Processo nº 5016746-15.2024.4.04.7000
ID: 335034730
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5016746-15.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PRISCILLA SESTREM KARPINSKI
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5016746-15.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: HENRIQUE VONSOVICZ
ADVOGADO(A)
: PRISCILLA SESTREM KARPINSKI (OAB PR037477)
DESPACHO/DECISÃO
I. RELATÓRIO
1.1. Peça ini…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5016746-15.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: HENRIQUE VONSOVICZ
ADVOGADO(A)
: PRISCILLA SESTREM KARPINSKI (OAB PR037477)
DESPACHO/DECISÃO
I. RELATÓRIO
1.1. Peça inicial:
Em 24 de abril de 2024,
HENRIQUE VONSOVICZ
deflagrou esta demanda, sob rito dos juizados, em face do BANCO CENTRAL DO BRASIL, pretendendo a condenação do requerido ao pagamento da diferença de cobertura, quanto aos recursos financiados, que disse teriam sido inadimplidos pela instituição requerida.
Para tanto, o demandante sustentou ter avençado, em 11 de novembro de 2022, com o Banco do Brasil, um contrato de mútuo feneratício, destinado ao financiamento da lavoura - crédito rural fixo no valor de R$29.201,22 (vinte e nove mil, duzentos e um reais e vinte e dois centavos). O montante teria sido destinado ao custeio do plantio direto de lavoura de soja, quanto ao período de setembro de 2022 a maio de 2023, em área pré-determinada de 6,00 hectares, no imóvel de matrícula 3.893 na região Campestre do Matozo, situada em Município de Quitandinha/PR.
Alegou que a mencionada contratação teria sido garantida pelo PROAGRO, com a garantia de renda mínima (GRM), conforme constaria na cláusula 3.4 do contrato constante nos autos, tendo com cobertura o valor de R$22.000,00 (vinte e dois mil reais). A contratação teria sido de R$3.327,86.
Argumentou ainda que
"Acontece que em abril de 2023, devida a chuva excessiva, com evento de aio impacto, ocasionou perda na produtividade da lavoura, conforme relatório de comprovação de perdas do PROAGRO (RCP) anexo, cuja vistoria e constatação da perda, foi realizada no período da colheita 17 de abril de 2023 a 25 de abril de 2024, com posterior comunicação do sinistro ao Banco e abertura de procedimento para recebimento do seguro PROAGRO MAIS."
Destacou ainda que
"Conforme conta no contrato com o valor do crédito a produção contratada foi de 22.500,00kg de soja, no valor total de R$57.375,00, entretanto diante dos danos suportados pelas chuvas excessivas a produção final foi de 11.160,00kg, com receita estimada em R$24.552,00, conforme consta no relatório de comprovação de perdas."
Ainda segundo a peça inicial,
"Da abertura administrativa para recebimento dos valores segurados, o Requerente recebeu resposta em 12/05/2023, do Requerido reconhecendo os danos e determinando o pagamento da cobertura, porém parcial, no valor de R$1.133,08 (um mil, cento e trinta e três reais e oito centavos.), que foi descontado do valor devido do financiamento; mais o valor parcial de R$831,07 (oitocentos e trinta e um reais e sete centavos) como cobertura de despesas da manutenção familiar, que foi debitado em conta do Autor e, R$126,69 (cento e vinte e seis reais e sessenta e nove centavos), referente à parcela do investimento."
O requerente sustentou fazer jus à inversão do ônus da prova. Ele discorreu sobre o alcance do proagro e fontes normativas aplicáveis, segundo sustentou. Detalhou os pedidos e atribuiu à demanda o valor de R$52.438,24.
1.2. Resposta do BACEN:
O BACEN anexou sua resposta no movimento 8, argumentando não ter interesse na promoção de audiência de conciliação. Aduziu que o autor não teria interesse processual. Penderia de apreciação pedido de revisão extrajudicial da deliberação administrativo. Enfatizou ser caso de litisconsórcio necessário envolvendo o Banco do Brasil, diante da sistemática de apreciação dos recursos, no âmbito do conselho do BACEN.
Discorreu sobre as razões que teriam ensejado o deferimento apenas parcial do pedido do autor, no âmbito administrativo. Reportou-se ao manual do crédito rural - MCR. A aplicação de tais normas, no caso, implicaria a limitação do crédito do autor, no caso em apreço. Disse que
"No caso vertente, o contrato foi firmado em 11/11/2022 e há notas fiscais – notadamente, as Danfes nº 151632, no 152982 e no 152979 (doc. anexo, OUT3, p. 45, 47 e 54) – emitidas em fevereiro e março daquele ano, ligadas à compra de defensivos que podem ter sido empregados em qualquer outra lavoura que não a de soja financiada e garantida."
O requerido argumentou ainda que
"O que se tem, portanto, é a completa impossibilidade de se demonstrar que o mutuário efetivamente empregou na sua lavoura os insumos que alegadamente adquiriu, haja vista que ditos insumos podem, perfeitamente, ter sido utilizados pelo seu irmão em lavouras outras ou em empreendimentos agrícolas mais antigos e distintos do aqui debatido. Consequentemente, não há prova da efetiva realização da despesa. Mesmo que tenha havido o desembolso – para o que, como dito, há de se desconsiderar por completo toda a questão da validade formal das notas fiscais apresentadas – não é possível afirmar que houve o emprego dos insumos, não houve a realização do projeto agrícola e do orçamento inicialmente apresentados ao Banco do Brasil S/A e que estão na base do volume de empréstimo concedido à parte autora."
Sustentou que
"reparo algum cabe à decisão da mutuante e, pois, à glosa regulamentar que se fez sobre as notas fiscais irregulares apresentadas pelo demandante, que nada comprovam quanto à efetiva realização da despesa orçada e financiada em seu favor, fato que se agrava ante a patente demonstração de não ter ocorrido o emprego efetivo de diversos insumos no empreendimento do mutuário. 64. Para além dessas glosas ocorridas no campo das despesas, é perfeitamente possível que o mutuário do crédito rural sofra, nos cálculos afetos à cobertura do Proagro, descontos relacionados à receita, como vai no regulamento do programa."
Enfatizou que o regime consumerista não se aplicaria ao conflito travado nesta demanda.
1.3. Réplica do autor:
O autor apresentou sua réplica no evento 11, repisando os argumentos de movimento-1. Argumentou atuar com interesse processual e que se caracterizaria hipótese de litisconsórcio necessário, no caso. Discorreu sobre a garantia do proAgro.
1.4. Eventuais diligências probatórias:
As partes foram intimada para, querendo, detalhar os meios probaatórios pertinentes e necessários à solução da demanda. O BACEN disse não ter medidas demonstrativas a promover.
Por seu turno, o autor postulou a inquirição do técnico que teria sido responsável pela avaliação do grau de perda.
Os autos vieram conclusos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal
para o processo e julgamento desta demanda, eis que versa sobre pretensão endereçada ao Banco Central, autarquia federal constituída por força dos art. 8 da lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Logo, aplicam-se ao caso o art. 109, I, Constituição Federal/88 e art. 10 da lei n. 5.010/66.
2.2. Competência dos juizados - considerações gerais:
Como sabido, a competência dos Juizados Especiais Federais é
absoluta
, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida mediante consenso - exceção feita ao art. 109, §2, CF -, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são compententes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato adminitrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória".
Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal
. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
Eventual complexidade
da demanda não afasta a competência dos Juizados Especiais Federais, conforme disposto no art. 98, I, Constituição Federal/88.
"Ação originária de produção antecipada de provas, com argumento de complexidade da demanda e necessidade de oitiva de quatro testemunhas. 4. A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO AUTÔNOMA DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. LEI 10.259/2001. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 284 DO STF. RECURSO TEMPESTIVO. ARGUMENTO DE COMPLEXIDADE DA CAUSA E NÚMERO DE TESTEMUNHAS. INSUFICIÊNCIA PARA AFASTAR COMPETÊNCIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Agravo Interno interposto de decisão monocrática que inadmitiu Recurso Especial, fundamentando-se na ausência de dialeticidade e invocação da Súmula 284 do STF. 2. A agravante, beneficiária da gratuidade da justiça e dentro do prazo legal, busca a reforma da decisão, alegando violação ao art. 381 do CPC. 3. Ação originária de produção antecipada de provas, com argumento de complexidade da demanda e necessidade de oitiva de quatro testemunhas. 4.
A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos, independentemente da complexidade
. 5.
O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência
. 6. Agravo Interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. CAUSAS CÍVEIS DE MENOR COMPLEXIDADE INCLUEM AQUELAS EM QUE SEJA NECESSÁRIO A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELO VALOR DA CAUSA. - O entendimento da 2.ª Seção é no sentido de que compete ao STJ o julgamento de conflito de competência estabelecido entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal da mesma Seção Judiciária. -
A Lei n.º 10.259/2001 não exclui de sua competência as disputas que envolvam exame pericial. Em se tratando de cobrança inferior a 60 salários mínimos deve-se reconhecer a competência absoluta dos Juizados Federais. Conflito de Competência conhecido, para o fim de se estabelecer a competência do Juízo do 1o Juizado Especial Federal Cível de Vitória, ora suscitado
. (STJ - CC: 83130 ES 2007/0085698-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/09/2007, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 04.10.2007 p. 165)
Assim, a cogitada complexidade de uma demanda não é fator suficiente para excluí-la do crivo dos Juizados Especiais, contanto que tenham sido preenchidos os critérios para sua tramitação no seu âmbito.
NO CASO, a parte autora atribuiui à demanda o valor de R$52.438,24, o que se revelou inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo da deflagração da demanda, conforme definição do decreto 11.864, de 27 de dezembro de 2023. Caso se constate que aludido valor, atribuído à demanda, não se coaduna com o conteúdo econômico da pretensão do autor, aludida questão pode ser revista.
Destaco que a processamento sob o rito dos juizados não esbarra, na espécie, no art. 3, §1, III, lei n. 10.259/2001, dado que a pretensaõ do autor é de cunho condenatória.
2.3.
Competência
da presente
Subseção
Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão da causa ao presente Juízo:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, mediante sorteio abrangendo os Juízos desta Subseção de Curitiba, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, CF.
2.5. Cogitada conexão processual:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Não raro, deve-se aferir a aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No presente caso,
não divisei sinais de conexão
desta demanda com alguma outra causa, de modo a ensejar a sua reunião para solução conjunta. Assim, a competência desta unidade jurisdicional resta condolidada.
2.6. Respeito à coisa julgada - considerações gerais:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.7. Respeito à coisa julgada - caso em exame:
No caso em análise, não diviso sinais de violação à coisa julgada. Ao que consta, o tema aludido na inicial não chegou a ser apreciado em alguma outra sentença, de modo que não há afronto à garantia em causa.
2.8. Litispendência - considerações gerais:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
De toda sorte, não há preclusão
pro iudicato
para exame do tema adiante, notadamente em fase de saneamento, caso acorram aos autos elementos que demandem a revisão deste despacho.
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
2.9. Cogitada litispendência - caso em exame:
No caso em apreço, não vislumbro indicativos de que esta causa seja reiteração de alguma outra em curso, na forma do art. 337, §2, CPC, de modo que entendo não ahver sinais de
bis in idem.
Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.10. Suspensão da demanda - considerações gerais:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
2.11. Eventual suspensão da demanda - caso em apreço:
No presente caso, não diviso lastro para a suspensão desta demanda, na forma do art. 313, CPC, eis que não há um contexto de dependência de alguma questão prejudicial.
2.12. Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, em muitos casos, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.13.
Pertinência
subjetiva das partes - caso em exame:
O requerente está legitimado para a demanda, na medida em que sustentou fazer jus ao complemento da indenização que lhe teria sido deferida no âmbito do Proagro Mais
. Ele deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15.
Na situação em exame, o autor alegou que o BACEN teria incorrido em erro, diante do deferimento meramente parcial do seu pedido de ativação da cobertura do PROAGRO. Cuidando-se de pretensão à reparação civil, deve-se atentar para o
art. 942, Código Civil/2002
:
"Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932."
Atente-se para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. SEGURO AGRÍCOLA. PROAGRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. BACEN. VALOR DA COBERTURA. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
A jurisprudência é unânime sobre o entendimento de que em ações cujo objeto verse sobre a cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, a legitimidade passiva é exclusiva do Banco Central do Brasil, face a sua condição de administrador do referido Programa.
Como a inscrição nos órgãos de restrição de crédito se originou de operações de financiamento de safra asseguradas pelo PROAGRO, e como se discute justamente a forma de como se deu esta cobertura, o BACEN é parte legítima para figurar no pólo passivo também quanto aos efeitos dessa inscrição supostamente indevida. Correto o valor pago pelo agente financeiro a título da cobertura do PROAGRO, não tendo o apelante, ademais, apontado qualquer erro em concreto (ou em tese) praticado pelo banco no cálculo da cobertura securitária. Improcedente o pedido de majoração da indenização por danos morais, pois no caso, o indeferimento da cobertura PROAGRO foi realizado no exercício regular da atividade administrativa. Majorado o valor da verba honorária fixada pelo juízo ao autor para dois mil reais, de modo a remunerar condignamente o trabalho despendido pelo causídico, dada a natureza e simplicidade da causa, que não exigiu dilação probatória, ou a interposição de recursos incidentais. (TRF4, AC 5003602-98.2016.4.04.7114, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 05/07/2019)
ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. PROAGRO MAIS. BACEN. LEGITIMIDADE PASSIVA. NEGATIVA DE COBERTURA. INDEVIDA. O objetivo do PROAGRO é liberar o produtor mutuário de empréstimos bancários obtidos em instituições financeiras para fins de financiamento da sua produção agrícola, na hipótese de ocorrência de fenômenos naturais que interfiram no resultado na colheita, servindo, também, para ressarcir o produtor da quantia por ele disponibilizada (recursos próprios).
Voltando-se a pretensão da parte autora à obtenção da cobertura integral do PROAGRO, o Banco Central do Brasil possui legitimidade passiva
É indevida a negativa da cobertura securitária quando baseada em condição que o agente financeiro deveria ter observado antes de formalizar o contrato de financiamento com adesão ao Proagro Mais, sob pena de atentar a boa-fé objetiva. (TRF-4 - AC: 50028172820194047213 SC, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 17/05/2023, QUARTA TURMA)
PROCESSUAL CIVIL. SEGURO DE SAFRA AGRÍCOLA. PROAGRO. PAGAMENTO. RETENÇÃO PELO BANCO DO BRASIL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO BACEN. 1. Nos termos do artigo 3º da Lei n.º 5.969/1973, "
O PROAGRO será administrado pelo Banco Central do Brasil, segundo normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional", razão pela qual se reconhece a legitimidade passiva "ad causam" do BACEN em ação onde se discute cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO
. 2. Não há falar em litisconsórcio passivo necessário com o Banco do Brasil S.A. em ação onde se discute cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, eis que a condição de administrador deste programa é exclusiva do BACEN. 3. Aplica-se a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32, para ação em face do BACEN que visa a liberação de valores a título de seguro agrícola. (TRF4, AC 5002077-69.2011.4.04.7110, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 12/06/2013
2.14. Litisconsórcio necessário - considerações gerais:
O litisconsórcio está previsto no art. 114, CPC/15 e decorre da lógica do
inauditus
damnare
potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF -- ou seja, ninguém pode sofrer uma sanção ou consequência jurídica gravosa sem que lhe seja oportunizada prévia manifestação a respeito das imputações. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura ampla defesa.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do
litisconsórcio
decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos
pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus
pólos, mais de um sujeito.
E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos
pólos
da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o
litisconsórcio
necessário
." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. SP: RT. 2008. p. 173-174).
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de
litisconsórcio,
prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC).
A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 942, que manda citar os confinantes, bem como aquele em nome de quem se encontra matriculado o imóvel usucapiendo; b) LAP, art. 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence; c) CPC, art. 10, §1º, II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III; CC/1916, 235 III e 242 I).
São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 46."
(NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Código de processo civil e legislação extravagante.
9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 223)
2.15. Alegado litisconsórcio necessário - Banco do Brasil:
Firmadas essas balizas, registro que, no rastro da jurisprudência pátria, de replicação cogente (arts. 927 e 489, §1º, VI, CPC), não há o litisconsórcio passivo necessário envolvendo o banco mutuante:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. PROAGRO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL.
Nada importa que o procedimento interno de apuração do sinistro seja responsabilidade da instituição financeira (1º grau) e do Ministério da Agricultura (2º grau); externamente, quem responde pelo PROAGRO é o Banco Central do Brasil. Agravo regimental não provido
. ..EMEN: (AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 346883 2001.01.07665-6, ARI PARGENDLER, STJ - TERCEIRA TURMA, DJ DATA:08/10/2007 PG:00260 ..DTPB:.)
CÉDULA RURAL. PROAGRO. FINANCIAMENTO. AÇÃO REVISIONAL. BANCO DO BRASIL. ILEGITIMIDADE.UNIÃO FEDERAL. LIMITAÇÃO DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. GARANTIA DE PREÇOS MÍNIMOS. CORREÇÃO MONETÁRIA.
A jurisprudência é unânime sobre o entendimento de que em ações cujo objeto verse sobre a cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, a legitimidade passiva é exclusiva do Banco Central do Brasil, face a sua condição de administrador do referido Programa.
O Banco mutuante é parte ilegítima para responder sobre cobrança excessiva do prêmio do Proagro. Quanto a revisão dos financiamentos, o banco mutuante é parte legítima para figurar no pólo passivo da lide. Sobre a limitação dos juros, o Decreto-lei nº167/67, art. 5º, posterior, portanto, à Lei nº 4.595/64 e específico para as cédulas de crédito rural, confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. E, diante da omissão desse órgão governamental em desempenhar o seu ofício, incide a limitação de 12% ao ano prevista na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), não alcançando a cédula de crédito rural o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 596 - STF." (REsp nº 111.881 - RS, Segunda Seção, Relator o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, "in: DJ de 16.02.98). Sobre a capitalização dos juros, na esteira da jurisprudência do STJ, a capitalização é admissível quando expressamente pactuada. (Súmula nº 93). Quanto à responsabilidade da União Federal na garantia da Política Agrícola e dos Preços Mínimos, a União não pode ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela parte recorrente, uma vez que a eles não deu causa. Em se tratando de correção monetária, há entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, que acolho integralmente, no sentido de que: "Ao judiciário afigura-se inviável a determinação de que se adote a variação dos preços mínimos do produto cuja cultura foi financiada, para correção monetária da dívida rural, se isso não foi previsto pelas partes ou por lei.", aliás, "Não há vedação legal para a utilização da caderneta de poupança, que é remunerada pela TR, como indexador de cédula de crédito rural livremente pactuada.". (AC - APELAÇÃO CIVEL 2004.04.01.013858-9, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 04/10/2006 PÁGINA: 692.)
ADMINISTRATIVO. DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE. BACEN. UNIÃO. PROAGRO. COMUNICAÇÃO DE PERDAS TARDIA. PERÍCIA. COMPROVAÇÃO DO EVENTO CLIMÁTICO E DAS PERDAS.
Cabe ao Banco Central do Brasil responder pelas indenizações por perda de colheita segurada pelo seguro PROAGRO, em razão de sua condição de administrador do Programa. A União Federal não está legitimada para figurar no polo passivo da lide
. O fato de ter o CER - Conselho Especial de Recursos competência para decidir os recursos administrativos sobre a matéria não tem o condão de lhe obrigar ao pagamento de eventual indenização. Ainda que a comunicação das perdas não se tenha feito imediatamente ao fenômeno climático que as causou, se foi possível comprová-las, com segurança, não há motivo para o indeferimento da cobertura securitária. (AC - APELAÇÃO CIVEL 95.04.16940-6, PAULO AFONSO BRUM VAZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 24/03/1999 PÁGINA: 714.)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA E DANOS MORAIS - PROAGRO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO DO BRASIL - RECURSOS FINANCEIROS GERIDOS PELO BANCO CENTRAL - INADIMPLEMENTO DE CONTRATOS DE CRÉDITO RURAL - RESTRIÇÃO DE CRÉDITO - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. I -
Segundo jurisprudência firmada pelo Col. STJ, o Banco do Brasil atuava como mero intermediário na contratação do seguro PROAGRO, uma vez que seus recursos eram administrados pelo Banco Central, de tal forma que a indenização somente pode ser quitada por esse, carecendo de legitimidade o Banco do Brasil para responder no polo passivo pelo pagamento do seguro
. II - A contratação do seguro PROAGRO não exime os produtores rurais de suas obrigações de adimplirem o mútuo, de modo que estando em débito com o pagamento dos contratos, age a instituição financeira em exercício regular de direito ao promover sua cobrança através dos meios coercitivos cabíveis. (TJ-MG - AC: 00490274620118130351 Janaúba, Relator: Des.(a) João Cancio, Data de Julgamento: 27/08/2019, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/08/2019)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO. PROAGRO. PERDA PARCIAL DE SAFRA AGRÍCOLA. INDENIZAÇÃO. AÇÃO MOVIDA CONTRA O BANCO DO BRASIL S.A. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. EXTINÇÃO DO PROCESSO. CPC, ART. 267, VI. I.
O Banco do Brasil, mero intermediário na contratação do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, administrado pelo Banco Central do Brasil e que utiliza verbas orçamentárias da União, não é parte legitimada para responder no pólo passivo de ação pela qual segurado objetiva o recebimento de indenização pela perda parcial de safra agrícola.
II. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. III. Recurso conhecido e provido. Processo extinto, nos termos do art. 267, VI, da lei adjetiva civil. ( REsp 52.195/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/1999, DJ 25/10/1999, p. 83)
No caso em apreço, caso seja acolhido o pleito da parte autora, o BACEN terá atribuições para promover o pagamento das diferenças pertinentes.
2.16. Ainda quanto ao cogitado litisconsórcio necessário:
Destaco que o Tribunal Regional da 4. Região já deliberou como segue:
"
O fato de o PROAGRO ser administrado pelo BACEN não significa que o agente financeiro não tenha legitimidade para a causa em que se pede a cobertura securitária quando demonstrado que a negativa da cobertura deu-se em decorrência de falha no serviço de responsabilidade do mesmo, o que não se confunde com a responsabilidade pelo pagamento da cobertura securitária, que é exclusiva do BACEN
. 3. É pacífico o entendimento de que se aplica o CDC às relações contratuais firmadas com as instituições financeiras, tendo em vista o disposto na Súmula 297 do STJ. Todavia, a inversão do ônus da prova não é automática e subordina-se ao critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando o postulante for hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC), o que não restou comprovado no caso dos autos."
(TRF-4 - AC: 50030326720204047213, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 09/08/2022, TERCEIRA TURMA)
Com efeito,
há contextos processuais em que o Banco do Brasil encontrar-se-á legitimado para a demanda, tudo a depender da causa de pedir detalhada pela parte requerente
. Logo, não se descarta em absoluto eventual pertinência subjetiva do agente mutuante para figurar como parte em demandas como essa. Mas, disso não decorre o litisconsórcio necessário, dado que os institutos não se confundem. De uma eventual legitimidade do Banco do Brasil para a causa não se segue que sua convocação para a demanda seja obrigatória. Como mencoinei acima, há hipóteses de litisconsórcio facultativo.
Ademais, na forma do art. 942, parágrafo único, Código Civil/02,
"São
solidariamente
responsáveis
com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932."
Essa previsão de responsabilização solidária dos aventados causadores de danos - seja por comissão ou omissão -, mediante condutas ilícitas, complementa o art. 265, CC
"A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes."
Segundo os arts. 275 e ss., Código Civil/2002, cuidando-se de
obrigação
solidária
, o credor
não
está obrigado a demandar, em conjunto, todos os aventados devedores, podendo fazê-lo quanto a um, alguns ou a todos, assegurando-se direito regressivo, perante os demais cogitados devedores, àquele devedor que venha a suportar a dívida toda:
"O credor tem direito a exigir e receber de
um ou de alguns dos devedores
, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto."
Nos termos do art. 283, CC,
"
O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores
."
Assim, quando em causa cogitada
responsabilização solidária
, não vigora efetivo litisconsórcio passivo necessário, dado que a parte que se apresenta como credora de tal obrigação pode demandar um, alguns ou todos os alegados responsáveis pelo prejuízo noticiado na peça inicial.
Não vigora, pois, nesse âmbito, regra semelhante àquela do art. 48, do Código de Processo Penal/41:
"A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade
."
Enfim, no caso em exame não é hipótese de litisconsórcio passivo necessário.
Cuidando-se, conforme o caso, de litisconsórcio facultativo, a complementação da relação processual não pode ser promovida de ofício pelo Juízo, dado não serem aplicáveis os arts. 114, 115, 506, CPC/15.
Quando alguém é atingido por um acidente envolvendo distintos condutores(as) de veículos, não está obrigado a processar a todos os cogitados responsáveis
. Pode endereçar sua pretensão em face de alguns causadores, sem prejuízo de que os demandados promovam processos regressivos contra os demais. Trata-se de projeção dos arts. 275 e ss. com art. 942, Código Civil/02.
Tudo conjugado, entendo que o Banco do Brasil não está legitimado para esta demanda, eis que o autor não lhe endereçou pretensão. Tampouco é caso, ademais, de litisconsórcio passivo necessário, na medida em que eventual acolhimento do pleito do demandante, em sentença transitada em julgado, não afetará diretamente a esfera jurídica do mutuante, razão pela qual a sua convocação para o caso não se faz necessária, nos termos dos arts. 114, 115 e 506, Código de Processo Civil.
Atente-se para os seguintes julgados:
"2 -
Na obrigação passiva solidária, o credor pode receber parte da indenização pleiteada de um dos co-obrigados pelo dano (Art. 906), renunciando a solidariedade em relação a esse devedor (Art. 912), sem que os demais fiquem desobrigados de indenizar o restante do dano (Art. 1055 do Código Civil)
. (...) (AC 199801000556412, JUIZ LUIZ AIRTON DE CARVALHO (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, DJ DATA:22/09/2000 PAGINA:41.)
"(...)O pedido de indenização é fundado em suposta responsabilidade solidária, mas o credor teria "direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum" (Código civil, art. 275). Não seria, pois, caso de litisconsórcio necessário (Código de Processo civil, art. 47). 4.
O Superior Tribunal de Justiça "tem jurisprudência firme no sentido da inexistência de litisconsórcio necessário, uma vez que, havendo obrigação solidária, cabe ao autor a escolha de contra quem demandar. O mesmo se dá com relação ao pedido cominatório de obrigação de não fazer
" (AG 116193/RJ)." (AC 200338000635706, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:22/09/2009 PAGINA:603, omiti o restante da ementa).
Assim, dado que o autor sustentou que o BACEN lhe teria causado danos materiais - detalhando pedido e causa de pedir -, reputo que a autarquia possui legitimidade para a causa, sendo atendido o disposto no art. 17, CPC,
não sendo causa de litisconsórcio necessário
. Saber se aludida pretensão procede é tema a ser apreciado com julgamento do próprio mérito do pleito do requerente.
2.17. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.18. Interesse processual - caso em exa
A parte autora deduziu pretensão à complementação de indenização no âmbito Proagro Mais, ao argumento de que o BACEN teria desconsiderado o valor efetivamente devido, promovendo glosas em desacordo com a legislação
. Ela deflagrou esta causa sem exaurir o debate no âmbito administrativo, dado que o processamento do seu recurso no âmbito extrajudicial, de modo parelelo à presente demanda.
Registro que o esgotamento do debate administrativo não é requisito para a válida deflagração da demanda judicial, diante do quanto preconiza o art. 5, XXXV, Constituição/1988. Por conta disso, não acolho a objeção suscitada pelo BACEN, no que diz respeito à alegada ausência de interesse processual da parte demandnte. Não se aplica ao caso o tema 350, STF, dado que a demanda não versa sobre prestações previdenciárias.
Em princípio, o efetivo recebimento da indenização - ou melhor, de parte dela - no âmbito extrajudicial pode afastar seu interesse processual, conquanto que isso tenha satisfeito a pretensão da autora. Do contrário, a questão deve ser avaliada por época do exame do mérito do pleito deduzido na inicial, considerando-se como fato superveniente, suscetível de ensejar eventual adimplemento do débito, ou redução do seu montante.
Por outro lado, caso a sua pretensão venha a ser acolhida em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, incrementando o seu patrimônio, com a redução da dívida em causa. Por fim, a medida processual adotada - demanda sob o rito dos Juizados - se revela adequada ao fim proposto, como anotei acima.
Com isso, o trinômio necessidade, utilidade e adequação restou satisfeito no processo em causa
.
Assim, reputo que o autor possui interesse processual, sem prejuízo do exame de alguns desses tópicos adiante, com a análise do mérito da sua pretensão.
2.19. Atribuição de valor à causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valorda importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada
. p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
2.20. Valor da causa -
processo
em exame:
No processo em análise, o valor atribuído à causa (R$52.438,24) se
revela adequado
, por refletir a expressão econômica da pretensão do demanante, conforme se infere da peça inicial. Reitero que aludido valor se revelava inferior a 60 salários mínimos, já ao temo da deflagração da demanda, para fins de submissão do caso aos Juizados.
2.21. Aptidão da peça inicial:
A peça inicial se revela adequada, permitindo aos executados o exercício do contraditório. O requerente detalhou pedidos e causa de pedir, anexando documentos na forma do art. 320 e art. 434, CPC/15. Deve-se ter em conta a regra do art. 322, §2, CPC:
"
A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé
."
A questão concernente ao pedido subsidiário há de ser apreciada com o exame do mérito, nos tópicos seguintes desta sentença.
2.22. Gratuidade de Justiça - critérios:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 7.786,02
, conforme
Portaria Interministerial MPS/MF nº 2, de 11.01.2024
:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.23.
Gratuidade
- caso em exame:
No caso em exame, o autor declarou sua hipossuficiência financeira por meio de advogados com poderes especiais para tanto, o que atende ao art. 99, §2, CPC. Não há indicativos de que o autor tenha rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS.
MANTENHO, portanto, a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1ª instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995
.
2.24.
Prescrição
- considerações gerais:
Convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias. Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.25.
Prescrição
de fundo de direito:
Por outro lado,
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-seo prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitad para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela
prescrição
, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Youssef Said.
Prescrição
e decadência.
SP: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI, Y. Said.
Obra citada.
p. 304).
Youssef Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de
prescrição
do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de
prescrição
das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada,
p. 304-305).
2.26.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva. 2009. p.
156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir.
E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha tomado conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil
.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do
art. 4º do decreto 20.910/32
:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cömputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do
art. 200, Código Civil/2002
:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.27. Prazos prescricionais - caso em exame:
No caso do PROAGRO, os Tribunais têm aplicado o prazo prescricional de
05 anos, conforme decreto 20.910/32
:
ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. PROAGRO. COBERTURA SECURITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AGENTE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1.
A jurisprudência é unânime sobre o entendimento de que em ações cujo objeto verse sobre a cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, a legitimidade passiva exclusiva é do Banco Central do Brasil, face a sua condição de administrador do referido Programa. 2. Nas ações em que é demandado o BACEN, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos de que trata o Decreto 20.910/32
. O prazo prescricional somente começa a contar após a ciência da decisão definitiva administrativa. (TRF-4 - AC: 50017442220184047127 RS 5001744-22.2018.4.04.7127, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 12/04/2022, TERCEIRA TURMA)
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS - SAFRA DE TRIGO DE 1987 - PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL: APLICAÇÃO AO BACEN POR FORÇA DO ART. 50 DA LEI 4.595/64. 1. A jurisprudência desta Corte tem entendido que, nas ações em que é demandado o banco central do Brasil, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos de que trata o Decreto 20.910/32 por força do art. 50 da Lei 4.595/64. 2. recurso especial improvido. (STJ, Resp 827238; Processo nº 200600493720/PR; Segunda Turma do STJ; Relatora Ministra Eliana Calmon; DJ de 30.04.2007, p. 304)
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. PRESCRIÇÃO.
É de cinco anos o prazo de ação contra o BACEN - autarquia federal que se enquadra no conceito de Fazenda Pública (Decreto n.º 20.910/32,)- visando à complementação do pagamento da cobertura do PROAGRO.
(TRF4, AC 5005437-80.2014.4.04.7118, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 24/03/2017)
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. COBERTURA SECURITÁRIA. INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. 1. O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO é um programa securitário estatal, gerido pelo Banco Central do Brasil - BACEN, cuja finalidade não é o seguro para a safra, mas uma proteção para eventualidade de o produtor rural não conseguir honrar o financiamento agrícola celebrado em razão da ocorrência de fenômenos naturais. 2. Aplicação da prescrição quinquenal preconizada pelo Decreto-Lei nº 10.910/32. 3. Apesar da alegação da parte autora de que a indenização concedida pelo BACEN não foi repassada pelo agente financeiro, a documentação juntada aos autos comprova que o pedido de cobertura securitária consequente à quebra da safra foi devidamente atendido e serviu para a quitação de grande parte do financiamento agrícola. (TRF4, AC 5001910-10.2010.4.04.7006, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 19/03/2014)
Destaco, ademais, que
"
Quanto ao termo inicial do lapso prescricional, tendo em vista a ação referir-se especificamente ao pagamento da cobertura do seguro e não à dívida do contrato de financiamento, a data de vencimento do contrato do financiamento não tem influência no prazo prescricional
. No presente caso, para o inicio da contagem do prazo prescricional, deve-se empregar a data em que a parte autora foi efetivamente cientificada da decisão do pedido de cobertura securitária."
(TRF-4 - AC: 50017442220184047127 RS 5001744-22.2018.4.04.7127, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 12/04/2022, TERCEIRA TURMA)
Nesse sentido, menciono os julgados:
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. COBERTURA SECURITÁRIA. LEGITIMIDADE BACEN. PRESCRIÇÃO. - O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, criado pela Lei nº 5.969/73, é um seguro pago pelo produtor rural com o objetivo de protegê-lo dos prejuízos advindos de imprevistos incidentes sobre a atividade agropecuária, como intempéries, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações. - O Banco Central do Brasil é parte legítima para integrar ações em que se discute a cobertura securitária do PROAGRO, porquanto é o único administrador do programa. - Nas ações em que é demandado o BACEN, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos de que trata o Decreto 20.910/32. - O prazo prescricional somente começa a contar após a ciência da decisão definitiva administrativa. (TRF4, AC 5001596-81.2017.4.04.7115, QUARTA TURMA, Relator GIOVANI BIGOLIN, juntado aos autos em 05/11/2020)
ADMINISTRATIVO E CIVIL. SEGURO DE SAFRA AGRÍCOLA. PAGAMENTO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. Havendo comprovação que o valor da dívida junto ao PROAGRO foi devidamente compensado com o débito que a autora possuía junto ao agente financeiro, sendo zerado o saldo devedor da citada conta, não há falar em ausência de repasse do crédito do financiamento em questão. 2. Ainda que tal não fosse, a contagem do prazo prescricional inicia-se a partir do primeiro momento em que o segurado, comprovadamente, tomou ciência do resultado do procedimento administrativo, sendo que transcorrido mais de cinco anos entre o início do termo a quo e a data do ajuizamento da presente lide, deve ser reconhecida a ocorrência da prescrição. (TRF4, AC 0002916-79.2006.404.7006, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 11/04/2011)
PROAGRO. BANCO DO BRASIL S/A. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INÉPCIA DA INICIAL. PRESCRIÇÃO. LAUDOS PERICIAIS. DIVERGÊNCIA. INIDONEIDADE. PREVALÊNCIA DO LAUDO DA EMATER/RS. 1.(...). 4. É fato que a prescrição qüinqüenal é aplicável às ações intentadas contra as autarquias, nos termos da jurisprudência do STJ, porém, no presente caso, o direito à cobrança da diferença pleiteada nasceu, apenas, no momento em que foi comunicado ao autor que o seu recurso não logrou acolhimento. Isto porque, a partir desta data, o segurado ficou ciente da resposta da autarquia sobre o seu pedido administrativo, o que lhe conferiu o direito a buscar em juízo os valores que ora postula. (...)." (TRF4, AC 1999.71.01.001632-6, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, DJ 05/07/2006)
No caso em exame, ao tempo da deflagração desta demando, o recurso administrativo interposto pelo autor ainda estava pendente de deliberação
. Por conseguinte, a sua pretensão
não
foi atingida pela prescrição.
2.28. Eventual caducidade:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais.
2.29. Aplicação do CDC - exame panorâmico:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa concepção parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC):
Art. 22.
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Reporto-me aos seguintes julgados:
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento. (AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transportede encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada. 3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral. 4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
Anoto, ademais, que, em princípio, até mesmo uma pessoa jurídica pode ser qualificada como consumidora, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não se trate da aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIOFINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOSINDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa doConsumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ouserviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suasatividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio. III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de águae, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto noartigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
NA ESPÉCIE, cogita-se da aplicação do CDC ao caso, na medida em que se cuida de contrato versando sobre seguro bancário. A tanto convergiriam a lógica da
ADI 2.591/DF
e da
súmula 297, STJ
. Afinal de contas, "
A jurisprudência admite amplamente a aplicação do Código de Defesa do consumidor aos contratos bancários, consoante Súmula nº 297 do STJ, inclusive para produtor rural
."
(AC 0013963-14.2014.404.9999/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, julg. 24-9-2014)
2.30. Aplicação do CDC - casos envolvendo Proagro:
Registro, d'outro tanto, que o TRF4 tem enfatizado que o Código de Defesa do Consumidor -
lei n. 8078/1990
não seria aplicável às disputas envolvendo o proagro:
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. CDC. INAPLICABILIDADE. COBERTURA SECURITÁRIA. INEXISTÊNCIA. INTEMPESTIVIDADE DA COMUNICAÇÃO DE PERDA.
Inaplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de cobertura securitária do PROAGRO
. Caso em que a inversão do ônus da prova requerida revelou-se como providência inútil ao processo. Na forma da legislação de regência, a comunicação de perdas oriundas de fenômenos naturais verificados antes da colheita deve ser registrada até o início deste processo. Correta a rejeição da cobertura securitária quando a comunicação de perda se deu após iniciada a colheita. (TRF-4 - AC: 50082844120164047100 RS 5008284-41.2016.4.04.7100, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 04/12/2018, TERCEIRA TURMA)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. NECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APLICAÇÃO SOMENTE QUANDO ALTERADO O MÉRITO DA DECISÃO RECORRIDA. PROAGRO. CDC. INAPLICABILIDADE. COMPROVAÇÃO DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS NA AQUISIÇÃO DE INSUMO. CÓDIGO DA NOTA FISCAL. PRESUNÇÃO EM FAVOR DO BENEFICIÁRIO. RECEITAS ESTIMADAS. PARCELA DEDUZÍVEL. LEGALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. [...] 2. O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO é um programa securitário estatal, gerido pelo Banco Central do Brasil - BACEN, cuja finalidade não é o seguro para a safra, mas uma proteção para eventualidade de o produtor rural não conseguir honrar o financiamento agrícola celebrado em razão da ocorrência de fenômenos naturais. 3. A previsão do PROAGRO em contrato bancário não atrai o enunciado da Súmula 297 do STJ para aplicação do CDC, uma vez que se trata de programa governamental que busca exonerar o produtor rural das obrigações financeiras contraídas para o custeio de sua atividade, cuja liquidação venha a se tornar dificultada em vista de intempéries naturais que atinjam a produção, não se estando presentes, em tal relação jurídica, as características próprias das relações de consumo. [...] (TRF4, AC 5012178-75.2014.4.04.7009, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 08/06/2018)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. PROAGRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. BACEN. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE. CDC. INAPLICABILIDADE. CÁLCULO DA COBERTURA. COMPROVAÇÃO DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS EM INSUMOS. LAUDO DE VISTORIA. ÔNUS DA PROVA. DEDUÇÃO DE VALORES. POSSIBILIDADE. ATUALIZAÇÃO DO MONTANTE. RETROAÇÃO À DATA-BASE. [...] 2.
A previsão do PROAGRO em contrato bancário não atrai o enunciado da Súmula 297 do STJ para aplicação do CDC, uma vez que se trata de programa governamental que busca exonerar o produtor rural das obrigações financeiras contraídas para o custeio de sua atividade, cuja liquidação venha a se tornar dificultada em vista de intempéries naturais que atinjam a produção, não se estando presentes, em tal relação jurídica, as características próprias das relações de consumo
. [...] (TRF4, AC 5002834-76.2015.4.04.7028, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 08/06/2018)
Conquanto compartilhe de entendimento distinto,
aplico aludida solução ao caso, em atenção ao art. 927 e art. 489, §1º, CPC/15
, que versam sobre a obrigatória replicação dos precedentes.
2.31. Eficácia vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo,
em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado
, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário
. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.32. Funcionalização dos pactos:
Mencionei acima que, por muito tempo, vigorou a premissa de que um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na sua celebração, diante da eventual ocorrência de dolo, erro, coação, vício redibitório, teoria da lesão e assim por diante.
Em período mais recente, porém, os resultados dos contratos têm sido tomados em conta para se aferir a sua validade. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor passou a vedar a celebração de contratos extremamente onerosos, em cujo âmbito haja significativa desproporção entre prestações e contraprestações (arts. 39 e 51, CDC). Solução semelhante foi verbalizada pelo Código Civil/2002, arts. 478 a 480.
Ademais, o Estado passou a regulamentar determinados contratos, reconhecendo que não se limitariam à convergência de interesses individuais, servindo, isso sim, como mecanismos de intervenção nas relações privadas, em prol de interesses públicos, como ocorre com contratos educacionais, contratos de prestação de serviços de saúde, contratos de seguro, contratos de locação e assim por diante. Ou seja, isso se traduz em ingerência estatal nos pactos, concebidos como instrumentos para obtenção de determinados vetores públicos.
Isso sse traduz na funcionalização dos pactos.
2.33. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
"
2.34. Eventuais novações contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
Na espécie, a requerida pactuou novações com a CEF, no curso da demanda; isso não impede, todavia, a eventual revisão dos pactos anteriores, desde que atendidos os demais requisitos legais pertinentes.
2.35. Exceções de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"
nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro
.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.36. Eventual
simulacro
de negociação:
O emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito implica a própria ausência do pacto. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.37. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.38. Respeito à boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"
O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos
. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS,
Francisco
.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
2.39. Redes contratuais:
Na forma de vida contemporânea, não raro, a promoção de uma dada finalidade pressupõe a celebração de um conjunto expressivo de contratos. Um exemplo se dá com a incorporação imobiliária, em que o construtor celebra contrato de compra e venda do terreno, celebra contratos de trabalho/emprego com funcionários, contrato de mútuo feneratício com o banco; contrato de seguro com a seguradora; contrato de hipoteca com o banco, sem mencionar o eventual interesse em estruturar um patrimônio de afetação.
Sob a perspectiva do adquirente, isso implica um contrato de compra e venda, contrato de hipoteca, contrato de mútuo feneratício; contrato de seguro, dentre outros possíveis. Esses contratos estão atrelados entre si, não sendo tarefa simples a tentativa de se promover o retorno ao
status quo ante.
O imóvel teria que ser restituído à construtora, as parcelas do mútuo deveriam ser restituídas ao mutuário; os prêmios de seguro deveriam ser devoldidos pela seguradora e assim por diante.
Menciono isso para evidenciar que, em muitos contextos, há contratos entremeados entre si, que se afetam mutuamente. Eventuais contratos de seguro mantêm vínculos estreitos com o pacto de mútuo feneratício por eles garantidos, na forma do art. 1º da lei 6.969/1973. Trata-se de efetiva rede contratual (sobre o tema, leia-se LEONARDO, Rodrigo Xavier.
Redes contratuais no mercado habitacional.
SP: RT, 2003). Isso significa que tais avenças estão entrelaçadas entre si. O atraso na ativação da cobertura securitária pode surtir reflexos imediatos sobre o contrato de mútuo celebrado com o agente financeiro, implicando cobrança de encargos indevidos junto ao mutuário.
A respeito das redes contratuais, leia-se:
"(...) Há solidariedade entre as integrantes do sistema UNIMED, devendo ser aplicada a Teoria das Redes Contratuais.
Deve-se ressaltar que o consumidor, ao contratar com as ré UNIMED adquire direito ao uso de serviços médicos de suposto Sistema UNIMED de planos de saúde, o qual lhe acarreta direitos e vantagens e torna mais competitivos os produtos de seus afiliados
.
Não é de outro modo que a publicidade das UNIMED's espalhadas por todo o país estampa as mesmas cores, os mesmos símbolos, os mesmos planos de cobertura, não se apresentando as unidades isoladas de alcance regional ou local apenas como meras partes independentes de um grande sistema, mas como integrantes de uma grande rede de prestação de serviços de saúde, elemento de credibilidade na captação de clientela e valorização da identidade comercial.
Desta relação de cumplicidade entre as UNIMED's deduz-se o liame econômico financeiro obtido por conta da rede. De fato, os esforços comuns empreendidos entre os integrantes do sistema, por exemplo, constituem elemento essencial ao oferecimento dos produtos ao consumidor, o qual em todas as empresas do sistema depositou sua confiança quando da contratação.
A denominada Teoria das Redes Contratuais explica perfeitamente a questão, colocando no mesmo lugar as UNIMED's locais e a associação representativa das mesmas: "Isto porque, por meio dessa teoria, busca-se reconhecer que entre contratos aparentemente diversos (tal como seriam o compromisso de compra e venda e o contrato de financiamento) pode haver um determinado vínculo capaz de gerar conseqüências jurídicas autônomas em relação aos efeitos tradicionais desses contratos.
Em outras palavras: reconhece-se que dois ou mais contratos estruturalmente diferenciados (entre partes diferentes e com objeto diverso) podem estar unidos, formando um sistema destinado a cumprir
uma função prático-social diversa daquela pertinente aos contratos singulares individualmente considerados". (in LEONARDO, Rodrigo Xavier. A teoria das redes contratuais e a função social dos contratos. Revista dos Tribunais, v. 832. São Paulo: RT, Fev. 2005.
Assim, aplicável a Teoria das Redes Contratuais e a consequente solidariedade, capaz de atrair a aplicação do artigo 25, parágrafo primeiro do CDC e a invalidade de qualquer disposição que impeça o consumidor de valer-se dos serviços postos à disposição em qualquer unidade da UNIMED." (STJ - AREsp: 1779801 SP 2020/0278254-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 02/03/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. POSSIBILIDADE. AÇÃO SECUNDÁRIA. DENUNCIAÇÃO A SER ANALISADA SEGUNDO STATUS ASSERTIONIS.
REDE CONTRATUAL
. POSSIBILIDADE DE REGRESSO NA IDENTIFICAÇÃO DE VÍCIO NO MATERIAL EMPREGADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1.
Preliminarmente, nota-se dos autos da ação principal que a causa de pedir, tal como ratificado em petição avulsa pela autora neste recurso (Mov. 14.1), envolve a existência de vícios construtivos nas áreas comuns dos condomínios Younique e Update (fatos) e a obrigação da ré em face da autora de assegurar a qualidade e integridade das suas obras por força do contrato firmado entre as partes (fundamento jurídico), havendo considerável margem, ao menos neste momento processual, para a investigação da origem dos vícios que teriam gerado o fato e, por conseguinte, a potencial responsabilidade
. Desta feita, portanto, não há como se reduzir a causa de pedir à mera existência de erros de instalação, afastando-se da possível origem vinculada à qualidade do material. 2. Tendo em vista que, no caso de eventual condenação da parte ré pelo reconhecimento de que os vícios construtivos tiveram origem no material empregado, haverá o direito de regresso em face da sociedade fornecedora do material, ainda que o fornecimento tenha sido mediado pela própria parte autora, cuja atribuição se resumia a apenas adquirir o material. No caso em tela não há qualquer violação do disposto no art. 125, II, do CPC/15. Aliás, muito pelo contrário, a adoção da denunciação da lide, no presente caso, que envolve rede contratual entre autor, réu denunciante e denunciada, tende a conferir definitividade ao provimento jurisdicional que resolver o processo em tela, resolvendo a lide de forma a garantir, a cada um, o que lhe é devido. 3. A ação secundária constituída entre denunciante e denunciado tampouco pode ser observada para além do “status assertionis” da denunciação, razão pela qual sua extinção no presente momento se revelaria, de toda sorte, demasiadamente precoce. (TJPR - 18ª C.Cível - 0044509-34.2019.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea - J. 17.02.2020) (TJ-PR - AI: 00445093420198160000 PR 0044509-34.2019.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea, Data de Julgamento: 17/02/2020, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 18/02/2020)
Ainda quanto às redes contratuais, destaco o que segue:
"(...)
É que o contrato de financiamento imobiliário é vocacionado à efetivação do direito constitucional à moradia ( CF, art. 6º) e essa função social impõe indiretamente ao credor o dever de salvaguarda do bem financiado, pois, além de pouco lhe interessar o esvaziamento da garantia, essa função é distorcida se ao devedor restar apenas a dívida e não mais a moradia, que tanto almeja, mas tanto transtorno lhe traz.
Trata-se, penso, de uma rede contratual, pois há entre os contratos um nexo sistemático referente à finalidade negocial supracontratual que consiste nessa função social de acesso à moradia, uma vez que o 'Programa Minha Casa, Minha Vida' de financiamento habitacional é instrumentalizado unicamente pela CEF. Essa contratação em rede implica uma 'para-eficácia' entre os contratos, 'sintetizada em um dever geral de proteção em favor do sistema explicitado nos diversos deveres laterais provenientes dos objetivos de ordem sistemática.'3
Pois bem, esses deveres laterais buscam, ensina o autor citado, a estabilidade, a persistência temporal e o equilíbrio das redes contratuais e derivam da própria realidade objetiva sistêmica. Mais do que um plexo de direitos e deveres voltados ao adimplemento, 'reconhece-se um conjunto de direitos e deveres próprios à manutenção de um contato relacional entre as partes, conforme os princípios de honestidade e probidade que iluminam todo o direito das obrigações'4. Enfim, descreve esses deveres:
Podem-se verificar, nas redes contratuais, pelo menos três deveres laterais correspondentes aos três objetivos próprios ao ideal de ordem no sistema: a) dever lateral de contribuição para manutenção do sistema; b) dever lateral de observação da reciprocidade sistemática das obrigações; c) dever lateral de proteção das relações contratuais internas ao sistema.
O dever lateral de contribuição para manutenção do sistema corresponde à indeclinável necessidade de, em qualquer sistema, preservar-se a estabilidade e à persistência temporal. Atentar contra o sistema é atentar contra o objetivo comum instrumentalizado pela operação econômica viabilizada pelo sistema, com potenciais consequências danosas para todos os sujeitos envolvidos e, por consequência, vedada pelo direito
. (...)
O dever lateral de proteção das relações contratuais internas ao sistema, por sua vez, é voltado em especial para a consecução dos objetivos de persistência temporal do sistema. Esse dever lateral pode ser tripartido em: a) dever lateral de proteção em sentido estrito; b) dever de lealdade; c) dever de transparência.
O dever lateral de proteção em sentido estrito dos demais contratantes consiste, conforme nos ensina Menezes Cordeiro, no fato de 'que as partes, enquanto perdure um fenômeno contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desse fenômeno, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimônios'.
Nas redes contratuais o dever lateral de proteção em sentido estrito vincula não apenas as partes figurantes dos diversos contratos singulares, mas também as partes pertencentes ao sistema de contratos. (...)
Nas redes contratuais, o dever de lealdade multiplica-se em relação a todos os participantes da rede, vez que não se veda, tão-somente, o comportamento das partes que prejudique o objetivo do negócio ao qual se encontram contratualmente vinculados, mas também todo e qualquer comportamento que prejudique o negócio ou venha a desequilibrar o sistema
.
Com base no dever de transparência defende-se que todos os contratantes em rede têm o dever de, mutuamente, fornecer aos demais contratantes todas as informações relevantes para o bom funcionamento do sistema, ou seja, devem pautar suas condutas de maneira transparente."
(TRF-4 - ED: 50349961920124047000 PR 5034996-19.2012.4.04.7000, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 16/08/2017, QUARTA TURMA
2.40. Contrato de mútuo feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrto, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.).
2.41. Eventual contratação de seguro:
Segundo o art. 757, do Código Civil:
"Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada."
Menciono ainda os art. 758 a 760, Código Civil,
"O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador."
Sobre o tema, leia-se IMHOF, Cristiano. Direito do seguro: interpretação dos artigos 757 a 802 do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2014. Atente-se ainda para a análise de Bruno Miragem e Angélica Carlini:
"
A importância dos seguros para a sociedade contemporânea é notória. Expressão amplamente difundida é a de sociedade do risco, indicando um traço da realidade atual, em que a evolução tecnológica e as profundas alterações nas relações sociais importam na multiplicação e socialização dos riscos de dano e com isso, a necessidade de incremento nas técnicas de prevenção, mitigação e garantia em relação a estes riscos
.
O contrato de seguro nasce como produto da modernidade como importante instrumento de mitigação de riscos da atividade econômica que florescia do comércio e das navegações. Em antecedentes mais remotos, encontra-se modelos próximos ao seguro nos pecúlios por morte estruturados ainda sob o Império Romano. A evolução do seguro enquanto atividade e como tipo contratual, todavia, faz com que ele tenha nascido para atender a um fim eminentemente econômico, mas que se expande de tal modo a também fazer destacar seu caráter social – oferecendo garantia e, em última instância, segurança individual e coletiva – em relação a riscos ordinários da vida em sociedade.
Estruturado sob a forma de um tipo contratual clássico – o contrato de seguro – atualmente a atividade securitária reveste-se de tal importância e complexidade, de modo a dar causa a que se trate do tema mediante a invocação da existência de um direito do seguro. Ao usar-se a expressão direito do seguro, todavia, não se está a propor necessariamente a velha discussão sobre sua autonomia ou não em relação disciplinas tradicionais do direito (de resto debate um tanto estéril), mas sim chamar a atenção para o caráter transversal e interdisciplinar do tema, a exigir uma perspectiva de análise mais sofisticada. Seja do ponto de vista estritamente jurídico, a desafiar em comum temas pertinentes ao direito civil, empresarial e do consumidor, assim como no âmbito da supervisão e regulação do setor, amplo campo pertencente ao direito administrativo. Na perspectiva extrassistemática, note-se que o moderno seguro funda-se em base atuarial, que deve assegurar sua sustentabilidade econômica, e com isso atrai tanto os conhecimentos específicos da ciência atuarial, assim como da economia e de gestão.
Afinal, como bem observa Menezes Cordeiro, trata-se contrato com função financeira “prosseguida, no essencial, através de uma gestão de risco”.
O direito brasileiro ocupa-se do seguro como um contrato e como um sistema. Como contrato, é tipo contratual com disciplina específica no Código Civil. Tomado como sistema, há de se considerar em dupla perspectiva. Isso porque funda um sistema – o Sistema Nacional de Seguros Privados – parte do Sistema Financeiro Nacional, cujo desenvolvimento é recente. Em especial, a partir da edição do Decreto-lei 73/1966, que o instituiu, e que atualmente tem seu assento constitucional no art. 192, da Constituição de 1988. E da mesma forma a execução do contrato pressupõe um sistema contratual, no qual a plena eficácia e execução do contrato depende da existência de série de contratos semelhantes, tendo por objeto a garantia de riscos relativamente homogêneos, dispersos por intermédio de técnica de gestão financeira e atuarial
Em relação ao contrato de seguro, há clareza no sentido de que o Código Civil de 2002 definiu importantes características ao contrato de seguro, redefinindo o perfil que recebera do Código Civil anterior, de 1916. Converge a doutrina com o entendimento de que a contraprestação do segurador é a garantia, a segurança em relação a riscos. Em relação ao seguro de dano, consagra-se o princípio indenitário, que delimita o valor da garantia, assim como o que efetivamente se indenize por ocasião do sinistro. Fábio Konder Comparato, a este respeito, relaciona o interesse, o risco, a garantia e o prêmio como sendo os elementos fundamentais que caracterizam o contrato." (MIRAGEM, Bruno; CARLINI, Angélica.
Direito dos Seguros
. SP: RT. 2015, tópico1).
É significativa a importância dos seguros para a forma de vida moderna, enquanto mecanismo de redução da contingência dos negócios jurídicos e que encontra sua origem associada às grandes navegações. Como diz Bruno Miragem,
"Em antecedentes mais remotos, encontra-se modelos próximos ao seguro nos pecúlios por morte estruturados ainda sob o Império Romano. A evolução do seguro enquanto atividade e como tipo contratual, todavia, faz com que ele tenha nascido para atender a um fim eminentemente econômico, mas que se expande de tal modo a também fazer destacar seu caráter social – oferecendo garantia e, em última instância, segurança individual e coletiva – em relação a riscos ordinários da vida em sociedade.Estruturado sob a forma de um tipo contratual clássico – o contrato de seguro – atualmente a atividade securitária reveste-se de tal importância e complexidade, de modo a dar causa a que se trate do tema mediante a invocação da existência de um direito do seguro. Ao usar-se a expressão direito do seguro, todavia, não se está a propor necessariamente a velha discussão sobre sua autonomia ou não em relação disciplinas tradicionais do direito (de resto debate um tanto estéril), mas sim chamar a atenção para o caráter transversal e interdisciplinar do tema, a exigir uma perspectiva de análise mais sofisticada. Seja do ponto de vista estritamente jurídico, a desafiar em comum temas pertinentes ao direito civil, empresarial e do consumidor, assim como no âmbito da supervisão e regulação do setor, amplo campo pertencente ao direito administrativo. Na perspectiva extrassistemática, note-se que o moderno seguro funda-se em base atuarial, que deve assegurar sua sustentabilidade econômica, e com isso atrai tanto os conhecimentos específicos da ciência atuarial, assim como da economia e de gestão.1 Afinal, como bem observa Menezes Cordeiro, trata-se contrato com função financeira “prosseguida, no essencial, através de uma gestão de risco."
(MIRAGEM, Bruno.
Direito dos seguros.
São Paulo: RT. 2015, introdução).
Por outro lado,
"Note-se que a contratação do seguro, segundo o regime legal que lhe confere o Dec.-lei 73/1966 pode ser obrigatória ou facultativa. Será obrigatória, quando resultar de dever legal impositivo, nas hipóteses previstas no art. 20 do Dec.-lei 73/1966.8 Facultativa, na medida em que a contratação decorra de escolha livre do segurado em celebrar ou não o contrato. Refira-se ainda, a possibilidade da contratação de seguro em favor de terceiro, hipótese na qual incide, em paralelo à disciplina legal específica do seguro, o disposto nos arts. 436 a 438 do CC vigente, que dispõem sobre a estipulação em favor de terceiro.No que se refere ao seguro como sistema, note-se que a atividade securitária se dá, no direito brasileiro, em um regime de destacada intervenção do Estado. Primeiro, pela exigência de autorização prévia para operação com seguros, de modo que as empresas seguradoras e resseguradoras têm seu funcionamento subordinado à autorização estatal, conforme dispõe expressamente o art. 757, parágrafo único, do CC, assim como o art. 24 do Dec.-lei 73/1966, bem como a supervisão da atividade. E da mesma forma, pela ampla influência sobre o próprio conteúdo do contrato.
Neste sentido, a despeito da exigência legal de que as condições gerais dos contratos a serem oferecidos no mercado devam ser registrados na Superintendência de Seguros Privados (Susep), a rigor a efetivação do registro depende do atendimento não apenas de aspectos formais, mas propriamente do conteúdo do contrato. Isso, a toda vista, define um amplo campo de atuação do Estado sobre o contrato, tanto formal, quanto material
."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
introdução).
Quanto ao interesse segurável, prossegue Miragem,
"
A noção de interesse segurável polariza o contrato de seguro. Admite-se o seguro de interesse legítimo, próprio ou alheio (seguro em favor de terceiro). Todavia, debate-se a doutrina contemporânea, aqui e em outros países, sobre a natureza do interesse segurável. É certo que ao decidir contratar o seguro, pressupõe-se as consequências que podem advir de certos riscos, e busca-se prevenir ou atenuar sua repercussão. Nesse sentido, trata-se, como regra, de interesse de natureza econômica, seja na conservação do patrimônio, seja para assegurar-se de sua não diminuição ou visando à redução ou contenção do passivo patrimonial
. Ou ainda para a satisfação de uma necessidade própria do segurado ou de terceiro beneficiário. Todavia, embora controversa, admite-se, inclusive expressamente, a dualidade do interesse econômico e moral como objeto do seguro. Esse interesse subjetivo, baseado, por exemplo, em relações de parentesco ou afeição é considerado também passível de integrar, segundo alguns, o objeto do seguro."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
introdução).
Acrescente-se que
"A disciplina legal dos seguros no direito brasileiro é complexa.14 O contrato de seguro caracteriza-se como espécie de contrato típico, uma vez que seu tipo legal consta no Código Civil (arts. 757 e ss.), distinguindo como espécies de seguros, os de danos (art. 778 e ss.) e de pessoas (art. 789 e ss.). Por outro lado, a estruturação da atividade securitária é objeto do Dec.-lei 73/1966, que instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, dando ao Conselho Nacional de Seguros Privados competência normativa para regular o setor. Para a fiscalização e supervisão do mercado criou-se a autarquia federal Susep, que assegura também a execução das normas editadas pelo CNSP. Destas normas, inclusive, resultarão os diversos ramos do seguro, classificados conforme o interesse garantido ou os riscos cobertos."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
introdução).
Cuida-se de um contrato submetido à intensa regulação estatal, como evidenciam o
art. 8.º do Dec. 60.459/1967; o Dec.-lei 73/1966
, atribuindo-se destaque à atuação da SUSEP - Superintendência de Seguros Privados. Na base dos contratos de seguro encontra-se o princípio idenitário:
"(...) Embora assentado como fundamento do seguro de dano, não havendo possibilidade de aplicá-lo ao seguro de pessoa, o princípio indenitário constitui um dos traços principais que explicam o fundamento e funcionalidade do contrato de seguro. Isso porque explica e fundamenta sua função de garantia. Em síntese, resulta do princípio indenitário que sendo a função do seguro a de garantir a indenização do interesse protegido, não pode servir para dar causa a um acréscimo patrimonial ao segurado em decorrência do sinistro, limitando a liberdade contratual no tocante a estipulação do valor do interesse segurado. 26 A doutrina confere ao princípio indenitário uma função moralizadora ao seguro, de modo que o sinistro não possa servir de enriquecimento indevido ao segurado, como espécie de jogo ou aposta. Em relação a estes, contudo, a distinção se delineia com precisão, considerando-se que no seguro o risco é preexistente ao contrato, enquanto no jogo e na aposta, é decorrência do contrato. Mantém-se atual, em relação ao seguro, a noção de que não se enriquece ou adquire patrimônio com o contrato, apenas se recompõe o que perder. No direito anterior, o art. 1.437 do CC/1916 vedava a possibilidade de segurar uma coisa por mais do que valesse, nem por seu todo mais de uma vez. Admitia apenas a celebração de novo seguro o risco de falência ou insolvência do segurador. A regra em questão observa coincidência parcial com o disposto no art. 778 do CC/2002, que ao inaugurar a disciplina do seguro de dano, estabelece que nele, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado. Já no seguro de pessoas, o art. 789 do CC/2002, prevê que o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, o qual pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com um ou mais seguradores.
O princípio indenitário, que subjaz ao disposto no art. 778 do CC/2002, é que impõe o limite do valor da garantia no seguro de dano. Não se há de falar nesse mesmo limite em relação ao seguro de pessoa, em que se permite a livre estipulação de mais de um seguro, inclusive para o mesmo risco, conforme prevê o art. 789 do CC/2002
. De fato nos seguros de pessoas usa-se afirmar que dizem respeito não à indenização, mas à previdência.
Por isso o estabelecimento de coberturas por risco de morte, de sobrevivência ou de acidentes pessoais. Porém, registra a doutrina sobre o necessário pragmatismo do legislador em dar ao tema "um tratamento legislativo sob mesmas bases, ainda que distinguindo pessoas e dano. 30 Da mesma forma, não pode o a indenização ultrapassar o valor do interesse, tomado em conta no momento do sinistro
. É o que dispõe o art. 781 do CC/2002, consagrando o denominado princípio indenitário. E não pode, em nenhuma hipótese, a indenização ultrapassar o limite máximo fixado na apólice. Já o art. 783 do CC, estabelece como regra, que seguro de um interesse, por menos do que valha, dá causa à redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial. Trata-se de norma dispositiva, contudo, podendo as partes dispor de modo diverso. Observe-se, contudo, que a existência de cobertura simultânea não significa que haja automaticamente seguro cuja garantia ultrapasse o valor do interesse. Dentre os seguros múltiplos, todavia, há os cumulativos, que quando somados ultrapassam o valor do interesse garantido, de modo que cada segurador, garantindo certo capital, ultrapassa o valor do seguro. Nesse caso, recebe o segurado, no caso de seguro de danos ou no de responsabilidade, até o limite do interesse garantido. No seguro de pessoas não há se falar em limites, uma vez que, por um lado, não se pode, como regra, medi-lo em valor, dado seu caráter extrapatrimonial; e segundo porque se admite nessa modalidade de seguro, a livre estipulação do capital segurado. De qualquer sorte, é certa a importância do princípio indenitário para delinear características essenciais do contrato de seguro e sua função social e econômica, o que de resto é essencial para determinação de sua natureza jurídica." (MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
item 2.2.).
Além disso,
"
Em realidade, contudo, sabe-se que a estrutura do contrato de seguro desde sua origem, é a de diluição de riscos, mediante a celebração de diversos contratos, em relação aos quais o custo das indenizações dos segurados que sofrem o sinistro são diluídos e compensados por aqueles que não reclamarão indenização, em face da não ocorrência do risco previsto no contrato, e consequente ausência de lesão ao interesse segurado.39 Ou como sugere a melhor doutrina, de que a técnica empresarial de dispersão da álea pelo segurador não modifica a natureza do contrato
. O que se percebe na medida em que se caracterizaria como uma aposta, caso não fosse celebrado em série.40 Note-se, pois, que a álea não se confunde com a causa do contrato, constitui na verdade parte do seu objeto.41Pelo contrato de seguro, o segurado remunera o segurador por intermédio do pagamento do prêmio, fazendo jus à prestação de garantia do interesse em relação aos riscos que especifica em contrato. Pode ocorrer, contudo, que quem contrate com o segurador seja o estipulante, em favor de terceiro – segurado – que adere ao contrato. Neste caso, o estipulante também é parte para exigir o cumprimento dos termos ajustados. No caso de seguros facultativos coletivos ou em grupo, o estipulante é mandatário dos segurados, conforme refere o art. 21, § 2.º, do Dec.-lei 73/1966. É espécie de seguro plúrimo, na lição de Pontes de Miranda, tanto o que integra a garantia de riscos em relação a diversos interesses de um mesmo titular, quanto de diversos titulares, hipótese em que se pode falar de seguro coletivo ou em grupo, normalmente celebrado por estipulante e aberto à adesão de segurados que tenham interesses semelhantes a serem garantidos no mesmo contrato. Fala-se em linguagem comum em apólice coletiva, para identificar uma apólice – representando um contrato aos quais os segurados aderem por intermédio de proposta de adesão. O estipulante, nesses casos, é considerado mandatário dos segurados. A fixação do valor do prêmio se dá mediante cálculo que tenha em consideração a homogeneização dos riscos, o que pertence à técnica securitária do segurador, competindo-lhe fixar valor determinado, ao qual acresce, ainda, os valores correspondentes aos custos administrativos e a sua respectiva remuneração. Parece correto compreender que se paga o prêmio no interesse comum do segurador e dos demais segurados que pertencem a um mesmo grupo cujos riscos foram reunidos em uma mesma base. Eis a base do mutualismo que preside o contrato de seguro."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
item 3.).
Segundo o art. 759, do Código Civil/2002, a emissão da apólice deve ser precedida de proposta escrita, com a declaração dos fatores essenciais do interesse a ser garantido e do risco. Pontes de Miranda criticava expressão semelhante no Código Civil anterior, indicando sua impropriedade, em vista de que, pela dinâmica da contratação, o segurado é quem procuraria o segurador para o negócio e não o contrário. Atualmente, de ordinário se diga que é de costume tanto que o segurado procure o segurador quanto o contrário. Não se prescinde em qualquer dos casos, antes da celebração definitiva do contrato, que é consensual, a entrega da proposta escrita. Isso não se confunde com a regra do art. 10 do Dec.-lei 73/1966, que prevê a possibilidade de contratação mediante solicitação verbal do interessado. Embora o art. 11 da mesma norma tenha se reportado à presunção de boa-fé do segurador nesses casos. O art. 2.º do Dec. 60.459/1967, que regulamentou o Dec.-lei 73/1967, exige igualmente a assinatura do segurado em proposta escrita do segurador, com exceção dos contratos que se realizem mediante emissão do bilhete de seguro.
Essa proposta escrita, aludida no art. 759, se presta a servir de parâmetro para a compreensão do alcance do contrato
, de modo a denotar as expectativas manifestadas ao início da avença.
"A informação ou publicidade nesses casos é parte do contrato, o que dá causa à obrigações, que inclusive não estejam estipuladas na apólice.68 Nesse particular tenha-se em conta, igualmente, o papel dos corretores, cuja participação na intermediação do contrato de seguro é visualizada tanto como representação dos interesses do segurado perante o segurador, quanto o inverso. Na verdade exclui-se juridicamente a noção de representação, distingue-se do mandato. Faz em verdade intermediação, e no interesse próprio dos comissionamentos. Registre-se que o art. 34 do CDC define a responsabilidade solidária do fornecedor pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos; significa dizer: adotado o entendimento de que o corretor é representante do segurador, informação que preste o vincula. Sobre isso, todavia, silencia a Lei 4.594/1964, que regula a profissão do corretor de seguros, caracterizando sua atividade como sendo a de angariar e promover contratos de seguros, mediante autorização estatal."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra cit.
item 3.1.).
Acrescento que, em caso de agravamento do risco, durante a execução do contrato, percebida pelo segurado, isso deve ser por ele comunicado ao segurador, conforme disposto no art. 769, Código Civil. "
O caráter abrangente que se retira da invocação genérica a “todo incidente”, exige em seguida juízo de valoração quanto a sua capacidade de “agravar consideravelmente”, de modo que se exija aqui alguma demonstração, seja de probabilidade, seja de causalidade entre o incidente e o sinistro efetivo ou hipotético
. Observe-se que o agravamento do risco pelo segurado como causa de perda da garantia do seguro é tema de acesa divergência jurisprudencial, notadamente na identificação das situações que podem configurar-se como tal. Assim é que, por exemplo, no tocante à embriaguez do condutor de veículo automotor, o entendimento majoritário compreende esta como conduta que não tem por finalidade agravar intencionalmente o risco, de modo a perder a garantia securitária, havendo, contudo, o entendimento em contrário, minoritário, que interpreta a conduta de dirigir embriagado como suficiente para afastar a obrigação de indenizar do segurador em face do agravamento intencional do risco. Estão presentes na praxe securitária que chega ao conhecimento dos tribunais, contudo, a alteração de situação fática relativamente ao risco, em que, ainda que não informadas pelo segurado ao segurador, uma vez apreciadas as circunstâncias do caso concreto, faz depender a perda da garantia do efetivo agravamento do risco. É o caso quando ocorre ausência de notificação do segurador acerca da transferência do veículo a que se refira o seguro, que não pode per se considerar-se agravamento do risco (neste sentido, aliás, dispõe a Súmula 465 do STJ).
Da mesma forma, não se considerou, igualmente, agravamento do risco, o desvio do trajeto predefinido, no seguro de transporte de valores, quando as circunstâncias fáticas o autorizasse, ou mesmo a condução de veículo pela contramão da via
."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
item 3.1.2.1).
A exigência de franquia para ativação da cobertura securitária constitui um mecanismo de freio, inibindo invocações infundadas ou desproporcionais pelo segurado, de modo a preservar seu mutualismo. Implica na definição de limite de valor a partir do qual se pode exercer o direito à indenização frente ao segurador (franquia simples), como forma de coparticipação, de modo que o segurador indenize apenas o que superar determinado limite. A cláusula de franquia embora conforme o objeto do próprio seguro, se pode compreender, igualmente, como restritiva de direito, de modo que deve integrar a informação prévia que se deve fornecer ao segurado, devendo ser razoável, sob pena de esvaziar a razão mesma pela qual os seguros são contratados.
Os contratos de seguro costumam ser extintos na forma tradicionalmente aplicável aos demais pactos (arts. 482 e ss., Código Civil). O art. 766, parágrafo único, Códogo Civil, trata, porém, da extinção do contrato pelo segurador, caso constate haver declarações inexatas ou omissões na avença, suscetíveis de incrementarem o risco envolvido. Aproxima-se aqui, da solução italiana dos arts. 1.892 e 1.893 do
Codice Civile
. Mantém-se, a mesma sanção, de perda da garantia, ou seja da eficácia do contrato que favoreceria o segurado. Dentre as hipóteses próprias de extinção do contrato de seguro, destacam-se o decurso do tempo (fim da vigência), a resolução por inadimplemento, a resilição, dentre outras hipóteses previstas em lei. O postulado da boa-fé objetiva ganha destaque. Neste sentido, os Tribunais têm reputado abusiva a cláusula que autoriza a resolução do contrato pelo segurador, sem a prévia notificação do segurado. Da mesma forma, há relativização dos efeitos da mora como causa de resolução, definindo-se limite ao exercício do direito do segurador de promovê-la. Daí entender-se que o simples atraso do pagamento do prêmio pelo segurado não importa a extinção do contrato.
Merece destaque, ademais, a figura do cosseguro, enquanto seguro múltiplico, com pluralidade de empresas seguradoras, que distribuem entre si - em frações ou cotas-partes - o total da indenização porventura devida ao segurado. Desse modo, entre as cosseguradoras não se aplica o regime de solidariedade, eis que devem suportar a indenização no limite do que tenham suportado. As cosseguradoras podem ser representradas por uma delas, apresentada então como seguradora líder. O cosseguro encontra definição legal no art. 2.º, § 1.º, II, da LC 126/2007:
"co-seguro: operação de seguro em que 2 (duas) ou mais sociedades seguradoras, com anuência do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de determinada apólice, sem solidariedade entre elas."
Por vezes, o cosseguro é obrigatório, n'outros casos, é facultativo, conforme resolução Conselho Nacional dos Seguros Privados 21/2001. O art. 761 do CC estabelece exigência que se indique na apólice o segurador que administrará o contrato, e que da mesma forma representará os demais seguradores, quanto aos direitos e obrigações daí advindos. De toda sorte, como regra, não há solidariedade entre as cosseguradoras, por ausência de previsão legal a respeito, conforme art. 265, Código Civil/2002.
Já o resseguro pode ser compreendido como a diluição do risco suportado pela seguradora, por meio de um novo seguro.
"Pelo resseguro, o segurador que tenha contratado a garantia de um determinado interesse, identificando-o como de risco excessivo, realiza novo contrato cujo objeto é a transferência a outro segurador (a quem no caso se denominará ressegurador), de parte da responsabilidade e do respectivo prêmio. As funções da atividade de resseguro vinculam-se a melhor higidez e capacidade econômico-financeira dos seguradores diretos, uma vez que promove maior pulverização dos riscos."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
item 3.4.2).
Ainda segundo Miragem,
"Da mesma forma, identifica-se modernamente no resseguro finalidade de proteção do segurado, em acordo com a disciplina contemporânea de proteção do consumidor. Não se perde de vista, contudo, que o resseguro é operação estranha ao segurado, que dela não participa, embora possa se beneficiar, indiretamente, de seus efeitos.Intervém o Estado, decisivamente, na atividade de resseguro, que neste caso não se restringe apenas a sua supervisão e/ou regulação, mas de participação no mercado. Por largo tempo, a atividade de resseguro era exercida pelo Estado sob o regime de monopólio, por intermédio do Instituto dos Resseguros do Brasil – IRB – autarquia pertencente à União. Este regime monopolista, todavia, foi suprimido pela EC 13/1996, que conferiu à lei complementar disciplinar a autorização para funcionamento de sociedades resseguradoras, e viabilizando a transformação do IRB em sociedade de economia mista, atualmente denominado IRB Brasil Resseguros S.A."
(MIRAGEM, Bruno.
Obra citada.
item 3.4.2).
O resseguro encontra-se disciplinado atuamente por meio da lei complementar n. 126/2007, cujo art. 4 estipula que
"
As operações de resseguro e retrocessão podem ser realizadas com os seguintes tipos de resseguradores
: I - ressegurador local: ressegurador sediado no País constituído sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de operações de resseguro e retrocessão; II - ressegurador admitido: ressegurador sediado no exterior, com escritório de representação no País, que, atendendo às exigências previstas nesta Lei Complementar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrado como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão; e III - ressegurador eventual: empresa resseguradora estrangeira sediada no exterior sem escritório de representação no País que, atendendo às exigências previstas nesta Lei Complementar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrada como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão."
No caso do seguro de crédito - tema que tangencia a idoneidade, honorabilidade e património do devedor - o risco é condicionado pela situação da economia comunitária, em geral
. Tenha-se presente o aumento exponencial de créditos vencidos e não pagos – o chamado crédito mal parado – em épocas de crise. Isso engendra mecanismos como o CDS-Credit Default Swaps, que é um título derivativo do mercado financeiro, funcionando como um seguro, tendo como objetivo assegurar a satisfação do crédito do agente financeiro, em caso de inadimplência pelo devedor, em operações de crédito.
No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, há previsão da garantia de retorno do financiamento concedido, dado que - segundo o Superior Tribunal de Justiça - a vigência do seguro habitacional tem função de resguardar os recursos públicos direcionados à aquisição do imóvel, realimentando suas fontes e possibilitando que novos financiamentos sejam contratados, em evidente círculo virtuoso. (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial n. 1.540.258/PR, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 15 maio 2018, p. DJe 18 maio 2018). Segundo aludido entendimento, cessado o pagamento dos prêmios, esgotar-se-ia a possibilidade de se exigir o cumprimento da obrigação da seguradora. Isso por conta da correlação entre a vigência do seguro e a liquidaçào do financiamento, conforme art. 20, "f", do decreto-lei n. 73/66, que versa sobre a garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária.
Anote-se, porém, que
"o seguro habitacional, no âmbito do SFH, não é destinado a assegurar tal pagamento em qualquer circunstância. A Lei 12.409/2011, que autoriza a assunção, pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), de direitos e obrigações do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação (art. 1º, I), permite também que este ofereça cobertura direta aos contratos de financiamento habitacional averbados na extinta apólice do SH/SFH (art. 1º, II) e remunere a Caixa Econômica Federal, na qualidade de administradora do FCVS, pelas atribuições decorrentes do disposto neste artigo (art. 1º, III). O parágrafo único do referido dispositivo legal esclarece, a seu turno, que a cobertura direta de que trata o inciso II do caput poderá cobrir: I – o saldo devedor do financiamento habitacional, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário; II – as despesas relacionadas à cobertura de danos físicos ao imóvel e à responsabilidade civil do construtor."
(MAIA, Roberta M. Medina e outros.
Temas Atuais de Direito dos Seguros.
Tomo II. São Paulo: RT. 2021. tópico 21.)
Ademais,
"A análise do art. 1º da Lei 12.409/2011 conduz a duas conclusões a respeito do seguro habitacional: primeiramente, esse destina-se a garantir a permanência da família do mutuário com o imóvel, em caso de falecimento ou invalidez permanente da pessoa que contraiu o empréstimo, assegurando, à instituição financiadora, a quitação da dívida em tais circunstâncias. Vê-se, aí, que o seguro não se destina à garantia do pagamento a cargo do mutuário em qualquer circunstância, já que o inadimplemento puro e simples acarretará a execução da garantia imobiliária, impedindo-se, assim, a aquisição definitiva da propriedade plena do imóvel pelo adquirente.
A modalidade securitária em questão terá o condão de afastar o inadimplemento nas hipóteses em que o adquirente vier a falecer ou ser vitimado por doença ou acidente que acarrete invalidez permanente, assegurando à sua família a aquisição do imóvel em definitivo. Será este, portanto, o sinistro dotado de cobertura, sem prejuízo dos eventos relacionados às demais coberturas previstas na apólice
."
(MAIA, R. M. Medina e outros.
Obra citada.
tópico 21.)
No caso do SFH, o contrato de seguro é obrigatório, conforme art. 20 do
decreto-lei n. 73, de 21 de novembro de 1966
- cláusula geral - e também no
art. 5º, V da Lei 9.514/1997
(quanto aos casos de alienação fiduciária de imóveis em garantia), dentre outros dispositivos aplicáveis.
"Feitas tais considerações, é possível observar que as hipóteses capazes de gerar maior controvérsia seriam a morte ou invalidez permanente ocasionada por suicídio e a possibilidade de se considerar vícios construtivos decorrentes da conduta do construtor como sinistro abarcado pela cobertura de danos físicos ao imóvel (DFI). Em relação a este último aspecto, deve-se indagar se a cobertura de danos físicos ao imóvel (DFI) contempla ou não os sinistros decorrentes de vício de construção e se poderia ser equiparada à cobertura própria de apólices de seguro de responsabilidade civil do construtor."
(MAIA, Roberta M. Medina e outros.
Obra citada.
tópico 21.3)
A respeito do tema, o STJ já deliberou como segue:
"Recurso Especial. Prequestionamento. Ausência. Súm. 211/STJ. Negativa de prestação jurisdicional. Ausência. Ação de indenização securitária. Imóvel adquirido pelo SFH. Adesão ao seguro habitacional obrigatório. Responsabilidade da seguradora. Vícios de construção (vícios ocultos). Boa-fé objetiva. Função social do contrato: CPC/15. 1. Ação de indenização securitária proposta em 11/03/2011, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 12/07/2018 e concluso ao gabinete em 16/04/2019. 2.
O propósito recursal é decidir se os prejuízos resultantes de sinistros relacionados a vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional obrigatório, vinculado a crédito imobiliário concedido para a aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação – SFH
. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (Súm. 211/STJ). 4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022 do CPC/15. 5.
Em virtude da mutualidade ínsita ao contrato de seguro, o risco coberto é previamente delimitado e, por conseguinte, limitada é também a obrigação da seguradora de indenizar; mas o exame dessa limitação não pode perder de vista a própria causa do contrato de seguro, que é a garantia do interesse legítimo do segurado
. 6.
Assim como tem o segurado o dever de veracidade nas declarações prestadas, a fim de possibilitar a correta avaliação do risco pelo segurador, a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, entre outros, de dar informações claras e objetivas sobre o contrato, para permitir que o segurado compreenda, com exatidão, o verdadeiro alcance da garantia contratada, e, nas fases de execução e pós-contratual, o dever de evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente determinados
. 7. Esse dever de informação do segurador ganha maior importância quando se trata de um contrato de adesão – como, em regra, são os contratos de seguro –, pois se trata de circunstância que, por si só, torna vulnerável a posição do segurado. 8. A necessidade de se assegurar, na interpretação do contrato, um padrão mínimo de qualidade do consentimento do segurado, implica o reconhecimento da abusividade formal das cláusulas que desrespeitem ou comprometam a sua livre manifestação de vontade, enquanto parte vulnerável. 9. No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema. 10.
A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio
. 11. Os vícios estruturais de construção provocam, por si mesmos, a atuação de forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é fragilizado o seu alicerce, qualquer esforço sobre ele – que seria naturalmente suportado acaso a estrutura estivesse íntegra – é potencializado, do ponto de vista das suas consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação de normalidade de fruição do bem. 12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido." (Superior Tribunal de Justiça (2ª Seção), Recurso Especial 1804965/SP, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, j. 27 mai. 2020, p. DJe 01 jun. 2020. No mesmo sentido, v. Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, AgInt nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1819467/SP, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 22 jun. 2020, p. DJe 25 jun. 2020.)
Sustenta-se, porém, que
"A respeito do aresto anteriormente transcrito, há dois aspectos que devem ser pontualmente analisados. Primeiramente, é imperioso observar que os seguros habitacionais vigoram por um período bem definido, qual seja, o tempo de duração do financiamento contratado.
Conforme o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ponderou na decisão atacada por meio do Recurso Especial ora comentado, a apólice do seguro habitacional não se destina a assegurar a qualidade e solidez da obra, mas apenas garantir o financiamento imobiliário
. A contratação obrigatória do seguro habitacional decorre da necessidade de se afiançar a quitação do financiamento em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário e a integridade física do imóvel. Todavia, independentemente da extensão da cobertura de danos físicos ao imóvel (DFI), atrelada a essa última exigência, não há que se falar em violação a deveres pós-contratuais decorrentes da boa-fé quando a garantia securitária cessa juntamente com a quitação do financiamento, não se postergando as garantias – contratadas ou não – para além desse momento."
(MAIA, Roberta M. Medina e outros.
Obra citada.
tópico 21.4)
Segundo a mencionada autora, "
A despeito de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário, a cobertura de danos físicos ao imóvel limita-se às hipóteses descritas na Cláusula 3ª do Item I da Circular SUSEP n. 111/1999, não abrangendo vícios construtivos, sobretudo aqueles manifestados quando o financiamento já foi quitado. A esse respeito, vale ressaltar que a Circular anteriormente citada vincula a vigência da apólice ao financiamento, não sendo possível postergar a responsabilidade da seguradora para além do momento da quitação ou da extinção da dívida
."
(MAIA, Roberta M. Medina e outros.
Obra citada.
tópico 21.5).
Convém atentar para o entendimento do STJ sobre a questão:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE SEGURO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA PELOS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO NO IMÓVEL FINANCIADO. COBERTURA SECURITÁRIA. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1.
Nos contratos de seguro habitacional obrigatório no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, as seguradoras são responsáveis pelos vícios decorrentes da construção, desde que tal responsabilidade esteja prevista na apólice. 2. No caso em exame, tendo entendido a Corte a quo, interpretando o laudo pericial e as cláusulas contratuais, que os vícios construtivos comportavam cobertura, para se concluir em sentido contrário seria indispensável a interpretação de cláusula contratual e o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que, na via estreita do recurso especial, esbarra nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento
. (STJ - AgInt no REsp: 1791564 SP 2019/0007453-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 28/05/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2019)
RECURSO ESPECIAL. SEGURO HABITACIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. COMPETÊNCIA. ATRAÇÃO DO ENUNCIADO 7/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DEMANDA AJUIZADA VÁRIOS ANOS APÓS A EXTINÇÃO DO FINANCIAMENTO. CARÊNCIA DE AÇÃO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. 1. Controvérsia em torno do interesse de agir do adquirente de imóvel, mediante financiamento habitacional, de postular indenização securitária por vícios construtivos após a liquidação do contrato. 2.
A vigência do seguro habitacional está marcadamente vinculada ao financiamento por ter a precípua função de resguardar os recursos públicos direcionados à aquisição do imóvel, realimentando suas fontes e possibilitando que novos financiamento sejam contratados, em um evidente círculo virtuoso. 3. Liquidada a dívida cessa o pagamento dos prêmios, encerrando a possibilidade de se exigir o cumprimento da obrigação da seguradora, por ausência do interesse de agir
. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ - REsp: 1540258 PR 2015/0153775-5, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/05/2018)
Segundo o tribunal,
"
Nos termos da jurisprudência do STJ, nos contratos de seguro habitacional obrigatório no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, as seguradoras são responsáveis pelos vícios decorrentes da construção, desde que tal responsabilidade esteja prevista na apólice
."
(STJ - AgInt no REsp: 1511057 PR 2015/0024145-6, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Julgamento: 17/05/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2018)
2.42. Considerações gerais sobre o PROAGRO:
No seu art. 187, V, a Constituição da República/1988 preconizou que o Estado haveria de adotar mecanismos de seguro agrícola, como segue: "
A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: (...) V - o seguro agrícola
."
Medida semelhante já havia sido prevista na lei 4.504/1964 - Estatuto da Terra -, como se infere do seu art. 73, X:
Art. 73. Dentro das diretrizes fixadas para a política de desenvolvimento rural, com o fim de prestar assistência social, técnica e fomentista e de estimular a produção agropecuária, de forma a que ela atenda não só ao consumo nacional, mas também à possibilidade de obtenção de excedentes exportáveis, serão mobilizados, entre outros, os seguintes meios: (...) X - seguro agrícola.
Por meio da lei n. 5.969, de 12 de dezembro de 1973, o Estado brasileiro criou, então, o PROAGRO - Programa de Garantia da Atividade Agropecuária, sendo relevante atentar para os dispositivos que transcrevo abaixo:
Art. 1º - lei 5.969 (redação original) É instituído o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, destinado a exonerar o produtor rural, na forma que for estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos, e plantações.
Art. 2º O PROAGRO será custeado:
I - pelos recursos provenientes do adicional de até 1% (um por cento) ao ano, calculado, juntamente com os juros, sobre os empréstimos rurais de custeio e investimento;
II - por verbas do Orçamento da União e outros recursos alocados pelo Conselho Monetário Nacional.
Art. 3º O PROAGRO será administrado pelo Banco Central do Brasil, segundo normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional.
Art. 4º O PROAGRO cobrirá até 80% (oitenta por cento) do financiamento de custeio e investimento concedido por instituição financeira.
Art. 5º A comprovação dos prejuízos será efetuada pela instituição financeira, mediante laudo de avaliação expedido por entidade de assistência técnica.
Parágrafo único.
Não serão cobertos pelo Programa os prejuízos relativos a operações contratadas sem a observância das normas legais e regulamentares concernentes ao crédito rural.
Art. 6º O Poder Executivo criará Comissão Especial para decidir sobre os recursos relativos à apuração dos prejuízos.
Aludido programa de seguro foi alterado com a publicação da lei 8.171, de 17 de janeirode 1991 e também pela subsequente publicação da lei 12.058, de 13 de outubro de 2009.
Transcrevo os arts. 59 e ss. da lei 8.171/1991, com a redação veiculada pela referida lei 12.058/2009:
Art. 59.
O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO será regido pelas disposições desta Lei e assegurará ao produtor rural, na forma estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional
: (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)
I - a
exoneração de obrigações financeiras relativas a operação de crédito rural de custeio cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações
; (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)
II -
a indenização de recursos próprios utilizados pelo produtor em custeio rural, quando ocorrer perdas em virtude dos eventos citados no inciso anterior
.
Art. 60. O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) será custeado:
I - por recursos provenientes da participação dos produtores rurais;
II - por recursos do Orçamento da União e outros recursos que vierem a ser alocados ao programa; (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)
III - pelas receitas auferidas da aplicação dos recursos dos incisos anteriores.
Art. 65.
O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) cobrirá integral ou parcialmente
:
I - os financiamentos de custeio rural;
II -
os recursos próprios aplicados pelo produtor em custeio rural, vinculados ou não a financiamentos rurais
.
Parágrafo único. Não serão cobertas as perdas relativas à exploração rural conduzida sem a observância da legislação e das normas do Proagro. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)
Art. 65-A. Será operado, no âmbito do Proagro, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura Familiar -
PROAGRO Mais
, que assegurará ao agricultor familiar, na forma estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional: (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
I - a exoneração de obrigações financeiras relativas a operação de crédito rural de custeio ou de parcelas de investimento, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações; (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
II - a indenização de recursos próprios utilizados pelo produtor em custeio ou em investimento rural, quando ocorrerem perdas em virtude dos eventos citados no inciso I; (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
III - a garantia de renda mínima da produção agropecuária vinculada ao custeio rural. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
Art. 65-B.
A comprovação das perdas será efetuada pela instituição financeira, mediante laudo de avaliação expedido por profissional habilitado
. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
Art. 65-C. Os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA e do Desenvolvimento Agrário - MDA, em articulação com o Banco Central do Brasil,
deverão estabelecer conjuntamente as diretrizes para o credenciamento e para a supervisão dos encarregados dos serviços de comprovação de perdas imputáveis ao Proagro
. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
Parágrafo único.
O MDA credenciará e supervisionará os encarregados da comprovação de perdas imputáveis ao Proagro
, devendo definir e divulgar instrumentos operacionais e a normatização técnica para o disposto neste artigo, observadas as diretrizes definidas na forma do caput. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
Art. 66. Competirá à
Comissão Especial de Recursos (CER) decidir, em única instância administrat
iva, sobre recursos relativos à apuração de prejuízos e respectivas indenizações no âmbito do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) .
Art. 66-A. O Proagro será administrado pelo Banco Central do Brasil, conforme normas, critérios e condições definidas pelo Conselho Monetário Nacional. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
Como explica Arnaldo Rizzardo,
"
Tem-se pois, o seguro agrícola como importante fator de proteção, especialmente de riscos causados por adversidades climáticas, visando a compensação de prejuízos na eventualidade de acontecerem determinados eventos que tragam prejuízos no setor da produção rural. Constitui um instrumento de política agrícola destinado a garantir ao produtor rural um valor complementar para pagamento de se custeio, na hipótese de ocorrência de fenômenos naturais, tais como pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações
."
(RIZZARDO, Arnaldo.
Curso de direito agrário.
SP: RT. 2013. p. 412). Por seu turno, Benedito Ferreira Marques e Carla Regina Silva Marques enfatizam que o contrato-PROAGRO
"cuida-se de um negócio jurídico que vem sendo celebrado mediante simples cláusula de adesão inserida na própria cédula de crédito rural, emitida nas operações de custeio, estabelecendo uma relação jurídica nova entre o mutu´raio e o Banco Central do Brasil, que é o administrador desse programa. Ao contrário dos contratos de seguro comuns, não se formaliza por apólice."
(MARQUES, Benedito Ferreira; MARQUES, Carla Regina Silva.
Direito agrário brasileiro.
12. ed. rev. atual. SP: Atlas. 2017. p. 162).
No dizer de Benedito e Carla Marques,
"P
revisto inicialmente no Estatuto da Terra, mereceu depois um tímido tratamento no decreto-lei n. 73, de 21.11.66, cujos arts. 16 a 19 dispuseram sobre a criação de um fundo, que se chamou 'Fundo de Estabilidade das Operações Financeiras', a ser utilizado em operações de crédito rural, especificamente destinado à cobertura suplementar dos riscos de catástrofes
. Os mesmos normativos dispuseram sobre a contratação simultânea dos financiamentos e do seguro, sendo este regulado por normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), tornando-se obrigatória a inclusão, pelas instituições financeiras integrantes do sistema nacional de crédito rural, da verba necessária ao pagamento dos prémios."
(MARQUES, Benedito F.; MARQUES, C. R.
Obra citada.
p. 163).
Ambos prosseguem:
"A instituição dessa modalidade de seguro, todavia, somente veio a acontecer com a edição da lei n. 5.969, de 11.12.1973, sob a denominação de 'Programa Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO'. Essa lei, conquanto demasidamente resumida, definiu o objetivo básico do programa, que era o exonerar o produtor rural de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, cuja liquidação fosse dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atingissem bens, rebanhos e plantações. Por esse objetivo tão claramente definido houve quem qualificasse esse negócio jurídico, não sem alguma razão, de um mero seguro de crédito rural, conforme denomina Ana Luisa Ullmann Dick, pois só existe, na regra geral, em razão de um financiamento agropecuário, embora movimente elevados recursos públicos federais e envolva milhares de pessoas no seu funcionamento.
O que era segurado era o crédito da instituição financeria, embora o beneficiário fosse o tomador do empréstimo, que ficaria exonerado de pagar o seu débito, mercê da ocorrência do sinistro."
(MARQUES, Benedito F.; MARQUES, C. R. S.
Obra citada.
p. 163).
Ademais,
"Não obstante os propósitos salutares do legislador em instituir um programa que, de certo modo, favorecesse a classe produtora do meio rural, cometeu ele ao Conselho Monetário Nacional a competência para regulamentar as operações, incumbindo ao Banco Central do Brasul a sua administração (art. 3º). E fez mais: preconizou a criação de um órgão administrativo, que viria a se chamar Comissão Especial de Recursos - CER, com a atribuição de julgar os recursos que fossem interpostos contra decisões denegatórias de pedidos de cobertura e apuração de prejuízos."
(MARQUES, Benedito F.; MARQUES, C. R. S.
Obra citada.
p. 163).
Acrescento também que
"Depois de várias resoluções e circulares baixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central do Brasil (BACEN), introduzindo mudanças pontuais no sistema normativo do PROAGRO, adveio a lei n. 12.058, de 13 de outubro de 2009, texto esse que não apenas revogou totalmente a lei n. 5.969, de 11 de dezembro de 1973, com a qual fora instituído o programa (art, 49, III), mas também introduziu marcantes inovações no programa. Com efeito, houve alterações no art. 59, I, e parágrafo único do art. 65, além do que foram acrescentados os arts. 65-A, 65-B, 65-C e 66-A, no capítulo XVI da lei de política agrícola (lei n. 8.171/19991).
A novel legislação abriu espaço para importantes inovações, destacando-se, entre elas, a criação do programa intitulao de PROAGRO MAIS, destinado a assegurar as mesmas coberturas ao agricultor familiar e a ampliação do leque de cobertura de eventos, passando a incluir a garantia de renda mínima da produção
."
(MARQUES, Benedito F.; MARQUES, C. R. S.
Obra citada.
p. 164).
Atente-se também para o seguinte:
"O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), instituído pela Lei 5.969/73, subseqüentemente modificada pelas Leis 6.685, de 03/09/79 e, 7.980, de 23/11/89, presentemente regido pela Lei 8.171/91, tem como pressuposto básico de atuação cumprir o financiamento rural em favor do mutuário, quando a atividade financiada tem sua receita frustrada em face da ocorrência de fenômenos naturais, pragas ou doenças.
Neste campo de atuação o PROAGRO se apresenta então como um Programa que garante a satisfação do crédito, sendo desta forma um benefício e uma garantia primeiramente ao financiador, por assegurar-lhe o recebimento do mútuo e, em segundo lugar, ao financiado, pois verificada a frustração do empreendimento fica, a priori, desobrigado do cumprimento do contrato, passando tal responsabilidade ao Programa
.
A Lei, portanto, estabelece claramente uma efetiva transferência de responsabilidade do financiado para o PROAGRO quando o empreendimento, devidamente amparado pelo Programa, sofre perdas que dificultam a obtenção de receita para sua liquidação." (DICK, Ana Luisa Ullmann.
Manual do Crédito Agrário.
Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 12 e ss).
Percebe-se, por conseguinte, que a lei 8.171/1991 (art. 56) ampliou a cobertura, preconizando também a garantia de sinistros que atingissem bens fixos e semifixos ou semoventes e prejuízos decorrentes de pragas, doenças e fenômenos naturais que atinjam plantações.
Aludido contrato de seguro mantém vínculos estreitos com o pacto de mútuo feneratício por ele garantido, na forma do art. 1º da lei 6.969/1973. Trata-se de efetiva rede contratual (sobre o tema, leia-se LEONARDO, Rodrigo Xavier.
Redes contratuais no mercado habitacional.
SP: RT, 2003). Isso significa que tais avenças estão imbricadas entre si. O atraso na ativação da cobertura securitária pode surtir reflexos imediatos sobre o contrato de mútuo celebrado com o agente financeiro, implicando cobrança de encargos indevidos junto ao mutuário.
Por outro lado, cuidando-se de contrato de seguro, o tema também é versado pelo art. 757 do Código Civil/2002, que dispõe o que segue:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Destaco, outrossim, o art. 765, Código Civil/2002:
Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Atente-se ainda para a lógica do enunciado 543 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, quando enfatiza que
"
Constitui abuso do direito a modificação acentuada das condições do seguro de vida e de saúde pela seguradora quando da renovação do contrato.
"
Menciono, outrossim, os seguintes dispositivos do Código Civil:
Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.
Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.
§ 1
o
O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.
§ 2
o
A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.
Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios.
De toda sorte, é salutar atentar - pelo que explicitarei adiante - para a legislação vigente no momento em que o contrato foi celebrado, diante da garantia do art. 5º, XXXVI, CF e art. 6º do decreto-lei 4.657/1942.
2.43. Quanto à cobertura pelo PROAGRO:
O manual do crédito rural - MCR preconiza, no seu item 16.5., os sinistros cobertos pelo PROAGRO:
"ITEM 16.5. (...) 2 -
São causas de cobertura dos empreendimentos efetivamente enquadrados no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) na forma regulamentar e segundo expressa manifestação do encarregado dos serviços de comprovação de perdas ou da assistência técnica, sem prejuízo da observância de exceções previstas neste capítulo, particularmente no item 3
: (Res 3.544; Res 4.142 art 4º)
a)
nas operações de custeio agrícola: fenômenos naturais fortuitos e suas consequências diretas e indiretas relacionados aos seguintes eventos
: (Res 3.544)
I - chuva excessiva; (Res 3.544)
II - geada; (Res 3.544)
III -
granizo
; (Res 3.544)
IV - seca; (Res 3.544)
V - variação excessiva de temperatura; (Res 3.544)
VI -
ventos fortes
; (Res 3.544)
VII - ventos frios; (Res 3.544)
VIII - doença ou praga sem método difundido de combate, controle ou profilaxia, técnica e economicamente exequíveis; (Res 4.142 art 4º)
b) nas operações de custeio pecuário: perdas decorrentes de doença sem método difundido de combate, controle ou profilaxia. (Res 3.544)
3 -
Não são cobertas pelo Proagro as perdas
: (Res 3.544; Res 4.142 art 4º)
a) decorrentes de: (Res 3.544; Res 4.142 art 4º)
I -
evento ocorrido fora da vigência do amparo do programa definida neste capítulo
; (Res 3.544)
II - incêndio de lavoura; (Res 3.544)
III - erosão; (Res 3.544)
IV - plantio extemporâneo; (Res 3.544)
V - falta de práticas adequadas de controle de pragas e doenças endêmicas no empreendimento; (Res 3.544)
VI - deficiências nutricionais provocadoras de perda de qualidade ou da produção, identificadas pelos sintomas apresentados; (Res 3.544)
VII - exploração de lavoura há mais de 3 (três) anos, na mesma área, sem a devida prática de conservação e fertilização do solo; (Res 3.544)
VIII - qualquer outra causa não prevista no item 2, inclusive tecnologia inadequada; (Res 3.544)
IX - cancro da haste (Diaporthe phaseolorum f. sp. meridionalis; Phomopsis phaseoli f. sp. meridionalis) e nematóide de cisto (Heterodera glycines) na lavoura de soja, implantada com variedades consideradas suscetíveis pela pesquisa oficial, independentemente do tipo de tecnologia utilizada no empreendimento; (Res 3.544)
X - em lavouras irrigadas, em todo o território nacional: seca, ainda que considerada “estiagem” ou “insuficiência hídrica”, independentemente da origem do evento; geada e chuva na fase da colheita, quando consideradas eventos ordinários segundo indicações da tradição, da pesquisa local, da experimentação ou da assistência técnica oficial; (Res 4.142 art 4º)
XI - das doenças conhecidas por: "gripe aviária" (Influenza Aviária); e "mal da vaca louca" (Bovine Spongiform Encephalopathy - BSE); (Res 3.544)
b) referentes a: (Res 3.544)
I - itens de empreendimento sujeitos a seguro obrigatório; (Res 3.544)
II - itens de empreendimento amparados por seguro facultativo ou mútuo de produtores; (Res 3.544)
III - empreendimento cuja lavoura tenha sido intercalada ou consorciada com outra não prevista no instrumento de crédito ou, no caso de atividade não financiada, no termo de adesão ao Proagro; (Res 3.544)
IV - empreendimento conduzido sem a observância das normas aplicáveis ao crédito rural e ao Proagro e das condições do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC); (Res 3.544)
V - empreendimento cujo enquadramento seja expressamente vedado na forma da Seção 16-2. (Res 3.544)"
"ITEM 16.5. (...) 5 -
A cobertura deve ser sumariamente indeferida, quando
: (Res 3.544; Res 4.142 art 4º)
a) não constar do instrumento de crédito a cláusula de enquadramento; (Res 3.544)
b) verificado enquadramento indevido, assim considerado a adesão de empreendimento não admitido pelo programa; (Res 3.544)
c) a produção houver sido calculada com base em faixas remanescentes de lavoura já colhida; (Res 3.544)
d) verificado que o insucesso do empreendimento decorreu exclusivamente do uso de tecnologia inadequada ou de evento não amparado pelo Proagro; (Res 3.544)
e) comprovado desvio parcial ou total da produção; (Res 3.544)
f) o beneficiário apresentar documento falso ou adulterado referente ao empreendimento amparado; (Res 3.544)
g) o beneficiário deixar de entregar ao agente, na forma regulamentar, os resultados de análises física e química do solo e a recomendação do uso de insumos. (Res 4.142 art 4º)"
(MANUAL DO CRÉDITO RURAL)
2.44. Proagro-mais - exame panorâmico:
No art. 65-A da Lei 8.171/1991, veiculado pela Lei 12.058/2009, restou criado o Proagro Mais, para atender os pequenos produtores vinculados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) nas operações de custeio agrícola, que passou a cobrir também as parcelas de custeio rural e investimento, financiadas ou de recursos próprios, na forma estabelecida pelo CMN:
“Será operado, no âmbito do Proagro, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura Familiar – Proagro Mais, que assegurará ao agricultor familiar, na forma estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional: I – a exoneração de obrigações financeiras relativas a operação de crédito rural de custeio ou de parcelas de investimento, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações; II – a indenização de recursos próprios utilizados pelo produtor em custeio ou em investimento rural, quando ocorrerem perdas em virtude dos eventos citados no inciso I; III – a garantia de renda mínima da produção agropecuária vinculada ao custeio rural."
No Proagro comum ou tradicional o público alvo ou beneficiário é constituído pelo conjunto de produtores ruais aptos à concessão de crédito rural, no
Proagro Mais o beneficiário será exclusivamente o pequeno produtor vinculado ao Pronaf – Programa Nacional da Agricultura
.
No âmbito do proagro-mais, a comprovação das perdas deve se dar na forma do art. 65-B da Lei 8.171/1991, exigindo-se a apresentação de laudo técnico:
“A comprovação das perdas será efetuada pela instituição financeira, mediante laudo de avaliação expedido por profissional habilitado”.
O laudo, segundo o Manual de Crédito Rural – MCR16-4-27 –, a partir de 01.01.2009, sobre a comprovação de perdas somente poderá ser realizado por profissionais aprovados em exame de certificação pertencente a entidade de reconhecida capacidade técnica, abrangendo a área de sinistros agrícolas, a regulamentação e a legislação aplicáveis ao Proagro e ao crédito rural.
Realmente, a regulamentação exige que a comprovação de perdas para o programa deve ser realizada por profissionais aprovados em exame de certificação de conhecimentos nas áreas de sinistros agrícolas e regulamentação do crédito rural e Proagro, organizado por entidade de reconhecida capacidade técnica, conforme estabelecido nas Res. CMN 3.478 e 3.659, de 26.06.2007 e 17.12.2008.
Aconselha Lutero de Paiva Pereira: “Colocado na posição mais privilegiada do processo indenizatório, posto que suas informações determinarão o direito de cobertura do mutuário, grande é a responsabilidade do perito, incumbindo desempenhar seu trabalho com a mais absoluta e dedicada atenção, sob pena até mesmo de responder judicialmente pelos danos causados ao mutuário, provando-se que tenha laborado com imprudência, imperícia ou negligência.” (RIZZARDO, Arnaldo.
Curso de direito agrário
. SP: RT. 2015. item 6.1.)
Ademais, o Proagro é administrado pelo Banco Central do Brasil e operado por seus agentes, representados pelas instituições financeiras autorizadas a operar em crédito rural, as quais contratam as operações de custeio e se encarregam de formalizar a adesão do mutuário ao Programa, da cobrança do adicional, das análises dos processos e da decisão dos pedidos de cobertura, do encaminhamento dos recursos à Comissão Especial de Recursos – CER, dos pagamentos e registros das despesas.
Eventual recurso administrativo contra a denegação de pedido de cobertura do Proagro pelo agente financeiro deve ser endereçado à Comissão Especial de Recursos – CER, instância administrativa do Proagro. A CER constitui-se um órgão Colegiado, cuja Secretaria Executiva está ligada ao Ministério da Agricultura.
2.45. Direitos decorrentes do seguro agrícola:
Os direitos decorrentes do aludido pacto de seguro - PROAGRO estão previstos no art. 59 da lei 5.171/1991, merecendo destaque o que segue: (a) a exoneração de obrigações financeiras relativas a operação de crédito rural de custeio cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações; e (b) a indenização de recursos próprios utilizados pelo produtor em custeio rural, quando ocorrer perdas em virtude dos eventos citados no inciso anterior.
A respeito do tema, atente-se para o REsp 961.810/SC, relatado pelo Min. Luís Felipe Salomão, DJe de 02 de agosto de 2012:
"(...)3.2. Como fica límpido da leitura do art. 1º da Lei 5.969/73 - diploma que instituiu o seguro PROAGRO - e do art. 59 da Lei 8.171/91,
o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária destina-se a exonerar o produtor rural, segundo critérios aprovados pelo Conselho Monetário Nacional, de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações
.
Nos termos do artigo 4º da mencionada Lei 5.969/73, o seguro garante a satisfação do crédito financiado, cobrindo até cem por cento do financiamento de custeio ou investimento concedido por instituição financeira, e da parcela de recursos próprios do produtor, prevista no instrumento de crédito
.
Desse modo, em conformidade com o disposto na Lei, as normas infralegais relativas à cobertura securitária do PROAGRO são aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional e, posteriormente, codificadas no Manual de Crédito Rural, divulgado pelo Banco Central do Brasil.
Dessarte, o Programa garante a satisfação do crédito rural concedido por instituição financeira, constituindo-se em garantia para o financiador e amparo ao financiado, que se vê exonerado da obrigação contraída com a instituição financeira, visto que o programa assume a responsabilidade pelo pagamento parcial ou integral do débito, em caso de ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam ens, rebanhos e plantações.
3.3. É assim na escassa doutrina sobre o tema:
'O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), instituído pela Lei 5.969/73, subseqüentemente modificada pelas Leis 6.685, de 03/09/79 e, 7.980, de 23/11/89, presentemente regido pela Lei 8.171/91, tem como pressuposto básico de atuação cumprir o financiamento rural em favor do mutuário, quando a atividade financiada tem sua receita frustrada em face da ocorrência de fenômenos naturais, pragas ou doenças.
Neste campo de atuação o PROAGRO se apresenta então como um Programa que garante a satisfação do crédito, sendo desta forma um benefício e uma garantia primeiramente ao financiador, por assegurar-lhe o recebimento do mútuo e, em segundo lugar, ao financiado, pois verificada a frustração do empreendimento fica, a priori, desobrigado do cumprimento do contrato, passando tal responsabilidade ao Programa.
A Lei, portanto, estabelece claramente uma efetiva transferência de responsabilidade do financiado para o PROAGRO quando o empreendimento, devidamente amparado pelo Programa, sofre perdas que dificultam a obtenção de receita para sua liquidação.
Diz o art. 59 da Lei 8.171/91, in verbis (...) Do sobredito texto legal podemos destacar alguns pontos sumamente importantes para mensurar a atuação do PROAGRO. (...) O quarto ponto é a questão da liquidação dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações. Se o produtor comprova que o custeio não pode ser liquidado porque houve a frustração da receita em decorrência das causas que estabelece a Lei, o PROAGRO atrai para si a responsabilidade de fazê-lo, posto que para tanto já recebeu do beneficiário o correspondente prêmio, que se denomina adicional de PROAGRO, que é a participante do produtor o custeamento do Programa segundo estabelece o inc. I, do art. 60 da mencionada Lei.
(...)
Sabedores que o PROAGRO é o exonerador da obrigação nas situações que contempla seu regulamento, financiador e financiado não têm como se furtar aos preceitos legais em proveito de interesses eminentemente privados. A sujeição incondicional ao objetivo legalmente estabelecido para o Programa é uma condição que se impõe a todos quantos buscam seus benefícios.' (PEREIRA, Lutero de Paiva. 2 ed. Curitiba: Juruá, 1999, ps. 129-133)
Não tendo o seguro rural encontrado respaldo no sistema de seguros privados, viu-se o governo compelido a criar um instrumento oficial que assegurasse a capacidade financeira do sistema de crédito rural e proporcionasse segurança ao produtor quanto à permanente assistência creditícia. (...)
O seguro é uma opção que o produtor primário tem a sua disposição na hora de assinar o instrumento liberatório do crédito rural, visando a proteger os recursos que aplicar em suas atividades. (...) O objetivo precípuo do Programa é isentar o agricultor do pagamento de obrigações assumidas junto às instituições financeiras do Sistema Nacional de Crédito Rural, bem como amparar recursos próprios desembolsados, quando ocorrerem perdas amparadas em seu empreendimento produtivo. (DICK, Ana Luisa Ullmann.
Manual do Crédito Agrário.
Rio de Janeiro: Aide, 1991, ps. 12, 13, 18 e 57).
Nesse passo, cumpre trazer à baila precedente da Terceira Turma, referente ao julgamento do REsp 383.565-RS, assim ementado:
PROAGRO. Ação de indenização. Repasse dos recursos do PROAGRO para a instituição financeira. Execução de obrigação de fazer. 1. Decidindo o julgado exeqüendo que deveria o Banco Central do Brasil, administrador do PROAGRO, fazer o repasse dos recursos relativos à dívida do autor da ação diretamente à instituição financeira, não há falar em execução por quantia certa, coberta pelo art. 730 do Código de Processo Civil. 2. No sistema de securitização, há um repasse de recursos diretamente do PROAGRO à instituição financeira, que não está vinculado a nenhuma forma de execução contra a Fazenda Pública. E não está porque seria um contra-senso que ficasse o agricultor e o agente financeiro na dependência dos precatórios para que o repasse dos recursos do PROAGRO relativos ao seguro fosse efetuado. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 383.565/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2004, DJ 03/05/2004, p. 147)
No mencionado precedente, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Sua Excelência dispôs:
O Banco Central ajuizou embargos à execução de sentença oriunda de ação de indenização devida em razão da administração do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO. Afirma que o autor da ação pleiteou a execução sob a forma de obrigação de fazer, “ao argumento de que o título judicial determina, basicamente, o processamento de um acerto entre o Banco Central do Brasil e o Banco do Brasil S/A” (fl. 03), tendo sido o Banco Central citado para cumprir a obrigação no prazo de 15 dias. Alega o recorrente que "consta do dispositivo condenatório, expressamente, a fls. 208/209, a determinação do pagamento, por parte do Banco Central do Brasil, dos prejuízos sofridos pelo produtor, considerando para fins de base de cálculo a situação fática concreta" (fl. 04), com o que fica claro que não se trata de cumprimento de obrigação de fazer, mas, sim, de execução de quantia certa contra a Fazenda Pública, devendo ser obedecido o que dispõe o art. 100 da Constituição Federal.
(...)
Ora, para o Banco Central, o cumprimento da obrigação de fazer o ajuste junto ao credor não se reveste da obrigação de pagar quantia certa para o autor, mas, apenas, de repassar os recursos para o agente financeiro mediante os mecanismos próprios do sistema que administra para esse preciso fim, o PROAGRO, cobrindo, assim a dívida do autor. (...) Na realidade, o PROAGRO estabelece uma relação contratual de seguro entre o produtor rural, que é o segurado, e o segurador, que é o Banco Central, sendo o Banco do Brasil S.A. o operador do sistema. O objetivo, que está no art. 1º da Lei nº 5.969/73, é exatamente exonerar o produtor rural das obrigações financeiras relativas a operações de crédito, quando haja dificuldade na liquidação em decorrência de fenômenos naturais, pragas, doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações. Reconhecendo que o seguro é realizado para garantir o pagamento do financiamento à instituição financeira, há também precedente da Segunda Seção, relativo aos EREsp 113.721-RS:
COMERCIAL. CRÉDITO RURAL. PROAGRO. O seguro agrícola e o contrato de mútuo são operações entrelaçadas, à medida que aquele é feito para garantir o pagamento deste; a pendência de recurso administrativo, interposto contra a denegação do pagamento do seguro, impede que a instituição financeira cobre o débito. Embargos de divergência conhecidos, mas não providos. (EREsp 113.721/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2003, DJ 29/03/2004, p. 168)
Nesse precedente, relatado pelo eminente Ministro Ari Pargendler, Sua Excelência dispôs:O seguro para a cobertura do PROAGRO e o contrato de mútuo são operações que estão entrelaçadas – não há como desvincular uma da outra. O seguro é feito para garantir o pagamento do financiamento ao banco pelo PROAGRO." (STJ, REsp 961.810/SC, relatado pelo Min. Luís Felipe Salomão, DJe de 02 de agosto de 2012).
2.46. Base de cálculo de eventual cobertura:
Segundo o mencionado
manual de crédito rural - MCR, item 16.5
., a cobertura deve calculada, quanto aos contratos celebrados sob sua égide (art. 5º, XXXVI, CF), em conformidade com a seguinte base de cálculo:
"8 - Constituem a base de cálculo da cobertura: (Res 3.867 art 3º II)
a)
o valor enquadrado, representado pela soma do financiamento de custeio rural, da parcela do crédito de investimento rural e dos recursos próprios, sobre o qual tenha incidido a cobrança de adicional
; (Res 3.867 art 3º II)
b)
encargos financeiros incidentes sobre as parcelas utilizadas do financiamento de custeio rural, calculados conforme estabelecido na Seção 16-1, a partir da data prevista para liberação, segundo cronograma de utilização indicado no orçamento, até a data da decisão da cobertura pelo agente em primeira instância
; (Res 3.867 art 3º II)
c)
os recursos próprios do beneficiário, comprovadamente aplicados em substituição a parcelas do crédito enquadrado e não liberadas, cujo valor deve ser obrigatoriamente deduzido do valor financiado enquadrado
. (Res 3.867 art 3º II)
9 - Os recursos enquadrados e aplicados
após o evento causador de perdas
só integram a base de cálculo da cobertura quando sua utilização: (Res 3.544)
a) tiver contribuído para evitar o agravamento das perdas; (Res 3.544)
b) houver sido destinada ao pagamento de gastos anteriores executados segundo o cronograma previsto; (Res 3.544)
c) houver sido destinada às despesas efetivamente realizadas com a colheita, sob justificativa técnica. (Res 3.544)
10 -
Apura-se o limite da cobertura deduzindo-se da base de cálculo da cobertura os valores a seguir relacionados
, observado o disposto na Seção 16-1, quanto ao pressuposto de que os recursos próprios presumem-se aplicados proporcionalmente às parcelas de crédito: (Res 3.544)
a) das perdas decorrentes de causas não amparadas; (Res 3.544)
b)
das parcelas não liberadas do crédito enquadrado
; (Res 3.544)
c) dos recursos próprios proporcionais às parcelas indicadas na alínea anterior; (Res 3.544)
d)
das parcelas de crédito liberadas e não aplicadas nos fins previstos e/ou não amparadas, acrescidas dos respectivos encargos financeiros na forma prevista na Seção 16-1
: (Res 3.544)
I - em decorrência da redução de área ou, no caso de plantio de toda a extensão financiada, da falta de aplicação de insumos ou da realização de serviços previstos no orçamento; (Res 3.544)
II -
relativamente à área onde não houve transplantio ou emergência da planta no local definitivo
; (Res 3.544)
e) dos recursos próprios proporcionais às parcelas indicadas na alínea anterior; (Res 3.544)
f) das receitas geradas pelo empreendimento; (Res 3.544)
g) no caso de empreendimento não financiado: (Res 3.544)
I - dos recursos próprios não aplicados nos fins previstos e/ou não amparados correspondentes à redução de área e aqueles relativos à área onde não houve transplantio ou emergência da planta no local definitivo; (Res 3.544)
II - relacionados nas alíneas "a" e "f". (Res 3.544)
11 -
Para efeito do Proagro, não se consideram aplicados no empreendimento os recursos correspondentes aos insumos adquiridos, cujos comprovantes não tenham sido entregues ao agente, na forma regulamentar
. (Res 3.544)
12 - O valor nominal correspondente aos insumos deve ser apurado pelo agente com base no orçamento vinculado ao empreendimento. (Res 3.544)
13 - O valor das receitas e das perdas não amparadas, para fins de dedução da base de cálculo de cobertura, deve ser aferido pelo agente na data da decisão do pedido de cobertura em primeira instância, com base no maior dos parâmetros abaixo: (Res 3.544)
a) preço mínimo; (Res 3.544)
b) preço de mercado; (Res 3.544)
c) o preço indicado na primeira via da nota fiscal representativa da venda, se apresentada até a data da decisão do pedido de cobertura pelo agente em primeira instância, para a parcela comercializada; (Res 3.544)
d) o preço considerado quando do enquadramento da operação no programa; (Res 3.544)
e) o preço de garantia definido para o Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF), no caso de empreendimento conduzido no âmbito do Pronaf. (Res 3.544)
14 - Para efeito do disposto no item anterior: (Res 3.544)
a) na identificação do preço, inclusive no caso de produção comercializada, deve ser levada em consideração a qualidade do produto indicada pelo técnico responsável pela comprovação de perdas; (Res 3.544)
b) não havendo perda de qualidade do produto, prevalece o preço indicado na primeira via da nota fiscal, para parcela comercializada, desde que não inferior ao preço considerado quando do enquadramento da operação no programa; (Res 3.544)
c) no caso de perda de qualidade do produto por causa amparada, desde que o fato fique expressamente consignado no relatório de comprovação de perdas, não se considera o preço admitido quando do enquadramento da operação no programa. (Res 3.544)
15 -
Computa-se como produção de área colhida antes da comprovação de perdas a considerada para efeito de enquadramento ou a efetivamente obtida, se superior
. (Res 3.544)
16 - Na apuração dos valores das perdas não amparadas e da produção colhida antes da primeira visita de comprovação de perdas, deve-se considerar o produto com qualidade compatível com a considerada no ato do enquadramento da operação, independentemente da indicação do técnico responsável pela comprovação de perdas. (Res 3.544)
17 - No caso de lavoura cuja colheita é efetuada em etapas (apanha, catação, etc.), deve-se levar em consideração o percentual de produção de cada etapa, segundo os parâmetros regionais admitidos para a respectiva cultura. (Res 3.544)
18 - Para efeito de apuração de receitas de empreendimento referente à produção de semente de algodão, deve-se considerar o produto como tendo rendimento de 34% (trinta e quatro por cento) de pluma e 61% (sessenta e um por cento) de semente. (Res 3.544)
19 -
Se o beneficiário não houver adotado todas as cautelas necessárias para minimizar as perdas em sua exploração, cumpre ao agente deduzir da base de cálculo da cobertura a importância correspondente aos prejuízos decorrentes
. (Res 3.544)
20 - Ocorrendo plantio de área superior à do empreendimento enquadrado, o agente deve considerar: (Res 3.544)
a) a produção da área considerada para efeito de enquadramento, se possível distinguir seu rendimento e identificar a respectiva localização com base no croqui ou mapa de localização entregue ao agente, na forma regulamentar; (Res 3.544)
b) a produção de toda área plantada, se não atendidas as condições da alínea anterior. (Res 3.544)
21 - A cobertura do Proagro corresponde, no mínimo, a 70% (setenta por cento) e, no máximo, a 100% (cem por cento) do limite de cobertura, por empreendimento enquadrado. (Res 3.544)
22 - Está sujeito ao percentual mínimo de cobertura o beneficiário que, observado o histórico dos 36 (trinta e seis) meses anteriores à data de adesão ao Proagro, em todos os agentes: (Res 3.544)
a) não tenha enquadrado o mesmo empreendimento; (Res 3.544)
b) conte com deferimento de cobertura a seu favor referente ao último enquadramento do mesmo empreendimento, ainda que não tenha recebido a respectiva indenização. (Res 3.544)
23 - Respeitado o percentual máximo de 100% (cem por cento), o percentual mínimo de cobertura é acrescido de 10 (dez) pontos percentuais, a título de bonificação, a cada enquadramento do mesmo empreendimento que não contar com deferimento de pedido de cobertura, nos 36 (trinta e seis) meses anteriores à data de adesão ao Proagro, em todos os agentes. (Res 3.544)
24 - A indenização será de até 100% (cem por cento) do limite de cobertura do programa, independentemente de eventual bonificação de que trata o item 23, no caso de: (Res 4.235 art 5º)
a) operação enquadrada no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura Familiar (Proagro Mais); e
b) empreendimento enquadrado e executado com o uso de irrigação, qualquer que seja a linha de crédito ou o programa a que esteja vinculado o beneficiário.
25 - Para efeito do disposto no item 23, consideram-se apenas os enquadramentos ocorridos após o último deferimento da cobertura. (Res 3.544)
25-A - Para os fins do disposto nos itens 21, 22, 23 e 25, na verificação do histórico de enquadramentos e de coberturas de empreendimento por beneficiário, deve-se utilizar a tabela “Correspondência De/Para Recor/Sicor”, disponível no item “Código de Empreendimento”, no endereço eletrônico: www.bcb.gov.br > Sistema Financeiro Nacional > Crédito Rural > Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro - SICOR > Tabelas. (Res 4.276 art 3º) (*)
26 - Para definição do percentual de cobertura e concessão da bonificação previstos neste capítulo não se consideram os deferimentos de cobertura complementar, decorrentes de revisão ou recurso da decisão inicial. (Res 3.544)"
(Manual do crédito rural - MCR)
2.47. Quanto ao procedimento para ativação da cobertura:
Registro também que o mencionado manual de crédito rural - MCR dispõe, no seu tópico 16.4., sobre o procedimento de comunicação de perdas, preconizando-se a adoção de um formulário padronizado:
Item 16.4., 1. A comunicação de perdas é feita pelo beneficiário mediante utilização de formulário padronizado, conforme Documento 18 deste manual, entregue ao agente ou, no caso de operação de subempréstimo, à cooperativa contra recibo, vedado o recebimento de comunicação de perdas após o término da vigência do amparo do programa, na forma definida na seção 16-2. (Res 3.478)
item 16.4. 4 - No prazo de 3 (três) dias úteis a contar do recebimento da comunicação de perdas,
o agente deve solicitar a comprovação de perdas
, observadas as limitações estabelecidas pelos conselhos regionais de classe, quando for o caso, a ser realizada sob sua responsabilidade, com o objetivo de: (Res 3.478)
a) apurar as causas e a extensão das perdas; (Res 3.478)
b) identificar os itens do orçamento analítico não realizados, total ou parcialmente; (Res 3.478)
c) estimar a produção a ser colhida após a visita do técnico; (Res 3.478)
d) aferir a tecnologia utilizada na condução do empreendimento. (Res 3.478)
Já no seu tópico 16.5. (itens 27 e 29), o MCR dispõe o que segue:
27 - O agente deve esgotar todas as diligências necessárias à análise e julgamento do pedido de cobertura,
decidindo-o no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis a contar do recebimento do relatório de comprovação de perdas concluso
, elaborando súmula do julgamento, conforme MCR Documento 20 ou 20-1. (Res 3.544)
29 -
No prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar de sua decisão
, o agente deve comunicá-la ao beneficiário, informando-lhe os motivos do indeferimento total ou parcial, se for o caso, e cientificando-o da possibilidade de recorrer à Comissão Especial de Recursos (CER), órgão colegiado vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), observadas as condições previstas na MCR 16-6. (Res 3.544)
2.48. Quanto ao ônus da prova - art. 373, CPC:
Por outro lado, a inversão do ônus da prova está prevista no art. 373, §1º, CPC, sendo projeção da lógica do art. 6º, VIII, CDC, com mitigação da máxima
actor incumbit probatio et rei in excipiendo fit auctor,
com uma distribuição dinâmica das cargas probatórias,
ope iudicis
. Como notório, há casos de inversão legal direta do ônus da prova, a exemplo do que ocorre com o art. 1.965, Código Civil, ao dispor que
"Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador";
há hipóteses de inversão legal indireta, fundada em presunções legais relativas, a exemplo da previsão do art. 322, CC (
"Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores."
)
Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"A base da regra do art. 373, I e II, incrementada pela decisão do art. 357, III, situa-se a previsibilidade do julgamento. A distribuição do ônus das partes institui regra de conduta para as partes e, no caso de instrução infrutífera, regra de julgamento para o juiz. Uma das partes, independentemente da sua vontade e contribuição para o resultado, assumirá o risco do insucesso probatório (retro, 1.338). Essa previsibilidade decorre da rigidez da distribuição dos riscos da instrução. Ao ensejo, assinalou-se: a distribuição proporcional e invariável do ônus da prova é um postulado da segurança jurídica, sustentado pelos práticos e defendido pelos partidários das teorias divergentes.
Examinando-se com maior atenção a sistemática legal da distribuição, verifica-se que a decantada rigidez é mais aparente que genuína. O poder de iniciativa oficial interfere, quiçá decisivamente, em tal seara, diminuindo o risco da parte onerada. E o princípio da livre apreciação (art. 371) contrabalança a prova fraca. Por fim, os temperamentos oriundos de regras especiais (retro, 1.339.2) funcionam como elementos de equilíbrio e isonomia
.
O processo civil social sugeriu outro critério mais abrangente: a atribuição do ônus da prova ope judicis, conforme o caso, independentemente da posição processual ocupada pela parte, e visando à facilitação da prova. Para essa finalidade, atribuiu-se o ônus casuisticamente à parte que (aparentemente) dispõe de maiores recursos, informações e proximidade com a fonte da prova. À tal orientação, que não é recente – a distribuição do ônus entre autor e réu inspirava-se, no direito comum, em razões de equidade –, a doutrina argentina contemporânea chamou de distribuição dinâmica do ônus da prova. Existem outras denominações em uso.
Não se exige esforço inaudito para identificar a fonte inspiradora da proposta de derrogação da distribuição estática. É a mesma que defende o superlativo aumento dos poderes do órgão judiciário, transformado no führer do processo, e deposita irrestrita confiança no homem e na mulher investidos na função judicante, na respectiva inteligência, prudência, tempo disponível para delicadas ponderações e flexibilidade em desincumbir-se da magna tarefa de guardião dos direitos fundamentais.
A adesão à tese autoritária descansa em dado psicológico. O fascínio, a irrefreável atração pela novidade, haja ou não maior merecimento, a busca de soluções para a numerosidade dos feitos, assumiram papel decisivo na rápida e irrefletida adesão à teoria dinâmica. As justificativas apresentadas são esquivas ou vazias, mera retórica – a “facilitação” do acesso à Justiça Pública é uma delas.
A teoria da distribuição dinâmica baseia-se em premissa claramente irreal: o juiz e a juíza brasileira, encarregados de processar e julgar milhares de processos, não têm vagares e os instrumentos necessários à ponderação dos interesses em jogo. Não é por outra razão que só se dão conta da conveniência da mudança das regras do ônus na oportunidade do julgamento. Em realidade, a distribuição dinâmica constitui um enorme perigo ao processo garantista. Apressadamente demais, salvo engano, rejeitou-se a quebra da parcialidade em favor dos vulneráveis, invarialmente beneficiados dessa maneira. Não é outro motivo da inexistência de critérios legais e da sua irrelevância. Esquece-se o melhor princípio: O arbítrio do juiz em liberdade total e não condicionado a determinados parâmetros legais que balizem a sua atuação não é um bom princípio.
O objetivo dessa extravagante “técnica” de julgamento é transparente, embora raramente enunciado. Favorece uma das partes que, segundo o critério fixo e prévio, não lograria êxito, por razões nem sempre – permita-se a metáfora – próprias do ofício de fazer justiça. Notou-se o problema, paradoxalmente, no processo trabalhista: pretendendo o autor horas extras, incumbe-lhe, segundo o art. 818 da CLT o ônus de provar a jornada excedente. Ora, a atribuição do ônus ao réu de provar a jornada de trabalho significaria, na prática, descarregar os riscos da demanda unicamente sobre o réu: ou ele contesta, assumindo o ônus; ou não contesta, e suporta os efeitos da falta de controvérsia, ensejando o acolhimento do pedido. O resultado é eloquente e desnuda, ao nosso ver, a inconstitucionalidade da regra.
Inovando o processo civil, o art. 379, caput, introduziu importante limite aos deveres das partes – comparecer em juízo e responder ao que for perguntado; colaborar com a inspeção judicial, incluindo a inspectio corporis; praticar o ato que lhe for ordenado –, porque, em qualquer hipótese, há de ser preservado “o direito de não produzir prova contra si própria”. Ora, a distribuição dinâmica do ônus da prova implica, na prática, justamente o que art. 379, caput, proíbe terminantemente. Se o veto de self incrimination descansa em bases constitucionais, o art. 373, § 1.º, é inconstitucional.
Essas considerações, e o risco latente de transformar o réu em vilão, a priori, e que já suporta riscos financeiros desiguais quando litiga com autor beneficiário da gratuidade, na melhor das hipóteses recomendam aplicação estrita da doutrina da carga dinâmica, segundo pressupostos legais previamente delimitados. Tarefa particularmente difícil, pois a técnica legislativa só pode consagrar conceitos juridicamente indeterminados e, para esse efeito, trocar “peculiaridades do fato a ser provado” por “excessiva onerosidade” é, apesar da boa intenção, trocar seis por meia dúzia. E, de qualquer modo, convém explicitar tanto o fundamento, quanto a finalidade da doutrina, a fim de evitar um dos maiores males do discurso jurídico, que é a ocultação das premissas ideológicas
.
A objeção de fundo à distribuição dinâmica radica em outro aspecto. Existem fatos difíceis de provar, porque – eis o ponto – as fontes de prova e os meios de prova ostentam limites naturais. Ora, atribuir o ônus à contraparte não elimina a dificuldade, porque intrínseca à alegação de fato. A atribuição do ônus à parte contrária da originariamente agravada aumentaria a injustiça da decisão em desacordo com os valores constitucionais. A única solução consiste em fundar a decisão em juízo de verossimilhança. Assim, se A alega que contraiu infecção no hospital B, onde esteve internado, embora não seja possível apurar cientificamente a origem da bactéria (há as que se produzem unicamente no ambiante hospitalar) não cabe atribuir ao réu B a prova que o autor A, porque supostamente encontrar-se-ia em melhores condições de provar a inexistência de fatores de contaminação no estabelecimento. Não é a regra geral da distribuição do ônus da prova a causa da injustiça, mas sua alteração.
Na vigência do CPC de 1973, buscou-se arrimo no poder de instrução oficial para sustentar a admissibilidade da distribuição casuística, ope iudicis, do ônus da prova. O STJ, no procedimento monitório, admitiu semelhante regime, repartição do ônus da prova subjetivo nas “peculiaridades do caso concreto”, dando-lhe o nome que lhe é próprio: distribuição dinâmica. De lege lata, somente o art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, autorizava, expressis verbis, a distribuição ope judicis do ônus da prova no direito.
A construção de uma possibilidade mais geral de distribuição do ônus da prova, ope judicis, assenta em outras bases. O art. 373, § 1.º, prevê semelhante medida em três hipóteses: (a) impossibilidade de a parte desincumbir-se do ônus da prova nos termos do art. 373, I e II; (b) excessiva dificuldade em cumprir o encargo nesses termos; (c) maior facilidade em obter prova do fato contrário. Em qualquer hipótese, acrescenta o art. 373, § 2.º, a distribuição, ope judicis, não pode tornar o encargo da parte onerada impossível ou excessivamente difícil
.
A iniciativa oficial em matéria de prova nada tem a ver com o risco final suportado pela parte onerada e cristalizado na falta ou insuficiência de prova. A atuação do juiz só atenua o risco desse resultado frustrante, mas não o pré-exclui em termos categóricos e definitivos, pois não é a iniciativa que preside o resultado da prova, mas a limitação do conhecimento humano.
O fundamento mais plausível para justificar a distribuição ope judicis no sistema processual é o sistemático. Ao vedar a distribuição convencional do ônus da prova (retro, 1.339.3.2) em casos que se criem dificuldades ao exercício da pretensão ou da defesa, o art. 373, § 1.º, institui requisito mais geral. Existindo motivo concreto, prévio e perfeitamente delimitado no processo – e, não, a automática inversão em proveito do vulnerável, do cliente bancário, do trabalhador, e assim por diante –, perante o qual a aplicação da distribuição estática do art. 373, I e II, atribuiria prova de produção difícil ou impossível a uma das partes (probatio diabolica), mas a contraparte se encontraria posição mais vantajosa, cabe a distribuição ope judicis no direito brasileiro. Por exemplo: na ação em que o paciente A alega que os prepostos do nosocômio B, desatendendo às prescrições do médico C, ministraram-lhe o fármaco errado ou na dose proibida, provocando gravíssimo dano, o réu dispõe de acesso fácil aos meios de prova – ao prontuário hospitalar, no qual a equipe de enfermagem lançou os dados, e às testemunhas que, afinal, cometeram ou não o erro fatal na medicação. Em contrapartida, ao paciente A é impossível ou excessivamente difícil conhecer o prontuário e identificar as testemunhas. Essa é uma hipótese que não atrai a incidência da reserva do art. 373, § 2.º.
Somente nessas condições estritas – motivo concreto, prévio e delimitado – revela-se aceitável a distribuição ope judicis do ônus da prova perante os direitos fundamentais processuais que, operando no processo, conformam a atividade processual das partes e do órgão judiciário. Não pode se adotada como regra, mas como exceção, interpretada restritivamente. Assim, a distribuição “dinâmica” atua subsidiariamente.
A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
Por conta de tais objeções, a inversão do ônus probatório prevista no art. 373, §1º, CPC, não pode ser aplicada sem maiores comedimentos
. Exige-se a presença de uma situação de efetiva dificuldade da parte cumprir o encargo decorrente do art. 373, I e II, ou uma manifesta maior facilidade de obtenção da prova, com a alteração do ônus. Em qualquer caso, deve-se assegurar às partes cumprir os encargos probatórios pertinentes e a medida não pode implicar hipóteses de verdadeira
probatio diabolica,
carreando à parte um ônus de impossível ou de excessivamente custosa demonstração (art. 373, §2º, CPC).
Os Tribunais têm reputado incabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no âmbito do proagro, como anotei acima. Deixo de tecer considerações, portanto, sobre o alcance do art. 6, VIII, da lei n. 8.078.
NA ESPÉCIE, não há lastro para a inversão do ônus probatório, eis que não há sinais da dificuldade ou impossibilidade do demandante em demonstrar a alegada veracidade da narrativa sobre os fatos, promovida na peça inicial
, de modo que a causa se submete à regra geral prevista no art. 373, I e II, CPC.
2.49. Elementos de convicção:
Com a peça inicial, o autor apresentou declaração de exoneração do imposto de renda, declaração de aptidão ao PRONAF. Apresentou cópia do instrumento contratual:
Anexou também o instrumento contratual de evento-1, outros-10, cópias de notas fiscais. Seguiu-se cópia do formulário de comunicação de perdas, cópia do relatório de perdas do Banco do Brasil. Transcrevo a deliberação do Banco do Brasil:
"PROAGRO MAIS 11310129 - PEDIDO DE COBERTURA.
Comunicamos-lhe que, em 03/05/2023, deferimos a V. Sa, condicionalmente e por conta do PROAGRO MAIS, cobertura no valor de R$ 1.133,08 ( um mil, cento e trinta e tres reais e oito centavos) relativa à Recursos Financiados, de R$ 831,07 (oitocentos e trinta e um reais e sete centavos ) correspondente à Parcela do Mais e de R$ 126,69 ( cento e vinte e seis reais e sessenta e nove centavos) referente à Parcela de Investimento.
2. Será efetuado o pagamento da indenização relativa à 'Parcela do Mais', quando devido, após o repasse dos recursos pelo Banco Central do Brasil (BACEN), esclarecido que lhe caberá liquidar eventual diferença entre os encargos acobertáveis pelo PROAGRO MAIS e os pactuados no instrumento de crédito.
3. Tendo em vista que a aceitação final da cobertura pelo PROAGRO dependerá de futura fiscalização do processo por parte do BACEN, fica V.Sa, desde já, cientificado (a) da possibilidade de vir a ser estornada a mencionada cobertura e, consequentemente reconstituído o saldo devedor da conta vinculada ao financiamento, de sua inteira responsabi- lidade, na hipótese daquela Autarquia não concordar com os cálculos realizados e/ou com a indenização concedida.
4. Em consequência, comunicamos-lhe que fica retido neste Banco, pelo prazo de até 20 (vinte) anos, o instrumento de crédito representa- tivo da dívida, lapso durante o qual o BACEN poderá impugnar a inde- nização ora deferida.
5. Assiste-lhe o direito de ingressar com recurso à Comissão Especial de Recursos (CER), por nosso intermédio, no prazo de até 30 (trinta) dias a contar da data do recebimento desta comunicação, caso V. Sa. discorde da solução dada ao seu pleito de cobertura."
Apresentou cópia de extratos de operações bancárias.
Por seu turno, o BACEN anexou cópia de excertos do manual de crédito rural, cópia do instrumento contratual em discussão. Apresentou cópia de relatório da AGRO CAMPOS. Anexou o seguinte:
Informou-se que o tema estaria sob discutido perante o Conselho de recursos:
Esses são os elementos de convicção até o momento.
2.50. Demais considerações - exame precário:
O TRF4 já decidiu que
"A Lei nº 5.969/73, em seu art. 1º, determina que o PROAGRO destina-se a exonerar o produtor rural de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, na
forma que for estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, ou seja, o legislador remete ao Manual de Crédito Rural
, o cálculo da indenização, bem como o direito à cobertura total ou parcial àquele que preencher os requisitos necessários à obtenção do seguro."
(TRF-4 - AC: 43988 RS 2002.04.01.043988-0, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 08/05/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/08/2006 PÁGINA: 695)
Os Tribunais têm reputado adequada essa complementação da legislação do PROAGRO pelos
manuais elaborados pelo Poder Executivo da União
, dada a necessidade de que a estrutura normativa seja suficientemente flexível para se adequar a eventuais crises de conjuntura, presentes no mercado securitário.
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO CIVIL - CRÉDITO RURAL - FINAME - PRORROGAÇÃO DA DÍVIDA - MANUAL DO CRÉDITO RURAL - PERÍODO DA MORA - ELEVAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. 1.
Se o produtor rural utiliza o crédito oferecido pela instituição financeira para insumo de sua atividade rural, não pode ser considerado destinatário final, razão pela qual não se aplicam as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, mas sim as normas aplicáveis ao crédito rural, como o Decreto-Lei 167/67, a Lei 9.138/93 e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional, consolidadas no Manual de Crédito Rural
. 2. O alongamento da dívida não se trata de mera faculdade da instituição financeira, mas direito do produtor rural, nos termos da Súmula nº 298 do STJ. 3. Restando incontroversa a frustração da safra, faz jus o produtor rural à prorrogação da dívida, autorizada pelo artigo 5º da Lei 9.138/95 e pelo artigo 9º, do capítulo 6, seção 2, do Manual do Crédito Rural. 4. Após a inadimplência, é permitida, tão-somente, em consonância com o que dispõem os artigos 5º, parágrafo único, e 58 do Decreto-lei n.º 413/69, a elevação dos juros remuneratórios em 1% ao ano, correção monetária e multa contratual, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. 5. Recurso parcialmente provido. (VvP) APELAÇÃO - CONTRATO BANCÁRIO - ARTIGO 25 DO ADCT - Lei 4.595/64 - REVOGAÇÃO - ILÍCITO - IMPOSSIBILIDADE REVISÃO/RATIFICAÇÃO - DECLARAÇÃO DA NULIDADE - CCB ARTIGOS 168 Lei 7.492/86 - DEVER DE OFÍCIO. Todos os negócios jurídicos estão sujeitos ao regime geral de invalidade regulado no Título I, Capítulo V da Lei 10.406 de 10/01/02. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz quando conhecer do negócio jurídico ou seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes ( § único do artigo 168 do CCB). Pelo que dispões o § 1º do artigo 2º da LINDB, assim como pelo disposto no artigo 25 do ADCT, a Lei 4595/64 foi revogada, inexistindo ente de direito autorizado a operar na Ordem Econômica nos termos da Constituição Federal (artigo 192). Em face da ausência de lei regulamentando a norma penal em branco do artigo 8º da Lei 7.492/86, os negócios jurídicos celebrados com inobservância daquela regra são ilícitos penais e civis, não podendo ser convalidados pelo Poder Judiciário. (TJ-MG - AC: 10694090546409002 MG, Relator: Antônio Bispo, Data de Julgamento: 31/10/2019, Data de Publicação: 08/11/2019)
No caso, a validade do aludido manual
aparentemente
não foi questionada pelas partes, de modo que adoto como premissa a sua aplicação ao caso. Em princípio, segundo o manual do crédito rural:
"Observadas as condições do item 20, cabe ao agente do Proagro,
no prazo de até 5 (cinco) dias úteis, contados do lançamento na conta Reservas Bancárias, providenciar: a) a transferência ao beneficiário de valores recebidos, referentes às coberturas de recursos próprios e de garantia de renda mínima; b) a amortização do saldo devedor do financiamento de investimento contratado, para valores recebidos referentes à cobertura de parcelas de investimento
."
Ora, convém atentar para a
súmula 43 do STJ
:
"Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo."
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL PIGNORATÍCIA. PLANO COLLOR. PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO POSTULANTE. ARGUIÇÃO LEVANTADA EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. INOCORRÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA EM MARÇO/1990 COM BASE NA BTNF AO PERCENTUAL DE 41,28%. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. SEGURO PROAGRO. ABATIMENTO. HONORÁRIOS RECURSAIS. I - A prescrição para a restituição/repetição de valores pagos indevidamente em virtude de contrato bancário segue os prazos previstos no artigo 177 do Código Civil de 1916 e no artigo 205 do Código Civil de 2002, respeitada a norma de transição do artigo 2.028 deste último diploma legal, e tem como termo de início de contagem o momento da lesão do direito. Não há falar em aplicação de prazo prescricional de cinco (05) anos, previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto inexiste suporte fático que atraia sua incidência ao caso, pois não se trata de acidente de consumo, isto é, de reparação de danos decorrentes em falha/vício na prestação do serviço bancário. II - Nas cédulas de crédito rural com correção monetária atrelada aos índices remuneratórios da caderneta de poupança, aplica-se o BTNF de 41,28% no mês de março de 1990. III -
Na forma do enunciado da Súmula nº 43 do colendo Superior Tribunal de Justiça, o quantum condenatório deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC, a partir do pagamento indevido (evento danoso) e acrescido dos juros de mora, de 1% ao mês, desde a citação
. IV - Não é cabível a incidência de juros remuneratórios à taxa contratada na repetição do indébito (Precedentes do Superior Tribunal de Justiça). V - O custeio do seguro PROAGRO é garantido por recursos alocados da União, pela contribuição que o produtor rural paga e pelas receitas obtidas com a aplicação do adicional recolhido, de modo que a repetição de indébito somente pode recair sobre os valores pagos exclusivamente pelo autor/apelante, sob pena de locupletamento indevido, devendo ser excluídas do saldo credor as indenizações pagas a título de seguro PROAGRO. VI - E cabível a majoração da verba honorária, em grau recursal, na hipótese do recurso restar desprovido, conforme prescreve o artigo 85, § 11, do Código de Ritos. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJ-GO 0465085-72.2007.8.09.0137, Relator: FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 12/09/2019)
2.51. Atualização monetária - considerações gerais:
No que toca à correção monetária, como sabido,
"Dívida em dinheiro é a que se representa pela moeda considerada em seu valor nominal, isto é, pelo importe econômico nela numericamente consignado. É aquela contraída em determinada moeda, e que deve ser adimplida pelo valor estampado na sua face, consistindo, assim, na mais acabada expressão do nominalismo."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
Arts. 304-388. Vol. V. Tomo I. 2. ed. RJ: Forense, 2005, p. 251).
Uma nota promissória insuscetível de correção monetária retrataria, a bem da verdade, uma espécie de obrigação de entregar
quantum
certo, a despeito da sua efetiva capacidade aquisitiva. Mas não é o que ocorre com o adimplemento tardio, pela União Federal, de obrigações para com os servidores do povo lotados nos seus quadros.
Judith Martins-Costa enfatiza, todavia, que
"A expressão dívida de dinheiro não representa, pois, nem o valor material no qual expressa a unidade monetária, nem o valor de compra de produtos ou o valor de serviços, nem objetiva, nem subjetivamente. Ela é, simplesmente, a forma material de uma vinculação monetária, vinculação abstrata e, por isso, apta a comprar e a pagar tudo o que pode ser objeto de patrimônio. É este, diz El-Gamal, o segredo que lhe permite desempenhar as funções prodigiosas nas relações econômicas. Sendo assim, força é concluir que o dinheiro não tem um valor em si, e o que se chama de valor da moeda é o nível geral dos preços, dos produtos e dos serviços, o que não é matéria concernente ao sistema monetária, mas ao sistema econômico."
(MARTINS-COSTA.
Obra citada.
p. 252).
Ora, nas dívidas de valor (
Wertschuld
),
"a moeda não constitui o objeto da dívida. São débitos que visam assegurar ao credor um
quid
e não um
quantum,
uma situação patrimonial determinada e não um certo número de unidades monetárias. Assim, nas dívidas de valor, a quantia em dinheiro é apenas a representação ou tradução transitória, num determinado momento, do valor devido. Variando o poder aquisitivo da moeda, o valor necessário para alcançar a finalidade do débito sofre uma modificação no seu
quantum
monetário, impondo-se, pois, um reajustamento. Em conclusão: enquanto nas dívidas de dinheiro, o
quantum
é o único objeto do débito, nas dívidas de valor, a soma de dinheiro é a quantia correspondente, nas condições atuais, a determinar o poder aquisitivo que o devedor se obrigou a fornecer ao credor."
(WALD, Arnoldo. A teoria das dívidas de valor e as indenizações decorrentes de responsabilidade civil
in
Revista da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro.
Volume 23, 1970, p. 22).
Ademais, atente-se para o conteúdo da súmula 9 do eg. TRF4:
"Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa, a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previdenciário, face à sua natureza alimentar. "
Semelhante é o conteúdo da súmula 38/2008 da AGU, datada de 16.09.2008:
"Incide a correção monetária sobre as parcelas em atraso não prescritas, relativas aos débitos de natureza alimentar, assim como aos benefícios previdenciários, desde o momento em que passaram a ser devidos, mesmo que em período anterior ao ajuizamento de ação judicial."
2.52. Fator de correção - período anterior à EC 113/21:
No que toca ao período anterior à promulgação da Emenda Constitucional 113, de 08 de dezembro de 2021, convém atentar para a solução dispensada pelo STJ, ao apreciar, com caráter vinculante (arts. 927 e 489, §1º, VI, CPC), o
REsp n. 1.492.221/PR
, rel. Min. Mauro Campbell Marques.
O Tribunal consolidou o entendimento de que deve ser aplicado o IPCA-E como fator de correção monetária. A tanto converge o
tema 810, STF
.
"1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2)
O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina
." (tema 810 da jurisprudência do STF)
2.53. Atualização
monetária
- EC 113/2021:
Sabe-se que a EC nº 113/2021, em seu art 3°, determinou o emprego da taxa SELIC para atualização e compensação da mora.
"Art. 3º
Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente
."
Guardo, é fato, dúvidas quanto à constitucionalidade do aludido indexador. Menciono, por exemplo, o estudo do Ministro do STJ, Franciulli Neto, conforme se lê FRANCIULLI NETO, Domingos: Da Inconstitucionalidade da taxa SELIC para fins tributários in
Revista
Dialética
de Direito tributário.
São Paulo. n. 58, p. 7-30, jul. 2000.
Em sentido semelhante, atente-se para o RESP 200101461855, LAURITA VAZ, STJ - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:28/03/2006 PG:00201:
'(...)
A Taxa SELIC para fins tributários é, a um tempo, inconstitucional e ilegal. Como não há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste egrégio Tribunal que, em decisão relativamente recente, não conheceu da argüição de inconstitucionalidade correspectiva (cf. Incidente de Inconstitucionalidade no REsp 215.881/PR), permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional, nada está a empecer seja essa indigitada
Taxa proscrita do sistema e substituída pelos juros previstos no Código tributário (artigo 161, § 1º, do CTN). O Codex tributário, ao disciplinar, em seu art. 167, a restituição de tributos, determinou a incidência de juros moratórios, na mesma intensidade que aqueles aplicados nos casos de mora do contribuinte e previstos no § 1º do art. 161, ou seja, no percentual de 1% ao mês. Se basta a declaração do contribuinte para o nascimento do débito perante o Poder Público, com a conseqüente aplicação das penalidades por eventual atraso no pagamento, quando o tributo é pago regularmente pelo contribuinte, mas indevidamente cobrado pelo Fisco, naturalmente deve incidir a mesma punição, diante da regra de isonomia. Não se pode dizer que o pagamento dos tributos cujo lançamento se dá por homologação depende unicamente da iniciativa do contribuinte, uma vez que 'o pagamento de tributo é espontâneo, na medida em que decorre de
lei
que deve ser cumprida compulsoriamente' (REsp 146.568/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 9.12.1997). Julgamento deste recurso especial em 07 de novembro de 2002. Recurso especial provido em parte, para afastar a incidência da Taxa SELIC e determinar a aplicação de juros moratórios a partir do trânsito em julgado. ..EMEN:' (RESP 200101461855, LAURITA VAZ, STJ - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:28/03/2006 PG:00201 ..DTPB:.)
Em princípio, as mesmas críticas formuladas pelo STF, ao apreciar a ADin 493-0 (insurgência contra a aplicação da TRB para a correção de dívidas do SFH) e as ADIs 4425 e 4357(insurgência contra a aplicação da TRB como critério de correção monetária dos precatórios) são oponíveis à SELIC.
Também é certo, porém, que a jurisprudência predominante sobre o tema tem aplicado aludido fator de indexação para fins de atualização monetária da repetição de indébitos tributários, por força do art. 39, §4º, da lei 9.250, de 1995, ou como juros moratórios. Distribuiu-se, a
ADI 7.047, deflagrada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT
, impugnando a aludida EC nº 113/2021. A causa foi distribuída à relatoria da Min. Rosa Weber. De todo modo, a questão concernente à SELIC
não restou invalidada
.
Faço, de todo modo, as ressalvas acima, por dever de fundamentação (art. 93, IX, Constituição)
.
A Emenda Constitucional 113 deve ser aplicada, até eventual ordem em sentido contrário por parte do STF
. Assim, salvo eventual deliberação em contrário por parte dos Tribunais, é fato que, quanto ao período subsequente à publicação da EC 113, de 08 de dezembro de 2021, o débito em debate neste processo deve ser atualizado pela variação da taxa SELIC. Quanto ao mês de pagamento, não estando ainda definida a variação da Selic, cogita-se da aplicação de 1% (um por cento) ao mês, de modo linear e
pro rata die,
a título de atualização monetária
,
conforme lógica do
art. 5, §3, da lei n. 9.430/1996, art. 39,§ 4º, da Lei nº 9.250/95
, dentre outros dispositivos.
2.54. Termos inicial e final da correção:
Em primeiro e precário exame, eventual correção monetária teria como termo inicial da correção monetária deve recair na data da comunicação do sinistro, conforme súmula 43, Superior Tribunal de Justiça. O termo final deveria recair - caso seja devida a diferença reclamada pelo autor - na data do efetivo pagamento, observadas as regras do art. 100, Constituição, Resolução 303 de 18/12/2019, Resolução 482 de 19/12/2022, do CNJ, dentre outros diplomas normativos aplicáveis à requisição de pagamento.
2.55. Juros moratórios - considerações panorâmicas:
Ademais, ao contrário do que ocorre com juros remuneratórios e juros compensatórios, os juros moratórios destinam-se a reparar danos causados pela mora, como explicita Luiz Antônio Scavone Júnior:
"Como os juros moratórios decorrem da mora, mister se faz verificar brevemente alguns conceitos do instituto, necessários ao seu entendimento. Para a doutrina clássica, a mora era considerada apenas o retardamento culposo em pagar o que se deve e receber o que é devido: mora est dilatio culpa non carens debiti solvendi, vel credito accipiendi. Segundo Agostinho Alvim, a mora nada mais é do que o não pagamento culposo, bem como a recusa de receber no tempo, lugar eforma devidos.
De fato, no direito pátrio, o art. 955, Código Civil/1916, estabeleceu que se econtra em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados
(.... forma que a
lei
ou a convenção estabelecer, de acordo com o art. 394, Código Civil de 2002)."
(SCAVONE JR., Luiz Antônio.
Juros no direito brasileiro.
São Paulo: RT, 2003, p. 101-102)
Ainda segundo Scavone,
"A mora do devedor se dá pela imperfeição no cumprimento da obrigação, seja pelo retardamento culposo seja pela imperfeição que atinge o lugar ou a forma convencionados. Sendo assim, não só o pagamento ou o recebimento intempestivos configuram a mora, mas, igualmente, o pagamento ou o recebimento em outro lugar ou por outra fora, que não o contratados."
(SCAVONE.
Obra citada.
p. 98). Ou seja,
"
Os juros moratórios convencionais ou legais são aqueles que decorrem do descumprimento das obrigações e, mais frequentemente, do retardamento na restituição do capital ou do pagamento em dinheiro
."
(
Obra citada.
p. 95).
Note-se, por conseguinte, que os juros moratórios podem ser pactuadas, à semelhança do que ocorre com cláusulas penais. Não se cuidando de hipótese de cumprimento de avenças, pode-se cogitar também dos juros moratórios pré-fixados em lei, conforme art. 404, Código Civil.
Art. 404 -
As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional
.
Parágrafo único. Provado que os
juros
da
mora
não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.
Vê-se, portanto, que aludidos juros possuem possuem escopo indenizatório; por sinal, tem-se até mesmo reconhecido que os valores recebidos a tal título não chegaram a compor a base de cálculo do imposto de renda:
"TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA. PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INCIDÊNCIA. REGIME DE COMPETÊNCIA. ART. 12 DA LEI Nº 7.713/88. JUROS MORATÓRIOS. CARÁTER INDENIZATÓRIO. O imposto de renda incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente deve ser calculado com base nas tabelas e alíquotas vigentes à época a que se referiam tais rendimentos. Não são passíveis de incidência do imposto de renda os valores recebidos a título de juros de mora acrescidos às verbas definidas em ação judicial, por constituírem indenização pelo prejuízo resultante de um atraso culposo no pagamento de determinadas parcelas. (APELREEX 50089680920114047110, IVORI LUÍS DA SILVA SCHEFFER, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 14/08/2013.)"
Esse é um primeiro aspecto da questão. Por outro lado, convém atentar para a distinção entre mora
ex re
e mora
ex persona,
o que gravita em torno da necessidade de se constituir o devedor em mora, mediantes atos específicos de comunicação/notificação.
"A mora ex re se dá em razão de fato previsto em
lei
. Em consonância com o acatado, o art. 960 do Código Civil de 1916 e o art. 397 do Código Civil de 2002 determina que o inadimplemento de prestação positiva (dar ou fazer) e líquida (certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto) - Código Civil de 1916, art. 1533, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Ou seja, havendo o dia de vencimento nessa espécie de obrigação (positiva e líquida), independentemente de qualquer atitude do credor, o devedor que não cumpre o avençado estará automaticamente constituído em mora, segundo a regra
dies interpellat pro homine.
No caso de obrigação negativa, também há mora ex re. Com efeito, a partir do momento em que o devedor da obrigação de não fazer pratica o ato que se obrigara a não praticar, estará em mora (Código Civil de 1916, art. 961 e art. 390 do CC/2002). Nesse caso, a mora confunde-se com o próprio inadimplemento absoluto.
Por outro lado, a mora ex persona configura-se na hipótese da necessária providência do credor. O art. 960, segunda parte, CC/1916 determinava que não havendo prazo assinado, começa ela (a mora) desde a interpelação ou notificação.
No código civil de 2002, de acordo com o art. 397, parágrafo único, não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. As obrigações ilíquidas também necessitam de providência do credor para a constituição do devedor em mora, nos termos do Código Civil de 2002, arts. 405 e 407
."
(SCAVONE JR., Luiz Antônio.
Juros no direito brasileiro.
São Paulo: RT, 2003, p. 101-102)
Por outro lado, a legislação estipula que os juros moratórios são devidos desde a data da citação, conforme se infere do art. 240, CPC/15, esposando a distinção entre juros moratórios convencionais (p.ex., art. 292, I, CPC) e os juros moratórios legais (art. 322, §1º, CPC). Quando se trata de repetição de indébito tributário, a lei fixa como termo inicial daincidência de juros moratórios a data do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 167, CTN), o que também ocorre quanto aos honorários sucumbenciais arbitrados em valores fixos, na sentença (art. 85, §16, CPC). Também deve ser destacado o alcance da súmula 54, STJ, quando preconiza que
"Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual",
o que abrange os pedidos de responsabilização civil por atos ilícitos, ao invés de simples cobrança de valores não adimplidos tempestivamente.
Devidos desde a citação, os juros moratórios devem ser arbitrados em 0,5% (meio por cento) ao mês, a despeito do disposto no art. 161, CTN c/ art. 406, CC/2002. O fato é que o art. 5º da
lei
n. 11.960/2009, ao alterar a
lei
n. 9.494/1997, determinou a aplicação dos juros aplicados à caderneta de poupança:
"Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança."
Ao julgar as ADIns 4357 e 4425, a Suprema Corte apenas reputou inválido o arbitramento de tais juros - inferiores à disposição do Código Civil -, quando em causa a repetição do indébito tributário, o que não é a hipótese vertente. Ademais, aludido índice não chegou a ser impugnado expressamente na peça inicial (postulado dispositivo - art. 141, CPC). Também deve ser observado, portanto, no que toca à repetição do indébito, o limitador previsto no art. 12, II, da lei n. 8.177, de 1991, aplicável ao caso por força do art. 5º da lei n. 11.960/2009. Ou seja, a limitação atrelada à variação da SELIC no período.
No que toca ao período subsequente à publicação da EC 113/21, os juros moratórios revelam-se indevidos, eis que já compreendidos na variação da taxa SELIC, conforme entendimento jurisprudencial sobre o tema:
'13.
A correção monetária deve incidir sobre os valores pagos indevidamente desde a data do pagamento, sendo aplicável a UFIR (jan/92 a dez/95), e a partir de 01/01/96, deve ser computada somente a taxa SELIC, excluindo-se qualquer índice de correção monetária ou juros de mora (art. 39,§ 4º, da Lei nº 9.250/95)
. 14. No tocante à aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n.º 11.960, de 29 de junho de 2009, não pode ser critério de atualização de tributos. Contudo, deve ser aplicado na atualização do valor relativo à condenação nos honorários advocatícios, posto que não possui natureza tributária.'
(APELREEX 50036379820104047201, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - 1, TURMA, D.E. 01/12/2011, omiti parte da ementa)
2.56. Juros moratórios - outras considerações:
Em análise não exaustiva, a legislação determinou a aplicação, aos processos judiciais, de juros legais (juros moratórios) correspondentes aos
juros remuneratórios incidentes na caderneta de poupança
, conforme art. 1-F da lei 9.494/1997, com a redação veiculada pela lei n. 11.960/2009.
Como sabido, a caderneta de poupança é remunerada mediante a aplicação de juros de 0,5% (meio por cento) ao mês - de
modo composto
. Isso redunda em 6,17% ao ano, conforme pode ser conferido: juros anuais = ((1 + 0,5/100)
12
- 1) = 0,06167781186 ≈
6,17% ao ano
.
Além disso, na caderneta de poupança, também incide o limitador do
art. 12 da lei n. 8.177/1991
, como transcrevo abaixo:
"Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados: I -
como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive
; II - como remuneração adicional, por juros de: (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012) a)
0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
(Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012) b)
70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos
. (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012) §1° A remuneração será calculada sobre o menor saldo apresentado em cada período de rendimento. §2° Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se período de rendimento: I -
para os depósitos de pessoas físicas e entidades sem fins lucrativos, o mês corrido, a partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança
; II - para os demais depósitos, o trimestre corrido a partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança.§ 3° A data de aniversário da conta de depósito de poupança será o dia do mês de sua abertura, considerando-se a data de aniversário das contas abertas nos dias 29, 30 e 31 como o dia 1° do mês seguinte. § 4° O crédito dos rendimentos será efetuado: I - mensalmente, na data de aniversário da conta, para os depósitos de pessoa física e de entidades sem fins lucrativos; e II - trimestralmente, na data de aniversário no último mês do trimestre, para os demais depósitos. O Banco Central do Brasil divulgará as taxas resultantes da aplicação do contido nas alíneas
a
e
b
do inciso II do caput deste artigo. (Incluído pela
Lei
n º 12.703, §5de 2012)
Art. 13. O disposto no artigo anterior aplica-se ao crédito de rendimento realizado a partir do mês de fevereiro de 1991, inclusive. Parágrafo único. Para o cálculo do rendimento a ser creditado no mês de fevereiro de 1991 - cadernetas mensais - e nos meses de fevereiro, março e abril - cadernetas trimestrais -, será utilizado um índice composto da variação do BTN Fiscal observado entre a data do último crédito de rendimentos, inclusive, e o dia 1° de fevereiro de 1991, e da TRD, a partir dessa data e até o dia do próximo crédito de rendimentos, exclusive."
Em muitos casos se revela aplicável a súmula 54, do Superior Tribunal de Justiça, no que toca à definição do termo inicial dos juros PORVENTURA devidos.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PROAGRO. INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXECUÇÃO. JUROS DE MORA. DISPOSITIVO EM DESCOMPASSO COM A FUNDAMENTAÇAO. ERRO MATERIAL PASSÍVEL DE CORREÇÃO A QUALQUER TEMPO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. 1. Da leitura do inteiro teor do julgado verifica-se que o título executivo judicial determinou a incidência de juros de mora no percentual de 0,5% ao mês
desde a data do evento danoso (Súmula 54/STJ) até a entrada em vigor da Lei n. 10.406/2002
( Código Civil), pela taxa SELIC, até o advento da Lei n. 11.960/2009 e, a partir daí, remuneração básica aplicável às cadernetas de poupança, englobando juros e correção monetária. A informação constante do dispositivo do julgado guarda evidente erro material, que deve ser corrigido a qualquer tempo, para se prestigiar a vontade do julgador. 2. Diante de manifesto erro material constante do dispositivo do voto, prevalece a vontade expressa no voto proferido pelo relator e da ementa e acatado à unanimidade pelo órgão julgador. 3. Apelação provida. (TRF-1 - AC: 00372300420114013500, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 03/04/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 22/04/2019)
Assim, aplicam-se ao caso os juros moratórios de 0,5% ao mês, de forma linear e
pro rata die,
com o limitador do art. 12 da lei n. 8.177/1991, aplicável ao caso por força do art. 1-F da lei n. 9.494/1996, com a redação veiculada pela lei n. 11.960, de 2009
. Repiso que, em conjunto, esses vetores caracterizam os juros remuneratórios aplicáveis à caderneta de poupança, e adotados como juros moratórios pela lei n. 11.960/09.
Anoto que se revela incabível, no geral, a incidência de juros compostos, conquanto incidam desta forma na caderneta de poupança, dado que os juros legais incidem de forma simples, conforme ampla tradição jurídica do país. No caso do Código Civil/16 houve previsão de juros compostos em caso de reparação de danos decorrentes de crimes (art. 1544, CC/16), impondo-se os juros simples nos demais casos. Essas lógica se manteve na legislação subsequente, a despeito de controvérsias a respeito do que seja anatocismo e debate sobre o alcance do decreto 22.626/1933, súmula 121, STF etc.
Quando aplicada a taxa SELIC, aludido indexador já congrega na sua evolução taxa de juros moratórios, segundo entendimento dos tribunais.
2.57. Diligências probatórias - considerações gerais:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.58. Inquirição de testemunhas - considerações gerais:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 357, §6, CPC
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda. A notificação das testemunhas deve se dar, como regra, por meio dos advogados das partes, na forma ditada pelo art. 455, CPC, exceção feita aos casos regrados pelo art. 455, §4, CPC.
2.59.
Tomada do depoimento pessoal
- considerações gerais:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.60. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.61. Eventual diligências periciais:
Os exames técnicos estão previstos no art. 465, CPC, e dever promovidos sempre que deteterminada questão exija a apresentação de laudo técnico, a fim de aplicar o estado da arte científica para elucidação de determinados eventos. Em tais casos, não bastará a avaliação fundada na
doxa -
opinião comum -, exigindo-se a apresentação de elementos técnicos, devidamente concatenados entre si. Não raro, porém, o decurso do prazo inviabiliza certos exames periciais.
2.62. Diligências - caso em exame:
No caso em exame, a parte autora postulou apenas a inquirição do técnico responsável pelo dimensionamento dos prejuízos suportados. Tal diligência não se revela manifestamente impertinente, razão pela qual a defiro.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DESTACO que a Justiça Federal é competente para o processo e julgamento desta demanda - art. 109, I, Constituição e art. 10, da lei n. 5.010/66 e sua submissão aos Juizados especiais.
3.2. ACRESCENTO que não diviso conexão dessa demanda com outras causas para julgamento conjunto, conforme art. 55, §1, Código de Processo Civil e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ENFATIZO ainda que a presente demanda não viola a garantia do respeito à coisa julgada - art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC - e tampouco incorre em litispendência, art. 337, §2, CPC. Nâo estão preenchidos os requisitos para a suspensão do processamento desta causa, o que registro com cognição precária sem prejuízo de eventual novo exame.
3.4. REGISTRO que as partes estão legitimadas para a demanda e que o requerente possui interesse processual - art. 17, CPC. Não é o caso de litisconsórcio necessário com o Banco do Brasil.
3.5. ACRESCENTO que o valor atribuído se revela adequado, retratando o conteúdo econômico da pretensão deduzida em Juízo.
3.6. DEFIRO a gratuidade de Justiça a favor do demandado, conforme art. 99, §1, CPC, conquanto a medida suscite reduzidos efeitos no âmbito dos Juizados Especiais.
3.7. DESTACO que a pretensão deduzida na peça inicial não foi atingida pela prescrição - art. 1 do decreto 20.910/32. O instituto da decadência não se aplica ao caso.
3.8. SUBLINHO que promovi o equacionamento de alguns vetores acima,
com cognição precária
, com o fim de viabilizar adequada apreciação, adiante, do pedido de antecipaçação de tutela. Registro que tais temas hão de ser reanalizados por época da prolação de sentença.
3.9. REPUTO incabível, no caso, a inversão do ônus da prova.
3.10. DETALHEI acima os elementos de convicção jungidos aos autos até o momento, com cognição precária.
3.11. DEFIRO o pedido de inquirição de testemunha, formulado pelo demandante.
3.12. DESIGNE-SE audiência de inquirição de testemunha, a ser promovida telepresencialmente.
3.13. INTIMEM-SE as partes a respeito da data, horário e link de acesso para efetivação da audiência.
3.14. ANOTO que caberá à parte autora promover, por meio do seu(sua) advogado(a) a notificação da testemunha, conforme art. 455, CPC, devendo anexar aos autos o comprovante de notificação com a antecedência prevista no mencionado artigo (03 dias úteis).
3.15. REGISTRO ainda que, caso a parte autora não encarte nos autos aludido comprovante de notificação, ainda assim a audiência poderá ser realizada, contanto que a parte autora assegure o comparecimento da testemunha na audiência. Nesse caso, se ela não comparecer, isso será interpretado como preclusão temporal, esgotando-se com isso a oportunidade de inquirição.
3.16. REGISTRO que, tão logo seja inquirida a testemunha, oportunamente as partes terão oportunidade para apresentar suas alegações finais, a serem verbalizadas na audiência, ou a serem apresentadas mediante memoriais escritos, na forma e prazos do art. 364, §2, CPC/15, questão a ser deliberada pelo Juízo ao final do ato.
3.17. REPISO que o exame promovido acima, versando sobre normas que se cogita serem aplicáveis ao caso, se deu com exame
prima facie,
sem prejuízo de nova análise por época da prolação da sentença.
3.18. DECLARO saneada esta demanda. INTIMEM-SE as partes para, querendo, manifestarem-se a respeito do presente saneador, conforme art. 357, §1, CPC - prazo comum de 05 dias úteis, contados da intimação.
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