuários, sequer se pode argumentar que o poder de polícia administrativo supriria a ausência de mandado, na medida em que os guardas estariam em usurpação à atividade policial...; (2) violação ao artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, pela não comprovação da existência de organização criminosa; (3) negativa de vigência ao artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, pois o recorrente é primário, possui bons antecedentes e não integra organização criminosa, devendo ter a pena diminuída em seu grau máximo e o regime prisional abrandado para o aberto (ID 316477765). Contrarrazões pela inadmissão do recurso (ID 328350253). DECIDO Presentes os pressupostos genéricos de admissibilidade (ID 318721666). Primeiramente, não conheço o recurso especial quanto à aventada violação ao artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, por se tratar de matéria estranha aos autos, considerando que RICHARD JESUS DO NASCIMENTO foi condenado pelo crime do artigo 33 c/c artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006 (ID 314044109). A Quinta Turma dessa Corte, soberana na análise das questões fático-processuais, após detido estudo do caso concreto, afastou a nulidade da busca realizada pela guarda portuária e concluiu que o conjunto probatório demonstra com suficiência que o recorrente praticou o crime do artigo 33 c/c artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006, confirmando a sua condenação: ...1.2 - Nulidade da busca veicular: Preliminarmente, as defesas de RICHARD e de ANDRÉ sustentam a nulidade das provas oriundas da busca veicular realizada pela guarda portuária, sob o argumento de que tal órgão não possui atribuição para tal ato. É tese que não merece acolhimento. A Lei n. 13.675/18 instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), “com a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade”. Entre seus integrantes estratégicos, a citada lei, em seu artigo 9º, §2º, inciso XVI, elenca expressamente a guarda portuária. Entre os objetivos da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, o artigo 6º da lei destaca: I - fomentar a integração em ações estratégicas e operacionais, em atividades de inteligência de segurança pública e em gerenciamento de crises e incidentes; II - apoiar as ações de manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas, do patrimônio, do meio ambiente e de bens e direitos; É exatamente este o trabalho desempenhado pela guarda portuária que, mais especificamente em situações como as dos autos, tem especial permissão legal para agir, em decorrência do Decreto nº 87.230/1982, que em seu artigo 8º, II, prevê: Art 8º Em caso de sinistro, acidente, crime, contravenção penal ou ocorrência anormal, a Guarda Portuária adotará a seguintes providências, quando da ausência da autoridade competente: II - Prender em flagrante os autores dos crimes ou contravenções penais e apreender os instrumentos e objetos que tiverem relação com o fato, entregando-os à autoridade policial competente; Logo, no caso dos autos, verifica-se que a guarda portuária agiu nos exatos termos de sua atribuição, conforme previsões legais. Tampouco procedem as alegações de falta de fundada suspeita para a realização da citada busca veicular. Dispõem os arts. 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal: ... No caso dos autos, os guardas portuários Anderson Luiz Rodrigues Ribeiro e Diego de Oliveira Fernandes afirmaram à autoridade policial (ID 290658590, p. 4 e 6) que, no dia dos fatos, estavam em ronda, quando foram acionados pelo monitoramento da guarda, solicitando apoio ao terminal já que um caminhão teria agido de forma suspeita. Foram informados sobre a localização do veículo e que a suspeita recaía sobre o caminhão devido ao fato de estarem passando muito rápido pelo scanner. A partir disso, realizaram a abordagem do veículo, tendo solicitado que o motorista ANDRÉ descesse do caminhão. Em juízo, a testemunha Anderson Luiz Rodrigues Ribeiro acrescentou (ID 290659192 e 290659193) ter recebido chamado solicitando apoio da guarda portuária em razão da possível presença de outros indivíduos no interior da cabine de um caminhão. Após o caminhão passar pelo aparelho de scanner, deu ordem para o motorista parar, descer do caminhão e deixar a porta do veículo aberta. Questionou o motorista se havia outras pessoas no interior da cabine, o que foi inicialmente negado. Ao acessar a cabine do caminhão, após abrir uma cortina improvisada, avistou um dos acusados, momento em que emitiu uma ordem para que todos os indivíduos presentes no veículo descessem. Foi perguntado aos indivíduos se havia algo de ilícito no caminhão, oportunidade na qual responderam que havia drogas no interior do veículo, informando a natureza e quantidade da droga. Foi o responsável pela busca e localização da droga no caminhão, que estava acondicionada em 4 (quatro) malas de viagem de cor preta. Também foram apreendidos lacres, além de 1 (um) celular e 1 (um) power bank, que seria utilizado como rastreador em uma das malas, segundo relatado ao depoente por um dos flagranteados. Dessa forma, a revista restou respaldada em fundadas suspeitas, uma vez que a atitude do motorista na condução do caminhão levantou suspeitas tanto em relação à carga transportada, quanto à presença de outras pessoas escondidas no veículo. Ressalta-se que a inspeção rotineira e preventiva de segurança em veículos de transporte pela guarda portuária tem natureza administrativa e prescinde da presença de indícios sugestivos de conduta ilícita para sua realização. Logo, os guardas encontravam-se no regular exercício de suas atividades institucionais, inexistindo qualquer ilegalidade na abordagem. O parecer do Exmo. Procurador Regional da República explica, minuciosamente, por que foi lícita a abordagem realizada pela guarda portuária ao veículo em que se encontravam os réus:... (ID 314044109) Em relação à causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, a Quinta Turma assim dispôs: ...Não merece guarida o pleito da defesa de RICHARD quanto à incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Afinal, as provas dos autos demonstram, de forma clara, que não se trata, o acusado, de simples “mula” do tráfico, tendo ele participado, ao lado dos demais acusados, de organização criminosa voltada à prática do tráfico de drogas internacional. Por oportuno, cabe refutar a tese de “bis in idem” levantada pela defesa do acusado, segundo a qual a quantidade de droga apreendida teria servido como fundamento para a elevação da pena-base, bem como para negar ao acusado a redução de pena decorrente do denominado tráfico privilegiado. Como bem se observa da sentença, a não aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei de Drogas, se deu pois as condutas se concretizaram “em ação orquestrada e executada pelos acusados junto com terceiros não identificados, em ações próprias às desenvolvidas por organizações criminosas”... (ID 314044109) E as teses apresentadas pelo recorrente estão indubitavelmente adstritas ao reexame do conjunto probatório, o que é vedado em sede de recurso especial pela Súmula 7 do STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. (STJ - Súmula 7, Corte Especial, julgado em 28/6/1990, DJ de 3/7/1990, p. 6478) No ponto: STJ – AgRg no AREsp n. 2.423.220/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 19/12/2023; AgRg no AgRg no REsp n. 2.067.937/PB, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023; AgRg no AREsp n. 2.471.304/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/12/2023, DJe de 11/12/2023. Ademais, considerando que a dosimetria está atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, qualquer incursão nessa seara também é inviável em sede de recurso especial por força da Súmula 7 do STJ. Nesse sentido: STJ - AgRg no AREsp n. 1.955.976/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024; AgRg no HC n. 879.108/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024; AgRg no AREsp n. 2.169.349/GO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023; AgRg no AREsp n. 2.154.006/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023. Ante o exposto, não admito o recurso especial de RICHARD JESUS DO NASCIMENTO. Do recurso especial de LYNNECKER NUNES SOUZA DA COSTA (artigo 105, III, a, da Constituição Federal) Nas razões de recurso alega-se, em apertada síntese, negativa de vigência ao artigo 59 do Código Penal, pois a fixação da pena-base acima do mínimo legal, devido à natureza/quantidade da droga apreendida, é desproporcional e ilegal (ID 318356430). Contrarrazões pela inadmissão do recurso (ID 328351100). DECIDO Presentes os pressupostos genéricos de admissibilidade (ID 318721666). A Quinta Turma dessa Corte, soberana na análise das questões fático-processuais, reformou a pena-base aplicada ao recorrente pelo crime do artigo 33 c/c artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006: ...3.2 - LYNNECKER NUNES SOUZA DA COSTA: A pena-base imposta ao acusado, na primeira fase da dosimetria, restou fixada em 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, além de 833 (oitocentos e trinta e três) dias-multa. Foram valorados negativamente tanto a quantidade de droga apreendida, quanto a motivação do delito, que no entender do juízo “a quo” visava a obtenção de “lucro fácil”. Como já explicitado, diversamente do quanto decidido, entendo que os motivos do crime relacionam-se a característica inerente ao próprio tipo penal de tráfico, razão pela qual não se justifica a elevação da pena-base. Deve prevalecer, tal como pleiteia a defesa do acusado, apenas a circunstância relativa à quantidade e natureza da droga apreendida. Assim, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/06, reduz-se a pena-base para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, além de 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa... (ID 314044109) E considerando que a dosimetria está atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, qualquer incursão nessa seara é inviável em sede de recurso especial por força da Súmula 7 do STJ. Nesse sentido: STJ - AgRg no AREsp n. 1.955.976/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024; AgRg no HC n. 879.108/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024; AgRg no AREsp n. 2.169.349/GO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023; AgRg no AREsp n. 2.154.006/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023. Acrescente-se que o julgado se encontra em perfeita consonância com o entendimento da Corte Superior sobre o tema, incidindo também aqui o óbice da Súmula 83 do STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. (STJ - Súmula 83, Corte Especial, julgado em 18/6/1993, DJ de 2/7/1993, p. 13283) A saber: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. QUANTIDADE E VARIEDADE DAS DROGAS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔEA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. SÚMULA 284/STF. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 33, §4º, DA LEI N. 11.343/06. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 2. No crime de tráfico ilícito de entorpecentes, é indispensável atentar para o que disciplina o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Na hipótese em análise, a quantidade e a variedade das drogas apreendidas (19,47g de maconha, 4,76g de cocaína e 50g de crack), sendo duas de natureza altamente deletéria (cocaína e crack), justificam a majoração da pena-base, por extrapolar o tipo penal, devendo ser mantido tal fundamento. 3. Em relação à alegada ausência de fundamentação para a negativação das circunstâncias do crime, verifica-se que a parte agravante limitou-se a afirmar que fosse neutralizada tal vetorial, sem desenvolver argumentos para demonstrar de que forma houve ilegalidade pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula n. 284/STF. 4. A questão acerca da incidência do benefício do tráfico privilegiado, tendo em vista a extinção da pretensão punitiva em relação ao processo utilizado para negar a aplicação da minorante do § 4° do art. 33 da lei 11.343/06, não foi objeto de debate pela instância ordinária, mesmo com a apresentação de embargos de declaração, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento. Incidem ao caso as Súmulas n. 211/STJ e 282/STF. 5. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp n. 2.876.106/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/6/2025, DJEN de 10/6/2025) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. APLICAÇÃO EM PATAMAR DIFERENTE DO MÁXIMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a quantidade e a natureza do entorpecente apreendido podem servir de fundamento para a majoração da pena-base ou para a modulação da fração da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, desde que, nesse último caso, não tenha sido utilizada na primeira fase dosimétrica. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp n. 2.899.517/GO, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 3/6/2025, DJEN de 9/6/2025) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. FUNDADAS RAZÕES. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PROPORCIONALIDADE. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI N. 11.343/2006 QUE SE MOSTRA DEVIDA. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. REINCIDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. No que se refere às alegações do recorrente de que houve violação aos arts. 33 da Lei n. 11.343/2006 e 386, VII, do Código de Processo Penal, por ausência de dolo na sua conduta, tal capítulo do recurso não trata da revaloração da prova já considerada pelas instâncias ordinárias, mas sim do reexame da matéria, ao buscar que se revolva o contexto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ. 2. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. 3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS. 4. No caso, consta que os policiais receberam informações anônimas de que o réu estava praticando tráfico de drogas e que realizava o transporte do entorpecente em veículos. Diante disso, passaram a monitorar o local e, em campana - segundo consta, gravada em áudio e vídeo -, observaram ambos fazendo escavações com uma pá para retirar um tonel de drogas, e que os réus empreenderam fuga repentinamente da polícia ao avistar a guarnição. 5. Portanto, verifica-se, pelas circunstâncias acima destacadas, que, antes mesmo de ingressar no imóvel, os agentes estatais puderam angariar elementos suficientes o bastante - externalizados em atos concretos - de que, naquele lugar, estaria havendo a prática de crime, tudo a demonstrar que estava presente o elemento "fundadas razões", a autorizar o ingresso no domicílio. 6. Uma vez que foram apontados argumentos concretos e idôneos dos autos para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, com fundamento na natureza e na quantidade de drogas, - em consonância, aliás, com o disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/2006 -, não há como esta Corte simplesmente se imiscuir no juízo de proporcionalidade feito pela instância de origem para, a pretexto de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, reduzir a reprimenda-base estabelecida ao acusado. 7. O Superior Tribunal possui o entendimento de que, "Para a incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei n.º 11.343/2006 é desnecessária a efetiva comprovação de mercancia nos referidos locais, sendo suficiente que a prática ilícita tenha ocorrido em locais próximos, ou seja, nas imediações de tais estabelecimentos, diante da exposição de pessoas ao risco inerente à atividade criminosa da narcotraficância. [...]" (HC n. 407.487/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., D Je 15/12/2017). 8. A Corte de origem decidiu em consonância com o entendimento firmado pela jurisprudência e doutrina dominantes no sentido de que a majorante descrita no inciso III do art. 40 tem caráter precipuamente objetivo. Não é, pois, em regra, necessário que se comprove a efetiva mercancia nos locais elencados na lei, tampouco que a substância entorpecente objetivasse atingir diretamente os estudantes. 9. A condenação não se baseou apenas no argumento de que o recorrente se dedica a atividades criminosas, mas, principalmente, em sua reincidência, que não foi refutada em âmbito recursal, de modo que não se encontra presente o requisito relativo à primariedade previsto no art. 33, §4º. da Lei n. 11.343/2006. Apenas o corréu, e não o recorrente, era primário. 10. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp n. 2.174.494/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 21/5/2025, DJEN de 26/5/2025) Ante o exposto, não admito o recurso especial de LYNNECKER NUNES SOUZA DA COSTA. Intime-se. São Paulo, 24 de junho de 2025.
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Processo nº 5010893-13.2023.4.03.6119
ID: 325509839
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 17 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5010893-13.2023.4.03.6119
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS RODOLFO ARAUJO SA
OAB/SP XXXXXX
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FABIO AUGUSTO RIBEIRO ABY AZAR
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010893-13.2023.4.03.6119 RELATOR: Gab. 17 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA APELANTE: FREDY ANGULO CORTE…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010893-13.2023.4.03.6119 RELATOR: Gab. 17 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA APELANTE: FREDY ANGULO CORTES Advogados do(a) APELANTE: FABIO AUGUSTO RIBEIRO ABY AZAR - SP405864-A, MARCOS RODOLFO ARAUJO SA - SP409909-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010893-13.2023.4.03.6119 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO APELANTE: FREDY ANGULO CORTES Advogados do(a) APELANTE: FABIO AUGUSTO RIBEIRO ABY AZAR - SP405864-A, MARCOS RODOLFO ARAUJO SA - SP409909-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Fredy Angulo Cortes em face da sentença (id. 290853308) que o condenou às penas de 4 (quatro) anos 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, cada um fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei n. 11.343/2006. Em suas razões recursais (id. 290853435), a defesa requer a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, em seu grau máximo de 2/3. Com as contrarrazões (id. 290853437), os autos vieram a esta Corte Regional. A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento de apelo defensivo (id. 292909168). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010893-13.2023.4.03.6119 RELATOR: Gab. 17 - JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA APELANTE: FREDY ANGULO CORTES Advogados do(a) APELANTE: FABIO AUGUSTO RIBEIRO ABY AZAR - SP405864-A, MARCOS RODOLFO ARAUJO SA - SP409909-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Consta dos autos que Fredy Angulo Cortes, natural da Colômbia, foi denunciado como incurso no crime previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, porque, em 20/11/2023, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, foi preso em flagrante delito ao tentar embarcar no QR780, da companhia aérea Qatar, com destino a Doha, levando consigo e transportando, para a entrega a terceiros no exterior, sem autorização legal ou regulamentar, 1.348,8g (um mil, trezentos e quarenta e oito gramas e oito decigramas) de massa líquida de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. Conforme a denúncia (id. 290852780), a prisão ocorreu após um cão farejador indicar a presença de substância ilícita na bagagem do passageiro. Ao passar as malas no raio-X, os agentes da Polícia Federal detectaram estruturas metálicas incomuns. Ao abrir as malas, encontraram pó branco que, após análise, foi identificado como cocaína. Diante dos fatos, Fredy Angulo Cortes foi preso em flagrante. Os exames periciais (teste preliminar de constatação) resultaram positivo para cocaína e o passageiro foi preso em flagrante delito. Em sede policial, Fredy Angulo Cortes exerceu seu direito ao silêncio (Id 290852756, fls. 08/09). A denúncia foi recebida em 22/02/2024 (id. 290853020). Após regular instrução, sobreveio sentença que condenou Fredy Angulo Cortes às penas de 4 (quatro) anos 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, cada um fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei n. 11.343/2006 (id. 290853308). Passo às matérias devolvidas. Inicialmente, constato a falta de insurgência das partes quanto à comprovação da materialidade e autoria delitiva. De fato, a materialidade delitiva do delito de tráfico transnacional de drogas está apoiada nos seguintes elementos de convicção: (i) auto de prisão em flagrante 2023.0098498-SR/PF/SP e depoimentos testemunhais de Erick Landolina Dobra e Breno Oliveira Quartezani (id. 290852756, fls. 01/05); (ii) auto de apresentação e apreensão 4676490/2023 (id. 290852756, fl. 23); (iii) laudo de perícia criminal (constatação de droga) 4121/2023-SETEC/SR/PF/SP (id. 290852756, fls. 20/22). Na mesma linha, a autoria e o dolo defluem do conjunto probatório coletado durante a instrução processual, senão vejamos: Em juízo, a testemunha Erick Landolina Dobra, Agente da Polícia Federal, narrou que, durante fiscalização de rotina, no Terminal 3, com cães farejadores no Aeroporto de Guarulhos, identificou comportamento suspeito de um dos cães junto à bagagem de do Sr. Cortes, indicando que poderia haver substância entorpecente nas malas. Aguardou, então, o passageiro fazer o check-in e pediu que ele levasse as malas até o raio-X de bagagens sensíveis, as quais não apresentaram nada de anormal. Contudo o cão farejador continuou indicando que poderia haver substância entorpecente. A mala foi aberta e os pertences foram retirados, quando notou que havia uma estrutura metálica de reforço em volta de todas as malas, mas com peso muito acima do normal. O passageiro e as malas foram encaminhados até a delegacia onde, com o auxílio de algumas ferramentas como serrote e furadeira, foi feito um corte nessa estrutura, saindo de dentro um pó branco, posteriormente identificado como cocaína pelo perito. Na ocasião, o passageiro não aparentou nervosismo e demonstrou não saber que havia drogas na mala (id. 290853187). Em seu interrogatório judicial Fredy Angulo Cortes afirmou que sabia que havia drogas na mala apreendida. Relatou que está desempregado e passando por dificuldades financeiras, sem condições de pagar as contas e sustentar sua esposa e filha. Disse que sua filha tem 7 (sete) anos e é especial (Síndrome de Down) e queria colocá-la em uma escola especial, pois as outras crianças zombam dela em razão de sua deficiência. Disse que pediu um empréstimo ao Sr. Roberto e depois corrigiu, dizendo que seria Sr. Ramon, que lhe ofereceu U$ 2.000,00 (dois mil dólares) para levar uma mala ao exterior. De início afirma ter recusado a proposta, mas depois de alguns dias resolveu aceitar. Posteriormente tentou desistir novamente da viagem, mas o Sr. Ramon lhe informou que, caso desistisse, teria que pagar U$ 5.000,00 (cinco mil dólares) referente aos custos das passagens e reservas. Em razão disso resolveu aceitar a proposta e, no dia seguinte o táxi o levou até o aeroporto. Foi da Colômbia até Lima, no Peru, onde recebeu as malas e de lá embarcou para o Brasil, onde foi preso. Reconhece que agiu errado e pede perdão, inclusive à sua esposa, que teve que vender os eletrodomésticos da casa, como televisão, máquina de lavar roupas e etc, para pagar o advogado. Disse que foi a primeira e última vez que praticou o delito de tráfico de drogas. Informou que o nome de sua esposa é Belinda Garcia e sua filha Nicole, nascida em 11/04/2017. Disse que na Delegacia informou que era solteiro e não tinha dependentes porque não é legalmente casado (união livre). E sobre sua filha, estava muito nervoso na ocasião e não entendia direito as perguntas que lhe eram feitas, pois não eram em espanhol. Sobre sua profissão antes de estar desempregado, disse que trabalhava em joalheria e depois com transporte até ano passado, levando produtos locais até os mercados de outras cidades. Perguntado se já havia feito outras viagens ao exterior disse que sim, ao Panamá e Guatemala, em busca de emprego, onde trabalhou como ambulante e com delivery, por alguns meses (Ids. 290853229 e 290853307). Dessa forma, suficientemente comprovada a prática delitiva, mantenho a condenação de Fredy Angulo Cortes pela prática do crime do artigo 33, caput c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006. No que se refere à dosimetria das penas, assim constou da sentença apelada: “2.2 Dosimetria da pena Passo à dosimetria da pena, na forma do artigo 68, do Código Penal. - Circunstâncias judiciais (1ª fase) Na primeira fase de fixação da pena, examino as circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, sem perder de vista norma específica introduzida pelo artigo 42, da Lei de Drogas, segundo a qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade apresenta-se normal à espécie. O réu não tem maus antecedentes, já que não há notícia nos autos de que tenha contra si sentença condenatória transitada em julgado. Os motivos do crime foram o lucro fácil, ínsito ao tipo penal em análise. Nada há a ponderar a respeito do comportamento da vítima. As circunstâncias e consequências do crime ligam-se intimamente à natureza e à quantidade da droga apreendida com o acusado, dizendo respeito, basicamente, às condições de tempo, modo e lugar em que praticado o delito. Ainda, conforme já dito, devem ser especialmente consideradas na fixação da pena-base, tendo em vista a norma especial do artigo 42 da Lei de Drogas. Neste particular, a natureza e a quantidade da droga apreendida (1.348,8g de cocaína) não ensejam valoração negativa. Embora esse tipo de droga tenha elevado efeito prejudicial ao organismo dos usuários, possuindo grande potencial para causar dependência, dentre outras consequências nocivas, a quantidade é inferior à média das apreensões realizadas no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Assentadas as considerações acima, tenho que, nesta primeira fase, a pena-base deve ficar no mínimo legal. Assim, fixo a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. - Circunstâncias atenuantes e agravantes (2ª fase) Inexistem circunstâncias agravantes. Aplica-se, no caso, a atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal, tendo em vista que o réu, em juízo, confessou os fatos, destacando que aceitou levar droga ao exterior com a promessa de que receberia U$ 2.000,00 (dois mil dólares) para tanto, o que foi utilizado, em conjunto com as provas reunidas nos autos, como fundamento para a condenação. Registro que, em observância à Súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça, a redução na segunda fase da dosimetria não pode levar a pena a patamar inferior à pena mínima cominada ao tipo penal. Assim, nesta fase, mantenho a pena em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. - Causas de aumento e diminuição (3ª fase) No que concerne à causa de aumento de pena do art. 40, I, tenho que esta se define pela finalidade que o agente almejava atingir, e não pela efetiva chegada ao exterior. Tal conclusão se dá pela leitura do próprio texto da lei, o qual não exige a saída da droga do país, mas apenas que as circunstâncias evidenciem este propósito (art. 40, I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito). Ou seja, mesmo que a exportação não tenha, ao final, ocorrido, pode-se considerar consumada a infração. O Superior Tribunal de Justiça aprovou, inclusive, o enunciado de Súmula nº 607, com o seguinte verbete: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”. No presente caso, o fato de o réu ter sido flagrado no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, prestes a embarcar em voo internacional, evidencia a transnacionalidade do tráfico de drogas, razão pela qual entendo pela incidência do art. 40, I, da Lei nº 11.343/06. O artigo 40, da Lei de Tóxicos, estabelece como parâmetros os aumentos de um sexto a dois terços da pena, a depender da quantidade de causas de aumento incidentes no caso concreto. Presente apenas uma causa de aumento de pena, elevo a pena em um sexto, fixando-a, nesta fase da dosimetria, em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. Por outro lado, também incide na espécie a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, que estabelece que “Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. Na hipótese dos autos, não há elementos para afirmar que o réu não é primário ou que não tenha maus antecedentes. Além disso, não há prova de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. No ponto, relevante observar que, diante do acervo probatório produzido nos autos, a conduta do réu se ajusta com perfeição à figura que a prática policial e forense convencionou chamar de “mula” do tráfico. No contexto do tráfico internacional de drogas, em regra, as mulas não se subordinam de forma permanente às organizações criminosas e não integram seus quadros, servindo apenas como agentes ocasionais de transporte da substância ilícita. Assim, não se pode afirmar que a “mula” do tráfico integra a organização criminosa, uma vez que, para tanto, seria indispensável que houvesse um vínculo minimamente estável e permanente entre a “mula” e os demais membros da organização, o que, via de regra, não ocorre. Demais disso, não se pode perder de perspectiva que, desde o advento da Lei nº 12.850/13 (que conceituou o que se deve entender por organização criminosa e previu especificamente o delito autônomo de “integrar organização criminosa”, no art. 2º), afirmar que a mula integra organização criminosa significa imputar-lhe a prática de outro crime, impondo ao Ministério Público Federal, necessariamente, a demonstração das elementares do tipo, ainda que com vistas exclusivamente ao afastamento do benefício de redução de pena do crime de tráfico previsto no art. 33, §4º da Lei nº 11.343/06. Vale dizer, após a Lei nº 12.850/13, ou a mula integra a organização criminosa - e, além de não fazer jus ao benefício penal previsto no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, deve ser denunciada também pelo crime previsto no art. 2º, da Lei nº 12.850/13 – ou não integra a organização e, destarte, tem direito à causa de redução de pena prevista na Lei de Drogas. Assim, me parece que não se pode afastar das “mulas”, pura e simplesmente a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º da Lei de Drogas, uma vez que, não integrando organização criminosa, preenchem o último requisito legal para o benefício penal. No caso concreto, não há nenhum indicativo de que o réu, efetivamente, integrava organização criminosa, limitando-se a aceitar, mediante promessa de pagamento, realizar o transporte da droga para o exterior A respeito do quantum da redução, na ausência de parâmetros legais expressos, em consonância com o escopo da minorante em apreço, entendo que a fixação do patamar de diminuição aplicável depende da observância de parâmetros como a proximidade demonstrada pelo agente em relação à organização criminosa e outras circunstâncias especiais, como a sua situação de vulnerabilidade quando cooptado para a realização do serviço. No caso concreto, o réu, ao aceitar a proposta de transportar substância ilícita de um país a outro - recebendo e entregando o entorpecente a pessoas distintas em cenário organizado, com oferta de pagamento pelo serviço - tinha consciência de que, com sua participação, colaborava com a atividade de um grupo criminoso internacional. Por outro lado, nada há que indique uma situação de particular vulnerabilidade do réu. Assim, tenho que a redução deve se dar no mínimo legal. Dessa forma, torno definitiva a pena em 4 (quatro) anos 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa. Não havendo dados nos autos a respeito da situação econômica do réu, fixo o valor da multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. Do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade Quanto ao regime inicial para o cumprimento da pena, no julgamento do Habeas Corpus nº 111.840, ocorrido em 27.06.2012, o Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento jurisprudencial até então conferido ao regime de pena no caso de tráfico, impondo a análise da matéria sob os exclusivos critérios do Código Penal, e não mais com observância da dicção da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Segundo o Código Penal, “a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código” (art. 33, §3º). No caso, não havendo circunstâncias desfavoráveis na primeira fase de fixação da pena e tendo em vista o quantum aplicado, fixo o regime inicial semiaberto. Ressalto que, considerado o tempo de prisão cautelar, nos termos do art. 387, §2º, do CPP, com redação dada pela Lei n. 12.736/12, não há alteração nos parâmetros para fixação do regime inicial.” Neste ponto, a defesa requer a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, em seu grau máximo de 2/3. Na primeira fase da dosimetria, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente são circunstâncias que devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas. A quantidade e natureza da droga apreendida (1.348,8g (um mil, trezentos e quarenta e oito gramas e oito decigramas) de massa líquida de cocaína) não são irrelevantes, especialmente quando se considera seu valor no mercado ilícito, além de seu potencial demasiadamente nocivo e viciante, contudo, observados os critérios adotados nesta Turma Julgadora e as apreensões corriqueiras em casos semelhantes, entendo que tais circunstâncias não justificam a exasperação da pena-base. A motivação e consequências do crime não extrapolam os contornos normais do tipo penal que já foram sopesados pelo legislador pátrio, o réu não ostenta maus antecedentes, dos autos não sobressaem elementos apropriados que justifiquem a negativação da personalidade e conduta social e o comportamento é circunstância neutra. Assim, mantenho a pena-base no mínimo legal de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, a sentença recorrida não reconheceu circunstâncias agravantes, todavia aplicou a atenuante da confissão, o que mantenho, já que o réu admitiu ter sido contratado transportar a droga. Por conseguinte, aplico a atenuante a confissão, na mesma fração de 1/6 (um sexto), porém estabeleço a pena intermediária no mínimo legal (5 anos de reclusão e 500 dias-multa), em atenção à Súmula 231 do mesmo tribunal superior e que é de aplicação consolidada nesta turma julgadora. Na terceira fase confirmo o aumento da pena pela transnacionalidade do delito (artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006) na mesma fração de 1/6 (um sexto) adotada na sentença, pois está demonstrado que a droga apreendida se destinava ao exterior. O juízo ainda reconheceu o tráfico privilegiado no mesmo quantum. O §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa. No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 666.334/AM, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em caso de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração tão somente em uma das fases da dosimetria da pena, vedada a sua aplicação cumulativa, que acarretaria bis in idem (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, RE com Agravo nº 666.334/AM, j. 03/04/2014). Logo, não é possível que a natureza e a quantidade de droga sejam duplamente valoradas na primeira e na terceira fases da dosimetria, razão pela qual tal circunstância não será apreciada nesta fase. Contudo, em relação a fração de diminuição, destaco que o magistrado não está obrigado a aplicar o máximo da redução prevista (2/3) quando presentes os requisitos para a concessão desse benefício, possuindo plena discricionariedade para aplicar, de forma fundamentada, a redução na fração que entenda necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. No presente caso, não há como se concluir, de forma indubitável, que o réu se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa, o que lhe permite, portanto, a concessão do benefício de redução da pena. Destaco que o grau de auxílio por ele prestado ao tráfico internacional de drogas não destoa do corriqueiro, já que se limitou a transportar a substância entorpecente, além de que o modus operandi não foge ao normalmente empregado pelas denominadas “mulas”, por via aérea. No entanto, deve ser considerado o auxílio por ele prestado ao tráfico de drogas e a consciência de que estava a serviço de um grupo de tal natureza. Observo, ainda, que a Quinta Turma deste Tribunal tem entendido que, nos casos de agente que aceita o transporte esporádico da droga, atuando como mula de tráfico em razão de sua situação de vulnerabilidade, via de regra, deve ser estabelecida a fração de ½ (um meio), devendo a fração máxima prevista pelo artigo 33, §4º, da Lei Antidrogas ser reservada a casos menos graves. Assim, aplicadas a causa de aumento do artigo 40, inciso I, na fração de 1/6 (um sexto), e a redução do artigo 33, §4º, ambos da Lei 11.343/2006, na fração de 1/2 (um meio), fixo as penas definitivas de Fredy Angulo Cortes em 2 (dois) anos, 11 (onze) meses e 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo legal, dada a reduzida capacidade financeira do réu (artigo 60 do Código Penal). Para a fixação do regime, devem ser observados os seguintes fatores: modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, Código Penal); quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas “a”, “b” e “c”, Código Penal); caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas “b” e “c”, Código Penal) e circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do Código Penal). Aqui, considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas do réu (antecedentes, conduta social, personalidade e motivo do crime) não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto (2 anos, 11 meses de reclusão), a indicar a fixação do regime inicial aberto. Como fixado o regime inicial aberto, inaplicável o disposto no artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, substituo a sanção corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma e local que serão definidos pelo Juízo da Execução. Mantida, no mais, a r. sentença de 1º grau. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso interposto pela defesa de Fredy Angulo Cortes para aplicar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, na fração de ½ (um meio), do que resultam as penas de 2 (dois) anos, 11 (onze) meses de reclusão, no regime inicial aberto, além do pagamento de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa, cada um arbitrado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos pela prática do crime previsto no artigo 33, caput,c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006. É como voto. E M E N T A PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT C.C. O ARTIGO 40, I, DA LEI 11.343/2006. DOSIMETRIA. PENA-BASE. NATUREZA E QUANTIDADE DE ENTORPECENTE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. ARTIGO 33, §4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. REGIME PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. 1. O magistrado não está obrigado a aplicar, de forma exata, as frações mínima e máxima (artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006), quando presentes os requisitos para a concessão do benefício, possuindo plena discricionariedade para fixar, de forma fundamentada, a redução no patamar que entenda necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. 2. Fixado o regime aberto para o início de cumprimento da pena, não se aplica o disposto no artigo 387, §2º do Código de Processo Penal. 3. Atendidos aos requisitos do artigo 44 do Código Penal e por constituir medida socialmente recomendável, cabível a substituição da pena privativa de liberdade imposta ao agente por penas restritivas de direitos, cujos critérios de aplicação encontram-se estabelecidos pelo artigo 44, §2º, do Código Penal. 4. Apelação da defesa parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu dar parcial provimento ao recurso interposto pela defesa de Fredy Angulo Cortes para aplicar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, na fração de ½ (um meio), do que resultam as penas de 2 (dois) anos, 11 (onze) meses de reclusão, no regime inicial aberto, além do pagamento de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa, cada um arbitrado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos pela prática do crime previsto no artigo 33, caput,c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. RAECLER BALDRESCA Juíza Federal Convocada
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Processo nº 0002843-72.2015.4.03.6181
ID: 293972614
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. Vice Presidência
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0002843-72.2015.4.03.6181
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogad…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator (Vice-Presidente): Trata-se de agravo interno interposto por IURI CONRADO POSSE RIBEIRO (id 303391811), em face da decisão proferida no id 301464104, que negou seguimento ao seu recurso extraordinário (id 287444403), cujos fundamentos não superaram o enunciado nos Temas de Repercussão Geral 182, 339 e 660. A decisão agravada tem a fundamentação que segue: Recurso interposto com fulcro no art. 102, III, "a" e "c", da Constituição Federal. Alega-se, em apertada síntese: a) violação aos arts. 5º, X, XII, LIV, LVI E LXI, 93, IX, e 109, I, todos da Constituição Federal, ao argumento, essencialmente, que houve afronta aos postulados do devido processo legal e seu corolário constitucional, o princípio do contraditório e da ampla defesa. Sobretudo, conforme o arrazoado, porque se verifica dos autos a nulidade das provas decorrentes das gravações ambientais sem prévia autorização judicial e, consequentemente, da prisão em flagrante delito, que além de não cumprir os pressupostos da lei processual penal, não pode estar fundamento em fatos revelados naquelas provas ilícitas; b) violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal, creditada a inadequada fundamentação da decisão judicial acerca das provas obtidas oriundas da gravação ambiental, não obstante, monitoradas pelo d. Órgão Ministerial, todavia, desautorizada, conforme alega a defesa; c) ofensa aos arts. 5°, XLVI, e 93, IX, da Constituição Federal; aponta: (i) que o princípio da individualização da pena foi inobservado, padecendo o édito condenatório da falta de fundamentação no que respeita a correta aplicação dos vetores atinentes às circunstâncias judiciais, nomeadamente à culpabilidade; (ii) que condições relacionadas ao próprio injusto penal não podem servir de parâmetro à majoração da sanção penal; (iii) que o regime inicial para o cumprimento da pena deve ser menos gravoso; d) dissídio jurisprudencial. Contrarrazões pela inadmissibilidade do recurso ou o seu desprovimento. DECIDO. Presentes os pressupostos recursais genéricos. Quanto à repercussão geral, foi suscitada em preliminar, todavia, compete ao Excelso Pretório analisá-la. Tema de Repercussão Geral 660. Como se verifica do arrazoado, o recorrente alega a nulidade da atividade probatória. Aduz, essencialmente, violação ao devido processo legal e, consequentemente, os princípios do contraditório e da ampla defesa. O recurso, na verdade, versa sobre eventual irregularidade na instrução probatória, em desconformidade com a previsão da norma processual penal, não sendo, pois, a matéria, hipótese de cabimento para o recurso extraordinário. De modo que o recurso excepcional não merece seguimento, à luz do enunciado expresso no Tema 660 de Repercussão Geral, nos seguintes termos: Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral (STF, ARE n.º 748.371 RG, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31-07-2013 PUBLIC 01-08-2013). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento supracitado, pacificou o entendimento de que a controvérsia envolvendo a violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação da legislação ordinária, é questão despida de repercussão geral, por ostentar natureza infraconstitucional. É exatamente a situação em tela. Pela leitura do arrazoado se constata que, de fato, pretende o recorrente a rediscussão da sua irresignação sob a ótima da norma processual penal e do regime de nulidades nela preceituada. Portanto, se impõe a negativa de seguimento ao Recurso Extraordinário, por força do art. 1.030, I, "a", do CPC. Tema de Repercussão Geral 182. O recurso extraordinário também tem por fundamento o excesso da reprimenda penal e a violação do preceito constitucional que assegura a individualização da pena, sobretudo diante da desproporcionalidade do regime inicial para o cumprimento da sanção penal. Todavia, o debate em torno dos critérios de dosimetria ou da individualização da pena, sejam aqueles do art. 59 do Código Penal ou específicos da lei penal especial, não é matéria de ordem constitucional. Confira-se: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, II, XLVI E LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPREENSÃO DIVERSA. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem e o revolvimento do quadro fático delineado, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 2. “Não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante, porque se trata de matéria infraconstitucional” (AI 742.460-RG, Rel. Min. Cezar Peluzo, Tribunal Pleno, DJe 25.9.2009). 3. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1402314 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 18-04-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 24-04-2023 PUBLIC 25-04-2023) Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Penal e Processual Penal. Tráfico de drogas. Negativa de prestação jurisdicional (art. 93, IX, da CF). Não ocorrência. Dosimetria da pena. Ausência de repercussão geral. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa ao texto constitucional. Precedentes. Agravo regimental não provido. 1. Não há, no caso, violação do art. 93, inciso IX, da CF, pois a jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente motivada, não obstante contrária à pretensão do ora agravante. 2. Por ocasião do exame do AI nº 742.460/RJ, Relator o Ministro Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela ausência de repercussão geral de questões relativas à individualização e à dosimetria de pena, por essas demandarem exame prévio da legislação infraconstitucional. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 1305507 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 12-05-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 21-06-2021 PUBLIC 22-06-2021) Esta a tese consagrada no julgamento do AI 742.460/RG, apreciado conforme a sistemática da repercussão geral (Tema 182 STF), consoante seu enunciado: A questão da adequada valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante, tem natureza infraconstitucional e a ela são atribuídos os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009. Aqui, também, se impõe a negativa de seguimento ao Recurso Extraordinário, por força do art. 1.030, I, "a", do CPC. Tema de Repercussão Geral 339. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do AI n.º 791.292/PE, vinculado ao Tema 339, reconheceu a repercussão geral da matéria e reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o princípio da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais se contenta com existência de motivação - ainda que sucinta - na decisão, não se demandando o exame aprofundado de cada uma das alegações: Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. (STF, AI n.º 791.292 QO-RG, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-149 DIVULG 12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010 EMENT VOL-02410-06 PP-01289 RDECTRAB v. 18, n. 203, 2011, p. 113-118). A tese fixada na ocasião foi: O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas. No caso concreto, o acórdão recorrido, porque fundamentado, está em consonância com o entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, impondo a negativa de seguimento ao Recurso Extraordinário, por força do art. 1.030, I, "a", do CPC. Face ao exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário. Na irresignação, a defesa do recorrente limita-se a afirmar que, contrariamente ao entendimento manifestado na decisão agravada, o acórdão recorrido violou os arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI, 93, IX, e 109, I, todos da Constituição Federal. Para tanto, alega a defesa, em apertada síntese, afronta aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, notadamente em razão da nulidade das provas obtidas por meio de gravações ambientais sem autorização judicial e, também, a nulidade da prisão em flagrante. Argumenta-se que a decisão judicial carece de fundamentação adequada quanto à admissibilidade dessas provas. Questiona-se também a aplicação da pena, sustentando a inobservância do princípio da individualização, com inadequada valoração das circunstâncias judiciais e imposição de regime inicial mais gravoso sem justificativa. Por fim, aponta-se a existência de divergência jurisprudencial sobre a matéria. Contrarrazões, id 304740676, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator (Vice-Presidente): O recurso não prospera. Verifica-se que, nas razões do agravo, não se impugna a decisão de negativa de seguimento do recurso excepcional. Insiste-se na veiculação de argumentos por meio dos quais a defesa considera equivocado o acórdão produzido pelo órgão fracionário deste Tribunal, o qual se mostra conforme os precedentes vinculantes representados nos Temas de repercussão geral 182, 339 e 660. Desta feita, o agravante se insurge alegando que não é hipótese para negativa de seguimento ao recurso extraordinário e que demonstrou a presença de repercussão geral da matéria impugnada. Em síntese, seu arrazoado reproduz a fundamentação exposta nas razões do recurso extraordinário, quando se alegou violação aos arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI, 93, IX, e 109, I, da Constituição Federal. Não houve nenhum esforço com vistas a demonstrar que a decisão monocrática desta Vice-Presidência está equivocada, no cenário em que manifesta o óbice aos temas de repercussão geral supramencionados. Ao recorrente faltou desenvolver validamente fundamentação apta a demonstrar que as teses consagradas naqueles precedentes vinculantes não se aplicam ao caso dos autos, ou que estejam superadas por circunstância fática ou jurídica superveniente à sua edição. O agravo interno, cujos fundamentos somente se prestam a insurgir-se em relação a eventual error in judicando ou a error in procedendo, sem se desincumbir o agravante do ônus da impugnação clara e específica do fundamento determinante da decisão agravada, deve ser improvido. Nomeadamente, nas hipóteses em que a matéria impugnada foi apreciada sob a égide de norma infraconstitucional e decidida com supedâneo no conjunto fático-probatório. Confira-se: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XLVI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA CONSIGNADAS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. COMPREENSÃO DIVERSA. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA LEI MAIOR NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia, conforme já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem e o revolvimento do quadro fático delineado, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “ a”, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 2. Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante, porque se trata de matéria infraconstitucional” (AI 742.460-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 25.9.2009) . 3. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1426250 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 09-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-05-2023 PUBLIC 16-05-2023). DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO EXTRARDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES DE FALSIDADE DE DOCUMENTOS E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE E REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. 1. Por ausência de questão constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes - Tema 660). 2. O Plenário do STF já decidiu pela inexistência de repercussão geral quanto à alegação de violação ao princípio da individualização da pena em razão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base (AI 742.460-RG, Rel. Min. Cezar Peluso - Tema 182). 3. A controvérsia relativa à individualização da pena passa necessariamente pelo exame prévio da legislação infraconstitucional. Precedentes: AI 797.666-AgR, Rel. Min Ayres Britto; AI 796.208-AgR, Rel Min. Dias Toffoli; e RE 505.815-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa. 4. A parte recorrente se limita a postular a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase processual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula 279/STF. Precedente. 5. O STF tem entendimento no sentido de que as decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões (AI 791.292-QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). Na hipótese, a decisão está devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante. 6. Ausência de ilegalidade flagrante ou abuso de poder que pudesse justificar a concessão de habeas corpus de ofício. 7. Agravo a que se nega provimento. (ARE 1381408 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27-06-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-131 DIVULG 01-07-2022 PUBLIC 04-07-2022). Ainda, a questão em torno da indispensável fundamentação das decisões judiciais (Tema 339 STF) foi objeto de julgamento pelo STF no AI 791.292/PE. No julgamento, ficou decidido que o comando constitucional exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas. Importa que o julgado esteja fundamentado e tenha efetivamente enfrentado a controvérsia deduzida nos autos, à luz do conjunto fático-probatório, quando permitido, como de fato sucedeu na hipótese aqui vertida, em que o acórdão possui suficiente fundamentação. Observados, pois, os exatos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, de modo a possibilitar o contraditório e o exercício do direito à ampla defesa, por meio dos instrumentos e recursos cabíveis, sendo o caso. No mais, o que se nota é que o recorrente pretende incursionar pela atividade probatória desenvolvida na instrução criminal. Seu interesse é debater sobre seu conteúdo e a insuficiência de provas para sua condenação, ou sobre a comprovação de outras teses de defesa, o que sabidamente é vedado em sede dos recursos excepcionais, que não se prestam a tal desiderato. De todo modo, não há plausibilidade neste agravo. O acórdão recorrido encontra-se amparado nas provas produzidas nos autos e o órgão julgador, concretamente, reconheceu a autoria e a materialidade delitiva. E, neste aspecto, estando suficiente e adequadamente fundamentado o julgado, o Tema de Repercussão Geral 339 tem plena incidência à espécie, justificando-se, portanto, a negativa de seguimento ao recurso extraordinário, na forma do art. 1.030, I, "a", do Código de Processo Civil. Outrossim, impede assinalar que, na hipótese irresignada, o exame das questões apontadas no arrazoado exigiria a análise da matéria fática à luz da norma infraconstitucional relacionada no arrazoado, como mencionado. A atividade encontra óbice, também, na tese veiculada no Tema de Repercussão Geral 895: “A questão da ofensa ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, quando há óbice processual intransponível ao exame de mérito, ofensa indireta à Constituição ou análise de matéria fática, tem natureza infraconstitucional, e a ela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009”. Esta é a ementa do julgado paradigma: PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. ÓBICES PROCESSUAIS INTRANSPONÍVEIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. QUESTÃO INFRACONSTITUCIONAL. MATÉRIA FÁTICA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Não há repercussão geral quando a controvérsia refere-se à alegação de ofensa ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, nas hipóteses em que se verificaram óbices intransponíveis à entrega da prestação jurisdicional de mérito (RE 956302 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19-05-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 15-06-2016 PUBLIC 16-06-2016). Nesse sentido, também: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 5º, X, XII, LIV E LV, E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA DE NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Inexiste violação do art. 93, IX, da Constituição Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que referido dispositivo constitucional exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões de seu convencimento. Enfrentadas todas as causas de pedir veiculadas pela parte, capazes de, em tese, influenciar o resultado da demanda, fica dispensado o exame minucioso de cada argumento suscitado, considerada a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador. 2. O Plenário desta Suprema Corte negou a existência de repercussão geral das matérias relacionadas à alegada violação dos princípios da inafastabilidade da jurisdição, nas hipóteses em que se verificarem óbices intransponíveis à entrega da prestação jurisdicional de mérito (RE 956.302-RG, Tema nº 895), do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (ARE 748.371-RG Tema nº 660). 3. A controvérsia, conforme já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem e o revolvimento do quadro fático delineado, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 4. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 5. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1401795 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-03-2023 PUBLIC 02-03-2023). Em arremate, não se admite a rediscussão dos termos do acórdão paradigma. Nesta seara recursal cabe a esta Vice-Presidência verificar tão somente a adequação entre o julgado recorrido e a tese enunciada nos Temas de Repercussão Geral, conferindo efetividade a opção do legislador consagrada na sistemática dos julgamentos proferidos em temas repetitivos ou de repercussão geral. Sobretudo, quando não há destaque para qualquer elemento de distinção, em concreto, entre o enunciado proferido em sede de repercussão geral e o julgado recorrido. Com efeito, os argumentos apresentados no presente agravo interno não abalam a fundamentação e a conclusão exaradas na decisão impugnada. Face ao exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto. APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A EMENTA PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMAS DE REPERCUSSÃO GERAL 182, 339 e 660. RECURSO IMPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo interno em face da decisão que negou seguimento ao seu recurso extraordinário, cujos fundamentos não superaram o enunciado nos Temas de Repercussão Geral 182, 339 e 660. II. Questão em discussão 2. O recorrente insurge-se afirmando que, contrariamente ao entendimento manifestado na decisão agravada, o acórdão recorrido violou os arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI, 93, IX, e 109, I, todos da Constituição Federal. III. Razões de decidir 3. O art. 1.030, I, “b” do Código de Processo Civil, preceitua que deverá ser negado seguimento “a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos”. 4. O agravante se insurge alegando que não é hipótese para negativa de seguimento ao recurso extraordinário e que demonstrou a presença de repercussão geral da matéria impugnada. Em síntese, seu arrazoado reproduz a fundamentação exposta nas razões do recurso extraordinário, quando se alegou violação aos preceitos constitucionais que menciona. 5. Verifica-se que nas razões do agravo não se impugna a decisão de negativa de seguimento do recurso excepcional. Insiste-se na veiculação de argumentos por meio dos quais a parte considera equivocado o acórdão produzido pelo órgão fracionário deste Tribunal, o qual se mostra conforme o precedente vinculante representado nos Temas de repercussão geral 182, 339 e 660. Ademais, não há destaque para qualquer elemento de distinção, em concreto, entre o enunciado proferido em sede de repercussão geral e o julgado recorrido. 6. Ainda, o acórdão recorrido encontra-se amparado nas provas produzidas nos autos e o órgão julgador, fundamentadamente, reconheceu a autoria e a materialidade delitiva. E, neste aspecto, estando suficiente e adequadamente fundamentado o julgado, o Tema de Repercussão Geral 339 tem plena incidência à espécie. Incide na espécie, também, o Tema de Repercussão Geral 895, cujo enunciado veda o conhecimento do recurso extraordinário fundado em negativa de prestação jurisdicional baseada em afronta à atividade probatória ou cujo exame demanda o cotejo do conjunto fático-probatório. IV. Dispositivo e tese 7. Dispositivo: Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: "1. O agravo interno, cujos fundamentos apenas se prestam a insurgir-se em relação a eventual error in judicando ou a error in procedendo, sem se desincumbir o agravante do ônus da impugnação clara e específica do fundamento determinante da decisão agravada, deve ser improvido". "2. Também, é o caso de improvimento deste recurso, nas hipóteses em que a matéria impugnada foi apreciada sob a égide de norma infraconstitucional e decidida, fundamentadamente, com supedâneo no conjunto fático-probatório, sem a evidência de superação dos temas de repercussão geral 182, 339 e 660". 3. "A análise do recurso exigiria o exame de matéria fática e legislação infraconstitucional. Essa análise é obstaculizada, ainda, pelo Tema de Repercussão Geral 895 do STF, conforme precedente fixado no RE n. 584.608". ________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI; 93, IX, e 109, I; CPC, art. 1.030, I, "a". Jurisprudência relevante citada: ARE 1426250 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 09-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-05-2023 PUBLIC 16-05-2023; ARE 1381408 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27-06-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-131 DIVULG 01-07-2022 PUBLIC 04-07-2022; ARE 1401795 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-03-2023 PUBLIC 02-03-2023); RE 956302 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19-05-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 15-06-2016 PUBLIC 16-06-2016. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por unanimidade, negou provimento ao Agravo Interno, nos termos do voto do Desembargador Federal Vice-Presidente JOHONSOM DI SALVO (Relator). Votaram os Desembargadores Federais NELTON DOS SANTOS, LEILA PAIVA, MARCELO SARAIVA, MÔNICA NOBRE, GISELLE FRANÇA, MARCELO VIEIRA, ADRIANA PILEGGI, ANA IUCKER, MARCOS MOREIRA, ANDRÉ NEKATSCHALOW (convocado para compor quórum), TORU YAMAMOTO (convocado para compor quórum), ANDRÉ NABARRETE, MAIRAN MAIA, NERY JÚNIOR, CONSUELO YOSHIDA e MARISA SANTOS. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais THEREZINHA CAZERTA e CARLOS DELGADO. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. JOHONSOM DI SALVO Desembargador Federal
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Processo nº 0002843-72.2015.4.03.6181
ID: 293972619
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. Vice Presidência
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0002843-72.2015.4.03.6181
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogad…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator (Vice-Presidente): Trata-se de agravo interno interposto por IURI CONRADO POSSE RIBEIRO (id 303391811), em face da decisão proferida no id 301464104, que negou seguimento ao seu recurso extraordinário (id 287444403), cujos fundamentos não superaram o enunciado nos Temas de Repercussão Geral 182, 339 e 660. A decisão agravada tem a fundamentação que segue: Recurso interposto com fulcro no art. 102, III, "a" e "c", da Constituição Federal. Alega-se, em apertada síntese: a) violação aos arts. 5º, X, XII, LIV, LVI E LXI, 93, IX, e 109, I, todos da Constituição Federal, ao argumento, essencialmente, que houve afronta aos postulados do devido processo legal e seu corolário constitucional, o princípio do contraditório e da ampla defesa. Sobretudo, conforme o arrazoado, porque se verifica dos autos a nulidade das provas decorrentes das gravações ambientais sem prévia autorização judicial e, consequentemente, da prisão em flagrante delito, que além de não cumprir os pressupostos da lei processual penal, não pode estar fundamento em fatos revelados naquelas provas ilícitas; b) violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal, creditada a inadequada fundamentação da decisão judicial acerca das provas obtidas oriundas da gravação ambiental, não obstante, monitoradas pelo d. Órgão Ministerial, todavia, desautorizada, conforme alega a defesa; c) ofensa aos arts. 5°, XLVI, e 93, IX, da Constituição Federal; aponta: (i) que o princípio da individualização da pena foi inobservado, padecendo o édito condenatório da falta de fundamentação no que respeita a correta aplicação dos vetores atinentes às circunstâncias judiciais, nomeadamente à culpabilidade; (ii) que condições relacionadas ao próprio injusto penal não podem servir de parâmetro à majoração da sanção penal; (iii) que o regime inicial para o cumprimento da pena deve ser menos gravoso; d) dissídio jurisprudencial. Contrarrazões pela inadmissibilidade do recurso ou o seu desprovimento. DECIDO. Presentes os pressupostos recursais genéricos. Quanto à repercussão geral, foi suscitada em preliminar, todavia, compete ao Excelso Pretório analisá-la. Tema de Repercussão Geral 660. Como se verifica do arrazoado, o recorrente alega a nulidade da atividade probatória. Aduz, essencialmente, violação ao devido processo legal e, consequentemente, os princípios do contraditório e da ampla defesa. O recurso, na verdade, versa sobre eventual irregularidade na instrução probatória, em desconformidade com a previsão da norma processual penal, não sendo, pois, a matéria, hipótese de cabimento para o recurso extraordinário. De modo que o recurso excepcional não merece seguimento, à luz do enunciado expresso no Tema 660 de Repercussão Geral, nos seguintes termos: Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral (STF, ARE n.º 748.371 RG, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31-07-2013 PUBLIC 01-08-2013). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento supracitado, pacificou o entendimento de que a controvérsia envolvendo a violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação da legislação ordinária, é questão despida de repercussão geral, por ostentar natureza infraconstitucional. É exatamente a situação em tela. Pela leitura do arrazoado se constata que, de fato, pretende o recorrente a rediscussão da sua irresignação sob a ótima da norma processual penal e do regime de nulidades nela preceituada. Portanto, se impõe a negativa de seguimento ao Recurso Extraordinário, por força do art. 1.030, I, "a", do CPC. Tema de Repercussão Geral 182. O recurso extraordinário também tem por fundamento o excesso da reprimenda penal e a violação do preceito constitucional que assegura a individualização da pena, sobretudo diante da desproporcionalidade do regime inicial para o cumprimento da sanção penal. Todavia, o debate em torno dos critérios de dosimetria ou da individualização da pena, sejam aqueles do art. 59 do Código Penal ou específicos da lei penal especial, não é matéria de ordem constitucional. Confira-se: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, II, XLVI E LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPREENSÃO DIVERSA. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem e o revolvimento do quadro fático delineado, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 2. “Não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante, porque se trata de matéria infraconstitucional” (AI 742.460-RG, Rel. Min. Cezar Peluzo, Tribunal Pleno, DJe 25.9.2009). 3. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1402314 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 18-04-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 24-04-2023 PUBLIC 25-04-2023) Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Penal e Processual Penal. Tráfico de drogas. Negativa de prestação jurisdicional (art. 93, IX, da CF). Não ocorrência. Dosimetria da pena. Ausência de repercussão geral. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa ao texto constitucional. Precedentes. Agravo regimental não provido. 1. Não há, no caso, violação do art. 93, inciso IX, da CF, pois a jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente motivada, não obstante contrária à pretensão do ora agravante. 2. Por ocasião do exame do AI nº 742.460/RJ, Relator o Ministro Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela ausência de repercussão geral de questões relativas à individualização e à dosimetria de pena, por essas demandarem exame prévio da legislação infraconstitucional. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 1305507 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 12-05-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 21-06-2021 PUBLIC 22-06-2021) Esta a tese consagrada no julgamento do AI 742.460/RG, apreciado conforme a sistemática da repercussão geral (Tema 182 STF), consoante seu enunciado: A questão da adequada valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante, tem natureza infraconstitucional e a ela são atribuídos os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009. Aqui, também, se impõe a negativa de seguimento ao Recurso Extraordinário, por força do art. 1.030, I, "a", do CPC. Tema de Repercussão Geral 339. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do AI n.º 791.292/PE, vinculado ao Tema 339, reconheceu a repercussão geral da matéria e reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o princípio da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais se contenta com existência de motivação - ainda que sucinta - na decisão, não se demandando o exame aprofundado de cada uma das alegações: Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. (STF, AI n.º 791.292 QO-RG, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-149 DIVULG 12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010 EMENT VOL-02410-06 PP-01289 RDECTRAB v. 18, n. 203, 2011, p. 113-118). A tese fixada na ocasião foi: O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas. No caso concreto, o acórdão recorrido, porque fundamentado, está em consonância com o entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, impondo a negativa de seguimento ao Recurso Extraordinário, por força do art. 1.030, I, "a", do CPC. Face ao exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário. Na irresignação, a defesa do recorrente limita-se a afirmar que, contrariamente ao entendimento manifestado na decisão agravada, o acórdão recorrido violou os arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI, 93, IX, e 109, I, todos da Constituição Federal. Para tanto, alega a defesa, em apertada síntese, afronta aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, notadamente em razão da nulidade das provas obtidas por meio de gravações ambientais sem autorização judicial e, também, a nulidade da prisão em flagrante. Argumenta-se que a decisão judicial carece de fundamentação adequada quanto à admissibilidade dessas provas. Questiona-se também a aplicação da pena, sustentando a inobservância do princípio da individualização, com inadequada valoração das circunstâncias judiciais e imposição de regime inicial mais gravoso sem justificativa. Por fim, aponta-se a existência de divergência jurisprudencial sobre a matéria. Contrarrazões, id 304740676, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Órgão Especial APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator (Vice-Presidente): O recurso não prospera. Verifica-se que, nas razões do agravo, não se impugna a decisão de negativa de seguimento do recurso excepcional. Insiste-se na veiculação de argumentos por meio dos quais a defesa considera equivocado o acórdão produzido pelo órgão fracionário deste Tribunal, o qual se mostra conforme os precedentes vinculantes representados nos Temas de repercussão geral 182, 339 e 660. Desta feita, o agravante se insurge alegando que não é hipótese para negativa de seguimento ao recurso extraordinário e que demonstrou a presença de repercussão geral da matéria impugnada. Em síntese, seu arrazoado reproduz a fundamentação exposta nas razões do recurso extraordinário, quando se alegou violação aos arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI, 93, IX, e 109, I, da Constituição Federal. Não houve nenhum esforço com vistas a demonstrar que a decisão monocrática desta Vice-Presidência está equivocada, no cenário em que manifesta o óbice aos temas de repercussão geral supramencionados. Ao recorrente faltou desenvolver validamente fundamentação apta a demonstrar que as teses consagradas naqueles precedentes vinculantes não se aplicam ao caso dos autos, ou que estejam superadas por circunstância fática ou jurídica superveniente à sua edição. O agravo interno, cujos fundamentos somente se prestam a insurgir-se em relação a eventual error in judicando ou a error in procedendo, sem se desincumbir o agravante do ônus da impugnação clara e específica do fundamento determinante da decisão agravada, deve ser improvido. Nomeadamente, nas hipóteses em que a matéria impugnada foi apreciada sob a égide de norma infraconstitucional e decidida com supedâneo no conjunto fático-probatório. Confira-se: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XLVI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA CONSIGNADAS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. COMPREENSÃO DIVERSA. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA LEI MAIOR NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia, conforme já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem e o revolvimento do quadro fático delineado, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “ a”, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 2. Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante, porque se trata de matéria infraconstitucional” (AI 742.460-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 25.9.2009) . 3. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1426250 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 09-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-05-2023 PUBLIC 16-05-2023). DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO EXTRARDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES DE FALSIDADE DE DOCUMENTOS E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE E REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. 1. Por ausência de questão constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes - Tema 660). 2. O Plenário do STF já decidiu pela inexistência de repercussão geral quanto à alegação de violação ao princípio da individualização da pena em razão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, na fundamentação da fixação da pena-base (AI 742.460-RG, Rel. Min. Cezar Peluso - Tema 182). 3. A controvérsia relativa à individualização da pena passa necessariamente pelo exame prévio da legislação infraconstitucional. Precedentes: AI 797.666-AgR, Rel. Min Ayres Britto; AI 796.208-AgR, Rel Min. Dias Toffoli; e RE 505.815-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa. 4. A parte recorrente se limita a postular a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase processual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula 279/STF. Precedente. 5. O STF tem entendimento no sentido de que as decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões (AI 791.292-QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). Na hipótese, a decisão está devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante. 6. Ausência de ilegalidade flagrante ou abuso de poder que pudesse justificar a concessão de habeas corpus de ofício. 7. Agravo a que se nega provimento. (ARE 1381408 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27-06-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-131 DIVULG 01-07-2022 PUBLIC 04-07-2022). Ainda, a questão em torno da indispensável fundamentação das decisões judiciais (Tema 339 STF) foi objeto de julgamento pelo STF no AI 791.292/PE. No julgamento, ficou decidido que o comando constitucional exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas. Importa que o julgado esteja fundamentado e tenha efetivamente enfrentado a controvérsia deduzida nos autos, à luz do conjunto fático-probatório, quando permitido, como de fato sucedeu na hipótese aqui vertida, em que o acórdão possui suficiente fundamentação. Observados, pois, os exatos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, de modo a possibilitar o contraditório e o exercício do direito à ampla defesa, por meio dos instrumentos e recursos cabíveis, sendo o caso. No mais, o que se nota é que o recorrente pretende incursionar pela atividade probatória desenvolvida na instrução criminal. Seu interesse é debater sobre seu conteúdo e a insuficiência de provas para sua condenação, ou sobre a comprovação de outras teses de defesa, o que sabidamente é vedado em sede dos recursos excepcionais, que não se prestam a tal desiderato. De todo modo, não há plausibilidade neste agravo. O acórdão recorrido encontra-se amparado nas provas produzidas nos autos e o órgão julgador, concretamente, reconheceu a autoria e a materialidade delitiva. E, neste aspecto, estando suficiente e adequadamente fundamentado o julgado, o Tema de Repercussão Geral 339 tem plena incidência à espécie, justificando-se, portanto, a negativa de seguimento ao recurso extraordinário, na forma do art. 1.030, I, "a", do Código de Processo Civil. Outrossim, impede assinalar que, na hipótese irresignada, o exame das questões apontadas no arrazoado exigiria a análise da matéria fática à luz da norma infraconstitucional relacionada no arrazoado, como mencionado. A atividade encontra óbice, também, na tese veiculada no Tema de Repercussão Geral 895: “A questão da ofensa ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, quando há óbice processual intransponível ao exame de mérito, ofensa indireta à Constituição ou análise de matéria fática, tem natureza infraconstitucional, e a ela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009”. Esta é a ementa do julgado paradigma: PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. ÓBICES PROCESSUAIS INTRANSPONÍVEIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. QUESTÃO INFRACONSTITUCIONAL. MATÉRIA FÁTICA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Não há repercussão geral quando a controvérsia refere-se à alegação de ofensa ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, nas hipóteses em que se verificaram óbices intransponíveis à entrega da prestação jurisdicional de mérito (RE 956302 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19-05-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 15-06-2016 PUBLIC 16-06-2016). Nesse sentido, também: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 5º, X, XII, LIV E LV, E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA DE NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Inexiste violação do art. 93, IX, da Constituição Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que referido dispositivo constitucional exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões de seu convencimento. Enfrentadas todas as causas de pedir veiculadas pela parte, capazes de, em tese, influenciar o resultado da demanda, fica dispensado o exame minucioso de cada argumento suscitado, considerada a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador. 2. O Plenário desta Suprema Corte negou a existência de repercussão geral das matérias relacionadas à alegada violação dos princípios da inafastabilidade da jurisdição, nas hipóteses em que se verificarem óbices intransponíveis à entrega da prestação jurisdicional de mérito (RE 956.302-RG, Tema nº 895), do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (ARE 748.371-RG Tema nº 660). 3. A controvérsia, conforme já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem e o revolvimento do quadro fático delineado, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 4. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 5. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1401795 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-03-2023 PUBLIC 02-03-2023). Em arremate, não se admite a rediscussão dos termos do acórdão paradigma. Nesta seara recursal cabe a esta Vice-Presidência verificar tão somente a adequação entre o julgado recorrido e a tese enunciada nos Temas de Repercussão Geral, conferindo efetividade a opção do legislador consagrada na sistemática dos julgamentos proferidos em temas repetitivos ou de repercussão geral. Sobretudo, quando não há destaque para qualquer elemento de distinção, em concreto, entre o enunciado proferido em sede de repercussão geral e o julgado recorrido. Com efeito, os argumentos apresentados no presente agravo interno não abalam a fundamentação e a conclusão exaradas na decisão impugnada. Face ao exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto. APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002843-72.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: IURI CONRADO POSSE RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: YASME BEATRIZ POSSE RIBEIRO ALVES - BA76415 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: BRASIL BIO FUELS S.A. ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279-A EMENTA PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMAS DE REPERCUSSÃO GERAL 182, 339 e 660. RECURSO IMPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo interno em face da decisão que negou seguimento ao seu recurso extraordinário, cujos fundamentos não superaram o enunciado nos Temas de Repercussão Geral 182, 339 e 660. II. Questão em discussão 2. O recorrente insurge-se afirmando que, contrariamente ao entendimento manifestado na decisão agravada, o acórdão recorrido violou os arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI, 93, IX, e 109, I, todos da Constituição Federal. III. Razões de decidir 3. O art. 1.030, I, “b” do Código de Processo Civil, preceitua que deverá ser negado seguimento “a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos”. 4. O agravante se insurge alegando que não é hipótese para negativa de seguimento ao recurso extraordinário e que demonstrou a presença de repercussão geral da matéria impugnada. Em síntese, seu arrazoado reproduz a fundamentação exposta nas razões do recurso extraordinário, quando se alegou violação aos preceitos constitucionais que menciona. 5. Verifica-se que nas razões do agravo não se impugna a decisão de negativa de seguimento do recurso excepcional. Insiste-se na veiculação de argumentos por meio dos quais a parte considera equivocado o acórdão produzido pelo órgão fracionário deste Tribunal, o qual se mostra conforme o precedente vinculante representado nos Temas de repercussão geral 182, 339 e 660. Ademais, não há destaque para qualquer elemento de distinção, em concreto, entre o enunciado proferido em sede de repercussão geral e o julgado recorrido. 6. Ainda, o acórdão recorrido encontra-se amparado nas provas produzidas nos autos e o órgão julgador, fundamentadamente, reconheceu a autoria e a materialidade delitiva. E, neste aspecto, estando suficiente e adequadamente fundamentado o julgado, o Tema de Repercussão Geral 339 tem plena incidência à espécie. Incide na espécie, também, o Tema de Repercussão Geral 895, cujo enunciado veda o conhecimento do recurso extraordinário fundado em negativa de prestação jurisdicional baseada em afronta à atividade probatória ou cujo exame demanda o cotejo do conjunto fático-probatório. IV. Dispositivo e tese 7. Dispositivo: Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: "1. O agravo interno, cujos fundamentos apenas se prestam a insurgir-se em relação a eventual error in judicando ou a error in procedendo, sem se desincumbir o agravante do ônus da impugnação clara e específica do fundamento determinante da decisão agravada, deve ser improvido". "2. Também, é o caso de improvimento deste recurso, nas hipóteses em que a matéria impugnada foi apreciada sob a égide de norma infraconstitucional e decidida, fundamentadamente, com supedâneo no conjunto fático-probatório, sem a evidência de superação dos temas de repercussão geral 182, 339 e 660". 3. "A análise do recurso exigiria o exame de matéria fática e legislação infraconstitucional. Essa análise é obstaculizada, ainda, pelo Tema de Repercussão Geral 895 do STF, conforme precedente fixado no RE n. 584.608". ________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X, XII, LIV, LVI, LXI e XLVI; 93, IX, e 109, I; CPC, art. 1.030, I, "a". Jurisprudência relevante citada: ARE 1426250 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 09-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-05-2023 PUBLIC 16-05-2023; ARE 1381408 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27-06-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-131 DIVULG 01-07-2022 PUBLIC 04-07-2022; ARE 1401795 AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-03-2023 PUBLIC 02-03-2023); RE 956302 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19-05-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 15-06-2016 PUBLIC 16-06-2016. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por unanimidade, negou provimento ao Agravo Interno, nos termos do voto do Desembargador Federal Vice-Presidente JOHONSOM DI SALVO (Relator). Votaram os Desembargadores Federais NELTON DOS SANTOS, LEILA PAIVA, MARCELO SARAIVA, MÔNICA NOBRE, GISELLE FRANÇA, MARCELO VIEIRA, ADRIANA PILEGGI, ANA IUCKER, MARCOS MOREIRA, ANDRÉ NEKATSCHALOW (convocado para compor quórum), TORU YAMAMOTO (convocado para compor quórum), ANDRÉ NABARRETE, MAIRAN MAIA, NERY JÚNIOR, CONSUELO YOSHIDA e MARISA SANTOS. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais THEREZINHA CAZERTA e CARLOS DELGADO. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. JOHONSOM DI SALVO Desembargador Federal
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Processo nº 5003526-41.2019.4.03.6130
ID: 262110497
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Osasco
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5003526-41.2019.4.03.6130
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SIMONE VALERIA PATROCINIO
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5003526-41.2019.4.03.6130 / 2ª Vara Federal de Osasco AUTOR: ORLANDO RODRIGUES DE OLIVEIRA Advogado do(a) AUTOR: SIMONE VALERIA PATROCINIO - SP351323 REU: CAIXA ECONOM…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5003526-41.2019.4.03.6130 / 2ª Vara Federal de Osasco AUTOR: ORLANDO RODRIGUES DE OLIVEIRA Advogado do(a) AUTOR: SIMONE VALERIA PATROCINIO - SP351323 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF S E N T E N Ç A Trata-se de ação de conhecimento proposta por ORLANDO RODRIGUES DE OLIVEIRA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, na qual se pretende a revisão contratual. Narra o autor, em síntese, que teria firmado com a ré contratos de empréstimo consignado, cujas prestações comprometeriam grande parte de seu rendimento mensal. Alega que, pela natureza do contrato de adesão, há cláusulas abusivas, as quais garantem benefício exclusivo ao agente financeiro, acarretando desequilíbrio contratual. Sustenta que seria necessária a limitação dos descontos das parcelas a 30% de seu rendimento bruto, bem como a necessidade de redução dos juros cobrados. Relata, ademais, que teria havido venda casada em relação ao seguro de vida. Afirma a possibilidade de revisão contratual para afastar a onerosidade excessiva e restabelecer o equilíbrio contratual. Juntou documentos (IDs 19085127 a 19089056). O pedido de tutela de urgência foi indeferido (ID 21568796). Regularmente citada, a CEF ofertou contestação nos IDs 34727834 a 34728022. Em suma, defendeu a prevalência das cláusulas contratuais, refutando os argumentos da inicial. Réplica no ID 48501787. Foi indeferida a produção da prova pericial requerida pelo demandante (ID 264351562). Inconformado, o autor interpôs agravo de instrumento, o qual não foi conhecido (ID 283044209). As partes apresentaram alegações finais (IDs 334719452 e 335316829). Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO. Inicialmente, verifico que o feito está em condições de ser antecipadamente julgado, consoante dicção do art. 355 do CPC. Segundo narra a inicial, o autor celebrou com a CEF empréstimo consignado no valor de R$ 21.021,00, na data de 04/12/2012. Em 06/05/2013, celebrou outro empréstimo consignado, no valor de R$ 10.741,50. Afirma o demandante que teria buscado renegociar suas dívidas junto ao banco réu, porém este sugeriu que celebrasse outro empréstimo, gerando, assim, em 08/09/2017, um contrato de modalidade de crédito direto pessoal consignado para servidores públicos, no valor inicial contratado de R$ 29.607,70. Prossegue relatando que, em 08/05/2018, procurou novamente a instituição financeira para negociar sua dívida total, sendo novamente sugerida a liberação de negociação com cartão de crédito, celebrando, assim, um novo contrato no valor de R$ 10.845,03. Assegura que os valores somados das prestações dos quatro empréstimos totalizariam cerca de R$ 2.459,22, descontados diretamente de sua folha de pagamento e conta corrente em que recebe o salário, ultrapassando o limite legal permitido, qual seja, 30% (trinta por cento) do total de sua remuneração. Feitas essas considerações, é importante consignar que à hipótese em testilha aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor, sendo sob essa égide que a questão será examinada e solucionada. Deve-se ponderar, no entanto, que o referido diploma protetivo não tem força para suplantar o direito de outrem; presta-se, em verdade, para salvaguardar situações nas quais o consumidor esteja em evidente desvantagem jurídica, permitindo-lhe o pleno exercício dos postulados legais para resguardar seu direito material. Assim, a submissão dos contratos bancários à disciplina do CDC não implica nulidade automática das cláusulas contratuais, tampouco permite a revisão indiscriminada de seu conteúdo; apenas põe o consumidor numa posição mais favorável para requerer a revisão nos limites da lei e do próprio contrato. Não se verificando nenhuma prática abusiva por parte do agente financeiro, assim como não demonstrado eventual ônus excessivo, desvantagem exagerada, enriquecimento ilícito por parte do fornecedor, nulidade de cláusula contratual, ofensa aos princípios da transparência e da boa-fé etc., da incidência das referidas normas protetivas ao caso concreto não resulta nenhum efeito prático, revelando-se, outrossim, desnecessária a invocação genérica e abstrata da necessidade de proteção ao consumidor. Nessa linha intelectiva, os artigos 51 e 52 do CDC precisam ser compreendidos sob ótica objetiva. Não se pode ignorar que, diante da demanda existente nos dias atuais, não mais se afigura viável a elaboração de contratos personalizados, exigindo a celeridade do mercado que existam regras padronizadas – alinhadas com o ordenamento jurídico vigente, por óbvio – que contemplem a intenção da avença almejada pelas partes. Nesse sentir, o contrato de adesão é permitido, consoante expressamente consignado pelo art. 54 do CDC. Não se desconhece que as regras contratuais podem ser revistas, contudo não bastam, para isso, meras alegações relativas às ilegalidades das cláusulas que foram livremente aceitas. Sob esse enfoque, eventual abusividade contratual deve ser cabalmente demonstrada, não sendo possível que o julgador reconheça a irregularidade de ofício, consoante entendimento sumulado pelo STJ: Súmula 381. Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas. Examinando os instrumentos negociais, não verifico prática abusiva por parte do agente financeiro, sobretudo porque o demandante impugnou genericamente os valores exigidos pela CEF, afirmando, em suma, a abusividade dos juros praticados. Quanto ao tema, o STJ consolidou o entendimento de que a limitação dos juros remuneratórios imposta pelo Decreto n. 22.626/33 (Lei da Usura) não se aplica às instituições financeiras. Fato é que somente se admite a revisão dos juros remuneratórios em hipóteses excepcionais, devendo, para tanto, estar cabalmente demonstrada a abusividade capaz de deixar o consumidor em desvantagem exagerada, observadas as peculiaridades de cada caso. A propósito, confira-se o enunciado da Súmula 382/STJ: Súmula 382-STJ: “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.” Nesse contexto, cabe anotar que o termo “spread bancário” consiste no lucro da instituição financeira, isto é, a diferença entre o custo do dinheiro para o banco e o quanto ele cobra do consumidor na operação de crédito. A limitação ao lucro prevista na Lei n. 1.521/51, que dispõe sobre os crimes contra a economia popular, não impede que as instituições financeiras aufiram lucros superiores a 20%, haja vista a já mencionada não sujeição às regras da Lei de Usura. A imposição de limite à taxa média de mercado, repise-se, somente se admite nas hipóteses de abusividade, o que não se constatou na situação em apreço. Sobre o tema, confira-se o seguinte precedente: “CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMÓVEIS FINANCIADOS COM RECURSOS DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA DA IMPREVISÃO E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO.SPREADBANCÁRIO. TAXA DE JUROS NOMINAL E EFETIVA. ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR ANTERIOR À AMORTIZAÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. TAXA DE REFERÊNCIA. MORA. 1. A aplicação do Código de Defesa do consumidor nas relações de financiamento habitacional não é regra, porquanto o legislador tratou de maneira diferenciada as relações de financiamento para a aquisição da casa própria. Não tendo o mutuário comprovado o atendimento dos pressupostos aludidos no inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.078/90, não lhe assiste o direito à inversão do ônus da prova. Da mesma forma, a teoria da imprevisão e a função social do contrato não têm o condão de afastar as obrigações pactuadas pelo mutuário. 2. Os juros, nos contratos bancários em geral, não estão jungidos à disciplina da Lei de Usura, mas à Lei n.º 4.595/64, não podendo invocar a Lei n.º 1.521/51 para limitar o lucro da instituição financeira, uma vez não mais subsistem os percentuais legais máximos estipulados no Decreto n.º 22.626/33, aos quais a tipificação daquela estava intimamente vinculada. 3. Diferentemente da existência de previsão no contrato de incidência de uma taxa de juros nominal e outra efetiva (forma de cálculo simples ou composta), ou do sistema de amortização, o que a lei repudia é a prática de anatocismo, caracterizada pela cobrança de juros sobre capital renovado, ou seja, sobre montante de juros não pagos, já resultantes da incidência de juros compostos (capitalizados), que ocorre quando o valor do encargo mensal revela-se insuficiente para liquidar até mesmo a parcela de juros, dando causa às chamadas 'amortizações negativas', inexistentes no caso. 4. Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação.5. A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para reajuste do saldo devedor mesmo em contratos anteriores à Lei n.º 8.177/91, se pactuada correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança.6. Somente há descaracterização da mora quando da cobrança de encargos abusivos durante a relação contratual.” (TRF-4, Terceira Turma, Apelação Cível n. 5002253-36.2015.404.7101/RS, Rel. Des. Fed. Rogerio Favreto, 03/10/2017) No que toca à capitalização de juros, vigora o entendimento de ser admitida sua cobrança mensal, desde que expressamente pactuada. Nesse sentido: Súmula 539-STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada.” Súmula 541-STJ: “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.” “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. LIMITAÇÃO DOS JUROS EM 12% AO ANO.DESCABIMENTO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. LEGALIDADE. PACTUAÇÃOEXPRESSA.COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PREVISÃO CONTRATUAL. DECISÃOMANTIDA.1. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros prevista na Lei de Usura (Súmula n. 596/STF), salvo exceções legais, sendo inaplicáveis os arts. 591 e 406 do CC/2002 para esse fim. Ademais, conforme a Súmula n. 382/STJ: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade."2. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. 3. Havendo previsão contratual, é válida a cobrança da comissão de permanência no período de inadimplemento, desde que não cumulada com correção monetária nem com outros encargos remuneratórios ou moratórios. Afora isso, o valor exigido a esse título não pode ultrapassar a soma da taxa de juros de remuneração pactuada para a vigência do contrato, dos juros de mora e da multa contratual, nos termos das Súmulas n. 30, 294, 296 e 472 do STJ.4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 516908/RS – 2014/0115444-1, Rel. Mi. Antonio Carlos Ferreira, DJe 06/09/2016) Inexistindo maiores polêmicas acerca da questão, resta analisar se, no caso concreto, houve irregularidade decorrente da relação contratual. Diversamente do que sustenta a parte autora, os encargos questionados foram contratualmente previstos, não estando caracterizada ilegalidade quanto aos juros incidentes sobre os valores emprestados pela instituição financeira ré. A utilização da Tabela Price, também chamada de Sistema Francês de Amortização, por si só, não conduz à ilegalidade. Com a utilização desse método, a prestação será capaz de pagar integralmente os juros mensais. E se a prestação mensal paga integralmente os juros mensais, não haverá renovação na remuneração do capital, mediante o acréscimo de juros vencidos e não pagos, o que rechaça a alegação de capitalização sob a forma composta. Na situação em concreto, a aplicação da Tabela Price (Cláusula Quarta – ID 19086176 - pág. 02) não representa prejuízo para o consumidor, já que os juros são pagos juntamente com as prestações mensais fixas, sendo o saldo devedor amortizado periodicamente e quitado ao final do contrato, não se identificando, pois, hipótese de incidência de juros sobre juros. A esse respeito, pertinentes são os julgados cujas ementas seguem transcritas: "PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. AUSÊNCIA DE CONTRATO. EXTRATOS APRESENTADOS. DÍVIDA COMPROVADA. RECURSO DA CEF PROVIDO. APELAÇÃO DE HARUS CONSTRUCOES LTDA - EPP DESPROVIDA. I – É preciso consignar que a ação de cobrança não tem como pressuposto documento ou prova específica, daí por que, em tese, a cópia do contrato celebrado entre as partes não se afigura indispensável à propositura de ação, como seria no caso da ação executiva. II – É permitida a capitalização mensal nos contratos firmados após a edição da MP 2.170-36, bem como a utilização da Tabela Price. III - Há de se constatar que os valores, índices e taxas que incidiram sobre o valor do débito estão bem especificados, e que a questão relativa ao abuso na cobrança dos encargos contratuais é matéria exclusivamente de direito, bastando, porquanto, a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades. Logo, totalmente desnecessária a realização de prova pericial. IV – A discussão sobre eventuais cumulações de comissão de permanência com outros encargos resta prejudicada, uma vez que não se observa nos autos a alegada cumulação. V – Recurso da CEF provido. Apelação de HARUS CONSTRUCOES LTDA - EPP desprovida." (TRF-3, Segunda Turma, ApCiv 5010798-79.2019.403.6100/SP, Rel. Des. Fed. Luiz Paulo Cotrim Guimarães, e-DJF3 Judicial 1 de 16/03/2021) “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - GIROCAIXA FÁCIL - OP 734. AGRAVO RETIDO: CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL CONTÁBIL. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS: POSSIBILIDADE. COBRANÇA DE JUROS OU ENCARGOS EXCESSIVOS E ABUSIVOS: NÃO OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA CUMULADA COM OUTROS ENCARGOS: INOVAÇÃO RECURSAL. (...) 7. Vale notar que mesmo em se tratando de contrato de adesão, não basta a invocação genérica da legislação consumerista, pois é necessária a demonstração de que o contrato em discussão viola normas previstas no Código de Defesa do Consumidor. Na hipótese dos autos, verifica-se que a apelante não demonstrou de forma cabal a ocorrência de violação às normas da lei consumerista. 8. A inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor tem por lastro a assimetria técnica e informacional existente entre as partes em litígio. Assim, a distribuição do ônus da prova na forma ordinária do artigo 333, incisos I e II, do Código de Processo Civil somente deve ser excepcionada se restar comprovada a vulnerabilidade do consumidor, a ponto de, em razão dessa circunstância, não conseguir comprovar os fatos que alega, ao mesmo tempo em que a parte contrária apresenta informação e meios técnicos hábeis à produção da prova necessária ao deslinde do feito. Precedentes. 9. No caso dos autos, observa-se que a recorrente não incorreu em nenhuma das hipóteses do inciso VIII, do art. 6º. da Lei 8.078/90, tendo em vista a questão objeto da lide, isto é, a origem da dívida pactuada em contratos. 10. O contrato (Cédula de Crédito Bancário - GIROCAIXA Fácil - OP 734) foi firmado em 13/02/2013 e prevê expressamente a forma de cálculo dos juros. Ainda que se entenda que o cálculo dos juros pela Tabela Price implica em capitalização, tratando-se de contrato bancário firmado posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000), por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, é lícita da capitalização dos juros, nos termos do artigo 5º. Precedentes. 11. Tendo em vista as cláusulas contratuais que preveem expressamente a forma de apuração do saldo devedor com base em capital mais juros, portanto, a capitalização de juros, é lícita sua incidência. 12. Conforme assinalado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 2.591-DF, DJ 29/09/2006, p. 31, as instituições financeiras submetem-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, exceto quanto à "definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia". Em outras palavras, a definição da taxa de juros praticada pelas instituições financeiras não pode ser considerada abusiva com apoio no CDC. 13. As instituições financeiras não estão sujeitas à limitação da taxa de juros, conforme entendimento de há muito firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 596. No caso dos autos,não se verifica qualquer excesso ou abusividade nas cláusulas contratuais que fixam os juros remuneratórios. 14. Não há nos autos nada que indique que se trata de taxa que destoa das efetivamente praticadas no Sistema Financeiro Nacional. No sentido de que a mera estipulação de juros contratuais acima de 12% não configura abusividade, que somente pode ser admitida em situações excepcionais, firmou-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça. 15. Dessa forma, não há como sustentar a possibilidade de alteração da metodologia de cálculo dos juros expressamente prevista no contrato. E não há abusividade na taxa de juros que justifique a modificação do contrato pelo Poder Judiciário, o que, conforme dito, somente é admissível em hipóteses excepcionais. 16. Quanto à alegação de impossibilidade da incidência de comissão de permanência cumulada com encargos moratórios, verifica-se que referida questão não foi arguida na exordial, tampouco, foi objeto da sentença guerreada, de tal sorte que importa em inovação recursal e, por consequência, impõe-se o não conhecimento do apelo nesta parte. 17. Agravo retido improvido. Apelação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, improvida.” (TRF-3, Primeira Turma, Apelação Cível n. 0000707-94.2015.403.6119/SP, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3 Judicial 1 de 21/06/2018) “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO À PESSOA JURÍDICA. GIROCAIXA FÁCIL OP 734. CÉDULAS ACOMPANHADAS DOS DEMONSTRATIVOS DE DÉBITO E DAS PLANILHAS DE EVOLUÇÃO DA DÍVIDA. VALOR CERTO, LÍQUIDO E EXIGÍVEL. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.931/04. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. CABIMENTO. INCIDÊNCIA DA TAXA REFERENCIAL - TR. PREVISÃO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. A cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial, nos termos do disposto nos artigos 28 e 29 da Lei nº 10.931/2004. 2. Os títulos executivos extrajudiciais são aqueles assim definidos por lei. No caso de cédula de crédito bancário representativa de contrato de empréstimo bancário, o título prevê o pagamento de valor certo, líquido e exigível, sendo em tudo análogo aos demais títulos executivos extrajudiciais previstos no CPC - Código de Processo Civil. 3. Não há que se objetar que a cédula de crédito bancário representativa de contrato de abertura de crédito não possa constituir título executivo extrajudicial por lhe faltarem os requisitos da liquidez e certeza, ou ainda porque esses requisitos somente são satisfeitos por ato unilateral do credor. 4. Não há qualquer inconstitucionalidade nos artigos 28 e 29 da Lei n° 10.931/2004. A definição da força executiva de determinado título é matéria sujeita ao princípio da reserva legal, de tal forma que não se vislumbra qualquer afronta à Constituição na definição do contrato de abertura de crédito, veiculado por cédula de crédito bancário, como título executivo extrajudicial. 5. Há, portanto, títulos executivos extrajudiciais - contratos particulares assinados pelos devedores e avalistas, prevendo o pagamento de valor certo, líquido e exigível, de forma que estão sendo satisfeitos os requisitos do artigo 585, II c/c 580 do Código de Processo Civil - CPC/1973 (artigo 784, III, c/c 786 do Código de Processo Civil/2015), sendo cabível a ação de execução. Precedentes. 6. No caso dos autos, tendo em vista que a execução apresenta título líquido, certo e exigível, bem como, acompanhada dos demonstrativos de débito e do saldo devedor demonstrado em planilhas de cálculo, há, portanto, título executivo extrajudicial a embasar a ação executiva. Resta, pois, afastada a preliminar suscitada. 7. No caso dos autos, os contratos foram firmados em 18/09/2012 e 28/09/2012 e preveem expressamente a forma de cálculo dos juros. Ainda que se entenda que o cálculo dos juros pela Tabela Price implica em capitalização, tratando-se de contrato bancário firmado posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000), por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, é lícita da capitalização dos juros, nos termos do artigo 5º. Precedentes. 8. O sistema de amortização do saldo devedor pela utilização da Tabela Price não é vedado por lei. Além disso, é apenas uma fórmula de cálculo das prestações, em que não há capitalização de juros e, portanto, não há motivo para declarar a nulidade da cláusula questionada. Precedentes. 9. O contrato em questão prevê taxa de juros pós-fixada, composta pela TR mais um percentual definido. Não há nenhuma ilegalidade na estipulação, em contrato celebrado na vigência da Lei nº 8.177/1991, da TR - Taxa Referencial como indexador. Precedentes. 10. Há de ser mantida a TR como índice de correção monetária tal como prevista contratualmente. 11. Apelação improvida.” (TRF-3, Primeira Turma, Apelação Cível n. 0024407-59.2015.403.6100/SP, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3 Judicial 1 de 06/07/2017) Nesse sentir, nota-se que a parte demandante aceitou de forma livre o que foi estipulado no contrato, portanto não pode haver alteração unilateral sem maiores cuidados. Com efeito, deve prevalecer o princípio da força obrigatória dos contratos. Ademais, a inversão do ônus da prova não isenta o consumidor de apresentar a prova mínima de suas alegações. No caso em apreço, o acervo probatório existente nos autos conduz à compreensão de que é legítima a previsão contratual de aplicação da Tabela Price. É importante assinalar que as questões controvertidas no processo referem-se à revisão/interpretação das cláusulas contratuais e não diretamente à maneira de elaboração do cálculo da prestação e saldo devedor. A perícia técnica sugerida pela parte autora apenas se justificaria se as partes divergissem quanto à realização do cálculo. Neste caso, discordam da interpretação do contrato e, para decisão quanto a este assunto, é prescindível opinião técnica. Assim, desnecessária a produção de prova pericial, como já anteriormente assinalado. Com relação à teoria da base objetiva dos contratos, aplicável às relações jurídicas de consumo, o STJ firmou entendimento no sentido de que a revisão de contratos é possível desde que comprovada a existência de fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato (conforme AgInt no REsp 1514093/CE, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 07/11/2016; AgInt no AREsp 1340589/SE, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 27/05/2019). Eventual mudança de situação financeira do mutuário não é causa suficiente à invocação da teoria da base objetiva do contrato, já que “a situação particular do consumidor é insuficiente para romper a base objetiva do negócio jurídico, de modo que a mera modificação da capacidade financeira do contratante não caracteriza fato superveniente apto a ensejar a revisão contratual” (STJ, REsp 2171198/PE, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJEN de 05/12/2024). Também não se verifica extrema vantagem para a parte credora, já que os valores pagos à requerida foram devidamente estabelecidos em contrato, ao qual o demandante aderiu livremente. No que toca à alegação de que o valor total das parcelas devidas mensalmente deveria observar o limite de 30% de sua remuneração, igualmente carece de amparo a tese articulada. Segundo se extrai da análise dos documentos juntados nos IDs 19086528 e 19086514, a parte autora recebe aproximadamente o valor líquido de R$ 2.200,00, sendo descontado em folha de pagamento o valor de R$ 600,00 a título de empréstimo consignado, abaixo, portanto, do limite de 30% previsto em lei. Na realidade, o demandante possui outros contratos de empréstimo cujos valores são descontados de sua conta corrente, e não da folha de pagamento. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a modalidade de empréstimo com pagamento em débito na conta corrente mantida pela instituição financeira é distinta do empréstimo mediante consignação em folha de pagamento, não se sujeitando, assim, ao limite de 30% (trinta por cento) previsto no art. 1º, § 1º, da Lei nº 10.820/03. A questão foi, inclusive, objeto de análise em sede de recurso repetitivo, conforme Tema 1085, julgado em 09/03/2022, sendo fixada a seguinte tese: “São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.” Por fim, no que concerne à alegação de venda casada, mais uma vez não se sustenta a tese inicial. Não há comprovação de qualquer irregularidade, ou contratação forçada, no tocante ao seguro de vida em nome do autor. Os elementos existentes nos autos não indicam que tenha havido alguma imposição por parte da instituição financeira ré para o demandante realizar a alegada contratação, restando sem respaldo fático ou jurídico o argumento inicial nesse sentido. Destarte, a improcedência do pedido é medida que se impõe. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC. Defiro os benefícios da justiça gratuita ao autor. Anote-se. Condeno o demandante ao pagamento de honorários advocatícios da ré, nos termos do art. 85, parágrafo 2º, do CPC, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. A cobrança, contudo, deverá permanecer suspensa, conforme previsão inserta no art. 98, §3º, do diploma processual vigente. Custas na forma da lei. Após o trânsito em julgado e nada sendo requerido, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Osasco/SP, data constante do sistema PJe. MAYARA SALES TORTOLA ARAÚJO Juíza Federal Substituta
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Processo nº 5001243-86.2019.4.03.6181
ID: 300801582
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5001243-86.2019.4.03.6181
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
YONG JUN CHOI
OAB/SP XXXXXX
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SAE KYUN LEE
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001243-86.2019.4.03.6181 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001243-86.2019.4.03.6181 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, JIMMY PARK Advogados do(a) APELANTE: SAE KYUN LEE - SP129154-A, YONG JUN CHOI - SP142873-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: NO JOON PARK, JUNG YUL PARK MOON, JI YAE PARK PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001243-86.2019.4.03.6181 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, JIMMY PARK Advogados do(a) APELANTE: SAE KYUN LEE - SP129154-A, YONG JUN CHOI - SP142873-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O JUIZ FEDERAL CONVOCADO ALEXANDRE SALIBA (Relator): O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, NO JOON PARK, JUNG YUL PARK MOON, JI YA PARK e JIMMY PARK, pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 149, caput, § 1º, inciso II e §2º, inciso I do Código Penal, bem como também denunciou ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, em concurso material, com o crime previsto no artigo 149-A, incisos II e III do Código Penal, e pela prática, por duas vezes, do crime previsto no artigo 304, combinado com o artigo 297, ambos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na exordial (ID 267291124): “I – FATOS DENUNCIADOS Restou comprovado nos autos em referência, na Ação Cautelar nº 5000851-49.2019.4.03.6181, bem como no Pedido de Quebra de Sigilo Bancário – Autos nº 5002038-92.4.03.6181, que, entre o período compreendido entre outubro de 2018 e junho de 2019, os denunciados ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, NO JOON PARK, JUNG YUL PARK MOON, JI YA PARK e JIMMY PARK, no local situado na Rua Banbina Hares, nº 26, Jardim de Lourenço, São Paulo/SP, reduziram estrangeiros a condições análogas às de escravo, submetendo-os a jornadas exaustivas de trabalho, sujeitando-os a condições degradantes de vida e trabalho, bem como restringindo a locomoção das vítimas em razão da falta de pagamento de salários, servidão por dívidas e falta de documentação regular. Além disso, restou apurado que o denunciado ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA agenciou, aliciou e alojou pessoas estrangeiras, mediante fraude, com a finalidade de submetê-las a trabalho em condições análogas às de escravo, bem como à servidão, aproveitando-se da dependência econômica a que eram submetidas (artigo 149-A, incisos II e III do Código Penal). As condutas criminosas tiveram início em outubro de 2018, com o aliciamento, agenciamento e transporte das vítimas estrangeiras do país de origem para o Brasil, perdurando até junho de 2019, quando as vítimas PERCY JHOHAN ALIAGA YUCRA e ELIANA JASMINA VILASSANTE QUISPE deixaram a oficina de costura de ALDEMIR CAPAJANA. Por fim, restou apurado que, em outubro de 2018, ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA falsificou documentos públicos, com ou sem o auxílio de outras pessoas, bem como fez uso deles ao entregá-los às vítimas PERCY JHOHAN ALIAGA YUCRA (nascido em 11/09/2002, natural de Puno, província San Roman – fls. 25), e ELIANA JASMINA VILASSANTE QUISPE (nascida em 12/07/2003, natural de Puno, Província de Moho – fls. 24), para que ingressassem no Brasil no dia 18/10/2018 como se fossem maiores de idade. II – DAS APURAÇÕES Os fatos foram inicialmente informados perante a Polícia Nacional do Peru, por denúncia verbal apresentada por Nadia Bianca Coaquira Condena, que narrou que seu sobrinho menor de idade PERCY JHOTAN YUCRA ALIAGA (então com 17 anos) e sua namorada ELIANA JASMINA QUISPE VILASSANTE (então com 16 anos), desapareceram de sua cidade natal no Peru (Moho – Puno) no mês de outubro de 2018, sem deixar informações sobre seu paradeiro a seus familiares (fls. 18/24). Porém, em 07/07/2019, a família se comunicou com eles pelo aplicativo Messenger, da rede social Facebook, tomando conhecimento de que estavam no Brasil após terem recebido oferta de trabalho em uma confecção em São Paulo, em troca de dinheiro, alimentação, hospedagem e passagens pagas. Nesse período, o casal de jovens concebeu uma filha, nascida no dia 02/07/2019. Porém, foi narrado pelos jovens que o senhor para quem trabalhavam, de nome CAPAJANA, havia descontado do valor dos salários prometidos as passagens e comida, não pagou o salário combinado e ainda os abandonou à própria sorte, sem pagar pelo tempo de trabalho. Além disso, CAPAJANA teria falsificado os documentos para que saíssem do Peru como se fossem maiores de idade. Os jovens informaram terem conseguido deixar a oficina do denunciado, sendo acolhidos em outro local na cidade de São Paulo, de forma que o Consulado do Peru solicitou a apuração dos fatos e da situação dos menores. Os fatos foram, a seguir, noticiados à Polícia Federal, que, no dia 19/07/2019, realizou diligências na Rua Silvestre de Almeida Lopes, nº 306, São Paulo/SP, também uma oficina de costura, onde as vítimas PERCY e ELIANA estavam residindo naquele momento. Com o consentimento dos proprietários do imóvel, apreenderam documentos pertencentes a eles. Os jovens estiveram no Consulado do Peru, onde prestaram depoimentos e receberam auxílio para retornar ao país com a bebê recém-nascida. Com as informações obtidas naquela diligência (fls. 44), a Polícia Federal identificou que a oficina de costura onde os jovens trabalhavam anteriormente era sediada na Rua Balbina Hares, nº 26 e pertencia ao denunciado ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, titular da pessoa jurídica de CNPJ nº 18.486.061/0001-76. Em diligência realizada no mesmo dia 19/07/2019, os policiais foram autorizados pelo denunciado a ingressar no local (fls. 78), onde constataram a presença de 12 (doze) estrangeiros adultos e 02 (duas) crianças, filhas de uma funcionária. Em entrevistas, os funcionários confirmaram que trabalhavam com costura de roupas. As vítimas foram ouvidas no Ministério do Trabalho e, posteriormente, prestaram depoimento perante este E. Juízo nos autos Medida Cautelar nº 5000851.49.2019.4.03.6181, sendo que seus depoimentos confirmam as práticas criminosas que serão a seguir detalhadas. III – DO TRÁFICO DE PESSOAS, FALSIFICAÇÃO E USO DE DOCUMENTOS FALSOS Restou demonstrado que PERCY JHOHAN ALIAGA e ELIANA JASMINA QUISPE VILASSANTE, ambos peruanos, foram aliciados, agenciados, transportados e alojados para trabalhar no Brasil por ALDEMIR HUACHALLA CAPAJANA, mediante fraude, diante de promessas não consolidadas e abuso de condição de vulnerabilidade das vítimas. ALDEMIR lhes ofereceu trabalho em uma oficina de costura na cidade de São Paulo, prometendo-lhes retribuição justa pelos serviços a serem prestados, bem como alimentação, hospedagem e passagens. Todavia, aqui chegando, as promessas não foram cumpridas e passaram a ser explorados, trabalhando em situações análogas às da escravidão. Além disso, ALDEMIR CAPAJANA entregou a PERCY e ELIANA documentos falsos para que os jovens ingressassem no Brasil, tendo ciência de que eram menores de idade. Tais fatos foram confirmados pelos jovens em depoimentos prestados ao Ministério do Trabalho, bem como ao prestarem depoimento em sede de produção antecipada de provas perante este E. Juízo. A vítima PERCY narrou que estava caminhando em sua cidade, no Peru, quando viu uma placa anunciando trabalho para costureiros, com ou sem experiência, com a indicação de um telefone. Ligou para o número e falou com o denunciado ALDEMIR, que lhe disse para ir em determinado endereço, o que foi feito. Ao se encontrarem, ALDEMIR prometeu pagar a PERCY e a ELIANA entre R$ 4,00 (quatro reais) e R$ 5,00 (cinco reais) por peça costurada, além de víveres para alimentação. Disse que também pagaria a passagem. PERCY lhe disse que eram menores de idade e que não tinham documentos, sendo que ALDEMIR disse que solucionaria tudo. Se encontraram na Calle Montero, em uma hospedagem, onde tiveram tal conversa. PERCY relatou ter concordado com a oferta, tendo vindo ao Brasil juntamente com ELIANA. Viajaram de ônibus com mais 04 (quatro) pessoas, acompanhados de ALDEMIR, que custeou as passagens e demais despesas. Ao chegarem no Brasil, os jovens foram diretamente para a Rua Balbina, local em que estava localizada a oficina de ALDEMIR, onde foram alojados para viver e trabalhar. O agenciamento, aliciamento e transporte de PERCY e ELIANA por parte de ALDEMIR foi, também, confirmado por ELIANA, que narrou perante este E. Juízo que estavam procurando trabalho quando viram um aviso do “Sr. ALDEMIR”, o qual dizia que estava procurando trabalhadores com ou sem experiência e com ou sem filhos para virem ao Brasil. Entraram em contato e se encontraram com ALDEMIR, que lhes disse que pagaria entre R$ 4,00 (quatro reais) e R$ 5,00 (cinco) reais por peça costurada, além dos gastos com alimentação. Os bilhetes de passagem identificados às fls. 40, 41 e 42 dos autos demostram que as vítimas deixaram Corumbá com destino a São Paulo, passando por Campo Grande no dia 18/10/2018. PERCY e ELIANA estavam acompanhados de ALDEMIR, conforme consta em registro migratório do denunciado, que também ingressou no Brasil no dia 18/10/2018 (fls. 56). Resta demonstrado que, visando impedir que autoridades migratórias soubessem que eram menores de idade, ALDEMIR falsificou e entregou à vítima PERCY a cédula de identidade nº 4569873, em tese emitida pelo Consulado da Bolívia, onde constava falsamente que PERCY era cidadão boliviano (fls. 36), por ele utilizada para ingressar no Brasil (Cartão de Entrada e Saída apresentado por PERCY ao controle de imigração no dia 18/10/2018 - fls. 41). PERCY nasceu no dia 11 de setembro de 2002 e tinha, portanto, 16 anos quando ingressou no Brasil (fls. 25), mas a cédula falsa de identidade boliviana dizia ser nascido no dia 15 de setembro de 2000 (fls. 36-37) Outrossim, ALDEMIR falsificou e entregou à vítima ELIANA documento consistente na cédula de identidade peruana nº 76428552-8, em nome de Ana Marilia Mayta Cahuya, com fotografia da vítima ELIANA, onde constava data de nascimento 26/07/1998 (fls. 36, 37, 42 e 227), que foi utilizada pela vítima no dia 18/10/2018 para ingressar no Brasil (fls. 39 e Cartão de Entrada e Saída às fls. 42). Todavia, ELIANA nasceu no dia 12 de julho de 2003 e tinha, portanto, 15 anos quando ingressou no Brasil (fls. 24). De fato, consoante certidão apresentada pelo Consulado da Bolívia, PERCY não é cidadão boliviano, sendo que, conforme certidões apresentadas pelo Consulado do Peru, PERCY JHOHAN ALIAGA e ELIANA JASMINA QUISPE VILASSANTE (dados da DNI de fls. 24/25 e do Controle de Entrada e Saída de fls. 30) são cidadãos peruanos. Os documentos falsos providenciados por ALDEMIR para que fossem apresentados pelas vítimas à imigração encontram-se apreendidos nos autos, conforme Termo de Apreensão juntado às fls. 227, com fotografias às fls. 36-37. Foram utilizados para o preenchimento dos bilhetes de passagem, compradas por ALDEMIR para os jovens aliciados (fls. 40 e 41) PERCY e ELIANA narraram que as promessas feitas por ALDEMIR não foram cumpridas, visto que foram obrigados a trabalhar por longas e exaustivas jornadas sem receber os valores prometidos por cada peça costurada, caracterizando a fraude, bem como o abuso da situação de vulnerabilidade das vítimas, jovens estrangeiros provenientes de local em difíceis condições econômicas, que viram no denunciado, seu compatriota, um benfeitor capaz de ajudá-los com melhores condições de vida no Brasil. Porém, aqui chegando, foram submetidos a trabalho em condições análogas às da escravidão, bem como a servidão por dívidas, conforme a seguir será exposto. IV – DA REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO Ao chegarem no Brasil, as vítimas foram alojadas na oficina de costura de ALDEMIR, situada na Rua Banbina Hares, nº26, Jardim de Lourenço, São Paulo/SP, onde passaram a trabalhar em jornadas exaustivas, condições degradantes e em restrição de locomoção mediante retenção de salários, servidão por dívidas e falta de documentação regular. O trabalho consistia em costurar peças de roupa das marcas Anchor e Tova, pertencentes a empresas dirigidas pelos demais denunciados. Na medida cautelar de produção de provas ofertada perante este E. Juízo, as jornadas excessivas de trabalho foram confirmadas pelas vítimas, bem como os valores irrisórios recebidos pelos jovens pelos trabalhos prestados entre outubro de 2018 e junho de 2019. Foi narrado, também, que quando PERCY e ELIANA pretenderam deixar a oficina, ALDEMIR CAPAJANA lhes cobrou uma dívida de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais) referente às despesas de viagem. De fato, depondo em Juízo, PERCY narrou que ALDEMIR lhe havia prometido um quarto individual, o que não ocorreu, já que dormiam com outras pessoas e, no início, em uma única cama para uma pessoa. Trabalhavam das 07h00 hs da manhã até as 22h30 hs, com apenas 02 (duas) pausas curtas para o café e uma pausa para o almoço. Aos sábados, trabalhavam até 12h30 hs. A comida era de qualidade ruim, sendo que as vítimas reclamavam, mas nada adiantava. A promessa de pagamento entre R$ 4,00 (quatro reais) e R$ 5,00 (cinco) reais por peça não se concretizou, sendo que receberam R$ 6.000,00 (seis mil reais) no total, pelo trabalho realizado entre outubro de 2018 e junho de 2019. PERCY acrescentou que, aos finais de semana, não saíam do imóvel porque não tinham documentos regulares. Em certo momento, resolveram que queriam ir embora, diante do não pagamento prometido e condições ruins ofertadas, mas ALDEMIR chegou a trancar a residência para que não saíssem sem pagar uma suposta dívida de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais), bem como, ainda, reteve os pertencentes dos jovens. Então, a vítima PERCY acabou pagando R$ 1.000,00 (mil reais) ao denunciado, sendo que este lhe disse que, enquanto não pagasse os R$ 400,00 (quatrocentos reais) restantes, não deixaria que retirassem suas coisas. PERCY pediu, então, ajuda a um amigo, o qual, por sua vez, pediu ajuda à sua patroa, que concordou em ajudá-los, mas por pouco tempo, pois eram menores de idade. PERCY retornou, então, à oficina de ALDEMIR em momento em que este estava em seu quarto, quando conseguiu retirar seus pertences. PERCY relatou que recebia por peça, mas em valor bem inferior ao prometido, entre R$ 1,00 (um real) a R$ 1,25 (um real e vinte e cinco centavos) por peça costurada. ELIANA, por sua vez, trabalhava mesmo estando grávida, sendo que o bebê nasceu quando já tinham deixado a oficina de ALDEMIR. Ressaltou ter dito a ALDEMIR que era menor de idade, mas este lhe disse que providenciaria documentos para que pudessem viajar. O depoimento da vítima ELIANA foi semelhante, relatando que dormia com PERCY em um quarto com ALDEMIR e seu filho, em 04 (quatro) pessoas. Disse que chegavam e já iniciavam o trabalho, o que se dava entre as 07h00min e as 22h00min. Relatou que tinham 15 (quinze) minutos para o café da manhã, 01 (uma) hora para almoço e depois o jantar. Afirmou que receberam por peça menos do que o combinado e que não parou de trabalhar quando ficou grávida, sendo que PERCY pedia a ALDEMIR para que ELIANA parasse um pouco o trabalho, mas que ALDEMIR não concordava. Disse que aos sábados trabalhava até as 12h00min e que ficaram na oficina até junho, sendo que PERCY disse a ALDEMIR que iriam embora, mas ALDEMIR disse que tinham uma dívida de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais). Afirmou que PERCY deu a ALDEMIR a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) e que, então, conseguiram sair. Disse, ainda, que além dos R$ 6.000,00 (seis mil reais) que foram pagos diretamente a PERCY, recebeu R$ 300,00 (trezentos reais) por ter ajudado na cozinha durante 02 (duas) semanas. Portanto, o casal recebeu pelo trabalho com costura apenas R$ 6.000,00 (seis mil reais), referentes a serviços prestados entre o final de outubro de 2018 e junho de 2019, quando deixaram a oficina. Assim sendo, ambos trabalharam no mínimo 07 (sete) meses em jornadas exaustivas e receberam o equivalente a R$ 857,14 (oitocentos e cinquenta e sete reais e quatorze centavos) por mês (o casal), portanto, cerca de R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais) em média para cada um por trabalho mensal, executado em jornadas exaustivas, caracterizando o crime de redução a condições análogas às de escravo diante dos rendimentos extremamente reduzidos para o trabalho realizado. Assim, os jovens viviam e trabalharam em condições insalubres e degradantes. Eram obrigados a trabalhar por muitas horas, acreditando que receberiam um valor relevante pelos serviços por eles executados. Ademais, as instalações do local eram precárias e perigosas, conforme fotografias presentes nos autos, com a presença de infiltrações, pessoas trabalhando e residindo juntas em um mesmo ambiente, com a presença de fiação exposta e improvisada para o trabalho de costura, sendo que todos eram ali submetidos a sérios riscos de acidentes, inclusive de incêndio (fotografias às fls. 63, fls. 315 e seguintes). As condições de higiene eram igualmente precárias, com banheiro contendo vaso sanitário sem tampa, não havendo lixeira nem papel higiênico no local (fls. 321) e, ainda, a presença de botijões de gás em ambiente fechado, com claro risco de explosão (fls. 324). O cerceamento da liberdade das vítimas resta caracterizado em razão da falta do pagamento prometido, expediente utilizado nitidamente para manter o domínio e a exploração sobre as vítimas, que obviamente não iriam querer retornar ao país de origem após tanto trabalhar e quase nada receber. Ademais, as vítimas estavam sendo cobradas por dívidas por despesas custeadas por ALDEMIR, que, inclusive, chegou a dificultar a saída dos jovens do local, trancafiando a porta e retendo seus pertences. Outrossim, a restrição à liberdade é caracterizada pelo fato de que as vítimas estavam indocumentadas, prática sabidamente utilizada pelos aliciadores para que os trabalhadores tenham medo de se reportar às autoridades, temendo deportações e outras sansões pelo trabalho ilegal. Vale frisar: não há liberdade para imigrantes que vivem e trabalham ilegalmente em um país distante, há milhares de quilômetros de suas origens, onde se fala um idioma diverso, não conhecem pessoas de confiança, estão sem dinheiro suficiente para subsistência e temendo por sua segurança e integridade. Assim, muito embora a exploração dos trabalhadores em casos de escravidão contemporânea seja diversa do contexto que tínhamos no país na época da colonização, em que trabalhadores eram oficialmente escravizados e acorrentados, é certo que a exploração da força de trabalho, a degradação, a afronta à dignidade da pessoa humana e o cerceamento da liberdade restam perfeitamente delineados em casos como o presente, merecendo rigorosa punição. V – DA AUTORIA DELITIVA Conforme apontado nos itens anteriores, restou devidamente caracterizada a responsabilidade de ALDEMIR pelo crime de tráfico internacional de pessoas para fins de exploração do trabalho em condições análogas às de escravidão, tendo o acusado aliciado, agenciado, transportado e alojado as vítimas com a finalidade de exploração ilícita de mão de obra de trabalho. Inclusive, às fls. 56 dos autos consta histórico de movimentos migratórios de ALDEMIR, que revelou constantes saídas e entradas em território nacional, possivelmente para recrutar trabalhadores ilegais. O documento de fls. 56 demonstra o ingresso de ALDEMIR no Brasil no dia 18/10/2018, mesma data em que as vítimas PERCY e ELIANA também ingressaram em território nacional, demonstrando que ALDEMIR falta com a verdade ao dizer, perante a Polícia Federal, que não teria sido responsável por trazer as vítimas do exterior (fls. 178). Além dos depoimentos prestados em Juízo, as vítimas PERCY e ELIANA prestaram depoimento perante o Consulado Geral do Peru, ocasião em que ambos trouxeram declarações similares às prestadas em Juízo. Nesses depoimentos, consta que as vítimas vieram ao Brasil pela rota Boliviana acompanhadas de ALDEMIR e de mais outros 04 (quatro) trabalhadores por ele recrutados (fls. 298). PERCY relatou que ALDEMIR retirava botões do fogão aos finais de semana para que não pudessem cozinhar, que o mesmo dizia que não podiam reclamar com ninguém devido ao fato de que não tinham documentos regulares e que não podiam sair porque apenas ele tinha as chaves da porta. No que tange aos denunciados JUNG YUL PARK MOON, NO JOON PARK, JI YA PARK e JIMMY PARK, não há provas de que tenham participado do aliciamento, agenciamento e transporte das vítimas, bem como da falsificação de documentos. Porém, resta demonstrado que agiram de forma dolosa e consciente no que tange à exploração das vítimas em circunstâncias análogas às da escravidão, aproveitando-se deliberadamente da mão de obra “barata” advinda da exploração de imigrantes ilegais e sabidamente em situação de exploração e precariedade. Os acusados agiram dolosamente para obter lucros indevidos, deixando de arcar com os custos trabalhistas devidos para os trabalhadores protegidos pela legislação brasileira, obtendo vantagens em seus preços mais baixos, em relação a outras empresas do mesmo setor. Na oficina de costura de ALDEMIR foram encontradas diversas peças em processo de costura, fardos de cores de peças, peças piloto, notas fiscais e outros insumos e documentos de propriedade das empresas Confecções ANCHOR LTDA (marca “ANCHOR”) e MNJ Confecções LTDA (marca “TOVA”), sendo que tais marcas foram confirmadas pela vítima PERCY como sendo referentes às etiquetas das roupas que costurava. Nesse sentido, os Autos de Infração lavrados pelo Ministério do Trabalho trazem a informação de que as roupas costuradas e comercializadas se destinavam às marcas de moda “ANCHOR” e “TOVA”. Durante os trabalhos, foram fiscalizadas a oficina de costura gerenciada por ALDEMIR CAPAJANA, na Rua Balbina Hares, nº 26, bem como os estabelecimentos das empresas Confecções ANCHOR LTDA, na Rua Silva Teles, nº 125, e MNJ Confecções, na Rua Aimorés, nº 255, Bom Retiro. O Ministério do Trabalho localizou os demais imigrantes que trabalhavam e residiam no local da oficina de ALDEMIR, inclusive ouvindo-os e obtendo indenização a favor deles. A fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho apurou que tais empresas atuavam como um único grupo econômico, sendo formada por membros de uma mesma família, ou seja, os denunciados JUNG YUL PARK MOON, NO JOON PARK e suas filhas JI YA PARK e JIMMY PARK, compartilhando os locais onde eram confeccionadas as peças e constituindo-se, em verdade, em uma única empresa de indústria e comércio de vestuário. Assim, referido grupo econômico, formado pelos denunciados citados, exercia as atividades de comando, direção e ingerência por todas as atividades da oficina de costura de ALDEMIR, buscando estratégias para obter resultados e adequar a produção e o preço das peças à sua clientela. A empresa Confecções ANCHOR LTDA, CNPJ nº 08.029.773/0001-02, tem como sócios responsáveis os acusados NO JOON PARK e JUNG YUL PARK MOON. Por sua vez, a empresa MNJ Confecções LTDA, CNPJ nº 21.758.005/0001-58, tem como sócias responsáveis as denunciadas JI YA PARK e JIMMY PARK, ambas filhas de NO JOON PARK e JUNG YUL MOON. Porém, na prática, os quatro membros da família participam de ambas as empresas e dela obtém proveitos indevidos, às custas da exploração de estrangeiros ilegais. Os Autos de Infração elaborados pela fiscalização elencam as circunstâncias apuradas e identificadoras da exploração dos trabalhadores imigrantes, submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e vivência, bem como ilegais em sua situação migratória. Além disso, há fotografias das “gambiarras” elétricas existentes na oficina de costura que causavam sobrecarga à rede elétrica, submetendo os trabalhadores a risco de vida em caso de incêndio. Os auditores relataram, ainda, que encontraram o imóvel trancado e com fechaduras e chaves, além de descreverem as condições de moradia e trabalho em comum, compartilhada entre diversos trabalhadores e seus familiares, inclusive com a presença de filhos pequenos (fls. 280 e seguintes e fls. 314 e seguintes). Visando trazer mais elementos aos autos, foi requerida a este E. Juízo a QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO de todos os envolvidos, cujos extratos e análises, trazidos pelo sistema SIMBA-PGR, juntados aos autos com a presente denúncia, confirmaram que a empresa de ALDEMIR trabalhava de forma praticamente exclusiva para os demais denunciados. De fato, o extrato consolidado da conta de ALDEMIR, mantida junto ao Itaú Unibanco, conta-corrente nº 165922, agência nº 5591, revelou que mais da metade de sua renda identificada é proveniente de depósitos realizados pela empresa Confecções Anchor LTDA. Assim, do total de R$ 505.356,00 (quinhentos e cinco mil, trezentos e cinquenta e seis reais) de renda identificada, a quantia de R$ 397.975,99 (trezentos e noventa e sete mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e nove centavos) foi proveniente de depósitos da empresa Confecções Anchor LTDA. Nesse sentido, ALDEMIR disse às autoridades policiais que desde 2015 costurava apenas para a “ANCHOR”, fazendo sempre vestidos e sem contrato formal (fls. 179). Disse que tratava com a funcionária “Cida”, que mandava os cortes das peças para a oficina e depois determinava a retirada, o que era feito pelo motorista “Ney”. Disse, também, que recebia os valores devidos através de comparecimento pessoal na Rua Silvia Teles, tendo afirmado que os donos da confecção nunca estiveram em sua oficina, mas que “Cida” e o motorista “Ney” sim. Disse ter visto os donos da empresa de vista, citando “um senhor e sua filha”. Os extratos detalhados da conta acima citada demonstraram, inclusive, a presença de depósitos realizados pela “ANCHOR” a ALDEMIR a partir de outubro de 2018, data em que as vítimas foram aliciadas e alojada por ele, bem como passaram a trabalhar para a costura das marcas “ANCHOR” e “TOVAR”. Assim, em 26/10/2018, ALDEMIR recebeu R$ 17.130,00 (dezessete mil e cento e trinta reais) da “Confecções ANCHOR”. Os depósitos continuaram nas seguintes datas e valores, até o resgate das vítimas: R$ 27.335,00 (vinte e sete mil, trezentos e trinta e cinco reais) em 03/12/2018; R$ 12.176,50 (doze mil, cento e setenta e seis reais e cinquenta centavos) em 17/12/2018; R$ 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos reais) em 01/02/2019; R$ 19.054,00 (dezenove mil e cinquenta e quatro reais) em 01/03/2019; R$ 27.271,50 (vinte e sete mil, duzentos e setenta e um reais e cinquenta centavos) em 12/04/2019; R$ 8.059,00 (oito mil e cinquenta e nove reais) em 03/05/2019; R$ 14.127,00 (quatorze mil, cento e vinte e sete reais) em 31/05/2019, R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais) em 18/06/2019; e R$ 10.930,00 (dez mil, novecentos e trinta reais) em 04/07/2019. Ressalte-se que o extrato detalhado em questão demonstra que grande parte dos recursos ingressados em referida conta veio diretamente da “Confecção ANCHOR”, sendo que as demais movimentações variavam entre saques, pagamentos, aplicações e resgates. Ouvida às fls. 258 dos autos, Maria Aparecida de Sousa declarou que trabalha para a “Confecção ANCHOR” há 13 (treze) anos, sendo responsável por selecionar as oficinas de costura, dentre as quais a de ALDEMIR, tendo afirmado que todas são pertencentes a bolivianos, confirmando, portanto, que as empresas ANCHOR e MNJ utilizam apenas serviços fornecidos por estrangeiros. Disse que os proprietários da empresa são NO JOO PARK e JUNG YUL PARK MOON. Às fls. 268, Odirlei Nogueira da Silva disse trabalhar para empresa “ANCHOR” desde 2006, na função de motorista, sendo responsável por entregar os cortes da empresa “ANCHOR” nas oficinas de costura. Disse ter sido contratado por JUNG UYL PARK MOON e confirmou que fazia o transporte de cortes para as oficinas de costura, bem como que buscava as peças costuradas pelas oficinas, dentre as quais as de ALDEMIR. Saliente-se que os denunciados JUNG YUL PARK MOON e NO JOON PARK não foram ouvidos durante as investigações policiais por não compreenderem o idioma português, mas ambos estavam presentes quando suas filhas, as rés JI YA PARK e JIMMY PARK, prestaram depoimento na Polícia Federal (fls. 188). Em síntese, ambas disseram que são sócias da empresa MNJ Confecções LTDA mas que não fazem parte do contrato social da “ANCHOR”. Porém, relataram que JIMMY é responsável pela administração da “MNJ” e também da “ANCHOR”, sendo que JI é a estilista das duas empresas. Afirmaram que os pais, JUNG e NO, não são sócios da “MNJ”, apenas da “ANCHOR”. Disseram que a contratação da oficina se deu pela funcionária “Cida”, dizendo não saberem de detalhes da oficina de ALDEMIR, buscando, assim, isentarem-se de responsabilidades (fls. 230/231). Todavia, há elementos nos autos que demonstram que os 04 (quatro) denunciados sócios das empresas envolvidas agiram de forma dolosa, consciente e premeditada, explorando a mão de obra de pessoas estrangeiras submetidas a condições de trabalho análogas às da escravidão, conforme Autos de Infração lavrados pelo Ministério do Trabalho e conforme extratos bancários que confirmaram que a oficina de ALDEMIR era custeada quase que integralmente pelas empresas “MNJ” e “ ANCHOR”. Vale frisar que, não obstante tenham sido identificados depósitos a favor de ALDEMIR apenas a partir de conta bancária da empresa “ANCHOR”, restou demonstrado que ambas eram, de fato, um mesmo grupo econômico, administrado por grupo familiar constituído pelos demais denunciados. Nesse sentido, o extrato consolidado depositantes-beneficiários das empresas investigadas revelara que a empresa “MNJ CONFECÇÕES LTDA”, que tinha como representantes JI YAE PARK e JIMMY PARK, remeteu para a “Confecção ANCHOR”, por conta mantida junto ao Banco Bradesco (conta-corrente nº 124958, agência nº 114), no período compreendido entre janeiro de 2017 a setembro de 2019, o valor de R$ 1.635.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e cinco mil reais). De tal forma, grande parte do valor pago à confecção de ALDEMIR por conta da empresa “ANCHOR” era proveniente também de contas da empresa “MNJ”, que detinha a marca TOVA, também empregada nas roupas costuradas na oficina em questão. Ressalte-se, ainda, que os extratos das empresas “ANCHOR” e “MNJ” revelaram grande movimentação financeira, demonstrando tratarem-se de empresas de grande poderio econômico, gerenciando e coordenando a produção de peças de vestuário sob padrões e preços por elas ditados e conduzidos, utilizando-se dolosamente da mão de obra de trabalhadores estrangeiros ilegais e vulneráveis, para, depois, distribuir as peças produzidas em lojas de vestuário, gozando de ilícita vantagem de preço em relação a outras empresas do setor. Vantagem essa, vale frisar, advinda da dolosa exploração de mão de obra estrangeira em condições análogas às da escravidão, conforme bem relatado no relatório apresentado pelo Ministério do Trabalho, presente às fls. 276 e seguintes dos autos. Outrossim, os proveitos pessoais obtidos pelos denunciados através das empresas das quais são sócios restaram igualmente demonstrados. Nesse sentido: – JI YAE PARK, por sua conta mantida junto ao Banco Bradesco, c/c nº 26824, recebeu o valo total de R$ 115.000,00 da Confecções ANCHOR, bem como R$ 368.874,20 da empresa MNJ Confecções, no período compreendido entre janeiro de 2017 a setembro de 2019. – JIMMY PARK, no mesmo período, por sua conta mantida junto ao Banco Bradesco, c/c nº 5061652, recebeu R$ 245.600,00 da Confecções ANCHOR e R$ 488.300,69 da MNJ Confecções. Em sua conta mantida junto ao Banco Itaú, c/c nº 177733, recebeu R$ 95.000,00 da Confecções ANCHOR. – JUNG YUL PARK MOON, no mesmo período, por sua conta mantida junto ao Banco Bradesco, c/c nº 1373129, recebeu R$ 105.000,00 da Confecções ANCHOR. - NO JOON PARK, no mesmo período, por sua conta mantida junto ao Banco Bradesco, c/c nº 566, recebeu R$ 245.000,00 da Confecções ANCHOR e R$ 65.000,00 da MNJ Confecções LTDA. Importante ressaltar que o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado pelo Ministério Público Federal contou com as participações de JIMMY PARK, representando a empresa MNJ Confecções, e de NO JOON PARK, representando a empresa Confecções ANCHOR LTDA (fls. 93). Assim, por todo o exposto resta demonstrado que os denunciados NO, JUNG, JIMMY e JI tratam-se de pais e filhas previamente organizados e ajustados para a contratação de oficinas de pessoas estrangeiras sabidamente em trabalho ilegal, em condições de vida e trabalho degradantes, com a liberdade cerceada, exploradas em jornadas exaustivas e pagamentos irrisórios, sem a garantia de quaisquer direitos trabalhistas assegurados pela legislação brasileira, sendo essa, justamente, a razão pela qual optaram por contratar a oficina de ALDEMIR, devendo, assim, responder como grandes beneficiários do crime de exploração de redução de pessoas a condições análogas às da escravidão, tendo agido, no mínimo, em dolo eventual. Por fim, eventual alegação de desconhecimento das ilicitudes referentes ao trabalho das vítimas não haverá como ser aceita, visto ser fato notório e bastante divulgado por toda a imprensa, já há muitos anos, que imigrantes estrangeiros ilegais trabalham em oficinas de costura clandestina em situação de risco e exploração criminosa, fato que não há como ser ignorado pelos denunciados, já há muitos anos atuando no mercado de vestuário. VI –DO PEDIDO Diante de todo o exposto, o Ministério Público Federal requer a CONDENAÇÃO de ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, NO JOON PARK, JUNG YUL PARK MOON, JI YA PARK e JIMMY PARK pela prática do crime previsto no artigo 149, caput, § 1º, inciso II e §2º, inciso I do Código Penal. Além disso, requer a condenação de ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA pela prática, em cumulação material, do crime previsto no artigo 149-A, incisos II e III do Código Penal, bem como pela prática, por duas vezes, do crime previsto no artigo 304, combinado com o artigo 297, ambos do Código Penal.” A denúncia foi recebida 01/05/2020 (ID 267291125). Após regular instrução, sobreveio sentença, da lavra da MMa. Juíza Federal ANDREIA SILVA SARNEY COSTA MORUZZI e publicada em 10/02/2022 (Id. 267292149), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal descrita na denúncia para: a) ABSOLVER os réus NO JOON PARK, JUNG YUL PARK MOON e JI YAE PARK das sanções do artigo 149, caput, §1º, inciso II e §2º, inciso I do Código Penal, com esteio no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, e ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, das sanções do crime previsto no artigo 304, combinado com o artigo 297, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; b) CONDENAR a ré JIMMY PARK nas sanções do artigo 149, caput e § 2º, inciso I, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária em montante equivalente a 20 (vinte) salários mínimos; c) CONDENAR o réu ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA nas sanções do artigo 149, caput e § 2º, inciso I, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, e nas sanções do artigo 149-A, incisos II e III, do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, totalizando a pena de 07 (sete) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. A sentença transitou em julgado para a acusação em 22 de fevereiro de 2022, e para os corréus NO JOON PARK, JUNG YUL PARK MOON e JI YAE PARK, em 25 de fevereiro de 2022, conforme certificado no id 267292218. Apela o réu ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, representado pela Defensoria Pública da União, em que pede a reforma da r. sentença, para que seja absolvido dos delitos previstos no art. 149, §2º, inciso I e no art. 149-A, II e III, todos do CP, pelos seguintes argumentos (ID 267292222): a) não há provas da materialidade em relação ao delito previsto no art. 149 do CP; b) é compreensível que os trabalhadores, visando produzir mais e receber uma maior remuneração, algumas vezes excediam a carga horária que a legislação trabalhista impõe; c) não há provas de que tenha havido jornadas exaustivas ou condições degradantes de trabalho ou moradia; d) não há provas da materialidade e autoria delitiva em relação ao delito previsto no art. 149-A do CP; e) ausência de prova do dolo específico na conduta prevista no art. 149-A do CP. Apela a ré JIMMY PARK, alegando em suas razões de apelação (ID 267717649) a) preliminarmente, inépcia da denúncia, ao argumento de que o MPF ofereceu denúncia baseada, exclusivamente, na notícia crime apresentada pelo Consulado do Peru e nas provas apuradas cautelarmente, bem como, que as vítimas do delito (ELIANA e PERCY) só identificaram como autor do delito ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, nada mencionando em relação a JIMMY; b) a recorrente foi condenada por crimes que não cometeu; c) os atos praticados por ALDEMIR CAPAJANA não eram de conhecimento da apelante (JIMMY); d) nunca chegou ao conhecimento de JIMMY qualquer relato sobre anormalidades na oficina de costura; e) ALDEMIR CAPAJANA afirmava que todos os trabalhadores estavam em situação regular; f) o tomador de serviço da empresa terceirizada não pode ser responsabilizado por fatos e atos criminosos praticados por terceiros; g) não há provas de jornadas exaustivas ou restrições do direito de ir e vir; h) pede o reconhecimento da atenuante do art. 65, III, “b” do CP e afastamento da causa de aumento do § 2º, I, do art. 149 do CP. Contrarrazões do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso da defesa (Id. 267292286). O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Procuradora Regional da República, Dra. Cristina Marelim Vianna, opinou pelo desprovimento dos recursos defensivos (Id. 271258645). É o relatório. Ao MM. Revisor. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001243-86.2019.4.03.6181 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, JIMMY PARK Advogados do(a) APELANTE: SAE KYUN LEE - SP129154-A, YONG JUN CHOI - SP142873-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): Ratifico o relatório. ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLLA foi condenado pela prática do crime do art. 149, caput e §2º, inciso I, do Código Penal, porque, no período de outubro de 2018 a julho de 2019, em oficina de costura situada na Rua Balbina Hares, nº 26, Jardim de Lourenço, nesta Capital, reduziu os adolescentes de origem peruana, Percy Jhohan Aliaga e Eliana Jasmina Quispe Vilassante, a condições análogas à de escravo, submetendo-os a jornadas exaustivas de trabalho, sujeitando-os a condições degradantes de vida e trabalho, bem como restringindo a sua locomoção em razão da falta de pagamento de salários, servidão por dívidas e falta de documentação regular. ALDEMIR CAPAJANA também foi condenado nas penas do art. 149-A, incisos II e III, do Código Penal, porque agenciou, aliciou e alojou as vítimas estrangeiras acima referenciadas, mediante fraude, com a finalidade de submetê-las a trabalho em condições análogas às de escravo, bem como à servidão, aproveitando-se da dependência econômica a que eram submetidas. JIMMY PARK foi condenada pela prática do crime do art. 149, caput e §2º, inciso I, do Código Penal porque, na condição de responsável pela gerência financeira e administrativa das empresas Confecções ANCHOR LTDA (marca “ANCHOR”) e MNJ Confecções LTDA (marca “TOVA”), teria, de forma dolosa, consciente e premeditada, explorado a mão de obra de pessoas estrangeiras submetidas a condições de trabalho análogas às da escravidão, mediante a contratação de oficinas de pessoas estrangeiras sabidamente em trabalho ilegal, em condições de vida e trabalho degradantes, com a liberdade cerceada, exploradas em jornadas exaustivas e pagamentos irrisórios, sem a garantia de quaisquer direitos trabalhistas assegurados pela legislação brasileira, sendo essa, justamente, a razão pela qual optaram por contratar a oficina de ALDEMIR, gozando de ilícita vantagem de preço em relação a outras empresas do setor. Da inépcia da denúncia Sustenta e defesa de JIMMY a inépcia da denúncia, ao argumento de que o MPF ofereceu denúncia baseada, exclusivamente, na notícia crime apresentada pelo Consulado do Peru e nas provas apuradas cautelarmente, bem como, que as vítimas do delito (ELIANA e PERCY) só identificaram como autor do delito ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA, nada mencionando em relação a JIMMY. Rejeito a preliminar. A jurisprudência já pacificou entendimento no sentido do descabimento da alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria. Nesse sentido: PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE AUTORIA. PRETENSÃO QUE NÃO SE COADUNA COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ROL DE TESTEMUNHAS. QUESTÃO DEVIDAMENTE EQUACIONADA NAS INSTÂNCIAS INFERIORES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. SUPOSTA INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO DA ARGUIÇÃO QUANDO SUSCITADA APÓS A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PLANO DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER PRIMA FACIE EVIDENTE QUANDO DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATÉRIA NÃO CONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. "A arguição de inépcia da denúncia resta coberta pela preclusão quando aventada após a sentença penal condenatória, o que somente não ocorre quando a sentença vem a ser proferida na pendência de habeas corpus já em curso" (RHC 98.091/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia). (...) (HC 111363, LUIZ FUX, STF.) EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO POR EDITAL. VALIDADE. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) III - inépcia da denúncia alegada somente após a prolação da sentença condenatória. Preclusão. Precedentes. (...) V - Ordem denegada. (HC 95701, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.) Complementando, ainda que se entendesse que a arguição de nulidade fosse da própria sentença condenatória, tenho que, nas circunstâncias dos autos, não mereceria acolhimento. Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a prática do crime de redução a condição análoga à de escravo, e a acusação encontra suporte probatório nos elementos coligidos aos autos, especialmente no inquérito policial que instruiu a peça inicial. Destarte, a exordial descreveu a conduta imputada à apelante JIMMY, de ter explorado a mão de obra de pessoas estrangeiras submetidas a condições de trabalho análogas às da escravidão, mediante a contratação de oficinas de pessoas estrangeiras sabidamente em trabalho ilegal, em condições de vida e trabalho degradantes, com a liberdade cerceada, exploradas em jornadas exaustivas e pagamentos irrisórios, sem a garantia de quaisquer direitos trabalhistas assegurados pela legislação brasileira. Como se vê, a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo ao réu o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal. Caso contrário, a ação penal não teria transcorrido sem que, em algum momento, fossem aventadas pela Defesa dificuldades de identificação da conduta praticada pela acusada, eis que esta foi capaz de defender-se. Desta feita, não entrevejo inépcia da peça acusatória, que está apta a deflagrar ação penal em desfavor da increpada. Superada a preliminar suscitada, procedo ao exame do mérito. Do crime previsto no art. 149 do Código Penal O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que versam, especificamente, sobre o compromisso de adoção de medidas orientadas à abolição imediata e completa do trabalho forçado ou obrigatório, tais como a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956; a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e a Convenção nº 105 da OIT (Convenção Relativa à Abolição do Trabalho Forçado), as quais impõem o dever de implantação de medidas eficazes visando à repressão e à prevenção do trabalho escravo e práticas similares. Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou no sentido de que o Estado brasileiro, ao não coibir adequadamente as formas de trabalho escravo contemporâneas e ao promover uma proteção deficiente dos direitos violados por tais práticas ilícitas, incorre em violação aos artigos 6.1 (proibição a escravidão ou a servidão e ao tráfico de pessoas), 8.1 (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conforme consignado no julgamento do “Caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde”, de forma que a promoção dos meios necessários à adequada proteção dos bens jurídicos tutelados pela norma do art. 149 do Código Penal constitui, também, medida de prevenção à responsabilidade internacional do Estado. Neste ponto, é relevante notar que o bem jurídico tutelado pela referida norma penal transcende a liberdade individual, abrangendo também a dignidade da pessoa humana, o direito de autodeterminação e o sistema de organização do trabalho. No caso, consta dos autos que o réu ALDEMIR CAPAJANA, na condição de proprietário de oficina de costura, situada na Rua Balbina Hares, nº 26, Jardim de Lourenço, São Paulo/SP, e a ré JIMMY PARK, representante financeira e administrativa das empresas CONFECÇÕES ANCHOR LTDA. (“ANCHOR”) e MNJ CONFECÇÕES LTDA. (“MNJ”), entre o período de outubro de 2018 a julho de 2019, previamente ajustados e agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, reduziram dois trabalhadores adolescentes de origem peruana a condição análoga à de escravos, mediante submissão a jornadas de trabalho exaustivas e sujeição a condições degradantes de trabalho e de moradia, e restringindo a sua liberdade em razão da falta de pagamento de salários, servidão por dívidas e falta de documentação regular. Em 19/07/2019, foi realizada missão policial pela Polícia Federal na oficina de costura de ALDEMIR, na Rua Balbina Hares, 26, Sao Paulo/SP, sendo constatado que os funcionários estrangeiros trabalhavam e moravam no local. O registro fotográfico realizado durante a diligência policial mostra as instalações precárias, com fios espalhados na sala em que os costureiros trabalhavam e lixo espalhado pelo chão (ID 267291087, p. 17/39). Após, no período de 18 a 29 de agosto de 2019, os auditores-fiscais do trabalho apuraram que as vítimas foram alojadas na oficina de costura de ALDEMIR, situada na Rua Balbina Hares, nº 26, Jardim de Lourenço, São Paulo/SP, onde passaram a trabalhar em jornadas exaustivas, condições degradantes e em restrição de locomoção mediante retenção de salários, servidão por dívidas e falta de documentação regular. O trabalho consistia em costurar peças de roupa das marcas Anchor e Tova, que eram administradas pela acusada JIMMY. Restou apurado que, quando Percy e Eliana pretenderam deixar a oficina, ALDEMIR CAPAJANA lhes cobrou uma dívida de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais) referente às despesas de viagem. A autoria e a materialidade de tais práticas delitivas descritas na exordial acusatória restaram devidamente reconhecidas pela sentença recorrida, estando comprovadas nos autos pelo Relatório de Fiscalização e Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pelos Auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (id 267291099 a 267291113), pelos depoimentos prestados em Juízo pelas vítimas ELIANA e PERCY (mídia id 267291407 e267291408) e pelos depoimentos das testemunhas Luís Alexandre Faria e Carlos Ortiz. Consoante relatório de auditoria de condições análogas às de escravo, tráfico internacional de pessoas e frustração de direito assegurado em lei trabalhista, realizada na oficina de costura improvisada na residência de ALDEMIR, situada à R. Balbina Hares, 26 - Jardim São Lorenzo - São Paulo- SP – CEP 03715-090 pela equipe de Auditores-Fiscais do Trabalho do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo, da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, foram constatadas diversas e graves violações de direitos fundamentais no trabalho dos onze trabalhadores ali encontrados, todos imigrantes das nacionalidades boliviana e peruana, que trabalhavam como costureiros, produzindo com exclusividade e dependência econômica peças de vestuário das marcas Anchor e Tova, de propriedade de CONFECÇÕES ANCHOR LTDA. e MNJ CONFECÇÕES LTDA., em ambientes degradantes de trabalho e alojamento. Os auditores do trabalho apuraram que “Dos 11 (onze) trabalhadores encontrados no local, nenhum era registrado em Livro de Registro de Empregados; além da ausência do referido registro, não lhes eram garantidos nem mesmo os direitos trabalhistas mínimos correspondentes ao contrato de trabalho, como o piso salarial da categoria, o respeito ao limite legal das jornadas de trabalho, o recolhimento de FGTS e INSS, além de condições seguras e saudáveis de trabalho e alojamento, dentre outras questões que serão adiante detalhados. (...) Também no local de trabalho, foram apreendidos cadernos informais de anotação de produção, elaborados pelo Sr. Aldemir, confirmando o trabalho do adolescente Percy Jhohan Yucra Aliaga, durante o período declarado” (id 267291100, p. 9 e 12). O Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho, elaborado pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, apresentou as seguintes conclusões acerca das condições verificadas no local de trabalho e no alojamento dos empregados contratados pelos réus (ID 267291108, p. 16/18): “XII. CONCLUSÕES 1 – A situação constatada in loco na oficina de costura inspecionada localizada na R. Balbina Hares, 26 - Jardim São Lorenzo - São Paulo- SP - CEP 03715-090, configura trabalho análogo ao de escravo, conforme preceituado no artigo 149 do Código Penal Brasileiro e da Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho – OIT ratificada pelo Decreto Legislativo nº 41.721/1957, indicando os procedimentos prescritos no art. 2-C, da Lei 7.998, de 11 de Janeiro de 1990 e na Instrução Normativa SIT/MTE n. 139 de 22/01/2018, em virtude das condições degradantes do meio ambiente de trabalho e de moradia, além da jornada de trabalho exaustiva e servidão por dívida, além da frustração de direito trabalhista previsto em lei, nos termos do art. 203, do Código Penal Brasileiro; 2 - A oficina inspecionada é apenas uma das várias oficinas inidôneas contratadas pela CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. para executar integralmente a atividade de costura – essencial ao desenvolvimento do seu negócio - das peças de roupas produzidas com sua marca. Constatou-se que a oficina de costura efetivamente prestou serviços de costura para a CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. Importante ressaltar a falta de idoneidade econômico-financeira da oficina de costura, que não possui capacidade econômica que possam justificar a viabilidade empresarial da mesma; 3 - A terceirização das atividades de costura contratadas pela CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA., principalmente de trabalhadores de nacionalidade boliviana e peruana, ocorreu mediante a utilização fraudulenta de operações de “fornecimento” “industrialização por conta de terceiros”, visando a ocultar a subordinação estrutural-reticular ensejadora do vínculo empregatício com os costureiros que assim têm seus direitos trabalhistas frustrados, acarretando ainda a sonegação do FGTS e do INSS; 4 - Conforme demonstrado, os 13 (treze) trabalhadores prejudicados, vinculados à oficina de costura inspecionada, são empregados da empresa CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. De acordo com o relatado, a autuada utilizou-se de intermediação ilícita de mão-de-obra, para alocar trabalhadores em atividades permanentes e essenciais ao seu funcionamento, de forma contínua, com pessoalidade e subordinação. Afastada a licitude da "terceirização", por aplicação dos artigos 2°.,3° e 9° da CLT; 5 - O baixo valor pago pela CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA ., que é repassado à oficina de costura do Sr. ALDEMIR CAPAJAÑA, que por sua vez repassa para os costureiros, após os descontos a que entende fazerem jus, é causa direta para a perpetuação das condições degradantes e análogas às de escravo a que estão submetidos os trabalhadores ocupados nessas oficinas, notadamente os de nacionalidade boliviana e peruana; 6. Por restar caracterizado que, no local inspecionado (oficina), existia o alojamento e acolhimento de trabalhadores, e que, recorrendo-se à sua condição de vulnerabilidade, explorava-se a sua força de trabalho em condições que são similares à escravatura, conclui-se pela ocorrência de tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo, conforme definido no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, promulgado por meio do Decreto nº 5.017, de 12 de Março de 2004, no artigo 149-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e nos termos do Parágrafo Único do art. 5º. da Instrução Normativa Nº 139, de 22 de Janeiro de 2018 da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Concluímos o presente relatório constatando a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo, sob responsabilidade e em benefício das empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA., nos termos exatos do presente relatório.” Da análise do exposto, é possível verificar que as constatações assinaladas pelos agentes responsáveis pelas diligências fiscalizatórias realizadas no local dos fatos evidenciam a existência de condições atentatórias à dignidade humana dos trabalhadores contratados pelos réus. Sustenta a defesa a ausência de comprovação das jornadas exaustivas. Alega que os depoimentos produzidos sob o crivo do contraditório das testemunhas que trabalharam na oficina de costura, Maria Elizabeth Miranda Choque e Noé Sales Cerezo Peralta, do informante Robotnin Huanca Chambi, bem como conforme o interrogatório de ALDEMIR, a jornada de trabalho se dava das 7h às 18h, com intervalo para o café da manhã que durava cerca de 15 (quinze) minutos e 01 (uma) hora para o almoço, além da jornada de trabalho aos sábados ir até as 12h. Destaca que a vítima Eliana não informou em seu depoimento qual o horário encerrava seu trabalho, mas apenas quando iniciava e que tinha pausa para o café e horário de almoço, e que as respostas de Eliana e de Percy acerca do horário em que encerravam a jornada de trabalho e também do tempo destinado para o almoço são divergentes. Sustenta que não houve a imposição por ALDEMIR de trabalho em jornadas exaustivas por parte das vítimas, e que os próprios trabalhadores, visando produzir mais e receber uma maior remuneração, algumas vezes excediam a carga horária que a legislação trabalhista impõe. Não assiste razão à defesa. A jornada de trabalho excessiva restou devidamente comprovada nos autos. De início, destaco o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho, em que os auditores fiscais do trabalho constataram a prática da jornada de trabalho excessiva por parte dos estrangeiros na oficina de costura de Aldemir, bem como a mudança da narrativa dos trabalhadores após a fiscalização, apresentando temor (id 267291105, p. 2/3): “Verificamos, por meio de entrevistas tomadas espontaneamente, no exato momento da inspeção, que eles trabalhavam, de segunda a sexta-feira, das 7h00h às 12h00, com uma hora de almoço, e das 13h00 às 22h00. Aos sábados, trabalhavam das 7h00h às 12h00, eventualmente, também no período da tarde. As anotações de produção corroboram com o declarado, pelo volume e intensidade produtiva. De se salientar que a jornada acima declarada foi expressa em uníssono na primeira abordagem da inspeção, realizada em 19/07/2019. Num segundo contato dos trabalhadores com os Auditores, por ocasião de sua ida à sede da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo para a realização dos procedimentos atinentes ao resgate, aparentavam bastante temor, já não mais mantiveram a mesma desenvoltura em narrar os fatos, descrevendo de forma sintética, distinta e em uníssono que as condições de trabalho eram conforme a legislação nacional. Esta situação foi sopesada pela equipe de Auditores-Fiscais do Trabalho para formar a convicção de que, a despeito dos relatos tomados nesse segundo momento, a jornada real a que eram submetidos era aquela mais elastecida, afirmada na primeira abordagem. Conjugada aos depoimentos e entrevistas feitas com os trabalhadores, que apontam fadiga, estresse, exaustão, dores nas costas, coluna, olhos e juntas, ao final da jornada, dificuldade para dormir e despertar, e sono intranquilo, conclui-se pela ocorrência de jornada exaustiva. Por privar o ser humano do exercício de direitos fundamentais, como o de exercer o lazer, o convívio social e familiar, o de acompanhamento do crescimento e educação dos filhos, do descanso suficiente e adequado, entre outros, é de se reconhecer que jornadas habituais e constantes que extrapolem o máximo extraordinariamente permitido por lei, de 10 horas diárias (no caso vertente, cerca de 14 horas de jornada) ofendem e degradam a condição humana. A jornada exaustiva imposta a estes trabalhadores imigrantes de origem peruana e boliviana está diretamente relacionada ao baixo valor pago pela CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. para cada peça costurada, valor esse repassado para a oficina de costura gerenciada pelo Sr. ALDEMIR CAPAJAÑA HUACHALLA, e que, por sua vez, é repassada aos trabalhadores, após ser efetuada retenção de cerca de 66% (sessenta e seis por cento) do valor pago por cada peça, a título de aluguel, alimentação, água, luz e demais despesas, além do lucro do oficinista, todas cobradas dos trabalhadores, segundo declarações tanto do oficinista quanto dos trabalhadores, prestadas espontaneamente no momento da inspeção no local de trabalho. Apenas com muitas horas de trabalho os trabalhadores imigrantes conseguiriam gerar renda suficiente para garantir as despesas com alimentação e moradia providas pelo gerente da oficina, além da almejada sobra que, remetida à Bolívia e ao Perú e convertida em moeda local, poderia minimamente prover à subsistência de uma família inteira. Esta jornada, agravada pelo ritmo intenso e concentração exigidos no trabalho de confecção de peças de vestuário, e tendo ainda em vista a remuneração por produção, leva os trabalhadores ao esgotamento físico e mental. A par disso, a remuneração era paga aos trabalhadores de maneira irregular, sendo quitada pelo oficinista apenas quando este recebia pelos cortes entregues, o que podia demorar até um mês após a entrega da produção. Enquanto isso, de acordo com suas necessidades, os trabalhadores recorriam a “vales” feitos com o oficinista, meticulosamente anotados e descontados de seus ganhos. Os depoimentos prestados inicialmente pelos trabalhadores aos auditores fiscais coincidem com o depoimento de PERCY na fase judicial, no sentido de que trabalhava das 7h da manhã até as 22h30 da noite (mídia id 267291408, 08:50 e 09:30), que faziam duas pausas de 15 minutos para o café (uma as 8h30 e outra as 17h00), uma pausa de 1 hora para o almoço, sendo o jantar após as 22h30. Disse ainda que aos sábados trabalhava até meio-dia, as vezes até a uma ou duas horas da tarde (mídia id 267291408, 22h45). No mesmo sentido, foi o depoimento da vítima ELIANA, de que trabalhava desde às 7 da manhã, que tinha 15 (quinze) minutos para o café da manhã, 01 (uma) hora para almoço e quando terminava o jantar (mídia id 267291407, 05:30), e que aos sábados trabalhava até ao meio-dia (mídia id 267291407, 09:30). Sustenta ainda a defesa a inexistência de condições degradantes de trabalho. Argumenta que, apesar das condições de trabalho não serem ideais, extrai-se dos autos que elas tampouco eram degradantes, a ponto de justificar a manutenção de um decreto condenatório; que a oficina de costura funcionava dentro da residência de ALDEMIR (que era também a residência de outros estrangeiros), que retrata a maioria das casas do Brasil que têm, por vezes, instalações elétricas improvisadas, vasos sanitários sem tampa, botijão de gás dentro da cozinha; que nenhuma das testemunhas ouvidas em Juízo reclamou das condições do trabalho na oficina. Aduz que até mesmo Percy e Eliana somente reclamaram da alimentação fornecida, admitindo que a qualidade da comida caiu devido à mudança da cozinheira e, mesmo insatisfeitos, reconheceram que havia alguém para cuidar do seu preparo e era fornecida diariamente sem custo adicional. Consoante Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho, elaborado pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, a oficina de costura de ALDEMIR apresentava condições degradantes de trabalho, em desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalho (id 267291100 p. 21, id 267291101): “A) CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO – DESRESPEITO GENERALIZADO ÀS NORMAS DE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO NA OFICINA UTILIZADA PELA CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. A oficina de costura utilizada pelas empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA para confecção de seus produtos, encontra-se na R. Balbina Hares, 26 - Jardim São Lorenzo - São Paulo- SP - CEP 03715-090. Nesta oficina de costura inspecionada, é possível afirmar que as condições de segurança e saúde são inexistentes, tanto nos locais de trabalho, como nos locais de moradia. Importante ressaltar que ambos, moradia e local de trabalho, encontram-se no mesmo endereço e na mesma construção, e se confundem. Os trabalhadores laboravam em total desrespeito às normas trabalhistas e de saúde e segurança do trabalho. Estavam submetidos a uma jornada de cerca de 14 (catorze) horas de trabalho diários, o que traz reflexos prejudiciais à sua segurança e à sua saúde. O excesso de trabalho diário faz com que, inclusive, os trabalhadores fiquem mais suscetíveis a acidentes de trabalho, em razão do cansaço físico e da completa exaustão a que são submetidos, configurando uma jornada exaustiva, nos termos da vedação contida no ordenamento jurídico; além disso, expõem os mesmos trabalhadores a risco de doenças ocupacionais, em razão da jornada extenuante. Agrava-se a situação o fato de que os trabalhadores sequer foram submetidos a exame médico ocupacional, que se trata de um recurso fundamental para a preservação e promoção da saúde do trabalhador. Ademais, na inspeção, foram encontradas várias irregularidades no tocante à segurança e medicina do trabalho. As instalações elétricas não se encontravam em condições seguras de funcionamento, pois eram precárias e improvisadas. Além disso, o portão de entrada era mantido trancado e não havia rotas de saída ou de fuga, para casos de incêndio, muito comuns nessa atividade econômica. Também não havia Auto de Vistoria emitido pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Soma-se, ainda, que todos os trabalhadores residiam no mesmo local onde trabalhavam. Considerando todos esses fatores, em seu conjunto, elevam exponencionalmente a possibilidade de ocorrência de acidente que ocasione um incêndio de grandes e gravíssimas proporções, fatos preponderante na determinação da interdição dos alojamentos. Em relação aos aspectos ergonômicos e de conforto, salientemos que os assentos utilizados pelos trabalhadores não atendiam aos requisitos mínimos de ergonomia estabelecidos na NR-17. As instalações sanitárias não dispunham de material para limpeza e enxugo das mãos. Também não era disponibilizado papel higiênico. Não havia local adequado para que os trabalhadores fizesssem suas refeições com conforto e higiene. Os botijões de gás encontravam-se estocados dentro do ambiente de moradia e trabalho, implicando risco de explosão e incêndio para as famílias que ali habitavam. As polias das máquinas de costura estavam desprotegidas, implicando risco de escalpelamento, principalmente para as diversas crianças que circulavam pelo ambiente de trabalho. O registro fotográfico realizado durante as diligências, tanto pela autoridade policial quanto pelos auditores do trabalho, deixa claro a insalubridade e insegurança das condições de trabalho a que sujeitava os trabalhadores na oficina de ALDEMIR, com a presença de infiltrações, pessoas trabalhando e residindo juntas em um mesmo ambiente, com a presença de fiação exposta e improvisada para o trabalho de costura, sendo que todos eram ali submetidos a sérios riscos de acidentes, inclusive de incêndio (id 267291087, p. 21/29, id 267291102, 267291103, 267291104). As condições de higiene eram precárias, com banheiro contendo vaso sanitário sem tampa, não havendo lixeira nem papel higiênico no local (id 267291104, p. 2) e, ainda, a presença de botijões de gás em ambiente fechado, com claro risco de explosão (id 267291105). Como explicitado na sentença: “(...) as instalações sanitárias não dispunham de material para limpeza, enxugo das mãos e papel higiênico; não havia local adequado para que os trabalhadores fizessem suas refeições com conforto e higiene, sendo que os botijões de gás se encontravam estocados dentro do ambiente fechado de moradia e trabalho, implicando risco de explosão e incêndio para todos; as polias das máquinas de costura estavam desprotegidas, implicando risco de escalpelamento, principalmente para as crianças que circulavam pelo ambiente de trabalho; as instalações elétricas eram precárias e improvisadas e não se encontravam em condições seguras de funcionamento; o portão de entrada era mantido trancado e não havia rotas de saída ou de fuga para casos de incêndio, muito comuns nessa atividade econômica. Registre-se ainda o valor irrisório que PERCY e ELIANA receberam pelo trabalho prestado. Em juízo, em Juízo, PERCY narrou que ALDEMIR lhe havia prometido um quarto individual, o que não ocorreu, já que dormiam com outras pessoas e, no início, em uma única cama para uma pessoa. Trabalhavam das 07h00min da manhã até as 22h30min, com apenas 02 (duas) pausas curtas para o café e uma pausa para o almoço. Aos sábados, trabalhavam até 12h30min. Disse que a comida era de qualidade ruim, sendo que as vítimas reclamavam, mas nada adiantava. A promessa de pagamento entre R$ 4,00 (quatro reais) e R$ 5,00 (cinco reais) por peça não se concretizou, sendo que receberam R$ 6.000,00 (seis mil reais) no total pelo trabalho realizado entre outubro de 2018 e junho de 2019. PERCY acrescentou que, aos finais de semana, não saíam do imóvel porque não tinham documentos regulares. Em certo momento, resolveram que queriam ir embora, diante do não pagamento prometido e condições ruins ofertadas, mas ALDEMIR chegou a trancar a residência para que não saíssem sem pagar uma suposta dívida de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais), bem como, ainda, reteve os pertencentes dos jovens. Então, a vítima PERCY acabou pagando R$ 1.000,00 (mil reais) ao ALEDMIR, sendo que este lhe disse que, enquanto não pagasse os R$ 400,00 (quatrocentos reais) restantes, não deixaria que retirassem suas coisas. PERCY pediu, então, ajuda a um amigo, o qual, por sua vez, pediu ajuda à sua patroa, que concordou em ajudá-los, mas por pouco tempo, pois eram menores de idade. PERCY retornou, então, à oficina de ALDEMIR em momento em que este estava em seu quarto, quando conseguiu retirar seus pertences. PERCY relatou que recebia por peça, mas em valor bem inferior ao prometido, entre R$ 1,00 (um real) a R$ 1,25 (um real e vinte e cinco centavos) por peça costurada. ELIANA, por sua vez, trabalhava mesmo estando grávida, sendo que o bebê nasceu quando já tinham deixado a oficina de ALDEMIR. Ressaltou ter dito a ALDEMIR que era menor de idade, mas este lhe disse que providenciaria documentos para que pudessem viajar. Em juízo, a ELIANA relatou que dormia com PERCY em um quarto com ALDEMIR e seu filho, em 04 (quatro) pessoas. Disse que chegavam e já iniciavam o trabalho, o que se dava entre as 07h00min e as 22h00min. Relatou que tinham 15 (quinze) minutos para o café da manhã, 01 (uma) hora para almoço e depois o jantar. Afirmou que receberam por peça menos do que o combinado e que não parou de trabalhar quando ficou grávida, sendo que PERCY pedia a ALDEMIR para que ELIANA parasse um pouco o trabalho, mas que ALDEMIR não concordava. Disse que aos sábados trabalhava até as 12h00min e que ficaram na oficina até junho, sendo que PERCY disse a ALDEMIR que iriam embora, mas ALDEMIR disse que tinham uma dívida de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais). Afirmou que PERCY deu a ALDEMIR a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) e que, então, conseguiram sair. Disse, ainda, que além dos R$ 6.000,00 (seis mil reais) que foram pagos diretamente a PERCY, recebeu R$ 300,00 (trezentos reais) por ter ajudado na cozinha durante 02 (duas) semanas. Como mencionado no parecer da Procuradoria Regional da República, “Infere-se, portanto, que ambos trabalharam no mínimo 07 (sete) meses em jornadas exaustivas e receberam o equivalente a R$ 857,14 (oitocentos e cinquenta e sete reais e quatorze centavos) por mês (o casal), ou seja, cerca de R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais) em média para cada um por trabalho mensal, executado em jornadas exaustivas, caracterizando o crime de redução a condições análogas às de escravo diante dos rendimentos extremamente reduzidos para o trabalho realizado.” No caso, o cerceamento da liberdade das vítimas restou caracterizado em razão da falta do pagamento do valor prometido, expediente utilizado nitidamente para manter o domínio e a exploração sobre as vítimas, que obviamente não iriam querer retornar ao país de origem após tanto trabalhar e quase nada receber. Ademais, as vítimas estavam sendo cobradas por dívidas por despesas custeadas por ALDEMIR, que, inclusive, chegou a dificultar a saída dos jovens do local, trancafiando a porta e retendo seus pertences. As condições caracterizadoras de trabalho em condições análogas às de escravo restaram confirmadas pelos depoimentos da testemunha Luiz Alexandre Faria, Fiscal do Ministério do Trabalho que participou das diligências. Ao ser ouvido como testemunha, Luiz Alexandre Faria relatou que, integrou a equipe de erradicação do trabalho escravo e participou das diligências apuratórias, diante da notícia, advinda do Consulado do Peru, de desaparecimento e provável tráfico de dois trabalhadores adolescentes, que desapareceram do local de moradia no Peru, e que vieram ao Brasil para trabalhar com uma pessoa de nome CAPAJANA. Parte da equipe do Ministério do Trabalho esteve no Consulado do Peru acompanhando o depoimento dos menores. A testemunha participou de diligências que possibilitaram a identificação da oficina do réu CAPAJANA, onde os menores haviam trabalhado. Foi apurada situação de precariedade e informalidade laboral, havendo trabalhadores bolivianos e peruanos irregulares em situação laboral e migratória. Entre os onze trabalhadores que estavam lá, havia uma outra adolescente desacompanhada, sendo que as instalações elétricas eram precárias e os banheiros sem limpeza. Era um local onde trabalhavam e moravam, inclusive, alguns filhos. Viviam em aparente confinamento, havia apenas uma rota de entrada e saída, estava trancado, oferecia risco grave de incêndio ou explosão, principalmente por fiações elétricas e muito material inflamável de costura. Os trabalhadores estavam sendo submetidos a jornadas exaustivas e não tinham período de repouso suficiente. O local estava trancado, sendo que foi tocada a campainha, havia uma câmara na área externa, acreditando que tal fato levou a demora de abrir as portas. Afirmou que CAPAJANA era o único que tinha a chave, sendo que foi dito à testemunha que os trabalhadores não tinham cópias de chaves. Foi solicitado o apoio do Consulado do Peru, sendo realizado o acolhimento emergencial das vítimas. Ressaltou a testemunha que, inicialmente, os trabalhadores relataram as jornadas exaustivas na diligência inicial dos auditores. Porém, logo após, nitidamente mudaram o depoimento para sustentar uma jornada inferior. Assim, o Ministério do Trabalho fez a análise entre o número de peças produzidas e jornada de trabalho, o que confirmou que efetivamente a jornada era exaustiva. Ressaltou que houve uma conversa com todos os trabalhadores na primeira abordagem, sendo que, logo em seguida, houve a alteração de maneira uníssona do relato. Os depoimentos das testemunhas de defesa devem ser observados com cautela. Os trabalhadores estrangeiros que permaneceram no Brasil tenderam a proteger o acusado ALDEMIR, afirmando que trabalhavam das 8h às 18h, que o acusado fornecia alimentação e hospedagem sem descontar do salário, e que tinha livre acesso à casa. Conforme mencionado pela acusação, é medida recorrente em casos similares, em que as vítimas contam a verdade apenas durante a diligência e depois, temerosas de perderem o emprego e serem obrigadas a retornar aos países de origem, onde vivem em condições ainda piores, mudam os depoimentos para proteger os aliciadores, corroborando a explicação da testemunha Luiz Alexandre. Todavia, os relatos das vítimas PERCY e ELIANE foram sempre coerentes, desde quando foram ouvidos perante o Consulado do Peru, até quando foram ouvidos em produção antecipada de provas em juízo. De todo o exposto, restou demonstrado nos autos que as vítimas viviam e trabalhavam em condições insalubres e degradantes, e estavam submetidos a uma jornada de trabalho de aproximadamente quatorze horas diárias (de segunda a sexta-feira, das 7h00h às 12h00, com uma hora de almoço, e das 13h00 às 22h30, com duas pausas de 15 minutos; aos sábados, das 7h00h às 12h00), acreditando que receberiam um valor relevante pelos serviços por eles executados. Infere-se, assim, que as provas documentais e testemunhais coligidas ao feito constituem um arcabouço robusto de elementos probatórios hábeis a conformar uma comprovação segura e infensa às teses defensivas, no sentido de que os trabalhadores contratados se encontravam, indubitavelmente, sujeitados a condições de trabalho e de moradia severamente atentatórias à dignidade humana, sendo submetidos a graves riscos à sua saúde e segurança. No que tange à configuração do delito do art. 149 do CP, consoante sedimentado entendimento jurisprudencial, não é necessária a restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores, podendo o crime se consumar “por meio de outras condutas como no caso em que os trabalhadores são sujeitados a condições degradantes, subumanas” (STJ. 3ª Seção. CC 127937-GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014). No mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “(...) Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais”. (STF. Plenário. Inq 3412, Rel. p/ Acórdão Min. Rosa Weber, julgado em 29/03/2012) – g.n. O delito em tela consubstancia-se no ato de reduzir alguém a estado similar ao de escravo, impingindo à vítima condições de trabalho que a submetam à violação da sua liberdade e da dignidade humana. Trata-se de delito de forma vinculada, cuja configuração depende da caracterização de uma das condutas previstas no tipo penal. Com efeito, dispõe o art. 149 do Código Penal: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Pena: reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência." Conforme se infere do dispositivo, a norma penal prevê as condutas de submeter a vítima a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, sujeitá-la a condições degradantes de trabalho, ou ainda, restringir-lhe a liberdade de locomoção, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Trata-se de tipo misto alternativo, em que a lei estabelece diversos núcleos para o delito, sendo que a prática de apenas um deles é suficiente para a sua consumação. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o crime em tela se consuma com a prática de qualquer das ações típicas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a presença concomitante de todas as condutas previstas no tipo para que este se aperfeiçoe (HC 239.850/PA, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 20/08/2012). Ademais, para que se configure o crime de submissão de trabalhador a condição análoga à de escravo, deve-se verificar uma violação intensa e persistente a direitos trabalhistas e a outros direitos fundamentais, consubstanciada na sujeição da vítima a trabalhos forçados, jornadas excessivas ou a condições degradantes de labor. Para tal fim, deve-se entender como condições degradantes de trabalho aquelas que, tratando-se de grave descumprimento de direitos fundamentais do trabalhador, configurem atentado à dignidade da pessoa humana, caracterizando-se por meio da transgressão profunda de direitos diversos, como aqueles referentes a condições mínimas de saúde, higiene, repouso, segurança e alimentação do trabalhador, não se fazendo necessária a ocorrência de violência física para a caracterização do delito. No caso dos autos, restou comprovada jornada excessiva de trabalho, a submissão das vítimas a estado degradante de trabalho e moradia, face à privação de condições mínimas de higiene, alimentação e habitação, além da promoção de meios indiretos de cerceamento da sua liberdade, manifestados na deliberada omissão no pagamento das verbas salariais devidas, compelindo os trabalhadores à condição de escassez de recursos e ao inevitável endividamento, o que denota inequívoca intenção de comprometimento da capacidade de autodeterminação dos ofendidos e evidente menoscabo pelos direitos trabalhistas e pela própria dignidade humana. Todas as circunstâncias mencionadas na denúncia foram confirmadas, para além da prova documental, pela prova testemunhal produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, e acima referida. Ante os elementos probatórios coligidos nos autos, não comporta acolhimento a tese defensiva no sentido de que não estaria caracterizada a sujeição das vítimas a condição análoga à de escravos, sob a alegação de que a sua permanência no local de trabalho e a realização dos serviços por elas prestados teriam sido voluntárias e desprovidas de coação, inexistindo privação à sua liberdade. É sabido que as formas de escravidão contemporânea se diferenciam, pelos seus métodos, recursos e propósitos, da escravatura historicamente empregada nos períodos colonial e imperial brasileiros, utilizando-se de meios de subjugação e vilipêndio à dignidade das vítimas que não encontram correspondência com os instrumentos de agrilhoamento que conformaram a estereotipia da escravatura histórica. A verificação dos elementos que hodiernamente caracterizam o trabalho em condições análogas à escravidão deve ser feita de forma contextualizada, não se podendo incorrer em uma análise reducionista, que restrinja a constatação da configuração típica do crime do art. 149 do Código Penal apenas às hipóteses de concreta eliminação da liberdade das vítimas, desconsiderando-se que o contexto econômico-social contemporâneo conduz à utilização de expedientes de exploração de mão-de-obra em condições subumanas que prescindem da estrita supressão da capacidade de locomoção dos ofendidos. Nesse sentido já se manifestou esta Corte Regional: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CÓDIGO PENAL. ARTIGO 149 e 149-A, II, AMBOS DO CP. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. DOLO ATESTADO. DOSIMETRIA. PENA PARCIALMENTE REDIMENSIONADA. PENA-BASE DO ART. 149-A DO CP MAJORADA. QUANTIDADE DE DIAS-MULTA REDIMENSIONADA. PROPORCIONALIDADE COM A PENA CORPORAL. RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL (ART. 70 DO CP) AFASTADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PARCELAMENTO DA PENA DE MULTA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDAS. 1. Recursos de apelação interpostos pela acusação e pela defesa contra sentença em que foi o réu condenado pela prática dos delitos tipificados nos arts. 149, caput, e 149-A, II, ambos do Código Penal. 2. Autoria e materialidade. Comprovação para ambos os delitos. Tese de meras irregularidades trabalhistas rejeitada. Prova testemunhal e documental. Documentos juntados aos autos e depoimentos das vítimas e testemunhas ouvidas em sede policial e em juízo, dão conta de um quadro de vida e trabalho degradantes envolvendo as vítimas. Práticas do réu que as trouxe da China prometendo condições de trabalho que nunca existiram e, aproveitando-se da vulnerabilidade concreta das vítimas, a elas impingia jornadas exaustivas de trabalho em condições degradantes. Trabalhadores eram submetidos a constrangimentos de variadas ordens, como jornada de trabalho exaustiva, salários retidos pelo réu e condições de trabalho degradantes, em clara ofensa ao direito à dignidade humana. Dolo patente na execução da conduta. 3. Não se trata apenas da escravidão antiga, em seu sentido de redução estrita de outro ser humano à condição inadmissível de propriedade de alguém. É criminalizada nos arts. 149 e 149-A, II, do Código Penal qualquer prática que reduza substancialmente a dignidade humana em relações de controle laboral, seja por meio da redução de locomoção, seja por meio da imposição prática de jornadas exaustivas e condições degradantes de vida e trabalho. É evidente, pela própria natureza disjuntiva das condutas descritas, que nesses últimos casos não se exige qualquer restrição da liberdade física. O que há, em tais circunstâncias, é a especial exploração da vulnerabilidade econômica, física e/ou cultural das vítimas, de maneira a subjugá-las e retirar-lhes o patamar de dignidade estabelecido como piso civilizatório pelo ordenamento pátrio. Condenações mantidas (...) (TRF-3 - ApCrim 00014472120194036181/SP, Rel. Des. Fed. José Marcos Lunardelli, 11ª Turma, j. 03/09/2021, DJe 14/09/2021) – g.n. Assim, consoante o entendimento jurisprudencial, o crime de submissão à condição análoga à de escravo se configura independentemente da efetiva restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores ou da sua retenção no local de trabalho por vigilância ou apossamento de seus documentos, sendo suficiente para a caracterização do delito, enquanto crime de ação múltipla e conteúdo variado, a demonstração da submissão das vítimas a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas ou a condições degradantes. Confira-se: RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDENAÇÃO EM 1º GRAU. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM PORQUE NÃO CONFIGURADA RESTRIÇÃO À LIBERDADE DOS TRABALHADORES OU RETENÇÃO POR VIGILÂNCIA OU MEDIANTE APOSSAMENTO DE DOCUMENTOS PESSOAIS. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA E CONTEÚDO VARIADO. SUBMISSÃO A CONDIÇÕES DE TRABALHO DEGRADANTES. DELITO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO RESTABELECIDA. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o delito de submissão à condição análoga à de escravo se configura independentemente de restrição à liberdade dos trabalhadores ou retenção no local de trabalho por vigilância ou apossamento de seus documentos, como crime de ação múltipla e conteúdo variado, bastando, a teor do art. 149 do CP, a demonstração de submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas ou a condições degradantes. Precedentes. 2. Devidamente fundamentada a condenação pela prática do referido delito em razão das condições degradantes de trabalho e de habitação a que as vítimas eram submetidas, consubstanciadas no não fornecimento de água potável, no não oferecimento, aos trabalhadores, de serviços de privada por meio de fossas adequadas ou outro processo similar, de habitação adequada, sendo-lhes fornecido alojamento em barracos cobertos de palha e lona, sustentados por frágeis caibros de madeira branca, no meio da mata, sem qualquer proteção lateral, com exposição a riscos, não há falar em absolvição. 3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória, determinando que o Tribunal de origem prossiga no exame do recurso de apelação defensivo. (REsp 1.843.150, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 26/05/2020) – g.n. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA.TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. FATO TÍPICO. SÚMULA N. 568/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O artigo 149 do Código Penal dispõe que configura crime a conduta de "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". 2. O crime de redução a condição análoga à de escravo pode ocorrer independentemente da restrição à liberdade de locomoção do trabalhador, uma vez que esta é apenas uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. O referido tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de trabalho. Precedentes do STJ e STF. (...) 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1467766/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 27/08/2019, DJe 10/09/2019) – g.n. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. REITERAÇÃO DE RECURSO JÁ ANALISADO POR ESTA CORTE. PEDIDO DE EXTENSÃO DE ORDEM CONCEDIDA A CORRÉU PELO COLEGIADO DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA-PROCESSUAL ENTRE OS DENUNCIADOS. REQUISITOS DO ART. 580 DO CPP NÃO ATENDIDOS. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 3. No art. 149 do Código Penal são previstas condutas alternativas que, isoladamente, subsumem-se ao crime de redução a condição análoga à de escravo, tratando-se, portanto, de crime plurissubsistente. Assim, tendo sido atribuído ao réu o verbo "sujeitar alguém a condições degradantes de trabalho", o simples fato de não ter sido descrito cerceamento do direito de locomoção dos trabalhares explorados não denota a ausência de tipicidade das condutas descritas na peça acusatória. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC 85.875/PI, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 24/04/2018, DJe 02/05/2018) Adicionalmente, consigna-se que, ainda que se tivesse por caracterizado qualquer modo de anuência dos trabalhadores para com as condições de trabalho a que foram submetidos, tal consentimento, mesmo que comprovado nos autos – o que não se verifica no caso em tela –, mostrar-se-ia irrelevante, na medida em que a ação típica não é desconstituída por nenhuma forma de aquiescência do sujeito passivo para com a supressão de seus direitos fundamentais, os quais são, por sua natureza, indisponíveis. Veja-se, a respeito, o entendimento deste Tribunal Federal: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO, ART. 149, CP. MATERIALIDADE. AUTORIA. PENA. 1. Materialidade, autoria, referentes às condutas tipificadas nos artigos 149 do Código Penal, comprovados. 2. Degradantes condições de alojamento que demonstram o total descaso dos réus com a saúde, conforto e segurança dos trabalhadores, o que lesionou gravemente sua dignidade e os pôs em deletéria relação de submissão perante os acusados, em situação análoga à de escravidão. 3. Em relação à anuência dos trabalhadores quanto às condições em que trabalhavam, é irrelevante, na hipótese, investigar o consentimento do ofendido (ou a ausência dele), na medida em que o delito não é excluído mesmo quando o sujeito passivo concorda com a supressão de seus direitos fundamentais, cuja característica é justamente a indisponibilidade. 4. Culpabilidade e consequências dos crimes que se sobressaem e justificam a exasperação das penas. 5. Recurso de defesa não provido. (TRF-3, ApCrim 0000448-40.2012.4.03.6108/SP, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, Quinta Turma, DJ 27/08/2019) A conduta perpetrada pelos réus, portanto, amolda-se aos núcleos do delito previsto pelo art. 149 do Código Penal, notadamente no que tange à sujeição a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho, o que se mostra suficiente à caracterização do crime em tela, consoante entendimento desta Corte: PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (CP, ART. 149). AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. TIPICIDADE. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA-BASE REDUZIDA. ALTERADO O REGIME INICIAL PARA O ABERTO. DEFERIDA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Comprovadas a materialidade e autoria delitivas. 2. Dado tratar-se de crime de ação múltipla, não é necessário que o agente esgote todas as figuras previstas no tipo, bastando qualquer delas para configurar o crime de redução a condição análoga à de escravo (STF, Inq. n. 3412, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, j. 29.03.12; STJ, HC n. 239850, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 14.08.12 e TRF da 4ª Região, ACr n. 0006251-27.2006.404.7000, Rel. Des. Fed. José Paulo Baltazar Júnior, j. 06.08.13). 3. Na espécie, restou comprovado que o acusado cerceou a liberdade dos trabalhadores bolivianos, além de proporcionar condições aviltantes de trabalho e jornadas exaustivas. 4. Conquanto censurável a culpabilidade do réu, o aumento que o Juízo a quo fez incidir a pena-base por esse motivo, ½ (metade), afigura-se desproporcional. Assim, reduz-se a fração de aumento da pena-base para 1/6 (um sexto), fixando-a em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. 5. Ante a redução da pena privativa de liberdade e a primariedade do acusado, cabível a fixação do regime inicial aberto, tal como decorre do art. 33, §2º, c, do Código penal. 6. Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade resta substituída por 2 (duas) restritivas de direitos. 7. Apelo do réu parcialmente provido. (TRF-3, ApCrim nº 0001164-18.2014.403.6134/SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, Quinta Turma, DJ 27/03/2018) No mais, muito embora o réu ALDEMIR, em seu interrogatório, haja negado a situação degradante a que eram submetidos os trabalhadores e tenha tentado atribuir aos próprios ofendidos a confecção de um cenário forjado com o propósito de incriminar o apelante, a versão por ele sustentada apresenta-se isolada no conjunto probatório e totalmente desprovida de credibilidade quando confrontada com as provas colacionadas – notadamente o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e os Autos de Infrações lavrados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho em Emprego que se mostram convergentes em indicar, de forma segura, as condições precárias, perigosas e insalubres de trabalho e habitação a que as vítimas eram submetidas, assim como a insuficiência do suporte material e de alimentação que lhes era fornecido, a imposição de jornadas exaustivas e a irregularidade no pagamento da remuneração pelos serviços prestados. Restou comprovado, portanto, que o apelante submeteu os trabalhadores a condições análogas às de escravos, materializadas, notadamente, pelas degradantes condições de trabalho e moradia a que foram sujeitados, além da parcial privação do direito ao recebimento das verbas salariais devidas. A autoria do delito também restou demonstrada em relação à acusada JIMMY pela prova documental e testemunhal. Como mencionado acima, restou amplamente comprovado no decorrer da instrução que ao chegarem ao Brasil, as vítimas PERCY e ELIANA foram alojadas na oficina de costura de ALDEMIR, situada na Rua Balbina Hares, nº 26, Jardim de Lourenço, São Paulo/SP, onde passaram a trabalhar em jornadas exaustivas, condições degradantes e em restrição de locomoção mediante retenção de salários, servidão por dívidas e falta de documentação regular, bem como restou comprovado que a oficina de costura de ALDEMIR prestava serviços às empresas “ANCHOR” e “MNJ”, de responsabilidade de JIMMY PARK. O relatório de auditoria explicita a responsabilidade das empresas administradas por JIMMY PARK (Id 267291106, p. 5/18 e id 267291107, p. 14/15): "X. DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA DA CONFECCÕS ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA . PELA SITUAÇÃO TRABALHISTA ENCONTRADA As empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. são inteiramente responsáveis pela situação encontrada. Referidas empresas são, na verdade, empresas de indústria e comércio de vestuário, que comandam e exercem seu poder de direção e ingerência de diversas formas sempre no sentido de adequar a produção de peças de vestuário à sua demanda, a seu preço e à sua clientela. Investem em marcas consolidadas nos tradicionais bairros do Bom Retiro e do Brás, principais pólos têxteis da América Latina, de grande valor comercial, indicando um fundo de comércio baseado na marca e no estilo que vendem. Impõem esse estilo à oficina responsável pela costura, que é, na verdade, mera intermediadora de mão de obra barata e precarizada. (...) A oficina sweatshops funciona, na realidade, como verdadeira célula de produção das empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA., todas interligadas em rede, simulando relação de fornecimento, mas que, na realidade, encobertam nítida relação de emprego entre todos os obreiros das oficinas e a empresa autuada. O nível de dependência da CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. para com as oficinas que costuram suas peças de roupas é tão elevado que exige forte gestão de fornecedores (definição de peças, qualidade, preço, logística, etc.). As empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. controlam toda a definição estilística, e toda a costura é “terceirizada” para oficinas de costura, algumas delas, como a flagrada pela Fiscalização, empregando imigrantes sem carteira de trabalho, em situação vulnerável e mantidos em condições degradantes. As investigações levadas a efeito na oficina apontaram um total dirigismo da CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. sobre todos os aspectos relevantes da produção das peças de vestuário que recebe as marcas ANCHOR E TOVA, e que serão, ao final, “compradas” por elas para "revenda" nas diversas lojas de suas grifes. Trata-se de distorção do contrato de fornecimento, que, conforme identificado em inúmeros casos pela Inspeção do Trabalho, por si só vem representando a retirada de direitos sociais (precarização trabalhista) e fraudes a direitos econômicos (concorrência desleal), ajustando-se ao processo de produção da cadeia de vestuário no qual redes varejistas e atacadistas de roupas seccionam e fracionam o processo de costura por várias plantas, com objetivo de flexibilizar e agilizar seu processo produtivo, bem como o de reduzir custos. No caso em tela, as conclusões desta Auditoria apontaram a ocorrência de um padrão de conduta produtiva, controlado pelas próprias empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA, quanto ao abastecimento das peças de vestuário que virão a comercializar, que consiste na manutenção de oficinas de costura que não disponham de lastro trabalhista e idoneidade econômica. Restou clara a responsabilidade das empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. na adoção desse padrão produtivo, com evidente obtenção de vantagem competitiva indevida perante seus concorrentes, em virtude da supressão dos custos trabalhistas inerentes à sua atividade, incorrendo em prática de dumping social. A CONFECCOES ANCHOR LTDA. E A MNJ CONFECCOES LTDA comandam a produção de peças de vestuário, exercendo sobre as pessoas jurídicas contratadas para "entregar" a produção, como a oficina gerenciada por Aldemir, o poder de direção e ingerência; quanto aos trabalhadores da costura, esse exercício se dá de maneira remota e indireta, vez que não mantém seus prepostos exercendo diretamente o poder gerencial e disciplinar, mas o fazendo de diversas formas e com efetividade, sempre no sentido de adequar a produção de peças de vestuário à sua demanda, a seu preço, à sua qualidade, a seus prazos e à sua clientela. A dependência econômica dos profissionais costureiros para com a CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA é total. Apenas peças das marcas ANCHOR e TOVA são costuradas na oficina gerenciada por Aldemir. No período auditado, maio/2017 a julho/2019, apenas produtos dessas marcas foram costurados naquele local. Sob o manto de uma alegada “terceirização”, as empresas MNJ e ANCHOR simulam o seccionamento da etapa mais intensiva em termos de utilização de mão-de-obra do processo produtivo da cadeia de vestuário (COSTURA). Investem em duas marcas consolidadas nos tradicionais bairros do Bom Retiro e Brás, principais pólos têxteis da América Latina, de grande valor comercial, indicando um fundo de comércio baseado na marca e no estilo que vende. Impõem esse estilo, bem como prazos, preços e demais condições, às oficinas responsáveis pela costura, que são, na verdade, meros intermediadores de mão de obra barata e precarizada, conforme se pode apurar in loco na oficina gerenciada por ALDEMIR. (...) A subordinação jurídica, da oficina de costura e dos trabalhadores ali alocados, para com a CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA, também exsurge através de várias manifestações, de regras e ordens diretas e indiretas, emanadas remotamente, ressaltando o exercício do poder diretivo e do poder disciplinar, pela empresa principal. (...) Restou portanto demonstrado pela auditoria, que as empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. vinham sendo abastecidas por peças de vestuário confeccionadas naquela oficina de costura, por trabalhadores submetidos a condições degradantes, servidão por dívida e jornadas exaustivas. Além disso, constatou-se que as empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. ditavam todas as diretrizes de desenvolvimento e produção, de modo que deverá ser considerada, neste caso, a real empregadora e, por consequência, responsabilizadas pelos ilícitos trabalhistas constatados. Restou clara a responsabilidade da empresa MNJ/ANCHOR na adoção desse padrão produtivo, com evidente obtenção de vantagem competitiva indevida perante seus concorrentes, em virtude da supressão dos custos trabalhistas inerentes à sua atividade, incorrendo em prática de dumping social. (...) A oficina gerenciada por Aldemir Capajaña recebe e costura mensalmente entre quatro e cinco lotes de 300 (trezentas) peças cada para a ANCHOR/MNJ (marcas Anchor/Tova), em caráter de exclusividade, conforme declaração do próprio Sr. Aldemir, prestada ao auditor fiscal do trabalho Luís Alexandre de Faria. Os valores recebidos por peça variam entre R$ 7,00 (sete reais) e R$ 11,50 (onze reais e cinquenta centavos). As empresas auditadas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. são inteiramente responsáveis pela situação encontrada. A empresa autuada, na verdade, comanda esse emaranhado, exercendo sobre essas pessoas físicas e jurídicas seu poder de direção e ingerência, de maneira direta, mas principalmente indireta, de diversas formas, sempre no sentido de adequar a produção de peças de vestuário à sua demanda, a seu preço e à sua clientela. Investe em duas marcas fortes, de grande valor comercial, indicando um fundo de comércio baseado na marca e no estilo que vende. Impõe esse estilo a suas oficinas, que são totalmente dependentes economicamente dela, constituindo-se, na verdade, em meros intermediadores de mão de obra barata e precarizada. (...) Observamos, ainda, que a CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. são as detentoras do poder econômico relevante em sua cadeia de fornecimento; são as empresas que têm condições de ditar as regras de sua cadeia, sendo cediço que o setor é marcado, no Estado de São Paulo, por elevada incidência de exploração de trabalhadores imigrantes. Logo, as CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. são plenamente conscientes da realidade de seu setor. Ao encomendar peças a uma oficina externa, ditando os preços, o número de peças, os prazos, etc, as CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. coordenam a dinâmica da cadeia produtiva. Após toda a análise dos locais de trabalho, das entrevistas realizadas e dos documentos auditados, concluímos que a oficina fiscalizada presta serviços de costura, com mão-de-obra submetida a condições semelhantes às de escravos, para as empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA, simulando-se contratos de fornecimento, sendo que estes, na verdade, servem para encobrir a ingerência empresarial das autuadas em sua cadeia produtiva. Além disso, não há qualquer preocupação das empresas CONFECÇÕES ANCHOR LTDA. E MNJ CONFECCOES LTDA. em monitorar sua cadeia produtiva, verificando a capacidade produtiva das oficinas de costura que fornecem o serviço de mão de obra de costura para a elaboração dos produtos de suas marcas. Fica comprovada, assim, a completa culpa in eligendo e culpa in vigilando das empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA E MNJ CONFECCOES LTDA . ao contratar a oficina de costura dos Sr. ALDEMIR CAPAJAÑA”. No sentido da subordinação da oficina de ALDEMIR às empresas CONFECCOES ANCHOR LTDA E MNJ CONFECCOES LTDA, administradas por JIMMY, registro as ponderações do Ministério Público Federal em seus memoriais (id 267292136, p. 16/17): “Visando trazer mais elementos aos autos, foi requerida a este E. Juízo a QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO de todos os envolvidos, cujos extratos e análises, trazidos pelo sistema SIMBA-PGR, juntados aos autos com a denúncia, confirmaram que a empresa de ALDEMIR trabalhava de forma praticamente exclusiva para os demais denunciados. De fato, o extrato consolidado da conta de ALDEMIR, mantida junto ao Itaú Unibanco, conta-corrente nº 165922, agência nº 5591, revelou que mais da metade de sua renda identificada é proveniente de depósitos realizados pela empresa Confecções Anchor LTDA. Assim, do total de R$ 505.356,00 (quinhentos e cinco mil, trezentos e cinquenta e seis reais) de renda identificada, a quantia de R$ 397.975,99 (trezentos e noventa e sete mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e nove centavos) foi proveniente de depósitos da empresa Confecções Anchor LTDA. ALDEMIR confirmou às autoridades policiais que desde 2015 costurava apenas para a “ANCHOR”, fazendo sempre vestidos e sem contrato formal (fls. 179). Disse que tratava com a funcionária “Cida”, que mandava os cortes das peças para a oficina e depois determinava a retirada, o que era feito pelo motorista “Ney”. Disse, também, que recebia os valores devidos através de comparecimento pessoal na Rua Silvia Teles, tendo afirmado que os donos da confecção nunca estiveram em sua oficina, mas que “Cida” e o motorista “Ney” estiveram. Tais alegações foram repetidas em seu depoimento em Juízo. Os extratos detalhados da conta acima citada demonstraram, inclusive, a presença de depósitos realizados pela “ANCHOR” a ALDEMIR a partir de outubro de 2018, data em que as vítimas foram aliciadas e alojadas por ele, bem como passaram a trabalhar para a costura das marcas “ANCHOR” e “TOVAR”. Assim, em 26/10/2018, ALDEMIR recebeu R$ 17.130,00 (dezessete mil e cento e trinta reais) da “Confecções ANCHOR”. Os depósitos continuaram nas seguintes datas e valores, até o resgate das vítimas: R$ 27.335,00 (vinte e sete mil, trezentos e trinta e cinco reais) em 03/12/2018; R$ 12.176,50 (doze mil, cento e setenta e seis reais e cinquenta centavos) em 17/12/2018; R$ 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos reais) em 01/02/2019; R$ 19.054,00 (dezenove mil e cinquenta e quatro reais) em 01/03/2019; R$ 27.271,50 (vinte e sete mil, duzentos e setenta e um reais e cinquenta centavos) em 12/04/2019; R$ 8.059,00 (oito mil e cinquenta e nove reais) em 03/05/2019; R$ 14.127,00 (quatorze mil, cento e vinte e sete reais) em 31/05/2019; R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais) em 18/06/2019; e R$ 10.930,00 (dez mil, novecentos e trinta reais) em 04/07/2019. Ressalte-se que o extrato detalhado em questão demonstra que grande parte dos recursos ingressados em referida conta veio diretamente da “Confecção ANCHOR”, sendo que as demais movimentações variavam entre saques, pagamentos, aplicações e resgates. Não há dúvidas, portanto, de que os responsáveis pelas empresas ACHOR e MNJ mantinham a oficina terceirizada gerida por CAPAJANA, que trabalhou praticamente de forma exclusiva para eles por vários anos, o que se deu inclusive no período referente aos fatos denunciados. As vítimas PERCY e ELIANA recordaram que as roupas que costuravam tinham as etiquetas das empresas ANCHOR e TOVA. A comprovação de que JIMMY PARK era quem de fato administrava as empresas ANCHOR e MNJ, pode ser extraída dos depoimentos das testemunhas Maria Aparecida de Sousa e Odirlei Nogueira Da Silva. A testemunha Maria Aparecida de Souza afirmou que trabalha na empresa ANCHOR há 13 anos, que se reporta a JIMMY PARK, que a ANCHOR e MMJ são da mesma família e são geridas por JIMMY e JI, mas JI é apenas a estilista. Acrescentou que as peças vão para terceirização, voltam para a empresa para fazer acabamento e depois seguem para as lojas. As roupas das duas marcas são terceirizadas. Os “tags” com as marcas são inseridos pelas oficinas terceirizadas. Disse que do total mensal de 10 a 11 mil peças montadas, entre e 3 a 4 mil eram fabricadas na oficina de CAPAJANA e o restante provinha de oficinas variadas, que também são oficinas de pessoas estrangeiras, bolivianos, em torno de 7 a 8 oficinas mais ou menos. Disse que “sempre foi assim”, referindo-se à contratação de oficinas de estrangeiros. Afirmou que JIMMY e a testemunha faziam os pagamentos, sendo JIMMY responsável pelas movimentações bancárias envolvendo contas. Disse que os donos conheciam ADEMIR, pois ele vinha na loja receber pagamento. A testemunha Odirlei Nogueira da Silva, narrou que trabalha para a Anchor e MMJ como motorista há 13 anos e que leva as roupas para as oficinas de costura, mencionando que são em torno de oito a nove oficinas. Disse que, no começo, havia alguns brasileiros, mas há cerca de 5 ou 6 anos, os oficineiros são apenas estrangeiros, sendo bolivianos e alguns peruanos. Afirmou que conheceu ADEMIR pois levava serviço para ele, sendo que ia na oficina dele em geral 2 ou 3 vezes na semana. Levava na porta de entrada e saía e que eram sempre ADEMIR, sua esposa ou sobrinho que recebiam. Disse que, pelo que sabia, ADEMIR tinha em torno de 6 ou 7 trabalhadores. A apelante JIMMY, por ser responsável pelas tomadoras de serviço, tinha o dever de fiscalizar e saber como se dava a prestação de serviço nas oficinas de trabalho. Como ponderado pela acusação em seus memoriais “basta uma busca simples na rede mundial de computadores para localizar vasto material, como notícias de libertação de vítimas e providências adotadas por autoridades públicas em relação às oficinas de costura na cidade de São Paulo, problema que já é bastante antigo e que não haveria como ser desconhecido de todos os réus, que trabalhavam nessa área também há muitos anos”. A defesa alega que a apelante JIMMY que não tomou conhecimento dos fatos pois, em boa-fé, confiou no relatório e informações relatadas e passadas pelos seus subordinados. No entanto, a testemunha Maria Aparecida disse que não recebia ordens para verificar as condições de trabalho das oficinas e o motorista Odirlei disse que apenas levava as peças para costura na porta de entrada da oficina, que era sempre ADEMIR, sua esposa ou sobrinho que recebiam. A responsabilidade de JIMMY PARK decorre do fato de ter se aproveitado deliberadamente da mão de obra “barata” advinda da exploração de imigrantes ilegais e sabidamente em situação de exploração e precariedade. Comprovado o elemento subjetivo, consubstanciado no dolo, cuja aferição se extrai do exame de todas as circunstâncias do caso concreto. Conforme esclarece a doutrina, “na investigação do elemento subjetivo, o juiz baseia-se em fatos objetivos, dados exteriores do delito que indicam a intenção do agente. São os fatos e, principalmente, a forma pela qual o autor cometeu o delito que indicam o elemento subjetivo do agente. O elemento subjetivo do delito é inferido dos fatos materiais, dos dados fáticos relacionados ao delito” (BADARÓ, Gustavo. Ônus da Prova no Processo Penal, Ed. RT, 2003, p. 306/307). Na situação analisada, os fatos materiais do delito permitem inferir, para além da dúvida razoável, que a ré JIMMY atuou com plena consciência e voluntariedade na realização do fato típico, consistente na submissão dos trabalhadores a condições análogas à escravidão. Ademais, do cotejo das declarações acima referidas e dos demais elementos de prova constantes dos autos, verifica-se que a versão dos fatos apresentada pela ré em seu interrogatório, no sentido de que as condições de trabalho oferecidas aos empregados eram adequadas e que não correspondem à realidade os relatos apresentados pelas vítimas e testemunhas, não possui verossimilhança e restou isolada no conjunto probatório. Como bem consignou o magistrado de primeira instância, “verdade é que JIMMY, apesar de ter todas as condições para fiscalizar e inclusive fazer ingerências na oficina de ALDEMIR, além de ter pleno conhecimento de que há casos de trabalhos análogos aos de escravos no setor têxtil/de moda, não teve interesse em saber o que se passava na oficina contratada e tampouco como eram as condições de emprego daqueles que lhe prestavam serviços, mas visava apenas a obter lucros com a mão de obra extremamente barata que contratava. Isso demonstra, no mínimo, uma “cegueira deliberada”, similar àquela verificada na “teoria do avestruz”, da referida denunciada em relação aos fatos objetos desta demanda. (...) Tem-se que JIMMY preferiu não se inteirar do que acontecia na oficina contratada para deliberadamente desconhecer as condições precárias de trabalho e à margem da legislação brasileira ao longo da cadeia produtiva de suas empresas, o que não afasta o fato de ter concorrido dolosamente na redução de seus “fornecedores” à condição análoga à de escravos, em evidente prática, em conjunto com ALDEMIR, do crime previsto no artigo 149, caput e §2º, inciso I, do Código Penal.” Como se observa, o conjunto probatório é sólido em relação à materialidade e à autoria delitivas, sendo as provas suficientes para a condenação. Verificou-se, ainda, que os ofendidos eram adolescentes de dezessete e dezesseis quando foram contratados. Tal fato, que restou comprovado pela prova documental (id 267291086, p. 24 e 23), constitui circunstância ensejadora de maior grau de reprovabilidade da conduta, apta a autorizar a incidência da causa de aumento prevista no inc. I do § 2º do art. 149 do CP. Nesse ponto, observa-se que não há dúvida de que o acusado Aldemir atuou com plena ciência da menoridade das vítimas Percy e Eliana, tendo afirmado em seu interrogatório na fase policial judicial que sabia que eram menores de idade. Por outro lado, em relação à corré Jimmy, inexistem nos autos elementos suficientes a demonstrar o seu conhecimento acerca da menoridade dos trabalhadores, de modo adequado a amparar a imputação da aludida causa de aumento. Consoante exposto, restou apurado que a corré, diversamente do acusado ALDEMIR, não compareceu à oficina de costura dos trabalhadores, sendo a sua atuação, enquanto sócia da empresa, restrita à gestão administrativa dos negócios. Do crime previsto no art. 149-A, caput e § 2º, do Código Penal A defesa do réu ALDEMIR alega que as provas produzidas não comprovam a efetiva prática da conduta prevista no artigo 149-A, do Código Penal, que não houve comprovação da materialidade delitiva da autoria, tendo em vista que ALDEMIR não realizou nenhuma das condutas descritas no tipo penal. Sustenta ainda a ausência de dolo específico em relação ao delito previsto no art. 149-A do CP. Aduz que PERCY JHOHAN ALIAGA e ELIANA JASMINA QUISPE VILASSANTE admitiram em seus depoimentos que procuraram ALDEMIR porque queriam vir para o Brasil trabalhar como costureiros, pois queriam sair do Peru para se casarem e terem melhores condições de vida e que eles aceitaram e tinham conhecimento de como seria o trabalho de costureiro, a alimentação e a moradia no Brasil, quanto receberiam por peça. Não assiste razão à defesa. Interrogado em Juízo, o apelante ALDEMIR negou ser responsável pelo tráfico de pessoas. Afirmou que conheceu o casal de menores no terminal da Barra Funda e os trouxe para a sua casa, tendo lhes fornecido um quarto com colchão e cama para dormir. Como não sabiam costurar, afirmou que os ensinou, sendo que Percy trabalhava pouco, enquanto que Eliana não trabalhava, pois parecia sempre estar doente. Alega que descobriu por outros funcionários que ela estava grávida, quando solicitou que eles entrassem em contato com os pais, mas estes negaram. No entanto, as provas produzidas nos autos demonstram que ALDEMIR aliciou os menores PERCY e ELIANA no estrangeiro, providenciando a vinda dos mesmos ao país com o ingresso pelas fronteiras com documentos falsos para trabalhar no Brasil por ALDEMIR, mediante fraude, diante de promessas não consolidadas e abuso de condição de vulnerabilidade das vítimas. ALDEMIR lhes ofereceu trabalho em sua oficina de costura na cidade de São Paulo, prometendo-lhes retribuição justa pelos serviços a serem prestados, bem como alimentação, hospedagem e passagens. Ocorre que, as promessas não foram cumpridas e as vítimas passaram a ser exploradas, trabalhando em situações análogas às da escravidão, conforme relatado pelas vítimas em depoimentos prestados ao Ministério do Trabalho, bem como ao prestarem depoimento em sede de produção antecipada de provas em juízo. Acrescente-se o depoimento de Carlos Ortiz, Cônsul Adjunto da República do Peru, que relatou em juízo recordar-se dos fatos. Contou ter tomado conhecimento da situação dos jovens após receber uma comunicação da promotoria e Puno no Peru, no dia 14 ou 15 de julho de 2019. A denúncia falava do desparecimento dos jovens, sendo que uma tia disse que tinha tido contato com eles. As autoridades, então, entraram em contato com a Secretaria que cuida dos resgates, sendo que o resgate dos jovens foi feito no dia 18 de julho. Porém, nesse mesmo dia, um pouco mais cedo, os jovens tinham vindo ao Consulado para fazer um requerimento, sendo que foi verificado que se tratava das mesmas pessoas da denúncia. Disse que, pelo que se recordava, vieram por própria conta. Participou da oitiva dos jovens no Consulado do Peru e acompanhou os jovens no dia 23 de julho, quando houve o reconhecimento de ALDEMIR. Relendo o depoimento no Ministério Público, confirmou o relato, sendo que os jovens disseram que estavam em Juliaca no Peru e que tiveram contato com o Sr. ADEMIR, que lhes ofereceu trabalho, vindo então a São Paulo. Relataram a situação que estavam vivendo. Chegaram a sair da casa do Sr. ALDEMIR e foram para a casa de uma boliviana. Disse lembrar que quando vieram ao consulado, estavam com a criança que tinha dias de recém-nascida. Reiterou todos os termos do depoimento dos jovens no Consulado no Peru, sendo que havia um intérprete e também a testemunha acompanhou a tradução. Portanto, a oitiva do Consul confirmou os depoimentos prestado pelas vítimas, narrando o aliciamento por parte de ALDEMIR, a vinda ao Brasil com documentos falsos e a submissão a trabalho em condições degradantes e análogas às da escravidão. Ademais, os bilhetes de passagem identificados no id 267291086, p. 39/40 demostram que as vítimas deixaram Corumbá com destino a São Paulo, passando por Campo Grande no dia 18/10/2018, mesmo dia em que ALDEMIR ingressou no Brasil (id 267291087, p. 15), o que reforça que PERCY e ELIANA estavam acompanhados de ALDEMIR. Passo à análise da dosimetria da pena. Da dosimetria da pena de JIMMY PARK Quanto à fixação da pena-base, na primeira fase da dosimetria, a Magistrada a quo fixou a pena-base do crime do art. 149 do Código Penal no mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, considerada a ausência de circunstancias judiciais negativas. Na segunda fase, ausentes agravantes e atenuantes. Não assiste razão à defesa ao postular o reconhecimento da atenuante do art. 65, III, “b” do CP. Sobre o tema leciona Cezar Roberto Bitencourt: “Nesta alínea (b) há duas figuras — o arrependimento posterior e a reparação do dano, nos seguintes termos: “procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, repara-do o dano”. Para configurar o arrependimento, mera atenuante, é suficiente que o agente, logo após o crime, tenha procurado, espontaneamente e com eficiência, evitar ou minorar as consequências; enfim, são necessários os seguintes elementos: a) logo após o crime; b) com espontaneidade; c) com eficiência; d) e a finalidade de evitar as consequências. No entanto, na nossa concepção, a “eficiência” exigida pela atenuante não se confunde com eficácia, e limita-se ao esforço desprendido pelo agente para evitar ou minorar as consequências do crime, e não ao resultado efetivamente conseguido. Já a reparação do dano não precisa ser logo após o crime, bastando que seja antes do julgamento” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 267) No caso, não houve reparação do dano por espontânea vontade da acusada, mas apenas após fiscalização pelo Ministério do Trabalho e determinação de pagamento dos encargos trabalhistas após firmar o Termo de Ajustamento de Conduta. Ademais, inviável a minoração da pena aquém do mínimo, nos termos do entendimento sumulado nº 231 do E. Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal", cujo entendimento foi mantido pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento de três recursos especiais (REsps 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14/08/2024). Assim, a pena intermediária resta mantida em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na terceira fase, ausentes causas de diminuição da pena. Assiste razão à defesa ao postular o afastamento da causa de aumento de pena prevista no inciso I, do §2º, do artigo 149, do Código Penal. Como mencionado acima, não há elementos os autos que apontem que a acusada JIMMY tinha ciência que, dentre os empregados da oficina de Aldemir, haviam dois adolescentes. Assim, a pena resulta definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. O valor de cada dia-multa foi fixado no mínimo legal, em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, corrigido monetariamente, que resta mantida, considerada a ausência de informações sobre a atual situação financeira do réu. Mantenho o regime aberto para o início cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c" do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária de 20 (vinte) salário mínimo, que resta mantida, considerada a ausência de insurgência das partes. Da dosimetria da pena de ALDEMIR CAPAJANA HUACHALLA Não houve insurgência das partes em relação à dosimetria da pena de ALDEMIR. Não obstante, verifico que, quanto ao crime do art. 149 do Código Penal, a pena-base foi fixada no mínimo legal, em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda fase, não foram reconhecidas agravantes e atenuantes. Na terceira fase, foi reconhecida a causa de aumento prevista no inciso I, do §2º, do artigo 149, do Código Penal, tendo em vista que as vítimas ELIANA e PERCY eram menores de idade, sendo a pena aumentada de metade, resultando na pena de 03 (três) anos de reclusão, além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa. Quanto ao crime do art. 149-A do Código Penal, a pena-base foi fixada no mínimo legal, em 04 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda fase, não foram reconhecidas agravantes e atenuantes. Na terceira fase, o juiz sentenciante ponderou que “deve incidir a causa de aumento prevista nos incisos II e III, do §1º, do artigo 149-A, do Código Penal, tendo em vista que as vítimas ELIANA e PERCY eram menores de idade e ALDEMIR se prevaleceu de relações de dependência econômica a que eles estavam submetidos. Porém, a causa de aumento é compensada com a causa de diminuição prevista no §2º do referido tipo penal, já que ALDEMIR é primário e não há provas de que integre uma organização criminosa.” Assim, a pena foi fixada em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, que resta mantida, dada a ausência de insurgência das partes quanto ao ponto. Considerado o concurso material entre os crimes praticados, por se tratar de delitos autônomos, que pressupõem dolos e condutas distintas, podendo um se consumar independente do outro, as penas privativas de liberdade foram aplicadas cumulativamente, nos termos do artigo 69 do Código Penal, de modo que a pena definitiva imposta ao réu totaliza em 07 (sete) anos de reclusão, além do pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa. Mantenho o valor de cada dia-multa no mínimo legal, em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, corrigido monetariamente, considerada a ausência de informações sobre a atual situação financeira do réu. Mantenho o regime semiaberto para o início cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b" do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, por não preenchimento do requisito objetivo do artigo 44, I, do Código Penal. Dispositivo Ante o exposto, nego provimento ao recurso de Aldemir Capajana Huachalla e dou parcial provimento ao recurso de apelação de Jimmy Park, para afastar a incidência da causa de aumento de pena do art. 149, §2º, I, do Código Penal, condenando a ré à pena final de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, mantido o valor de cada dia-multa 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. É o voto. E M E N T A PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA. PRECLUSÃO. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADAS. DOLO DA TOMADORA DE SERVIÇOS. DOSIMETRIA. SUMULA 231 DO STJ. 1. Réus condenados como incursos no art. 149, caput, §2º, I, do Código Penal, e art. 149-A, II e III, do Código Penal, por terem submetido trabalhadores a condições análogas às de escravos, materializadas por condições degradantes condições de trabalho e moradia, bem como pela parcial privação do direito ao recebimento das verbas salariais devidas. 2. Inépcia da denúncia. Questão superada tanto pelo recebimento da denúncia quanto pela prolação da sentença, devendo eventual insurgência voltar-se, especificamente, aos fundamentos do provimento jurisdicional e não mais à peça inaugural, nos termos da jurisprudência pacificada no E. Supremo Tribunal Federal e C. Superior Tribunal de Justiça, bem como nesta Corte Regional. 3. De outro lado, a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo aos réus o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal. 4. O crime previsto no art. 149 do Código Penal consubstancia-se no ato de reduzir alguém a estado similar ao de escravo, impingindo à vítima condições de trabalho que a submetam à violação da sua liberdade e da dignidade humana. 5. Trata-se de delito de forma vinculada, cuja configuração depende da caracterização de uma das condutas previstas no tipo penal, não sendo necessária, porém, a restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores, podendo o crime se consumar “por meio de outras condutas como no caso em que os trabalhadores são sujeitados a condições degradantes, subumanas” (STJ. 3ª Seção. CC 127937-GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014). 6. Tipo misto alternativo, em que a lei estabelece diversos núcleos para o delito, sendo que a prática de apenas um deles é suficiente para a sua consumação. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o crime se consuma com a prática de qualquer das ações típicas descritas no art. 149 do Código Penal, sendo desnecessária a presença concomitante de todas as condutas previstas do tipo para que este se aperfeiçoe (HC 239.850/PA, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 20/08/2012). 7. É sabido que as formas de escravidão contemporânea se diferenciam, pelos seus métodos, recursos e propósitos, da escravatura historicamente empregada nos períodos colonial e imperial brasileiros, utilizando-se de meios de subjugação e vilipêndio à dignidade das vítimas que não encontram correspondência com os instrumentos de agrilhoamento que conformaram a estereotipia da escravatura histórica. A verificação dos elementos que hodiernamente caracterizam o trabalho em condições análogas à escravidão deve ser feita de forma contextualizada, não se podendo incorrer em uma análise reducionista, que restrinja a constatação da configuração típica do crime do art. 149 do Código Penal apenas às hipóteses de concreta eliminação da liberdade das vítimas, desconsiderando-se que o contexto econômico-social contemporâneo conduz à utilização de expedientes de exploração de mão-de-obra em condições subumanas que prescindem da estrita supressão da capacidade de locomoção dos ofendidos. 8. No caso dos autos, restou comprovada a submissão das vítimas a estado degradante de trabalho e moradia, face à privação de condições mínimas de higiene, alimentação e habitação, além da promoção de meios indiretos de cerceamento da sua liberdade, manifestados na deliberada omissão no pagamento das verbas salariais devidas, compelindo os trabalhadores à condição de escassez de recursos e ao inevitável endividamento, o que denota inequívoca intenção de comprometimento da capacidade de autodeterminação dos ofendidos e evidente menoscabo pelos direitos trabalhistas e pela própria dignidade humana. 9. Todas as circunstâncias mencionadas na denúncia foram confirmadas, para além da prova documental, pela prova testemunhal produzida em juízo, sob o crivo do contraditório. 10. Verificou-se que duas vítimas eram adolescentes, quando foram contratados. Tal fato, que restou comprovado pela prova documental, constitui circunstância ensejadora de maior grau de reprovabilidade da conduta, apta a autorizar a incidência da causa de aumento prevista no inc. I do § 2º do art. 149 do CP. 11. Inviável a minoração da pena aquém do mínimo, nos termos do entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. entendimento mantido pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de três recursos especiais (REsps 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14/08/2024). 12. Apelação de Aldemir desprovida. Apelação defensiva de Jimmy parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso de Aldemir Capajana Huachalla e dar parcial provimento ao recurso de apelação de Jimmy Park, para afastar a incidência da causa de aumento de pena do art. 149, §2º, I, do Código Penal, condenando a ré à pena final de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, mantido o valor de cada dia-multa 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. HÉLIO NOGUEIRA Desembargador Federal
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