Processo nº 5003494-48.2024.4.03.6328
ID: 323743672
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5003494-48.2024.4.03.6328
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDO SABINO BENTO
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5003494-48.2024.4.03.6328 / 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: ELI ENGENHARIA CURSOS, CONSULTORIA E TREINAMENTOS LTDA Advogado do(a) AU…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5003494-48.2024.4.03.6328 / 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: ELI ENGENHARIA CURSOS, CONSULTORIA E TREINAMENTOS LTDA Advogado do(a) AUTOR: FERNANDO SABINO BENTO - SP261624 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF S E N T E N Ç A RELATÓRIO A parte autora, ELI ENGENHARIA CURSOS, CONSULTORIA E TREINAMENTOS LTDA, por meio da presente ação, objetiva a condenação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em danos materiais e morais decorrentes das transferências indevidamente realizadas de sua conta. Consta, em síntese, da petição inicial que a parte autora é correntista há vários anos do Banco Requerido, sendo titular da conta nº. 3127.003.00000448-4, da agência nº 3127. Narra que, em 25/03/2024 por volta das 16:00, a representante da Autora recebeu uma ligação do número (18) 2104-3400 (mesmo número da agência registrado em sua agenda), dizendo estar ligando a pedido do gerente Padilha e Cassius, ambos funcionários do Banco Réu. Nessa ligação, a pessoa disse que deveria ser atualizado o aplicativo bancário, e enviou o link por SMS com o logo da caixa, sendo informado que se se tratava de um procedimento normal para a atualização dos dados, o que foi prontamente feito. Registra-se que, 10 (dez) dias antes dessa ligação, ou seja, em 15/03/2024, a Autora havia feito dois empréstimos com o Banco Réu (docs. em anexo) que foram creditados em sua conta em 18/03/2024 (CRED EMPR: R$ 25.167,52 e GIRO FACIL: R$ 17.000,00), sendo que, na ocasião foi tratado via celular com o funcionário Cassius, e, por isso, este novo contato não levantou nenhuma suspeita. Descreve que, na mesma data (25/03/2024), já no período noturno, a representante da Autora ao retornar do trabalho observou mensagens da caixa no seu celular com movimentações não reconhecidas que totalizavam R$ 34.922,42 (Trinta e Quatro Mil Novecentos e Vinte e Dois Reais e Quarenta e Dois Centavos). Imediatamente, entrou em contato com o Sr. Cassius informando o ocorrido, sendo que foi orientada a criar um novo usuário, entretanto, naquela ocasião não possuía mais acesso. No dia seguinte, compareceu à agência da empresa requerida, tendo realizado o protocolo de contestação, que, no entanto, foi negado ante a constatação de que não há indícios de fraude nas movimentações questionadas. Assevera que não realizou as transferências e que não pode ser penalizada pela falha na segurança dos sistemas da requerida. Declara que lavrou o boletim de ocorrência perante a Delegacia Seccional de Presidente Prudente/SP (arquivo ID 339849926), com o intuito de salvaguardar os seus direitos. Assim, pugna pela restituição dos valores indevidamente transferidos e utilizados, bem como pela indenização pelos danos morais que suportou. Citada, a CEF apresentou contestação (arquivo ID 349986012). Aduziu que os fatos narrados na inicial aconteceram por culpa exclusiva da parte autora, defendendo pela improcedência de sua pretensão. Esclareceu, ainda, que: “Nesse caso, a fraude foi perpetrada por meio de uma ligação telefônica, sem qualquer comprometimento dos sistemas de segurança da CEF, uma vez que em momento algum houve invasão de suas plataformas eletrônicas. Informamos que as transações contestadas foram realizadas após a validação de dispositivo (Apelido "IPHONE") através de outro dispositivo (Apelido "GALAXY A30S DE ELISA") registrado e utilizado regularmente com uso da senha cadastrada pelo(a) cliente. Assim, após análise técnica dos fatos, por tratar de situação de GOLPE EXTERNO sofrido pelo cliente, somos DESFAVORÁVEIS à recomposição de conta. Para as transações PIX contestadas, a CAIXA efetua a abertura de Notificação de Infração pelo Mecanismo Especial de Devolução (MED), instituído pelo Banco Central, visando recuperar os valores enviados junto à Instituição Financeira recebedora. Caso o valor seja devolvido por aquela Instituição, total ou parcialmente, será liberado na conta do cliente contestante. NÃO foram verificados INDÍCIOS DE FRAUDE ELETRÔNICA nas movimentações contestadas que foram efetivadas após a validação de dispositivo através de outro dispositivo registrado e utilizado regularmente com uso da senha cadastrada pelo(a) cliente, de uso pessoal e intransferível. Conforme relatos do cliente, ele foi vítima de golpe externo conhecido como GOLPE DA FALSA CENTRAL, onde fraudadores entraram em contato com a vítima se passando por funcionários do banco, por meio de chamada telefônica, com o objetivo de subtrair valores das contas do cliente se utilizando de engenharia social. Acreditando estar falando com um atendente do banco, o cliente seguiu as instruções dos golpistas, resultando nas transações contestadas. (...) Informamos que o MED – Mecanismo Especial de Devolução para transações Pix, foi regulamentado pela Resolução Bacen 103/2021, vigente a partir de 16/11/2021, que viabiliza a emissão de Notificação de Infração para instituição credora, e que, se aceita, é possível formalizar o pedido de devolução do valor decorrente de golpe. Os criminosos usam técnicas para mascarar o número telefônico conhecida como “spoofing telefônico”, de maneira a simular o número da agência ou da central de atendimento Caixa. A manipulação de dados não requer a instalação de programas maliciosos no telefone da agência ou da vítima. Dessa forma, os números de instituições financeiras estão suscetíveis a esses golpes, assim como qualquer outro número telefônico de outras empresas. Não se trata, portanto, de fragilidade na segurança da instituição financeira.” Regularmente processada a ação, os autos vieram conclusos. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, Lei 9.099/95. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, concedo os benefícios da justiça gratuita. A preliminar se confunde com o mérito e com este será analisada. Passo ao mérito. O instituto da Responsabilidade Civil revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que seja imputada para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhes são impostas, tendo por intento a reparação de um dano sofrido, sendo responsável civilmente quem está obrigado a reparar o dano sofrido por outrem. Nos termos do art. 927 do Código Civil de 2002, “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, sendo independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem (parágrafo único). O caso sob luzes trata da responsabilidade civil pelo defeito no fornecimento de serviço, com reparação por danos morais e materiais. Desse modo, trata-se de uma relação consumerista e, como tal, regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Da leitura desse diploma e do posicionamento jurisprudencial extrai-se que a instituições bancárias, ao prestarem um serviço, respondem pelo dano por este causado independentemente de culpa. Sobre o ponto, segue a ilustração do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 14. O fornecedor do serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” O conceito de fornecedor de produtos e serviços está delineado no art. 3º do diploma legal consumerista nos seguintes termos: “Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (g.n.). Infere-se do artigo suso citado o entendimento, consoante o qual o conceito de fornecedor abrange todo aquele que propicie a oferta de produtos e serviços, é dizer, aquele que é responsável pela colocação do produto ou serviço no mercado de consumo. Em conformidade com a súmula n° 297 do STJ, “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Portanto, é objetiva a responsabilidade civil decorrente de atividade bancária, já que o § 2° do art. 3° da Lei 8.078/90 inclui essa atividade no conceito de serviço, dispositivo este que foi declarado constitucional pelo STF ao julgar pedido formulado na ADI 2591/DF (rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006). Com efeito, aquele que formaliza contrato com instituição financeira pode perfeitamente se enquadrar no conceito de consumidor, questão, inclusive, pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (súmula nº 297: o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras), uma vez que os bancos na qualidade de prestadores de serviços são fornecedores e, como tais, em conformidade com o que dispõe o CDC, respondem objetivamente pelos danos que vierem a causar aos seus clientes/consumidores por vício ou defeito na prestação dos serviços. O art. 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) estabelece o dever de indenizar nos seguintes termos: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.” São pressupostos da responsabilidade civil: a) a prática de uma ação ou omissão ilícita (ato ilícito); b) a ocorrência de um efetivo dano moral ou patrimonial; c) o nexo de causalidade entre o ato praticado - comissivo ou omissivo. Nos casos de responsabilidade subjetiva, impende ainda verificar a existência de culpa. No caso em tela, que trata da responsabilidade objetiva, exige-se a conjugação apenas de três elementos para que se configure o dever de indenizar: o ato ilícito, o prejuízo e o nexo de causalidade entre o atuar do ofensor e o dano sofrido pela vítima, sem investigação de culpa. Outrossim, a doutrina atual reconhece a existência de uma diversidade de espécies de danos, sendo mais comuns os patrimoniais e os extrapatrimoniais (que podem ser genericamente assimilados aos danos morais). Os danos patrimoniais não necessitam de especial apreciação, suposto decorrerem de suficiente formulação doutrinal, estando suas concepções estruturais contidas no art. 186 do vigente Código Civil. A indenização para ressarcimento dos danos materiais tem por finalidade recompor o patrimônio da pessoa lesada ao seu status inicial. Desse modo, a demonstração da existência do dano e da diminuição patrimonial suportada pela vítima se torna imprescindível para a condenação do agente causador e para a fixação do montante da indenização. Como se sabe, o dano material corresponde ao lucro cessante e ao dano emergente. Dano emergente é aquilo que o credor efetivamente perdeu e lucro cessante é aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar. Em relação aos danos morais, é interessante agregar algumas outras referências antes de se passar ao estudo do caso concreto. A indenização por danos morais é expressamente admitida pela Constituição Federal de 1988, como se verifica das normas dos incisos V e X do art. 5o, in verbis: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” O Código Civil, em consonância com o texto constitucional – o que a doutrina convencionou chamar de filtragens constitucionais – prevê, no seu art. 927, a obrigação do causador do dano em repará-lo, sendo certo que tal reparação abrange tanto os danos patrimoniais como os morais. O dano ou a lesão a bem jurídico extrapatrimonial é denominado “dano moral”. Tal espécie de dano integra o amplo sistema que visa proteger a cláusula geral da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CRFB). O dano moral representa uma sanção civil a qualquer violação aos direitos que decorrem da personalidade da pessoa humana, os quais são essenciais para o resguardo de sua dignidade. Desta forma, a violação efetiva de qualquer dos direitos decorrentes da personalidade, como nome, honra, imagem, vida privada, intimidade, dentre outros, caracteriza o dano moral. Como mencionado acima, é dano extrapatrimonial, pois vinculado aos direitos subjetivos da personalidade. A dor, o sofrimento, o constrangimento, a humilhação, a aflição, são consequências do dano moral e não o próprio dano. Nesse sentido, aliás, o magistério de Sérgio CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, Editora Malheiros, 6ª Edição, pág. 101): “O dano moral não está necessariamente vinculado a alguma relação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas.” O dano moral consiste, portanto, na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos de personalidade ou atributos da pessoa humana. É aquele que afeta a honra, a intimidade ou a imagem da pessoa, causando desconforto e constrangimentos, sem, todavia, atingir diretamente o patrimônio jurídico avaliável economicamente da vítima. Logo, para a indenização do dano moral, descabe comprovar o prejuízo supostamente sofrido pela vítima, bastando a configuração fática de uma situação que cause às pessoas, de um modo geral, constrangimento, indignação ou humilhação de certa gravidade. Da análise do caso concreto No presente caso, entendo que é incontroverso que ocorreram as transações bancárias na conta bancária de titularidade da demandante, e que estas movimentações foram efetuadas em decorrência do golpe praticado por terceiros em seu desfavor. Sobre este ponto, aduziu a CEF a inexistência de falha na prestação do seu serviço, diante da culpa exclusiva da vítima, que autorizou, ainda que de boa-fé, a alteração do computador/dispositivo cadastrado para acesso à Internet, o que ensejou as operações no dia 25/03/2024, quais sejam: pagamento de boleto no valor de R$ 9.499,00 (nove mil quatrocentos e noventa e nove reais); pagamento de boleto no valor de R$ 469,42 (quatrocentos e sessenta e nove reais e quarenta e dois centavos); envio de TED no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); envio de TEV no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais); envio de pix de R$ 4.999,99 (quatro mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos); e envio de PIX no valor de R$ 4.954,01 (quatro mil novecentos e cinquenta e quatro reais e um centavo). Estas afirmações podem ser confirmadas pela leitura do Boletim de Ocorrência de arquivo ID 339849926, a partir do qual é possível compreender a cronologia dos fatos delitivos consumados em desfavor da demandante: a parte autora recebeu uma ligação de uma pessoa dizendo estar entrando em contato em nome do gerente de sua conta, e que precisaria ser realizado um procedimento de atualização do seu cadastro. Para tanto, o golpista lhe encaminhou um link, que após a realização do passo a passo pela parte autora, foi-lhe encaminhada a mensagem de que a atualização havia sido efetuada com sucesso. Posteriormente, a demandante verificou em sua conta corrente que haviam sido realizadas transações no valor total de R$ 34.922,40 (trinta e quatro mil novecentos e vinte e dois reais e quarenta centavos), cujo origem alega desconhecer. Assim, denoto que os fatos narrados pela parte autora indicam a sua responsabilidade, e a de terceiros, pelo dano sofrido, pois foi a própria representante da demandante, que é titular da conta, que autorizou a alteração do equipamento autorizado para a realização de transações eletrônicas, de modo que não é possível, nessa hipótese, sequer cogitar de qualquer responsabilidade da instituição requerida na sucessão de eventos que culminaram com o seu prejuízo econômico, visto que as transações contestadas foram realizadas após a validação de dispositivo (Apelido "IPHONE") através de outro dispositivo (Apelido "GALAXY A30S DE ELISA") registrado e utilizado regularmente com uso da senha cadastrada pela cliente. Outrossim, restou narrado pelo autor no Boletim de ocorrência acostado aos autos (arquivo ID 339849926), que o aplicativo foi instalado no celular da representante legal parte autora, após as orientações repassadas pelos golpistas. Logo, os fatos narrados perante a autoridade policial evidenciam que de fato a parte autora fora vítima de uma fraude iniciada por sua própria culpa. Entendo que, considerando o padrão do homem médio, sob nenhum pretexto ou circunstância, qualquer pessoa deve manter contato com as instituições financeiras através de ligações, salvo os aplicativos oficiais de movimentação financeira disponibilizados pela própria instituição financeira. Ademais, a própria parte autora assumiu perante autoridade policial que terceiro se passou de modo ilícito por funcionária de instituição financeira, e que ela, por mera liberalidade, instalou o aplicativo que culminou na fraude que aqui intenta desconstituir. Assim, vê-se que a parte autora não foi orientada pela requerida no sentido de que aquele contato estabelecido por ligação era verídico, mas sim que ela própria assumiu que fora vítima de um golpe. Antes das alterações, a prudência recomendaria ter procurado orientação de funcionário da instituição financeira, o que certamente evitaria o golpe. Neste ponto, salutar destacar que cotidianamente são difundidos nos meios de comunicação e nas redes sociais a prática de golpes bancários, de modo que deveria a demandante ter se informado a respeito da ligação recebida para atualização do dispositivo móvel cadastrado, ou, ainda, efetuar consultas na internet ou através dos canais de comunicação usuais da Caixa com o intuito de confirmar a veracidade das informações, sendo esta uma conduta esperada de um “homem médio”. Além disso, restou demonstrado pela CEF que a própria autora procedeu a atualização do seu cadastro e alteração do dispositivo eletrônico habilitado para realização de transações bancárias. Outrossim, da análise dos autos, mostra-se incontroverso que ocorreram movimentações financeiras na conta de titularidade da parte-autora, que negou a autoria das operações, tendo a CAIXA, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço à luz de que o golpe retratado nos autos teria por gênesis a atuação incauta da demandante. Com efeito, compulsando os elementos fático-probatórios em cotejo com as argumentações apresentadas, depreende-se, efetivamente, que a situação concreta somente se desencadeou porque a parte-autora acabou por participar do engenho criminoso que estava em curso, liberando um dispositivo previamente cadastrado por agentes criminosos (aquele nominado “AUTENTICACAO”) e cadastrando nova senha de acesso ao sistema de internet banking da instituição financeira. Desta feita, entendo que a descrição dos fatos é suficiente para assentar, primeiramente, a desnecessidade de maiores esclarecimentos ou elementos probatórios para o deslinde da causa. Veja-se que aqui não se está a afastar a verossimilhança dos fatos narrados (possível estelionato), mas a probabilidade do direito à reparação do dano pela empresa pública. Com efeito, este Juízo não olvida os constantes golpes perpetrados por quadrilhas que agem com o mesmo modus operandi descrito na inicial. Malgrado o esforço das autoridades responsáveis, com a investigação, prisão e desmantelamento de várias quadrilhas, tais crimes seguem sendo cometidos. Entretanto, no que diz respeito à resolução da causa, é de se frisar que a parte autora foi vítima de um engodo praticado mediante o fornecimento de sua senha pessoal e intransferível, além dos seus dados pessoais, sendo certo que a movimentação atípica em sua conta, por si só, não é suficiente para impingir à ré a responsabilidade pelo evento danoso, pois as movimentações poderiam - por que não - ser legítimas. Ademais, as provas apresentadas pela parte autora não convencem acerca do nexo de causalidade a ensejar a responsabilidade objetiva da ré. Conclui-se, portanto, que houve culpa exclusiva da vítima, aliada a ação de terceiro (autor do delito). A culpa exclusiva da vítima se configura quando esta, espontaneamente, ainda que sob engano, fornece a senha e o acesso à sua conta a estranhos. Neste ponto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de outras Cortes Regionais já firmou entendimento segundo o qual, não obstante a aplicação da responsabilidade atribuída ao fornecedor de serviços pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, essa deve ser elidida quando estiver caracterizada a culpa exclusiva da vítima. No mesmo sentido, destaco os recentes julgados proferidos pela Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região e pela Terceira Turma Recursal de São Paulo: APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FRAUDE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CONDUTA ILÍCITA DA CEF. - É incontroverso que ocorreram transações bancárias na conta bancária de titularidade da autora, que negou a autoria da referida movimentação, tendo a CEF, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço, diante da culpa exclusiva da vítima que entregou, ainda que de boa-fé, seu cartão e senha à pessoa desconhecida. - A filha da apelante seguiu as instruções da interlocutora, ligou no telefono referido e falou com outro suposto representante da ré, fornecendo as informações solicitadas pela suposta representante da instituição financeira. Aduz que lhe foi dito que se dirigisse até a agência da CEF mais próxima para finalizar o atendimento no caixa eletrônico. A filha da parte apelante foi, e sem saber, liberou acesso ao aplicativo do banco aos golpistas. Passados 15 minutos, a polícia conseguiu bloquear o acesso dos criminosos, mas as transferências já haviam sido efetuadas, em razão do que foi subtraído da conta da requerente o montante de R$ 68.155,99. Assevera que foram pagos dois boletos totalizando o importe de R$ 8.169,99 e três operações do tipo PIX totalizando o valor de R$ 59.986,00. Diante do relatado, busca a reparação dos danos morais e materiais junto à instituição financeira ré. - Os fatos narrados pela autora indicam a sua responsabilidade, e a de terceiros, pelo dano sofrido. Não há como exigir que a CEF tenha mecanismos de segurança para evitar que pessoas se passem por seus funcionários em se tratando de supostas operações feitas fora de suas dependências físicas ou eletrônicas. - Embora se trate se situação de compreensível dificuldade e lamento por parte da recorrente, não há fundamento para impor a responsabilidade civil à CEF. - Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000893-83.2021.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 20/10/2022, DJEN DATA: 25/10/2022) PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. FRAUDE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOCORRÊNCIA DE DANO MATERIAL E/OU DE DANO MORAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA INDEVIDA. - Para caracterizar a responsabilidade civil extracontratual e objetiva, devem ser comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do interessado, por ato ou por fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF (ou de terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação ou a omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure desconforto), ou em caso de ato ou de fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor ou de terceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva. - Mostra-se incontroverso que ocorreram movimentações financeiras (PIX, TEDs e TEV) na conta poupança de titularidade da parte-autora, que negou a autoria das operações, tendo a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço à luz de que o golpe retratado nos autos teria por gênesis a atuação incauta da própria correntista. - A situação concreta de fraude somente se desencadeou porque a parte-autora, munida de seu cartão bancário e mediante a aposição de sua senha pessoal e intransferível, acabou por participar do engenho criminoso que estava em curso, liberando um dispositivo previamente cadastrado por agentes criminosos e cadastrando nova senha de acesso ao sistema de internet banking da instituição financeira. - Os fatos narrados nos autos apontam pela incidência da causa excludente de responsabilidade da “culpa exclusiva da vítima”, a elidir qualquer pretensão ressarcitória a cargo do banco. Precedentes do E. STJ e das C. Cortes Regionais. - Recurso da instituição financeira provido. Recurso da parte-autora prejudicado. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001183-34.2021.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 01/06/2023, Intimação via sistema DATA: 05/06/2023) RECURSO INOMINADO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GOLPE POR TELEFONE OU GOLPE DO PIX. PREJUÍZO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DE DADOS BANCÁRIOS PESSOAIS FORNECIDOS A DESCONHECIDOS PELO PRÓPRIO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA DA RÉ QUE IMPLIQUE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO ILÍCITO DE TERCEIROS E O DANO EXPERIMENTADO PELA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA E COMPENSATÓRIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DESPROVIDO. (TRF 3ª Região, 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0116926-22.2021.4.03.6301, Rel. Juiz Federal LEANDRO GONSALVES FERREIRA, julgado em 18/08/2022, DJEN DATA: 25/08/2022) Em caso semelhante, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça também já decidiu: RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS - SAQUES INDEVIDO EM CONTA-CORRENTE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - ART. 14, § 3º DO CDC - IMPROCEDÊNCIA. 1 - Conforme precedentes desta Corte, em relação ao uso do serviço de conta-corrente fornecido pelas instituições bancárias, cabe ao correntista cuidar pessoalmente da guarda de seu cartão magnético e sigilo de sua senha pessoal no momento em que deles faz uso. Não pode ceder o cartão a quem quer que seja, muito menos fornecer sua senha a terceiros. Ao agir dessa forma, passa a assumir os riscos de sua conduta, que contribui, à toda evidência, para que seja vítima de fraudadores e estelionatários. (RESP 602680/BA, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJU de 16.11.2004; RESP 417835/AL, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJU de 19.08.2002). 2 - Fica excluída a responsabilidade da instituição financeira nos casos em que o fornecedor de serviços comprovar que o defeito inexiste ou que, apesar de existir, a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º do CDC). 3 - Recurso conhecido e provido para restabelecer a r. sentença." (RESP 200301701037, JORGE SCARTEZZINI, STJ - QUARTA TURMA, DJ DATA:14/11/2005 PG:00328) Não há que se falar, portanto, em qualquer relação entre uma ação da instituição financeira, seja omissiva ou comissiva, e o dano experimentado pela autora (nexo de causalidade), de sorte que resta afastada sua responsabilidade objetiva e consequente obrigação de indenizar a parte autora pelos danos materiais e morais sofridos. DISPOSITIVO Pelo exposto, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos da parte autora, ELI ENGENHARIA CURSOS, CONSULTORIA E TREINAMENTOS LTDA, nos termos do art. 487, I, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios, em face do disposto no art. 55 da Lei n° 9.099/1995. Publicação e registro na forma eletrônica. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo eletrônico. PRESIDENTE PRUDENTE, data da assinatura. LUCIANO TERTULIANO DA SILVA Juiz Federal
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear