Processo nº 5000667-02.2020.4.03.6006
ID: 311926985
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Naviraí
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5000667-02.2020.4.03.6006
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
REGINALDO LUIZ SAMPAIO SCHISLER
OAB/PR XXXXXX
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ALVISE DALLAGNOLO JUNIOR
OAB/PR XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000667-02.2020.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PR/MS RÉUS: KLEBER GOMES CHARAO E JOSE MOCELLIN ADVOGADOS DO RÉ…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000667-02.2020.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PR/MS RÉUS: KLEBER GOMES CHARAO E JOSE MOCELLIN ADVOGADOS DO RÉU: ALVISE DALLAGNOLO JUNIOR - PR86961, REGINALDO LUIZ SAMPAIO SCHISLER - PR29294 ADVOGADO DO RÉU: REGINALDO LUIZ SAMPAIO SCHISLER - PR29294 S E N T E N Ç A O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com base nos elementos informativos colhidos no Inquérito Policial IPL nº 2020.0095156-DPF/NVI/MS, oriundo da Delegacia de Polícia Federal em Naviraí/MS, autuado neste juízo sob o nº 5000667-02.2020.4.03.6006, ofereceu denúncia (ID 252060526 - Pág. 1), datada de 27 de maio de 2022, em desfavor de KLEBER GOMES CHARAO, brasileiro, casado, motorista de caminhão, portador do RG nº 1133650/SSP/MS e do CPF nº 853.770.231-53, filho de Eroaldo Gomes Charao e Vencelada Ortiz Trouch, nascido em 04/07/1979, residente na Rua da República, nº 2323, Bairro Centro, em Amambai/MS, e JOSE MOCELLIN, brasileiro, casado, motorista, portador do RG nº 1024909358/SJS/DI RS e do CPF nº 178.715.730-04, filho de Joao Mocellin e Geny Grolli Mocellin, nascido em 17/04/1950, residente na Rua Ancelia Pontin, nº 160, Ap. 22, em Carlos Barbosa/RS, imputando-lhes a prática das condutas tipificadas no artigo 334-A do Código Penal e no artigo 15 da Lei n. 7.802/1989, em concurso formal. Narra a denúncia que, no dia 11 de setembro de 2020, por volta das 11h00, na Rodovia MS-295, próximo ao município de Eldorado/MS, os denunciados, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, foram abordados após terem importado do Paraguai, para o Brasil, 263 pacotes de agrotóxicos de diversas marcas, de origem estrangeira, em desconformidade com as normas legais. A peça acusatória descreve que Kleber Gomes Charao conduzia o caminhão Mercedes Benz 1113, placas AIH9F56, que transportava a mercadoria ilícita, enquanto Jose Mocellin conduzia o veículo VW Amarok, placas PID 7829, atuando como "batedor" da carga. Os réus foram presos em flagrante em 11 de setembro de 2020. Em decisão de 12 de setembro de 2020 (Id. 38526302 - Pág. 1), o flagrante foi homologado e foi concedida liberdade provisória aos acusados, mediante o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, por se entenderem ausentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva. A denúncia foi recebida em 24 de julho de 2023 (Id. 295364898 - Pág. 1). Citados, os réus Jose Mocellin e Kleber Gomes Charao apresentaram resposta à acusação conjunta (Id. 314983237 - Pág. 1), por meio de advogado constituído. A defesa, em preliminar, pugnou pela possibilidade de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), argumentando que o fato não envolveu violência ou grave ameaça. Apontou, ainda, suposta discrepância entre a materialidade dos fatos (agrotóxicos) e a fundamentação da acusação, que, segundo a defesa, teria incorretamente apontado a materialidade como sendo de cigarros. Em manifestação posterior, o Ministério Público Federal ofereceu Acordo de Não Persecução Penal exclusivamente ao acusado Kleber Gomes Charao (Id. 343485059 - Pág. 1), o qual foi homologado por este Juízo (Id. 350113168 - Pág. 1), datada de 07 de janeiro de 2025. Na mesma oportunidade, foi determinado o prosseguimento da ação penal apenas em relação ao corréu Jose Mocellin, uma vez que a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal decidiu pelo não cabimento do benefício a este, em razão de reiteração delitiva. Na mesma ocasião, foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 26 de junho de 2025, a ser realizada de forma presencial. Em audiência de instrução realizada em 26/06/2025, abertos os trabalhos, foram ouvidas duas testemunhas arroladas na denúncia, Daniel Dias de Oliveira e Cleito Vlademir dos Santos, bem como colhido o interrogatório judicial do réu José Mocellin. Encerrada a instrução processual, as partes não requereram a realização de diligências na forma do artigo 402 do Código de Processo Penal. Na sequência, o Ministério Público Federal e a Defesa apresentaram alegações finais orais, que foram devidamente registradas em mídia audiovisual. O Ministério Público Federal, em suas alegações finais, suscitou preliminar de incompetência da Justiça Federal, sustentando que não se comprovou a transnacionalidade do fato típico, pois não houve demonstração segura de que a carga ilícita foi efetivamente introduzida em território nacional a partir do exterior, tampouco se instaurou persecução penal por contrabando. Ressaltou que os próprios policiais declararam desconhecer a origem do carregamento, sendo insuficiente a presunção baseada em meras circunstâncias de fronteira. Em seguida, defendeu a tipificação da conduta no artigo 56 da Lei 9.605/98, por se tratar de transporte e posse de produtos perigosos em desacordo com as exigências legais. No mérito, aduziu que restaram plenamente demonstradas a materialidade e a autoria delitivas, por meio do auto de prisão em flagrante, do laudo pericial e dos depoimentos colhidos em juízo, os quais convergem quanto à atuação do acusado como "batedor" de veículo utilizado no transporte clandestino de agrotóxicos de origem estrangeira. Destacou que, embora o réu tenha alegado ignorar a natureza da carga, confessou expressamente ter sido contratado para acompanhar o caminhão e repassar informações sobre fiscalização policial, o que revela consciência do caráter ilícito da empreitada e evidencia o dolo eventual ou direto na adesão ao desígnio criminoso. Postulou ainda a aplicação do artigo 92, inciso III, do Código Penal, para inabilitação do réu para conduzir veículo automotor, diante da instrumentalização do automóvel na prática do delito. A Defesa de José Mocellin, em alegações finais, ratificou a preliminar de incompetência da Justiça Federal arguida pelo Parquet. No mérito, defendeu a desclassificação para o delito previsto no artigo 15 da revogada Lei 7.802/89, por aplicação do princípio da especialidade, sustentando que esse seria o tipo penal vigente à época dos fatos e mais apropriado. Alegou não haver circunstâncias judiciais negativas e pugnou pela fixação da pena no mínimo legal, com reconhecimento das atenuantes da confissão e da idade avançada do réu. Pleiteou, por fim, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO Alega-se que o acusado não participou da internalização dos agrotóxicos estrangeiros, limitando-se à atuação no território nacional, razão pela qual a conduta não teria repercussão sobre bens, serviços ou interesses da União, afastando-se, assim, a hipótese do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. O argumento, contudo, não se sustenta diante do conjunto probatório, sobretudo quando se leva em consideração a localização estratégica do município de Sete Quedas/MS no contexto fronteiriço. É fato notório neste Juízo Federal que se trata de cidade situada na faixa de fronteira com a República do Paraguai, na região Sul do Estado de Mato Grosso do Sul, a poucos quilômetros da linha internacional, caracterizada por intensa circulação de veículos e mercadorias — muitas vezes em desacordo com as normas sanitárias, ambientais e fiscais brasileiras. A título ilustrativo, informações regularmente prestadas pela Receita Federal do Brasil em mandados de segurança que tramitam neste Juízo corroboram esse cenário. Segundo esses dados, Sete Quedas/MS possui população estimada em 10.791 habitantes, com economia local baseada na pecuária bovina e no cultivo de mandioca e soja. Embora relativamente isolado dos principais centros urbanos do Estado — distante 469 km de Campo Grande e 249 km de Dourados —, o município configura cidade-gêmea de Pindoty-Porã, no Paraguai, separada por uma única avenida. De Pindoty-Porã parte uma via asfaltada que dá acesso direto a outras localidades paraguaias, como Corpus Christi e Cruce Guaraní, interligando-se à Ruta 10, uma das principais rodovias daquele país. Essa estrutura logística favorece o ingresso irregular de mercadorias no território nacional, e a própria alfândega local registra, com frequência, apreensões de bens clandestinos oriundos do Paraguai, como sucatas, baterias usadas e, entre outros, defensivos agrícolas No caso concreto, conforme os elementos constantes dos autos, o caminhão envolvido foi entregue por seu condutor a um terceiro, que o conduziu ao território paraguaio, onde foram acondicionados defensivos agrícolas de origem estrangeira, ocultos no interior dos pneus (c.f. id. 40445919 - Pág. 1). O retorno ao Brasil deu-se justamente pelo município de Sete Quedas/MS, ponto de acesso notoriamente utilizado para o ingresso clandestino de mercadorias, de onde se iniciou o trajeto com destino a Mutum/MT. O próprio motorista confessou que receberia a quantia de R$ 4.000,00 pelo transporte, e relatou que a operação contou com o apoio de um “batedor” rodoviário, que ganharia R$1.000,00, encarregado de repassar informações sobre a presença de fiscalização policial. A utilização dessa rota fronteiriça e o modo de introdução dos bens estrangeiros — em galpão, entregues por pessoa não identificada, com ingresso noturno no país, mediante acompanhamento de “batedor”, entre outros artifícios — evidenciam a transnacionalidade da empreitada criminosa, escancarando o caráter transfronteiriço da infração penal e revelando o interesse direto da União na repressão da conduta. Impõe-se, assim, o reconhecimento da competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. Rejeita-se, portanto, a preliminar de incompetência. Superado esse óbice, rememoro que ao réu foi imputado a prática do crime previsto no artigo 334-A do Código Penal, em concurso formal (artigo 70 do Código Penal), com o delito do artigo 15 da Lei 7802/1989, porém, nas alegações finais, o Parquet sustentou que se trata tão somente do crime do artigo 56 da Lei n. 9.605/1998. Na esteira do que foi muito bem pontuado nas alegações finais do réu, também entendo que a conduta se amolda de forma mais adequada ao delito tipificado no artigo 15 da Lei n. 7.802/89. Com efeito, a conduta de transportar agrotóxicos tipifica o delito previsto no artigo 15 da Lei nº 7.802/1989, em sua antiga redação vigente à data dos fatos, substituída pelo art. 56 da Lei nº 14.785/2023, com apenação mais gravosa, e não ao crime do artigo 56 da Lei n. 9.605/1998, porquanto este último dispositivo tipifica a conduta de transportar “produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências legais”, enquanto que o primeiro, mais específico, tipifica a conduta de quem efetua o transporte de “agrotóxicos, componentes e afins”. Portanto, no caso de transporte de agrotóxicos de procedência estrangeira, sem comprovação da regularidade da importação, deve-se aplicar o tipo penal descrito no artigo 15 da Lei n. 7.802/89, Lei de Agrotóxicos, em sua antiga redação vigente à data dos fatos, substituída pelo art. 56 da Lei nº 14.785/2023, em respeito ao princípio da especialidade. Nesse sentido, por exemplo: i) STJ, REsp n. 1378064/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 27.06.17; REsp n. 1449266/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.08.15; ii) TRF da 3ª Região, ACR n. 2007.60.02.004157-8, Rel. Juiz Fed. Conv. Márcio Mesquita, j. 22.10.09; TRF da 4ª Região, ACR n. 2006.71.16.000686-2, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 15.07.09. Em consequência desse posicionamento jurisprudencial predominante, deve ser feita correção da capitulação jurídica descrita na denúncia para considerar o réu acusado da prática do delito previsto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989, em sua redação vigente à data dos fatos, substituída atualmente pelo artigo 56 da Lei nº 14.785/2023, bem como para afastar a imputação do delito do artigo 56 da Lei n. 9.605/98, assim como do crime previsto no artigo 334-A do Código Penal. Pois bem, segundo o exposto na denúncia, em 11 de setembro de 2020, José Mocellin foi preso em flagrante na Rodovia MS-295, próximo a Eldorado/MS, por atuar como “batedor” de um caminhão que transportava 263 (duzentos e sessenta e três) pacotes de agrotóxicos de origem paraguaia, introduzidos irregularmente no Brasil. Conduzindo uma VW Amarok, teria auxiliado na logística da importação clandestina ao monitorar a estrada e avisar sobre a fiscalização estatal. A materialidade do delito previsto no artigo 15 da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, encontra-se demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (Id. 38522493, p. 25) e pelo Auto de Apresentação e Apreensão (Id. 38522493, p. 35), que registram a apreensão de 263 (duzentos e sessenta e três) quilogramas de agrotóxicos de origem paraguaia, de diversas marcas, desacompanhados de documentação fiscal, ocultos no interior dos pneus do caminhão conduzido por Kleber Gomes Charão. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 1826/2020 (Id. 44801359, p. 4), elaborado de forma indireta após a destruição dos produtos, confirmou, com base na Relação de Mercadorias emitida pela Alfândega e em registros fotográficos, que se tratava de defensivos agrícolas de origem estrangeira, desprovidos de registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), cuja importação e comercialização são expressamente proibidas no território nacional. A Representação Fiscal para Fins Penais (Id. 58690628, p. 5) avaliou as mercadorias em R$ 69.211,48, com tributos iludidos estimados em R$ 34.605,74, configurando, portanto, de forma robusta a materialidade do delito em tela. Durante a fase investigativa, os elementos colhidos revelaram indícios consistentes da prática delitiva imputada a Kleber Gomes Charão e José Mocellin. O policial Lucas Ferreira de Vasconcelos, integrante do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), declarou que sua equipe abordou o caminhão Mercedes-Benz azul, conduzido por Kleber, o qual demonstrou intenso nervosismo. Na vistoria, constatou-se que os pneus apresentavam sinais de desmontagem recente e produziam som anormal ao serem percutidos. Questionado, Kleber confessou transportar “veneno” (agrotóxicos), informando que receberia R$ 4.000,00 pelo serviço, cujo trajeto teria início em Sete Quedas/MS, com destino a Mutum/MT, e que a carga fora introduzida no Brasil a partir do Paraguai. Na sequência, o sargento Cleito Vlademir dos Santos, da Polícia Militar, relatou que, em Eldorado/MS, abordou o veículo VW Amarok branco, conduzido por José Mocellin, o qual alegou ser oriundo do Rio Grande do Sul e estar na região negociando madeira. Após ser liberado, foi novamente localizado em atitude suspeita, aparentando monitorar o tráfego de veículos. Submetido a nova abordagem, José confessou estar atuando como “batedor” da carga ilícita, pelo que receberia R$ 1.000,00. Com base em suas informações, os policiais se deslocaram até Iguatemi/MS, onde identificaram o caminhão descrito, já abordado pela equipe do DOF. O policial militar Eduardo Bachega Martins corroborou integralmente o depoimento do sargento Cleito, confirmando a confissão de José, bem como os detalhes da sua atuação como batedor. Em sede policial, tanto Kleber quanto José, acompanhados por seus advogados, optaram por exercer o direito ao silêncio, declarando que apenas se manifestariam em juízo. José Mocellin, todavia, mencionou ter registro anterior por fato análogo, ocorrido na comarca de Tacuru/MS. Durante a instrução, o sargento Daniel Dias de Oliveira, lotado no Departamento de Operações de Fronteiras (DOF), afirmou que, durante bloqueio policial na rodovia MS-295, entre Iguatemi e Eldorado, abordou um caminhão Mercedes-Benz. Relatou que o condutor se mostrou nervoso e apresentou versões contraditórias quanto ao motivo da viagem. Durante a busca, localizou-se grande quantidade de agrotóxicos escondida nos pneus e estepes, todos recém-montados e com indícios de desbalanceamento. O condutor admitiu o transporte dos produtos, revelando que um desconhecido levou o caminhão para dentro do Paraguai, onde o carregou, devolvendo-o já em território nacional. Confirmou que uma equipe da Polícia Militar de Eldorado apresentou, na ocasião, o indivíduo que conduzia uma caminhonete e atuava como batedor da carga. Disse desconhecer detalhes sobre a abordagem e prisão desse segundo envolvido. O policial militar Cleiton Vladimir dos Santos, lotado em Eldorado/MS, narrou que inicialmente abordou José Mocellin, que conduzia uma caminhonete e alegou estar viajando ao Rio Grande do Sul. Posteriormente, ao notarem o mesmo veículo estacionado próximo à rodovia, decidiram abordá-lo novamente. Após hesitar, José confessou estar atuando como batedor de um caminhão carregado com agrotóxicos e que receberia R$ 1.000,00 pelo serviço. Indicou qual seria o caminhão suspeito com base na configuração do "truque" levantado. Afirmou que José colaborou integralmente, inclusive apontando o caminhão para que fosse interceptado pelo DOF. Declarou desconhecer o local de carregamento da carga, afirmando que nem José sabia se fora no Paraguai. O acusado José Mocellin, ao ser interrogado, declarou ser aposentado, anteriormente exercente da profissão de motorista, casado e pai de duas filhas adultas, com 42 e 38 anos, respectivamente. Relatou ter 75 anos de idade e afirmou que, na data dos fatos, recebeu proposta de R$ 1.000,00 de um desconhecido para acompanhar um caminhão entre Sete Quedas e Eldorado. Disse que a proposta foi feita casualmente em um posto de combustíveis e que, como já pretendia deslocar-se para Naviraí a fim de realizar o emplacamento do veículo do neto, aceitou a oferta. Alegou que não teve contato prévio com o condutor do caminhão e que tampouco sabia seu nome ou a natureza da carga transportada, acreditando tratar-se de pneus. Esclareceu que estava com o rádio do veículo avariado e que, ao parar próximo a uma autoelétrica, foi abordado pelos policiais. Reconheceu que, após a abordagem, indicou aos agentes o caminhão suspeito, baseado apenas nas características externas do veículo, como o truque levantado. Negou saber que a carga consistia em agrotóxicos e insistiu que sua atuação limitou-se a transitar à frente do caminhão, sem manter qualquer tipo de comunicação com o condutor. Disse ter tomado conhecimento do conteúdo ilícito apenas no momento da abordagem policial. Por fim, afirmou que jamais voltou a se envolver com qualquer prática criminosa após o ocorrido em 11/09/2020, que ficou abalado com os desdobramentos do processo, sentindo-se profundamente arrependido e envergonhado, a ponto de abandonar a atividade de transporte e não mais querer exercer qualquer função semelhante. Com base no interrogatório prestado por José Mocellin e na análise crítica do acervo probatório, observa-se que a versão sustentada pelo acusado – de que teria aceitado, de forma fortuita e desinformada, a proposta de um desconhecido para acompanhar um caminhão entre Sete Quedas/MS e Eldorado/MS, sem saber da natureza da carga – não encontra respaldo na prova técnica e testemunhal coligida aos autos. Ao contrário, os elementos de convicção produzidos no curso da instrução contradizem frontalmente tal narrativa. A análise da Informação de Polícia Judiciária nº 334046/2022 (Id. 250772977, p. 4) revela a existência de diálogo, travado na véspera da prisão (10/09/2020), entre o terminal telefônico do corréu Kleber Gomes Charão e o número associado ao réu, salvo como “Piska”. Ainda que as mensagens trocadas (“E aí”, “Como ce tá?”, “Q acha de amanhã”) evidenciam planejamento e prévia articulação entre os envolvidos. A tese de um encontro casual, portanto, mostra-se artificial e desprovida de mínima plausibilidade. A alegação de desconhecimento quanto à natureza da carga não se sustenta diante dos elementos objetivos reunidos nos autos. A perícia realizada no telefone celular do acusado revelou a existência de um vídeo que registra o interior de um depósito contendo caixas de agrotóxicos da marca 'Columbus', além de um veículo VW Amarok branco, com placa paraguaia, idêntico àquele utilizado por ele na função de "batedor". A presença desse material em seu aparelho indica conhecimento prévio da operação criminosa e sugere envolvimento em etapa anterior ao transporte da carga, ampliando o grau de sua participação na empreitada ilícita. Também se revela inconsistente a tese de ausência de comunicação durante o trajeto. O corréu Kleber Gomes Charão, em seu depoimento prestado à autoridade policial (Id. 40445919 - Pág. 1), foi claro ao afirmar que a caminhonete que o precedia na estrada faria contato com ele via telefone celular — o que revela, além do caráter coordenado da ação, que a comunicação entre os partícipes era parte estruturante da logística criminosa. A alegação de que o rádio do veículo estaria avariado, portanto, em nada altera a conclusão sobre a viabilidade de contato entre os réus, tampouco compromete a prova da cooperação mútua na realização do delito. No que tange à tentativa de demonstrar arrependimento e desvinculação posterior de condutas ilícitas, cumpre observar que o réu já ostentava antecedentes pela prática do mesmo tipo penal (art. 15 da Lei nº 7.802/1989), conforme registrado na Folha de Antecedentes (Id. 44801359, p. 140) e na Certidão de Distribuição (Id. 304957935, p. 1), constando sua condição de denunciado na Ação Penal nº 0001321-79.2017.4.03.6006. Aliás, esse registro foi expressamente considerado pelo Ministério Público Federal ao recusar a proposta de acordo de não persecução penal (Id. 328207258, p. 2), pois, anda que tenha ocorrido prescrição da pretensão punitiva estatal, revela reiteração delitiva do réu em crime da mesma espécie. Soma-se, ainda, a apreensão de um rádio transceptor, cor preta, marca "Cobra", modelo 19DXIV, n.º de série W308540489, lacrado em envelope de segurança n.º 2015-0006886B, localizado por ocasião da realização do exame pericial no veículo VW Amarok, placas PID7829, conforme Laudo Pericial nº 0136/2021. Assim, à luz do conjunto probatório robusto e coerente, a versão apresentada pelo acusado revela-se manifestamente dissociada dos elementos objetivos dos autos, carecendo de credibilidade e coerência lógica. Os depoimentos colhidos são harmônicos entre si e descrevem com clareza a dinâmica da empreitada criminosa: Kleber atuava como transportador da carga, enquanto José desempenhava a função de “batedor”, demonstrando divisão de tarefas, adesão ao plano delitivo e consciência sobre a ilicitude dos fatos. Além disso, os laudos periciais dos telefones celulares apreendidos em poder dos acusados (Id. 52703518) e a Informação de Polícia Judiciária n.º 334046/2022 (Id. 250772977, p. 3) reforçam a autoria e o vínculo entre os acusados. Diante desse conjunto probatório coligido aos autos, tenho que está devidamente demonstrada a materialidade e a autoria do crime previsto no 15 da Lei n. 7.802/89, inclusive pela confissão do réu, de sorte que passo à análise dos demais elementos do delito. No que tange à ilicitude, esta é a contrariedade da conduta praticada pelo réu com o tipo penal previamente existente. Em razão da adoção pelo Código Penal da teoria da ratio cognoscendi, o fato típico é indiciariamente ilícito (caráter indiciário da ilicitude), ou seja, a antijuridicidade é presumida, podendo ser afastada apenas por alguma causa excludente, quais sejam, legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito ou consentimento da vítima (causa supralegal). Não se verifica, no caso concreto, qualquer excludente de antijuridicidade. Por tal razão, o fato descrito na denúncia é típico e antijurídico. Já, a culpabilidade é a censurabilidade, reprovabilidade da conduta praticada pelo réu que, podendo agir conforme o direito, dele se afasta. A culpabilidade exige como elementos a imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Ausente um desses elementos, resta afastada a aplicação da pena. No caso dos autos, verifica-se que o réu é imputável (maior de 18 anos e sem deficiência mental), tinha potencial conhecimento da ilicitude da conduta por eles praticada, bem como podia agir de outra forma, em conformidade com o direito. Desse modo, ausentes as excludentes de ilicitude e culpabilidade, não resta outra solução senão condenar o acusado José Mocellin às penas do artigo 15 da Lei n. 7.802/1989. Da aplicação da pena Na fixação da pena base pela prática do crime do artigo 15 da Lei n. 7.802/1989, parto do mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão. Das circunstâncias judiciais (1ª fase) Na primeira fase de aplicação da pena, da análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) a culpabilidade do réu Jose Mocellin deve ser valorada de forma negativa, nos termos do art. 59 do Código Penal, diante da elevada reprovabilidade concreta de sua conduta. Apesar da idade relativamente avançada, demonstrou plena consciência e domínio dos atos praticados, tendo aderido voluntariamente a empreitada criminosa com divisão de tarefas e finalidade lucrativa. Atuou como “batedor” de um carregamento de agrotóxicos de origem estrangeira, introduzido clandestinamente no país, exercendo papel estratégico ao monitorar a rodovia e alertar sobre a presença de fiscalização, mediante promessa de remuneração no valor de R$ 1.000,00. O réu, residente em Carlos Barbosa/RS, deslocou-se mais de 1.100 km até a fronteira Brasil-Paraguai para participar da empreitada, o que denota mobilização prévia de recursos, planejamento e vínculo consciente com o crime transnacional. Utilizou, ainda, veículo próprio de valor expressivo (VW Amarok avaliado em R$ 62.000,00), o que revela sofisticação operacional. Registra-se, ademais, que José já havia respondido perante esta mesma Vara Federal a processo criminal anterior (n. 0001321-79.2017.4.03.6006), por fato análogo, tipificado no art. 15 da Lei 7.802/89, demonstrando ciência inequívoca sobre a ilicitude da conduta. Não há, ainda, registro de encargos familiares relevantes que pudessem justificar sua adesão ao crime, sendo possível inferir que agiu por pura ganância e oportunidade de lucro fácil, conforme verifiquei no seu interrogatório judicial. Nesse contexto, a culpabilidade, o grau de reprovabilidade e o dolo revelam-se significativamente elevados e absolutamente anormais à espécie; b) o réu não possui maus antecedentes; c) não há elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade do réu; d) nada a ponderar sobre os motivos do crime; e) as circunstâncias do crime, nos termos do art. 59 do Código Penal, revelam-se desfavoráveis ao réu, exigindo valoração negativa desta vetorial. O delito foi cometido mediante modus operandi sofisticado, caracterizado por divisão de tarefas e coordenação prévia, com clara estrutura de atuação criminosa. José Mocellin exerceu papel estratégico ao trafegar à frente do caminhão transportador da carga ilícita, utilizando-se de sua caminhonete VW Amarok como veículo batedor. Sua função era garantir a segurança do trajeto, monitorando a rodovia e informando sobre a presença de fiscalização, o que demonstra consciência e adesão plena à empreitada. A carga — 263 pacotes de agrotóxicos de origem estrangeira — foi ocultada com o objetivo deliberado de frustrar a atuação fiscalizatória do Estado. Estava escondida nos pneus do caminhão, inclusive no "truck" e nos estepes, exigindo certa perícia para sua descoberta. A sofisticação na ocultação é indício de preparo prévio e intento de dificultar a repressão ao crime. O local da abordagem, situado na Rodovia MS-295, nas imediações de Eldorado/MS, é reconhecidamente vulnerável ao ingresso irregular de mercadorias devido à proximidade com a fronteira. Soma-se, ainda, a apreensão de um rádio transceptor, cor preta, marca "Cobra", modelo 19DXIV, n.º de série W308540489, lacrado em envelope de segurança n.º 2015-0006886B, localizado por ocasião da realização do exame pericial no veículo VW Amarok, placas PID7829, conforme Laudo Pericial nº 0136/2021. Esse equipamento é comumente utilizado para comunicação em tempo real entre veículos e demonstra preparo técnico adicional, voltado à evasão da fiscalização e à preservação da clandestinidade da operação. Considerado esse cenário, a vetorial das circunstâncias do crime deve ser valorada negativamente; f) as consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão do produto; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Diante desse quadro, para a necessária e suficiente reprovação e prevenção do crime, mostra-se imperativa a majoração da pena em 6 meses para cada circunstância negativa, razão pela qual fixo a pena-base em 3 (três) anos de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa. Das circunstâncias agravantes e atenuantes (2ª fase) Das provas coligidas nos autos, evidencia-se que o réu promoveu a empreitada criminosa mediante paga ou promessa de recompensa. Assim, conforme bem pontuado nas alegações finais do Ministério Público Federal, reconheço a incidência da agravante prevista no art. 62, inciso IV, do Código Penal, tendo em vista que a vantagem econômica oferecida a terceiro não é elemento integrante do tipo penal em análise. Por outro lado, o réu confessou a prática delitiva tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, sendo sua versão corroborada pelo conjunto probatório constante dos autos e considerada para a formação do convencimento deste Juízo. Incide, portanto, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea 'd', do Código Penal, conforme dispõe a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça: "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal." Em razão disso, a confissão espontânea e a promessa de recompensa configuram, ambas, circunstâncias preponderantes, por decorrerem da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos termos do art. 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser reconhecida a compensação integral entre tais vetores. Ademais, considerando que o réu possui mais de 70 anos de idade, incide a atenuante genérica prevista no art. 65, inciso I, do Código Penal, impondo-se a redução da pena em 1/6. Diante desse conjunto de fatores, fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa. Das causas de aumento e diminuição de pena (3ª fase) Não há causa de aumento ou diminuição da pena, pelo que torno a pena definitiva em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa. Da pena de multa Na fixação da pena de multa, devem ser levados em conta todos os elementos considerados para mensurar, de forma definitiva, a pena privativa de liberdade. Ressalte-se que no crime em análise a pena privativa de liberdade deve ser fixada entre o mínimo de 2 (dois) e o máximo de 4 (quatro) anos. Já a pena de multa deve obedecer ao disposto no artigo 49 do Código Penal e ser fixada entre o mínimo de 10 (dez) e o máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Assim, fixo-a proporcionalmente à pena privativa de liberdade, ora dosada, o que corresponde a 30 (trinta) dias-multa, os quais fixo no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época do fato delitivo, em 11/09/2020, atento à situação econômica do réu (aposentado com histórico de caminhoneiro). O valor deverá ser atualizado monetariamente até a data do efetivo pagamento, de acordo com o artigo 49, §2º, do Código Penal. Do regime de cumprimento de pena Embora a pena fixada não alcance 4 (quatro) anos, pela existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, que levaram à fixação da pena-base substancialmente acima do mínimo legal, mostra-se justificado o estabelecimento do regime prisional inicial semiaberto, mais severo, conforme a interpretação conjunta dos arts. 59 e 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal (c.f. AgRg no HC 618.167/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 05/04/2021). Da detração Em observância ao §2º ao artigo 387 do Código de Processo Penal, saliento que eventual progressão de regime deve ser analisada pelo juízo da execução, nos termos do artigo 66, III, “b” c/c artigo 112, ambos da LEP. Isso porque não verifico no caso dos autos período passível de detração que seja suficiente para alterar o regime inicial de cumprimento da pena fixada. Da substituição da pena privativa de liberdade Embora a pena fixada não alcance 4 (quatro) anos, pela existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, que levaram à fixação da pena-base substancialmente acima do mínimo legal, não é cabível a aplicação de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Penal. Do mesmo modo, mostra-se incabível, na espécie, a suspensão condicional da pena, a teor do artigo 77, inciso III, do Código Penal. Direito de apelar em liberdade Faculto ao réu a interposição de apelação em liberdade, já que não se justifica sua segregação, tendo em vista que respondeu ao processo em liberdade. Da destinação dos bens apreendidos Quanto aos veículos apreendidos em poder dos acusados, embora tenham sido utilizados na prática do crime, não se trata de bens cuja posse ou detenção configure, por si, fato ilícito, tampouco há nos autos indícios de adulteração estrutural destinada a ocultar mercadorias ilícitas. Assim, determino a liberação dos referidos veículos no âmbito penal, sem prejuízo de eventuais medidas de natureza fiscal ou administrativa adotadas pela autoridade competente, inclusive quanto à possibilidade de decretação de perdimento administrativo. No que se refere aos agrotóxicos apreendidos, verifico que já foram regularmente destinados à Receita Federal, não havendo providências pendentes no âmbito desta ação penal. Relativamente aos demais bens constantes nos autos (Id. 38522493 – págs. 35 e 36), inclusive o rádio transceptor (id. 58690628 - Pág. 12), determino que sejam destruídos de imediato pelo Setor de Depósito Judicial desta Subseção Judiciária, com a devida lavratura do termo de destruição e posterior juntada aos autos, observando-se as orientações gerais deste Juízo. Ressalte-se que o laudo pericial já foi devidamente confeccionado, tornando desnecessária a manutenção de amostra para contraprova. Diante disso, determino a incineração da referida amostra. Caso algum dos bens mencionados não tenha sido remetido a esta Vara Federal, o servidor responsável deverá comunicar diretamente o teor desta sentença à Delegacia de Polícia correspondente, dispensando-se nova ordem judicial. Dê-se ciência imediata ao Setor de Depósito Judicial para cumprimento deste provimento. Do numerário apreendido Os valores apreendidos em poder dos acusados (Id. 38522493 - Págs. 35 e 36) e depositados em conta judicial vinculada a estes autos (ID 40445919 - Págs. 46 a 49) são inequivocamente decorrentes de proveito do crime, conforme se verifica das provas coligidas aos autos desta Ação Penal. Em consequência, determino o perdimento desses numerários em favor da União, nos termos do artigo 91, inciso II, alínea “b”, do Código Penal. Após o trânsito em julgado, oficie-se à Caixa Econômica Federal para que converta os valores em favor do Fundo Penitenciário Nacional - Funpen, mediante os códigos de recolhimento próprios. Das medidas cautelares diversas da prisão Tendo em vista que não remanescem os motivos para a manutenção das medidas cautelares diversas da prisão aplicadas aos réus Jose Mocellin e Kleber Gomes Charao (c.f. id. 38526302 - Págs. 1 a 3), uma vez que cumpriram o seu propósito no que tange à garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal nesta instância, revogo tais medidas. Independentemente do trânsito em julgado, providencie-se o necessário e, se o caso, solicite-se a devolução da(s) carta(s) precatória(s) encaminhada(s) para fins de fiscalização da medida cautelar de comparecimento periódico. Da inabilitação para dirigir veículo automotor O artigo 92, inciso III, do Código Penal dispõe que são efeitos da condenação a inabilitação para dirigir veículo, “quando utilizado como meio para a prática de crime doloso”. Nos termos do parágrafo único do referido dispositivo, tais efeitos não são automáticos, exigindo declaração expressa e motivada na sentença. Cuida-se de efeito secundário da condenação, cuja incidência demanda apenas a constatação de que o veículo foi utilizado, de forma dolosa, como instrumento para a prática de infração penal. É precisamente o que se verifica no presente caso, em que o réu utilizou o automóvel VW Amarok, de sua propriedade, como meio para assegurar o êxito do transporte clandestino de agrotóxicos de origem estrangeira, atuando na função de “batedor” da carga ilícita. A medida mostra-se adequada e proporcional, atendendo aos objetivos de repressão e prevenção geral e especial da pena, sobretudo diante da gravidade concreta da conduta e da deliberada instrumentalização do veículo para fins criminosos. Assim, com fundamento no artigo 92, inciso III, do Código Penal, declaro a inabilitação do réu Jose Mocellin para o exercício do direito de dirigir veículo automotor, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade imposta nesta ação penal. Após o trânsito em julgado, oficie-se à Central de Mandados para que promova a anotação da penalidade no sistema RENAJUD. Da intimação do réu Compulsando os autos, verifica-se que o réu está representado por defensor constituído. Nesse sentido, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, "em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado, sem que haja qualquer empecilho ao início do prazo recursal e a posterior certificação do trânsito em julgado" (AgRg nos EDcl no RHC n. 191.783/MT, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024). Essa é a posição, aliás, que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, interpretando o disposto no art. 392 do CPP, tem adotado em suas decisões mais recentes (TRF 3ª Região, 5ª Turma, HCCrim - Habeas Corpus Criminal - 5006561-90.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Mauricio Yukikazu Kato, julgado em 23/04/2024, Publicado em: 24/04/2024). Diante disso, fica dispensada a intimação pessoal do réu acerca da presente sentença, devendo ser intimado tão somente o defensor do réu. Com a intimação do advogado do réu da presente sentença e decorrido o respectivo prazo recursal sem a interposição de recurso, providencie a Secretaria a certificação do trânsito em julgado, na data pertinente, com as consequentes medidas necessárias ao cumprimento do estabelecido em sentença. Do desmembramento do feito em relação a Kleber Gomes Charão Com base na análise dos autos, verifica-se o seguinte histórico em relação ao acusado Kleber Gomes Charão: o réu foi preso em flagrante em 11 de setembro de 2020, na condição de condutor do caminhão que transportava carga de agrotóxicos (Auto de Prisão em Flagrante, Id. 38522493 – pág. 25). Em 12 de setembro de 2020, sua prisão foi homologada, sendo-lhe concedida liberdade provisória mediante imposição de medidas cautelares (Decisão, Id. 38526302 – pág. 1). Posteriormente, Kleber Gomes Charão foi denunciado em conjunto com o corréu José Mocellin pela suposta prática dos crimes previstos no artigo 334-A do Código Penal e no artigo 15 da Lei n. 7.802/1989 (Denúncia, Id. 252060526 – pág. 1). Após apresentação de resposta à acusação (Id. 314983237 – pág. 1), o Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente à celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), exclusivamente em favor de Kleber Gomes Charão (Manifestação, Id. 328207258 – pág. 1). O acordo foi formalizado (Id. 343485060 – pág. 1), aceito pelo acusado e sua defesa, prevendo, entre outras condições, o pagamento de prestação pecuniária e a prestação de serviços à comunidade. Em 7 de janeiro de 2025, o Juízo homologou o referido acordo (Decisão, Id. 350113168 – pág. 1), suspendendo a pretensão punitiva estatal e o curso do prazo prescricional em relação ao acusado, nos termos do art. 28-A, § 6º, do Código de Processo Penal. Também foi determinada a expedição de carta precatória ao Juízo da Comarca de Amambai/MS, para fins de fiscalização do cumprimento do pacto. Diante da suspensão do processo em relação a Kleber Gomes Charão e considerando que a ação penal prossegue regularmente em face do corréu José Mocellin, impõe-se a separação dos feitos por razões de regularidade, economia e celeridade processual. Assim, determino o desmembramento do feito em relação a Kleber Gomes Charão, com a formação de autos apartados, os quais deverão ser instruídos com cópia da denúncia, do Acordo de Não Persecução Penal, da decisão que o homologou e desta sentença. Nos autos desmembrados, deverá aguardar-se o integral cumprimento do acordo, com fiscalização a cargo do Juízo da Comarca de Amambai/MS. Após o cumprimento, os autos deverão retornar conclusos para análise de eventual extinção da punibilidade. Nestes autos principais, o feito prosseguirá exclusivamente em relação ao réu José Mocellin, nos termos da decisão de Id. 350113168, aguardando-se eventual recurso contra esta sentença. Das providências finais Com o trânsito em julgado, (a) proceda-se à alteração da situação processual do réu para condenado; (b) lance-se o nome do réu no rol dos culpados; (c) procedam-se às anotações junto ao Instituto Nacional de Identificação (INI); (d) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins previstos no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal; (e) encaminhe-se ao Juízo da Execução as peças complementares, inclusive informando as alterações havidas à direção do estabelecimento prisional, nos termos do artigo 6º, §2º, da Resolução nº 287/2019 do E. TRF da 3ª Região; e (f) promova a Secretaria elaboração do cálculo das custas e da multa, certificando-se nos autos e encaminhando-o ao Juízo da Execução para providências. III - DISPOSITIVO Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia para CONDENAR o réu JOSE MOCELLIN, brasileiro, casado, motorista, filho de Joao Mocellin e Geny Grolli Mocellin, nascido em 17/04/1950, pela prática da conduta descrita no artigo 15 da Lei n. 7.802/89, à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, incialmente em regime semiaberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, tudo consoante fundamentação. Indefiro o pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Assim, o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade será o semiaberto, de acordo com o artigo 33, § 2°, alínea “c”, c/c art. 59, III, do Código Penal c/c Súmulas 718 e 719 do STF Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas processuais, tendo em vista não haver provas nos autos de que seja economicamente hipossuficiente. Providencie-se o desmembramento do feito em relação ao acusado Kleber Gomes Charão, com a formação de autos apartados, conforme orientações gerais deste Juízo Federal. Intimem-se todos pelo sistema do Processo Judicial Eletrônico – PJe quanto ao teor desta sentença. Por cautela, com base nas informações contidas nos autos, caberá ao Oficial de Justiça apenas encaminhar cópia da presente sentença aos réus José Mocellin e Kleber Gomes Charão, por qualquer meio eletrônico ou convencional disponível, inclusive contato telefônico ou aplicativo de mensagens (WhatsApp), sendo desnecessária a confirmação do seu recebimento. Cumpra-se. Intimem-se. Naviraí/MS, datado e assinado eletronicamente.
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