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Resultados para "REMOçãO, MODIFICAçãO E DISPENSA DE TUTOR OU CURADOR" – Página 88 de 131
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Camila Araujo Serrano E Sil…
OAB/SP 334.331
CAMILA ARAUJO SERRANO E SILVA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 323589864
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5001878-51.2025.4.03.6183
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FLAVIO DOS SANTOS MACHADO
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5001878-51.2025.4.03.6183 / 2ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo AUTOR: EDSON LOPES MORENO Advogado do(a) AUTOR: FLAVIO DOS SANTOS MACHADO - SP402674 REU: INSTI…
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Processo nº 0000849-26.2019.4.03.6324
ID: 294781370
Tribunal: TRF3
Órgão: 12º Juiz Federal da 4ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 0000849-26.2019.4.03.6324
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HENRIQUE STAUT AYRES DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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JULIANO KELLER DO VALLE
OAB/SC XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000849-26.2019.4.03.6324 RELATOR: 12º Juiz Feder…
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000849-26.2019.4.03.6324 RELATOR: 12º Juiz Federal da 4ª TR SP RECORRENTE: ROSALIA DE JESUS JORGE Advogados do(a) RECORRENTE: HENRIQUE STAUT AYRES DE SOUZA - SP279986-A, JULIANO KELLER DO VALLE - SC12030-S RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) RECORRIDO: JOSE ANTONIO ANDRADE - SP87317-A, LIDIANE DE ABREU E SILVA - SP365048-A OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O DECISÃO MONOCRÁTICA Nos termos do disposto no artigo 932, IV e V, do Código de Processo Civil de 2015, estão presentes os requisitos para a prolação de decisão monocrática, porque as questões controvertidas já estão consolidadas nos tribunais, havendo entendimento dominante sobre o tema (vide súmula nº 568 do Superior Tribunal de Justiça). Tal qual o pretérito 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910). Aplica-se o fixado na Resolução 347/2015 (CJF), que dispõe sobre a compatibilização dos regimentos internos das turmas recursais e turmas regionais de uniformização dos JEF: “Art. 2º Compete às turmas recursais dos juizados especiais federais processar e julgar: (...) § 2º Ao relator compete negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, ou em confronto com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas. (Alterado pela Resolução n. 393, de 19/04/2016). § 3º Ao relator compete dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Este texto não substitui a publicação oficial. Tribunal Federal, ou com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas. (Alterado pela Resolução n. 393, de 19/04/2016).”. CASO CONCRETO Recurso das partes em face da sentença que assim dispôs: “Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na peça inicial e extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, pelo que CONDENO a ré a pagar indenização para reparação dos danos materiais causados à parte autora, conforme orçamento fixado no laudo pericial, no montante de R$ 5.711,50 (atualizado para janeiro de 2024), nos termos da fundamentação. Sobre os valores incidirão juros de mora a partir da data da citação e correção monetária a partir da data de juntada do laudo técnico, data da efetiva constatação do prejuízo (Súmula 43/STJ), na forma e nos índices constantes do Manual de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal vigente à época da execução.” Aduz a parte autora (ID 323723958): “Assim, além dos danos materiais percebidos por conta dos citados vícios construtivos apontados pela perícia judicial, tal situação ocasionou à parte recorrente danos de ordem moral, sobretudo por frustrarem a legítima expectativa do adquirente. Ora, é evidente que a parte recorrente, ao integrar um programa social em que se financiam imóveis populares recém-construídos, esperava adquirir um bem em perfeitas condições de uso, razão pela qual destinou parte de seus rendimentos ao adimplemento das parcelas do negócio entabulado com a instituição recorrida. A realidade, contudo, demonstrou-se completamente diversa da prometida, ao passo que a parte recorrente deparou-se com danos físicos espalhados por toda a extensão de seu imóvel, comprometendo a edificação quanto o bem-estar dos indivíduos que ali residem. (...) O dano moral passível de compensação está plenamente caracterizado nos autos, na medida em que os vícios construtivos atingem a área privativa da edificação prejudicando sobremaneira a sua habitabilidade e o uso para o qual se destina, impingindo desse modo à parte autora evidente incômodo, frustração, irritação e abalo psíquico para muito além do razoável.” Já a CEF sustenta (ID 323784373): inexistência de responsabilidade por vícios construtivos na qualidade de agente financeiro; inexistência de solidariedade entre agente financeiro e o construtor; ausência de responsabilidade contratual da Caixa (FAR); ausência de nexo de causalidade; inexistência de danos materiais. Fundamentou o Juízo de origem: “Preliminares e prejudiciais de mérito - Legitimidade da Caixa Econômica Federal A CEF sustenta a sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o fundamento de que ela não é responsável pela construção do imóvel em discussão, em consequência, não é responsável pelos vícios de construção no bem. Razão não assiste à CEF, consoante passo a fundamentar. De acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009, a CEF, nos contratos de aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, atua como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Diante disso, o STJ tem reconhecido a legitimidade passiva da CEF nas ações judiciais em que se pleiteia a condenação por vícios de construção de imóveis objeto do Programa Minha Casa Minha Vida, quando se verifica que a CEF atua como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, com o uso de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. MORADIA POPULAR. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. AGENTE DE POLÍTICA FEDERAL DE PROMOÇÃO À MORADIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGRAVANTE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. "A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda" (REsp 1.163.228/AM, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe de 31/10/2012). 2. No caso, deve ser rejeitada a defendida ilegitimidade passiva, na medida em que o eg. Tribunal a quo expressamente assentou que a ora agravante atuou como "(...) integrante de políticas federais voltadas à promoção de moradia para pessoas de baixa renda, eis que, nesse caso, atua não apenas como mero agente financeiro, mas como executor/gestor de programas governamentais". 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1536218/AL, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 14/10/2019 – grifo nosso) No mesmo sentido, é o posicionamento adotado no TRF3ª: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CEF. ATUAÇÃO COMO AGENTE EXECUTOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS PARA PROMOÇÃO DE MORADIA PARA PESSOAS DE BAIXA RENDA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O C. Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilidade da CEF por vícios de construção de imóveis objeto do Programa Minha Casa, Minha Vida nos casos em que atua como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, o que não se reconhece quando atua tão somente como agente financeiro, vale dizer, quando é responsável pela liberação de recursos financeiros para a aquisição do imóvel. Precedentes daquela e desta Corte. 2. Os contratos em debate foram celebrados segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, utilizaram recursos do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, revelando que a demandada atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, daí exsurgindo a legitimidade passiva ad causam da CEF para o feito. (...) 5. Apelação provida para reconhecer a legitimidade passiva ad causam da CEF e determinar o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular processamento do feito. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000844-95.2019.4.03.6136, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 24/06/2021, DJEN DATA: 01/07/2021 – grifo nosso) No caso dos autos, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV, (ID 92204534, pp. 43-44, demonstra que o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da CEF para o feito. - Valor da causa Nada há a retificar no valor atribuído à causa pela parte autora, na medida em que reflete sua pretensão indenizatória, alcançada pela soma dos danos materiais indicados no estudo que instrui a exordial e dos danos morais postulados na mesma peça. Do mérito. Dos danos materiais A questão cinge-se em analisar eventual responsabilidade da parte ré por danos físicos ocorridos no imóvel da parte autora. Consoante se passa a fundamentar, a parte autora possui direito ao ressarcimento dos danos físicos ocorridos no seu imóvel. Em se tratando de ação em que a parte autora busca reparação por danos materiais e/ou danos morais, é aplicável o instituto da responsabilidade civil. Seus fundamentos podem ser extraídos, em sede constitucional, do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988. Art. 5º, V, CF - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; Art. 5, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; No âmbito infraconstitucional, a responsabilidade civil é tratada pelo Código Civil de forma específica em seu Título IX - Da Responsabilidade Civil (art. 927 a 954): Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nos termos dos dispositivos legais acima, observa-se que os requisitos básicos da responsabilidade civil são a ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo causal e dano. Assim, a prova, nas ações fundadas em responsabilidade civil, deve alcançar estes quatro elementos. Cabe consignar, ainda, que, nos casos em que discute a responsabilização de instituições bancárias por serviço por elas prestados, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, nos termos do que dispõe o seu art. 3º, §2º: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. A relação entre a parte autora e a CEF é de consumo. Transcreve-se o Enunciado de Súmula do STJ: Súmula 297 – o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fornecedor responde objetivamente por fato do produto ou do serviço. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços apresenta-se como objetiva, nos termos do que dispõe o caput e §1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. A responsabilidade objetiva se aplica a teoria do risco empresarial, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens ou serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Em outras palavras, provado o dano e o nexo de causalidade entre a atividade empresarial e o dano, há o dever de indenizar. Porém, existe o rompimento desse nexo de causalidade, nas relações consumeristas, quando ficar demonstrada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, consoante consta no §3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em relação aos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução se responsabiliza pela segurança e solidez da obra durante o prazo de 05 (cinco) anos, consoante prescreve o art. 618 do Código Civil: Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Após feitas as explicações acima, passa-se ao caso concreto. No caso dos autos, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV (ID 92212231, pp. 46-47) demonstra que a parte autora adquiriu da CEF imóvel localizado no Parque Residencial da Lealdade, em São José do Rio Preto/SP. Ademais, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV demonstra que o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda. Nesse sentido, verifica-se que o contrato de financiamento habitacional firmado pela parte autora com a CEF (ID 92212231, pp. 32-45) está inserido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, cuja legislação de regência é a Lei n° 11.977/2009 e alterações, bem como do FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, o qual é representado pela CEF. De acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009, a CEF, nos contratos de aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, atua como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A CEF, como agente executor do FAR, possui responsabilidade quanto à reparação de vício construtivo a ser indenizado aos mutuários de referido programa, uma vez que o art. 6º-A, inciso III, da Lei nº 11.977/2009, garante cobertura aos beneficiários em face de danos físicos no imóvel, independentemente de contribuição do beneficiário: Art. 6o-A. As operações realizadas com recursos advindos da integralização de cotas no FAR e recursos transferidos ao FDS, conforme previsto no inciso II do caput do art. 2o, são limitadas a famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00 (mil trezentos e noventa e cinco reais), e condicionadas a: (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 2012) (...) III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) Assim sendo, a partir dos danos apontados na petição inicial, a perícia realizada por engenheiro indicado por este juízo detectou pontuais vícios de construção (não derivados de falta de conservação), cuja responsabilidade deve ser atribuída à CEF, como agente executor do FAR, nos termos do artigo 6º-A, inciso III, da Lei nº 11.977/2009, o qual garante cobertura aos beneficiários em face de danos físicos no imóvel, independentemente de contribuição do beneficiário. Como relação jurídica entre a parte autora e a CEF é de consumo, a responsabilidade é objetiva, ou seja, necessário que seja demonstrada a ocorrência conduta (comissiva ou omissiva), nexo causal e dano (material e moral), não havendo que se demonstrar a ocorrência de culpa. No caso em tela, diante da alegada existência de vício construtivo a ser indenizado aos mutuários de referido programa, necessária se faz verificar, mediante a perícia realizada na área de engenharia, se ficou constatada a existência de tais vícios, bem como sua origem. Com base no laudo pericial (ID 318020127), que aponta detalhadamente as irregularidades encontradas no imóvel (pp. 6 e 23-24), conclui-se pela ocorrência de danos decorrentes de vício de construção, consoante as respostas dadas aos seguintes quesitos deste juízo: 4. O imóvel vistoriado apresenta algum defeito estrutural, conforme parecer técnico que acompanha a petição inicial? Qual exatamente? Qual a extensão do defeito: sobre parcela ou sobre a integralidade do imóvel? R. O imovel possui vicios construtivos passiveis de recuperação, conforme delineado em vistoria e analise tecnica. 5. Quais as prováveis causas do defeito: de construção (falha de projeto ou de execução) ou de uso/conservação (conforme Manual do Proprietário)? R. O imovel apresenta falha na execução 6. Qual a gravidade do defeito (qual o nível de comprometimento) na estrutura do imóvel? Há risco concreto de desmoronamento? . O imovel continua habitavel, todavia possui seu visual e conforto comprometidos. 7. Quais as medidas ou procedimentos necessários à adequada reparação do defeito identificado? Há necessidade de desocupação completa do imóvel? Qual o prazo estimado à realização dos reparos? R. A reforma implicará na remoção da integralidade do piso e revestimentos, o que causará imensa poeira, trazendo desconforto, sendo recomendável que a familia desocupe o imovel quando da reforma e enquanto este perdurar. 8. Houve a realização de alguma alteração permanente (acessão, supressão, benfeitorias ) no imóvel após a sua construção? Quais? Quem etc. as mandou executar? Essas alterações podem ter ocasionado o defeito apurado? R. Não. Não constatamos existencia de acessões no imovel, permanecendo a mesma área de quando foi construido (sic). Em resposta, ainda, aos quesitos formulados pela ré, disse o perito, novamente, que se trata de vícios construtivos (quesito 6) e que não foi possível à autora realizar reformas, não podendo se atribuir à ausência de manutenção os problemas de desgaste prematuro do imóvel (quesitos 8 e 9). Cabe consignar que o laudo pericial atende aos requisitos legais do art. 473 do Código de Processo Civil, indicando em detalhes técnicos como alcançou suas conclusões. Não depreendo do laudo equívocos, omissões ou contradições objetivamente detectáveis, não bastando documentos argumentos formados unilateralmente para retirar a sua credibilidade. Ademais, não prosperam as alegações da CEF de que ela não possui qualquer responsabilidade pelos problemas apresentados no imóvel, uma vez que não existe solidariedade entre este banco público federal e a empresa construtora do empreendimento, razão pela qual a recuperação de eventuais vícios ocultos decorrentes de má execução de obra incumbe ao responsável técnico e à construtora. Isto porque a CEF, no presente caso, é responsável pelos danos decorrentes dos vícios construtivos, na medida em que, agiu também como agente executor e fiscalizador da obra e não somente como agente financeiro do imóvel, no Programa MCMV. Conforme consta no Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV, o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), de acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009: Art. 2o Para a operacionalização do Programa instituído nesta Lei, é a CEF autorizada a criar um fundo financeiro privado com o fim exclusivo de segregação patrimonial e contábil dos haveres financeiros e imobiliários destinados ao Programa. (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 20120) (...) § 8o Cabe à CEF a gestão do fundo a que se refere o caput e a proposição de seu regulamento para a aprovação da assembleia de cotistas. (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 20120) *** Art. 9o A gestão operacional dos recursos destinados à concessão da subvenção do PNHU de que trata o inciso I do art. 2o desta Lei será efetuada pela Caixa Econômica Federal - CEF. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) Parágrafo único. Os Ministros de Estado das Cidades e da Fazenda fixarão, em ato conjunto, a remuneração da Caixa Econômica Federal pelas atividades exercidas no âmbito do PNHU. Pelo constante no laudo pericial, constata-se a conduta ilícita da parte ré a ensejar responsabilidade civil, uma vez que as normas técnicas necessárias para a construção do imóvel deixaram de ser observadas, ocasionando os vícios constatados pela prova pericial. Portanto, resta devidamente comprovada a existência de vício construtivo e de execução da obra, devendo a parte autora ser indenizada pelos danos materiais, no montante descrito no laudo pericial (p. 27), equivalente a R$ 5.711,50 (atualizado para janeiro de 2024). Dos danos morais. A parte autora, ainda, pleiteia a condenação da CEF ao pagamento de danos morais, em razão dos vícios e problemas enfrentados em relação aos vícios construtivos. Razão não assiste à parte autora, consoante se passa a fundamentar. No que tange ao dano moral, trata-se de lesão a direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do Código Civil). A proteção a esta espécie de dano encontra matriz constitucional: Artigo 5º, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Por dano moral entende-se toda agressão apta a ferir a integridade psíquica ou a personalidade moral de outrem. A noção em comento não pode ser confundida com mero dissabor, aborrecimento, mágoa ou irritação. Inicialmente, cabe consignar que a ocorrência de danos materiais no imóvel, no caso decorrentes de vícios construtivos, não pressupõe a existência de danos morais, sendo necessária a demonstração de ocorrência de dissabor além do razoável. No caso em tela, consoante consta no laudo pericial, os vícios construtivos encontrados no imóvel não são de elevada monta, demandando reparos de simples execução, não havendo risco à estrutura, segurança e habitabilidade do imóvel. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o dano moral para as hipóteses de vícios construtivos deve ser comprovado, extraordinário, a suplantar o mero dissabor: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018). 2. No caso, a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral. 3. Deve, pois, o presente recurso especial ser provido, ante a ausência de referência a circunstância especial que extrapole o mero aborrecimento decorrente do atraso na entrega do imóvel. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a condenação por danos morais. (AgInt no REsp n. 1.955.291/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 2/3/2022.-grifou-se) Além disso, embora o Termo de Recebimento do imóvel tenha sido subscrito em março de 2014, a parte autora somente realizou pedido administrativo para a reparação dos danos em 21/01/2019 (ID 92212231, p. 12). Esse intervalo faz pressupor que os vícios construtivos no imóvel não estariam gerando na parte autora interferência intensa no estado psicológico da pessoa, constrangimento ou vexame, ou mesmo abalo à honra objetiva. Portando, é de se julgar improcedente o pedido de condenação da CEF ao pagamento de danos morais.” Os recursos não prosperam. Não obstante a relevância das razões recursais de ambas as partes, comungo do mesmo entendimento do juízo monocrático, que apreciou corretamente as questões trazidas a juízo. Utilizando-me do disposto no artigo 46 da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º da Lei n. 10.259/01, entendo que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 86.553-0, reconheceu que este procedimento não afronta o artigo 93, IX, da Constituição Federal. Veja-se a transcrição do v. Acórdão: “O § 5° do artigo 82 da Lei n. 9.099/95 dispõe que ‘se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão’. O preceito legal prevê a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX da Constituição do Brasil. É fora de dúvida que o acórdão da apelação, ao reportar-se aos fundamentos do ato impugnado, não é carente de fundamentação, como sustentado pela impetrante.”. (HC n° 86553-0/SP, rel. Min. Eros Grau, DJ de 02.12.2005). Pelo exposto, nos termos do art. 932, IV, “b” e V, “b”, do CPC c.c. art. 2º, § 2º, da Resolução 347/2015 (CJF), com a redação dada pela Resolução 417/2016, nego provimento aos recursos da parte autora e da parte ré. Sem condenação em custas e honorários advocatícios – sucumbência recíproca. Int. São Paulo, 5 de junho de 2025.
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Processo nº 0000849-26.2019.4.03.6324
ID: 294781376
Tribunal: TRF3
Órgão: 12º Juiz Federal da 4ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 0000849-26.2019.4.03.6324
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HENRIQUE STAUT AYRES DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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JULIANO KELLER DO VALLE
OAB/SC XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000849-26.2019.4.03.6324 RELATOR: 12º Juiz Feder…
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000849-26.2019.4.03.6324 RELATOR: 12º Juiz Federal da 4ª TR SP RECORRENTE: ROSALIA DE JESUS JORGE Advogados do(a) RECORRENTE: HENRIQUE STAUT AYRES DE SOUZA - SP279986-A, JULIANO KELLER DO VALLE - SC12030-S RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) RECORRIDO: JOSE ANTONIO ANDRADE - SP87317-A, LIDIANE DE ABREU E SILVA - SP365048-A OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O DECISÃO MONOCRÁTICA Nos termos do disposto no artigo 932, IV e V, do Código de Processo Civil de 2015, estão presentes os requisitos para a prolação de decisão monocrática, porque as questões controvertidas já estão consolidadas nos tribunais, havendo entendimento dominante sobre o tema (vide súmula nº 568 do Superior Tribunal de Justiça). Tal qual o pretérito 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910). Aplica-se o fixado na Resolução 347/2015 (CJF), que dispõe sobre a compatibilização dos regimentos internos das turmas recursais e turmas regionais de uniformização dos JEF: “Art. 2º Compete às turmas recursais dos juizados especiais federais processar e julgar: (...) § 2º Ao relator compete negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, ou em confronto com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas. (Alterado pela Resolução n. 393, de 19/04/2016). § 3º Ao relator compete dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Este texto não substitui a publicação oficial. Tribunal Federal, ou com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas. (Alterado pela Resolução n. 393, de 19/04/2016).”. CASO CONCRETO Recurso das partes em face da sentença que assim dispôs: “Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na peça inicial e extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, pelo que CONDENO a ré a pagar indenização para reparação dos danos materiais causados à parte autora, conforme orçamento fixado no laudo pericial, no montante de R$ 5.711,50 (atualizado para janeiro de 2024), nos termos da fundamentação. Sobre os valores incidirão juros de mora a partir da data da citação e correção monetária a partir da data de juntada do laudo técnico, data da efetiva constatação do prejuízo (Súmula 43/STJ), na forma e nos índices constantes do Manual de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal vigente à época da execução.” Aduz a parte autora (ID 323723958): “Assim, além dos danos materiais percebidos por conta dos citados vícios construtivos apontados pela perícia judicial, tal situação ocasionou à parte recorrente danos de ordem moral, sobretudo por frustrarem a legítima expectativa do adquirente. Ora, é evidente que a parte recorrente, ao integrar um programa social em que se financiam imóveis populares recém-construídos, esperava adquirir um bem em perfeitas condições de uso, razão pela qual destinou parte de seus rendimentos ao adimplemento das parcelas do negócio entabulado com a instituição recorrida. A realidade, contudo, demonstrou-se completamente diversa da prometida, ao passo que a parte recorrente deparou-se com danos físicos espalhados por toda a extensão de seu imóvel, comprometendo a edificação quanto o bem-estar dos indivíduos que ali residem. (...) O dano moral passível de compensação está plenamente caracterizado nos autos, na medida em que os vícios construtivos atingem a área privativa da edificação prejudicando sobremaneira a sua habitabilidade e o uso para o qual se destina, impingindo desse modo à parte autora evidente incômodo, frustração, irritação e abalo psíquico para muito além do razoável.” Já a CEF sustenta (ID 323784373): inexistência de responsabilidade por vícios construtivos na qualidade de agente financeiro; inexistência de solidariedade entre agente financeiro e o construtor; ausência de responsabilidade contratual da Caixa (FAR); ausência de nexo de causalidade; inexistência de danos materiais. Fundamentou o Juízo de origem: “Preliminares e prejudiciais de mérito - Legitimidade da Caixa Econômica Federal A CEF sustenta a sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o fundamento de que ela não é responsável pela construção do imóvel em discussão, em consequência, não é responsável pelos vícios de construção no bem. Razão não assiste à CEF, consoante passo a fundamentar. De acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009, a CEF, nos contratos de aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, atua como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Diante disso, o STJ tem reconhecido a legitimidade passiva da CEF nas ações judiciais em que se pleiteia a condenação por vícios de construção de imóveis objeto do Programa Minha Casa Minha Vida, quando se verifica que a CEF atua como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, com o uso de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. MORADIA POPULAR. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. AGENTE DE POLÍTICA FEDERAL DE PROMOÇÃO À MORADIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGRAVANTE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. "A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda" (REsp 1.163.228/AM, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe de 31/10/2012). 2. No caso, deve ser rejeitada a defendida ilegitimidade passiva, na medida em que o eg. Tribunal a quo expressamente assentou que a ora agravante atuou como "(...) integrante de políticas federais voltadas à promoção de moradia para pessoas de baixa renda, eis que, nesse caso, atua não apenas como mero agente financeiro, mas como executor/gestor de programas governamentais". 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1536218/AL, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 14/10/2019 – grifo nosso) No mesmo sentido, é o posicionamento adotado no TRF3ª: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CEF. ATUAÇÃO COMO AGENTE EXECUTOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS PARA PROMOÇÃO DE MORADIA PARA PESSOAS DE BAIXA RENDA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O C. Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilidade da CEF por vícios de construção de imóveis objeto do Programa Minha Casa, Minha Vida nos casos em que atua como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, o que não se reconhece quando atua tão somente como agente financeiro, vale dizer, quando é responsável pela liberação de recursos financeiros para a aquisição do imóvel. Precedentes daquela e desta Corte. 2. Os contratos em debate foram celebrados segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, utilizaram recursos do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, revelando que a demandada atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, daí exsurgindo a legitimidade passiva ad causam da CEF para o feito. (...) 5. Apelação provida para reconhecer a legitimidade passiva ad causam da CEF e determinar o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular processamento do feito. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000844-95.2019.4.03.6136, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 24/06/2021, DJEN DATA: 01/07/2021 – grifo nosso) No caso dos autos, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV, (ID 92204534, pp. 43-44, demonstra que o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da CEF para o feito. - Valor da causa Nada há a retificar no valor atribuído à causa pela parte autora, na medida em que reflete sua pretensão indenizatória, alcançada pela soma dos danos materiais indicados no estudo que instrui a exordial e dos danos morais postulados na mesma peça. Do mérito. Dos danos materiais A questão cinge-se em analisar eventual responsabilidade da parte ré por danos físicos ocorridos no imóvel da parte autora. Consoante se passa a fundamentar, a parte autora possui direito ao ressarcimento dos danos físicos ocorridos no seu imóvel. Em se tratando de ação em que a parte autora busca reparação por danos materiais e/ou danos morais, é aplicável o instituto da responsabilidade civil. Seus fundamentos podem ser extraídos, em sede constitucional, do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988. Art. 5º, V, CF - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; Art. 5, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; No âmbito infraconstitucional, a responsabilidade civil é tratada pelo Código Civil de forma específica em seu Título IX - Da Responsabilidade Civil (art. 927 a 954): Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nos termos dos dispositivos legais acima, observa-se que os requisitos básicos da responsabilidade civil são a ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo causal e dano. Assim, a prova, nas ações fundadas em responsabilidade civil, deve alcançar estes quatro elementos. Cabe consignar, ainda, que, nos casos em que discute a responsabilização de instituições bancárias por serviço por elas prestados, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, nos termos do que dispõe o seu art. 3º, §2º: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. A relação entre a parte autora e a CEF é de consumo. Transcreve-se o Enunciado de Súmula do STJ: Súmula 297 – o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fornecedor responde objetivamente por fato do produto ou do serviço. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços apresenta-se como objetiva, nos termos do que dispõe o caput e §1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. A responsabilidade objetiva se aplica a teoria do risco empresarial, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens ou serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Em outras palavras, provado o dano e o nexo de causalidade entre a atividade empresarial e o dano, há o dever de indenizar. Porém, existe o rompimento desse nexo de causalidade, nas relações consumeristas, quando ficar demonstrada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, consoante consta no §3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em relação aos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução se responsabiliza pela segurança e solidez da obra durante o prazo de 05 (cinco) anos, consoante prescreve o art. 618 do Código Civil: Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Após feitas as explicações acima, passa-se ao caso concreto. No caso dos autos, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV (ID 92212231, pp. 46-47) demonstra que a parte autora adquiriu da CEF imóvel localizado no Parque Residencial da Lealdade, em São José do Rio Preto/SP. Ademais, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV demonstra que o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda. Nesse sentido, verifica-se que o contrato de financiamento habitacional firmado pela parte autora com a CEF (ID 92212231, pp. 32-45) está inserido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, cuja legislação de regência é a Lei n° 11.977/2009 e alterações, bem como do FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, o qual é representado pela CEF. De acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009, a CEF, nos contratos de aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, atua como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A CEF, como agente executor do FAR, possui responsabilidade quanto à reparação de vício construtivo a ser indenizado aos mutuários de referido programa, uma vez que o art. 6º-A, inciso III, da Lei nº 11.977/2009, garante cobertura aos beneficiários em face de danos físicos no imóvel, independentemente de contribuição do beneficiário: Art. 6o-A. As operações realizadas com recursos advindos da integralização de cotas no FAR e recursos transferidos ao FDS, conforme previsto no inciso II do caput do art. 2o, são limitadas a famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00 (mil trezentos e noventa e cinco reais), e condicionadas a: (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 2012) (...) III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) Assim sendo, a partir dos danos apontados na petição inicial, a perícia realizada por engenheiro indicado por este juízo detectou pontuais vícios de construção (não derivados de falta de conservação), cuja responsabilidade deve ser atribuída à CEF, como agente executor do FAR, nos termos do artigo 6º-A, inciso III, da Lei nº 11.977/2009, o qual garante cobertura aos beneficiários em face de danos físicos no imóvel, independentemente de contribuição do beneficiário. Como relação jurídica entre a parte autora e a CEF é de consumo, a responsabilidade é objetiva, ou seja, necessário que seja demonstrada a ocorrência conduta (comissiva ou omissiva), nexo causal e dano (material e moral), não havendo que se demonstrar a ocorrência de culpa. No caso em tela, diante da alegada existência de vício construtivo a ser indenizado aos mutuários de referido programa, necessária se faz verificar, mediante a perícia realizada na área de engenharia, se ficou constatada a existência de tais vícios, bem como sua origem. Com base no laudo pericial (ID 318020127), que aponta detalhadamente as irregularidades encontradas no imóvel (pp. 6 e 23-24), conclui-se pela ocorrência de danos decorrentes de vício de construção, consoante as respostas dadas aos seguintes quesitos deste juízo: 4. O imóvel vistoriado apresenta algum defeito estrutural, conforme parecer técnico que acompanha a petição inicial? Qual exatamente? Qual a extensão do defeito: sobre parcela ou sobre a integralidade do imóvel? R. O imovel possui vicios construtivos passiveis de recuperação, conforme delineado em vistoria e analise tecnica. 5. Quais as prováveis causas do defeito: de construção (falha de projeto ou de execução) ou de uso/conservação (conforme Manual do Proprietário)? R. O imovel apresenta falha na execução 6. Qual a gravidade do defeito (qual o nível de comprometimento) na estrutura do imóvel? Há risco concreto de desmoronamento? . O imovel continua habitavel, todavia possui seu visual e conforto comprometidos. 7. Quais as medidas ou procedimentos necessários à adequada reparação do defeito identificado? Há necessidade de desocupação completa do imóvel? Qual o prazo estimado à realização dos reparos? R. A reforma implicará na remoção da integralidade do piso e revestimentos, o que causará imensa poeira, trazendo desconforto, sendo recomendável que a familia desocupe o imovel quando da reforma e enquanto este perdurar. 8. Houve a realização de alguma alteração permanente (acessão, supressão, benfeitorias ) no imóvel após a sua construção? Quais? Quem etc. as mandou executar? Essas alterações podem ter ocasionado o defeito apurado? R. Não. Não constatamos existencia de acessões no imovel, permanecendo a mesma área de quando foi construido (sic). Em resposta, ainda, aos quesitos formulados pela ré, disse o perito, novamente, que se trata de vícios construtivos (quesito 6) e que não foi possível à autora realizar reformas, não podendo se atribuir à ausência de manutenção os problemas de desgaste prematuro do imóvel (quesitos 8 e 9). Cabe consignar que o laudo pericial atende aos requisitos legais do art. 473 do Código de Processo Civil, indicando em detalhes técnicos como alcançou suas conclusões. Não depreendo do laudo equívocos, omissões ou contradições objetivamente detectáveis, não bastando documentos argumentos formados unilateralmente para retirar a sua credibilidade. Ademais, não prosperam as alegações da CEF de que ela não possui qualquer responsabilidade pelos problemas apresentados no imóvel, uma vez que não existe solidariedade entre este banco público federal e a empresa construtora do empreendimento, razão pela qual a recuperação de eventuais vícios ocultos decorrentes de má execução de obra incumbe ao responsável técnico e à construtora. Isto porque a CEF, no presente caso, é responsável pelos danos decorrentes dos vícios construtivos, na medida em que, agiu também como agente executor e fiscalizador da obra e não somente como agente financeiro do imóvel, no Programa MCMV. Conforme consta no Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV, o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), de acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009: Art. 2o Para a operacionalização do Programa instituído nesta Lei, é a CEF autorizada a criar um fundo financeiro privado com o fim exclusivo de segregação patrimonial e contábil dos haveres financeiros e imobiliários destinados ao Programa. (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 20120) (...) § 8o Cabe à CEF a gestão do fundo a que se refere o caput e a proposição de seu regulamento para a aprovação da assembleia de cotistas. (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 20120) *** Art. 9o A gestão operacional dos recursos destinados à concessão da subvenção do PNHU de que trata o inciso I do art. 2o desta Lei será efetuada pela Caixa Econômica Federal - CEF. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) Parágrafo único. Os Ministros de Estado das Cidades e da Fazenda fixarão, em ato conjunto, a remuneração da Caixa Econômica Federal pelas atividades exercidas no âmbito do PNHU. Pelo constante no laudo pericial, constata-se a conduta ilícita da parte ré a ensejar responsabilidade civil, uma vez que as normas técnicas necessárias para a construção do imóvel deixaram de ser observadas, ocasionando os vícios constatados pela prova pericial. Portanto, resta devidamente comprovada a existência de vício construtivo e de execução da obra, devendo a parte autora ser indenizada pelos danos materiais, no montante descrito no laudo pericial (p. 27), equivalente a R$ 5.711,50 (atualizado para janeiro de 2024). Dos danos morais. A parte autora, ainda, pleiteia a condenação da CEF ao pagamento de danos morais, em razão dos vícios e problemas enfrentados em relação aos vícios construtivos. Razão não assiste à parte autora, consoante se passa a fundamentar. No que tange ao dano moral, trata-se de lesão a direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do Código Civil). A proteção a esta espécie de dano encontra matriz constitucional: Artigo 5º, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Por dano moral entende-se toda agressão apta a ferir a integridade psíquica ou a personalidade moral de outrem. A noção em comento não pode ser confundida com mero dissabor, aborrecimento, mágoa ou irritação. Inicialmente, cabe consignar que a ocorrência de danos materiais no imóvel, no caso decorrentes de vícios construtivos, não pressupõe a existência de danos morais, sendo necessária a demonstração de ocorrência de dissabor além do razoável. No caso em tela, consoante consta no laudo pericial, os vícios construtivos encontrados no imóvel não são de elevada monta, demandando reparos de simples execução, não havendo risco à estrutura, segurança e habitabilidade do imóvel. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o dano moral para as hipóteses de vícios construtivos deve ser comprovado, extraordinário, a suplantar o mero dissabor: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018). 2. No caso, a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral. 3. Deve, pois, o presente recurso especial ser provido, ante a ausência de referência a circunstância especial que extrapole o mero aborrecimento decorrente do atraso na entrega do imóvel. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a condenação por danos morais. (AgInt no REsp n. 1.955.291/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 2/3/2022.-grifou-se) Além disso, embora o Termo de Recebimento do imóvel tenha sido subscrito em março de 2014, a parte autora somente realizou pedido administrativo para a reparação dos danos em 21/01/2019 (ID 92212231, p. 12). Esse intervalo faz pressupor que os vícios construtivos no imóvel não estariam gerando na parte autora interferência intensa no estado psicológico da pessoa, constrangimento ou vexame, ou mesmo abalo à honra objetiva. Portando, é de se julgar improcedente o pedido de condenação da CEF ao pagamento de danos morais.” Os recursos não prosperam. Não obstante a relevância das razões recursais de ambas as partes, comungo do mesmo entendimento do juízo monocrático, que apreciou corretamente as questões trazidas a juízo. Utilizando-me do disposto no artigo 46 da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º da Lei n. 10.259/01, entendo que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 86.553-0, reconheceu que este procedimento não afronta o artigo 93, IX, da Constituição Federal. Veja-se a transcrição do v. Acórdão: “O § 5° do artigo 82 da Lei n. 9.099/95 dispõe que ‘se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão’. O preceito legal prevê a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX da Constituição do Brasil. É fora de dúvida que o acórdão da apelação, ao reportar-se aos fundamentos do ato impugnado, não é carente de fundamentação, como sustentado pela impetrante.”. (HC n° 86553-0/SP, rel. Min. Eros Grau, DJ de 02.12.2005). Pelo exposto, nos termos do art. 932, IV, “b” e V, “b”, do CPC c.c. art. 2º, § 2º, da Resolução 347/2015 (CJF), com a redação dada pela Resolução 417/2016, nego provimento aos recursos da parte autora e da parte ré. Sem condenação em custas e honorários advocatícios – sucumbência recíproca. Int. São Paulo, 5 de junho de 2025.
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Processo nº 5011221-95.2023.4.03.6327
ID: 257209655
Tribunal: TRF3
Órgão: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5011221-95.2023.4.03.6327
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALINE FREITAS COUTO
OAB/SP XXXXXX
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MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5011221-95.2023.4.…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5011221-95.2023.4.03.6327 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: LUZINETE APARECIDA DOS SANTOS Advogados do(a) RECORRENTE: ALINE FREITAS COUTO - SP478636-A, MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS - SP327569-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5011221-95.2023.4.03.6327 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: LUZINETE APARECIDA DOS SANTOS Advogados do(a) RECORRENTE: ALINE FREITAS COUTO - SP478636-A, MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS - SP327569-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado. PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5011221-95.2023.4.03.6327 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: LUZINETE APARECIDA DOS SANTOS Advogados do(a) RECORRENTE: ALINE FREITAS COUTO - SP478636-A, MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS - SP327569-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais. Alega direito ao enquadramento do período de 03/08/2014 a 12/11/2019 e concessão do benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência. Subsidiariamente pede reafirmação da DER. Mérito. Tendo em vista que o reconhecimento ou não de atividades ditas especiais foi objeto de impugnação de recurso, discorro acerca da caracterização destas. Da caracterização do exercício da Atividade Especial. Quanto aos critérios legais para o enquadramento, como especiais, das atividades sujeitas ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, os arts. 58 e 152 da Lei n.º 8.213/91, em sua redação original, estabeleceram que a relação das atividades consideradas especiais, isto é, das “atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física”, seria objeto de lei específica e que, até o advento dessa lei, permaneceriam aplicáveis as relações de atividades especiais que já vigoravam antes do advento da nova legislação previdenciária. Assim, por força dos referidos dispositivos legais, continuaram a vigorar as relações de atividades especiais constantes dos quadros anexos aos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, conforme expressamente reconhecido pelos sucessivos regulamentos da Lei n.º 8.213/91 (cf. art. 295 do Decreto n.º 357/91, art. 292 do Decreto n.º 611/92 e art. 70, parágrafo único, do Decreto n.º 3.048/99, em sua redação original). O fundamento para considerar especial uma determinada atividade, nos termos dos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, era sempre o seu potencial de lesar a saúde ou a integridade física do trabalhador em razão da periculosidade, penosidade ou insalubridade a ela inerente. Os referidos decretos classificaram as atividades perigosas, penosas e insalubres por categoria profissional e em função do agente nocivo a que o segurado estaria exposto. Portanto, uma atividade poderia ser considerada especial pelo simples fato de pertencer o trabalhador a uma determinada categoria profissional ou em razão de estar ele exposto a um agente nocivo específico. Tais formas de enquadramento encontravam respaldo não apenas no art. 58, como também no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, segundo o qual o segurado do RGPS faria jus à aposentadoria especial quando comprovasse período mínimo de trabalho prejudicial à saúde ou à atividade física “conforme a atividade profissional”. A Lei n.º 9.032/95 alterou a redação desse dispositivo legal, dele excluindo a expressão “conforme a atividade profissional”, mas manteve em vigor os arts. 58 e 152 da Lei n.º 8.213/91. A prova da exposição a tais condições foi disciplinada por sucessivas instruções normativas baixadas pelo INSS, a última das quais é a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010. Tais regras tradicionalmente exigiram, relativamente ao período em que vigorava a redação original dos arts. 57 e 58 da Lei n.º 8.213/91, a comprovação do exercício da atividade especial por meio de formulário próprio (SB-40/DSS-8030), o qual, somente no caso de exposição aos agentes nocivos ruído e calor, deveriam ser acompanhados de laudo pericial atestando os níveis de exposição. Com o advento da Medida Provisória n.º 1.523/96, sucessivamente reeditada até sua ulterior conversão na Lei n.º 9.528/97, foi alterada a redação do art. 58 e revogado o art. 152 da Lei n.º 8.213/91, introduzindo-se duas importantes modificações quanto à qualificação das atividades especiais: (a) no lugar da “relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física” passaria a haver uma “relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”, e (b) essa relação não precisaria mais ser objeto de lei específica, atribuindo-se ao Poder Executivo a incumbência de elaborá-la. Servindo-se de sua nova atribuição legal, o Poder Executivo baixou o Decreto n.º 2.172/97, que trouxe em seu Anexo IV a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos a que refere a nova redação do art. 58 da Lei n.º 8.213/91 e revogou, como consequência, as relações de atividades profissionais que constavam dos quadros anexos aos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79. Posteriormente, o Anexo IV do Decreto n.º 2.172/97 foi substituído pelo Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99, que permanece ainda em vigor. Referida norma, mediante a introdução de quatro parágrafos ao art. 58 da Lei n.º 8.213/91, finalmente estabeleceu regras quanto à prova do exercício da atividade especial. Passou então a ser exigida por lei a apresentação de formulário próprio e, ainda, a elaboração, para todo e qualquer agente nocivo (e não apenas para o caso de ruído), de laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por profissional habilitado (médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho). No que se refere ao uso de tecnologias de proteção aptas a atenuar os efeitos do agente nocivo, a MP n.º 1.523/96 passou a exigir que constassem do laudo técnico informações relativas ao uso de equipamentos de proteção coletiva (EPCs). Somente após o advento da Lei n.º 9.732/98 é que se passou a exigir também a inclusão de informações sobre o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Em relação ao enquadramento por atividade profissional, na alteração materializada pela Lei 9.032/95, editada em 28/04/1995, deixou-se de reconhecer o caráter especial da atividade prestada com fulcro tão somente no enquadramento da profissão na categoria respectiva, sendo mister a efetiva exposição do segurado a condições nocivas que tragam consequências maléficas à sua saúde, conforme dispuser a lei. Posteriormente, com a edição da MP nº 1.523-9/97, reeditada até a MP nº 1.596-14/97, convertida na Lei 9.528, que modificou o texto, manteve-se o teor da última alteração (parágrafo anterior), com exceção da espécie normativa a regular os tipos de atividades considerados especiais, que passou a ser disciplinado por regulamento. Da análise da evolução legislativa ora exposta, vê-se que a partir de 28/04/1995, não há como se considerar como tempo especial o tempo de serviço comum, com base apenas na categoria profissional do segurado. Desta forma, para períodos até 28.04.1995, é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo que os trabalhadores não integrantes das categorias profissionais poderiam comprovar o exercício de atividade especial tão somente mediante apresentação de formulários (SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030) expedidos pelo empregador, à exceção do ruído e calor, que necessitam de laudo técnico; de 29.04.1995 até 05.03.1997, passou-se a exigir a exposição aos agentes nocivos, não mais podendo haver enquadramento com base em categoria profissional, exigindo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador (SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030), exceto para ruído e calor, que necessitam de apresentação de laudo técnico; e a partir de 06.03.1997, quando passou a ser necessária comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, em qualquer hipótese. Por fim, com a entrada em vigor da EC 103/19, deixou de ser possível a conversão de tempo especial em comum, para aposentadoria por tempo de contribuição, apenas sendo o cômputo integralmente especial para aposentadoria especial. Entretanto, o período laborado em condições especiais até a entrada em vigor da referida emenda, vale dizer, até 13/11/2019, pode ser convertido em comum, em razão do princípio tempus regit actum. Contudo, a presença do agente nocivo nas condições de trabalho, por si só, não caracteriza a atividade como especial para fins previdenciários. Além da sua presença é imprescindível que a exposição tenha ocorrido de modo habitual e permanente e que não tenha sido utilizado Equipamentos de Proteção Coletiva ou Individual eficazes. Da necessidade de habitualidade e permanência da exposição aos agentes nocivos. A Lei 9.032/95, acrescentou o § 3º do art. 57 à Lei 8.213/91, dizendo da necessidade de habitualidade, permanência, não ocasionalidade e nem intermitência na exposição aos agentes nocivos. A TNU, no PEDILEF 200451510619827, assim distinguiu os termos conceituais: 3. Habitual é a exposição a agentes nocivos durante todos os dias de trabalho normal, ou seja, durante todos os dias da jornada normal de trabalho 4. Permanente é a exposição experimentada pelo segurado durante o exercício de todas as suas funções, não quebrando a permanência o exercício de função de supervisão, controle ou comando em geral ou outra atividade equivalente, desde que seja exclusivamente em ambientes de trabalho cuja nocividade tenha sido constatada. 5. Intermitente é a exposição experimentada pelo segurado de forma programada para certos intervalos. 6. Ocasional é a exposição experimentada pelo segurado de forma não programada, sem mensuração de tempo, acontecimento fortuito, previsível ou não (TNU, PEDILEF 200451510619827, DJ 20/10/2008) Consoante entendimento pacificado pela TNU (PEDILEF nº 2004.51.51.061982-7/RJ; PEDILEF nº 2007.70.95.012758-6/PR; PEDILEF nº 2006.71.95.021405-5; Pedilef nº 2006.72.95.016242-2/SC), os requisitos da permanência e da não intermitência, introduzidos pela Lei nº 9.032/95 para o reconhecimento da natureza especial do tempo de serviço, não podem ser exigidos para os períodos de trabalho realizados antes do início da vigência do referido diploma legal (29/04/1995), porém, a habitualidade sempre foi um requisito exigível “antes e depois da Lei nº 9.032/95” (PEDILEF 50012915420134047110, Juíza Federal Luisa Hickel Gamba, TNU, DOU 18/05/2017 páginas 99-220.), jamais sendo considerado especial o labor realizado em condições eventualmente nocivas, o que por razões lógicas não poderia ser diferente, ante a ausência de lesão paulatina e extraordinária à saúde e segurança do trabalhador. A “habitualidade e permanência” na exposição é “aferida da descrição das atividades e local de trabalho em formulário próprio.” (14ª TRSP, RecInoCiv 0000467-69.2020.4.03.6333, Juiz Federal Tais Vargas Ferracini de Campos Gurgel, DJEN: 20/06/2022). Quanto à juntada de procuração/autorização do vistor do PPP Quanto à alegação de “ausência de procuração com outorga de poderes específicos para o representante legal da empresa assiná-lo ou declaração informando que o subscritor foi devidamente autorizado” a TNU fixou a seguinte tese: "A impugnação genérica do INSS quanto à não apresentação de procuração com outorga de poderes específicos ao subscritor do PPP ou declaração da empresa com autorização ao responsável pela assinatura deste documento não é suficiente, por si só, para desconstituir o seu valor probante; para tanto, é necessária a indicação de elementos de prova que indiquem a existência de vícios no PPP ou, quando menos, que sejam aptos a incutir no julgador dúvida objetiva quanto à sua idoneidade." (TNU, PUIL (Turma) 0507386-47.2018.4.05.8300, POLYANA FALCAO BRITO, 29/06/2020.) Da existência de responsável técnico no PPP e extemporaneidade do laudo O responsável pelas avaliações ambientais não se confunde com aquele responsável pelas avaliações biológicas, já que este último não é o responsável pela aferição de agentes nocivos no local de trabalho. Assim, a existência de responsável pelas avaliações biológicas não supre a falta de responsável pelas avaliações ambientais. No Tema 14 da TNU foi fixado que “Na aposentadoria especial a apresentação de laudo pericial extemporâneo não afasta sua força probante, desde que não modificadas as condições do ambiente” (PEDILEF 2008.72.59.003073-0/SC, publicado em 28/10/2011). Depois, a Súmula 68 da TNU dispôs: “O laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado” (publicada no DOU de 24/09/2012). Porém, posteriormente, o Tema 208/TNU (redação da tese após Embargos de Declaração publicado em 21/06/2021) faz referência à indicação de responsável técnico e exigência de comprovação da “inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo” quando se tratar de laudo técnico extemporâneo: 1. Para a validade do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) como prova do tempo trabalhado em condições especiais nos períodos em que há exigência de preenchimento do formulário com base em Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), é necessária a indicação do responsável técnico pelos registros ambientais para a totalidade dos períodos informados, sendo dispensada a informação sobre monitoração biológica. 2. A ausência total ou parcial da indicação no PPP pode ser suprida pela apresentação de LTCAT ou por elementos técnicos equivalentes, cujas informações podem ser estendidas para período anterior ou posterior à sua elaboração, desde que acompanhados da declaração do empregador ou comprovada por outro meio a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo. (TNU, PEDILEF 0500940-26.2017.4.05.8312/PE, Relator da nova tese (ED): Juiz Federal Ivanir Cesar Ireno Junior, publicado ED em 21/06/2021 - destaques nossos) Nos embargos de declaração desse PEDILEF 0500940-26.2017.4.05.8312 (referente ao Tema 208/TNU) o IBDP alegou justamente que a Súmula 68/TNU “prevê que o laudo pericial não contemporâneo é prova suficiente para a comprovação da atividade especial, não havendo menção à necessidade de declaração do empregador acerca de inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo, para validação do laudo como prova”. Porém no voto condutor desse julgado essa alegação foi afastada, com o seguinte esclarecimento quanto ao ponto: (...) 9. Levando-se em conta o teor do unânime voto do relator e a tese fixada, me parece certo que este colegiado decidiu: (i) para os períodos em que o PPP deve ser preenchido com base em LTCAT, é necessária a indicação do responsável técnico pelos registros ambientais, sendo dispensada a informação sobre monitoração biológica; (ii) é necessária a indicação do responsável técnico para todo o período apontado no PPP, sendo que essa indicação comprova que os registros ambientais foram aferidos a partir de LTCAT ou de elemento técnico equivalente (art. 261 da IN 77/2015); (iii) os períodos integrais ou parciais apontados no PPP, sem a indicação de responsável técnico, correspondem a períodos em que não houve aferição por meio de LTCAT ou elemento técnico equivalente; (iv) para esses períodos integrais (sem responsável técnico para todo o período) ou parciais (com responsável técnico somente para parte do período) do PPP sem indicação de responsável técnico, a necessária informação acerca da existência de prova técnica da nocividade pode ser suprida pela apresentação de LTCAT ou elemento técnico equivalente, que ampare todos os períodos omitidos; (v) as informações do LTCAT ou do elemento técnico equivalente podem ser estendidas para período anterior ou posterior à sua elaboração, desde que acompanhadas da declaração do empregador sobre a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo; (vi) na forma da súmula 68 da TNU e da IN 77/2015, o LTCAT ou o elemento técnico equivalente não precisa ser contemporâneo ao tempo de atividade exercido, ou seja, os registros ambientais podem, por exemplo, ter sido colhidos posteriormente, mas deverá apontar que as condições laborais eram as mesmas, similares, não oferencedo outro cenário do ambiente; (vii) essa extensão pode constar do próprio LTCAT (feita diretamente pelo perito), do PPP ou de declaração avulsa na qual a empresa informe que não houve alteração do ambiente laboral (declaração de extemporaneidade/similaridade); (viii) a premissa de que "uma vez constatada a presença de agentes nocivos em data posterior à prestação do trabalho, considerando a evolução das condições de segurança e prevenção do ambiente de trabalho ao longo do tempo, presume-se que, à época do exercício da atividade, as condições de trabalho eram, no mínimo, iguais à verificada à época da elaboração do PPP", não é idônea a afastar a necessidade de extensão das informações técnicas para períodos do PPP não abrangidos pelo LTCAT. 10. Diante do que restou decidido no julgamento originário do tema 208, é certo que não procedem as alegações do IBDP de contradição ou obscuridade, no ponto específico em que demanda efeitos infringentes, para afastar a necessidade de meio de prova complementar além do LTCAT ou elemento técnico equivalente (salvo quando o próprio LTCAT traz, em seu corpo, declaração de extemporaneidade/similaridade), com finalidade de suprir a necessária informação acerca da existência de prova técnica da nocividade para os períodos - integrais ou totais - do PPP sem responsável técnico. 11. Os fundamentos adotados foram claros, expressos, inequívocos, coerentes e baseados em legislação de regência, não padecendo de contradição ou obscuridade. Foi devidamente justificada a compatibilidade da posição adotada com a súmula 68 da TNU e a não aplicabilidade da posição do STJ, invocada nos embargos. 12. Na minha turma de origem, por exemplo, há muito adotamos fundamentação nessa linha: 3. Para fins de reconhecimento de atividade especial, os registros ou demonstrações ambientais referentes à exposição aos agentes nocivos devem, a princípio e em regra, ser contemporâneos aos períodos em que desenvolvidas as respectivas atividades. Essa é exigência que decorre logicamente da natureza do fato a ser demonstrado - evento fático específico, situado no tempo e no espaço e influenciado diretamente pelas condições ambientais de trabalho, em especial local, layout, técnicas de trabalho/produção/prestação do serviço, maquinário/equipamentos, tecnologias de proteção coletiva e individual etc - e da prova eleita pela lei para comprovar essa exposição (perícia). Assim, a princípio, o LTCAT e o PPP dele derivado somente possuem força probatória se os registros ambientais foram contemporâneos (colhidos durante o período trabalhado). A jurisprudência e a própria administração pública (art. 261, §3º, da IN 77/2015) têm abrandado esse entendimento, afirmando que o laudo pericial que traz registros e demonstrações ambientais extemporâneas (registros ambientais realizados em data anterior ou posterior ao período trabalhado) pode ser aceito para fins de reconhecimento de atividade especial, desde que “a empresa informe expressamente que não houve alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo”, ou seja, informe que as condições ambientais de trabalho (local, layout, maquinário/equipamentos, técnicas de proteção coletiva e individual etc) permaneceram inalteradas ou com mudanças pouco significativas entre o período a ser considerado e o da efetiva aferição dos registros e demonstrações ambientais. Essa afirmação da empresa, em complemento ao laudo, é feita por meio da chamada declaração de extemporaneidade ou similaridade, que pode, inclusive, constar no campo “observações do PPP”. Sobre o tema do laudo extemporâneo, esclarece a doutrina especializada: “É necessário, portanto, que a empresa forneça uma declaração de extemporaneidade para esclarecer que, embora o laudo tenha sido expedido fora da época do período de trabalho, as condições de trabalho permaneceram as mesmas” (LADENTHIN, Adriana Bramante de Castro. Aposentadoria Especial – dissecando o PPP: de acordo com a EC n. 103/19. – 1. Ed. – São Paulo: LUJUR Editora, 2020, p. 60). Nesse caso a exigência legal fica satisfatoriamente cumprida, uma vez que se pode falar em exame pericial indireto (ou mesmo por similaridade), com validade quando inexistente ou impossível se periciar o objeto ou o mesmo ambiente em litígio. Nesse contexto é que o Poder Judiciário acolhe, sem maiores questionamentos, os laudos periciais feitos em outras empresas, com ambientes de trabalho similares aos que são objeto da lide. Essa interpretação é consentânea com o caráter protetivo do direito previdenciário e com a conhecida dificuldade de se fazer prova técnica de atividade especial relativa a períodos remotos. Inclusive, é nesse contexto que deve ser interpretada a súmula 68 da TNU, sob pena de se burlar a exigência legal de prova pericial para fins de comprovação de atividade especial, acolhendo laudo pericial que não retrata, ainda que de forma indireta, as condições ambientais e de nocividade do período controverso. Registre-se, inclusive, que esse entendimento foi recentemente acolhido pela TNU no tema 208 dos seus representativos de controvérsia, com tese firmada no seguinte sentido: ... 13. No entanto, na linha do voto já apresentado pelo juiz Fábio de Souza Silva, talvez seja possível acolher os embargos de declaração, para tornar exemplificativo o rol de provas apto a comprovar a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo, não adotando como único elemento a declaração de extemporaneidade/similaridade fornecida pelo empregador. (...) (TNU, PEDILEF 0500940-26.2017.4.05.8312/PE, Relator da nova tese (ED): Juiz Federal Ivanir Cesar Ireno Junior, publicado ED em 21/06/2021 – trecho copiado do voto - destaques nossos) Em razão disso, quando a documentação é baseada em laudo extemporâneo, necessária a comprovação de que as condições do ambiente de trabalho permaneceram as mesmas, conforme vem reiteradamente decidindo a TNU: RECLAMAÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO ESPECIAL. LAUDO EXTEMPORÂNEO. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA. DEMONSTRAÇÃO DE QUE AS CONDIÇÕES DO AMBIENTE DE TRABALHO PERMANECERAM AS MESMAS. SITUAÇÃO QUE NÃO SE PRESUME. TEMA 208/TNU. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. (TNU, RECLAM - RECLAMAÇÃO 5000085-15.2024.4.90.0000, PAULO ROBERTO PARCA DE PINHO, 17/10/2024) RECLAMAÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO ESPECIAL. LAUDO EXTEMPORÂNEO. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA. DEMONSTRAÇÃO DE QUE AS CONDIÇÕES DO AMBIENTE DE TRABALHO PERMANECERAM AS MESMAS. SITUAÇÃO QUE NÃO SE PRESUME. TEMA 208/TNU. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. (TNU, RECLAM - RECLAMAÇÃO 5000070-46.2024.4.90.0000, CAIO MOYSES DE LIMA, 05/09/2024) Observa-se da tese firmada que, em verdade, foi referendada a necessidade de constar responsável técnico pelas avaliações ambientais, a princípio por todo o período para ruído e calor e para os demais agentes, a partir de 06/03/1997; mas também se reiterou a possibilidade de adoção de laudo extemporâneo “desde que acompanhados da declaração do empregador ou comprovada por outro meio a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo”. Assim, ainda que o PPP apresentado não contenha responsável técnico por todo o período, tal ausência pode ser convalidada, nos termos mencionados. Ou seja, ainda que elaborado posteriormente à prestação do serviço pelo segurado, o laudo possui valor probante, desde que demonstrado que as condições do ambiente de trabalho permaneceram as mesmas. Do agente ruído e seus limites de tolerância Observado o fixado, em recurso repetitivo, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal no RESP 201302684132, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 05/12/2014, é considerado prejudicial à saúde o ruído: a) superior a 80 dB no período de 25/03/1964 (Dec nº 53.831/64) a 05/03/1997; b) superior a 90dB no período de 6/3/1997 (Decreto 2.172/1997) a 18/11/2003; c) superior a 85dB a partir de 19/11/2003 (quando publicado o Decreto nº 4.882/2003). Da metodologia de aferição do ruído Com a publicação da Medida Provisória nº 1.729/98 em 03/12/1998, que modificou o § 1º do art. 58 da Lei nº 8.213/91 e introduziu a exigência de observância da legislação trabalhista no Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), admite-se a observância do que dispõe a Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15), expedida pelo Ministério do Trabalho, a respeito da insalubridade dos agentes nocivos, inclusive quanto aos tipos de agentes, níveis de tolerância e avaliação qualitativa ou quantitativa da insalubridade, em especial quanto aos agentes químicos. O Tema 174/TNU definiu que: (a) "A partir de 19 de novembro de 2003, para a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma"; (b) "Em caso de omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada na medição, bem como a respectiva norma" (PEDILEF 0505614-83.2017.4.05.8300/PE, rel. para acórdão: Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito, publicado em 21/03/2019) Portanto, “em relação à necessidade de indicação do Nível de Exposição Normalizado (NEN) no PPP, a tese firmada pela TNU no julgamento do Tema nº 174 não a exige, haja vista ser admissível a utilização da metodologia de aferição de ruído prevista no Anexo I da NR-15 para a comprovação da insalubridade da atividade.” (13ª TR/SP, RecInoCiv 5002593-93.2022.4.03.6314, Rel. Juiz Federal Joao Carlos Cabrelon de Oliveira, DJEN: 07/05/2024). No julgamento do Tema 317/TNU foi fixado, ainda, que a menção à técnica de dosimetria ou ao dosímetro no PPP enseja a presunção relativa de observância da determinação da NHO-01 ou da NR15, para fins do Tema 174: (i) A menção à técnica da dosimetria ou ao dosímetro no PPP enseja a presunção relativa da observância das determinações da Norma de Higiene Ocupacional (NHO-01) da FUNDACENTRO e/ou da NR-15, para os fins do Tema 174 desta TNU; (ii) Havendo fundada dúvida acerca das informações constantes do PPP ou mesmo omissão em seu conteúdo, à luz da prova dos autos ou de fundada impugnação da parte, de se desconsiderar a presunção do regular uso do dosímetro ou da dosimetria e determinar a juntada aos autos do laudo técnico respectivo, que certifique a correta aplicação da NHO 01 da FUNDACENTRO ou da NR 15, anexo 1 do MTb. (TNU, PEDILEF 5000648-28.2020.4.02.5002/ES, Rel. Juíza Federal Paula Emília Moura Aragão de Sousa Brasil, publicado em 02/07/2024) Observado o acima exposto, com relação à metodologia de aferição do ruído, temos que: a) para períodos anteriores a 18/11/2003 (véspera da vigência do Decreto nº 4.882/2003), não havia exigência de se demonstrar a metodologia e o procedimento de avaliação aplicados na medição do ruído em função do tempo; b) para os períodos a partir de 19/11/2003 (vigência do Decreto nº 4.882/2003, que incluiu o §11 no art. 68 do Decreto 3.048/99), a medição do ruído deve se dar em conformidade com a NHO-01 da Fundacentro ou NR-15; c) indicação simultânea no PPP da NHO-01 e da NR-15 não o invalidam, visto que o Anexo 1 da NR-15 indica o limite de tolerância e a NHO-01 indica as metodologias e os procedimentos a serem seguidos; d) A menção a técnica “dosimetria” ou “dosímetro” também atende ao Tema 174/TNU. Do uso de EPI Com relação ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) o Supremo Tribunal Federal fixou no ARE 664.335/SC, Relator Ministro LUIZ FUX, j. 04/12/2014, DJe de 12/02/2015, com repercussão geral (Tema 555/STF), que: a) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; b) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Quanto aos critérios para aferição da eficácia do EPI o Tema 213/TNU definiu: I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz pode ser fundamentadamente desafiada pelo segurado perante a Justiça Federal, desde que exista impugnação específica do formulário na causa de pedir, onde tenham sido motivadamente alegados: (i.) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii.) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii.) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv.) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação; ou (v.) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI. II - Considerando que o Equipamento de Proteção Individual (EPI) apenas obsta a concessão do reconhecimento do trabalho em condições especiais quando for realmente capaz de neutralizar o agente nocivo, havendo divergência real ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia, provocadas por impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial. (PEDILEF 0004439-44.2010.403.6318/SP) A súmula 87, TNU ainda definiu que “A eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência da MP 1.729/98, convertida na Lei n. 9.732/98”. De se lembrar, por fim, que quando se tratar de exposição a agente reconhecidamente cancerígeno, constante do Grupo 1 da LINACH, qualquer que seja o período em que tenha sido prestado o trabalho, a informação de EPI´s/EPC´s eficazes não descaracterizam o período como especial (Tema 170/TNU). Do calor Com base no Decreto 53.831/64, até 05/03/1997 era considerada especial a exposição a calor “proveniente de fontes artificiais”, “acima de 28°”. 1.0.0 - Agentes 1.1.0 - Físicos 1.1.1 - CALOR – Operações em locais com temperatura excessivamente alta, capaz de ser nociva à saúde e proveniente de fontes artificiais. Classificação: Insalubre Tempo de trabalho mínimo: 25 anos Observação: Jornada normal em locais com TE acima de 28º. Artigos 165, 187 e 234, da CLT. Portaria Ministerial 30 de 7-2-58 e 262, de 6-8-62. A partir de 06/03/1997, o Decreto nº 2.172/97 (código 2.0.4) e depois o Decreto nº 3.048/99 (código 2.0.4) passaram a fazer referência aos limites de tolerância estabelecidos na NR-15- anexo 3 da Portaria 3.214/78. Por sua vez, a NR 15 especifica que o calor deve ser avaliado através do "Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo" – IBUTG, estabelecendo distinção de limites conforme o tipo de atividade seja qualificado como “leve”, “moderado” ou “pesado”: REGIME DE TRABALHO TIPO DE ATIVIDADE INTERMITENTE COM DESCANSO NO PRÓPRIO LOCAL DE TRABALHO (por hora) TIPO DE ATIVIDADE LEVE MODERADA PESADA Trabalho contínuo até 30,0 IBUTG até 26,7 IBUTG até 25,0 IBUTG 45 minutos trabalho 15 minutos descanso 30,1 a 30,5 IBUTG 26,8 a 28,0 IBUTG 25,1 a 25,9 IBUTG 30 minutos trabalho 30 minutos descanso 30,7 a 31,4 IBUTG 28,1 a 29,4 IBUTG 26,0 a 27,9 IBUTG 15 minutos trabalho 45 minutos descanso 31,5 a 32,2 IBUTG 29,5 a 31,1 IBUTG 28,0 a 30,0 IBUTG Não é permitido o trabalho, sem a adoção de medidas adequadas de controle acima de 32,2 IBUTG acima de 31,1 IBUTG acima de 30,0 IBUTG Consoante NR 15 entende-se por trabalho: a) Leve: aquele sentado, com movimentos moderados nos braços, tronco e pernas (ex. digitar ou dirigir) ou de pé, trabalho leve, em máquina ou bancada, principalmente com os braços; b) Moderado: sentado, com movimentos vigorosos nos braços e pernas ou de pé, o trabalho leve em máquina ou bancada, com alguma movimentação; de pé, trabalho moderado em máquina ou bancada, com alguma movimentação; ou, em movimento, o trabalho moderado de levantar ou empurrar; c) Pesado: o trabalho intermitente de levantar, empurrar ou arrastar pesos (ex.: remoção com pá) ou o trabalho fatigante. Verifica-se que quanto mais dinâmica for a atividade, menor a intensidade de temperatura exigida. Em razão disso, “após 5/3/1997 a medição da exposição ao agente físico calor deve ser feita utilizando-se o IBUTG” (TNU, PUIL (Turma) 0500887-29.2018.4.05.8500, GUILHERME BOLLORINI PEREIRA - 27/05/2019) e deve ser observada a classificação da atividade como “leve, moderada ou pesada”. A TNU também fixou a seguinte orientação: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. AGENTE FÍSICO CALOR. PERÍODO POSTERIOR A 06/03/1997. AFERIÇÃO DO LIMITE DE TOLERÂNCIA COM BASE NO ÍNDICE DE BULBO ÚMIDO TERMÔMETRO DE GLOBO- IBUTG. NA HIPÓTESE DE REGIME DE TRABALHO INTERMITENTE COM PERÍODO DE DESCANSO DO SEGURADO NO PRÓPRIO LOCAL DE TRABALHO (QUADRO N. 3 DO ANEXO III DA NR-15), NÃO SE FAZ NECESSÁRIA A INDICAÇÃO DA TAXA DE METABOLISMO (KCAL/H) UMA VEZ QUE O TIPO DE ATIVIDADE (LEVE, MODERADA OU PESADA) É OBTIDO PELA DESCRIÇÃO DO LABOR EXERCIDO PELO SEGURADO E O SEU ENQUADRAMENTO NO QUADRO N. 3 DO ANEXO III DA NR-15. POR OUTRO LADO, NO CASO DE REGIME DE TRABALHO INTERMITENTE COM PERÍODO DE DESCANSO DO SEGURADO EM LOCAL DIVERSO DAQUELE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, É IMPRESCINDÍVEL A INDICAÇÃO DA TAXA DE METABOLISMO MÉDIA PONDERADA PARA UMA HORA DE LABOR (KCAL/H), CONFORME QUADRO N. 2 DO ANEXO III DA NR-15. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TNU, PUIL (Turma) 0503013-05.2016.4.05.8312, SERGIO DE ABREU BRITO) – destaques nossos No mesmo sentido o Pedilef 0501354-39.2017.4.05.8307, Relator Erivaldo Ribeiro dos Santos, j. 22/08/2019, data da publicação 23/08/2019. Assim: a) para o caso de trabalho contínuo e do intermitente com descanso no próprio local de trabalho é possível que seja inferida a classificação da atividade em leve, pesada ou moderada, pela descrição das atividades realizadas, no caso de omissão da documentação constante dos autos; b) para o trabalho intermitente com descanso em outro local, necessária a indicação da taxa de metabolismo média ponderada para uma hora de labor, conforme descrito no quadro 2 do Anexo nº 3 da NR 15, referente ao dispêndio energético necessário para o desenvolvimento da atividade declarada. A TNU no PUIL 05012181320154058307 (Rel. Juiz Federal Fabio Cesar dos Santos Oliveira, DJE 30/10/2017) e PUIL (Turma) 0506002-13.2018.4.05.8312 (Rel. Susana Sbrogio Galia, 17/12/2021) fixou a tese de que entre 06/03/1997 e 08/12/2019 é possível o enquadramento do calor proveniente de fontes naturais, desde que comprovada a exposição em nível superior ao limite de tolerância de forma habitual e permanente: INCIDENTE PROVIDO PARA FIRMAR A TESE DE QUE "DESDE O ADVENTO DO DECRETO N. 2.172/97 E ATÉ 08.12.2019, É POSSÍVEL O RECONHECIMENTO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DO LABOR EXERCIDO SOB EXPOSIÇÃO AO CALOR PROVENIENTE DE FONTES NATURAIS, DE FORMA HABITUAL E PERMANENTE, UMA VEZ COMPROVADA A SUPERAÇÃO DOS PATAMARES ESTABELECIDOS NO ANEXO 3 DA NR-15/MTE, CALCULADO O IBUTG DE ACORDO COM A FÓRMULA PREVISTA PARA AMBIENTES EXTERNOS COM CARGA SOLAR. A PARTIR DA PORTARIA SEPRT N.º 1.359, DE 09.12.2019, OBSERVAR-SE-Á O QUANTO FIXADO NESSE NORMATIVO". (TNU, PUIL (Turma) 0506002-13.2018.4.05.8312, SUSANA SBROGIO GALIA, 17/12/2021) – destaques nossos A partir de 09/12/2019, a Portaria SEPRT nº 1.359/19 modificou o anexo III da NR 15, alterando os limites de tolerância e a metodologia de avaliação do calor, bem como excluiu a possibilidade de enquadramento no caso de atividades com exposição a calor natural a céu aberto, devendo-se observar o disposto nesse normativo a partir de sua vigência. Novas modificações normativas ocorreram com a Portaria MPT 426/21 (publicada em 08/10/2021), aplicáveis ao labor exercido após a data em que entrou em vigor. De se registrar, por fim, que a TNU afetou o Tema 323 que visa avaliar “quais informações devem constar no documento técnico para possibilitar o reconhecimento da atividade especial desempenhada com exposição a agente físico calor, notadamente se é imprescindível a indicação da taxa de metabolismo média ponderada para uma hora de atividade do segurado (Kcal/h)” (Pedilef 0510577-41.2020.405.8200/PB, decisão de afetação: 15/03/2023, Rel. Juiz Fed. Leonardo Augusto de Almeida Aguiar). Esse tema ainda se encontra pendente de julgamento. Da umidade O Decreto 53.831/64 previa em seu item 1.1.3 a umidade como agente nocivo capaz de levar ao reconhecimento de período como especial, mas não qualquer exposição; a previsão de tal agente nocivo era para aquelas atividades em que o trabalhador permanecia molhado em sua jornada de trabalho, com habitualidade, ou seja, casos de umidade excessiva, em que havia contato direto e permanente com água, como lavadores, tintureiros, operários nas salinas etc. A partir do Decreto 2.172/97, os anexos da legislação previdenciária que tratam dos agentes nocivos deixaram de elencar a umidade entre eles. Todavia, mesmo com a ausência de previsão expressa, o STJ em sede recurso repetitivo - Tema 534/STJ, firmou o entendimento de que o rol das atividades e agentes nocivos contidos nos decretos previdenciários regulamentadores é exemplificativo, “podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais” (STJ – 1ª Seção, REsp 1306113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013). A NR-15 abriga a umidade como agente insalubre, mas de maneira muito específica, quais sejam “atividades ou operações executadas em locais alagados ou encharcados, com umidade excessiva”. Da exposição e limites de tolerância para agentes químicos No que tange aos agentes químicos, até 06/05/1999, data da entrada em vigor do Decreto 3.048/99, não havia a exigência de análise quantitativa relativa aos limites de tolerância para agentes químicos para fins de aposentadoria especial. Conforme fixado pela TNU, a partir de 07/05/1999, quando publicado o Decreto 3.048/99 as disposições trabalhistas foram internalizadas no Direito Previdenciário e surgiu a exigência de superação dos níveis de tolerância dispostos na NR-15 como pressuposto caracterizador de atividade especial: Apenas com a publicação da MP 1.729 em 03/12/1998, que se converteu na Lei 9.732/98 e alterou novamente o art. 58, § 1º da Lei 8.213/91, exigiu-se observância da legislação trabalhista na elaboração do laudo técnico, para fins de comprovação da exposição a agentes nocivos. Há precedente desta TNU no sentido de que "a exigência de superação de nível de tolerância disposto na NR-15, como pressuposto caracterizador de atividade especial, apenas tem sentido para atividades desempenhadas a partir de 03/12/1998, quando essa disposição trabalhista foi internalizada no direito previdenciário" (PEDILEF 5004638-26.2012.40.4.7112, Rel. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, data da publicação: 13/09/2016). Na verdade, vislumbra-se que a aplicação da legislação trabalhista na avaliação das condições ambientais de trabalho normatizou-se efetivamente com o Decreto 3.048, de 06/05/1999. Extrai-se da redação original do § 7º do art. 68 que devem ser verificados os parâmetros indicados nas Normas Regulamentadoras 6, 7, 9 e 15, aprovadas pela Portaria/MTb 3.214/1978, para fins de aceitação do laudo técnico. (...) Tais considerações levam à conclusão de que é inviável o emprego, como regra geral, das metodologias apontadas na NR-15/MTE para avaliação dos níveis de exposição de agentes nocivos antes de sua integração no ordenamento previdenciário, pelo Decreto 3.048/99. E é inegável que, em se tratando dos elementos químicos aludidos no item 1.0.0 do Anexo IV do Decreto 2.172/97, exige-se tão somente a sua presença no processo produtivo ou no ambiente laboral. Para tais agentes, não há nenhuma menção a critérios quantitativos de avaliação. Desse modo, os serviços prestados com exposição a agentes químicos, durante a vigência do Decreto 2.172/97, dispensam análise quantitativa de risco. (TNU, PUIL (Turma) 0070280-62.2009.4.01.3800, Rel. Tais Vargas Ferracini de Campos Gurgel, 13/07/2020 – destaques nossos) Desta forma, até 06/05/1999 o que determinava a insalubridade era a presença do agente agressivo no processo produtivo e no ambiente de trabalho. A partir de 07/05/1999 é necessário observar as normas que estabelecem níveis de concentração para caracterização da prejudicialidade relativa aos agentes químicos. De se observar, no entanto, que a NR-15 elenca certos agentes como de análise qualitativa (ex. agentes previstos no anexo 13) e outros agentes de análise quantitativa (ex. agentes previstos no anexo 11). Em atenção a isso a TNU estabeleceu que “a exposição aos agentes químicos previstos no Anexo 11 da NR-15 deve ser analisada levando-se em conta os limites de tolerância previstos na referida norma; c) a exposição aos agentes químicos previstos no Anexo 13 da NR-15 deve ser analisada levando-se em conta apenas sua presença no ambiente de trabalho do segurado, em atenção ao critérios previstos nessa norma” (TNU, PUIL nº 0500803-25.2018.4.05.8307/PE, Rel. Juiz Federal Guilherme Bollorini Pereira, j. 27/05/2019; PUIL nº 0535340-90.2017.4.05.8013/AL, Rel. Juiz Federal Guilherme Bollorini Pereira, j. 27/11/2018 e PUIL 0046624-87.2010.4.01.3300, Fabio de Souza Silva, 21/06/2021). Registro, em complementação, que os agentes constantes nos anexos 1, 2, 3, 5, 11 e 12 da NR-15 são de análise quantitativa. Já os agentes descritos nos anexos 6, 13 e 14 da NR-15 são de análise qualitativa. Quando constatada a presença de agentes confirmados como cancerígenos para humanos, se verifica hipótese de dispensa da observância do nível de concentração para consideração da insalubridade, conforme art. 68, § 4º do Decreto 3.048/99 (após alterações trazidas pelo Decreto n° 8.123, de 2013), a análise é feita de forma qualitativa e a informação de EPI´s/EPC´s eficazes não descaracterizam o período como especial, qualquer que seja o período em que tenha sido prestado o trabalho, conforme fixado pela TNU no Tema 170: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 170. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES RECONHECIDAMENTE CANCERÍGENOS PARA HUMANOS. DECRETO 8.123/2013. LINACH. APLICAÇÃO NO TEMPO DOS CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DA ESPECIALIDADE. DESPROVIMENTO. Fixada a tese, em representativo de controvérsia, de que "A redação do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99 dada pelo Decreto 8.123/2013 pode ser aplicada na avaliação de tempo especial de períodos a ele anteriores, incluindo-se, para qualquer período: (1) desnecessidade de avaliação quantitativa; e (2) ausência de descaracterização pela existência de EPI". (PEDILEF 50060195020134047204, relatora juíza Federal Luisa Hickel Gamba, eproc 23/08/2018) – destaques nossos. Definiu a TNU ainda que “O uso da expressão genérica 'hidrocarbonetos' no PPP e/ou no laudo pericial é insuficiente para determinar a existência de exposição nociva, sendo necessário detalhar de que hidrocarboneto se fala, bem como, no caso de tratar-se, especificamente, de xileno ou tolueno, precisar igualmente a concentração da exposição, segundo a NR-15". (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) Nº 5002223-52.2016.4.04.7008/PR, rel. Juiz Federal Luis Eduardo Bianchi Cerqueira). E no julgamento do Tema 298 a TNU fixou que “a partir da vigência do Decreto 2.172/97, a indicação genérica de exposição a “hidrocarbonetos” ou “óleos e graxas”, ainda que de origem mineral, não é suficiente para caracterizar a atividade como especial, sendo indispensável a especificação do agente nocivo” (PEDILEF 5001319-31.2018.404.7115/RS). Do caso concreto. A parte autora pretende enquadramento do período de 03/08/2014 a 12/11/2019 trabalhado na SODEXO DO BRASIL COMERCIAL S/A como oficial de serviços gerais – PPP (ID 314786350 - Pág. 80 e ss.) PPP menciona exposição a ruído 81,7dB, calor (sem especificação do nível), umidade (mínimo), produtos de limpeza ácidos (mínimo) e produtos de limpeza alcalinos (mínimo). A sentença assim decidiu: No presente caso, a parte autora não se insurge contra o grau de deficiência detectado pelo INSS, tampouco contra o intervalo temporal de sua extensão reconhecido na via administrativa. Assim, tem-se como incontroverso que houve o desempenho de trabalho na condição de pessoa com deficiência de grau leve por 8 anos, 7 meses e 20 dias (fls. 124/167 do ID nº 305855947). (...) Diante desse panorama normativo e jurisprudencial, verifica-se que para demonstrar o tempo especial no(s) período(s) de 03/08/2014 a 12/11/2019, trabalhado na empresa Sodexo do Brasil Comercial S/A, o demandante apresentou cópia de sua CTPS de fl. 22 do ID nº 305855947, que demonstra o devido registro com a empresa, assim como o Perfil(is) Profissiográfico(s) Previdenciário(s) de fl(s). 80/81 do ID nº 305855947, o(s) qual(ais) aponta(m) que no exercício da(s) função(ões) de oficial de serviços gerais, no setor cozinha, esteve exposta a ruído de 81,7 dB (A), calor (sem mensurar a temperatura), e agentes químicos (sem descrever quais componentes químicos, mas apenas limitando-se a informar “produtos de limpeza alcalinos” e “produtos de limpeza ácidos”), com EPI eficaz. Pelas descrições da função, setor e atividades desenvolvidas, não é possível presumir a exposição de forma habitual e permanente aos agentes de risco descritos no documentos, sendo que com relação a agentes químicos de produtos de limpeza indicados no PPP, o contato com tais produtos utilizados em sua jornada não diferem sobremaneira daqueles manuseados na lida doméstica, os quais possuem concentração reduzida de agentes químicos, sendo ínfima a exposição vindicada, e ainda constou informação de EPI eficaz. Além disso, não houve submissão a nível de pressão sonora acima dos limites máximos permitidos para o período, nem a informação da temperatura submetida, razoes pelas quais não há especialidade a ser reconhecida. Nesse passo, à falta de reconhecimento de qualquer período de tempo especial pugnado na exordial, certo é que a parte autora não faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, não havendo nada a reparar na decisão levada a efeito pela Autarquia Previdenciária na via administrativa. Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, nos termos do artigo 487, I do CPC. Não vejo razão para alterar posicionamento do Juízo singular, tal a clareza e suficiência da fundamentação exposta. Acrescento apenas que em relação à umidade, como visto, tal agente não foi mais previsto a partir do Decreto 2.172/97 na legislação previdenciária; a NR-15 o alberga, mas apenas nos casos de atividades com exposição habitual e permanente em locais encharcados, que não é o caso da autora. Assim, não restou evidenciado o direito ao enquadramento do período. Da reafirmação da DER: Não há que se falar em reafirmação da DER, pois o tempo comprovado na via administrativa (25 anos, 9 meses e 17 dias até 25/01/2023 – ID 314786350 - Pág. 126) somados aos 7 meses e 27 dias de contribuição que a autora possui após a DER (constantes do CNIS) ainda resulta em tempo insuficiente para a concessão do benefício. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da PARTE AUTORA. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso. É o voto. E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RUIDO ABAIXO DO LIMITE. CALOR E AGENTES QUÍMICOS SEM ESPECIFICAÇÃO E SEM HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. UMIDADE. NÃO DEMONSTRADA EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE EM LOCAIS ENCHARCADOS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. ROGERIO VOLPATTI POLEZZE Juiz Federal
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Processo nº 0001326-07.2017.4.03.6005
ID: 262010496
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Ponta Porã
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0001326-07.2017.4.03.6005
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO DE SOUZA FRANCISCHINI
OAB/BA XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0001326-07.2017.4.03.6005 / 1ª Vara Federal de Ponta Porã TESTEMUNHA: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS TESTEMUNHA: ARILSON COSTA OLIVEIRA Advogado do(a)…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0001326-07.2017.4.03.6005 / 1ª Vara Federal de Ponta Porã TESTEMUNHA: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS TESTEMUNHA: ARILSON COSTA OLIVEIRA Advogado do(a) TESTEMUNHA: LYSIAN CAROLINA VALDES - MS7750 S E N T E N Ç A RELATÓRIO Trata-se de denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em 22/11/2017, em face de ARILSON COSTA DE OLIVEIRA, pela prática dos delitos previstos nos artigos 334 e 273, §1º e 1º-B, I, do Código Penal (ID 42860943 – Pág 3-5). Consta dos autos que, no dia 10/08/2015, por volta das 15h49min, na rodovia 463, km 67, Posto Capey, Município de Ponta Porã-MS, ARILSON COSTA OLIVEIRA foi flagrado após introduziu no Brasil diversas mercadorias estrangeiras do Paraguai, as quais não foram submetidas ao regular desembaraço aduaneiro, tendo assim iludido impostos devidos no montante aproximado de R$9.190,65. Ademais, consta que, nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço, ARILSON COSTA OLIVEIRA, com consciência e vontade, tinha em depósito, após ter importado do Paraguai, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, a saber, aproximadamente 3.000 pomadas medicinais, sem registro no órgão de vigilância sanitária competente – ANVISA. Narra o MPF que policiais rodoviários federais em fiscalização de rotina deram ordem de parada para o veículo VW Gol MI, placas GOW 8999, conduzido por ARILSON COSTA OLIVEIRA. Durante vistoria, os policiais apreenderam em poder do denunciado diversas mercadorias, como artigos de toucador, jaquetas, brinquedos e meias, todos provenientes do Paraguai, que por estarem sem a devida documentação fiscal probante de sua regular importação, foram avaliados em R$18.476,64, sendo o valor aproximados dos tributos iludidos R$9.190,65. Denúncia recebida em 26/03/2018 (ID 42860943 – PÁG. 9-12 e 45, ID 42860948 - Pág. 1-6). O réu foi citado e intimado em 12/12/2018 (ID 42860943 - Pág. 39) e apresentou resposta à acusação (ID 42860943 - Pág. 41-42). As hipóteses de absolvição sumária foram afastadas em decisão de ID 42860948 - Pág. 10-13, oportunidade em que foi designada audiência de instrução e julgamento. AIJ realizada em 09/03/2020, oportunidade em que foram ouvidas as testemunhas, colhido o interrogatório do réu e o MPF apresentou alegações finais orais. É o relatório. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO Registro que o feito encontra-se formalmente em ordem, inexistindo vícios ou nulidades a serem sanados, tampouco matéria preliminar a ser apreciada. Ademais, a audiência transcorreu em absoluta normalidade, atingindo plenamente seus objetivos e permitindo ao réu o pleno exercício de seu direito de defesa quando de seu interrogatório. Sendo assim, passo à análise do mérito da ação penal. O Ministério Público Federal sustenta que a conduta do réu se amolda aos seguintes tipos penais, in verbis: DECRETO-LEI 2848/1940 (CÓDIGO PENAL) Descaminho Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Passo a relatar as provas produzidas em audiência. TESTEMUNHA ELCIONE: AO MPF: A testemunha e o PRF Damasceno realizaram abordagem, o abordado conduzia um golzinho cinza, ele tinha volumes, não dá para precisar o que tinha dentro desses volumes, eram 10 volumes muito grandes, estavam no bagageiro externo e dentro do carro, ele estava indo sentido ponta porã-dourados, foi questionado e disse que as mercadorias estavam vindo do Paraguai e iria revender esses produtos, que não tinham documentação legal nenhuma, eram muitos produtos, o abordado declarou que eram brinquedos e cosméticos nos volumes, foi contata a quantidade de mercadoria e lacrado o veículo, depois foi enviado para Receita Federal. Essas abordagens são corriqueiras na região. O lacre consiste em fechar o veículo com a chave, passar fita, colocar o número do bop, o documento deles, é encaminhado à Receita Federal, onde tiram as mercadorias dos carros, abrem os volumes e fazem as contagens. Não viram o que tinha dentro, eram volumes de cosméticos, alguma coisa de cosméticos, mas não tinha como precisar, mas não detalharam nada, só rasgaram um pouquinho de um volume e não adentraram pra ver o que tinha mais pra dentro. O volume destoava ao que é encontrado na região, tanto é que não foi só a mercadoria apreendida, mas é comum isso acontecer também, por isso foi apreendido, eram volumes grandes. À DEFESA: Não sabia o conteúdo dos volumes. Não foi aberto tudo. Abriram uma ou duas, para constatar, mas não abriram tudo, pois, caso contrário, é impossível fazer o transporte posteriormente. TESTEMUNHA DAMASCENO: AO MPF: Na data dos fatos, estava com a colega ELCIONE no Posto Capey, abordaram veículo gol, com fardos de mercadoria, não contabilizados no ato da retenção, os quais foram apreendidos e encaminhados à Receita Federal, porque não tinham desembaraço aduaneiro ou documento fiscal. Não foram abertos os volumes, encaminharam para gestão da Receita Federal, a qual tem prazo de 72h para fazer a abertura. Recorda-se que havia alguma coisa de perfumaria nas caixas, desodorante, alguma coisa assim, chegou a abrir alguns volumes. Lacrou e envio para Receita Federal. É um procedimento padrão envolvendo descaminho. As mercadorias são colocadas de uma maneira tão perfeita dentro dos veículos que se tirarem a mercadoria não conseguem mais colocar depois. Lacram o carro com a mercadoria e tudo, depois encaminham para Receita. À DEFESA: Não se recorda se o veículo estava no nome do investigado. INTERROGATÓRIO: AO JUÍZO: 1ª parte do interrogatório: Teve conhecimento da acusação que lhe é feita. É brasileiro, casado, 2 filhas, autônomo, já foi vigilante, manobrista em São Paulo, mas atualmente não possui trabalho. Renda mensal em torno de R$500,00, pois está desempregado no momento. Reside na Rua Edivaldo Santos, nº 61, Feira de Santana-BA, telefone (75) 99163-4027, tem outro telefone. Filha 6 anos Ariadne, filha de 7 anos Sofia, a mais nova tinha refluxo, ambas não possuem deficiência física. Já foi processado criminalmente por descaminho e por receptação, já cumpriu e já foi encerrado, ambos os processos foram na Bahia. 2ª parte do interrogatório: a acusação é verdadeira, mas tem ressalvas com relação a sua conduta. Pelo que ouviu das testemunhas, estava como sendo que assumiu ou que iria revender os produtos, estava dirigindo o carro, mas não havia comprado para revender. Era piloto do carro e ganharia para isso. Não fugiu, não deu problemas, ficou tranquilo, sabia e conhecia leis, porque tinha conhecimento de que se abordado deveria ficar tranquilo. Não era proprietário das mercadorias, era apenas motorista. Era motorista fretista. O carro não era seu. Era Gol quadrado, duas portas, um carrinho pequeno. O carro era de uma pessoa de apelido “Gato de Botas”, ele ficava em Dourados-MS. O combinado era fazer a viagem e ganhar em torno de R$150,00 a R$200,00. O combinado seria retirar o carro lá em Ponta Porã-MS, em uma das transportadoras, pois a mercadoria vem lá de Foz do Iguaçu-PR e fica em Ponta Porã-MS, onde colocava no carro e levava. Ele falou: “”Seu Arilson, vai buscar vestiário e jaquetas”. Mas tinha ciência de que era jaqueta, cremes, não chegou a conferir a carga, porque eles carregam o carro lá, não tem acesso e depois leva o carro. Isso tudo estava no bagageiro e mais um pouco na frente do carro. As jaquetas têm um volume muito grande, passa-se uma fita e coloca-se tendo do carro, fica uma pensa, chamada “prensa de vestiário/vestuário”. À DEFESA: Essas pomadas não os viu colocarem, somente viu as outras coisas. Tinha conhecimento de que o que tinha no carro era jaqueta, prensa vestuário, não tendo conhecimento de que tinha medicamento entre as mercadorias que transportava. ALEGAÇOES FINAIS DO MP: Sustentou que a materialidade e a autoria delitiva estão representadas pela representação fiscal para fins penais nº 12457732579/2015-89 (f. 7/12), auto de apreensão nº 7 (f. 11), boletim de ocorrência (f. 12 e 13), laudo pericial de f. 42-51. As provas produzidas na fase inquisitorial foram confirmadas pelas testemunhas Policiais Rodoviários Federais, corroborando as provas produzidas na fase inquisitorial, bem como pelo interrogatório do réu, que reconheceu que estava transportando as mercadorias alhures relatadas. Não há nos autos excludentes de ilicitudes nem dirimentes de culpabilidade, tampouco causas extintivas de punibilidade. Por fim, reiterou os termos da denúncia e requereu o julgamento procedente da pretensão punitiva estatal. Posto isso, valoro as provas. 2.1) DESCAMINHO O acusado está sendo processado pela suposta prática do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal. Segundo basilar lição de Luiz Regis Prado no delito de descaminho: “(...) tutela-se o correto e regular exercício da atividade pública e o interesse econômico-estatal, além do produto nacional e a economia do País, quer na elevação do imposto de exportação, para fomentar o abastecimento interno, quer na sua sensível diminuição ou isenção, para estimular o ingresso de divisa estrangeira no país. O mesmo ocorre no tocante ao imposto de importação, cuja elevação ou isenção têm por escopo ora proteger o produtor nacional, ora proteger a própria nação da especulação por este engendrada e, ainda, suprir necessidades vitais do Estado.” (in Comentários ao Código Penal. 10.ed. SP: RT, 2015. p. 1122) A materialidade do crime de descaminho descrito na denúncia, em relação ao acusado, foi demonstrada por meio dos documentos: demonstrativo de créditos tributários evadidos (ID 42860901 - Pág. 14), auto de infração e apreensão de mercadorias (ID 42860901 - Pág. 15-16), relação de mercadorias (ID 42860901 - Pág. 17), boletim de ocorrência (ID 42860901 - Pág. 18-20), documento de recolhimento do veículo (ID 42860901 - Pág. 21), comprovante de liberação do veículo (ID 42860901 - Pág. 22), termo de remoção do veículo (ID 42860901 - Pág. 23) e representação fiscal para fins penais, que demonstram a internalização de mercadorias com ilusão de tributos. Registro que a prova documental em apreço está revestida de presunção de legitimidade e veracidade, sendo que, após o crivo do contraditório, a defesa não trouxe ao processo provas concretas capazes de demonstrar que elas estariam em desacordo com a realidade. Pelo contrário, verifica-se que, em juízo, perante o contraditório e a ampla defesa, o réu confirmou ter ciência de que estava transportando mercadorias, pelo que estava sendo pago, sendo seu destino final a cidade de Dourados-MS. Frisa-se o não cabimento das hipóteses de aplicação do princípio da insignificância, em razão de haver contumácia da conduta por parte do réu. Assim, comprovada a materialidade do delito, passo ao exame da autoria. O réu ARILSON narrou em juízo que fora contratado por pessoa apelidada de GATO DE BOTAS para transportar a mercadoria apreendida de Ponta Porã-MS até Dourados-MS, pelo valor de R$150,00 a R$200,00. Descreveu também que sabia que a mercadoria havia sido transportada da fronteira de Foz do Iguaçu-PR até Ponta Porã-MS, onde ficou armazenada numa transportadora até a retirada da mercadoria pelo réu. Detalhou que a mercadoria referente a vestuário passa por prensa, de modo que fica muito compactada, permitindo o transporte de grande volume desse tipo de produto por meio de veículo. Esses detalhes narrados pelo réu corroboram os depoimentos prestados pelas testemunhas Policiais Rodoviários Federais, no sentido de que havia grande quantidade de volume de mercadorias no veículo conduzido pelo réu, porque são encaixadas perfeitamente, inviabilizando revistar toda a mercadoria apreendida, sob pena de comprometer a lacração do veículo e seu encaminhamento à Receita Federal para a realização da contagem dos produtos. As testemunhas afirmaram que visualizaram a presença de brinquedos, cosméticos e itens de perfumaria, os quais são corroborados pelo auto de infração e apreensão e que o réu confirma tê-los transportado, se tivesse sido encontrado dentro do veículo, o que de fato ocorreu. De rigor, portanto, a condenação do acusado nos termos da denúncia. 2.2) 273, §1º e 1º-B, I, do Código Penal –CONDENAÇÃO Sobre o bem jurídico tutelado pelo art. 273 do Código Penal, valiosa a lição de Rogério Greco: “Bem juridicamente protegido é a incolumidade pública, consubstanciada, no caso, especificamente, na saúde pública. O objeto material é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (...) O delito se consuma quando o agente pratica quaisquer dos comportamentos previstos pelo tipo penal do art. 273 do Código Penal, criando situação concreta de risco à incolumidade pública, ou mais, especificamente, à saúde pública.”(in Código Penal Comentado. 5.ed. RJ: Impetus, 2011. p. 787.) Negrito nosso. A materialidade encontra-se demonstrada pela vasta documentação juntada aos autos, especialmente, demonstrativo de créditos tributários evadidos (ID 42860901 - Pág. 14), auto de infração e apreensão de mercadorias (ID 42860901 - Pág. 15-16), relação de mercadorias (ID 42860901 - Pág. 17), boletim de ocorrência (ID 42860901 - Pág. 18-20), documento de recolhimento do veículo (ID 42860901 - Pág. 21), comprovante de liberação do veículo (ID 42860901 - Pág. 22), termo de remoção do veículo (ID 42860901 - Pág. 23), representação fiscal para fins penais, Laudo de Perícia Criminal Federal nº 0276/2017-NUTEC/DPF/FIG/PR (Química Forense), referente a 01 embalagem de papel de coloração predominante verde, com as inscrições, dentre outras: “Dragon And Tiger Essential Balm”, contendo a presença de diversos princípios ativos, sendo que os majoritários foram MENTOL, CÂNFORA, CANFENO, PINENO, EUCALIPTOL e LIMONENO, estão de acordo com o conteúdo descrito na embalagem, além de óleos essenciais de hortelã e eucalipto, sendo um produto de origem estrangeira, não é um produto utilizado para fins abusivos, não são capazes de causar dependência física ou química que sejam relacionadas na Portaria 344 da ANVISA e suas atualizações, não está registrado no Brasil com o nome DRAGON AND TIGER ESSENTIAL BALM e por isso não pode ser comercializado no país, não apresenta adulterações ou falsificações, pode causar algum tipo de efeito colateral, são de uso tópico, sendo apropriado para uso em condições de resfriados, dores de cabeça, picadas de insetos, insolações, queimaduras, pruridos na pela e dores musculares, seu princípio ativo é permitido no Brasil, ainda que em medicamento de outra marca que foram descritos no ID 42860906 - Pág. 18. Acresça-se, ainda, que os laudos são taxativos ao concluir que os produtos apreendidos apresentam origem estrangeira, não possuem registro na Anvisa, bem como são de comercialização proibida no Brasil por ausência de registro. Dúvida não há, portanto, acerca da materialidade delitiva do tipo penal descrito no art. 273, §1º e §1ºB, incisos I, do Código Penal, conforme alhures demonstrado. Pela substanciosa quantidade de produtos apreendidos, no total de 3.000 unidades, não se sustenta eventual possibilidade de desclassificação para o delito de contrabando. No caso em tela, não é factível falar em pequena quantidade de medicamentos. Muito pelo contrário, a quantidade é de relevante monta, tendo havida nítida violação ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja a saúde pública em ambas as espécies delitivas. Também não se pode cogitar da insignificância da conduta. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância “decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (in http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491) Entretanto, o STJ 2.2.1) Da autoria A autoria de ambos os réus também é inconteste. Neste ponto anoto, de início, que o acusado foi preso em flagrante ARILSON foi preso em flagrante delito, transportando na BR 463, na altura do Posto Capey PRF, grande quantidade de pomadas (3000 unidades), além de outros produtos. Por ocasião de sua prisão em flagrante, bem como em juízo, ARILSON afirmou que transportava tudo o que tinha de mercadoria no veículo Gol, que estava conduzindo, porém não tinha visto o conteúdo dos produtos que foram carregados em seu veículo, antes do transportar iniciar-se. Desta feita, os elementos acima demonstram fartamente que o réu tinha conhecimento que estava transportando entorpecentes. Acrescente-se que, nitidamente, o réu conhecia o conteúdo do que transportava ou, ao menos, tinham potencial conhecimento de que se tratava de medicamentos, até mesmo por sua contumácia delitiva demonstrada pelo MPF. É o que preleciona a Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), quando o agente se coloca intencionalmente em estado de ignorância para poder alegar desconhecimento de situação fática que se afigura suspeita e de possível ilicitude, a qual, por sua vez, demonstra que o autor assumiu o risco gerado pela sua conduta, isto é, agiu com dolo eventual, a teor do que dispõe o artigo 18, inciso I, do Código Penal. Sobre o tema, vejamos a jurisprudência: DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS, ARMA E MUNIÇÕES. PENAS-BASE REDUZIDAS, PORÉM FIXADAS ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. QUANTIDADE DAS DROGAS. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. NATUREZA DOS ENTORPECENTES. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO DE CRIMES. 1. Materialidade, autoria, dolo e transnacionalidade dos delitos de tráfico de drogas, arma e munições comprovados. 2. Segundo a teoria da cegueira deliberada, o agente suspeita de alguma ilegalidade e procura evitar tal consciência para obter algum tipo de vantagem. Ao transportar uma carga em troca de expressiva quantia em dinheiro oferecida por um desconhecido, o réu submeteu-se ao risco de estar levando consigo drogas, armas ou qualquer outro produto proibido, ainda mais em se tratando de carga oriunda da região fronteiriça, conhecida por ser porta de entrada de mercadorias ilegais no país. Assim, no mínimo, agiu com dolo eventual, assumindo o risco de produção do resultado delitivo. 3. A importação e transporte da droga e do armamento deram-se numa mesma relação de contexto e se perfectibilizaram num único quadro de condutas, cuja base foi a introdução dos produtos ilícitos no território nacional, a partir do Paraguai, com intento de transportá-los até Curitiba/PR em troca de expressiva quantia de dinheiro. Aplicação da regra do concurso formal próprio de crimes. Precedentes. 4. O fato de as substâncias ilícitas terem sido acomodadas no compartimento do airbag, criando risco de morte em eventual acidente, deve ser considerado nas circunstâncias delitivas, e não na culpabilidade. 5. A quantidade apreendida - pouco mais de 30 kg - é significativa e justifica o incremento da pena-base. A quantidade de entorpecente é critério objetivo, prescindindo, portanto, da análise da intenção do agente, o qual deve ser considerado com preponderância pelo magistrado na dosimetria das penas. A grande quantidade de drogas denota que o delito perpetrado merece maior reprovação. 6. O juiz sentenciante não considerou a natureza da substância apreendida na primeira fase, mas apenas na terceira. Não havendo impugnação acerca do momento em que tais parâmetros foram considerados na dosimetria da pena, a sentença deve ser mantida no ponto. 7. Considerando que a cocaína e o crack são substâncias de alto poder viciante e causadoras de diversos malefícios à saúde dos usuários, fica mantido o quantum da aludida minorante em 1/6. 8. De modo a guardar proporcionalidade com a sanção corporal, a pena pecuniária deve ser reduzida. 9. O regime inicial permanece o semiaberto, tendo em vista o quantum da pena privativa de liberdade e as circunstâncias judiciais desfavoráveis. 10. Pelos mesmos motivos, descabida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. (TRF-4 - ACR: 50012314020154047004 PR 5001231-40.2015.404.7004, Relator: Revisor, Data de Julgamento: 01/12/2015, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 02/12/2015) Oportuno destacar que na região de fronteira, onde se encontra essa subseção, é notória e reiterada a prática do crime previsto no artigo 273, em suas diversas modalidades, motivo pelo qual a tese de erro de tipo não deve prosperar. Cumpre destacar que o réu afirmou ter aceitado a proposta, pelo que seria pago. Nesse ponto, há que se consignar que “a alegação de dificuldade financeira como motivo para o tráfico não é suficiente para a caracterização da inexigibilidade de conduta diversa (TRF5, AC 20048300005054-9/PE, Francisco Wildo, 1ª T., u., 9.12.04) ou do estado de necessidade (TRF5, AC 4.750/PE, Nilcéa Maggi, 28.11.06; TRF5, AC 20078100000096-8, Margarida Cantarelli, 4ª T., u., 21.8.07) (...)”. Nítido, portanto, o dolo do réu, pois ciente da ilicitude e reprovabilidade da conduta de transportar medicamento proibido em território nacional, oriundo do Paraguai. Por essas razões, condeno o réu pela prática do delito previsto no artigo 273, §1º e §1º-B, I, CP. Confirmada a materialidade e a autoria, passo à análise da adequação típica da conduta. A conduta imputada ao acusado está assim prevista no Código Penal, sendo certo que tais comportamentos revelam ofensa à saúde pública, na medida em que expõem a coletividade à ação de substâncias de uso proscrito ou controlado de conteúdo e origem desconhecida, sem autorização ou liberação da autoridade sanitária competente. O laudo anexado aos autos revelou que as substâncias apreendidas não eram registradas na ANVISA. Além disso, o laudo atesta não ser possível confirmar a autenticidade dos produtos, em razão de serem produtos estrangeiros/clandestinos, sem registro na Anvisa. Por outro lado, a expressiva quantidade de medicamentos apreendidos em poder do acusado aponta claramente a finalidade comercial, aliada à própria confissão do acusado, no sentido de que tinha tais produtos fins comerciais, que seriam entregues a uma pessoa de alcunha de GATO DE BOTAS, em Dourados-MS. É de conhecimento comum a existência de normas editadas pela Anvisa para a regulamentação da venda de medicamentos. Dúvida também não há de que o acusado tinha ciência da comercialização de substâncias que não possuíam registro perante esse órgão e, ainda, de que tal conduta era tipificada como crime, até mesmo por sua contumácia delitiva. Sobre o tema, valiosa a lição de Cezar Roberto Bitencourt: “O tipo subjetivo abrange todos os aspectos subjetivos do tipo de conduta proibida que, concretamente, produzem o tipo objetivo. O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral – dolo –, que, por vezes, é acompanhado de elementos especiais – intenções e tendências – , que são elementos acidentais. Os elementos subjetivos que compõem a estrutura do tipo penal assumem transcendental importância na definição da conduta típica. É através do animus agendi que se consegue identificar e qualificar a atividade comportamental do agente. Somente conhecendo e identificando a intenção – vontade e consciência – do agente poder-se-á classificar um comportamento como típico. Especialmente quando a figura típica exige também, para a corrente tradicional, o dolo específico, ou seja, o especial fim de agir.” (in Tratado de Direito Penal. V. 1. 12.ed. SP: Saraiva, 2008, p. 266.) Ainda segundo Cezar Roberto Bitencourt: “Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou na expressão de Welzel, “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito”. O dolo, elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo. Pela sua definição, constata-se que o dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento, é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem ele. A consciência elementar do dolo deve ser atual, efetiva, ao contrário da consciência da ilicitude, que pode ser potencial. Mas a consciência do dolo abrange somente a representação dos elementos integradores do tipo penal, ficando fora dele a consciência da ilicitude, que hoje está deslocada para o interior da culpabilidade. É desnecessário o conhecimento da configuração típica, sendo suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias à composição da figura típica. Enfim, em termos bem esquemáticos, dolo é a vontade de realizar o tipo objetivo, orientado pelo conhecimento de suas elementares no caso concreto.” (in Tratado de Direito Penal. V. 1. 12.ed. SP: Saraiva, 2008, p. 267.) Negrito nosso. Com efeito, afastada a ausência de dolo de ARILSON, consideradas as circunstâncias que envolveram o delito. Ora, a responsabilidade criminal não é excluída nos casos em que o agente escolhe permanecer ignorante quanto ao objeto do ilícito quando tinha condições de aprofundar o seu conhecimento. O dolo, após a Reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984, indubitavelmente se localiza no interior do tipo penal, e não como elemento da culpabilidade, entendimento hoje absolutamente superado. Nesta toada, o Código Penal pátrio adotou, como regra geral, para o concurso de pessoas a teoria monista ou unitária que não faz distinção entre autor e partícipe, sendo que todo aquele que concorre para o crime, causa-o em sua totalidade. Todavia, o art. 29, §1º do CP atenua o rigor da teoria monista trazendo a punibilidade diferenciada da participação de menor importância. Isto posto, a condenação pelo crime previsto no artigo 273, §1º e §1º B, I, do Código Penal, é medida de rigor. 2.3) Do concurso de crimes Conforme os fatos trazidos na inicial acusatória, bem como em vista do farto conjunto probatório carreado aos autos, entendo que os delitos previstos no artigo 334 CP e art. 273, §1º e §1º-B, I, do Código Penal foram praticados em concurso formal de crimes, em razão da unidade de desígnios do acusado que, em uma só ação, praticou os delitos acima discriminados, aplica-se o artigo 70 do Código Penal. Sobre o tema leciona Luiz Regis Prado: “Há concurso formal (ou ideal) quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. É indiferente a natureza dos delitos perpetrados. É possível o concurso formal mesmo entre delitos dolosos e culposos. Há concurso formal homogêneo quando os crimes se encontram descritos pela mesma figura típica, havendo diversidade de sujeitos passivos; e concurso formal heterogêneo quando os crimes se acham definidos em normas penais diversas.” (in Comentários ao Código Penal. 10.ed. SP: RT, 2015. p. 372.) Por todo o exposto nesta sentença e pela prova produzida ao longo da investigação e deste processo, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a pretensão punitiva para condenar ARILSON COSTA DE OLIVEIRA como incurso nas penas do artigos 334 e 273, §1º e 1º-B, I, do Código Penal. Passo, então, à dosimetria da pena, observando o disposto no art. 93, IX da CF/1988 e as diretrizes estabelecidas nos artigos 59 e 60 do Código Penal. 2.4) DOSIMETRIA 2.4.1) ART. 334 CP A pena prevista para a infração capitulada no art. 334 do Código Penal está compreendida entre 01 (um) e 04 (quatro) anos de reclusão. 1ª fase: Culpabilidade: adequada ao tipo. Antecedentes: alinho-me ao entendimento consagrado na Súmula nº 444 do STJ: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. No mais, o MPF não trouxe aos autos certidões de antecedentes criminais que possam agravar a pena-base do réu, pela presença dos antecedentes por ele informados em audiência de instrução e julgamento. Conduta Social: não há nada nos autos que o desabone. Personalidade: Não há como ser aferida. Motivos: normais. Circunstâncias: normais. Consequências normais à espécie. Então, à vista dos parâmetros do art. 59 do Código Penal, bem como do princípio da proporcionalidade, fixo a pena-base no mínimo legal, qual seja, em 01 ano de reclusão. Não há previsão de pena de multa no delito em questão. 2ª fase: O réu confessou o crime, mas a pena nesta fase não pode ficar aquém do mínimo legal. 3ª fase: Não há causas de diminuição ou aumento. Logo, resta a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 01 ano de reclusão, em regime aberto (art. 33, §2º, CP). Por sua vez, presentes os requisitos do art. 44 e seguintes do CP (com a redação dada pela Lei 9.714/98), SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE acima definida por UMA pena restritiva de direito, qual seja, proibição de frequentar região de fronteira entre Ponta Porã-MS e Pedro Juan Caballero, por 1 ano (interdição temporária de direito). Justifico a escolha, em razão de ser adequada à prática delitiva, de jaez fronteiriço, bem como porque o ré declarou em juízo que está desempregado e que sua renda mensal é de R$500,00, sendo que possui 02 filhas de 6 e 7 anos. Incabível o sursis da pena nos termos do art. 77 do CP. Na eventualidade de revogação dessa substituição, o condenado deve iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto, sob as condições gerais obrigatórias e outras a critério do Juízo das Execuções. 2.4.2) 273,§1º e §1º-B, I, CP 1ª Fase – circunstâncias judicias. Na primeira fase de fixação da pena examino as circunstâncias judiciais somente do artigo 59 do Código Penal. No caso, há prova de que o réu detinha, ao tempo da infração penal, capacidade de entender o caráter criminoso do delito e de que a conduta praticada é nitidamente reprovada pela sociedade. No entanto, nenhum outro aspecto é capaz de demonstrar que a ação, embora criminosa, ultrapassa o plano da razoabilidade em situações como esta, apresentando, portanto, culpabilidade normal à espécie. Quanto aos antecedentes, trata-se de requisito objetivo que impede qualquer análise subjetiva do julgador. No tocante à conduta social e à personalidade do acusado, nada digno de nota foi constatado, além do desvio que o levou à prática delitiva. Ademais, não se destaca do conjunto probatório motivo relevante para a prática do crime, além da possibilidade de lucro fácil, não havendo falar-se em influência do comportamento da vítima, pois o sujeito passivo do crime é a coletividade (sendo o bem jurídico protegido a saúde pública) e não pessoa determinada. As circunstâncias e consequências do crime ligam-se intimamente com a natureza e a quantidade de substâncias apreendidas (no caso deste delito a pomada Dragon and Tiger) com o acusado, dizendo respeito, basicamente, às condições de tempo, modo e lugar em que praticado o delito e ao mal dele decorrente. De fato, o acusado foi preso por importar, manter em depósito e comercializar imensa quantidade da referida pomada. Todos os produtos apreendidos tinham procedência estrangeira e não apresentavam registro perante a Anvisa. Os produtos apreendidos, embora admitissem uso tópico, eram comercializados sem observância das quantidades estabelecidas pela ANVISA, certificação de origem e autorização para produção, tais circunstâncias poderiam levar a efeito colateral. A imensa quantidade de mercadorias apreendidas recomenda o aumento da sua pena inicial em razão das circunstâncias e consequências do crime. Assim, e considerando as penas abstratamente cominadas no preceito secundário, estabeleço a pena-base em 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão a quantidade de 10 (setecentos e cinquenta) dias-multa, fixando o valor de cada dia-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente na data do fato. 2ª fase – Circunstâncias atenuantes e agravantes. Passo à análise da confissão (art. 65, III, d, do Código Penal). Com efeito, o Código Penal não determina o "quantum" da redução, ficando ao critério do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime, inclusive da confissão qualificada. Destarte, considerando a confissão em juízo do réu, que foi utilizada para sua condenação, reduzo a pena deste, fixando-a em 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa fixando o valor de cada dia-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente na data do fato. 3ª fase – Causas de diminuição e causas de aumento. Em seguida, passo a avaliar as causas de aumento e diminuição da pena. Na linha defendida pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior (in Aplicação da Pena. 5. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.106), aplico primeiro as causas de aumento, depois as de diminuição. Apesar de aplicar o preceito secundário do delito de tráfico de drogas, entendo que seria interpretação in malam partem e violação ao princípio da reserva legal em matéria penal aplicar a majorante do art. 40, I da Lei de Drogas na hipótese do delito previsto no art. 273, §1º e §1º-B, I, do Código Penal. Como já tratado alhures, não incide no caso a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06. Referido dispositivo tem a seguinte redação: § 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Todos esses requisitos devem estar presentes cumulativamente para o reconhecimento desta causa de diminuição de pena, no patamar de 2/3. No caso dos autos, não há evidência de que o réu dedicava-se de forma reiterada à importação de medicamento. Assim, fixo a pena definitiva, pelo delito previsto no 273, §1º e 1º-B, I, do Código Penal, em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 03 (três) dias-multa fixando o valor de cada dia-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente na data do fato, em regime aberto. Por sua vez, presentes os requisitos do art. 44 e seguintes do CP (com a redação dada pela Lei 9.714/98), SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE acima definida por DUAS penas restritivas de direito, quais sejam: interdição temporária de direitos consistente na proibição de sair do país pelo período de 01 (hum) ano, especialmente proibição de frequentar a cidade de Dourados-MS (art. 47, IV, CP) e prestação de serviço à comunidade pelo período de 01 ano, em instituição a ser definida pelo Juízo de Execuções penais. Incabível o sursis da pena nos termos do art. 77, III do CP. 3) DISPOSITIVO Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal descrita na denúncia para CONDENAR ARILSON COSTA DE OLIVEIRA, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do: 3.1) artigo 334 do Código Penal à pena privativa de liberdade de 01 ano de reclusão, em regime aberto (art. 33, §2º, CP). Por sua vez, presentes os requisitos do art. 44 e seguintes do CP (com a redação dada pela Lei 9.714/98), SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE acima definida por UMA pena restritiva de direito, qual seja, proibição de frequentar região de fronteira entre Ponta Porã-MS e Pedro Juan Caballero, por 1 ano (interdição temporária de direito). Justifico a escolha, em razão de ser adequada à prática delitiva, de jaez fronteiriço, bem como porque o ré declarou em juízo que está desempregado e que sua renda mensal é de R$500,00, sendo que possui 02 filhas de 6 e 7 anos. Incabível o sursis da pena nos termos do art. 77 do CP. Na eventualidade de revogação dessa substituição, o condenado deve iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto, sob as condições gerais obrigatórias e outras a critério do Juízo das Execuções. 3.2) no 273, §1º e 1º-B, I, do Código Penal, em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 03 (três) dias-multa fixando o valor de cada dia-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente na data do fato, em regime aberto. Por sua vez, presentes os requisitos do art. 44 e seguintes do CP (com a redação dada pela Lei 9.714/98), SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE acima definida por DUAS penas restritivas de direito, quais sejam: interdição temporária de direitos consistente na proibição de sair do país pelo período de 01 (hum) ano, especialmente proibição de frequentar a cidade de Dourados-MS (art. 47, IV, CP) e prestação de serviço à comunidade pelo período de 01 ano, em instituição a ser definida pelo Juízo de Execuções penais. Incabível o sursis da pena nos termos do art. 77, III do CP. Regime inicial: aberto. 3.3) Na forma do art. 92, III do CP, determino a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor até o término total do cumprimento da pena, tendo em vista que o CONTRABANDO e a IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS foram crimes cometidos na direção de um veículo, sendo tal medida necessária e adequada para inibir a reiteração delitiva e, até mesmo, novo envolvimento do sentenciado com prática criminosa similar. 3.4) Disposições Gerais Nos termos do artigo 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal, com redação conferida pela Lei nº 11.719/2008, saliento que não se encontram presentes os requisitos para o decreto de prisão preventiva, podendo o réu recorrer em liberdade. Deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, de acordo com o inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Civil, tendo em vista que os créditos tributários são passíveis de cobrança através de execução fiscal. Decreto o perdimento do veículo e das mercadorias e medicamentos apreendidos em favor da União. Quanto aos medicamentos apreendidos, determino que seja reservada quantia mínima para realizar contraprova até o advento do trânsito em julgado, devendo a quantia residual ser destruída e, em seguida, apresentado neste feito o auto de destruição. Isento o réu das custas processuais por estar desempregado. Dê-se vista dos autos para o Ministério Público Federal, consignando que o prazo para eventual recurso terá início na data de entrada dos autos na instituição. Após o trânsito em julgado desta sentença: lance-se o nome da ré no rol dos culpados, fazendo-se as demais anotações, comunicações pertinentes aos órgãos responsáveis pelas estatísticas criminais (art. 15, III, da CF) e arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. VITOR FIGUEIREDO DE OLIVEIRA Juiz Federal Substituto ,
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Processo nº 5003250-76.2021.4.03.6344
ID: 283733582
Tribunal: TRF3
Órgão: 2º Núcleo de Justiça 4.0
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5003250-76.2021.4.03.6344
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL FERNANDO PIZANI
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO Núcleos de Justiça 4.0 INFORMAÇÕES: https://www.trf3.jus.br/justica-40 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5003250-76.2021.4.03.6344 / 2º Núc…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO Núcleos de Justiça 4.0 INFORMAÇÕES: https://www.trf3.jus.br/justica-40 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5003250-76.2021.4.03.6344 / 2º Núcleo de Justiça 4.0 AUTOR: CLAUDEMIR IDESTI Advogado do(a) AUTOR: DANIEL FERNANDO PIZANI - SP206225 REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA Vistos em Inspeção. Trata-se de ação ajuizada em face do INSS por meio da qual a parte autora pretende a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição desde a data da concessão (25/08/2016), mediante o reconhecimento do(s) período(s) como exercido(s) em condições especiais. Subsidiariamente, pugnou pela reafirmação da DER. Dispensado o relatório (art. 38 da Lei n. 9.099, de 1995). Fundamento e decido. Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita. Os Núcleos de Justiça 4.0 da Justiça Federal da 3ª Região são competentes em razão da matéria para processar e julgar o feito, conforme previsto no art. 33 do Provimento CJF3R n. 103, de 2024. No mesmo sentido, o valor da causa não ultrapassa a alçada prevista no art. 3°, § 2°, da Lei n. 10.259, de 2001. Assim, afirmo a competência deste Núcleo de Justiça 4.0 da Justiça Federal da 3ª Região para processar e julgar a presente demanda. Registro, ainda, a presença do interesse de agir, porquanto houve requerimento administrativo, o qual foi indeferido. Por fim, de acordo com o art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213, de 1991, prescrevem em cinco anos, da data em que deveriam ser pagas, as pretensões para haver prestações vencidas, restituições ou diferenças, razão pela qual eventuais prestações vencidas em período anterior há cinco anos a contar da data do ajuizamento da ação estão atingidas pela prescrição. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao julgamento de mérito. Do tempo especial A previsão de atividades especiais para fins previdenciários surge com a edição da Lei n. 3.807, de 05/09/1960, cujo art. 31 prescrevia que “A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para êsse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo”. Os parâmetros para o reconhecimento de atividades especiais permaneceram os mesmos com a edição da Lei n. 5.890, de 1973, cujo artigo 9º previa que “A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 5 (cinco) anos de contribuição, tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo”. Essa legislação foi recepcionada pela CF de 1988, nos termos do art. 201, § 1º, que também passou a ser o fundamento de validade para a legislação posteriormente editada, e contava com o seguinte teor: § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. Com a edição da Lei n. 8.213, de 1991, a matéria foi objeto do caput do art. 57, nos seguintes termos: “A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Observe-se que, até então, a legislação permitiu o reconhecimento do tempo especial de trabalho seja pela exposição a agentes nocivos que prejudicassem a saúde ou a integridade física, seja pelo exercício de atividade profissional. Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos n. 53.831, de 1964 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080, de 1979 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal. Contudo, com a edição da Lei n. 9.032, de 29/04/1995, o art. 57, caput da Lei n. 8.213 deixou de prever o reconhecimento de tempo especial de trabalho em virtude do exercício de atividade profissional, haja vista que esse menção foi excluída do seu texto, a conferir: “A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”. Por fim, a EC n. 103, de 2019, publicada em 13/11/2019, promoveu alterações na matriz constitucional do tema, ao alterar a redação do § 1º do art. 201, nos seguintes termos: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: […] § 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: […] II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. A principal alteração do novo texto constitucional foi a expressa exclusão do reconhecimento da atividade especial por exercício de profissão ou ocupação, bem com a exclusão do risco à integridade física como parâmetro para a caracterização do tempo especial de trabalho. Ademais, note-se que os textos legais que se sucederem sempre remeteram a regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo a elaboração de rol de atividades e agentes nocivo os quais, observados no exercício profissional, teriam a aptidão de caracterizar o tempo especial de atividade. Nesse sentido, a jurisprudência consolidou o entendimento de que os regulamentos que trataram da matéria são os seguintes: - Anexo do Decreto n. 53.831/64 e Anexo I do Decreto n. 83.080/79, vigentes até 05/03/1997; - Anexo IV do Decreto n. 2.172/97, vigente de 06/03/1997 a 06/05/1999; - Anexo IV do Decreto n. 3.048/99, vigente a partir de 07/05/1999. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n. 53.831, de 1964 (Quadro Anexo - 1ª parte) e 83.080, de 1979 (Anexo I) até 05/03/97, o Decreto n. 2.17, de 1997 (Anexo IV) no período compreendido entre 06/03/1997 e 06/05/1999, por fim, a partir de 07/05/1999, deve ser observado o anexo IV do Decreto n. 3.048, de 1999, sem prejuízo de verificação da especialidade por outro agente nocivo no caso concreto. Em face da sucessão de diplomas legais e infralegais, a jurisprudência também se pacificou no sentido de que, para configuração de tempo especial de atividade, o operador do direito deve observar o regulamento vigente no momento do labor, acolhendo dessa forma o princípio do tempus regit actum (STJ, REsp 1.310.034/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJ 19/12/2012). A aplicação prática desse entendimento jurisprudencial pode ser observada na análise da exposição ao agente nocivo ruído, em relação a qual, após longo embate jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça, órgão ao qual cabe a interpretação final em matéria de legislação infraconstitucional, fixou os parâmetros aplicáveis, em julgamento em sede de recursos repetitivos que recebeu a seguinte ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC. 2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ. Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo da especialidade do período controvertido não prejudica a concessão da aposentadoria integral. 4. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. (REsp 1398260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014). Dessa forma, em relação à exposição ao agente nocivo ruído, os limites de tolerância restaram assim definidos na jurisprudência: - 80 decibéis, nas atividades de trabalho ocorridas até 05/03/1997; - 90 decibéis, entre 06/03/1997 e 18/11/2003; - 85 decibéis, a partir de 19/11/2003. Ainda nesta seara da análise, oportuno relembrar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo n. 998, fixou entendimento sobre a possibilidade de considerar como tempo de atividade especial os afastamentos relativos a períodos de gozo de auxílio-doença (previdenciário ou acidentário), ocorridos durante vínculo laboral considerado tempo de atividade especial. Em conclusão a este tópico, o reconhecimento de tempo de atividade especial deve observar os seguintes parâmetros: - é possível o reconhecimento de tempo de atividade especial a partir de 05/09/1960; - o reconhecimento de tempo de atividade especial deve ser feito com fundamento nos regulamentos vigentes no momento do labor; - o reconhecimento de tempo de atividade especial decorrente do exercício de profissão é possível para o trabalho realizado até 28/04/1995; - a partir de 29/04/1995, apenas haverá reconhecimento de tempo de atividade especial em virtude de exposição aos agentes nocivos previstos em regulamento; - a partir de 13/11/2019 não há mais fundamento constitucional para o reconhecimento legislativo ou jurisprudencial de tempo de atividade especial decorrente de riscos à integridade física. - o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial. Comprovação do tempo de atividade especial de trabalho Os entendimentos sobre a forma de comprovação do tempo de atividade especial estão consolidados na jurisprudência pátria. Conforme entendimento dos nossos tribunais, até a publicação da MP n. 1.523, em 14/10/1996 (posteriormente convertida em Lei n. 9.528, de 1997), a comprovação da exposição a agentes nocivos e o exercício de categorias profissionais que ensejavam o reconhecimento da atividade especial deveria ser feito mediante a apresentação dos formulários previstos na legislação previdenciária (SB-40, DSS-8030, etc.). Com a edição da referida medida provisória, foi incluído no art. 58 da Lei n. 8213, de 1991 o § 1º, que dispunha que a “A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho”. Assim sendo, a partir de 14/10/1996 a comprovação do exercício de atividade especial deve necessariamente ser realizada por prova técnica pericial, seja pela apresentação do laudo técnico de condições ambientais de trabalho, seja mediante a apresentação de formulário emitido com base em laudo técnico. Atualmente, o formulário que cumpre essa função é o perfil profissiográfico previdenciário (PPP), cuja emissão é obrigatória a partir de 01/01/2004. Anoto, ainda, que a comprovação de exposição aos agentes nocivos ruído e calor sempre exigiu fundamento em laudo técnico, sem o qual o reconhecimento do tempo de atividade especial resta impossibilitado. (Precedente: STJ, AgRg no AREsp 643.905/SP, 2ª TURMA, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 01/09/2015) Ruído Em relação à comprovação de exposição ao agente nocivo ruído, observo a existência de entendimento pacificado na Turma Nacional de Uniformização que, no julgamento do PEDILEF n. 0505614-83.2017.4.05.8300 (Tema 174), firmou tese sobre os requisitos para elaboração do PPP, nos seguintes termos: (a) "A partir de 19 de novembro de 2003, para a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma"; (b) "Em caso de omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada na medição, bem como a respectiva norma". Complementando o Tema 174, em 26/06/2024 foi julgado o Tema TNU Representativo de Controvérsia 317: (i) A menção à técnica da dosimetria ou ao dosímetro no PPP enseja a presunção relativa da observância das determinações da Norma de Higiene Ocupacional (NHO-01) da FUNDACENTRO e/ou da NR-15, para os fins do Tema 174 desta TNU; (ii) Havendo fundada dúvida acerca das informações constantes do PPP ou mesmo omissão em seu conteúdo, à luz da prova dos autos ou de fundada impugnação da parte, de se desconsiderar a presunção do regular uso do dosímetro ou da dosimetria e determinar a juntada aos autos do laudo técnico respectivo, que certifique a correta aplicação da NHO 01 da FUNDACENTRO ou da NR 15, anexo 1 do MTb. Sobre a eficácia dos laudos periciais extemporâneos, observo a existência de entendimento jurisprudencial consolidado, conforme tese firmada pela TNU no julgamento do PEDILEF n. 2008.72.59.003073-0 (Tema 14), no seguinte sentido: “Na aposentadoria especial a apresentação de laudo pericial extemporâneo não afasta sua força probante, desde que não modificadas as condições do ambiente”. Posteriormente, o tema foi revisitado e confirmado pela TNU, no julgamento do PEDILEF n. 0500940-26.2017.4.05.8312 (Tema 208), sendo firmadas as seguintes teses: 1. Para a validade do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) como prova do tempo trabalhado em condições especiais nos períodos em que há exigência de preenchimento do formulário com base em Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), é necessária a indicação do responsável técnico pelos registros ambientais, sendo dispensada a informação sobre monitoração biológica. 2. A ausência da informação no PPP pode ser suprida pela apresentação de LTCAT ou por elementos técnicos equivalentes, cujas informações podem ser estendidas para período anterior ou posterior à sua elaboração, desde que acompanhados da declaração do empregador sobre a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo. Por fim, adoto o entendimento de que, nas situações em que se busca o reconhecimento do tempo de atividade especial por exercício de categoria profissional (até 28/04/1995), a ausência de formulários previstos nos regulamentos previdenciários pode ser suprida por prova testemunhal consistente, coincidente com início razoável de prova material, a teor do que dispõe o art. 55, § 3º da Lei n. 8213, de 1991. Feitas essas observações, concluo que a análise probatória do tempo de atividade especial deve seguir os seguintes parâmetros: - em regra, o tempo de atividade especial deve ser comprovado mediante apresentação dos formulários previstos na legislação previdenciária (SB-40, DSS-8030, PPP, etc.), sendo o PPP obrigatório a partir de 01/01/2004; - o trabalho especial exercido a partir de 14/10/1996 deve ser comprovado por laudo técnico pericial ou formulário que seja baseado em laudo dessa natureza; - o trabalho especial por exposição aos agentes nocivos ruído e calor deve ser comprovado por laudo técnico pericial ou formulário nele baseado, independentemente da data de prestação do trabalho; - a demonstração da exposição ao agente nocivo ruído a partir de 19/11/2003 exige a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, informadas em PPP ou laudo técnico; - o laudo técnico extemporâneo tem efeito probatório, desde que declarada pelo empregador a manutenção das condições ambientais de trabalho; - para comprovação do tempo especial mediante enquadramento por categoria profissional, o formulário de atividades pode ser substituído por prova testemunhal consistente que corrobore início razoável de prova material. Uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e tempo de atividade especial O uso de EPI como fator para o reconhecimento de tempo de atividade especial foi introduzido em nossa legislação a partir da entrada em vigor da Medida Provisória n. 1729, em 03/12/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9732, de 1998. Com sua edição, foi incluído o § 2º ao art. 58 da Lei n. 8.213, nos seguintes termos: § 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. De especial importância para a análise do tema é o julgamento do ARE n. 664.335 pelo Supremo Tribunal Federal, pela sistemática processual de repercussão geral, em que foram fixadas as seguintes teses: I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Dessa forma: - se o uso do EPI for capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo para a aposentadoria especial; - especificamente em relação ao agente nocivo “ruído”, a exposição a limites superiores aos patamares legais caracteriza o tempo especial para aposentadoria, independentemente da utilização de EPI. Sobre os critérios de aferição da eficácia do Equipamento de Proteção Individual na análise do direito à aposentadoria especial ou à conversão de tempo especial em comum foi fixada a seguinte tese no Tema TNU 213: I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz pode ser fundamentadamente desafiada pelo segurado perante a Justiça Federal, desde que exista impugnação específica do formulário na causa de pedir, onde tenham sido motivadamente alegados: (i.) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii.) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii.) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv.) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação; ou (v.) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI. II - Considerando que o Equipamento de Proteção Individual (EPI) apenas obsta a concessão do reconhecimento do trabalho em condições especiais quando for realmente capaz de neutralizar o agente nocivo, havendo divergência real ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia, provocadas por impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial. Agentes cancerígenos Em relação à temática do uso de EPI, interessa ainda discutir as situações de exposição a agentes nocivos previstos nos regulamentos previdenciários, e que tenham ação cancerígena reconhecida em relação a humanos. O INSS, em sua Instrução Normativa n. 77, de 2015, reconheceu que “para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999” (art. 284, parágrafo único). As substâncias que têm a dupla previsão (anexo IV do Decreto n. 3048, de 1999 e Portaria Interministerial n. 9, de 2014), são as seguintes: ANEXO IV – DEC. 3048/99 CÓDIGO PORTARIA INTERMINISTERIAL 09/2014 Arsenio e seus compostos 1.0.1 Arsenio e seus Compostos Inorganicos Asbesto (Amianto) 1.0.1 Asbesto ou Amianto todas as formas Benzeno e seus compostos 1.0.3 Benzeno, Benzidina, Benzopireno Berilio e seus compostos 1.0.4 Berilio e seus Compostos Cadmio e seus compostos 1.0.6 Cadmio e compostos de Cadmio Carvão Mineral e seus compostos 1.0.7 Breu, Alcatrão de hulha Cloro e seus Compostos 1.0.9 Bifenis policlorado Cromo e seus Compostos 1.0.10 Compostos de Cromo Fósforo e seus Compostos 1.0.12 Fósforo 32, como fosfato Petróleo, Xisto Betuminoso, gás natural 1.0.7 Óleos de Xisto Silica Livre 1.0.18 Poeiras de Silica cristalina como Quartzo Aminas Aromáticas 1.0.19 2-Naftalinas Azatioprina 1.0.19 Azatioprina Bis (cloretil) éter 1.0.19 Eter bis(clorometílico) éter metílico de clorometila Ciclofosfamida 1.0.19 Ciclofosfamida Clorambucil 1.0.19 Clorambucil Dietilestil-bestrol 1.0.19 Dietilestil-bestrol Benzopireno 1.0.19 Benzopireno Bis (clorometil) éter 1.0.19 éter bis(clorometílico) éter metílico de clorometila Bisclorometil 1.0.19 éter bis(clorometílico) éter metílico de clorometila Fenacetina 1.0.19 Fenacetina Metileno-ortocloroanilina (MOCA) 1.0.19 4,4’-Metileno bis (2 metileno cloroanilina)(Moca) Ortotoluidina 1.0.19 Ortotoluidina 1.3 Butadieno 1.0.19 1.3 Butadieno Óxido de Etileno 1.0.19 Óxido de Etileno Benzidina 1.0.19 Benzidina Betanaftalina 1.0.19 Betanaftalina Dessa forma, referidos agentes nocivos, quando contatados no exercício da atividade laboral, tornam essa atividade especial para fins previdenciários, independentemente do uso de EPI, os quais são reconhecidos pelo INSS como ineficazes. Em conclusão, a análise sobre os efeitos do uso de EPI em relação às atividades especiais deve seguir as seguintes balizas: - a demonstração de exposição a agente nocivo, antes de 03/12/1998, caracteriza a atividade especial, sendo impertinente a discussão sobre uso de EPI; - a partir de 03/12/1998, a declaração de empregador sobre o uso de EPI eficaz afasta a natureza especial da atividade, com exceção do agente nocivo ruído, cabendo ao segurado a inversão dessa presunção por meio de prova hábil; - a demonstração de exposição a ruído em limites excedentes aos patamares previstos na legislação caracteriza a atividade especial, em qualquer época, independentemente do uso de EPI; - o uso de EPI não elide o caráter especial de atividade desenvolvida a partir de 07/10/2014, quando constatada a exposição a agentes nocivos cancerígenos previstos no Anexo IV do Decreto n. 3048, de 1999 e na Portaria Interministerial n. 9, de 2014. Agente Calor Quanto ao agente físico calor, a análise da agressividade do agente é sempre quantitativa (a exemplo do que se dá com outros agentes físicos, como o frio e o ruído), e não qualitativa, de modo que não basta a exposição do trabalhador ao agente no ambiente de trabalho, devendo ser aferida a intensidade. Em relação ao agente agressivo calor, até 05/03/1997 (véspera da publicação do Decreto n. 2.172, de 1997), considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição ao calor superior a 28ºC (código 1.1.1 do anexo do Decreto n. 53.831, de 1964). A partir de 06/03/1997, o agente nocivo calor passou a ser considerado insalubre, conforme item 2.0.4 do Anexo IV dos Decretos n. 2.172, de 1997 e n. 3.048, de 1999, para as hipóteses de exposição a temperaturas acima dos limites de tolerância estipulados na NR-15, da Portaria n. 3.214, de 1978, de acordo com o tipo de atividade desenvolvida (leve, moderada ou pesada) e com o regime de trabalho. A NR-15 traz em seu quadro n. 01 os limites de tolerância permitidos para a exposição ao agente calor: QUADRO N. 1 (115.006-5/ I4) Regime de Trabalho Intermitente com Descanso no Próprio Local de Trabalho (por hora) TIPO DE ATIVIDADE LEVE MODERADA PESADA Trabalho contínuo até 30,0 até 26,7 até 25,0 45 minutos trabalho 15 minutos descanso 30,1 a 30,6 26,8 a 28,0 25,1 a 25,9 30 minutos trabalho 30 minutos descanso 30,7 a 31,4 28,1 a 29,4 26,0 a 27,9 15 minutos trabalho 45 minutos descanso 31,5 a 32,2 29,5 a 31,1 28,0 a 30,0 Não é permitido o trabalho sem a adoção de medidas adequadas de controle acima de 32,2 acima de 31,1 acima de 30,0 A mesma norma (NR-15) dispõe, em seu quadro nº 03, acerca dos critérios para aferição do tipo de atividade exercida: QUADRO N. 3 TAXAS DE METABOLISMO POR TIPO DE ATIVIDADE (115.008-1/I4) TIPO DE ATIVIDADE Kcal/h SENTADO EM REPOUSO 100 TRABALHO LEVE Sentado, movimentos moderados com braços e tronco (ex.: datilografia). Sentado, movimentos moderados com braços e pernas (ex.: dirigir). De pé, trabalho leve, em máquina ou bancada, principalmente com os braços. 125 150 150 TRABALHO MODERADO Sentado, movimentos vigorosos com braços e pernas. De pé, trabalho leve em máquina ou bancada, com alguma movimentação. De pé, trabalho moderado em máquina ou bancada, com alguma movimentação. Em movimento, trabalho moderado de levantar ou empurrar. 180 175 220 300 TRABALHO PESADO Trabalho intermitente de levantar, empurrar ou arrastar pesos (ex.: remoção com pá). Trabalho fatigante 440 550 Cumpre ressaltar que a exposição ao calor deve ser avaliada através do “Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo” – IBUTG, conforme disposto no Anexo nº 03 (Limites de tolerância para exposição ao calor) da referida NR-15. Já a partir de 19/11/2003, quando da vigência do Decreto n. 4.882, de 2003, que incluiu o §11 no art. 68 do Decreto n. 3.048, de 1999 (§ 11. “As avaliações ambientais deverão considerar a classificação dos agentes nocivos e os limites de tolerância estabelecidos pela legislação trabalhista, bem como a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO”) e após a alteração promovida pelo Decreto n. 8.123, de 2013, que incluiu o §12 no Decreto n. 3.048, de 1999 (§12. “Nas avaliações ambientais deverão ser considerados, além do disposto no Anexo IV, a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO”), a medição do calor deve ocorrer em conformidade com que preconiza a NHO 06 da Fundacentro (órgão do Ministério do Trabalho). No ponto, destaco que a NHO 06 conta com duas edições, sendo a primeira delas original de 2002 (e, portanto, aplicável para fins de enquadramento especial a partir da vigência do Decreto n. 4.882, de 2003) e a NHO 06, com 2ª edição em 2017 (e, portando, aplicável a partir 01/01/2018), as quais estabelecem os procedimentos para aferição do nível de calor a partir do IBUTG, taxa metabólica do trabalhador por atividade desenvolvida, vestuário, ambiente, equipamentos para medição, procedimentos de conduta do avaliador etc. Por fim, destaco que o Anexo III da NR 15 foi alterado pela Portaria SEPRT n. 1.359, de 09/12/2019, com vigência a partir de sua publicação em 11/12/2019. Em resumo, passa a haver direito ao enquadramento especial se o IBUTG médio do trabalhador (apurado nos moldes da NHO 06 e devidamente indicado no PPP) for superior ao IBUTG-MÁX indicado no Quadro 1 no anexo em questão frente a taxa metabólica da atividade exercida pelo empregado (M) – obtida a partir do Quadro 2 do mesmo anexo. Em resumo: i) até 05/03/1997, considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição ao calor superior a 28ºC; ii) de 06/03/1997 a 18/11/2003, o calor deve ser indicado em IBUTG e apurado com medição nos moldes previstos no Anexo III da NR 15 (redação original), bem como com base nos limites de tolerância estabelecidos a partir do quadro n. 01 e quadro n. 03 do mesmo anexo; iii) de 19/11/2003 a 10/12/2019, o calor deve ser indicado em IBUTG apurado com medição nos moldes previstos na NHO 06 da Fundacentro, observados os limites de tolerância estabelecidos a partir do quadro n. 01 e quadro n. 03 Anexo III da NR 15, em sua redação original; iv) a partir de 11/12/2019, o calor deve ser indicado em IBUTG apurado com medição nos moldes previstos na NHO 06 da Fundacentro, observados os limites de tolerância estabelecidos a partir dos quadros n. 01 e 02 do Anexo n. 03 da NR15, com a redação dada pela Portaria SEPRT n. 1.359, de 2019. Ademais, cumpre salientar também que o PPP ou formulário próprio deve indicar no campo destinado à técnica de apuração do agente nocivo a estrita observância aos procedimentos previstos na NR 15 (entre 06/03/1997 a 18/11/2003) ou na NHO 06 (a partir de 19/11/2003), não sendo o bastante que haja a mera indicação do calor em IBUTG, a qual não é suficiente para concluir que o laudo técnico das condições do ambiente de trabalho – LTCAT tenha sido elaborado com observância da metodologia e dos procedimentos previstos de acordo com os normativos vigentes à época da prestação laboral. Com efeito, a menção ao IBUTG não revela, por si só, a medição do calor nos termos das normas competentes, podendo significar, por exemplo, a utilização da metodologia da NR-15 quando não mais admitida a partir de 19/11/2003 em razão do disposto no Decreto n. 4.882, de 2003. Ademais, quanto ao tema, é do segurado o ônus da prova de que a medição se deu observando a metodologia e os procedimentos descritos no Anexo III da NR 15 (em sua redação original) ou de acordo com a Norma de Higiene Ocupacional - NHO-06 da FUNDACENTRO, tratando-se de fato constitutivo do direito, justamente por não gerar a indicação do calor em IBUTG a presunção de observância da norma pertinente. Esse fato será impeditivo do direito, constituindo, portanto, ônus do INSS prová-lo, se o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP aludir, pelo menos, a respectiva técnica de acordo com a data da prestação do labor. Conversão de tempo especial em comum O art. 201, § 14 da CF, com a redação dada pela EC n. 103, de 2019, prescreve que “é vedada a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito de concessão dos benefícios previdenciários e de contagem recíproca”. Contudo, a EC n. 103, de 2019 previu regras de transição no tratamento da matéria. Confira-se: Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal. […] § 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data. A possibilidade de conversão do tempo de atividade especial em tempo comum está prevista no art. 57 da Lei n. 8213, de 1991, que em seu § 5º dispõe: § 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. Observo que o § 2º do art. 25 da EC n. 103, de 2019, não condiciona a conversão do tempo especial em comum à existência de direito adquirido à aposentadoria na data de publicação da emenda. O dispositivo constitucional proíbe a conversão apenas para o tempo cumprido após a entrada em vigor da emenda constitucional. Logo, a contrario sensu, sempre será possível a conversão do tempo especial em comum, desde que anterior à entrada em vigor da emenda, ainda que o direito se constitua após essa data. Assim sendo, conclui-se que é possível a conversão em tempo comum do tempo de atividade especial exercido até 12/11/2019, para fins de aposentadoria, independentemente do momento de atendimento dos requisitos para a concessão do benefício. Trabalho rurícola como tempo especial Quanto ao enquadramento da atividade rurícola como tempo especial, pela categoria profissional de “trabalhadores na agropecuária", contida no item 2.2.1 do anexo ao Decreto n.º 53.831/64, a parte autora deve comprovar que a atividade era exclusivamente de natureza agropecuária (AgInt no AREsp 928.224/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 8/11/2016). Relevante anotar que o tempo de trabalho, na condição de empregado rural, prestado para empregador pessoa física, não é passível de enquadramento em razão da inexistência de obrigatoriedade de recolhimento das contribuições a ele correspondentes. Na mesma esteira, as atividades agrícolas desempenhadas em terras de família, em terras próprias ou arrendadas não permitem enquadramento como tempo de atividade especial. Ainda, o STJ possui entendimento no sentido de que nos termos do Decreto 53.831/1964, somente se consideram nocivas as atividades desempenhadas na agropecuária por outras categorias de segurados, não sendo possível o enquadramento como especial da atividade exercida na lavoura pelo segurado especial em regime de economia familiar, uma vez que os segurados especiais (rurícolas) já são contemplados com regras específicas que buscam protegê-los das vicissitudes próprias das estafantes atividades que desempenham, assegurando-lhes, de forma compensatória, a aposentadoria por idade com redução de cinco anos em relação aos trabalhadores urbanos; a dispensa do recolhimento de contribuições até o advento da Lei n. 8.213/91; e um menor rigor quanto ao conteúdo dos documentos aceitos como início de prova material. (Precedentes: AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 13/03/2013; AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, DJe 09/11/2011; REsp 1.309.245/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, julgado em 6/10/2015, DJe 22/10/2015; AgInt no AREsp 860.631/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em 7/6/2016, DJe 16/6/2016). A TNU havia firmado entendimento de que, por analogia, os trabalhadores rurais que exercessem atividades agrícolas como empregados em empresas agroindustriais e agrocomerciais, fariam jus ao cômputo de suas atividades como tempo de serviço especial (Tema 156 TNU). Neste contexto, atividades exercidas em firmas agropecuárias, bem como na agroindústria (corte de cana, usinas de álcool) realizadas anteriormente a 28/04/95 seriam passíveis de reconhecimento por enquadramento na categoria profissional, com base no código 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64. Entretanto, sobreveio orientação jurisprudencial no sentido de que a expressão “trabalhadores na agropecuária” não contemplaria trabalhadores que exerçam atividade apenas na lavoura (STJ, 1ª Seção, Pedido de Uniformização de Jurisprudência de Lei - PUIL 452/PE, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 14.06.2019). Sobre a questão firmou-se a seguinte tese: "O decreto nº 53.831/64, no seu item 2.2.1, considera como insalubre somente os serviços e atividades profissionais desempenhados na agropecuária, não se enquadrando como tal a atividade laboral exercida apenas na lavoura da cana-de-açúcar". Assim, considerando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não é possível reconhecer a especialidade destas atividades por analogia àquela prevista no item 2.2.1 do Anexo III do Decreto 53.831/1964. Discussão do caso concreto Devidamente discutidos todos os aspectos jurídicos que importam para a solução da ação proposta, passo a analisar o caso concreto. Período ESPECIAL reclamado: 01/03/1993 a 29/07/1997 Causa de pedir: enquadramento como “trabalhadores na agropecuária", contida no item 2.2.1 do anexo ao Decreto n.º 53.831/64 Prova nos autos: CTPS de fl. 10 do ID n.º 160630880, comprovando atividade de aprendiz de auxiliar para o empregador Paulo Sérgio M Junqueira. Análise: Nos termos da fundamentação supra, considerando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não é possível reconhecer a especialidade destas atividades por analogia àquela prevista no item 2.2.1 do Anexo III do Decreto 53.831/1964 Conclusão: Rejeitado. Período ESPECIAL reclamado: 17.12.2001 a 11.11.2002; 12.11.2002 a 09.09.2003; 01.06.2007 a 30.09.2008; 01.10.2008 a 30.11.2009; 01.12.2009 a 01.12.2010; 01.04.2012 a 31.03.2013; 01.04.2013 a 31.12.2013; e 01.01.2014 a 31.12.2014 Causa de pedir: exposição a ruído acima dos limites vigentes e agentes químicos Prova nos autos: PPP 09/15 do ID n.º 280537300 e LTCAT de ID n.º 280120953 Análise: Em razão das divergências apresentadas nos PPPs de fls. 34/36 e 45/46, foi juntado LTCAT de ID n.º 280120953, e ratificado PPP conforme solicitação judicial do processo n.º 0010008-20.2022.5.15.0035, sendo que pelas informações contidas no PPP emitido em 09/02/2023 de fls. 09/15 do ID n.º 280537300, verifica-se que o autor esteve exposto a: - ruído acima de 90db no período de 17/12/2001 a 28/02/2003 e agente químico, com informação de que o EPI era eficaz em sua neutralização. - ruído de acima de 85 db e abaixo de 90Db no período de 01/03/2003 a 18/06/2020 e agente químico, com informação de que o EPI era eficaz em sua neutralização. Pelas informações colhidas no LTCAT a exposição se deu de maneira habitual e permanente, sendo que a técnica utilizada na aferição do ruído está de acordo com a NR-15. Conclusão: Acolhidos os períodos de 17/12/2001 a 28/02/2003, 01/06/2007 a 01/12/2010, 01/04/2012 a 31/12/2014. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o INSS a: - Reconhecer e averbar na contagem de tempo da parte autora o(s) período(s) de 17/12/2001 a 28/02/2003, 01/06/2007 a 01/12/2010, 01/04/2012 a 31/12/2014 como exercidos em condições especiais, convertendo-os para tempo de serviço comum; - revisar a aposentadoria NB 177064913-9, desde a concessão em 25/08/2016; e - Pagar os atrasados devidos desde a DIB, em importe a ser calculado pela Central Unificada de Cálculos Judiciais – CECALC, uma vez transitada em julgado a decisão, respeitada a prescrição quinquenal, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora, nos termos do entendimento do CJF vigente ao tempo da liquidação do julgado, descontados eventuais valores recebidos pela parte autora a título de tutela antecipada ou benefício inacumulável. Consigno que a sentença contendo os parâmetros para a elaboração dos cálculos de liquidação atende ao disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei n. 9.099, de 1995, nos termos do Enunciado n. 32 do FONAJEF. Ausente pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Sem custas e honorários advocatícios nesta instância judicial (art. 55 da Lei n. 9.099, de 1995). Caso haja interesse em recorrer desta decisão, cientifico de que o prazo para recurso é de dez dias (art. 42 da Lei n. 9.099, de 1995). Havendo apresentação de recurso inominado, intime-se a parte recorrida para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal. Vindas estas, ou decorrido o prazo in albis, encaminhem-se os presentes autos para a Turma Recursal com nossas homenagens e cautelas de praxe. Certificado o trânsito em julgado da presente sentença e demonstrada a implantação/revisão do benefício (se o caso), disponibilizem-se os autos à Central Unificada de Cálculos Judiciais – CECALC para apuração dos valores em atraso. Após o trânsito em julgado da decisão que concedeu a aposentadoria especial, confiro o prazo de 60 (sessenta) dias para que a parte autora se afaste de suas atividades laborais insalubres, nos termos do art. 57, § 8º, da Lei n. 8.213, de 1991, e da jurisprudência do STF, em especial o Tema 709 de repercussão geral. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Núcleos de Justiça 4.0, datado e assinado eletronicamente.
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Processo nº 0007349-86.2014.4.03.6000
ID: 283534763
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Federal de Campo Grande
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0007349-86.2014.4.03.6000
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARACI SILVIANE MARQUES SALDANHA RODRIGUES
OAB/MS XXXXXX
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SONALY ARMANDO MENDES
OAB/MS XXXXXX
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GERALDO ESCOBAR PINHEIRO
OAB/MS XXXXXX
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MARIA EUGENIA DE NORONHA ANZOATEGUI
OAB/MS XXXXXX
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FLAVIO HIDEYOSHI KOGA JUNIOR
OAB/MS XXXXXX
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JUAN LUIZ FREITAS SOTO
OAB/MS XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 0007349-86.2014.4.03.6000 / 2ª Vara Federal de Campo Grande AUTOR: ELIZA PEREIRA DA COSTA Advogados do(a) AUTOR: FLAVIO HIDEYOSHI KOGA JUNIOR - MS26071, JUAN LUIZ FREI…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 0007349-86.2014.4.03.6000 / 2ª Vara Federal de Campo Grande AUTOR: ELIZA PEREIRA DA COSTA Advogados do(a) AUTOR: FLAVIO HIDEYOSHI KOGA JUNIOR - MS26071, JUAN LUIZ FREITAS SOTO - MS14210 REU: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, LIGIA CANOVA, MARCEL MARQUES PERES, MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE/MS Advogado do(a) REU: MARIA EUGENIA DE NORONHA ANZOATEGUI - MS14624 Advogado do(a) REU: MARACI SILVIANE MARQUES SALDANHA RODRIGUES - MS6144 Advogados do(a) REU: GERALDO ESCOBAR PINHEIRO - MS2201, SONALY ARMANDO MENDES - MS8812 S E N T E N Ç A ELIZA PEREIRA DA COSTA propôs a presente ação em face da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL – FUFMS, MARCEL MARQUES PERES, LIGIA CANOVA e MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, por meio da qual pleiteia indenização por danos morais no importe de R$ 300.000,00, indenização por danos materiais no valor de R$ 11.000,00 e pensão alimentícia de R$ 1.000,00 mensais. Afirma que sofreu uma torção no pé direito em 26 de março de 2013 e procurou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento do bairro Universitário. Após exame de raio-X, foi constatada a presença de uma agulha em seu pé, sendo realizada uma microcirurgia para remoção. Contudo, a médica responsável não estancou o sangramento adequadamente antes de suturar o corte, o que resultou em necrose. Diante da gravidade, narra que foi encaminhada ao Hospital Universitário, onde aguardou cerca de 8 horas por atendimento, mesmo com fortes dores. Quando atendida, o médico plantonista minimizou o problema. No dia seguinte, ao buscar novo atendimento, foi encaminhada à Santa Casa, onde foi informada de que seria necessária a amputação da perna direita devido ao avanço da necrose. Sustenta que, antes dos fatos, trabalhava como empregada doméstica, mas que agora enfrenta desemprego, limitações físicas e emocionais graves, pelo que pleiteia indenização para lidar com a nova realidade. Juntou documentos. A ação foi inicialmente proposta perante a Justiça Estadual, que declinou da competência, Id 26040914. O pedido de tutela antecipada foi indeferido. A produção de prova pericial foi antecipada, Id 26040914. Juntada de documentos médicos da autora, Id 26040721. Citado, o réu MARCEL MARQUES PERES apresentou contestação, Id 26040722. Afirma que não contribuiu para a piora do estado de saúde da autora, especialmente para a amputação de sua perna direita, pelo que a autora faltou com a verdade em diversas alegações, como a data da amputação e o suposto descaso no atendimento. Relata que atendeu a paciente em duas ocasiões (26/03/2013 e 01/04/2013), realizou exames, curativos e prescreveu antibióticos e analgésicos, além de orientar o retorno e o seguimento do tratamento. Alega que a autora não seguiu as orientações médicas e abandonou o tratamento, o que teria contribuído diretamente para a amputação. Aponta, ainda, que a autora tinha várias doenças pré-existentes (como diabetes, diverticulite, esofagite, entre outras) e hábitos prejudiciais à saúde (como tabagismo e etilismo), que agravaram seu quadro. Ressalta que a presença de corpos estranhos no pé pode ter ocorrido sem que ela percebesse, devido à neuropatia diabética. Conclui afirmando que agiu com cautela, zelo e dentro da conduta médica adequada, e que a autora tenta transferir a responsabilidade de seus próprios descuidos ao médico, para obter indenização. Pediu a improcedência da ação. Citada, a ré FUFMS apresentou contestação, Id 26040722. Relata que autora foi até a Unidade de Pronto Atendimento - UPA do bairro Universitário em decorrência de uma torsão em seu pé direito, sem ter mencionado qualquer incidente com agulha que se encontrava alojada em seu pé direito, pois, pela narrativa da peça inicial dá a entender que esta agulha é fato anterior ao da torsão. Ressalta que, diante das informações trazidas pelo Hospital Universitário vem, de clarividência, demonstrar que não há culpabilidade que se possa impor a parte ré Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, inclusive restou demonstrado que a própria autora primeiramente foi atendida pela Unidade Pronto Atendimento do bairro Universidade, informando que a médica que a atendeu não retirou a agulha, prescritos analgésicos e antibiótico, realizadas as orientações da necessidade de retomo e marcada consulta ambulatorial para acompanhamento do pé direito, houve procedimento (microcirurgia) sem sucesso, indo só depois a ser atendida pelo UPA 3 (três) dias, isto é, 26/03/2013 procurado o Hospital Universitário. Sustenta que, em momento algum, pelos documentos anexados a presente contestação e o prontuário médico da paciente restou demonstrado que não houve negligência, imprudência e imperícia por parte do Hospital Universitário, não havendo que se imputar culpa alguma, pois, quando de seu encaminhamento ao HU o médico atendeu como relatada na CI n° 131/2014 em anexa, que o caso foi discutido com o preceptor de plantão, que era passível de tratamento conservador, portanto, todos os cuidados com a paciente/autora foram tomados, no Hospital Universitário. Pugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos. Citado, o réu Município de Campo Grande apresentou sua defesa, Id 26040722. Sustenta que que não há responsabilidade da Administração Pública Municipal pelos danos alegados, pois a autora foi atendida de forma adequada na UBS em 26/03/2013, recebendo o encaminhamento necessário ao Hospital Universitário e, posteriormente, à Santa Casa, onde ocorreu a amputação do membro inferior. Alega que não há prova de erro, negligência ou imprudência por parte dos profissionais da UBS, tampouco nexo causal entre o atendimento inicial e a amputação. Destaca que a médica atuou conforme o protocolo clínico e que as alegações da autora sobre a suposta má conduta médica são infundadas e desprovidas de embasamento técnico. Defende a inexistência de falha no serviço público municipal e, consequentemente, a ausência de responsabilidade civil da municipalidade. Juntou documentos. Réplicas em Id 26040915. Citada, a ré Ligia Canova apresentou contestação, Id 26040915. Alega, em síntese o seguinte: que, em 2013, quando do atendimento da autora no posto de saúde, já era especializada em cirurgia geral e estava em formação em cirurgia vascular; a autora apresentava dor no pé direito, e uma radiografia revelou um objeto metálico semelhante a uma agulha; afirma que tentou retirá-lo, mas ao perceber que o corpo estranho estava profundo, suturou o local e encaminhou a paciente ao hospital; conta que dias depois, a paciente retornou com dor e sem pulsos na perna direita, sendo diagnosticada com oclusão arterial aguda, agravada pelo tabagismo; relata que a autora passou por cirurgia para desobstrução da artéria, mas teve nova oclusão e acabou sofrendo amputação da perna. Ressalta que não houve erro em sua conduta, que o atendimento foi adequado e feito com o consentimento da paciente. Destaca que a amputação foi causada por condição vascular grave (tromboembolismo), não pela pequena incisão inicial. Além disso, aduz comportamento agressivo da paciente e negligência no uso de medicações pós-operatórias. Alega, ainda, que a autora omitiu informações importantes ao Judiciário, como outros atendimentos médicos posteriores que confirmavam a existência do objeto metálico no pé e que não houve sinais de erro médico na conduta inicial. Juntou documentos. Réplica, Id 26040917. O réu Marcel Marques Peres compareceu aos autos alegando sua ilegitimidade passiva, Id 262645269. A autora se manifestou, Id 247316954. Apresentados os quesitos pelas, a autora foi submetida ao exame pericial médico, conforme laudo juntado em Id 324055160. As partes se manifestaram. É o relatório. Decido. - Preliminar – ilegitimidade passiva dos agentes públicos O ordenamento jurídico brasileiro adotou a "Teoria do Risco Administrativo", pela qual a responsabilidade do Estado em indenizar é objetiva, de modo que é suficiente a demonstração do nexo causal entre a conduta lesiva imputável à administração e o dano. Desnecessário provar a culpa do Estado, pois esta é presumida. (AGA 200400478313, LUIZ FUX, STJ; AGA 200000446610, GARCIA VIEIRA, STJ). Por ocasião do julgamento do RE 1027633, Tema 940, pelo Supremo Tribunal Federal, fixou-se a tese de que: "a teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa" ( RE 1027633, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-268 DIVULG 05-12-2019 PUBLIC 06-12-2019). Dessa forma, reconheço a ilegitimidade passiva dos réus MARCEL MARQUES PERES e LIGIA CANOVA, excluindo-os da lide, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC, sem prejuízo de eventual do direito de regresso, nos termos da lei. - Mérito No mais, tratando-se de pretensão ressarcitória por responsabilidade civil extracontratual, o primeiro passo é verificar se estão presentes, no caso concreto, os elementos constitutivos do dever de indenizar, quais sejam, (i) o ato ou a omissão do requerido, (ii) o dano sofrido pelo requerente, (iii) o nexo de causalidade entre aquela conduta e o prejuízo enfrentado e, finalmente, (iv) a culpa do agente. Exige-se, também, a demonstração de um elemento negativo, qual seja, a ausência de causas justificadoras da conduta lesiva. Quanto ao elemento subjetivo, porém, é imperioso lembrar que o ônus de demonstrar a sua presença foi retirado da vítima e atribuído à pessoa jurídica à qual o agente causador do dano se vincula, nos casos de pessoa jurídica de Direito Público, para a hipótese de esta última querer exercer seu direito de regresso. Noutros termos, o art. 37, §6º, da Constituição Federal eximiu a vítima de provar a existência de dolo ou culpa quando sua pretensão ressarcitória for veiculada diretamente contra a pessoa jurídica de Direito Público. Ademais, quando a atividade ensejar risco ao direito de outrem, o Código Civil, art. 927, nos diz que há obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, trazendo a obrigação de indenizar por parte de quem desenvolve tal atividade. Com efeito, tratando-se de fato ocorrido em unidade hospitalar pública, tendo por base a ocorrência de falha na prestação do serviço público de saúde, a hipótese desafia a responsabilidade civil objetiva prevista no §6º do art. 37 da Constituição Federal, que assim estabelece: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Assim, sem cogitar do elemento culpa, já que sob a égide da responsabilidade objetiva, eventuais excludentes do dever de indenizar estão adstritas ao fato exclusivo da vítima, de terceiros, caso fortuito ou força maior. Especificamente quanto ao dano moral, a possibilidade de desse tipo de indenização está prevista expressamente no art. 5º, V e X, da Constituição Federal, mais especificamente no capítulo que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais da pessoa humana, podendo inclusive ser cumulada com dano material – quando for o caso - conforme entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado na súmula 37 que estatui: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. A respeito do tema, a professora Maria Helena Diniz define que “[...] dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou o gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III).” (DINIZ, 2008, p. 93). Pois bem. Afirma a autora que foi vítima de erro médico, que culminou na amputação parcial de sua perna direita, o que lhe rendeu limitações físicas e emocionais graves, além de prejuízos materiais. Diante do tema a ser abordado nos autos, realizou-se perícia médica na autora, cotejando os documentos médicos produzidos à época (prontuários, exames etc.) a fim de demonstrar, ou não, o nexo causal entre a conduta dos agentes públicos médicos que atenderam a autora e o resultado amputação da perna, aferindo a existência de possível erro médico. Para tanto, transcrevo os quesitos respondidos no laudo pericial: 1) A autora apresenta alguma lesão física? R: A autora apresenta perda de segmento ósseo (amputação) ao nível do terço médio da coxa direita, com coto de amputação em bom estado cicatricial, em uso de prótese ortopédica. 2) Esclareça o(a) Perito(a) se é possível afirmar, pela análise dos documentos que serão juntados aos autos: a) Qual a causa da lesão da autora? R: De acordo com a análise das documentações médicas anexas aos autos, é possível afirmarmos que a causa da lesão (amputação ao nível do terço médio da coxa direita) da autora é decorrente das complicações de um quadro de oclusão arterial crônica agudizada de membro inferior direito, motivo pelo qual foi submetida a tratamento cirúrgico de embolectomia de membro inferior direito no dia 06/04/2013, em que foi “realizado uma arteriotomia transversa em femoral comum com passagem de cateter pelas artérias femoral comum e superficial, com saída de grande quantidade de trombos”. Além disso, é possível observarmos as seguintes constatações do exame físico realizado na consulta médica do dia 05/04/2013, conforme evidenciado na cópia do prontuário médico dessa data: “pulsos reduzidos em pé direito, temperatura reduzida, paralisia de extremidade até terço médio da perna direita”. Dessa forma, é possível inferirmos que a amputação do membro inferior direito da periciada ocorreu devido às complicações de um quadro crônico agudizado de trombose arterial, e não de uma trombose venosa profunda (TVP), portanto, sem relação causal com o procedimento cirúrgico de tentativa de retirada de corpo estranho no pé da autora, realizado em 26/03/2013. b) Se o procedimento cirúrgico realizado na autora em 26.03.2013 e os consequentes atendimentos médicos realizaram-se normalmente ou houve falha/erro médico? R: De acordo com a análise das documentações médicas anexas aos autos, não há como afirmar que de fato houve falha/erro médico. c) A alta médica foi concedida no momento e em condições apropriadas? R: De acordo com as documentações médicas anexas aos autos, sim. d) Os sintomas apresentados pela paciente após a realização da cirurgia (dor e acúmulo de sangue) são normais ou deveriam ter sido recebidos pela equipe médica como um alerta de que algo não havia corrido bem na intervenção cirúrgica? R: Esses sintomas podem ocorrer. De toda forma, não ficou comprovada a relação causal entre o desfecho (amputação do membro inferior direito) e o procedimento cirúrgico realizado em 26/03/2013. Vide quesito 2.a, e conclusão. e) O atendimento e tratamento dispensados à paciente após o mencionado procedimento foram adequados ou houve negligência por parte da equipe médica? R: De acordo com os relatos observados nas documentações médicas anexas aos autos, é possível observarmos que os atendimentos e tratamentos dispensados foram adequados. Não foram observados elementos que indiquem a ocorrência de negligência por porte da equipe médica. 3) O procedimento cirúrgico realizado era necessário? A equipe cirúrgica tinha capacidade, competência e aparelhamento médico suficientes para realizar tal intervenção cirúrgica no UPA - Unidade de Pronto Atendimento (segundo informou a autora)? R: A retirada de corpo estranho subcutâneo pode ser realizada a nível ambulatorial, com utilização de material esterilizado e anestesia local, através de uma pequena incisão com auxílio de bisturi e pinças. Contudo, de acordo com os relatos observados na documentação médica anexa aos autos, não houve sucesso no procedimento, devido a profundidade do corpo estranho. De toda forma, não ficou comprovada a relação causal entre o desfecho (amputação do membro inferior direito) e o procedimento cirúrgico realizado em 26/03/2013. Vide quesito 2.a, e conclusão. 4) O estágio atual da lesão da autora é compatível com o acidente que sofreu ou resulta de execução cirúrgica indevida e pós atendimento mal realizados? R: É compatível com as complicações decorrentes dos acometimentos crônicos que a autora já apresentava (oclusão arterial crônica de membro inferior direito, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca). 5) É possível aferir se a autora deixou de realizar algum tratamento recomendado? R: Não foi constatada tal situação. [destaquei] A prova pericial concluiu que “(...) a causa da lesão (amputação ao nível do terço médio da coxa direita) da autora é decorrente das complicações de um quadro de oclusão arterial crônica agudizada de membro inferior direito, motivo pelo qual foi submetida a tratamento cirúrgico de embolectomia de membro inferior direito no dia 06/04/2013, em que foi “realizado uma arteriotomia transversa em femoral comum com passagem de cateter pelas artérias femoral comum e superficial, com saída de grande quantidade de trombos”. (...) a autora já apresentava diagnóstico de hipertensão arterial, que era tabagista, e portadora de insuficiência cardíaca (laudo de ecocardiograma do dia 22/04/2013), que são fatores que contribuem para o quadro de doença arterial. (...) Dessa forma, é possível inferirmos que a amputação do membro inferior direito da periciada ocorreu devido às complicações de um quadro crônico agudizado de trombose arterial, relacionado aos fatores de risco pré-existentes (hipertensão arterial, tabagismo, e insuficiência cardíaca), e não de uma trombose venosa profunda (TVP), portanto, sem relação causal com o procedimento cirúrgico de tentativa de retirada de corpo estranho no pé da autora, realizado em 26/03/2013. A conclusão pericial está alinhada às manifestações médicas nos autos, pois, do que consta, os atendimentos foram adequados ao caso, ainda que o quadro de saúde da autora não tenha evoluído de forma satisfatória, por circunstâncias alheias às providências médicas. Logo, não restou comprovado o alegado erro médico. Diante do exposto, com relação aos réus MARCEL MARQUES PERES e LIGIA CANOVA julgo extinto o presente feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/15, por ilegitimidade passiva. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios aos advogados dos réus, que fixo em R$ 6.000,00 para cada, nos termos do art. 85, § 8º, CPC, ressalvando, contudo, o disposto no art. 98, §º, CPC. Quanto aos demais réus, com fulcro no art. 487, I, do CPC, julgo improcedentes o pedido, extinguindo o feito com resolução de mérito. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios aos procuradores das rés, que fixo nos percentuais mínimos previstos no art. 85, § 3º, I a V, do CPC, ressalvando, contudo, o disposto no art. 98, §3º, do CPC. A autora é isenta das custas. Em caso de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões, remetendo-se os autos, na sequência, ao e. TRF3 para julgamento. Publique-se e intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. Campo Grande, MS, data e assinatura conforme certificado digital.
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Processo nº 5000187-98.2018.4.03.6004
ID: 298232809
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Corumbá
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 5000187-98.2018.4.03.6004
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THYARA DA CRUZ VIEGAS
OAB/MS XXXXXX
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ROGER DANIEL VERSIEUX
OAB/MS XXXXXX
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65) Nº 5000187-98.2018.4.03.6004 / 1ª Vara Federal de Corumbá AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: NAVEGACAO PORTO MORRINHO S.A. - NPM, JOSE JOAO ABDALLA FILHO Adv…
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65) Nº 5000187-98.2018.4.03.6004 / 1ª Vara Federal de Corumbá AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS REU: NAVEGACAO PORTO MORRINHO S.A. - NPM, JOSE JOAO ABDALLA FILHO Advogado do(a) REU: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106 Advogados do(a) REU: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106, THYARA DA CRUZ VIEGAS - MS16731 TERCEIRO INTERESSADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S/A (NPM), SOCAL S/A MINERAÇÃO e JOSE JOAO ABDALLA FILHO, objetivando a condenação da empresa à reparação integral do dano ambiental causado em Área de Preservação Permanente (APP) do Rio Paraguai, na região de Porto Morrinho, município de Corumbá/MS, referente à instalação e funcionamento do empreendimento denominado Estaleiro Porto Morrinho. Requer a condenação em obrigação de pagar cumulada com obrigação de fazer, consistente na apresentação de novo Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD); implantação do Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro; compensação socioambiental dos danos apurados; além de condenação em danos morais coletivos. Aduz a inicial, em síntese, o seguinte (Id 8646634): “(...) instaurado o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, para apurar a notícia, recebida em 13/02/2012, de que a NPM S.A. estaria se utilizando de dragas para a construção de um aterro em área na qual a empresa pretendia fazer funcionar um estaleiro para construção/reforma de embarcações, antes de emitida a Licença ambiental de Instalação pelo IBAMA. Em 06/01/2014, o empreendimento conseguiu a expedição da Licença de Instalação nº 987/2014, que dentre as suas condicionantes específicas de validade apostas pelo IBAMA, incluiu o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, prevendo a recuperação de áreas degradadas na área de influência direta do empreendimento, em particular, as matas ciliares, aprovado com a recomendação de que deveria ser iniciado concomitantemente ao empreendimento e finalizado com a recuperação das áreas degradadas, à fl. 412 do IC (fl. 11 do id. 6225121). Ocorre que, em 21/05/2014, aportou nesta Procuradoria novo ofício do IBAMA informando a ocorrência de irregularidades praticadas pela NPM S.A., em detrimento da Licença de Instalação nº 987/2014, às fls. 420/421 do IC (id. 6225128 a 6225131), verificadas durante vistoria às obras de instalação do estaleiro realizadas pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do IBAMA (...) Tais constatações foram as mesmas concluídas nas investigações deflagradas no IPL nº 0059/2015-DPF/CRA/MS, que deram origem à Ação Penal nº 0001095-80.2017.403.6004 (...) Naquela investigação, inclusive, ao responder os quesitos da Perícia, cf. fl. 150 do IPL nº 0059/2015 (fl. 03 do id. 6290627), verifica-se que restou claro que os réus desflorestaram e suprimiram toda a vegetação para a ampliação do referido aterro e para a passagem da tubulação da draga, ainda impedindo que as formações da flora, após a destruição de floresta e supressões, se regenerassem (...) Entrementes todos os referidos procedimentos investigativos anteriormente citados, permanece em curso no âmbito desta Procuradoria da República o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, que tem por objeto acompanhar os ilícitos ambientais praticados pela NPM S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO no decorrer de seu licenciamento ambiental. (...) da última fiscalização realizada pelo NLA/IBAMA/MS, em 19/09/2017, a fim de verificar o cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação a que o empreendimento NPM S.A. estava obrigado implementar desde 2014, o órgão ambiental pôde, mais uma vez, verificar o não atendimento a nenhuma das condicionantes da licença ambiental, bem como que o estabelecimento já se encontra em plena operação, mesmo sem a competente licença. (....) Com efeito, a interrupção do fluxo hidrológico e vazantes do Rio Paraguai revela situação de extremo risco principalmente às comunidades que habitam a região. Cumpre ressaltar que, no decorrer do processo de licenciamento ambiental do empreendimento ESTALEIRO PORTO MORRINHO S.A., os moradores da região já externaram a preocupação com os impactos que a poluição da atividade poderia gerar ainda antes de sua instalação (...) Assim, a gravidade da situação é tal, não só pelo desequilíbrio ambiental acarretado pelo encerramento do fluxo hidrológico no local, com comprometimento da fauna aquática, e os demais subecossistemas que dependem da saudável coexistência do bioma, mas também pela própria integridade e existência das famílias prejudicadas pelo dano ambiental de autoria dos réus.” A inicial foi instruída com os dados colhidos no Inquérito Civil n. 1.21.004.000084/2012-16. Foi proferida decisão determinando o desmembramento dos autos em relação à empresa Socal S/A Mineração, pois apesar de também representada pelo réu José João Abdalla Filho, encontra-se em localidade e situação ambiental distintas (Id 9029311). Com o desmembramento do feito, a pretensão direcionada à empresa Socal S/A Mineração passou a ser objeto da Ação Civil Pública nº 5000350-78.2018.4.03.6004. Foi proferida decisão que deferiu parcialmente o pedido cautelar formulado pelo MPF, determinando: i) a suspensão do direito de exercício da atividade comercial da empresa; ii) paralisação da instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, até que sejam atendidas todas as medidas mitigadoras e reparadoras determinadas pelos órgãos ambientais competentes; iii) abstenção de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área (Id 9260919). Expedido mandado de constatação, o Oficial de Justiça certificou que se dirigiu ao local e as atividades da empresa estavam paralisadas (Id 9441854; 9809982). A tentativa de conciliação restou frustrada (Id 9847149). Na ocasião, os representantes dos órgãos ambientais presentes se comprometeram a entregar, em documento único, estudo técnico contendo todos os deveres e obrigações dos réus, incluindo a valoração dos danos. O IBAMA apresentou ofício direcionado à empresa ré NPM, constando os projetos a serem implementados pela empresa para adequação ambiental do Estaleiro (Id 10681794). A NPM, por sua vez, requereu a juntada dos trabalhos técnicos-ambientais para fins de continuidade do licenciamento ambiental (Id 11579843 a Id 11580557). O agravo de instrumento interposto pela NPM teve o pedido de efeito suspensivo indeferido (Id 11313476). Posteriormente, a Sexta Turma do E. TRF3 negou provimento ao agravo (Id 34695738, págs. 2-3). O MPF requereu a juntada dos relatórios de apuração de infrações administrativas ambientais e autos de infrações lavrados pelo IBAMA no decorrer da Operação Força Tarefa – Processos Licenciamento, em desfavor da NPM em 11/05/2018 (Id 14969194). Os réus apresentaram contestações, pugnando pelo acolhimento das preliminares de falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva de José João Abdalla Filho (Id 9434315; 22068616). Requerem a reforma da decisão cautelar, argumentando que, em sede do mandado de segurança 0001054-89.2012.4.03.6004, o TRF3 determinou ao IBAMA que desse andamento ao procedimento de licenciamento ambiental, reconhecendo que a responsabilidade da empresa deve ser apurada exclusivamente no âmbito administrativo. No mérito, pugnam pelo julgamento improcedente do pedido, ressaltando a inércia do IBAMA na condução do procedimento de licenciamento ambiental após a determinação judicial de paralisação da empresa. Juntaram documentos. O MPF apresentou réplica e requereu a produção de prova testemunhal e inspeção in loco do empreendimento (Id 23064621). Os réus pleitearam a produção de prova pericial e testemunhal (Id 22068616, pág. 20). Na oportunidade, requereram que o MPF traga aos autos cópia do IC onde se apura a responsabilidade pela inércia dos servidores do IBAMA, bem como que o IBAMA junte cópia integral do processo de licenciamento da NPM. Em decisão de Id 24735168, o Juízo afastou as preliminares aventadas pelos réus, deferiu a produção de prova testemunhal e pericial, determinando o custeio da perícia pelos requeridos. Os réus apresentaram sucessivas petições requerendo a reforma parcial da decisão liminar para que a NPM possa terminar a obra, que está praticamente concluída, alegando que a empresa apresentou toda a documentação na esfera administrativa, incluindo uma série de projetos técnicos, mas o IBAMA permanece inerte (Id 25387303). Juntaram documentos de Id 25387323 a 25388207. As partes formularam quesitos (Id 26040472; 27249717). O MPF manifestou-se contrário ao pleito dos réus (Id 27872834), argumentando que a demora na elaboração do parecer técnico não decorre de responsabilidade exclusiva dos órgãos de fiscalização ambiental, visto que logo após a audiência de tentativa de conciliação, o IBAMA encaminhou o Ofício nº 71/2018, em que solicita da NPM a apresentação de uma série de projetos e programas visando a adequação ambiental do Estaleiro. Registrou que o RRT declarava como responsável apenas um profissional da área da arquitetura e urbanismo, embora as condicionantes da licença ambiental apresentem caráter multidisciplinar. O Juízo manteve a tutela provisória deferida (Id 28192569). Apresentada proposta de honorários do perito ambiental nomeado (Id 28295034), os réus comprovaram o recolhimento integral dos honorários (Id 29751145). Juntado laudo técnico conjunto do IBAMA, IMASUL e FMAP, referente à vistoria realizada em janeiro de 2020 (Id 28879283; 28879264). A NPM novamente requereu a reconsideração da liminar e informou que o TRF autorizou parcialmente o funcionamento de outra empresa do grupo (Id 32141292). Em decisão de Id 31917091, o Juízo reconsiderou a decisão que nomeou o perito, determinando a realização da perícia a cargo da Polícia Federal. O Setor Técnico - Científico da Polícia Federal elaborou Laudo de Perícia nº 1693/2020 – SETEC/SR/PF/MS (Id 42801914). A NPM impugnou o laudo pericial da PF, por ter como base laudos anteriores, sem vistoria in loco e atualizada (Id 44465104). Discorre que não foi oportunizado o acompanhamento por assistentes técnicos das partes e que o laudo não foi conclusivo em várias questões colocadas, razão pela qual requer a realização de vistoria técnica no local. O feito foi saneado, ocasião em que foram rejeitadas as preliminares de ausência de interesse de agir e de ilegitimidade passiva arguidas pelos réus; definido o ônus da prova ao empreendedor da atividade potencialmente poluidora; foi deferida a produção de prova pericial pelo perito anteriormente nomeado e indeferida a prova testemunhal; e ratificada a decisão liminar (Id 250250152). Veio para os autos cópia do acórdão proferido pelo TRF-3 no Agravo de Instrumento nº 5005876-25.2020.4.03.0000, negando provimento ao recurso (Id 251667567; Id 270338778). O perito apresentou o Laudo Pericial (Id 289412065). A NPM apresentou quesitos complementares (Id 293510674; e Id 298539639), instruindo os autos com o Processo de Licenciamento Ambiental 02001.010328/2009-04 (Id 298551601 a Id 298552470). O perito apresentou Laudo Pericial complementar (Id 296566235; e Id 300920507). A NPM informou que enviou proposta de acordo ao Ministério Público Federal, com fins de otimizar a tentativa de encerramento a esta demanda, bem como à Ação Civil Pública de nº: 5000350-78.2018.4.03.6004; solicitou a designação de audiência de conciliação (Id 301007002). O MPF anuiu com a realização de audiência de conciliação (Id 303548287). Foi proferida decisão designando audiência de conciliação (Id 304025451). O IBAMA manifestou interesse em participar da audiência (Id 308706576). Em audiência de conciliação, foi concedido o prazo de 30 dias para as tratativas e apresentação de eventual acordo a ser realizado pelas partes (Id 314705543). As partes informaram que as tratativas não avançaram (Id 322707334; Id 329136758). A NPM pediu que a decisão liminar fosse reformada para que a empresa seja autorizada a cumprir as obrigações do processo de licenciamento para fins de iniciar as atividades (Id 330247932). Foi proferida decisão designando nova audiência de tentativa de conciliação (Id 337291094). Realizada a audiência, não houve acordo entre as partes (Id 339257391). Em alegações finais (Id 342802315), o MPF manifestou-se pela parcial procedência dos pedidos, com a condenação dos requeridos a: 1) Reparar o dano ambiental subsistente na área objeto da lide, por meio da apresentação de Projeto de Recuperação de Áreas Degradas – PRAD a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, em sede de cumprimento de sentença, e devidamente executado; e 2) Indenizar o dano moral coletivo causado, em valor proporcional aos impactos socioambientais, à reprovabilidade das ações, à recalcitrância e, em especial, à condição econômica da parte ré, em patamar não inferior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), na forma do art. 13 da Lei n. 7.347/85. 3) Implantar o Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro, que deverá se realizado por procedimentos pertinentes junto ao órgão ambiental competente, conforme orientações do IBAMA (id 8646634 p. 43). 4) ao pagamento de custas e despesas processuais. Requer, outrossim, a concessão de tutela provisória em face da empresa NAVEGACAO PORTO MORRINHO S.A. que determine, até a satisfação das obrigações de fazer e pagar acima requeridas, a suspensão do direito de exercício das atividades da pessoa jurídica; com determinação das obrigações de não fazer, consistentes em a) paralisar as ações empresariais e de quaisquer outras atividades tendentes à instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, e b) abster-se de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área, tudo sob pena de multa em caso de descumprimento." (Id 342802315, pág. 24-25). Em alegações finais (Id 346120775), a Navegação Porto Morrinho pede a improcedência dos pedidos e a revogação da liminar. É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, destacando a obrigatoriedade de atuação do Estado para garantir a efetividade desse direito. É o que dispõe o art. 225 da CF: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Reconhecendo a importância da proteção ambiental, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi aprovada no Brasil, após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), sendo promulgada pelo Decreto n. 2.519/1998. Referido diploma normativo de política internacional trata de medidas para proteção mundial da biodiversidade, sob três pilares: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. No que concerne à rica biodiversidade brasileira, o art. 225, §4º da CF elenca cinco biomas como patrimônio nacional, dentre eles o Pantanal, cuja utilização deve ser feita na forma da lei e dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Além de ser considerado patrimônio nacional, o Pantanal foi reconhecido como bioma de relevância internacional pela UNESCO, através de títulos de Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera. Ademais, a Convenção de Ramsar prevê medidas de proteção para zonas úmidas de importância internacional. Visando garantir o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil para manutenção do equilíbrio ecológico do Pantanal, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.482/2020, que trata do Estatuto do Pantanal, prevendo princípios para o uso do ecossistema, com vistas ao desenvolvimento sustentável e ao respeito às diversidades locais e regionais (Fonte: Agência Senado). No Estado de Mato Grosso do Sul, está em vigor a Lei do Pantanal (Lei Estadual n. 6.160/23) que dispõe sobre a conservação, a proteção, a restauração e a exploração ecologicamente sustentável da Área de Uso Restrito da Planície Pantaneira (AUR-Pantanal). Nesse contexto, o sistema constitucional brasileiro reconhece a dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico pátrio, visto que a salvaguarda da higidez e do equilíbrio do ambiente assume tanto a forma de um objetivo e tarefa do Estado quanto de um direito e dever do indivíduo e da coletividade, caracterizando um feixe de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico. Busca-se a defesa de um direito constitucional intergeracional a um meio ambiente saudável, equilibrado e íntegro, constituindo sua proteção, prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas em um sentido mais abrangente, à própria coletividade social, atual e futura. Como é sabido, a responsabilidade civil ambiental possui natureza objetiva nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81. Isso significa que o poluidor tem a responsabilidade de reparar ou indenizar o dano ambiental independentemente de culpa. Basta, assim, a comprovação da conduta, do nexo causal e do dano. Consagra-se assim a teoria do risco integral. Sobre este tema, o e. STJ firmou tese no julgamento do REsp 1374284/MG, relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão o sentido de que “a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar”. A responsabilização, por sua vez, é solidária independentemente da conduta ser omissiva ou comissiva, ou o dano ser direto ou indireto. A esse respeito, trago a lição de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer: A solidariedade é outra característica fundamental do regime da responsabilidade civil ambiental. Isso significa, na prática, que toda cadeia de agentes (privados ou públicos) que estão no bojo da relação causal geradora do dano ecológico podem ser responsabilizados. Independentemente da sua conduta ser comissiva ou omissiva ou mesmo direta ou indiretamente responsável pela degradação ecológica, tal agente (privado ou público) coloca-se no raio de cobertura do regime jurídico da responsabilidade civil ambiental, caracterizando o nexo causal” (Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 527). A legislação ambiental brasileira, portanto, adota um conceito amplo de poluidor no art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81, alcançando assim inclusive aqueles que contribuem indiretamente para a degradação ambiental. Com isso, gera-se uma flexibilização do nexo causal em comparação com sua versão civilista de matriz individualista em prol de um modelo solidarista. Como já cristalizado na Súmula 613 do STJ, “não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.” Isso significa que, nas palavras do Min. Herman Benjamin, “inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente” (REsp 948.921/SP, j. 23/10/2007). Este tema nos leva ainda a registrar que deveres associados à proteção ambiental possuem natureza propter rem. Isso significa que, novamente na esteira da jurisprudência do STJ, “a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos.”(REsp 1622512/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016). O STJ, ainda, já decidiu que “[p]ara o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.” (STJ, REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010). 2.1. Preliminares arguidas pelos réus Quanto às preliminares, ratifico a decisão que rejeitou as preliminares de ausência de interesse de agir e de ilegitimidade passiva arguidas pela defesa (Id 250250152): 1. Preliminares aventadas pelos réus 1.1 De início, a preliminar de ausência de interesse de agir deve ser afastada. Sustentam os réus que “há processos administrativos que apuram as infrações relatadas e a única infração no local que teve trânsito em julgado administrativo com fins de compensação por supressão vegetal foi integralmente cumprida pela Socal S/A (Empresa do Grupo econômico da Ré, Navegação Porto Morrinho), conforme prova a documentação da compensação ambiental juntada com a PROVA 32 e 33. Ou seja, fica claro o ‘atropelo’ processual com o ajuizamento da presente Ação Civil Pública. (...) A falta de utilidade e necessidade, com a devida vênia, é patente. Os procedimentos administrativos são os instrumentos legais previsto para apuração e sancionamento”. Todavia, analisando o contexto da postulação (art. 322, §2º do CPC), pela narrativa fática, jurídica e pedido da peça vestibular, concluo que subsiste interesse processual no feito, tendo em vista que o objeto da presente ACP é amplo e não se esgota nos pontos levantados pelos réus. As pretensões de indenização e compensação dos danos causados veiculados nesta ação não se confundem com a atuação administrativa voltada ao licenciamento e à viabilização da atividade econômica da ré, com a identificação e fixação das condicionantes ambientais cabíveis. Tratam-se de expedientes com atores, escopo, e objeto de instrução diversos. Neste feito, busca-se também comprovar fatos pretéritos, com a delimitação e quantificação do suposto dano ambiental. Já o procedimento de licenciamento guarda feições prospectivas, buscando adequar a atividade pretendida às exigências ambientais. Nesse contexto, eventual obtenção de licença, na via administrativa, não vincula o Juízo Federal na análise da matéria que lhe cabe, tratando-se de questões distintas e instâncias independentes. De acordo com o art. 225, §3º da Constituição Federal, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. É cediço que nossa jurisprudência não reconhece direito adquirido de poluir ou degradar o meio ambiente, tampouco se admite a aplicação da teoria do fato consumado em matéria ambiental (Súmula 613/STJ), de modo que qualquer licença ambiental está sujeita à revisão, inclusive na seara judicial, mormente quando for identificada a violação de regras ambientais. 1.2 De igual modo, a preliminar de ilegitimidade passiva do réu José João Abdalla Filho não merece prosperar. Nesse ponto, importa consignar que a legislação ambiental brasileira adota um conceito amplo de poluidor, alcançando toda a cadeia de agentes que contribuíram para o dano ambiental. É o que prevê o art. 3º, IV da Lei n. 6.938/81: “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Com isso, nesse momento processual, as considerações apontadas pelo MPF são suficientes para manter o réu José João Abdalla Filho no polo passivo. Ressalto que a análise minuciosa de eventual responsabilidade de cada réu será oportunamente realizada com o julgamento da causa em sede de cognição exauriente. (Id 250250152, pág. 4-5). 2.2. Contextualização dos fatos O tema dos autos merece análise particular, considerando que o art. 225 da Constituição Federal consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Além disso, as ações coletivas e processos que tenham por objeto matéria ambiental possuem prioridade de julgamento dentre as metas do Judiciário. No caso, a Navegação Porto Morrinho S.A - NPM. é pessoa jurídica que desenvolve suas atividades comerciais em região sensível do Município de Corumbá/MS, instalada às margens do Rio Paraguai (coordenadas S 19º28'49,5'' e W 57º24'96,3''), em área de preservação permanente no Pantanal Sul-mato-grossense. Sobre a importância ecológica do Pantanal, região em que situada a empresa, o IBAMA apresentou descrição que merece ser destacada nesta sentença: "O Pantanal é caracterizado como a maior área tropical úmida do planeta, cobrindo aproximadamente 150.000 km² nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estendendo-se também até a Bolívia e o Paraguai. Integralmente inserido na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, o Pantanal apresenta altitudes que variam de 80 a 150 metros em relação ao nível do mar. É uma região de destaque nacional e internacional, por se tratar de uma das maiores extensões de áreas inundáveis do planeta, que conta com uma espetacular abundância da fauna e possui valor extraordinário em biodiversidade. Dentre as principais características do Pantanal estão as inundações sazonais causadas pelo Rio Paraguai e seus afluentes. Em toda a região é o ritmo ditado pelas águas que rege a vida natural e também as atividades humanas, que, historicamente, têm sido fortemente influenciadas pelos condicionantes hidrológicos. O Pantanal é utilizado para a pecuária e apresenta também uma grande importância do ponto de vista ecológico e turístico. A baixa densidade demográfica aliada às extensas planícies inundáveis, aos lagos permanentes e temporários (baías e salinas) e à regularidade dos pulsos de cheia, constitui-se num excelente refúgio para a fauna. Atualmente são verificados no Pantanal diversos problemas ambientais, principalmente de origem antrópica. Segundo estudos realizados pelo Fundo Setorial de Recursos Hídricos (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2002), as alterações antrópicas sobre a vegetação natural da bacia causam diversos impactos hidrológicos. A partir da década de 1960, o Pantanal passou por profundas modificações causadas pela ocupação humana, especialmente em relação a substituição da vegetação original por pastagens e por cultivos agrícolas. Estas alterações podem ter contribuído para a modificação do regime hidrológico e da produção de sedimentos nas bacias dos rios que formam a wetland (área úmida) do Pantanal. Estudos de Galdino et al (1997) e Tucci e Collischonn (2001) revelaram que nas últimas décadas, o Pantanal também sofreu os impactos da variabilidade climática, passando por um período extremamente seco durante a década de 60 e por um período extremamente úmido a partir do início da década de 1970. A variabilidade climática gera diversos impactos ambientais, com alterações significativas do transporte de sedimentos e poluentes, mudanças no uso e cobertura da terra, no ciclo hidrológico, tais como evapotranspiração e infiltração. A compreensão do modelo de funcionamento das planícies de inundação do Pantanal é de fundamental importância para a conservação e gestão do meio ambiente. Assim, a maior dificuldade de compreensão dos modelos de inundação de grandes planícies é resultante da: (1) falta de informações para uma discretização adequada para os processos envolvidos; (2) caracterização computacional das planícies de inundação em função da variabilidade física dos sistemas; (3) integração com a simulação precipitação – vazão em grandes bacias que alimentam os hidrogramas das áreas de inundação. Segundo estudos de Hamilton et al (2002), o Pantanal constitui-se em uma planície de inundação localizada sobre uma grande formação geológica sedimentar de depósitos aluviais. O International Geosphere-Biosphere Programme (Melack et al, 1996) considera o Pantanal como uma das áreas úmidas (wetlands) mais importantes do planeta. As wetlands são definidas como áreas que: (1) apresentam lâminas de água que cobrem a superfície em um período significativo do ano ou durante uma estação climática, ou ainda, (2) apresentam um período de alagamentos com manutenção de vegetação permanente (Melack et al, 1996). As wetlands apresentam características e funções específicas, divididas em três categorias: hidrologia, biogeoquímica e manutenção de habitats alimentares. A dinâmica da água, em função do volume e composição, é um componente fundamental na definição do funcionamento dos ecossistemas aquáticos. As funções hidrológicas incluem o armazenamento a curto e longo prazo de grande corpos de água. Tais corpos d’água regulam o ciclo hidrológico, definindo os índices de precipitação, evapotranspiração, infiltração e escoamento. As funções biogeoquímicas incluem a transformação e reciclagem de elementos, retenção e remoção de substâncias dissolvidas em águas superficiais e acumulação de turfas e sedimentos inorgânicos. Essas funções retêm nutrientes e outros elementos, alterando a qualidade da água e a química aquática e atmosférica. Hamilton et al (1997) e Resende (2004) explicam a manutenção de habitats alimentares. No processo de cheia, as áreas inundadas têm a sua vegetação alagada, onde parte morre e se decompõe, formando os detritos orgânicos, fonte de alimento dos peixes; parte funciona como filtro que retém os sedimentos e matéria orgânica dissolvida, servindo como substrato para desenvolvimento de algas e microrganismos animais. A inundação também propicia o desenvolvimento de grandes massas de vegetação aquática e, associadas a elas, ricas comunidades de insetos aquáticos que servem de alimento aos peixes. Assim, a inundação propicia ricas fontes alimentares para peixes detritívoros, herbívoros, insetívoros e onívoros que são a base da cadeia alimentar dos peixes carnívoros e de outras espécies animais que as consomem como aves aquáticas, jacarés, lontras e ariranhas. Na fase seca, há novamente todo o crescimento da vegetação terrestre nas áreas anteriormente inundadas, fertilizadas parcialmente no processo de inundação e parcialmente, pela decomposição da vegetação aquática da fase anterior. Dessa forma, o sistema consegue incorporar e aproveitar matéria orgânica de forma muito eficiente, explicando a riqueza e diversidade dos rios com planícies inundáveis. Além da importância ecológica, as áreas alagáveis também são de interesse científico devido a sua considerável participação no balanço de carbono, como fontes de CO2 e de CH4. Diversos autores estudaram o processo de inundação sazonal – também definido como pulso de inundação – do Pantanal, como Hamilton et al (1996), Hamilton et al (2002), Junk e da Silva (1995), Heckman (1998), Resende (2004), Hamilton et al (1997), Shimabukuro et al (2006), Hess e Melack (1994), Mertes et al (1995) e Sippel et al (1998). Segundo Resende (2004), pulso de inundação é uma forma científica de definir o processo anual de enchente e seca que ocorre a cada ano no Pantanal. Constitui-se “processo ecológico essencial”, ou seja, aquele processo que comanda a riqueza, a distribuição e a abundância de vida no Pantanal. Junk (1997), estudando as áreas alagáveis da Amazônia Central, definiu o padrão sazonal de oscilação do nível da água, ou seja, a diferença média entre o nível da água durante o período de cota máxima e de cota mínima, denominando-o dede pulso de inundação. Esse pulso de inundação, segundo o autor, é a principal força da dinâmica dos ecossistemas alagáveis, modulando a proporção de componentes suspensos e dissolvidos na água e alterando suas características físico-químicas. Como consequência, modificam todo funcionamento dos ecossistemas por onde essas águas circulam. Os pulsos de inundação, conforme Hamilton et al (2002), estão associados ao regime climático e aos condicionantes geológicos-geomorfológicos. Segundo Tröger et al (2005), o período chuvoso no Pantanal ocorre de outubro a abril com pequenas variações interanuais, além de se observar uma pequena tendência de alteração na sazonalidade da precipitação de leste para oeste, com redução dos totais anuais. Os condicionantes geológico-geomorfológicos explicam o processo de inundação do Pantanal (Tröger et al (2005) e Resende (2004)). A medida que os afluentes do rio Paraguai avançam para o interior do Pantanal, as margens tornam-se mais baixas, e a água inunda a planície durante as grandes cheias. A planície pantaneira é ocupada por um grande número de depressões que, quando cheias, formam uma paisagem de pequenos lagos que se interligam nas águas altas e represam as águas de parte da rede de drenagem depois que os níveis do rio principal baixam (Tröger et al, 2005). Na planície, como a velocidade do escoamento é quase nula, os sedimentos se depositam no fundo destes pequenos lagos, assoreando-o. Esse comportamento reduz a percolação, que ocorre principalmente pelas laterais. O volume é reduzido principalmente pela evaporação, já que no total anual o volume precipitado é inferior ao da evaporação. Ao final da cheia, as águas das planícies inundadas retornam parcialmente ao rio principal, resultando em um forte amortecimento das cheias e em uma redução dos volumes dos hidrogramas de montante para jusante (Bravo et al, 2005). Outro fator que retarda o escoamento é a forma sinuosa, cheia de curvas, que o rio Paraguai e seus afluentes assumem durante a sua travessia pelo Pantanal. As peculiaridades de relevo e geologia também funcionam como verdadeiras barragens ao fluxo das águas. São embasamentos rochosos acoplados a morrarias que ocorrem ao longo do percurso do rio Paraguai. Segundo estudos efetuados pelo Projeto RADAMBRASIL (Ministério das Minas e Energia, 1983), esses controles geológicos estão localizados na região do Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros. O sistema funciona como um grande reservatório, com reduzida vazão de saída e inundação de áreas ribeirinhas, criando os condicionantes naturais da formação de wetlands. O Pantanal, pelas características únicas que possui, foi decretado Patrimônio Nacional, pela Constituição de 1988, e Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera, pelas Nações Unidas, em 2000, além de estar incluído na Convenção de Ramsar. A Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, denominada Convenção de Ramsar, é um tratado intergovernamental que estabelece o quadro de ação nacional e cooperação internacional para a conservação e utilização racional das zonas úmidas e dos seus recursos. Negociados na década de 1960 pelos países e organizações não-governamentais que estavam preocupados com a crescente perda e degradação dos habitat de zonas úmidas para aves aquáticas migradoras, o tratado foi adotado na cidade iraniana de Ramsar, em 1971 e entrou em vigor em 1975. É o único tratado ambiental global que trata de um ecossistema particular, e os países membros da Convenção abrange todas as regiões geográficas do planeta. A missão da Convenção é "a conservação e exploração racional de todas as zonas úmidas através de ações locais e nacionais e cooperação internacional, como um contributo para alcançar o desenvolvimento sustentável em todo o mundo." A Convenção utiliza uma ampla definição dos tipos de zonas úmidas abrangidas em sua missão, incluindo lagos e rios, mangues e pântanos, prados úmidos e turfeiras, oásis, estuários, deltas e planícies de maré, perto da costa de zonas marinhas, mangues e recifes de coral e humanas de sites como viveiros de peixes, arrozais, reservatórios e salinas. A definição do conceito de zona úmida surgiu na Convenção de Ramsar. O tratado intergovernamental celebrado no Irã, em 1971, marcou o início das ações nacionais e internacionais para a conservação e o uso sustentável das zonas úmidas e de seus recursos naturais. Atualmente, 150 países são signatários do tratado, incluindo o Brasil. A convenção também classificou zonas úmidas de importância mundial, os chamados Sítios Ramsar. Existem 1.556 Sítios Ramsar reconhecidos mundialmente por suas características, biodiversidade e importância estratégica para as populações locais, totalizando 129.661.722 hectares, sendo o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense um destes sítios. (Laudo Técnico nº 1/2018-NLA-MS/DITEC-MS/SUPES-MS, constante no Id. 8646634, pág. 48-50, desta ACP) Sobre a localização do empreendimento em bem da União, nos termos do art. 20, II, III e §2º c/c art. 109, I, ambos da CF (terreno marginal de rio federal e terra devoluta em área de fronteira), o empreendimento está instalado em Área de Preservação Permanente. O art. 4º, inciso I, “d” da Lei n. 12.651/12 prevê uma faixa de 200m para APP nos casos de rios que tenham de 200 a 600 metros de largura, caso dos autos. Trazida uma visão geral da relevância do tema tratado nesta ação civil pública ambiental, passa-se à análise dos fatos descritos pelo MPF como causadores dos danos ambientais atribuídos aos réus. Para melhor delimitação da pretensão, segue a seguir a descrição dos fatos constantes na inicial: 2.1. NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. Em relação à NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A., a questão ambiental se iniciou antes mesmo da expedição de sua Licença Prévia. A título de retrospecto fático, é importante destacar que a mesma sociedade empresarial já havia sido autuada em 18/11/2009 por fazer funcionar empreendimento potencialmente poluidor em local próximo, também na APP do Rio Paraguai, o que deu origem ao Inquérito Civil n. 1.21.004.000281/2009-21. Na ocasião, lavrou-se notificação nº 401143, auto de infração nº 196704 e termo de embargo/interdição nº 564578, todos no dia 18/11/2009. Contudo, considerando que a instalação do empreendimento passou a ser objeto do processo de licenciamento ambiental nº 02001.010328/2009-04, que tramita no IBAMA e no qual foi emitida a Licença Prévia nº 426/2011 (fls. 151/153 do IC nº 1.21.004.000084/2012-16), aquele inquérito civil mencionado foi arquivado. Na esfera criminal, todavia, o IPL nº 0090/2010-DPF/CRA/MS – assim como o IPL nº 0055/2011-DPF/CRA/MS, arquivado em decorrência de aquele primeiro já se encontrar com investigações mais avançadas sobre os mesmos fatos delitivos então apurados – deu origem à Ação Penal nº 0000092-95.2014.403.6004, figurando como réus a NPM S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, pela prática dos crimes tipificados nos arts. 48 e 60 da Lei n° 9.605/98 (por fatos ocorridos em 23/11/2009), em concurso material com os crimes dos arts. 38, 48 e 60 da Lei n° 9.605/98 (por fatos ocorridos em 26/03/2012), de acordo com a denúncia anexa. Nesse ínterim, foi instaurado o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, para apurar a notícia, recebida em 13/02/2012, de que a NPM S.A. estaria se utilizando de dragas para a construção de um aterro em área na qual a empresa pretendia fazer funcionar um estaleiro para construção/reforma de embarcações, antes de emitida a Licença ambiental de Instalação pelo IBAMA. Em 06/01/2014, o empreendimento conseguiu a expedição da Licença de Instalação nº 987/2014, que dentre as suas condicionantes específicas de validade apostas pelo IBAMA, incluiu o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, prevendo a recuperação de áreas degradadas na área de influência direta do empreendimento, em particular, as matas ciliares, aprovado com a recomendação de que deveria ser iniciado concomitantemente ao empreendimento e finalizado com a recuperação das áreas degradadas (fl. 412 do IC nº 1.21.004.000084/2012-16). Ocorre que, em 21/05/2014, aportou nesta Procuradoria novo ofício do IBAMA informando a ocorrência de irregularidades praticadas pela NPM S.A., em detrimento da Licença de Instalação nº 987/2014 (fls. 422/428 do IC nº 1.21.004.000084/2012-16), verificadas durante vistoria às obras de instalação do estaleiro realizadas pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do IBAMA: Em 25/03/14, o NLA/MS efetua vistoria nas obras de instalação do estaleiro, constatando que a drenagem para a implantação da estrada de acesso à BR/262 estava sendo efetuado no Corixo Gonçalinho, conforme atesta o Relatório Fotográfico anexo, e não no rio Paraguai, em desobediência ao projeto proposto e aprovado no Plano Básico Ambiental de Dragagem e Aterro, e em desacordo com informações prestadas no documento acima citado (Documento nº 2038.000011/2014-00), referentes à Condicionante 2.1, onde o empreendedor afirma que será dragado uma área no rio Paraguai, em frente ao estaleiro, tendo sido observada supressão de vegetação sem autorização do Ibama para a implantação de estrada e das tubulações da draga. Em 15/05/2014, o NLA/MS efetua nova vistoria nas obras de instalação, constatando que o acesso em direção à BR/262 está praticamente concluído, sem que fosse implantada a ponte de 25m sobre as áreas úmidas, interrompendo todo o fluxo hidrológico da vazante que existe no local, conforme atesta o Relatório Fotográfico anexo, ressaltando que a Condicionante Específica 2.4 ainda não foi cumprida, pois a autorização do DNIT para o acesso à BR/262 ainda não foi apresentada. Tais constatações foram as mesmas concluídas nas investigações deflagradas no IPL nº 0059/2015-DPF/CRA/MS, que deram origem à Ação Penal nº 0001095-80.2017.403.6004 (denúncia anexa), novamente figurando como réus NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, pela prática dos crimes do art. 55 da Lei nº 9.605/98, ao executarem a extração de recursos minerais em desacordo com a Licença de Instalação nº 987/2014, entre 06 de janeiro1 e 25 de março2 de 2014; do art. 68 da Lei nº 9.605/98, por descumprirem as condicionantes fixadas na Licença de Instalação nº 987/2014, ao deixarem de construir uma ponte de 25 m (vinte e cinco metros) sobre as áreas úmidas, interrompendo todo o fluxo hidrológico e vazantes que existe no local, entre 25 de março e 15 de maio3 de 2014; e, entre 27 de julho de 2013 e 23 de maio de 20164, ampliarem a obra do aterro que já estava em construção, potencialmente poluidora, em 146.600 m³ (cento e quarenta e seis mil e seiscentos metros cúbicos)5, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes (art. 60 da Lei nº 9.605/98), com destruição de floresta considerada de preservação permanente (art. 38 da Lei nº 9.605/98) e impedindo e dificultando a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação (art. 48 da Lei nº 9.605/98). O próprio réu daquela ação penal, JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, em seu interrogatório policial, às fls. 217/219 do IPL nº 0059/2015, confirmou que “a dragagem ocorre no Corixo Gonçalinho (…) que não houve dragagem no próprio Rio Paraguai para evitar embaraços à navegação”, além de “que não foi construída qualquer ponte no local”. Naquela investigação, inclusive, ao responder os quesitos da Perícia, à fl. 150 dos respectivos autos, verifica-se que restou claro que os réus desflorestaram e suprimiram toda a vegetação para a ampliação do referido aterro e para a passagem da tubulação da draga, ainda impedindo que as formações da flora, após a destruição de floresta e supressões, se regenerassem, nos seguintes termos: Quesito 7: A área degradada pode ser considerada como floresta de preservação permanente? A área degradada está inserida em área de preservação permanente. Parte da vegetação é arbórea e parte da vegetação apresenta porte arbustivo e adaptada ao meio ambiente aquático (micrófitas aquáticas). (…) Quesito 10: Dentre esses danos, houve impedimento ou dificuldade para que ocorresse ou ocorra a regeneração natural de floresta e demais formas de vegetação? Sim, considerando que a área aterrada não permite a repercussão da vegetação original, toda área aterrada, que totaliza 3,9 ha impede a regeneração da vegetação. (….) Ademais, à fl. 148 do IPL nº 0059/2015, os peritos fazem ressaltar que “o raio de ação do impacto ambiental é maior, não sendo possível precisar com exatidão os locais dragados, que, certamente, pelo volume extraído, foram se alternando. Também deve-se considerar que o desmatamento para a implantação da tubulação afeta o habitat de animais que podem se deslocar do local buscando outras regiões e pode ainda afetar a margem do rio, com desbarrancamento da margem e deposição de areia, com assoreamento dos rios conforme observado no Laudo 1100/2013-SETEC/SR/DPF/MS. Ainda, o processo de extração de areia por meio de draga provoca aumento da turbidez na água, com a dispersão de sedimentos que podem se deslocar de onde estavam depositados para outras regiões mais distantes, dependendo do fluxo e velocidade da água no momento da extração.” Tais indícios foram mais que suficientes para demonstrarem as autorias e materialidades que originaram a citada Ação Penal nº 0001095-80.2017.403.6004, em face da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. e de JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO. A esse tempo, notícias de fatos criminosos semelhantes foram encaminhados à DPF/CRA, resultando posteriormente na instauração de nova investigação (IPL nº 0035/2016-DPF/CRA/MS), em decorrência de nova fiscalização do IBAMA ocorrida em 08/08/2014, que levou à lavratura do auto de infração nº 9081592-E (fls. 05/07-v do respectivo IPL), por fazer funcionar o empreendimento sem a competente Licença de Operação. Nesta última investigação, inclusive, houve a elaboração de dois Laudos Periciais pela Polícia Federal (nº 703/2016, às fls. 42/60, e nº 173/2017, às fls.119/125 respectivas) que explicam detalhadamente algumas situações de suma importância quanto ao empreendimento NPM: a sua localização em Área de Preservação Permanente com a reprodução de imagens de satélites, compreendendo-se a dimensão da degradação ambiental e das instalações da pessoa jurídica; os passivos resultantes da atividade produtiva descartados sem qualquer preocupação ambiental, tais como ferro, materiais de solda, baterias etc; a continuidade das atividades comerciais da empresa em contrariedade às determinações dos órgãos ambientais; e o funcionamento do Estaleiro em localidade diversa daquela a que se refere o seu licenciamento ambiental , que deveria ocorrer na denominada Fazenda Genipava, conforme as coordenadas geográficas constantes das Licenças Prévias e de Instalação. No bojo do Laudo Pericial nº 173/2017, os peritos ainda fornecem os seguintes dados relevantes ao responder os respectivos quesitos: “Observa-se que a investigada foi objeto de diversas denúncias de irregularidades ao longo do processo de licenciamento do empreendimento, desde o início da obra sem a devida Licença de Instalação, procedendo ao desmatamento, dragagem e execução da obra de modo nocivo e diverso ao qual foi proposto no projeto, e aprovado pelo IBAMA. Considerando o porte do empreendimento e a magnitude das intervenções relacionadas ao mesmo, as irregularidades cometidas pela empresa são de natureza grave (…) Valendo-se de um Mandado de Segurança de 22/08/2012, que liberava os equipamentos apreendidos e suspendia os efeitos de um termo de Embargo expedido pelo IBAMA, 'tão somente para o fim de que a autoridade administrativa' deliberasse 'no prazo de 30 dias sobre a conclusão do pleito de Licença de Instalação e Dragagem e Aterro', a investigada continuou executando as obras sem a devida Licença de Instalação ou em desacordo com suas exigências, em desrespeito ao que determina a legislação vigente.” Tais fatos investigados no decorrer daquela investigação serão objeto de nova denúncia em face de NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, a ser oferecida em momento oportuno. Entrementes todos os referidos procedimentos investigativos anteriormente citados, permanece em curso no âmbito desta Procuradoria da República o IC nº 1.21.004.000084/2012-16, que tem por objeto acompanhar os ilícitos ambientais praticados pela NPM S.A. e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO no decorrer de seu licenciamento ambiental. Neste procedimento, as últimas informações fornecidas pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do IBAMA/MS, às fls. 661/662-v e 945/948-v respectivas, dão conta de que o empreendimento, atualmente, busca a renovação de sua Licença de Instalação, objetivando, consequentemente, a expedição da Licença de Operação. Contudo, os documentos advindos daquele Núcleo evidenciam que, além do requerimento de renovação da Licença de Instalação ter ocorrido de forma intempestiva,“o requerimento (…) também apresentou o atual estágio de implantação do estaleiro, com as obras e estruturas já concluídas, bem como as demais estruturas e obras previstas e ainda não executadas, podendo-se estimar que cerca de 80% do estaleiro já se encontra concluído, conforme vistoria efetuada pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental em 20/02/2017.” Por fim, da última fiscalização realizada pelo NLA/IBAMA/MS, em 19/09/2017, a fim de verificar o cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação a que o empreendimento NPM S.A. estava obrigado implementar desde 2014, o órgão ambiental pôde, mais uma vez, verificar o não atendimento a nenhuma das condicionantes da licença ambiental, bem como que o estabelecimento já se encontra em plena operação, mesmo sem a competente licença. Os analistas ambientais, em especial, expuseram a sensível momento em que se encontra o local em que está instalado o empreendimento, o qual demanda urgente tomada das medidas que ora se adotam, nos seguintes termos: “Optamos por não solicitar a apresentação dos programas ambientais e de várias condicionantes inclusas na licença de instalação, considerando que os programas ambientais de controle e monitoramento são uma compilação das metidas mitigadoras propostas para minimizar os impactos negativos e reversíveis ocasionados durante a implantação do empreendimento, e face ao avançado estágio das obras, as tais medidas mitigados não alcançariam os efeitos esperados. Neste ínterim, a empresa propôs a apresentação de diversos programas ambientais, mas conforme discutido acima, alguns já não teriam mais consequências práticas (…).”" (Id 6213675, pág. 4-10). Segundo narra o MPF, a pessoa jurídica Navegação Porto Morrinho S.A, representada pelo seu Diretor Presidente José João Abdalla Filho, figura em amplo rol de infrações sucessivamente lavrados em virtude dos descumprimentos das normas protetivas ambientais às quais se sujeitam as atividades empresariais que exerce, além de investigações policiais de possíveis crimes ambientais praticados pelos requeridos e as Ações Penais nº 0000092-95.2014.4.03.6004 e nº 0001095-80.2017.4.03.6004 em que já figuram como réus, sendo frequente a desconsideração das determinações administrativas, o que fez com que o MPF optasse pela adoção de medidas judiciais com o intuito de assegurar a defesa do meio ambiente (Id 6213675, pág. 4). No bojo da Ação Penal nº 0000092-95.2014.4.03.6004, apurou-se a prática de supressão de vegetação em APP na ausência de licença ambiental no ano de 2012. Proferida sentença, o pedido foi julgado parcialmente procedente, com a condenação da empresa pela prática do crime previsto na Lei 9.605/1998, artigo 38, às penas de multa, prestação de serviços e suspensão das atividades na área afetada até que os danos sejam sanados. Cabe destacar parte da fundamentação adotada naquela sentença (Id 241148382 da Ação Penal 0000092-95.2014.4.03.6004): "O conceito normativo de floresta, portanto, deve ser extraído a partir de elementos compatíveis com os padrões vegetais e extrativistas observados no território nacional, a ser considerado não como um mero conjunto de árvores de determinadas características, mas como um ecossistema complexo, formado por um conjunto vegetal apto a abrigar e propiciar meios de desenvolvimento a cadeias de vida interdependentes. Conforme registram o laudo pericial criminal produzido nos autos e o estudo de impacto ambiental apresentado pela empresa por ocasião do requerimento de licença prévia, a vegetação suprimida enquadra-se como Savana (Cerrado)/Savana Estépica/Floresta Perenifolia, categorias de vegetação classificadas como florestas pelo Serviço Florestal Brasileiro. Por fim, as fotografias colacionadas ao laudo pericial criminal e o próprio senso comum daqueles que vivem na região conhecem a vegetação pantaneira que margeia o Rio Paraguai não deixam a menor dúvida de que a vegetação em questão trata-se de floresta, de modo que a tese em contrário trazida pela defesa não passa de mero exercício abstrato de retórica. Quanto às alegações de ausência de dolo, e de que a construção do aterro se deu para permitir a remoção das barcaças do local do Fato 1 para o local do Fato 2, em estrita observância a determinação do IBAMA, não lhes assiste melhor sorte. Primeiro, porque o dolo é claro neste caso e pode ser extraído do próprio estudo de impacto ambiental apresentado pela empresa por ocasião do requerimento da licença prévia, em 2009, do qual constava a previsão de requerimento específico para supressão de vegetação, a ser realizado pela empresa. No entanto, até a data da autuação pelo IBAMA, em 2012, ainda não havia autorização para a supressão, e a empresa sequer contava com licença de instalação. Não obstante, procedeu à destruição vegetal mesmo sabendo da necessidade de autorização. Segundo, porque não há nenhuma prova nos autos de autorização do IBAMA para a realização de dragagem e aterramento da área com supressão de vegetação. Com efeito, colhe-se dos autos que a área à direita da ponto do Rio Paraguai foi objeto de termo de embargo em 23.11.2009, pela execução de serviços de reparos nas embarcações da empresa em APP sem licença ambiental (id 31672618, fls. 19/20). Na mesma data, a empresa informou que faria a transferência dos serviços para uma área já antropizada, distante 150 metros da APP, com a finalidade de atender à legislação ambiental (id 31672618, fls. 07/08). Em 07.12.2009, o IBAMA expediu Termo de Desembargo "devendo o interessado promover única e exclusivamente a remoção de partes das estruturas flutuantes (barcaças)". Não havia, portanto, qualquer autorização para dragagem e aterramento, ainda que a empresa alegue serem indispensáveis para a alocação das barcaças no local, apenas para alocação das barcaças no local. Para a construção do aterro, seria necessária autorização específica, inclusive contemplando a possibilidade de supressão vegetal, inexistente à época. E nem se argumente, a respeito, que a ordem concedida no MS 0001054.89.2012.4.03.6004 autorizava referida supressão vegetal. Isso porque a ação mandamental em questão tinha como objeto desembargar e autorizar a dragagem e aterro na área, e determinar ao IBAMA a expedição da licença de instalação, mas a ordem foi concedida apenas para "o fim de determinar a suspensão dos efeitos do Termo de Embargo nº 542.597 tão somente para o fim de que a autoridade administrativa proceda a imediata conclusão do pleito de Licença de Instalação e Dragagem e Aterro no P.A. nº 2009.10.055.0062678, independentemente dos fatos apurados na Infração nº 542.597 D e respectivo Termo de Embargo; DEFIRO ainda ordem para imediata liberação dos equipamentos apreendidos no Termo de Apreensão nº 445.115" (conforme se extraem da cópia da sentença transitada em julgado e demais partes dos autos colacionadas no id 31671296, fls. 127/194, e no id 31672609, fls. 143 e 212/222). Não havia, portanto, autorização judicial para início da instalação e construção do aterro. " Em sede recursal na Ação Penal 0000092-95.2014.4.03.6004, contudo, foi declarada a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, considerando-se a pena aplicada em concreto (Id 331584128 da Ação Penal 0000092-95.2014.4.03.6004). No bojo da Ação Penal nº 0001095-80.2017.4.03.6004, apurou-se o descumprimento de condições específicas presentes na Licença de Instalação n° 987/2014 (ausência de construção de ponte sobre área úmida no Corixo Gonçalinho), incidindo em tese no art. 68 da Lei n° 9.605/98, e a supressão de floresta em APP, distinta daquela julgada na ação penal 0000092-95.2014.4.-3.6004, em razão de expansão do aterro previamente estipulado na licença ambiental obtida, sem a devida anuência prévia do órgão competente, incidindo em tese no art. 38 da Lei n° 9.605/98. Proferida sentença, o pedido foi julgado parcialmente procedente, com a condenação da empresa pela prática do crime previsto no art. 68, caput, da Lei n° 9.605/98. Para fins de contextualização, cabe destacar parte da fundamentação adotada na sentença de Id 339726514 da Ação Penal nº 0001095-80.2017.4.03.6004: "A querela específica nestes autos é afeta a duas condutas específicas, às quais me atenho. Estas são (1) a ausência de realização de uma ponte em uma área úmida (Corixo Gonçalinho) para fins de não se interromper seu fluxo por ocasião do aterramento, e (2) a supressão de floresta na APP por ocasião da expansão do aterramento. 2.2.3.1 Da omissão em construir a ponte sobre o Corixo Gonçalinho Acerca deste fato específico, restou incontroverso que havia o dever da ré de construir a referida ponte para fins de permitir o adequado escoamento do corixo em questão por ocasião do aterramento, com o objetivo de manter sua vazão normal durante cheias e secas. A ponte em questão foi prevista no Plano Básico Ambiental manufaturado pela empresa, o que não se logrou localizar nestes autos, em que pese inconteste pela defesa. Apenas para fins de esclarecimento, junta-se cópia da figura constante no Laudo nº 667/2016 - SETEC/SR/PF/MS que identifica os detalhes dos fatos apurados no tempo (id. 23798243 - Pág. 61, quadrado rosa na parte inferior direita não original): A PF descreve o seguinte por ocasião da análise dos danos ambientais (id. 23799007 - Pág. 7 e 8): Os impactos ambientais e danos subsequentes foram amplamente discutidos no Laudo 1100/2013 (...) cabe ressaltar que o dano de represamento já citado no referido laudo foi potencializado com a construção da estrada de acesso [pontilhados vermelhos]. Pelo material recebido, inicialmente, no plano aprovado pelo órgão ambiental, havia sido indicada a construção de uma ponte a fim de mitigar os danos ambientais e não obstruir o fluxo de animais e da ictiofauna e o fluxo de água das áreas temporariamente alagadas que acompanham a elevação de nível do rio Paraguai. Para fins de esclarecer, o represamento referenciado pela PF no trecho escrito do laudo é devido ao aterramento nas áreas pontilhadas em vermelho. O represamento específico do corixo ocorreu na área destacada pelo quadrado rosa na parte inferior (feito por este juízo), que indica apenas a área genérica do local (para fins de esclarecimento), e não onde foi aterrado especificamente. Naquele local, haveria a previsão no projeto ambiental para construção de uma ponte, que seria dever da parte. Em análise às provas testemunhais, nota-se que o depoimento da testemunha LUIZ FERNANDO GOUVÊA LUTHOLD, perito policial que participou da elaboração do Laudo nº 667/2016 - SETEC/SR/PF/MS, aponta para dúvida quanto à origem do dever da ré em construir tal ponte, se na licença, ou no projeto da própria empresa, em que pese existir no laudo pericial a referência específica à previsão de pontes no projeto ambiental licenciado, com intuito de não se criar uma "barragem" e o consequente represamento da água nas vazantes (termo utilizado no próprio laudo pericial). O depoimento da testemunha REGINALDO GOMES YAMACIRO, servidor do IBAMA que ainda atua na querela ambiental, indica que a própria ideia da ponte partiu do projeto ambiental da empresa, aprovado pelo IBAMA. A testemunha ainda indica que houve um parecer técnico acerca das manilhas, após visita do IBAMA ao local, no entanto, tais documentos não foram encartados aos autos, e tratam de visitas em período mais recente, visto que o imbróglio ambiental do empreendimento permanece. O servidor do IBAMA apontou que o sistema de águas do Corixo Gonçalinho "foi parcialmente apresentado, porém faltaram elementos de engenharia", no entanto, não esclareceu os detalhes da "falta de elementos". Como se verificam das provas, a alternativa empregada pelo empreendedor efetivamente satisfez o interesse ambiental, através da instalação de manilhas (tubos) com 1m de diâmetro, para escoar a água. Tal conclusão se retira dos laudos da perícia imparcial conduzida na ACP, em especial a resposta ao quesito n° 19 do MPF, e n° 12 da defesa naqueles autos (id. 289412065 e 289412066 autos 5000187-98.2018.4.03.6004). Nestes autos, foi juntada cópia do laudo pericial (id. 317310022). A perícia concluiu que as manilhas satisfazem o interesse ambiental, ao permitir o escoamento do corixo. Acerca da data de instalação das referidas manilhas, a única informação constante nestes autos parte do depoimento de ANTÔNIO VITÓRIO DE ALMEIDA, ao dizer que a instalação se deu dois ou três dias após o aterramento. Tanto a perícia policial e demais documentos, bem como os depoimentos, não indicam outra data, presumindo-se, portanto, como verdadeiro o teor do depoimento. Resta claro que (1) a empresa satisfez o interesse ambiental na matéria específica do escoamento do corixo Gonçalinho por ocasião de seu parcial aterramento e (2) a instalação da solução se deu no curto período de dois ou três dias. Portanto, conclui-se pela atipicidade da conduta imputada quanto ao art. 68, caput da Lei n° 9.605/98, visto que a conduta não deixou de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, que restou satisfeito através de alternativa aparentemente viável, com base nas provas produzidas nestes autos. Impõe-se a absolvição do réu desta imputação, nos termos do art. 386, inciso III, do CPP. 2.2.3.2 Da destruição/danificação de floresta em APP durante a ampliação do aterro Acerca do fato imputado em questão, faço referência à figura anteriormente colacionada na decisão, indicando que o fato foi interpretado pelo MPF como destruição de florestas (art. 38 da Lei n° 9.605/98) na área pontilhada vermelha (área onde foi identificado novo aterramento, efetivamente expandindo-se o antigo) que integra a linha verde (APP). A área em questão foi numerada e calculada pela perícia, sendo que a maior parte dos pontos numerados 1, 2 e 3 integram a APP. Segue a tabela com a descrição das áreas, sendo que os números fazem referência àqueles presentes na figura trazida anteriormente (id. 23798243 - Pág. 62): Esclareço que o n° 4 na tabela, que omiti na figura, se refere a área da estrada de acesso, que não foi realizada em APP e, portanto, foge ao escopo da imputação nestes autos. Não há controvérsia acerca da supressão de vegetação na Área de Preservação Permanente em questão, e da ausência de licenças ou autorizações para tanto. A parte ré efetivamente expandiu o aterro do empreendimento em questão, como bem ilustram as figuras, suprimindo a vegetação no local, em zona de preservação permanente, na ausência de autorização para tanto e, portanto, em desconformidade com a lei. As perícias são harmônicas em apontar este fato, inclusive como se verifica das respostas aos quesitos do MPF de n° 1, 5, 7 e 13 da perícia realizada na ACP (id. 317310022). Em resposta ao quesito de n° 1, o perito concluiu que "as instalações encontram-se a menos de 200 metros do leito regular do rio que no local varia de 200 a 600 metros", ao de n° 5 "houve supressão de vegetação sem autorização do órgão competente", ao de n° 7 que "a instalação de aterro em corixos ou em qualquer curso de água causará impacto ambiental", e ao de ° 13 que "a supressão ou aterro da vegetação prejudica a fixação ou fluxo de população de fauna na área diretamente ou indiretamente afetada". Pois bem, sobre esta imputação a defesa alega que o local em questão não possuía floresta, visto que floresta é termo com teor jurídico-semântico específico que não abrange vegetação rasteira, do tipo que se encontrava no local dos fatos. Conforme se depreende da análise do Laudo Pericial nº 667/2016 - SETEC/SR/PF/MS, em resposta aos quesitos trazidos em relação ao desmatamento (id. 23799007 - Pág. 19), conclui-se que o desmatamento propriamente ocorreu precipuamente para construção da estrada, e não na APP. Em resposta ao Quesito n° 3, o perito disse que "houve desmatamento e dano à vegetação, conforme demonstrado nos Laudos 1100/2013-SETEC/SR/DPF/MS e no presente. Além do desmatamento, houve também o aterro de uma área de 39.100 m² das quais parte continha vegetação". A perícia também ressalta que houve desmate para passagem da tubulação da draga, o que no entanto não constou nas figuras do exame mais recente, mas apenas no realizado em 2013, constante no Laudo 1100/2013 -SETEC/SR/DPF/MS, em figura reproduzida no próprio Laudo n° 667/2016 (id. 23798243 - Pág. 60): Em cotejo com as conclusões periciais tomadas na ACP, observa-se que a maior parte da área afetada em APP, senão a sua totalidade, é efetivamente de vegetação rasteira, e não arbórea. Nesse sentido, a resposta ao quesito complementar 2.1 da defesa (id. 317310029) esclarece que a vegetação do local pode ser classificada como "campos" e "áreas inundáveis com predominância de gramíneas", e ainda "composta basicamente de capim braquiara, humidicola e colonião, espécies exóticas muito usadas nos pastos do pantanal" ambas gramíneas. Em que pese a possibilidade de discussão jurídica acerca da abrangência penalmente típica do termo "floresta", é possível verificar, conforme o próprio teor da legislação penal ambiental prevista na Lei n° 9.605/98, que essa utiliza palavras específicas, fazendo opção por estas quando da definição dos tipos penais. A título de exemplo, temos os tipos penais previstos nos artigos 38-A, 41, 45, 46, 48, 50 e outros da Lei n° 9.605/98, que usam termos como "destruir ou danificar vegetação primária ou secundária", "provocar incêndio em floresta ou demais formas de vegetação", "cortar ou transformar em carvão madeira de lei", "receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal", "impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação" e "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues", respectivamente. Ora, os excertos deixam claro que a lei buscou delinear especificamente seu léxico, de modo a refletir diversas tipologias penais distintas. Portanto, a previsão da palavra "floresta" e a ausência de "demais formas de vegetação" no tipo penal previsto no art. 38 da Lei n° 9.605/98 parece indicar uma opção legislativa. Somado ao argumento do léxico, tem-se a distinção das penas, indicando uma proporcionalidade intencional na reprimenda conforme a previsão normativa do delito. Nesse sentido, desmatar uma floresta considerada de preservação permanente (art. 38 da Lei n° 9.605/98) prevê uma pena abstrata entre 1 e 3 anos de detenção, enquanto extrair pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais da mesma área de preservação permanente (art. 44 da mesma lei) ou impedir a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação em qualquer local (art. 48 da mesma lei), possuem uma pena abstrata entre 6 meses e 1 ano. Portanto, é temerário interpretar o termo "florestas" no art. 38 da Lei n° 9.605/98 de forma ampla, de modo a abranger vegetações rasteiras e arbustos, ainda mais quando as definições trazidas à palavra "floresta" em outras fontes normativas indicam se tratar de formação precipuamente arbórea, e não rasteira/gramínea. Por outro lado, tem-se que a conduta imputada a ré nesta parte adequa-se perfeitamente ao tipo penal do art. 68 da Lei n° 9.605/98 (imputado pela acusação à outra conduta), visto que a ré deixou de cumprir com a obrigação legal/contratual ao expandir a área do aterro, suprimindo a vegetação em APP. A obrigação é derivada da licença de instalação obtida, que limitava a ré aos termos desta. A empresa efetivamente exorbitou de suas autorizações ambientais obtidas na licença de instalação, ampliando o aterro, o que foi identificado em posterior fiscalização do órgão ambiental, e confirmado na perícia. Constata-se que o IPL que deu azo ao presente processo penal teve origem na persistência da empresa em agir na ausência das autorizações de supressão de vegetação e expansão do aterro, que implicaram em dano ambiental, satisfazendo o tipo no que tange ao relevante interesse ambiental. Em que pese a aparente crença do proprietário da empresa na capacidade do provimento jurisdicional de segurança parcial em garantir a continuidade total da obra, tem-se que este não era o caso. Na decisão proferida no mandado de segurança, foi determinado que se suspendesse "os efeitos do Termo de Embargo nº 542.597 tão somente para o fim de que a autoridade administrativa proceda a imediata conclusão do pleito de Licença de Instalação e Dragagem e Aterro no P.A. nº 2009.10.055.0062678, independentemente dos fatos apurados na Infração nº 542.597 D e respectivo Termo de Embargo" e concedida "ordem para imediata liberação dos equipamentos apreendidos no Termo de Apreensão nº 445.115". A posterior concessão de licença de instalação, conforme determinado no julgado, trazia condições que deveriam ser seguidas, e seu descumprimento ensejou conduta penalmente típica. Eventual alegação de exageros por parte do órgão ambiental, ou de repetida demora na avaliação dos pedidos em favor do empreendimento, deveriam ser novamente trazidos para análise jurisdicional, sendo certo que, ao tentar "fazer justiça com as próprias mãos", o empreendedor incidiu no delito. Portanto, ao expandir o aterro em questão na ausência de autorização do órgão competente, o autor deu azo à conduta penalmente típica de deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, com fruto em dever legal (legislação ambiental) e contratual (Licença de Instalação). Não se olvida, por outro lado, que devem ser levadas em conta as diversas tratativas para regularização perante o órgão ambiental, e a autorização anterior para se dar início ao empreendimento, o que mitiga a reprovação da conduta, visto que não foi realizada de forma oculta, o que deve ser levado em consideração na fixação da pena. Isto porque é razoável concluir-se pela diminuta responsabilidade daquele que extrapola os limites da licença ambiental, em oposição àquele que sequer busca satisfazer os deveres ambientais. Aplico portanto, o art. 383 do CPP (emendatio libelli) para fins de, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, atribuir-lhe definição definição jurídica diversa. Demonstrada a materialidade e a autoria, mostra-se típica a conduta quanto ao artigo 68, caput, da Lei n° 9.605/98, e ausentes causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade da acusada, impõe-se sua condenação nas respectivas penas." Tramita, ainda, neste Juízo Federal, a Ação Penal n° 0000267-50.2018.4.03.6004, em que se apura o descarte de resíduos sólidos oriundos de soldagem ao ar livre, em grande quantidade (art. 54, § 2°, inciso V, da Lei n° 11.343/06) e omissão dolosa em procedimento administrativo de licenciamento e estudos de impacto ambiental na construção e operação de estaleiro na coordenada geográfica 19°30'26.86"S 57°25'59.84"W - altura do km 214 da Rodovia BR-262, em que pese haver solicitado, no referido procedimento, apenas a autorização para operação em local diverso, qual seja o local de coordenada geográfica 19°28'18.3"S 57°25'04.2"W - altura do km 718 da Rodovia BR-262 (art. 69-A, caput, da Lei n° 9.605/98). Tal processo está em fase de instrução. 2.3. Análise do mérito Feita a contextualização dos fatos com que se lida, prossigo para a análise do mérito, considerando o ponto controvertido definido por ocasião do saneamento do feito (Id 24735168 e Id 250250152): 3. Delimitação dos pontos controvertidos A delimitação dos pontos controvertidos e questões de direito foi assim decidida (Id 24735168): “O ponto controvertido consiste em definir se os requeridos descumpriram as normas, projetos e programas ambientais no exercício do empreendimento Navegação Porto Morrinho S/A e o impacto ambiental causado, bem como definir as obrigações daí decorrentes”. Desse modo, a controvérsia versa sobre a responsabilidade dos réus sobre eventuais danos ambientais decorrentes das atividades do empreendimento denominado Estaleiro Porto Morrinho em Área de Preservação Permanente (APP) do Rio Paraguai, na região de Porto Morrinho, município de Corumbá. Em sede administrativa e ao longo da instrução processual, foram produzidos inúmeros documentos que servem para a análise dos pontos controvertidos, a saber: i) Polícia Militar Ambiental: Id 6216172, pág. 13 a 6216175, pág. 3; 6216176, pág. 2 a 6216186, pág. 1; 6218665 a 6218668, pág. 3; ii) Secretaria do Patrimônio da União (SPU): Id 6286649, págs. 1-2; 6273271, págs. 4-8; 9439480, pág. 6; iii) Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (IMASUL): Id 6288151 a 6288153, pág. 14; 9438899; 9439451; 28879283; 28879264; iv) IBAMA: Id 6216189 a 6223607, pág. 16; 6223639, pág. 25 a 6223643, pág. 1; 6225118, pág. 6 a 6225121, pág. 16; 6225136 a 6225144, pág. 1; 6218671, pág. 5 a 6237609, pág. 5; 6275817, pág. 11 a 6275849, pág. 1; 6288158, pág. 1 a 6273266, pág. 4; 6273277, pág. 9 a 6273295, pág. 17; 6286664, pág. 7 a 6286667, pág. 2; 8646634, págs. 43-59; 9434674 a 9438858; 9438876, pág. 5 a 9438882, pág. 51; 10681794; 14969194; 22068635; 22068639. No Relatório de Apuração de Infrações Administrativas Ambientais, datado de 11/05/2018, o IBAMA apresentou as seguintes informações: "A empresa Navegação Porto Morrinho S/A, C NPJ 10.848.918/0001-49 possui um histórico de desrespeito à autoridade ambiental exercida pelo Ibama e desrespeito pelo próprio meio ambiente. Isto fica claramente evidenciado através dos processos administrativos 02038.000069/2009-88, 02014.000339/2012-24, 02014.000340/2012-59, 02040.000007/2014-94 e 02001.007726/2014-01, todos esses referentes a autos de infração lavrados pelo Ibama. Em análise a estes processos, observa-se a grande dificuldade de fazer valer a legislação ambiental perante este empreendimento, inclusive dificuldades relacionadas ao simples encaminhamento de documentos para ciência e providências, por parte de seus representantes. Desde que obteve sua Licença de Instalação nº 987/2014, o empreendimento vem operando sua planta sem qualquer preocupação em atender ao acordo firmado com o órgão licenciador. Não há nenhuma justificativa que possa ser alegada no sentido de refutar as imposições dadas pela licença, pois a emissão de uma licença ambiental deixa tácito o acordo bilateral entre o órgão licenciador e o empreendimento, seus deveres e obrigações perante a sociedade brasileira. A citada licença de instalação foi obtida através do regular processo de licenciamento ambiental, processo nº 02001.010328/2009-04. Neste processo, foi emitido o documento Nota Informativa nº 0861742/2017-NL A-MS/D IT EC -MS/SUPES-MS (SEI ????), lavrado em 28/09/2017, que afirma, categoricamente, que o empreendimento está operando normalmente sem licença válida (licença de operação) e, não bastasse, nenhuma das condicionantes ambientais específicas fora comprida no âmbito da licença de instalação. Quanto a este quesito, o não cumprimento das condicionantes ambientais específicas, o Ibama notificou o empreendimento (Notificação 2542-E, em 17/11/2014), a apresentar relatório comprovando o atendimento de tais condicionantes. Esta notificação está contida no processo nº 02001.007731/2014-13 e, até a presente data, inclusive sendo consultado o processo original de licenciamento ambiental, o empreendedor não apresentou nenhum documento que comprove, minimamente, o cumprimento destas condicionantes, sequer, justificou o não atendimento à notificação. Novamente, deixando evidente a total falta de comprometimento perante o acordo firmado com o Ibama. O documento emitido pelo Núcleo de Licenciamento Ambiental do Mato Grosso do Sul (SE0I 861742), também reafirma tais informações e vai além. É citado no documento: “Neste local deveria ter sido construído uma ponte de 25 m, conforme aprovado no Projeto Básico Ambiental, e nas propostas apresentadas após a solicitação da renovação da licença de instalação a empresa propôs a implantação de um sistema de escoamento constituído por 04 (quaro) filas de manilhas, com diâmetro de 01 m cada manilha, com 16 m de dutos sob o aterro de acesso, perfazendo um total de 64 manilhas, mas na vistoria foi observada a implantação de apenas 02 (duas) linhas de manilhas. Como se trata de uma planície de inundação, a ponte de 25 m não impediria o fluxo normal das águas do Corixo Gonçalino e do rio Paraguai naquele local, o que não foi observado com a instalação das manilhas, podendo ser visualizado vários trechos represados ou com escoamento insuficiente.” Observa-se que o descaso com a licença ambiental emitida pelo Ibama está trazendo prejuízos ao meio ambiente, por se tratar de um ecossistema sensível e dependente do regular fluxo hídrico. Diante dos abusos cometidos pelo empreendedor, e sob determinação da Coordenação de Operações e Fiscalização – COFIS/CGFIS/DIPRO, optou-se pela lavratura de 03 (três) autos de infração, assim discriminados: - Por não atender à NOTIFICAÇÃO nº 2542-E; - Por construir obra dificultando o fluxo hídrico entre o Corixo Gonçalino e o Rio Paraguai; - Por não atender as condicionantes da Licença de Instalação nº 987/2014." (Id 14969194, pág. 5-7). Foram, ainda, realizadas perícias pelo Setor Técnico-Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal (nos anos de 2011, 2013, 2016, 2017 e 2020), conforme laudos de perícia criminal federal (meio ambiente) juntados aos autos (Id 6223645, pág. 2 a 6223650, pág. 4; 6225109, pág. 4 a 6225118, pág. 1; 6286651, pág. 2 a 6286661, pág. 7; 6297689; 42801914). De acordo com o art. 405 do CPC, laudo, vistoria, relatório técnico, auto de infração, certidão, fotografia, vídeo, mapa, imagem de satélite, declaração e outros atos elaborados por agentes de qualquer órgão do Estado possuem presunção (relativa) de legalidade, legitimidade e veracidade, por se enquadrarem no conceito geral de documento público. Toda a narrativa trazida na inicial foi ganhando força e credibilidade ao longo da instrução do feito. Por ocasião da audiência de conciliação realizada em 06/08/2018 (Id 9847149), os representantes dos órgãos ambientais presentes se comprometeram a entregar, em documento único, estudo técnico contendo todos os deveres e obrigações dos réus, incluindo a valoração dos danos apurados. Tal estudo culminou na elaboração do Parecer Técnico Conjunto IMASUL/IBAMA/FMAP - PT nº 001/2020 (Id 28879264), no qual é relatada a fiscalização ocorrida no dia 23/01/2020 e consta a seguinte conclusão: Por meio do Ofício 41/2020, de 13/02/2020 (Id 29252476), o IBAMA informou a este Juízo Federal que: Por determinação judicial, o Setor Técnico-Científico da Polícia Federal elaborou o Laudo de Perícia Criminal Federal (Meio Ambiente) nº 1693/2020 (Id 42801914), no qual foram respondidos parte dos quesitos formulados pelas partes desta ACP. Em referido laudo, merecem destaque as seguintes informações: “(...) verificou-se que o referido empreendimento já foi objeto de análise deste SETEC em pelo menos três ocasiões para verificação da materialidade e autoria de possível conduta criminosa decorrente de sua instalação, sem a devida autorização do(s) órgão(s) competente(s) e/ou em desacordo com esta. Os resultados destes exames foram relatados através dos Laudos de Perícia Criminal Federal nº 1100/2013, 667/2016 e 173/2017 – SETEC/SR/PF/MS. (...) III - LOCAL O local em questão encontra-se no município de Corumbá/MS, distrito de Albuquerque, localidade de Porto Morrinho, junto à margem direita do Rio Paraguai nas proximidades do ponto de coordenadas geodésicas 19°28’30”S e 57°25’00”W (Datum WGS1984), conforme exposto na Figura 01. Figura 1 – Mapa de localização no estado do local dos exames e seus acessos. (...) V - RESPOSTA AOS QUESITOS Do Ministério Público Federal Quesito 1: O local encontra-se em área de preservação permanente? Especificar a largura do curso d’água no local e a distância entre as construções e a borda da calha do leito regular? Sim. Conforme exposto em detalhe nos Laudos de Perícia Criminal Federal nº 1100/2013 e 667/2016 – SETEC/SR/PF/MS, a maior parte das intervenções realizadas para instalação do empreendimento encontra-se na Área de Preservação Permanente definida pela faixa marginal de 200m (duzentos metros) a partir da borda da calha do Rio Paraguai que, neste local, possui largura entre 200 e 600 metros. Além da APP do Rio Paraguai, as intervenções também atingem as APPs e o próprio leito de corixos existentes no local. Conforme exposto nos referidos Laudos os aterros construídos para a implantação da estrada de acesso e demais instalações, além da área desflorestada para passagem da tubulação de dragagem, se estendem sobre uma área de pelo menos 45.500m2 (quarenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados) ou 4,55 hectares, dos quais cerca de 42.600m2 (quarenta e dois mil e seiscentos metros quadrados) ou 4,26 hectares, encontram-se em APP ou sobre o leito dos corixos. (...) Quesito 3: Para a instalação do empreendimento Estaleiro Porto Morrinho, houve o atendimento de todas condicionantes da Licença Prévia nº 426/2011 e da Licença de Instalação nº 987/2014? Os Peritos não tiveram acesso ao Processo de Licenciamento nº 02001.010328/2009-04 com o detalhamento de todas as condicionantes exigidas nas referidas Licenças e seu possível atendimento pelo empreendedor, para responder ao presente questionamento em sua totalidade. Contudo, referenciando-se nos documentos que instruíram os exames relacionados aos Laudos nº 1100/2013, 667/2016 e 173/2017 – SETEC/SR/PF/MS, são relatadas constatações que demonstram o não atendimento de pelo menos parte destas condicionantes e o descumprimento de itens do projeto básico de licenciamento ambiental inicialmente apresentado pela empresa ao órgão ambiental competente, destacando-se a seguir algumas das divergências observadas: - Inicialmente a empresa informou no projeto básico a dragagem de cerca 30.000m3 (trinta mil metros cúbicos) de material sedimentar para construção dos aterros, e posteriormente solicitou ajuste para 84.000m3 (oitenta e quatro mil metros cúbicos), sendo constatados na realidade um montante de ao menos 230.600m3 (duzentos e tr inta mil e seiscentos metros cúbicos) efetivamente utilizados; - Projeto informava e apresentou estudos relativos à dragagem no leito do Rio Paraguai, contudo efetivamente realizou a dragagem dos sedimentos em local diverso, a partir do leito do Corixo Gonçalinho; - Tempo de dragagem efetivamente realizada bastante superior aos 180 dias inicialmente propostos pela empresa; - Aterro de estrada construído diretamente sobre 3 vazantes sem a construção de ponte com 25 metros que visava à continuidade do fluxo natural das águas; - Área aterrada inicialmente prevista de 2,4 hectares, enquanto efetivamente foram aterrados 3,9 hectares de área; - As instalações não foram construídas no local inicialmente proposto tendo sido deslocadas do projeto original e ampliadas; Salienta-se ainda que, tais constatações basearam-se nos documentos disponibilizados à época aos Peritos signatários dos Laudos citados, podendo ter havido atualizações e/ou novas constatações, conforme o andamento natural do processo de licenciamento e demais documentos constantes do procedimento. Neste sentido, sugere-se que seja consultado o órgão ambiental competente para que se manifeste sobre a questão. (...) Quesito 5: Ocorreu desmatamento, exploração econômica ou degradação de vegetação, plantada ou nativa, de mata ciliar e/ou em área de preservação permanente sem autorização do órgão competente? Conforme exposto em detalhe na resposta ao Quesito 1, para a implantação do empreendimento foram realizadas intervenções relativas à supressão de vegetação e construção de aterros e edificações em Área de Preservação de Permanente. Quanto à existência de autorização do órgão ambiental competente para tais intervenções, segundo informações constantes do PNLA, no momento da realização dos exames relatados no Laudo nº 1100/2013 – SETEC/MS, quando já haviam sido construídas grande parte das instalações do empreendimento, não havia licença para sua instalação. Posteriormente, a partir de 06/01/2014, consta a emissão da Licença de Instalação nº 987/2014, contudo, além das intervenções já terem sido previamente realizadas, os Peritos não podem confirmar se havia autorização ou não para a construção das instalações da forma como foi realizada, sem a manifestação oficial do órgão ambiental competente e análise do processo de licenciamento. Neste sentido, sugere-se que seja consultado o referido órgão para que se manifeste sobre a questão. Quesito 6: A atividade desempenhada no local impede ou dificulta a regeneração natural de mata ciliar e demais formas de vegetação e/ou em área de preservação permanente sem autorização do órgão competente? A permanência e manutenção no local das benfeitorias construídas para a implantação do empreendimento, impedem a regeneração da vegetação suprimida na Área de Preservação de Permanente. Quanto à existência de autorização do órgão ambiental competente, cabem as mesmas considerações relacionadas na resposta ao quesito anterior. Quesito 7: Para a instalação do empreendimento Estaleiro Porto Morrinho, houve danos aos corpos hídricos da região, em especial, o aterramento de corixos sem autorização do órgão competente? Conforme exposto em detalhe nos Laudos nº 1100/2013, 667/2016 e 173/2017 – SETEC/SR/PF/MS, para a instalação do empreendimento foram realizadas intervenções que causaram danos em corpos hídricos existentes no local. Muito embora, nos referidos Laudos são relatadas divergências quanto ao descumprimento do projeto básico e de condicionantes relacionadas especialmente ao aterramento da área e dragagem de sedimentos, quanto à existência de autorização do órgão ambiental competente, cabem as mesmas considerações expostas na resposta ao Quesito 5. Quesito 8: Houve erosão, assoreamento de rio ou desbarrancamento de margens? As obras acarretaram ou tem potencial de acarretar prejuízo a recurso hídrico federal? Conforme exposto nos Laudos sussomencionados, foi observado o desbarrancamento das margens do Rio Paraguai na região do empreendimento, além do aterramento dos corixos existentes no local e demais danos/impactos relacionados à dragagem de sedimentos no Corixo Gonçalinho e construção das instalações às margens do primeiro, que se trata de corpo hídrico federal. (...) Da Empresa Quesito 1: Para implantação de estaleiro, às margens de um rio, é necessário aterrar-se para proteger a própria margem do rio, do desbarrancamento, em especial, às margens do rio Paraguai? As necessidades e demandas construtivas para a instalação de um empreendimento desta natureza variam de acordo com as características de projeto do empreendimento e das condições naturais específicas do terreno onde se pretende instalá-lo. Portanto, qualquer tentativa de manifestação técnica generalista e subjetiva sobre o presente questionamento, não fundamentada nas caraterísticas específicas do projeto e do terreno, seriam irrelevantes e passíveis de imprecisões e inadequação. Neste sentido, salienta-se aqui a importância fundamental da devida instrução de um processo de licenciamento ambiental, em cujo âmbito devem ser levantados e analisados todos os aspectos relativos à segurança/adequabilidade/viabilidade ambiental de um empreendimento, de acordo com a sua natureza e porte. Dessa maneira, aspectos tais como o acima questionado, devem ser analisados pelo órgão ambiental competente que, conforme necessário, definirá as exigências e condicionantes que deverão ser observadas e cumpridas tempestivamente pelo empreendedor, para prevenir/minimizar danos e mitigar impactos negativos. Esclarece-se novamente que os Peritos não tiveram acesso aos projetos executivos do empreendimento e ao processo de licenciamento relacionado ao mesmo, sugerindo-se que seja consultado o órgão ambiental competente para que se manifeste sobre a questão neste caso específico. (...) Quesito 3: O fato do projeto de porto e estaleiro estar em área de preservação permanente impede a instalação do mesmo? Em conformidade com o disposto no Artigo 8º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), “A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental” , modalidades que são especificadas no Artigo 3º do mesmo estatuto. Neste sentido, o impedimento existe até que o órgão ambiental competente, dentro do devido processo legal de licenciamento da atividade, reconheça sua classificação dentro de uma das referidas modalidades e autorize a sua instalação/operação e intervenções associadas. Quesito 4: Se a supressão vegetal, dragagem e eventuais alterações ambientais, como lançamento de esgoto e dificuldade para regeneração de espécies estavam previstas no projeto aprovado e/ou no pedido de renovação da licença e a legislação prevê os mecanismos próprios para compensação em todo e qualquer projeto, há que se falar em dano a ser ressarcido? Do ponto de vista ambiental, há projeto desse porte sem que haja alterações mencionadas na fauna e flora cujas medidas compensatórias são analisadas no licenciamento? No que diz respeito à instalação de um empreendimento deste porte e natureza, obviamente que ocorrerão intervenções causadoras de degradação ambiental. Por este motivo a legislação vigente determina o prévio licenciamento ambiental “de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (Lei Complementar nº 140/2011). Dessa maneira, a partir dos projetos e Estudos Ambientais apresentados dentro do processo de Licenciamento, todas as alterações ambientais relacionadas à instalação e operação do empreendimento, devem ser avaliadas para se verificar os danos e impactos relacionados aos meios físico, biológico e sócio-econômico e, consequentemente, sua viabilidade. Conforme já exposto anteriormente, somente a partir desta avaliação, o órgão ambiental definirá as exigências e condicionantes que deverão ser observadas e cumpridas tempestivamente pelo empreendedor para prevenir/minimizar danos e mitigar impactos negativos, inclusive por meio de compensações eventualmente necessárias. Após a aprovação do projeto e emissão das licenças cabíveis, o empreendedor fica condicionado a respeitar fidedignamente o projeto aprovado, bem como as condicionantes/exigências definidas pelo órgão ambiental, devendo qualquer modificação relevante do ponto de vista ambiental, ser comunicada e submetida à análise do órgão licenciador. Assim, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental, sujeitará o empreendedor, entre outras penalidades, à suspensão de sua atividade, sem prejuízo de eventual responsabilização civil e criminal, inclusive de indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, conforme a legislação vigente (Lei nº 6.938/1981, Lei 9.605/1998 e correlatas). (...) Quesito 6: Mudanças e ajustes em projetos de instalação desse porte são comuns, considerando ainda as características de ocorrerem enchentes periodicamente no pantanal? É comum que no momento da instalação do empreendimento desse porte é necessária correção para fins de aumentar a solidez da obra e evitar danos ao meio ambiente? Muito embora possam existir necessidades de alterações no projeto original para adequá-lo à alguma situação imprevista ou por algum motivo de força maior, conforme exposto na resposta ao Quesito 4 (da empresa), qualquer modificação relevante do ponto de vista ambiental deve ser comunicada e submetida à análise do órgão licenciador, mesmo que seja para correções de eventuais imprecisões do projeto. Além disso, as características naturais do Pantanal, especialmente a de ocorrerem enchentes periódicas, são notadamente conhecidas e certamente deveriam ser consideradas nos Estudos Ambientais e projetos apresentados no processo de licenciamento. Salienta-se novamente que as necessidades e demandas construtivas para a instalação de um empreendimento desta natureza variam de acordo com as características de projeto do empreendimento e das condições do terreno onde se pretende instalá-lo, não cabendo, do ponto de vista técnico, manifestações generalistas e subjetivas não fundamentadas em dados concretos sobre tais aspectos. Quesito 7: O il. Perito concorda com a constatação do IBAMA de que novas condicionantes deveriam ser apresentadas, já que as condicionantes anteriores não teriam mais razão de ser, em face do estágio da implantação do projeto? Os Peritos não tiveram acesso ao referido processo de licenciamento, para se manifestar especificamente quanto às condicionantes questionadas. Contudo, salienta-se que para cada etapa de desenvolvimento de um empreendimento (instalação ou operação), podem ser definidas condicionantes exclusivas, cabíveis apenas para a respectiva fase ou ações específicas dentro de cada uma delas, que visem à prevenção/minimização dos danos a elas inerentes e que não fazem mais sentido após sua conclusão, já que o agente causador daquele dano deixa de existir. Apenas a título de exemplo, cita-se as condicionantes que poderiam ser exigidas para minimizar os danos/impactos relacionados à dragagem de sedimentos para a construção de aterros, que não mais seriam cabíveis após a finalização dos aterramentos e consequentemente do processo de dragagem relacionado. Da mesma forma, outras condicionantes podem ser necessárias com a introdução de novos agentes, efetivamente ou potencialmente danosos, que passam a atuar somente a partir de determinado momento do desenvolvimento daquela atividade ou por alguma alteração de projeto eventualmente necessária e analisada pelo órgão ambiental. Ressalta-se ainda que, mesmo que o agente causador de um dano não mais exista e que, portanto, alguma condicionante relacionada a este não seja mais cabível, este fato não exime o empreendedor de ser responsabilizado por eventuais danos/impactos causados por aquela ação, especialmente quando há o descumprimento de condicionantes. Quando ocorrem situações deste tipo, eventuais consequências de tais descumprimentos e alterações a elas associadas, também podem acarretar na necessidade de novas exigências e/ou condicionantes. Quesito 8: Do ponto de vista técnico-ambiental, considerando que o IBAMA já constatou dentro do processo de licenciamento 02001.010328/2009-04, que a obra está 80% concluída, é maior a chance de ocorrer dano se a obra ficar paralisada por mais tempo? Não necessariamente. Se por algum motivo a paralisação da obra for potencialmente causadora de algum dano ou risco ambiental relevante, tal fato deve ser comunicado ao órgão ambiental competente que procederá à análise da questão e definirá as medidas preventivas eventualmente necessárias. Neste sentido, volta-se a frisar a importância da devida instrução do processo de licenciamento ambiental, em cujo âmbito todos os aspectos relacionados à paralisação da obra ou de sua eventual continuidade e posterior operação do empreendimento, deverão ser analisados em detalhe para avaliação da segurança e viabilidade ambiental. Quesito 9: O aumento da área de aterro da obra, aumenta a segurança dos equipamentos que serão colocadas e protege a área de um possível desmoronamento? Não necessariamente. Para considerações adicionais, vide resposta aos Quesitos 1 e 6 (da empresa), cujos teores são igualmente cabíveis ao presente questionamento. Quesito 10: O il. Perito confirma que a supressão de vegetação no local já havia ocorrido, em 2005, antes da instalação do projeto, conforme laudo da polícia federal do IPL 0035/2016, laudo nº 703/2016 constante no documento contido nesta Ação Civil Pública, id: 6297682, conforme imagem de satélite juntada no referido laudo? Não. Conforme relatado no Laudo nº 173/2017 – SETEC/MS e na seção I I I – LOCAL do presente Laudo Pericial, a área relativa aos exames relatados no Laudo nº 703/2016, não é a mesma do atual empreendimento e que foi objeto de análise nos Laudos nº 1100/2013 e 667/2016. Conforme data de obtenção das imagens de satélite utilizadas nos laudos do empreendimento em questão, as intervenções ocorridas na área são posteriores à data de 29/05/2011 (...). (Id 42801914). Como se vê, o laudo elaborado pelos peritos da Polícia Federal está em consonância com o que indica o MPF na inicial, no sentido de que, há muito os órgãos ambientais e, inclusive, a Polícia Federal, vem promovendo diligências para apurar sucessivas infrações às regras ambientais na instalação do empreendimento. É certo que cabe ao empreendedor seguir as diretrizes indicadas pelos órgãos ambientais nas etapas do procedimento de licenciamento ambiental, sendo competência do órgão licenciador, e não do empreendimento, a definição das condicionantes e exigências a serem cumpridas para a instalação e operação. Além disso, as características naturais do Pantanal são notadamente conhecidas e certamente são consideradas nos estudos ambientais e projetos apresentados no processo de licenciamento. Com isso, as necessidades e demandas construtivas para a instalação de um empreendimento devem estar em consonância com as características do empreendimento e das condições do terreno onde se pretende instalá-lo, seguindo as exigências dos órgãos ambientais. Os peritos da PF informaram a impossibilidade de resposta a todos os quesitos (Laudo nº 1693/2020 – SETEC/SR/PF/MS; Id 42801914). Nesse sentido, registraram que “considerando tratar-se de perícia de empreendimento de porte expressivo, cuja complexidade envolve questões de cunho ambiental e de engenharia, eventualmente outras demandas ainda poderão ser necessárias, incluindo o emprego de técnicas e serviços que a criminalística da Polícia Federal não dispõe de recursos próprios para executar, demandando, portanto, o apoio e/ou contratação de atores externos (...) os signatários consideram que o regime de contratação da Polícia Federal seria inadequado para o caso em tela, sugerindo-se que, nas questões que não puderam ser respondidas pelos meios disponíveis neste SETEC, que se proceda a nomeação de perito particular para a execução dos serviços solicitados (...) o que foi possível responder no âmbito da Perícia Criminal Federal, baseando-se nos laudos previamente elaborados, foi respondido no presente documento, tendo em vista a excepcionalidade da solicitação judicial”. Com isso, foi deferida a realização de perícia judicial, na forma da decisão de Id 250250152. Foi então realizada a perícia por Engenheiro Sanitarista e Ambiental nomeado pelo Juízo (Id 289412065), com vistoria técnica no local do empreendimento no dia 16/05/2023 (Id 289412066). Indagado sobre o cumprimento das condicionantes para a obtenção das licenças ambientais, o perito indicou que “não foi possível determinar se foi cumprida todas as condicionantes elencadas nas referidas licenças. Sendo fonte correta para essa resposta, a análise dos pareceres e laudos fornecidos pelo órgão ambiental licenciador presentes no histórico do processo judicial”. O perito indicou que foi observada supressão de vegetação sem autorização do órgão competente; que a “permanência e manutenção no local das instalações construídas bem como qualquer outra atividade antrópica compromete a regeneração natural da mata ou vegetação na área” (Id 289412065, pág. 5). Afirmou, ainda, que “baseado nos laudos dos órgãos ambientais houve construção de aterro anterior a Licença de Instalação n 984/2017. A instalação de aterro em corixos ou em qualquer curso de água causará impacto ambiental. Contudo esse impacto pose ser mitigado com as devidas medidas, tornando o impacto temporal” e que “a supressão ou aterro da vegetação prejudica a fixação ou fluxo de população de fauna na área diretamente ou indiretamente afetada” (Id 289412065, pág. 5-6). Como proposta para a recuperação da área degradada, o perito indicou que a “execução de um Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD devidamente autorizado pelo órgão ambiental competente pode ser uma das alternativas condizentes com a atividade a ser realizada no empreendimento”. (Id 289412065, pág. 8-9). Em resposta aos quesitos da parte ré (Id 289412065, pág. 11-20), o perito apresentou, dentre outras, as seguintes ponderações: Da leitura do laudo do perito judicial (Id 289412065; Id 296566235; Id 300920507), é possível observar que se reporta inúmeras vezes às análises e constatações dos órgãos ambientais. O que é plausível. Com efeito, compete ao IBAMA, ao IMASUL, dentro dos limites de suas atribuições, a análise do efetivo cumprimento das exigências e condicionantes ambientais para o Licenciamento Ambiental (Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação e outros estudos ambientais que se fizerem necessários diante da natureza do empreendimento). O que se vê é que a tese defendida pelo MPF desde a propositura da ação, ganhou reforço pelos laudos periciais produzidos no decorrer do processo, o que traz elementos consistentes para amparar a procedência da pretensão inicial. No caso, ainda que tenha apresentado estudos ambientais sobre a instalação e o funcionamento do empreendimento às margens do Rio Paraguai, no Pantanal, a empresa ré não logrou êxito em comprovar que tenha, de fato, cumprido as exigências e condicionantes impostas pelos órgãos ambientais, ônus que lhe cabia. Desde a propositura desta Ação Civil Pública Ambiental, o MPF já trouxe elementos consistentes sobre as apurações empreendidas na esfera administrativa (IC nº 1.21.004.000084/2012-16), indicadoras do efetivo descumprimento das regras de licenciamento ambiental. Por imperativo da presunção de legitimidade, não se pode simplesmente ignorar a prova produzida por agentes públicos ou qualquer medição oficial feita por órgão do Estado ou conveniado a este, sem que se apresentem elementos jurídicos ou técnicos que minimamente atentem contra a sua validade. Oportuno reiterar que todos os documentos e provas produzidas no decorrer da ação foram submetidos ao contraditório e à ampla defesa. As provas produzidas ao longo do feito – dentre as quais se destacam as informações do IBAMA e IMASUL e os laudos periciais da Polícia Federal e do perito nomeados pelo Juízo –, somente corroboraram a narrativa constante na inicial, qual seja, de que a empresa ré e seu administrador, descumpriram sucessivas exigências dos órgãos ambientais para a instalação do empreendimento, culminando em danos ao meio ambiente. Há prova de que os ilícitos ambientais causados pelos réus iniciaram-se antes mesmo de seu licenciamento ambiental, perdurando mesmo após a concessão da Licença Prévia nº 426/2011 e da Licença de Instalação nº 987/2014. Na inicial, o MPF apontou que os danos consistiram em: a) aproximadamente 21.100 m² (vinte e um mil e cem metros quadrados) de supressão da vegetação e/ou aterramento inseridos na APP do Rio Paraguai, relacionados às atividades de dragagem e construção da plataforma principal e estrada de acesso ao empreendimento ESTALEIRO NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A., conforme constatado em 26/03/2012 (Laudo de Perícia Criminal Federal nº 1100/2013 – SETEC/SR/DPF/MS, às fls. 373/390 do IC – a partir da fl. 06 do id. 6225109 a fl. 02 do id. 6225118); b) dragagem de 230.600 m3 de recurso mineral (areia) para a construção de aterro, proveniente do Corixo Gonçalinho, e não do Rio Paraguai, conforme havia sido licenciado, segundo constatado pelo Laudo de Perícia Criminal nº 667/2016, às fls. 891/922 – id. 6290606 a fl. 02 do id. 6290628); c) ampliação da obra do aterro que já estava em construção, potencialmente poluidora, em 146.600 m³ (cento e quarenta e seis mil e seiscentos metros cúbicos) a mais do que o volume licenciado, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes, conforme se verifica na Figura 8, à fl. 142, com imagem da ampliação do aterro em APP, no ano de 2016 (fl. 03 do id. 6290623), com desflorestamento e supressão de toda a vegetação para a ampliação do aterro em tela e para a passagem da tubulação da draga; d) interrupção de todo o fluxo hidrológico e vazantes anteriormente existentes no local do empreendimento, por deixarem de construir uma ponte de 25 m (vinte e cinco metros) sobre as áreas úmidas, nos termos das condicionantes fixadas na Licença de Instalação nº 987/2014, realizando, em seu lugar, o integral aterramento da estrada (fl. 141 do Laudo de Perícia Criminal nº 667/2016, na fl. 02 id. 6290623). (Id 8646634, pág. 23). Instado a oferecer sugestões de medidas mitigadoras a serem efetuadas no estaleiro da empresa ré, visando a sua adequação ambiental, bem como propostas de Programas Ambientais a serem executados na fase de operação do empreendimento, o IBAMA elaborou a Nota Informativa nº 2454768/2018-NLA-MS/DITEC-MS/SUPES-MS (Id 8646634, pág. 43-47), indicando como propostas para a adequação ambiental: "PROPOSTAS PARA ADEQUAÇÃO AMBIENTAL: a) Implantação do Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR/262 ao Estaleiro. Este sistema deverá ser constituído, no mínimo, por 08 (oito) linhas de manilha de 01 (hum) metro de diâmetro e 01 ( hum) metro de comprimento, perfazendo um total de 128 manilhas. Estas linhas de manilhas deverão ser implantadas perpendicularmente ao eixo da estrada de acesso; b) Efetuar a estabilização vegetal dos taludes do aterro, tanto da estrada de acesso quanto da plataforma do estaleiro c) Implantar um Sistema de Drenagem de Águas Pluviais, tanto da área do pátio quanto de toda a plataforma existente; d) Implantar um Sistema de Drenagem e Tratamento dos Resíduos Perigosos; e) Implantar um Sistema de Tratamento de Efluentes Líquidos; f) Implantar um Programa de Gerenciamento e Destinação Final de Resíduos Sólidos; g) Apresentar Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do(s) técnico(s) responsáveis pela elaboração e implantação dos sistemas/programas/medidas acima elencadas; h) Apresentar Layout do empreendimento, com a localização de todas as estruturas de apoio (escritório, almoxarifado, refeitório, garagem etc.) e de operação (galpão, oficina etc) atualmente existentes, e propostas de ampliação, caso existam." Uma preocupação frequentemente observada nas manifestações dos órgãos ambientais é no sentido de minimizar os impactos causados ao Corixo Gonçalinho, de modo a permitir o adequado escoamento de suas águas. A prova dos autos justifica a procedência da pretensão para que os réus implantem o Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro a estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro, o que deverá ser realizado por procedimentos pertinentes junto ao órgão ambiental competente, conforme orientações do IBAMA (Id 8646634 p. 43-47). Não há dúvidas sobre a localização do empreendimento em bem da União, nos termos do art. 20, II, III e §2º c/c art. 109, I, ambos da CF (terreno marginal de rio federal e terra devoluta em área de fronteira), estando instalada em Área de Preservação Permanente. O art. 4º, inciso I, “d” da Lei n. 12.651/12 prevê uma faixa de 200m para APP nos casos de rios que tenham de 200 a 600 metros de largura. Forçoso concluir que a instalação de tal empreendimento em área de preservação permanente sem o devido respeito às exigências dos órgãos ambientais, viola até mesmo o senso comum, já que, estendendo-se o raciocínio para largas escalas, a existência de instalações irregulares às margens do Rio Paraguai implica em efetiva supressão das respectivas áreas de preservação permanente, implicando em riscos concretos à integridade dos cursos naturais de água e vulnerando o próprio núcleo essencial da proteção ambiental prevista pela Constituição Federal. Sobre a importância da APP para proteção do meio ambiente, trago à colação o precedente do C. STJ: MARGEM DE RIO. [...] ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP), PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INTOCABILIDADE, ROL TAXATIVO DE INTERVENÇÃO EXCEPCIONAL, NATUREZA PROPTER REM E DANO IN RE IPSA […] 3. As Áreas de Preservação Permanente formam o coração do regime jurídico ambiental-urbanístico brasileiro no quadro maior do desenvolvimento ecologicamente sustentável. Ao contrário do que se imagina, o atributo de zona non aedificandi também revela avultado desígnio de proteger a saúde, a segurança, o patrimônio e o bem-estar das pessoas contra riscos de toda a ordem, sobretudo no espaço urbano. Daí o equívoco (e, em seguida, o desdém) de ver as APPs como mecanismo voltado a escudar unicamente serviços ecológicos tão indispensáveis quanto etéreos para o leigo e distantes da consciência popular, como diversidade biológica, robustez do solo contra a erosão, qualidade e quantidade dos recursos hídricos, integridade da zona costeira em face da força destruidora das marés, e corredores de fauna e flora. 4. Consoante o Código Florestal (Lei 12.6512012), "A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei" (art. 8°, caput, grifo acrescentado). O legislador, iure et de iure, presume valor e imprescindibilidade ambientais das APPs, presunção absoluta essa que se espalha para o prejuízo resultante de desrespeito à sua proteção (dano in re ipsa), daí a dispensabilidade de prova pericial. Logo, como regra geral, "Descabida a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente - APP que não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental)" (REsp 1.394.025/MS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18/10/2013). [...] (REsp 1782692/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 05/11/2019) Assim, suficientemente demonstrado o desrespeito às exigências dos órgãos ambientais, que causaram danos ambientais como desdobramento da atividade poluidora, o possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recuperação da área degradada, configurando obrigação propter rem. Para recuperação da área degradada, mister a elaboração de um plano de regeneração elaborado por equipe multidisciplinar objetivando a elaboração de um PRAD – Plano de Recuperação de Área Degradada, com licenciamento perante o órgão ambiental dotado de competência para fiscalizar sua implementação e execução. Desta forma, como os corréus são os responsáveis pela área, ambos devem ser condenados solidariamente à reparação do dano ambiental, por meio da apresentação de Projeto de Recuperação de Áreas Degradas – PRAD a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, em sede de cumprimento de sentença. Quanto ao dano moral coletivo, o MPF o estimou na inicial em R$ 500.000,00 (Id 8646634). Em sede de alegações finais, propõe que o dano moral coletivo seja estipulado em valor proporcional aos impactos socioambientais, à reprovabilidade das ações, à recalcitrância e, em especial, à condição econômica dos réus, em patamar não inferior a R$ 5.000.000,00 (Id 342802315, pág. 24). Da análise dos autos, entendo que os réus devem ser condenados ao dano moral coletivo. De fato, a jurisprudência tem reconhecido o dano moral ambiental, de natureza extrapatrimonial, com fundamento na natureza pública e difusa dos bens envolvidos. Afinal, reconhece-se que o dano ambiental possui múltiplas dimensões e a reparação deve ser feita da forma mais completa possível (neste sentido, v.g., STJ, REsp 1.180.078/MG, Min. Rel. HERMAN BENJAMIN, j. 02/12/2010). Inexistindo critérios legais para a mensuração do valor do dano moral coletivo, que atinge a qualidade do meio ambiente, deve-se analisar a natureza e dimensão do dano, além da perpetuação dos seus efeitos para o meio ambiente. Afinal, o bem lesado, às margens do Rio Paraguai, é área de preservação permanente, que recebe especial atenção da Constituição Federal, que em seu artigo 225, § 1°, inciso III, que previu a existência de espaços territoriais especialmente protegidos, com o intuito de tornar efetiva sua tutela e, consequentemente, garantir a sua preservação para as presentes e futuras gerações. É importante fator de ponderação, ainda, o fato de se tratar de construção de grande porte. Importante observar que há prova nos autos que aponta a valoração do dano ambiental causado, apurado por meio do Laudo Técnico nº 1/2018-NLA-MS/DITECMS/SUPES-MS, do IBAMA, (Id 8646634, pág. 48-59) indicando o valor de R$ 610.461,00, o que pode servir de parâmetro para a fixação dos danos morais coletivos. Com efeito, tal Laudo Técnico indica que corresponde a R$ 610.461,00 o valor do dano ambiental que envolve a instalação e funcionamento do empreendimento ESTALEIRO PORTO MORRINHO S.A., em desconformidade com a Licença Prévia nº 426/2011 e da Licença de Instalação nº 987/2014, como se observa a seguir: "CONCLUSÃO: Para estimar a quantificação monetária do valor dos danos ambientais ocasionados pelas obras de implantação do Estaleiro, adotamos como parâmetro o valor dos serviços ambientais que deixaram de ser realizados com a implantação da obra, e dos cálculos efetuados por Moraes (2009) para valorar os serviços ambientais de 01 ha no Pantanal da Nhecolândia, conforme Tabela 4. Apesar da Navegação Porto Morrinho S.A possuir licença de instalação para a implantação do estaleiro, nenhum dos programas ambientais de controle e de monitoramento foram realizados, considerando que tais programas são estruturados visando a execução das medidas mitigadoras, as quais tem a função de minimizar os impactos negativos decorrentes das obras, devendo também ser considerado que algumas atividades foram realizadas sem estarem contempladas na citada licença, como a dragagem do corixo Gonçalinho, não sendo previsto, portanto, nenhuma medida mitigadora para tal atividade. Desta forma, como nenhuma medida mitigadora foi implantada, consideramos que os impactos negativos decorrentes das obras prejudicaram a realização dos serviços ambientais, e, como o parâmetro utilizado para dimensionar os danos ambientais é a área impactada, consideramos uma área de 9,8 ha, onde atualmente está implantada a infraestrutura já concluída do estaleiro. Face ao exposto acima, o valor dos danos ambientais ocasionados pela implantação do estaleiro com 9,8 ha de área na região do Porto Morrinho, Pantanal, Corumbá, Mato Grosso do Sul é de U$ 173.921 ou R$ 610.461 (U$ 3,51). Campo Grande, 10 de maio de 2018." (Id 8646634, pág. 58). Assim, a partir desses parâmetros, e sobretudo pela dimensão punitiva da função indenizatória, fixo o dano moral coletivo em 2 vezes do valor do dano ambiental apurado no referido laudo técnico, alcançando o valor de R$ 1.220.922,00 (um milhão, duzentos e vinte mil, novecentos e vinte e dois reais). Registro que a obrigação de fazer pode ser cumulada com a de indenizar (Súmula 629/STJ). 2.4. Do pedido de tutela de urgência A decisão inicial deferiu parcialmente os pedidos liminares do MPF, nos seguintes termos (Id 9260919): “(...) Ante o exposto, presentes os requisitos cautelares, com espeque no artigo 12º da Lei nº 7.347/85 e no artigo 305 do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente os pedidos do Ministério Público Federal e determino a suspensão do direito de exercício da atividade comercial da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A (alvarás de funcionamento, licenças de extração e lavra de minérios e demais autorizações e permissões), com determinação das obrigações de não fazer, consistentes em (1) paralisar as ações empresariais e de quaisquer outras atividades tendentes à instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, até que sejam atendidas todas as medidas mitigadoras e reparadoras determinadas pelos órgãos ambientais competentes, e (2) abster-se de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área.” Interposto agravo de instrumento pelos réus, o E. TRF3 negou provimento ao recurso: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MANDADO DE SEGURANÇA. ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO E DA PRECAUÇÃO. 1 - O Ministério Público Federal ajuizou tutela cautelar preparatória de ação civil pública, em face de JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. – NPM e SOCAL S.A. MINERAÇÃO E INTERCÂMBIO COMERCIAL E INDUSTRIAL, objetivando obter provimento jurisdicional com a finalidade de paralisar a atividade empresarial e outras atividades tendentes à instalação da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A., desenvolvidas pelas pessoas jurídicas e pessoa física requeridas, de modo a se evitar a propagação do dano ambiental que vem sendo infligido à região da Baía do Jacadigo e a área de preservação permanente do Rio Paraguai, bem como assegurar o resultado útil da posterior Ação Civil Pública. 2 - Em 26/6/2018, foi proferido despacho determinando o desmembramento da Ação Civil Pública em relação à empresa SOCAL S/A MINERAÇÃO E INTERCÂMBIO COMERCIAL E INDUSTRIAL, devendo a tutela cautelar prosseguir tendo como parte autora o Ministério Público Federal e como réus a empresa Navegação Porto Morrinho S/A e José João Abdala Filho (ID 9029311 da tutela cautelar antecedente 5000187-98.2018.4.03.6004). 3 - Em 9/6/2018, foi proferida a decisão objeto do presente recurso, que deferiu parcialmente os pedidos do Ministério Público Federal e determinou a suspensão do direito de exercício da atividade comercial da NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S.A. 4 - A ação civil pública constitui importante instrumento processual que visa a apurar e coibir os danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular, assim como à ordem urbanística, conforme prevê a Lei n.º 7.347/85. 5 - A Constituição da República garantiu, em seu art. 225, o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualificando-o como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, exigindo, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, na forma do § 1°, IV do referido dispositivo. 6 - As Áreas de Preservação Permanente (APP) consistem em espaços territoriais especialmente protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, cuja cobertura vegetal deve ser necessariamente mantida, para garantir a proteção do solo, dos recursos hídricos, a estabilidade do relevo, de forma a evitar o assoreamento e assegurar a proteção das espécies animais e vegetais. 7 - São norteadores do Direito Ambiental os princípios da prevenção e da precaução, os quais têm aplicação sistemática na adoção de medidas que eliminem ou mesmo reduzam as consequências das ações suscetíveis de pôr em risco a qualidade do meio ambiente. 8 - Em exame preambular da matéria, verifica-se que se trata de empreendimento localizado em área de preservação permanente que, segundo alega o MPF, está descartando passivos resultantes da atividade produtiva sem qualquer preocupação ambiental, com funcionamento do Estaleiro em localidade diversa daquela a que se refere o seu licenciamento ambiental, que não atendeu às condicionantes de licença ambiental, bem como que se encontra em plena operação, mesmo sem a competente licença. 9 - Têm aplicabilidade, por ora, os princípios da prevenção e da precaução com o objetivo de racionalizar as intervenções antrópicas e, consequentemente, impedir a ocorrência de maiores danos ambientais. 10 - A Terceira Turma desta Corte delimitou que o objeto do mandamus em questão era o exame do licenciamento ambiental em tempo justo. Não houve qualquer impedimento, nem poderia haver, ao exame na esfera judicial de outras questões ocorridas posteriormente. 11 - Agravo de Instrumento IMPROVIDO e Agravo Regimental prejudicado. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO 5016517-43.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 15/04/2019) Posteriormente, os réus apresentaram sucessivas petições requerendo a reforma parcial da decisão liminar para que a NPM possa terminar a obra em questão, que foi indeferido por decisão de Id 28192569: “(...) Consoante documentação acostada aos autos pelo Ministério Público Federal, os órgãos ambientais, em especial o IBAMA, vêm acompanhando a situação da empresa requerida, tanto que consta nos autos Ofício do IBAMA informando a realização de vistoria conjunta (IBAMA, IMASUL e FMAP) ocorrida no dia 23/01/2020, com Parecer Técnico pendente de conclusão, o que afasta qualquer alegação de inércia dos órgãos administrativos quanto a questão debatida nestes autos. É certo que a adequada verificação sobre a suficiência dos projetos apresentados pela empresa requerida depende de verificação do empreendimento, seja por meio da perícia ambiental já deferida nestes autos, seja com a atuação dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização do empreendimento, em especial, pelos técnicos do IBAMA, IMASUL e FMAP. Em seu pedido de revogação parcial da liminar, a requerida NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S/A aponta a inércia dos órgãos ambientais quanto ao andamento das licenças ambientais de instalação, na esfera administrativa. Ocorre que eventual pretensão relacionada ao descumprimento dos prazos no trâmite administrativo do licenciamento ambiental é matéria a ser debatida em ação própria. Assim, sendo tal questão impertinente à presente Ação Civil Pública, não é fundamento idôneo para ensejar a revogação da decisão liminar proferida pelo Juízo. Ademais, apreciando os documentos ora trazidos pela parte requerida, não vislumbro (em cognição sumária) alteração do substrato fático suficiente para alterar o entendimento que levou à prolação da decisão liminar combatida. Assim, pela ausência de fumus boni juris, MANTENHO a decisão de id 9260919.” A empresa, então, interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO TIRADO DE DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE NEGOU PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO À TUTELA DE URGÊNCIA ANTERIORMENTE CONCEDIDA, ESTA QUE JÁ HAVIA SIDO CONFIRMADA EM OUTRO AGRAVO DE INSTRUMENTO. QUESTÕES SUPERVENIENTES ALEGADAS. INAPTIDÃO PARA A REVOGAÇÃO DA CAUTELAR. DESPROVIMENTO. 1. Verifica-se que a ação civil pública subjacente, em um primeiro momento, teve parcialmente deferido pedido em cautelar antecedente, determinando-se a suspensão, por questões ambientais, da atividade da empresa Navegação Porto Morrinho S.A., ora agravante, tendente à instalação de um estaleiro à margens do Rio Paraguai. 2. Contra essa decisão foi interposto o Agravo de Instrumento 5016517-43.2018.4.03.0000, distribuído nesta C. Sexta Turma, que, em julgamento realizado em 11/04/2019, desacolheu as alegações da recorrente e manteve o decisum de primeiro grau. 3. Daí que, em 02/2020, sobreveio pedido de reconsideração, pela empresa ré, em relação à mesma decisão, indeferido pelo MM. Juízo a quo. Dessa decisão é que tirado o presente agravo de instrumento. 4. O art. 505 do CPC/2015 consagra o preceito da preclusão pro judicato, assentando que, em regra, nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas. 5. Dessa forma, o pedido de reconsideração formulado, neste caso, somente seria cabível caso a insurgente demonstrasse a superveniência de questão de fato ou de direito capazes de infirmar as conclusões postas na decisão que concedeu as medidas de urgência. 6. Do cotejo entre as razões aventadas no primeiro AI e no ora sob análise, verifica-se que a recorrente aponta, em essência, duas questões supervenientes que, no seu entender, poderiam ensejar a revogação da decisão liminar: a) o descumprimento, pelos órgãos ambientais envolvidos, do dever de apresentar soluções mitigadoras para a continuidade do empreendimento, conforme imposto na própria decisão; b) a renovação automática da licença de instalação, por inércia administrativa, nos termos do art. 14, § 4º, da Lei Complementar 140/2011. 7. Todavia, em que pese a insurgência da empresa agravante, nada há que se reconsiderar. 8. Com efeito, não há falar-se em contumácia dos órgãos ambientais envolvidos, eis que o IMASUL - Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, a FMAP - Fundação de Meio Ambiente do Pantanal e o IBAMA têm agido no âmbitos de suas atribuições, tanto assim que apresentaram os Pareceres Técnicos Conjuntos datados de 04/02/2020 (id. 29847051 e id. 29847053 dos autos principais), em que são reafirmadas todas as irregularidades ambientais do empreendimento em tela, impedindo a correspondente retomada. 9. Assim que, contrariamente ao argumentado pela agravante, as conclusões que lhe são desfavoráveis, registradas nos referidos pareceres, não podem ser confundidas com inércia dos agentes ambientais. 10. No que que concerne à licença ambiental, tem-se que a própria decisão agravada, em exame do fumus boni juris, consignou que a continuidade das atividades, da forma pretendida, dependeria de licença de operação, justamente porque a empresa ré vinha descumprindo as condicionantes registradas em anterior licença de instalação. 11. Logo, a controvérsia sobre se a licença de instalação obtida pela recorrente está, ou não, automaticamente renovada pelo decurso do prazo previsto no art. 14, § 4º, da LC 141/2011, mostra-se irrelevante nesta oportunidade. 12. Acolhido o parecer da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, nega-se provimento ao agravo de instrumento. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO 5005876-25.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 18/09/2020) Por ocasião do saneamento do feito, foi proferida decisão mantendo a liminar concedida (Id 250250152), com os seguintes fundamentos: " (...) A NPM insiste em pleitear autorização judicial para finalização das obras (Id 32141292), alegando que a empresa apresentou toda a documentação na esfera administrativa, incluindo projetos técnicos, mas que o IBAMA se manteve inerte no andamento do procedimento de licenciamento, o que não condiz com a realidade. Na audiência de tentativa de conciliação, ocorrida em 06/08/2018 (Id 9847149), os representantes dos órgãos ambientais presentes se comprometeram a entregar estudo técnico contendo todos os deveres e obrigações dos réus, incluindo a valoração dos danos. Conforme comprovantes de Id 29252476, o referido parecer técnico conjunto não foi apresentado em virtude da constatação, pelo IBAMA, da necessidade de apresentação de projetos e programas por parte da NPM para adequação ambiental do Estaleiro Porto Morrinho. Encaminhado ofício do IBAMA, datado de 10/08/2018, a empresa se manteve inerte. Reiterada a notificação em 21/06/2019, a NPM enviou a documentação e o IBAMA analisou os documentos, no dia 09/10/2019, concluindo que não foram atendidos satisfatoriamente os projetos solicitados, mas que a empresa pode sanar as pendências. Realizada vistoria em 23/01/2020, foi apresentado o parecer técnico conjunto do IBAMA, IMASUL e FMAP. Desse modo, o que se observa a partir do exaustivo rol de laudos e estudos técnicos acostados aos autos é que a NPM não está regularizada perante os órgãos ambientais. Por oportuno, seguem as informações supracitadas (Id 29252476; 28879264): Pelas razões acima expendidas, e notadamente pela necessidade de impedir a expansão dos danos ambientais, ratifico integralmente a decisão de Id 9260919. Agora, por ocasião de julgamento do feito em cognição exauriente, tenho que se mantém presentes os elementos que justificaram a liminar concedida, a qual ratifico integralmente nesta sentença. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, para condenar NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO S/A e JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, nos termos da fundamentação: a) à obrigação de fazer consistente em implantar o Sistema de Escoamento Superficial do Corixo Gonçalinho, no aterro da estrada de acesso da BR-262 ao Estaleiro, que deverá ser realizado por procedimentos pertinentes junto ao órgão ambiental competente, nos termos da fundamentação supra; b) à obrigação de fazer consistente na elaboração e implantação de Projeto de Recuperação de Área Degradada - PRAD, referente ao empreendimento indicado na inicial (Navegação Porto Morrinho S/A ou construções que o sucederem), de maneira que este se adeque às características do bioma a ser reparado, cuja elaboração ficará a cargo de responsáveis habilitados e devidamente aprovado pelo órgão ambiental competente, em até 180 (cento e oitenta) dias. Caberá aos réus os custos decorrentes da elaboração do PRAD, bem como o pagamento do valor de reparação do dano ambiental apurado; c) ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 1.220.922,00 (um milhão, duzentos e vinte mil, novecentos e vinte e dois reais), a ser revertido ao Fundo de Recuperação de Bens Lesados (art. 13 da Lei 7.347/85). Com fulcro no art. 12 da LACP e artigos 300 e 536 do CPC, a fim de evitar o prosseguimento de atividades nocivas amplamente demonstradas no processo, observando os princípios da precaução e prevenção, confirmo a liminar deferida e determino à empresa ré que: i) paralise as ações empresariais no local e de quaisquer outras atividades tendentes à instalação das atividades pretendidas pelos licenciamentos ambientais, sob pena de multa em caso de descumprimento; ii) abstenha-se de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica na área, sob pena de multa em caso de descumprimento; e iii) apresente, no prazo de 60 (sessenta) dias, informações atualizadas sobre o atual estágio de cumprimento das obrigações constantes nesta sentença, bem como para que apresente o cronograma de execução das ações necessárias para a integral satisfação dos direitos assegurados por esta sentença, com prazo razoável de conclusão. Apresentado o cronograma, intime-se o MPF para manifestação em termos de cumprimento da sentença. Sem condenação em custas e honorários advocatícios (art. 18 da Lei n. 7.347/85). Expeçam-se ofícios à Fundação de Meio Ambiente do Pantanal, ao IBAMA, ao IMASUL e à Polícia Militar Ambiental de Corumbá, encaminhando cópia da sentença para conhecimento. Havendo interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remeta-se o feito ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se, com urgência, servindo cópia da presente como mandado/ofício para as comunicações necessárias. Corumbá/MS, datado e assinado eletronicamente. Sabrina Gressler Borges Juíza Federal Substituta
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Processo nº 5012806-83.2025.4.03.0000
ID: 291547096
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5012806-83.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO SOARES FERNANDES
OAB/MS XXXXXX
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EFRAIN BARCELOS GONCALVES
OAB/MS XXXXXX
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AFONSO DE CARVALHO ASSAD
OAB/MS XXXXXX
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AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012806-83.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS AGRAVADO: JOAO FERNANDES FILHO, TATIANA SAAB PEREIRA FE…
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012806-83.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS AGRAVADO: JOAO FERNANDES FILHO, TATIANA SAAB PEREIRA FERNANDES, FERNANDO FERNANDES Advogados do(a) AGRAVADO: AFONSO DE CARVALHO ASSAD - MS16504-A, EFRAIN BARCELOS GONCALVES - MS10086-A Advogado do(a) AGRAVADO: THIAGO SOARES FERNANDES - MS13157-A D E C I S Ã O Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão proferida em ação civil pública proposta contra João Fernandes Filho, Tatiana Saab Pereira Fernandes e Fernando Fernandes, com vistas à desocupação das Fazendas “São Bento” e “Quatro Irmãs”, localizadas em terras devolutas da União Federal, no complexo denominado "Gleba Ipê Roxo". A decisão agravada deferiu em parte a tutela pleiteada para impor aos réus a obrigação de não fazer a exploração, de nenhum modo, da área cuja recuperação se busca, a qual deverá ficar em pousio, com vistas ao início do processo de regeneração natural. O Juízo "a quo", entretanto, indeferiu os pedidos de indisponibilidade de bens dos réus e de bloqueio de seus cadastros no sistema IAGRO/MS. Alega o agravante que, após estiagem ocorrida em 2019 no Pantanal, os réus se apropriaram irregularmente da área em discussão, tendo nela construído benfeitorias, realizado queimadas para limpar pastagem e introduzido grande rebanho de bovinos. Sustenta que recente decisão proferida pelo STF na ADPF 743/DF revela, de maneira inequívoca, o dever do Poder Público de adotar medidas eficazes para barrar a continuidade de danos ambientais, inclusive por meio de restrição ao direito de propriedade dos responsáveis pelos atos danosos. Nesse esteira, alega que a Suprema Corte reconheceu ser plenamente legítima a adoção de restrições patrimoniais para fins preventivos e reparatórios, desde que haja indícios suficientes de responsabilidade ambiental. Por tais razões, assevera que a indisponibilidade de bens é imprescindível à garantia de futura indenização, buscando-se, assim, a efetividade da reparação ambiental. Alega estarem presentes os requisitos do art. 12 da Lei 7.347/85, tendo em vista os robustos elementos de prova colacionados aos autos, bem como a existência de indícios de elevado poder de dispersão de ativos por parte dos agravados, os quais ensejam o receio de que promovam a ocultação de patrimônio. Sob outro enfoque, alega ser mister o bloqueio do cadastro dos agravados na Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal - IAGRO/MS, especialmente para inviabilizar a expedição de Guias de Trânsito Animal. Inconformado, requer a concessão dos provimentos que foram indeferidos pelo Juízo "a quo" e a reforma da decisão agravada. DECIDO. Trata-se o feito de origem de ação civil pública cujo objetivo é a interdição e a desocupação das Fazendas “São Bento” e “Quatro Irmãs”, localizadas em terras devolutas da União Federal, integrantes de complexo identificado como "Gleba Ipê Roxo", objeto de arrecadação pelo INCRA no Processo Administrativo nº 54000.091205/2021-58, ocupadas irregularmente pelos réus. A Constituição Federal consagra a questão ambiental como direito social e difuso do homem e em seu artigo 225, caput, estabelece: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." À luz da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente consiste, portanto, em bem de uso comum do povo, essencial à sua qualidade de vida, impondo ao poder público e à própria coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo, visando assegurar a sua fruição pelas futuras gerações. No intuito de proteger o meio ambiente, o § 3º do aludido artigo 225 dispõe sobre as medidas protetivas e sanções aplicáveis, nos seguintes termos: "§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas o meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados." O foco da política ambiental é a preservação e a restauração do meio ambiente, por meio de ações de prevenção e precaução de qualquer tipo de dano, bem como de manutenção do desenvolvimento sustentável. A propósito do dever de reparação do dano ambiental, impõe destacar que se tratar de responsabilidade objetiva, que independe da comprovação de culpa, bastando demonstrar o nexo entre conduta e evento danoso, a teor do disposto no art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, in verbis: "Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente." Sobre a questão o STJ já firmou a seguinte tese, no âmbito do Recurso Especial repetitivo nº 1374284/MG: a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados. Ademais, para a concessão de medidas liminares em ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, assim dispõe a Lei nº 7.347/85: Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato. § 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento. Sobre a questão de fundo abordada nos autos extrai-se da Informação de Polícia Judiciária ID356907066, pág. 30-36, dos autos de origem): analisando áreas na região do Pantanal sul-mato-grossense que sofrem com as queimadas recentes, mais especificamente, na região norte do município de Corumbá/MS por meio do uso de ferramentas SIG2 e banco de dados geoespaciais, foi possível observar que parte de áreas que já havia sido queimadas em 2020 estão sendo queimadas novamente neste ano. (...) foram identificadas regiões, com áreas possivelmente públicas da União (áreas devolutas da União, localizadas na Faixa de Fronteira), que foram cercadas após as queimadas de 2020 de maneira a formar duas grandes fazendas. Essas fazendas atualmente são denominadas de Fazenda São Bento e Fazenda Quatro Irmãs e possuem mais de 3 mil hectares cada, o que forma uma área de mais de 6 mil hectares" (Id 356907066, pág. 30-36). Assim, após detida análise da documentação acostada aos autos o Juízo a quo deferiu em parte a liminar para "impor aos réus a obrigação de não fazer a exploração, de nenhum modo, das áreas cuja recuperação se busca (Fazendas São Bento e Quatro Irmãs), devendo ficar tal área em pousio para que tenha início o processo de regeneração natural paulatina, durante a tramitação da lide". A decisão foi proferida com base nos indícios de ocupação irregular da área e de que danos ambientais foram nela causados. Confira-se o seu teor: Na IPJ nº 49/2024, constou, ainda, que, "em consulta ao SiCAR e a outras camadas vetoriais disponíveis nesta unidade dos CARs do MS, verificou-se que essas áreas são de suposta propriedade dos nacionais JOÃO FERNANDES FILHO (CPF: 379.045.071-53), TATIANA SAAB PEREIRA FERNANDES (CPF: 158.493.718-18) e FERNANDO FERNANDES (CPF: 321.865.501 30). Além disso, analisando imagens mensais de satélites por meio do Programa Brasil MAIS, foi possível visualizar as queimadas ocorridas em 2020; a construção de cercas que ocorreram entre 2021 a 2022; e a presença de bovinos no interior das áreas no ano de 2023 e 2024 – Figuras 2, 3 e 4. Além disso, é possível visualizar ainda que essas áreas (e a região ao redor delas) estão ainda sendo queimadas pelos incêndios deste ano"(Id 356907066, pág. 30-36). O Laudo nº 575/2024-NUTEC/DPF/DRS/MS (Id 356907066, pág. 138-167), foi elaborado com o objetivo de realizar análise multitemporal do uso e ocupação do solo das áreas rurais denominadas FAZENDA QUATRO IRMÃS e FAZENDA SÃO BENTO por meio de imagens de satélites, para detectar alterações de feições no interior de seus polígonos, valorar possíveis danos ambientais, bem como constatar a presença ou não de rebanhos bovinos nestas áreas e, em caso positivo, valorá-los. Apurou-se que: "(...) foi verificado que as áreas denominadas de FAZENDA SÃO BENTO e FAZENDA QUATRO IRMÃS estão localizadas no município de Corumbá/MS, em bioma Pantanal, no interior da Faixa de Fronteira Federal dos 150 km que trata a Lei nº 6.634/1979. A FAZENDA SÃO BENTO possui cerca de 2.832,91 hectares e está localizada de maneira adjacente à FAZENDA QUATRO IRMÃS que possui cerca de 3.588,84 hectares (...)." Em relação à Fazenda São Bento, vale destacar as seguintes informações apresentadas pelo laudo pericial: "IV.2 – Fazenda São Bento A área denominada de FAZENDA SÃO BENTO está localizada em área do bioma Pantanal, no município de Corumbá/MS, e possui, segundo o polígono obtido junto ao Cadatro Ambiental Rural do Mato Grosso do Sul (CAR/MS), cerca de 2.832,91 hectares. E quem se diz proprietário dessa área é FERNANDO FERNANDES (CPF: 321.865.501-30). (...) Em consulta à documentação fundiária da região e a banco de dados cadastrais e geoespaciais disponíveis neste núcleo pericial, foi possível verificar que o polígono dessa área está sobreposto a área devoluta da União (denominada de Gleba Ipê Roxo, que possui 7.921,94 hectares) que, atualmente, está em vias de ser arrecadada pelo INCRA (...). Além disso, não foi encontrada matrícula em Cartório de Registro de Imóveis em nome de FERNANDO FERNANDES dessa área. Em consulta ao Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR/INCRA), foi possível observar que FERNANDO, em 03/03/2022, tentou incluir a FAZENDA SÃO BENTO no SNCR a fim de obter o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Nessa tentativa de cadastro, apresentou, entre outros documentos de identificação pessoal e de levantamento topográfico da área, uma Escritura Pública Declaratória, expedida entre as folhas nos 19 a 20 do Livro 57 do Cartório de Serviço Notarial e de Registro Civil das Pessoas Naturais do município de Ladário/MS11, onde declarou que “exerce posse mansa, pacífica e com intenção de dono, há aproxidamente 01 (um) ano sobre o imóvel rural denominado de FAZENDA SÃO BENTO, situado no município de Corumbá, Estado do Mato Grosso do Sul, com área de 2.833,9242 hectares”. Nesse documento, FERNANDO menciona ainda que entrou na posse do imóvel em meados de janeiro de 2021, onde exerce desde então atividade agropecuária. Consta também que foi realizado levantamento topográfico da área pelo Responsável Técnico (RT) JOÃO DOS SANTOS DIAS (...) Acerca do fato de ele ter entrado em meados de 2021 na área, é digno de nota que, conforme subtópico IV.2.3 deste laudo, a área (e a região adjacente a ela) foi queimada entre os meses de junho a agosto de 2020 e que, após essas queimadas, foi identificada, entre os meses de julho a outubro de 2021, a construção de uma estrada no interior da área. Assim, nesse contexto, infere-se que, após as queimadas de 2020, foi FERNANDO FERNANDES quem construiu a referida estrada no ano de 2021. Voltando à análise da declaração de FERNANDO no SNCR, apesar de ele ter anexado documentos e alegado ocupação e posse da área, a tentativa de inclusão da área no SNCR foi rejeitada pelo INCRA. Em 08/06/2023, FERNANDO apresentou novamente documentos ao INCRA, via declaração eletrônica disponível no SNCR, mas nesse caso, em 14/06/2023 foi aceita a inclusão da área no SNCR. Nessa declaração, ele apresentou os mesmos documentos de identificação pessoal e de comprovação do levantamento topográfico da área, realizado pelo RT JOÃO DOS SANTOS DIAS, apresentados na declaração de 03/03/2022. Porém, não anexou aquela Escritura Pública de Declaração, mas sim um documento denominado de “DECLARAÇÃO DE USO E OCUPAÇÃO”, datado de 07/03/2023, expedido pelo Núcleo Municipal de Regularização Fundiária do município de Corumbá/MS e assinado pelo Coordenador do Núcleo Municipal de Regularização Fundiária, LUCIO GABRIEL NASCIMENTO E SÁ. (...) IV.2.1 – Declaração de Uso e Ocupação Na declaração de FERNANDO FERNANDES, datada de 08/06/2023, junto ao SNCR, na tentativa de incluir a FAZENDA SÃO BENTO no sistema, este primeiramente apresentou o documento denominado de DECLARAÇÃO DE USO E OCUPAÇÃO, datado de 07/03/2023, emitido pelo Núcleo Municipal de Regularização Fundiária de Corumbá/MS e assinado pelo coordenador do referido núcleo LUCIO GABRIEL NASCIMENTO E SÁ (CPF: 733.230.041-91). Nesse documento, LUCIO declarou que SIDNEY AMORIM DA SILVA (CPF: 256.400.971-91), SANDRO AMORIM BENTO DA SILVA (CPF 913.203.301-00), ROSIANY AMORIM BENTO DA SILVA (CPF: 013.341.691-79), ROSINEY AMORIM DA SILVA KELLER (CPF 271.396.768-60) e ANNY APARECIDA DAS NEVES SILVA (CPF: 064.366.261-82) são herdeiros do posseiro ROSILDO BENTO DA SILVA (045.753.501-68), desde 08/11/1982, da área denominada de FAZENDA SÃO BENTO, que possui 2.833,9242 hectares, conforme levantamento técnico realizado pelo RT JOÃO DOS SANTOS SILVA. Ainda na declaração, há menção da existência de um contrato de cessão de direitos possessórios entre as pessoas supracitadas e FERNANDO FERNANDES, por meio da Escritura Pública de Cessão de Direitos Possessórios, emitida em 06/06/2022, na cidade de Ladário/MS. (...) Analisando os teores desse documento, nota-se que há informações controversas e que não condizem com a realidade pois, conforme análise multitemporal de uso e ocupação da área, não havia sinais de uso e ocupação na área desde pelo menos a data de 02/06/2009 até o mês de outubro de 2021, quando foi construída uma estrada no interior do polígono da área (Mapa 8). Além disso, conforme está escrita na própria declaração, todos os herdeiros de ROSILDO moram em locais diversos e não ocupam a área da FAZENDA SÃO BENTO. Portanto, se ROSILDO possuía a posse da área, que está inserida em uma área devoluta da União, seus herdeiros não deram continuidade a ela e, portanto, não poderiam ter concedido a posse a FERNANDO FERNANDES. Consultas efetuadas nos sistemas SiCAR, SIGEF, SNCI e SNCR não encontraram registros de áreas rurais em nome de ROSILDO, que faleceu no ano de 2018, e nem de seus herdeiros, o que reforça a ausência de posse. Portanto, tanto a Declaração de Uso e Ocupação, emitida pelo Núcleo Municipal de Regularização Fundiária de Corumbá/MS e assinada pelo coordenador LUCIO GABRIEL NASCIMENTO E SÁ, quanto à Escritura Pública de Cessão Hereditária de Posse, possuem informações ilegítimas e foram utilizadas para, de certa forma, autorizar FERNANDO FERNANDES a ocupar uma área pública da União, conseguir obter o cadastro da área junto ao SNCR do INCRA e movimentar bovinos nos sistemas do IAGRO/MS. (...) Assim, conclui-se que FERNANDO FERNANDES não possui posse efetiva da área e está ocupando e usufruindo (por meio da criação de bovinos) de uma área pública da União de maneira ilegal, utilizando de documentos contendo informações ilegítimas. (...) IV.2.3 – Análise multitemporal do uso e ocupação do solo (...) Portanto, com base nas análises multitemporais e nas demais análises realizadas, pode-se concluir que FERNANDO FERNANDES está ocupando e usufruindo (por meio da criação de bovinos) de uma área pública da União, utilizando-se de documentação ilegítima, e não cumpre os requisitos legais para regularizar a área em seu nome junto ao INCRA, que é o órgão competente para regularizar áreas públicas da União." Há elementos que indicam que FERNANDO FERNANDES não possui a posse regular da área denominada Fazenda São Bento e está ocupando e usufruindo ilegalmente (por meio da criação de bovinos) de uma área pública da União. Em relação à Fazenda Quatro Irmãs, constam as seguintes informações apresentadas pelo laudo pericial (Laudo nº 575/2024-NUTEC/DPF/DRS/MS; Id 356907066, pág. 138-167): "IV.3 – Fazenda Quatro Irmãs A área denominada de FAZENDA QUATRO IRMÃS está localizada em região do bioma Pantanal, no município de Corumbá/MS, e possui, segundo o polígono obtido junto ao Cadastro Ambiental Rural do Mato Grosso do Sul (CAR/MS)17, cerca de 3.588,84 hectares. E quem se intitulam proprietários dessa área são JOÃO FERNANDES FILHO (CPF: 379.045.071-53) e TATIANA SAAB PEREIRA FERNANDES (CPF: 158.493.718-18). (...) Em consulta aos sistemas disponíveis, foi possível verificar que o polígono da área da FAZENDA QUATRO IRMÃS, como também foi constatado com a FAZENDA SÃO BENTO, está sobreposto ao polígono de uma área devoluta da União, atualmente denominada de GLEBA IPÊ ROXO, que está em vias de discriminação e arrecadação sumária pelo INCRA (...). Em consulta ao SNCR, foi encontrado o cadastro de uma área com a denominação de “FAZENDA QUATRO IRMÃS I”, em nome de JOÃO FERNANDES FILHO, que possui código de imóvel rural no SNCR nº 907.030.016.667-0. Nesse cadastro, não há menção da existência de registro em cartório (matrícula) da área, nem de título definitivo expedido por algum órgão fundiário, mas sim de uma posse de somente 304,00 hectares, e não de 3.588,84 hectares, como ele declara que possui junto ao CAR/MS (...)." Há elementos que indicam que JOÃO FERNANDES FILHO e TATIANA SAAB PEREIRA FERNANDES não possuem a posse regular da área denominada Fazenda Quatro Irmãs e estão ocupando e usufruindo ilegalmente (por meio da criação de bovinos) de uma área pública da União. Sobre a sobreposição das duas fazendas em áreas de terras devolutas da União, o Laudo 575/2024 – NUTEC/DPF/DRS/MS indica que: "IV.3.1 – Sobreposiçao entre polígonos em área devoluta da União Em consulta ao banco de dados geoespaciais do SIGEF, foi observado que os polígonos da FAZENDA QUATRO IRMÃS e da FAZENDA SÃO BENTO, obtidos junto ao CAR/MS, se sobrepõem a quatro polígonos registrados no SIGEF, que se encontram como não certificados nesse sistema. Além disso, como também ocorre com as áreas rurais FAZENDA QUATRO IRMÃS e FAZENDA SÃO BENTO, eles não possuem títulos de domínio e estão inseridos no interior de uma área devoluta da União, denominada pelo INCRA de GLEBA IPÊ ROXO. (...) Nesse contexto, nota-se que há uma disputa pela posse das áreas devolutas da União na região." Dentre os documentos que instruem a inicial há, inclusive, fotos indicativas da ocupação das áreas e imagens de satélite com comparativo da situação da região antes e depois da ocupação irregular e das queimadas ocorridas no local. Nesse contexto, insere-se a existência de recomendação do CNJ ao uso de imagens de sensoriamento remoto como meio de prova nas ações ambientais criminais e cíveis. Na forma do Protocolo para Julgamento das Ações Ambientais (Primeiro Escopo) do CNJ, "as razões fáticas que respaldam seu uso são robustas. As imagens indicam, com precisão e rapidez, a existência de violações a bens ambientais, fornecem subsídios para valoração de múltiplos danos, porquanto são hábeis a indicar a evolução temporal de condutas infratoras, permitindo a avaliação de cenários anteriores e posteriores à intervenção antrópica. Ademais, o sensoriamento remoto possibilita o monitoramento constante em regiões de difícil acesso aos agentes de fiscalização, realidade de muitas localidades no Brasil." Aqui cabe pontuar que de acordo com o art. 405 do CPC, laudo, vistoria, relatório técnico, auto de infração, certidão, fotografia, vídeo, mapa, imagem de satélite, declaração e outros atos elaborados por agentes de qualquer órgão do Estado possuem presunção (relativa) de legalidade, legitimidade e veracidade, por se enquadrarem no conceito geral de documento público. Com base nos elementos de prova que instruem a inicial, tenho que há elementos seguros para que, em um juízo próprio de cognição sumária, o pedido liminar seja parcialmente deferido. (...) Corroborando as conclusões alcançadas pela Polícia Federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), verificou a prática de infrações ambientais nos imóveis, identificando que os réus continuavam a explorar indevidamente a área, impedindo a regeneração da vegetação nativa (Id 356906283, pág. 195-204). O mesmo foi observado pela Polícia Federal na Informação de Polícia Judiciária nº 57/2024 - NO/DPF/CRA/MS (Id 356907066 - Pág. 370-376), em que constou que a exploração da área persiste, inclusive com a ampliação das edificações e das áreas de pastagens: (...) O relatório de fiscalização lavrado pelo ICMBio e pelo IBAMA (Id 356907066 - Pág. 474-480) na ocasião da deflagração da Operação Prometeu, traz a contextualização dos fatos apurados em 20/09/2024 e a descrição dos atos adotados pelos órgãos ambientais na ocasião: (...) Todo o contexto das investigações preliminares realizadas pela Polícia Federal, em conjunto com a atuação dos órgãos ambientais, na forma documentada na inicial desta Ação Civil Pública Ambiental leva à conclusão, em um juízo de cognição sumária, sobre a existência de fumus boni iuris do direito alegado pelo MPF e pela União. Logo, resta indicado o dano ambiental e o nexo de causalidade com a propriedade do bem, constituindo os elementos da responsabilidade civil ambiental objetiva propter rem. Quanto ao perigo da demora, indicada a existência de dano ambiental, é imperiosa a interrupção do ato ilícito para se buscar a regeneração natural paulatina da área degradada, tudo com o intuito de evitar a piora da degradação do bioma. Importante observar que as áreas já foram embargadas pelo IBAMA (Id 356907066 - Pág. 474-480). O embargo administrativo, por si só, já indica a proibição de explorar de qualquer modo a área cuja recuperação se busca, a fim de garantir o início do processo de regeneração natural paulatina durante a tramitação da lide. Assim, em complemento ao embargo administrativo, tem cabimento o deferimento do pedido de proibição dos réus de explorarem de qualquer modo a área cuja recuperação se busca, devendo ficar tal área em pousio para que tenha início o processo de regeneração natural paulatina, durante a tramitação da lide. Para tanto, caberá aos réus, às suas expensas, providenciar a imediata desocupação das áreas em litígio, especialmente Fazendas São Bento e Quatro Irmãs e das terras devolutas da União, com remoção dos respectivos semoventes, às suas expensas. Para a remoção dos semoventes, caberá aos réus a observação dos cuidados de manejo e de sanidade animal, bem como atender às respectivas exigências administrativas e sanitárias. Na esteira da decisão proferida pelo Juízo a quo, ao constatar o dano ambiental indicado na ação civil pública de origem e o nexo de causalidade com a propriedade do bem, verifica-se ser mister a parcial concessão da tutela requerida neste recurso, no que toca à suspensão do cadastro dos agravados na Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal - IAGRO/MS. A providência requerida pelo ora recorrente não se consubstancia em medida de caráter sancionador. O bloqueio do cadastro, sobretudo para fins de inviabilizar a expedição de Guias de Trânsito Animal, trata-se de medida administrativa preventiva que busca afastar a continuidade de práticas irregulares na área sob análise e evitar a obtenção de lucros oriundos de possível posse irregular. Sob outro enfoque, não obstante o quanto determinado pelo STF no âmbito da ADPF 745, mencionada pelo agravante, acerca da adoção de medidas de cunho patrimonial no intuito de se promover a reparação de danos ambientais, nesta fase de cognição sumária não estão presentes os elementos a ensejar o deferimento do pedido de indisponibilidade de bens dos agravados. Nesse sentido, não há evidências concretas do risco de dilapidação patrimonial por parte dos requeridos que ensejassem a constrição patrimonial requerida, antes da formação do contrataditório e regular instrução probatória. Dessarte, não merece reparos a decisão agravada, proferida nos seguintes termos: Por outro lado, no que concerte ao pedido de indisponibilidade de bens, embora presente o requisito do fumus boni iuris, não há evidências concretas do periculum in mora, considerando ausência in concreto do risco de dilapidação patrimonial por parte dos requeridos, o que poderá ser revisto a qualquer momento. Ao contrário das ações civis públicas por improbidade administrativa, o "periculum in mora" não se presume para fins de bloqueio liminar de bens em ações civis públicas ambientais. Nesse sentido, precedente do E. Tribunal Regional da 3ª Região: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANOS. LAVRA MINERAL IRREGULAR. BLOQUEIO DE BENS. RISCO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. PRESUNÇÃO DE "PERICULUM IN MORA". INVIABILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Somente a ação civil pública, por improbidade administrativa, na forma do artigo 7º da Lei 8.429/1992, permite a indisponibilidade de bens fundada em presunção de risco de dano para a garantia do ressarcimento do dano causado. 2. A ação civil pública por danos ambientais, sujeita aos ditames do Código de Processo Civil, exige, para a indisponibilidade de bens, a comprovação do risco de dano, o que não ocorre, quando fundado o pedido na presunção de dilapidação patrimonial pelo fato de não existirem veículos registrados em nome da ré, sem qualquer outro elemento concreto de corroboração da situação jurídica elencada como necessária à providência restritiva requerida. 3. Agravo de instrumento desprovido. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0001970-54.2016.4.03.0000/MS. .Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Relator: Considerando a cognição sumária desenvolvida na via estreita do agravo de instrumento, mormente neste momento de apreciação de efeito suspensivo ao recurso, entendo presentes os requisitos ensejadores da parcial concessão da medida pleiteada. Ante o exposto, defiro em parte o pedido para determinar o bloqueio dos cadastros dos agravados junto ao IAGRO/MS. Comunique-se ao Juízo de origem o teor desta decisão, com urgência. Intime-se a parte agravada, nos termos do artigo 1.019, inciso II, do Código de Processo Civil. Intimem-se. São Paulo, data da assinatura digital.
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Processo nº 0000724-58.2019.4.03.6324
ID: 277784827
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Gabinete JEF de São José do Rio Preto
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0000724-58.2019.4.03.6324
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HENRIQUE STAUT AYRES DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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JULIANO KELLER DO VALLE
OAB/SC XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 0000724-58.2019.4.03.6324 / 1ª Vara Gabinete JEF de São José do Rio Preto AUTOR: MAGALI ALVES SI…
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 0000724-58.2019.4.03.6324 / 1ª Vara Gabinete JEF de São José do Rio Preto AUTOR: MAGALI ALVES SILVA Advogados do(a) AUTOR: HENRIQUE STAUT AYRES DE SOUZA - SP279986, JULIANO KELLER DO VALLE - SC12030-A REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Advogados do(a) REU: JOSE ANTONIO ANDRADE - SP87317, VIVIANE APARECIDA HENRIQUES - SP140390 S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO Trata-se de ação declaratória e indenizatória ajuizada por MAGALI ALVES SILVA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, visando à condenação da Ré ao pagamento de danos materiais e morais decorrentes vícios construtivos verificados em imóvel financiado pela ré mediante o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). A parte autora alega, em síntese, que adquiriu imóvel por meio de instrumento particular de compra e venda de imóvel, com parcelamento e alienação fiduciária, celebrado com a Ré no âmbito do programa minha casa minha vida. Após a entrega do imóvel, aduz o surgimento de inúmeros problemas na suas áreas externa e interna, em decorrência de vícios de construção. Por fim, requer condenação da Ré ao pagamento de danos materiais e morais decorrentes vícios construtivos verificados em imóvel financiado pela ré mediante o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Dispensado relatório pormenorizado. 2. FUNDAMENTAÇÃO Preliminares e prejudiciais de mérito - Legitimidade da Caixa Econômica Federal A CEF sustenta a sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o fundamento de que ela não é responsável pela construção do imóvel em discussão, em consequência, não é responsável pelos vícios de construção no bem. Razão não assiste à CEF, consoante passo a fundamentar. De acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009, a CEF, nos contratos de aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, atua como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Diante disso, o STJ tem reconhecido a legitimidade passiva da CEF nas ações judiciais em que se pleiteia a condenação por vícios de construção de imóveis objeto do Programa Minha Casa Minha Vida, quando se verifica que a CEF atua como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, com o uso de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. MORADIA POPULAR. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. AGENTE DE POLÍTICA FEDERAL DE PROMOÇÃO À MORADIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGRAVANTE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. "A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda" (REsp 1.163.228/AM, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe de 31/10/2012). 2. No caso, deve ser rejeitada a defendida ilegitimidade passiva, na medida em que o eg. Tribunal a quo expressamente assentou que a ora agravante atuou como "(...) integrante de políticas federais voltadas à promoção de moradia para pessoas de baixa renda, eis que, nesse caso, atua não apenas como mero agente financeiro, mas como executor/gestor de programas governamentais". 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1536218/AL, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 14/10/2019 – grifo nosso) No mesmo sentido, é o posicionamento adotado no TRF3ª: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CEF. ATUAÇÃO COMO AGENTE EXECUTOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS PARA PROMOÇÃO DE MORADIA PARA PESSOAS DE BAIXA RENDA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O C. Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilidade da CEF por vícios de construção de imóveis objeto do Programa Minha Casa, Minha Vida nos casos em que atua como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, o que não se reconhece quando atua tão somente como agente financeiro, vale dizer, quando é responsável pela liberação de recursos financeiros para a aquisição do imóvel. Precedentes daquela e desta Corte. 2. Os contratos em debate foram celebrados segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, utilizaram recursos do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, revelando que a demandada atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, daí exsurgindo a legitimidade passiva ad causam da CEF para o feito. (...) 5. Apelação provida para reconhecer a legitimidade passiva ad causam da CEF e determinar o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular processamento do feito. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000844-95.2019.4.03.6136, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 24/06/2021, DJEN DATA: 01/07/2021 – grifo nosso) No caso dos autos, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV, (ID 92204534, pp. 43-44), demonstra que o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da CEF para o feito. - Interesse processual A CEF, ainda, sustenta a ocorrência da falta de interesse de agir da parte autora. Razão não assiste à CEF. Isto porque, a prévia postulação administrativa mediante o Programa “De Olho na Qualidade”, no caso, pode ser suprida por qualquer comunicação sobre os vícios construtivos, uma vez que prescinde de rigor formal, bem como houve o oferecimento de contestação pela CEF, em que rebatidos vários argumentos da parte autora, o que denota resistência à pretensão inicial. Assim, o interesse processual encontra-se caracterizado. Neste sentido, colacionado acórdão do TRF3ª: APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. INTERESSE DE AGIR. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO PROVIDO. (...) 2. In casu, a parte apelante ajuizou a presente ação objetivando a indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios construtivos existentes no imóvel adquirido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV. 3. Em razão da garantia da inafastabilidade da jurisdição, prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, o acesso ao Judiciário para pleitear a indenização por danos decorrentes de vícios de construção não pode ser obstado somente porque a parte autora não buscou a priori obter, na esfera administrativa, tal ressarcimento. 4. O requerimento administrativo, embora necessário, pode ser suprido por qualquer comunicação sobre os vícios construtivos, ou seja, prescinde de rigor formal, bem como pela eventual oposição da parte contrária do pedido indenizatório. Precedentes do C. STJ. 5. No caso dos autos verifica-se que a parte apelante notificou a CEF extrajudicialmente (ID 134520317 – pg. 13/14), suprindo tal requisito formal. Descabe, portanto, a alegação de inexistência de reclamação formal administrativa por meio do programa “DE OLHO NA QUALIDADE”. 6. Apelação provida. Sentença anulada. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002390-81.2019.4.03.6106, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 15/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/10/2020 – grifo nosso) No caso em tela, de resto, observo que a parte autora notificou extrajudicialmente a CEF acerca dos vícios construtivos, mediante via postal, sendo a notificação recebida pela parte Requerida, a qual, inclusive, alega ter buscado - sem sucesso - resolver a situação na via administrativa. Portanto, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir alegada pela CEF. - Litisconsórcio passivo necessário Não se trata de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, porque a responsabilidade solidária dos fornecedores, instituída, pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 18), é conducente à formação de litisconsórcio passivo facultativo, já que "o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum" (Código Civil. art. 275). Do mérito. Dos danos materiais A questão cinge-se em analisar eventual responsabilidade da parte ré por danos físicos ocorridos no imóvel da parte autora. Consoante se passa a fundamentar, a parte autora possui direito ao ressarcimento dos danos físicos ocorridos no seu imóvel. Em se tratando de ação em que a parte autora busca reparação por danos materiais e/ou danos morais, é aplicável o instituto da responsabilidade civil. Seus fundamentos podem ser extraídos, em sede constitucional, do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988. Art. 5º, V, CF - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; Art. 5, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; No âmbito infraconstitucional, a responsabilidade civil é tratada pelo Código Civil de forma específica em seu Título IX - Da Responsabilidade Civil (art. 927 a 954): Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nos termos dos dispositivos legais acima, observa-se que os requisitos básicos da responsabilidade civil são a ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo causal e dano. Assim, a prova, nas ações fundadas em responsabilidade civil, deve alcançar estes quatro elementos. Cabe consignar, ainda, que, nos casos em que discute a responsabilização de instituições bancárias por serviço por elas prestados, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, nos termos do que dispõe o seu art. 3º, §2º: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. A relação entre a parte autora e a CEF é de consumo. Transcreve-se o Enunciado de Súmula do STJ: Súmula 297 – o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fornecedor responde objetivamente por fato do produto ou do serviço. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços apresenta-se como objetiva, nos termos do que dispõe o caput e §1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. A responsabilidade objetiva se aplica a teoria do risco empresarial, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens ou serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Em outras palavras, provado o dano e o nexo de causalidade entre a atividade empresarial e o dano, há o dever de indenizar. Porém, existe o rompimento desse nexo de causalidade, nas relações consumeristas, quando ficar demonstrada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, consoante consta no §3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em relação aos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução se responsabiliza pela segurança e solidez da obra durante o prazo de 05 (cinco) anos, consoante prescreve o art. 618 do Código Civil: Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Após feitas as explicações acima, passa-se ao caso concreto. No caso dos autos, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV (ID 92208301, pp. 43-44) demonstra que a parte autora adquiriu da CEF imóvel localizado no Residencial Amizade II, em São José do Rio Preto/SP. Ademais, o Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV demonstra que o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como agente executora de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda. Nesse sentido, verifica-se que o contrato de financiamento habitacional firmado pela parte autora com a CEF (ID 92208301, pp. 29-42) está inserido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, cuja legislação de regência é a Lei n° 11.977/2009 e alterações, bem como do FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, o qual é representado pela CEF. De acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009, a CEF, nos contratos de aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, atua como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A CEF, como agente executor do FAR, possui responsabilidade quanto à reparação de vício construtivo a ser indenizado aos mutuários de referido programa, uma vez que o art. 6º-A, inciso III, da Lei nº 11.977/2009, garante cobertura aos beneficiários em face de danos físicos no imóvel, independentemente de contribuição do beneficiário: Art. 6o-A. As operações realizadas com recursos advindos da integralização de cotas no FAR e recursos transferidos ao FDS, conforme previsto no inciso II do caput do art. 2o, são limitadas a famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00 (mil trezentos e noventa e cinco reais), e condicionadas a: (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 2012) (...) III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) Assim sendo, a partir dos danos apontados na petição inicial, a perícia realizada por engenheiro indicado por este juízo detectou pontuais vícios de construção (não derivados de falta de conservação), cuja responsabilidade deve ser atribuída à CEF, como agente executor do FAR, nos termos do artigo 6º-A, inciso III, da Lei nº 11.977/2009, o qual garante cobertura aos beneficiários em face de danos físicos no imóvel, independentemente de contribuição do beneficiário. Como relação jurídica entre a parte autora e a CEF é de consumo, a responsabilidade é objetiva, ou seja, necessário que seja demonstrada a ocorrência conduta (comissiva ou omissiva), nexo causal e dano (material e moral), não havendo que se demonstrar a ocorrência de culpa. No caso em tela, diante da alegada existência de vício construtivo a ser indenizado aos mutuários de referido programa, necessária se faz verificar, mediante a perícia realizada na área de engenharia, se ficou constatada a existência de tais vícios, bem como sua origem. Com base no laudo pericial (ID 315300820), que aponta detalhadamente as irregularidades encontradas no imóvel, conclui-se pela ocorrência de danos decorrentes de vício de construção, consoante as respostas dadas aos seguintes quesitos: 4. O imóvel vistoriado apresenta algum defeito estrutural, conforme parecer técnico que acompanha a petição inicial? Qual exatamente? Qual a extensão do defeito: sobre parcela ou sobre a integralidade do imóvel? R. O imovel possui vicios construtivos passiveis de recuperação, conforme delineado em vistoria e analise tecnica. 5. Quais as prováveis causas do defeito: de construção (falha de projeto ou de execução) ou de uso/conservação (conforme Manual do Proprietário)? R. O imovel apresenta falha na execução 6. Qual a gravidade do defeito (qual o nível de comprometimento) na estrutura do imóvel? Há risco concreto de desmoronamento? R. O imovel continua habitavel, todavia possui seu visual e conforto comprometidos. 7. Quais as medidas ou procedimentos necessários à adequada reparação do defeito identificado? Há necessidade de desocupação completa do imóvel? Qual o prazo estimado à realização dos reparos? R. A reforma implicará na remoção da integralidade do piso e revestimentos, o que causará imensa poeira, trazendo desconforto, sendo recomendável que a familia desocupe o imovel quando da reforma e enquanto este perdurar. 8. Houve a realização de alguma alteração permanente (acessão, supressão, benfeitorias ) no imóvel após a sua construção? Quais? Quem etc. as mandou executar? Essas alterações podem ter ocasionado o defeito apurado? R. Não. Não constatamos existencia de acessões no imovel, permanecendo a mesma área de quando foi construido Disse, ainda, o perito: "tecnicamente, está evidente que as anomalias encontradas no imovel da autora derivam de vicios da construção, tais como, o tipo de material utilizado e a qualidade da mão de obra utilizada" (sic). Em resposta aos quesitos da ré, sustentou o auxiliar do juízo, igualmente, que As manifestações patológicas constatadas no imovel indicam anomalias consistentes em vicios construtivos que independem de manutenção (quesito 8). No laudo pericial, o Sr. Perito, ainda, especificou detalhadamente os valores de mão de obra e material apenas para conserto dos danos decorrentes de vícios de construção, excluindo eventuais danos derivados de mau uso ou falta de conservação/manutenção de responsabilidade da parte autora, alcançando a soma de R$ 10.782,50 (atualizado para outubro de 2023, data da vistoria). Cabe consignar que o laudo pericial atende aos requisitos legais do art. 473 do Código de Processo Civil, indicando em detalhes técnicos como alcançou suas conclusões. É cediço que o juiz, destinatário da prova, pode indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias. Em outros termos, cabe ao juiz verificar a necessidade de realização de outras provas ou complementação da prova realizada. Não depreendo do laudo pericial equívocos, omissões ou contradições objetivamente detectáveis, não bastando documentos formados unilateralmente para retirar a sua credibilidade. Por todas essas razões, e considerando a matéria suficientemente esclarecida no laudo já confeccionado, reputo suficientes os elementos contidos no estudo para solução do caso em análise. Ademais, não prosperam as alegações da CEF de que ela não possui qualquer responsabilidade pelos problemas apresentados no imóvel, uma vez que não existe solidariedade entre este banco público federal e a empresa construtora do empreendimento, razão pela qual a recuperação de eventuais vícios ocultos decorrentes de má execução de obra incumbe ao responsável técnico e à construtora. Isto porque a CEF, no presente caso, é responsável pelos danos decorrentes dos vícios construtivos, na medida em que, agiu também como agente executor e fiscalizador da obra e não somente como agente financeiro do imóvel, no Programa MCMV. Conforme consta no Termo de recebimento de imóvel – PAR e PMCMV, o contrato realizado entre as partes foi celebrado segundo as regras do Programa Minha Casa Minha Vida e, ainda, que utilizaram recursos do FAR, revelando que a CEF atuou como financiadora da obra, bem como gestora operacional e financeira dos recursos que lhe são dirigidos para tal empreendimento, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), de acordo com o art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.188/2001, e art. 9º da Lei nº 11.977/2009: Art. 2o Para a operacionalização do Programa instituído nesta Lei, é a CEF autorizada a criar um fundo financeiro privado com o fim exclusivo de segregação patrimonial e contábil dos haveres financeiros e imobiliários destinados ao Programa. (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 20120) (...) § 8o Cabe à CEF a gestão do fundo a que se refere o caput e a proposição de seu regulamento para a aprovação da assembleia de cotistas. (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 20120) *** Art. 9o A gestão operacional dos recursos destinados à concessão da subvenção do PNHU de que trata o inciso I do art. 2o desta Lei será efetuada pela Caixa Econômica Federal - CEF. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) Parágrafo único. Os Ministros de Estado das Cidades e da Fazenda fixarão, em ato conjunto, a remuneração da Caixa Econômica Federal pelas atividades exercidas no âmbito do PNHU. Pelo constante no laudo pericial, constata-se a conduta ilícita da parte ré a ensejar responsabilidade civil, uma vez que as normas técnicas necessárias para a construção do imóvel deixaram de ser observadas, ocasionando os vícios constatados pela prova pericial. Portanto, resta devidamente comprovada a existência de vício construtivo e de execução da obra, devendo a parte autora ser indenizada pelos danos materiais, no montante descrito no laudo pericial. Dos danos morais. A parte autora, ainda, pleiteia a condenação da CEF ao pagamento de danos morais, em razão dos vícios e problemas enfrentados em relação aos vícios construtivos. Razão não assiste à parte autora, consoante se passa a fundamentar. No que tange ao dano moral, trata-se de lesão a direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do Código Civil). A proteção a esta espécie de dano encontra matriz constitucional: Artigo 5º, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Por dano moral entende-se toda agressão apta a ferir a integridade psíquica ou a personalidade moral de outrem. A noção em comento não pode ser confundida com mero dissabor, aborrecimento, mágoa ou irritação. Inicialmente, cabe consignar que a ocorrência de danos materiais no imóvel, no caso decorrentes de vícios construtivos, não pressupõe a existência de danos morais, sendo necessária a demonstração de ocorrência de dissabor além do razoável. No caso em tela, consoante consta no laudo pericial, os vícios construtivos encontrados no imóvel não são de elevada monta, demandando reparos de simples execução, não havendo risco à estrutura, segurança e habitabilidade do imóvel. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o dano moral para as hipóteses de vícios construtivos deve ser comprovado, extraordinário, a suplantar o mero dissabor: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018). 2. No caso, a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral. 3. Deve, pois, o presente recurso especial ser provido, ante a ausência de referência a circunstância especial que extrapole o mero aborrecimento decorrente do atraso na entrega do imóvel. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a condenação por danos morais. (AgInt no REsp n. 1.955.291/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 2/3/2022.-grifou-se) Além disso, embora o Termo de Recebimento do imóvel tenha sido subscrito em março de 2014, a parte autora somente realizou pedido administrativo para a reparação dos danos em 21/01/2019 (ID 92208301, p. 11). Esse intervalo faz pressupor que os vícios construtivos no imóvel não estariam gerando na parte autora interferência intensa no estado psicológico da pessoa, constrangimento ou vexame, ou mesmo abalo à honra objetiva. Portando, é de se julgar improcedente o pedido de condenação da CEF ao pagamento de danos morais. 3. DISPOSITIVO Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na peça inicial e extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, pelo que CONDENO a ré a pagar indenização para reparação dos danos materiais causados à parte autora, conforme orçamento fixado no laudo pericial, no montante de R$ 10.782,50 (atualizado para outubro de 2023, data da vistoria), nos termos da fundamentação. Sobre os valores incidirão juros de mora a partir da data da citação e correção monetária a partir da data de juntada do laudo técnico, data da efetiva constatação do prejuízo (Súmula 43/STJ), na forma e nos índices constantes do Manual de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal vigente à época da execução. Sem recolhimento de custas processuais e sem condenação em verbas de sucumbência nesta instância judicial. Defiro a gratuidade da justiça à parte autora. Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. São José do Rio Preto, data da assinatura eletrônica.
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