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Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL" – Página 232 de 245
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Simone Regina De Souza Kapi…
OAB/SP 205.337
SIMONE REGINA DE SOUZA KAPITANGO A SAMBA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
A. M. D. A. A. S.
Envolvido
A. M. D. A. A. S. consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 310572898
Tribunal: TRF3
Órgão: 8ª Vara Criminal Federal de São Paulo
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5009745-38.2024.4.03.6181
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ADEMIR MOLINA JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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JOSE SOARES DA COSTA NETO
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5009745-38.2024.4.03.6181 / 8ª Vara Criminal Federal de São Paulo AUTOR: P. F. -. S., M. P. F. -. P. REU: R. A. M. C., F. C. P. Advogados do(a) REU: ADEMI…
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Processo nº 5001877-24.2021.4.03.6113
ID: 312394472
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Franca
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5001877-24.2021.4.03.6113
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRANDO DE OLIVEIRA VILAS BOAS
OAB/MG XXXXXX
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LEANDRO LINO GONCALVES RODRIGUES
OAB/SP XXXXXX
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ANGELO JOSE GIANNASI JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5001877-24.2021.4.03.6113 / 2ª Vara Federal de Franca AUTOR: M. P. F. -. P., M. P. F. -. P., D. D. P. F. E. U. -. D. REU: V. V. D. S., M. B. Z. Advogado d…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5001877-24.2021.4.03.6113 / 2ª Vara Federal de Franca AUTOR: M. P. F. -. P., M. P. F. -. P., D. D. P. F. E. U. -. D. REU: V. V. D. S., M. B. Z. Advogado do(a) REU: ANGELO JOSE GIANNASI JUNIOR - SP153407 Advogado do(a) REU: LEANDRO LINO GONCALVES RODRIGUES - SP401686 OBSERVAÇÃO: SIGILO TOTAL DECISÃO-OFÍCIO Vistos. Trata-se de ação penal na qual, por sentença de 1º grau, VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS, por incurso nas sanções previstas nos artigos 33, caput, e 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, em concurso material, na forma do art. 69 do Código Penal, e nos artigos 35 c/c 40, inciso I, também da Lei nº 11.343/06, foi condenado à pena privativa de liberdade de 14 (quatorze) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.837 (um mil e oitocentos e trinta e sete) dias-multa, sendo cada dia no equivalente a um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso (02/08/2021), além da decretação de sua inabilitação para dirigir veículo automotor, pelo tempo equivalente ao da condenação, e M. B. Z., por incurso nas sanções previstas nos artigos 33, caput, e 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, em concurso material, na forma do art. 69 do Código Penal, e nos artigos 35 c/c 40, inciso I, também da Lei nº 11.343/06, foi condenado à pena privativa de liberdade de 11 (onze) anos, 10 (dez) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.531 (um mil e quinhentos e trinta e um) dias-multa, sendo cada dia no equivalente a um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso (02/08/2021), além da decretação de sua inabilitação para pilotar aeronave, pelo tempo equivalente ao da condenação. Os acusados também foram condenados ao pagamento das custas judiciais (sentença de 1º grau - id 186999281 e id 187238912). Em razão da condenação provisória, foram expedidas as guias de recolhimento provisórias nº 5001877-24.2021.4.03.6113.03.0003-04 (em desfavor de M. B. Z.) e nº 5001877-24.2021.4.03.6113.03.0004-06 (em desfavor de VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS), sendo que as execuções penais foram distribuídas no Sistema Eletrônico de Execução Unificado - SEEU - sob os números 7000049-56.2021.403.6113 (M. B. Z.) e 7000050-41.2021.403.6113 (VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS), os quais foram, inicialmente, distribuídos à E. 1ª Vara Federal de Franca/SP e, posteriormente, por estarem os sentenciados recolhidos à Penitenciária de Uberaba I - Professor Aluízio Ignácio de Oliveira, redistribuídos à Vara de Execuções Penais - Meio Fechado e Semiaberto - da Comarca de UBERABA/MG. A sentença condenatória de 1º grau transitou em julgado para a acusação em 17/01/2022 (id 240093084). Em razão da interposição de recursos de apelação pelas defesas dos sentenciados, os autos foram remetidos ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, onde a E. Quinta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento aos recursos interpostos, apenas para reduzir a pena-base do delito de associação (arts. 35, 40, I, da Lei nº11.343/06) de 4 anos e 9 meses para 4 anos de reclusão, para ambos os apelantes, redimensionando as penas, pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei 11.343/06, em concurso material (artigo 69, Código Penal) com o art. 35, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, restando as penas impostas a: 1) M. B. Z. fixadas em 11 (onze) anos e 02 (dois) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e ao pagamento de 1.530 (um mil e quinhentos e trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo, de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso, além da inabilitação para pilotar aeronave, pelo tempo equivalente ao da condenação; e 2) VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS fixadas em 13 (treze) anos e 05 (cinco) meses de reclusão, além de 1.837 (um mil e oitocentos e trinta e sete) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso, além da inabilitação para dirigir veículo automotor, pelo tempo equivalente ao da condenação (v. acórdão id 372150439 - sessão de 22/05/2023). O teor do v. acórdão foi comunicado à E. Vara das Execuções Penais da Comarca de Uberaba/MG (id 372150444). Pela defesa de VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS foram interpostos Habeas Corpus (Habeas Corpus n. 826227/SP- 2023/0178334-1), perante o STJ (id 372150450) e Recurso Especial perante do E. TRF da 3ª Região (id 372150801). Em face da não admissão do Recurso Especial (id 372150804), a defesa de VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS, interpôs Agravo em Recurso Especial (id 372150806), distribuído sob o nº AREsp 2.462.337/SP perante o C. Superior Tribunal de Justiça (id 372150811). Por decisão datada de 29/04/2024, o Agravo em Recurso Especial (AREsp 2.462.337/SP) não foi conhecido (id 372150811) e defesa de VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS interpôs Agravo Regimental em face de tal decisão (AgRg no AREsp 2462337/SP - 2023/0324775-0). Em 01/06/2025, foi proferida decisão que julgou prejudicado o recurso (id 372150811 - pág. 51 -53). A decisão supracitada transitou em julgado para a defesa em 10/06/2025 (id 372150811). Em consulta ao sítio do C. STJ, verifica-se que a decisão que negou provimento ao Habeas Corpus nº 826227/SP (2023/0178334-1) também transitou em julgado (em 04/06/2024 - vide anexo I). Em consulta ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado - SEEU (nº 7000049-56.2021.4.03.6113 e nº 7000050-41.2021.403.6113, ambos em trâmite pela E. Vara de Execuções Criminais da Comarca de UBERABA/MG) e ao Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões - BNMP 3.0, verifica-se, em resumo, que: 1) M. B. Z. encontra-se foragido desde 01/07/2024 e em relação a ele houve expedição de Mandado de Prisão - Regressão Cautelar nº 7000049-56.2021.4.03.6113.01.0001-20 (vide anexo II) e 2) VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS foi posto em liberdade e cumpre sua pena em regime semiaberto harmonizado, com monitoração eletrônica, em razão do cumprimento do Alvará de Soltura - Concessão de Regime Semiaberto com condições (monitoração eletrônica) nº 7000050-41.2021.403.6113.05.0001-14 e Mandado de Monitoração nº 7000050-41.2021.403.6113.17.0004-11, cumpridos em 29/05/2025 (vide anexo III). É o relato do necessário. Decido. Considerando o trânsito em julgado da decisão que condenou definitivamente M. B. Z. à pena privativa de liberdade de 11 (onze) anos e 02 (dois) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.530 (um mil e quinhentos e trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo, de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso, e VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS à pena privativa de liberdade de 13 (treze) anos e 05 (cinco) meses de reclusão, além de 1.837 (um mil e oitocentos e trinta e sete) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso, além da decretação de sua inabilitação para dirigir veículo automotor, pelo tempo equivalente ao da condenação (trânsito em julgado para a defesa em 10/06/2025 - id 372150811), considerando que os réus também foram condenados ao pagamento das custas processuais e que M. B. Z. encontra-se foragido (desde 01/07/2024) e que VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS cumpre sua pena em regime semiaberto harmonizado, com monitoração eletrônica, determino: - Promova a Secretaria a substituição do nome do advogado Ângelo José Giannasi Júnior pelo defensor Dr. Brando de Oliveira Villas Bôas (OAB/MG 171.322). - Remetam-se os autos à SUAX para as anotações pertinentes. - Em seguida, expeçam-se, no sistema BNMP 3.0, as respectivas guias de recolhimento, as quais deverão ser encaminhadas à Vara das Execuções Penais competente, inclusive, para cobrança do pagamento das custas judiciais devidas pelos réus supracitados, uma vez que estas somente são exigíveis na fase de execução da pena. Para tanto, considerando que as custas processuais estão fixadas em R$ 297,95 (duzentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), seguem anexadas à presente decisão as respectivas guias (GRU´s) para pagamento das custas devidas por cada um dos réus. - Oficie-se à DPF/RPO/SP, ao IIRGD e ao Tribunal Regional Eleitoral - TRE/SP, para as anotações cabíveis. - Anotem-se os nomes dos réus supracitados no livro "Rol dos Culpados". - Comunique-se à E. Vara das Execuções Penais da Comarca de Uberaba/MG acerca da expedição das guias de recolhimento definitivas, para instrução e conversão das execuções provisórias anteriormente inseridas no SEEU sob o nº 7000049-56.2021.4.03.6113 (M. B. Z.) e nº 7000050-41.2021.403.6113 (VINÍCIUS VIANA DOS SANTOS). Em observâncias dos princípios de economia e celeridade processuais, cópia do presente servirá de ofício ao E. Juízo supracitado. - Após, promova a Secretaria a transferência (alteração) da competência das mencionadas guias de recolhimento para a E. Vara de Execuções Penais competente. Passo a decidir sobre os bens apreendidos nestes autos, relacionados no quadro abaixo: Descrição do Bem Termo de Apreensão Destinação Observação 243,20 Kg de cocaína, acondicionados em 12 (doze) sacos, na forma de tabletes. Nº 3545207/2021 - DPF/URA/MG (2021.0055976 - DPF/URA/MG id 64404230 - pág. 13-15) Incineração da droga apreendida, com exceção da amostra de 3,7g, já resguardada pela polícia técnico-científica para fins de eventual nova perícia (determinação id 78482866) - Material incinerado em 24/08/2021 (id 91417510 - págs. 63-64). - Material guardado para contraprova (3,7 g acondicionadas em envelope de segurança AOOO75281 - material nº 533/2021/NUTEC/DPF/UDI/MG) 1 (uma) caminhonete Ford F250, cor cinza, placa JWT-2E06 Nº 3545207/2021 - DPF/URA/MG (2021.0055976 - DPF/URA/MG id 64404230 - pág. 13-15) Alienação antecipada (Processos SEI nºs. 08129.011121/2021-85 e 00058.065473/2021-20/ 00058.057841/2021-66) - autos nº - 5002209-88.2021.4.03.6113. PERDIMENTO em favor da SENAD/FUNAD (sentença id 186999281) Valor resultante da alienação antecipada depositado em conta judicial nº 3995.635.610-6. 1 (uma) aeronave CESSNAR 182 SKYLANE, prefixo PTIMY Nº 3545207/2021 - DPF/URA/MG (2021.0055976 - DPF/URA/MG id 64404230 - pág. 13-15) Alienação antecipada (Processos SEI nºs. 08129.011121/2021-85 e00058.065473/2021-20/ 00058.057841/2021-66) - autos nº 5002209-88.2021.4.03.6113. PERDIMENTO em favor da SENAD/FUNAD (sentença id 186999281) Valor resultante da alienação antecipada depositado em conta judicial nº 3995.635.610-6. R$ 6.000,00 (seis mil reais) em dinheiro Nº 3545207/2021 - DPF/URA/MG (2021.0055976 - DPF/URA/MG id 64404230 - pág. 13-15) Depósito em conta judicial (id 91417510). PERDIMENTO em favor da SENAD/FUNAD (sentença id 186999281). Depositado em conta judicial nº 3995.005.86402288-3 - atual conta judicial nº 3995.635.00001171-1. 06 aparelhos celulares (01 IPHONE, na posse de DANIELA DA SILVA BARBOSA, 02 IPHONE´s na posse de M. B. Z., 03 IPHONE´s na posse de V. V. D. S.) Nº 3545207/2021 - DPF/URA/MG (2021.0055976 - DPF/URA/MG id 64404230 - pág. 13-15) PERDIMENTO em favor da SENAD/FUNAD (sentença id 186999281). Acautelados na DPF/URA/MG (id 142240560) 01 (um) detector de radar, marca MAXON, modelo RD-25, fabricado na Korea. nº 5419187/2021 (id 170885354) Destruição determinada por sentença - id 186999281, por se tratar de equipamento cujo uso é proibido no país (art. 230, III, do Código Nacional de Trânsito), na forma do art. 291 do Provimento COGE 01/2020. BEM DESTRUÍDO - Termo de Destruição nº 5694614/2021 - DPF/URA/MG, 28/12/2021 (id 239017717). Considerando que parte dos bens apreendidos já foi destruída (parte da droga e detector de radar), outros (caminhonete e aeronave) foram alienados antecipadamente (sendo o produto resultante da alienação depositado em conta judicial - anexo VI), que o valor apreendido em dinheiro (R$ 6.000,00) foi depositado em conta judicial (3995.005.86402288-3 - atualmente conta judicial nº 3995.635.00001171-1- anexo VII), que os 06 (seis) aparelhos celulares e uma porção residual de entorpecente apreendido (3,7g - contraprova) permanecem acautelados junto à Delegacia da Polícia Federal de UBERABA/MG, considerando, ainda, que já houve determinação de destinação dos bens em sentença, diante do trânsito em julgado da decisão condenatória (id 372150811), determino: 1. Oficie-se à DPF/URA/MG para determinar a destruição da droga reservada para contraprova, bem como para que, após formatar os celulares apreendidos, encaminhe-os ao Fundo Nacional Antidrogas - FUNAD, vez que já houve decretação do perdimento de tais bens em favor da referida Secretaria Antidrogas. 2. Oficie-se à Caixa Econômica Federal para que, observando-se o disposto no “Manual de Orientações sobre Recolhimento de Receitas Relacionadas a Fundos Geridos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública”: a) transfira definitivamente os valores depositados nas contas judiciais nº 3995.635.610-6 e nº 3995.635.611-4 ao FUNDO NACIONAL ANTIDROGAS (CNPJ 02.645.310/0001-99) - Unidade Gestora: 200246; Gestão: 00001 e Código de Recolhimento: 20200-2 - FUNAD - ALIENAÇÃO DE BENS APREENDIDOS e b) transfira definitivamente o valor depositado na conta nº 3995.005.86402288-3 (atual conta judicial nº 3995.635.00001171-1) ao FUNDO NACIONAL ANTIDROGAS (CNPJ 02.645.310/0001-99) - Unidade Gestora: 200246; Gestão: 00001 e Código de Recolhimento: 20201-0 – FUNAD - NUMERÁRIO APREENDIDO COM DEFINITIVO PERDIMENTO. 3. Confirmadas as transferências, oficie-se ao FUNDO NACIONAL ANTIDROGAS - FUNAD para ciência da destinação dos valores, sendo que o ofício a ser expedido deverá ser inserido no Processo SEI nº 08129.011121/2021-85 - MJ/FUNAD, com as cópias pertinentes (despacho id 249289400 dos autos nº 5002209-88.2021.4.03.6113), para instrução e atualização do referido processo, para fins de atualização. Por outro lado, no que toca ao pen drive, contendo cópia do arquivo “Celulares aeronave.rar”, acautelado no cofre da Secretaria (id 145860074, 145892520 e 149876744), considerando que a decisão condenatória transitou em julgado, determino a formatação de tal arquivo de mídia, a fim de disponibilizá-la à Secretaria. Traslade-se cópia da decisão para os autos dependentes - nº 5002209-88.2021.4.03.6113. Oportunamente, atualize-se no Sistema Nacional de Bens Apreendidos - SNBA. Feitas todas as anotações e efetivadas todas providências, arquivem-se ambos os feitos, observadas as formalidades. Cumpra-se com urgência, observando-se o sigilo (sigilo total) anteriormente decretado. Intime-se. Anote-se. Franca/SP, data da assinatura eletrônica. FÁBIO DE OLIVEIRA BARROS Juiz Federal Substituto 2ª Vara Federal de Franca/SP
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Processo nº 0001510-14.2018.4.03.6106
ID: 307405181
Tribunal: TRF3
Órgão: 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0001510-14.2018.4.03.6106
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL VICENTE RIBEIRO DE CARVALHO ROMERO RODRIGUES
OAB/SP XXXXXX
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ISADORA SALVADOR FUKASSAWA
OAB/SP XXXXXX
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HELCIO DANIEL PIOVANI
OAB/SP XXXXXX
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FERNANDO YUKIO FUKASSAWA
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0001510-14.2018.4.03.6106 / 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto AUTOR: M. P. F. -. P. REU: A. A. M. Advogados do(a) REU: DANIEL VICENTE RIBEIRO DE CA…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0001510-14.2018.4.03.6106 / 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto AUTOR: M. P. F. -. P. REU: A. A. M. Advogados do(a) REU: DANIEL VICENTE RIBEIRO DE CARVALHO ROMERO RODRIGUES - SP329506, FERNANDO YUKIO FUKASSAWA - SP141626, HELCIO DANIEL PIOVANI - SP224748, ISADORA SALVADOR FUKASSAWA - SP419865 S E N T E N Ç A O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (id 39671898– fls. 3/58) pela prática do delito previsto no artigo 171, § 3º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, em face de A. A. M., brasileiro. casado, médico, nascido em 04 de março de 1970, natural de São José do Rio Preto/SP, filho de Arnaldo Rocha Mello e de Neide Almendros, portador do RG n1 18.095.377/SSPISP e do CPF n" 070.447.438-70. Segundo narra a denúncia, ARNALDO, na qualidade de médico da rede pública de saúde em São José do Rio Preto/SP, no período de julho de 2016 a julho de 2018, obteve para si vantagem ilícita no valor aproximado de R$ 157.373,20 (cento e cinquenta e sete mil, trezentos e setenta e três reais e vinte centavos), em prejuízo do Sistema Único de Saúde, mediante meios fraudulentos, consistentes no registro falso de frequência no sistema eletrônico de controle de horário e na apresentação de atestados médicos para abonar faltas, realizando o denunciado atividades profissionais-particulares no período em que deveria estar trabalhando na rede pública de saúde e nos dias em que estaria supostamente impossibilitado de trabalhar em razão de problemas de saúde. Descreve que o réu é servidor público estatutário, com jornada obrigatória de trabalho de 120 horas mensais / 24 horas semanais, tendo prestado serviços durante o período de julho de 2016 a julho de 2018 no ARE (Ambulatório Regional de Especialidades), SAE (Unidade de Atendimento Especializado - SAE/CRT/HIV/AIDS) e Hospital Dia (Unidade Especializada de Saúde - Hospital Dia) de São José do Rio Preto, em escalas. Afirma, contudo, que o réu ministrou aulas na Unilago - União das Faculdades dos Grandes Lagos, bem como realizou inúmeros atendimentos como médico cooperado/conveniado da Unimed e BenSaúde, e ainda na Santa Casa da Misericórdia, inclusive cirurgias de longa duração, em horários coincidentes com o seu turno na rede pública de saúde, dissimulando o cumprimento da jornada de trabalho integral como servidor público, por meio de registros fraudulentos no sistema de controle eletrônico de horário. A denúncia foi recebida em 08/10/2018 (id 39671898 - fls. 61/62), o réu foi citado (id 39671898 - fls. 88) e apresentou resposta à acusação (id 39671898 - fls. 89/91). Ausente qualquer das hipóteses previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal, foi determinado o prosseguimento do feito (39671898 - fls. 93/94). Durante a instrução, a defesa apresentou documentos (id 39671898 – fls. 119/121 e ids 39671899 e 39671900 – fls. 1/7 e 23/56). Em audiência, foram ouvidas cinco testemunhas arroladas pela acusação, cinco, pela defesa, bem como homologada a desistência de três testemunhas arroladas pela defesa. Ao final, o réu foi interrogado (ids 39671900 – fls. 57/58). Na mesma ocasião, foi deferida a expedição de ofícios a pedido da defesa. O MPF nada requereu como diligências complementares (id 39671900 – fls. 77). A defesa, na mesma oportunidade, requereu a expedição de ofício ao Hospital Dia, bem como a autorização para juntada de documentos eventualmente obtidos por ela (id 39672551 – fls. 1/2), o que foi deferido (id 39672551 – fls. 4). O Ministério Público Federal comunicou a impossibilidade de realização de acordo de não persecução penal, requerendo a continuidade do feito (id 39672551 – fls. 8). O Ministério Público Federal juntou ofícios da Secretaria Municipal de Saúde contendo relatório e prontuários de atendimentos médicos realizados pelo réu (ids 39672551, 43517304 e 43517309). A Secretaria Municipal de Saúde de São José do Rio Preto encaminhou documentos, conforme requisitado judicialmente (id 150337964). As partes se manifestaram acerca dos documentos juntados aos autos (ids 160505567, 170373669, 244362690, 249219419 e 254449034). Foi deferido o pedido da defesa para requisição de documentos complementares (id 256181285). A defesa juntou documentos oriundos da ação de improbidade administrativa, autos n. 5004010-65.2018.4.03.6106 (id 259893349). Recebidos os documentos por parte da Secretaria Municipal de Saúde (ids 287656814 e 296073936), as partes deles tiveram ciência. O Ministério Público Federal, em alegações finais, pugnou pela condenação do réu, por estarem provadas a materialidade e autoria do delito, bem como a fixação de valor mínimo para reparação (id 300843398). A defesa do réu, na mesma oportunidade, pleiteou sua absolvição, alegando inexistência dos fatos apontados como ilícitos pela acusação (id 302249860). É o relatório do essencial. Passo a decidir. FUNDAMENTAÇÃO Sem preliminares, passo ao mérito. O réu está sendo processado pela prática do crime previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, por ter, no período de julho de 2016 a julho de 2018, obtido vantagem ilícita, em prejuízo do Sistema Único de Saúde, mediante fraude consistente em registro falso de frequência no sistema eletrônico de controle de horário e na apresentação de atestados médicos para abonar faltas, utilizados indevidamente em dias e horários nos quais o réu estaria trabalhando em atividades profissionais-particulares. Inicialmente, trago o tipo penal em comento: Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. (...) § 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. Materialidade A materialidade do delito resta comprovada pelos seguintes documentos (mídia de certidão id 150420091)1: a) escalas de trabalho do réu no Hospital Dia, ARE e SAE (fls. 223/224 e 374/447 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondente aos arquivos 194_ pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58); b) espelhos dos registros do ponto eletrônico (fls. 225/253 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondentes aos arquivos 46_ pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58); c) relatórios das diligências in loco pelos representantes do Conselho Municipal de Saúde (fls. 23/25 do id 39671988); d) rol de atendimentos realizados pelo réu pelos planos de saúde BenSaúde (fls. 213/217 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondentes ao arquivo 1_pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58), Unimed (fls. 307/316 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondente aos arquivo 117_pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58 e arquivo 130_ pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58) e Santa Casa de Misericórdia (fls. 302/303 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondentes ao arquivo 117_ pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58); e) informações prestadas pela Unilago – União das Faculdades dos Grandes Lagos (fls. 333/360 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondentes aos arquivos 146 e 163__ pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58), segundo a qual o acusado foi professor do Curso de Medicina durante dois períodos letivos de 2016, às quintas e sextas-feiras, das 16h às 19h; em 2017, no primeiro semestre, às terças e sextas-feiras, no período da tarde (de acordo com as folhas de ponto, com entradas por volta das 13h ou 15h até 17h aproximadamente), e, no segundo semestre, às terças, quartas e sextas-feiras, também no período da tarde; e, em 2018, no primeiro semestre, às terças, quartas e sextas-feiras, no período da tarde, mantendo tal horário no início do segundo semestre (conforme folhas de ponto, com entrada por volta das 13h e saída por volta das 17h até 19h, aproximadamente). f) atestados médicos para justificar faltas no serviço público (fls., 277, 280, 330, 449 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondentes aos arquivos 74, 130, 146_pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58); g) relatórios analíticos das folhas de pagamento (fls. 254/275v do Inquérito Civil nº1.34.015.000422/2016-58, correspondente aos arquivos 46__pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58 e 74__pdfsam_fls. 205-817v do ic 1.34.015.000422-2016-58); Comprovada a materialidade do delito, passo a analisar a autoria. Autoria Conforme consta da denúncia, o réu praticou, durante 24 meses (de julho de 2016 a julho de 2018), o crime do art. 171, § 3º, em continuidade delitiva, ao fazer constar, no sistema de registro eletrônico de frequência, o cumprimento integral de sua jornada de trabalho quando, na realidade, cumpria jornada substancialmente inferior, atuando em outros locais, na seara privada, em horários conflitantes, embora percebesse a remuneração integral do cargo público ocupado. Ademais, descreve a exordial que o réu ainda fez uso indevido de atestados médicos para justificar faltas em seu serviço na rede pública de saúde, em ocasiões nas quais desempenhou atividades laborais diversas, como atendimentos/procedimentos cirúrgicos via convênios médicos, e ministrou aulas em faculdade do Município. O acusado era médico do Município de São José do Rio Preto/SP no período mencionado na ação penal, com jornada obrigatória de trabalho de 120 horas mensais/24 horas semanais. Nesse período, restou comprovado que o réu recebeu integralmente sua remuneração junto ao Município (fls. 254/275v do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58). De modo a melhor organizar, com exceção dos fatos relativos à apresentação de atestados médicos pelo réu, a autoria será analisada de maneira articulada, até porque o fato de o acusado ter se ausentado para atender pacientes particulares ou para ministrar aulas é irrelevante. O que configura o delito de estelionato é a fraude na anotação do ponto, ao indicar que estava presente em seu local de trabalho quando, em verdade, não estava. Mas, antes, para sistematizar, anoto que as escalas de trabalho do réu como médico do Município de São José do Rio Preto eram as seguintes: a) no Hospital Dia, no período de julho de 2016 a maio de 2018, Arnaldo deveria exercer suas funções às segundas-feiras, das 7h às 17h, e às terças-feiras, das 7h às 10h. Nos meses de junho e julho de 2018, passou a exercer suas funções às segundas-feiras, das 7h às 17h, às terças-feiras, das 7h às 10h, e às quartas-feiras, das 11h às 14h (fls. 376/399 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016- 58). b) Na SAE (Unidade de Atendimento Especializado – SAE/CRT/HIV/AIDS), Arnaldo foi escalado para trabalhar, de julho de 2016 a julho de 2018, às terças-feiras, das 11h às 17h (fls. 400/423 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58). c) No ARE (Ambulatório Regional de Especialidades), Arnaldo exercia suas funções, conforme escala, no período de julho de 2016 a março de 2018, às quartas-feiras, das 12h às 18h. Nos meses de abril e maio de 2018, passou a ser escalado às quartas-feiras, das 16h às 19h, e nos meses de junho e julho de 2018, às quartas-feiras, das 15h às 18h (fls. 424/447 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58). Além disso, transcrevo trechos de seu interrogatório judicial: "O equívoco foi provocado ao MPF, teve origem por conta da minha relevância dentro do serviço público porque eu fui secretário da saúde anterior a esse período. Esses fatos ocorreram exatamente no período de campanha do atual prefeito porque havia possibilidade de eu ser secretário da saúde novamente. E um grupo, comandado por Júlio Caetano, junto com outro advogado, que não tem o caráter ilibado que eu tenho (...), poque eles estão sendo condenados por uma série de desvios dentro do GADA. (...) Eles eram contratados para atuarem no Conselho como coordenadores por essas pessoas (...) e eles fizeram essa manobra. E fica claro, realmente os conselheiros foram lá e não me encontraram ‘atendendo’ porque eles foram exatamente num horário, entre 15h e 16h porque Júlio Caetano sabia que eu realizava um procedimento que só eu fazia em Rio Preto, que era preencher HIV, porque ninguém quer fazer. E o que acontece, eu começava a atender 11h e os pacientes eram escalonados, e numa brecha eu saía pra comer alguma coisa (...). inclusive, no ARE, no dia que eles foram, eu estava no lanche do lado. E no SAE eu tinha ido ao Laranjão buscar comida e voltar entre um procedimento e outro. Essas pessoas são mandadas. (...) No SAE era onde eu fazia preenchimento de HIV, no ARE era onde eu fazia consultas e no Hospital Dia era onde eu fazia cirurgias. (...) Tanto que eles foram no Hospital Dia e me encontraram lá, mas não houve relato. E no outro relato, eu não estava de fato, tive uma intercorrência, pedi para que fosse desmarcado e não há registro de ponto. Os dois fatos foram em horários em que eu saí para comer. Quando eu estava, na terça, que eu saía das cirurgias do Hospital Dia, eu saía às 10h30 e ia pro ARE às 11h. Então eu ficava sem comer e (...) na hora que acaba o procedimento, eu parava um pouco, comia alguma coisa. Agora, a gerente sabe disso (...), aí eu voltava e atendia normalmente. (...) A cooperativa exige o nome e o carimbo para fazer o faturamento, mas juridicamente é um grande problema. Em tese, está sendo resolvido. Agora não se assina, é tudo digital, menos ainda vai se saber quem executou, a não ser pelo nome no cabeçalho. O intuito foi mostrar qual foi o problema. O que se enviou ao MPF foi o relatório de faturamento. Os meus residentes (...), na iniciativa privada, enquanto eu estava no Hospital Dia, eles estavam atendendo rotinas, coisas simples, e eles já eram formados (...). E aí, o que aconteceu, o plano mandou o faturamento (...). Eu fazia aula de anatomia de sexta à tarde (...). Depois que os alunos começaram a ir pras unidades, eles passaram a ir comigo e a faculdade me remunerava por isso (...). E aí a faculdade colocava o horário em que os alunos estavam comigo como horário de trabalho, para me remunerar. (...) Na acusação diz que eu atendi paciente às 14h30, estava dando aula das 13h às 19h e marquei o ponto às 18h. (...) De segunda eu ia pro Hospital Dia, registrava o ponto às 7h, começava a atender (...) às 11h eu punha minha entrada e aí, cirurgia. E como eu nunca recusei encaixe (...), eu fui de manhã na segunda com tipoia, com o braço quebrado (...) e me internei ao meio-dia no IMC para fazer a cirurgia. E na denúncia consta que eu estava dando aula (...), na realidade não era eu, era minha equipe. Eu fui porque era muita gente, não dava pra dispensar (...). Minha relação com o serviço público (...) era porque eu tinha aluno, residente, e gostava da academia (...). No consultório, estava no meu nome (...). Como a unimed paga só pra pessoa física e temos uma sociedade, 50-50%, então a secretária por vezes passava a carteirinha no nome de um, mas era o outro que atendia (...). E fora isso, os residentes atendiam também, tanto no meu nome, como no nome do dr Waldiney. (...) Quando é o residente que atende, o prontuário sai no nome de dr Arnaldo, dr Waldiney (...). Ou a receita, imprime e sai no nosso nome. (...) Essa reconstrução mamária fui eu que emiti a guia, mas a cirurgia foi realizada pelos residentes na Beneficência (questionado sobre o dia 06/07/2016), (...) eu não me recordo, mas penso que foi R2 ou R3. Toda segunda-feira são agendados 30, 35, 40. São pequenas cirurgias, sempre eu. Têm prontuários. Pode até ter algum que a letra era de residente, aluno. Na terça-feira, cirurgias eu fazia poucas, porque a carga horária do Hospital Dia era pequena, e depois ia pro SAE. (...) E na quarta-feira eu ia no ARE. Normalmente, na terça eram retornos das cirurgias. E quem fazia a agenda era eu, normalmente atendia 8 a 10, saía e ia pro SAE. Às vezes eu registrava até antes, porque eu chegava lá antes (...). Era preenchimento que fazia, em torno de 2 ou 3. E depois disso eu fazia os retoques. Todos feitos por mim, inclusive têm os prontuários (...). E na quarta-feira, eu fazia o ARE, de 12h às 18h e atendia 24 pacientes, às vezes encaixavam. (...) Eu só atendia cirurgia plástica e consultas. (...) Como havia uma demanda reprimida, por ideia minha (...) eu comecei a fazer cirurgia de mão de quarta-feira no Hospital Dia, começava às 11h, ficava até às 13h. Depois, das 14h às 18h eu ia atender no ARE. (...) Eu preenchia os prontuários. Nas pequenas lesões, a cirurgia era na ficha mesmo. Na cirurgia de mão eu pedi pra fazer a descrição. (...). Sobre as aulas, eu não dava aula das 13h às 19h. Quem dá aula nesse horário? E os alunos nem era de terça, eles ficavam comigo no Hospital de segunda. (...) Existia uma escala, eu recebia os alunos. (...) A aula presencial que eu ia na escola era às quartas-feiras, às 19h. Era a aula da cirurgia plástica (...). Quando o aluno não ia, eu comunicava a coordenadora. Eu não controlava quais os alunos que iam (...). Eu dei aula lá de anatomia de sexta-feira. (...). (Sobre a cirurgia de 02/08/2016), não teria como eu estar lá na cirurgia, porque registrei meu ponto, com digital (...). Meu nome estava pelo faturamento. Alguém tem que ganhar. (...) Realmente, eles foram no ARE antigo. Eram poucas salas, eu tinha que desocupar, depois voltava e pegava outra sala, porque não tinha sala pra todos. E nesse dia eu estava no lanchinho do lado. Talvez eu devesse falar pra gerente que estava indo comer. (...) Não é real, não ficaram uma hora. Foi um tanto quanto confusa, porque a ligação foi lá do Conselho, que ligou pra minha secretária, não foi ali do momento. Agora, tem que ver se realmente ligou ou se foi uma orquestração. Mas se ligou, claro que ela falou que o dr Arnaldo atende, até porque somos em 7 lá. (...) Eu fui intimado pra prestar esclarecimentos no setor público. Meu advogado me orientou a não falar nada, por isso não falei (...). Se o Ministério Público tivesse me chamado eu teria esclarecido tudo. Eu só fui saber quando meus bens foram bloqueados (...). Havia um convênio que repassava verba. O Júlio ia pra Europa passear com o dinheiro do GADA (...). Eu tinha conhecimento dessas coisas (...), eles acabaram sendo destituídos. (...)". Pois bem. DA CONCOMITÂNCIA COM SERVIÇOS MÉDICOS PRIVADOS Em relação a essa imputação, mister a condenação do réu, nos termos expostos na denúncia. Segundo o Parquet, o estratagema fraudulento perpetrado pelo réu consistia: 1º) no registro do horário de chegada no ARE, SAE e Hospital Dia e, em algumas vezes, em pontos eletrônicos instalados em locais diversos na rede municipal de saúde; 2º) na saída do estabelecimento sem efetuar o devido registro, isto é, sem inserir sua digital no equipamento que registra o ponto eletrônico dos servidores, realizando consultas e procedimentos pelos convênios Unimed e BenSaúde em seu consultório e em hospitais particulares diversos, e, por fim, 3º) no retorno ao estabelecimento público e, aí sim, registrava fraudulentamente sua saída, como se não tivesse se ausentado do local. O cometimento dos delitos pelo réu restaram comprovados pelos documentos, conforme listados acima. Dado o grande período de tempo em que o réu fraudou a folha de pontos do sistema público de saúde, destaco, a fim de ilustrar, alguns dos períodos em que isso ocorreu, estando a totalidade dos dias em que cometidos os crimes na tabela anexa aos autos (https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:w:/r/personal/dljunior_trf3_jus_br/_layouts/15/Doc.aspx?sourcedoc=%7BD0485340-4634-4D8B-A532-01921C07543D%7D&file=TABELAS%20-%20DIAS%20-%20DEN%C3%9ANCIA.docx&action=default&mobileredirect=true). Além disso, antes de analisar cada período, importa ressaltar que, de fato, o réu realizou muitos atendimentos enquanto funcionário público da Prefeitura de São José do Rio Preto, isso não é questionado nessa ação. Nesse sentido, tem-se o documento de id 39671899 – fls. 2/40, (CI n. 06/2019/SMS/Departamento de T.I.), que trouxe relação de atendimentos prestados pelo réu encaminhada pelo departamento de tecnologia e informação da Prefeitura de São José do Rio Preto e juntado aos autos pela defesa (id 39671899 – fls. 10/11). Ainda, o relatório de atendimentos encaminhado pelo Ambulatório de Doenças Crônicas Transmissíveis indica que o acusado atendeu 157 pacientes no período abrangido na denúncia (id 43517309 – fls. 34/59) e, ao lado disso, de acordo com o documento id 39671900 – fls. 56, o réu atendeu, no Hospital Dia, 896 pacientes em 2016, 779, em 2017 e 1233, em 2018, considerando que havia mais agendamentos, porém houve pacientes faltosos. No mesmo sentido, documento id 1503379642. Além disso, no antigo ARE, o réu atendeu, de julho de 2016 a agosto de 2018, um total de 1.616 pacientes (id 43517304 – fls. 3). Convém mencionar, por outro lado, que tal como narrado pela testemunha Ana Cristina de Lima Pereira, os atendimentos eram agendados em intervalos de 5 a 10 minutos, de modo que, mesmo em um turno apenas (manhã, na maioria das vezes), era possível que o réu atendesse muitos pacientes, ficando com a maior parte da tarde "livre" para suas consultas particulares e docência. Trago, para ilustrar, o depoimento judicial dessa testemunha: "(...) Estou gerente do Hospital Dia ainda. Entrei no final de 2017. Na verdade, eu não controlo a frequência de todos os servidores, porque o registro de pontos vai direto para o departamento pessoal, pois é eletrônico (...). Não tem como fiscalizar porque são mais de 100 pessoas (...). O ponto é digital, biométrico (...). No Hospital Dia tem um relógio de ponto da prefeitura e um do centro especializado, somente há um local de registro de ponto. Não é possível (que em vez do médico concursado, ele envie outro médico para realizar procedimento). Na unidade, só o médico vinculado ao Município pode atender, só conjuntamente é possível, quando autorizado a receber estagiários e residentes (...), mas sempre junto com o responsável. Os procedimentos são feitos por ele mesmo ou em conjunto com alunos e residentes, que ele sempre recebeu na unidade (...). Nunca teve reclamação de usuário. Na verdade, o dr Arnaldo realizava cirurgias no Hospital Dia. (...) Nos horários em que o dr atendia lá, a gente colocava os pacientes sequenciais, num espaço de 5 a 10 minutos entre um paciente e outro". Anoto, também, que a alegação defensiva de que outros médicos atendiam em seu consultório utilizando seu credenciamento junto aos planos de saúde soa no mínimo temerário, pois, ao mesmo tempo em que busca justificar sua presença no posto de trabalho, denota a falsidade desses registros. Ademais, defender-se dessa forma é buscar se beneficiar da própria torpeza, inadmissível no caso, seja pela própria falsidade, como dito acima, seja pelo crime cometido em detrimento dos planos de saúde. E, nesse sentido, registro que a afirmação das testemunhas de que isso ocorria e era comum não é suficiente para afastar a configuração do delito, uma vez que a praxe não torna a conduta lícita. Enfim, passo à análise quanto à autoria do delito, evidentemente levando em consideração as provas materiais trazidas pela defesa. a) Ano de 2016 No dia 04 de julho de 2016, segunda-feira, o réu registrou sua entrada no Hospital Dia às 07h e saída às 10h; após, entrada às 10h39 e saída às 17h03. No entanto, foi constatado que o réu realizou atendimentos em consultório pelos planos de saúde BenSaúde às 12h42 e 12h55, e Unimed às 13h42, 13h52, 15h08 e 16h44, horários estes em que deveria estar no Hospital Dia, conforme registros efetuados no respectivo ponto eletrônico (id 39671990 – fls. 41, 43). De acordo com o relatório trazido pela defesa, nesse dia o réu atendeu 30 pacientes (id 39671899 - fls. 10). Ocorre que o mencionado relatório não indica o horário desses atendimentos, sendo possível que tenha ocorrido apenas no período da manhã ou, ainda, de maneira intercalada com as consultas particulares, enquanto o réu ainda estava no Hospital Dia. No dia 05 de julho de 2016, terça-feira, o réu registrou sua entrada às 06h46 e saída às 10h05, no Hospital Dia, e entrada às 10h54 e saída às 17h00, no SAE. No entanto, foi constatado que realizou atendimentos em consultório pelos planos de saúde BenSaúde às 14h03, e Unimed às 14h06, horários estes em que deveria estar no SAE, conforme registros efetuados no respectivo ponto eletrônico (id 39671990 – fls. 41, 43). Não houve prova produzida pela defesa afastando a prova no sentido da acusação, já que o atendimento prestado pelo réu no serviço público se deu apenas no período da manhã (id 43517309 - fls. 34). No dia 06 de julho de 2016, quarta-feira, registrou sua entrada no ARE às 11h43 e saída às 17h55. Contudo, neste dia, os representantes do Conselho Municipal de Saúde, em diligência in loco, constataram que ARNALDO estava ausente do serviço no Ambulatório Regional de Especialidades (ARE) às 16h15, tendo a gerente, Lúcia Miani Gonçalves, relatado que o servidor havia ido embora do local (id 39671988 – fls. 25) Insta observar que, após a visita do Conselho Municipal de Saúde, o réu retornou ao ARE e registrou sua saída às 17h55. No dia 11 de julho de 2016, segunda-feira, ARNALDO registrou sua entrada às 06h55 e saída às 10h01 e entrada às 10h25 e saída às 17h00 no Hospital Dia. No entanto, no horário de trabalho em que deveria estar atendendo exclusivamente pelo SUS, realizou procedimento de reconstrução mamária como cooperado do plano de saúde Unimed às 07h02. Outrossim, realizou, em consultório, atendimentos, também pela Unimed, às 13h07, 13h17 e 15h20, bem como pelo BenSaúde às 12h58, horários estes em que deveria estar no Hospital Dia, conforme registros por ele efetuados em ponto eletrônico (id 39671990 – fls. 41, 43). De acordo com o relatório trazido pela defesa, nesse dia o réu atendeu 25 pacientes. Ocorre que o mencionado relatório não indica o horário desses atendimentos, não logrando a defesa comprovar que era impossível ao réu atender pacientes particulares durante sua jornada no Hospital Dia. No dia 12 de julho de 2016, terça-feira, ARNALDO registrou sua entrada às 07h00 e saída às 10h01, no Hospital Dia, bem como entrada às 11h e saída às 17h04, no SAE. No entanto, foi constatado que o réu realizou atendimentos em consultório pelos planos de saúde BenSaúde às 12h58, e Unimed às 8h13, 13h24 e 14h05, horários estes em que deveria estar no Hospital Dia ou no SAE, conforme registros efetuados no respectivo ponto eletrônico. O Conselho Municipal de Saúde, em diligência in loco, no dia 12 de julho de 2016, constatou que o acusado estava ausente do serviço no SAE às 15h, tendo sido confirmado por telefone a presença de ARNALDO em seu consultório particular (id 39671988 – fls. 23). Tal diligência decorreu de denúncia no sentido de que, no dia 12 de julho de 2016, ARNALDO deveria estar no SAE das 11h às 17h, conforme escala (id 39671988 – fls. 21), mas se encontrava em sua clínica e que só passava pelo SAE para marcar presença. Em relação a este dia, embora a defesa tenha comprovado comparecimento do réu ao SAE, conforme documento de id 43517309 - fls. 2 e fls. 35, tal se deu apenas em relação ao turno da manhã, o que não afasta a acusação de que à tarde não estava no local. Ainda, no dia 19 de julho de 2016 (id 39671988 – fls. 24), o réu não compareceu ao seu local de trabalho (SAE), sem justificativa, como informou a gerente do local, Marisa Bacani, de acordo com o relatório de visita do Conselho Municipal de Saúde. Nada obstante, no mesmo dia, o réu realizou consultas pelo BenSaúde, às 12h58 e 12h59m bem como pela Unimed, às 13h19 em seu consultório particular. Para justificar sua ausência no local de trabalho, o réu apresentou atestado médico neste dia. Embora o Parquet Federal objetive que seja considerado fraudulento, fato é que não há provas quanto à fraude no atestado. No mês seguinte, novamente são constatadas ausências do réu no posto de trabalho em detrimento de atendimentos médicos em seu consultório particular. Isso fica claro nos dias 01/08, 02/08, 08/08, 09/08 e 16/08, bastando verificar a planilha encaminhada pelos planos de saúde Unimed e BenSaúde, em que há concomitância entre os horários de consultas e os horários em que o réu deveria estar atendendo no Hospital Dia e no SAE. Nesse mês, convém destacar que o réu ainda realizou uma circurgia pela Unimed no Hospital Beneficência Portuguesa no dia 02/08, das 10h45 às 12h45, período em que deveria estar atendendo no SAE. Isso fica comprovado pelos seguintes documentos: prontuário-guia de internação n. 22-11491646 – fls. 454/479 do Inquérito Civil nº 1.34.015.000422/2016-58, correspondentes aos arquivos 259_pdfsam_fls. 205-817v e 292_pdfsam_fls. 205-817v e 280_pdfsam_fls. 205-817v). Além disso, também deve ser ressaltado que o relatório trazido pela defesa indica que o réu atendeu 30 pacientes no dia 01/08 e 27 no dia 08/08, novamente sem horário, sendo possível constatar que tais ocorreram enquanto ele não realizava os atendimentos particulares. Além disso, o relatório de atendimentos no SAE indica apenas atendimentos pelo réu nos dias 09/08 e 16/08, porém todos no período da manhã, sendo que as consultas particulares foram no período vespertino. O mesmo modus operandi foi verificado nos meses seguintes do ano de 2016. Nesse período, constatou-se o atendimento em consultório durante expediente junto ao Hospital Dia e SAE nos dias 05/09, 06/09, 10/10, 01/11, 08/11, 22/11, 29/11, 05/12, 12/12, 13/12 e 19/12. Registre-se que embora nos dias 05/09, 06/09, 10/10, 08/11, 22/11,05/12, 12/12 e 13/12 tenham atendimentos por parte do réu junto ao sistema público de saúde, conforme relatórios juntados aos autos, ou não há horários desses atendimentos (cf id 39671899) ou os horários foram no período da manhã (ids 43517304 e 43517309), fato que não prejudicou o réu de realizar consultas particulares no período vespertino, como apontado na denúncia. Apenas em relação ao dia 06/12, uma observação deve ser feita. De fato, segundo o documento id 43517309 - fls. 38, o réu realizou um atendimento às 12h32 e sua consulta particular em seu consultório ocorreu às 13h06. Vale frisar que a consulta realizada no SAE foi do tipo primeira consulta, sem a realização de qualquer procedimento, de modo que é certo que foi uma consulta rápida e, portanto, permitiria que o réu se deslocasse até seu consultório a tempo ou, mesmo que não, com um leve atraso, fato corriqueiramente percebido nas prestações de serviços médicos. E aqui, vale destacar novamente que se aplica a mesma conclusão mencionada antes da análise pormenorizada das datas, eis que se o réu de fato não atendeu em seu consultório particular como alega (sem provas a enfraquecer as da acusação), no mínimo outra fraude ele cometeu, pois foi registrado junto aos convênios aos quais é credenciado a existência de 2 consultas nesse dia (às 13h06 e às 15h39). Ainda, merece destaque nova cirurgia realizada pela Unimed no Hospital Beneficência Portuguesa, das 16h20 às 18h30 do dia 01/11/2016, da qual o réu participou como 1º auxiliar, em horário em que deveria estar trabalhando no SAE, conforme fls. 482/561 do Inquérito civil (correspondente aos arquivos digitalizados 304, 322, 334, 346, 358, 372 e 390_pdfsam_fls.205-817v...)1. Nesse particular, anoto que, embora o réu tenha atendido no SAE este dia, o relatório de id 43517309 - fls. 38 denota que a última consulta - sem procedimento, vale destacar - ocorreu às 13h13, permitindo que ele se deslocasse até o hospital para a cirurgia das 16h20. Em 2016, portanto, foram 21 os dias em que houve concomitância com serviços médicos privados. b) Ano de 2017 Nesse ano, o réu continuou realizando consultas/procedimentos particulares em horários em que deveria estar trabalhandos nos hospitais públicos. Na grande maioria dos meses do ano, houve a concomitância entre horário de trabalho no setor público e atendimento a consultas via plano de saúde. Isso se verifica nos dias 30/01, 31/01, 07/02, 13/02, 20/02, 21/02, 06/03, 07/03, 14/03, 20/03, 21/03, 27/03, 03/04, 04/04, 02/05, 08/05, 09/05, 15/05, 22/05, 23/05, 29/05, 30/05, 05/06, 12/06, 13/06, 19/06, 20/06, 03/07, 25/07, 31/07, 07/08, 04/09, 05/09, 25/09, 02/10, 04/10, 09/10, 11/10, 16/10, 17/10, 23/10, 31/10, 06/11, 13/11, e 27/11. Anoto que, dos dias acima, os relatórios trazidos pela defesa indicam atendimentos pelo réu junto ao setor público nos dias 31/01, 07/02, 20/02, 21/02, 06/03, 14/03, 20/03, 27/03, 03/04, 02/05, 08/05, 15/05, 22/05, 29/05, 12/06, 19/06, 03/07, 31/07, 07/08, 04/09, 02/10, 09/10, 16/10, 23/10 06/11, 13/11 e 27/11, nada havendo em relação aos dias 30/01, 07/02, 13/02, 25/04. No que tange ao dia 28/03, mister excluí-lo do rol da acusação, uma vez que a defesa logrou comprovar o atendimento no SAE pelo réu às 7h40, 9h08 e 11h20 (id 43517309 - fls. 41/42), de modo que não haveria como estar em cirurgia na Santa Casa das 7h30 às 10h10, conforme fls. 303 do Inquérito Civil. Contudo, não é demais ressaltar que tal prática configura fraude ao plano de saúde, como já anotado acima. Merece destaque, ainda nesse ano de 2017, o atendimento realizado pelo acusado na Beneficência Portuguesa, no dia 03/04, às 16h13, conforme documento digitalizado 390_pdfscam__fls.205-817v...), horário em que deveria estar no Hospital Dia, já que lançou a saída às 17h08. Em relação aos demais dias comprovados, convém ressaltar, contudo, ou não houve indicação de horários de atendimentos (id 39671899) ou há provas de que estes foram realizados em turnos distintos daqueles em que houve as consultas particulares (nesse sentido: id 43517309 - fls. 39/49). Por fim, a título de exemplo, tem-se o dia 25/07, quando houve demonstração de que o réu atendeu no período da manhã (às 9h27 e 10h05), conseguiu atender consulta particular às 13h26 e, ainda, retornou ao SAE para outra consulta às 16h09, comprovando, portanto, a concomitância entre o trabalho público e o privado. Em suma, em 2017 foram 45 os dias em que houve concomitância com serviços médicos privados. c) Ano de 2018 Nesse ano, mais uma vez o réu continuou realizando consultas/procedimentos particulares em horários em que deveria estar trabalhando nos hospitais públicos. Além disso, nesse ano, também se verificaram concomitâncias entre horários de aula ministradas por ele na Unilago e horários de trabalho como servidor público. Houve a concomitância entre horário de trabalho no setor público e atendimento a consultas via plano de saúde. Isso se verifica nos dias 02/01, 03/01, 08/01, 09/01, 30/01, 05/02, 06/02, 19/02, 20/02, 26/02, 27/02, 05/03, 06/03, 12/03, 14/03, 20/03, 26/03, 27/03, 03/04, 10/04, 16/04, 17/04, 18/04, 08/05, 14/05, 15/05, 16/05, 21/05, 28/05, 05/06, 11/06, 12/06, 18/06, 19/06, 20/06, 25/06, 26/06, 03/07, 10/07 e 31/07/2018. Anoto que, dos dias acima, o relatório trazido pela defesa indica atendimentos pelo réu junto ao setor público nos dias 08/01, 05/02, 19/02, 26/02, 05/03, 06/03, 12/03, 13/03, 20/03, 26/03, 27/03, 03/04, 04/04, 10/04, 11/04, 16/04, 17/04, 18/04, 25/04, 02/05, 09/05, 14/05, 16/05, 18/05, 21/05, 22/05, 23/05, 28/05, 06/06, 11/06, 12/06, 13/06, 18/06, 19/06, 20/06, 25/06, 26/06, 03/07, 10/07 e 31/07, porém nada havendo em relação aos dias 02/01, 03/01, 09/01, 30/01, 06/02, 20/02, 27/02 e 28/02, 14/03, 08/05, 15/05 e 05/06. De todo modo, como exposto acima, as mesmas considerações expostas outrora aqui se aplicam, já que não há horários desses atendimentos, não sendo possível servir como prova de que o réu cumpriu sua jornada integralmente. E tampouco há justificativa de sua parte quanto aos diversos dias em que não há qualquer registro de seu atendimento. Merece destaque, ainda, o dia 03/01/2018 (quarta-feira), quando o réu, que deveria estar no ARE (12h às 18h), com registros de entrada às 11h51 e saída às 18h, atendeu, pelo convênio Unimed no Hospital Beneficência Portuguesa entre 16h40 e 17h00 (fls. 593/594 do IC, correspondente ao arquivo digitalizado 415_pdfsam__fls.205-817v...). Anoto, nesse particular, que a comprovação de haver uma cirurgia plástica agendada no ARE, para às 12h30 (cf. documento digitalizado "scan_0003.pdf" na pasta ARNALDO 2) não é suficiente para afastar responsabilidade do réu em relação ao atendimento particular acima mencionado, eis que não há comprovação quanto à efetiva realização da cirurgia. Além disso, no dia 09/01/2018 (terça-feira), o réu estava escalado para o Hospital Dia (7h às 10h) e para o SAE (11h às 17h). O sistema apontou presença das 6h42 às 10h01 e das 10h52 às 17h07. Todavia, constam diversos atendimentos particulares além de procedimentos às 13h33 e 14h30. Não bastasse, ainda houve uma cirurgia pela Unimed das 8h15 às 12h45, o que evidencia grave incompatibilidade com o horário de trabalho público. A realização de cirurgia - como médico auxiliar - no horário de trabalho, vale destacar, está comprovada pelas fls. 595/670 do IC (correspondente ao arquivo digitalizado 415, 432, 446,468, 457, 478, 488 e 503_pdfsam__fls.205-817v...). Também merece atenção o dia 19/02/2018 (segunda-feira), quando o réu esteve no Hospital Dia das 6h41 às 17h01, mas no mesmo dia realizou procedimento pelo convênio Unimed, na Beneficência Portuguesa, das 7h30 às 8h20, como comprovado pelas fls. 680/681 do IC (correspondente ao arquivo digitalizado 503_pdfsam__fls.205-817v...), além de consultas particulares às 13h17 e 14h49 (BenSaúde). Ainda, de se notar que no dia 26/03/2018 (segunda-feira), quando deveria o réu cumprir jornada das 7h às 17h (Hospital Dia), prestou atendimento às 8h08, realizando um procedimento pela Unimed na Beneficência Portuguesa, conforme fls. 682/711 do IC (correspondente ao arquivo digitalizado 503, 524, 538 e 550_pdfsam__fls.205-817v...), além de consultas às 13h29 (BenSaúde), 13h45 e 15h06 (Unimed). Outrossim, no dia 31/07/2018 (terça-feira), escalado para o Hospital Dia (7h às 10h) e SAE/CTA (11h às 17h), com frequência registrada das 6h34 às 10h02 e das 10h42 às 17h, o réu atendeu paciente pelo convênio Unimed na Beneficência Portuguesa das 15h às 15h36, conforme fls. 816/817 do IC (correspondente ao arquivo digitalizado 663_pdfsam__fls.205-817v...), o que configura sobreposição direta com o expediente no serviço público. No que tange às provas produzidas pela defesa, destaco que, de fato, em relação ao dia 18/04/2018 (quarta-feira), o ponto eletrônico registrou frequência na ARE das 10h48 às 14h e das 15h49 às 19h, embora sua escala fosse das 16h às 19h. Assim, embora seja provável que ele tenha realizado uma consulta particular às 13h08, já que o registro das 14h como saída do ARE não foi eletrônico e sim manual, e tenha iniciado uma cirurgia, como médico auxiliar, pelo convênio Unimed, no Hospital Beneficência Portuguesa, às 13h30, conforme fls. 712/815 do IC (correspondente ao arquivo digitalizado 550, 567, 578, 590, 602, 613 e 625_pdfsam__fls.205-817v...), de fato não haveria como ele estar ainda em cirurgia até às 17h porque das 15h50 às 17h20 aproximadamente, ele realizou atendimentos no ARE, como comprovam os documentos da pasta ARNALDO 1 ( https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/dljunior_trf3_jus_br/Ejk_LlpUJTJKjYPEy7-UfiIBnz7BtpTzLWkr-UwtC85VPQ?e=uVzF3y), razão pela qual em relação a esse dia a absolvição se impõe. O mesmo se deu no dia 16/05/2018 (quarta-feira). O ponto eletrônico registrou frequência na ARE das 10h41 às 14h05 e das 14h33 às 18h01, embora sua escala fosse das 16h às 19h. De todo modo, não seria possível que ele registrasse o ponto às 10h41 e atendesse uma consulta particular às 10h58, assim como atendesse outra consulta particular às 13h25 e registrasse o ponto às 14h05, pois não haveria tempo hábil para que ele se deslocasse de um ponto a outro. Além disso, há comprovação de atendimentos no ARE das 14h43 às 16h47, como comprovam os documentos da pasta ARNALDO 1 ( https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/dljunior_trf3_jus_br/Ejk_LlpUJTJKjYPEy7-UfiIBnz7BtpTzLWkr-UwtC85VPQ?e=uVzF3y). Também no dia 20/06/2018 (quarta-feira), não era possível o réu ter realizado procedimento ambulatorial pela Unimed às 15h47, pois estava realizando atendimentos no ARE, desde às 14h50 até 16h49, como comprovam o documento "Scan_0001.pdf" da pasta ARNALDO 1 ( https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/dljunior_trf3_jus_br/Ejk_LlpUJTJKjYPEy7-UfiIBnz7BtpTzLWkr-UwtC85VPQ?e=uVzF3y). No que tange a tais comprovações, registro, mais uma vez, que a alegação defensiva de que outros médicos atendiam em seu consultório utilizando seu credenciamento junto aos planos de saúde ao mesmo tempo em que busca justificar sua presença no posto de trabalho, denota a falsidade nos registros. Ademais, defender-se dessa forma é buscar se beneficiar da própria torpeza, inadmissível no caso, seja pela própria falsidade, como dito acima, seja pelo crime cometido em detrimento dos planos de saúde. Em suma, em 2018 foram 37 os dias em que houve concomitância com serviços médicos privados. Por fim, as testemunhas ouvidas em Juízo, arroladas pela defesa, não são suficientes para afastar as provas documentais acima descritas, eis que, tal como mencionado acima, o fato de alegarem haver um suposto "acordo de cavalheiros", pois mesmo nesse caso, como explicado pelo auditor do BenSaúde, o residente atende sob supervisão do médico a quem acompanha, ou seja, era necessário que o réu estivesse presente. Rui Nogueira Barbosa: "fui auditor do BenSaúde (...). (Sobre o relatório do BenSaúde acerca dos atendimentos do dr Arnaldo), a data e hora teoricamente são da consulta, ou ao menos, o consultante passou a carteirinha do convênio. A consulta poderia ser feita por outro médico que não o dr Almendros. (...) Hoje, os convênios estão tentando dirimir isso, fazer com que realmente quem atenda seja o profissional para o qual foi indicada a guia. (...) os residentes médicos, acredita-se que seja um acordo de cavalheiros (...), o residente atende sob a supervisão do médico a que acompanhado (...), sendo responsável o médico a quem determinado. O residente não está no convênio, (...) mas o médico supervisor é o responsável (...). Existe uma hierarquia entre os residentes (...). O residente é obrigado a passar para um dos assistentes ou chefe de serviço para a conduta ser tomada, ele pode sugerir, mas não tomar a conduta. (...) Pode acontecer de ser atendido por residente e o atendimento estar registrado em nome do médico cooperado (...). Se houver o carimbo do residente numa guia do convênio, ele não pode, não é contratado, não é especialista, o convênio glosa. (A planilha do BenSaúde) por ela, dá para falar que a pessoa (...) foi atendida pelo Arnaldo. Na teoria (...). O médico recebeu por isso. Sou professor (...). No começo da Unilago, o controle de frequência era por assinatura. (...) Há um ano, eles colocaram o ‘finger’ (...). O controle era por conta do professor, ele assinava uma lista de que entrou ‘tal hora’ e saiu ‘tal hora’ (...). Eu não sei falar especificamente o que ele fez lá (...). Alunos da Unilago passam por postos de saúde da periferia de Rio Preto e cidades da região". José Waldiney de Carvalho Junior: "(...) a clínica é de cirurgia plástica, a responsabilidade é minha e do dr Arnaldo. E temos um residente por ano e mais um estagiário, então ao todo são 4 residentes. A residência funciona por anos, tem uma hierarquia, o R5 é responsável pelos R4, R3 e o preceptor é responsável pelos três. (...). Geralmente, pode ser o da escala ou se está viajando, pode ser qualquer dos chefes. A única orientação é que o residente se identifica como sendo da equipe. Sim, é comum o atendimento por um médico, mas sair como médico credenciado outro médico (...). A responsabilidade é sempre do preceptor. (doc de pág. 94 do pdf) Esse atestado eu confirmo (...). (doc. De pág. 97 do pdf) Conheço dr Danilo Ferraz (...), ele tinha infecções recorrentes (...), têm até exames que comprovam que ele tinha quadro crônico de sinusites. (Doc de pág. 291 do pdf) No dia 02 de agosto de 16, essa letra provavelmente é do nosso residente. Também foi assinatura do residente, é uma rubrica, no meu carimbo. Provavelmente foi o dr Danilo ou dr Rony. Trata-se de uma pequena cirurgia, são cirurgias feitas por eles (...). Como a gente tem uma equipe, é realizado pela equipe. Como existe um responsável, ele é quem assina. Teoricamente, o residente pode assinar sob nossa supervisão. A gente vê todas as cirurgias que são realizadas (...). Ele também assina, como a gente assina. Isso é usual (...). (Doc de pág. 138 do pdf) Atestado do dia 06/02/17 eu confirmo, foi um trauma de mão. Ele sofreu um machucado, não sei se durante a queda, ele sofreu duas vezes um trauma de mão. (...) (Doc de pág. 141 do pdf) Ele ficou inabilitado, teve que se submeter a um procedimento cirúrgico (...). Sou servidor municipal, trabalho no Hospital Dia, faço só procedimentos cirúrgicos. (...) Não tem isso de sair antes do horário se os agendamentos terminarem. Atendo no hospital Dia, na clínica particular e nos hospitais onde a gente faz cirurgias eu atendo com o dr Arnaldo. (...) A função do documento é registrar que foi realizado. Dá para saber que é particular porque foi feito na Beneficência (...)". Fabio Lopes Cançado: "(...) sou anestesiologista. Trabalhei com ele no HIORP (...). Sou anestesista do hospital desde 2015 e ele opera lá. (Fls. 187 e ss) Não me lembro dessa cirurgia (...), não sei nem se eu mesmo fiz essa cirurgia. Por ser cirurgia por conveniado da Unimed, elas só saem no meu nome ou do meu sócio (...). Somos credenciados pelo convênio, mas como não existe só cirurgia desse convênio, acontecem algumas ao mesmo tempo, então pode haver cirurgia no meu nome, porque eu sou conveniado. Quando eu fui residente, eu fazia procedimentos que eram registrados em nome do meu chefe. (...) Você tem que ter algumas características para ser conveniado. Alguns dos meus sócios, por exemplo, não têm essas características. Nas salas, a gente faz vários convênios e cirurgias particulares. Na sala em que estou atendendo um paciente, todas as cirurgias da Unimed saem no meu nome, para fins de faturamento, mas temos vários médicos e cada anestesista é responsável pelo seu ato. Primeiro a gente tem uma escala e, pela caligrafia, a gente vê quem foi. (...)". Roniclei: "(...) hoje sou médico cirurgião plástico. Na época em que trabalhava com ele, eu era um dos residentes (...). A gente tinha um médico para assessorar nosso atendimento. Por exemplo, um procedimento na Beneficência, se fosse simples, eu ia, se fosse de maior complexidade, eu chamava o cirurgião de sobreaviso para resolver o problema juntos. O que eu fazia era creditado só para o médico, para ele. Mas todo procedimento que eu fazia eu me identificava como residente, nunca como o dr Arnaldo (...). Tanto é que os pós-operatórios que fazíamos eram direcionados para eles. (...) Nosso vínculo com o hospital era para atendimento (...), nós nunca tivemos vínculo com a instituição. A supervisão é assistida e os procedimentos que fazíamos eram procedimentos de cirurgião geral e eu, como já tinha esse título, estava habilitado para fazer coisas mais complexas. Mas tinha a pessoa por trás. Por exemplo, teve casos mais graves em que eles foram lá, resolveram (...). Os simples não havia supervisão, os complexos, sim. Nem todos eram da plástica. (...) Se fosse mais simples, eu resolvia e mandava para a clínica depois para o pós. Sempre existiu hierarquia. Coisas mais simples, o R1 fazia a sutura (...), amputação e polegar, já aconteceu, eu era R1, já liguei para o R+ e ele não estava em Rio Preto, liguei para meu professor, o Waldiney, ele foi lá e operamos juntos. (...) O que a gente tinha de instrução; não tinha vínculo com a instituição, então todos nós tínhamos um carimbo, toda a equipe do hospital sabia que nós podíamos fazer, mas tinha que colocar o carimbo do titular com vínculo com a instituição. Então, fazíamos assim: cirurgião responsável – dr professor; 1º auxiliar, aí vinha nosso nome. Aí tinha o carimbo do titular e o nosso também. A gente rubricava para eles. Mas a gente batia os dois carimbos. (Pág. 291 do pdf) Nessa eu não participei. Na verdade, nessa aí quem fazia a dinâmica da Beneficência era um outro colega meu da residência. (Pág. 402 pdf) O carimbo é do dr Arnaldo, essa letra não é minha, eu acho que é do outro colega nosso residente, acho que é do Alexandre. Mas a dinâmica nossa funcionava assim, nós, residentes, íamos, ligava para o professor (...). (Pág. 189 do pdf) Essa letra é do Danilo, outro residente. Cada residente tinha uma complexidade (...). Como essa era de mama, entrava residente de último ano, no caso o dr. Danilo. Isso aqui é mão-de-obra, na verdade, o dr Arnaldo estava na sala, fazia a cirurgia, a gente auxiliava e as coisas administrativas a gente fazia (...). Tanto é que depois, à noite, o dr Arnaldo visitava os pacientes, dava alta, revia (...). (Pág. 515 do pdf) Eu acho que seja a letra do dr Arnaldo (...). (Pág. 664 do pdf) Onde está avaliação especialista, isso aí é nosso (...). (Pág. 291 do pdf) Nesse caso, essa estrutura de colocar um professor como primeiro e o outro como segundo tem a ver também com o faturamento da cirurgia. (...) Mas tinham várias vezes em que o oposto acontecia, o dr Arnaldo primeiro e o dr Waldiney em segundo. Nesse caso, o dr Waldiney estava primeiro porque era responsável pelo paciente. A assinatura é do meu colega, doutor Danilo. Quando coloca como cirurgião o dr Waldiney, isso quer dizer que ele é o responsável pelo paciente e ele que pegou o paciente e levou para lá. E o dr Arnaldo porque é da equipe. Pode até ter sido o dr Waldiney na sala com o R1 ou R2. Ele termina a cirurgia e sai e o papel a gente que fazia. Se ele disse que não estava, ou foi o dr Arnaldo ou foi o dr Danilo. Nessa data, eu não frequentava tanto a Beneficência (...). A residência nossa era via MEC, então (...) um recebia uma bolsa do Ministério e os outros uma bolsa institucional (...)". Ante todas as provas da fraude no registro de frequência do réu enquanto servidor público municial, não há dúvidas quanto à autoria do delito. O dolo é, ainda, patente, eis que o próprio réu quem registrava a frequência e, ainda, assim, realizava atendimentos, cirurgias, ministrava aulas fora dos hospitais públicos a que vinculados durante sua jornada de trabalho. Assim, a condenação é medida que se impõe. DA CONCOMITÂNCIA COM SERVIÇOS DE DOCÊNCIA PRIVADA Em relação a essa imputação, a absolvição é medida que se impõe. A acusação narrou ter havido tal concomitância nos anos de 2017 e 2018. Passo a analisar cada um deles separadamente. a) Ano de 2017 De acordo com a denúncia, houve concomitância entre horário de trabalho no setor público e horário em que o réu ministrava aulas na faculdade Unilago nos seguintes dias: 07/02, 14/02, 21/02, 07/03, 14/03, 28/03, 04/04, 02/05, 09/05, 16/05, 23/05, 30/05, 06/06, 13/06, 20/06, 05/09, 26/09, 03/10, 10/10, 17/10, 24/10, 31/10, 07/11, 14/11, 28/11 e 05/12. Embora as provas a favor do réu sejam parciais, fato é que não haveria faticamente como ele sair da aula e registrar o ponto eletrônico nos Hospitais públicos onde atendia. Isso porque o registro de saída da faculdade era em torno de 17h, 17h05, mesmo horário dos registros de saída dos Hospitais públicos. Além disso, no dia 11/04, o documento de id 43517309 - fls. 42 comprova que o réu realizou um atendimento no SAE às 17h18, horário que, segundo a escala da Unip, era de aula. Nesse ponto, portanto, é possível crer que os alunos estivessem no SAE acompanhando o réu durante seu atendimento, razão pela qual tal dia não foi considerado acima. Também no dia 08/11, o documento digitalizado pasta ARNALDO 2, scan_0002.pdf e scan_0003.pdf (https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/personal/dljunior_trf3_jus_br/_layouts/15/onedrive.aspx?sortField=LinkFilename&isAscending=true&ga=1&id=%2Fpersonal%2Fdljunior%5Ftrf3%5Fjus%5Fbr%2FDocuments%2FM%C3%8DDIAS%2FCRIMINAL%2F0001510%2D14%2E2018%2E403%2E6106%2D2%2FARNALDO%202%2FScan%5F0002%2Epdf&parent=%2Fpersonal%2Fdljunior%5Ftrf3%5Fjus%5Fbr%2FDocuments%2FM%C3%8DDIAS%2FCRIMINAL%2F0001510%2D14%2E2018%2E403%2E6106%2D2%2FARNALDO%202) comprova ter havido agendamento de cirurgia plástica neste dia, às 12h35, razão pela qual concluo que é possível que os alunos tenham acompanhado o réu na cirurgia Por fim, impende destacar que o réu teve faltas justificadas nos dias 06/02, em razão de atestado médico, cuja falsidade não foi comprovada pela acusação e, ainda, nos 01 a 05 de agosto, pois esteve em um congresso no Rio de Janeiro, conforme documentos de id 39671900 – fls. 24/28, razão pela qual tais dias não foram considerados na relação acima. Portanto, à luz do princípio do in dubio pro reo, a absolvição é medida de rigor. b) Ano de 2018 Segundo a denúncia, também houve concomitância entre horário de trabalho no setor público e horário em que o réu ministrava aulas na faculdade Unilago nos seguintes dias: 06/02, 07/02, 14/02, 20/02, 21/02, 27/02, 28/02, 06/03, 07/03, 13/03, 14/03, 20/03, 21/03, 27/03, , 03/04, 04/04, 10/04, 11/04, 17/04, 08/05, 09/05, 15/05, 22/05, 23/05, 05/06, 12/06, 13/06, 19/06, e 26/06/2018. No dia 28/03, há provas no sentido da defesa, ou seja, segundo formulários de atendimento, o réu esteve no ARE às 13h05, 13h35, de modo que não haveria como registrar entrada na Unilago às 12h56, como comprova o documento "Scan_0001.pdf" da pasta ARNALDO 1 ( https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/dljunior_trf3_jus_br/Ejk_LlpUJTJKjYPEy7-UfiIBnz7BtpTzLWkr-UwtC85VPQ?e=uVzF3y). O mesmo se dá no 09/05, pois o réu realizou atendimentos no ARE das 16h15 às 17h53, não podendo estar na Unilago nesse horário, como comprova o documento "Scan_0001.pdf" da pasta ARNALDO 1 ( https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/dljunior_trf3_jus_br/Ejk_LlpUJTJKjYPEy7-UfiIBnz7BtpTzLWkr-UwtC85VPQ?e=uVzF3y). O mesmo ocorreu nos dias 06/06, 20/06, como comprova o documento "Scan_0001.pdf" da pasta ARNALDO 1 ( https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/dljunior_trf3_jus_br/Ejk_LlpUJTJKjYPEy7-UfiIBnz7BtpTzLWkr-UwtC85VPQ?e=uVzF3y). E mesmo em relação aos dias em que não houve provas a favor do réu, fato é que não haveria faticamente como ele sair da aula e registrar o ponto eletrônico nos Hospitais públicos onde atendia, novamente porque ainda no ano de 2018, as saídas do serviço público eram em torno de 17h-18h, horários em que, em tese, estaria ministrando aulas. Por tais razões, e dada a verossimilhança da alegação de que os alunos acompanhavam o réu em seus atendimentos junto aos hospitais públicos, é que concluo ser a absolvição medida de rigor. DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS E DE DOCÊNCIA PRIVADOS DURANTE LICENÇAS MÉDICAS O Ministério Público Federal requereu a condenação do réu por entender que ele se utilizou, por diversas vezes, de atestados médicos para justificar sua ausência no serviço público, quando exerceu, normalmente, durante o afastamento, suas demais atividades particulares, realizando atendimentos por convênios médicos, além de ministrar aulas na Unilago. Em relação a tal acusação, todavia, a denúncia não prospera. Isso porque não há qualquer comprovação de que os atestados médicos sejam falsos. Por outro lado, não vislumbro crime na licença médica do serviço público e na atuação no setor privado e como docente no mesmo período, visto que, a depender da razão da licença médica, não há impedimento para atuação em consultório privado ou em sala de aula. Assim, quanto a tais imputações, a ação não procede. Ante todo o exposto, passo, por conseguinte, à dosimetria da pena em relação aos crimes reconhecidos. Da dosimetria Inicialmente, importa registrar que, a fim de melhor aplicar a pena com critérios mais objetivos, adoto o posicionamento do Magistrado e professor Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual a primeira fase de dosimetria da pena leva em consideração sete circunstâncias judiciais, as quais, somadas, representa a culpabilidade. Além disso, também entende o doutrinador que pesos diferentes devem ser dados a cada circunstância judicial, já que cada um possui uma relevância. Nesse sentido, trago seus ensinamentos2: Tal mecanismo deve erguer-se em bases sólidas e lógicas, buscando harmonia ao sistema, mas sem implicar em singelos cálculos matemáticos. Não se trata de soma de pontos ou frações como se cada elemento fosse rígido e inflexível. Propomos a adoção de um sistema de pesos, redundando em pontos para o fim de nortear o juiz na escolha do montante da pena-base. É evidente poder o magistrado, baseando-se nos pesos dos elementos do art. 59 do Código Penal, pender para maior quantidade de pena ou seguir para a fixação próxima ao mínimo1. A ponderação judicial necessita voltar-se às qualidades e defeitos do réu, destacando o fato por ele praticado como alicerce para a consideração de seus atributos pessoais. Seguindo-se essa proposta, às circunstâncias personalidade, antecedentes e motivos atribui-se peso 2, dada sua maior relevância frente às demais, não apenas pelo que dispõe o artigo 67 do Código Penal, mas pela análise da legislação penal como um todo, que se preocupa mais com tais tópicos, a exemplo do que dispõem os artigos 44, III, 67, 77, II, 83, I, todos do Código Penal, 5º, 9º, da LEP, dentre outros. As demais circunstâncias, via de consequência, terão peso 1. Eis a explicação de Nucci3: Os demais elementos do art. 59 do Código Penal são menos relevantes e encontram-se divididos em dois grupos: a) componentes pessoais, ligados ao agente ou à vítima; b) componentes fáticos, vinculados ao crime. Os pessoais são a conduta social do agente e o comportamento da vítima. Os fáticos constituem os resíduos não aproveitados por outras circunstâncias (agravantes ou atenuantes, causas de aumento ou de diminuição, qualificadoras ou privilégios), conectados ao crime: circunstâncias do delito e consequências da infração penal. A esses quatro elementos atribui-se o peso 12. Quando todas as circunstâncias são neutras ou positivas, parte-se da pena mínima. Ao contrário, caso todas as circunstâncias sejam negativas, deve-se aplicar a pena-base no limite máximo. Assim, por exemplo, quando uma pena-base varia entre 2 e 5 anos, em uma escala de zero a dez, cada fração (peso) equivalerá a 109,5 dias (ou seja, 10% sobre o intervalo da diferença entre a pena mínima e máxima = 3 anos dividido por 10). Feitas tais considerações, passo a realizar a dosimetria da pena para o réu efetivamente. a) Pena-base (circunstâncias judiciais) O tipo-base do art. 171 do Código Penal prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos. Passo a analisar as circunstâncias em espécie: → Antecedentes: o réu não possui maus antecedentes, razão pela qual tomo tal circunstância como favorável. → Conduta social: não há nada que desabone ou seja relevante para alterar a pena em relação à conduta social do réu, motivo pelo qual deve ser considerada neutra. → Personalidade: também não vislumbro nenhum elemento que indique que essa circunstância seja desfavorável. → Motivos: não vislumbro motivos extrínsecos aos tipos penais. Entendo que tal circunstância é neutra. → Circunstâncias: não há nada a indicar que as circunstâncias do delito tenham extrapolado as do tipo penal, razão pela qual é neutra. → Consequências: são graves as consequências do delito, eis que dada a fraude no registro de ponto do réu, houve consequências extrapenais, consistentes na ausência de atendimentos durante todo o expediente do acusado. → Comportamento da vítima: não há vítima determinada, portanto, a circunstância é neutra. → Culpabilidade: embora prevista no caput do art. 59 do CP, a culpabilidade, entendida como reprovabilidade da conduta social, acaba sendo o resumo de todas as circunstâncias anteriores, motivo pelo qual deixo de considerá-la. Sopesando as 7 circunstâncias analisadas, concluo que a pena base deve ser fixada no mínimo legal, em 1 ano de reclusão, acrescida de 10 dias-multa. b) Agravantes e atenuantes (circunstâncias legais – pena provisória) Não há agravantes, nem atenuantes, razão pela qual mantenho a pena acima fixada. c) Causas de aumento ou diminuição Não existem causas de diminuição para o delito. Reconheço, todavia, a causa de aumento do §3º do artigo 171 do Código Penal, eis que o crime atingiu entidade de Direito Público (Sistema Único de Saúde). Assim, aumento a pena do réu em 1/3, totalizando a pena final, para o estelionato majorado, de 1 ano e 4 meses de reclusão, acrescida de 13 dias-multa. d) Concurso de crimes Reconheço, em favor do réu, a continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), eis que o crime foi cometido sistematicamente durante os anos de 2016 a 2018, nos meses acima relacionados, pelo mesmo modus operandi. Considerando, assim, a continuidade, aumento a pena na fração máxima, dado o número de crimes cometidos dia a dia nesse período, totalizando a pena definitiva de 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, acrescida de 16 dias-multa. e) Pena de multa, regime e substituição das penas privativas de liberdade À multa aplicada fixo o dia-multa no valor 1 salário-mínimo vigente à época dos fatos, dada a favorável condição econômica do réu, médico cirurgião plástico, devendo ser corrigido monetariamente tal valor ao azo do pagamento, nos termos do art. 49 e §§ e 50 e §§, do Código Penal. O regime inicial de cumprimento de pena será o REGIME ABERTO, pela observação das circunstâncias do art. 59 do Código Penal, pela quantidade de pena aplicada, como disposto no artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal. DISPOSITIVO Destarte, como consectário da fundamentação, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na denúncia para CONDENAR A. A. M. como incurso no artigo 171, §3º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, à pena de 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime aberto, acrescida de 16 dias-multa, no valor de 1 salário mínimo vigente à época dos fatos cada dia-multa. Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, as quais consistirão em: a) prestação pecuniária, no valor de R$ 20.000,00, a ser destinada a instituição filantrópica deste Município; e, b) multa, no valor de 100 dias-multa, à razão de 1 salário mínimo cada uma. No caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos, esta se converterá em pena privativa de liberdade, na forma do § 4° do art. 44 do Código Penal, a ser iniciada no regime ABERTO, em estabelecimento adequado ou, na falta deste, em prisão domiciliar, com as condições obrigatórias do art. 115 da Lei 7.210/84, ou conforme dispuser o Juízo da execução ao seu prudente critério. O valor da pena de multa deverá ser corrigido monetariamente ao azo do pagamento, nos termos do art. 49 e §§ e 50 e §§, do Código Penal e, no caso de descumprimento, será executada pelo Parquet ou, subsidiariamente, pela Procuradoria da Fazenda Nacional (CP, art. 51 e ADI 3150/DF). Nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, o réu arcará ainda com as custas processuais. À luz do artigo 387, IV, do Código Penal, deixo de arbitrar valor mínimo de reparação, eis que, embora tenha havido pedido do MPF na denúncia, não houve produção de meios de aferi-lo com os elementos dos autos. Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade. Após o trânsito em julgado, comunique-se o trânsito ao I.N.I., T.R.E. e I.I.R.G.D. Segue planilha com cálculos de prescrição penal deste processo, formulada por este juízo para ciência e facilitação da análise respectiva. Considerando a sentença é causa interruptiva da prescrição (Código Penal, artigo 117, IV) e mais, considerando que se encerrou o processamento do presente feito em primeira instância, anote-se na tabela de controle de prescrição dos feitos em andamento a condição INATIVO. Em não havendo interesse em recorrer, manifeste-se o Ministério Público Federal quanto à prescrição da pretensão punitiva pela pena aplicada. Intime-se. Cumpra-se. São José do Rio Preto, datada e assinada digitalmente. DASSER LETTIÉRE JÚNIOR JUIZ FEDERAL [1] https://trf3jusbr-my.sharepoint.com/personal/mlmartin_trf3_jus_br/_layouts/15/onedrive.aspx?id=%2Fpersonal%2Fmlmartin%5Ftrf3%5Fjus%5Fbr%2FDocuments%2FM%C3%8DDIAS%2F0001510%2D41%2E2018%2E4%2E03%2E6106%2Ffls%2000298%20%2D%20ID%2039671898%20%2D%20fls%2000077%2D121%2FCD%2001%2Ffls%2E%20205%2D817v%20do%20ic%201%2E34%2E015%2E000422%2E2016%2D58&ga=1 [2] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal– 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 416. [3] Ibidem, p. 416.
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Processo nº 5000775-28.2025.4.03.6112
ID: 325600603
Tribunal: TRF3
Órgão: 3ª Vara Federal de Presidente Prudente
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5000775-28.2025.4.03.6112
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE EDUARDO LAVINAS BARBOSA
OAB/SP XXXXXX
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ISADORA FERNANDA LATINI
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000775-28.2025.4.03.6112 / 3ª Vara Federal de Presidente Prudente AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: GRODIS LOPEZ VEISAGA, JUAN CARLOS JIMENE…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000775-28.2025.4.03.6112 / 3ª Vara Federal de Presidente Prudente AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: GRODIS LOPEZ VEISAGA, JUAN CARLOS JIMENES SANCHEZ Advogados do(a) REU: ISADORA FERNANDA LATINI - SP468184, JOSE EDUARDO LAVINAS BARBOSA - SP217870 S E N T E N Ç A Vistos, em sentença. 1. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propôs a presente ação penal em face de JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA, devidamente qualificados nos autos, como incurso nas penas previstas no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006 (ID 361523337, de 23/04/2025). Segundo a denúncia, “no dia 24 de março de 2025, por volta de 19h00mim, na Rodovia Raposo Tavares - SP 270, altura do Km 539, em Regente-Feijó/SP, nessa Subseção Judiciária de Presidente Prudente/SP, constatou-se que o imputados JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA, de forma livre e consciente, num contexto de transnacionalidade, importaram da Bolívia, trouxeram consigo, guardaram e transportaram substância entorpecente, com finalidade de entrega a consumo de terceiros, respectivamente, 8,7 quilos, de cocaína, em forma de pasta base, acondicionada em oito tabletes, e 8,6 quilos, de cocaína, também em forma de pasta base, acondicionada em outros oito tabletes (ID 358301227, páginas 10/11), droga alucinógena, que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, já que referida substância se encontra relacionada na Lista F1 das Substâncias Entorpecentes de Uso Proscrito no País, constante da Portaria SVS nº 344, de 12 maio de 1998, bem como nas atualizações dos anexos da referida portaria, promovidas pela Diretoria Colegiada até a presente data, conforme o LAUDO Nº 090/2025-NUTEC/DPF/PDE/SP – ID 358301227, páginas 36-37 e LAUDO 1187/2025-SETEC/SR/PF/SP (ID 361181287, páginas 17/19 (química forense), ficando destacada a natureza entorpecente e existência de seu princípio ativo” (sic). Em fiscalização de rotina, policiais militares procederam a uma vistoria no ônibus da Viação Andorinha que fazia a linha Campo Grande/MS-Rio de Janeiro/RJ e localizaram os tabletes de entorpecente na forração dos bancos, ocupados pelos denunciados, bem como nas respectivas poltronas ao lado das ocupadas por eles. Na poltrona nº 50, estava sentado Godris Lopes Veisaga sendo que a poltrona ao seu lado (nº 49) encontrava-se vazia e, em ambas, foram localizados 8 (oito) tabletes da substância entorpecente conhecida por cocaína. Na poltrona nº 53, estava sentado Juan Carlos Gimenes Sanches, e a poltrona ao seu lado (nº 54) encontrava-se vazia, tendo sido encontradas nas duas, mais 8 (oito) tabletes de cocaína. Os passageiros afirmaram que a droga seria levada para São Paulo/SP, onde receberiam R$ 2.000,00 (dois mil reais) cada, na estação da Barra Funda, pelo transporte. Consta do inquérito policial o auto de prisão em flagrante nº 2025.0031903-DPF/PDE/SP (Id 358301227); o Termo de Apreensão nº 1157391/2025 (Id 358301227, páginas 10/11), pelo Laudo nº 090/2025-NUTEC/DPF/PDE/SP – Id 358301227, páginas 36/37 e Laudo nº 1187/2025-SETEC/SR/PF/SP (Id 361181287, páginas 17/19 (química forense), que comprovam que a droga aprendida se trata de cocaína na forma de base. Realizada audiência de custódia em 24 de março de 2025, foram homologadas as prisões em flagrante e convertidas em preventiva, oportunidade em que foi autorizada a perícia nos aparelhos celulares e a incineração da droga apreendida (Id 358457080). A denúncia foi oferecida em 23 de abril de 2025 (Id 361523337). Redistribuído o feito em face nos termos da Resolução CJF3R nº 117/2024 (Id 361549988), o despacho de Id 361685232 determinou a notificação dos réus. Folhas de antecedentes criminais juntadas nos Ids 361798604 e seguintes constando que não há antecedentes. Devidamente notificados (Ids 365486661 e 365486692), os réus apresentaram resposta à acusação por meio de advogado constituído (Id 362815697, de 06/05/2025). O Ministério Público Federal apresentou réplica e requereu a manutenção da prisão na manifestação de Id 364960620, de 21/05/2025. A prisão preventiva foi ratificada pela decisão de Id 365259881, de 23/05/2024 e a denúncia foi recebida em 26/05/2025 (id 365494638). Os réus foram citados pessoalmente, conforme certidões lançadas nos Ids 369202370 e 369202393. Durante a fase instrutória do feito, em audiência, realizada no dia 2 de julho de 2025, foram ouvidas duas testemunhas de acusação, bem como os réus interrogados, sendo os depoimentos gravados em mídia audiovisual. Oportunizada a fase do artigo 402 do CPP, as partes não requereram diligências e apresentaram alegações finais oralmente (Id 374485317). O Ministério Público Federal requereu a condenação dos acusados, diante da comprovação dos fatos narrados na denúncia, com aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas (Id 374494110). A defesa, por sua vez, requereu a aplicação da mesma causa de diminuição, da pena no mínimo legal e a fixação do regime aberto (Id 374494111). Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO. 2. Decisão/Fundamentação DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS Transnacionalidade do delito A transnacionalidade do delito está devidamente caracterizada pelas circunstâncias que envolvem a apreensão, em que pese os réus afirmarem que somente pegaram o entorpecente na cidade de Corumbá. Com efeito, os réus são bolivianos, adentraram ao país vindo da Bolívia, além de tratar-se de droga que costumeiramente tem origem em países fronteiriços, apreendida em quantidade razoável, o que evidencia a transnacionalidade das condutas e autoriza a competência deste juízo para processamento e julgamento do feito. Ademais, a quantidade de droga apreendida, a forma de armazenamento e transporte (mais de 16 quilos de pasta base de cocaína), também reforçam que se trata de tráfico transnacional de entorpecentes. Observe-se que a Lei de Drogas anterior exigia a internacionalidade (situação ou ação concernente a duas ou mais nações) para a configuração da majorante, enquanto a atual fala em transnacionalidade (situação ou ação além de nossas fronteiras). Não se trata, portanto, de simples alteração de palavras. Ao contrário, o conceito de transnacionalidade é mais amplo e abrangente que o de internacionalidade, pois se qualquer fase do iter criminal se der fora das fronteiras nacionais estará caracterizada a transnacionalidade. Todavia, no que tange à causa de aumento prevista no inciso V do artigo 40 da Lei 11.343/06, entendo pela impossibilidade de cumulação com a causa de aumento prevista no inciso I, conforme julgado a seguir transcrito: "É descabida a aplicação concomitante das causas de aumento decorrentes da internacionalidade (art. 40, I, Lei 11.343/06) e do tráfico entre estados da Federação (art. 40, V, da Lei 11.343/06)". (ACR 2007.30.00.000568-6/AC, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, 3ª Turma do TRF/1ª Região, unânime, e-DJF1 de 06/03/2009, p. 58). Passo à análise do mérito da imputação. Da Materialidade, Autoria e Dolo O Termo de apreensão nº 1157391/2025 (Id 358301227, fls. 10/11); o laudo preliminar de constatação de perícia criminal nº 090/2025 (Id 358301227, fls. 36/37) e o laudo pericial definitivo nº 1187/2025 (Id 361181287, fls. 17/19), demonstram a materialidade delitiva, pois restou comprovado que os réus trouxeram consigo, guardaram e transportaram substância popularmente conhecida como “cocaína”, m forma de pasta base, droga relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes de Uso Proscrito no país, para entregar a terceiros na cidade de São Paulo. As autorias e os dolos também são certos, senão vejamos. As testemunhas de acusação RODRIGO BRAGA e CRISTIAN FEITOZA FACHIANO, policiais militares que realizaram a abordagem, tanto na fase policial (fls. 02/04 do Id 358301227) quanto judicial (Ids 374491389 e 374491386) prestaram depoimentos uníssonos e convergentes, relatando sobre a abordagem realizada na operação policial em 24 de março de 2025: “QUE na data de hoje por volta das 19:00h, na Rodovia Raposo Tavares, Km 539, Regente-Feijó/SP, na companhia do Policial Militar Cristian procederam a uma vistoria no ônibus da viação Andorinha que faz a linha Campo Grande/MS ao Rio de Janeiro/RJ; QUE ao entrevistarem os passageiros perceberam que dois bolivianos sentados próximos demonstravam uma certa inquietação e ao serem questionados sobre o motivo da viagem não souberam explicar, dizendo apenas que iriam para São Paulo/SP; QUE perguntaram aos mesmos sobre suas bagagens e estes apresentaram suas bagagens de mão, todavia, em revista as mesmas nada de ilícito localizaram; QUE sabendo que em alguns casos os traficantes costumam esconder a droga entre a forração dos bancos, solicitaram aos mesmos que levantassem e passaram a vistoriar as poltronas que ocupavam; QUE tanto na poltrona ocupada por Godris Lopes Veisaga, nº 50, como na poltrona ocupada por Juan Carlos Gimenes Sanches, nº 53, foram encontrados tablets de cocaína; QUE as poltronas ao lado de onde os presos estavam sentados (49 e 54) estavam vazias, todavia, havia droga escondida na forração das mesmas; QUE nas poltronas 50 e 49 foram encontrados 8 (oito) tablets e nas poltronas 53 e 54 mais oito tablets; QUE os presos disseram que embarcaram na cidade de Corumbá/MS, divisa com a Bolívia, e tinham como destino a estação da Barra Funda na cidade de São Paulo/SP, local em que receberiam 2 mil reais cada com a entrega da droga,” (sic) (fls. 02 do id 358301227). Em juízo, as testemunhas prestaram declarações semelhantes, sem acrescentar nenhum outro fato a ser destacado. Os réus, em juízo, confessaram os fatos, corroborando a declaração prestada na fase policial por GRODIS LOPEZ VEISAGA (fls. 05 do Id 358301227). O acusado GRODIS LOPEZ VEISAGA, ouvido nos Ids 374491394, 374491395 e 374491397 explicou que aceitou realizar o transporte das drogas por necessidade financeira, tendo em vista que estava sem emprego e precisava pagar os estudos, sendo que receberia dois mil bolivianos pelo transporte. Disse que não sabia para quem seria entregue o entorpecente na cidade de São Paulo e que o valor seria pago pela pessoa que receberia o entorpecente na Barra Funda. Relatou que entrou no Brasil de táxi e que adentrou no ônibus em Corumbá, quando então a pessoa que o contratou acomodou o entorpecente na poltrona. Por fim, disse que tinha conhecimento que transportava cocaína, que foi contratado por um boliviano e que não conhecia Juan. Esclareceu, ainda, que não ficaria no Brasil e que iria retornar à Bolívia com passagem de volta que seria entregue na rodoviária da Barra Funda. No mesmo sentido, o acusado JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ, ouvido nos ids 374494105, 374494106, 374494107 e 374494109 confessou os fatos. Contou que aceitou por necessidade financeira, tendo em vista que precisava ajudar a família nas despesas domésticas. Disse que receberia dois mil bolivianos para levar o entorpecente até São Paulo e que foi contratado por uma pessoa peruana, que o abordou durante seu trabalho de taxista. Esta pessoa que o contratou também comprou a passagem, sendo o bilhete entregue por outro taxista, chamado Fred. Explicou que a mala com drogas foi recebida em uma avenida da cidade de Corumbá, por terceiro não conhecido. Explanou que tinha conhecimento de que iria transportar cocaína, que não sabia para quem seria entregue o entorpecente no terminal da Barra Funda e que não ficaria no Brasil. Disse que, com o valor que receberia, compraria a passagem de volta. Por fim, disse que não conhecia Grotis e que não sabia que ele estava transportando entorpecente. Dessa maneira, ante as confissões dos acusados, as autorias e o dolo estão devidamente comprovados pelas provas produzidas nos autos. Ressalto que a prisão dos réus não se referem a fatos independentes, restando caracterizado o concurso de agentes, tendo em vista que os réus estavam transportando a mesma espécie de droga (cocaína em forma de pasta base), na mesma quantidade (cerca de 8 kg), acondicionadas da mesma forma (tabletes), escondidas no mesmo local (mala embaixo da poltrona), no mesmo ônibus, em poltronas próximas (50 e 53), com a mesma origem (Campo Grande/MS) e destino (Barra Funda, São Paulo/SP), sem dinheiro, apenas com aparelhos celulares. Observo, ainda, que os réus possuem diferença de apenas três anos de idade e são nascidos na mesma localidade, no município de Entre Rios (Cochabamba), de 45 mil habitantes. De mais a mais, indagados na audiência de instrução e julgamento sobre o fato de já se conhecerem, os réus se contradisseram. O réu GRODIS afirmou que, além de não conhecer JUAN, afirmou que pouco conversou com este, que não perguntou nem sabia o local de nascimento do corréu. Por sua vez, JUAN, apesar de também afirmar que não conhecia o corréu GRODIS, afirmou que conversou no ônibus com o corréu coisas cotidianas, inclusive sobre local de nascimento, e que GRODIS lhe perguntou seu local de nascimento e afirmou saber que este também tinha nascido em Entre Rios. Ressalto, contudo, que a simples afirmação de dificuldades econômicas, desacompanhada da necessária comprovação, não se afigura suficiente para a configuração de estado de necessidade, que exigiria, na hipótese dos autos, prova cabal de profunda miserabilidade dos acusados, que colocaria em risco sua própria subsistência ou a de sua família. Ademais, ainda que houvesse eventual situação de perigo atual que afligisse os réus, a conduta criminosa por eles desenvolvida não era inevitável, sendo-lhe exigível comportamento conforme o direito, devendo escolher diversos meios lícitos, ao invés de optar pelo caminho da prática do tráfico internacional de drogas como meio de obter rapidamente recursos financeiros. Por todo o exposto e pelas provas acostadas aos autos, entendo que não há dúvidas quanto ao elemento subjetivo do delito, com o que resta o crime comprovado. Pelos elementos constantes dos autos está plenamente configurado o enquadramento dos fatos no delito de tráfico de entorpecentes. A quantidade da droga, a forma de seu acondicionamento e transporte demonstram que se tratava de tráfico e não de simples porte de entorpecente. Deste modo, os acusados JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA incorreram na prática do delito previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006. Fixada a responsabilidade dos réus pelos fatos narrados na denúncia, passo à dosimetria da pena. Da Dosimetria da Pena: Do crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06: 1. JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ -1.A) as circunstâncias judiciais (CP, artigo 59): as certidões que constam dos autos demonstram que o réu é primário e não possui qualquer apontamento de natureza penal (Ids 358535721, 358535718, 358535717, 358535714, 361798608, 361971854, 361970700, 361970696, 361970690, 361970685). O réu agiu com dolo normal para o tipo e não demonstrou ter personalidade voltada para a prática de crimes. No tocante à conduta social e à personalidade do acusado, não há nos autos elementos indicativos de que se dedica a atividades ilícitas. O réu não opôs resistência quando de sua prisão e colaborou com a instrução penal. Os motivos do crime são os comuns ao tipo penal. Não há outros dados desabonadores da conduta social do réu no seu meio social. Quanto à culpabilidade, tenho que desfavorável pela quantidade e natureza da droga apreendida. É evidente que o réu conhecia o caráter ilícito de sua conduta e aceitou praticá-la, elementos considerados na aferição do dolo. No mais, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) trouxe norma específica a respeito da primeira fase de fixação da pena, em seu artigo 42, no sentido de que “o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Assim, atento ao fato de que o réu foi preso com 8,7 quilos de “cocaína” (além dos 8,6 quilos com o coautor Grodis), delito cujas consequências extrapolam a previsão típica, uma vez que a natureza do entorpecente encontrado aumenta o risco à saúde pública, na forma do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, elevo a pena-base em ¼, fixando-a, nesta fase, em 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, além de 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, cada um deles fixado em 1/30 do salário mínimo (CP, artigo 49, § 1º). -1.B) No exame de atenuantes e agravantes, reconheço a atenuante da confissão (CP, artigo 65, inciso III, alínea c). Não há agravante a ser reconhecida, uma vez que não é apropriada a incidência da agravante genérica disposta no inciso IV do artigo 62 do Código Penal no crime de tráfico de drogas que, por sua própria natureza, é de um delito ordinariamente praticado onerosamente. Portanto, nesta fase, reduzo a pena-base em fração de 1/5, fixando-a em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 dias-multa. Não há motivo para aplicação da circunstância excepcional do artigo 66 do Código Penal. -1.C) O acusado se enquadra na hipótese do § 4º do artigo 33 da Lei Antidrogas, pois não é reincidente, não ostenta maus antecedentes e não há provas de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. A causa de redução de pena é aplicável. Não há indícios de que o réu integre organização criminosa, exercendo direção das atividades, conhecendo os demais integrantes e o modo operacional normalmente empregado. Na verdade, trata-se da chamada “mula”, pessoa responsável apenas pelo transporte da substância entorpecente de um local a outro. A “mula” atende aos fins delituosos da organização, sem, contudo, ser dela parte integrante. Recebe remuneração para transportar o entorpecente, sem saber a serviço de quem está. Desconhece por completo o modus operandi da organização ou as funções que cada um exerce. Seu contato limita-se, no máximo, ao aliciador, que se vale de alguma alcunha, um codinome, para não ser identificado, fazendo jus à redução prevista em Lei. Com relação à quantidade de diminuição, os Tribunais Superiores entendem que a função de "mula" justifica a aplicação da fração mínima de 1/6 para a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (STF HC 115149, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 30/04/2013; STJ AgRg no HC 974.603/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJEN de 3/7/2025). Desse modo, em razão da importância da função de mula para o funcionamento de organizações criminosas e do concurso de agentes, reduzo a pena em seu patamar mínimo, de 1/6, fixando-a, provisoriamente, em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 417 (quatrocentos e dezessete) dias-multa. Por outro lado, incide a causa de aumento de pena prevista no inciso I do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, já que é evidente a transnacionalidade do delito. Tendo em vista que o acusado não chegou a seu destino, aumento a pena em 1/6, fixando-a definitivamente 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa. O valor de cada dia-multa já foi fixado anteriormente em 1/30 do salário mínimo. Por outro lado, deixo de aplicar a causa de diminuição decorrente da delação premiada, prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/07, porquanto não houve revelação de dados aptos a auxiliar a polícia na identificação de autores e partícipes do crime. -1.D) O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade será o FECHADO (art. 33, § 3º, CP), haja vista a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, consubstanciadas na natureza extremamente deletéria e na expressiva quantidade de droga apreendida (16 quilos de cocaína ao todo). Essa circunstância demonstra um elevado potencial lesivo da conduta, com risco acentuado à saúde pública. Diante disso, entendo ser necessária uma resposta penal proporcional à gravidade do crime, como forma de prevenir a reiteração delitiva e resguardar a ordem pública. Nesse sentido: AgRg no HC n. 911.499/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024. -1.E) Incabível a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, em razão da pena aplicada ser superior a 4 (quatro) anos (art. 44, I, CP). Além disso, tenho que a substituição da pena no caso de tráfico internacional de entorpecentes não é recomendável. Embora as penas restritivas de direitos tenham caráter retributivo do ilícito penal, não serão vistas desta forma, quer pelo sentenciado, quer por aqueles que buscam sobreviver do tráfico de entorpecentes. Com isso, os propósitos ventilados no artigo 59, in fine, do CP, isto é, que a pena cumpra seu dúplice mister, de reprovar e de prevenir a delinquência, não serão atingidos. -1.F) Não estando presentes os requisitos previstos no artigo 77 do Código Penal, deixo de suspender a execução da pena privativa de liberdade. -1.G) O réu fará jus, quando do início de cumprimento da pena, a descontar da pena a que foi condenado o tempo em que permaneceu preso cautelarmente (art. 42, CP). Assim, deverá o juízo da execução descontar da pena privativa de liberdade o tempo, em dias, em que permaneceu preso cautelarmente. -1.H) O réu não poderá apelar em liberdade, porquanto subsistem os fundamentos que levaram à decretação de prisão preventiva, porquanto a concessão de liberdade certamente representará não cumprimento da lei penal. Durante toda a persecução penal, o condenado respondeu preso a este processo. Não há qualquer informação nos autos acerca de residência fixa e ocupação lícita em seu país de origem. Ademais, tratando-se de réu estrangeiro, há completa ausência de vínculo com o Brasil. Acrescente-se que houve condenação à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, o que também justifica a manutenção da prisão preventiva por garantia de aplicação da lei penal. 2. GRODIS LOPES VEISAGA -2.A) As circunstâncias judiciais (CP, artigo 59): as certidões que constam dos autos demonstram que o réu é primário e não possui qualquer apontamento de natureza penal (Ids 358535711, 358535710, 358535707, 358535706, 361798604, 361971855, 361971853, 361970695, 361970687, 361970686). O réu agiu com dolo normal para o tipo e não demonstrou ter personalidade voltada para a prática de crimes. No tocante à conduta social e à personalidade do acusado, não há nos autos elementos indicativos de que se dedica a atividades ilícitas. O réu não opôs resistência quando de sua prisão e colaborou com a instrução penal. Os motivos do crime são os comuns ao tipo penal. Não há outros dados desabonadores da conduta social do réu no seu meio social. Quanto à culpabilidade, tenho que desfavorável pela quantidade e natureza da droga apreendida. É evidente que o réu conhecia o caráter ilícito de sua conduta e aceitou praticá-la, elementos considerados na aferição do dolo. No mais, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) trouxe norma específica a respeito da primeira fase de fixação da pena, em seu artigo 42, no sentido de que “o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Assim, atento ao fato de que o réu foi preso com 8,6 quilos de “cocaína” (além dos 8,7 quilos com o coautor Juan), delito cujas consequências extrapolam a previsão típica, uma vez que a natureza do entorpecente encontrado aumenta o risco à saúde pública, na forma do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, elevo a pena-base em ¼, fixando-a, nesta fase, em 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, além de 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, cada um deles fixado em 1/30 do salário mínimo (CP, artigo 49, § 1º). -2.B) No exame de atenuantes e agravantes, reconheço a atenuante da confissão (CP, artigo 65, inciso III, alínea c). Não há agravante a ser reconhecida, uma vez que não é apropriada a incidência da agravante genérica disposta no inciso IV do artigo 62 do Código Penal no crime de tráfico de drogas que, por sua própria natureza, é de um delito ordinariamente praticado onerosamente. Portanto, nesta fase, reduzo a pena-base em fração de 1/5, fixando-a em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 dias-multa. Não há motivo para aplicação da circunstância excepcional do artigo 66 do Código Penal. -2.C) O acusado se enquadra na hipótese do § 4º do artigo 33 da Lei Antidrogas, pois não é reincidente, não ostenta maus antecedentes e não há provas de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. A causa de redução de pena é aplicável. Não há indícios de que o réu integre organização criminosa, exercendo direção das atividades, conhecendo os demais integrantes e o modo operacional normalmente empregado. Na verdade, trata-se da chamada “mula”, pessoa responsável apenas pelo transporte da substância entorpecente de um local a outro. A “mula” atende aos fins delituosos da organização, sem, contudo, ser dela parte integrante. Recebe remuneração para transportar o entorpecente, sem saber a serviço de quem está. Desconhece por completo o modus operandi da organização ou as funções que cada um exerce. Seu contato limita-se, no máximo, ao aliciador, que se vale de alguma alcunha, um codinome, para não ser identificado, fazendo jus à redução prevista em Lei. Com relação à quantidade de diminuição, o C. STJ entende que "a quantidade de droga e a função de 'mula' justificam a aplicação da fração mínima de 1/6 para a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006" (AgRg no HC n. 974.603/MS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJEN de 3/7/2025). No caso, em razão da importância da função de mula para o funcionamento de organizações criminosas, do concurso de agentes e, ainda, devido à natureza e à quantidade da droga, reduzo a pena em seu patamar mínimo, de 1/6, fixando-a, provisoriamente, em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 417 (quatrocentos e dezessete) dias-multa. Por outro lado, incide a causa de aumento de pena prevista no inciso I do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, já que é evidente a transnacionalidade do delito. Tendo em vista que o acusado não chegou a seu destino, aumento a pena em 1/6, fixando-a definitivamente 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa. O valor de cada dia-multa já foi fixado anteriormente em 1/30 do salário mínimo. Por outro lado, deixo de aplicar a causa de diminuição decorrente da delação premiada, prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/07, porquanto não houve revelação de dados aptos a auxiliar a polícia na identificação de autores e partícipes do crime. -2.D) O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade será o FECHADO (art. 33, § 3º, CP), haja vista a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, consubstanciadas na natureza extremamente deletéria e na expressiva quantidade de droga apreendida (16 quilos de cocaína ao todo). Essa circunstância demonstra um elevado potencial lesivo da conduta, com risco acentuado à saúde pública. Diante disso, entendo ser necessária uma resposta penal proporcional à gravidade do crime, como forma de prevenir a reiteração delitiva e resguardar a ordem pública. Nesse sentido: AgRg no HC n. 911.499/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024. -2.E) Incabível a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, em razão da pena aplicada ser superior a 4 (quatro) anos (art. 44, I, CP). Além disso, tenho que a substituição da pena no caso de tráfico internacional de entorpecentes não é recomendável. Embora as penas restritivas de direitos tenham caráter retributivo do ilícito penal, não serão vistas desta forma, quer pelo sentenciado, quer por aqueles que buscam sobreviver do tráfico de entorpecentes. Com isso, os propósitos ventilados no artigo 59, in fine, do CP, isto é, que a pena cumpra seu dúplice mister, de reprovar e de prevenir a delinquência, não serão atingidos. -2.F) Não estando presentes os requisitos previstos no artigo 77 do Código Penal, deixo de suspender a execução da pena privativa de liberdade. -2.G) O réu fará jus, quando do início de cumprimento da pena, a descontar da pena a que foi condenado o tempo em que permaneceu preso cautelarmente (art. 42, CP). Assim, deverá o juízo da execução descontar da pena privativa de liberdade o tempo, em dias, em que permaneceu preso cautelarmente. -2.H) O réu não poderá apelar em liberdade, porquanto subsistem os fundamentos que levaram à decretação de prisão preventiva, porquanto a concessão de liberdade certamente representará não cumprimento da lei penal. Durante toda a persecução penal, o condenado respondeu preso a este processo. Não há qualquer informação nos autos acerca de residência fixa e ocupação lícita em seu país de origem. Ademais, tratando-se de réu estrangeiro, há completa ausência de vínculo com o Brasil. Acrescente-se que houve condenação à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, o que também justifica a manutenção da prisão preventiva por garantia de aplicação da lei penal. 3. Dispositivo Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal descrita na denúncia e: CONDENO o réu JUAN CARLOS JIMENES SANCHEZ, boliviano, solteiro, estudante, filho de Alexandrina Sanchez, nascido em 05/11/1998, natural de Cochabamba, residente em Porto Quijarro, portador do documento de identidade boliviano nº 14343618, atualmente recolhido na penitenciária de Itaí/SP, ao cumprimento de pena de 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, com regime inicial fechado, e a pagar 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa pela prática da conduta tipificada no artigo 33, caput e § 4º, c.c. artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06; CONDENO também o réu GRODIS LOPEZ VEISAGA, boliviano, solteiro, estudante, filho de Florentin Lopez e Julia Veisaga, nascido em 17/04/2001, portador do documento de identidade boliviano nº 13100011, natural de Cochabamba, residente em Entre Rios - Carrasco/BO, atualmente recolhido no CDP I de Guarulhos/SP, ao cumprimento de pena de 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, com regime inicial fechado, e a pagar 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa pela prática da conduta tipificada no artigo 33, caput e § 4º, c.c. artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06. Os réus iniciarão o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado, nos termos do art. 33, § 1º, I, "a", e § 3º, do CP e da fundamentação. Expeça-se guia de recolhimento provisória, em relação aos réus, certificando-se nos autos sua expedição, nos termos da Resolução nº 113 de 20/04/2010 do CNJ. Cumpram-se as demais disposições lançadas no tópico da dosimetria da pena. Em que pese os Réus terem sido defendidos por defensor constituído, ante a dificuldade financeira, concedo-lhes os benefícios da gratuidade da justiça, isentando-o dos pagamentos de custas. Anote-se. A incineração da droga apreendida já foi autorizada, nos termos do artigo 50, §§ 3º, 4º e 5º, da Lei nº 11.343/06. Com relação aos dois aparelhos celulares apreendidos por conta desta ação penal (TERMO DE APREENSÃO Nº 1157391/2025), considerando a ausência de comprovação instrumental para prática delituosa (Ids 362306056 e 361181287), autorizo a restituição aos condenados. Intimem-se os réus para que, no prazo de trinta dias, compareçam ao setor de Depósito da DPF/PDE/SP, pessoalmente e munido de documento de identificação, ou por meio de procurador com poderes específicos para tanto, a fim de retirá-los. Caso não haja requerimento de devolução no prazo de 90 dias e, considerando que o leilão demandaria um custo muito elevado à União, ante ao reduzido valor dos bens apreendidos, em vista do princípio da razoabilidade, que deve orientar todos os atos judiciais e administrativos, ter-se-á como decretado o perdimento dos bens dos celulares apreendidos. Considerando o estado de conservação, o que inviabiliza inclusive qualquer doação, a Polícia Federal deverá proceder a adequada destruição dos objetos. Promova a Secretaria a regularização no SNBA, caso necessário. Cópia desta sentença, devidamente instruída com termo de apelação, servirá de MANDADO para intimação dos réus, JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA, bem como se dela deseja apelar. Providencie a Secretaria a imediata tradução e intimação dos réus do inteiro teor desta sentença. Transitada em julgado esta sentença, lancem-se os nomes dos réus no rol dos culpados e expeça-se guia de recolhimento definitiva. Providenciem-se as comunicações de praxe. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. PRESIDENTE PRUDENTE, 6 de julho de 2025. Réus a serem INTIMADOS por MANDADO: - JUAN CARLOS JIMENES SANCHEZ, boliviano, solteiro, estudante, filho de Alexandrina Sanchez, nascido em 05/11/1998, natural de Cochabamba, residente em Porto Quijarro, portador do documento de identidade boliviano n 14343618, atualmente detido na Penitenciária de Itaí-SP, matrícula n. 1.413.818-4. - GRODIS LOPEZ VEISAGA, boliviano, solteiro, estudante, filho de Florentin Lopez e Julia Veisaga, nascido em 17/04/2001, portador do documento de identidade boliviano n 13100011, natural de Cochabamba, residente em Entre Rios - Carrasco/BO, atualmente detido no CDP I de GUARULHOS/SP, matrícula n. 1.413.816-8 (ID. 374374602).
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Processo nº 5000775-28.2025.4.03.6112
ID: 325600608
Tribunal: TRF3
Órgão: 3ª Vara Federal de Presidente Prudente
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5000775-28.2025.4.03.6112
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE EDUARDO LAVINAS BARBOSA
OAB/SP XXXXXX
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ISADORA FERNANDA LATINI
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000775-28.2025.4.03.6112 / 3ª Vara Federal de Presidente Prudente AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: GRODIS LOPEZ VEISAGA, JUAN CARLOS JIMENE…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000775-28.2025.4.03.6112 / 3ª Vara Federal de Presidente Prudente AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: GRODIS LOPEZ VEISAGA, JUAN CARLOS JIMENES SANCHEZ Advogados do(a) REU: ISADORA FERNANDA LATINI - SP468184, JOSE EDUARDO LAVINAS BARBOSA - SP217870 S E N T E N Ç A Vistos, em sentença. 1. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propôs a presente ação penal em face de JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA, devidamente qualificados nos autos, como incurso nas penas previstas no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006 (ID 361523337, de 23/04/2025). Segundo a denúncia, “no dia 24 de março de 2025, por volta de 19h00mim, na Rodovia Raposo Tavares - SP 270, altura do Km 539, em Regente-Feijó/SP, nessa Subseção Judiciária de Presidente Prudente/SP, constatou-se que o imputados JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA, de forma livre e consciente, num contexto de transnacionalidade, importaram da Bolívia, trouxeram consigo, guardaram e transportaram substância entorpecente, com finalidade de entrega a consumo de terceiros, respectivamente, 8,7 quilos, de cocaína, em forma de pasta base, acondicionada em oito tabletes, e 8,6 quilos, de cocaína, também em forma de pasta base, acondicionada em outros oito tabletes (ID 358301227, páginas 10/11), droga alucinógena, que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, já que referida substância se encontra relacionada na Lista F1 das Substâncias Entorpecentes de Uso Proscrito no País, constante da Portaria SVS nº 344, de 12 maio de 1998, bem como nas atualizações dos anexos da referida portaria, promovidas pela Diretoria Colegiada até a presente data, conforme o LAUDO Nº 090/2025-NUTEC/DPF/PDE/SP – ID 358301227, páginas 36-37 e LAUDO 1187/2025-SETEC/SR/PF/SP (ID 361181287, páginas 17/19 (química forense), ficando destacada a natureza entorpecente e existência de seu princípio ativo” (sic). Em fiscalização de rotina, policiais militares procederam a uma vistoria no ônibus da Viação Andorinha que fazia a linha Campo Grande/MS-Rio de Janeiro/RJ e localizaram os tabletes de entorpecente na forração dos bancos, ocupados pelos denunciados, bem como nas respectivas poltronas ao lado das ocupadas por eles. Na poltrona nº 50, estava sentado Godris Lopes Veisaga sendo que a poltrona ao seu lado (nº 49) encontrava-se vazia e, em ambas, foram localizados 8 (oito) tabletes da substância entorpecente conhecida por cocaína. Na poltrona nº 53, estava sentado Juan Carlos Gimenes Sanches, e a poltrona ao seu lado (nº 54) encontrava-se vazia, tendo sido encontradas nas duas, mais 8 (oito) tabletes de cocaína. Os passageiros afirmaram que a droga seria levada para São Paulo/SP, onde receberiam R$ 2.000,00 (dois mil reais) cada, na estação da Barra Funda, pelo transporte. Consta do inquérito policial o auto de prisão em flagrante nº 2025.0031903-DPF/PDE/SP (Id 358301227); o Termo de Apreensão nº 1157391/2025 (Id 358301227, páginas 10/11), pelo Laudo nº 090/2025-NUTEC/DPF/PDE/SP – Id 358301227, páginas 36/37 e Laudo nº 1187/2025-SETEC/SR/PF/SP (Id 361181287, páginas 17/19 (química forense), que comprovam que a droga aprendida se trata de cocaína na forma de base. Realizada audiência de custódia em 24 de março de 2025, foram homologadas as prisões em flagrante e convertidas em preventiva, oportunidade em que foi autorizada a perícia nos aparelhos celulares e a incineração da droga apreendida (Id 358457080). A denúncia foi oferecida em 23 de abril de 2025 (Id 361523337). Redistribuído o feito em face nos termos da Resolução CJF3R nº 117/2024 (Id 361549988), o despacho de Id 361685232 determinou a notificação dos réus. Folhas de antecedentes criminais juntadas nos Ids 361798604 e seguintes constando que não há antecedentes. Devidamente notificados (Ids 365486661 e 365486692), os réus apresentaram resposta à acusação por meio de advogado constituído (Id 362815697, de 06/05/2025). O Ministério Público Federal apresentou réplica e requereu a manutenção da prisão na manifestação de Id 364960620, de 21/05/2025. A prisão preventiva foi ratificada pela decisão de Id 365259881, de 23/05/2024 e a denúncia foi recebida em 26/05/2025 (id 365494638). Os réus foram citados pessoalmente, conforme certidões lançadas nos Ids 369202370 e 369202393. Durante a fase instrutória do feito, em audiência, realizada no dia 2 de julho de 2025, foram ouvidas duas testemunhas de acusação, bem como os réus interrogados, sendo os depoimentos gravados em mídia audiovisual. Oportunizada a fase do artigo 402 do CPP, as partes não requereram diligências e apresentaram alegações finais oralmente (Id 374485317). O Ministério Público Federal requereu a condenação dos acusados, diante da comprovação dos fatos narrados na denúncia, com aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas (Id 374494110). A defesa, por sua vez, requereu a aplicação da mesma causa de diminuição, da pena no mínimo legal e a fixação do regime aberto (Id 374494111). Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO. 2. Decisão/Fundamentação DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS Transnacionalidade do delito A transnacionalidade do delito está devidamente caracterizada pelas circunstâncias que envolvem a apreensão, em que pese os réus afirmarem que somente pegaram o entorpecente na cidade de Corumbá. Com efeito, os réus são bolivianos, adentraram ao país vindo da Bolívia, além de tratar-se de droga que costumeiramente tem origem em países fronteiriços, apreendida em quantidade razoável, o que evidencia a transnacionalidade das condutas e autoriza a competência deste juízo para processamento e julgamento do feito. Ademais, a quantidade de droga apreendida, a forma de armazenamento e transporte (mais de 16 quilos de pasta base de cocaína), também reforçam que se trata de tráfico transnacional de entorpecentes. Observe-se que a Lei de Drogas anterior exigia a internacionalidade (situação ou ação concernente a duas ou mais nações) para a configuração da majorante, enquanto a atual fala em transnacionalidade (situação ou ação além de nossas fronteiras). Não se trata, portanto, de simples alteração de palavras. Ao contrário, o conceito de transnacionalidade é mais amplo e abrangente que o de internacionalidade, pois se qualquer fase do iter criminal se der fora das fronteiras nacionais estará caracterizada a transnacionalidade. Todavia, no que tange à causa de aumento prevista no inciso V do artigo 40 da Lei 11.343/06, entendo pela impossibilidade de cumulação com a causa de aumento prevista no inciso I, conforme julgado a seguir transcrito: "É descabida a aplicação concomitante das causas de aumento decorrentes da internacionalidade (art. 40, I, Lei 11.343/06) e do tráfico entre estados da Federação (art. 40, V, da Lei 11.343/06)". (ACR 2007.30.00.000568-6/AC, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, 3ª Turma do TRF/1ª Região, unânime, e-DJF1 de 06/03/2009, p. 58). Passo à análise do mérito da imputação. Da Materialidade, Autoria e Dolo O Termo de apreensão nº 1157391/2025 (Id 358301227, fls. 10/11); o laudo preliminar de constatação de perícia criminal nº 090/2025 (Id 358301227, fls. 36/37) e o laudo pericial definitivo nº 1187/2025 (Id 361181287, fls. 17/19), demonstram a materialidade delitiva, pois restou comprovado que os réus trouxeram consigo, guardaram e transportaram substância popularmente conhecida como “cocaína”, m forma de pasta base, droga relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes de Uso Proscrito no país, para entregar a terceiros na cidade de São Paulo. As autorias e os dolos também são certos, senão vejamos. As testemunhas de acusação RODRIGO BRAGA e CRISTIAN FEITOZA FACHIANO, policiais militares que realizaram a abordagem, tanto na fase policial (fls. 02/04 do Id 358301227) quanto judicial (Ids 374491389 e 374491386) prestaram depoimentos uníssonos e convergentes, relatando sobre a abordagem realizada na operação policial em 24 de março de 2025: “QUE na data de hoje por volta das 19:00h, na Rodovia Raposo Tavares, Km 539, Regente-Feijó/SP, na companhia do Policial Militar Cristian procederam a uma vistoria no ônibus da viação Andorinha que faz a linha Campo Grande/MS ao Rio de Janeiro/RJ; QUE ao entrevistarem os passageiros perceberam que dois bolivianos sentados próximos demonstravam uma certa inquietação e ao serem questionados sobre o motivo da viagem não souberam explicar, dizendo apenas que iriam para São Paulo/SP; QUE perguntaram aos mesmos sobre suas bagagens e estes apresentaram suas bagagens de mão, todavia, em revista as mesmas nada de ilícito localizaram; QUE sabendo que em alguns casos os traficantes costumam esconder a droga entre a forração dos bancos, solicitaram aos mesmos que levantassem e passaram a vistoriar as poltronas que ocupavam; QUE tanto na poltrona ocupada por Godris Lopes Veisaga, nº 50, como na poltrona ocupada por Juan Carlos Gimenes Sanches, nº 53, foram encontrados tablets de cocaína; QUE as poltronas ao lado de onde os presos estavam sentados (49 e 54) estavam vazias, todavia, havia droga escondida na forração das mesmas; QUE nas poltronas 50 e 49 foram encontrados 8 (oito) tablets e nas poltronas 53 e 54 mais oito tablets; QUE os presos disseram que embarcaram na cidade de Corumbá/MS, divisa com a Bolívia, e tinham como destino a estação da Barra Funda na cidade de São Paulo/SP, local em que receberiam 2 mil reais cada com a entrega da droga,” (sic) (fls. 02 do id 358301227). Em juízo, as testemunhas prestaram declarações semelhantes, sem acrescentar nenhum outro fato a ser destacado. Os réus, em juízo, confessaram os fatos, corroborando a declaração prestada na fase policial por GRODIS LOPEZ VEISAGA (fls. 05 do Id 358301227). O acusado GRODIS LOPEZ VEISAGA, ouvido nos Ids 374491394, 374491395 e 374491397 explicou que aceitou realizar o transporte das drogas por necessidade financeira, tendo em vista que estava sem emprego e precisava pagar os estudos, sendo que receberia dois mil bolivianos pelo transporte. Disse que não sabia para quem seria entregue o entorpecente na cidade de São Paulo e que o valor seria pago pela pessoa que receberia o entorpecente na Barra Funda. Relatou que entrou no Brasil de táxi e que adentrou no ônibus em Corumbá, quando então a pessoa que o contratou acomodou o entorpecente na poltrona. Por fim, disse que tinha conhecimento que transportava cocaína, que foi contratado por um boliviano e que não conhecia Juan. Esclareceu, ainda, que não ficaria no Brasil e que iria retornar à Bolívia com passagem de volta que seria entregue na rodoviária da Barra Funda. No mesmo sentido, o acusado JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ, ouvido nos ids 374494105, 374494106, 374494107 e 374494109 confessou os fatos. Contou que aceitou por necessidade financeira, tendo em vista que precisava ajudar a família nas despesas domésticas. Disse que receberia dois mil bolivianos para levar o entorpecente até São Paulo e que foi contratado por uma pessoa peruana, que o abordou durante seu trabalho de taxista. Esta pessoa que o contratou também comprou a passagem, sendo o bilhete entregue por outro taxista, chamado Fred. Explicou que a mala com drogas foi recebida em uma avenida da cidade de Corumbá, por terceiro não conhecido. Explanou que tinha conhecimento de que iria transportar cocaína, que não sabia para quem seria entregue o entorpecente no terminal da Barra Funda e que não ficaria no Brasil. Disse que, com o valor que receberia, compraria a passagem de volta. Por fim, disse que não conhecia Grotis e que não sabia que ele estava transportando entorpecente. Dessa maneira, ante as confissões dos acusados, as autorias e o dolo estão devidamente comprovados pelas provas produzidas nos autos. Ressalto que a prisão dos réus não se referem a fatos independentes, restando caracterizado o concurso de agentes, tendo em vista que os réus estavam transportando a mesma espécie de droga (cocaína em forma de pasta base), na mesma quantidade (cerca de 8 kg), acondicionadas da mesma forma (tabletes), escondidas no mesmo local (mala embaixo da poltrona), no mesmo ônibus, em poltronas próximas (50 e 53), com a mesma origem (Campo Grande/MS) e destino (Barra Funda, São Paulo/SP), sem dinheiro, apenas com aparelhos celulares. Observo, ainda, que os réus possuem diferença de apenas três anos de idade e são nascidos na mesma localidade, no município de Entre Rios (Cochabamba), de 45 mil habitantes. De mais a mais, indagados na audiência de instrução e julgamento sobre o fato de já se conhecerem, os réus se contradisseram. O réu GRODIS afirmou que, além de não conhecer JUAN, afirmou que pouco conversou com este, que não perguntou nem sabia o local de nascimento do corréu. Por sua vez, JUAN, apesar de também afirmar que não conhecia o corréu GRODIS, afirmou que conversou no ônibus com o corréu coisas cotidianas, inclusive sobre local de nascimento, e que GRODIS lhe perguntou seu local de nascimento e afirmou saber que este também tinha nascido em Entre Rios. Ressalto, contudo, que a simples afirmação de dificuldades econômicas, desacompanhada da necessária comprovação, não se afigura suficiente para a configuração de estado de necessidade, que exigiria, na hipótese dos autos, prova cabal de profunda miserabilidade dos acusados, que colocaria em risco sua própria subsistência ou a de sua família. Ademais, ainda que houvesse eventual situação de perigo atual que afligisse os réus, a conduta criminosa por eles desenvolvida não era inevitável, sendo-lhe exigível comportamento conforme o direito, devendo escolher diversos meios lícitos, ao invés de optar pelo caminho da prática do tráfico internacional de drogas como meio de obter rapidamente recursos financeiros. Por todo o exposto e pelas provas acostadas aos autos, entendo que não há dúvidas quanto ao elemento subjetivo do delito, com o que resta o crime comprovado. Pelos elementos constantes dos autos está plenamente configurado o enquadramento dos fatos no delito de tráfico de entorpecentes. A quantidade da droga, a forma de seu acondicionamento e transporte demonstram que se tratava de tráfico e não de simples porte de entorpecente. Deste modo, os acusados JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA incorreram na prática do delito previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006. Fixada a responsabilidade dos réus pelos fatos narrados na denúncia, passo à dosimetria da pena. Da Dosimetria da Pena: Do crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06: 1. JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ -1.A) as circunstâncias judiciais (CP, artigo 59): as certidões que constam dos autos demonstram que o réu é primário e não possui qualquer apontamento de natureza penal (Ids 358535721, 358535718, 358535717, 358535714, 361798608, 361971854, 361970700, 361970696, 361970690, 361970685). O réu agiu com dolo normal para o tipo e não demonstrou ter personalidade voltada para a prática de crimes. No tocante à conduta social e à personalidade do acusado, não há nos autos elementos indicativos de que se dedica a atividades ilícitas. O réu não opôs resistência quando de sua prisão e colaborou com a instrução penal. Os motivos do crime são os comuns ao tipo penal. Não há outros dados desabonadores da conduta social do réu no seu meio social. Quanto à culpabilidade, tenho que desfavorável pela quantidade e natureza da droga apreendida. É evidente que o réu conhecia o caráter ilícito de sua conduta e aceitou praticá-la, elementos considerados na aferição do dolo. No mais, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) trouxe norma específica a respeito da primeira fase de fixação da pena, em seu artigo 42, no sentido de que “o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Assim, atento ao fato de que o réu foi preso com 8,7 quilos de “cocaína” (além dos 8,6 quilos com o coautor Grodis), delito cujas consequências extrapolam a previsão típica, uma vez que a natureza do entorpecente encontrado aumenta o risco à saúde pública, na forma do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, elevo a pena-base em ¼, fixando-a, nesta fase, em 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, além de 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, cada um deles fixado em 1/30 do salário mínimo (CP, artigo 49, § 1º). -1.B) No exame de atenuantes e agravantes, reconheço a atenuante da confissão (CP, artigo 65, inciso III, alínea c). Não há agravante a ser reconhecida, uma vez que não é apropriada a incidência da agravante genérica disposta no inciso IV do artigo 62 do Código Penal no crime de tráfico de drogas que, por sua própria natureza, é de um delito ordinariamente praticado onerosamente. Portanto, nesta fase, reduzo a pena-base em fração de 1/5, fixando-a em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 dias-multa. Não há motivo para aplicação da circunstância excepcional do artigo 66 do Código Penal. -1.C) O acusado se enquadra na hipótese do § 4º do artigo 33 da Lei Antidrogas, pois não é reincidente, não ostenta maus antecedentes e não há provas de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. A causa de redução de pena é aplicável. Não há indícios de que o réu integre organização criminosa, exercendo direção das atividades, conhecendo os demais integrantes e o modo operacional normalmente empregado. Na verdade, trata-se da chamada “mula”, pessoa responsável apenas pelo transporte da substância entorpecente de um local a outro. A “mula” atende aos fins delituosos da organização, sem, contudo, ser dela parte integrante. Recebe remuneração para transportar o entorpecente, sem saber a serviço de quem está. Desconhece por completo o modus operandi da organização ou as funções que cada um exerce. Seu contato limita-se, no máximo, ao aliciador, que se vale de alguma alcunha, um codinome, para não ser identificado, fazendo jus à redução prevista em Lei. Com relação à quantidade de diminuição, os Tribunais Superiores entendem que a função de "mula" justifica a aplicação da fração mínima de 1/6 para a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (STF HC 115149, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 30/04/2013; STJ AgRg no HC 974.603/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJEN de 3/7/2025). Desse modo, em razão da importância da função de mula para o funcionamento de organizações criminosas e do concurso de agentes, reduzo a pena em seu patamar mínimo, de 1/6, fixando-a, provisoriamente, em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 417 (quatrocentos e dezessete) dias-multa. Por outro lado, incide a causa de aumento de pena prevista no inciso I do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, já que é evidente a transnacionalidade do delito. Tendo em vista que o acusado não chegou a seu destino, aumento a pena em 1/6, fixando-a definitivamente 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa. O valor de cada dia-multa já foi fixado anteriormente em 1/30 do salário mínimo. Por outro lado, deixo de aplicar a causa de diminuição decorrente da delação premiada, prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/07, porquanto não houve revelação de dados aptos a auxiliar a polícia na identificação de autores e partícipes do crime. -1.D) O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade será o FECHADO (art. 33, § 3º, CP), haja vista a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, consubstanciadas na natureza extremamente deletéria e na expressiva quantidade de droga apreendida (16 quilos de cocaína ao todo). Essa circunstância demonstra um elevado potencial lesivo da conduta, com risco acentuado à saúde pública. Diante disso, entendo ser necessária uma resposta penal proporcional à gravidade do crime, como forma de prevenir a reiteração delitiva e resguardar a ordem pública. Nesse sentido: AgRg no HC n. 911.499/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024. -1.E) Incabível a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, em razão da pena aplicada ser superior a 4 (quatro) anos (art. 44, I, CP). Além disso, tenho que a substituição da pena no caso de tráfico internacional de entorpecentes não é recomendável. Embora as penas restritivas de direitos tenham caráter retributivo do ilícito penal, não serão vistas desta forma, quer pelo sentenciado, quer por aqueles que buscam sobreviver do tráfico de entorpecentes. Com isso, os propósitos ventilados no artigo 59, in fine, do CP, isto é, que a pena cumpra seu dúplice mister, de reprovar e de prevenir a delinquência, não serão atingidos. -1.F) Não estando presentes os requisitos previstos no artigo 77 do Código Penal, deixo de suspender a execução da pena privativa de liberdade. -1.G) O réu fará jus, quando do início de cumprimento da pena, a descontar da pena a que foi condenado o tempo em que permaneceu preso cautelarmente (art. 42, CP). Assim, deverá o juízo da execução descontar da pena privativa de liberdade o tempo, em dias, em que permaneceu preso cautelarmente. -1.H) O réu não poderá apelar em liberdade, porquanto subsistem os fundamentos que levaram à decretação de prisão preventiva, porquanto a concessão de liberdade certamente representará não cumprimento da lei penal. Durante toda a persecução penal, o condenado respondeu preso a este processo. Não há qualquer informação nos autos acerca de residência fixa e ocupação lícita em seu país de origem. Ademais, tratando-se de réu estrangeiro, há completa ausência de vínculo com o Brasil. Acrescente-se que houve condenação à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, o que também justifica a manutenção da prisão preventiva por garantia de aplicação da lei penal. 2. GRODIS LOPES VEISAGA -2.A) As circunstâncias judiciais (CP, artigo 59): as certidões que constam dos autos demonstram que o réu é primário e não possui qualquer apontamento de natureza penal (Ids 358535711, 358535710, 358535707, 358535706, 361798604, 361971855, 361971853, 361970695, 361970687, 361970686). O réu agiu com dolo normal para o tipo e não demonstrou ter personalidade voltada para a prática de crimes. No tocante à conduta social e à personalidade do acusado, não há nos autos elementos indicativos de que se dedica a atividades ilícitas. O réu não opôs resistência quando de sua prisão e colaborou com a instrução penal. Os motivos do crime são os comuns ao tipo penal. Não há outros dados desabonadores da conduta social do réu no seu meio social. Quanto à culpabilidade, tenho que desfavorável pela quantidade e natureza da droga apreendida. É evidente que o réu conhecia o caráter ilícito de sua conduta e aceitou praticá-la, elementos considerados na aferição do dolo. No mais, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) trouxe norma específica a respeito da primeira fase de fixação da pena, em seu artigo 42, no sentido de que “o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Assim, atento ao fato de que o réu foi preso com 8,6 quilos de “cocaína” (além dos 8,7 quilos com o coautor Juan), delito cujas consequências extrapolam a previsão típica, uma vez que a natureza do entorpecente encontrado aumenta o risco à saúde pública, na forma do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, elevo a pena-base em ¼, fixando-a, nesta fase, em 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, além de 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, cada um deles fixado em 1/30 do salário mínimo (CP, artigo 49, § 1º). -2.B) No exame de atenuantes e agravantes, reconheço a atenuante da confissão (CP, artigo 65, inciso III, alínea c). Não há agravante a ser reconhecida, uma vez que não é apropriada a incidência da agravante genérica disposta no inciso IV do artigo 62 do Código Penal no crime de tráfico de drogas que, por sua própria natureza, é de um delito ordinariamente praticado onerosamente. Portanto, nesta fase, reduzo a pena-base em fração de 1/5, fixando-a em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 dias-multa. Não há motivo para aplicação da circunstância excepcional do artigo 66 do Código Penal. -2.C) O acusado se enquadra na hipótese do § 4º do artigo 33 da Lei Antidrogas, pois não é reincidente, não ostenta maus antecedentes e não há provas de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. A causa de redução de pena é aplicável. Não há indícios de que o réu integre organização criminosa, exercendo direção das atividades, conhecendo os demais integrantes e o modo operacional normalmente empregado. Na verdade, trata-se da chamada “mula”, pessoa responsável apenas pelo transporte da substância entorpecente de um local a outro. A “mula” atende aos fins delituosos da organização, sem, contudo, ser dela parte integrante. Recebe remuneração para transportar o entorpecente, sem saber a serviço de quem está. Desconhece por completo o modus operandi da organização ou as funções que cada um exerce. Seu contato limita-se, no máximo, ao aliciador, que se vale de alguma alcunha, um codinome, para não ser identificado, fazendo jus à redução prevista em Lei. Com relação à quantidade de diminuição, o C. STJ entende que "a quantidade de droga e a função de 'mula' justificam a aplicação da fração mínima de 1/6 para a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006" (AgRg no HC n. 974.603/MS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJEN de 3/7/2025). No caso, em razão da importância da função de mula para o funcionamento de organizações criminosas, do concurso de agentes e, ainda, devido à natureza e à quantidade da droga, reduzo a pena em seu patamar mínimo, de 1/6, fixando-a, provisoriamente, em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 417 (quatrocentos e dezessete) dias-multa. Por outro lado, incide a causa de aumento de pena prevista no inciso I do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, já que é evidente a transnacionalidade do delito. Tendo em vista que o acusado não chegou a seu destino, aumento a pena em 1/6, fixando-a definitivamente 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa. O valor de cada dia-multa já foi fixado anteriormente em 1/30 do salário mínimo. Por outro lado, deixo de aplicar a causa de diminuição decorrente da delação premiada, prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/07, porquanto não houve revelação de dados aptos a auxiliar a polícia na identificação de autores e partícipes do crime. -2.D) O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade será o FECHADO (art. 33, § 3º, CP), haja vista a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, consubstanciadas na natureza extremamente deletéria e na expressiva quantidade de droga apreendida (16 quilos de cocaína ao todo). Essa circunstância demonstra um elevado potencial lesivo da conduta, com risco acentuado à saúde pública. Diante disso, entendo ser necessária uma resposta penal proporcional à gravidade do crime, como forma de prevenir a reiteração delitiva e resguardar a ordem pública. Nesse sentido: AgRg no HC n. 911.499/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024. -2.E) Incabível a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, em razão da pena aplicada ser superior a 4 (quatro) anos (art. 44, I, CP). Além disso, tenho que a substituição da pena no caso de tráfico internacional de entorpecentes não é recomendável. Embora as penas restritivas de direitos tenham caráter retributivo do ilícito penal, não serão vistas desta forma, quer pelo sentenciado, quer por aqueles que buscam sobreviver do tráfico de entorpecentes. Com isso, os propósitos ventilados no artigo 59, in fine, do CP, isto é, que a pena cumpra seu dúplice mister, de reprovar e de prevenir a delinquência, não serão atingidos. -2.F) Não estando presentes os requisitos previstos no artigo 77 do Código Penal, deixo de suspender a execução da pena privativa de liberdade. -2.G) O réu fará jus, quando do início de cumprimento da pena, a descontar da pena a que foi condenado o tempo em que permaneceu preso cautelarmente (art. 42, CP). Assim, deverá o juízo da execução descontar da pena privativa de liberdade o tempo, em dias, em que permaneceu preso cautelarmente. -2.H) O réu não poderá apelar em liberdade, porquanto subsistem os fundamentos que levaram à decretação de prisão preventiva, porquanto a concessão de liberdade certamente representará não cumprimento da lei penal. Durante toda a persecução penal, o condenado respondeu preso a este processo. Não há qualquer informação nos autos acerca de residência fixa e ocupação lícita em seu país de origem. Ademais, tratando-se de réu estrangeiro, há completa ausência de vínculo com o Brasil. Acrescente-se que houve condenação à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, o que também justifica a manutenção da prisão preventiva por garantia de aplicação da lei penal. 3. Dispositivo Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal descrita na denúncia e: CONDENO o réu JUAN CARLOS JIMENES SANCHEZ, boliviano, solteiro, estudante, filho de Alexandrina Sanchez, nascido em 05/11/1998, natural de Cochabamba, residente em Porto Quijarro, portador do documento de identidade boliviano nº 14343618, atualmente recolhido na penitenciária de Itaí/SP, ao cumprimento de pena de 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, com regime inicial fechado, e a pagar 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa pela prática da conduta tipificada no artigo 33, caput e § 4º, c.c. artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06; CONDENO também o réu GRODIS LOPEZ VEISAGA, boliviano, solteiro, estudante, filho de Florentin Lopez e Julia Veisaga, nascido em 17/04/2001, portador do documento de identidade boliviano nº 13100011, natural de Cochabamba, residente em Entre Rios - Carrasco/BO, atualmente recolhido no CDP I de Guarulhos/SP, ao cumprimento de pena de 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, com regime inicial fechado, e a pagar 487 (quatrocentos e oitenta e sete) dias-multa pela prática da conduta tipificada no artigo 33, caput e § 4º, c.c. artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06. Os réus iniciarão o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado, nos termos do art. 33, § 1º, I, "a", e § 3º, do CP e da fundamentação. Expeça-se guia de recolhimento provisória, em relação aos réus, certificando-se nos autos sua expedição, nos termos da Resolução nº 113 de 20/04/2010 do CNJ. Cumpram-se as demais disposições lançadas no tópico da dosimetria da pena. Em que pese os Réus terem sido defendidos por defensor constituído, ante a dificuldade financeira, concedo-lhes os benefícios da gratuidade da justiça, isentando-o dos pagamentos de custas. Anote-se. A incineração da droga apreendida já foi autorizada, nos termos do artigo 50, §§ 3º, 4º e 5º, da Lei nº 11.343/06. Com relação aos dois aparelhos celulares apreendidos por conta desta ação penal (TERMO DE APREENSÃO Nº 1157391/2025), considerando a ausência de comprovação instrumental para prática delituosa (Ids 362306056 e 361181287), autorizo a restituição aos condenados. Intimem-se os réus para que, no prazo de trinta dias, compareçam ao setor de Depósito da DPF/PDE/SP, pessoalmente e munido de documento de identificação, ou por meio de procurador com poderes específicos para tanto, a fim de retirá-los. Caso não haja requerimento de devolução no prazo de 90 dias e, considerando que o leilão demandaria um custo muito elevado à União, ante ao reduzido valor dos bens apreendidos, em vista do princípio da razoabilidade, que deve orientar todos os atos judiciais e administrativos, ter-se-á como decretado o perdimento dos bens dos celulares apreendidos. Considerando o estado de conservação, o que inviabiliza inclusive qualquer doação, a Polícia Federal deverá proceder a adequada destruição dos objetos. Promova a Secretaria a regularização no SNBA, caso necessário. Cópia desta sentença, devidamente instruída com termo de apelação, servirá de MANDADO para intimação dos réus, JUAN CARLOS JIMENEX SANCHEZ e GRODIS LOPES VEISAGA, bem como se dela deseja apelar. Providencie a Secretaria a imediata tradução e intimação dos réus do inteiro teor desta sentença. Transitada em julgado esta sentença, lancem-se os nomes dos réus no rol dos culpados e expeça-se guia de recolhimento definitiva. Providenciem-se as comunicações de praxe. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. PRESIDENTE PRUDENTE, 6 de julho de 2025. Réus a serem INTIMADOS por MANDADO: - JUAN CARLOS JIMENES SANCHEZ, boliviano, solteiro, estudante, filho de Alexandrina Sanchez, nascido em 05/11/1998, natural de Cochabamba, residente em Porto Quijarro, portador do documento de identidade boliviano n 14343618, atualmente detido na Penitenciária de Itaí-SP, matrícula n. 1.413.818-4. - GRODIS LOPEZ VEISAGA, boliviano, solteiro, estudante, filho de Florentin Lopez e Julia Veisaga, nascido em 17/04/2001, portador do documento de identidade boliviano n 13100011, natural de Cochabamba, residente em Entre Rios - Carrasco/BO, atualmente detido no CDP I de GUARULHOS/SP, matrícula n. 1.413.816-8 (ID. 374374602).
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Processo nº 5003981-14.2024.4.03.6103
ID: 317895901
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de São José dos Campos
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5003981-14.2024.4.03.6103
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
AUGUSTO FAUVEL DE MORAES
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5003981-14.2024.4.03.6103 AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: JONAS DOS SANTOS LOPEZ Advogado do(a) REU: AUGUSTO FAUVEL DE MORAES - SP202052 DE…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5003981-14.2024.4.03.6103 AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: JONAS DOS SANTOS LOPEZ Advogado do(a) REU: AUGUSTO FAUVEL DE MORAES - SP202052 DESPACHO Trata-se de ação penal desmembrada do processo n.º 0000892-38.2019.4.03.6105, para apuração da prática, em tese, do delito capitulado no artigo 304 c.c. artigo 299, ambos do Código Penal, pelo acusado JONAS DOS SANTOS LOPEZ (ID 340543740, p. 03/07). Narra a exordial acusatória que a denunciada CLÁUDIA, na qualidade de representante da empresa Triumph Brazil Importação e Exportação Ltda., e o denunciado JONAS, na qualidade de representante legal da empresa Nova Aeronáutica Comércio de Manutenção Ltda., em comunhão de esforços e unidade de desígnios, de forma consciente e voluntária, no mês de novembro de 2014, a fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, teriam inserido em declaração de importação, informação diversa da que deveria constar, o que teria resultado na ocultação do real adquirente da mercadoria importada. Distribuída originalmente ao MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas, a denúncia foi recebida aos 06.05.2019 (ID 340543740, p. 08/09). A ré CLÁUDIA foi citada pessoalmente e apresentou resposta à acusação por intermédio de defensor constituído (ID 340543740, p. 16/32 e 36/37). Julgou-se improcedente a exceção de incompetência n.º 5016496-51.2019.403.6105 (ID 340543740, p. 63/65). Restou negativa a tentativa de citação e intimação do acusado JONAS (ID 340543740, p. 73). O feito foi digitalizado e juntou-se parcialmente ao PJe os arquivos contidos na mídia de fl. 10 dos autos físicos (IDs 340543740, p. 74 e 340543717). No bojo do Habeas Corpus n.º 5028879-09.2020.4.03.0000, impetrado pela ré Cláudia visando à declaração de nulidade da ação penal por incompetência do Juízo, a C. 5ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, decidiu conceder a ordem para declarar a competência de uma das Varas da Subseção Judiciária de São José dos Campos para processar e julgar a presente ação penal, e o feito foi redistribuído a este Juízo em 30.07.2021 (IDs 340543711, 340543712 e 340543709). O representante do Ministério Público Federal ratificou a denúncia e forneceu novo endereço para tentativa de citação do réu JONAS (ID 340543703). Determinou-se nova intimação da acusação, para manifestação acerca da aplicação ao caso de ANPP, com a posterior intimação da defesa da ré CLÁUDIA (ID 340543702). O I. Procurador da República oficiou pelo regular prosseguimento do feito, em virtude do não cabimento do ANPP para a acusada CLÁUDIA, pois teria conduta criminal habitual (ID 340543701). Regularmente intimada, a defesa da acusada CLÁUDIA quedou-se inerte, com decurso registrado pelo sistema em 28.03.2022, às 23:59. Determinou-se a intimação da acusação para manifestação sobre eventual ratificação da promoção de arquivamento em relação a Maria Stella Simioni Neves e Caio Simioni Neves, bem como sobre eventual cabimento de ANPP em relação ao acusado JONAS, dentre outras providências (ID 340543700). A defesa da ré CLÁUDIA requereu a declaração de nulidade da ação penal ab initio, pois os atos processuais foram praticados por juiz incompetente (ID 340543692). O membro do Parquet Federal ratificou a promoção de arquivamento em relação a Maria Stella Simioni Neves e Caio Simioni Neves, bem como requereu a suspensão processual por 60 (sessenta) dias, a fim de realizar tratativas de ANPP com o acusado JONAS (ID 340543690). O Juízo da 9ª Vara Federal de Campinas encaminhou a este Juízo cópia da decisão de suspeição da magistrada da operação Rosa dos Ventos e determinou-se a intimação das partes para manifestação (IDs 340543685, 340543686, 340543687 e 340543683). A defesa da acusada CLÁUDIA requereu o desentranhamento de todas as provas da presente ação penal, com a proibição de valoração destas, bem como a extinção do processo, sem resolução do mérito, por ausência de justa causa, sob alegação de que as provas foram obtidas por decisões nulas proferidas no bojo da Operação Rosa dos Ventos ou por ação fiscal nula realizada pela Receita Federal na empresa Triumph (IDs 340543681 e 340543679). O representante do Ministério Público Federal alegou que não haveria qualquer participação da juíza suspeita na Operação Rosa dos Ventos nesse caso ou prova de que a denúncia é proveniente de medida cautelar por ela deferida. Requereu, outrossim, a ratificação da denúncia e do arquivamento, pois a incompetência em razão do local seria relativa e a decisão de recebimento da denúncia pelo Juízo Federal de Campinas teria interrompido a prescrição. Pleiteou, por fim, o desmembramento em relação ao réu JONAS, ainda não citado, e o prosseguimento deste feito em face da acusada CLÁUDIA, com a apreciação da resposta acusação e petição defensiva e designação de audiência de instrução e julgamento (ID 340543680). Determinou-se a descompactação e juntada dos documentos constantes da mídia de fl. 10 ao PJe (ID 340543677). A defesa da acusada CLÁUDIA juntou cópia dos pedidos, decisões e certidões de compartilhamento de provas e deferimento de medidas cautelares na Operação Rosa dos Ventos (ID 340543660 e seguintes). Juntou-se os documentos constantes da mídia de fl. 10 dos autos físicos nos IDs 340543573 e seguintes. O membro do Parquet Federal alegou que os fatos que são objeto desta ação penal decorrem da fiscalização iniciada em novembro/2016 e não há menção à Operação Rosa dos Ventos ou relação com a Juíza Federal considerada suspeita (ID 340542836). A defesa reiterou as manifestações anteriores, no sentido de evidente vinculação da presente ação penal à investigação anulada e requereu a rejeição da denúncia (ID 340542835). Foram indeferidos os pedidos defensivos, por não restar provado o vínculo deste feito com a operação Rosa dos Ventos. Na mesma decisão ratificou-se a decisão que recebeu a denúncia e acolheu a promoção de arquivamento em relação a Maria Stella Simioni Neves e Caio Simioni Neves, sem prejuízo do contido no artigo 18 do Código de Processo Penal; reconheceu-se a eficácia interruptiva da prescrição da pretensão punitiva à decisão de recebimento da denúncia; determinou-se a citação da ré CLÁUDIA, bem como o desmembramento do feito em relação ao acusado JONAS DOS SANTOS LOPEZ - CPF: 192.137.548-50 e a suspensão processual por sessenta dias para tratativas do ANPP (ID 340542829). O presente feito originou-se do desmembramento em relação ao acusado JONAS (ID 340542822). Pesquisa de prevenção negativa (ID 340533298). O representante do Ministério Público Federal oficiou pelo regular prosseguimento do feito, pois não houve manifestação do réu JONAS sobre a possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal (IDs 349697889 e seguintes). Determinou-se a atribuição deste feito à Juíza Titular, bem como a citação pessoal e a intimação da parte ré para ciência da proposta de ANPP e manifestação acerca de eventual interesse em formalizar o acordo (ID 355398949). Citada por hora certa, a parte ré apresentou resposta escrita à acusação, por meio de defensor constituído, oportunidade na qual apresentou nova versão para os fatos e arguiu preliminares de: a) inexistência de justa causa para a ação penal, em decorrência da suspensão da exigibilidade da multa aduaneira; b) nulidade da denúncia por falta de individualização da conduta; e c) atipicidade da conduta e ausência de justa causa por ausência de responsabilidade penal do sócio da pessoa jurídica responsável solidária no processo administrativo fiscal. No mérito, alegou inexistência de nexo de causalidade entre os fatos e uma conduta do sócio e ausência de dolo, bem como requereu a aplicação do princípio in dubio pro reo, o reconhecimento da presunção de boa-fé do sócio, a aplicação analógica da Súmula Vinculante n.º 24 do STF, a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena mínima e a aplicação do princípio da consunção, com a absorção do crime de falsidade ideológica pelo de uso de documento falso. Juntou documentos e arrolou testemunhas (IDs 372440967, p. 06/09, 367459065 e seguintes). Em réplica, o representante do Ministério Público Federal reservou-se o direito de se manifestar sobre as questões de mérito contidas na resposta à acusação no momento oportuno. Quanto às preliminares arguidas pela defesa, alegou independência das instâncias administrativa e penal para afastar a tese de inexistência de justa causa para a ação penal em decorrência da suspensão da exigibilidade da multa aduaneira, sustentou que a denúncia imputa fatos concretos e individualizados à parte ré, cuja participação nos atos ilícitos apontados na denúncia, ainda que praticados na qualidade de sócio da empresa, não afastaria, por si só, a responsabilidade subjetiva pelos atos que teria praticado, e que a falsidade documento é fato típico (ID 368166695). Intimada por ato ordinatório acerca da réplica, a defesa reiterou o pedido de reconhecimento de inépcia e ausência de justa causa. Alternativamente, requereu a absolvição sumária e, se ultrapassadas as preliminares, a improcedência. Juntou cópia de decisões e acórdãos (IDs 368189810, 370598255 a 370598264). Posteriormente, a defesa pleiteou a suspensão da persecução penal enquanto se discute na esfera cível o débito tributário (ID 371677109 e 371677112). Intimado por ato ordinatório, o membro do Parquet Federal requereu o prosseguimento da ação penal, porque o crime imputado à parte ré não é tributário, bem como porque a prescrição intercorrente administrativa refere-se à perda do direito de exigir o crédito decorrente de infração e há independência das instâncias administrativas e penal (IDs 371679667 e 371836894). É a síntese do necessário. Fundamento e decido. Nenhuma causa de absolvição sumária foi demonstrada pela defesa do(a) acusado(a) e tampouco vislumbrada por este Juízo. Rejeito a preliminar de inépcia da denúncia, pois, na decisão que ratificou o recebimento da denúncia, foi reconhecida expressamente a regularidade formal da inicial acusatória, por preencher, de forma satisfatória, as formalidades do artigo 41 do Código de Processo Penal, visto que contém a exposição de fatos que, em tese, caracterizam o crime imputado ao acusado, além de haver a qualificação deste (ID 340542829). Referida decisão indicou, inclusive, os documentos que constituem a prova da materialidade e os elementos indiciários suficientes à determinação da autoria. Por oportuno, transcreve-se a seguir alguns trechos da denúncia ID 340543740, p. 03/07, nos quais há narrativa da atuação pessoal, em tese, do acusado JONAS nos fatos em apuração: "(...) Em razão de não possuírem conhecimento a respeito do proceder para a importação da referida aeronave e de não possuírem habilitação apara operar no Siscomex, Maria Stella e Caio, possivelmente em junho de 2014, procuraram o denunciado JONAS, proprietário da empresa NOVA AERONÁUTICA COMÉRCIO DE MANUTENÇÃO LTDA. (NOVAERO) para lhes ajudar. JONAS, então, informou que conhecia uma empresa - TRIUMPH - que poderia realizar a importação almejada. Após as informações repassadas por JONAS, Maria Stella e Caio reuniram-se com a denunciada CLÁUDIA, representante legal da TRIUMPH, e celebraram um acordo de compra e venda da aeronave, firmado em 1.7.2014, por Maria Stella e CLÁUDIA. Por intermédio e orientação de JONAS, realizaram o pagamento da aeronave para a empresa TRIMPH. Os trâmites de importação foram gerenciados por JONAS, sendo os pagamentos por ele solicitados realizados por Caio (...) Orientada por JONAS, Maria Stella realizou dois depósitos (...). Ainda, Maria Stella, a pedido de JONAS, realizou mais quatro depósitos para a NOVAERO (destaques não contidos no original) Assim, carece de fundamento a tese defensiva de inépcia da denúncia por falta de individualização da conduta. Observa-se, outrossim, que a própria defesa confirma a atuação pessoal do acusado JONAS no parágrafo transcrito a seguir da resposta à acusação (ID 367459065), de forma que não merece prosperar a alegação de que foi denunciado apenas por ser sócio da empresa NOVA AERONÁUTICA: "(...) O Acusado Jonas dos Santos Lopez (JONAS) informou a CAIO que conhecia uma empresa importadora (TRIUMPH) que poderia realizar a importação em nome próprio e revender a aeronave a ele e que essa importadora havia sido indicada ao Acusado pelo despachante aduaneiro Sr. Walmir Sardinha (...)". (Destaques não contidos no original) Também deve ser rejeitada a preliminar de atipicidade da conduta, pois a interposição de pessoas no ato de importação, sem que se identifique o real destinatário das mercadorias (ou seja, identificando-se um terceiro falsamente como o real destinatário), constitui em si uma falsidade ideológica, tipificada no artigo 299 do Código Penal (inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita em documento público, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante). Referido diploma legal também tipifica no artigo 304 o uso de documento ideologicamente falso, bem como permite a penalização daquele que, de qualquer modo, concorre para o crime, na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29). Afasto, outrossim, a tese de ausência de justa causa por ausência de responsabilidade penal do sócio da pessoa jurídica responsável solidária no processo administrativo fiscal. Relevante observar que, ainda que houvesse a exclusão da responsabilidade solidária do réu na esfera administrativa, eventual decisão nesse sentido não teria o condão de delimitar sua responsabilidade ou não na área penal e tornar atípica sua conduta pelo delito de falsidade ideológica, tendo em vista a independência existente entre as esferas penal, cível e administrativa. Tampouco há que se falar em inexistência de justa causa para a ação penal, em decorrência da suspensão da exigibilidade da multa aduaneira, pois o crime de falsidade ideológica é formal e sua configuração não depende do exaurimento do processo administrativo fiscal, enquanto condição objetiva de punibilidade, como ocorre nos crimes contra a ordem tributária. Assim, eventual inércia da autoridade fazendária para cobrança da multa aduaneira e consequente prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo não afasta a tipicidade da apresentação, naquela esfera, de documento ideologicamente falso. Ademais, a própria defesa reconhece que a multa aduaneira não tem natureza tributária, de forma que se mostra ilógico o pedido de aplicação analógica da Súmula Vinculante n.º 24 do STF. Ressalta-se que, de acordo com a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, mesmo nos casos em que a constituição definitiva é condição para a ação penal, esta não é influenciada pela prescrição superveniente do crédito tributário, como demonstra o julgado abaixo transcrito, cuja fundamentação adoto como razão de decidir: PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INVIABILIDADE. Nos termos da jurisprudência deste Sodalício, a prescrição superveniente do crédito tributário não influencia a persecução penal, tendo em vista que "embora constitua a prescrição uma causa de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, V), tal circunstância não implica que a obrigação tributária não tenha nascido regularmente, gerando, a seu tempo, o dever de pagamento do tributo e, consequentemente, a consumação do delito" (REsp 1597580/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 30/06/2016). Se a prescrição posterior não afeta a persecução penal de crime que exige a constituição definitiva do débito, com mais razão não afetará fatos de natureza não tributária, que sequer exigem a conclusão do processo administrativo para início da ação penal. Ou seja, não obstante a prescrição intercorrente implique na inexigibilidade da cobrança da multa aduaneira, tal circunstância não afasta a consumação, em tese, do delito de falsidade ideológica que deu azo a sua aplicação na esfera administrativa, mantendo-se intacta a persecução penal. Pelos mesmos motivos, mostra-se inviável a suspensão da persecução penal enquanto se discute na esfera cível o débito tributário. Por fim, não ocorreu prescrição da pretensão punitiva estatal, pois, antes de transitar em julgado a sentença final, exceto no caso de trânsito em julgado para a acusação ou não provimento do seu recurso, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, e os artigos 299 e 304, ambos do Código Penal, preveem pena de reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos, na hipótese de falsificação ideológica de documento público, a qual prescreve em 12 (doze) anos (CP, art. 109, III), prazo que não decorreu entre os fatos em 13.11.2014 e o recebimento da denúncia 06.05.2019 e desta até a presente data (IDs 340543740, p. 03/07 e 08/09 e 374208526). Apesar de ter decorrido o prazo prescricional pela pena mínima (ID 374208527), como o representante do Ministério Público Federal requereu o prosseguimento do feito, não é possível a este Juízo reconhecer a prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva. As demais alegações defensivas confundem-se com o mérito e serão analisadas após regular instrução processual. Diante da ausência de qualquer causa estabelecida no artigo 397 do Código de Processo Penal, determino o prosseguimento do feito e torno definitivo o recebimento da denúncia, nos termos do artigo 399 do Código de Processo Penal, bem como indefiro o pedido de suspensão do processo. Designo o dia 05 de AGOSTO de 2025, às 14h00, para audiência de instrução e julgamento, nos termos do artigo 400 do Código de Processo Penal, a ser realizada de forma telepresencial, pela plataforma virtual Microsoft Teams, oportunidade na qual serão ouvidas as testemunhas de acusação, Gabriel Cardoso Schweitzer, Maria Stella Siminoni Neves e Caio Simioni Neves, e testemunhas de defesa, Walmir Sardinha, Solange Baldo e Mauro Chiariadia, bem como realizado o interrogatório da parte ré, em ato conjunto com o processo originário n.º 0000892-38.2019.4.03.6105, do qual este feito foi desmembrado. Para evitar tumulto e que esperem por longos períodos as testemunhas de defesa, Walmir Sardinha, Solange Baldo e Mauro Chiariadia, deverão comparecer às 14:40, após as testemunhas de defesa da corré CLÁUDIA (Processo originário n.º 0000892-38.2019.4.03.6105, ID 355311917). Tendo em vista o disposto na Resolução CNJ nº 481/2022, as partes poderão manifestar sua discordância com essa forma de realização da audiência, no prazo de 05 (cinco) dias. A ausência de manifestação nesse prazo será compreendida como concordância da parte, para os fins do artigo 3º da Resolução CNJ nº 354/2020, com a redação dada pela Resolução CNJ nº 481/2022. No prazo de 05 (cinco) dias, as partes deverão informar a este Juízo, por petição juntada aos autos, os contatos de todas as partes e procuradores (endereço de e-mail e número de telefone, de preferência com Whatsapp), a fim de viabilizar a comunicação durante o ato em caso de queda do sistema ou outro problema técnico, bem como deverão juntar cópia de documentos de identificação com foto, onde constem número de RG e CPF das partes e testemunhas, tendo em vista a necessidade de qualificação. No dia designado para a audiência, 15 (quinze) minutos antes do horário marcado, os participantes deverão ingressar na sala virtual por meio de telefone celular ou computador com câmera e microfone. No caso da parte ré, com 20 minutos de antecedência, para realizarem entrevista reservada com os defensores, a fim de que o ato inicie-se no horário designado. Usar preferencialmente fone de ouvido com microfone embutido, como os que geralmente acompanham smartphones. O dispositivo deve estar conectado à internet com boa qualidade (dar preferência para rede wi-fi ou cabo de rede ligado ao dispositivo e evitar usar somente sinal de telefonia móvel). Devem ter em mãos documento de identificação com foto, tendo em vista a necessidade de qualificação. O acesso à sala de audiências virtual ocorrerá pelo seguinte link: https://tinyurl.com/yadtvcjm As partes, procuradores e testemunhas deverão aguardar no lobby da sala virtual até autorização para ingresso no ato pelo servidor deste Juízo. Deixo de determinar a intimação das testemunhas de acusação, Gabriel Cardoso Schweitzer, Maria Stella Siminoni Neves e Caio Simioni Neves, pois já foram expedidas intimações no processo originário n.º 0000892-38.2019.4.03.6105, do qual este foi desmembrado, e a instrução será realizada de forma conjunta. As testemunhas de defesa Walmir Sardinha, Solange Baldo e Mauro Chiariadia deverão comparecer ao ato independentemente de intimação, haja vista que foram arroladas sem qualquer pedido para que fossem intimadas por meio de Oficial de Justiça (CPP, art. 396-A). Intime-se a parte ré. O Sr. Oficial de Justiça deverá certificar o endereço atual, o número do telefone e e-mail do(a) acusado(a) e da(s) testemunha(s) e se este(a) possui recursos adequados para acessar a videoconferência (aparelho eletrônico, por exemplo, celular ou computador, com câmera e microfone, além de conexão à Internet, que permita a sua oitiva por videoconferência, garantindo, ainda, possibilidade de contato caso ocorra queda de sinal durante o ato). Fica autorizado, desde já, o comparecimento pessoal na sala de audiências da 1ª Vara Federal de São José dos Campos, caso a parte ou testemunha não possua condições de acessar o ato remotamente. Solicitem-se as folhas de antecedentes da parte ré aos órgãos de identificação, inclusive aos distribuidores da Justiça Federal e Estadual, bem como as certidões processuais das ações eventualmente constantes, que possam interferir em eventual dosimetria da pena. A Secretaria deverá adotar todas as providências necessárias para a realização do ato. Traslade-se cópia deste despacho para o processo originário n.º 0000892-38.2019.4.03.6105 e intimem-se as partes daquele feito para ciência da realização da audiência de forma conjunta. Ciência ao representante do Ministério Público Federal. Intime-se. A fim de dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, cópia desta decisão servirá como: a) OFÍCIO ao(à) UID/DPF, IIRGD e Distribuidores da Justiça Estadual e Federal, a ser encaminhado por meio eletrônico, para requisição de folha de antecedentes e certidões criminais da parte ré; e b) Carta Precatória n.º 105/2025, ao(à) Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Juiz(a) de Direito de uma das Varas Criminais da Comarca de Rio Claro/SP, para cumprimento em regime de urgência, a fim de deprecar a intimação da parte ré a seguir identificada a ingressar na sala virtual de audiências da 1ª Vara Federal de São José dos Campos, no dia abaixo indicado, para participar de audiência de instrução e julgamento, por videoconferência pela plataforma Microsoft Teams, oportunidade na qual serão realizadas as oitivas das testemunhas e o interrogatório da parte ré, em ato conjunto com o processo originário n.º 0000892-38.2019.4.03.6105, do qual este feito desmembrado: Réu: JONAS DOS SANTOS LOPEZ - CPF: 192.137.548-50 Endereço: Rua João Polastri, 1091, casa 49, Cidade Jardim, Rio Claro/SP (ID 372440967, p. 06/09) Data da audiência: 05 de AGOSTO de 2025, às 14h00 Link para acesso à videoconferência: https://tinyurl.com/yadtvcjm Caso não possua condições de acessar o ato remotamente, fica intimado a comparecer pessoalmente na sala de audiências da 1ª Vara Federal de São José dos Campos (Rua Tertuliano Delphim Júnior, 522, 2º andar, Parque Residencial Aquarius, São José dos Campos/SP, CEP 12.246-001). Fica intimado, outrossim, de que deverá acessar o link da videoconferência (com vídeo e áudio habilitados) ou comparecer no fórum com 20 (vinte) minutos de antecedência do horário marcado, bem como ter em mãos documento de identidade com foto e estar acompanhado de defensor no ato. Observação: Usar preferencialmente fone de ouvido com microfone embutido, como os que geralmente acompanham smartphones. O dispositivo deve estar conectado à internet com boa qualidade (dar preferência para rede wi-fi ou cabo de rede ligado ao dispositivo e evitar usar somente sinal de telefonia móvel). Não há necessidade de o apenado e o defensor estarem no mesmo local físico para ingressarem na sala virtual, pois ambos podem participar do ato de forma remota, conectados a partir de pontos diferentes. Deverá aguardar no lobby da sala virtual até autorização para ingresso no ato pelo servidor deste Juízo. Deverá o Sr. Oficial de Justiça certificar o endereço atual, número do telefone (de preferência com Whatsapp) e se este possui recursos adequados para acessar a videoconferência (aparelho eletrônico, por exemplo, celular ou computador, com câmera e microfone, além de conexão à Internet, que permita a sua participação no ato e o seu interrogatório por videoconferência, garantindo, ainda, possibilidade de contato caso ocorra queda de sinal durante o ato).
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Processo nº 5000187-98.2018.4.03.6004
ID: 298232809
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Corumbá
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 5000187-98.2018.4.03.6004
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THYARA DA CRUZ VIEGAS
OAB/MS XXXXXX
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ROGER DANIEL VERSIEUX
OAB/MS XXXXXX
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65) Nº 5000187-98.2018.4.03.6004 / 1ª Vara Federal de Corumbá AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: NAVEGACAO PORTO MORRINHO S.A. - NPM, JOSE JOAO ABDALLA FILHO Adv…
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65) Nº 5000187-98.2018.4.03.6004 / 1ª Vara Federal de Corumbá AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: NAVEGACAO PORTO MORRINHO S.A. - NPM, JOSE JOAO ABDALLA FILHO Advogado do(a) REU: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106 Advogados do(a) REU: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106, THYARA DA CRUZ VIEGAS - MS16731 TERCEIRO INTERESSADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S/A (NPM), SOCAL S/A MINERAÇÃO e JOSE JOAO ABDALLA FILHO, objetivando a condenação da empresa à reparação integral do dano ambiental causado em Área de Preservação Permanente (APP) do Rio Paraguai, na região de Porto Morrinho, município de Corumbá/MS, referente à instalação e funcionamento do empreendimento denominado Estaleiro Porto Morrinho. Requer a condenação em obrigação de pagar cumulada com obrigação de fazer, consistente na apresentação de novo Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD); implantação do Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro; compensação socioambiental dos danos apurados; além de condenação em danos morais coletivos. Aduz a inicial, em síntese, o seguinte (Id 8646634): “(...) instaurado o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, para apurar a notícia, recebida em 13/02/2012, de que a NPM S.A. estaria se utilizando de dragas para a construção de um aterro em área na qual a empresa pretendia fazer funcionar um estaleiro para construção/reforma de embarcações, antes de emitida a Licença ambiental de Instalação pelo IBAMA. Em 06/01/2014, o empreendimento conseguiu a expedição da Licença de Instalação nº 987/2014, que dentre as suas condicionantes específicas de validade apostas pelo IBAMA, incluiu o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, prevendo a recuperação de áreas degradadas na área de influência direta do empreendimento, em particular, as matas ciliares, aprovado com a recomendação de que deveria ser iniciado concomitantemente ao empreendimento e finalizado com a recuperação das áreas degradadas, à fl. 412 do IC (fl. 11 do id. 6225121). Ocorre que, em 21/05/2014, aportou nesta Procuradoria novo ofício do IBAMA informando a ocorrência de irregularidades praticadas pela NPM S.A., em detrimento da Licença de Instalação nº 987/2014, às fls. 420/421 do IC (id. 6225128 a 6225131), verificadas durante vistoria às obras de instalação do estaleiro realizadas pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do IBAMA (...) Tais constatações foram as mesmas concluídas nas investigações deflagradas no IPL nº 0059/2015-DPF/CRA/MS, que deram origem à Ação Penal nº 0001095-80.2017.403.6004 (...) Naquela investigação, inclusive, ao responder os quesitos da Perícia, cf. fl. 150 do IPL nº 0059/2015 (fl. 03 do id. 6290627), verifica-se que restou claro que os réus desflorestaram e suprimiram toda a vegetação para a ampliação do referido aterro e para a passagem da tubulação da draga, ainda impedindo que as formações da flora, após a destruição de floresta e supressões, se regenerassem (...) Entrementes todos os referidos procedimentos investigativos anteriormente citados, permanece em curso no âmbito desta Procuradoria da República o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, que tem por objeto acompanhar os ilícitos ambientais praticados pela NPM S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO no decorrer de seu licenciamento ambiental. (...) da última fiscalização realizada pelo NLA/IBAMA/MS, em 19/09/2017, a fim de verificar o cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação a que o empreendimento NPM S.A. estava obrigado implementar desde 2014, o órgão ambiental pôde, mais uma vez, verificar o não atendimento a nenhuma das condicionantes da licença ambiental, bem como que o estabelecimento já se encontra em plena operação, mesmo sem a competente licença. (....) Com efeito, a interrupção do fluxo hidrológico e vazantes do Rio Paraguai revela situação de extremo risco principalmente às comunidades que habitam a região. Cumpre ressaltar que, no decorrer do processo de licenciamento ambiental do empreendimento ESTALEIRO PORTO MORRINHO S.A., os moradores da região já externaram a preocupação com os impactos que a poluição da atividade poderia gerar ainda antes de sua instalação (...) Assim, a gravidade da situação é tal, não só pelo desequilíbrio ambiental acarretado pelo encerramento do fluxo hidrológico no local, com comprometimento da fauna aquática, e os demais subecossistemas que dependem da saudável coexistência do bioma, mas também pela própria integridade e existência das famílias prejudicadas pelo dano ambiental de autoria dos réus.” A inicial foi instruída com os dados colhidos no Inquérito Civil n. 1.21.004.000084/2012-16. Foi proferida decisão determinando o desmembramento dos autos em relação à empresa Socal S/A Mineração, pois apesar de também representada pelo réu José João Abdalla Filho, encontra-se em localidade e situação ambiental distintas (Id 9029311). Com o desmembramento do feito, a pretensão direcionada à empresa Socal S/A Mineração passou a ser objeto da Ação Civil Pública nº 5000350-78.2018.4.03.6004. Foi proferida decisão que deferiu parcialmente o pedido cautelar formulado pelo MPF, determinando: i) a suspensão do direito de exercício da atividade comercial da empresa; ii) paralisação da instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, até que sejam atendidas todas as medidas mitigadoras e reparadoras determinadas pelos órgãos ambientais competentes; iii) abstenção de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área (Id 9260919). Expedido mandado de constatação, o Oficial de Justiça certificou que se dirigiu ao local e as atividades da empresa estavam paralisadas (Id 9441854; 9809982). A tentativa de conciliação restou frustrada (Id 9847149). Na ocasião, os representantes dos órgãos ambientais presentes se comprometeram a entregar, em documento único, estudo técnico contendo todos os deveres e obrigações dos réus, incluindo a valoração dos danos. O IBAMA apresentou ofício direcionado à empresa ré NPM, constando os projetos a serem implementados pela empresa para adequação ambiental do Estaleiro (Id 10681794). A NPM, por sua vez, requereu a juntada dos trabalhos técnicos-ambientais para fins de continuidade do licenciamento ambiental (Id 11579843 a Id 11580557). O agravo de instrumento interposto pela NPM teve o pedido de efeito suspensivo indeferido (Id 11313476). Posteriormente, a Sexta Turma do E. TRF3 negou provimento ao agravo (Id 34695738, págs. 2-3). O MPF requereu a juntada dos relatórios de apuração de infrações administrativas ambientais e autos de infrações lavrados pelo IBAMA no decorrer da Operação Força Tarefa – Processos Licenciamento, em desfavor da NPM em 11/05/2018 (Id 14969194). Os réus apresentaram contestações, pugnando pelo acolhimento das preliminares de falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva de José João Abdalla Filho (Id 9434315; 22068616). Requerem a reforma da decisão cautelar, argumentando que, em sede do mandado de segurança 0001054-89.2012.4.03.6004, o TRF3 determinou ao IBAMA que desse andamento ao procedimento de licenciamento ambiental, reconhecendo que a responsabilidade da empresa deve ser apurada exclusivamente no âmbito administrativo. No mérito, pugnam pelo julgamento improcedente do pedido, ressaltando a inércia do IBAMA na condução do procedimento de licenciamento ambiental após a determinação judicial de paralisação da empresa. Juntaram documentos. O MPF apresentou réplica e requereu a produção de prova testemunhal e inspeção in loco do empreendimento (Id 23064621). Os réus pleitearam a produção de prova pericial e testemunhal (Id 22068616, pág. 20). Na oportunidade, requereram que o MPF traga aos autos cópia do IC onde se apura a responsabilidade pela inércia dos servidores do IBAMA, bem como que o IBAMA junte cópia integral do processo de licenciamento da NPM. Em decisão de Id 24735168, o Juízo afastou as preliminares aventadas pelos réus, deferiu a produção de prova testemunhal e pericial, determinando o custeio da perícia pelos requeridos. Os réus apresentaram sucessivas petições requerendo a reforma parcial da decisão liminar para que a NPM possa terminar a obra, que está praticamente concluída, alegando que a empresa apresentou toda a documentação na esfera administrativa, incluindo uma série de projetos técnicos, mas o IBAMA permanece inerte (Id 25387303). Juntaram documentos de Id 25387323 a 25388207. As partes formularam quesitos (Id 26040472; 27249717). O MPF manifestou-se contrário ao pleito dos réus (Id 27872834), argumentando que a demora na elaboração do parecer técnico não decorre de responsabilidade exclusiva dos órgãos de fiscalização ambiental, visto que logo após a audiência de tentativa de conciliação, o IBAMA encaminhou o Ofício nº 71/2018, em que solicita da NPM a apresentação de uma série de projetos e programas visando a adequação ambiental do Estaleiro. Registrou que o RRT declarava como responsável apenas um profissional da área da arquitetura e urbanismo, embora as condicionantes da licença ambiental apresentem caráter multidisciplinar. O Juízo manteve a tutela provisória deferida (Id 28192569). Apresentada proposta de honorários do perito ambiental nomeado (Id 28295034), os réus comprovaram o recolhimento integral dos honorários (Id 29751145). Juntado laudo técnico conjunto do IBAMA, IMASUL e FMAP, referente à vistoria realizada em janeiro de 2020 (Id 28879283; 28879264). A NPM novamente requereu a reconsideração da liminar e informou que o TRF autorizou parcialmente o funcionamento de outra empresa do grupo (Id 32141292). Em decisão de Id 31917091, o Juízo reconsiderou a decisão que nomeou o perito, determinando a realização da perícia a cargo da Polícia Federal. O Setor Técnico - Científico da Polícia Federal elaborou Laudo de Perícia nº 1693/2020 – SETEC/SR/PF/MS (Id 42801914). A NPM impugnou o laudo pericial da PF, por ter como base laudos anteriores, sem vistoria in loco e atualizada (Id 44465104). Discorre que não foi oportunizado o acompanhamento por assistentes técnicos das partes e que o laudo não foi conclusivo em várias questões colocadas, razão pela qual requer a realização de vistoria técnica no local. O feito foi saneado, ocasião em que foram rejeitadas as preliminares de ausência de interesse de agir e de ilegitimidade passiva arguidas pelos réus; definido o ônus da prova ao empreendedor da atividade potencialmente poluidora; foi deferida a produção de prova pericial pelo perito anteriormente nomeado e indeferida a prova testemunhal; e ratificada a decisão liminar (Id 250250152). Veio para os autos cópia do acórdão proferido pelo TRF-3 no Agravo de Instrumento nº 5005876-25.2020.4.03.0000, negando provimento ao recurso (Id 251667567; Id 270338778). O perito apresentou o Laudo Pericial (Id 289412065). A NPM apresentou quesitos complementares (Id 293510674; e Id 298539639), instruindo os autos com o Processo de Licenciamento Ambiental 02001.010328/2009-04 (Id 298551601 a Id 298552470). O perito apresentou Laudo Pericial complementar (Id 296566235; e Id 300920507). A NPM informou que enviou proposta de acordo ao Ministério Público Federal, com fins de otimizar a tentativa de encerramento a esta demanda, bem como à Ação Civil Pública de nº: 5000350-78.2018.4.03.6004; solicitou a designação de audiência de conciliação (Id 301007002). O MPF anuiu com a realização de audiência de conciliação (Id 303548287). Foi proferida decisão designando audiência de conciliação (Id 304025451). O IBAMA manifestou interesse em participar da audiência (Id 308706576). Em audiência de conciliação, foi concedido o prazo de 30 dias para as tratativas e apresentação de eventual acordo a ser realizado pelas partes (Id 314705543). As partes informaram que as tratativas não avançaram (Id 322707334; Id 329136758). A NPM pediu que a decisão liminar fosse reformada para que a empresa seja autorizada a cumprir as obrigações do processo de licenciamento para fins de iniciar as atividades (Id 330247932). Foi proferida decisão designando nova audiência de tentativa de conciliação (Id 337291094). Realizada a audiência, não houve acordo entre as partes (Id 339257391). Em alegações finais (Id 342802315), o MPF manifestou-se pela parcial procedência dos pedidos, com a condenação dos requeridos a: 1) Reparar o dano ambiental subsistente na área objeto da lide, por meio da apresentação de Projeto de Recuperação de Áreas Degradas – PRAD a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, em sede de cumprimento de sentença, e devidamente executado; e 2) Indenizar o dano moral coletivo causado, em valor proporcional aos impactos socioambientais, à reprovabilidade das ações, à recalcitrância e, em especial, à condição econômica da parte ré, em patamar não inferior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), na forma do art. 13 da Lei n. 7.347/85. 3) Implantar o Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro, que deverá se realizado por procedimentos pertinentes junto ao órgão ambiental competente, conforme orientações do IBAMA (id 8646634 p. 43). 4) ao pagamento de custas e despesas processuais. Requer, outrossim, a concessão de tutela provisória em face da empresa NAVEGACAO PORTO MORRINHO S.A. que determine, até a satisfação das obrigações de fazer e pagar acima requeridas, a suspensão do direito de exercício das atividades da pessoa jurídica; com determinação das obrigações de não fazer, consistentes em a) paralisar as ações empresariais e de quaisquer outras atividades tendentes à instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, e b) abster-se de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área, tudo sob pena de multa em caso de descumprimento." (Id 342802315, pág. 24-25). Em alegações finais (Id 346120775), a Navegação Porto Morrinho pede a improcedência dos pedidos e a revogação da liminar. É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, destacando a obrigatoriedade de atuação do Estado para garantir a efetividade desse direito. É o que dispõe o art. 225 da CF: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Reconhecendo a importância da proteção ambiental, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi aprovada no Brasil, após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), sendo promulgada pelo Decreto n. 2.519/1998. Referido diploma normativo de política internacional trata de medidas para proteção mundial da biodiversidade, sob três pilares: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. No que concerne à rica biodiversidade brasileira, o art. 225, §4º da CF elenca cinco biomas como patrimônio nacional, dentre eles o Pantanal, cuja utilização deve ser feita na forma da lei e dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Além de ser considerado patrimônio nacional, o Pantanal foi reconhecido como bioma de relevância internacional pela UNESCO, através de títulos de Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera. Ademais, a Convenção de Ramsar prevê medidas de proteção para zonas úmidas de importância internacional. Visando garantir o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil para manutenção do equilíbrio ecológico do Pantanal, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.482/2020, que trata do Estatuto do Pantanal, prevendo princípios para o uso do ecossistema, com vistas ao desenvolvimento sustentável e ao respeito às diversidades locais e regionais (Fonte: Agência Senado). No Estado de Mato Grosso do Sul, está em vigor a Lei do Pantanal (Lei Estadual n. 6.160/23) que dispõe sobre a conservação, a proteção, a restauração e a exploração ecologicamente sustentável da Área de Uso Restrito da Planície Pantaneira (AUR-Pantanal). Nesse contexto, o sistema constitucional brasileiro reconhece a dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico pátrio, visto que a salvaguarda da higidez e do equilíbrio do ambiente assume tanto a forma de um objetivo e tarefa do Estado quanto de um direito e dever do indivíduo e da coletividade, caracterizando um feixe de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico. Busca-se a defesa de um direito constitucional intergeracional a um meio ambiente saudável, equilibrado e íntegro, constituindo sua proteção, prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas em um sentido mais abrangente, à própria coletividade social, atual e futura. Como é sabido, a responsabilidade civil ambiental possui natureza objetiva nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81. Isso significa que o poluidor tem a responsabilidade de reparar ou indenizar o dano ambiental independentemente de culpa. Basta, assim, a comprovação da conduta, do nexo causal e do dano. Consagra-se assim a teoria do risco integral. Sobre este tema, o e. STJ firmou tese no julgamento do REsp 1374284/MG, relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão o sentido de que “a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar”. A responsabilização, por sua vez, é solidária independentemente da conduta ser omissiva ou comissiva, ou o dano ser direto ou indireto. A esse respeito, trago a lição de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer: A solidariedade é outra característica fundamental do regime da responsabilidade civil ambiental. Isso significa, na prática, que toda cadeia de agentes (privados ou públicos) que estão no bojo da relação causal geradora do dano ecológico podem ser responsabilizados. Independentemente da sua conduta ser comissiva ou omissiva ou mesmo direta ou indiretamente responsável pela degradação ecológica, tal agente (privado ou público) coloca-se no raio de cobertura do regime jurídico da responsabilidade civil ambiental, caracterizando o nexo causal” (Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 527). A legislação ambiental brasileira, portanto, adota um conceito amplo de poluidor no art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81, alcançando assim inclusive aqueles que contribuem indiretamente para a degradação ambiental. Com isso, gera-se uma flexibilização do nexo causal em comparação com sua versão civilista de matriz individualista em prol de um modelo solidarista. Como já cristalizado na Súmula 613 do STJ, “não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.” Isso significa que, nas palavras do Min. Herman Benjamin, “inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente” (REsp 948.921/SP, j. 23/10/2007). Este tema nos leva ainda a registrar que deveres associados à proteção ambiental possuem natureza propter rem. Isso significa que, novamente na esteira da jurisprudência do STJ, “a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos.”(REsp 1622512/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016). O STJ, ainda, já decidiu que “[p]ara o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.” (STJ, REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010). 2.1. Preliminares arguidas pelos réus Quanto às preliminares, ratifico a decisão que rejeitou as preliminares de ausência de interesse de agir e de ilegitimidade passiva arguidas pela defesa (Id 250250152): 1. Preliminares aventadas pelos réus 1.1 De início, a preliminar de ausência de interesse de agir deve ser afastada. Sustentam os réus que “há processos administrativos que apuram as infrações relatadas e a única infração no local que teve trânsito em julgado administrativo com fins de compensação por supressão vegetal foi integralmente cumprida pela Socal S/A (Empresa do Grupo econômico da Ré, Navegação Porto Morrinho), conforme prova a documentação da compensação ambiental juntada com a PROVA 32 e 33. Ou seja, fica claro o ‘atropelo’ processual com o ajuizamento da presente Ação Civil Pública. (...) A falta de utilidade e necessidade, com a devida vênia, é patente. Os procedimentos administrativos são os instrumentos legais previsto para apuração e sancionamento”. Todavia, analisando o contexto da postulação (art. 322, §2º do CPC), pela narrativa fática, jurídica e pedido da peça vestibular, concluo que subsiste interesse processual no feito, tendo em vista que o objeto da presente ACP é amplo e não se esgota nos pontos levantados pelos réus. As pretensões de indenização e compensação dos danos causados veiculados nesta ação não se confundem com a atuação administrativa voltada ao licenciamento e à viabilização da atividade econômica da ré, com a identificação e fixação das condicionantes ambientais cabíveis. Tratam-se de expedientes com atores, escopo, e objeto de instrução diversos. Neste feito, busca-se também comprovar fatos pretéritos, com a delimitação e quantificação do suposto dano ambiental. Já o procedimento de licenciamento guarda feições prospectivas, buscando adequar a atividade pretendida às exigências ambientais. Nesse contexto, eventual obtenção de licença, na via administrativa, não vincula o Juízo Federal na análise da matéria que lhe cabe, tratando-se de questões distintas e instâncias independentes. De acordo com o art. 225, §3º da Constituição Federal, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. É cediço que nossa jurisprudência não reconhece direito adquirido de poluir ou degradar o meio ambiente, tampouco se admite a aplicação da teoria do fato consumado em matéria ambiental (Súmula 613/STJ), de modo que qualquer licença ambiental está sujeita à revisão, inclusive na seara judicial, mormente quando for identificada a violação de regras ambientais. 1.2 De igual modo, a preliminar de ilegitimidade passiva do réu José João Abdalla Filho não merece prosperar. Nesse ponto, importa consignar que a legislação ambiental brasileira adota um conceito amplo de poluidor, alcançando toda a cadeia de agentes que contribuíram para o dano ambiental. É o que prevê o art. 3º, IV da Lei n. 6.938/81: “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Com isso, nesse momento processual, as considerações apontadas pelo MPF são suficientes para manter o réu José João Abdalla Filho no polo passivo. Ressalto que a análise minuciosa de eventual responsabilidade de cada réu será oportunamente realizada com o julgamento da causa em sede de cognição exauriente. (Id 250250152, pág. 4-5). 2.2. Contextualização dos fatos O tema dos autos merece análise particular, considerando que o art. 225 da Constituição Federal consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Além disso, as ações coletivas e processos que tenham por objeto matéria ambiental possuem prioridade de julgamento dentre as metas do Judiciário. No caso, a Navegação Porto Morrinho S.A - NPM. é pessoa jurídica que desenvolve suas atividades comerciais em região sensível do Município de Corumbá/MS, instalada às margens do Rio Paraguai (coordenadas S 19º28'49,5'' e W 57º24'96,3''), em área de preservação permanente no Pantanal Sul-mato-grossense. Sobre a importância ecológica do Pantanal, região em que situada a empresa, o IBAMA apresentou descrição que merece ser destacada nesta sentença: "O Pantanal é caracterizado como a maior área tropical úmida do planeta, cobrindo aproximadamente 150.000 km² nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estendendo-se também até a Bolívia e o Paraguai. Integralmente inserido na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, o Pantanal apresenta altitudes que variam de 80 a 150 metros em relação ao nível do mar. É uma região de destaque nacional e internacional, por se tratar de uma das maiores extensões de áreas inundáveis do planeta, que conta com uma espetacular abundância da fauna e possui valor extraordinário em biodiversidade. Dentre as principais características do Pantanal estão as inundações sazonais causadas pelo Rio Paraguai e seus afluentes. Em toda a região é o ritmo ditado pelas águas que rege a vida natural e também as atividades humanas, que, historicamente, têm sido fortemente influenciadas pelos condicionantes hidrológicos. O Pantanal é utilizado para a pecuária e apresenta também uma grande importância do ponto de vista ecológico e turístico. A baixa densidade demográfica aliada às extensas planícies inundáveis, aos lagos permanentes e temporários (baías e salinas) e à regularidade dos pulsos de cheia, constitui-se num excelente refúgio para a fauna. Atualmente são verificados no Pantanal diversos problemas ambientais, principalmente de origem antrópica. Segundo estudos realizados pelo Fundo Setorial de Recursos Hídricos (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2002), as alterações antrópicas sobre a vegetação natural da bacia causam diversos impactos hidrológicos. A partir da década de 1960, o Pantanal passou por profundas modificações causadas pela ocupação humana, especialmente em relação a substituição da vegetação original por pastagens e por cultivos agrícolas. Estas alterações podem ter contribuído para a modificação do regime hidrológico e da produção de sedimentos nas bacias dos rios que formam a wetland (área úmida) do Pantanal. Estudos de Galdino et al (1997) e Tucci e Collischonn (2001) revelaram que nas últimas décadas, o Pantanal também sofreu os impactos da variabilidade climática, passando por um período extremamente seco durante a década de 60 e por um período extremamente úmido a partir do início da década de 1970. A variabilidade climática gera diversos impactos ambientais, com alterações significativas do transporte de sedimentos e poluentes, mudanças no uso e cobertura da terra, no ciclo hidrológico, tais como evapotranspiração e infiltração. A compreensão do modelo de funcionamento das planícies de inundação do Pantanal é de fundamental importância para a conservação e gestão do meio ambiente. Assim, a maior dificuldade de compreensão dos modelos de inundação de grandes planícies é resultante da: (1) falta de informações para uma discretização adequada para os processos envolvidos; (2) caracterização computacional das planícies de inundação em função da variabilidade física dos sistemas; (3) integração com a simulação precipitação – vazão em grandes bacias que alimentam os hidrogramas das áreas de inundação. Segundo estudos de Hamilton et al (2002), o Pantanal constitui-se em uma planície de inundação localizada sobre uma grande formação geológica sedimentar de depósitos aluviais. O International Geosphere-Biosphere Programme (Melack et al, 1996) considera o Pantanal como uma das áreas úmidas (wetlands) mais importantes do planeta. As wetlands são definidas como áreas que: (1) apresentam lâminas de água que cobrem a superfície em um período significativo do ano ou durante uma estação climática, ou ainda, (2) apresentam um período de alagamentos com manutenção de vegetação permanente (Melack et al, 1996). As wetlands apresentam características e funções específicas, divididas em três categorias: hidrologia, biogeoquímica e manutenção de habitats alimentares. A dinâmica da água, em função do volume e composição, é um componente fundamental na definição do funcionamento dos ecossistemas aquáticos. As funções hidrológicas incluem o armazenamento a curto e longo prazo de grande corpos de água. Tais corpos d’água regulam o ciclo hidrológico, definindo os índices de precipitação, evapotranspiração, infiltração e escoamento. As funções biogeoquímicas incluem a transformação e reciclagem de elementos, retenção e remoção de substâncias dissolvidas em águas superficiais e acumulação de turfas e sedimentos inorgânicos. Essas funções retêm nutrientes e outros elementos, alterando a qualidade da água e a química aquática e atmosférica. Hamilton et al (1997) e Resende (2004) explicam a manutenção de habitats alimentares. No processo de cheia, as áreas inundadas têm a sua vegetação alagada, onde parte morre e se decompõe, formando os detritos orgânicos, fonte de alimento dos peixes; parte funciona como filtro que retém os sedimentos e matéria orgânica dissolvida, servindo como substrato para desenvolvimento de algas e microrganismos animais. A inundação também propicia o desenvolvimento de grandes massas de vegetação aquática e, associadas a elas, ricas comunidades de insetos aquáticos que servem de alimento aos peixes. Assim, a inundação propicia ricas fontes alimentares para peixes detritívoros, herbívoros, insetívoros e onívoros que são a base da cadeia alimentar dos peixes carnívoros e de outras espécies animais que as consomem como aves aquáticas, jacarés, lontras e ariranhas. Na fase seca, há novamente todo o crescimento da vegetação terrestre nas áreas anteriormente inundadas, fertilizadas parcialmente no processo de inundação e parcialmente, pela decomposição da vegetação aquática da fase anterior. Dessa forma, o sistema consegue incorporar e aproveitar matéria orgânica de forma muito eficiente, explicando a riqueza e diversidade dos rios com planícies inundáveis. Além da importância ecológica, as áreas alagáveis também são de interesse científico devido a sua considerável participação no balanço de carbono, como fontes de CO2 e de CH4. Diversos autores estudaram o processo de inundação sazonal – também definido como pulso de inundação – do Pantanal, como Hamilton et al (1996), Hamilton et al (2002), Junk e da Silva (1995), Heckman (1998), Resende (2004), Hamilton et al (1997), Shimabukuro et al (2006), Hess e Melack (1994), Mertes et al (1995) e Sippel et al (1998). Segundo Resende (2004), pulso de inundação é uma forma científica de definir o processo anual de enchente e seca que ocorre a cada ano no Pantanal. Constitui-se “processo ecológico essencial”, ou seja, aquele processo que comanda a riqueza, a distribuição e a abundância de vida no Pantanal. Junk (1997), estudando as áreas alagáveis da Amazônia Central, definiu o padrão sazonal de oscilação do nível da água, ou seja, a diferença média entre o nível da água durante o período de cota máxima e de cota mínima, denominando-o dede pulso de inundação. Esse pulso de inundação, segundo o autor, é a principal força da dinâmica dos ecossistemas alagáveis, modulando a proporção de componentes suspensos e dissolvidos na água e alterando suas características físico-químicas. Como consequência, modificam todo funcionamento dos ecossistemas por onde essas águas circulam. Os pulsos de inundação, conforme Hamilton et al (2002), estão associados ao regime climático e aos condicionantes geológicos-geomorfológicos. Segundo Tröger et al (2005), o período chuvoso no Pantanal ocorre de outubro a abril com pequenas variações interanuais, além de se observar uma pequena tendência de alteração na sazonalidade da precipitação de leste para oeste, com redução dos totais anuais. Os condicionantes geológico-geomorfológicos explicam o processo de inundação do Pantanal (Tröger et al (2005) e Resende (2004)). A medida que os afluentes do rio Paraguai avançam para o interior do Pantanal, as margens tornam-se mais baixas, e a água inunda a planície durante as grandes cheias. A planície pantaneira é ocupada por um grande número de depressões que, quando cheias, formam uma paisagem de pequenos lagos que se interligam nas águas altas e represam as águas de parte da rede de drenagem depois que os níveis do rio principal baixam (Tröger et al, 2005). Na planície, como a velocidade do escoamento é quase nula, os sedimentos se depositam no fundo destes pequenos lagos, assoreando-o. Esse comportamento reduz a percolação, que ocorre principalmente pelas laterais. O volume é reduzido principalmente pela evaporação, já que no total anual o volume precipitado é inferior ao da evaporação. Ao final da cheia, as águas das planícies inundadas retornam parcialmente ao rio principal, resultando em um forte amortecimento das cheias e em uma redução dos volumes dos hidrogramas de montante para jusante (Bravo et al, 2005). Outro fator que retarda o escoamento é a forma sinuosa, cheia de curvas, que o rio Paraguai e seus afluentes assumem durante a sua travessia pelo Pantanal. As peculiaridades de relevo e geologia também funcionam como verdadeiras barragens ao fluxo das águas. São embasamentos rochosos acoplados a morrarias que ocorrem ao longo do percurso do rio Paraguai. Segundo estudos efetuados pelo Projeto RADAMBRASIL (Ministério das Minas e Energia, 1983), esses controles geológicos estão localizados na região do Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros. O sistema funciona como um grande reservatório, com reduzida vazão de saída e inundação de áreas ribeirinhas, criando os condicionantes naturais da formação de wetlands. O Pantanal, pelas características únicas que possui, foi decretado Patrimônio Nacional, pela Constituição de 1988, e Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera, pelas Nações Unidas, em 2000, além de estar incluído na Convenção de Ramsar. A Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, denominada Convenção de Ramsar, é um tratado intergovernamental que estabelece o quadro de ação nacional e cooperação internacional para a conservação e utilização racional das zonas úmidas e dos seus recursos. Negociados na década de 1960 pelos países e organizações não-governamentais que estavam preocupados com a crescente perda e degradação dos habitat de zonas úmidas para aves aquáticas migradoras, o tratado foi adotado na cidade iraniana de Ramsar, em 1971 e entrou em vigor em 1975. É o único tratado ambiental global que trata de um ecossistema particular, e os países membros da Convenção abrange todas as regiões geográficas do planeta. A missão da Convenção é "a conservação e exploração racional de todas as zonas úmidas através de ações locais e nacionais e cooperação internacional, como um contributo para alcançar o desenvolvimento sustentável em todo o mundo." A Convenção utiliza uma ampla definição dos tipos de zonas úmidas abrangidas em sua missão, incluindo lagos e rios, mangues e pântanos, prados úmidos e turfeiras, oásis, estuários, deltas e planícies de maré, perto da costa de zonas marinhas, mangues e recifes de coral e humanas de sites como viveiros de peixes, arrozais, reservatórios e salinas. A definição do conceito de zona úmida surgiu na Convenção de Ramsar. O tratado intergovernamental celebrado no Irã, em 1971, marcou o início das ações nacionais e internacionais para a conservação e o uso sustentável das zonas úmidas e de seus recursos naturais. Atualmente, 150 países são signatários do tratado, incluindo o Brasil. A convenção também classificou zonas úmidas de importância mundial, os chamados Sítios Ramsar. Existem 1.556 Sítios Ramsar reconhecidos mundialmente por suas características, biodiversidade e importância estratégica para as populações locais, totalizando 129.661.722 hectares, sendo o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense um destes sítios. (Laudo Técnico nº 1/2018-NLA-MS/DITEC-MS/SUPES-MS, constante no Id. 8646634, pág. 48-50, desta ACP) Sobre a localização do empreendimento em bem da União, nos termos do art. 20, II, III e §2º c/c art. 109, I, ambos da CF (terreno marginal de rio federal e terra devoluta em área de fronteira), o empreendimento está instalado em Área de Preservação Permanente. O art. 4º, inciso I, “d” da Lei n. 12.651/12 prevê uma faixa de 200m para APP nos casos de rios que tenham de 200 a 600 metros de largura, caso dos autos. Trazida uma visão geral da relevância do tema tratado nesta ação civil pública ambiental, passa-se à análise dos fatos descritos pelo MPF como causadores dos danos ambientais atribuídos aos réus. Para melhor delimitação da pretensão, segue a seguir a descrição dos fatos constantes na inicial: 2.1. NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. Em relação à NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A., a questão ambiental se iniciou antes mesmo da expedição de sua Licença Prévia. A título de retrospecto fático, é importante destacar que a mesma sociedade empresarial já havia sido autuada em 18/11/2009 por fazer funcionar empreendimento potencialmente poluidor em local próximo, também na APP do Rio Paraguai, o que deu origem ao Inquérito Civil n. 1.21.004.000281/2009-21. Na ocasião, lavrou-se notificação nº 401143, auto de infração nº 196704 e termo de embargo/interdição nº 564578, todos no dia 18/11/2009. Contudo, considerando que a instalação do empreendimento passou a ser objeto do processo de licenciamento ambiental nº 02001.010328/2009-04, que tramita no IBAMA e no qual foi emitida a Licença Prévia nº 426/2011 (fls. 151/153 do IC nº 1.21.004.000084/2012-16), aquele inquérito civil mencionado foi arquivado. Na esfera criminal, todavia, o IPL nº 0090/2010-DPF/CRA/MS – assim como o IPL nº 0055/2011-DPF/CRA/MS, arquivado em decorrência de aquele primeiro já se encontrar com investigações mais avançadas sobre os mesmos fatos delitivos então apurados – deu origem à Ação Penal nº 0000092-95.2014.403.6004, figurando como réus a NPM S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, pela prática dos crimes tipificados nos arts. 48 e 60 da Lei n° 9.605/98 (por fatos ocorridos em 23/11/2009), em concurso material com os crimes dos arts. 38, 48 e 60 da Lei n° 9.605/98 (por fatos ocorridos em 26/03/2012), de acordo com a denúncia anexa. Nesse ínterim, foi instaurado o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, para apurar a notícia, recebida em 13/02/2012, de que a NPM S.A. estaria se utilizando de dragas para a construção de um aterro em área na qual a empresa pretendia fazer funcionar um estaleiro para construção/reforma de embarcações, antes de emitida a Licença ambiental de Instalação pelo IBAMA. Em 06/01/2014, o empreendimento conseguiu a expedição da Licença de Instalação nº 987/2014, que dentre as suas condicionantes específicas de validade apostas pelo IBAMA, incluiu o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, prevendo a recuperação de áreas degradadas na área de influência direta do empreendimento, em particular, as matas ciliares, aprovado com a recomendação de que deveria ser iniciado concomitantemente ao empreendimento e finalizado com a recuperação das áreas degradadas (fl. 412 do IC nº 1.21.004.000084/2012-16). Ocorre que, em 21/05/2014, aportou nesta Procuradoria novo ofício do IBAMA informando a ocorrência de irregularidades praticadas pela NPM S.A., em detrimento da Licença de Instalação nº 987/2014 (fls. 422/428 do IC nº 1.21.004.000084/2012-16), verificadas durante vistoria às obras de instalação do estaleiro realizadas pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do IBAMA: Em 25/03/14, o NLA/MS efetua vistoria nas obras de instalação do estaleiro, constatando que a drenagem para a implantação da estrada de acesso à BR/262 estava sendo efetuado no Corixo Gonçalinho, conforme atesta o Relatório Fotográfico anexo, e não no rio Paraguai, em desobediência ao projeto proposto e aprovado no Plano Básico Ambiental de Dragagem e Aterro, e em desacordo com informações prestadas no documento acima citado (Documento nº 2038.000011/2014-00), referentes à Condicionante 2.1, onde o empreendedor afirma que será dragado uma área no rio Paraguai, em frente ao estaleiro, tendo sido observada supressão de vegetação sem autorização do Ibama para a implantação de estrada e das tubulações da draga. Em 15/05/2014, o NLA/MS efetua nova vistoria nas obras de instalação, constatando que o acesso em direção à BR/262 está praticamente concluído, sem que fosse implantada a ponte de 25m sobre as áreas úmidas, interrompendo todo o fluxo hidrológico da vazante que existe no local, conforme atesta o Relatório Fotográfico anexo, ressaltando que a Condicionante Específica 2.4 ainda não foi cumprida, pois a autorização do DNIT para o acesso à BR/262 ainda não foi apresentada. Tais constatações foram as mesmas concluídas nas investigações deflagradas no IPL nº 0059/2015-DPF/CRA/MS, que deram origem à Ação Penal nº 0001095-80.2017.403.6004 (denúncia anexa), novamente figurando como réus NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, pela prática dos crimes do art. 55 da Lei nº 9.605/98, ao executarem a extração de recursos minerais em desacordo com a Licença de Instalação nº 987/2014, entre 06 de janeiro1 e 25 de março2 de 2014; do art. 68 da Lei nº 9.605/98, por descumprirem as condicionantes fixadas na Licença de Instalação nº 987/2014, ao deixarem de construir uma ponte de 25 m (vinte e cinco metros) sobre as áreas úmidas, interrompendo todo o fluxo hidrológico e vazantes que existe no local, entre 25 de março e 15 de maio3 de 2014; e, entre 27 de julho de 2013 e 23 de maio de 20164, ampliarem a obra do aterro que já estava em construção, potencialmente poluidora, em 146.600 m³ (cento e quarenta e seis mil e seiscentos metros cúbicos)5, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes (art. 60 da Lei nº 9.605/98), com destruição de floresta considerada de preservação permanente (art. 38 da Lei nº 9.605/98) e impedindo e dificultando a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação (art. 48 da Lei nº 9.605/98). O próprio réu daquela ação penal, JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, em seu interrogatório policial, às fls. 217/219 do IPL nº 0059/2015, confirmou que “a dragagem ocorre no Corixo Gonçalinho (…) que não houve dragagem no próprio Rio Paraguai para evitar embaraços à navegação”, além de “que não foi construída qualquer ponte no local”. Naquela investigação, inclusive, ao responder os quesitos da Perícia, à fl. 150 dos respectivos autos, verifica-se que restou claro que os réus desflorestaram e suprimiram toda a vegetação para a ampliação do referido aterro e para a passagem da tubulação da draga, ainda impedindo que as formações da flora, após a destruição de floresta e supressões, se regenerassem, nos seguintes termos: Quesito 7: A área degradada pode ser considerada como floresta de preservação permanente? A área degradada está inserida em área de preservação permanente. Parte da vegetação é arbórea e parte da vegetação apresenta porte arbustivo e adaptada ao meio ambiente aquático (micrófitas aquáticas). (…) Quesito 10: Dentre esses danos, houve impedimento ou dificuldade para que ocorresse ou ocorra a regeneração natural de floresta e demais formas de vegetação? Sim, considerando que a área aterrada não permite a repercussão da vegetação original, toda área aterrada, que totaliza 3,9 ha impede a regeneração da vegetação. (….) Ademais, à fl. 148 do IPL nº 0059/2015, os peritos fazem ressaltar que “o raio de ação do impacto ambiental é maior, não sendo possível precisar com exatidão os locais dragados, que, certamente, pelo volume extraído, foram se alternando. Também deve-se considerar que o desmatamento para a implantação da tubulação afeta o habitat de animais que podem se deslocar do local buscando outras regiões e pode ainda afetar a margem do rio, com desbarrancamento da margem e deposição de areia, com assoreamento dos rios conforme observado no Laudo 1100/2013-SETEC/SR/DPF/MS. Ainda, o processo de extração de areia por meio de draga provoca aumento da turbidez na água, com a dispersão de sedimentos que podem se deslocar de onde estavam depositados para outras regiões mais distantes, dependendo do fluxo e velocidade da água no momento da extração.” Tais indícios foram mais que suficientes para demonstrarem as autorias e materialidades que originaram a citada Ação Penal nº 0001095-80.2017.403.6004, em face da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. e de JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO. A esse tempo, notícias de fatos criminosos semelhantes foram encaminhados à DPF/CRA, resultando posteriormente na instauração de nova investigação (IPL nº 0035/2016-DPF/CRA/MS), em decorrência de nova fiscalização do IBAMA ocorrida em 08/08/2014, que levou à lavratura do auto de infração nº 9081592-E (fls. 05/07-v do respectivo IPL), por fazer funcionar o empreendimento sem a competente Licença de Operação. Nesta última investigação, inclusive, houve a elaboração de dois Laudos Periciais pela Polícia Federal (nº 703/2016, às fls. 42/60, e nº 173/2017, às fls.119/125 respectivas) que explicam detalhadamente algumas situações de suma importância quanto ao empreendimento NPM: a sua localização em Área de Preservação Permanente com a reprodução de imagens de satélites, compreendendo-se a dimensão da degradação ambiental e das instalações da pessoa jurídica; os passivos resultantes da atividade produtiva descartados sem qualquer preocupação ambiental, tais como ferro, materiais de solda, baterias etc; a continuidade das atividades comerciais da empresa em contrariedade às determinações dos órgãos ambientais; e o funcionamento do Estaleiro em localidade diversa daquela a que se refere o seu licenciamento ambiental , que deveria ocorrer na denominada Fazenda Genipava, conforme as coordenadas geográficas constantes das Licenças Prévias e de Instalação. No bojo do Laudo Pericial nº 173/2017, os peritos ainda fornecem os seguintes dados relevantes ao responder os respectivos quesitos: “Observa-se que a investigada foi objeto de diversas denúncias de irregularidades ao longo do processo de licenciamento do empreendimento, desde o início da obra sem a devida Licença de Instalação, procedendo ao desmatamento, dragagem e execução da obra de modo nocivo e diverso ao qual foi proposto no projeto, e aprovado pelo IBAMA. Considerando o porte do empreendimento e a magnitude das intervenções relacionadas ao mesmo, as irregularidades cometidas pela empresa são de natureza grave (…) Valendo-se de um Mandado de Segurança de 22/08/2012, que liberava os equipamentos apreendidos e suspendia os efeitos de um termo de Embargo expedido pelo IBAMA, 'tão somente para o fim de que a autoridade administrativa' deliberasse 'no prazo de 30 dias sobre a conclusão do pleito de Licença de Instalação e Dragagem e Aterro', a investigada continuou executando as obras sem a devida Licença de Instalação ou em desacordo com suas exigências, em desrespeito ao que determina a legislação vigente.” Tais fatos investigados no decorrer daquela investigação serão objeto de nova denúncia em face de NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, a ser oferecida em momento oportuno. Entrementes todos os referidos procedimentos investigativos anteriormente citados, permanece em curso no âmbito desta Procuradoria da República o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, que tem por objeto acompanhar os ilícitos ambientais praticados pela NPM S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO no decorrer de seu licenciamento ambiental. Neste procedimento, as últimas informações fornecidas pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do IBAMA/MS, às fls. 661/662-v e 945/948-v respectivas, dão conta de que o empreendimento, atualmente, busca a renovação de sua Licença de Instalação, objetivando, consequentemente, a expedição da Licença de Operação. Contudo, os documentos advindos daquele Núcleo evidenciam que, além do requerimento de renovação da Licença de Instalação ter ocorrido de forma intempestiva,“o requerimento (…) também apresentou o atual estágio de implantação do estaleiro, com as obras e estruturas já concluídas, bem como as demais estruturas e obras previstas e ainda não executadas, podendo-se estimar que cerca de 80% do estaleiro já se encontra concluído, conforme vistoria efetuada pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental em 20/02/2017.” Por fim, da última fiscalização realizada pelo NLA/IBAMA/MS, em 19/09/2017, a fim de verificar o cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação a que o empreendimento NPM S.A. estava obrigado implementar desde 2014, o órgão ambiental pôde, mais uma vez, verificar o não atendimento a nenhuma das condicionantes da licença ambiental, bem como que o estabelecimento já se encontra em plena operação, mesmo sem a competente licença. Os analistas ambientais, em especial, expuseram a sensível momento em que se encontra o local em que está instalado o empreendimento, o qual demanda urgente tomada das medidas que ora se adotam, nos seguintes termos: “Optamos por não solicitar a apresentação dos programas ambientais e de várias condicionantes inclusas na licença de instalação, considerando que os programas ambientais de controle e monitoramento são uma compilação das metidas mitigadoras propostas para minimizar os impactos negativos e reversíveis ocasionados durante a implantação do empreendimento, e face ao avançado estágio das obras, as tais medidas mitigados não alcançariam os efeitos esperados. Neste ínterim, a empresa propôs a apresentação de diversos programas ambientais, mas conforme discutido acima, alguns já não teriam mais consequências práticas (…).”" (Id 6213675, pág. 4-10). Segundo narra o MPF, a pessoa jurídica Navegação Porto Morrinho S.A, representada pelo seu Diretor Presidente José João Abdalla Filho, figura em amplo rol de infrações sucessivamente lavrados em virtude dos descumprimentos das normas protetivas ambientais às quais se sujeitam as atividades empresariais que exerce, além de investigações policiais de possíveis crimes ambientais praticados pelos requeridos e as Ações Penais nº 0000092-95.2014.4.03.6004 e nº 0001095-80.2017.4.03.6004 em que já figuram como réus, sendo frequente a desconsideração das determinações administrativas, o que fez com que o MPF optasse pela adoção de medidas judiciais com o intuito de assegurar a defesa do meio ambiente (Id 6213675, pág. 4). No bojo da Ação Penal nº 0000092-95.2014.4.03.6004, apurou-se a prática de supressão de vegetação em APP na ausência de licença ambiental no ano de 2012. Proferida sentença, o pedido foi julgado parcialmente procedente, com a condenação da empresa pela prática do crime previsto na Lei 9.605/1998, artigo 38, às penas de multa, prestação de serviços e suspensão das atividades na área afetada até que os danos sejam sanados. Cabe destacar parte da fundamentação adotada naquela sentença (Id 241148382 da Ação Penal 0000092-95.2014.4.03.6004): "O conceito normativo de floresta, portanto, deve ser extraído a partir de elementos compatíveis com os padrões vegetais e extrativistas observados no território nacional, a ser considerado não como um mero conjunto de árvores de determinadas características, mas como um ecossistema complexo, formado por um conjunto vegetal apto a abrigar e propiciar meios de desenvolvimento a cadeias de vida interdependentes. Conforme registram o laudo pericial criminal produzido nos autos e o estudo de impacto ambiental apresentado pela empresa por ocasião do requerimento de licença prévia, a vegetação suprimida enquadra-se como Savana (Cerrado)/Savana Estépica/Floresta Perenifolia, categorias de vegetação classificadas como florestas pelo Serviço Florestal Brasileiro. Por fim, as fotografias colacionadas ao laudo pericial criminal e o próprio senso comum daqueles que vivem na região conhecem a vegetação pantaneira que margeia o Rio Paraguai não deixam a menor dúvida de que a vegetação em questão trata-se de floresta, de modo que a tese em contrário trazida pela defesa não passa de mero exercício abstrato de retórica. Quanto às alegações de ausência de dolo, e de que a construção do aterro se deu para permitir a remoção das barcaças do local do Fato 1 para o local do Fato 2, em estrita observância a determinação do IBAMA, não lhes assiste melhor sorte. Primeiro, porque o dolo é claro neste caso e pode ser extraído do próprio estudo de impacto ambiental apresentado pela empresa por ocasião do requerimento da licença prévia, em 2009, do qual constava a previsão de requerimento específico para supressão de vegetação, a ser realizado pela empresa. No entanto, até a data da autuação pelo IBAMA, em 2012, ainda não havia autorização para a supressão, e a empresa sequer contava com licença de instalação. Não obstante, procedeu à destruição vegetal mesmo sabendo da necessidade de autorização. Segundo, porque não há nenhuma prova nos autos de autorização do IBAMA para a realização de dragagem e aterramento da área com supressão de vegetação. Com efeito, colhe-se dos autos que a área à direita da ponto do Rio Paraguai foi objeto de termo de embargo em 23.11.2009, pela execução de serviços de reparos nas embarcações da empresa em APP sem licença ambiental (id 31672618, fls. 19/20). Na mesma data, a empresa informou que faria a transferência dos serviços para uma área já antropizada, distante 150 metros da APP, com a finalidade de atender à legislação ambiental (id 31672618, fls. 07/08). Em 07.12.2009, o IBAMA expediu Termo de Desembargo "devendo o interessado promover única e exclusivamente a remoção de partes das estruturas flutuantes (barcaças)". Não havia, portanto, qualquer autorização para dragagem e aterramento, ainda que a empresa alegue serem indispensáveis para a alocação das barcaças no local, apenas para alocação das barcaças no local. Para a construção do aterro, seria necessária autorização específica, inclusive contemplando a possibilidade de supressão vegetal, inexistente à época. E nem se argumente, a respeito, que a ordem concedida no MS 0001054.89.2012.4.03.6004 autorizava referida supressão vegetal. Isso porque a ação mandamental em questão tinha como objeto desembargar e autorizar a dragagem e aterro na área, e determinar ao IBAMA a expedição da licença de instalação, mas a ordem foi concedida apenas para "o fim de determinar a suspensão dos efeitos do Termo de Embargo nº 542.597 tão somente para o fim de que a autoridade administrativa proceda a imediata conclusão do pleito de Licença de Instalação e Dragagem e Aterro no P.A. nº 2009.10.055.0062678, independentemente dos fatos apurados na Infração nº 542.597 D e respectivo Termo de Embargo; DEFIRO ainda ordem para imediata liberação dos equipamentos apreendidos no Termo de Apreensão nº 445.115" (conforme se extraem da cópia da sentença transitada em julgado e demais partes dos autos colacionadas no id 31671296, fls. 127/194, e no id 31672609, fls. 143 e 212/222). Não havia, portanto, autorização judicial para início da instalação e construção do aterro. " Em sede recursal na Ação Penal 0000092-95.2014.4.03.6004, contudo, foi declarada a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, considerando-se a pena aplicada em concreto (Id 331584128 da Ação Penal 0000092-95.2014.4.03.6004). No bojo da Ação Penal nº 0001095-80.2017.4.03.6004, apurou-se o descumprimento de condições específicas presentes na Licença de Instalação n° 987/2014 (ausência de construção de ponte sobre área úmida no Corixo Gonçalinho), incidindo em tese no art. 68 da Lei n° 9.605/98, e a supressão de floresta em APP, distinta daquela julgada na ação penal 0000092-95.2014.4.-3.6004, em razão de expansão do aterro previamente estipulado na licença ambiental obtida, sem a devida anuência prévia do órgão competente, incidindo em tese no art. 38 da Lei n° 9.605/98. Proferida sentença, o pedido foi julgado parcialmente procedente, com a condenação da empresa pela prática do crime previsto no art. 68, caput, da Lei n° 9.605/98. Para fins de contextualização, cabe destacar parte da fundamentação adotada na sentença de Id 339726514 da Ação Penal nº 0001095-80.2017.4.03.6004: "A querela específica nestes autos é afeta a duas condutas específicas, às quais me atenho. Estas são (1) a ausência de realização de uma ponte em uma área úmida (Corixo Gonçalinho) para fins de não se interromper seu fluxo por ocasião do aterramento, e (2) a supressão de floresta na APP por ocasião da expansão do aterramento. 2.2.3.1 Da omissão em construir a ponte sobre o Corixo Gonçalinho Acerca deste fato específico, restou incontroverso que havia o dever da ré de construir a referida ponte para fins de permitir o adequado escoamento do corixo em questão por ocasião do aterramento, com o objetivo de manter sua vazão normal durante cheias e secas. A ponte em questão foi prevista no Plano Básico Ambiental manufaturado pela empresa, o que não se logrou localizar nestes autos, em que pese inconteste pela defesa. Apenas para fins de esclarecimento, junta-se cópia da figura constante no Laudo nº 667/2016 - SETEC/SR/PF/MS que identifica os detalhes dos fatos apurados no tempo (id. 23798243 - Pág. 61, quadrado rosa na parte inferior direita não original): A PF descreve o seguinte por ocasião da análise dos danos ambientais (id. 23799007 - Pág. 7 e 8): Os impactos ambientais e danos subsequentes foram amplamente discutidos no Laudo 1100/2013 (...) cabe ressaltar que o dano de represamento já citado no referido laudo foi potencializado com a construção da estrada de acesso [pontilhados vermelhos]. Pelo material recebido, inicialmente, no plano aprovado pelo órgão ambiental, havia sido indicada a construção de uma ponte a fim de mitigar os danos ambientais e não obstruir o fluxo de animais e da ictiofauna e o fluxo de água das áreas temporariamente alagadas que acompanham a elevação de nível do rio Paraguai. Para fins de esclarecer, o represamento referenciado pela PF no trecho escrito do laudo é devido ao aterramento nas áreas pontilhadas em vermelho. O represamento específico do corixo ocorreu na área destacada pelo quadrado rosa na parte inferior (feito por este juízo), que indica apenas a área genérica do local (para fins de esclarecimento), e não onde foi aterrado especificamente. Naquele local, haveria a previsão no projeto ambiental para construção de uma ponte, que seria dever da parte. Em análise às provas testemunhais, nota-se que o depoimento da testemunha LUIZ FERNANDO GOUVÊA LUTHOLD, perito policial que participou da elaboração do Laudo nº 667/2016 - SETEC/SR/PF/MS, aponta para dúvida quanto à origem do dever da ré em construir tal ponte, se na licença, ou no projeto da própria empresa, em que pese existir no laudo pericial a referência específica à previsão de pontes no projeto ambiental licenciado, com intuito de não se criar uma "barragem" e o consequente represamento da água nas vazantes (termo utilizado no próprio laudo pericial). O depoimento da testemunha REGINALDO GOMES YAMACIRO, servidor do IBAMA que ainda atua na querela ambiental, indica que a própria ideia da ponte partiu do projeto ambiental da empresa, aprovado pelo IBAMA. A testemunha ainda indica que houve um parecer técnico acerca das manilhas, após visita do IBAMA ao local, no entanto, tais documentos não foram encartados aos autos, e tratam de visitas em período mais recente, visto que o imbróglio ambiental do empreendimento permanece. O servidor do IBAMA apontou que o sistema de águas do Corixo Gonçalinho "foi parcialmente apresentado, porém faltaram elementos de engenharia", no entanto, não esclareceu os detalhes da "falta de elementos". Como se verificam das provas, a alternativa empregada pelo empreendedor efetivamente satisfez o interesse ambiental, através da instalação de manilhas (tubos) com 1m de diâmetro, para escoar a água. Tal conclusão se retira dos laudos da perícia imparcial conduzida na ACP, em especial a resposta ao quesito n° 19 do MPF, e n° 12 da defesa naqueles autos (id. 289412065 e 289412066 autos 5000187-98.2018.4.03.6004). Nestes autos, foi juntada cópia do laudo pericial (id. 317310022). A perícia concluiu que as manilhas satisfazem o interesse ambiental, ao permitir o escoamento do corixo. Acerca da data de instalação das referidas manilhas, a única informação constante nestes autos parte do depoimento de ANTÔNIO VITÓRIO DE ALMEIDA, ao dizer que a instalação se deu dois ou três dias após o aterramento. Tanto a perícia policial e demais documentos, bem como os depoimentos, não indicam outra data, presumindo-se, portanto, como verdadeiro o teor do depoimento. Resta claro que (1) a empresa satisfez o interesse ambiental na matéria específica do escoamento do corixo Gonçalinho por ocasião de seu parcial aterramento e (2) a instalação da solução se deu no curto período de dois ou três dias. Portanto, conclui-se pela atipicidade da conduta imputada quanto ao art. 68, caput da Lei n° 9.605/98, visto que a conduta não deixou de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, que restou satisfeito através de alternativa aparentemente viável, com base nas provas produzidas nestes autos. Impõe-se a absolvição do réu desta imputação, nos termos do art. 386, inciso III, do CPP. 2.2.3.2 Da destruição/danificação de floresta em APP durante a ampliação do aterro Acerca do fato imputado em questão, faço referência à figura anteriormente colacionada na decisão, indicando que o fato foi interpretado pelo MPF como destruição de florestas (art. 38 da Lei n° 9.605/98) na área pontilhada vermelha (área onde foi identificado novo aterramento, efetivamente expandindo-se o antigo) que integra a linha verde (APP). A área em questão foi numerada e calculada pela perícia, sendo que a maior parte dos pontos numerados 1, 2 e 3 integram a APP. Segue a tabela com a descrição das áreas, sendo que os números fazem referência àqueles presentes na figura trazida anteriormente (id. 23798243 - Pág. 62): Esclareço que o n° 4 na tabela, que omiti na figura, se refere a área da estrada de acesso, que não foi realizada em APP e, portanto, foge ao escopo da imputação nestes autos. Não há controvérsia acerca da supressão de vegetação na Área de Preservação Permanente em questão, e da ausência de licenças ou autorizações para tanto. A parte ré efetivamente expandiu o aterro do empreendimento em questão, como bem ilustram as figuras, suprimindo a vegetação no local, em zona de preservação permanente, na ausência de autorização para tanto e, portanto, em desconformidade com a lei. As perícias são harmônicas em apontar este fato, inclusive como se verifica das respostas aos quesitos do MPF de n° 1, 5, 7 e 13 da perícia realizada na ACP (id. 317310022). Em resposta ao quesito de n° 1, o perito concluiu que "as instalações encontram-se a menos de 200 metros do leito regular do rio que no local varia de 200 a 600 metros", ao de n° 5 "houve supressão de vegetação sem autorização do órgão competente", ao de n° 7 que "a instalação de aterro em corixos ou em qualquer curso de água causará impacto ambiental", e ao de ° 13 que "a supressão ou aterro da vegetação prejudica a fixação ou fluxo de população de fauna na área diretamente ou indiretamente afetada". Pois bem, sobre esta imputação a defesa alega que o local em questão não possuía floresta, visto que floresta é termo com teor jurídico-semântico específico que não abrange vegetação rasteira, do tipo que se encontrava no local dos fatos. Conforme se depreende da análise do Laudo Pericial nº 667/2016 - SETEC/SR/PF/MS, em resposta aos quesitos trazidos em relação ao desmatamento (id. 23799007 - Pág. 19), conclui-se que o desmatamento propriamente ocorreu precipuamente para construção da estrada, e não na APP. Em resposta ao Quesito n° 3, o perito disse que "houve desmatamento e dano à vegetação, conforme demonstrado nos Laudos 1100/2013-SETEC/SR/DPF/MS e no presente. Além do desmatamento, houve também o aterro de uma área de 39.100 m² das quais parte continha vegetação". A perícia também ressalta que houve desmate para passagem da tubulação da draga, o que no entanto não constou nas figuras do exame mais recente, mas apenas no realizado em 2013, constante no Laudo 1100/2013 -SETEC/SR/DPF/MS, em figura reproduzida no próprio Laudo n° 667/2016 (id. 23798243 - Pág. 60): Em cotejo com as conclusões periciais tomadas na ACP, observa-se que a maior parte da área afetada em APP, senão a sua totalidade, é efetivamente de vegetação rasteira, e não arbórea. Nesse sentido, a resposta ao quesito complementar 2.1 da defesa (id. 317310029) esclarece que a vegetação do local pode ser classificada como "campos" e "áreas inundáveis com predominância de gramíneas", e ainda "composta basicamente de capim braquiara, humidicola e colonião, espécies exóticas muito usadas nos pastos do pantanal" ambas gramíneas. Em que pese a possibilidade de discussão jurídica acerca da abrangência penalmente típica do termo "floresta", é possível verificar, conforme o próprio teor da legislação penal ambiental prevista na Lei n° 9.605/98, que essa utiliza palavras específicas, fazendo opção por estas quando da definição dos tipos penais. A título de exemplo, temos os tipos penais previstos nos artigos 38-A, 41, 45, 46, 48, 50 e outros da Lei n° 9.605/98, que usam termos como "destruir ou danificar vegetação primária ou secundária", "provocar incêndio em floresta ou demais formas de vegetação", "cortar ou transformar em carvão madeira de lei", "receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal", "impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação" e "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues", respectivamente. Ora, os excertos deixam claro que a lei buscou delinear especificamente seu léxico, de modo a refletir diversas tipologias penais distintas. Portanto, a previsão da palavra "floresta" e a ausência de "demais formas de vegetação" no tipo penal previsto no art. 38 da Lei n° 9.605/98 parece indicar uma opção legislativa. Somado ao argumento do léxico, tem-se a distinção das penas, indicando uma proporcionalidade intencional na reprimenda conforme a previsão normativa do delito. Nesse sentido, desmatar uma floresta considerada de preservação permanente (art. 38 da Lei n° 9.605/98) prevê uma pena abstrata entre 1 e 3 anos de detenção, enquanto extrair pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais da mesma área de preservação permanente (art. 44 da mesma lei) ou impedir a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação em qualquer local (art. 48 da mesma lei), possuem uma pena abstrata entre 6 meses e 1 ano. Portanto, é temerário interpretar o termo "florestas" no art. 38 da Lei n° 9.605/98 de forma ampla, de modo a abranger vegetações rasteiras e arbustos, ainda mais quando as definições trazidas à palavra "floresta" em outras fontes normativas indicam se tratar de formação precipuamente arbórea, e não rasteira/gramínea. Por outro lado, tem-se que a conduta imputada a ré nesta parte adequa-se perfeitamente ao tipo penal do art. 68 da Lei n° 9.605/98 (imputado pela acusação à outra conduta), visto que a ré deixou de cumprir com a obrigação legal/contratual ao expandir a área do aterro, suprimindo a vegetação em APP. A obrigação é derivada da licença de instalação obtida, que limitava a ré aos termos desta. A empresa efetivamente exorbitou de suas autorizações ambientais obtidas na licença de instalação, ampliando o aterro, o que foi identificado em posterior fiscalização do órgão ambiental, e confirmado na perícia. Constata-se que o IPL que deu azo ao presente processo penal teve origem na persistência da empresa em agir na ausência das autorizações de supressão de vegetação e expansão do aterro, que implicaram em dano ambiental, satisfazendo o tipo no que tange ao relevante interesse ambiental. Em que pese a aparente crença do proprietário da empresa na capacidade do provimento jurisdicional de segurança parcial em garantir a continuidade total da obra, tem-se que este não era o caso. Na decisão proferida no mandado de segurança, foi determinado que se suspendesse "os efeitos do Termo de Embargo nº 542.597 tão somente para o fim de que a autoridade administrativa proceda a imediata conclusão do pleito de Licença de Instalação e Dragagem e Aterro no P.A. nº 2009.10.055.0062678, independentemente dos fatos apurados na Infração nº 542.597 D e respectivo Termo de Embargo" e concedida "ordem para imediata liberação dos equipamentos apreendidos no Termo de Apreensão nº 445.115". A posterior concessão de licença de instalação, conforme determinado no julgado, trazia condições que deveriam ser seguidas, e seu descumprimento ensejou conduta penalmente típica. Eventual alegação de exageros por parte do órgão ambiental, ou de repetida demora na avaliação dos pedidos em favor do empreendimento, deveriam ser novamente trazidos para análise jurisdicional, sendo certo que, ao tentar "fazer justiça com as próprias mãos", o empreendedor incidiu no delito. Portanto, ao expandir o aterro em questão na ausência de autorização do órgão competente, o autor deu azo à conduta penalmente típica de deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, com fruto em dever legal (legislação ambiental) e contratual (Licença de Instalação). Não se olvida, por outro lado, que devem ser levadas em conta as diversas tratativas para regularização perante o órgão ambiental, e a autorização anterior para se dar início ao empreendimento, o que mitiga a reprovação da conduta, visto que não foi realizada de forma oculta, o que deve ser levado em consideração na fixação da pena. Isto porque é razoável concluir-se pela diminuta responsabilidade daquele que extrapola os limites da licença ambiental, em oposição àquele que sequer busca satisfazer os deveres ambientais. Aplico portanto, o art. 383 do CPP (emendatio libelli) para fins de, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, atribuir-lhe definição definição jurídica diversa. Demonstrada a materialidade e a autoria, mostra-se típica a conduta quanto ao artigo 68, caput, da Lei n° 9.605/98, e ausentes causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade da acusada, impõe-se sua condenação nas respectivas penas." Tramita, ainda, neste Juízo Federal, a Ação Penal n° 0000267-50.2018.4.03.6004, em que se apura o descarte de resíduos sólidos oriundos de soldagem ao ar livre, em grande quantidade (art. 54, § 2°, inciso V, da Lei n° 11.343/06) e omissão dolosa em procedimento administrativo de licenciamento e estudos de impacto ambiental na construção e operação de estaleiro na coordenada geográfica 19°30'26.86"S 57°25'59.84"W - altura do km 214 da Rodovia BR-262, em que pese haver solicitado, no referido procedimento, apenas a autorização para operação em local diverso, qual seja o local de coordenada geográfica 19°28'18.3"S 57°25'04.2"W - altura do km 718 da Rodovia BR-262 (art. 69-A, caput, da Lei n° 9.605/98). Tal processo está em fase de instrução. 2.3. Análise do mérito Feita a contextualização dos fatos com que se lida, prossigo para a análise do mérito, considerando o ponto controvertido definido por ocasião do saneamento do feito (Id 24735168 e Id 250250152): 3. Delimitação dos pontos controvertidos A delimitação dos pontos controvertidos e questões de direito foi assim decidida (Id 24735168): “O ponto controvertido consiste em definir se os requeridos descumpriram as normas, projetos e programas ambientais no exercício do empreendimento Navegação Porto Morrinho S/A e o impacto ambiental causado, bem como definir as obrigações daí decorrentes”. Desse modo, a controvérsia versa sobre a responsabilidade dos réus sobre eventuais danos ambientais decorrentes das atividades do empreendimento denominado Estaleiro Porto Morrinho em Área de Preservação Permanente (APP) do Rio Paraguai, na região de Porto Morrinho, município de Corumbá. Em sede administrativa e ao longo da instrução processual, foram produzidos inúmeros documentos que servem para a análise dos pontos controvertidos, a saber: i) Polícia Militar Ambiental: Id 6216172, pág. 13 a 6216175, pág. 3; 6216176, pág. 2 a 6216186, pág. 1; 6218665 a 6218668, pág. 3; ii) Secretaria do Patrimônio da União (SPU): Id 6286649, págs. 1-2; 6273271, págs. 4-8; 9439480, pág. 6; iii) Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (IMASUL): Id 6288151 a 6288153, pág. 14; 9438899; 9439451; 28879283; 28879264; iv) IBAMA: Id 6216189 a 6223607, pág. 16; 6223639, pág. 25 a 6223643, pág. 1; 6225118, pág. 6 a 6225121, pág. 16; 6225136 a 6225144, pág. 1; 6218671, pág. 5 a 6237609, pág. 5; 6275817, pág. 11 a 6275849, pág. 1; 6288158, pág. 1 a 6273266, pág. 4; 6273277, pág. 9 a 6273295, pág. 17; 6286664, pág. 7 a 6286667, pág. 2; 8646634, págs. 43-59; 9434674 a 9438858; 9438876, pág. 5 a 9438882, pág. 51; 10681794; 14969194; 22068635; 22068639. No Relatório de Apuração de Infrações Administrativas Ambientais, datado de 11/05/2018, o IBAMA apresentou as seguintes informações: "A empresa Navegação Porto Morrinho S/A, C NPJ 10.848.918/0001-49 possui um histórico de desrespeito à autoridade ambiental exercida pelo Ibama e desrespeito pelo próprio meio ambiente. Isto fica claramente evidenciado através dos processos administrativos 02038.000069/2009-88, 02014.000339/2012-24, 02014.000340/2012-59, 02040.000007/2014-94 e 02001.007726/2014-01, todos esses referentes a autos de infração lavrados pelo Ibama. Em análise a estes processos, observa-se a grande dificuldade de fazer valer a legislação ambiental perante este empreendimento, inclusive dificuldades relacionadas ao simples encaminhamento de documentos para ciência e providências, por parte de seus representantes. Desde que obteve sua Licença de Instalação nº 987/2014, o empreendimento vem operando sua planta sem qualquer preocupação em atender ao acordo firmado com o órgão licenciador. Não há nenhuma justificativa que possa ser alegada no sentido de refutar as imposições dadas pela licença, pois a emissão de uma licença ambiental deixa tácito o acordo bilateral entre o órgão licenciador e o empreendimento, seus deveres e obrigações perante a sociedade brasileira. A citada licença de instalação foi obtida através do regular processo de licenciamento ambiental, processo nº 02001.010328/2009-04. Neste processo, foi emitido o documento Nota Informativa nº 0861742/2017-NL A-MS/D IT EC -MS/SUPES-MS (SEI ????), lavrado em 28/09/2017, que afirma, categoricamente, que o empreendimento está operando normalmente sem licença válida (licença de operação) e, não bastasse, nenhuma das condicionantes ambientais específicas fora comprida no âmbito da licença de instalação. Quanto a este quesito, o não cumprimento das condicionantes ambientais específicas, o Ibama notificou o empreendimento (Notificação 2542-E, em 17/11/2014), a apresentar relatório comprovando o atendimento de tais condicionantes. Esta notificação está contida no processo nº 02001.007731/2014-13 e, até a presente data, inclusive sendo consultado o processo original de licenciamento ambiental, o empreendedor não apresentou nenhum documento que comprove, minimamente, o cumprimento destas condicionantes, sequer, justificou o não atendimento à notificação. Novamente, deixando evidente a total falta de comprometimento perante o acordo firmado com o Ibama. O documento emitido pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do Mato Grosso do Sul (SE0I 861742), também reafirma tais informações e vai além. É citado no documento: “Neste local deveria ter sido construído uma ponte de 25 m, conforme aprovado no Projeto Básico Ambiental, e nas propostas apresentadas após a solicitação da renovação da licença de instalação a empresa propôs a implantação de um sistema de escoamento constituído por 04 (quaro) filas de manilhas, com diâmetro de 01 m cada manilha, com 16 m de dutos sob o aterro de acesso, perfazendo um total de 64 manilhas, mas na vistoria foi observada a implantação de apenas 02 (duas) linhas de manilhas. Como se trata de uma planície de inundação, a ponte de 25 m não impediria o fluxo normal das águas do Corixo Gonçalino e do rio Paraguai naquele local, o que não foi observado com a instalação das manilhas, podendo ser visualizado vários trechos represados ou com escoamento insuficiente.” Observa-se que o descaso com a licença ambiental emitida pelo Ibama está trazendo prejuízos ao meio ambiente, por se tratar de um ecossistema sensível e dependente do regular fluxo hídrico. Diante dos abusos cometidos pelo empreendedor, e sob determinação da Coordenação de Operações e Fiscalização – COFIS/CGFIS/DIPRO, optou-se pela lavratura de 03 (três) autos de infração, assim discriminados: - Por não atender à NOTIFICAÇÃO nº 2542-E; - Por construir obra dificultando o fluxo hídrico entre o Corixo Gonçalino e o Rio Paraguai; - Por não atender as condicionantes da Licença de Instalação nº 987/2014." (Id 14969194, pág. 5-7). Foram, ainda, realizadas perícias pelo Setor Técnico-Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal (nos anos de 2011, 2013, 2016, 2017 e 2020), conforme laudos de perícia criminal federal (meio ambiente) juntados aos autos (Id 6223645, pág. 2 a 6223650, pág. 4; 6225109, pág. 4 a 6225118, pág. 1; 6286651, pág. 2 a 6286661, pág. 7; 6297689; 42801914). De acordo com o art. 405 do CPC, laudo, vistoria, relatório técnico, auto de infração, certidão, fotografia, vídeo, mapa, imagem de satélite, declaração e outros atos elaborados por agentes de qualquer órgão do Estado possuem presunção (relativa) de legalidade, legitimidade e veracidade, por se enquadrarem no conceito geral de documento público. Toda a narrativa trazida na inicial foi ganhando força e credibilidade ao longo da instrução do feito. Por ocasião da audiência de conciliação realizada em 06/08/2018 (Id 9847149), os representantes dos órgãos ambientais presentes se comprometeram a entregar, em documento único, estudo técnico contendo todos os deveres e obrigações dos réus, incluindo a valoração dos danos apurados. Tal estudo culminou na elaboração do Parecer Técnico Conjunto IMASUL/IBAMA/FMAP - PT nº 001/2020 (Id 28879264), no qual é relatada a fiscalização ocorrida no dia 23/01/2020 e consta a seguinte conclusão: Por meio do Ofício 41/2020, de 13/02/2020 (Id 29252476), o IBAMA informou a este Juízo Federal que: Por determinação judicial, o Setor Técnico-Científico da Polícia Federal elaborou o Laudo de Perícia Criminal Federal (Meio Ambiente) nº 1693/2020 (Id 42801914), no qual foram respondidos parte dos quesitos formulados pelas partes desta ACP. Em referido laudo, merecem destaque as seguintes informações: “(...) verificou-se que o referido empreendimento já foi objeto de análise deste SETEC em pelo menos três ocasiões para verificação da materialidade e autoria de possível conduta criminosa decorrente de sua instalação, sem a devida autorização do(s) órgão(s) competente(s) e/ou em desacordo com esta. Os resultados destes exames foram relatados através dos Laudos de Perícia Criminal Federal nº 1100/2013, 667/2016 e 173/2017 – SETEC/SR/PF/MS. (...) III - LOCAL O local em questão encontra-se no município de Corumbá/MS, distrito de Albuquerque, localidade de Porto Morrinho, junto à margem direita do Rio Paraguai nas proximidades do ponto de coordenadas geodésicas 19°28’30”S e 57°25’00”W (Datum WGS1984), conforme exposto na Figura 01. Figura 1 – Mapa de localização no estado do local dos exames e seus acessos. (...) V - RESPOSTA AOS QUESITOS Do Ministério Público Federal Quesito 1: O local encontra-se em área de preservação permanente? Especificar a largura do curso d’água no local e a distância entre as construções e a borda da calha do leito regular? Sim. Conforme exposto em detalhe nos Laudos de Perícia Criminal Federal nº 1100/2013 e 667/2016 – SETEC/SR/PF/MS, a maior parte das intervenções realizadas para instalação do empreendimento encontra-se na Área de Preservação Permanente definida pela faixa marginal de 200m (duzentos metros) a partir da borda da calha do Rio Paraguai que, neste local, possui largura entre 200 e 600 metros. Além da APP do Rio Paraguai, as intervenções também atingem as APPs e o próprio leito de corixos existentes no local. Conforme exposto nos referidos Laudos os aterros construídos para a implantação da estrada de acesso e demais instalações, além da área desflorestada para passagem da tubulação de dragagem, se estendem sobre uma área de pelo menos 45.500m2 (quarenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados) ou 4,55 hectares, dos quais cerca de 42.600m2 (quarenta e dois mil e seiscentos metros quadrados) ou 4,26 hectares, encontram-se em APP ou sobre o leito dos corixos. (...) Quesito 3: Para a instalação do empreendimento Estaleiro Porto Morrinho, houve o atendimento de todas condicionantes da Licença Prévia nº 426/2011 e da Licença de Instalação nº 987/2014? Os Peritos não tiveram acesso ao Processo de Licenciamento nº 02001.010328/2009-04 com o detalhamento de todas as condicionantes exigidas nas referidas Licenças e seu possível atendimento pelo empreendedor, para responder ao presente questionamento em sua totalidade. Contudo, referenciando-se nos documentos que instruíram os exames relacionados aos Laudos nº 1100/2013, 667/2016 e 173/2017 – SETEC/SR/PF/MS, são relatadas constatações que demonstram o não atendimento de pelo menos parte destas condicionantes e o descumprimento de itens do projeto básico de licenciamento ambiental inicialmente apresentado pela empresa ao órgão ambiental competente, destacando-se a seguir algumas das divergências observadas: - Inicialmente a empresa informou no projeto básico a dragagem de cerca 30.000m3 (trinta mil metros cúbicos) de material sedimentar para construção dos aterros, e posteriormente solicitou ajuste para 84.000m3 (oitenta e quatro mil metros cúbicos), sendo constatados na realidade um montante de ao menos 230.600m3 (duzentos e tr inta mil e seiscentos metros cúbicos) efetivamente utilizados; - Projeto informava e apresentou estudos relativos à dragagem no leito do Rio Paraguai, contudo efetivamente realizou a dragagem dos sedimentos em local diverso, a partir do leito do Corixo Gonçalinho; - Tempo de dragagem efetivamente realizada bastante superior aos 180 dias inicialmente propostos pela empresa; - Aterro de estrada construído diretamente sobre 3 vazantes sem a construção de ponte com 25 metros que visava à continuidade do fluxo natural das águas; - Área aterrada inicialmente prevista de 2,4 hectares, enquanto efetivamente foram aterrados 3,9 hectares de área; - As instalações não foram construídas no local inicialmente proposto tendo sido deslocadas do projeto original e ampliadas; Salienta-se ainda que, tais constatações basearam-se nos documentos disponibilizados à época aos Peritos signatários dos Laudos citados, podendo ter havido atualizações e/ou novas constatações, conforme o andamento natural do processo de licenciamento e demais documentos constantes do procedimento. Neste sentido, sugere-se que seja consultado o órgão ambiental competente para que se manifeste sobre a questão. (...) Quesito 5: Ocorreu desmatamento, exploração econômica ou degradação de vegetação, plantada ou nativa, de mata ciliar e/ou em área de preservação permanente sem autorização do órgão competente? Conforme exposto em detalhe na resposta ao Quesito 1, para a implantação do empreendimento foram realizadas intervenções relativas à supressão de vegetação e construção de aterros e edificações em Área de Preservação de Permanente. Quanto à existência de autorização do órgão ambiental competente para tais intervenções, segundo informações constantes do PNLA, no momento da realização dos exames relatados no Laudo nº 1100/2013 – SETEC/MS, quando já haviam sido construídas grande parte das instalações do empreendimento, não havia licença para sua instalação. Posteriormente, a partir de 06/01/2014, consta a emissão da Licença de Instalação nº 987/2014, contudo, além das intervenções já terem sido previamente realizadas, os Peritos não podem confirmar se havia autorização ou não para a construção das instalações da forma como foi realizada, sem a manifestação oficial do órgão ambiental competente e análise do processo de licenciamento. Neste sentido, sugere-se que seja consultado o referido órgão para que se manifeste sobre a questão. Quesito 6: A atividade desempenhada no local impede ou dificulta a regeneração natural de mata ciliar e demais formas de vegetação e/ou em área de preservação permanente sem autorização do órgão competente? A permanência e manutenção no local das benfeitorias construídas para a implantação do empreendimento, impedem a regeneração da vegetação suprimida na Área de Preservação de Permanente. Quanto à existência de autorização do órgão ambiental competente, cabem as mesmas considerações relacionadas na resposta ao quesito anterior. Quesito 7: Para a instalação do empreendimento Estaleiro Porto Morrinho, houve danos aos corpos hídricos da região, em especial, o aterramento de corixos sem autorização do órgão competente? Conforme exposto em detalhe nos Laudos nº 1100/2013, 667/2016 e 173/2017 – SETEC/SR/PF/MS, para a instalação do empreendimento foram realizadas intervenções que causaram danos em corpos hídricos existentes no local. Muito embora, nos referidos Laudos são relatadas divergências quanto ao descumprimento do projeto básico e de condicionantes relacionadas especialmente ao aterramento da área e dragagem de sedimentos, quanto à existência de autorização do órgão ambiental competente, cabem as mesmas considerações expostas na resposta ao Quesito 5. Quesito 8: Houve erosão, assoreamento de rio ou desbarrancamento de margens? As obras acarretaram ou tem potencial de acarretar prejuízo a recurso hídrico federal? Conforme exposto nos Laudos sussomencionados, foi observado o desbarrancamento das margens do Rio Paraguai na região do empreendimento, além do aterramento dos corixos existentes no local e demais danos/impactos relacionados à dragagem de sedimentos no Corixo Gonçalinho e construção das instalações às margens do primeiro, que se trata de corpo hídrico federal. (...) Da Empresa Quesito 1: Para implantação de estaleiro, às margens de um rio, é necessário aterrar-se para proteger a própria margem do rio, do desbarrancamento, em especial, às margens do rio Paraguai? As necessidades e demandas construtivas para a instalação de um empreendimento desta natureza variam de acordo com as características de projeto do empreendimento e das condições naturais específicas do terreno onde se pretende instalá-lo. Portanto, qualquer tentativa de manifestação técnica generalista e subjetiva sobre o presente questionamento, não fundamentada nas caraterísticas específicas do projeto e do terreno, seriam irrelevantes e passíveis de imprecisões e inadequação. Neste sentido, salienta-se aqui a importância fundamental da devida instrução de um processo de licenciamento ambiental, em cujo âmbito devem ser levantados e analisados todos os aspectos relativos à segurança/adequabilidade/viabilidade ambiental de um empreendimento, de acordo com a sua natureza e porte. Dessa maneira, aspectos tais como o acima questionado, devem ser analisados pelo órgão ambiental competente que, conforme necessário, definirá as exigências e condicionantes que deverão ser observadas e cumpridas tempestivamente pelo empreendedor, para prevenir/minimizar danos e mitigar impactos negativos. Esclarece-se novamente que os Peritos não tiveram acesso aos projetos executivos do empreendimento e ao processo de licenciamento relacionado ao mesmo, sugerindo-se que seja consultado o órgão ambiental competente para que se manifeste sobre a questão neste caso específico. (...) Quesito 3: O fato do projeto de porto e estaleiro estar em área de preservação permanente impede a instalação do mesmo? Em conformidade com o disposto no Artigo 8º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), “A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental” , modalidades que são especificadas no Artigo 3º do mesmo estatuto. Neste sentido, o impedimento existe até que o órgão ambiental competente, dentro do devido processo legal de licenciamento da atividade, reconheça sua classificação dentro de uma das referidas modalidades e autorize a sua instalação/operação e intervenções associadas. Quesito 4: Se a supressão vegetal, dragagem e eventuais alterações ambientais, como lançamento de esgoto e dificuldade para regeneração de espécies estavam previstas no projeto aprovado e/ou no pedido de renovação da licença e a legislação prevê os mecanismos próprios para compensação em todo e qualquer projeto, há que se falar em dano a ser ressarcido? Do ponto de vista ambiental, há projeto desse porte sem que haja alterações mencionadas na fauna e flora cujas medidas compensatórias são analisadas no licenciamento? No que diz respeito à instalação de um empreendimento deste porte e natureza, obviamente que ocorrerão intervenções causadoras de degradação ambiental. Por este motivo a legislação vigente determina o prévio licenciamento ambiental “de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (Lei Complementar nº 140/2011). Dessa maneira, a partir dos projetos e Estudos Ambientais apresentados dentro do processo de Licenciamento, todas as alterações ambientais relacionadas à instalação e operação do empreendimento, devem ser avaliadas para se verificar os danos e impactos relacionados aos meios físico, biológico e sócio-econômico e, consequentemente, sua viabilidade. Conforme já exposto anteriormente, somente a partir desta avaliação, o órgão ambiental definirá as exigências e condicionantes que deverão ser observadas e cumpridas tempestivamente pelo empreendedor para prevenir/minimizar danos e mitigar impactos negativos, inclusive por meio de compensações eventualmente necessárias. Após a aprovação do projeto e emissão das licenças cabíveis, o empreendedor fica condicionado a respeitar fidedignamente o projeto aprovado, bem como as condicionantes/exigências definidas pelo órgão ambiental, devendo qualquer modificação relevante do ponto de vista ambiental, ser comunicada e submetida à análise do órgão licenciador. Assim, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental, sujeitará o empreendedor, entre outras penalidades, à suspensão de sua atividade, sem prejuízo de eventual responsabilização civil e criminal, inclusive de indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, conforme a legislação vigente (Lei nº 6.938/1981, Lei 9.605/1998 e correlatas). (...) Quesito 6: Mudanças e ajustes em projetos de instalação desse porte são comuns, considerando ainda as características de ocorrerem enchentes periodicamente no pantanal? É comum que no momento da instalação do empreendimento desse porte é necessária correção para fins de aumentar a solidez da obra e evitar danos ao meio ambiente? Muito embora possam existir necessidades de alterações no projeto original para adequá-lo à alguma situação imprevista ou por algum motivo de força maior, conforme exposto na resposta ao Quesito 4 (da empresa), qualquer modificação relevante do ponto de vista ambiental deve ser comunicada e submetida à análise do órgão licenciador, mesmo que seja para correções de eventuais imprecisões do projeto. Além disso, as características naturais do Pantanal, especialmente a de ocorrerem enchentes periódicas, são notadamente conhecidas e certamente deveriam ser consideradas nos Estudos Ambientais e projetos apresentados no processo de licenciamento. Salienta-se novamente que as necessidades e demandas construtivas para a instalação de um empreendimento desta natureza variam de acordo com as características de projeto do empreendimento e das condições do terreno onde se pretende instalá-lo, não cabendo, do ponto de vista técnico, manifestações generalistas e subjetivas não fundamentadas em dados concretos sobre tais aspectos. Quesito 7: O il. Perito concorda com a constatação do IBAMA de que novas condicionantes deveriam ser apresentadas, já que as condicionantes anteriores não teriam mais razão de ser, em face do estágio da implantação do projeto? Os Peritos não tiveram acesso ao referido processo de licenciamento, para se manifestar especificamente quanto às condicionantes questionadas. Contudo, salienta-se que para cada etapa de desenvolvimento de um empreendimento (instalação ou operação), podem ser definidas condicionantes exclusivas, cabíveis apenas para a respectiva fase ou ações específicas dentro de cada uma delas, que visem à prevenção/minimização dos danos a elas inerentes e que não fazem mais sentido após sua conclusão, já que o agente causador daquele dano deixa de existir. Apenas a título de exemplo, cita-se as condicionantes que poderiam ser exigidas para minimizar os danos/impactos relacionados à dragagem de sedimentos para a construção de aterros, que não mais seriam cabíveis após a finalização dos aterramentos e consequentemente do processo de dragagem relacionado. Da mesma forma, outras condicionantes podem ser necessárias com a introdução de novos agentes, efetivamente ou potencialmente danosos, que passam a atuar somente a partir de determinado momento do desenvolvimento daquela atividade ou por alguma alteração de projeto eventualmente necessária e analisada pelo órgão ambiental. Ressalta-se ainda que, mesmo que o agente causador de um dano não mais exista e que, portanto, alguma condicionante relacionada a este não seja mais cabível, este fato não exime o empreendedor de ser responsabilizado por eventuais danos/impactos causados por aquela ação, especialmente quando há o descumprimento de condicionantes. Quando ocorrem situações deste tipo, eventuais consequências de tais descumprimentos e alterações a elas associadas, também podem acarretar na necessidade de novas exigências e/ou condicionantes. Quesito 8: Do ponto de vista técnico-ambiental, considerando que o IBAMA já constatou dentro do processo de licenciamento 02001.010328/2009-04, que a obra está 80% concluída, é maior a chance de ocorrer dano se a obra ficar paralisada por mais tempo? Não necessariamente. Se por algum motivo a paralisação da obra for potencialmente causadora de algum dano ou risco ambiental relevante, tal fato deve ser comunicado ao órgão ambiental competente que procederá à análise da questão e definirá as medidas preventivas eventualmente necessárias. Neste sentido, volta-se a frisar a importância da devida instrução do processo de licenciamento ambiental, em cujo âmbito todos os aspectos relacionados à paralisação da obra ou de sua eventual continuidade e posterior operação do empreendimento, deverão ser analisados em detalhe para avaliação da segurança e viabilidade ambiental. Quesito 9: O aumento da área de aterro da obra, aumenta a segurança dos equipamentos que serão colocadas e protege a área de um possível desmoronamento? Não necessariamente. Para considerações adicionais, vide resposta aos Quesitos 1 e 6 (da empresa), cujos teores são igualmente cabíveis ao presente questionamento. Quesito 10: O il. Perito confirma que a supressão de vegetação no local já havia ocorrido, em 2005, antes da instalação do projeto, conforme laudo da polícia federal do IPL 0035/2016, laudo nº 703/2016 constante no documento contido nesta Ação Civil Pública, id: 6297682, conforme imagem de satélite juntada no referido laudo? Não. Conforme relatado no Laudo nº 173/2017 – SETEC/MS e na seção I I I – LOCAL do presente Laudo Pericial, a área relativa aos exames relatados no Laudo nº 703/2016, não é a mesma do atual empreendimento e que foi objeto de análise nos Laudos nº 1100/2013 e 667/2016. Conforme data de obtenção das imagens de satélite utilizadas nos laudos do empreendimento em questão, as intervenções ocorridas na área são posteriores à data de 29/05/2011 (...). (Id 42801914). Como se vê, o laudo elaborado pelos peritos da Polícia Federal está em consonância com o que indica o MPF na inicial, no sentido de que, há muito os órgãos ambientais e, inclusive, a Polícia Federal, vem promovendo diligências para apurar sucessivas infrações às regras ambientais na instalação do empreendimento. É certo que cabe ao empreendedor seguir as diretrizes indicadas pelos órgãos ambientais nas etapas do procedimento de licenciamento ambiental, sendo competência do órgão licenciador, e não do empreendimento, a definição das condicionantes e exigências a serem cumpridas para a instalação e operação. Além disso, as características naturais do Pantanal são notadamente conhecidas e certamente são consideradas nos estudos ambientais e projetos apresentados no processo de licenciamento. Com isso, as necessidades e demandas construtivas para a instalação de um empreendimento devem estar em consonância com as características do empreendimento e das condições do terreno onde se pretende instalá-lo, seguindo as exigências dos órgãos ambientais. Os peritos da PF informaram a impossibilidade de resposta a todos os quesitos (Laudo nº 1693/2020 – SETEC/SR/PF/MS; Id 42801914). Nesse sentido, registraram que “considerando tratar-se de perícia de empreendimento de porte expressivo, cuja complexidade envolve questões de cunho ambiental e de engenharia, eventualmente outras demandas ainda poderão ser necessárias, incluindo o emprego de técnicas e serviços que a criminalística da Polícia Federal não dispõe de recursos próprios para executar, demandando, portanto, o apoio e/ou contratação de atores externos (...) os signatários consideram que o regime de contratação da Polícia Federal seria inadequado para o caso em tela, sugerindo-se que, nas questões que não puderam ser respondidas pelos meios disponíveis neste SETEC, que se proceda a nomeação de perito particular para a execução dos serviços solicitados (...) o que foi possível responder no âmbito da Perícia Criminal Federal, baseando-se nos laudos previamente elaborados, foi respondido no presente documento, tendo em vista a excepcionalidade da solicitação judicial”. Com isso, foi deferida a realização de perícia judicial, na forma da decisão de Id 250250152. Foi então realizada a perícia por Engenheiro Sanitarista e Ambiental nomeado pelo Juízo (Id 289412065), com vistoria técnica no local do empreendimento no dia 16/05/2023 (Id 289412066). Indagado sobre o cumprimento das condicionantes para a obtenção das licenças ambientais, o perito indicou que “não foi possível determinar se foi cumprida todas as condicionantes elencadas nas referidas licenças. Sendo fonte correta para essa resposta, a análise dos pareceres e laudos fornecidos pelo órgão ambiental licenciador presentes no histórico do processo judicial”. O perito indicou que foi observada supressão de vegetação sem autorização do órgão competente; que a “permanência e manutenção no local das instalações construídas bem como qualquer outra atividade antrópica compromete a regeneração natural da mata ou vegetação na área” (Id 289412065, pág. 5). Afirmou, ainda, que “baseado nos laudos dos órgãos ambientais houve construção de aterro anterior a Licença de Instalação n 984/2017. A instalação de aterro em corixos ou em qualquer curso de água causará impacto ambiental. Contudo esse impacto pose ser mitigado com as devidas medidas, tornando o impacto temporal” e que “a supressão ou aterro da vegetação prejudica a fixação ou fluxo de população de fauna na área diretamente ou indiretamente afetada” (Id 289412065, pág. 5-6). Como proposta para a recuperação da área degradada, o perito indicou que a “execução de um Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD devidamente autorizado pelo órgão ambiental competente pode ser uma das alternativas condizentes com a atividade a ser realizada no empreendimento”. (Id 289412065, pág. 8-9). Em resposta aos quesitos da parte ré (Id 289412065, pág. 11-20), o perito apresentou, dentre outras, as seguintes ponderações: Da leitura do laudo do perito judicial (Id 289412065; Id 296566235; Id 300920507), é possível observar que se reporta inúmeras vezes às análises e constatações dos órgãos ambientais. O que é plausível. Com efeito, compete ao IBAMA, ao IMASUL, dentro dos limites de suas atribuições, a análise do efetivo cumprimento das exigências e condicionantes ambientais para o Licenciamento Ambiental (Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação e outros estudos ambientais que se fizerem necessários diante da natureza do empreendimento). O que se vê é que a tese defendida pelo MPF desde a propositura da ação, ganhou reforço pelos laudos periciais produzidos no decorrer do processo, o que traz elementos consistentes para amparar a procedência da pretensão inicial. No caso, ainda que tenha apresentado estudos ambientais sobre a instalação e o funcionamento do empreendimento às margens do Rio Paraguai, no Pantanal, a empresa ré não logrou êxito em comprovar que tenha, de fato, cumprido as exigências e condicionantes impostas pelos órgãos ambientais, ônus que lhe cabia. Desde a propositura desta Ação Civil Pública Ambiental, o MPF já trouxe elementos consistentes sobre as apurações empreendidas na esfera administrativa (IC nº 1.21.004.000084/2012-16), indicadoras do efetivo descumprimento das regras de licenciamento ambiental. Por imperativo da presunção de legitimidade, não se pode simplesmente ignorar a prova produzida por agentes públicos ou qualquer medição oficial feita por órgão do Estado ou conveniado a este, sem que se apresentem elementos jurídicos ou técnicos que minimamente atentem contra a sua validade. Oportuno reiterar que todos os documentos e provas produzidas no decorrer da ação foram submetidos ao contraditório e à ampla defesa. As provas produzidas ao longo do feito – dentre as quais se destacam as informações do IBAMA e IMASUL e os laudos periciais da Polícia Federal e do perito nomeados pelo Juízo –, somente corroboraram a narrativa constante na inicial, qual seja, de que a empresa ré e seu administrador, descumpriram sucessivas exigências dos órgãos ambientais para a instalação do empreendimento, culminando em danos ao meio ambiente. Há prova de que os ilícitos ambientais causados pelos réus iniciaram-se antes mesmo de seu licenciamento ambiental, perdurando mesmo após a concessão da Licença Prévia nº 426/2011 e da Licença de Instalação nº 987/2014. Na inicial, o MPF apontou que os danos consistiram em: a) aproximadamente 21.100 m² (vinte e um mil e cem metros quadrados) de supressão da vegetação e/ou aterramento inseridos na APP do Rio Paraguai, relacionados às atividades de dragagem e construção da plataforma principal e estrada de acesso ao empreendimento ESTALEIRO NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A., conforme constatado em 26/03/2012 (Laudo de Perícia Criminal Federal nº 1100/2013 – SETEC/SR/DPF/MS, às fls. 373/390 do IC – a partir da fl. 06 do id. 6225109 a fl. 02 do id. 6225118); b) dragagem de 230.600 m3 de recurso mineral (areia) para a construção de aterro, proveniente do Corixo Gonçalinho, e não do Rio Paraguai, conforme havia sido licenciado, segundo constatado pelo Laudo de Perícia Criminal nº 667/2016, às fls. 891/922 – id. 6290606 a fl. 02 do id. 6290628); c) ampliação da obra do aterro que já estava em construção, potencialmente poluidora, em 146.600 m³ (cento e quarenta e seis mil e seiscentos metros cúbicos) a mais do que o volume licenciado, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes, conforme se verifica na Figura 8, à fl. 142, com imagem da ampliação do aterro em APP, no ano de 2016 (fl. 03 do id. 6290623), com desflorestamento e supressão de toda a vegetação para a ampliação do aterro em tela e para a passagem da tubulação da draga; d) interrupção de todo o fluxo hidrológico e vazantes anteriormente existentes no local do empreendimento, por deixarem de construir uma ponte de 25 m (vinte e cinco metros) sobre as áreas úmidas, nos termos das condicionantes fixadas na Licença de Instalação nº 987/2014, realizando, em seu lugar, o integral aterramento da estrada (fl. 141 do Laudo de Perícia Criminal nº 667/2016, na fl. 02 id. 6290623). (Id 8646634, pág. 23). Instado a oferecer sugestões de medidas mitigadoras a serem efetuadas no estaleiro da empresa ré, visando a sua adequação ambiental, bem como propostas de Programas Ambientais a serem executados na fase de operação do empreendimento, o IBAMA elaborou a Nota Informativa nº 2454768/2018-NLA-MS/DITEC-MS/SUPES-MS (Id 8646634, pág. 43-47), indicando como propostas para a adequação ambiental: "PROPOSTAS PARA ADEQUAÇÃO AMBIENTAL: a) Implantação do Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR/262 ao Estaleiro. Este sistema deverá ser constituído, no mínimo, por 08 (oito) linhas de manilha de 01 (hum) metro de diâmetro e 01 ( hum) metro de comprimento, perfazendo um total de 128 manilhas. Estas linhas de manilhas deverão ser implantadas perpendicularmente ao eixo da estrada de acesso; b) Efetuar a estabilização vegetal dos taludes do aterro, tanto da estrada de acesso quanto da plataforma do estaleiro c) Implantar um Sistema de Drenagem de Águas Pluviais, tanto da área do pátio quanto de toda a plataforma existente; d) Implantar um Sistema de Drenagem e Tratamento dos Resíduos Perigosos; e) Implantar um Sistema de Tratamento de Efluentes Líquidos; f) Implantar um Programa de Gerenciamento e Destinação Final de Resíduos Sólidos; g) Apresentar Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do(s) técnico(s) responsáveis pela elaboração e implantação dos sistemas/programas/medidas acima elencadas; h) Apresentar Layout do empreendimento, com a localização de todas as estruturas de apoio (escritório, almoxarifado, refeitório, garagem etc.) e de operação (galpão, oficina etc) atualmente existentes, e propostas de ampliação, caso existam." Uma preocupação frequentemente observada nas manifestações dos órgãos ambientais é no sentido de minimizar os impactos causados ao Corixo Gonçalinho, de modo a permitir o adequado escoamento de suas águas. A prova dos autos justifica a procedência da pretensão para que os réus implantem o Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro a estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro, o que deverá ser realizado por procedimentos pertinentes junto ao órgão ambiental competente, conforme orientações do IBAMA (Id 8646634 p. 43-47). Não há dúvidas sobre a localização do empreendimento em bem da União, nos termos do art. 20, II, III e §2º c/c art. 109, I, ambos da CF (terreno marginal de rio federal e terra devoluta em área de fronteira), estando instalada em Área de Preservação Permanente. O art. 4º, inciso I, “d” da Lei n. 12.651/12 prevê uma faixa de 200m para APP nos casos de rios que tenham de 200 a 600 metros de largura. Forçoso concluir que a instalação de tal empreendimento em área de preservação permanente sem o devido respeito às exigências dos órgãos ambientais, viola até mesmo o senso comum, já que, estendendo-se o raciocínio para largas escalas, a existência de instalações irregulares às margens do Rio Paraguai implica em efetiva supressão das respectivas áreas de preservação permanente, implicando em riscos concretos à integridade dos cursos naturais de água e vulnerando o próprio núcleo essencial da proteção ambiental prevista pela Constituição Federal. Sobre a importância da APP para proteção do meio ambiente, trago à colação o precedente do C. STJ: MARGEM DE RIO. [...] ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP), PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INTOCABILIDADE, ROL TAXATIVO DE INTERVENÇÃO EXCEPCIONAL, NATUREZA PROPTER REM E DANO IN RE IPSA […] 3. As Áreas de Preservação Permanente formam o coração do regime jurídico ambiental-urbanístico brasileiro no quadro maior do desenvolvimento ecologicamente sustentável. Ao contrário do que se imagina, o atributo de zona non aedificandi também revela avultado desígnio de proteger a saúde, a segurança, o patrimônio e o bem-estar das pessoas contra riscos de toda a ordem, sobretudo no espaço urbano. Daí o equívoco (e, em seguida, o desdém) de ver as APPs como mecanismo voltado a escudar unicamente serviços ecológicos tão indispensáveis quanto etéreos para o leigo e distantes da consciência popular, como diversidade biológica, robustez do solo contra a erosão, qualidade e quantidade dos recursos hídricos, integridade da zona costeira em face da força destruidora das marés, e corredores de fauna e flora. 4. Consoante o Código Florestal (Lei 12.6512012), "A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei" (art. 8°, caput, grifo acrescentado). O legislador, iure et de iure, presume valor e imprescindibilidade ambientais das APPs, presunção absoluta essa que se espalha para o prejuízo resultante de desrespeito à sua proteção (dano in re ipsa), daí a dispensabilidade de prova pericial. Logo, como regra geral, "Descabida a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente - APP que não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental)" (REsp 1.394.025/MS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18/10/2013). [...] (REsp 1782692/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 05/11/2019) Assim, suficientemente demonstrado o desrespeito às exigências dos órgãos ambientais, que causaram danos ambientais como desdobramento da atividade poluidora, o possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recuperação da área degradada, configurando obrigação propter rem. Para recuperação da área degradada, mister a elaboração de um plano de regeneração elaborado por equipe multidisciplinar objetivando a elaboração de um PRAD – Plano de Recuperação de Área Degradada, com licenciamento perante o órgão ambiental dotado de competência para fiscalizar sua implementação e execução. Desta forma, como os corréus são os responsáveis pela área, ambos devem ser condenados solidariamente à reparação do dano ambiental, por meio da apresentação de Projeto de Recuperação de Áreas Degradas – PRAD a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, em sede de cumprimento de sentença. Quanto ao dano moral coletivo, o MPF o estimou na inicial em R$ 500.000,00 (Id 8646634). Em sede de alegações finais, propõe que o dano moral coletivo seja estipulado em valor proporcional aos impactos socioambientais, à reprovabilidade das ações, à recalcitrância e, em especial, à condição econômica dos réus, em patamar não inferior a R$ 5.000.000,00 (Id 342802315, pág. 24). Da análise dos autos, entendo que os réus devem ser condenados ao dano moral coletivo. De fato, a jurisprudência tem reconhecido o dano moral ambiental, de natureza extrapatrimonial, com fundamento na natureza pública e difusa dos bens envolvidos. Afinal, reconhece-se que o dano ambiental possui múltiplas dimensões e a reparação deve ser feita da forma mais completa possível (neste sentido, v.g., STJ, REsp 1.180.078/MG, Min. Rel. HERMAN BENJAMIN, j. 02/12/2010). Inexistindo critérios legais para a mensuração do valor do dano moral coletivo, que atinge a qualidade do meio ambiente, deve-se analisar a natureza e dimensão do dano, além da perpetuação dos seus efeitos para o meio ambiente. Afinal, o bem lesado, às margens do Rio Paraguai, é área de preservação permanente, que recebe especial atenção da Constituição Federal, que em seu artigo 225, § 1°, inciso III, que previu a existência de espaços territoriais especialmente protegidos, com o intuito de tornar efetiva sua tutela e, consequentemente, garantir a sua preservação para as presentes e futuras gerações. É importante fator de ponderação, ainda, o fato de se tratar de construção de grande porte. Importante observar que há prova nos autos que aponta a valoração do dano ambiental causado, apurado por meio do Laudo Técnico nº 1/2018-NLA-MS/DITECMS/SUPES-MS, do IBAMA, (Id 8646634, pág. 48-59) indicando o valor de R$ 610.461,00, o que pode servir de parâmetro para a fixação dos danos morais coletivos. Com efeito, tal Laudo Técnico indica que corresponde a R$ 610.461,00 o valor do dano ambiental que envolve a instalação e funcionamento do empreendimento ESTALEIRO PORTO MORRINHO S.A., em desconformidade com a Licença Prévia nº 426/2011 e da Licença de Instalação nº 987/2014, como se observa a seguir: "CONCLUSÃO: Para estimar a quantificação monetária do valor dos danos ambientais ocasionados pelas obras de implantação do Estaleiro, adotamos como parâmetro o valor dos serviços ambientais que deixaram de ser realizados com a implantação da obra, e dos cálculos efetuados por Moraes (2009) para valorar os serviços ambientais de 01 ha no Pantanal da Nhecolândia, conforme Tabela 4. Apesar da Navegação Porto Morrinho S.A possuir licença de instalação para a implantação do estaleiro, nenhum dos programas ambientais de controle e de monitoramento foram realizados, considerando que tais programas são estruturados visando a execução das medidas mitigadoras, as quais tem a função de minimizar os impactos negativos decorrentes das obras, devendo também ser considerado que algumas atividades foram realizadas sem estarem contempladas na citada licença, como a dragagem do corixo Gonçalinho, não sendo previsto, portanto, nenhuma medida mitigadora para tal atividade. Desta forma, como nenhuma medida mitigadora foi implantada, consideramos que os impactos negativos decorrentes das obras prejudicaram a realização dos serviços ambientais, e, como o parâmetro utilizado para dimensionar os danos ambientais é a área impactada, consideramos uma área de 9,8 ha, onde atualmente está implantada a infraestrutura já concluída do estaleiro. Face ao exposto acima, o valor dos danos ambientais ocasionados pela implantação do estaleiro com 9,8 ha de área na região do Porto Morrinho, Pantanal, Corumbá, Mato Grosso do Sul é de U$ 173.921 ou R$ 610.461 (U$ 3,51). Campo Grande, 10 de maio de 2018." (Id 8646634, pág. 58). Assim, a partir desses parâmetros, e sobretudo pela dimensão punitiva da função indenizatória, fixo o dano moral coletivo em 2 vezes do valor do dano ambiental apurado no referido laudo técnico, alcançando o valor de R$ 1.220.922,00 (um milhão, duzentos e vinte mil, novecentos e vinte e dois reais). Registro que a obrigação de fazer pode ser cumulada com a de indenizar (Súmula 629/STJ). 2.4. Do pedido de tutela de urgência A decisão inicial deferiu parcialmente os pedidos liminares do MPF, nos seguintes termos (Id 9260919): “(...) Ante o exposto, presentes os requisitos cautelares, com espeque no artigo 12º da Lei nº 7.347/85 e no artigo 305 do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente os pedidos do Ministério Público Federal e determino a suspensão do direito de exercício da atividade comercial da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A (alvarás de funcionamento, licenças de extração e lavra de minérios e demais autorizações e permissões), com determinação das obrigações de não fazer, consistentes em (1) paralisar as ações empresariais e de quaisquer outras atividades tendentes à instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, até que sejam atendidas todas as medidas mitigadoras e reparadoras determinadas pelos órgãos ambientais competentes, e (2) abster-se de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área.” Interposto agravo de instrumento pelos réus, o E. TRF3 negou provimento ao recurso: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MANDADO DE SEGURANÇA. ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO E DA PRECAUÇÃO. 1 - O Ministério Público Federal ajuizou tutela cautelar preparatória de ação civil pública, em face de JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. – NPM e SOCAL S.A. MINERAÇÃO E INTERCÂMBIO COMERCIAL E INDUSTRIAL, objetivando obter provimento jurisdicional com a finalidade de paralisar a atividade empresarial e outras atividades tendentes à instalação da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A., desenvolvidas pelas pessoas jurídicas e pessoa física requeridas, de modo a se evitar a propagação do dano ambiental que vem sendo infligido à região da Baía do Jacadigo e a área de preservação permanente do Rio Paraguai, bem como assegurar o resultado útil da posterior Ação Civil Pública. 2 - Em 26/6/2018, foi proferido despacho determinando o desmembramento da Ação Civil Pública em relação à empresa SOCAL S/A MINERAÇÃO E INTERCÂMBIO COMERCIAL E INDUSTRIAL, devendo a tutela cautelar prosseguir tendo como parte autora o Ministério Público Federal e como réus a empresa Navegação Porto Morrinho S/A e José João Abdala Filho (ID 9029311 da tutela cautelar antecedente 5000187-98.2018.4.03.6004). 3 - Em 9/6/2018, foi proferida a decisão objeto do presente recurso, que deferiu parcialmente os pedidos do Ministério Público Federal e determinou a suspensão do direito de exercício da atividade comercial da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. 4 - A ação civil pública constitui importante instrumento processual que visa a apurar e coibir os danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular, assim como à ordem urbanística, conforme prevê a Lei n.º 7.347/85. 5 - A Constituição da República garantiu, em seu art. 225, o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualificando-o como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, exigindo, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, na forma do § 1°, IV do referido dispositivo. 6 - As Áreas de Preservação Permanente (APP) consistem em espaços territoriais especialmente protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, cuja cobertura vegetal deve ser necessariamente mantida, para garantir a proteção do solo, dos recursos hídricos, a estabilidade do relevo, de forma a evitar o assoreamento e assegurar a proteção das espécies animais e vegetais. 7 - São norteadores do Direito Ambiental os princípios da prevenção e da precaução, os quais têm aplicação sistemática na adoção de medidas que eliminem ou mesmo reduzam as consequências das ações suscetíveis de pôr em risco a qualidade do meio ambiente. 8 - Em exame preambular da matéria, verifica-se que se trata de empreendimento localizado em área de preservação permanente que, segundo alega o MPF, está descartando passivos resultantes da atividade produtiva sem qualquer preocupação ambiental, com funcionamento do Estaleiro em localidade diversa daquela a que se refere o seu licenciamento ambiental, que não atendeu às condicionantes de licença ambiental, bem como que se encontra em plena operação, mesmo sem a competente licença. 9 - Têm aplicabilidade, por ora, os princípios da prevenção e da precaução com o objetivo de racionalizar as intervenções antrópicas e, consequentemente, impedir a ocorrência de maiores danos ambientais. 10 - A Terceira Turma desta Corte delimitou que o objeto do mandamus em questão era o exame do licenciamento ambiental em tempo justo. Não houve qualquer impedimento, nem poderia haver, ao exame na esfera judicial de outras questões ocorridas posteriormente. 11 - Agravo de Instrumento IMPROVIDO e Agravo Regimental prejudicado. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO 5016517-43.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 15/04/2019) Posteriormente, os réus apresentaram sucessivas petições requerendo a reforma parcial da decisão liminar para que a NPM possa terminar a obra em questão, que foi indeferido por decisão de Id 28192569: “(...) Consoante documentação acostada aos autos pelo Ministério Público Federal, os órgãos ambientais, em especial o IBAMA, vêm acompanhando a situação da empresa requerida, tanto que consta nos autos Ofício do IBAMA informando a realização de vistoria conjunta (IBAMA, IMASUL e FMAP) ocorrida no dia 23/01/2020, com Parecer Técnico pendente de conclusão, o que afasta qualquer alegação de inércia dos órgãos administrativos quanto a questão debatida nestes autos. É certo que a adequada verificação sobre a suficiência dos projetos apresentados pela empresa requerida depende de verificação do empreendimento, seja por meio da perícia ambiental já deferida nestes autos, seja com a atuação dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização do empreendimento, em especial, pelos técnicos do IBAMA, IMASUL e FMAP. Em seu pedido de revogação parcial da liminar, a requerida NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S/A aponta a inércia dos órgãos ambientais quanto ao andamento das licenças ambientais de instalação, na esfera administrativa. Ocorre que eventual pretensão relacionada ao descumprimento dos prazos no trâmite administrativo do licenciamento ambiental é matéria a ser debatida em ação própria. Assim, sendo tal questão impertinente à presente Ação Civil Pública, não é fundamento idôneo para ensejar a revogação da decisão liminar proferida pelo Juízo. Ademais, apreciando os documentos ora trazidos pela parte requerida, não vislumbro (em cognição sumária) alteração do substrato fático suficiente para alterar o entendimento que levou à prolação da decisão liminar combatida. Assim, pela ausência de fumus boni juris, MANTENHO a decisão de id 9260919.” A empresa, então, interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO TIRADO DE DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE NEGOU PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO À TUTELA DE URGÊNCIA ANTERIORMENTE CONCEDIDA, ESTA QUE JÁ HAVIA SIDO CONFIRMADA EM OUTRO AGRAVO DE INSTRUMENTO. QUESTÕES SUPERVENIENTES ALEGADAS. INAPTIDÃO PARA A REVOGAÇÃO DA CAUTELAR. DESPROVIMENTO. 1. Verifica-se que a ação civil pública subjacente, em um primeiro momento, teve parcialmente deferido pedido em cautelar antecedente, determinando-se a suspensão, por questões ambientais, da atividade da empresa Navegação Porto Morrinho S.A., ora agravante, tendente à instalação de um estaleiro à margens do Rio Paraguai. 2. Contra essa decisão foi interposto o Agravo de Instrumento 5016517-43.2018.4.03.0000, distribuído nesta C. Sexta Turma, que, em julgamento realizado em 11/04/2019, desacolheu as alegações da recorrente e manteve o decisum de primeiro grau. 3. Daí que, em 02/2020, sobreveio pedido de reconsideração, pela empresa ré, em relação à mesma decisão, indeferido pelo MM. Juízo a quo. Dessa decisão é que tirado o presente agravo de instrumento. 4. O art. 505 do CPC/2015 consagra o preceito da preclusão pro judicato, assentando que, em regra, nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas. 5. Dessa forma, o pedido de reconsideração formulado, neste caso, somente seria cabível caso a insurgente demonstrasse a superveniência de questão de fato ou de direito capazes de infirmar as conclusões postas na decisão que concedeu as medidas de urgência. 6. Do cotejo entre as razões aventadas no primeiro AI e no ora sob análise, verifica-se que a recorrente aponta, em essência, duas questões supervenientes que, no seu entender, poderiam ensejar a revogação da decisão liminar: a) o descumprimento, pelos órgãos ambientais envolvidos, do dever de apresentar soluções mitigadoras para a continuidade do empreendimento, conforme imposto na própria decisão; b) a renovação automática da licença de instalação, por inércia administrativa, nos termos do art. 14, § 4º, da Lei Complementar 140/2011. 7. Todavia, em que pese a insurgência da empresa agravante, nada há que se reconsiderar. 8. Com efeito, não há falar-se em contumácia dos órgãos ambientais envolvidos, eis que o IMASUL - Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, a FMAP - Fundação de Meio Ambiente do Pantanal e o IBAMA têm agido no âmbitos de suas atribuições, tanto assim que apresentaram os Pareceres Técnicos Conjuntos datados de 04/02/2020 (id. 29847051 e id. 29847053 dos autos principais), em que são reafirmadas todas as irregularidades ambientais do empreendimento em tela, impedindo a correspondente retomada. 9. Assim que, contrariamente ao argumentado pela agravante, as conclusões que lhe são desfavoráveis, registradas nos referidos pareceres, não podem ser confundidas com inércia dos agentes ambientais. 10. No que que concerne à licença ambiental, tem-se que a própria decisão agravada, em exame do fumus boni juris, consignou que a continuidade das atividades, da forma pretendida, dependeria de licença de operação, justamente porque a empresa ré vinha descumprindo as condicionantes registradas em anterior licença de instalação. 11. Logo, a controvérsia sobre se a licença de instalação obtida pela recorrente está, ou não, automaticamente renovada pelo decurso do prazo previsto no art. 14, § 4º, da LC 141/2011, mostra-se irrelevante nesta oportunidade. 12. Acolhido o parecer da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, nega-se provimento ao agravo de instrumento. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO 5005876-25.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 18/09/2020) Por ocasião do saneamento do feito, foi proferida decisão mantendo a liminar concedida (Id 250250152), com os seguintes fundamentos: " (...) A NPM insiste em pleitear autorização judicial para finalização das obras (Id 32141292), alegando que a empresa apresentou toda a documentação na esfera administrativa, incluindo projetos técnicos, mas que o IBAMA se manteve inerte no andamento do procedimento de licenciamento, o que não condiz com a realidade. Na audiência de tentativa de conciliação, ocorrida em 06/08/2018 (Id 9847149), os representantes dos órgãos ambientais presentes se comprometeram a entregar estudo técnico contendo todos os deveres e obrigações dos réus, incluindo a valoração dos danos. Conforme comprovantes de Id 29252476, o referido parecer técnico conjunto não foi apresentado em virtude da constatação, pelo IBAMA, da necessidade de apresentação de projetos e programas por parte da NPM para adequação ambiental do Estaleiro Porto Morrinho. Encaminhado ofício do IBAMA, datado de 10/08/2018, a empresa se manteve inerte. Reiterada a notificação em 21/06/2019, a NPM enviou a documentação e o IBAMA analisou os documentos, no dia 09/10/2019, concluindo que não foram atendidos satisfatoriamente os projetos solicitados, mas que a empresa pode sanar as pendências. Realizada vistoria em 23/01/2020, foi apresentado o parecer técnico conjunto do IBAMA, IMASUL e FMAP. Desse modo, o que se observa a partir do exaustivo rol de laudos e estudos técnicos acostados aos autos é que a NPM não está regularizada perante os órgãos ambientais. Por oportuno, seguem as informações supracitadas (Id 29252476; 28879264): Pelas razões acima expendidas, e notadamente pela necessidade de impedir a expansão dos danos ambientais, ratifico integralmente a decisão de Id 9260919. Agora, por ocasião de julgamento do feito em cognição exauriente, tenho que se mantém presentes os elementos que justificaram a liminar concedida, a qual ratifico integralmente nesta sentença. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, para condenar NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S/A e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, nos termos da fundamentação: a) à obrigação de fazer consistente em implantar o Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro, que deverá ser realizado por procedimentos pertinentes junto ao órgão ambiental competente, nos termos da fundamentação supra; b) à obrigação de fazer consistente na elaboração e implantação de Projeto de Recuperação de Área Degradada - PRAD, referente ao empreendimento indicado na inicial (Navegação Porto Morrinho S/A ou construções que o sucederem), de maneira que este se adeque às características do bioma a ser reparado, cuja elaboração ficará a cargo de responsáveis habilitados e devidamente aprovado pelo órgão ambiental competente, em até 180 (cento e oitenta) dias. Caberá aos réus os custos decorrentes da elaboração do PRAD, bem como o pagamento do valor de reparação do dano ambiental apurado; c) ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 1.220.922,00 (um milhão, duzentos e vinte mil, novecentos e vinte e dois reais), a ser revertido ao Fundo de Recuperação de Bens Lesados (art. 13 da Lei 7.347/85). Com fulcro no art. 12 da LACP e artigos 300 e 536 do CPC, a fim de evitar o prosseguimento de atividades nocivas amplamente demonstradas no processo, observando os princípios da precaução e prevenção, confirmo a liminar deferida e determino à empresa ré que: i) paralise as ações empresariais no local e de quaisquer outras atividades tendentes à instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, sob pena de multa em caso de descumprimento; ii) abstenha-se de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área, sob pena de multa em caso de descumprimento; e iii) apresente, no prazo de 60 (sessenta) dias, informações atualizadas sobre o atual estágio de cumprimento das obrigações constantes nesta sentença, bem como para que apresente o cronograma de execução das ações necessárias para a integral satisfação dos direitos assegurados por esta sentença, com prazo razoável de conclusão. Apresentado o cronograma, intime-se o MPF para manifestação em termos de cumprimento da sentença. Sem condenação em custas e honorários advocatícios (art. 18 da Lei n. 7.347/85). Expeçam-se ofícios à Fundação de Meio Ambiente do Pantanal, ao IBAMA, ao IMASUL e à Polícia Militar Ambiental de Corumbá, encaminhando cópia da sentença para conhecimento. Havendo interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remeta-se o feito ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se, com urgência, servindo cópia da presente como mandado/ofício para as comunicações necessárias. Corumbá/MS, datado e assinado eletronicamente. Sabrina Gressler Borges Juíza Federal Substituta
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Processo nº 5004225-44.2024.4.03.6328
ID: 278283143
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5004225-44.2024.4.03.6328
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LARISSA NONATO SILVA
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5004225-44.2024.4.03.6328 / 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: MARIA ANGELA AMABILE SABINO Advogado do(a) AUTOR: LARISSA NONATO SILVA -…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5004225-44.2024.4.03.6328 / 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: MARIA ANGELA AMABILE SABINO Advogado do(a) AUTOR: LARISSA NONATO SILVA - PR103218 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Advogado do(a) REU: JONATAS THANS DE OLIVEIRA - PR92799 S E N T E N Ç A RELATÓRIO A parte autora, MARIA ANGELA AMABILE SABINO, por meio da presente ação, objetiva a condenação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em danos materiais e morais decorrentes das transferências indevidamente realizadas de sua conta. Consta, em síntese, da exordial que a autora fora vítima do crime de estelionato, praticado na data de 29 de outubro de 2024. Narra a parte autora que recebeu uma ligação em seu telefone residencial fixo, de um homem que se identificava como funcionário da Caixa Econômica Federal, solicitando a confirmação de uma transferência bancária no valor de cinco mil reais. Como não havia realizado qualquer transação, ela seguiu as instruções da ligação, apertando a tecla indicada para ser transferida ao que acreditava ser uma central de atendimentos da Ré. Após a transferência, uma pessoa se apresentou como funcionário da Caixa Econômica Federal e a orientou a realizar uma chamada de vídeo pelo WhatsApp. Na chamada, o suposto atendente, trajando vestes formais e em um ambiente que ostentava o logotipo da instituição financeira Ré, passou confiança à Autora, que acreditou estar tratando diretamente com um representante da empresa requerida. Seguindo as orientações fornecidas pelo atendente, que supostamente cancelaria a transação suspeita, e persuadida pela aparência de legitimidade da situação, a Autora forneceu as informações solicitadas. Enquanto ainda estava no telefone com o suposto funcionário, a Autora foi alertada por sua filha, que chegou em casa e imediatamente reconheceu que a situação poderia se tratar de golpe. Assim que compreendeu a situação, ainda no mesmo dia, a Autora dirigiu-se imediatamente à sua agência da Caixa Econômica Federal, ocasião em que descobriu ter sido realmente vítima de um golpe, e que o golpista havia tirado todo o valor de sua conta poupança em 2 (duas) transações PIX de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada, além do pagamento de um boleto no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em um intervalo de 20 e 3 minutos entre cada transação. Em decorrência disso, descreve que procurou a agência da CEF, tendo sido informada que nada poderia ser realizado pela empresa para recuperação dos valores perdidos. Assevera que não realizou as transferências e que não pode ser penalizada pela falha na segurança dos sistemas da requerida. Declara que lavrou o boletim de ocorrência perante a Delegacia Seccional de Presidente Prudente/SP (arquivo ID 344776520), com o intuito de salvaguardar os seus direitos. Assim, pugna pela restituição dos valores indevidamente sacados, transferidos, bem como pela indenização pelos danos morais que suportou. Citada, a CEF apresentou contestação (arquivo ID 352994663). Aduziu que os fatos narrados na inicial aconteceram por culpa exclusiva da parte autora, pugnando pela improcedência de sua pretensão. Esclareceu, ainda, que: “Informamos que a Sra. Maria Ângela Amabile Sabino, CPF 097.466.898-27, compareceu na agência A1775SP no dia 29/10/2024, por volta das 16:00hs, ou seja, após o banco ter encerrado seu expediente de atendimento ao público. Foi atendida pelo Sr. Marcilio Felipe Junior, Gerente Geral da Agência, que informou a ela que as transações realizadas, envio de Pix e pagamento de boleto, não são passíveis de estorno, conforme determinações do Banco Central do Brasil, ou seja, não há como cancelar tais pagamentos e envios. Por trata-se golpe aplicado contra a mesma, orientamos a fazer um Boletim de Ocorrência e comparecer na agência no dia seguinte para fazermos a Contestação dos Lançamentos e acionar, via área de segurança tecnológica, o bloqueio e a solicitação junto aos bancos favorecidos. Ocorre, que a Sra. Maria Ângela nunca mais retornou à nossa agência, e tão pouco fez a Contestação dos Lançamentos a qual foi orientada. A autora simplesmente não quis contestar tais lançamentos. Outrossim, informo que o caso em questão em momento algum envolveu ou houve alguma facilitação pela Caixa, simplesmente a Sra. Ângela, falando com estranhos, forneceu-lhes todas os dados de sua conta, inclusive suas senhas do cartão e do internet banking utilizadas para pagamentos. Portanto, trata-se de negligência da Sra. Ângela, que não tomou os devidos cuidados com suas informações pessoais e senhas. Segue em anexo encaminho dados do boleto pago, cujo banco favorecido foi Neon Pagamentos S.A Inst de Pagamentos, e dados dos Pix enviados aos Bancos Pag Bank e Bradesco S.A. respectivamente. E para maiores informações sobre os favorecidos somente os referidos bancos poderão fornecer. Ressalto que o caso em questão não envolve fraude, e sim a mesma foi vítima de um golpe aplicado por terceiros. Em resposta a V. solicitação, abaixo, informo que os dados cadastrais dos favorecidos dos recursos somente poderão ser fornecidos pelos bancos que possuem as contas receberam os recursos, pois a Caixa não tem acesso a tais informações. Data vênia, a parte autora definitivamente não comprovou ter havido qualquer falha no serviço prestado pela CAIXA, uma vez a que o prejuízo financeiro não se deu por falha de segurança da CAIXA”. Apresentou documentos. Regularmente processada a ação, os autos vieram conclusos. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, Lei 9.099/95. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, concedo os benefícios da justiça gratuita. As partes são legítimas, estão presentes as condições da ação, bem como os pressupostos de formação e desenvolvimento válido e regular da relação processual. O instituto da Responsabilidade Civil revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que seja imputada para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhes são impostas, tendo por intento a reparação de um dano sofrido, sendo responsável civilmente quem está obrigado a reparar o dano sofrido por outrem. Nos termos do art. 927 do Código Civil de 2002, “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, sendo independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem (parágrafo único). O caso sob luzes trata da responsabilidade civil pelo defeito no fornecimento de serviço, com reparação por danos morais e materiais. Desse modo, trata-se de uma relação consumerista e, como tal, regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Da leitura desse diploma e do posicionamento jurisprudencial extrai-se que a instituições bancárias, ao prestarem um serviço, respondem pelo dano por este causado independentemente de culpa. Sobre o ponto, segue a ilustração do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 14. O fornecedor do serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” O conceito de fornecedor de produtos e serviços está delineado no art. 3º do diploma legal consumerista nos seguintes termos: “Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (g.n.). Infere-se do artigo suso citado o entendimento, consoante o qual o conceito de fornecedor abrange todo aquele que propicie a oferta de produtos e serviços, é dizer, aquele que é responsável pela colocação do produto ou serviço no mercado de consumo. Em conformidade com a súmula n° 297 do STJ, “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Portanto, é objetiva a responsabilidade civil decorrente de atividade bancária, já que o § 2° do art. 3° da Lei 8.078/90 inclui essa atividade no conceito de serviço, dispositivo este que foi declarado constitucional pelo STF ao julgar pedido formulado na ADI 2591/DF (rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006). Com efeito, aquele que formaliza contrato com instituição financeira pode perfeitamente se enquadrar no conceito de consumidor, questão, inclusive, pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (súmula nº 297: o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras), uma vez que os bancos na qualidade de prestadores de serviços são fornecedores e, como tais, em conformidade com o que dispõe o CDC, respondem objetivamente pelos danos que vierem a causar aos seus clientes/consumidores por vício ou defeito na prestação dos serviços. O art. 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) estabelece o dever de indenizar nos seguintes termos: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.” São pressupostos da responsabilidade civil: a) a prática de uma ação ou omissão ilícita (ato ilícito); b) a ocorrência de um efetivo dano moral ou patrimonial; c) o nexo de causalidade entre o ato praticado - comissivo ou omissivo. Nos casos de responsabilidade subjetiva, impende ainda verificar a existência de culpa. No caso em tela, que trata da responsabilidade objetiva, exige-se a conjugação apenas de três elementos para que se configure o dever de indenizar: o ato ilícito, o prejuízo e o nexo de causalidade entre o atuar do ofensor e o dano sofrido pela vítima, sem investigação de culpa. Outrossim, a doutrina atual reconhece a existência de uma diversidade de espécies de danos, sendo mais comuns os patrimoniais e os extrapatrimoniais (que podem ser genericamente assimilados aos danos morais). Os danos patrimoniais não necessitam de especial apreciação, suposto decorrerem de suficiente formulação doutrinal, estando suas concepções estruturais contidas no art. 186 do vigente Código Civil. A indenização para ressarcimento dos danos materiais tem por finalidade recompor o patrimônio da pessoa lesada ao seu status inicial. Desse modo, a demonstração da existência do dano e da diminuição patrimonial suportada pela vítima se torna imprescindível para a condenação do agente causador e para a fixação do montante da indenização. Como se sabe, o dano material corresponde ao lucro cessante e ao dano emergente. Dano emergente é aquilo que o credor efetivamente perdeu e lucro cessante é aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar. Em relação aos danos morais, é interessante agregar algumas outras referências antes de se passar ao estudo do caso concreto. A indenização por danos morais é expressamente admitida pela Constituição Federal de 1988, como se verifica das normas dos incisos V e X do art. 5o, in verbis: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” O Código Civil, em consonância com o texto constitucional – o que a doutrina convencionou chamar de filtragens constitucionais – prevê, no seu art. 927, a obrigação do causador do dano em repará-lo, sendo certo que tal reparação abrange tanto os danos patrimoniais como os morais. O dano ou a lesão a bem jurídico extrapatrimonial é denominado “dano moral”. Tal espécie de dano integra o amplo sistema que visa proteger a cláusula geral da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CRFB). O dano moral representa uma sanção civil a qualquer violação aos direitos que decorrem da personalidade da pessoa humana, os quais são essenciais para o resguardo de sua dignidade. Desta forma, a violação efetiva de qualquer dos direitos decorrentes da personalidade, como nome, honra, imagem, vida privada, intimidade, dentre outros, caracteriza o dano moral. Como mencionado acima, é dano extrapatrimonial, pois vinculado aos direitos subjetivos da personalidade. A dor, o sofrimento, o constrangimento, a humilhação, a aflição, são consequências do dano moral e não o próprio dano. Nesse sentido, aliás, o magistério de Sério CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, Editora Malheiros, 6ª Edição, pág. 101): “O dano moral não está necessariamente vinculado a alguma relação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas.” O dano moral consiste, portanto, na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos de personalidade ou atributos da pessoa humana. É aquele que afeta a honra, a intimidade ou a imagem da pessoa, causando desconforto e constrangimentos, sem, todavia, atingir diretamente o patrimônio jurídico avaliável economicamente da vítima. Logo, para a indenização do dano moral, descabe comprovar o prejuízo supostamente sofrido pela vítima, bastando a configuração fática de uma situação que cause às pessoas, de um modo geral, constrangimento, indignação ou humilhação de certa gravidade. Da análise do caso concreto No presente caso, entendo que é incontroverso que ocorreram as transações bancárias na conta bancária de titularidade da demandante, e que estas movimentações foram efetuadas em decorrência do golpe praticado por terceiros em seu desfavor. Sobre este ponto, aduziu a CEF a inexistência de falha na prestação do seu serviço, diante da culpa exclusiva da vítima, que muito provavelmente autorizou, ainda que de boa-fé, a alteração do computador/dispositivo cadastrado para acesso à Internet, o que ensejou a realização das transferências via PIX nos valores de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada para terceira pessoa que alega desconhecer (arquivo ID 352994669). Quanto esta alegação da empresa requerida, denoto que os fatos narrados pela parte autora indicam a sua responsabilidade, e a de terceiros, pelo dano sofrido, pois foi as transferências foram efetuadas mediante a utilização de senha eletrônica, consoante extratos apresentados pela CEF no arquivo ID 352994672 (copiados com a contestação), cuja guarda e sigilo são de obrigação da parte autora, de modo que não é possível, nessa hipótese, sequer cogitar de qualquer responsabilidade da instituição requerida na sucessão de eventos que culminaram com o seu prejuízo econômico. Ademais, a própria autora assumiu em sua prefacial que sofreu golpe praticado por terceiros, que, a partir do seu dispositivo cadastrado para acesso e movimentação da conta, mediante o uso de sua senha pessoal, realizaram as duas transações via PIX e efetuaram o pagamento do boleto no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), consoante extrato de arquivo ID 352994672. Outrossim, da análise dos autos, mostra-se incontroverso que ocorreu movimentação financeira na conta de titularidade da parte-autora, tendo a CAIXA sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço à luz de que o golpe retratado nos autos teria por gênesis a atuação incauta da demandante (que atendeu ao telefone do golpista, e acreditou ser ele um funcionário da CEF). Com efeito, compulsando os elementos fático-probatórios em cotejo com as argumentações apresentadas, depreende-se, efetivamente, que a situação concreta somente se desencadeou porque a parte-autora acabou por participar do engenho criminoso que estava em curso, praticando todas as condutas fraudulentamente solicitadas por terceiros, o que ensejou as indevidas transferências e o pagamento do boleto em nome de terceiro. Desta feita, entendo que a descrição dos fatos é suficiente para assentar, primeiramente, a desnecessidade de maiores esclarecimentos ou elementos probatórios para o deslinde da causa. Veja-se que aqui não se está a afastar a verossimilhança dos fatos narrados (possível estelionato), mas a probabilidade do direito à reparação do dano pela empresa pública. Com efeito, este Juízo não olvida os constantes golpes perpetrados por quadrilhas que agem com o mesmo modus operandi descrito na inicial. Malgrado o esforço das autoridades responsáveis, com a investigação, prisão e desmantelamento de várias quadrilhas, tais crimes seguem sendo cometidos e, lamentavelmente, suas vítimas possuem, no mais das vezes, o perfil da parte autora, pessoa fragilizada, idosa e vulnerável. Entretanto, no que diz respeito à resolução da causa, é de se frisar que a parte autora foi vítima de um engodo praticado mediante o fornecimento de sua senha pessoal e intransferível, além dos seus dados pessoais, sendo certo que a movimentação atípica em sua conta, por si só, não é suficiente para impingir à ré a responsabilidade pelo evento danoso, pois as movimentações poderiam - por que não - ser legítimas. Ademais, as provas apresentadas pela parte autora não convencem acerca do nexo de causalidade a ensejar a responsabilidade objetiva da ré. Conclui-se, portanto, que houve culpa exclusiva da vítima, aliada a ação de terceiro (autor do delito). A culpa exclusiva da vítima se configura quando esta, espontaneamente, ainda que sob engano, fornece a senha e o acesso à sua conta a estranhos. Neste ponto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de outras Cortes Regionais já firmou entendimento segundo o qual, não obstante a aplicação da responsabilidade atribuída ao fornecedor de serviços pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, essa deve ser elidida quando estiver caracterizada a culpa exclusiva da vítima. No mesmo sentido, destaco os recentes julgados proferidos pela Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região e pela Terceira Turma Recursal de São Paulo: APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FRAUDE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CONDUTA ILÍCITA DA CEF. - É incontroverso que ocorreram transações bancárias na conta bancária de titularidade da autora, que negou a autoria da referida movimentação, tendo a CEF, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço, diante da culpa exclusiva da vítima que entregou, ainda que de boa-fé, seu cartão e senha à pessoa desconhecida. - A filha da apelante seguiu as instruções da interlocutora, ligou no telefono referido e falou com outro suposto representante da ré, fornecendo as informações solicitadas pela suposta representante da instituição financeira. Aduz que lhe foi dito que se dirigisse até a agência da CEF mais próxima para finalizar o atendimento no caixa eletrônico. A filha da parte apelante foi, e sem saber, liberou acesso ao aplicativo do banco aos golpistas. Passados 15 minutos, a polícia conseguiu bloquear o acesso dos criminosos, mas as transferências já haviam sido efetuadas, em razão do que foi subtraído da conta da requerente o montante de R$ 68.155,99. Assevera que foram pagos dois boletos totalizando o importe de R$ 8.169,99 e três operações do tipo PIX totalizando o valor de R$ 59.986,00. Diante do relatado, busca a reparação dos danos morais e materiais junto à instituição financeira ré. - Os fatos narrados pela autora indicam a sua responsabilidade, e a de terceiros, pelo dano sofrido. Não há como exigir que a CEF tenha mecanismos de segurança para evitar que pessoas se passem por seus funcionários em se tratando de supostas operações feitas fora de suas dependências físicas ou eletrônicas. - Embora se trate se situação de compreensível dificuldade e lamento por parte da recorrente, não há fundamento para impor a responsabilidade civil à CEF. - Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000893-83.2021.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 20/10/2022, DJEN DATA: 25/10/2022) PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. FRAUDE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOCORRÊNCIA DE DANO MATERIAL E/OU DE DANO MORAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA INDEVIDA. - Para caracterizar a responsabilidade civil extracontratual e objetiva, devem ser comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do interessado, por ato ou por fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF (ou de terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação ou a omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure desconforto), ou em caso de ato ou de fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor ou de terceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva. - Mostra-se incontroverso que ocorreram movimentações financeiras (PIX, TEDs e TEV) na conta poupança de titularidade da parte-autora, que negou a autoria das operações, tendo a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço à luz de que o golpe retratado nos autos teria por gênesis a atuação incauta da própria correntista. - A situação concreta de fraude somente se desencadeou porque a parte-autora, munida de seu cartão bancário e mediante a aposição de sua senha pessoal e intransferível, acabou por participar do engenho criminoso que estava em curso, liberando um dispositivo previamente cadastrado por agentes criminosos e cadastrando nova senha de acesso ao sistema de internet banking da instituição financeira. - Os fatos narrados nos autos apontam pela incidência da causa excludente de responsabilidade da “culpa exclusiva da vítima”, a elidir qualquer pretensão ressarcitória a cargo do banco. Precedentes do E. STJ e das C. Cortes Regionais. - Recurso da instituição financeira provido. Recurso da parte-autora prejudicado. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001183-34.2021.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 01/06/2023, Intimação via sistema DATA: 05/06/2023) RECURSO INOMINADO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GOLPE POR TELEFONE OU GOLPE DO PIX. PREJUÍZO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DE DADOS BANCÁRIOS PESSOAIS FORNECIDOS A DESCONHECIDOS PELO PRÓPRIO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA DA RÉ QUE IMPLIQUE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO ILÍCITO DE TERCEIROS E O DANO EXPERIMENTADO PELA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA E COMPENSATÓRIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DESPROVIDO. (TRF 3ª Região, 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0116926-22.2021.4.03.6301, Rel. Juiz Federal LEANDRO GONSALVES FERREIRA, julgado em 18/08/2022, DJEN DATA: 25/08/2022) Em caso semelhante, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça também já decidiu: RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS - SAQUES INDEVIDO EM CONTA-CORRENTE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - ART. 14, § 3º DO CDC - IMPROCEDÊNCIA. 1 - Conforme precedentes desta Corte, em relação ao uso do serviço de conta-corrente fornecido pelas instituições bancárias, cabe ao correntista cuidar pessoalmente da guarda de seu cartão magnético e sigilo de sua senha pessoal no momento em que deles faz uso. Não pode ceder o cartão a quem quer que seja, muito menos fornecer sua senha a terceiros. Ao agir dessa forma, passa a assumir os riscos de sua conduta, que contribui, à toda evidência, para que seja vítima de fraudadores e estelionatários. (RESP 602680/BA, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJU de 16.11.2004; RESP 417835/AL, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJU de 19.08.2002). 2 - Fica excluída a responsabilidade da instituição financeira nos casos em que o fornecedor de serviços comprovar que o defeito inexiste ou que, apesar de existir, a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º do CDC). 3 - Recurso conhecido e provido para restabelecer a r. sentença." (RESP 200301701037, JORGE SCARTEZZINI, STJ - QUARTA TURMA, DJ DATA:14/11/2005 PG:00328) Não há que se falar, portanto, em qualquer relação entre uma ação da instituição financeira, seja omissiva ou comissiva, e o dano experimentado pela autora (nexo de causalidade), de sorte que resta afastada sua responsabilidade objetiva e consequente obrigação de indenizar a parte autora pelos danos materiais e morais sofridos. DISPOSITIVO Pelo exposto, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos da parte autora, MARIA ANGELA AMABILE SABINO (CPF: 097.466.898-27 ), nos termos do art. 487, I, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios, em face do disposto no art. 55 da Lei n° 9.099/1995. Publicação e registro na forma eletrônica. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo eletrônico. Presidente Prudente, data registrada pelo sistema. PRESIDENTE PRUDENTE, 22 de maio de 2025. LUCIANO TERTULIANO DA SILVA Juiz Federal
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Processo nº 5004225-44.2024.4.03.6328
ID: 278283151
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5004225-44.2024.4.03.6328
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LARISSA NONATO SILVA
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5004225-44.2024.4.03.6328 / 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: MARIA ANGELA AMABILE SABINO Advogado do(a) AUTOR: LARISSA NONATO SILVA -…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5004225-44.2024.4.03.6328 / 1ª Vara Gabinete JEF de Presidente Prudente AUTOR: MARIA ANGELA AMABILE SABINO Advogado do(a) AUTOR: LARISSA NONATO SILVA - PR103218 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Advogado do(a) REU: JONATAS THANS DE OLIVEIRA - PR92799 S E N T E N Ç A RELATÓRIO A parte autora, MARIA ANGELA AMABILE SABINO, por meio da presente ação, objetiva a condenação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em danos materiais e morais decorrentes das transferências indevidamente realizadas de sua conta. Consta, em síntese, da exordial que a autora fora vítima do crime de estelionato, praticado na data de 29 de outubro de 2024. Narra a parte autora que recebeu uma ligação em seu telefone residencial fixo, de um homem que se identificava como funcionário da Caixa Econômica Federal, solicitando a confirmação de uma transferência bancária no valor de cinco mil reais. Como não havia realizado qualquer transação, ela seguiu as instruções da ligação, apertando a tecla indicada para ser transferida ao que acreditava ser uma central de atendimentos da Ré. Após a transferência, uma pessoa se apresentou como funcionário da Caixa Econômica Federal e a orientou a realizar uma chamada de vídeo pelo WhatsApp. Na chamada, o suposto atendente, trajando vestes formais e em um ambiente que ostentava o logotipo da instituição financeira Ré, passou confiança à Autora, que acreditou estar tratando diretamente com um representante da empresa requerida. Seguindo as orientações fornecidas pelo atendente, que supostamente cancelaria a transação suspeita, e persuadida pela aparência de legitimidade da situação, a Autora forneceu as informações solicitadas. Enquanto ainda estava no telefone com o suposto funcionário, a Autora foi alertada por sua filha, que chegou em casa e imediatamente reconheceu que a situação poderia se tratar de golpe. Assim que compreendeu a situação, ainda no mesmo dia, a Autora dirigiu-se imediatamente à sua agência da Caixa Econômica Federal, ocasião em que descobriu ter sido realmente vítima de um golpe, e que o golpista havia tirado todo o valor de sua conta poupança em 2 (duas) transações PIX de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada, além do pagamento de um boleto no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em um intervalo de 20 e 3 minutos entre cada transação. Em decorrência disso, descreve que procurou a agência da CEF, tendo sido informada que nada poderia ser realizado pela empresa para recuperação dos valores perdidos. Assevera que não realizou as transferências e que não pode ser penalizada pela falha na segurança dos sistemas da requerida. Declara que lavrou o boletim de ocorrência perante a Delegacia Seccional de Presidente Prudente/SP (arquivo ID 344776520), com o intuito de salvaguardar os seus direitos. Assim, pugna pela restituição dos valores indevidamente sacados, transferidos, bem como pela indenização pelos danos morais que suportou. Citada, a CEF apresentou contestação (arquivo ID 352994663). Aduziu que os fatos narrados na inicial aconteceram por culpa exclusiva da parte autora, pugnando pela improcedência de sua pretensão. Esclareceu, ainda, que: “Informamos que a Sra. Maria Ângela Amabile Sabino, CPF 097.466.898-27, compareceu na agência A1775SP no dia 29/10/2024, por volta das 16:00hs, ou seja, após o banco ter encerrado seu expediente de atendimento ao público. Foi atendida pelo Sr. Marcilio Felipe Junior, Gerente Geral da Agência, que informou a ela que as transações realizadas, envio de Pix e pagamento de boleto, não são passíveis de estorno, conforme determinações do Banco Central do Brasil, ou seja, não há como cancelar tais pagamentos e envios. Por trata-se golpe aplicado contra a mesma, orientamos a fazer um Boletim de Ocorrência e comparecer na agência no dia seguinte para fazermos a Contestação dos Lançamentos e acionar, via área de segurança tecnológica, o bloqueio e a solicitação junto aos bancos favorecidos. Ocorre, que a Sra. Maria Ângela nunca mais retornou à nossa agência, e tão pouco fez a Contestação dos Lançamentos a qual foi orientada. A autora simplesmente não quis contestar tais lançamentos. Outrossim, informo que o caso em questão em momento algum envolveu ou houve alguma facilitação pela Caixa, simplesmente a Sra. Ângela, falando com estranhos, forneceu-lhes todas os dados de sua conta, inclusive suas senhas do cartão e do internet banking utilizadas para pagamentos. Portanto, trata-se de negligência da Sra. Ângela, que não tomou os devidos cuidados com suas informações pessoais e senhas. Segue em anexo encaminho dados do boleto pago, cujo banco favorecido foi Neon Pagamentos S.A Inst de Pagamentos, e dados dos Pix enviados aos Bancos Pag Bank e Bradesco S.A. respectivamente. E para maiores informações sobre os favorecidos somente os referidos bancos poderão fornecer. Ressalto que o caso em questão não envolve fraude, e sim a mesma foi vítima de um golpe aplicado por terceiros. Em resposta a V. solicitação, abaixo, informo que os dados cadastrais dos favorecidos dos recursos somente poderão ser fornecidos pelos bancos que possuem as contas receberam os recursos, pois a Caixa não tem acesso a tais informações. Data vênia, a parte autora definitivamente não comprovou ter havido qualquer falha no serviço prestado pela CAIXA, uma vez a que o prejuízo financeiro não se deu por falha de segurança da CAIXA”. Apresentou documentos. Regularmente processada a ação, os autos vieram conclusos. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, Lei 9.099/95. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, concedo os benefícios da justiça gratuita. As partes são legítimas, estão presentes as condições da ação, bem como os pressupostos de formação e desenvolvimento válido e regular da relação processual. O instituto da Responsabilidade Civil revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que seja imputada para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhes são impostas, tendo por intento a reparação de um dano sofrido, sendo responsável civilmente quem está obrigado a reparar o dano sofrido por outrem. Nos termos do art. 927 do Código Civil de 2002, “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, sendo independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem (parágrafo único). O caso sob luzes trata da responsabilidade civil pelo defeito no fornecimento de serviço, com reparação por danos morais e materiais. Desse modo, trata-se de uma relação consumerista e, como tal, regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Da leitura desse diploma e do posicionamento jurisprudencial extrai-se que a instituições bancárias, ao prestarem um serviço, respondem pelo dano por este causado independentemente de culpa. Sobre o ponto, segue a ilustração do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 14. O fornecedor do serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” O conceito de fornecedor de produtos e serviços está delineado no art. 3º do diploma legal consumerista nos seguintes termos: “Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (g.n.). Infere-se do artigo suso citado o entendimento, consoante o qual o conceito de fornecedor abrange todo aquele que propicie a oferta de produtos e serviços, é dizer, aquele que é responsável pela colocação do produto ou serviço no mercado de consumo. Em conformidade com a súmula n° 297 do STJ, “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Portanto, é objetiva a responsabilidade civil decorrente de atividade bancária, já que o § 2° do art. 3° da Lei 8.078/90 inclui essa atividade no conceito de serviço, dispositivo este que foi declarado constitucional pelo STF ao julgar pedido formulado na ADI 2591/DF (rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006). Com efeito, aquele que formaliza contrato com instituição financeira pode perfeitamente se enquadrar no conceito de consumidor, questão, inclusive, pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (súmula nº 297: o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras), uma vez que os bancos na qualidade de prestadores de serviços são fornecedores e, como tais, em conformidade com o que dispõe o CDC, respondem objetivamente pelos danos que vierem a causar aos seus clientes/consumidores por vício ou defeito na prestação dos serviços. O art. 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) estabelece o dever de indenizar nos seguintes termos: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.” São pressupostos da responsabilidade civil: a) a prática de uma ação ou omissão ilícita (ato ilícito); b) a ocorrência de um efetivo dano moral ou patrimonial; c) o nexo de causalidade entre o ato praticado - comissivo ou omissivo. Nos casos de responsabilidade subjetiva, impende ainda verificar a existência de culpa. No caso em tela, que trata da responsabilidade objetiva, exige-se a conjugação apenas de três elementos para que se configure o dever de indenizar: o ato ilícito, o prejuízo e o nexo de causalidade entre o atuar do ofensor e o dano sofrido pela vítima, sem investigação de culpa. Outrossim, a doutrina atual reconhece a existência de uma diversidade de espécies de danos, sendo mais comuns os patrimoniais e os extrapatrimoniais (que podem ser genericamente assimilados aos danos morais). Os danos patrimoniais não necessitam de especial apreciação, suposto decorrerem de suficiente formulação doutrinal, estando suas concepções estruturais contidas no art. 186 do vigente Código Civil. A indenização para ressarcimento dos danos materiais tem por finalidade recompor o patrimônio da pessoa lesada ao seu status inicial. Desse modo, a demonstração da existência do dano e da diminuição patrimonial suportada pela vítima se torna imprescindível para a condenação do agente causador e para a fixação do montante da indenização. Como se sabe, o dano material corresponde ao lucro cessante e ao dano emergente. Dano emergente é aquilo que o credor efetivamente perdeu e lucro cessante é aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar. Em relação aos danos morais, é interessante agregar algumas outras referências antes de se passar ao estudo do caso concreto. A indenização por danos morais é expressamente admitida pela Constituição Federal de 1988, como se verifica das normas dos incisos V e X do art. 5o, in verbis: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” O Código Civil, em consonância com o texto constitucional – o que a doutrina convencionou chamar de filtragens constitucionais – prevê, no seu art. 927, a obrigação do causador do dano em repará-lo, sendo certo que tal reparação abrange tanto os danos patrimoniais como os morais. O dano ou a lesão a bem jurídico extrapatrimonial é denominado “dano moral”. Tal espécie de dano integra o amplo sistema que visa proteger a cláusula geral da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CRFB). O dano moral representa uma sanção civil a qualquer violação aos direitos que decorrem da personalidade da pessoa humana, os quais são essenciais para o resguardo de sua dignidade. Desta forma, a violação efetiva de qualquer dos direitos decorrentes da personalidade, como nome, honra, imagem, vida privada, intimidade, dentre outros, caracteriza o dano moral. Como mencionado acima, é dano extrapatrimonial, pois vinculado aos direitos subjetivos da personalidade. A dor, o sofrimento, o constrangimento, a humilhação, a aflição, são consequências do dano moral e não o próprio dano. Nesse sentido, aliás, o magistério de Sério CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, Editora Malheiros, 6ª Edição, pág. 101): “O dano moral não está necessariamente vinculado a alguma relação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas.” O dano moral consiste, portanto, na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos de personalidade ou atributos da pessoa humana. É aquele que afeta a honra, a intimidade ou a imagem da pessoa, causando desconforto e constrangimentos, sem, todavia, atingir diretamente o patrimônio jurídico avaliável economicamente da vítima. Logo, para a indenização do dano moral, descabe comprovar o prejuízo supostamente sofrido pela vítima, bastando a configuração fática de uma situação que cause às pessoas, de um modo geral, constrangimento, indignação ou humilhação de certa gravidade. Da análise do caso concreto No presente caso, entendo que é incontroverso que ocorreram as transações bancárias na conta bancária de titularidade da demandante, e que estas movimentações foram efetuadas em decorrência do golpe praticado por terceiros em seu desfavor. Sobre este ponto, aduziu a CEF a inexistência de falha na prestação do seu serviço, diante da culpa exclusiva da vítima, que muito provavelmente autorizou, ainda que de boa-fé, a alteração do computador/dispositivo cadastrado para acesso à Internet, o que ensejou a realização das transferências via PIX nos valores de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada para terceira pessoa que alega desconhecer (arquivo ID 352994669). Quanto esta alegação da empresa requerida, denoto que os fatos narrados pela parte autora indicam a sua responsabilidade, e a de terceiros, pelo dano sofrido, pois foi as transferências foram efetuadas mediante a utilização de senha eletrônica, consoante extratos apresentados pela CEF no arquivo ID 352994672 (copiados com a contestação), cuja guarda e sigilo são de obrigação da parte autora, de modo que não é possível, nessa hipótese, sequer cogitar de qualquer responsabilidade da instituição requerida na sucessão de eventos que culminaram com o seu prejuízo econômico. Ademais, a própria autora assumiu em sua prefacial que sofreu golpe praticado por terceiros, que, a partir do seu dispositivo cadastrado para acesso e movimentação da conta, mediante o uso de sua senha pessoal, realizaram as duas transações via PIX e efetuaram o pagamento do boleto no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), consoante extrato de arquivo ID 352994672. Outrossim, da análise dos autos, mostra-se incontroverso que ocorreu movimentação financeira na conta de titularidade da parte-autora, tendo a CAIXA sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço à luz de que o golpe retratado nos autos teria por gênesis a atuação incauta da demandante (que atendeu ao telefone do golpista, e acreditou ser ele um funcionário da CEF). Com efeito, compulsando os elementos fático-probatórios em cotejo com as argumentações apresentadas, depreende-se, efetivamente, que a situação concreta somente se desencadeou porque a parte-autora acabou por participar do engenho criminoso que estava em curso, praticando todas as condutas fraudulentamente solicitadas por terceiros, o que ensejou as indevidas transferências e o pagamento do boleto em nome de terceiro. Desta feita, entendo que a descrição dos fatos é suficiente para assentar, primeiramente, a desnecessidade de maiores esclarecimentos ou elementos probatórios para o deslinde da causa. Veja-se que aqui não se está a afastar a verossimilhança dos fatos narrados (possível estelionato), mas a probabilidade do direito à reparação do dano pela empresa pública. Com efeito, este Juízo não olvida os constantes golpes perpetrados por quadrilhas que agem com o mesmo modus operandi descrito na inicial. Malgrado o esforço das autoridades responsáveis, com a investigação, prisão e desmantelamento de várias quadrilhas, tais crimes seguem sendo cometidos e, lamentavelmente, suas vítimas possuem, no mais das vezes, o perfil da parte autora, pessoa fragilizada, idosa e vulnerável. Entretanto, no que diz respeito à resolução da causa, é de se frisar que a parte autora foi vítima de um engodo praticado mediante o fornecimento de sua senha pessoal e intransferível, além dos seus dados pessoais, sendo certo que a movimentação atípica em sua conta, por si só, não é suficiente para impingir à ré a responsabilidade pelo evento danoso, pois as movimentações poderiam - por que não - ser legítimas. Ademais, as provas apresentadas pela parte autora não convencem acerca do nexo de causalidade a ensejar a responsabilidade objetiva da ré. Conclui-se, portanto, que houve culpa exclusiva da vítima, aliada a ação de terceiro (autor do delito). A culpa exclusiva da vítima se configura quando esta, espontaneamente, ainda que sob engano, fornece a senha e o acesso à sua conta a estranhos. Neste ponto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de outras Cortes Regionais já firmou entendimento segundo o qual, não obstante a aplicação da responsabilidade atribuída ao fornecedor de serviços pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, essa deve ser elidida quando estiver caracterizada a culpa exclusiva da vítima. No mesmo sentido, destaco os recentes julgados proferidos pela Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região e pela Terceira Turma Recursal de São Paulo: APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FRAUDE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CONDUTA ILÍCITA DA CEF. - É incontroverso que ocorreram transações bancárias na conta bancária de titularidade da autora, que negou a autoria da referida movimentação, tendo a CEF, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço, diante da culpa exclusiva da vítima que entregou, ainda que de boa-fé, seu cartão e senha à pessoa desconhecida. - A filha da apelante seguiu as instruções da interlocutora, ligou no telefono referido e falou com outro suposto representante da ré, fornecendo as informações solicitadas pela suposta representante da instituição financeira. Aduz que lhe foi dito que se dirigisse até a agência da CEF mais próxima para finalizar o atendimento no caixa eletrônico. A filha da parte apelante foi, e sem saber, liberou acesso ao aplicativo do banco aos golpistas. Passados 15 minutos, a polícia conseguiu bloquear o acesso dos criminosos, mas as transferências já haviam sido efetuadas, em razão do que foi subtraído da conta da requerente o montante de R$ 68.155,99. Assevera que foram pagos dois boletos totalizando o importe de R$ 8.169,99 e três operações do tipo PIX totalizando o valor de R$ 59.986,00. Diante do relatado, busca a reparação dos danos morais e materiais junto à instituição financeira ré. - Os fatos narrados pela autora indicam a sua responsabilidade, e a de terceiros, pelo dano sofrido. Não há como exigir que a CEF tenha mecanismos de segurança para evitar que pessoas se passem por seus funcionários em se tratando de supostas operações feitas fora de suas dependências físicas ou eletrônicas. - Embora se trate se situação de compreensível dificuldade e lamento por parte da recorrente, não há fundamento para impor a responsabilidade civil à CEF. - Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000893-83.2021.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 20/10/2022, DJEN DATA: 25/10/2022) PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. FRAUDE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOCORRÊNCIA DE DANO MATERIAL E/OU DE DANO MORAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA INDEVIDA. - Para caracterizar a responsabilidade civil extracontratual e objetiva, devem ser comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do interessado, por ato ou por fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF (ou de terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação ou a omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure desconforto), ou em caso de ato ou de fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor ou de terceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva. - Mostra-se incontroverso que ocorreram movimentações financeiras (PIX, TEDs e TEV) na conta poupança de titularidade da parte-autora, que negou a autoria das operações, tendo a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, por outro lado, sustentado a inexistência de falha na prestação do serviço à luz de que o golpe retratado nos autos teria por gênesis a atuação incauta da própria correntista. - A situação concreta de fraude somente se desencadeou porque a parte-autora, munida de seu cartão bancário e mediante a aposição de sua senha pessoal e intransferível, acabou por participar do engenho criminoso que estava em curso, liberando um dispositivo previamente cadastrado por agentes criminosos e cadastrando nova senha de acesso ao sistema de internet banking da instituição financeira. - Os fatos narrados nos autos apontam pela incidência da causa excludente de responsabilidade da “culpa exclusiva da vítima”, a elidir qualquer pretensão ressarcitória a cargo do banco. Precedentes do E. STJ e das C. Cortes Regionais. - Recurso da instituição financeira provido. Recurso da parte-autora prejudicado. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001183-34.2021.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 01/06/2023, Intimação via sistema DATA: 05/06/2023) RECURSO INOMINADO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GOLPE POR TELEFONE OU GOLPE DO PIX. PREJUÍZO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DE DADOS BANCÁRIOS PESSOAIS FORNECIDOS A DESCONHECIDOS PELO PRÓPRIO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA DA RÉ QUE IMPLIQUE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO ILÍCITO DE TERCEIROS E O DANO EXPERIMENTADO PELA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA E COMPENSATÓRIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DESPROVIDO. (TRF 3ª Região, 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0116926-22.2021.4.03.6301, Rel. Juiz Federal LEANDRO GONSALVES FERREIRA, julgado em 18/08/2022, DJEN DATA: 25/08/2022) Em caso semelhante, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça também já decidiu: RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS - SAQUES INDEVIDO EM CONTA-CORRENTE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - ART. 14, § 3º DO CDC - IMPROCEDÊNCIA. 1 - Conforme precedentes desta Corte, em relação ao uso do serviço de conta-corrente fornecido pelas instituições bancárias, cabe ao correntista cuidar pessoalmente da guarda de seu cartão magnético e sigilo de sua senha pessoal no momento em que deles faz uso. Não pode ceder o cartão a quem quer que seja, muito menos fornecer sua senha a terceiros. Ao agir dessa forma, passa a assumir os riscos de sua conduta, que contribui, à toda evidência, para que seja vítima de fraudadores e estelionatários. (RESP 602680/BA, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJU de 16.11.2004; RESP 417835/AL, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJU de 19.08.2002). 2 - Fica excluída a responsabilidade da instituição financeira nos casos em que o fornecedor de serviços comprovar que o defeito inexiste ou que, apesar de existir, a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º do CDC). 3 - Recurso conhecido e provido para restabelecer a r. sentença." (RESP 200301701037, JORGE SCARTEZZINI, STJ - QUARTA TURMA, DJ DATA:14/11/2005 PG:00328) Não há que se falar, portanto, em qualquer relação entre uma ação da instituição financeira, seja omissiva ou comissiva, e o dano experimentado pela autora (nexo de causalidade), de sorte que resta afastada sua responsabilidade objetiva e consequente obrigação de indenizar a parte autora pelos danos materiais e morais sofridos. DISPOSITIVO Pelo exposto, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos da parte autora, MARIA ANGELA AMABILE SABINO (CPF: 097.466.898-27 ), nos termos do art. 487, I, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios, em face do disposto no art. 55 da Lei n° 9.099/1995. Publicação e registro na forma eletrônica. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo eletrônico. Presidente Prudente, data registrada pelo sistema. PRESIDENTE PRUDENTE, 22 de maio de 2025. LUCIANO TERTULIANO DA SILVA Juiz Federal
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Processo nº 5007135-12.2021.4.03.6114
ID: 312461581
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5007135-12.2021.4.03.6114
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO LUIS TALPAI
OAB/SP XXXXXX
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VICTOR DE ALMEIDA PESSOA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007135-12.2021.4.03.6114 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: FERNANDO AGOSTINI NETO Adv…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007135-12.2021.4.03.6114 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: FERNANDO AGOSTINI NETO Advogados do(a) APELANTE: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP D E C I S Ã O Trata-se de ação indenizatória, ajuizada por FERNANDO AGOSTINI NETO em face da UNIÃO FEDERAL, visando à condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de, no mínimo, R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária e juros de mora contados desde o evento danoso (30/04/1980), em razão de atos de perseguição política perpetrados pelo Estado contra ele. Foram concedidos os benefícios da justiça gratuita. Devidamente citada, a União apresentou contestação. Réplica da parte autora. A União peticionou, requerendo a intimação da parte autora para que manifestasse eventual interesse na celebração de acordo e, em caso afirmativo, a suspensão do processo pelo prazo de 60 dias, nos termos do artigo 313, II do CPC. O autor informou não ter interesse na celebração de acordo. Sobreveio sentença, que julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, I, do CPC. O autor foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a concessão da justiça gratuita. O autor opôs embargos de declaração, que foram rejeitados. Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação, sustentando que os atos perpetrados pelo Estado brasileiro em seu desfavor, mediante uso de investigações sigilosas, vilipendiaram inúmeros direitos fundamentais, tais quais a sua integridade psíquica (art.1°, III, CF), a livre manifestação do pensamento, impondo-lhe tratamento desumano e degradante (art. 5º, III, CRFB), a liberdade de locomoção (art. 5°, XV, CRFB), a intimidade, vida privada e sua honra frente à sociedade (art. 5º, X, CRFB), a liberdade de associação (art. 5º, XVII, CRFB), a liberdade de consciência e de crença política (art. 5º, VI, CRFB). Alega, ainda, que o reconhecimento da condição de anistiado político por parte do Estado brasileiro enseja prova cabal e indiscutível da perseguição política sofrida, restando configurado o dano moral in re ipsa. Requer, assim, a reforma da r. sentença, julgando-se procedente a demanda. Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte. O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso. O autor apresentou proposta de acordo. Intimada, a União informou a impossibilidade de realização de transação na atual fase processual. É o relatório. DECIDO. De início, observa-se que o artigo 932, IV e V, do Código de Processo Civil – CPC, Lei nº 13.105/15, autoriza o Relator, por decisão monocrática, a negar ou dar provimento a recursos. Apesar de as mencionadas alíneas do dispositivo elencarem as hipóteses em que o Julgador pode exercer tal poder, o entendimento doutrinário é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Conforme já firmado na orientação deste Colegiado: “(...) Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas. (Curso de Processo Civil, 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).(...)”. (ApCiv nº 0013620-05.2014.403.6100, Rel. Des. Fed. SOUZA RIBEIRO, decisão de 23/03/2023) Desta feita, à Súmula 568 do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ ("O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema") une-se a posição doutrinária retro transcrita, no sentido da exemplificatividade do listado do artigo 932 do CPC. Impende consignar que o princípio da colegialidade não resta ferido, prejudicado ou tolhido, pois as decisões singulares são recorríveis pela via do Agravo Interno (art. 1.021, caput, CPC). Nesta esteira, a jurisprudência deste E. Tribunal: “TRIBUTÁRIO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO – ART. 1021, CPC - POSSIBILIDADE DA DECISÃO UNIPESSOAL, AINDA QUE NÃO SE AMOLDE ESPECIFICAMENTE AO QUANTO ABRIGADO NO NCPC. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DAS EFICIÊNCIA (ART. 37, CF), ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESSO E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (ART. 5º, LXXVIII, CF - ART. 4º NCPC). ACESSO DA PARTE À VIA RECURSAL (AGRAVO) – ARGUMENTOS QUE NÃO MODIFICAM A FUNDAMENTAÇÃO E A CONCLUSÃO EXARADAS NA DECISÃO MONOCRÁTICA - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – EXCESSO DE EXECUÇÃO NÃO DEMONSTRADO - ICMS NA BASE DE CÁLCULOS DO PIS/COFINS – RE 574.706 – MODULAÇÃO DOS EFEITOS – OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS APÓS 15/03/2017 -AFASTADAS AS ALEGAÇÕES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE OFENSA À AMPLA DEFESA – LEGALIDADE DO ENCARGO PREVISTO PELO DECRETO-LEI Nº 1025/69 - AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Eficiência e utilitarismo podem nortear interpretações de normas legais de modo a que se atinja, com rapidez sem excessos, o fim almejado pelas normas e desejado pela sociedade a justificar a ampliação interpretativa das regras do NCPC que permitem as decisões unipessoais em sede recursal, para além do que a letra fria do estatuto processual previu, dizendo menos do que deveria. A possibilidade de maior amplitude do julgamento monocrático - controlado por meio do agravo - está consoante os princípios que se espraiam sobre todo o cenário processual, tais como o da eficiência (art. 37, CF; art. 8º do NCPC) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF; art. 4º do NCPC). 2. O ponto crucial da questão consiste em, à vista de decisão monocrática, assegurar à parte acesso ao colegiado. O pleno cabimento de agravo interno - AQUI UTILIZADO PELA PARTE - contra o decisum, o que afasta qualquer alegação de violação ao princípio da colegialidade e de cerceamento de defesa; ainda que haja impossibilidade de realização de sustentação oral, a matéria pode, desde que suscitada, ser remetida à apreciação da Turma, onde a parte poderá acompanhar o julgamento colegiado, inclusive valendo-se de prévia distribuição de memoriais. 3. Argumentos apresentados no agravo não abalaram a fundamentação e a conclusão exaradas por este Relator, adotando-as como razão de decidir deste agravo. 4. A sentença considerou, no que tange à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, que esse pedido se trata de alegação de excesso de execução e que a inicial não foi instruída com o demonstrativo discriminado e atualizado do valor devido, conforme exigido pelo art. 917, § 3º, do CPC, o que inviabiliza o julgamento de mérito dos embargos, pois ausente pressuposto processual para seu processamento e, sob esse aspecto, julgou-os extintos, com base no art. 485, IV, c/c art. 917, §§ 3º e 4º, do CPC, entendimento tem sido acolhido por Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte. 5. A pretensão da recorrente de produção de prova não encontra amparo, uma vez que devem ser observados os efeitos da modulação definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos embargos declaratórios opostos no RE nº 574.706, que fixou como marco inicial da tese de inconstitucionalidade o dia 15/03/2017, ressalvando os contribuintes exercentes de pretensão contra a incidência tributária até essa data pela via administrativa ou judicial. (...) 11. O agravo interno não trouxe qualquer argumento novo capaz de modificar a conclusão deste Relator, que por isso a mantém por seus próprios fundamentos. Precedentes desta Sexta Turma e do E. Superior Tribunal de Justiça. 12. Negado provimento ao agravo interno. (ApCiv nº 5000069-41.2022.4.03.6115/SP, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, 6ª Turma, j. 14/07/2023, Intimação via sistema DATA: 20/07/2023) E mais: ApCiv nº 0013620-05.2014.4.03.6100, Rel. Des. Fed. SOUZA RIBEIRO, 6ª Turma, j. 14/07/2023, DJEN 20/07/2023; ApReeNec nº 00248207820164039999, Des. Fed. GILBERTO JORDAN, 9ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017. Assim, passa-se à decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V, do CPC. O artigo 8º do ADCT estabelece a concessão de anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, assegurando-lhes as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, com efeitos financeiros a partir da promulgação da CF. Tais benefícios também são assegurados "aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos" (§2º). Além disso, a Lei nº 10.559/02, que regulamenta o referido artigo, prevê ao anistiado, entre outros direitos, a concessão de reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou mensal, permanente e continuada. Frise-se, ainda, que é plenamente possível a cumulação da referida reparação econômica com indenização por danos morais, uma vez que as verbas possuem natureza e finalidade diversas. Enquanto a primeira visa à reparação pelos danos materiais sofridos pelo anistiado em razão de perseguição política, a segunda se refere aos danos de cunho extrapatrimonial, relativos às violações à dignidade, à honra, à imagem, à integridade física, a abalos de natureza social e psíquica ou a quaisquer outras ofensas a direitos de personalidade. Tal entendimento está consolidado na Súmula 624 do C. STJ: "É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº 10.559/2002 (Lei da Anistia Política)". Nessa senda, destaco os seguintes julgados (g.n.): “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REGIME MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM REPARAÇÃO ECONÔMICA. POSSIBILIDADE. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. De acordo com a jurisprudência do STJ, inexiste vedação de acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto elas constituem verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas, conforme foi decidido na origem. 3. Agravo interno desprovido.” (AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1609796 2016.01.69630-8, GURGEL DE FARIA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:25/09/2019 ..DTPB:.) "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI SUPOSTAMENTE VIOLADO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PRESCRIÇÃO. ACÓRDÃO QUE DECIDE A CONTROVÉRSIA TAMBÉM SOB O ENFOQUE CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 126/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR. ANISTIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA DECORRENTE DA LEI 10.559/02. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO POLÍTICA COMPROVADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. SÚMULA 54/STJ. REDUÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 7/STJ. 1. O Agravo de Aramy Viterbo Santolim não merece ser provido, uma vez que o agravante deixou de indicar, de forma inequívoca, os dispositivos legais supostamente violados pelo v. acórdão impugnado, o que caracteriza deficiência na fundamentação recursal, conforme a Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". Ademais, cumpre ressaltar que, mesmo que o apelo nobre seja interposto exclusivamente pela divergência jurisprudencial, deve a parte recorrente apontar de maneira clara e precisa que artigo de lei federal foi, no seu entender, interpretado de forma equívoca pela Corte de origem, o que não ocorreu na espécie. 2. Quanto ao Recurso Especial da União, não se configura a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. 3. Acerca da prescrição, o Tribunal de origem considerou a imprescritibilidade da pretensão por se tratar de demanda que busca salvaguardar a dignidade da pessoa humana diante de atos que importem ofensa aos direitos da personalidade, tais como atos ilícitos praticados por agentes do Estado durante o regime militar. Contudo, contra o aresto impugnado foi interposto unicamente o presente Recurso Especial, deixando a ora recorrente de apresentar Recurso Extraordinário ao STF. Permanecem incólumes os fundamentos constitucionais do decisório recorrido, suficientes para mantê-lo. Incide o óbice da Súmula 126/STJ. 4. O entendimento firmado do STJ é de que a reparação econômica realizada pela União decorrente da Lei 10.559/02 não se confunde com a reparação por danos morais prevista no art. 5º, V e X, da Constituição Federal. 5. Com relação ao preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, melhor sorte não assiste à parte. Isso porquanto o acórdão recorrido entendeu tratar-se de prisão com motivação exclusivamente política, não podendo o STJ, em Recurso Especial, alterar esse entendimento, uma vez que exige revolvimento de matéria fática e probatória. Incide, portanto, o óbice da Súmula 7/STJ. 6. Quanto aos juros moratórios, a orientação do STJ é a de que estes incidem desde a data do evento danoso, na hipótese de responsabilidade extracontratual (Súmula 54/STJ). 7. Como regra, não se conhece de Recurso Especial no qual se discute a majoração ou a redução do valor dos honorários advocatícios fixados na origem, por demandar a análise dos fatos e provas que emergem dos autos, o que é vedado por força da aplicação da Súmula 7/STJ, exceto nos casos em que o valor se mostrar exorbitante ou irrisório, o que não é o caso dos autos, em que foi fixado em montante razoável para a matéria discutida nos autos e o trabalho desenvolvido pelos causídicos. 8. Por fim, a apreciação, em Recurso Especial, do quantitativo em que autor e réu saíram vencedores ou vencidos na demanda, bem como a existência de sucumbência mínima ou recíproca, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 9. Agravo de Aramy Viterbo Santolim não provido. Recurso Especial da União parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido." (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1778207 2018.02.96984-4, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/04/2019) "ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. ANISTIADO POLÍTICO. DEMISSÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. DANO MORAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. JUROS DE MORA. - A jurisprudência dos Tribunais, consolidou-se no sentido de serem imprescritíveis as pretensões compensatórias decorrentes de violações aos direitos da personalidade e dignidade da pessoa humana, como as discutidas na hipótese, não se aplicando, ao caso o Decreto-Lei nº 20.910/32 e nem os prazos previstos no Código Civil. - Cumpre salientar que o direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei Federal n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado. - O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em demissões, prisões e torturas. - A reparação administrativa de danos decorrentes de perseguição a anistiado político, prevista em legislação específica, não exclui o interesse de agir na ação de indenização por danos morais, que se destina à proteção, tutela e reparação de bens jurídicos distintos dos tratados administrativamente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - Tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto, prescinde de dolo ou culpa. - Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pelo autor, o qual foi sindicalista, participou de movimento grevista, tendo sido perseguido, preso e demitido exclusivamente por motivos políticos. - O conjunto probatório demonstra que o autor teve sua condição de anistiado político reconhecida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, ocasião em que lhe foi concedida reparação econômica de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente e continuada, valor de R$ 1.871,14, com efeitos financeiros retroativos a partir de 03/07/2002. - O valor da indenização pelos danos morais fixados em R$60.000,00 é adequado e está de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, razão pela qual deve ser mantida a sentença. - No tocante aos juros de mora, seu termo inicial deve coincidir com a data do evento danoso, por ser este o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. - Deve ser considerado como data do evento danoso, para o início do computo dos juros moratórios, a data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988), ocasião em que se reconheceu o direito à anistia aos perseguidos por motivação política, e reparação econômica com efeitos financeiros a partir da promulgação da Carta Magna (art.8º, 1º do ADCT). - Correção monetária e juros de mora de acordo com os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da liquidação do julgado. - Apelação da União Federal provida em parte. Apelação do Estado de São Paulo não provida." (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv 5030238-95.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 05/08/2022, Intimação via sistema DATA: 08/08/2022) No caso, narra o autor que, em 1979, trabalhava na empresa Volkswagen do Brasil S/A, período em que teve inicio a mobilização para campanha salarial, através de reuniões com militantes e trabalhos nas portas das fábricas. Consta que, no dia 30/04/1980, foi detido quando participava de um "piquete" na porta da referida empresa (ID 288023198 e 288023201), sendo algemado e jogado dentro de uma viatura, que o conduziu ao 1º DP da cidade, juntamente com outros 15 colegas. Relata que sofreu torturas psicológicas, sendo obrigado a assinar uma declaração na qual dizia ser ele o coordenador dos piquetes. Por volta das 23 horas do mesmo dia, foi liberado. No dia 24/02/1981 foi demitido, ficando 2 anos e 5 meses desempregado. No dia 05/07/1983, começou a trabalhar na empresa Ford do Brasil S/A. No ano de 1986, foi eleito pelos trabalhadores para fazer parte da Comissão de Fábrica, com mandato de dois anos. Em 14/10/1986, cerca de 900 trabalhadores do setor de montagem paralisam suas atividades, reivindicando melhorias salariais, desencadeando uma greve, denominada operação "Cambalacho", que consistia no boicote à produção. Em razão disso, o autor e os demais colegas da Comissão de Fábrica foram suspensos pela empresa, por tempo indeterminado (ID 288023159). Mesmo suspensos, participaram de assembleias dentro da fábrica, razão pela qual foram demitidos e denunciados pela empresa por invasão e danos a 115 veículos da fábrica (ID 288023000 e ss). O fato foi amplamente divulgado pela imprensa escrita (ID 288023000, pp. 07/21, e 288023044) e por programa de televisão ((ID 288023000, p. 22). Diante disso, o autor, juntamente com seus colegas sindicalistas, passaram a responder a processo criminal (proc. nº 8265089) Afirma que ficou quase dois anos desempregado, foi impedido de crescer profissionalmente e passou por dificuldades financeiras, com família para sustentar. Alega que, nesse período, seu nome já constava em uma lista que as empresas tinham com o nome de "Expediente Oficial Sigiloso", conhecida pelos trabalhadores como Lista Negra, razão pela qual nunca mais conseguiu emprego na área metalúrgica. Em 09/08/1994, o D. Juízo da 4ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo proferiu sentença, absolvendo o autor e demais colegas dos crimes que lhes foram imputados na referição ação criminal nº 8265089, nos seguintes termos: "A peça inicial acusatória menciona, embora com outras palavras, que o objetivo dos acusados seria o de impedir o curso normal dos trabalhos, mediante a suposta invasão. (...) Entretanto, no caso dos autos, permanecem dúvidas intransponíveis acerca da efetiva configuração do delito em tela, notadamente no que se refere à alegada "invasão" e cometimento, pelos acusados, de danos nos veículos no interior do estabelecimento industrial. Na fase do contraditório, todos os acusados foram unânimes em afirmar que o caminhão de som utilizado pelo sindicato limitou-se a ingressar no páteo externo da indústria, onde comumente eram realizadas assembléias. (...) Até mesmo as testemunhas da acusação que depuseram a fls. 641/644, que trabalhavam como guardas de segurança na ocasião, esclareceram que em nenhum momento viram qualquer dos acusados adentrar na parte interna da empresa e ocasionar danos nos veículos retratados no laudo de fls. 271/395. Aliás, acerca desses danos, as testemunhas arroladas pela defesa informaram que os veículos demonstrados no laudo permaneciam em ala destinada a reparos decorrentes de defeitos ocasionados na montagem, ala esta que ficava muito distante do local em que se realizavam as assembléias do sindicato. Portanto, verifica-se que as provas carreadas aos autos são frágeis e insuficientes para embasar decisão condenatória, razão pela qual devem os acusados ser absolvidos, mesmo porque a responsabilidade penal deve decorrer de provas seguras e incontestáveis. Se efetivamente foi praticado dano por pessoas que participavam das manifestações, seria necessário indentificar tais pessoas e não simplesmente responsabilizar os dirigentes do sindicato pelos fatos, quando nenhuma prova sequer demonstrou a participação dos mesmos no evento, seja diretamente, sejam mediante instigação." (g.n. - ID 288023004, pp. 17/20) Os fatos relatados estão comprovados nos autos por farta prova documental juntada pelo autor. Verifica-se que, além de responder a processo criminal durante anos e de ter o seu nome divulgado pela imprensa (ID 288023156), suas atividades como sindicalista foram monitoradas pelo Estado, sendo vítima de detenção e demissões arbitrárias. Ainda, foi fichado pelo DOPS (IDs 288023198, 288023207, 288023170, 288023172 e 288023177) e incluído na chamada "lista negra", que consistia em uma lista com nomes de trabalhadores demitidos por razões políticas, que era compartilhada entre as empresas, a fim de dificultar ou impossibilitar novas contratações. Sobre o tema há nos autos diversos informes e relatórios da Aeronáutica, discorrendo acerca de reuniões do Centro Comunitário de Segurança no Vale do Paraíba - CECOSE-VP (IDs 288023057, 288023060, 288023063, 288023066, 288023073, 288023077, 288023079, 288023080 e 288023134). Em um desses informes, elaborado pelo Centro Técnico Aeroespacial - CTA, em setembro de 1985, consta o assunto "CECOSE-VP atua para evitar contratação de ativistas do movimento sindical" e o seguinte texto: "Após a realização de greves em diferentes indústrias são relacionados, pelas firmas, os ativistas que se destacaram durante a greve. As relações são passadas de uma para outra indústria e cabe a decisão à empresa que recebeu, admitir ou não o ativista relacionado. A prática descrita acaba deixando desempregado os ativistas e militantes. Existe um Centro Comunitário de Segurança no Vale do Paraíba - CECOSE-VP, que foi criado pelas indústrias e congrega indústrias da região do vale, algumas de São Paulo e outras regiões. Frequentam como convidados integrantes de diversos órgãos de informações - Exército, Marinha, Aeronáutica, Polífica Federal e Estadual. O COCESE-PV (sic), tem por hábito reunir-se mensalmente em diferentes locais, com finalidade de trocar dados sobre segurança patrimonial e industrial." (g.n. - ID 288023080) A existência das denominadas "listas negras" e do CECOSE também foi elucidada pela Comissão Nacional da Verdade (g.n.): "[...] havia a presença de agentes da repressão infiltrados entre os operários, a estreita colaboração entre a nova burocracia sindical e os órgãos de repressão, a instituição das Assessorias de Segurança e Informação (ASI) no interior das empresas estatais e dos setores de RH das empresas privadas e o fornecimento de “listas negras” para o DOPS e Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). [...] [...] As “listas negras” (listas com nomes de trabalhadores demitidos por razões políticas e cuja admissão em outras empresas se queria evitar), recurso empregado desde sempre pelos patrões, tornaram-se mais eficazes, integrando-se a um sistema maior de repressão. Os nomes dos funcionários eram repassados diretamente ao DOPS e outros órgãos da repressão política. [...] [...] No Vale do Paraíba, São Paulo, em 1983, foi organizado um Centro Comunitário de Segurança (CECOSE). Esse centro operava no compartilhamento de informações sobre as atividades dos trabalhadores, sobretudo, dos dirigentes sindicais, por meio de reuniões mensais nas dependências das fábricas, hotéis ou pousadas da região, com a presença de representantes empresariais. O CECOSE contribuiu para aprofundar a colaboração entre o empresariado da região, o da capital de São Paulo e o regime militar, visando manter a segurança patrimonial e política dentro das fábricas. Era composto por chefes de segurança, normalmente de extração militar, de 25 grandes empresas transnacionais, nacionais e estatais, e membros do Exército, Aeronáutica, Centro Técnico Aeroespacial (CTA), e das Polícias Militar, Civil e Federal. Nos documentos obtidos a respeito do funcionamento do centro, localizou-se um, datado de 18 de julho de 1983, no qual se registra, textualmente, que o representante da empresa Volkswagen expôs os assuntos mais importantes em reunião, apresentando anotações, em forma de “lembretes”, ao CECOSE. [...] Sobre a Volkswagen do Brasil, existe, ainda, uma profusão de documentos que comprovam a cooperação da empresa com órgãos policiais de segurança do DOPS, identificada, por exemplo, a partir de relatório proveniente do Setor de Análise, Operações e Informações do mencionado órgão policial. O relatório fala a respeito do 'Comício realizado na Portaria da VW, no dia 26-03-80 pela Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema'. Esse ofício da polícia política registra 'um resumo feito pela Volkswagen referente à atuação do Sindicato (...) elaborado pela Segurança da Volkswagen'." (Comissão Nacional da Verdade - Relatório Volume II - Textos temáticos, pp. 64/67. Disponível em:
) Por fim, em 07/12/2016, foi declarado anistiado político pelo Ministério da Justiça e Cidadania (ID 288023045), reconhecendo-se o seu direito à reparação econômica, em prestação mensal, permanente e continuada, no valor de R$ 1.772,00, com efeitos financeiros retroativos a contar de 19.03.2009 até a data do julgamento, bem como a contagem de tempo, para todos os efeitos, do período compreendido entre 24.02.1981 a 05.07.1983 e de 31.07.1987 até 05.10.1988. Diante de todos esses fatos, amplamente documentados nos autos, claro está que o apelante foi vigiado, perseguido, preso, demitido, difamado, além de ter figurado na “lista negra” do DOPS, o que não gerou mero constrangimento, mas sim efetivo abalo psíquico. Para além disso, o reconhecimento da condição de anistiado político, por si só, evidencia a presença do dano e o nexo de causalidade entre este e a conduta dos agentes públicos, restando configurada a responsabilidade civil do Estado, nos termos do artigo 37, § 6º, da CF/88 (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”). Assim, razão assiste ao apelante, devendo a União ser condenada ao pagamento de danos morais. A propósito de dano moral, Wilson Mello da Silva (O Dano Moral e a sua Reparação, Rio, 1955) preleciona que "são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico". E, complementa Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, Editora Rio, edição histórica, 7ª tiragem), que o dano "é moral, quando se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos". No tocante ao valor, este deve ser fixado em quantum que represente, ao mesmo tempo, justa punição ao ofensor e legítima reparação à vítima. Para tanto, devem ser consideradas a extensão da lesividade do dano e a viabilidade econômica do ofensor, a fim de que o montante seja suficiente para desestimular a prática reiterada de tal conduta, sem, todavia, dar ensejo a enriquecimento sem causa do ofendido. Assim, em conformidade com a jurisprudência desta E. Corte, estabeleço o valor da indenização em R$ 100.000,00 (cem mil reais). "CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DEMISSÃO DA GM EM 1985 POR MOTIVOS POLÍTICOS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. INDENIZAÇÃO CONCEDIDA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. APELAÇÃO DA UNIÃO PARCIALMENTE PROVIDA. - No presente feito, a autora objetiva provimento jurisdicional que condene a União ao pagamento de danos morais, tendo em vista a demissão de seu já falecido marido, por motivos políticos, dos quadros da General Motors do Brasil, demitido em 1985, quando foi deflagrada a greve de petroleiros. - Inicialmente, rejeito a prejudicial de mérito de prescrição, pois entendo que a indenização por danos morais é paga em razão de danos causados aos direitos da personalidade, que não estão sujeitos à prescrição. Além disso, está-se diante de danos decorrentes do regime militar, pelo que por longo período as partes sequer poderiam postular seus direitos sem o temor de represálias. Assim, afasta-se a ocorrência de prescrição, qualquer que seja sua espécie ou fundamento jurídico. Jurisprudência do STJ. - O direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei Federal n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado. - O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em demissões, prisões e torturas. - Com relação à constatação da responsabilidade do Estado, ressalto que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto prescinde de dolo ou culpa. - Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pela apelante e seu esposo, o qual foi demitido exclusivamente por motivos políticos. - O movimento grevista de 1985 teve grande repercussão no país, com publicação em jornais de maior circulação dos nomes das pessoas demitidas por participação na greve e exposição pública dos participantes, situação que gerou dificuldades de recolocação dos profissionais no mercado de trabalho, tanto por negativa das empresas privadas em contratação destes funcionários, quanto por ausência de atividade similar no mercado. - No que se refere ao valor da indenização, este deve ser fixado tendo-se em vista dois parâmetros: por primeiro é importante que tenha um caráter educativo, buscando desestimular o condenado à prática reiterada de atos semelhantes; por outro lado, não pode ser de uma magnitude tal que acabe por significar enriquecimento ilícito por parte da vítima. - No caso concreto, a indenização, fixada pela r. sentença em R$ 100.000,00 (cem mil reais), está adequada e em conformidade com a jurisprudência desta Corte, em casos análogos. - A correção monetária será calculada, a partir desta decisão (Súmula nº 362 do C. STJ). Juros moratórios, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça). Ressalto, todavia, que a data do evento danoso deve ser considerada como a data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, 05/10/1988, quando se reconheceu o direito à anistia aos que, no período de setembro de 1946 até a data da promulgação desta Carta, foram atingidos por motivação política oriunda de atos de exceção (o § 1º do Artigo 8º do ADCT prescreve que o disposto no referido artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição). - Com relação aos consectários, deve-se observar os índices previstos nos julgamentos do Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE n.º 870.847) e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp n.º 1.495.146/MG), garantindo, inclusive, a aplicação dos juros de mora à razão de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.º-F, da Lei 9.494/97, porque em conformidade com os precedentes citados. - Apelação da União parcialmente provida tão-somente para determinar a incidência de juros de mora a partir do evento danoso, considerado este como a data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, 05/10/1988." (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv 5001472-18.2021.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal MONICA NOBRE, julgado em 21/03/2022, Intimação via sistema DATA: 14/04/2022) "PROCESSO CIVIL E CONSTITUCIONAL. PRESCRIÇÃO. ANISTIA POLÍTICA. DITADURA MILITAR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. CUMULAÇÃO COM REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. LEI 10.559/2002. POSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. APELAÇÃO DA UNIÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à imprescritibilidade das ações de reparação de danos decorrente de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o regime militar. 2. A Comissão de Anistia reconheceu a condição de anistiado político do autor e deferiu-lhe o direito à reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 2.186,60 (dois mil, cento e oitenta e seis reais e sessenta centavos), em substituição à aposentadoria excepcional de anistiado político, nos termos do artigo 1º, incisos I, II e III da Lei nº 10.559/2002. 3. Há possibilidade de cumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, por se tratar de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversa; enquanto a primeira visa à recomposição patrimonial, a segunda tem por escopo a tutela da integridade moral. Precedentes. 4. O autor, por defender ações contra o regime militar, foi vigiado, perseguido, destituído do seu cargo eletivo de dirigente sindical e figurou na “lista negra” do DOPS, o que não gerou mero constrangimento, mas sim efetivo abalo psíquico. 5. No tocante à fixação do montante a título de indenização por danos morais, atentando-se às circunstâncias fáticas do caso concreto, é adequado majorar a indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 100.000,00 (cem mil reais), alinhando-a ao entendimento jurisprudencial sobre o tema. 6. Com relação à incidência dos consectários legais sobre o valor de indenização por dano moral, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema é no sentido de que os juros de mora, em caso de responsabilidade extracontratual, devem incidir a partir da data do evento danoso (Súmula 54 STJ), e a correção monetária a partir do arbitramento (Súmula 362 STJ). 7. O Superior Tribunal de Justiça julgou repetitivo (REsp 1.492.221) que discutia a aplicabilidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, em relação às condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, devendo ser observados os índices e percentuais ali definidos. 8. Nos casos de indenização por danos morais, fixado o valor indenizatório menor do que o indicado na inicial, não se pode reconhecer a sucumbência recíproca, pois, nesses casos, a sucumbência está ligada ao reconhecimento ou não do pedido, e não ao quantum arbitrado pelo juízo, nos termos da Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça. 9. No que diz respeito aos honorários advocatícios, a condenação da União se deu de forma correta, com fundamento no artigo 85, § 3º, I, do CPC; entretanto, devido à incidência de juros e correção monetária, não é possível saber, neste momento, o valor exato da condenação, a ser apurado na fase de liquidação, o que implica, necessariamente, na aplicação do § 5º do supracitado dispositivo legal (honorários escalonados). 10. Considerando, por fim, o trabalho adicional do causídico da parte autora, de rigor a majoração da verba honorária sucumbencial de 10% (dez por cento) para 11% (onze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC/2015. 11. Apelação da União desprovida. 12. Apelação do autor provida." (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003289-21.2020.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 08/08/2022, DJEN DATA: 12/08/2022) “ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. ANISTIADO POLÍTICO. DEMISSÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. DANO MORAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. JUROS DE MORA. - A jurisprudência dos Tribunais, consolidou-se no sentido de serem imprescritíveis as pretensões compensatórias decorrentes de violações aos direitos da personalidade e dignidade da pessoa humana, como as discutidas na hipótese, não se aplicando, ao caso o Decreto-Lei nº 20.910/32 e nem os prazos previstos no Código Civil. - Cumpre salientar que o direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei Federal n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado. - O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em demissões, prisões e torturas. - A reparação administrativa de danos decorrentes de perseguição a anistiado político, prevista em legislação específica, não exclui o interesse de agir na ação de indenização por danos morais, que se destina à proteção, tutela e reparação de bens jurídicos distintos dos tratados administrativamente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - Tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto, prescinde de dolo ou culpa. - Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pelo autor demitido dos quadros da Petrobrás, por participação do movimento paredista de 1983, motivo exclusivamente político. - O conjunto probatório demonstra que o autor teve sua condição de anistiado político reconhecida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (Portaria n. 2.419/2006), ocasião em que lhe foi concedida reparação econômica de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente e continuada, valor de R$ 2.066,25, referente a diferença salarial, com as respectivas vantagens do cargo de Técnico de Segurança III, nível 258, com efeitos financeiros retroativos de 04/09/2006 a 05/10/1988, no total de R$496.695,81. - Quanto ao valor da indenização, entendo ser de rigor a fixação em R$100.000,00, montante inclusive arbitrado em outros julgados deste Tribunal relativos a casos similares. - No tocante aos juros de mora, seu termo inicial deve coincidir com a citação da União Federal nesta demanda, por ser este o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. - Correção monetária e juros de mora de acordo com os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da liquidação do julgado. - Apelação da parte autora provida.” (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv 5000757-43.2016.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal PAULO DOMINGUES, julgado em 17/12/2021, Intimação via sistema DATA: 12/01/2022) “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS PERPETRADAS À EPOCA DO REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM REPARAÇÃO PREVISTA NA LEI 10.559/02. CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO. DANO MORAL IN RE IPSA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 1. A questão posta nos autos diz respeito à responsabilidade civil do Estado. 2. A imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do regime ditatorial brasileiro é matéria pacífica no âmbito dos Tribunais Superiores, conforme o teor da súmula 647 do C. Superior Tribunal de Justiça. 3. É inaplicável à hipótese, portanto, o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto 20.910/32, notadamente em razão da dificuldade enfrentada pelas vítimas do Regime Militar para deduzir suas pretensões em juízo e porque compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras processuais clássicas, exigindo-se esforço argumentativo que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível. 4. A responsabilidade civil tem cláusula geral nos art. 186 e 927 do Código Civil, e apresenta, como seus pressupostos, a ação ou omissão do agente, a culpa em sentido amplo, o nexo de causalidade e o dano, do qual surge o dever de indenizar. 5. A responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, fundamenta-se no risco e prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando que se demonstre o nexo causal entre a conduta do administrador e o dano. Está consagrada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 6. No caso dos autos, é certa a aplicação da responsabilidade civil em sua vertente objetiva, tendo em vista que as alegações da parte autora narram a ocorrência de conduta comissiva, qual seja, a demissão arbitrária fundada em motivação política e perseguições ideológicas. 7. Verifica-se que o demandante era funcionário da Ford Brasil S/A e em razão de ter se envolvido em movimento grevista, junto ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema, no período de 1980 até 1986, acabou sendo sumariamente demitido. Nesse sentido, dentre a farta documentação acostada, destaca-se que o nome do requerente consta expressamente de diversos recortes jornalísticos (ID 260748309 e 260748791), bem como de listagens de monitoramento por parte do Poder Público (ID 260748314) e de indiciamento e repressão criminal (ID 260748784 e 260748790). 8. O art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece a concessão de anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a promulgação da atual Constituição Federal de 1988, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção. 9. Evidente que o simples reconhecimento, por parte da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da condição de anistiado político atribuída ao demandante, já pressupõe as diversas violações a seus direitos fundamentais ocorridas no período do Regime Militar. Nesse sentido, observa-se a pela Portaria nº 2.099 de 15/12/2015 do Ministério da Justiça (ID 260748807) e íntegra do respectivo processo administrativo (autos nº 2010.01.67787 – ID 260748792, 260748793 e 260748794). 10. Não há dúvidas acerca do ato ilícito, ou seja, da perseguição política, e do liame causal que o vincula ao evento danoso, na situação, para além da demissão arbitrária, a violação ao direito fundamental à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento. Acrescenta-se também que a hipótese em comento caracteriza situação típica de dano moral in re ipsa, nas quais a mera comprovação fática do acontecimento gera uma violação presumida, capaz de ensejar indenização. 11. Reitera-se a cumulatividade de indenização decorrente de ofensa a direito da personalidade, fundamentada no instituto da responsabilidade civil, com a reparação econômica prevista pela Lei 10.559/02 e destinada aos anistiados políticos prejudicados em sua carreira profissional, conforme teor da Súmula 624 do C. Superior Tribunal de Justiça. 12. Acerca da fixação do quantum indenizatório, seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito. 13. Tendo em vista o posicionamento desta E. Corte em circunstâncias semelhantes à presente, reputa-se adequado quantum indenizatório estipulado em primeira instância para R$ 100.000,00, com incidência de correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça). De outro modo, acerca dos juros de mora, seu termo inicial deve coincidir com a citação da União Federal nesta demanda, por ser este o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça aos casos de atos ilícitos praticados em passado remoto, em excepcional afastamento de sua Súmula 54. 14. Quanto aos índices aplicáveis, deve-se observar a previsão do Manual de Cálculos da Justiça Federal, ressalvado, quanto à correção monetária, o entendimento do Supremo Tribunal Federal estabelecido no RE 870.947/SE. 15. Apelação do demandante improvida, apelação da União Federal provida em parte apenas para adequar o termo inicial dos juros moratórios.” (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 5006392-02.2021.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YOSHIDA, julgado em 13/12/2022, Intimação via sistema DATA: 30/12/2022) "DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - PERSEGUIÇÃO POLÍTICA E PRISÃO DURANTE O REGIME DE EXCEÇÃO – UNIÃO FEDERAL – INTERESSE DE AGIR – PEDIDO ADMINISTRATIVO – LEI Nº 10.559/02 – NATUREZAS DISTINTAS - COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS – PREVISÃO LEGAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA – PRESSUPOSTOS DO DEVER DE INDENIZAR DEMONSTRADOS – JUROS – TERMO INICIAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. As pretensões indenizatórias decorrentes de perseguição política sofrida durante o regime de ditadura militar não se sujeitam à prescrição. Precedentes do C. STJ e desta E. Turma. 2. Não procede a alegação de ausência de interesse de agir, consubstanciada no fato de ter sido julgado procedente o processo administrativo na Comissão de Anistia, uma vez que a Lei n. 10.559/02 se restringe à reparação dos prejuízos materiais, isto é, à esfera patrimonial das vítimas, sem versar sobre a compensação de danos morais. 3. A teoria do risco administrativo já figurava como regra em nosso sistema jurídico desde a Constituição de 1.946, não sendo excluída pelo poder constituinte de 1.967, tampouco pelo de 1.969. In casu, portanto, o reconhecimento do direito à compensação dos danos morais, ainda que considerada a legislação em vigor à época dos fatos, prescinde da demonstração de dolo ou culpa dos agentes estatais. 4. Com relação ao nexo causal, a prova documental produzida nos autos demonstra a detenção do autor por motivação exclusivamente política durante o regime militar, por considerável período de tempo. Danos morais e nexo causal demonstrados. Compensação fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais). 5. Juros de mora, a partir da citação, considerados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 6. Considerando a sucumbência mínima da parte autora, ex vi do art. 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 3º, I, do mesmo diploma legal. 7. Apelação parcialmente provida." (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv 0008627-79.2015.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, DJe 21/09/2023) Sobre o montante deverá incidir correção monetária, a partir da data do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do STJ. Quanto aos juros de mora, conforme o entendimento majoritário desta E. Corte, a incidência deve se dar a partir da citação. Vejamos: "DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - PERSEGUIÇÃO POLÍTICA E PRISÃO DURANTE O REGIME DE EXCEÇÃO – UNIÃO FEDERAL – INTERESSE DE AGIR – PEDIDO ADMINISTRATIVO – LEI Nº 10.559/02 – NATUREZAS DISTINTAS - COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS – PREVISÃO LEGAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA – PRESSUPOSTOS DO DEVER DE INDENIZAR DEMONSTRADOS – JUROS – TERMO INICIAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. As pretensões indenizatórias decorrentes de perseguição política sofrida durante o regime de ditadura militar não se sujeitam à prescrição. Precedentes do C. STJ e desta E. Turma. 2. Não procede a alegação de ausência de interesse de agir, consubstanciada no fato de ter sido julgado procedente o processo administrativo na Comissão de Anistia, uma vez que a Lei n. 10.559/02 se restringe à reparação dos prejuízos materiais, isto é, à esfera patrimonial das vítimas, sem versar sobre a compensação de danos morais. 3. A teoria do risco administrativo já figurava como regra em nosso sistema jurídico desde a Constituição de 1.946, não sendo excluída pelo poder constituinte de 1.967, tampouco pelo de 1.969. In casu, portanto, o reconhecimento do direito à compensação dos danos morais, ainda que considerada a legislação em vigor à época dos fatos, prescinde da demonstração de dolo ou culpa dos agentes estatais. 4. Com relação ao nexo causal, a prova documental produzida nos autos demonstra a detenção do autor por motivação exclusivamente política durante o regime militar, por considerável período de tempo. Danos morais e nexo causal demonstrados. Compensação fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais). 5. Juros de mora, a partir da citação, considerados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 6. Considerando a sucumbência mínima da parte autora, ex vi do art. 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 3º, I, do mesmo diploma legal. 7. Apelação parcialmente provida." (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv 0008627-79.2015.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, DJe 21/09/2023) “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS PERPETRADAS À EPOCA DO REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM REPARAÇÃO PREVISTA NA LEI 10.559/02. CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO. DANO MORAL IN RE IPSA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 1. A questão posta nos autos diz respeito à responsabilidade civil do Estado. 2. A imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do regime ditatorial brasileiro é matéria pacífica no âmbito dos Tribunais Superiores, conforme o teor da súmula 647 do C. Superior Tribunal de Justiça. 3. É inaplicável à hipótese, portanto, o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto 20.910/32, notadamente em razão da dificuldade enfrentada pelas vítimas do Regime Militar para deduzir suas pretensões em juízo e porque compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras processuais clássicas, exigindo-se esforço argumentativo que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível. 4. A responsabilidade civil tem cláusula geral nos art. 186 e 927 do Código Civil, e apresenta, como seus pressupostos, a ação ou omissão do agente, a culpa em sentido amplo, o nexo de causalidade e o dano, do qual surge o dever de indenizar. 5. A responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, fundamenta-se no risco e prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando que se demonstre o nexo causal entre a conduta do administrador e o dano. Está consagrada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 6. No caso dos autos, é certa a aplicação da responsabilidade civil em sua vertente objetiva, tendo em vista que as alegações da parte autora narram a ocorrência de conduta comissiva, qual seja, a demissão arbitrária fundada em motivação política e perseguições ideológicas. 7. Verifica-se que o demandante era funcionário da Ford Brasil S/A e em razão de ter se envolvido em movimento grevista, junto ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema, no período de 1980 até 1986, acabou sendo sumariamente demitido. Nesse sentido, dentre a farta documentação acostada, destaca-se que o nome do requerente consta expressamente de diversos recortes jornalísticos (ID 260748309 e 260748791), bem como de listagens de monitoramento por parte do Poder Público (ID 260748314) e de indiciamento e repressão criminal (ID 260748784 e 260748790). 8. O art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece a concessão de anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a promulgação da atual Constituição Federal de 1988, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção. 9. Evidente que o simples reconhecimento, por parte da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da condição de anistiado político atribuída ao demandante, já pressupõe as diversas violações a seus direitos fundamentais ocorridas no período do Regime Militar. Nesse sentido, observa-se a pela Portaria nº 2.099 de 15/12/2015 do Ministério da Justiça (ID 260748807) e íntegra do respectivo processo administrativo (autos nº 2010.01.67787 – ID 260748792, 260748793 e 260748794). 10. Não há dúvidas acerca do ato ilícito, ou seja, da perseguição política, e do liame causal que o vincula ao evento danoso, na situação, para além da demissão arbitrária, a violação ao direito fundamental à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento. Acrescenta-se também que a hipótese em comento caracteriza situação típica de dano moral in re ipsa, nas quais a mera comprovação fática do acontecimento gera uma violação presumida, capaz de ensejar indenização. 11. Reitera-se a cumulatividade de indenização decorrente de ofensa a direito da personalidade, fundamentada no instituto da responsabilidade civil, com a reparação econômica prevista pela Lei 10.559/02 e destinada aos anistiados políticos prejudicados em sua carreira profissional, conforme teor da Súmula 624 do C. Superior Tribunal de Justiça. 12. Acerca da fixação do quantum indenizatório, seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito. 13. Tendo em vista o posicionamento desta E. Corte em circunstâncias semelhantes à presente, reputa-se adequado quantum indenizatório estipulado em primeira instância para R$ 100.000,00, com incidência de correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça). De outro modo, acerca dos juros de mora, seu termo inicial deve coincidir com a citação da União Federal nesta demanda, por ser este o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça aos casos de atos ilícitos praticados em passado remoto, em excepcional afastamento de sua Súmula 54. 14. Quanto aos índices aplicáveis, deve-se observar a previsão do Manual de Cálculos da Justiça Federal, ressalvado, quanto à correção monetária, o entendimento do Supremo Tribunal Federal estabelecido no RE 870.947/SE. 15. Apelação do demandante improvida, apelação da União Federal provida em parte apenas para adequar o termo inicial dos juros moratórios.” (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 5006392-02.2021.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YOSHIDA, julgado em 13/12/2022, Intimação via sistema DATA: 30/12/2022) “ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. ANISTIADO POLÍTICO. DEMISSÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. DANO MORAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. JUROS DE MORA. - A jurisprudência dos Tribunais, consolidou-se no sentido de serem imprescritíveis as pretensões compensatórias decorrentes de violações aos direitos da personalidade e dignidade da pessoa humana, como as discutidas na hipótese, não se aplicando, ao caso o Decreto-Lei nº 20.910/32 e nem os prazos previstos no Código Civil. - Cumpre salientar que o direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei Federal n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado. - O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em demissões, prisões e torturas. - A reparação administrativa de danos decorrentes de perseguição a anistiado político, prevista em legislação específica, não exclui o interesse de agir na ação de indenização por danos morais, que se destina à proteção, tutela e reparação de bens jurídicos distintos dos tratados administrativamente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - Tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto, prescinde de dolo ou culpa. - Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pelo autor demitido dos quadros da Petrobrás, por participação do movimento paredista de 1983, motivo exclusivamente político. - O conjunto probatório demonstra que o autor teve sua condição de anistiado político reconhecida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (Portaria n. 2.419/2006), ocasião em que lhe foi concedida reparação econômica de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente e continuada, valor de R$ 2.066,25, referente a diferença salarial, com as respectivas vantagens do cargo de Técnico de Segurança III, nível 258, com efeitos financeiros retroativos de 04/09/2006 a 05/10/1988, no total de R$496.695,81. - Quanto ao valor da indenização, entendo ser de rigor a fixação em R$100.000,00, montante inclusive arbitrado em outros julgados deste Tribunal relativos a casos similares. - No tocante aos juros de mora, seu termo inicial deve coincidir com a citação da União Federal nesta demanda, por ser este o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. - Correção monetária e juros de mora de acordo com os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da liquidação do julgado. - Apelação da parte autora provida.” (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv 5000757-43.2016.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal PAULO DOMINGUES, julgado em 17/12/2021, Intimação via sistema DATA: 12/01/2022) "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS. REGIME MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do atual Código de Processo Civil, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição existente no julgado, e, ainda, corrigir erro material. 2. O caráter infringente dos embargos, por sua vez, somente é admitido a título excepcional, quando da eliminação da contradição ou da omissão decorrer, logicamente, a modificação do julgamento embargado. 3. Na hipótese o aresto embargado discutiu exaustivamente a matéria posta nos autos. Entendeu-se, com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores, tratar-se de pretensão imprescritível e, no caso, amparada em suficiente lastro probatório indicativo da responsabilidade objetiva do Poder Público. 4. Reputou-se adequada a fixação do quantum indenizatório, redefinindo-se apenas o início dos juros de mora a partir da citação da União Federal nesta demanda, em conformidade com posicionamento excepcional do C. Superior Tribunal de Justiça, aplicável quando o evento danoso remete a período muito remoto. 5. É entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça que o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão (EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi, Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região, julgado em 8/6/2016, DJe 15/6/2016 - Informativo de Jurisprudência nº 0585). 6. Embargos de declaração rejeitados." (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 5002397-15.2020.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 08/10/2021, DJEN DATA: 15/10/2021) Os índices aplicados devem ser aqueles previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. Ante a sucumbência mínima da parte autora, afasto a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios e condeno a União ao pagamento da referida verba, a qual fixo em 10% sobre o valor da condenação e majoro em 1%, em sede recursal, nos termos do artigo 85, §§ 3º e 11, do CPC. Em face do exposto, com fulcro no artigo 932, V, do CPC, dou parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora, para condenar a União ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com a incidência de correção monetária, a partir do arbitramento, e juros de mora, a contar da citação, pelos índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 11% sobre o valor da condenação, nos termos da fundamentação. P.I. Observadas as cautelas legais, remetam-se os autos à Vara de origem. São Paulo, 26 de junho de 2025.
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