Processo nº 5001231-82.2023.4.03.6100
ID: 263057923
Tribunal: TRF3
Órgão: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5001231-82.2023.4.03.6100
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABRES LENE DE AQUINO DELMONDES
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001231-82.2023.4.0…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001231-82.2023.4.03.6100 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: JOSE APARECIDO GALESSO Advogado do(a) RECORRENTE: FABRES LENE DE AQUINO DELMONDES - SP267139-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001231-82.2023.4.03.6100 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: JOSE APARECIDO GALESSO Advogado do(a) RECORRENTE: FABRES LENE DE AQUINO DELMONDES - SP267139-A RECORRIDO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que a parte pleiteia a indenização por danos materiais e morais formulado em face da Caixa Econômica Federal por cliente desta, que alega a existência de saques indevidos em sua conta bancária. Prolatada sentença, julgando improcedente o pedido. O recorrente interpôs, requerendo, em síntese, a reforma da sentença. É o relatório. PROCESSO Nº 5001231-82.2023.4.03.6100 DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE - VOTO VENCEDOR EMENTA Direito do consumidor. Pedidos de reparação de danos material e moral. Transferência da conta do autor, pelo PIX, de R$ 11.096,00 (onze mil e noventa e seis reais), em 30/11/2022, não reconhecida pelo autor e alegadamente superior ao limite diário de R$ 3.000,00, contratado para operação pelo PIX. Sentença de improcedência. Recurso do autor. Procedência parcial das razões recursais quanto à restituição do valor movimentado. A operação impugnada foi realizada em valor superior ao limite de transferência vigente e contratado, de R$ 3.000,00 pelo PIX. A ré não apresentou nenhuma justificativa plausível para autorizar a movimentação acima deste limite. Não se sabe se o sistema falhou ao não limitar a operação ao valor do limite diário para movimentação pelo PIX ou se este limite foi alterado e elevado e em quais circunstância teria ocorrido tal alteração. Dos extratos exibidos pela ré consta apenas uma única operação em que o autor movimentado pelo PIX valor superior ao limite contratado de R$ 3.000,00. A operação ocorreu em 01/11/2022, no montante de R$ 3.078,00. Esta foi a única em que o limite diário contratado de R$ 3.000,00 foi ultrapassado. Pelo menos pelo que consta dos autos, sem que a ré tenha exibido extratos de outras operações realizadas pelo autor em período relevante de tempo que tenham superado o limite. Mas a ré não forneceu explicações sobre alterações do limite e a que valor este teria ou não sido elevado. O fato é que o valor da movimentação impugnada fugiu totalmente do padrão de utilização da conta e superou em quase quatro vezes o limite para movimentação diária pelo PIX de R$ 3.000,00, fato alegado pelo autor e não impugnado pela ré. A ré, intimada para exibir o procedimento de contestação da movimentação, apresentou outros documentos, mas não o exibiu nem forneceu qualquer justificativa para deixar de fazê-lo. É certo que a ré comprovou que a operação contestada foi realizada com o celular e as senhas previamente cadastrados. Mas não há nenhuma indicação ou marcação do sistema informatizado de segurança da CEF a revelar se o controle do celular pode ter sido assumido por meio remoto por criminoso. Aliás, não há nenhuma prova de que o sistema da ré tenha a capacidade para emitir sinal ou identificação de que hacker assumiu remotamente o controle do aparelho de telefone celular cadastrado na CEF e obteve acesso às senhas. Também não foi apresentado pela ré nenhum estudo científico sério que comprove que seu aplicativo não permite seu controle remoto por hacker. A não vulnerabilidade do sistema não foi demonstrada pela ré. A relação jurídica é de consumo, regida pela Lei 8.078/1990, em que a responsabilidade do fornecedor dos serviços defeituosos, pelos danos deles decorrentes, causados aos consumidores, independe da existência de culpa. Trata-se de responsabilidade objetiva, a teor do artigo 14, caput. Pelo serviço defeituoso, assim considerado o que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, considerados o resultado e os riscos que razoavelmente se esperam dos serviços, a teor do inciso II do § 1º do artigo 14 da Lei 8.078/1990. Sendo objetiva a responsabilidade do fornecedor, somente pode ser afastada se não há nexo causal entre seu comportamento e o dano sofrido pelo consumidor, se o defeito inexiste ou se o dano ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, por força dos incisos I e II do § 3.º do artigo 14 da Lei 8.078/1990. No caso concreto, a prestação de serviço inseguro e defeituoso foi comprovada, sem a demonstração pela ré de que o aplicativo não é vulnerável a acesso remoto por criminoso e de que foi efetivamente a parte autora quem fez a transferência contestada, e não o hacker, por meio da assunção do controle remoto do aparelho celular da parte autora, em razão da vulnerabilidade do aplicativo fornecido pela ré aos consumidores, aplicativo esse que não fornece a segurança que dele se espera. Os danos materiais foram comprovados no valor total da transferência pelo PIX, fora do padrão de uso da conta. Não houve culpa exclusiva da parte autora, consumidor. Ainda que possa ter utilizado o telefone celular sem perceber que o criminoso assumira o controle remoto do aparelho, o aplicativo do telefone celular ou do computador fornecidos pela CEF deveria identificar o acesso remoto ao dispositivo cadastrado e bloquear a transação realizada remotamente por hacker criminoso. Sem esta falha de segurança do sistema, cuja não-vulnerabilidade não foi comprovada pela ré, as movimentações impugnadas não teriam ocorrido, razão pela qual não é exclusiva a culpa da parte autora. Ausente a culpa exclusiva do consumidor, não é quebrado o nexo causal entre a vulnerabilidade do aplicativo e os danos causados àquele, e a responsabilidade pela reparação destes deve ser atribuída à ré. Aplica-se o entendimento resumido no verbete da Súmula 479/STJ: “ "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Questão dos danos morais. Os danos morais não foram comprovados. Descabe presumir o dano moral ante as movimentações indevidas da conta corrente de depósito em instituição financeira, situação em que o STJ não reconhece que há dano moral presumido: “O saque indevido de numerário em conta corrente não configura dano moral in re ipsa (presumido), podendo, contudo, observadas as particularidades do caso, ficar caracterizado o respectivo dano se demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade do correntista”(REsp 1573859/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017). No mesmo sentido é a interpretação da TNU: “o dano moral, nas hipóteses de saques indevidos em conta de depósitos em instituição financeira, não é presumido, da modalidade in re ipsa, dependendo de prova de circunstâncias específicas que ensejaram o dano moral”. Na espécie, inexiste nos autos qualquer comprovação de que a parte autora tenha sido privada, concretamente, de algum bem indispensável para a própria subsistência, como moradia, alimentos, remédios, tratamento médico, roupas, em razão da transferência bancária impugnada. Tampouco há algum laudo ou relatório médico comprovando que sofreu abalo psicológico relevante. A mera privação do valor movimentado pelo PIX não gera dano moral presumido. Não restou demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade da parte autora ou a privação de bens indispensáveis à sobrevivência. Sentença reformada em parte. Recurso inominado interposto pelo autor parcialmente provido para julgar procedente em parte o pedido formulado na petição inicial, de condenação da CEF ao pagamento da indenização pelos danos materiais, no valor de R$ 11.096,00 (onze mil e noventa e seis reais) em 30/11/2022, correspondente à movimentação pelo PIX impugnada, com correção monetária desde a data da transferência e juros da mora incidentes a partir da data da citação (incidem a partir da citação em caso de responsabilidade contratual), na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, tabela das ações condenatórias em geral, em vigor quando do cumprimento da sentença, mantida a improcedência do pedido de condenação da CEF ao pagamento de indenização dos afirmados danos morais. Sem honorários advocatícios porque não há recorrente integralmente vencido (artigo 55 da Lei 9.099/1995; RE 506417 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011). O regime jurídico dos honorários advocatícios é regido exclusivamente pela Lei 9.099/1995, lei especial, que neste aspecto regulou inteiramente a matéria, o que afasta o regime do Código de Processo Civil. PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001231-82.2023.4.03.6100 RELATOR: 6º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: JOSE APARECIDO GALESSO Advogado do(a) RECORRENTE: FABRES LENE DE AQUINO DELMONDES - SP267139-A RECORRIDO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presente o liame negocial entre as partes, consistente na prestação de serviço de natureza bancária pelo uso de cartão magnético, mister definir, como ponto de partido da presente discussão, a legislação aplicável à espécie – civil ou consumerista –, em especial no que respeita à apuração da responsabilidade civil da ré. Esta questão foi, outrora, objeto de intenso debate jurisprudencial, haja vista que muitos relutavam em atribuir às relações bancárias a natureza de autêntica relação de consumo. Argumentava-se que as instituições financeiras submetiam-se a regramento próprio e, por isso, não eram alcançadas pela legislação consumerista. Este entendimento pode-se dizer superado, desde que editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 297 (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”), bem como decidida pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591/DF, relatada pelo eminente Ministro Eros Grau, oportunidade em que restou afirmado que “as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor”. Prevaleceu, na minha visão, a corrente mais concatenada com o espírito e a letra do Código do Consumidor, cujo art. 3º, § 2º, não exclui, ou melhor, insere as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária dentro do campo de incidência da legislação especial. Sob esta perspectiva, que passa a nortear o presente julgamento, parece-me oportuna, de início, a transcrição do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, atinente à responsabilidade do fornecedor de serviços: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Este preceito legal institui a responsabilidade objetiva do fornecedor. Neste sentido, provada a existência do fato (defeito na prestação do serviço), do dano e do nexo de causalidade entre fato e dano, exsurge a responsabilidade do fornecedor, que dela não se exime se demonstrar que não negligenciou na prestação do serviço. Trata-se de responsabilidade fundada no risco do empreendimento. O fornecedor só não será responsabilizado, nos termos da lei, se provar que o defeito na prestação do serviço inexiste ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. De fato, em tais hipóteses, deixa de existir o nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano experimentado pelo consumidor. Contudo, a prova destas situações constitui ônus exclusivo do fornecedor, por expressa disposição legal. A responsabilidade objetiva do fornecedor não dispensa, contudo, a prova dos elementos geradores do dever de indenizar, isto é, da prestação defeituosa do serviço, do dano e do nexo de causalidade. Importante verificar, nesse passo, de quem é o ônus desta prova. De acordo com tradicional regra de distribuição do ônus da prova, incumbe ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do Código de Processo Civil). Ocorre que a irrestrita aplicação desta regra no âmbito das relações de consumo dificultaria sobremaneira a afirmação em juízo dos direitos do consumidor, seja em razão do elevado custo da prova, seja porque extremamente dificultosa a sua obtenção, situações que trazem à tona a questão da hipossuficiência econômica e técnica do consumidor. Atento a estas dificuldades, o legislador consumerista estabeleceu que constitui direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, inciso VIII). Evidentemente, a hipossuficiência a que faz remissão o preceito legal não pode ser analisada sob o prisma exclusivamente econômico, até porque o Código do Consumidor não constitui diploma de defesa das pessoas economicamente desfavorecidas. Sem excluir este enfoque, certo é que o objeto da legislação especial é atenuar o desequilíbrio ínsito às relações de consumo, nas quais os consumidores, que não detêm o controle dos meios de produção, submetem-se às condições impostas pelos agentes econômicos fornecedores de bens e serviços, em situação de manifesta inferioridade. Neste sentido, a vulnerabilidade do consumidor é, sobretudo, técnica. Kazuo Watanabe, a partir de hipotético conflito entre consumidor e montadora de veículo, discorre que numa relação de consumo “a situação do fabricante é de evidente vantagem, pois somente ele tem pleno conhecimento do projeto, da técnica e do processo utilizado na fabricação do veículo, e por isso está em melhores condições de demonstrar a inocorrência do vício de fabricação. A situação do consumidor é de manifesta vulnerabilidade, independentemente de sua situação econômica. O mesmo acontece, ordinariamente, nas relações de consumo em que a outra parte tem o domínio do conhecimento técnico especializado, em mutação e aperfeiçoamento constantes, como ocorre no setor de informática. Foi precisamente em razão destas situações, enquadradas no conceito amplo de hipossuficiência, que o legislador estabeleceu a inversão do ônus da prova para facilitar a tutela jurisdicional do consumidor” (WATANABE, K. Da defesa do consumidor em Juízo. In: GRINOVER, A. P. et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 713). Este raciocínio aplica-se perfeitamente à prestação de serviço bancário discutida nos autos, em que evidente a hipossuficiência técnica do consumidor frente à diversidade de expedientes utilizados pelas instituições financeiras com o intuito de facilitar a mobilização do crédito, ao complexo sistema de segurança utilizado para o controle das operações financeiras e às possíveis formas de violação desta segurança. Quanto a este último aspecto, não se pode deixar de mencionar que há grupos criminosos especializados na prática de crimes ligados ao sistema bancário, sendo variados e cada vez mais sofisticados os expedientes utilizados na fraude bancária. Necessária, pois, a inversão do ônus da prova no caso em exame, pelo que dispensada a parte autora da prova de que houve fraude no saque de numerário de sua conta. Deve a ré, instituição financeira sólida e de inegável poderio econômico, demonstrar que o seu sistema de segurança não foi violado. No caso em tela, constou da sentença prolatada: “... No presente caso. A parte autora pretende a condenação da CEF ao pagamento de indenização por danos materiais e danos morais em razão da utilização de PIX de modo fraudulento, posto que não teria sido ela a efetivá-lo. Verifica-se ser fato incontroverso a realização de transações bancárias via pix realizadas no dia 30/11/2022 com o creditamento Pix de R$80,00, saque em lotérica de R$ 17,37, envio de pix no valor de R$1.539,00 e R$11.096,00, bem como compra elo nos valores de R$50,00 e R$30,00. (arquivo 22), impugnando a operação no valor de R$11.096,00. Pela análise dos autos, verifica-se que não poderia a CEF ter agido de outra forma, pois a pessoa estando com acesso a aparelho cadastrado no aplicativo e a senha da conta, devidamente cadastrada na Instituição Bancária, presumir-se-ia ser a titular da conta bancária, estando autorizada a realizar operações financeiras, não podendo a CEF impedir o suposto cliente de movimentar seus valores, sob pena de cometimento de ato ilícito indenizável até a caracterização de apropriação indébita. Em que pesem as alegações da parte autora de não reconhecer a transferência via pix realizada no dia 30/11/2022 alegando tratar-se de fraude, sendo vítima de criminoso, o que geraria seu direito ao direito ao ressarcimento do valor contestado, averígua-se que o aparelho cadastrado em 19/09/2022 é o GalaxyA21S – identificador do comp/disp 7591AF860625AA3, sendo que a operação foi realizada pelo mesmo aparelho (arquivo 17). De acordo com a descrição que a parte autora trouxe dos fatos, bem como a impugnação específica, conclui-se que terceiro teve acesso ao smartphone da parte na data em questão, realizando assim a operação. Então, tem-se no cenário o aparelho da parte autora, cadastrado para realizar operações pix, utilizado na data em que a própria parte autora também fazia uso normal de sua conta e dispositivo, sem o reconhecimento da operação citada. Porém, pelas provas, não se tem outra conclusão senão alguém ter feito uso indevido do aparelho em questão, e a responsabilidade de guarda dos dados bancários e, consequentemente, dos dados liberados no aparelho para realização de transferências de valores é do titular cadastrado, que se não agiu com a diligência necessária para o resguardo e sigilo dos dados e acessos, suporta os danos advindos da opção de instalar o acesso ao banco em seu aparelho, com os dados reconhecidos, viabilizando o acesso por outro ao conteúdo. A parte autora está certa quando diz ter direito a ser ressarcida dos prejuízos financeiros suportados por ela, em razão das operações indevidas, já que originados de roubo. Nada obstante seu direito de ser ressarcido deverá ser exercido em face daqueles que cometeram o crime, e não em face da CEF, que não tem qualquer conduta atribuível para formação de nexo causal com o resultado lesivo. Este advindo unicamente da conduta da parte autora. De se ver neste panorama não ter a CEF agido de forma a causar qualquer dano à parte autora, posto que as transferências foram concretizadas com utilização do aplicativo com acesso cadastrado pela parte autora e senha, não tendo sido detectada nenhuma anormalidade no procedimento de saque no interior da agência; sem, reitere-se, qualquer participação da CEF ou utilização de seus sistemas para tais atos. A CEF não tem autorização legal alguma para impedir o cliente de acessar sua conta, somente em caso de suspeita de fraude, o que não é o caso dos autos. Além disso, a parte autora não demonstrou que tenha adotado as medidas necessárias como contato imediato do Banco para o bloqueio de acesso por aplicativo e senha a fim de impedir transações indevidas. A parte autora relatou que somente no dia posterior do ocorrido realizou a contestação administrativa. Ainda que a atitude da parte autora referente aos saques sejam fundados em estelionatos, como também já dito por esta Magistrada em processos idênticos e similares, o direito civil brasileiro não é causalista para a legalidade dos atos jurídicos - salvo exceções -, destarte o ato jurídico realizado, mesmo decorrente de causa criminosa, não se torna por isso necessariamente inválido. E não tem força legal para ser atribuído àquele que a ele não deu causa e dele não participou. Nada ampara, por conseguinte o pleito da parte autora, ao mesmo em face das condutas da CEF, que unicamente se limitou à concretização de sua atividade, de acordo com o que lhe cabe e até onde tem autorização legal para agir. Não se nega que a parte autora teve prejuízo, entrementes a conduta geradora do prejuízo decorreu unicamente da própria parte autora, faltando tanto ato atribuível à CEF, como ainda faltou nexo causal entre eventual conduta sua e o dano, não havendo configuração de responsabilidade civil, portanto, na patente falta de elementos jurídicos essências para tanto. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a demanda, encerrando o processo com a resolução de seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, combinado com as leis regentes dos juizados especiais federais, lei nº. 10.259/2001 e lei nº. 9.099/1995. Sem custas processuais e honorários advocatícios, conforme as leis regentes dos juizados especiais. Prazo recursal de 10 dias, igualmente nos termos da mesma legislação, fazendo-se necessário a representação por advogado para tanto..." Analisando a contestação apresentada pela CEF, verifica-se que a operação contestada foi realizada por meio de aparelho celular e senha cadastrados em nome da parte autora, utilizados regularmente nas operações por ele efetuadas já há um bom tempo. Embora a parte autora recorrente alegue que se utiliza de outro aparelho celular, reitero que há prova nos autos de que o aparelho utilizado na fraude já estava cadastrado há muito tempo e já utilizado para outras operações. Embora seja indevida a invocação da CEF de que os documentos e dados da apuração administrativa não poderiam ser apresentados por estarem cobertos por sigilo, o certo é que nesse caso dos autos, outras provas indicam que atuação da CEF não foi falha. A recorrente alega que o pix de mais de 11 mil reais feito em 30/11/22 extrapola o limite que estava cadastrado em seu celular de 3 mil reais, contudo após determinação judicial a recorrida apresentou documentos e extratos da autora/recorrente (juntados em 27/10/23) de vários meses com várias movimentações onde consta que o limite para operações bancárias era evidentemente superior, constando, como exemplo, no próprio mês da fraude em 01/11/22 envio de pix superior a 3 mil reais. Por sua vez, não foi identificada qualquer alteração na assinatura eletrônica e a operação questionada como fraudulenta foi uma só e embora mais alta que a média das operações do autor, está dentro do perfil de movimentação do cliente. A atividade irregular denota a provável participação de pessoa próxima ou de confiança da parte autora. Dessa feita, não vislumbro falha no serviço prestado pela ré e não havendo conduta ilícita a ensejar responsabilidade civil, inexiste direito à pretendida recomposição da conta, nem a danos morais. Ante o exposto, nego provimento ao recurso da Parte Autora para manter a sentença prolatada pelos fundamentos acima. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Na hipótese, enquanto a parte autora for beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, 3º, do CPC. É o voto. E M E N T A - VOTO VENCEDOR Direito do consumidor. Pedidos de reparação de danos material e moral. Transferência da conta do autor, pelo PIX, de R$ 11.096,00 (onze mil e noventa e seis reais), em 30/11/2022, não reconhecida pelo autor e alegadamente superior ao limite diário de R$ 3.000,00, contratado para operação pelo PIX. Sentença de improcedência. Recurso do autor. Procedência parcial das razões recursais quanto à restituição do valor movimentado. A operação impugnada foi realizada em valor superior ao limite de transferência vigente e contratado, de R$ 3.000,00 pelo PIX. A ré não apresentou nenhuma justificativa plausível para autorizar a movimentação acima deste limite. Não se sabe se o sistema falhou ao não limitar a operação ao valor do limite diário para movimentação pelo PIX ou se este limite foi alterado e elevado e em quais circunstância teria ocorrido tal alteração. Dos extratos exibidos pela ré consta apenas uma única operação em que o autor movimentado pelo PIX valor superior ao limite contratado de R$ 3.000,00. A operação ocorreu em 01/11/2022, no montante de R$ 3.078,00. Esta foi a única em que o limite diário contratado de R$ 3.000,00 foi ultrapassado. Pelo menos pelo que consta dos autos, sem que a ré tenha exibido extratos de outras operações realizadas pelo autor em período relevante de tempo que tenham superado o limite. Mas a ré não forneceu explicações sobre alterações do limite e a que valor este teria ou não sido elevado. O fato é que o valor da movimentação impugnada fugiu totalmente do padrão de utilização da conta e superou em quase quatro vezes o limite para movimentação diária pelo PIX de R$ 3.000,00, fato alegado pelo autor e não impugnado pela ré. A ré, intimada para exibir o procedimento de contestação da movimentação, apresentou outros documentos, mas não o exibiu nem forneceu qualquer justificativa para deixar de fazê-lo. É certo que a ré comprovou que a operação contestada foi realizada com o celular e as senhas previamente cadastrados. Mas não há nenhuma indicação ou marcação do sistema informatizado de segurança da CEF a revelar se o controle do celular pode ter sido assumido por meio remoto por criminoso. Aliás, não há nenhuma prova de que o sistema da ré tenha a capacidade para emitir sinal ou identificação de que hacker assumiu remotamente o controle do aparelho de telefone celular cadastrado na CEF e obteve acesso às senhas. Também não foi apresentado pela ré nenhum estudo científico sério que comprove que seu aplicativo não permite seu controle remoto por hacker. A não vulnerabilidade do sistema não foi demonstrada pela ré. A relação jurídica é de consumo, regida pela Lei 8.078/1990, em que a responsabilidade do fornecedor dos serviços defeituosos, pelos danos deles decorrentes, causados aos consumidores, independe da existência de culpa. Trata-se de responsabilidade objetiva, a teor do artigo 14, caput. Pelo serviço defeituoso, assim considerado o que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, considerados o resultado e os riscos que razoavelmente se esperam dos serviços, a teor do inciso II do § 1º do artigo 14 da Lei 8.078/1990. Sendo objetiva a responsabilidade do fornecedor, somente pode ser afastada se não há nexo causal entre seu comportamento e o dano sofrido pelo consumidor, se o defeito inexiste ou se o dano ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, por força dos incisos I e II do § 3.º do artigo 14 da Lei 8.078/1990. No caso concreto, a prestação de serviço inseguro e defeituoso foi comprovada, sem a demonstração pela ré de que o aplicativo não é vulnerável a acesso remoto por criminoso e de que foi efetivamente a parte autora quem fez a transferência contestada, e não o hacker, por meio da assunção do controle remoto do aparelho celular da parte autora, em razão da vulnerabilidade do aplicativo fornecido pela ré aos consumidores, aplicativo esse que não fornece a segurança que dele se espera. Os danos materiais foram comprovados no valor total da transferência pelo PIX, fora do padrão de uso da conta. Não houve culpa exclusiva da parte autora, consumidor. Ainda que possa ter utilizado o telefone celular sem perceber que o criminoso assumira o controle remoto do aparelho, o aplicativo do telefone celular ou do computador fornecidos pela CEF deveria identificar o acesso remoto ao dispositivo cadastrado e bloquear a transação realizada remotamente por hacker criminoso. Sem esta falha de segurança do sistema, cuja não-vulnerabilidade não foi comprovada pela ré, as movimentações impugnadas não teriam ocorrido, razão pela qual não é exclusiva a culpa da parte autora. Ausente a culpa exclusiva do consumidor, não é quebrado o nexo causal entre a vulnerabilidade do aplicativo e os danos causados àquele, e a responsabilidade pela reparação destes deve ser atribuída à ré. Aplica-se o entendimento resumido no verbete da Súmula 479/STJ: “ "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Questão dos danos morais. Os danos morais não foram comprovados. Descabe presumir o dano moral ante as movimentações indevidas da conta corrente de depósito em instituição financeira, situação em que o STJ não reconhece que há dano moral presumido: “O saque indevido de numerário em conta corrente não configura dano moral in re ipsa (presumido), podendo, contudo, observadas as particularidades do caso, ficar caracterizado o respectivo dano se demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade do correntista”(REsp 1573859/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017). No mesmo sentido é a interpretação da TNU: “o dano moral, nas hipóteses de saques indevidos em conta de depósitos em instituição financeira, não é presumido, da modalidade in re ipsa, dependendo de prova de circunstâncias específicas que ensejaram o dano moral”. Na espécie, inexiste nos autos qualquer comprovação de que a parte autora tenha sido privada, concretamente, de algum bem indispensável para a própria subsistência, como moradia, alimentos, remédios, tratamento médico, roupas, em razão da transferência bancária impugnada. Tampouco há algum laudo ou relatório médico comprovando que sofreu abalo psicológico relevante. A mera privação do valor movimentado pelo PIX não gera dano moral presumido. Não restou demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade da parte autora ou a privação de bens indispensáveis à sobrevivência. Sentença reformada em parte. Recurso inominado interposto pelo autor parcialmente provido para julgar procedente em parte o pedido formulado na petição inicial, de condenação da CEF ao pagamento da indenização pelos danos materiais, no valor de R$ 11.096,00 (onze mil e noventa e seis reais) em 30/11/2022, correspondente à movimentação pelo PIX impugnada, com correção monetária desde a data da transferência e juros da mora incidentes a partir da data da citação (incidem a partir da citação em caso de responsabilidade contratual), na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, tabela das ações condenatórias em geral, em vigor quando do cumprimento da sentença, mantida a improcedência do pedido de condenação da CEF ao pagamento de indenização dos afirmados danos morais. Sem honorários advocatícios porque não há recorrente integralmente vencido (artigo 55 da Lei 9.099/1995; RE 506417 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011). O regime jurídico dos honorários advocatícios é regido exclusivamente pela Lei 9.099/1995, lei especial, que neste aspecto regulou inteiramente a matéria, o que afasta o regime do Código de Processo Civil. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma Recursal Cível do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da Parte Autora, vencido o relator Dr. Alexandre Cassettari, que negava provimento do recurso. Responsável pelo acórdão, Dr. Clécio Braschi., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. CLECIO BRASCHI Juiz Federal
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear