Processo nº 0000567-83.2021.4.03.6205
ID: 338746357
Tribunal: TRF3
Órgão: 5º Juiz Federal da 2ª TR MS
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 0000567-83.2021.4.03.6205
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RAIMUNDO BESSA JUNIOR
OAB/PA XXXXXX
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ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI
OAB/RS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000567-83.2021.4.03.6205 RELATOR: 5º Juiz Federal da 2ª TR MS RECORRENTE: ROSEMILDA BALDONADO BUENO, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A Advogado do(a) RECORRENTE: RAIMUNDO BESSA JUNIOR - PA11163-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ROSEMILDA BALDONADO BUENO PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: RAIMUNDO BESSA JUNIOR - PA11163-A Advogado do(a) RECORRIDO: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A OUTROS PARTICIPANTES: RELATÓRIO A sentença foi proferida nos seguintes termos: 1. RELATÓRIO. Dispensado na forma do artigo 38 da Lei nº 9.099/95. 2. FUNDAMENTAÇÃO. Trata-se de ação proposta em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, na condição de representante do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), pela qual pretende a parte autora a condenação da ré no pagamento de indenização por danos morais e materiais em razão de danos físicos no imóvel objeto de contrato com a CEF (Programa de Arrendamento Residencial). 2.1. Mérito. 2.1.1. Revelia A requerida não apresentou contestação. Decreto a revelia da requerida, nos termos do art. 344, ao passo em que esclareço que o artigo 345 estabelece que, ainda que revel, o réu poderá produzir provas e alegar tudo o que interesse à sua defesa. 2.1.2. Questão principal Para a configuração da responsabilidade civil são imprescindíveis: a conduta comissiva ou omissiva, presença de culpa ou dolo (que não precisa ser comprovada na objetiva), relação de causalidade entre a conduta e o resultado e a prova da ocorrência do dano. O artigo 186 do Código Civil preceitua que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Nos dizeres de Sergio Cavalieri Filho, (...) não basta que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. (...) O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.(grifo nosso) Salienta-se, assim, que o nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. O nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. Por ele podemos concluir quem foi o causador do dano e, consequentemente, quem terá o dever de repará-lo, pois ninguém deve responder por aquilo a que não tiver dado causa, segundo fundamental princípio do Direito. Na lição de FLÁVIO TARTUCE em seu livro Direito Civil, volume 2: direito das obrigações e responsabilidade civil, 3ª edição, editora Saraiva, 2008, “o nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo relação de causa e efeito entre a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém”. No caso em apreço, sustenta a parte autora, em breve síntese, ter pactuado contrato de mútuo habitacional pelo Programa "Minha Casa, Minha Vida", tendo sido imitida na posse de imóvel localizado em Rua Fioravant Bosso, 254, registrado na matrícula Nº 50008 do CRI de Ponta Pora/MS. Alega que o imóvel foi mal construído, apresentando vícios de construção especificados na inicial. Com relação aos contratos com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida, há previsão legal de cobertura de danos físicos pelo agente operador financeiro, no caso a ré: Art. 6º- A. As operações realizadas com recursos advindos da integralização de cotas no FAR e recursos transferidos ao FDS, conforme previsto no inciso II do caput do art. 2º, são limitadas a famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00 (mil trezentos e noventa e cinco reais), e condicionadas a: (...) III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário. A CEF, no caso dos autos, atuou como agente financeiro do contrato e agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, na medida em que promoveu o contrato de construção diretamente com a incorporadora/construtora, participando da elaboração do projeto e da execução da obra. Em que pesem as correntes de pensamento de que a recuperação de eventuais vícios ocultos decorrentes de má execução de obra incumbe ao responsável técnico (a construtora), a CAIXA é, sim, neste caso, responsável pelos danos decorrentes dos vícios construtivos, na medida em que, como já fundamentado acima, agiu também como agente executor e fiscalizador da obra e não somente como agente financeiro. Assentada a responsabilidade da Caixa, o resultado da demanda depende da prova de que os defeitos alegados pela autora existem e que tenham sido causados por falhas na construção. Para tal finalidade, este juízo nomeou perito engenheiro que por não estar vinculado a qualquer das partes, não possui interesse no resultado do processo. No laudo pericial apresentado, o perito nomeado respondeu aos quesitos do juízo da seguinte maneira: “8.4. - Quais as patologias que a parte autora alega existirem no imóvel, conforme relato da petição inicial? R: Conforme petição inicial: - O excesso de umidade causa muito mofo e bolor; - Rachaduras e trincos; - Paredes descascadas; - Problemas com o sistema elétrico - sem os acabamentos; - Forro com frestas; - Infiltrações nas paredes; - Cerâmicas de péssima qualidade - inclusive com alteração na cor, entre outros. Na perícia: - Infiltrações diversas; - Forro de PVC cedendo, sem alçapão, sem acabamento roda forro; 8.5. - As patologias descritas no item 4 supra, que constituem objeto da perícia, efetivamente existem? Se positiva a resposta, deve o perito especificá-las. R: É positivo a resposta ao quesito. As patologias verificados no imóvel e as possíveis causas associadas estão relacionados no item 6.1., 6.2., 6.3., 6.4.1., 6.4.2., 6.5. e 6.6 deste laudo.". Na análise dos itens 6.1,. 6.2., 6.3., 6.4.1, e 6.6, nota-se o detalhamento de cada patologia indicada pela exordial e perícia. As patologias foram causadas por diversos fatores. Segundo o laudo pericial, erros na execução do projeto, falta de manutenção periódica, utilização inadequada da edificação e falta de limpeza contribuíram para o agravamento dos problemas encontrados. A execução inadequada do reboco das edificações, com a falta de aditivo impermeabilizante na argamassa, foi identificada como uma das principais causas das infiltrações. Em relação aos problemas de rede elétrica interna, asseverou o perito que foi observado a falta de instalação de acabamentos (placa cega 4x2) em caixas de espera, o que vício construtivo. Por sua vez, quanto ao gotejamento, a ausência de manutenção regular dos materiais de vedação expostos às intempéries e a falta de reparos ao longo de sete anos de uso foram identificados como causas principais desse problema. É destacado que a falta de manutenção não pode ser considerada um vício construtivo. No ponto relativo ao gotejamento devido a reservatórios de água furados é considerado incomum e aponta para um erro na execução do serviço. A presença de objetos estranhos sob o reservatório causou perfuração devido à pressão da água, resultando em relatos semelhantes de proprietários afetados. Esse problema é identificado como um vício de construção devido ao erro na execução do serviço. Problemas identificados com placa solar e boiler foram causados por um evento imprevisível, considerado um caso de força maior, isentando o responsável pelo descumprimento do contrato de responsabilidade. No caso do forro de PVC, problemas de desprendimento e falta de alçapão para manutenção foram apontados como vícios construtivos, assim como a ausência de acabamentos roda forro. A falta de manutenção periódica nos imóveis, análoga à revisão de um automóvel, foi notada e pode ter contribuído para o agravamento de problemas ao longo dos 7 anos de uso dos imóveis. Pois bem. Predomina no ordenamento jurídico pátrio a teoria da causalidade adequada, que baseia-se na relação de causa e efeito entre a ação ou omissão de alguém e o dano causado. Dentro dessa teoria, as causas são classificadas em diretas e imediatas (as principais causas do dano), indiretas (que contribuem de forma significativa), concorrentes (quando atuam simultaneamente) e supervenientes absolutamente independentes (que se sobrepõem às causas anteriores de forma independente). Essas classificações são essenciais para determinar a responsabilidade legal em casos específicos, considerando as diferentes contribuições para a ocorrência de um dano. No caso dos autos, os vícios de execução do contrato ou de construções foram causas diretas e imediatas para as patologias e a falta de manutenção foram causas indiretas. Concluiu, portanto, o perito que os danos físicos existentes são provenientes de concausas supervenientes, com especial origem em vícios de construção que são agravados pela falta de manutenção do adquirente. Esclarece o perito que não foram empregados técnica e materiais adequados, de modo que se constata a existência do nexo de causalidade outrora referido. Assim, tendo-se em vista que, apesar das concausas, o produto e serviço foram entregues com falhas, é devido o ressarcimento e nova entrega sem vícios. Também no laudo foram produzidos os orçamentos necessários para a reparação e entrega do imóvel em sua condição inicialmente devida. O laudo pericial ressalta a importância do acompanhamento da execução por profissionais habilitados para garantir a correta aplicação dos materiais. A requerida apresentou impugnação ao laudo, afirmando que o laudo apresentado não menciona sinistros, manutenções preventivas ou corretivas, e deixa de mencionar danos por mau uso. Além disso, o orçamento no laudo não se limita a reparos, incluindo reformas para danos construtivos. Rejeito a impugnação ao laudo apresentada pela CEF, na medida em que diversamente do que ali consta, e independente do prazo de garantia contratual, o fato é que a Lei assegura a reparação dos danos que, nos autos, restaram comprovados como sendo vícios construtivos. O orçamento leva em consideração as atividades e materiais necessários para entregar o imóvel como deveria ter sido entregue. Ademais, o perito deixou claro em seu parecer que foram considerados no orçamento apenas as soluções para as patologias encontradas no imóvel de natureza endógena, ou seja, originadas na fase construtiva, apontando para um vício oculto construtivo. Quanto às pequenas reformas e construções, como relativas às varandas, é necessário fazer um maior esclarecimento. Ainda que reprove-se a execução de obras, seja construção ou reforma, em um imóvel sem o devido consentimento das autoridades competentes no âmbito do planejamento e regulação urbanística, cabe destacar que, segundo as conclusões exaradas no laudo técnico de perícia, as modificações efetuadas na estrutura original da edificação não constituíram a origem das falhas estruturais identificadas, denominadas patologias. É necessária a compreensão jurídica segundo a qual tais reformas efetuadas pelo comprador não constituem um obstáculo ao reconhecimento dos vícios preexistentes à transação de compra e venda do bem. A existência de tais vícios anteriores à aquisição e não decorrentes das reformas executadas implica a responsabilidade do vendedor em promover o saneamento dos defeitos, desvinculado das alterações posteriores realizadas pelo comprador. Portanto, ressalta-se que a obrigação de remediar os vícios redibitórios recai sobre o vendedor, estabelecendo um dever legal de assegurar ao comprador a entrega de um bem livre de falhas ocultas prejudiciais ao seu pleno uso ou que afetem seu valor intrínseco, independentemente de quaisquer intervenções posteriores promovidas pelo adquirente sobre o bem. Tal preceito reitera os direitos do consumidor assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor bem como pela legislação civil aplicável, fortalecendo a proteção jurídica ao comprador frente a vícios ocultos do bem adquirido. Além disso, a responsabilidade não se restringe apenas à existência de vícios que impliquem em risco de desmoronamento do imóvel, como alegou em sua defesa. Dessa forma, vislumbro conduta ilícita da parte ré a ensejar responsabilidade civil, uma vez que as normas técnicas necessárias para a construção do imóvel deixaram de ser observadas, ocasionando os vícios constatados pela prova pericial. Danos morais Nesse sentido, há danos morais, não havendo que se falar em meros dissabores comuns na vida cotidiana. Destaco desde já não desconhecer a Tese firmada pela TNU no sentido de que “O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade.” Entretanto, apesar do meu entendimento de que o dano moral não decorre exclusivamente da situação de dor, vexame ou constrangimento, havendo muitas outras situações que podem ensejá-lo sem que essas características estejam presentes (Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil), seguindo o entendimento acima transcrito, verifico ter a parte autora sofrido abalo emocional. A parte autora adquiriu, por meio de programa governamental destinado à população de baixa renda e, por isso, econômica e muitas vezes socialmente vulnerável, um imóvel, concretizando, ou buscando concretizar, um direito seu garantido constitucionalmente (artigo 6º, caput, da Constituição Federal). Confiando na eficiência da Administração (artigo 37, caput, da Constituição Federal), investiu suas economias que não garantem sequer o mínimo constitucionalmente previsto (artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal), na aquisição da moradia própria, vinculando-se a uma dívida de uma vida toda objetivando alguma segurança para a família. A par disso, viu-se envolvida em situação de dano construtivo decorrente de deficiência no processo de escolha e/ou fiscalização pela CEF do trabalho que estava sendo desenvolvido pela construtora por ela selecionada, e sem muito poder de impugnação, seja por falha informacional, técnica ou ainda pela burocracia envolvida na solução da questão. Há ainda a questão da impossibilidade material de reparação dos danos de maneira voluntária, pois como já mencionado, as economias foram investidas no pagamento de prestações para uma vida toda. Afora isso, é inegável a perda do tempo útil do contratante ao ter que questionar judicialmente ou extrajudicialmente a falha na prestação do serviço pela Administração. Finalmente, entendo ter havido a quebra do contrato (a CEF deveria fiscalizar a qualidade da obra e atender a demanda relativa a vício construtivo, cuja presença restou demonstrada nos autos) e isso afetou o direito fundamental da parte autora não a um teto, mas a uma moradia digna, onde ela não sinta temor, desgosto ou ansiedade em permanecer diante dos reparos que deveriam ser feitos, ainda que isso não lhe retire de maneira absoluta seu local de residência. Provada a responsabilidade da parte ré e a lesão moral da parte autora bem como o nexo de causalidade entre ambos, há que se indenizar o dano moral sofrido. No que diz respeito ao quantum indenizatório da reparação por dano extrapatrimonial, a indenização deve ser suficiente para compensar a vítima pelo dano sofrido e, concomitantemente, sancionar o causador do prejuízo de modo a evitar futuros desvios, respeitado o binômio proporcionalidade/razoabilidade. É o caráter punitivo-reparador que encerra esse modelo indenizatório (punitive damages). No caso dos autos, fixam-se os seguintes parâmetros para a quantificação do montante indenizatório: a) demonstração da falha na prestação do serviço; b) caráter coercitivo e pedagógico da indenização; c) respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade; d) configuração de dano moral puro; e) a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado; e f) ato com consequências. Tendo em conta esses parâmetros, impõe-se a fixação do montante indenizatório em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), que deverão ser corrigidos desde a data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e com incidência de juros de mora desde o evento danoso que aqui considero a data da entrega do imóvel (artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ). 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido autoral, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para condenar a ré: a) ao pagamento de indenização por danos materiais na quantia de R$ 15.259,65 (quinze mil, duzentos e cinquenta e nove reais e sessenta e cinco centavos), corrigida monetariamente desde a data da perícia (Súmula 43 do STJ) e acrescida de juros de mora a partir da data da entrega do imóvel (artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ), valor estimado pelo perito para o reparo dos vícios e defeitos decorrentes da construção; b) ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora na quantia de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais), corrigidos desde a data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e com incidência de juros de mora desde o evento danoso que aqui considero a data da entrega do imóvel (artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ). Defiro a gratuidade de justiça, observado o disposto no art. 98, § 3º, do CPC. Pelo princípio da causalidade, condeno a CEF ao reembolso à Justiça Federal do valor dos honorários periciais fixado nos autos. Sem custas e sem honorários nesta instância judicial, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/01. 4. Após o trânsito em julgado, a requerida deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar os cálculos correspondentes. 5. Em seguida, intime-se a parte autora para, no prazo de 10 (dez) dias, se manifestar. Advirta-se que eventual impugnação aos cálculos deverá vir acompanhada de memorial respectivo, apresentando fundamentadamente as razões das divergências. 6. Silente a parte autora, ou em conformidade com os cálculos apresentados, intime-se a ré para cumprimento da sentença, nos termos do art. 523, § 1º, do CPC. Recorreram as partes autora e ré. Do recurso da parte ré: Preliminarmente, não verifico litigância abusiva ou assédio processual contra a CEF, pois o grande número de ações de vícios construtivos decorre do igualmente expressivo número de unidades habitacionais entregues pelo programa residencial “Minha Casa, Minha Vida” e da concretização do princípio do acesso à justiça. Nesses termos, rejeito a exceção de imparcialidade arguida pela CEF. Não há inépcia da inicial. A petição permite a identificação do pedido e da causa de pedir, bem como apresenta correlação lógica entre os fatos e fundamentos jurídicos apresentados. Os termos discorridos na exordial permitem à parte ré identificar a pretensão da parte autora, garantindo-se o direito de defesa. Ressalte-se que é admitida a formulação de pedido genérico em relação a danos morais e materiais, na impossibilidade de sua quantificação imediata. No que tange à existência de legitimidade passiva e responsabilidade da CEF pelos vícios construtivos, correto o entendimento do magistrado “a quo”. A CAIXA figurou como agente financeiro do contrato imobiliário e agente executor de políticas federais para a promoção da moradia para pessoas de baixa renda. A situação é caracterizada como relação de consumo e, de acordo como o CDC, havendo mais de um envolvido, todos eles deverão responder de forma objetiva e solidária pela reparação dos danos. A CEF, assim como o FAR, é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, pois, como dito, atua como agente executora de políticas federais para promover moradia de pessoas de baixa renda - imóvel vinculado ao FAR. Esse é o entendimento do STJ. Quanto ao litisconsórcio passivo entre a CAIXA e a construtora, caracteriza-se como facultativo. Conforme mencionado acima, a CAIXA age como agente executora de política federais para a promoção de moradia de cidadãos menos abastados e, por isso, tem o dever de fiscalizar a execução da obra. Não há falar em denunciação à lide, para inclusão da construtora, em observância ao art. 10 da Lei n. 9.099/95. A ausência de requerimento administrativo, no caso, não caracteriza falta de interesse de agir. Por meio da contestação apresentada pela CEF, ficou evidenciada a resistência à pretensão da parte autora. Relativamente ao argumento de julgamento “extra petita”, não deve ser acolhido. Não houve provimento jurisdicional diverso daquele postulado pela parte autora na inicial. Note-se que, na exordial, a parte requereu que os danos materiais fossem apurados através de prova pericial, a fim de quantificar todos os danos e vícios existentes na habitação. Ainda, pleiteou o pagamento do valor necessário às obras de recuperação do imóvel, a ser apurado pela perícia judicial. Relativamente ao argumento de julgamento “ultra petita”, não deve ser acolhido. Veja-se que o fato de o juiz ter determinado valor de condenação por danos materiais superior ao requerido na inicial não configura o instituto citado. Entende-se que ocorreu apenas adequação do “quantum”, fazendo prevalecer o montante contabilizado pelo perito judicial. Para que se configure julgamento além do que foi pedido, há que ocorrer a concessão de algo que não se pediu. Não é o caso. Conforme mencionado, foi julgado procedente o pedido de condenação em danos materiais – nada além, contudo, adequou-se o valor da condenação, tendo em vista restar comprovado, por meio de laudo pericial, que o montante era diverso ao do que se requereu. Afasto as preliminares de mérito de decadência e prescrição, assim como a alegação referente ao decurso do prazo de garantia da obra. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado que, em se tratando de pretensão do consumidor de natureza indenizatória, decorrente de vícios de construção, aplica-se o prazo prescricional geral de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil, sem incidência de prazo decadencial e sem aplicação do prazo quinquenal de garantia do art. 618 do Código Civil (STJ - AgInt no REsp: 1831114 SP 2019/0235958-7, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Julgamento: 16/09/2024, QUARTA TURMA, DJe 18/09/2024). Ressalte-se que é nula a cláusula contratual que exclua vícios de construção do seguro habitacional, conforme entendimentos da TNU, veja-se: É nula cláusula de seguro habitacional obrigatório, no âmbito dos contratos firmados pelo Sistema Financeiro de Habitação, que exclua os vícios de construção do imóvel, independentemente da natureza pública ou privada das respectivas apólices de seguro (PUIL n. 5016093-43.2020.4.04.7003 / PR, Relator(a): JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO, Julgado em 06/10/2022). TEMA 314: (1) À luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato, os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, sendo nula cláusula em contrário. (2) Desde que o sinistro tenha ocorrido no período de vigência contratual, a cobertura securitária prolonga-se no tempo, de modo a abranger os vícios descobertos após a extinção do contrato (vícios ocultos). O laudo pericial foi realizado de acordo com os ditames legais e, de forma clara e objetiva, emitiu suas conclusões. É suficiente para a formação de convencimento do julgador e, por isso, não prevalecem as impugnações apresentadas pela parte ré. O parecer técnico não extrapolou os limites da inicial. Não se faz necessária a complementação ou realização de nova perícia. Não há o que se falar em cerceamento de defesa. A perícia foi individualizada e foram apontadas, de forma específica e mediante registro fotográfico, as patologias apontadas pelo perito. Não há indícios de que as imagens do laudo refiram-se a outra unidade residencial. Não há nulidade por caráter genérico do laudo. Quanto ao nexo de causalidade, de se notar que, no laudo pericial, há conclusão pela existência de vícios de construção, pois não foram empregados técnica e materiais adequados. Verifica-se, neste ponto, o nexo causal, já que a CEF é também responsável pela execução da obra. Os danos materiais são devidos. De acordo com o laudo elaborado pelo perito judicial, foram comprovados vícios construtivos, ou seja, a depreciação do imóvel foi causada pela ausência de emprego de técnica adequada na construção e/ou pela utilização de materiais de qualidade insuficiente. Diante disso, está caracterizado o dano material. Quanto à falta de manutenção pelo morador, no que tange aos vícios constatados, não restou comprovada. Vê-se que o perito consignou que os danos decorrentes de falta de manutenção são hipotéticos e apenas teriam o condão de potencializar os vícios construtivos constatados. Muito embora tenham sido noticiadas algumas alterações no imóvel realizadas pela parte autora, o "expert" foi expresso ao consignar que as patologias por ele encontradas decorrem de vícios estruturais da construção, não de modificações ou falta de conservação. Não vislumbro elementos capazes de infirmar a conclusão técnica. No que tange aos custos com hospedagem, o valor é devido, pois o perito do juízo consignou a necessidade de desocupação do imóvel para a realização dos reparos. É prerrogativa da parte lesada optar por obter a reparação do dano material na forma pecuniária, ao invés de pleitear obrigação de fazer. É o caso dos autos, conforme pedido delimitado na inicial. Assim, não há falar em alteração do provimento jurisdicional concedido. A propriedade resolúvel sobre o bem não torna inexistente a ofensa ao direito de habitação decorrente da desocupação do imóvel, passível de indenização. No tocante ao BDI ("Benefícios e Despesas Indiretas"), nos termos do Decreto nº 7.983/13, trata-se de acréscimo de valor percentual incidente sobre o custo de realização de obra ou serviço de engenharia, estando incluídos em sua composição elementos como a taxa de rateio da administração central, percentuais de tributos incidentes sobre o preço do serviço, taxa de risco, seguro e garantia do empreendimento e taxa de lucro. No caso, tratando-se de ação de reparação de vícios construtivos de imóvel particular, não há previsão legal para a incidência do BDI, sendo certo que, a teor do disposto no artigo 944 do Código Civil, a indenização deve ser medida pela extensão do dano. Desse modo, a parte autora somente faz jus aos danos realmente comprovados e aos gastos efetivamente despendidos na sua reparação, de sorte que, inexistindo demonstração nos autos da presença dos elementos que compõem o BDI, deve ser afastada a inclusão desse acréscimo. Por fim, quanto aos juros de mora nos danos materiais, correto o entendimento do juízo de origem ao fixá-los a partir da data da entrega do imóvel, com espeque no artigo 398 do Código Civil e na Súmula 54 do STJ. Do recurso da parte autora: Os danos morais são devidos, pois o laudo pericial fixou a necessidade de desocupação do imóvel, obstando-se a habitabilidade do bem durante seus reparos. Nesse sentido: PUIL n. 5004907-76.2018.4.04.7202 / SC, Relator(a): JUIZ FEDERAL NEIAN MILHOMEM CRUZ, Julgado em 10/11/2022. O “quantum” indenizatório deve cumprir dupla finalidade: de compensação pelo dano sofrido e de desestímulo a novas condutas ilícitas. Concomitantemente, devem ser observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, evitando-se o enriquecimento sem causa, assim como a irrelevância do valor arbitrado. Adotando-se o método bifásico, consolidado pelo STJ, fixo como valor base da indenização o montante de R$ 5.000,00, para os casos de desocupação do imóvel por até 10 dias. Para maiores lapsos temporais, estabeleço os seguintes patamares: i) de 11 a 19 dias: R$ 6.000,00; ii) de 20 a 29 dias: R$ 7.000,00; iii) de 30 a 39 dias: R$ 8.000,00; iv) de 40 a 49 dias: R$ 9.000,00; v) a partir de 50 dias: R$ 10.000,00. Em caso de lapso temporal diverso dos acima elencados, o arbitramento da verba indenizatória ocorrerá de forma proporcional ao intervalo de tempo de desocupação exigido e conforme as circunstâncias extraordinárias de cada caso. Estabelecidas tais premissas e consideradas as circunstâncias do caso concreto, in casu, fixo a verba indenizatória por danos morais em R$ 5.000,00 montante proporcional à desocupação fixada no laudo pericial. No que se refere aos custos com hospedagem, como dito, o valor é devido, pois o perito do juízo consignou a necessidade de desocupação do imóvel para a realização dos reparos. A despeito do valor almejado do pela parte autora, o montante deverá corresponder a uma média entre as diárias cobradas na região, conforme pesquisa realizada junto à plataforma de reservas "Booking.com", (da qual se extrai uma média de R$ 209,00 pela diária (1 adulto), acesso em 19/05/2025, conforme segue Fixo, por conseguinte, o valor de R$ 2.090,00 (dois mil e noventa reais) a título de indenização pela estimativa de despesas com hospedagem. Consigno, no mais, ser suficiente a exposição das razões de decidir do julgador para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado, a título de prequestionamento. Assim, não vislumbro dos argumentos deduzidos no processo qualquer outro fundamento relevante capaz de, em tese, infirmar a conclusão ora adotada. Por todo o exposto, voto por dar parcial provimento aos recursos da parte ré e da parte autora, reformando a sentença para o fim de: i) determinar a dedução do montante referente a "Benefícios e Despesas Indiretas" (BDI), do valor fixado na sentença a título de indenização por danos materiais, saldo final a ser apurado em sede de cumprimento de sentença; ii) condenar a parte requerida ao pagamento, em favor da parte autora, de indenização por danos morais, que fixo em R$5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária a partir da data deste acórdão (Súmula 362, STJ) e juros de mora desde o evento danoso, aqui considerado como a data da entrega do imóvel defeituoso (artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ); iii) condenar a parte requerida ao pagamento de indenização por despesas com hospedagem em R$2.090,00 (dois mil e noventa) nos termos da fundamentação supra. Mantenho, no mais, a sentença, por seus próprios fundamentos. Sem condenação em honorários, pois não há recorrente vencido (art. 55, segunda parte, da Lei 9.099/1995). Havendo pedido de habilitação por cessão de créditos, retifique-se a autuação, incluindo-se o cessionário como terceiro interessado, para ciência dos atos praticados no feito. Após o trânsito em julgado, o pedido de habilitação e o pagamento de valores nos autos deverão ser apreciados pelo juízo da execução, em sede de cumprimento de sentença. É o voto. CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. CONSTATAÇÃO PERICIAL. NECESSIDADE DE DESOCUPAÇÃO TEMPORÁRIA DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. TEORIA DO DESESTÍMULO. MÉTODO BIFÁSICO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora e da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. MONIQUE MARCHIOLI LEITE Juíza Federal
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