Processo nº 5000504-23.2020.4.03.6135
ID: 277782566
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5000504-23.2020.4.03.6135
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TELMA DA SILVA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000504-23.2020.4.03.6135 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INF…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000504-23.2020.4.03.6135 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES APELADO: RAFAEL FERREIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: TELMA DA SILVA - SP156906-N OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000504-23.2020.4.03.6135 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES APELADO: RAFAEL FERREIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: TELMA DA SILVA - SP156906-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de agravo interno interposto pelo DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT contra decisão monocrática que negou provimento ao seu recurso de apelação. A referida decisão confirmou a sentença, que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o DNIT ao pagamento de indenização por danos materiais e danos morais. Pugna o agravante pela reforma da decisão. Intimada, a parte agravada apresentou resposta. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000504-23.2020.4.03.6135 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES APELADO: RAFAEL FERREIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: TELMA DA SILVA - SP156906-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cuida-se de agravo interno interposto pelo DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT contra decisão monocrática que negou provimento ao seu recurso de apelação. Reproduzo, por oportuno, a íntegra da decisão impugnada: "Cuida-se de ação de conhecimento, processada sob o rito comum, ajuizada por RAFAEL FERREIRA DE SOUZA em face do DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES - DNIT, com o objetivo de obter indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trânsito. De acordo com a inicial, o autor trafegava pela rodovia BR 354, próximo ao KM 577, sentido Campo Belo/MG, por volta das 20h no dia 18 de setembro de 2019, quando se chocou contra lombada sem a sinalização adequada, perdendo o controle do veículo e caindo em uma ribanceira às margens da via. Na ocasião, o autor estava acompanhado de sua namorada Denise Ferreira Almeida, tendo ambos sofrido lesões e encaminhados ao hospital. Alega-se que, conforme fotos e boletim de ocorrência anexados aos autos, o KM 577 não estava devidamente sinalizado e a Rodovia BR 354, no trecho entre os KM 497,3 ao KM 592,1, apresentava condições ruins de trafegabilidade, com ocorrência de buracos, vegetação alta e dispositivos de drenagem sujos. Aduz-se que em decorrência do acidente, o autor sofreu danos materiais no valor de R$ 62.376,62 (sessenta e dois mil e trezentos e setenta e seis reais e sessenta e dois centavos), referentes aos reparos necessários no veículo, bem como danos morais estimados em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Nesse passo, requer indenização pelos danos materiais e morais sofridos. Com a inicial, vieram documentos. Deferidos os benefícios da gratuidade de justiça. Regularmente citado, o DNIT apresentou contestação. Alegou, em síntese, a ausência de provas e a culpa exclusiva/concorrente da vítima. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o DNIT ao pagamento de indenização por danos materiais, em valor a ser apurado em liquidação, com base nas instruções apresentadas na fundamentação, e procedente o pedido de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Honorários advocatícios fixados para a parte ré em 10% sobre o valor da condenação. Apelou o DNIT requerendo a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos ou, subsidiariamente, reduzir proporcionalmente o valor da indenização na extensão da culpa da vítima. Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Corte. É o relatório. DECIDO. Presentes os requisitos estabelecidos na Súmula nº 568 do C. STJ e no artigo 932, incisos IV e V, do Código de Processo Civil/2015, cabível o julgamento monocrático, porquanto atende aos princípios da economia e celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais. Insta destacar que a decisão monocrática é passível de controle por meio de agravo interno (artigo 1.021 do CPC/2015), assegurando o julgamento pelo órgão colegiado e a realização de eventual sustentação oral pela parte interessada quando julgar o mérito, nos termos do artigo 7º, §2º- B da Lei 8.906/94, salvaguardando os princípios da colegialidade e da ampla defesa. Dessa forma, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no art. 932, incisos IV e V, do Código de Processo Civil. De acordo com o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o Estado responde por comportamentos comissivos de seus agentes que, agindo nessa qualidade, causem prejuízos a terceiros. Transcrevo: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Em se tratando de responsabilidade extracontratual por dano causado por agente público, impõe-se, tão somente, a demonstração do dano e do nexo causal, prescindindo a responsabilidade objetiva da comprovação de culpa do agente. Assevera Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, 32ª Edição, Editora RT, 2006, p. 654): "Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado à Administração; o necessário é que se encontre a serviço do Poder Público, embora atue fora ou além de sua competência administrativa". (...) "Nessa substituição da responsabilidade individual do servidor, pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da sua ação ou omissão, é que se assenta a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço porque esta falta está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins." Particularmente na hipótese de omissão, a jurisprudência predominante do STF e do STJ sempre apontou ser o caso de responsabilidade subjetiva. Não obstante, é necessário não perder de vista a posição que o C. Supremo Tribunal Federal vem assumindo diante da matéria sub examine, conforme se depreende das ementas abaixo transcritas: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DO COMÉRCIO DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO DEVER JURÍDICO ESPECÍFICO DE AGIR. 1. A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, consagra a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Aplicação da teoria do risco administrativo. Precedentes da CORTE. 2. Para a caracterização da responsabilidade civil estatal, há a necessidade da observância de requisitos mínimos para aplicação da responsabilidade objetiva, quais sejam: a) existência de um dano; b) ação ou omissão administrativa; c) ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 3. Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu, pautado na doutrina da teoria do risco administrativo e com base na legislação local, que não poderia ser atribuída ao Município de São Paulo a responsabilidade civil pela explosão ocorrida em loja de fogos de artifício. Entendeu-se que não houve omissão estatal na fiscalização da atividade, uma vez que os proprietários do comércio desenvolviam a atividade de forma clandestina, pois ausente a autorização estatal para comercialização de fogos de artifício. 4. Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: “Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular”. 5. Recurso extraordinário desprovido. (RE 136861, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 12-08-2020 PUBLIC 13-08-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-011 DIVULG 21-01-2021 PUBLIC 22-01-2021) EMENTA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOA CONDENADA CRIMINALMENTE, FORAGIDA DO SISTEMA PRISIONAL. DANO CAUSADO A TERCEIROS. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O ATO DA FUGA E A CONDUTA DANOSA. AUSÊNCIA DE DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO. PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva, exige os seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 2. A jurisprudência desta CORTE, inclusive, entende ser objetiva a responsabilidade civil decorrente de omissão, seja das pessoas jurídicas de direito público ou das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. 3. Entretanto, o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias como o caso fortuito e a força maior ou evidências de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima. 4. A fuga de presidiário e o cometimento de crime, sem qualquer relação lógica com sua evasão, extirpa o elemento normativo, segundo o qual a responsabilidade civil só se estabelece em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente. Nesse cenário, em que não há causalidade direta para fins de atribuição de responsabilidade civil extracontratual do Poder Público, não se apresentam os requisitos necessários para a imputação da responsabilidade objetiva prevista na Constituição Federal - em especial, como já citado, por ausência do nexo causal. 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Tema 362, fixada a seguinte tese de repercussão geral: “Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada”. (RE 608880, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-240 DIVULG 30-09-2020 PUBLIC 01-10-2020) Ademais, cumpre destacar que o C. Superior Tribunal de Justiça também já aplicou a responsabilidade objetiva à hipótese de omissão do Estado. Confira-se: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. FALECIMENTO DE ADVOGADO NAS DEPENDÊNCIAS DO FÓRUM. MORTE CAUSADA POR DISPAROS DE ARMA DE FOGO EFETUADOS POR RÉU EM AÇÃO CRIMINAL. OMISSÃO ESTATAL EM ATIVIDADE DE RISCO ANORMAL. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Cuida-se, na origem, de "ação de indenização" em que se buscam o reconhecimento da responsabilidade civil e a condenação da Fazenda do Estado de São Paulo ao pagamento de danos materiais e morais em virtude do falecimento de advogado dentro do Fórum de São José dos Campos, decorrente de disparo de arma de fogo efetuado por réu em processo criminal, no qual a vítima figurava como patrono da parte autora. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos. O Tribunal de origem, por sua vez, reformou o decisum por entender que "não restou evidenciado (art. 333, I do CPC), à luz dos elementos trazidos aos autos, o nexo de causalidade a gerar a responsabilidade civil do Estado." NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ 2. Os fatos foram devidamente descritos no acórdão impugnado, razão pela qual não incide o óbice da Súmula 7/STJ no conhecimento do recurso. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÃO: HIPÓTESE EXCEPCIONAL QUANDO CARACTERIZADO RISCO ANORMAL DA ATIVIDADE 3. A regra geral do ordenamento brasileiro é de responsabilidade civil objetiva por ato comissivo do Estado e de responsabilidade subjetiva por comportamento omissivo. Contudo, em situações excepcionais de risco anormal da atividade habitualmente desenvolvida, a responsabilização estatal na omissão também se faz independentemente de culpa. 4. Aplica-se igualmente ao Estado a prescrição do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, de responsabilidade civil objetiva por atividade naturalmente perigosa, irrelevante seja a conduta comissiva ou omissiva. O vocábulo "atividade" deve ser interpretado de modo a incluir o comportamento em si e bens associados ou nele envolvidos. Tanto o Estado como os fornecedores privados devem cumprir com o dever de segurança, ínsito a qualquer produto ou serviço prestado. Entre as atividades de risco "por sua natureza" incluem-se as desenvolvidas em edifícios públicos, estatais ou não (p. ex., instituição prisional, manicômio, delegacia de polícia e fórum), com circulação de pessoas notoriamente investigadas ou condenadas por crimes, e aquelas outras em que o risco anormal se evidencia por contar o local com vigilância especial ou, ainda, com sistema de controle de entrada e de detecção de metal por meio de revista eletrônica ou pessoal. 5. A Resolução 104, de 6 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça determinou o controle de acesso das pessoas aos Tribunais, bem como a instalação de aparelhos de detecção de metal nas áreas de ingresso nos prédios dos fóruns. É incontestável nos autos que a porta do Fórum com detector de metal encontrava-se avariada e que não havia seguranças na entrada do estabelecimento público que pudessem inspecionar os que adentrassem o local. 6. Ademais, também presente o nexo causal, apto a determinar a responsabilização do Poder Público no caso concreto. Se não fosse por sua conduta omissiva, tendo deixado de agir com providências necessárias a garantir a segurança dos magistrados, autoridades, servidores e usuários da Justiça no Fórum Estadual, o evento danoso não teria ocorrido. É certo ainda que a exigência de atuação nesse sentido - de forma a impedir ou, pelo menos, dificultar que réu em Ação Penal comparecesse à audiência portando arma de fogo - não está, de forma alguma, acima do razoável. CONCLUSÃO 7. Recurso Especial provido. (REsp 1869046/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 26/06/2020) RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS POR ACIDENTES CAUSADOS PELO INGRESSO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS NA PISTA DE ROLAMENTO (TEMA 1.122). RESPONSABILIDADE INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA. APLICAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS PADRÕES DE SEGURANÇA PREVISTOS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. INSUFICIÊNCIA. TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DA SOLIDARIEDADE E DA PRIMAZIA DO INTERESSE DA VÍTIMA. APLICAÇÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor aos casos de reparação de danos oriundos de acidentes causados pelo ingresso de animais domésticos nas faixas de rolamento das rodovias objeto de contrato de concessão. 2. A concessionária responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos sofridos pelo usuário, sem prejuízo da observância dos padrões mínimos de segurança previstos no contrato, sendo inaplicável a teoria da culpa administrativa. 3. O princípio da primazia do interesse da vítima, decorrente do princípio da solidariedade, impõe a reparação dos danos independentemente da identificação do proprietário do animal cujo ingresso na rodovia causou o acidente. 4. O dever de fiscalização dos entes públicos não afasta a responsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art. 25 da Lei das Concessões. 5. Tese fixada: "As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões". (REsp n. 1.908.738/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 21/8/2024, DJe de 26/8/2024.) Refletindo sobre a questão, tenho por despicienda, para fins de aplicação da responsabilidade objetiva do Estado, a distinção entre atos comissivos e omissivos. Na verdade, se após a análise da extensão do dever de agir e da real possibilidade de impedimento do resultado, concluir-se pela irrelevância da conduta omissiva, sequer emerge a responsabilidade do Estado. De outro lado, comprovada a exigibilidade da atuação estatal no caso concreto, a responsabilidade do Estado será sempre objetiva, a teor do precitado artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Essa solução, vale frisar, prima pela conveniência de homenagear o texto constitucional, o qual não aparta, para fins de aplicação da responsabilidade sem culpa, os casos em que o prejuízo advém de comportamento positivo dos agentes públicos das hipóteses em que o dano deflui de conduta negativa. Esse, aliás, o escólio de Yussef Said Cahali (in Responsabilidade Civil do Estado, 2ª edição, ampliada, revista e atualizada, 2ª tiragem, Malheiros Editores, 1996, p. 286), cuja lição reproduzo: "Por outro lado, desde que exigível da Administração a execução da obra ou prestação do serviço que teriam prevenido ou evitado o evento danoso sofrido pelo particular, identifica-se na conduta omissiva estatal a causa bastante para determinar a responsabilidade objetiva do Estado por sua reparação: no simples conceito de descumprimento de obrigação exigível já está embutida a idéia de culpa, só elidível se não demostrada a excludente da inexigibilidade do ato omitido, posto como causa do dano, se demonstradas as exceções convencionais do caso fortuito, da força maior ou do ato próprio do ofendido. A questão, portanto, desloca-se para o âmbito da exigibilidade da conduta estatal omitida, invocada como causa do dano reparável; mais propriamente, a questão se insere, com melhor adequação, em se de exigibilidade da obra não executada ou do serviço não prestado. Notoriamente elástico o conceito de exibilidade do ato estatal, no caso, a carga de subjetivismo que caracteriza a sua identificação é que terá induzido alguns autores ao exame das hipóteses da perspectiva da responasbilidade subjetiva do Estado, com perquisição necessária do elemento 'culpa ou dolo'. Na amplitude conceitual de conduta estatal exigível, embora se pretenda comportar as causas da obrigação 'à lei, ao contrato ou ato ilícito' (Toshio Mukai), mais adequadamente se permite identificar na causa da obrigação indenizatória o 'descumprimento de um dever jurídico estatal' (Celso Antônio Bandeira de Mello); aliás, a própria inexigibilidade da conduta administrativa pretendida, desqualificando a noção de 'dever jurídico', para transformá-la em obrigação convencionalmente natural, conceitualmente não exigível." Importa anotar que a noção estrita de causa, concebida como nexo físico entre conduta e resultado (visão mecanicista), não tem aplicação às hipóteses de responsabilidade por omissão, porquanto a abstenção não tem o condão de engendrar alterações no mundo fenomênico, a priori. Todavia, existindo dever de agir imposto por lei, a conduta omissiva ganha relevância na cadeia fática, podendo gerar efeitos jurídicos diretos e imediatos, consistentes na obrigação de indenizar. Dessarte, sob o prisma lógico-jurídico, poder-se-ia falar em nexo de causalidade normativo. Na mesma senda, os seguintes precedentes das Cortes Regionais: DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA SOFRIDA POR PASSAGEIRA NA SALA DE EMBARQUE DO AEROPORTO DE BRASÍLIA. ATENDIMENTO MÉDICO SUBSEQÜENTE. ALEGADA DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, DESDE O INGRESSO DA PASSAGEIRA NA SALA DE EMBARQUE ATÉ O TRATAMENTO MÉDICO NO HOSPITAL DAS FORÇAS ARMADAS. DANO DECORRENTE DE OMISSÃO. CAUSALIDADE NORMATIVA. AUSÊNCIA DE PROVA. 1. Alega-se que as filhas da Autora não puderam acompanhá-la até a sala de embarque do Aeroporto de Brasília, local em que, desassistida, sofrera uma queda, não tendo recebido em seguida o devido socorro. Atribui-se, por isso, à INFRAERO e à TAM - Serviços Aéreos Regionais omissão na prestação do serviço de transporte aéreo de passageiros. 2. Só é causal a omissão quando haja o dever de impedir o resultado (causalidade normativa). Esse dever de impedir o evento danoso tem origem: a) em um mandamento expresso ou tácito da ordem jurídica (Constituição, lei, norma infralegal ou direito costumeiro, que imponham obrigação de cuidado, proteção ou vigilância); b) na submissão particular do agente a essa espécie de obrigação (contrato ou posição de garante); c) em comportamento anterior que crie o risco de ocorrência do resultado. 3. Na sentença, foi colocado em evidência que o "Manual do Usuário do Transporte Aéreo", trazido aos autos pela própria Autora, estabelece que "passageiros com problemas de saúde devem solicitar à empresa aérea, de forma antecipada, o atendimento especial durante toda a viagem. A solicitação deve ser acompanhada de informações sobre a necessidade do uso de macas, cadeiras de rodas, ambulância etc". 4. Essa providência não foi tomada e a própria Autora diz, em seu depoimento, que "anda normalmente, não tem quaisquer problemas de desequilíbrio". Não havia, pois, obrigação especial, particularmente da INFRAERO, de acompanhamento da Autora. 5. No mais, não ficou provada ausência de assistência normal, que se dá a todos os passageiros, até o momento em que aconteceu o acidente. Da mesma forma, em seguida ao evento, foi dado atendimento compatível com as circunstâncias ou, no mínimo, não está demonstrado que o atendimento tenha sido inferior à média que se espera em tais situações. 6. Negado provimento à apelação. (AC 199834000284447, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, 29/10/2009) PROCESSUAL PENAL E PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - CRIME AMBIENTAL - ART. 54, §2º, II, da LEI Nº 9.605/98 C/C OS ARTIGOS 13, § 2º, "A" E 29, DO CÓDIGO PENAL - DENÚNCIA COM RELAÇÃO À AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO NÃO RECEBIDA - AUSÊNCIA DE PROVA DE ELEMENTOS SUFICIENTES DE AUTORIA. I - A Agência Nacional do Petróleo - ANP foi denunciada, pois segundo narra a denúncia, a autarquia não observou o dever legal de fiscalizar satisfatoriamente a base petrolífera Vila Carioca da Shell do Brasil a fim de evitar o dano ambiental (crime omissivo impróprio). II - A ANP tem o dever legal de fiscalizar diretamente, ou por meio de convênios, as atividades da indústria de petróleo. III - A fim de que a ANP seja responsabilizada na esfera penal por omissão deve estar comprovado que havia a possibilidade de agir para evitar o resultado, assim como deve haver um nexo de causalidade normativa entre o fato e a omissão. IV - Embora a ANP tivesse ciência de que tinha o dever de agir, não há nos autos nenhum elemento de prova demonstrando que a ANP tivesse conhecimento da situação fática. V - Os empregados da empresa contratada pela ANP para a realização da fiscalização, estão sendo acusados de terem elaborado relatório atestando a total regularidade da base da Vila Carioca, quando esta não a era real situação fática. Diante deste relatório, a ANP não tinha como ter o conhecimento de que era necessário tomar atitudes para impedir o resultado danoso. VI - Em razão da inexistência de prova do dolo abrangente, e, por conseguinte de indícios da relevância penal da omissão da ANP, conclui-se pela sua atipicidade. VII - A responsabilização penal nesta hipótese seria objetiva, o que é inadmissível no Direito Penal. VIII - Recurso a que se nega provimento (RSE 200461810037379, JUIZ COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, 08/04/2010) Em análise ao conjunto probatório produzido neste feito, o d. juízo sentenciante destacou o seguinte: "(...) A falta de pintura da lombada na cor amarela (seja com marcas oblíquas no sentido horário, seja em toda a ondulação, conforme artigo 6º, IV, da Resolução CONTRAN nº 600/2016), a sujeira na via de rolamento com terra, cascalho e poeira, e a deformidade que esmagou a lombada e a própria via de rolamento transparecem em tese que o DNIT não realizou a adequada manutenção e a apropriada conservação do local, dificultando e obstruindo a visibilidade do obstáculo transversal e o controle do veículo pelo respectivo condutor. No caso concreto, em depoimento pessoal, o autor Rafael Ferreira de Souza declarou: que no dia dos fatos trafegava na rodovia por volta de 19h30 da noite, em viagem com sua esposa, que saíram de Ubatuba/SP em direção a Campo Belo/MG; que estacionou o carro para que sua sogra colocasse crédito no celular de sua esposa para manter o GPS funcionando porque não conhecia o caminho; que faltando aproximadamente 15Km antes de chegar a Campo Belo/MG, desenvolvia velocidade entre 80Km/h a 85 Km/h, passando por uma reta próxima a um trevo foi surpreendido por um baque (barulho forte) quando o veículo passou por um buraco, passou pela lombada e passou por outro buraco, e o pneu do lado direito da passageira furou, fazendo perder o controle do veículo e saindo da estrada, caindo o veículo de bico numa ribanceira e tombando; que ficou preso no seu cinto de segurança, mas conseguiu soltar o cinto de segurança da sua esposa (passageira) para ela pedir ajuda; que pessoas de um restaurante e de um posto de gasolina nas redondezas da rodovia vieram ajudar e posteriormente cortaram seu cinto de segurança para ele sair do veículo; que foi levado ao hospital e o acidente lhe causou dores na coluna; que sua esposa estava do lado do veículo e que o carro teve o teto amassado pelo acidente e ela sofreu pancada na cabeça e escoriações (no couro cabeludo) prendendo “tufos” do cabelo dela no teto do carro, sentindo dores na época, as quais persistem até hoje; que o Lindosmar é seu conhecido e apareceu no local e sugeriu para levar o veículo para Campo Belo/MG e que Lindosmar conseguiu um guincho e o carro foi levado para Campo Belo/MG e deixado num terreno de parente dele; que o carro é financiado e não compensava pagar o financiamento e mandar arrumar o carro; que vendeu o carro por valor aproximado de doze mil reais para fazer acordo com o banco; que pagou mais sete prestações do financiamento e depois parou de pagar, quando então o banco fez contato consigo e celebrou acordo para quitar a dívida do financiamento; que quitou a dívida do financiamento; que posteriormente tentou fazer outro financiamento para comprar outro veículo mas nenhum banco aprovou e acha que isso aconteceu porque seu nome ficou negativado. A informante Deise Ferreira Almeida, esposa do autor e passageira no dia do acidente, foi ouvida e declarou: que estava viajando com seu marido (o autor) com destino a Campo Belo/MG para visitar sua mãe; que pararam o carro no acostamento para falar com sua mãe e pedir para a mãe colocar créditos no seu telefone celular para o aparelho continuar funcionando; que seguiram viagem e pouco tempo depois dessa parada, eles atravessaram essa lombada a qual estava com um buraco também; que o veículo derrapou na pista e foi em direção ao um barranco, mas o barranco não era plano mas era descida (declive); que o carro desceu colidindo e foi batendo sua cabeça dentro do veículo; que o veículo colidiu de frente em pé (na vertical) e em seguida tombou; que o teto do carro amassou e prendeu seus cabelos entre o banco e o teto; que arrancou parte de seus cabelos para se soltar e conseguiu se desprender do cinto de segurança; que seu lado do carro estava coberto pelo barro então passou para a parte de trás do carro e escapou pelo vidro esquerdo da parte de trás do veículo; que pessoas se aproximaram para ajudar; que Rafael demorou para sair do carro porque estava preso nas ferragens; que estava completamente desesperada e a pista era escura e cheia de mato; que a lombada era da mesma cor da pista e não dava para ver a lombada de maneira nenhuma; que o buraco que passaram era junto à lombada e estava do seu lado o que estourou o pneu; que não se recorda da velocidade com exatidão; que não estavam correndo porque tinham acabado de parar; que acha mais ou menos que estavam entre 80Km/h a 90Km/h. A primeira testemunha do autor, Lindosmar José Vieira, prestou compromisso e disse: que mora em Campo Belo/MG e conhece a família da namorada do autor (atual esposa); que ficou sabendo do acidente; que pegou o carro e foi com os parentes dela para o local dos fatos despois que o acidente aconteceu; que foi chegando no local do acidente se deparou com eles (autor e esposa) na pista e o carro caído lá embaixo; pegaram o carro e levaram a Campo Belo/MG; que o autor perdeu o controle do carro no “quebra-molas” que tem na pista; que a pista é muito movimentada com trânsito de carretas que trafegam no trecho das cidades de Perdões/MG, Formiga/MG e Arcos/MG; que passam muitas carretas na pista e ela fica muito irregular; que a sinalização é muito ruim, com a maioria das placas tampadas (encobertas) pelo mato; que onde foi o local do acidente na época não havia placas visíveis avisando do “quebra-molas”; que agora eles colocaram algumas placas lá e fizeram “roçadinha meia boca” (capinaram superficialmente); que não cuidam da pista e o mato toma conta da pista; que particularmente não conseguiu ver as placas no dia do acidente; que acredita que não haviam placas; que, mesmo que as placas estivessem lá, estavam tampadas pelo mato; que antes do “quebra-molas” colocam “tartaruguinhas” (sonorizadores) para fazer barulho nos pneus e indicar que está próximo do “quebra-molas”, mas com o trânsito das carretas esses estão afundados no asfalto da pista e os carros passam por eles e nem sentem; que o trânsito das carretas afundaram o asfalto no local do acidente; que levaram máquinas e rasparam o excesso de asfalto que existia no meio da pista e na lateral e no meio da faixa contínua; que no “quebra-molas” também afundou; que na época o “quebra-molas” está cheio de sinal no chão dos assoalhos dos carros que raspavam embaixo; que atualmente já arrumaram esses caroços; que aqueles que não conheciam a pista lá no lugar arrebentavam os carros; que não recorda a velocidade exata para a rodovia e acredita ser na faixa de 80Km/h a 100 Km/h; que não havia placas no local sobre velocidade; que a lombada tem problemas de buracos nela e que na pista para frente tem muitos lugares com problemas de buracos e asfalto afundado; que é uma pista que ocorrem muitos acidentes; que não se recorda o que foi feito com o carro; que no momento do acidente não se lembra se estava chovendo. A segunda testemunha do autor, Diego Belarmino dos Santos, prestou compromisso e narrou: que foi para o local depois que o acidente aconteceu; que Rafael lhe pediu que conseguisse um guincho para resgatar o carro; que foi com o guincho para Campo Belo/MG para trazer o carro para Ubatuba/SP; que as pessoas de Campo Belo/MG lhe disseram que já aconteceram outros acidentes no mesmo lugar; que viu o local do acidente que tem uma lombada e terminando a lombada tem um buraco; que ao lado direito da pista havia um barranco; que não viu sinalização no local; que a estrada é ruim; que onde os caminhões passam na estrada o asfalto fica ondulado; que isso (a ondulação) acontece em vários trechos da estrada; que a lombada estava sem cor, sem pintura (da mesma cor do asfalto). A testemunha da parte ré DNIT, Policial Militar Sargento Gleidison Dias, prestou compromisso e respondeu: que o condutor do Hyundai i30 passou numa lombada, perdeu o controle e saiu da pista caindo na ribanceira; que na ocasião a lombada existia no local, estava identificada e não havia buraco lá; que a lombada está sinalizada com placa vertical de aviso que a lombada fica à distância; que devido ao trânsito de caminhões com excesso de peso existe um afundamento da rodovia mas não é buraco; que há afundamento na pista, próximo à lombada, e na lombada mesmo; que não consegue precisar se o motivo do acidente foi o estouro do pneu quando passou pelo buraco; que trabalha faz oito anos nesse trecho de pista; que já aconteceram outros acidentes nesse “Km” (quilômetro) da pista; que o afundamento ainda persiste na pista lá naquele lugar; que não sabe afirmar se o afundamento é capaz de furar pneus; que por ser uma lombada geralmente é pintada com cor diferente mas por ser uma rodovia com tráfego muito grande acredita que essa pintura desgastou; que existe a sinalização vertical com placa antes da lombada; que no local a sinalização vertical é boa e as placas são visíveis; que procedem as narrações de que os sonorizadores próximos ao local afundaram no asfalto e não funcionavam mais e estavam planos; que no local não existe iluminação artificial; que as condições da estrada naquele ponto do acidente são razoáveis e que mudaram muito pouco entre aquela época e atualmente, sendo praticamente as mesmas condições naquele trecho. Todos os depoimentos são coesos em indicar deformidades e afundamento no asfalto no local do acidente, além de instalação de ondulação transversal (lombada) com sinalização insuficiente, sem pintura e sem sinalização horizontal e esmagada pelo trânsito de carretas com excesso de peso. É “fato notório” (art. 374, I, do CPC) que o tráfego de veículos com excesso de peso provoca sérios danos às vias públicas, ocasionando definhamento da durabilidade e da vida útil da camada que reveste e dá estrutura ao pavimento e ao acostamento, o que resulta em buracos, fissuras, cavidades, saliências e depressões, imperfeições no escoamento da água. Afeta as condições gerais de segurança das vias e estradas, o que eleva o número de acidentes, inclusive fatais. Em consequência, agrava os riscos à saúde e à segurança de todos, prejuízo esse atrelado igualmente à redução dos níveis de fluidez do tráfego e de conforto dos usuários. Além disso, acelera a depreciação dos veículos que utilizam a malha viária, impactando, em particular, nas condições e desempenho do sistema de frenagem e de suspensão dos automóveis (itens de segurança). Observa-se que aquele obstáculo da Rodovia BR 354, próximo ao KM 577, sentido a cidade Campo Belo/MG, no dia do acidente, estava inegavelmente fora dos padrões impostos pelo Código de Trânsito Brasileiro e pela Resolução CONTRAN nº 600/2016). Somam-se as deformações do asfalto na parte que deveria ser plana da via de rolamento, a má-formação do topo da lombada, a depressão da via logo após a lombada (buraco), o mato alto dificultando a visibilidade e a falta de contenção metálica margeando o acostamento (para evitar a queda dos usuários em ribanceira) como fatores relapsos e causadores do acidente. Ademais, as fotografias carreadas aos autos demonstram muita poeira, sujeira, cascalho e outros detritos na rodovia, bem como mato alto na margem do asfalto, o que revela sua precária conservação e limpeza no lugar do acidente (ID 31473016). Esse conjunto compõe uma obstrução severa o bastante para desgovernar a direção do condutor e provocar grandes danos, ainda que a velocidades relativamente baixas, não se fazendo necessário aprofundar a discussão a esse respeito (repita-se, art. 374, I, do CPC). Aliás, a última testemunha policial militar afirmou que existe, de maneira persistente, um afundamento da rodovia (na pista, próximo à lombada, e na lombada mesmo) e que ele trabalha faz oito anos naquele trecho de pista, onde já aconteceram outros acidentes no mesmo lugar da pista. (...)" De fato, da análise dos elementos de prova coligidos aos autos, verifico a presença dos pressupostos do dever de indenizar, tais como delineados supra, sendo de rigor a incidência do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. In casu, o autor demonstrou, por meio de robusta prova documental e testemunhal, que o acidente ocorreu em razão da precariedade das condições da rodovia, especialmente pela existência de lombada sem a devida sinalização e manutenção, o que levou à perda do controle do veículo e sua queda em ribanceira. Por sua vez, o DNIT alegou culpa exclusiva da vítima e ausência de nexo causal, sustentando que o local estava devidamente sinalizado e que o condutor trafegava em velocidade incompatível. Contudo, os elementos probatórios, em especial as fotos (id. 304478499) e os depoimentos testemunhais colhidos em audiência, demonstraram de forma inequívoca as péssimas condições de conservação e sinalização do trecho. Consoante dispõe o artigo 82, inciso I, da Lei nº 10.233/01, compete ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de segurança operacionais, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou reposição de vias, terminais e instalações. Nesse passo, no exercício de suas atribuições, o DNIT deve tomar todas as medidas necessárias para prevenir acidentes e assegurar a segurança dos usuários. Nesse diapasão, é certo incumbir à autarquia federal o dever de zelar pelo bom estado de conservação das pistas, do que deflui sua responsabilidade em manter a rodovia em boas condições de trafegabilidade, bem assim em prover a sinalização adequada, sob pena de se transferir integralmente à vítima o ônus de suportar acidentes dessa natureza. A prova dos autos evidencia que a autarquia federal foi negligente em seu dever legal de manter a rodovia em condições adequadas de trafegabilidade, permitindo a existência de obstáculo (lombada) em desacordo com as normas técnicas, sem a devida pintura em amarelo e manutenção. Ex positis, não remanescem dúvidas acerca da causa imediata do acidente (colisão do veículo com lombada) e de sua estrita relação com a omissão do réu (ausência de sinalização e má conservação da via), consubstanciada no descumprimento do dever de zelar pela guarda e manutenção da estrada de rodagem em que ocorreram os fatos. Ademais, não se comprovou indicativo de imprudência, negligência ou imperícia do condutor, tampouco excesso de velocidade, ônus que incumbia ao réu, ex vi do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Com efeito, o conjunto probatório demonstra que as condições precárias da via foram determinantes para o acidente, não havendo que se falar em redução proporcional da indenização, na extensão da culpa da vítima. Assim sendo, na condição de ente responsável pela guarda e manutenção da estrada de rodagem em questão, competia ao DNIT adotar as medidas acautelatórias pertinentes, zelando pela segurança dos que nela transitam. Em síntese, o ato omissivo do réu, materializado na ausência de fiscalização e sinalização adequadas, contribuiu para a ocorrência do acidente, sendo de rigor sua responsabilização – na modalidade objetiva, ressalte-se – pelos prejuízos advindo à parte. Destarte, de rigor a manutenção da sentença. Observadas as premissas do art. 85, § 11, do CPC, majoro a verba honorária em 1%. Ante o exposto, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação. Oportunamente, observadas as formalidades legais, baixem os autos à Vara de origem. Intimem-se." Insurgiu-se a parte agravante, inicialmente, quanto à impossibilidade de julgamento monocrático. Sobre esse ponto, observo que o C. STJ tem entendimento pacífico no sentido de não haver nulidade em julgamento monocrático que, posteriormente, é submetido ao órgão colegiado para apreciação. Nesse sentido, confira-se: PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. SUSTENTAÇÃO ORAL. JULGAMENTO SINGULAR. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. REVISÃO. VALOR. RAZOABILIDADE. ALEGADA SIMULAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada. 2. Não há que se falar em cerceamento de defesa em razão da não oportunização de sustentação oral nos julgamentos realizados de forma singular pelo relator. Ausência de previsão legal para tanto. Ademais, eventual nulidade da decisão singular fica superada com a apreciação do tema pelo órgão colegiado competente, em sede de agravo interno. 3. O valor da multa cominatória não é definitivo, pois poderá ser revisto em qualquer fase processual, inclusive em cumprimento de sentença, caso se revele excessivo ou insuficiente (art. 537, § 1°, do Código de Processo Civil). 4. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.899.669/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 15/12/2021.) – grifei. Deve ser mantido o decisum. A decisão monocrática agravada abordou todas as questões apresentadas, à vista dos elementos contidos nos autos, sendo certo que o recurso nada de novo trouxe que pudesse infirmar o quanto decidido. Como já enfatizado, entre a análise da apelação e o julgamento do presente recurso pela Sexta Turma deste Tribunal, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida, adotando-se, pois, tais fundamentos como razão de decidir na medida em que "reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação ‘per relationem', que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). No mesmo sentido: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É como voto. E M E N T A PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE DE VEÍCULO. ANIMAL NA PISTA. CONDUTA OMISSIVA. ART. 37, § 6º, DA CF. APLICABILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A decisão monocrática agravada abordou todas as questões apresentadas, à vista dos elementos contidos nos autos, sendo certo que o recurso nada de novo trouxe que pudesse infirmar o quanto decidido. 2. A responsabilidade objetiva pressupõe seja o Estado responsável por comportamentos de seus agentes que, agindo nessa qualidade, causem prejuízos a terceiros. Impõe, tão somente, a demonstração do dano e do nexo causal, por prescindir da culpa do agente, nos moldes do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 3. Na hipótese de omissão, uma vez comprovada a exigibilidade da atuação estatal no caso concreto, a responsabilidade do Estado será objetiva, orientação que homenageia o texto constitucional. 4. In casu, não remanescem dúvidas acerca da causa imediata do acidente (colisão do veículo com lombada) e de sua estrita relação com a omissão do réu (ausência de sinalização e má conservação da via), consubstanciada no descumprimento do dever de zelar pela guarda e manutenção da estrada de rodagem em que ocorreram os fatos. 5. Agravo interno não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. MAIRAN MAIA Desembargador Federal
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