Processo nº 5006792-93.2024.4.03.6119
ID: 338641462
Tribunal: TRF3
Órgão: 5ª Vara Federal de Guarulhos
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5006792-93.2024.4.03.6119
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALINE DE ARAUJO HIRAYAMA
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5006792-93.2024.4.03.6119 / 5ª Vara Federal de Guarulhos AUTOR: POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: SHIRLENE FEITOSA RABEL…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5006792-93.2024.4.03.6119 / 5ª Vara Federal de Guarulhos AUTOR: POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: SHIRLENE FEITOSA RABELO Advogado do(a) REU: ALINE DE ARAUJO HIRAYAMA - SP323883 S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO Trata-se de ação penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de SHIRLENE FEITOSA RABELO pela prática do crime tipificado no art. 33, caput c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006. Narra a denúncia (ID. 343685063) que a acusada foi presa em flagrante, no dia 01 de outubro de 2024, por volta de 12h30, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, ao tentar embarcar no voo internacional AF439, da companhia aérea Air France, com destino a Paris na França, transportando 735g (setecentos e trinta e cinco gramas – massa bruta) de COCAÍNA, para fins de comércio ou de entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior, sem autorização e em desacordo com as determinações legais e regulamentares. Vieram aos autos sob ID. 340681468: Auto de Prisão em Flagrante (p. 1/16), Termo de Apreensão (p. 17), Passaporte (p. 23) e Laudo Preliminar de Constatação (p. 26/28). Certidão de movimentos migratórios (ID. 340685748). Em audiência de custódia realizada no dia 03 de outubro de 2024, foi homologada a prisão em flagrante e concedida liberdade provisória, com a imposição do cumprimento das seguintes medidas cautelares: a) comparecimento mensal, para informar e justificar suas atividades, perante o Juízo Federal do local de seu domicílio; b) juntada mensalmente de comprovante de que seu filho está frequentando a escola e permanece sob sua guarda; c) proibição de alterar a sua residência sem prévia permissão da autoridade processante; d) proibição de ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar à autoridade processante o lugar onde poderá ser encontrada (art. 328, CPP); e) proibição de ausentar-se do País sem autorização judicial, com retenção do passaporte sem retenção do passaporte; f) comparecimento a todos os atos da investigação e do processo quando intimado(a), e de receber as intimações e citação via WhatsApp, mantendo atualizados nos autos endereço, telefone e e-mail (ID. 340969169). Expedido alvará de soltura na mesma data (ID. 340985306). Relatório final apresentado pela Polícia Federal no ID. 343541343. Oferecida a denúncia em 28 de outubro de 2024, cessou a competência do juízo de garantias e foi determinada a redistribuição do processo (ID 343712391). Redistribuídos os autos a esta 5ª Vara Federal de Guarulhos, foi determinada a notificação da denunciada para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Na mesma decisão, foi deferido o afastamento do sigilo telemático e de dados do aparelho telefônico (ID. 343931327). Notificada, a denunciada apresentou defesa prévia por meio de sua advogada, deixando para sustentar teses absolutórias oportunamente, ao cabo da instrução processual e arrolando as mesmas testemunhas da acusação (ID. 347817688). Laudo de Documentoscopia (ID. 349645545). Laudo de química forense definitivo (ID. 349646350). Juntada de certidão de antecedentes criminais (ID. 343760958 e seguintes). A denúncia foi recebida em 24 de fevereiro de 2025, afastando-se a possibilidade de absolvição sumária da acusada (ID. 355069165). Em audiência realizada no dia 20/05/2025, foi ouvida a testemunha Tatiane Aparecida dos Santos Brasil Gonçalves. As partes desistiram da oitiva da testemunha em Sabrina Beatriz Pereira dos Santos. Interrogada a ré, não houve requerimentos na fase do artigo 402 do CPP e as partes se manifestaram em alegações finais orais (ID. 364795215). O Ministério Público Federal sustentou a comprovação de autoria e materialidade, destacando laudos e circunstâncias do flagrante, depoimento da testemunha e a confissão da ré. Quanto à dosimetria, requereu a fixação da pena base acima do mínimo legal e perto da pena média de 10 (dez) anos, tendo em vista a natureza e quantidade da droga. Na segunda fase, requereu o reconhecimento da atenuante da confissão. Na terceira fase, requereu o reconhecimento da transnacionalidade e a não aplicação do art. 33, §4º, principalmente tendo em vista a possibilidade acentuada de a ré fazer parte de organização criminosa voltada à prática de tráfico internacional de drogas, sendo tal circunstância incompatível com a aplicação da referida causa de diminuição de pena. Afirmou que o valor e a natureza da droga chamam a atenção e que a apreensão de cocaína na forma engolida é uma modalidade gravosa, vez que tal modalidade dificilmente seria confiada a pessoas inexperientes. Acrescentou que a modalidade de tráfico em comento, além da saúde pública, viola outros bens jurídicos tutelados pela norma penal, como a segurança aérea, a integridade física da ré e a integridade física das demais pessoas abordo da aeronave em caso de acidente com o rompimento de uma das cápsulas. A defesa, por sua vez, não teceu teses absolutórias em virtude da confissão. Na dosimetria, pugnou pela fixação da pena base no mínimo legal. Destacou ser caso de mula, sem controle sobre natureza ou quantidade. Requereu o reconhecimento da confissão espontânea, na segunda fase. Na terceira fase, requereu a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade no mínimo e aplicação do art. 33, §4º, na fração máxima de 2/3, pois cumpridos todos os requisitos. Conforme relatado por ela, a opção por transportar a droga se deu em contexto de extrema vulnerabilidade financeira e social. Ressaltou que a ré é primária e não possui indícios de participação em organização criminosa, bem como que a certidão de movimentos migratórios demonstra que foi a primeira viagem realizada pela ré, que não tinha nem mesmo passaporte emitido antes do fato em apuração. Pugnou pela concessão da justiça gratuita. Requereu a fixação do regime aberto e a substituição deste por pena restritiva de direito. Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Convém anotar que não se verificou qualquer vício ou equívoco na presente persecução penal que lhe pudessem impingir quaisquer nulidades, tendo sido observadas as regras do devido processo legal e o direito à ampla defesa e ao contraditório. Cabe salientar, também, que atendida a razoável duração do processo. Assim, passo à análise do mérito. 2.1 Materialidade e Autoria O tipo penal imputado ao denunciado está assim descrito: Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”; Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; O pedido veiculado na denúncia merece ser acolhido, a fim de condenar a denunciada pela prática da conduta proibida pelo tipo penal acima transcrito. Vejamos. A materialidade e a autoria delitivas da infração prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, ficaram demonstradas pelas provas pericial e oral produzidas nos autos. O Núcleo de Criminalística da Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal concluiu que o material encontrado em quarenta e nove invólucros, formados por sacos plásticos e cápsulas, que foram encontradas com a ré, com massa líquida correspondente a 1.049 g (mil e quarenta e nove gramas), constituía cocaína, conforme laudo preliminar de ID. 340681468, pág. 26/28, e laudo definitivo de ID. 349646350. A espécie e a quantidade da substância apreendida, conjugadas ao modo de acondicionamento da droga (droga engolida e droga nas vestes), por si só, já são suficientes para demonstrar a figura prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, caracterizando o tráfico, e não o mero porte para uso pessoal. Ouvida em juízo, a testemunha Tatiane Aparecida dos Santos Brasil Gonçalves declarou que a ré foi parada no raio x para uma verificação aleatória pelos agentes de proteção da aviação civil, tendo sido identificado que a ré possuía uma substância no corpo. Com isso, a testemunha, que é policial federal, foi acionada, e a ré foi encaminhada para a delegacia, para ser realizada a revista pessoal, momento no qual foi localizado um invólucro na cintura da ré, outros no sutiã e uma parte engolida. Relatou que presenciou, junto à ré e uma testemunha, a realização do narcoteste que confirmou que a droga se tratava de cocaína. A ré SHIRLENE FEITOSA RABELO, cientificada a respeito de seu direito constitucional ao silêncio, disse que tem 27 anos. Não é casada, mas é amigada. Tem um filho de 8 anos, que mora com ela. Não está trabalhando. Estava trabalhando fazendo gelo saborizado. Ganhava R$ 80,00 (oitenta reais) por dia trabalhado. Não foi presa ou processada antes. Sobre os fatos, disse que a denúncia é verdadeira e que sabia o que estava levando. Estava passando por um momento muito difícil em sua vida, tendo comentado isso com uma conhecida que realizou a proposta. Aceitou porque estava precisando de dinheiro para sustentar seu filho. A conhecida a indicou para o pessoal. Não sabe quem é o pessoal. O pessoal pagou a passagem para ir para São Paulo. O nome da conhecida que a indicou é Luziene. Ganharia R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para fazer a viagem. Recebeu a droga no hotel em São Paulo. Deixaram a droga para que engolisse, mas estava passando mal e falou que não queria mais, e queria ir embora para Manaus. Mas não deixaram. Teve que fazer. Não tinha como voltar para Manaus. Não tinha nem dinheiro. Ficou sem o que fazer. Tentou engolir. Engoliu bem pouco, porque não conseguiu engolir. Levou o restante da droga no corpo. Não conhece as pessoas que forneceram a droga. Deixaram a droga no hotel e falaram que receberia na França. Eles que providenciaram o passaporte e a passagem. Nunca viajou. Foi a primeira vez que saiu de Manaus. Aceitou a proposta porque estava precisando. Estava muito desesperada. Achou que fosse uma oportunidade. Mas isso é super errado. Afirmou que se arrepende até hoje. O Ministério Público Federal e a defesa não fizeram perguntas. Em face de exposto, considero comprovada a materialidade delitiva e, ainda, a autoria da ré. Fixado o tipo objetivo do tráfico, tenho que também está caracterizado o dolo, consistente na vontade livre e consciente de transportar substância de uso proscrito no país para o exterior, ressaltando-se que a própria ré admitiu que sabia que estava levando droga, e aceitou levá-la mesmo assim, o que é suficiente para a caracterização do dolo. Assim, o conjunto probatório carreado aos autos autoriza a conclusão segura de que a ré praticou, conscientemente, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes, tal como descrito na denúncia, sem quaisquer excludentes de ilicitude ou culpabilidade. 2.2 Dosimetria da pena Passo à dosimetria da pena, na forma do artigo 68, do Código Penal. - Circunstâncias judiciais (1ª fase) Na primeira fase de fixação da pena, examino as circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, sem perder de vista norma específica introduzida pelo artigo 42, da Lei de Drogas, segundo a qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade apresenta-se normal à espécie. A ré não tem maus antecedentes, já que não há notícia nos autos de que tenha contra si sentença condenatória transitada em julgado. O motivo do crime foi o lucro fácil, ínsito ao tipo penal em análise. Nada há a ponderar a respeito do comportamento da vítima. As circunstâncias e consequências do crime ligam-se intimamente à natureza e à quantidade da droga apreendida com a acusada, dizendo respeito, basicamente, às condições de tempo, modo e lugar em que praticado o delito. Ainda, conforme já dito, devem ser especialmente consideradas na fixação da pena-base, tendo em vista a norma especial do artigo 42 da Lei de Drogas. Neste particular, a natureza e a quantidade da droga apreendida (1.049g de cocaína) não ensejam valoração negativa. Embora esse tipo de droga tenha elevado efeito prejudicial ao organismo dos usuários, possuindo grande potencial para causar dependência, dentre outras consequências nocivas, a quantidade é inferior à média das apreensões realizadas no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Assentadas as considerações acima, tenho que, nesta primeira fase, a pena-base deve ficar no mínimo legal. Assim, fixo a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. - Circunstâncias atenuantes e agravantes (2ª fase) Inexistem circunstâncias agravantes. Aplica-se, no caso, a atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal, tendo em vista que a ré, em juízo, confessou os fatos, confirmando que tinha conhecimento a respeito da droga que estava levando, o que foi utilizado, em conjunto com as provas reunidas nos autos, como fundamento para a condenação. Registro que, em observância à Súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça, a redução na segunda fase da dosimetria não pode levar a pena a patamar inferior à pena mínima cominada ao tipo penal. Assim, nesta fase, mantenho a pena em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. - Causas de aumento e diminuição (3ª fase) No que concerne à causa de aumento de pena do art. 40, I, tenho que esta se define pela finalidade que o agente almejava atingir, e não pela efetiva chegada ao exterior. Tal conclusão se dá pela leitura do próprio texto da lei, o qual não exige a saída da droga do país, mas apenas que as circunstâncias evidenciem este propósito (art. 40, I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito). Ou seja, mesmo que a exportação não tenha, ao final, ocorrido, pode-se considerar consumada a infração. O Superior Tribunal de Justiça aprovou, inclusive, o enunciado de Súmula nº 607, com o seguinte verbete: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”. No presente caso, o fato de a ré ter sido flagrada com a droga apreendida no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, prestes a embarcar em voo internacional, evidencia a transnacionalidade do tráfico de drogas, razão pela qual entendo pela incidência do art. 40, I, da Lei nº 11.343/06. O artigo 40, da Lei de Tóxicos, estabelece como parâmetros os aumentos de um sexto a dois terços da pena, a depender da quantidade de causas de aumento incidentes no caso concreto. Presente apenas uma causa de aumento de pena, elevo a pena em um sexto, fixando-a, nesta fase da dosimetria, em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. Por outro lado, também incide na espécie a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, que estabelece que “Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. Na hipótese dos autos, não há elementos para afirmar que a ré não é primária ou que tenha maus antecedentes. Além disso, não há prova de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. No ponto, relevante observar que, diante do acervo probatório produzido nos autos, a conduta do réu se ajusta com perfeição à figura que a prática policial e forense convencionou chamar de “mula” do tráfico. No contexto do tráfico internacional de drogas, em regra, as mulas não se subordinam de forma permanente às organizações criminosas e não integram seus quadros, servindo apenas como agentes ocasionais de transporte da substância ilícita. Assim, não se pode afirmar que a “mula” do tráfico integra a organização criminosa, uma vez que, para tanto, seria indispensável que houvesse um vínculo minimamente estável e permanente entre a “mula” e os demais membros da organização, o que, via de regra, não ocorre. Demais disso, não se pode perder de perspectiva que, desde o advento da Lei nº 12.850/13 (que conceituou o que se deve entender por organização criminosa e previu especificamente o delito autônomo de “integrar organização criminosa”, no art. 2º), afirmar que a mula integra organização criminosa significa imputar-lhe a prática de outro crime, impondo ao Ministério Público Federal, necessariamente, a demonstração das elementares do tipo, ainda que com vistas exclusivamente ao afastamento do benefício de redução de pena do crime de tráfico previsto no art. 33, §4º da Lei nº 11.343/06. Vale dizer, após a Lei nº 12.850/13, ou a mula integra a organização criminosa - e, além de não fazer jus ao benefício penal previsto no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, deve ser denunciada também pelo crime previsto no art. 2º, da Lei nº 12.850/13 – ou não integra a organização e, destarte, tem direito à causa de redução de pena prevista na Lei de Drogas. Assim, me parece que não se pode afastar das “mulas”, pura e simplesmente a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º da Lei de Drogas, uma vez que, não integrando organização criminosa, preenchem o último requisito legal para o benefício penal. No caso concreto, não há nenhum indicativo de que a ré, efetivamente, integrava organização criminosa, limitando-se a aceitar, mediante promessa de pagamento, realizar o transporte da droga para o exterior. A respeito do quantum da redução, na ausência de parâmetros legais expressos, em consonância com o escopo da minorante em apreço, entendo que a fixação do patamar de diminuição aplicável depende da observância de parâmetros como a proximidade demonstrada pelo agente em relação à organização criminosa e outras circunstâncias especiais, como a sua situação de vulnerabilidade quando cooptado para a realização do serviço. No caso concreto, a ré, ao aceitar a proposta de transportar substância ilícita de um país a outro - recebendo e entregando o entorpecente a pessoas distintas em cenário organizado, com oferta de pagamento pelo serviço - tinha consciência de que, com sua participação, colaborava com a atividade de um grupo criminoso internacional. Por outro lado, diferentemente de contextos em que se visualiza a tentativa de ganho fácil, de pura e voluntária adesão ao ilícito, o cenário fático demonstra que o transporte de drogas foi episódio esporádico e excepcional na vida da ré. Nesse ponto, a ré narrou em juízo, de forma convincente, situação financeira precária, enfatizando que tem um filho de oito anos, pelo qual é a única responsável. Assim, verifica-se uma situação de especial vulnerabilidade da ré, a ser também considerada na fixação do patamar de redução da pena. Por estas razões, aplico a redução no patamar correspondente a 1/3, tornando a pena definitiva em 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 389 (trezentos e oitenta e nove) dias-multa. Tendo em vista a situação econômica da ré, fixo o valor da multa em 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade Quanto ao regime inicial para o cumprimento da pena, no julgamento do Habeas Corpus nº 111.840, ocorrido em 27.06.2012, o Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento jurisprudencial até então conferido ao regime de pena no caso de tráfico, impondo a análise da matéria sob os exclusivos critérios do Código Penal, e não mais com observância da dicção da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Segundo o Código Penal, “a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código” (art. 33, §3º). No caso, não havendo circunstâncias desfavoráveis na primeira fase de fixação da pena e tendo em vista o quantum aplicado, fixo o regime inicial aberto. Substituição da pena privativa de liberdade Nos termos do artigo 44, do Código Penal, ante o preenchimento das condições legais, determino a substituição da pena privativa de liberdade fixada para a ré por duas penas restritivas de direito, a saber: i) Pagamento de prestação pecuniária no montante de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser recolhido a favor da conta n. 005.8550-3, Caixa Econômica Federal, Agência 4042, à disposição do Juízo da 5ª Vara Federal da Subseção de Guarulhos, que dará destinação às entidades sociais cadastradas; ii) Prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser indicada pelo juízo da execução, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação. A escolha da prestação pecuniária se justifica tendo em vista a finalidade de obtenção de lucro verificada na prática do crime, e, por sua vez, a prestação de serviços à comunidade, ante o seu caráter ressocializador, sem distanciar a ré de seu trabalho ou do convívio familiar. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, nos termos da fundamentação, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia pelo Ministério Público Federal, para condenar a ré SHIRLENE FEITOSA RABELO, como incursa nas sanções do artigo 33, caput, c/c artigo 33, §4º e art. 40, I, todos da Lei nº 11.343/2006, à pena de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por pagamento de prestação pecuniária no montante de R$ 1.000,00 (mil reais) e prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser indicada pelo juízo da execução, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e 389 (trezentos e oitenta e nove) dias-multa, fixando o valor de cada dia-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente na data do fato. A pena deverá ser cumprida em regime inicialmente aberto. Prisão preventiva Em decisão de ID. 340969169, concluiu-se que outras medidas diversas da prisão seriam suficientes a impedir o periculum libertatis em relação à acusada. Foram determinadas as seguintes medidas cautelares diversas da prisão: a. comparecimento mensal, para informar e justificar suas atividades, perante o Juízo Federal do local de seu domicílio; b. juntada mensalmente de comprovante de que seu filho está frequentando a escola e permanece sob sua guarda; c. proibição de alterar a sua residência sem prévia permissão da autoridade processante; d. proibição de ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar à autoridade processante o lugar onde poderá ser encontrada (art. 328, CPP); e. proibição de ausentar-se do País sem autorização judicial, com retenção do passaporte sem retenção do passaporte; f. comparecimento a todos os atos da investigação e do processo quando intimado(a), e de receber as intimações e citação via WhatsApp, mantendo atualizados nos autos endereço, telefone e e-mail. Nesse sentido, tendo a ré respondido ao processo em liberdade e não havendo alteração fática que justifique a decretação da prisão preventiva, além da fixação do regime inicial aberto, mantenho as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319, CPP) nos termos e fundamentos da decisão referida, inclusive no tocante ao local de comparecimento anteriormente designado, devendo a ré aguardar em liberdade o julgamento de eventual recurso. Perdimento de bens Decreto o perdimento em favor da União do numerário apreendido com a ré, tendo em vista que, conforme se observa na experiência desta Vara, os valores encontrados com os transportadores de droga são usualmente fornecidos pela organização criminosa responsável pela viagem, não havendo nos autos, por outro lado, comprovação de sua origem lícita. No tocante aos valores apreendidos com a acusada em moeda estrangeira (100 euros, conforme ID. 340681468, p. 17), destaca-se a nova regulamentação do tema no âmbito da Legislação Federal, Lei n. 11.343/06, e no Conselho Monetário Nacional - CMN, por meio da resolução n. 4.808 de 30/04/2020, que dispõe sobre a alienação de moeda estrangeira de que trata o § 1º do art. 60-A da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, facilitando tal procedimento, de modo que cabe à CEF realizar as operações necessárias, incluindo as de câmbio, e transferir os valores depositados pela autoridade policial para conta única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no prazo de 24 horas, contados do momento do depósito, onde ficarão à disposição do Fundo Nacional Antidrogas – Funad (§1º do artigo 62-A da Lei n. 11.343/06). Nesse contexto, decretado o perdimento em favor da União, tais valores deverão ser transformados em pagamento definitivo em favor do Funad, por meio de mera informação por este órgão jurisdicional (artigo 62-A, § 3º, da Lei n. 11.343/06). Assim, após o trânsito em julgado, determino que a Caixa Econômica Federal providencie, no prazo de 5 (cinco) dias, medidas necessárias, incluindo as de câmbio, se o caso, para conversão dos valores apreendidos nos presentes autos para moeda nacional e os deposite, em definitivo, em favor do Fundo Nacional Antidrogas – FUNAD, com remessa de comprovante a este juízo no prazo de 2 (dois) dias. De outra parte, considerando os indicativos de que o celular apreendido com a ré (ID. 340681468, p. 17) seria utilizado como instrumento do crime, decreto seu perdimento, e em razão do valor irrisório que teria em razão do transcurso do lapso temporal, já que a pena de perdimento só poderia ser executada após o trânsito em julgado da sentença, determino a sua respectiva inutilização, após o trânsito em julgado. Determinações finais Autorizo a incineração da droga apreendida, nos termos do artigo 50, §3º da Lei 11.343/06, com a redação que lhe foi dada pela Lei 12.961/14. Determino, todavia, a reserva de parcela do entorpecente para contraprova até o trânsito em julgado desta ação penal nos termos do artigo 72 do mesmo diploma. Oficie-se à Polícia Federal comunicando-se o teor desta decisão. Inexistindo nos autos comprovação de dano patrimonial causado pela infração penal e nem pleito do Ministério Público Federal neste sentido, não há que se falar em fixação de valor mínimo para sua reparação. Deixo de condenar a ré em custas. Conforme previsto no artigo 9º, inciso III, da Resolução nº 405/2021 do CNJ, os passaportes apreendidos deverão ser restituídos pela Secretaria, mediante requerimento, quando não interessarem mais ao processo. Após o trânsito em julgado, comuniquem-se os órgãos de estatísticas criminais e oficie-se à autoridade policial para incineração da contraprova, nos termos do art. 72, da Lei nº 11.343/2006. Publique-se. Intimem-se. Comuniquem-se. Guarulhos, data da assinatura eletrônica.
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