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Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL" – Página 171 de 184
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Anderson Andre Goncalves
OAB/RS 91.622
ANDERSON ANDRE GONCALVES consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
Jari Santos Silva
Envolvido
JARI SANTOS SILVA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 310203959
Tribunal: TRF4
Órgão: 3ª Vara Federal de Canoas
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5000923-19.2025.4.04.7112
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VILMAR LOURENÇO
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5000923-19.2025.4.04.7112/RS
AUTOR
: OCENIO TAVARES DA SILVA
ADVOGADO(A)
: VILMAR LOURENÇO (OAB RS033559)
DESPACHO/DECISÃO
Vistos em decisão de saneamento e organização.
Forte …
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Processo nº 5013797-09.2024.4.04.7003
ID: 312938874
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5013797-09.2024.4.04.7003
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VALDEMAR LEITE MORAES
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5013797-09.2024.4.04.7003/PR
AUTOR
: EDER DE FREITAS LIMA
ADVOGADO(A)
: VALDEMAR LEITE MORAES (OAB PR011157)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 04 de setembro de 2024,
EDER DE F…
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5013797-09.2024.4.04.7003/PR
AUTOR
: EDER DE FREITAS LIMA
ADVOGADO(A)
: VALDEMAR LEITE MORAES (OAB PR011157)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 04 de setembro de 2024,
EDER DE FREITAS LIMA
ingressou com a presente demanda, sob o rito dos Juizados, em face do DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO PARANÁ - DETRAN/PR e DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT, pretendendo a anulação do auto de infração 000300-M000059427 e do processo administrativo de autos n. 0001791357-8, em que estaria sendo discutida a eventual suspensão do seu direito de conduzir veículo automotor.
O autor sustentou, para tanto, que a infração apontada como objeto da autuação pelo DNIT teria ocorrido em 21/03/2023, às 13h33min, na BR 415, no Município de Ilhéus/BA. Ao tempo dos alegados fatos, ele teria transitado com o veículo de placa BDU9A18, no Município de Maringá/PR, distante aproximadamente 2.086,20km do local de alegada ocorrência da infração. Aduziu jamais ter estado na cidade de Ilhéus e que possivelmente alguém teria clonado as placas do seu automóvel.
Alegou ter registrado ocorrência junto ao Departamento da Polícia Civil, repartição de Maringá e interposto recurso administrativo junto ao DNIT, insurgência indeferida pela autarquia. Assim, diante do lançamento da pontuação em seu prontuário, o DETRAN-PR teria instaurado o processo administrativo n. 0001791357-8, orientado à suspensão da sua CNH.
Postulou a concessão de tutela de urgência, detalhou seus demais pedidos e atribuiu à causa o valor de 1.467,35.
No movimento 4, declarei a competência da Justiça Federal para processo e julgamento da causa, registrei que a causa não se submeteria ao rito dos Juizados Especiais Federais, razão pela qual determinei a emenda à inicial para adequação ao rito comum. Ademais, indeferi o pedido de tutela de urgência e determinei a citação dos requeridos.
O autor apresentou a emenda à petição inicial no movimento9, ocasião em que anexou novos documentos e comprovou o recolhimento de custas.
Seguiu-se contestação do requerido Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes - DNIT no movimento 9, ocasião na qual suscitou a sua ilegitimidade passiva quanto ao processo de suspensão do exercício do direito de dirigir veículo automotor. Nâo teria havido nulidade na expedição de notificações no processo administrativo, e alegou ter sido oportunizado o exercício do contraditório e da ampla defesa ao autor. As imagens do veículo infrator coincidiriam com modelo e características do veículodo demandante, cabendo ao requerente o ônus de comprovar a alegada clonagem de placas. Apontou, ademais, a necessidade de início de procedimento junto ao DETRAN para substituição das placas de seu veículo. Reiterou a inexistência de nulidade do ato administrativo diante da presunção de veracidade do ato administrativo.
O autor apresentou réplica à contestação do DNIT no movimento 15, ocasião na qual alegou ser o DNIT parte legítima para responder ao pleito de nulidade do processo de suspensão de dirigir tendo em vista a correlação entre o auto de infração por ele lavrado e referido processo. Ademais, aduziu haver inconsistência material no auto de infração, tendo em vista que o autor não se encontraria no local da infração, a despeito de as infrações terem expedidas de forma correta. Aduz não ter havido o respeito ao contraditório e ampla defesa ao se ter desconsiderado todos os elementos de prova que indicariam a ausência de responsabilidade do condutor pela infração discutida, e aduziu que no presente caso não prosperaria a presunção relativa de legitimidade do auto de infração, tendo em vista os meios de prova por ele apresentadas.
Seguiu-se contestação do DETRAN/PR, em que ele disse que o autor não teria postulado a troca de placas do veículo que aduz ser clonado, razão pela qual permaneceria como responsável pelo veículo. Sustentou ser parte ilegítima para a causa, por se tratar de fraude criminosa praticada por terceiro e por não ser o órgão autuador da infração de trânsito. Sustentou a legalidade de seus atos em face dos registros do auto de infração e do processo de suspensão do direito de dirigir subsequente.
O autor apresentou réplica à contestação do DETRAN no evento 19, oportunidade em que impugnou a alegação de ilegitimidade passiva do DETRAN e o argumento de legalidade dos atos praticados por ele praticados, aduzindo que as infrações cometidas com o uso de veículos clonados devem ser excluídas do prontuário do condutor ou proprietário do veículo original. No que tocaria à troca de placas, o autor aduziu ter adotado as medidas administrativas pertinentes, a exemplo do registro de ocorrência.
As partes foram intimadas a detalharem os meios de provas pertinentes e necessárias à solução da causa. O DNT alegou não ter interesse em diligências probatórias. O autor pleiteou inquirição de testemunhas, para comprovação de que se encontraria na cidade de Maringá/PR na data do alegado cometimento de infrações de trânsito. Postulou a tomada do seu depoimento pessoal. Postulou a promoção de diligência pericial.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
Na medida em que a pretensão do autor foi endereçada ao DNIT - autarquia federal criada com força na lei n. 10.233, de 5 de junho de 2001, do INSS - autarquia federal criada com força na lei n. 8.029/1990, art. 17, a presente causa submete-se à alçada da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, CF/88 e art. 10, da lei n. 5.010/66.
2.2. Submissão do caso à alçada desta Subseção:
Cogita-se da aplicação do art. 53, III, "a" e "d", CPC/15, que define como sendo competente o Juízo do local em que a aventada obrigação deva ser cumprida ou no local de sede da pessoa jurídica demandada.
Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109, §2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Deixo de tecer considerações sobre o confronto do art. 3º, §3º da lei n. 10.259/2001 - que estipula que a competência das varas dos juizados especiais seria absoluta - com o art. 109, §2º, Constituição, já mencionado acima. Afinal de contas, como detalho diante, a presente demanda não pode tramitar no rito dos Juizados.
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, eventual declinação de competência territorial demandaria a apreciação de exceção de incompetência, suscitada pela partes, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.3. Competência deste Juízo:
Por conta da redistribuição por equalização, a demanda foi redistribuída perante esta Subseção de Curitiba, restando submetida ao crivo do Juízo Substituto desta 11.VF, o que atende a garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição/88.
2.4.
Submissão da causa ao
rito
comum:
O conteúdo econômico da pretensão do autor é inferior a 60 salários mínimos, tais como definidos no decreto 11.864, de 27 de dezembro de 2023. Isso poderia ensejar, então, a submissão desta causa à alçada dos Juizados Especiais, conforme art. 3,
caput
e §3, da lei n. 10.259/01.
O demandante deduziu, porém, pretensão à anulação de processo administrativo e de imputações administrativas, quanto a infração lavrada pelo DNIT. Não se cuida de pedido de anulação de atos tributários ou previdenciários. A petição inicial foi emendada no evento 9, para adequar à causa ao rito comum, bem como houve o recolhimento das custas processuais.
Assim, a causa submete-se ao procedimento comum.
2.5.
Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta. Não há indicativos, tampouco, de que a CEF tenha deflagrado algum processo para cobrança da cogitada dívida bancária.
2.6. Respeito à
coisa
julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.7. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício. Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.9.
Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.10. Legitimidade das partes - caso em exame:
O autor está legitimado a insurgir-se em razão da autuação contra si promovida, na forma do art.17, CPC, dado cuidar-se de pretensão deduzida em nome próprio, versando sobre interesse próprio. Seu pleito não esbarra na vedação do art. 18, Código de Processo Civil.
O DNIT guarda pertinência subjetiva com a demanda, dado que se discute nessa demanda autuação promovida pelo aludido ente estadual de modo que o requerido possui legitimidade para a demanda, quanto ao tópico, conforme art. 17 do Código de Processo Civil/2015. O DETRAN-PR está legitimado para responder a respeito da insurgência inicial em relação ao processo de suspensão do exercício do direito de conduzir veículo automotor.
2.11.
Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.12. Litisconsórcio - caso em exame:
No presente caso, não diviso um contexto de litisconsórcio necessário, a ensejar que a parte autora enderece sua pretensão em face de quem ainda não figure como litigante, de modo a convocá-lo para a demanda. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora não atingirá diretamente a esfera de terceiros, o que registro para os fins do art. 506, CPC.
2.13. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo
Abelha
.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.14. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio do uso válido da força - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço incontinenti etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal). Logo, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/88), mecanismo indispensável para que haja
efetivo império da lei
, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que a pretensão - caso venha a ser acolhida - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika
:
a necessidade, a utilidade e a adequação do meio processual escolhido pela parte. Em acréscimo, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na
extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do CPC/15. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material.
Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza
. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la.
A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar
."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Acrescento
"que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro.
O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença
. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(
Obra citada.
p. 661).
2.15. Interesse processual - caso em exame:
No caso em exame, o autor atua com interesse processual, dado que a resposta ofertada pelos demandados evidencia que sua pretensão não seria acolhida na esfera administrativa. Por sinal, ele enfatizou ter impugnado a autuação no âmbito extrajudicial, sem lograr êxito nisso.
Na forma do art. 5, XXXV, Constituição, o autor não estava obrigado a deduzir a pretensão prevaimente no âmbito administrativo para, somente então, deflagrar esta demanda. Caso sua pretensão venha a ser julgada procedente, em decisão transitada em julgado, isso se traduzirá em cancelamento da autuação impugnada. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade, utilidade, adequação procedimental restou satisfeita.
2.16. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.17. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a autora atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão. Mantenho, pois, o valor atribuído à demanda.
2.18. Prescrição - considerações gerais:
Convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
São Paulo: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias. Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil/2002, preconiza que
"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio
nata
.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natæ non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado - é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil).
E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulad
o. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil/02:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o termo a quo é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titlar do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida).
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércioa um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo
.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescro, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao ttular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitáve. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudiciado todas asações que poderia manejar." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu prazo. Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem no
prazo de 05 anos
, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932 c/ Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais
; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar."
(MIRANDA, Francisco C. Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1.
O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular
. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"
se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar
. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público. Não há, no caso, norma específica mais benefíca a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.19. Prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da
prescrição do fundo de direito
:
"A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública (...). Para efeito da compreensão da expressão '
fundo de direito
' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional.
Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito
. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em
ato único
do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, E.
Obra cit.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"
São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b)
. Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados.
É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial
. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de prescrição do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.20.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"
Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
"
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.21. Prescrição quanto ao caso em exame:
No caso, a pretensão do demandante prescreve no prazo de 5 anos, contados da data da autuação administrativa. Deflagrado o processo administrativo, o cômputo da prescrição permanece suspenso - art. 4 do decreto 20.910/32, retomando seu fluxo a partir do encerramento do processo administrativo. Desse modo, no caso em exame, a prescrição não se operou.
Entre a data do esgotamento do processo administrativo e a deflagração desta causa - termo interruptivo, por conta da retroação mencionada no art. 240, CPC - não se esgotaram mais de 05 anos, contados na forma da lei n. 810/1949.
2.22. Eventual decadência:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
Logo, aludido instituto não se aplica ao caso, no que toca ao direito invocado pelo autor. Questão distinta está em saber se o direito à constituição do crédito, por parte da União, teria incorrido em caducidade.
2.23. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de águae, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto noartigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento. (AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990. Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ: "s
úmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras. Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista
."
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC não se aplica ao caso, dado cuidar-se de debate de direito administrativo em sentido estrito.
2.24. Narrativas das partes:
Na petição inicial, o requerente sustentou o seguinte:
"
O Autor é legítimo proprietário do veículo automotor marca/modelo HONDA/PCX 150
, cor preta, ano 2019, placa BDU9A18, registrado no município de Maringá, Estado do Paraná, conforme comprova o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (anexo 2).
Em 2023, o Autor foi surpreendido com uma notificação de autuação por infração à legislação de trânsito emitida pelo DNIT, referente ao Auto de Infração de Trânsito (AIT) nº 000300-M000059427
, atribuído ao seu veículo (anexo 3). De acordo com a referida notificação, o Autor teria infringido o art. 203, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro, que caracteriza como infração gravíssima a conduta de "ultrapassar pela contramão outro veículo onde houver marcação viária longitudinal de divisão de fluxos opostos do tipo linha dupla contínua ou simples contínua amarela".
Ocorre que a suposta infração, que impôs ao Autor a penalidade de multa no valor de R$ 1.467,35, além da atribuição de 7 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), teria ocorrido no dia 21 de março de 2023, às 13h33, na Rodovia BR-415, Km 20,590, no município de Ilhéus/BA
. O Autor, no entanto,
jamais esteve na cidade de Ilhéus/BA
, especialmente na data e horário mencionados, sendo, além disso, impossível que seu veículo estivesse no local da infração, pois o Autor nunca o emprestou a terceiros. Naquela ocasião, o veículo estava na cidade de Maringá/PR, a aproximadamente 2.086,2 km de distância do local da suposta infração."
O DNIT sustentou, por seu turno, que
"Ao contrário do que sustenta, pela mera análise das fotografias do veículo de sua propriedade, não é possível afirmar que houve clonagem. Detalhes do veículos podem ser acrescentados e retirados e não são visíveis nas fotografias dos autos de infração. As imagens capturadas pelo equipamento de fiscalização eletrônica apresentam o mesmo modelo e características do veículo da parte autora, inexistindo divergência que caracterize sumariamente a existência de clone. Em nenhum momento, foi demonstrado, ainda que de modo superficial, não ser o autor o condutor infrator ou que não era seu veículo no momento das infrações. A alegação de que não esteve no local ou o mero registro de Ocorrência Policial não é suficiente para a comprovação da clonagem do veículo. O mero registro de Ocorrência Policial, por ser ato formal e inquisitório, não detém lastro suficiente para ensejar a anulação de qualquer ato administrativo."
Enfatizou que o autor deveria ter deflagrado, junto ao DETRAN, procedimento para substituição das placas do veículo, o que não teria feito. Isso também foi enfatizado pelo Detran/PR.
2.25.
Controle judicial de atos administrativos:
Vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Gustavo Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 199-200).
Ora, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.
Bandeira de Mello explica que
"Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito
.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 210).
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos.
Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo. volume I.
Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido." (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. RJ: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio).
Também é possível o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (a respeito desse tema, leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).
Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.
Menciono o seguinte julgado:
"(...) 1. De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido."
justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal. (EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II -
Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes
. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2.
A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.
3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. ..EMEN: (RESP 199500599678, ANSELMO SANTIAGO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:09/06/1997 PG:25574 RSTJ VOL.:00097 PG:00404 ..DTPB:.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.26. Controle da proporcionalidade da atividade pública:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. No fim, conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 42).
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de BARROS, Suzana de Toledo.
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
2.27.
Presunção de legitimidade dos atos administrativos:
As presunções podem ser absolutas ou relativas. As absolutas implicam regras remissivas, verdadeiras ficções jurídicas:
"Em princípio, as presunções absolutas penetram no ordenamento como normas remissivas (ou, em alguns casos, restritivas da hipótese ou modificativas do mandamento da norma). Assim, mesmo que, de forma genérica ou em face de um ou outro caso concreto, a presunção não corresponda à realidade (o fato A não leve ao fato B), isso não a torna, por si só, inválida, principalmente quando, além da pretensa vinculação causal entre os fatos, outras razões levaram à edição da norma."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Presunções e ficções no direito tributário.
BH: Del Rey, 1997, p. 64).
Por seu turno,
"
O que caracteriza as presunções legais relativas é a previsão, pelo legislador, que, salvo prova em contrário, a ocorrência de um determinado fato faz pressupor a existência de outro, ao qual estão vinculadas cercas consequências jurídicas.
No dizer de Aloísio Surgik, o liame entre os fatos já é estabelecido pela lei, cabendo, apenas, a valoração de provas contrárias."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Obra citada,
p. 65).
Semelhante é análise de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart na obra Prova. São Paulo: RT, 2009, p. 137. Em regra, os atos administrativos revelam-se autoexecutáveis; e ensejam, pois, a presunção
iuris tantum
de legitimidade.
"
A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário
, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito.
Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo
. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
Saraiva, p. 207).
"As medidas de polícia administrativa freqüentemente são autoexecutórias: i.e., pode a Administração Pública promover por si mesma, independentemente de remeter-se ao Poder Judiciário, a conformação do comportamento do particular às injunções dela emanadas, sem necessidade de um prévio juízo de cognição e ulterior juízo de execução processado perante as autoridades judiciárias. Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranqüilidade pública, será coativamente assegurado pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou passeata, seja para determinar sua dissolução. (...)
Todas essas providências (...) têm lugar em três diferentes hipóteses: a) quando a Lei expressamente o autorizar; b) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar delongas naturais do pronunciamento judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade; c) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de polícia." (BANDEIRA DE MELLO,
Curso de Direito Administrativo.
p. 681, grifei e omiti parte do texto).
A administração pública é exercício de função: exercício de atos em nome próprio, mas no interesse alheio. Daí que, por conta disso, o ordenamento jurídico recepciona regras especiais de ônus da prova, segundo a lição de Hely Lopes Meirelles:
"Os atos administrativos, qualquer que seja a sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Já a presunção de veracidade, inerente à de legitimidade, refere-se aos fatos alegados e afirmados pela Administração para a prática do ato, os quais são tidos e havidos como verdadeiros até prova em contrário.
A presunção também ocorre com os atestados, certidões, informações e declarações da Administração, que, por isso, gozam de fé pública. Esta presunção decorre do princípio de legalidade da Administração, que nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental
. Além disso, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade dos seus atos, para só após dar-lhes execução.
A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que arguidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade. Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários dos seus efeitos. Admite-se, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos através de recursos internos ou de ordem judicial, em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de
validade
ou invalidade do ato impugnado.
Outra consequência da presunção de legitimidade e veracidade é a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuida-se de arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia
." (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito administrativo brasileiro.
29 ed. atualizado por Eurico de Andrade Azevedo e outros. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 156)
Maria Sylvia Zanella di Pietro diz que
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di.
Direito administrativo.
18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
"1. Dentre os postulados consagrados pelo regime jurídico administrativo, destaca-se o princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, que pode ser lido de acordo com 3 acepções: a presunção de legitimidade, que encerra obediência às regras morais, a presunção de legalidade, que impõe observância da lei, e a presunção de veracidade, que corresponde à verdade dos fatos. 2.
Trata-se de presunção relativa, transferindo-se o ônus da prova ao administrado caso esse pretenda desconstituir a presunção de legitimidade do ato administrativo
. Assim, referido princípio tem como consequência prática a aplicação imediata do ato administrativo, consagrando o atributo da autoexecutoriedade, sem prejuízo de sua contestação em momento posterior (...)" (AI 00013894420134030000, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti o restante)
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção relativa de autenticidade do que é declarado
. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável (devendo juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc.). Isso não se aplica, porém, no âmbito de processos administrativos sancionadores, em cujo âmbito a inversão do ônus da prova deve ser apreciada com muita desconfiança.
2.28. Dever de motivação:
A Administração Pública está obrigada a motivar os atos administrativos concretos, consectário direto do postulado da legalidade.
"A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
"implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 100).
Destaco também que o art. 2º, caput, lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência."
Por seu turno, o art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação também é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei.
O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais.
"
A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação
per relationem
- isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -, técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie
." (ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa).
2.29. Autoexecutoriedade administrativa e poder de polícia:
O Estado de Direito impõe um plexo de garantias no que toca ao processo administrativo sancionador. De partida, quem acusa deve provar; não se podendo transportar, sem mais, a pretensa inversão do ônus da prova (presunção de legitimidade) para o âmbito do processo administrativo:
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria S.
Direito administrativo.
18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores do povo possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que é declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável, devendo-se juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc. Deve-se atentar para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo administrativo sancionador:
Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção
iuris tantum
de legalidade. Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.
Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado. Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato
.
A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio
.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância
." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 171-172).
Reporto-me também à seguinte admoestação de Justen Filho:
A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível. (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, p. 207)
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição abusiva, excessiva, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos indevidamente atingidos.
2.30. Infrações administrativas e postulado da legalidade:
Há julgados enfatizando que as infrações administrativas deveriam ser tipificadas previamente em lei
stricto senso:
3. Os atos da Administração Pública devem sempre pautar-se por determinados princípios, entre os quais está o da legalidade. Destarte, a aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de polícia, somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido pela lei como infração administrativa. 4. No caso vertente, as normas elencadas pela Administração não condizem com o ato praticado pela impetrante. Em outras palavras, não há subsunção do fato à hipótese prevista de modo abstrato pela norma. 5. 'O procedimento administrativo pelo qual se impõe multa, no exercício do Poder de Polícia, em decorrência da infringência a norma de defesa do consumidor deve obediência ao princípio da legalidade. É descabida, assim, a aplicação de sanção administrativa à conduta que não está prevista como infração
(RMS 19.510/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 3.8.2006).
Menciono também o precedente STJ, RMS 28778 / RJ.
Ora,
"No caso da imposição de sanções administrativas a particulares, deve ser acrescentado ao princípio da legalidade o da reserva de lei. Isto porque o poder administrativo não pode agir autonomamente, salvo nas restritíssimas hipóteses estabelecidas pela Constituição (art. 84, VI), conforme já visto acima.
Ademais, é curial que o poder regulamentar não pode ir além ou aquém da norma legal. Ora, ainda que o meu raciocínio possa parecer
naïf,
não me convence a tese de que o poder regulamentar tenha a amplitude de transformar um solitário artigo de lei em mais de uma dezena de ilícitos administrativos
."
(ANTUNES, Paulo de Bessa.
Obra citada,
272).
John Rawls sustenta o seguinte:
"O vínculo entre o império da lei e a liberdade é bem claro. A liberdade, como já afirmei, é um complexo de direitos e deveres definidos por instituições. As diversas liberdades especificam coisas que podemos optar por fazer, se assim o desejarmos, e nas quais, quando a natureza da liberdade as torna apropriadas, todos têm um dever de não interferir. Mas se for violado o princípio de que não há crime sem uma lei, por exemplo, em virtude de os estatutos serem vagos e imprecisos, o que temos liberdade de fazer fica igualmente vago e impreciso.
Os limites de nossa liberdade se tornam incertos. E na medida em que isso acontece, a liberdade é restringida por um temor razoável de exercê-la
."
(RAWLS, John.
Uma teoria da justiça.
Trad. Jussara Simões. SP: Martins Fontes, 2008. p. 296-297),
Reporto-me também à lição do juiz federal Heraldo Garcia Vitta:
"Pouco valeria o princípio da legalidade se o administrador pudesse impor penalidades administrativas sem que houvessem sido definidos, com antecedência e de maneira exaustiva, os comportamentos que são pressupostos de sanções. Do mesmo modo, o referido princípio seria inócuo se, acaso, o administrador pudesse determinar as infrações por atos subalternos da lei, ficando ao Legislativo apenas a enumeração das respectivas penalidades."
(GARCIA VITTA
apud
ANTUNES, Paulo de Bessa.
Obra citada,
275).
Junto à Suprema Corte, destaco o que segue:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 5º, 8º, 10, 13, § 1º E 14 DA PORTARIA Nº 113, DE 25.09.97, DO IBAMA. - Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de recursos ambientais, e estabeleceu sanções para hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida.' (STF, Tribunal Pleno, ADIMC nº 1.823-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 16.10.98).
Ora, "
Portaria não pode servir de suporte para a definição de infração. Pela análise da Lei nº 5.966/73 e da mencionada Portaria nº 2/82, é de se concluir que, segundo as normas baixadas pelo CONMETRO, existe delegação legislativa em desacordo com o sistema constitucional."
(TRF 4ª Região, AC nº 2000.04.01.134014-9/PR, 4ª Turma, Rel. Juiz Valdemar Capeletti, DJU 04.04.2001).
Guardo, pois, reservas à imposição de sanções administrativas com lastros em tipos veiculados apenas em decretos, sem efetiva delimitação legislativa (art. 1º, parágrafo único, art. 5º, II, art. 37,
caput
e art. 84, IV, CF). Quando menos, as pautas gerais deveriam ser muito bem detalhadas na legislação, em respeito aos vetores inerentes ao Estado de Direito.
Em que pese isso, anoto que tem prevalecido, junto aos Tribunais, o entendimento de que, por exemplo, a delegação levada a efeito pelo art. 70, lei 9.605/1998 seria válida:
(...) 5.
No campo das infrações administrativas, exige-se do legislador ordinário apenas que estabeleça as condutas genéricas (ou tipo genérico) consideradas ilegais, bem como o rol e limites das sanções previstas, deixando-se a especificação daquelas e destas para a regulamentação, por meio de Decreto. 6. De forma legalmente adequada, embora genérica, o art. 70 da Lei 9.605/1998 prevê, como infração administrativa ambiental, "toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente
". É o que basta para, com a complementação do Decreto regulamentador, cumprir o princípio da legalidade, que, no Direito Administrativo, não pode ser interpretado mais rigorosamente que no Direito Penal, campo em que se admitem tipos abertos e até em branco. 7. O transporte de carvão vegetal sem prévia licença da autoridade competente caracteriza, a um só tempo, crime ambiental (art. 46 da Lei 9.605/1998) e infração administrativa, nos termos do art. 70 da Lei 9.605/1998 c/c o art. 32, parágrafo único, do Decreto 3.179/1999, revogado pelo Decreto 6.514/2008, que contém dispositivo semelhante. 8. As normas em comento conferem sustentação legal à imposição de sanção administrativa. Precedentes do STJ. (...)" (RESP 200900811745, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:04/05/2011 ..DTPB:., omiti parte da ementa)
(...) 4.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu (REsp 985.174/MT, DJe de 12/03/2009) que o parágrafo único do art. 46, da Lei 9.605/98, ainda que se refira a um tipo penal, uma vez combinado com o disposto no art. 70, da Lei 9.605/98, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do princípio da legalidade estrita. 5. Portanto, a Lei 9.605/98 respalda as sanções impostas à apelada, no caso, por manter em depósito e comercializar madeira sem licença válida
. 6. O art. 70, § 1º, da Lei 9.605/98 é o permissivo legal que atribui competência ao IBAMA para lavrar autos de infração derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Precedente: AG 2007.01.00.042818-8/MA, Sexta Turma, Rel. Desembargador federal Jirair Aram Meguerian, 04/07/2011 e-DJF1 P. 31.(...)." (AMS 00043582520104013902, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:26/03/2015 PAGINA:1123.)
Semelhante é o conteúdo, por exemplo, do art. 24, XVIII, da lei n. 10.233/2001 c/ lei n. 12.996/2014, ao dispor que
"Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: (...) XVIII - dispor sobre as infrações, sanções e medidas administrativas aplicáveis aos serviços de transportes."
2.31. Devido processo - art 5º, LIV, CF:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due process of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
Registro, por oportuno, os seguintes preceitos da Lei Fundamental - art. 5, LIV e LV, Constituição: "
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(Romeu Felipe Bacellar Filho.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad, p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Obra citada,
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho: "
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...)
o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas
."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.32. Imputação de pontuações - Código Nacional de Trânsito:
Como é sabido, a lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código Nacional de Trânsito comina sanções para condutas atentatórias à segurança do tráfego, nos termos dos seus arts. 161 e ss. Por seu turno, o art. 259, CNT, estipula que
"A cada infração cometida são computados os seguintes números de pontos: I - gravíssima - sete pontos; II - grave - cinco pontos; III - média - quatro pontos; IV - leve - três pontos."
Ainda nos termos do art. 259, §4º, CNT:
"
Ao condutor identificado será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos previstos no § 3º do art. 257 deste Código, exceto aquelas: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)
I - praticadas por passageiros usuários do serviço de transporte rodoviário de passageiros em viagens de longa distância transitando em rodovias com a utilização de ônibus, em linhas regulares intermunicipal, interestadual, internacional e aquelas em viagem de longa distância por fretamento e turismo ou de qualquer modalidade, excluídas as situações regulamentadas pelo Contran conforme disposto no art. 65 deste Código; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) II - previstas no art. 221, nos incisos VII e XXI do art. 230 e nos arts. 232, 233, 233-A, 240 e 241 deste Código, sem prejuízo da aplicação das penalidades e medidas administrativas cabíveis; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) III - puníveis de forma específica com suspensão do direito de dirigir."
Convém atentar ainda para o art. 261, CTN:
"art. 261.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos
: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) I -
sempre que, conforme a pontuação prevista no art. 259 deste Código, o infrator atingir, no período de 12 (doze) meses, a seguinte contagem de pontos
: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) a)
20 (vinte) pontos, caso constem 2 (duas) ou mais infrações gravíssimas na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) b)
30 (trinta) pontos, caso conste 1 (uma) infração gravíssima na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) c)
40 (quarenta) pontos, caso não conste nenhuma infração gravíssima na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) II - por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.304, de 2022) (Vigência)
§ 1º
Os prazos para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir são os seguintes
: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) I -
no caso do inciso I do caput: de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) meses a 2 (dois) anos
; (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) II - no caso do inciso II do caput: de 2 (dois) a 8 (oito) meses, exceto para as infrações com prazo descrito no dispositivo infracional, e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) a 18 (dezoito) meses, respeitado o disposto no inciso II do art. 263. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.304, de 2022) (Vigência)
§ 2º Quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem.
§ 3º A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina a quantidade de pontos computados, prevista no inciso I do caput ou no § 5º deste artigo, para fins de contagem subsequente. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 4o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.619, de 2012) (Vigência)
§ 5º No caso do condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, a penalidade de suspensão do direito de dirigir de que trata o caput deste artigo será imposta quando o infrator atingir o limite de pontos previsto na alínea c do inciso I do caput deste artigo, independentemente da natureza das infrações cometidas, facultado a ele participar de curso preventivo de reciclagem sempre que, no período de 12 (doze) meses, atingir 30 (trinta) pontos, conforme regulamentação do Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 6o Concluído o curso de reciclagem previsto no § 5o, o condutor terá eliminados os pontos que lhe tiverem sido atribuídos, para fins de contagem subsequente. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
§ 7º O motorista que optar pelo curso previsto no § 5º não poderá fazer nova opção no período de 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 8o A pessoa jurídica concessionária ou permissionária de serviço público tem o direito de ser informada dos pontos atribuídos, na forma do art. 259, aos motoristas que integrem seu quadro funcional, exercendo atividade remunerada ao volante, na forma que dispuser o Contran. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
§ 9º Incorrerá na infração prevista no inciso II do art. 162 o condutor que, notificado da penalidade de que trata este artigo, dirigir veículo automotor em via pública. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 11. O Contran regulamentará as disposições deste artigo."
Por conta disso, a suspensão do direito de dirigir decorre da prática de infrações - constatadas pelo exercício do poder de política - que impliquem a soma de pontos aludidos no art. 261, CNT, acima transcrito
. Não raro, como notório, os agentes da fiscalização conseguem identificar o veículo utilizado no momento da infração, conseguem identificar seu possível proprietário, sem poder afirmar de modo acurado quem teria sido o real violador da norma de trânsito.
Explicita Arnaldo Rizzardo que
"A suspensão do direito de dirigir corresponde à proibição em conduzir durante um determinado período de tempo, que pode ir de seis meses a um ano, sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos, no período de doze meses; ou de dois a oito meses, na transgressão às normas estabelecidas no Código, cujas infrações preveem a penalidade. Havendo reincidência no período de doze meses, a suspensão será de oito meses a dois anos no primeiro caso; e de oito a dezoito meses no segundo caso (art. 261 e seu § 1º do CTB, no texto da Lei 13.281/2016)."
(RIZZARDO, Arnaldo.
Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro.
São Paulo: RT. 2023. comentários ao art. 261, CNT).
Ademais,
"A cassação da Permissão para Dirigir é imposta no caso de cometer o condutor certos tipos de infrações, catalogados na parte das infrações, como no caso de direção durante a suspensão do direito de dirigir, na reincidência em infrações especificadas e na condenação judicial em crime de trânsito. Na prática, parece difícil a aplicação dada à duração de sua vigência, pelo espaço de doze meses. Os §§ 3º e 4º do art. 148 do Código impõem a suspensão do direito de dirigir e obrigam o condutor detentor de Permissão para Dirigir a reiniciar o processo de habilitação caso, no período de um ano, tenha praticado infração grave ou gravíssima, ou seja, reincidente em infração média."
(RIZZARDO, Arnaldo.
Obra cit.
coment. ao art. 261).
Além disso,
"O art. 261, com seus parágrafos (exceto o § 2º) e respectivos incisos sofreram modificações pelas Leis 13.281/2016, 12.547/2011, 13.154/2015 e 14.071/2020, em vários aspectos, sobressaindo a extensão dos prazos de suspensão. As penalidades restritivas de direitos acompanham a multa e decorrem das infrações mais graves, ou daquelas que revelam certa precariedade de condições para dirigir e periculosidade na condução. Efetivamente, na hipótese da suspensão de dirigir, que é interdição de direito, segundo os vários dispositivos que destacam este tipo de infração, nota-se sua previsão em casos de grande irresponsabilidade e de acentuado desrespeito na direção. Tal se verifica quando o motorista estiver dirigindo sob a influência de álcool ou qualquer substância psicoativa que determine dependência (art. 165, na redação das Leis 11.705/2008 e 12.760/2012); na direção ameaçando pedestres (art. 170); na disputa de corrida (art. 173, em redação da Lei 12.971/2014); na promoção de competições esportivas e outros eventos sem permissão da autoridade de trânsito (art. 174, em redação da Lei 12.971/2014); na omissão de prestação de socorro (art. 176) e em vários outros desrespeitos às leis sobre o trânsito, que aparecem ao longo dos dispositivos que integram o Capítulo XV."
(RIZZARDO, Arnaldo.
Obra citada.
comentários ao art. 261).
Para efetivar o sistema de punição por pontos, computados a cada doze meses, de acordo com a natureza das infrações (art. 259), para fins de suspensão do direito de dirigir (art. 261), de cassação da Carteira de Habilitação (art. 263, II), e para impor o curso de reciclagem (art. 268), faz-se necessária a comunicação das penalidades aos órgãos ou entidades executivos de trânsito da União, dos Estados e do Distrito Federal.
2.33. Casos de apresentação
tardia
do condutor:
Em que pese o disposto no art. 257 do Código Nacional de Trânsito, os Tribunais têm reputado cabível a apresentação tardia do condutor/infrator, mediante demanda judicial.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. INDICAÇÃO DO CONDUTOR DO VEÍCULO. INÉRCIA DO PROPRIETÁRIO. COMPROVAÇÃO DO VERDADEIRO RESPONSÁVEL EM SEDE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. Aplica-se o óbice da Súmula 284 do STF quando a alegação de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a indicação precisa dos vícios de que padeceria o acórdão impugnado. 3.
O decurso do prazo previsto no art. 257, § 7º, do CTB acarreta somente a preclusão administrativa, não afastando o direito de o proprietário do veículo, em sede judicial, comprovar o verdadeiro responsável pelo cometimento da infração, sob pena de ofensa ao que dispõe o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da Republic
a. 4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido para cassar o acórdão impugnado. (STJ - REsp: 1774306 RS 2018/0272351-5, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 09/05/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019)
Atente-se para a fundamentação do acórdão do STJ:
"(...) Em caso semelhante, esta Casa de Justiça entendeu que a preclusão do prazo para informar o real condutor do veículo é meramente administrativa, pois "a verdade dos fatos a que chegou o Judiciário é suficiente para afastar a presunção jurídica de autoria (e, consequentemente, de responsabilidade) criada na esfera administrativa" (AgRg no Ag 1370626⁄DF, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 27⁄04⁄2011).
Com efeito, o proprietário do automóvel tem o direito de buscar a via judicial a fim de demonstrar que não foi o responsável pela infração de trânsito, não podendo o Poder Judiciário eximir-se de apreciar tal pleito, sob pena de desconsiderar o preceito constitucional estampado no art. 5º, XXXV, da Carta Magna.
É o que se observa nas hipóteses de mitigação da regra estampada no art. 134 do CTB. Confiram-se: AgRg no REsp 1.482.835⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 14 ⁄ 11 ⁄ 2014, e AgRg no AREsp 427.337⁄RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, Primeira Turma, DJe 1º⁄07⁄2015.
Assim, impõe-se o retorno dos autos ao Juízo de origem, a fim de que analise a pretensão do autor, à luz do suporte fático-probatório presente nos autos." (STJ - REsp: 1774306 RS 2018/0272351-5, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 09/05/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019)
Nesse mesmo sentido, menciono os seguintes acórdãos do TRF4:
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. APRESENTAÇÃO DE CONDUTOR. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. APRESENTAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. Embora o Código de Trânsito Brasileiro disponha sobre o prazo para apresentação do condutor ( § 7º do artigo 257 do CTB), é conveniente destacar que a preclusão temporal que tal dispositivo consagra é meramente administrativa. Isso porque, em sede judicial, existe a possibilidade de o proprietário do veículo demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que tenha perdido o prazo administrativo para tanto. Entendimento diverso resultaria em desconsideração ao que estabelece o art. 5º, XXXV, da CF/88. Apelação provida. (TRF-4 - AC: 50018385720184047001 PR 5001838-57.2018.4.04.7001, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 15/07/2020, QUARTA TURMA)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. ART. 5º, XXXV, DA CF/88. 1.
O proprietário, em sede judicial, tem o direito de demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que não tenha se utilizado por primeiro da via administrativa para tanto. Entendimento diverso resultaria em desconsideração ao que estabelece o art. 5º, XXXV, da CF/88. 2. Mantida a sentença
. (TRF4, AC 5005434-74.2017.4.04.7004, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 15/05/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA DE URGÊNCIA. DNIT. AUTO DE INFRAÇÃO. SUSPENSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONDUTOR. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. APRESENTAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2.
Precedentes do STJ e dessa Corte no sentido de que o proprietário, em sede judicial, tem o direito de demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que tenha perdido o prazo administrativo para tanto
. 3. Evidente o perigo de dano ao agravado, diante da iminente aplicação das penalidades impostas, com a consequente pontuação na CNH e seus reflexos. (TRF4, AG 5025161-11.2019.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, juntado aos autos em 29/08/2019)
Não raro, o tema pode suscitar dúvidas quanto ao risco de que a transferência de pontos seja feita consensualmente, sem atingir o efetivo infrator da legislação de trânsito,
em algo próximo à colusão
. Isso não pode ser suposto, contudo, diante da presunção de boa-fé objetiva, na forma do art. 5º, art. 322, §2º, Código de Processo Civil, dentre outros dispositivo.
2.34. Clonagem de placas e infrações:
Contanto que seja comprovada, a alegada clonagem de placas implica cancelamento das multas respectivas, dado que - como regra - ninguém deve ser sancionado ou responsabilização por atos de terceiros, exceção feita aos casos verbalizados no art. 932, Código Civil.
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. TRÂNSITO. DNIT. MULTAS. CLONAGEM DE VEÍCULO. PLAUSIBILIDADE. ANULAÇÃO. Ainda que não se possa afirmar categoricamente que a autuação em questão derivou da prática da fraude conhecida como 'clonagem' de placas ou veículos, é possível concluir, pelas circunstâncias fáticas e probatórias insertas nos autos, que há grande probabilidade de tal situação ter ocorrido no caso concreto, dando ensejo a autuação indevida da parte autora.
Por mais que o DNIT não tenha responsabilidade pela ocorrência da fraude com o veículo, por desconhecer completamente os fatos, a pretensão foi resistida pela autarquia, que apresentou contestação negando a plausibilidade dos argumentos do autor, demonstrando a necessidade de interferência do Poder Judiciário. Deve, portanto, arcar com os ônus sucumbenciais
. (TRF-4 - AC: 50021830320214047200, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 20/07/2022, QUARTA TURMA)
ADMINISTRATIVO. DNIT. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. FRAUDE DE CLONAGEM DE VEÍCULO. PLAUSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS QUE EVIDENCIAM A OCORRÊNCIA DE CLONAGEM. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE AFASTADA. NULIDADE DOS MULTAS ADMINISTRATIVAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. ( AC 5010664-07.2020.4.04.7000, Quarta Turma, Relator Des. Fed. Cândido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 2.6.2021)
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. TRÂNSITO. DNIT. MULTAS. CLONAGEM DE VEÍCULO. PLAUSIBILIDADE. ANULAÇÃO.
Ainda que não se possa afirmar categoricamente que a autuação em questão derivou da prática da fraude conhecida como 'clonagem' de placas ou veículos, é possível concluir, pelas circunstâncias fáticas e probatórias insertas nos autos, que há grande probabilidade de tal situação ter ocorrido no caso concreto, dando ensejo a autuação indevida da parte autora
. ( AC 5083256-79.2016.4.04.7100, Quarta Turma, Relatora Des. Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 25.2.2021).
ADMINISTRATIVO. DNIT. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. CLONAGEM DE VEÍCULO. INDÍCIOS E PROVAS QUE SUFICIENTEMENTE COMPROVAM A TESE DO AUTOR. 1.
Os indícios e provas juntadas aos autos comprovam que a tese do autor de que teve seu veículo clonado é verdadeira. 2. Hipótese em que se pode concluir que a parte autora não praticou as infrações de trânsito que lhe são imputadas, impondo-se o reconhecimento da nulidade das autuações
. ( AC 5016856-78.2019.4.04.7003, Terceira Turma, Relatora Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 28.10.2020)
ADMINISTRATIVO. CLONAGEM DE VEÍCULO. COMPROVAÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ANULAÇÃO. DEVOLUÇÃO DO VALOR DA MULTA. -
A prova produzida nos autos indica que a parte autora teve seu veículo clonado. - Assim, é possível concluir que o demandante não praticou a infração de trânsito que lhe é imputada, impondo-se o reconhecimento da nulidade da autuação e a restituição do valor da multa
. ( AC 5004184-29.2019.4.04.7006, Quarta Turma, Relator Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 1.10/2020)
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. CLONAGEM DE VEÍCULO. INDÍCIOS E PROVAS.
No presente caso, possível concluir, pelas circunstâncias fáticas e probatórias insertas nos autos, que parte autora comprovou os fatos por si alegados de forma a implicar na nulidade das infrações aplicadas, eis que evidenciada a clonagem das placas
. (TRF4, AC 5003334-60.2019.4.04.7010, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 01/07/2020)
DIREITO ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO.VEÍCULO CLONADO.
Diante da evidência da ocorrência de 'clonagem' do veículo e da relatividade da presunção de legitimidade dos atos administrativos, deve-se anular as multas administrativas. Apelação improvida
. (TRF4, AC 5061123-72.2018.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 20/05/2020)
2.35.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.36.
Juízos de abdução:
A distribuição do ônus da prova cuida de um critério de solução da causa, diante da eventual insuficiência da comprovação da veracidade de determinadas asserções. Na forma do art. 373, I, CPC/15, caso a autora tenha promovido a narrativa de um fato, apontado como causa da sua pretensão, e a veracidade dessa narrativa não tenha sido comprovada, a pretensão há de ser julgada improcedente. De modo semelhante, caso o requerido tenha alegado a ocorrência de um fato obstativo do acolhimento da pretensão da parte autora - por exemplo, causação do dano por um terceiro, desvinculado da sua atividade econômica -, e isso não seja provado, sua impugnação não poderá ser acolhida.
Algo diferente ocorre com os critérios de interpretação dos meios de prova. Nesse âmbito, tem-se em conta a forma como o Juízo deve apreciar os elementos probatórios veiculados nos autos, para fins de reconstrução histórica dos fatos narrados pelas partes
.
Como sabido, indício
"
é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo
"
(MOURA, Maria Thereza.
A prova por
indícios
no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 109). Tais sinais, fundamentando juízos de abdução, podem amparar um decreto condenatório; desde que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"
Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes
. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI,
Paolo.
A prova no processo penal italiano.
SP:RT, p. 58)
"Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração
, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado.
8ª ed., SP: RT, p. 514)
"
Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade
. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios? Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)." (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.
Princípios do processo penal:
entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113.
"
A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar
. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." (Pacelli de Oliveira,
Curso de processo penal,
6ª ed. Del Rey, p. 367).
"Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal.
SP: RT, 2.003, p. 307, grifei.
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema:
"
Uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação
."
(STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035, omiti o restante da ementa). Ademais,
"
Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado
."
(TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti parte da ementa).
Ainda nesse sentido,
"
Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer
."
(TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
Em princípio, cabe a quem alega o ônus da demonstração segura, ou seja, crível e filtrada racionalmente, tanto quanto possível, de que os argüidos teriam praticado, ao tempo reportado pela petição inicial, a conduta imputada, ainda que isso possa ser promovido por meio da conjugação de significativos e consistentes indícios da prática infracional. Sendo isso aplicável na temática processual penal, solução semelhante impõe-se também no âmbito da ação civil pública, com os contornos próprios ao processo civil.
2.37.
Elementos de convicção:
O autor apresentou cópia do certificado de registro do veículo, notificação de autuação, registro de ocorrência policial, decisão de indeferimento do recurso administrativo, notificação do DETRAN/PR, diligências junto ao Município de Maringá para obtenção de imagens de trânsito, ofício, cópia de sua CNH e comprovante de endereço.
Ao que consta da documentação acostada ao eproc, o autor é proprietário do veículo de placa BDU9A18:
(Ev. 1, OUT2)
O DNIT lhe impugou a conduta de ter promovido ultrapassagem, em 21/03/2023, às 13h33min., em local não permitido, na BR 415, km 20,590, no
Município de Ilhéus/BA.
(Ev. 1, notificação 3)
O demandante apresentou cópia do registro de ocorrência, dando conta de alegada clonagem de placa do seu veículo, apresentando também termo de notificação do indeferimento dos recursos apresentados ao DNIT. Juntou cópia do auto de infração, informando que o condutor não teria sido identificado.
O autor anexou, ademais, o autor anexou a decisão de recurso em 1ª instância, no qual a autoridade administrativa adotou como razões de decidir:
"O auto de infração encontra-se subsistente, pois regular e consistente, vez que preenche todos os requisitos legais inerentes à sua lavratura definidos no artigo 280 do CTB e demais legislações vigentes, bem como originário de flagrante por agente de trânsito competente, devidamente identificado in loco. (...) Por fim, a infração foi flagrada pelo agente de trânsito competente, por meio do qual se constata a correta identificação do veículo, ante a transcrição da placa para o auto de infração. Além disso, não foi juntada nenhuma prova ou documento cabal que demonstre a adulteração do veículo, sua distinção ou divergência quanto à sua originalidade, razão pela qual não é possível verificar qualquer divergência nas características do veículo ou alguma prova da existência do veículo espúrio. Outrossim, ainda que o Boletim de Ocorrência possua, em sua natureza constitutiva, presunção de veracidade, posto ser lavrado por agente público, as afirmações nele constantes são de caráter unilateral, portanto são passíveis de investigação e apuração para comprovação dos fatos apresentados perante a autoridade policial. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e INDEFIRO o pedido de cancelamento da notificação da penalidade recorrida."
Essa motivação foi reiteradas na decisão de recurso em 2ª instância. O DNIT, por sua vez, anexou aos autos ofício no qual consta foto do veículo apontado como meio para a infração de trânsito em questão.
O DETRAN, por seu turno, anexou aos autos a cópia da infração de trânsito, identificação do condutor, dados relativos à notificação do infrator e extrato de consulta do veículo.
2.38. Dilação probatória - considerações gerais:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa com o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.39. Inquirição de testemunhas:
Defiro o pedido de inquirição de testemunhas, contanto que seja observado o limite previsto no art. 357, §6, CPC.
2.40. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Não é dado à parte postular seu próprio interesse processual, dado que a finalidade do instituto é obter a confissão da contraparte quanto às perguntas não respondidas. Indefiro, pois, aludido pedido da parte requerente.
2.41. Diligência pericial:
Em princípio, a diligência pericial não se revela pertinente para elucidar se o autor teria estado, como alegou, em Maringá ao tempo do alegado cometimento da infração de trânsito.
Aludida questão há de ser apurada com o exame da documentação anexada aos autos, submetida à apreciação das partes e do Juízo. A atividade jurisdicional não pode ser delegada para peritos, o que ocorreria caso fosse atribuído ao
expert
o encargo de aferir se os documentos apresentados nos autos convergiriam em prol da sentença do demandante.
Indefiro, portanto, o pedido de realização de perícia.
2.44. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
No caso, portanto, em princípio, as partes já tiveram oportunidade para anexar aos autos os documentos pertinentes e necessários à solução do conflito. Com isso, reputo saneada esta demanda.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a submissão da demanda à presente unidade jurisdicoinal e sua submissão ao rito comum.
3.2. SUBLINHO que não diviso conexão entre esta demanda e algum outro processo, para os fins do art. 55, §1, CPC e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que a presente demanda é singular, não havendo sinais de violação da garantia da coisa julgada, consagrada no art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC, tampouco tendo incorrido em litispendência, conforme definição do art. 337, §2, CPC.
3.4. ANOTO ainda que não diviso fundamento para eventual suspensão desta demanda, na forma do art. 313, CPC/15, o que aprecio de ofício, conforme lógica do art. 485, §3, CPC.
3.5. ACRESCENTO que as partes estão legitimadas para a demanda e que a requente atua com interesse processual. Nâo diviso um contexto de litisconsórcio necessário no caso.
3.6. ENFATIZO que a pretensão da parte autora não foi atingida pela prescrição; o instituto da decadênci não se aplica ao caso.
3.7. DETALHEI as narrativas controvertidas no curso do processo e equacionei alguns tópicos, com cognição precária, a respeito do tema debatido neste processo.
3.8. REPUTO incabível a inversão do ônus da prova, de modo que se aplica ao caso o art. 373, I e II, CPC/15.
3.9. DETALHEI os elementos de convicção veiculados nos autos.
3.10. INDEFIRO o pedido de promoção de diligência pericial, o pedido de tomada de depoimento pessoal, conforme fundamentação.
3.11. DEFIRO o pedido de inquirição de testemunhas.
3.12. DESIGNE-SE audiência telepresencial para a inquirição de testemunhas.
3.13. INTIMEM-SE as partes a repeito da data, horário e link de acesso à audiência.
3.14. INTIMEM-SE as partes para que, querendo, apresentem lita de testemunhas, conforme art. 357, §4, CPC. Prazo de 05 dias úteis, parte autora e prazo de 10 dias úteis, demandados.
3.15. REGISTRO que é ônus das partes a notificação das suas testemunhas, na forma do art. 455, CPC, exceção feita aos casos ditados no art. 455, §4, CPC.
3.16. ACRESCENTO que as partes deverão comprovar nos autos a notificação das suas testemunhas, conforme art. 455, CPC. com anexação do termo de notificação na forma e prazos do art. 455, CPC, sob de preclusão da oportunidade de postular a sua notificação judicial, em caso de não comparecimento.
3.17. DESTACO que oportunamente as partes serão intimadas para, querendo, apresentarem alegações finais oralizadas ou remissivas, na audiência, ou para apresentação de memoriais escritos - art. 364, §2, CPC.
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Claudete Maria Gasparelo Seidl x Centro De Estudos Dos Beneficios Dos Aposentados E Pensionistas
ID: 312987494
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5036658-95.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
ROBERTO NASSIF PRIETO
OAB/MG XXXXXX
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SHEILA SHIMADA MIGLIOZI PEREIRA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5036658-95.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CLAUDETE MARIA GASPARELO SEIDL
ADVOGADO(A)
: ROBERTO NASSIF PRIETO (OAB MG176789)
RÉU
: CENTRO DE ESTUDOS DOS BENEFICIO…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5036658-95.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CLAUDETE MARIA GASPARELO SEIDL
ADVOGADO(A)
: ROBERTO NASSIF PRIETO (OAB MG176789)
RÉU
: CENTRO DE ESTUDOS DOS BENEFICIOS DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS
ADVOGADO(A)
: SHEILA SHIMADA MIGLIOZI PEREIRA (OAB SP322241)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Petição inicial:
Em 14 de agosto de 2024, CLAUDETE MARIA GASPARELO SEIDL deflagrou a presente demanda, sob o rito dos juizados especiais, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e do CENTRO DE ESTUDOS DOS BENEFICIOS DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS - CEBAP, pretendendo a declaração de não manter relação jurídica com o CEBAP. Postulou a condenação das requeridas ao pagamento do dobro dos valores descontados do seu benefício e à reparação de danos morais, mediante o pagamento de indenização na ordem de R$ 15.000,00.
Para tanto, a autora sustentoiu que R$ 180,00 teriam sido descontados indevidamente da prestação previdenciária que lhe seria devida, sendo repassados em favor do CEBAP, entidade com a qual não teria mantido nenhum vínculo. Disse não ter autorizado aludidos descontos. Alegou fazer jus ao recebimento do dobro do valor descontado e à reparação dos danos morais que disse ter suportado. Argumentou que o INSS teria deixado de cumprir o dever de fiscalizar a presença dos requisitos para aludidos descontos.Postulou justiça gratuita, aplicação do CDC e atribuiu à causa o valor de R$ 15.360,00.
1.2. Resposta do INSS:
No movimento 7, o INSS apresentou sua contestação, alegando não possuir pertinência subjetiva para a causa e que a pretensão da autora seria improcedente, no que lhe tocaria. Argumentou que qualquer contratação de empréstimo bancário ou descontos de mensalidade seria realizada diretamente com a instituição financeira ou entidade sindical, que deveria conservar em seu poder a autorização firmada por escrito ou por meio eletrônico pelo titular do benefício. Sustentou a ausência dos pressupostos exigidos para o dever de indenizar, por parte do Estado.
1.3. Resposta do Centro de Estudos:
Citado, o requerido Centro de Estudos dos Beneficios dos Aposentados e Pensionistas apresentou sua rsposta, invocando a ilegitimidade passiva do INSS e alegando a incompetência do presente juízo para o processo e julgamento da demanda. A requerida impugnou o pedido de gratuidade de Justiça, formulado pelo autor. Alegou que o requerente teria se filiado ao CEBAP de modo voluntário.
1.4. Proposta de acordo:
O Centro de Estudos dos Beneficios dos Aposentados e Pensionistas apresentou uma proposta de acordo, lançada nos seguintes termos:
"Em que pese os fundamentos apresentados em defesa, prezando sempre pela eficiência, zelo e máxima satisfação dos seus representados, a Ré informa que está disposta a realizar um acordo, e, oferece: (i) a restituição em dobro dos valores descontados junto ao INSS, à vista, em até 10 (dez) dias úteis, considerando como termo inicial a data da celebração do acordo, e, (ii) no tocante ao pedido de dano moral, a Ré propõe um acordo de pagamento de até R$1.000,00 (mil reais) a título de dano moral pelo ocorrido, como meio de manter um bom relacionamento com a parte Autora. Importante destacar que, por se tratar de composição amigável entre as partes, a presente proposta constitui ato de mera liberalidade da Ré, sem que, com isso, haja qualquer confissão ou reconhecimento da culpa. Além disso, com o adimplemento do acordo, as partes manifestam total e irrestrita renúncia a propositura de eventuais ações e/ou interposição de recursos decorrentes da relação objeto da presente demanda. Dessa forma, requer à Vossa Excelência a intimação da parte Autora para manifestar-se sobre a presente proposta no prazo legal."
Aludida proposta foi aceita pela parte autora no movimento 15.
1.5. Desistência da parte autora quanto ao INSS:
O requerente desistiu, ademais, do processamento da sua pretensão no que tocava ao INSS - evento 23.
1.6. Alegada desistência do acordo:
Em seguida, o CEBAP alegou que a autora teria desistido do aludido acordo, postulando então a continuidade da demanda.
1.7. Pedido de suspensão do processo:
No movimento33, a requerida postulou a suspensão desta demanda, reportando-se à arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 1236.
Sustentou que
"a controvérsia insere-se em um contexto jurídico de ampla repercussão nacional, que ultrapassa os interesses individuais das partes envolvidas. Trata-se de uma questão sensível, com múltiplas ações ajuizadas em diversas varas e tribunais federais, todas discutindo a legalidade de descontos associativos efetuados em benefícios previdenciários, com base em Acordos de Cooperação Técnica celebrados com o INSS. A inexistência, até o momento, de um entendimento consolidado sobre o tema tem gerado decisões dissonantes, colocando em risco a coerência do ordenamento jurídico e a previsibilidade da atuação judicial. Isso compromete não apenas a segurança jurídica dos beneficiários e das associações envolvidas, como também afeta a estabilidade institucional da própria Administração Pública, que firmou tais acordos com respaldo normativo. A gravidade desse quadro se acentua diante da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1236, atualmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal, proposta pelo Presidente da República. A ADPF busca uniformizar a interpretação constitucional sobre a regularidade dessas parcerias e sobre a responsabilidade do Estado por eventual falha na fiscalização dos acordos firmados."
Argumentou que
"a continuidade do trâmite de ações individuais, como a presente, antes da manifestação definitiva da Corte Suprema, representa não apenas um risco concreto de decisões conflitantes, mas também um desrespeito à autoridade do STF como instância máxima da jurisdição constitucional."
Ademais,
"Além da importância jurídica, a matéria possui inegável relevância social. A controvérsia afeta diretamente milhares de beneficiários e centenas de associações que, como a AMBEC, celebraram acordos com entes públicos com o intuito de prestar apoio técnico e institucional na gestão de serviços previdenciários e assistenciais. Essas entidades, legitimamente constituídas nos termos dos incisos XVII e XVIII do art. 5º da Constituição, exercem papel relevante na interlocução entre o Estado e os segurados, e atuam, em regra, com boa-fé, transparência e dentro dos limites da legalidade."
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. C
ompetência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a autora endereçou sua pretensão ao INSS, autarquia federal criada com força na lei n. 8.029/1990, art. 17. Logo, aplica-se ao caso o art. 109, I, CF/1988.
2.2. Submissão do caso aos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....)
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico. O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos na lei 14.358/2022, atendendo ao art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário da autora, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Atente-se ainda para a seguinte deliberação:
"Conforme a Jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, nem a complexidade da causa, nem a necessidade de produção de prova pericial afastam a competência dos Juizados Especiais Federais.
Ocorre que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta para aquelas causas cujo valor seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ressalvadas as exceções previstas na Lei nº 10.259/2001. Como a complexidade da causa e a necessidade de prova pericial não estão entre as exceções arroladas na lei, descabe afastar a competência dos Juizados Especiais com base em quaisquer dessas duas causas
."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50161052320214047100 RS 5016105-23.2021.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 16/12/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
O conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo do ingresso em Juízo, conforme
decreto nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023
, o que atende ao art. 3,
caput,
da lei n. 10.259/2001. Ademais, cuida-se de
pedido condenatório
, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. RECONHEÇO, pois, a competência dos Juizados Especiais para a tramitação dessa demanda.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
Cuidando-se de pedido de reparação de danos, aplica-se ao caso o art. 53, IV, "a", CPC, apontando como competente o Juízo do local em que tenham sido praticados os atos apontados como causadores dos alegados danos. Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Na espécie, a parte autora endereçou sua pretensão ao INSS,
autarquia federal criada por força da lei n. 8.029/1990, art. 17
, de modo que referido entendimento se aplica. Acrescento que o art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001.
Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção, na forma do art. 65, CPC e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão do caso ao presente Juízo:
Dentre as unidades desta Subseção de Curitiba, o processo restou distribuído perante este Juízo Substituto da 11.VF, por conta de sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição/88.
2.5. Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta.
2.6. Respeito à coisa julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.7. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne
bis
in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.9. Suspensão em razão da deflagração de ADPF:
Deflagrada a arguição de descumprimento de preceito fundamental, cabe à Suprema Corte promover a prelibação da peça inicial, aferindo seu cabimento. Cuida-se, como notório, de mecanismos de emprego restrito, não podendo servir de atalho para levar uma demanda diretamente perante a Suprema Corte, sem prenchimento dos requisitos impostos pelo art. 103, §1, Constituição Federal, com a vedação veiculada pela emenda constitucional 03/1993, e pela lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999.
Cabe à Suprema Corte deliberar sobre eventual suspensão dos processos em curso, versando sobre o tema debatido no âmbito da ADPF, conforme se infere do art. 5 da referida lei n. 9.882/1999:
Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental. § 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. § 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias. § 3o
A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada
.
Em consulta ao site do STF, infere-se que aludida ADFP 1236 foi distribuída em 12 de junho de 2025, sendo encaminhada por prevenção ao gabinete do min. Dias Toffoli. A medida foi apensada à ADPF 1234.
Ao apreciar o pedido de liminar, aquele magistrado deliberou:
"Feitas essas considerações, nos termos do artigo 10 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, solicitem-se as informações pertinentes, com urgência, no prazo de 3 (três) dias. No mais, diante dos termos da petição apresentada pela AGU (e Doc. 18), determino a convocação de audiência de conciliação, a ser realizada no plenário da Segunda Turma, no dia 24 de junho, às 15h, para a qual deverá ser intimada a União, o Instituto Nacional do Seguro Social, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal. Por fim, para inibir a advocacia predatória, reconhecer os direitos dos cidadãos e proteger o patrimônio estatal, conferindo-se segurança jurídica para a sociedade brasileira, determino a suspensão da prescrição das pretensões indenizatórias de todos os lesados pelos atos objeto desta demanda. Os demais pedidos formulados nesta ADPF serão analisados oportunamente, devendo-se relembrar que se trata de matéria de elevada complexidade, que ainda requer maior reflexão."
Desse modo, a Suprema Corte apenas determinou a suspensão do cômputo da prescrição da pretensão de todos os aposentados e pensionais, no que toca à alegada ocorrência de descontos indevidos em suas prestações previdenciárias. Os autos encontram-se conclusos com o relator desde 25 de junho de 2025.
Logo, não há ordem da Suprema Corte, ao menos, não até o momento, para suspensão desta demanda. A impulsão desta causa não implica desrespeito à Suprema Corte, dado o alcance da sua liminar, razão pela qual a argumentação lançada pela requerida não merece acolhida. A vingar a premissa em que se ampara a demanda as partes tampouco poderiam recorrer da decisão prolatada por Ministros da Suprema Corte, por risco de desrespeito à autoridade do Tribunal, o que seria um absurdo. A demandada parece supor que a deflagração da ADPF surta, por si, o efeito de suspender as demandas em curso, o que não ocorre. Não há que se falar, portanto, em desrespeito à autoridade da Suprema Corte, ao contrário do articulado pela requerida.
Isso não impede, por certo, que o Juízo possa eventualmente impor a suspensão das causas, sempre que a sua tramitação se revelar contraproducente. Ou seja, sempre que eventual deliberação quanto a uma causa molecular - como ocorre em demandas coletivas e no controle concentrado de validade de normas - puder contribuir para uma solução mais ágil dos processos, inibindo eventuais recursos ou mesmo viabilizando soluções consensuais. No caso, ao menos nesta etapa da demanda, e sem prejuízo de eventual reexame, não diviso aludido contexto.
INDEFIRO, por conta do exposto, o pedido de suspensão desta causa, ressalvando eventual nova apreciação do tema adiante.
2.10. Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. . Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.11. Legitimidade das partes - caso em exame:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a parte autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, os seu benefício previdenciário estaria sendo alvo de descontos indevidos. Ela deduziu pretensão nome próprio, na defesa de interesse próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15.
Por seu turno, o INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios em consignação de pagamentos, no âmbito de prestações previdenciárias. Segundo a peça inicial, a autarquia teria sido descuidada ao promover aludidos descontos mensais, mediante averbação de contrato que a autora disse não ter celebrado.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
Acrescento que a associação requerida figura como demandada no presente processo, dada a alegação - formulada pelo autor na peça inicial - de que referida instituição financeira teria sido destinatária dos desbastes, no benefício previdenciário, impugnados nesta causa. Saber se a pretensão procede no que toca à mencionada instituição financeira é questão a ser aferida com exame de mérito.
2.12. Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.13. Litisconsórcio - caso em exame:
No presente caso, não diviso um contexto de litisconsórcio necessário, a ensejar que a parte autora enderece sua pretensão em face de quem ainda não figure como litigante, de modo a convocá-lo para a demanda. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora não atingirá diretamente a esfera de terceiros, o que registro para os fins do art. 506, CPC.
2.14. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo
Abelha
.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.15. Interesse processual - considerações gerais:
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para que haja efetivo império da lei, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de
tutela
jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a ação declaratória:
"Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.16. Interesse processual - caso em exame:
No que toca a esse exame de ofício, conforme art. 485, §3, CPC -, a autora atendeu aludidos requisitos. Eventual acolhimento da pretensão lhe será útil; a medida revela-se necessária para a otimização do processo administrativo de titulação; por fim, o processo em causa é adequado ao fim visado. Logo, o art. 17, CPC, restou satisfeito. Não há maiores sinais de que a pretensão do requerente seria satisfeita no âmbito administrativo.
Ademais, o exaurimento do debate, no âmbito administrativo, não é condição para a deflagração de demandas como a presente, em juízo. O requerente insurge-se justamente contra a demora no procedimento de titulação, de modo que não se pode condicionar a deflagração desse processo ao aguardo da solução da causa no âmbito extrajudicial.
2.17. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.18. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a autora atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão - obtenção do dobro do valor descontado + reparação de danos morais (valor da causa: R$ 15.360,00).
2.19. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira: "
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, atualmente definido em
R$ 7.507,49
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF Nº 26, de 10 de janeiro de 2023.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.20. Gratuidade de justiça - eventual pedido de associação:
Quando se cuida, porém, pedido de gratuidade deduzido por pessoa jurídica, a presunção prevista no art. 99, §2º, CPC, não se aplica. Em tal caso, a entidade deve comprovar a situação de precariedade financeira.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO. SÚMULA 316/STJ. SINDICATO. JUSTIÇA GRATUITA. ESTADO DE POBREZA. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA, REFORMANDO O ACÓRDÃO RECORRIDO, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. "Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial" (Súmula 316/STJ). 2. "
Na linha da jurisprudência da Corte Especial, as pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza"
(EREsp 1.185.828/RS, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, Corte Especial, DJe 1º/7/11). 3. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, negar provimento ao agravo de instrumento do SINDISPREV/RS. ( EAg 1245766/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, julgado em 16/11/2011, DJe 27/04/2012)
SINDICATO. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE PROVA DA MISERABILIDADE. INSUFICIÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE POBREZA. I - As pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza. Precedentes: EREsp nº 1.185.828/RS, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, DJe de 01/07/2011 e AgRg no AgRg no REsp nº 1.153.751/RS, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 07/04/2011. II - Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 130.622/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 17/04/2012, DJe 08/05/2012) -
PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. SINDICATO. NÃO COMPROVAÇÃO DE MISERABILIDADE JURÍDICA. 1. "...as entidades sindicais possuem a função de representar os interesses coletivos da categoria ou individuais dos seus integrantes, perante as autoridades administrativas e judiciais, e em razão de terem revertidas a seus cofres as mensalidades arrecadadas de seus associados, formando fundos para o custeio de suas funções, entre as quais função de assistência judiciária. Assim, descabe a concessão da assistência judiciária gratuita, salvo se comprovada a necessidade do benefício" ( AgRg no REsp. 963.553/SC, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJU 07.03.2008 e REsp 876812 / RS, Relator (a): Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, DJe 01/12/2008). No mesmo sentido, vejam-se os seguintes julgados, proferidos por esta e. Corte: AC 200734000228892, Segunda Turma, Desembargador Federal Francisco De Assis Betti, e-DJF1, Data: 02/04/2009, Página: 194. 2. É firme o entendimento dos Tribunais pátrios que os sindicatos e associações fazem jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, mediante comprovação da necessidade do benefício. 3. Na hipótese dos autos, verifica-se que pressuposto fático necessário à avaliação e acolhimento do pedido, qual seja, a miserabilidade jurídica, não foi atendido pelo apelante. 4. Apelação improvida. (AC 2008.38.00.009635-4/MG, Rel. Desembargadora Federal Ângela Catão, Primeira Turma, e-DJF1 p.46 de 18/01/2012)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. REVISÃO GERAL ANUAL DE REMUNERAÇÃO. ART. 37, X, DA CF/88, COM A REDAÇÃO DA EC 19/98. LEI 10.697/03. VANTAGEM PECUNIÁRIA INDIVIDUAL. LEI 10.698/03. CONCESSÃO DE REAJUSTE SALARIAL PELO ÍNDICE DE 14,23%. AUSÊNCIA DE DIREITO. PRECEDENTES. JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDA. AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO NÃO PROVIDOS. 1. "Somente pode ser deferido o pedido de assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica sem fins lucrativos quando na defesa de seus próprios direitos" (TRF-1ª Região, AG 0037923-22.2005.4.01.0000/BA, Segunda Turma, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, DJ 8.7.2010), situação inocorrente na espécie, já que o Sindicato autor atua na defesa de interesse de seus filiados. "Ao sindicato, pessoa jurídica de direito privado, independentemente de ter fins lucrativos, impõe-se o ônus de comprovar a insuficiência de recursos financeiros para arcar com as custas do processo para que lhe seja deferido o benefício da assistência judiciária gratuita" (TRF-1ª Região, AGA 0075250-59.2009.4.01.0000/DF, Primeira Turma, acórdão de minha relatoria, DJ 6.7.2010), o que também não se verifica nos autos. (...) 4. Apelação a que se nega provimento. (AC 2008.38.00.033486-0/MG, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Primeira Turma, e-DJF1 p.323 de 25/11/2011)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. JUSTIÇA GRATUITA. DEMONSTRAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o benefício da justiça gratuita desafia a demonstração da impossibilidade de pagar as custas e despesas do processo, mesmo quando se tratar de pessoa jurídica sem fins lucrativos na qualidade de entidade beneficente de assistência social
. 2. No caso em testilha, a associação não carreou aos autos qualquer documento hábil a demonstrar a hipossuficiência. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento. (TRF-1 - AGTAG: 00268691020154010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY, Data de Julgamento: 27/04/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: PJe 09/05/2022 PAG PJe 09/05/2022 PAG)
Assim, segundo entendimento consolidado dos Tribunais (
súmula 481, Superior Tribunal de Justiça
), quando em causa pedidos de gratuidade de justiça, deduzido por pessoa jurídica - com ou sem escopo lucrativo - a situação de precariedade econômica deve ser comprovada. Eventual condição de entidade filantrópica não exonera a entidade, segundo os Tribunais, da comprovação das dificuldades financeiras.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS PRESTADORA DE SERVIÇOS HOSPITALARES. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 51 DA LEI N. 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. EXIGÊNCIA DE SE TRATAR DE ENTIDADE FILANTRÓPICA OU SEM FINS LUCRATIVOS DESTINADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À PESSOA IDOSA.
1. Segundo o art. 98 do CPC, cabe às pessoas jurídicas, inclusive as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos, demonstrar sua hipossuficiência financeira para que sejam beneficiárias da justiça gratuita. Isso porque, embora não persigam o lucro, este pode ser auferido na atividade desenvolvida pela instituição e, assim, não se justifica o afastamento do dever de arcar com os custos da atividade judiciária. 2.
Como exceção à regra, o art. 51 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) elencou situação específica de gratuidade processual para as entidades beneficentes ou sem fins lucrativos que prestem serviço à pessoa idosa, revelando especial cuidado do legislador com a garantia da higidez financeira das referidas instituições
. 3. Assim, não havendo, no art. 51 do Estatuto do Idoso, referência à hipossuficiência financeira da entidade requerente, cabe ao intérprete verificar somente o seu caráter filantrópico e a natureza do público por ela atendido. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.742.251/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022.)
2.21. Gratuidade - pedido da parte autora:
No que toca à parte autora, a solução é distinta, porquanto a legislação veiculou uma presunção relativa, decorrente da subscrição de termo de hipossuficiência, conforme art. 99, §2, CPC.
Cabe à parte demandada infirmar aludida presunção, apresentando comprovantes de que o demandante tenha rendimentos mensais superiores ao teto dos benefícios do INSS. No caso, aludida prova não foi encartada nos autos, de modo que a autora faz jus à gratuidade de justiça
.
A medida surte reduzidos efeitos, porém, no rito dos Juizados, em primeira instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995.
2.22. Prescrição - considerações gerais:
Registro que o
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da
actio nata
, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, F. C. Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.23.
Prescrição
de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito:
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do
fundo de direito
(art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
Atente-se também para a distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescriçãocontinua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
. Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
2.24.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso;
superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.25. Prescrição
- situação em exame:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à prescrição quinquenal, prevista no art. 1º, do
decreto 20.910, de 1932
. O prazo de 05 anos deve ser computado a partir da data em que o autor tenha tomado conhecimento da existência de descontos em seu benefício previdenciário. No curso de eventual processo administrativo, o cômputo da prescrição resta suspenso - art. 4 do decreto 20.910/32. Não se operou a prescrição de fundo de direito.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROGRESSÃO FUNCIONAL HORIZONTAL. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DO DIREITO PELA ADMINISTRAÇÃO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA 85/STJ. SÚMULA 568/STJ.
No caso dos autos, não se discute violação do fundo de direito, mas sim o não pagamento de valores decorrentes de obrigação de trato sucessivo. Isso porque a servidora, ao não ser beneficiada com a progressão funcional garantida na legislação municipal, vê caracterizada uma omissão da Administração, renovada mês a mês, uma vez que não houve nenhum ato concreto negando o direito, mas uma inadimplência em relação jurídica de trato sucessivo
. Logo, somente as parcelas vencidas há mais de 5 anos da propositura da ação devem ser consideradas prescritas nos termos da Súmula 85 do STJ. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 875628 MG 2016/0054585-5, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/08/2016, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2016)
No caso, portanto, a pretensão do(a) demandante não foi atingida pela prescrição, como se infere dos documentos encartados no movimento-1. Acrescento que, no âmbito da
ADPF 1236
, o STF determinou a suspensão do cômputo da prescrição de todos os potenciais atingidos pela decisão a ser proladata naquela demanda.
2.26. Eventual caducidade:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso, no que toca à relação mantida com o INSS,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais.
2.27. Eventual
decadência
- aplicação do CDC:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial)
(...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
No caso em exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.28.
Cogitada aplicação do regime consumerista ao caso:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses. Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 -
O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 - Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso.
Tudo conjugado, o CDC não se aplica ao caso, eis que a relação entre a demandante e a associação é de natureza civil, não configurando a venda de produtos ou prestação de serviços no mercado. Tampouco incide na relação entre o autor e o INSS, eis que regrado pelo direito administrativo em sentido estrito, conforme art. 37, Constituição
.
2.29. Considerações gerais sobre o instituto do contrato:
O contrato é projeção da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas que tenham sido avençadas. Em caso de descumprimento, eventuais cláusulas penais - se pactuadas - podem ser invocadas como meios de dissuasão do inadimplemento.
É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade das avenças, que os seus resultados sejam tidos em conta (por exemplo, isso se dá com a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51, CDC/1990 e arts. 478-480, CC/2002).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, Código Civil/2002.
Como explicita Judith Martins-Costa,
"
A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado
."
(Judith Martins-Costa.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.30. Funcionalização dos contratos:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo. A funcionalização implica que o pacto pode restar inválido caso haja iniquidade nos seus efeitos.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavisada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.31. Eventuais
novações
contratuais:
Com cognição precária
, anoto que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
Assim, caso o(a) demandante tenha celebrado novações contratuais com a parte requerida, isso não impedirá a revisão da avença, observados os limites da pretensão deduzida em juízo.
2.32. Eventuais contratos bilaterais:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.33. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.34. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.35. Eventual
simulacro
de negociação:
Eventual emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito
implica a própria ausência do pacto
. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.36.
Liberdade de associação:
Outro tema diz respeito à garantia do art. 5º, XX, CF:
"
Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado
."
No dizer de Ingo W. Sarlet,
"A liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa, incluindo, além das cooperativas (expressamente contempladas pelo texto constitucional), as associações comerciais, de natureza cultural, esportiva etc., não importando a nomenclatura, de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade."
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Curso de direito constitucional.
3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 520).
Ainda segundo Sarlet,
"Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação, mais precisamente, da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais (p.ex., Conselhos de Medicina, Odontologia, Engenharia, Advogados etc.), mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é a de que a associação exerça uma função pública, para cujo funcionamento a filiação constitui exigência."
(SARLET, Ingo Wolfgang
et al
.
Obra citada,
p. 526).
Logo, a associação é projeção de um direito potestativo: a escolha de se vincular a uma agremiação, o que encontra paralelo no direito de desvincular-se, sendo o caso.
2.37. Consignação em pagamento - desconto em folha:
Deve-se ter em conta, ademais, o
art. 115, lei n. 8.213
, de 1991, com a redação dada pela lei nº 13.846, de 2019, ao preconizar que podem ser desbastados dos benefícios pagos pelo INSS os valores pagos a maior do que o devido.
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II -
pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento
;
(...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Para tanto, contudo, quando em causa consignação em pagamento de contratos de mútuo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc - comprometem a validade da averbação.
Desse modo, sempre que evidenciados vícios no alegado negócio jurídico, o Poder Judiciário deverá assegurar o retorno ao
status quo ante,
o que implica a restituição ao segurado dos valores descontados indevidamente no seu benefício previdenciário. Caso tenham sido depositados valores indevidos na conta do pretenso mutuário, a quantia deverá ser restituída ao agente financeira, na forma do art. 884, Código Civil/2002 e art. 169, Código Penal, exceção feita aos casos em que o valor tenha sido depositado sem conhecimento do segurado, tendo sido gasto com boa-fé, sem perceber o equívoco cometido.
Atente-se para a lógica dos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II -
Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração
. III - Recurso Especial não provido.
(REsp 1550569/SC, STJ, 1ª Turma, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 18-05-2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1.
Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido
.
(REsp 1553521/CE, STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02-02-2016)
2.38. Requisitos da responsabilização civil - exame precário:
Como sabido, o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - isto é, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico. O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade econômica, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização.
Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.39. Responsabilização estatal por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Por conseguinte, em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.40. Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.41. Reparação de danos morais - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro,
"dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial."
(PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos,
"
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano
. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo,
"
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo,
"conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é consequência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo
. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Dano moral indenizável.
4ª ed. rev. SP: RT, 2.003, p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da
responsabilidade
civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa vênia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal.
Reporto-me aos seguintes julgados:
".... I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
"Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo." STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.42.
Pagamento do
dobro
descontado:
Registro que o CDC não se aplica à relação travada entre o autor e o INSS, dado não serem aplicáveis ao caso o art. 3º e 22, da lei n. 8.078/1990. Note-se que não está em debate neste processo eventual prestação de serviço público remunerado por meio de tarifas. Tanto por isso, não se aplica ao conflito havido entre o autor e o INSS o disposto no art. 42, CDC, que preconiza o direito do consumidor em receber o dobro do que porventura ele tenha pago indevidamente.
Em princípio, mesmo que se supusesse a aplicação do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, ao presente caso, tem-se que
"A lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de queo consumidor tenha pago.
Isto é, para ter direito a repetir o dobro, é preciso que a cobrança seja indevida e que tenha havido pagamento pelo consumidor. A hipótese legal soa estranha, uma vez que não parece normal que alguém que não deva pague novamente
. Mas os pagamentos em função de cobrança indevida não são raros."
(RIZZATTO NUNES.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 544)
Atente-se para os seguintes julgados, versando sobre o alcance do referido art. 42, CDC:
"(...)
Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor
." (RESP 200500278731, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:06/12/2012 ..DTPB:.)
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE E O RECURSO NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE ANTE O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. I - Na decisão agravada, além de entender que o recorrente não teria logrado demonstrar de plano como o aresto hostilizado teria malferido os artigos elencados na peça recursal, entendeu-se que tais dispositivos não teriam sido devidamente prequestionados, o que ensejou a incidência da Súmula nº 282/STF. Desse modo, não infirmado este último fundamento, o qual é autônomo e suficiente para manter o julgado quanto ao ponto, aplica-se a Súmula nº 283 do STF. II -
Esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que, somente quando caracterizada a má-fé na cobrança indevida, é cabível a aplicação do art. 42 do CPC (restituição em
dobro
do valor pago indevidamente)
. Precedentes: AgRg no REsp nº 1.245.373/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011; REsp nº 1.250.314/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 10/06/2011; REsp nº 1.231.803/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 31/03/2011. III - Tendo o Tribunal de origem entendido que não se havia comprovado má-fé na conduta da ora recorrida, forçoso reconhecer que, para rever o juízo ordinário acerca da ausência da má-fé, na espécie, se mostra indispensável a análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV - Agravo regimental improvido. ..EMEN:(AGRESP 201102817155, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:09/10/2012 ..DTPB:.)
Tampouco se poderia aplicar ao caso o art. 940 e 941, do Código Civil, de 2002, alvo dos lúcidos comentários de Maria Helena Diniz como segue:
"Responsabilidade do demandante por débito já solvido: O artigo sub examine trata do caso do excesso de pedido, ou seja, do re plus petitur (Revista do Direito, 59:593, RT, 804:189, 799:363), com o escopo de impedir que se cobre dívida já paga, e
só será aplicável mediante prova da má-fé do credor
, ante a gravidade da penalidade que impõe.
Assim, quem cobrar judicialmente dívida já paga, no todo ou em parge, sem ressalvar o
quantum recebido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.
Responsabilidade por cobrança de quantia indevida - Se o credor vive a pedir mais do que lhe for devido, deverá pagar ao devedor o equivalente ao dobro do que dele exigir
. (...)
Desistência da ação. Se o autor desistir da ação antes da contestação ad lide, as penas dos arts. 939 e 940 não lhe serão aplicadas, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Isto porque, com a desistência, o autor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-se do que fez. Todavia, mesmo assim, deverá pagar as custas processuais do processo intentado, embora não as pague em dobro." (DINIZ, Maria Helena.
Código Civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 702-704. Omiti parte do texto)
Vê-se que a sanção do art. 940, Código Civil/2002, somente seria cabível quando demonstrada a má-fé daquele que cobrou dívida já adimplida. Semelhante é a orientação jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA EM EXCESSO. ARTIGO 940 DO CC/2002. MÁ-FÉ DO CREDOR. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2.
Consoante a jurisprudência desta Corte, somente quando comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida é que ela ficará obrigada a devolver em dobro o que cobrou em excesso
. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 4. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou os elementos fáticos dos autos para afastar a litigância de má-fé quanto à cobrança do valor em excesso e para distribuir os encargos sucumbenciais. Dessa forma, inviável o conhecimento do recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201101253069, ANTONIO CARLOS FERREIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:31/10/2014 ..DTPB:.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na fixação da reparação por danos morais leva-se em conta o critério de razoabilidade, tendo em vista as circunstâncias da causa. 2.
Para que haja o pagamento em dobro da dívida já paga (art. 940 do Código Civil) é necessária comprovação de má-fé do credor
. Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (AC 00422684520074013400, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:27/05/2013 PAGINA:829.)
Registro, d'outro tanto, que o Superior Tribunal de Justiça
consolidou sua jurisprudência em sentido distinto
, como registro abaixo:
"CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2.
Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo
. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021.).Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.modulação dos efeitos". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão" .5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12.2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021) .6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS.Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante.CONCLUSÃO 8. Embargos de Divergência não providos."(STJ - EAREsp: 1501756 SC 2019/0134650-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)
Note-se, porém, que o STJ modulou os efeitos desta decisão:
"A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "
o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
."
A publicação do acórdão
EAREsp 600.663/RS
, da Corte Especial do STJ -
DJe de 30.3.2021
.
Ainda nesse sentido, leia-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL. COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS RECONHECIDA EM AÇÃO PRETÉRITA. PRETENDIDO O AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. ACOLHIMENTO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE QUE A RESTITUIÇÃO EM DOBRO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE NO ÂMBITO DE RELAÇÃO CONSUMERISTA DISPENSA A COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DA CORTE CIDADÃ. TESE JURÍDICA QUE SE APLICA SOMENTE ÀS COBRANÇAS REALIZADAS APÓS A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NAQUELE TRIBUNAL. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. 24. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo,
fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.(...) 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados
. 27.
Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
.TESE FINAL (...) 29. Impõe-se modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a [...] (TJ-SC - APL: 03007478320178240082, Relator: Carlos Roberto da Silva, Data de Julgamento: 01/12/2022, Sétima Câmara de Direito Civil)
Assim, a nova orientação jurisprudencial se aplica quanto às cobranças indevidas
promovidas a partir de 30 de março de 2021
.
2.43.
Eventual aplicação do
art. 935
, Código Civil:
Sabe-se que há diferença entre injusto administrativo e crime. Há distintos graus de responsabilização jurídica, de modo que - mesmo quando afastada a suspeita criminal - pode ainda subsistir lastro para a aplicação de sanções administrativas ou de outra ordem
.
Mal comparando, alguém pode ser absolvido da acusação da prática de crime contra a ordem tributária e, ainda assim, ser alvo de multas fiscais, por conta do disposto no art. 136 do Código Tributário Nacional, por exemplo. Também é certo, todavia, que o Estado não pode se contradizer. Não há como o Estado imputar ao sujeito a prática de um fato se, com cognição
exaustiva
, a própria Administração Pública reputa que tal conduta não teria ocorrido ou que o sujeito em questão não tenha sido seu autor.
Deve-se atentar, tanto por isso, para a redação do art. 935, CC:
"A responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal
."
Cumpre não perder de vista que a jurisdição criminal é infensa a consensos probatórios e a ficções jurídicas
contra libertatem
. Isso significa que, como regra, o exame probatório promovido na temática penal é mais denso do que aquele levado a efeito em outros âmbitos. Sempre que a jurisdição criminal sustentar, em decisão transitada em julgado, que o fato imputado não teria ocorrido ou que o sujeito não o teria praticado, isso deve ser respeitado pelo Estado em todas as suas esferas de atuação, para distintos efeitos de responsabilização civil/administrativa.
Essa mesma solução não parece se aplicar, todavia, quando a sentença absolutória, prolatada pelo juízo criminal, tenha sido calcada no reconhecimento de nulidades ou quando estiver fundada em
non liquet
(ou seja,
in dubio pro reo
). Em tais casos, o juízo de imputação administrativa não fica inibido, eis que depende de graus menores de convicção probatória. Com idêntica lógica, se o Ministério Público houver promovido o arquivamento de um inquérito policial, atestando, de forma peremptória, ter sido comprovado que o aventado fato ilícito não teria ocorrido ou que, quando ocorrido, que o suspeito não teria sido seu autor, então aludida promoção de arquivamento, quando acolhida judicialmente, surtirá efeitos transcendentes, atingindo também processos cíveis, tributários, administrativos. Caso, porém, a promoção de arquivamento houver sido fundada em ausência de justa causa para uma arguição penal, por ausência de provas suficientes, então tal medida não vinculará as demais esferas do discurso jurídico, conforme art. 935, CC/2002.
Enfim, não se invocar essa transposição automática de efeitos, do sistema de justiça criminal para a jurisdição cível, quando uma apuração criminal tenha sido arquivada por ausência de justa causa para a deflagração de uma arguição criminal, diante do que preconiza o art. 18, CPP e diante da lógica da conhecida súmula 524, STF, em leitura
a contrario sensu.
Atente-se para a lógica da argumentação de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves sobre o alcance do art 935, Código Civil, ainda que tendo em conta o processo de improbidade administrativa:
"Os atos ilícitos praticados pelo agente público podem acarretar a sua responsabilidade penal, civil e administrativa, sendo cada qual perquirida perante o órgão competente.
Conforme fora visto, a Lei 8.429/1992 é expressa ao dispor que as penalidades cominadas em seu art. 12 serão aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. Esse preceito, de natureza eminentemente material, visa a dirimir quaisquer dúvidas no sentido de que a aplicação de determinada sanção em uma seara não agasta as sanções passíveis de aplicação nas demais.
Ainda que única seja a conduta, poderá o agente sofrer sanções de natureza penal, desde que haja a integral subsunção de seu ato a determinada norma incriminadora; administrativa, em restando configurado algum ilícito dessa natureza; e civil, que apresenta natureza supletiva, podendo importar na complementação do ressarcimento dos danos causados ao Poder Público, política etc.
No que concerne às sanções passíveis de aplicação ao ímprobo, a independência entre as instâncias se apresenta absoluta, mas é tão somente relativa quanto à possibilidade de interpenetração dos efeitos da decisão proferida em uma seara nas demais.
Em um primeiro plano, cumpre perquirir os efeitos da sentença penal em relação à persecução da conduta do agente nas esferas cível e administrativa. Sobre a correlação existente entre a actio civilis ex delicto e a responsabilidade penal, tema fecundamente estudado pela doutrina penal e perfeitamente aplicável à espécie, os vários sistemas legislativos podem ser ordenados em quatro grandes grupos: o da solidariedade, o da concussão , o da livre escolha e o da independência
.
Nos países que adotam a solidariedade, há duas ações diferentes, uma penal, outra civil, mas no mesmo processo e diante do mesmo juiz, o criminal. Na confusão, existe uma única ação, civil e penal ao mesmo tempo, possibilitando um direito amplo de pedir ao órgão jurisdicional a reparação por inteiro do malefício causado pelo crime, quer ao interesse geral, quer ao particular. No sistema da livre escolha é permitido cumular as duas ações no processo penal; é uma cumulação facultativa, aplicando-se o brocardo electa una via non datur recursus ad alteram. Por derradeiro, no sistema da independência, a ação civil somente pode ser proposta no juízo cível, concedendo-se a este a faculdade de suspender o curso do processo civil até o julgamento definitivo do criminal.
Realizado um breve resumo dos sistemas existentes, é possível afirmar, à luz do disposto nos arts. 935 do Código Civil de 2002, 110 do CPC/ 1974, 315 do CPC/2015 e 64 do CPP, que o ordenamento jurídico pátrio adotara, até o advento da Lei n. 11. 719/2008, o sistema da independência, de modo que as instâncias civil e penal permaneciam alijadas uma da outra
. Após a Lei n. 11.719/2008, que conferiu nova redação ao art. 387, IV, do CPP para dispor que o juiz, na sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", passamos a ter um sistema de independência com influxos de confusão. Falamos em influxos de confusão e não propriamente em confusão, por três razões básicas: (1) o ofendido pode pleitear a reparação na esfera cível paralelamente à tramitação do processo penal; (2ª) o juiz com competência criminal não julga, em linha de princípio, a lide civil, limitando-se a estabelecer um valor mínimo para a reparação do dano; e (3ª) a teor do art. 63, parágrafo único do CPP, poderá o ofendido promover a execução do "valor fixado nos termos e do inciso IV do caput do art. 387 deste Código,sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido", liquidação esta que será realizada pelo juízo cível.
Na medida em que o processo penal e o processo cível puderam tramitar juntos, terá o juízo cível a faculdade de suspender o processo cível sempre que tiver razões ponderáveis para tanto, sendo certo que esta faculdade deve ser exercida com cuidado e ponderação, pois o tempo, que atua de forma furtiva e eficaz, é um algoz incansável do tão sonhado ideal de Justiça, não sendo exagero afirmar que a concreção deste se distancia na mesma proporção em que aquele flui.
Por ser mera faculdade, não vislumbramos uma relação de prejudicialidade entre a ultimação do processo penal e o prosseguimento da ação civil e do procedimento administrativo que visam a perquirir a conduta do ímprobo, nada impedindo que estes sejam instaurados e encerrados antes daquele
. No entanto, em sendo julgada a pretensão deduzida na ação penal anteriormente às demais, fará ela coisa julgada nas esferas administrativa e cível sempre que reconhecerem: a) ter sido o ato praticado em circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal e arts. 65 e 386, VI, do CPP); b) a inexistência material do fato (arts. 66 e 386, I, do CPP); c) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, art. 935 do Código Civil de 2002 e art. 1.525 do Código Civil de 1916). Note-se que tais efeitos somente alcançam os fatos discutidos no processo, permanecendo a possibilidade de livre valoração em relação aos demais.
Em havendo absolvição por ausência de provas (art. 386, II e VII, do CPP) ou por não constituir o fato infração penal (386, III, do CPP), poderá a questão ser amplamente examinada nas esferas cível e administrativa. O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que sequer for deflagrada a ação penal, havendo o arquivamento do procedimento inquisitorial respectivo (art. 67, I, do CPP).
No caso de condenação criminal, tornar-se-á certa a obrigação de reparar o dano causado, servindo a sentença de título executivo judicial (art. 91 do CP, art. 584, II, do ACP/1974 e art. 515, VI, do CPC/2015).
Tratando-se de conduta que se subsuma a um tipo penal, mas que não configure ilícito administrativo (crimes não funcionais), por óbvio, a sentença absolutória, qualquer que seja sua fundamentação, sempre influirá na esfera administrativa, já que a competência para valorar os fatos era exclusiva do Poder Judiciário. Nos crimes não funcionais, considerados como tais aqueles dissociados dos deveres administrativos, quando a condenação importar na aplicação de pena privativa de liberdade superior a quatro anos, o agente, como efeito da condenação, perderá o cargo, a função ou mandato eletivo (art. 92, I, b, do CP); em se tratando de pena inferior a quatro anos, será ele normalmente afastado de suas atividades até o seu cumprimento. A depender do ilícito penal e do que dispuser o estatuto regente da categoria, a condenação criminal poderá caracterizar a incontinência de conduta ou o procedimento irregular de natureza grave motivadores da sanção de demissão
.
Ainda que a conduta não caracterize nenhum ilícito penal, entendemos que a decisão proferida pelo juízo cível ao apreciar o ato de improbidade, observadas as mesmas circunstâncias relativas à sentença penal, influirá na esfera administrativa.
Restando provada, verbi gratia, a inexistência do fato perante o Poder Judiciário, seria no mínimo insensato entender-se legítima uma penalidade aplicada em procedimento administrativo com base no mesmo fato. Seria injurídico entender que o fato não existe perante a Justiça, mas representa substrato adequado para embasar uma punição de ordem administrativa
.
Essa comunicabilidade entre as instâncias tem o seu alicerce no art. 5º, XXXV, da Constituição, o que garante o amplo acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito. No exemplo sugerido, a ilegalidade e a lesão ao direito do agente seriam flagrantes, pois qualquer punição pressupõe uma conduta em desacordo com as normas legais; inexistindo conduta e, ipso facto,motivo para a prática do ato administrativo, afigura-se ilegal a punição."(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco
.
Improbidade
administrativa.
7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 678-681)
A tanto convergem o art. 66, CPP, e o art. 126, da lei n. 8.112/1990. Em determinados casos, quando a questão criminal se constituir em tema prejudicial à apreciação da pretensão, deduzida no processo civil, isso pode dar ensejo à suspensão da demanda, na forma do art. 313, V, "a", Código de Processo Civil/15, podendo ensejar a suspensão da prescrição, caso os requisitos do art. 200, Código Civil, tenham sido atendidos.
Atente-se para o seguinte julgado:
"
(...) A turma julgadora da Câmara Criminal entendeu por bem em absolver o réu, fundamentando-se no brocardo in dubio pro reo.
Porém, na esfera cível é diferente. Como o próprio magistrado fundamentou em seu despacho de fis. 227 e 228, enquanto na esfera criminal está em jogo a liberdade do cidadão, na cível o que prevalece é o aspecto patrimonial
.
Na esfera cível, para que nasça a obrigação de reparar, necessário que estejam presentes pressupostos, a saber: a conduta, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquela e a culpa, sendo que os três primeiros são exigidos em toda forma de responsabilização civil, enquanto que na responsabilidade objetiva o elemento subjetivo se mostra dispensável - diante do que se convenciona nominar responsabilidade sem culpa.
Existe, portanto, independência das responsabilidades cível e criminal.' (e-STJ, fls. 361 ⁄ 365). Ao reconhecer a responsabilidade civil do agravante pelo acidente, a despeito da existência de decisão criminal absolutória, a Corte a quo decidiu em consonância com o jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, eis que a responsabilidade civil independe da criminal e o grau de culpa exigido em ambas a s esferas é diferente, somente existindo vinculação quando o provimento criminal afasta a existência do fato ou a autoria, o que não ocorreu no caso.
A título ilustrativo, confira-se os seguintes precedentes:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. PRODUÇÃO
DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL ATÉ A CONCLUSÃO DA AÇÃO PENAL. SÚMULA Nº 83 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
3. A responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal que, a despeito de reconhecer a culpa exclusiva da vítima pelo acidente, não ilide a autoria ou a existência do fato. 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1483715 SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO
, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.05.2015, DJe 15 05 2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7⁄STJ. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. EFEITOS. DECISÃO MANTIDA. (...) 2. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou a prova dos autos para concluir que o evento danoso decorreu de conduta
imprudente do ora agravante. Alterar tal conclusão demandaria
o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, a teor
do disposto na mencionada súmula.3.
É pacífico no âmbito desta Corte o entendimento de que,
devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos
. 4. Agravo regimental a que nega provimento." (AgRg no AREsp 518.502 SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
, QUARTA TURMA, julgado em 19.03.2015, DJe 27.03.2015)
(acórdão do TJ-MG, transcrito em decisão do STJ - AgRg no AREsp: 105683 MG 2011/0247041-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2015)
Por conta disso, eventual absolvição dos arguidos, no âmbito criminal, com lastro na premissa
in dubio pro libertatis,
não se transporta automaticamente para a seara cível, por conta das limitações do aludido art. 935, Código Civil/2002, ao versar sobre a independência relativa entre as esferas cível e penal.
2.44. Distribuição do
ônus
da prova:
Aplico ao caso,
no essencial
, a regra de distribuição do ônus da prova, prevista no art. 373, I e II, CPC/15. Conquanto haja natural assimetria entre a autora e a requerida - autarquia federal, com amplo suporte jurídico e corpo burocrático -, não houve maiores embaraços, na espécie, para que a autora apresentasse elementos probatórios sobre a narrativa dos fatos, promovida na sua petição inicial.
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
Como registrei acima, o CDC/90 não se aplica no que toca à relação entre a autora e a autarquia, demandada nessa causa. Atente-se, p.ex., para o fato de que, nesse âmbito, mesmo quando o requerido não apresenta resposta, sequer é possível aplicar os efeitos da revelia (art 345, CPC/15), dada a indisponibilidade do interesse público primário. Quanto ao INSS, não há como inverter o ônus probatório, com lastro no Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, também se revel incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.45. Inversão do ônus - autenticidade de assinaturas:
Registro, de toda sorte, que - quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
No caso em exame, conquanto não se cuide de alegado vínculo com instituição financeira, a mesma lógica se coloca. Note-se que é dado à associação exigir que a firma seja reconhecida em contratos e outros cuidados a fim de assegurar a autenticidade de quem subscreve o documento. Em caso de impugnação, cabe ao demandado aludido encargo probatório.
2.46. Juízos de abdução:
A distribuição do ônus da prova cuida de um critério de solução da causa, diante da eventual insuficiência da comprovação da veracidade de determinadas asserções. Na forma do art. 373, I, CPC/15, caso a parte autora tenha promovido a narrativa de um fato, apontado como causa da sua pretensão, e a veracidade dessa narrativa não tenha sido comprovada, a pretensão há de ser julgada improcedente. De modo semelhante, caso a parte requerida tenha alegado a ocorrência de um fato obstativo do acolhimento da pretensão da parte autora - por exemplo, causação do dano por um terceiro, desvinculado da sua atividade econômica -, e isso não seja provado, sua impugnação não poderá ser acolhida.
Algo diferente ocorre com os critérios de interpretação dos meios de prova. Nesse âmbito, tem-se em conta a forma como o Juízo deve apreciar os elementos probatórios veiculados nos autos, para fins de reconstrução histórica dos fatos narrados pelas partes
.
Como sabido, indício
"
é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo
"
(MOURA, Maria Thereza.
A prova por
indícios
no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 109). Tais sinais, fundamentando
juízos
de
abdução
, podem amparar um decreto condenatório; desde que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"
Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes
. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI,
Paolo.
A prova no processo penal italiano.
SP:RT, p. 58)
"Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado.
8ª ed., SP: RT, p. 514)
"
Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade
. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios? Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)." (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.
Princípios do processo penal:
entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113.
"
A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar
. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." (Pacelli de Oliveira,
Curso de processo penal,
6ª ed. Del Rey, p. 367).
"Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal.
SP: RT, 2.003, p. 307, grifei.
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema:
"
Uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação
."
(STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035, omiti o restante da ementa). Ademais,
"
Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado
."
(TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti parte da ementa).
Ainda nesse sentido,
"
Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer
."
(TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
Em princípio, cabe a quem alega o ônus da demonstração segura, ou seja, crível e filtrada racionalmente, tanto quanto possível, de que os argüidos teriam praticado, ao tempo reportado pela petição inicial, a conduta imputada, ainda que isso possa ser promovido por meio da conjugação de significativos e consistentes indícios da prática infracional. Sendo isso aplicável na temática processual penal, solução semelhante impõe-se também no âmbito da ação civil pública, com os contornos próprios ao processo civil.
2.47. Eventual apresentação de cópias de diálogos:
No que toca à cogitada apresentação de extratos de conversação mantida por correio eletrônico, telefone ou vídeo - reputo cuidar-se de projeção do precedente Magri - inquérito 657-2, STF. Ora, a Suprema Corte tem reconhecido a validade da gravação, por um dos interlocutores, do diálogo próprio:
"A alegação no sentido de que a prova é ilícita não tem procedência, dado que não ocorre, no caso, violação do sigilo de comunicações (CF, art. 5º, inc. XII), nem seria possível a afirmativa de que fora ela obtida por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI). Não há, ao que penso, ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. A alegação talvez pudesse encontrar ressonância no campo ético, não no âmbito do Direito." (STF, Inquérito n. 657-2, voto do Min. Carlos Mário Velloso)
"
Quanto à prova ilícita: tal como ponderou o ministro relator, dificilmente se encontrará na ordem jurídica reinante algo que nos autorizasse a ver como ilícita essa gravação de uma conversa a dois, por um dos interlocutores. É a ação do terceiro, é a interferência do terceiro - no grampeamento telefônico, na violação da correspondência alheia - que fere determinadas normas expressas na própria Carta da República
.
Quando, entretanto, um dos participantes da comunicação oral ou escrita entende de documentá-la de algum modo, ainda que na inconsciência da outra parte, isso não configura - em princípio - afronta à regra protetiva do sigilo.
O resultado pode variar entre a indiscrição inofensiva e a mais reprovável vilania; mas não há - aí - um ato ilícito. Admitiria que normas protetivas da privacidade, da estatura também constitucional, poderiam ser invocadas em repressão ao uso que um dos interlocutores queira fazer da carta ou da gravação do entendimento a dois, quando visa - por exemplo - a auferir lucro à custa da notoriedade da imagem alheia; um propósito bem diverso daquele de desencadear a ação da Justiça Pública." (STF, Inquérito 657-2, voto do Min. Francisco Rezek)
A Suprema Corte reiterou essas deliberações em outros casos, conforme segue:
"
Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime
-, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). HC indeferido."
(STF, HC 74.678-1/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 15.08.97).
"Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida." STF, HC 75.338-8/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 25.09.98
"Gravação de conversa. A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa. Precedente Inq. 657-2, Carlos Velloso. Conteúdo da gravação confirmado em Juízo. AGRRE improvido." STF, agravo regimental no recurso extraordinário n. 402.031-1/SP, rel. Min. Ellen Gracie, DJU 06.02.2004:
"A gravação de conversa entre dois interlocutores feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa." STF, agravo regimental no agravo de instrumento n. 503.617-7, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 04.03.2005.
Nesse mesmo sentido, leia-se o voto proferido pelo Min. Cezar Peluso ao julgar o
RE 40.717-8, STF
. Assim, em primeiro exame, a apresentação de extratos de tela de diálogos se revela adequada, mesmo que se parta da premissa de que não tenham sido promovidos diretamente pela autora; mas, por alguém pretensamente usando seu nome.
Ninguém pode invocar fato próprio em seu benefício (
non venire contra factum proprium
)
, de modo que a pessoa que porventura tenha se feito passar pela autora (em princípio, estelionato - consumado ou tentado - art. 171, CP) não pode invocar a seu favor privacidade oponível à real titular dos dados. Ademais, ao que parece, aludidos dados foram cedidos pela autora por pessoas que teriam mantido aludidas conversas, dando ensejo à aplicação do precedente Magri-STF.
2.48. Elementos de convicção - exame precário:
No caso em exame, com a peça inicial, o autor apresentou histórico de descontos havidos na prestação previdenciária que lhe seria devida.
Há indicação de desconto mensal a favor da CEBAP - código 273 - no valor de R$ 45,00.
Por seu turno, o INSS apresentou cópia do despacho "Divisão de Consignação em Bene cios, em 09/11/2022", prolatado no processo administrativo de autos n. 35000.001125/2019-50. Apresentou dossiê previdenciário, em nome do autor, indicando descontos de código 273, a favor da CEBAP. Mencionada instituição apresentou documentos no evento 33 concernentes à sua constituição.
Esses são os elementos de convicção até o momento, o que examino com cognição não exaustiva.
2.49. Termo de acordo:
No evento 12, a CEBAP apresentou proposta de acordo:
"a Ré informa que está disposta a realizar um acordo, e, oferece: (i) a restituição em dobro dos valores descontados junto ao INSS, à vista, em até 10 (dez) dias úteis, considerando como termo inicial a data da celebração do acordo, e, (ii) no tocante ao pedido de dano moral, a Ré propõe um acordo de pagamento de até R$1.000,00 (mil reais) a título de dano moral pelo ocorrido, como meio de manter um bom relacionamento com a parte Autora."
A autora manifestou aquiescência com aludida proposta - evento 15. No evento 23, ela desistiu do processamento da sua pretensão, no que tocava ao INSS. No evento 25, a requerida CEBAP postulou que a autora indicasse dados da conta bancária para promoção dos depósitos, o que a autora indicou no evento 28.
No movimento 29, a demandada rescindiu aludido acordo:
"Nos autos, a contestação apresentada pela pa rte ré, foi inserida uma proposta de acordo na contestação que visava o pagamento em dobro do valor descontado, bem como o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) à titulo de danos morais. Diante do exposto, após análise mais aprofundada da proposta e considerando novos elementos que surgiram, a parte autora decidiu revogar a proposta de acordo anteriormente apresentada."
A autora postulou a cominação de multa por litigância de má-fé em desfavor da demandada.
2.50. Rescisão do acordo:
Por conta do postulado da livre iniciativa, é dado às partes desistirem do acordo, antes da sua homologação judicial. Caso isso decorra de espírito de emulação, pode ter de suportar as sanções cominadas no art. 77 e 81, Código de Processo Civil.
Dada a rescisão promovida pela demandada, torno sem efeito a desistência do processamento da causa no tocante ao INSS, eis que já não subsiste o fator determinante da medida. Por outro lado, a causa há de tramitar também em face da associação requerida.
2.51.
Aventada litigância de má-fé:
No que toca à cogitada má-fé, anoto que, ao comentar os arts. 77 e 80, Código de Processo Civil/15, Araken de Assis enfatiza o seguinte:
"Provocar incidentes manifestamente infundados - O art. 80, VI, novo CPC, cogita, ao contrário da regra anterior, na suscitação de incidentes sem razão manifesta. Os incidentes mencionados abrangem os que a lei expressamente trata como tal (u.f., a exceção de suspeição; a impugnação ao benefício da gratuidade) e as pretensões incidentalmente arguidas, processem-se ou não nos autos originais. Os recursos, que se processam incidentalmente, coim autuação apartada (v.g., agravo de instrumento) ou não, merecem a regra específica do art. 80, VI.
O processo constitucionalmente justo e equilibrado conterá apenas os atos e os incidentes realmente imprescindível à sua função técnica (cognição, execução ou asseguração). Entende-se por incidente 'manifestamente infundado' o que revela, à primeira vista, a a consciência da parte de que lhe falta razão, ou seja, não apresenta argumento sério e idôneo ao êxito. Daí por que não basta, à configuração do tipo, a rejeição do incidente.
Em contrapartida, tampouco atende à infração o intento procrastinatório da parte, embora seja inevitável, em virtude da marcha natural do incidente, o desperdício de atividade processual. Por exemplo, alguém demandado em razão de acidente de trãnsito, no lugar do evento (art. 53, V), alega incompetência, pretendendo deslocar o feito para seu próprio domicílio, pretextando que a tramitação do feito naquele local importar-lhe-á dificuldade no acesso à justiça. O fundamento constitucional carece de seriedade e relevância, porque a regra de competência tutela a parte contrária. Em tal hipótese, o incidente é manifestamente contra legem, incidindo o art. 80, VI. Não se localiza, aí, a convicção sincera, porém, errônea, ilidindo o comportamento desconforme ao dever de probidade.
Não é indispensável, por outro lado, a reiteração da conduta reprovável, suposição tirada do uso do substantivo incidente no plural da regra anterior. Basta um só incidente para caracterizar o art. 80, VI." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Parte geral: institutos fundamentais. Volume II - Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 289)
Apreciarei em sentença a alegada improbidade processual da requerida, no que toca à desistência do acordo, no aguardo da homologação judicial. Em primeiro exame, a medida parece situar-se no âmbito da sua autonomia da vontade. De toda sorte, a questão há de ser examinada com maior reflexão por época da prolação da sentença.
2.52. Narrativas veiculadas nos autos:
A parte autora sustentou ter tomado conhecimento da ocorrência de descontos indevidos na sua prestação previdenciária. O INSS argumentou ter observado as regras concernentes à consignação em pagamento - art. 121, lei 8.213/1991. A associação argumentou que a requerente teria aderido voluntariamente aos seus quadros, chancelando os descontos em questão.
A demandante sustentou não ter autorizado os descontos e tampouco ter se associado à referida entidade de classe. Disse que tampouco lhe teriam sido ofertados serviços pela CEBAP.
2.53. Normas que se cogitam aplicáveis ao caso:
Com cognição não exaustiva
, mencionei acima algumas normas suscetíveis de serem aplicadas ao caso no que diz respeito à promoção de descontos em benefícios previdenciários em razão de contratos ou de associação a associações. Tratei da questão alusiva à responsabilização civil dentre outros tópicos, todos com exame precário, ressalvando nova análise por época da prolação da sentença.
2.54.
Diligências probatórias:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que se revele conexa com o pedido e a causa de pedir deduzidos nos autos. Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido.
Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, CPC/15 ou do art. 420, parágrafo único, do CPC/73. Reporto-me ao art. 38, §2, da lei 9.784/99, que versa sobre o processo administrativo:
"
Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
."
2.55. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda.
2.56. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.57. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.58.
Eventual exame grafotécnico - considerações gerais:
O exame grafotécnico destina-se a aferir se determinado grafismo é compatível com aquela produzida por uma determinada pessoa.
Cuida-se, portanto, de um exame de autenticidade de determinados escritos ou mesmo desenhos. No seu âmbito, promove-se a análise - dentre outros tópicos - da carga da escrita, do grau de inclinação de determinados traços; velocidade do escrito; espaçamento entre letras e palavras; altra da palavra em relação às linhas de escrita; se a escrita é linear ou é angulada; a forma como determinadas letras são cortadas etc.
Para tanto, o perito/a perita deve promover a coleta do material gráfico a ser tido como verdadeiro - fornecido, por exemplo, pela parte autora, pela alegada vítima de um crime, por quem questiona um determinado contrato etc. -, para fins de confronto com o documento alvo de impugnação.
Em princípio, revela-se
"
imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada
."
(TJ-MT - APL: 00186724820158110002 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 07/11/2017). Assim,
"é imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada. Há o risco da prova pericial apresentar resultados imprecisos e ambíguos, o que ensejaria a realização de nova perícia.”
(TJMT, AI 126859/2014, de minha relatoria, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Publicado no DJE 12/12/2014)
Destaco, que em situação similar o Setor de Perícias de Polícia Federal já comunicou a este Juízo a inviabilidade de realização dos exames grafotécnicos sem a apresentação dos originais.
"(...)
Os documentos foram apresentados em forma de cópia. Os exames grafoscópicos devem ser preferencialmente realizados sobre as vias originais, pois em cópias as minúcias mais sutis da escrita não se encontram reproduzidas e o grau de certeza atingível nas conclusões é impactado negativamente – quanto menor a qualidade da cópia, menor o grau de certeza possível
. Em observância ao disposto na Orientação Técnica nº 15/2019-DITEC/PF, que padroniza os exames documentoscópicos no âmbito da Polícia Federal, como regra, os exames em cópias são realizados apenas quando a solicitação de exame declara explicitamente a inexistência ou indisponibilidade das vias originais (Art. 3º § 1º, Art. 8º parágrafo único).
6. A combinação dos dois problemas acima descritos inviabiliza a realização dos exames a partir do material ora apresentado.
7. Para que o exame seja viabilizado, é necessário providenciar: (...) [2] a via original do documento questionado, ou seja, o contrato apresentado no evento 8 (CONTR6). - autos 50370163620194047000).
2.59. Honorários
periciais
- gratuidade de Justiça:
O arbitramento de honorários periciais,
no regime da gratuidade de justiça
, no âmbito da Justiça Federeal, é regulamentado pela
Resolução n. 305
, de 07 de outubro de 2014, CJF. Por outro lado, tratando-se de perícia realizada perante a Justiça Federal e não se enquadrando na área de engenharia, contábil e ciências econômicas, o valor mínimo de R$ 62,13 e máximo de R$ 248,53.
Note-se que o limite de pagamento dos honorários periciais é do triplo do máximo, redundando em
R$ 745.59
, o que se revela insuficiente, em muitos casos, para remuneração do perito judicial, profissional liberal que atua sob regime de livre iniciativa.
Não há como o Juízo obrigar as partes a aceitarem eventual orçamento apresentado pelo(a) perito(a). Tampouco pode obrigaro o(a) perito(a) a promover a diligência probatória pelo valor ofertado pelas partes
.
Em princípio, aludido valor é aplicável à totalidade dos demandantes, conquanto se possa cogitar que - caso houvessem distribuído demandas autônomas, 01 autor por processo - cada um faria jus então à cota de até R$ 745,59. No mais das vezes, porém, a multiplicidade de demandantes não altera o limite inerente aos honorários sucumbenciais. E, ainda que assim não fosse, cogita-se que, no caso, os honorários superariam até mesmo o montante corresndente a R$ 745,59 multiplicado pelo número de requerentes.
Assim, há uma aparente dificuldade quanto ao custeio de eventual perícia. Isso não implica, por si, a inversão do ônus da prova, com registrei acima, por conta da adequada exegese do art. 373, §1, CPC/15
. Nâo há como o orçamento da Justiça Federal assumir encargos superiores ao mencionado. Isso não impede que os eventuais postulantes da diligência se predisponham a antecipar aludidos honorários periciais, caso se revelem suepriores ao limite acima detalhado.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento desta demanda e a sua submissão ao rito dos Juizados.
3.2. DESTACO que, no presente caso, não vislumbro um contexto de conexão processual, para fins de reunião e julgamento conjunto das demandas, conforme art. 55, §1, CPC/15 e leitura
a contrario sensu
235, Superior Tribunal de Justiça.
3.3. REGISTRO que não diviso sinais de desrespeito à garantia da coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição, art. 508, CPC), indicativos de eventual litispendência (art 337, §2, CPC), tampouco sendo caso de suspensão da tramitação da demanda - art. 313, CPC.
3.4. SUBLINHO que, ao prelibar a peça inicial da ADPF 1236, a Suprema Corte não determinou a suspensão das causas em tramitação versando sobre o tema presente, conquanto tenha determinado a suspensão do cômputo da prescrição da pretensão dos pensionistas/aposentados, alegadamente atingidos por descontos indevidos em seus benefícios previdenciários.
3.5. REPUTO que a partes estão legitimadas para a causa; que a peça inicial é apta e o(a) autor(a) possui interesse processual - art. 17, CPC.
3.6. ACRESCENTO que não diviso situação de litisconsórcio necessário na situação em exame, de modo a exigir a convocação de terceiros para comporem a relação processual - arts. 114, 115, 506, CPC/15.
3.7. SUBLINHO que o valor atribuído à causa se revela escorreito, em primeira análise eis que parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão da autora.
3.8. DESTACO ainda que a pretensão condenatória não foi atingida pela prescrição - art. 1. do decreto 20.910/32 - e que tampouco se operou a decadência do direito invocado na inicial. Quanto ao período subsequente à decisão prolatada na ADPF 1236, o cômputo da prescrição há de permanecer suspenso, até contraordem do STF.
3.9. DISCORRI acima, com cognição precária, sobre temas relacionados à autuação administrativa por conta de alegadas infrações às normas de trãnsito.
3.10. DEIXO de homologar o acordo noticiado pelas partes, diante do distrato manifestado pela parte requerida. Por conta disso, torno sem efeito a desistência manifestada pela parte autora quanto à pretensão endereçada ao INSS. Apreciarei em sentença a alegação de que a demandada teria incorrido nas sanções cominadas à improbidade processual.
3.11. REPUTO saneado o processo, quanto aos temas acima equacionados. Faculto manifestação às partes, para os fins do art. 357, §1, CPC, nos prazos abaixo detalhados, e quanto à indicação de eventuais diligências probatórias, como menciono tópicos abaixo. Prazo comum de 05 dias úteis, contados da intimação - arts. 219, 224, CPC.
3.12. ANOTO que não haverá estabilização quanto ao alcance das categorias jurídicas e equacionamento dos elementos de convicção, detalhads acima, eis que poderão ser revistas em sentença, não havendo preclusão
pro iudicato
quanto ao tema. Ressalvo, pois, nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
3.13. REGISTRO que cabe à associação demandada o ônus de comprovar a autenticidade de assinaturas porventura lançadas em termos de associação da autora junto àquela entidade. Incumbe-lhe também o ônus de comprovar que o(a) autor(a) teria se associado àquela entidade.
3.14. INTIMEM-SE as partes para, querendo, detalharem as diligências probatórias pertinentes e necessárias à solução da demanda. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.15. ANOTO que, caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar, no prazo de 15 dias, contados da intimação deste despacho, o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 34 da lei n. 9.099/95.
3.16. REGISTRO que, caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar - no prazo de 15 dias úteis, contados da intimação deste despacho - os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal.
3.17. VOLTEM-ME conclusos para complementar o saneamento ou, não sendo suscitadas outras objeções, tampouco requerida dilação probatória, para prolação de sentença - arts. 355 e 357, CPC/15.
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Claudete Maria Gasparelo Seidl x Centro De Estudos Dos Beneficios Dos Aposentados E Pensionistas
ID: 330320358
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5036658-95.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
ROBERTO NASSIF PRIETO
OAB/MG XXXXXX
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SHEILA SHIMADA MIGLIOZI PEREIRA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5036658-95.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CLAUDETE MARIA GASPARELO SEIDL
ADVOGADO(A)
: ROBERTO NASSIF PRIETO (OAB MG176789)
RÉU
: CENTRO DE ESTUDOS DOS BENEFICIO…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5036658-95.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CLAUDETE MARIA GASPARELO SEIDL
ADVOGADO(A)
: ROBERTO NASSIF PRIETO (OAB MG176789)
RÉU
: CENTRO DE ESTUDOS DOS BENEFICIOS DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS
ADVOGADO(A)
: SHEILA SHIMADA MIGLIOZI PEREIRA (OAB SP322241)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Petição inicial:
Em 14 de agosto de 2024, CLAUDETE MARIA GASPARELO SEIDL deflagrou a presente demanda, sob o rito dos juizados especiais, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e do CENTRO DE ESTUDOS DOS BENEFICIOS DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS - CEBAP, pretendendo a declaração de não manter relação jurídica com o CEBAP. Postulou a condenação das requeridas ao pagamento do dobro dos valores descontados do seu benefício e à reparação de danos morais, mediante o pagamento de indenização na ordem de R$ 15.000,00.
Para tanto, a autora sustentoiu que R$ 180,00 teriam sido descontados indevidamente da prestação previdenciária que lhe seria devida, sendo repassados em favor do CEBAP, entidade com a qual não teria mantido nenhum vínculo. Disse não ter autorizado aludidos descontos. Alegou fazer jus ao recebimento do dobro do valor descontado e à reparação dos danos morais que disse ter suportado. Argumentou que o INSS teria deixado de cumprir o dever de fiscalizar a presença dos requisitos para aludidos descontos.Postulou justiça gratuita, aplicação do CDC e atribuiu à causa o valor de R$ 15.360,00.
1.2. Resposta do INSS:
No movimento 7, o INSS apresentou sua contestação, alegando não possuir pertinência subjetiva para a causa e que a pretensão da autora seria improcedente, no que lhe tocaria. Argumentou que qualquer contratação de empréstimo bancário ou descontos de mensalidade seria realizada diretamente com a instituição financeira ou entidade sindical, que deveria conservar em seu poder a autorização firmada por escrito ou por meio eletrônico pelo titular do benefício. Sustentou a ausência dos pressupostos exigidos para o dever de indenizar, por parte do Estado.
1.3. Resposta do Centro de Estudos:
Citado, o requerido Centro de Estudos dos Beneficios dos Aposentados e Pensionistas apresentou sua rsposta, invocando a ilegitimidade passiva do INSS e alegando a incompetência do presente juízo para o processo e julgamento da demanda. A requerida impugnou o pedido de gratuidade de Justiça, formulado pelo autor. Alegou que o requerente teria se filiado ao CEBAP de modo voluntário.
1.4. Proposta de acordo:
O Centro de Estudos dos Beneficios dos Aposentados e Pensionistas apresentou uma proposta de acordo, lançada nos seguintes termos:
"Em que pese os fundamentos apresentados em defesa, prezando sempre pela eficiência, zelo e máxima satisfação dos seus representados, a Ré informa que está disposta a realizar um acordo, e, oferece: (i) a restituição em dobro dos valores descontados junto ao INSS, à vista, em até 10 (dez) dias úteis, considerando como termo inicial a data da celebração do acordo, e, (ii) no tocante ao pedido de dano moral, a Ré propõe um acordo de pagamento de até R$1.000,00 (mil reais) a título de dano moral pelo ocorrido, como meio de manter um bom relacionamento com a parte Autora. Importante destacar que, por se tratar de composição amigável entre as partes, a presente proposta constitui ato de mera liberalidade da Ré, sem que, com isso, haja qualquer confissão ou reconhecimento da culpa. Além disso, com o adimplemento do acordo, as partes manifestam total e irrestrita renúncia a propositura de eventuais ações e/ou interposição de recursos decorrentes da relação objeto da presente demanda. Dessa forma, requer à Vossa Excelência a intimação da parte Autora para manifestar-se sobre a presente proposta no prazo legal."
Aludida proposta foi aceita pela parte autora no movimento 15.
1.5. Desistência da parte autora quanto ao INSS:
O requerente desistiu, ademais, do processamento da sua pretensão no que tocava ao INSS - evento 23.
1.6. Alegada desistência do acordo:
Em seguida, o CEBAP alegou que a autora teria desistido do aludido acordo, postulando então a continuidade da demanda.
1.7. Pedido de suspensão do processo:
No movimento33, a requerida postulou a suspensão desta demanda, reportando-se à arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 1236.
Sustentou que
"a controvérsia insere-se em um contexto jurídico de ampla repercussão nacional, que ultrapassa os interesses individuais das partes envolvidas. Trata-se de uma questão sensível, com múltiplas ações ajuizadas em diversas varas e tribunais federais, todas discutindo a legalidade de descontos associativos efetuados em benefícios previdenciários, com base em Acordos de Cooperação Técnica celebrados com o INSS. A inexistência, até o momento, de um entendimento consolidado sobre o tema tem gerado decisões dissonantes, colocando em risco a coerência do ordenamento jurídico e a previsibilidade da atuação judicial. Isso compromete não apenas a segurança jurídica dos beneficiários e das associações envolvidas, como também afeta a estabilidade institucional da própria Administração Pública, que firmou tais acordos com respaldo normativo. A gravidade desse quadro se acentua diante da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1236, atualmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal, proposta pelo Presidente da República. A ADPF busca uniformizar a interpretação constitucional sobre a regularidade dessas parcerias e sobre a responsabilidade do Estado por eventual falha na fiscalização dos acordos firmados."
Argumentou que
"a continuidade do trâmite de ações individuais, como a presente, antes da manifestação definitiva da Corte Suprema, representa não apenas um risco concreto de decisões conflitantes, mas também um desrespeito à autoridade do STF como instância máxima da jurisdição constitucional."
Ademais,
"Além da importância jurídica, a matéria possui inegável relevância social. A controvérsia afeta diretamente milhares de beneficiários e centenas de associações que, como a AMBEC, celebraram acordos com entes públicos com o intuito de prestar apoio técnico e institucional na gestão de serviços previdenciários e assistenciais. Essas entidades, legitimamente constituídas nos termos dos incisos XVII e XVIII do art. 5º da Constituição, exercem papel relevante na interlocução entre o Estado e os segurados, e atuam, em regra, com boa-fé, transparência e dentro dos limites da legalidade."
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. C
ompetência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a autora endereçou sua pretensão ao INSS, autarquia federal criada com força na lei n. 8.029/1990, art. 17. Logo, aplica-se ao caso o art. 109, I, CF/1988.
2.2. Submissão do caso aos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....)
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico. O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos na lei 14.358/2022, atendendo ao art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário da autora, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Atente-se ainda para a seguinte deliberação:
"Conforme a Jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, nem a complexidade da causa, nem a necessidade de produção de prova pericial afastam a competência dos Juizados Especiais Federais.
Ocorre que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta para aquelas causas cujo valor seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ressalvadas as exceções previstas na Lei nº 10.259/2001. Como a complexidade da causa e a necessidade de prova pericial não estão entre as exceções arroladas na lei, descabe afastar a competência dos Juizados Especiais com base em quaisquer dessas duas causas
."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50161052320214047100 RS 5016105-23.2021.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 16/12/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
O conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo do ingresso em Juízo, conforme
decreto nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023
, o que atende ao art. 3,
caput,
da lei n. 10.259/2001. Ademais, cuida-se de
pedido condenatório
, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. RECONHEÇO, pois, a competência dos Juizados Especiais para a tramitação dessa demanda.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
Cuidando-se de pedido de reparação de danos, aplica-se ao caso o art. 53, IV, "a", CPC, apontando como competente o Juízo do local em que tenham sido praticados os atos apontados como causadores dos alegados danos. Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Na espécie, a parte autora endereçou sua pretensão ao INSS,
autarquia federal criada por força da lei n. 8.029/1990, art. 17
, de modo que referido entendimento se aplica. Acrescento que o art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001.
Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção, na forma do art. 65, CPC e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão do caso ao presente Juízo:
Dentre as unidades desta Subseção de Curitiba, o processo restou distribuído perante este Juízo Substituto da 11.VF, por conta de sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição/88.
2.5. Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta.
2.6. Respeito à coisa julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.7. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne
bis
in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.9. Suspensão em razão da deflagração de ADPF:
Deflagrada a arguição de descumprimento de preceito fundamental, cabe à Suprema Corte promover a prelibação da peça inicial, aferindo seu cabimento. Cuida-se, como notório, de mecanismos de emprego restrito, não podendo servir de atalho para levar uma demanda diretamente perante a Suprema Corte, sem prenchimento dos requisitos impostos pelo art. 103, §1, Constituição Federal, com a vedação veiculada pela emenda constitucional 03/1993, e pela lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999.
Cabe à Suprema Corte deliberar sobre eventual suspensão dos processos em curso, versando sobre o tema debatido no âmbito da ADPF, conforme se infere do art. 5 da referida lei n. 9.882/1999:
Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental. § 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. § 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias. § 3o
A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada
.
Em consulta ao site do STF, infere-se que aludida ADFP 1236 foi distribuída em 12 de junho de 2025, sendo encaminhada por prevenção ao gabinete do min. Dias Toffoli. A medida foi apensada à ADPF 1234.
Ao apreciar o pedido de liminar, aquele magistrado deliberou:
"Feitas essas considerações, nos termos do artigo 10 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, solicitem-se as informações pertinentes, com urgência, no prazo de 3 (três) dias. No mais, diante dos termos da petição apresentada pela AGU (e Doc. 18), determino a convocação de audiência de conciliação, a ser realizada no plenário da Segunda Turma, no dia 24 de junho, às 15h, para a qual deverá ser intimada a União, o Instituto Nacional do Seguro Social, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal. Por fim, para inibir a advocacia predatória, reconhecer os direitos dos cidadãos e proteger o patrimônio estatal, conferindo-se segurança jurídica para a sociedade brasileira, determino a suspensão da prescrição das pretensões indenizatórias de todos os lesados pelos atos objeto desta demanda. Os demais pedidos formulados nesta ADPF serão analisados oportunamente, devendo-se relembrar que se trata de matéria de elevada complexidade, que ainda requer maior reflexão."
Desse modo, a Suprema Corte apenas determinou a suspensão do cômputo da prescrição da pretensão de todos os aposentados e pensionais, no que toca à alegada ocorrência de descontos indevidos em suas prestações previdenciárias. Os autos encontram-se conclusos com o relator desde 25 de junho de 2025.
Logo, não há ordem da Suprema Corte, ao menos, não até o momento, para suspensão desta demanda. A impulsão desta causa não implica desrespeito à Suprema Corte, dado o alcance da sua liminar, razão pela qual a argumentação lançada pela requerida não merece acolhida. A vingar a premissa em que se ampara a demanda as partes tampouco poderiam recorrer da decisão prolatada por Ministros da Suprema Corte, por risco de desrespeito à autoridade do Tribunal, o que seria um absurdo. A demandada parece supor que a deflagração da ADPF surta, por si, o efeito de suspender as demandas em curso, o que não ocorre. Não há que se falar, portanto, em desrespeito à autoridade da Suprema Corte, ao contrário do articulado pela requerida.
Isso não impede, por certo, que o Juízo possa eventualmente impor a suspensão das causas, sempre que a sua tramitação se revelar contraproducente. Ou seja, sempre que eventual deliberação quanto a uma causa molecular - como ocorre em demandas coletivas e no controle concentrado de validade de normas - puder contribuir para uma solução mais ágil dos processos, inibindo eventuais recursos ou mesmo viabilizando soluções consensuais. No caso, ao menos nesta etapa da demanda, e sem prejuízo de eventual reexame, não diviso aludido contexto.
INDEFIRO, por conta do exposto, o pedido de suspensão desta causa, ressalvando eventual nova apreciação do tema adiante.
2.10. Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. . Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.11. Legitimidade das partes - caso em exame:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a parte autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, os seu benefício previdenciário estaria sendo alvo de descontos indevidos. Ela deduziu pretensão nome próprio, na defesa de interesse próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15.
Por seu turno, o INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios em consignação de pagamentos, no âmbito de prestações previdenciárias. Segundo a peça inicial, a autarquia teria sido descuidada ao promover aludidos descontos mensais, mediante averbação de contrato que a autora disse não ter celebrado.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
Acrescento que a associação requerida figura como demandada no presente processo, dada a alegação - formulada pelo autor na peça inicial - de que referida instituição financeira teria sido destinatária dos desbastes, no benefício previdenciário, impugnados nesta causa. Saber se a pretensão procede no que toca à mencionada instituição financeira é questão a ser aferida com exame de mérito.
2.12. Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.13. Litisconsórcio - caso em exame:
No presente caso, não diviso um contexto de litisconsórcio necessário, a ensejar que a parte autora enderece sua pretensão em face de quem ainda não figure como litigante, de modo a convocá-lo para a demanda. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora não atingirá diretamente a esfera de terceiros, o que registro para os fins do art. 506, CPC.
2.14. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo
Abelha
.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.15. Interesse processual - considerações gerais:
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para que haja efetivo império da lei, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de
tutela
jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a ação declaratória:
"Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.16. Interesse processual - caso em exame:
No que toca a esse exame de ofício, conforme art. 485, §3, CPC -, a autora atendeu aludidos requisitos. Eventual acolhimento da pretensão lhe será útil; a medida revela-se necessária para a otimização do processo administrativo de titulação; por fim, o processo em causa é adequado ao fim visado. Logo, o art. 17, CPC, restou satisfeito. Não há maiores sinais de que a pretensão do requerente seria satisfeita no âmbito administrativo.
Ademais, o exaurimento do debate, no âmbito administrativo, não é condição para a deflagração de demandas como a presente, em juízo. O requerente insurge-se justamente contra a demora no procedimento de titulação, de modo que não se pode condicionar a deflagração desse processo ao aguardo da solução da causa no âmbito extrajudicial.
2.17. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.18. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a autora atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão - obtenção do dobro do valor descontado + reparação de danos morais (valor da causa: R$ 15.360,00).
2.19. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira: "
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, atualmente definido em
R$ 7.507,49
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF Nº 26, de 10 de janeiro de 2023.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.20. Gratuidade de justiça - eventual pedido de associação:
Quando se cuida, porém, pedido de gratuidade deduzido por pessoa jurídica, a presunção prevista no art. 99, §2º, CPC, não se aplica. Em tal caso, a entidade deve comprovar a situação de precariedade financeira.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO. SÚMULA 316/STJ. SINDICATO. JUSTIÇA GRATUITA. ESTADO DE POBREZA. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA, REFORMANDO O ACÓRDÃO RECORRIDO, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. "Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial" (Súmula 316/STJ). 2. "
Na linha da jurisprudência da Corte Especial, as pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza"
(EREsp 1.185.828/RS, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, Corte Especial, DJe 1º/7/11). 3. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, negar provimento ao agravo de instrumento do SINDISPREV/RS. ( EAg 1245766/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, julgado em 16/11/2011, DJe 27/04/2012)
SINDICATO. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE PROVA DA MISERABILIDADE. INSUFICIÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE POBREZA. I - As pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza. Precedentes: EREsp nº 1.185.828/RS, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, DJe de 01/07/2011 e AgRg no AgRg no REsp nº 1.153.751/RS, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 07/04/2011. II - Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 130.622/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 17/04/2012, DJe 08/05/2012) -
PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. SINDICATO. NÃO COMPROVAÇÃO DE MISERABILIDADE JURÍDICA. 1. "...as entidades sindicais possuem a função de representar os interesses coletivos da categoria ou individuais dos seus integrantes, perante as autoridades administrativas e judiciais, e em razão de terem revertidas a seus cofres as mensalidades arrecadadas de seus associados, formando fundos para o custeio de suas funções, entre as quais função de assistência judiciária. Assim, descabe a concessão da assistência judiciária gratuita, salvo se comprovada a necessidade do benefício" ( AgRg no REsp. 963.553/SC, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJU 07.03.2008 e REsp 876812 / RS, Relator (a): Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, DJe 01/12/2008). No mesmo sentido, vejam-se os seguintes julgados, proferidos por esta e. Corte: AC 200734000228892, Segunda Turma, Desembargador Federal Francisco De Assis Betti, e-DJF1, Data: 02/04/2009, Página: 194. 2. É firme o entendimento dos Tribunais pátrios que os sindicatos e associações fazem jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, mediante comprovação da necessidade do benefício. 3. Na hipótese dos autos, verifica-se que pressuposto fático necessário à avaliação e acolhimento do pedido, qual seja, a miserabilidade jurídica, não foi atendido pelo apelante. 4. Apelação improvida. (AC 2008.38.00.009635-4/MG, Rel. Desembargadora Federal Ângela Catão, Primeira Turma, e-DJF1 p.46 de 18/01/2012)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. REVISÃO GERAL ANUAL DE REMUNERAÇÃO. ART. 37, X, DA CF/88, COM A REDAÇÃO DA EC 19/98. LEI 10.697/03. VANTAGEM PECUNIÁRIA INDIVIDUAL. LEI 10.698/03. CONCESSÃO DE REAJUSTE SALARIAL PELO ÍNDICE DE 14,23%. AUSÊNCIA DE DIREITO. PRECEDENTES. JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDA. AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO NÃO PROVIDOS. 1. "Somente pode ser deferido o pedido de assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica sem fins lucrativos quando na defesa de seus próprios direitos" (TRF-1ª Região, AG 0037923-22.2005.4.01.0000/BA, Segunda Turma, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, DJ 8.7.2010), situação inocorrente na espécie, já que o Sindicato autor atua na defesa de interesse de seus filiados. "Ao sindicato, pessoa jurídica de direito privado, independentemente de ter fins lucrativos, impõe-se o ônus de comprovar a insuficiência de recursos financeiros para arcar com as custas do processo para que lhe seja deferido o benefício da assistência judiciária gratuita" (TRF-1ª Região, AGA 0075250-59.2009.4.01.0000/DF, Primeira Turma, acórdão de minha relatoria, DJ 6.7.2010), o que também não se verifica nos autos. (...) 4. Apelação a que se nega provimento. (AC 2008.38.00.033486-0/MG, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Primeira Turma, e-DJF1 p.323 de 25/11/2011)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. JUSTIÇA GRATUITA. DEMONSTRAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o benefício da justiça gratuita desafia a demonstração da impossibilidade de pagar as custas e despesas do processo, mesmo quando se tratar de pessoa jurídica sem fins lucrativos na qualidade de entidade beneficente de assistência social
. 2. No caso em testilha, a associação não carreou aos autos qualquer documento hábil a demonstrar a hipossuficiência. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento. (TRF-1 - AGTAG: 00268691020154010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY, Data de Julgamento: 27/04/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: PJe 09/05/2022 PAG PJe 09/05/2022 PAG)
Assim, segundo entendimento consolidado dos Tribunais (
súmula 481, Superior Tribunal de Justiça
), quando em causa pedidos de gratuidade de justiça, deduzido por pessoa jurídica - com ou sem escopo lucrativo - a situação de precariedade econômica deve ser comprovada. Eventual condição de entidade filantrópica não exonera a entidade, segundo os Tribunais, da comprovação das dificuldades financeiras.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS PRESTADORA DE SERVIÇOS HOSPITALARES. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 51 DA LEI N. 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. EXIGÊNCIA DE SE TRATAR DE ENTIDADE FILANTRÓPICA OU SEM FINS LUCRATIVOS DESTINADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À PESSOA IDOSA.
1. Segundo o art. 98 do CPC, cabe às pessoas jurídicas, inclusive as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos, demonstrar sua hipossuficiência financeira para que sejam beneficiárias da justiça gratuita. Isso porque, embora não persigam o lucro, este pode ser auferido na atividade desenvolvida pela instituição e, assim, não se justifica o afastamento do dever de arcar com os custos da atividade judiciária. 2.
Como exceção à regra, o art. 51 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) elencou situação específica de gratuidade processual para as entidades beneficentes ou sem fins lucrativos que prestem serviço à pessoa idosa, revelando especial cuidado do legislador com a garantia da higidez financeira das referidas instituições
. 3. Assim, não havendo, no art. 51 do Estatuto do Idoso, referência à hipossuficiência financeira da entidade requerente, cabe ao intérprete verificar somente o seu caráter filantrópico e a natureza do público por ela atendido. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.742.251/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022.)
2.21. Gratuidade - pedido da parte autora:
No que toca à parte autora, a solução é distinta, porquanto a legislação veiculou uma presunção relativa, decorrente da subscrição de termo de hipossuficiência, conforme art. 99, §2, CPC.
Cabe à parte demandada infirmar aludida presunção, apresentando comprovantes de que o demandante tenha rendimentos mensais superiores ao teto dos benefícios do INSS. No caso, aludida prova não foi encartada nos autos, de modo que a autora faz jus à gratuidade de justiça
.
A medida surte reduzidos efeitos, porém, no rito dos Juizados, em primeira instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995.
2.22. Prescrição - considerações gerais:
Registro que o
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da
actio nata
, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, F. C. Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.23.
Prescrição
de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito:
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do
fundo de direito
(art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
Atente-se também para a distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescriçãocontinua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
. Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
2.24.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso;
superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.25. Prescrição
- situação em exame:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à prescrição quinquenal, prevista no art. 1º, do
decreto 20.910, de 1932
. O prazo de 05 anos deve ser computado a partir da data em que o autor tenha tomado conhecimento da existência de descontos em seu benefício previdenciário. No curso de eventual processo administrativo, o cômputo da prescrição resta suspenso - art. 4 do decreto 20.910/32. Não se operou a prescrição de fundo de direito.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROGRESSÃO FUNCIONAL HORIZONTAL. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DO DIREITO PELA ADMINISTRAÇÃO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA 85/STJ. SÚMULA 568/STJ.
No caso dos autos, não se discute violação do fundo de direito, mas sim o não pagamento de valores decorrentes de obrigação de trato sucessivo. Isso porque a servidora, ao não ser beneficiada com a progressão funcional garantida na legislação municipal, vê caracterizada uma omissão da Administração, renovada mês a mês, uma vez que não houve nenhum ato concreto negando o direito, mas uma inadimplência em relação jurídica de trato sucessivo
. Logo, somente as parcelas vencidas há mais de 5 anos da propositura da ação devem ser consideradas prescritas nos termos da Súmula 85 do STJ. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 875628 MG 2016/0054585-5, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/08/2016, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2016)
No caso, portanto, a pretensão do(a) demandante não foi atingida pela prescrição, como se infere dos documentos encartados no movimento-1. Acrescento que, no âmbito da
ADPF 1236
, o STF determinou a suspensão do cômputo da prescrição de todos os potenciais atingidos pela decisão a ser proladata naquela demanda.
2.26. Eventual caducidade:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso, no que toca à relação mantida com o INSS,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais.
2.27. Eventual
decadência
- aplicação do CDC:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial)
(...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
No caso em exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.28.
Cogitada aplicação do regime consumerista ao caso:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses. Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 -
O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 - Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso.
Tudo conjugado, o CDC não se aplica ao caso, eis que a relação entre a demandante e a associação é de natureza civil, não configurando a venda de produtos ou prestação de serviços no mercado. Tampouco incide na relação entre o autor e o INSS, eis que regrado pelo direito administrativo em sentido estrito, conforme art. 37, Constituição
.
2.29. Considerações gerais sobre o instituto do contrato:
O contrato é projeção da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas que tenham sido avençadas. Em caso de descumprimento, eventuais cláusulas penais - se pactuadas - podem ser invocadas como meios de dissuasão do inadimplemento.
É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade das avenças, que os seus resultados sejam tidos em conta (por exemplo, isso se dá com a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51, CDC/1990 e arts. 478-480, CC/2002).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, Código Civil/2002.
Como explicita Judith Martins-Costa,
"
A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado
."
(Judith Martins-Costa.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.30. Funcionalização dos contratos:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo. A funcionalização implica que o pacto pode restar inválido caso haja iniquidade nos seus efeitos.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavisada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.31. Eventuais
novações
contratuais:
Com cognição precária
, anoto que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
Assim, caso o(a) demandante tenha celebrado novações contratuais com a parte requerida, isso não impedirá a revisão da avença, observados os limites da pretensão deduzida em juízo.
2.32. Eventuais contratos bilaterais:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.33. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.34. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.35. Eventual
simulacro
de negociação:
Eventual emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito
implica a própria ausência do pacto
. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.36.
Liberdade de associação:
Outro tema diz respeito à garantia do art. 5º, XX, CF:
"
Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado
."
No dizer de Ingo W. Sarlet,
"A liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa, incluindo, além das cooperativas (expressamente contempladas pelo texto constitucional), as associações comerciais, de natureza cultural, esportiva etc., não importando a nomenclatura, de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade."
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Curso de direito constitucional.
3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 520).
Ainda segundo Sarlet,
"Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação, mais precisamente, da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais (p.ex., Conselhos de Medicina, Odontologia, Engenharia, Advogados etc.), mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é a de que a associação exerça uma função pública, para cujo funcionamento a filiação constitui exigência."
(SARLET, Ingo Wolfgang
et al
.
Obra citada,
p. 526).
Logo, a associação é projeção de um direito potestativo: a escolha de se vincular a uma agremiação, o que encontra paralelo no direito de desvincular-se, sendo o caso.
2.37. Consignação em pagamento - desconto em folha:
Deve-se ter em conta, ademais, o
art. 115, lei n. 8.213
, de 1991, com a redação dada pela lei nº 13.846, de 2019, ao preconizar que podem ser desbastados dos benefícios pagos pelo INSS os valores pagos a maior do que o devido.
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II -
pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento
;
(...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Para tanto, contudo, quando em causa consignação em pagamento de contratos de mútuo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc - comprometem a validade da averbação.
Desse modo, sempre que evidenciados vícios no alegado negócio jurídico, o Poder Judiciário deverá assegurar o retorno ao
status quo ante,
o que implica a restituição ao segurado dos valores descontados indevidamente no seu benefício previdenciário. Caso tenham sido depositados valores indevidos na conta do pretenso mutuário, a quantia deverá ser restituída ao agente financeira, na forma do art. 884, Código Civil/2002 e art. 169, Código Penal, exceção feita aos casos em que o valor tenha sido depositado sem conhecimento do segurado, tendo sido gasto com boa-fé, sem perceber o equívoco cometido.
Atente-se para a lógica dos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II -
Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração
. III - Recurso Especial não provido.
(REsp 1550569/SC, STJ, 1ª Turma, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 18-05-2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1.
Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido
.
(REsp 1553521/CE, STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02-02-2016)
2.38. Requisitos da responsabilização civil - exame precário:
Como sabido, o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - isto é, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico. O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade econômica, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização.
Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.39. Responsabilização estatal por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Por conseguinte, em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.40. Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.41. Reparação de danos morais - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro,
"dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial."
(PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos,
"
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano
. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo,
"
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo,
"conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é consequência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo
. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Dano moral indenizável.
4ª ed. rev. SP: RT, 2.003, p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da
responsabilidade
civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa vênia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal.
Reporto-me aos seguintes julgados:
".... I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
"Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo." STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.42.
Pagamento do
dobro
descontado:
Registro que o CDC não se aplica à relação travada entre o autor e o INSS, dado não serem aplicáveis ao caso o art. 3º e 22, da lei n. 8.078/1990. Note-se que não está em debate neste processo eventual prestação de serviço público remunerado por meio de tarifas. Tanto por isso, não se aplica ao conflito havido entre o autor e o INSS o disposto no art. 42, CDC, que preconiza o direito do consumidor em receber o dobro do que porventura ele tenha pago indevidamente.
Em princípio, mesmo que se supusesse a aplicação do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, ao presente caso, tem-se que
"A lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de queo consumidor tenha pago.
Isto é, para ter direito a repetir o dobro, é preciso que a cobrança seja indevida e que tenha havido pagamento pelo consumidor. A hipótese legal soa estranha, uma vez que não parece normal que alguém que não deva pague novamente
. Mas os pagamentos em função de cobrança indevida não são raros."
(RIZZATTO NUNES.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 544)
Atente-se para os seguintes julgados, versando sobre o alcance do referido art. 42, CDC:
"(...)
Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor
." (RESP 200500278731, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:06/12/2012 ..DTPB:.)
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE E O RECURSO NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE ANTE O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. I - Na decisão agravada, além de entender que o recorrente não teria logrado demonstrar de plano como o aresto hostilizado teria malferido os artigos elencados na peça recursal, entendeu-se que tais dispositivos não teriam sido devidamente prequestionados, o que ensejou a incidência da Súmula nº 282/STF. Desse modo, não infirmado este último fundamento, o qual é autônomo e suficiente para manter o julgado quanto ao ponto, aplica-se a Súmula nº 283 do STF. II -
Esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que, somente quando caracterizada a má-fé na cobrança indevida, é cabível a aplicação do art. 42 do CPC (restituição em
dobro
do valor pago indevidamente)
. Precedentes: AgRg no REsp nº 1.245.373/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011; REsp nº 1.250.314/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 10/06/2011; REsp nº 1.231.803/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 31/03/2011. III - Tendo o Tribunal de origem entendido que não se havia comprovado má-fé na conduta da ora recorrida, forçoso reconhecer que, para rever o juízo ordinário acerca da ausência da má-fé, na espécie, se mostra indispensável a análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV - Agravo regimental improvido. ..EMEN:(AGRESP 201102817155, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:09/10/2012 ..DTPB:.)
Tampouco se poderia aplicar ao caso o art. 940 e 941, do Código Civil, de 2002, alvo dos lúcidos comentários de Maria Helena Diniz como segue:
"Responsabilidade do demandante por débito já solvido: O artigo sub examine trata do caso do excesso de pedido, ou seja, do re plus petitur (Revista do Direito, 59:593, RT, 804:189, 799:363), com o escopo de impedir que se cobre dívida já paga, e
só será aplicável mediante prova da má-fé do credor
, ante a gravidade da penalidade que impõe.
Assim, quem cobrar judicialmente dívida já paga, no todo ou em parge, sem ressalvar o
quantum recebido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.
Responsabilidade por cobrança de quantia indevida - Se o credor vive a pedir mais do que lhe for devido, deverá pagar ao devedor o equivalente ao dobro do que dele exigir
. (...)
Desistência da ação. Se o autor desistir da ação antes da contestação ad lide, as penas dos arts. 939 e 940 não lhe serão aplicadas, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Isto porque, com a desistência, o autor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-se do que fez. Todavia, mesmo assim, deverá pagar as custas processuais do processo intentado, embora não as pague em dobro." (DINIZ, Maria Helena.
Código Civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 702-704. Omiti parte do texto)
Vê-se que a sanção do art. 940, Código Civil/2002, somente seria cabível quando demonstrada a má-fé daquele que cobrou dívida já adimplida. Semelhante é a orientação jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA EM EXCESSO. ARTIGO 940 DO CC/2002. MÁ-FÉ DO CREDOR. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2.
Consoante a jurisprudência desta Corte, somente quando comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida é que ela ficará obrigada a devolver em dobro o que cobrou em excesso
. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 4. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou os elementos fáticos dos autos para afastar a litigância de má-fé quanto à cobrança do valor em excesso e para distribuir os encargos sucumbenciais. Dessa forma, inviável o conhecimento do recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201101253069, ANTONIO CARLOS FERREIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:31/10/2014 ..DTPB:.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na fixação da reparação por danos morais leva-se em conta o critério de razoabilidade, tendo em vista as circunstâncias da causa. 2.
Para que haja o pagamento em dobro da dívida já paga (art. 940 do Código Civil) é necessária comprovação de má-fé do credor
. Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (AC 00422684520074013400, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:27/05/2013 PAGINA:829.)
Registro, d'outro tanto, que o Superior Tribunal de Justiça
consolidou sua jurisprudência em sentido distinto
, como registro abaixo:
"CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2.
Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo
. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021.).Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.modulação dos efeitos". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão" .5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12.2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021) .6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS.Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante.CONCLUSÃO 8. Embargos de Divergência não providos."(STJ - EAREsp: 1501756 SC 2019/0134650-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)
Note-se, porém, que o STJ modulou os efeitos desta decisão:
"A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "
o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
."
A publicação do acórdão
EAREsp 600.663/RS
, da Corte Especial do STJ -
DJe de 30.3.2021
.
Ainda nesse sentido, leia-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL. COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS RECONHECIDA EM AÇÃO PRETÉRITA. PRETENDIDO O AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. ACOLHIMENTO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE QUE A RESTITUIÇÃO EM DOBRO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE NO ÂMBITO DE RELAÇÃO CONSUMERISTA DISPENSA A COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DA CORTE CIDADÃ. TESE JURÍDICA QUE SE APLICA SOMENTE ÀS COBRANÇAS REALIZADAS APÓS A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NAQUELE TRIBUNAL. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. 24. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo,
fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.(...) 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados
. 27.
Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
.TESE FINAL (...) 29. Impõe-se modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a [...] (TJ-SC - APL: 03007478320178240082, Relator: Carlos Roberto da Silva, Data de Julgamento: 01/12/2022, Sétima Câmara de Direito Civil)
Assim, a nova orientação jurisprudencial se aplica quanto às cobranças indevidas
promovidas a partir de 30 de março de 2021
.
2.43.
Eventual aplicação do
art. 935
, Código Civil:
Sabe-se que há diferença entre injusto administrativo e crime. Há distintos graus de responsabilização jurídica, de modo que - mesmo quando afastada a suspeita criminal - pode ainda subsistir lastro para a aplicação de sanções administrativas ou de outra ordem
.
Mal comparando, alguém pode ser absolvido da acusação da prática de crime contra a ordem tributária e, ainda assim, ser alvo de multas fiscais, por conta do disposto no art. 136 do Código Tributário Nacional, por exemplo. Também é certo, todavia, que o Estado não pode se contradizer. Não há como o Estado imputar ao sujeito a prática de um fato se, com cognição
exaustiva
, a própria Administração Pública reputa que tal conduta não teria ocorrido ou que o sujeito em questão não tenha sido seu autor.
Deve-se atentar, tanto por isso, para a redação do art. 935, CC:
"A responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal
."
Cumpre não perder de vista que a jurisdição criminal é infensa a consensos probatórios e a ficções jurídicas
contra libertatem
. Isso significa que, como regra, o exame probatório promovido na temática penal é mais denso do que aquele levado a efeito em outros âmbitos. Sempre que a jurisdição criminal sustentar, em decisão transitada em julgado, que o fato imputado não teria ocorrido ou que o sujeito não o teria praticado, isso deve ser respeitado pelo Estado em todas as suas esferas de atuação, para distintos efeitos de responsabilização civil/administrativa.
Essa mesma solução não parece se aplicar, todavia, quando a sentença absolutória, prolatada pelo juízo criminal, tenha sido calcada no reconhecimento de nulidades ou quando estiver fundada em
non liquet
(ou seja,
in dubio pro reo
). Em tais casos, o juízo de imputação administrativa não fica inibido, eis que depende de graus menores de convicção probatória. Com idêntica lógica, se o Ministério Público houver promovido o arquivamento de um inquérito policial, atestando, de forma peremptória, ter sido comprovado que o aventado fato ilícito não teria ocorrido ou que, quando ocorrido, que o suspeito não teria sido seu autor, então aludida promoção de arquivamento, quando acolhida judicialmente, surtirá efeitos transcendentes, atingindo também processos cíveis, tributários, administrativos. Caso, porém, a promoção de arquivamento houver sido fundada em ausência de justa causa para uma arguição penal, por ausência de provas suficientes, então tal medida não vinculará as demais esferas do discurso jurídico, conforme art. 935, CC/2002.
Enfim, não se invocar essa transposição automática de efeitos, do sistema de justiça criminal para a jurisdição cível, quando uma apuração criminal tenha sido arquivada por ausência de justa causa para a deflagração de uma arguição criminal, diante do que preconiza o art. 18, CPP e diante da lógica da conhecida súmula 524, STF, em leitura
a contrario sensu.
Atente-se para a lógica da argumentação de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves sobre o alcance do art 935, Código Civil, ainda que tendo em conta o processo de improbidade administrativa:
"Os atos ilícitos praticados pelo agente público podem acarretar a sua responsabilidade penal, civil e administrativa, sendo cada qual perquirida perante o órgão competente.
Conforme fora visto, a Lei 8.429/1992 é expressa ao dispor que as penalidades cominadas em seu art. 12 serão aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. Esse preceito, de natureza eminentemente material, visa a dirimir quaisquer dúvidas no sentido de que a aplicação de determinada sanção em uma seara não agasta as sanções passíveis de aplicação nas demais.
Ainda que única seja a conduta, poderá o agente sofrer sanções de natureza penal, desde que haja a integral subsunção de seu ato a determinada norma incriminadora; administrativa, em restando configurado algum ilícito dessa natureza; e civil, que apresenta natureza supletiva, podendo importar na complementação do ressarcimento dos danos causados ao Poder Público, política etc.
No que concerne às sanções passíveis de aplicação ao ímprobo, a independência entre as instâncias se apresenta absoluta, mas é tão somente relativa quanto à possibilidade de interpenetração dos efeitos da decisão proferida em uma seara nas demais.
Em um primeiro plano, cumpre perquirir os efeitos da sentença penal em relação à persecução da conduta do agente nas esferas cível e administrativa. Sobre a correlação existente entre a actio civilis ex delicto e a responsabilidade penal, tema fecundamente estudado pela doutrina penal e perfeitamente aplicável à espécie, os vários sistemas legislativos podem ser ordenados em quatro grandes grupos: o da solidariedade, o da concussão , o da livre escolha e o da independência
.
Nos países que adotam a solidariedade, há duas ações diferentes, uma penal, outra civil, mas no mesmo processo e diante do mesmo juiz, o criminal. Na confusão, existe uma única ação, civil e penal ao mesmo tempo, possibilitando um direito amplo de pedir ao órgão jurisdicional a reparação por inteiro do malefício causado pelo crime, quer ao interesse geral, quer ao particular. No sistema da livre escolha é permitido cumular as duas ações no processo penal; é uma cumulação facultativa, aplicando-se o brocardo electa una via non datur recursus ad alteram. Por derradeiro, no sistema da independência, a ação civil somente pode ser proposta no juízo cível, concedendo-se a este a faculdade de suspender o curso do processo civil até o julgamento definitivo do criminal.
Realizado um breve resumo dos sistemas existentes, é possível afirmar, à luz do disposto nos arts. 935 do Código Civil de 2002, 110 do CPC/ 1974, 315 do CPC/2015 e 64 do CPP, que o ordenamento jurídico pátrio adotara, até o advento da Lei n. 11. 719/2008, o sistema da independência, de modo que as instâncias civil e penal permaneciam alijadas uma da outra
. Após a Lei n. 11.719/2008, que conferiu nova redação ao art. 387, IV, do CPP para dispor que o juiz, na sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", passamos a ter um sistema de independência com influxos de confusão. Falamos em influxos de confusão e não propriamente em confusão, por três razões básicas: (1) o ofendido pode pleitear a reparação na esfera cível paralelamente à tramitação do processo penal; (2ª) o juiz com competência criminal não julga, em linha de princípio, a lide civil, limitando-se a estabelecer um valor mínimo para a reparação do dano; e (3ª) a teor do art. 63, parágrafo único do CPP, poderá o ofendido promover a execução do "valor fixado nos termos e do inciso IV do caput do art. 387 deste Código,sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido", liquidação esta que será realizada pelo juízo cível.
Na medida em que o processo penal e o processo cível puderam tramitar juntos, terá o juízo cível a faculdade de suspender o processo cível sempre que tiver razões ponderáveis para tanto, sendo certo que esta faculdade deve ser exercida com cuidado e ponderação, pois o tempo, que atua de forma furtiva e eficaz, é um algoz incansável do tão sonhado ideal de Justiça, não sendo exagero afirmar que a concreção deste se distancia na mesma proporção em que aquele flui.
Por ser mera faculdade, não vislumbramos uma relação de prejudicialidade entre a ultimação do processo penal e o prosseguimento da ação civil e do procedimento administrativo que visam a perquirir a conduta do ímprobo, nada impedindo que estes sejam instaurados e encerrados antes daquele
. No entanto, em sendo julgada a pretensão deduzida na ação penal anteriormente às demais, fará ela coisa julgada nas esferas administrativa e cível sempre que reconhecerem: a) ter sido o ato praticado em circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal e arts. 65 e 386, VI, do CPP); b) a inexistência material do fato (arts. 66 e 386, I, do CPP); c) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, art. 935 do Código Civil de 2002 e art. 1.525 do Código Civil de 1916). Note-se que tais efeitos somente alcançam os fatos discutidos no processo, permanecendo a possibilidade de livre valoração em relação aos demais.
Em havendo absolvição por ausência de provas (art. 386, II e VII, do CPP) ou por não constituir o fato infração penal (386, III, do CPP), poderá a questão ser amplamente examinada nas esferas cível e administrativa. O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que sequer for deflagrada a ação penal, havendo o arquivamento do procedimento inquisitorial respectivo (art. 67, I, do CPP).
No caso de condenação criminal, tornar-se-á certa a obrigação de reparar o dano causado, servindo a sentença de título executivo judicial (art. 91 do CP, art. 584, II, do ACP/1974 e art. 515, VI, do CPC/2015).
Tratando-se de conduta que se subsuma a um tipo penal, mas que não configure ilícito administrativo (crimes não funcionais), por óbvio, a sentença absolutória, qualquer que seja sua fundamentação, sempre influirá na esfera administrativa, já que a competência para valorar os fatos era exclusiva do Poder Judiciário. Nos crimes não funcionais, considerados como tais aqueles dissociados dos deveres administrativos, quando a condenação importar na aplicação de pena privativa de liberdade superior a quatro anos, o agente, como efeito da condenação, perderá o cargo, a função ou mandato eletivo (art. 92, I, b, do CP); em se tratando de pena inferior a quatro anos, será ele normalmente afastado de suas atividades até o seu cumprimento. A depender do ilícito penal e do que dispuser o estatuto regente da categoria, a condenação criminal poderá caracterizar a incontinência de conduta ou o procedimento irregular de natureza grave motivadores da sanção de demissão
.
Ainda que a conduta não caracterize nenhum ilícito penal, entendemos que a decisão proferida pelo juízo cível ao apreciar o ato de improbidade, observadas as mesmas circunstâncias relativas à sentença penal, influirá na esfera administrativa.
Restando provada, verbi gratia, a inexistência do fato perante o Poder Judiciário, seria no mínimo insensato entender-se legítima uma penalidade aplicada em procedimento administrativo com base no mesmo fato. Seria injurídico entender que o fato não existe perante a Justiça, mas representa substrato adequado para embasar uma punição de ordem administrativa
.
Essa comunicabilidade entre as instâncias tem o seu alicerce no art. 5º, XXXV, da Constituição, o que garante o amplo acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito. No exemplo sugerido, a ilegalidade e a lesão ao direito do agente seriam flagrantes, pois qualquer punição pressupõe uma conduta em desacordo com as normas legais; inexistindo conduta e, ipso facto,motivo para a prática do ato administrativo, afigura-se ilegal a punição."(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco
.
Improbidade
administrativa.
7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 678-681)
A tanto convergem o art. 66, CPP, e o art. 126, da lei n. 8.112/1990. Em determinados casos, quando a questão criminal se constituir em tema prejudicial à apreciação da pretensão, deduzida no processo civil, isso pode dar ensejo à suspensão da demanda, na forma do art. 313, V, "a", Código de Processo Civil/15, podendo ensejar a suspensão da prescrição, caso os requisitos do art. 200, Código Civil, tenham sido atendidos.
Atente-se para o seguinte julgado:
"
(...) A turma julgadora da Câmara Criminal entendeu por bem em absolver o réu, fundamentando-se no brocardo in dubio pro reo.
Porém, na esfera cível é diferente. Como o próprio magistrado fundamentou em seu despacho de fis. 227 e 228, enquanto na esfera criminal está em jogo a liberdade do cidadão, na cível o que prevalece é o aspecto patrimonial
.
Na esfera cível, para que nasça a obrigação de reparar, necessário que estejam presentes pressupostos, a saber: a conduta, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquela e a culpa, sendo que os três primeiros são exigidos em toda forma de responsabilização civil, enquanto que na responsabilidade objetiva o elemento subjetivo se mostra dispensável - diante do que se convenciona nominar responsabilidade sem culpa.
Existe, portanto, independência das responsabilidades cível e criminal.' (e-STJ, fls. 361 ⁄ 365). Ao reconhecer a responsabilidade civil do agravante pelo acidente, a despeito da existência de decisão criminal absolutória, a Corte a quo decidiu em consonância com o jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, eis que a responsabilidade civil independe da criminal e o grau de culpa exigido em ambas a s esferas é diferente, somente existindo vinculação quando o provimento criminal afasta a existência do fato ou a autoria, o que não ocorreu no caso.
A título ilustrativo, confira-se os seguintes precedentes:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. PRODUÇÃO
DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL ATÉ A CONCLUSÃO DA AÇÃO PENAL. SÚMULA Nº 83 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
3. A responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal que, a despeito de reconhecer a culpa exclusiva da vítima pelo acidente, não ilide a autoria ou a existência do fato. 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1483715 SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO
, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.05.2015, DJe 15 05 2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7⁄STJ. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. EFEITOS. DECISÃO MANTIDA. (...) 2. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou a prova dos autos para concluir que o evento danoso decorreu de conduta
imprudente do ora agravante. Alterar tal conclusão demandaria
o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, a teor
do disposto na mencionada súmula.3.
É pacífico no âmbito desta Corte o entendimento de que,
devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos
. 4. Agravo regimental a que nega provimento." (AgRg no AREsp 518.502 SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
, QUARTA TURMA, julgado em 19.03.2015, DJe 27.03.2015)
(acórdão do TJ-MG, transcrito em decisão do STJ - AgRg no AREsp: 105683 MG 2011/0247041-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2015)
Por conta disso, eventual absolvição dos arguidos, no âmbito criminal, com lastro na premissa
in dubio pro libertatis,
não se transporta automaticamente para a seara cível, por conta das limitações do aludido art. 935, Código Civil/2002, ao versar sobre a independência relativa entre as esferas cível e penal.
2.44. Distribuição do
ônus
da prova:
Aplico ao caso,
no essencial
, a regra de distribuição do ônus da prova, prevista no art. 373, I e II, CPC/15. Conquanto haja natural assimetria entre a autora e a requerida - autarquia federal, com amplo suporte jurídico e corpo burocrático -, não houve maiores embaraços, na espécie, para que a autora apresentasse elementos probatórios sobre a narrativa dos fatos, promovida na sua petição inicial.
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
Como registrei acima, o CDC/90 não se aplica no que toca à relação entre a autora e a autarquia, demandada nessa causa. Atente-se, p.ex., para o fato de que, nesse âmbito, mesmo quando o requerido não apresenta resposta, sequer é possível aplicar os efeitos da revelia (art 345, CPC/15), dada a indisponibilidade do interesse público primário. Quanto ao INSS, não há como inverter o ônus probatório, com lastro no Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, também se revel incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.45. Inversão do ônus - autenticidade de assinaturas:
Registro, de toda sorte, que - quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
No caso em exame, conquanto não se cuide de alegado vínculo com instituição financeira, a mesma lógica se coloca. Note-se que é dado à associação exigir que a firma seja reconhecida em contratos e outros cuidados a fim de assegurar a autenticidade de quem subscreve o documento. Em caso de impugnação, cabe ao demandado aludido encargo probatório.
2.46. Juízos de abdução:
A distribuição do ônus da prova cuida de um critério de solução da causa, diante da eventual insuficiência da comprovação da veracidade de determinadas asserções. Na forma do art. 373, I, CPC/15, caso a parte autora tenha promovido a narrativa de um fato, apontado como causa da sua pretensão, e a veracidade dessa narrativa não tenha sido comprovada, a pretensão há de ser julgada improcedente. De modo semelhante, caso a parte requerida tenha alegado a ocorrência de um fato obstativo do acolhimento da pretensão da parte autora - por exemplo, causação do dano por um terceiro, desvinculado da sua atividade econômica -, e isso não seja provado, sua impugnação não poderá ser acolhida.
Algo diferente ocorre com os critérios de interpretação dos meios de prova. Nesse âmbito, tem-se em conta a forma como o Juízo deve apreciar os elementos probatórios veiculados nos autos, para fins de reconstrução histórica dos fatos narrados pelas partes
.
Como sabido, indício
"
é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo
"
(MOURA, Maria Thereza.
A prova por
indícios
no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 109). Tais sinais, fundamentando
juízos
de
abdução
, podem amparar um decreto condenatório; desde que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"
Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes
. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI,
Paolo.
A prova no processo penal italiano.
SP:RT, p. 58)
"Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado.
8ª ed., SP: RT, p. 514)
"
Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade
. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios? Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)." (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.
Princípios do processo penal:
entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113.
"
A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar
. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." (Pacelli de Oliveira,
Curso de processo penal,
6ª ed. Del Rey, p. 367).
"Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal.
SP: RT, 2.003, p. 307, grifei.
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema:
"
Uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação
."
(STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035, omiti o restante da ementa). Ademais,
"
Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado
."
(TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti parte da ementa).
Ainda nesse sentido,
"
Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer
."
(TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
Em princípio, cabe a quem alega o ônus da demonstração segura, ou seja, crível e filtrada racionalmente, tanto quanto possível, de que os argüidos teriam praticado, ao tempo reportado pela petição inicial, a conduta imputada, ainda que isso possa ser promovido por meio da conjugação de significativos e consistentes indícios da prática infracional. Sendo isso aplicável na temática processual penal, solução semelhante impõe-se também no âmbito da ação civil pública, com os contornos próprios ao processo civil.
2.47. Eventual apresentação de cópias de diálogos:
No que toca à cogitada apresentação de extratos de conversação mantida por correio eletrônico, telefone ou vídeo - reputo cuidar-se de projeção do precedente Magri - inquérito 657-2, STF. Ora, a Suprema Corte tem reconhecido a validade da gravação, por um dos interlocutores, do diálogo próprio:
"A alegação no sentido de que a prova é ilícita não tem procedência, dado que não ocorre, no caso, violação do sigilo de comunicações (CF, art. 5º, inc. XII), nem seria possível a afirmativa de que fora ela obtida por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI). Não há, ao que penso, ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. A alegação talvez pudesse encontrar ressonância no campo ético, não no âmbito do Direito." (STF, Inquérito n. 657-2, voto do Min. Carlos Mário Velloso)
"
Quanto à prova ilícita: tal como ponderou o ministro relator, dificilmente se encontrará na ordem jurídica reinante algo que nos autorizasse a ver como ilícita essa gravação de uma conversa a dois, por um dos interlocutores. É a ação do terceiro, é a interferência do terceiro - no grampeamento telefônico, na violação da correspondência alheia - que fere determinadas normas expressas na própria Carta da República
.
Quando, entretanto, um dos participantes da comunicação oral ou escrita entende de documentá-la de algum modo, ainda que na inconsciência da outra parte, isso não configura - em princípio - afronta à regra protetiva do sigilo.
O resultado pode variar entre a indiscrição inofensiva e a mais reprovável vilania; mas não há - aí - um ato ilícito. Admitiria que normas protetivas da privacidade, da estatura também constitucional, poderiam ser invocadas em repressão ao uso que um dos interlocutores queira fazer da carta ou da gravação do entendimento a dois, quando visa - por exemplo - a auferir lucro à custa da notoriedade da imagem alheia; um propósito bem diverso daquele de desencadear a ação da Justiça Pública." (STF, Inquérito 657-2, voto do Min. Francisco Rezek)
A Suprema Corte reiterou essas deliberações em outros casos, conforme segue:
"
Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime
-, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). HC indeferido."
(STF, HC 74.678-1/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 15.08.97).
"Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida." STF, HC 75.338-8/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 25.09.98
"Gravação de conversa. A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa. Precedente Inq. 657-2, Carlos Velloso. Conteúdo da gravação confirmado em Juízo. AGRRE improvido." STF, agravo regimental no recurso extraordinário n. 402.031-1/SP, rel. Min. Ellen Gracie, DJU 06.02.2004:
"A gravação de conversa entre dois interlocutores feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa." STF, agravo regimental no agravo de instrumento n. 503.617-7, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 04.03.2005.
Nesse mesmo sentido, leia-se o voto proferido pelo Min. Cezar Peluso ao julgar o
RE 40.717-8, STF
. Assim, em primeiro exame, a apresentação de extratos de tela de diálogos se revela adequada, mesmo que se parta da premissa de que não tenham sido promovidos diretamente pela autora; mas, por alguém pretensamente usando seu nome.
Ninguém pode invocar fato próprio em seu benefício (
non venire contra factum proprium
)
, de modo que a pessoa que porventura tenha se feito passar pela autora (em princípio, estelionato - consumado ou tentado - art. 171, CP) não pode invocar a seu favor privacidade oponível à real titular dos dados. Ademais, ao que parece, aludidos dados foram cedidos pela autora por pessoas que teriam mantido aludidas conversas, dando ensejo à aplicação do precedente Magri-STF.
2.48. Elementos de convicção - exame precário:
No caso em exame, com a peça inicial, o autor apresentou histórico de descontos havidos na prestação previdenciária que lhe seria devida.
Há indicação de desconto mensal a favor da CEBAP - código 273 - no valor de R$ 45,00.
Por seu turno, o INSS apresentou cópia do despacho "Divisão de Consignação em Bene cios, em 09/11/2022", prolatado no processo administrativo de autos n. 35000.001125/2019-50. Apresentou dossiê previdenciário, em nome do autor, indicando descontos de código 273, a favor da CEBAP. Mencionada instituição apresentou documentos no evento 33 concernentes à sua constituição.
Esses são os elementos de convicção até o momento, o que examino com cognição não exaustiva.
2.49. Termo de acordo:
No evento 12, a CEBAP apresentou proposta de acordo:
"a Ré informa que está disposta a realizar um acordo, e, oferece: (i) a restituição em dobro dos valores descontados junto ao INSS, à vista, em até 10 (dez) dias úteis, considerando como termo inicial a data da celebração do acordo, e, (ii) no tocante ao pedido de dano moral, a Ré propõe um acordo de pagamento de até R$1.000,00 (mil reais) a título de dano moral pelo ocorrido, como meio de manter um bom relacionamento com a parte Autora."
A autora manifestou aquiescência com aludida proposta - evento 15. No evento 23, ela desistiu do processamento da sua pretensão, no que tocava ao INSS. No evento 25, a requerida CEBAP postulou que a autora indicasse dados da conta bancária para promoção dos depósitos, o que a autora indicou no evento 28.
No movimento 29, a demandada rescindiu aludido acordo:
"Nos autos, a contestação apresentada pela pa rte ré, foi inserida uma proposta de acordo na contestação que visava o pagamento em dobro do valor descontado, bem como o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) à titulo de danos morais. Diante do exposto, após análise mais aprofundada da proposta e considerando novos elementos que surgiram, a parte autora decidiu revogar a proposta de acordo anteriormente apresentada."
A autora postulou a cominação de multa por litigância de má-fé em desfavor da demandada.
2.50. Rescisão do acordo:
Por conta do postulado da livre iniciativa, é dado às partes desistirem do acordo, antes da sua homologação judicial. Caso isso decorra de espírito de emulação, pode ter de suportar as sanções cominadas no art. 77 e 81, Código de Processo Civil.
Dada a rescisão promovida pela demandada, torno sem efeito a desistência do processamento da causa no tocante ao INSS, eis que já não subsiste o fator determinante da medida. Por outro lado, a causa há de tramitar também em face da associação requerida.
2.51.
Aventada litigância de má-fé:
No que toca à cogitada má-fé, anoto que, ao comentar os arts. 77 e 80, Código de Processo Civil/15, Araken de Assis enfatiza o seguinte:
"Provocar incidentes manifestamente infundados - O art. 80, VI, novo CPC, cogita, ao contrário da regra anterior, na suscitação de incidentes sem razão manifesta. Os incidentes mencionados abrangem os que a lei expressamente trata como tal (u.f., a exceção de suspeição; a impugnação ao benefício da gratuidade) e as pretensões incidentalmente arguidas, processem-se ou não nos autos originais. Os recursos, que se processam incidentalmente, coim autuação apartada (v.g., agravo de instrumento) ou não, merecem a regra específica do art. 80, VI.
O processo constitucionalmente justo e equilibrado conterá apenas os atos e os incidentes realmente imprescindível à sua função técnica (cognição, execução ou asseguração). Entende-se por incidente 'manifestamente infundado' o que revela, à primeira vista, a a consciência da parte de que lhe falta razão, ou seja, não apresenta argumento sério e idôneo ao êxito. Daí por que não basta, à configuração do tipo, a rejeição do incidente.
Em contrapartida, tampouco atende à infração o intento procrastinatório da parte, embora seja inevitável, em virtude da marcha natural do incidente, o desperdício de atividade processual. Por exemplo, alguém demandado em razão de acidente de trãnsito, no lugar do evento (art. 53, V), alega incompetência, pretendendo deslocar o feito para seu próprio domicílio, pretextando que a tramitação do feito naquele local importar-lhe-á dificuldade no acesso à justiça. O fundamento constitucional carece de seriedade e relevância, porque a regra de competência tutela a parte contrária. Em tal hipótese, o incidente é manifestamente contra legem, incidindo o art. 80, VI. Não se localiza, aí, a convicção sincera, porém, errônea, ilidindo o comportamento desconforme ao dever de probidade.
Não é indispensável, por outro lado, a reiteração da conduta reprovável, suposição tirada do uso do substantivo incidente no plural da regra anterior. Basta um só incidente para caracterizar o art. 80, VI." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Parte geral: institutos fundamentais. Volume II - Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 289)
Apreciarei em sentença a alegada improbidade processual da requerida, no que toca à desistência do acordo, no aguardo da homologação judicial. Em primeiro exame, a medida parece situar-se no âmbito da sua autonomia da vontade. De toda sorte, a questão há de ser examinada com maior reflexão por época da prolação da sentença.
2.52. Narrativas veiculadas nos autos:
A parte autora sustentou ter tomado conhecimento da ocorrência de descontos indevidos na sua prestação previdenciária. O INSS argumentou ter observado as regras concernentes à consignação em pagamento - art. 121, lei 8.213/1991. A associação argumentou que a requerente teria aderido voluntariamente aos seus quadros, chancelando os descontos em questão.
A demandante sustentou não ter autorizado os descontos e tampouco ter se associado à referida entidade de classe. Disse que tampouco lhe teriam sido ofertados serviços pela CEBAP.
2.53. Normas que se cogitam aplicáveis ao caso:
Com cognição não exaustiva
, mencionei acima algumas normas suscetíveis de serem aplicadas ao caso no que diz respeito à promoção de descontos em benefícios previdenciários em razão de contratos ou de associação a associações. Tratei da questão alusiva à responsabilização civil dentre outros tópicos, todos com exame precário, ressalvando nova análise por época da prolação da sentença.
2.54.
Diligências probatórias:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que se revele conexa com o pedido e a causa de pedir deduzidos nos autos. Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido.
Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, CPC/15 ou do art. 420, parágrafo único, do CPC/73. Reporto-me ao art. 38, §2, da lei 9.784/99, que versa sobre o processo administrativo:
"
Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
."
2.55. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda.
2.56. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.57. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.58.
Eventual exame grafotécnico - considerações gerais:
O exame grafotécnico destina-se a aferir se determinado grafismo é compatível com aquela produzida por uma determinada pessoa.
Cuida-se, portanto, de um exame de autenticidade de determinados escritos ou mesmo desenhos. No seu âmbito, promove-se a análise - dentre outros tópicos - da carga da escrita, do grau de inclinação de determinados traços; velocidade do escrito; espaçamento entre letras e palavras; altra da palavra em relação às linhas de escrita; se a escrita é linear ou é angulada; a forma como determinadas letras são cortadas etc.
Para tanto, o perito/a perita deve promover a coleta do material gráfico a ser tido como verdadeiro - fornecido, por exemplo, pela parte autora, pela alegada vítima de um crime, por quem questiona um determinado contrato etc. -, para fins de confronto com o documento alvo de impugnação.
Em princípio, revela-se
"
imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada
."
(TJ-MT - APL: 00186724820158110002 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 07/11/2017). Assim,
"é imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada. Há o risco da prova pericial apresentar resultados imprecisos e ambíguos, o que ensejaria a realização de nova perícia.”
(TJMT, AI 126859/2014, de minha relatoria, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Publicado no DJE 12/12/2014)
Destaco, que em situação similar o Setor de Perícias de Polícia Federal já comunicou a este Juízo a inviabilidade de realização dos exames grafotécnicos sem a apresentação dos originais.
"(...)
Os documentos foram apresentados em forma de cópia. Os exames grafoscópicos devem ser preferencialmente realizados sobre as vias originais, pois em cópias as minúcias mais sutis da escrita não se encontram reproduzidas e o grau de certeza atingível nas conclusões é impactado negativamente – quanto menor a qualidade da cópia, menor o grau de certeza possível
. Em observância ao disposto na Orientação Técnica nº 15/2019-DITEC/PF, que padroniza os exames documentoscópicos no âmbito da Polícia Federal, como regra, os exames em cópias são realizados apenas quando a solicitação de exame declara explicitamente a inexistência ou indisponibilidade das vias originais (Art. 3º § 1º, Art. 8º parágrafo único).
6. A combinação dos dois problemas acima descritos inviabiliza a realização dos exames a partir do material ora apresentado.
7. Para que o exame seja viabilizado, é necessário providenciar: (...) [2] a via original do documento questionado, ou seja, o contrato apresentado no evento 8 (CONTR6). - autos 50370163620194047000).
2.59. Honorários
periciais
- gratuidade de Justiça:
O arbitramento de honorários periciais,
no regime da gratuidade de justiça
, no âmbito da Justiça Federeal, é regulamentado pela
Resolução n. 305
, de 07 de outubro de 2014, CJF. Por outro lado, tratando-se de perícia realizada perante a Justiça Federal e não se enquadrando na área de engenharia, contábil e ciências econômicas, o valor mínimo de R$ 62,13 e máximo de R$ 248,53.
Note-se que o limite de pagamento dos honorários periciais é do triplo do máximo, redundando em
R$ 745.59
, o que se revela insuficiente, em muitos casos, para remuneração do perito judicial, profissional liberal que atua sob regime de livre iniciativa.
Não há como o Juízo obrigar as partes a aceitarem eventual orçamento apresentado pelo(a) perito(a). Tampouco pode obrigaro o(a) perito(a) a promover a diligência probatória pelo valor ofertado pelas partes
.
Em princípio, aludido valor é aplicável à totalidade dos demandantes, conquanto se possa cogitar que - caso houvessem distribuído demandas autônomas, 01 autor por processo - cada um faria jus então à cota de até R$ 745,59. No mais das vezes, porém, a multiplicidade de demandantes não altera o limite inerente aos honorários sucumbenciais. E, ainda que assim não fosse, cogita-se que, no caso, os honorários superariam até mesmo o montante corresndente a R$ 745,59 multiplicado pelo número de requerentes.
Assim, há uma aparente dificuldade quanto ao custeio de eventual perícia. Isso não implica, por si, a inversão do ônus da prova, com registrei acima, por conta da adequada exegese do art. 373, §1, CPC/15
. Nâo há como o orçamento da Justiça Federal assumir encargos superiores ao mencionado. Isso não impede que os eventuais postulantes da diligência se predisponham a antecipar aludidos honorários periciais, caso se revelem suepriores ao limite acima detalhado.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento desta demanda e a sua submissão ao rito dos Juizados.
3.2. DESTACO que, no presente caso, não vislumbro um contexto de conexão processual, para fins de reunião e julgamento conjunto das demandas, conforme art. 55, §1, CPC/15 e leitura
a contrario sensu
235, Superior Tribunal de Justiça.
3.3. REGISTRO que não diviso sinais de desrespeito à garantia da coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição, art. 508, CPC), indicativos de eventual litispendência (art 337, §2, CPC), tampouco sendo caso de suspensão da tramitação da demanda - art. 313, CPC.
3.4. SUBLINHO que, ao prelibar a peça inicial da ADPF 1236, a Suprema Corte não determinou a suspensão das causas em tramitação versando sobre o tema presente, conquanto tenha determinado a suspensão do cômputo da prescrição da pretensão dos pensionistas/aposentados, alegadamente atingidos por descontos indevidos em seus benefícios previdenciários.
3.5. REPUTO que a partes estão legitimadas para a causa; que a peça inicial é apta e o(a) autor(a) possui interesse processual - art. 17, CPC.
3.6. ACRESCENTO que não diviso situação de litisconsórcio necessário na situação em exame, de modo a exigir a convocação de terceiros para comporem a relação processual - arts. 114, 115, 506, CPC/15.
3.7. SUBLINHO que o valor atribuído à causa se revela escorreito, em primeira análise eis que parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão da autora.
3.8. DESTACO ainda que a pretensão condenatória não foi atingida pela prescrição - art. 1. do decreto 20.910/32 - e que tampouco se operou a decadência do direito invocado na inicial. Quanto ao período subsequente à decisão prolatada na ADPF 1236, o cômputo da prescrição há de permanecer suspenso, até contraordem do STF.
3.9. DISCORRI acima, com cognição precária, sobre temas relacionados à autuação administrativa por conta de alegadas infrações às normas de trãnsito.
3.10. DEIXO de homologar o acordo noticiado pelas partes, diante do distrato manifestado pela parte requerida. Por conta disso, torno sem efeito a desistência manifestada pela parte autora quanto à pretensão endereçada ao INSS. Apreciarei em sentença a alegação de que a demandada teria incorrido nas sanções cominadas à improbidade processual.
3.11. REPUTO saneado o processo, quanto aos temas acima equacionados. Faculto manifestação às partes, para os fins do art. 357, §1, CPC, nos prazos abaixo detalhados, e quanto à indicação de eventuais diligências probatórias, como menciono tópicos abaixo. Prazo comum de 05 dias úteis, contados da intimação - arts. 219, 224, CPC.
3.12. ANOTO que não haverá estabilização quanto ao alcance das categorias jurídicas e equacionamento dos elementos de convicção, detalhads acima, eis que poderão ser revistas em sentença, não havendo preclusão
pro iudicato
quanto ao tema. Ressalvo, pois, nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
3.13. REGISTRO que cabe à associação demandada o ônus de comprovar a autenticidade de assinaturas porventura lançadas em termos de associação da autora junto àquela entidade. Incumbe-lhe também o ônus de comprovar que o(a) autor(a) teria se associado àquela entidade.
3.14. INTIMEM-SE as partes para, querendo, detalharem as diligências probatórias pertinentes e necessárias à solução da demanda. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.15. ANOTO que, caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar, no prazo de 15 dias, contados da intimação deste despacho, o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 34 da lei n. 9.099/95.
3.16. REGISTRO que, caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar - no prazo de 15 dias úteis, contados da intimação deste despacho - os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal.
3.17. VOLTEM-ME conclusos para complementar o saneamento ou, não sendo suscitadas outras objeções, tampouco requerida dilação probatória, para prolação de sentença - arts. 355 e 357, CPC/15.
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Processo nº 5034372-13.2025.4.04.7000
ID: 320811632
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5034372-13.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RODRIGO CARMINATTI LEINIG
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5034372-13.2025.4.04.7000/PR
AUTOR
: MARGARETE KIESKI MILANE
ADVOGADO(A)
: RODRIGO CARMINATTI LEINIG (OAB PR119170)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 27 de …
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5034372-13.2025.4.04.7000/PR
AUTOR
: MARGARETE KIESKI MILANE
ADVOGADO(A)
: RODRIGO CARMINATTI LEINIG (OAB PR119170)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 27 de junho de 2025,
MARGARETE KIESKI MILANE
deflagrou a presente demanda, sob o rito do Juizado Especial, em face do BANCO AGIBANK S.A. e INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pretendendo a condenação dos requeridos a se absterem de promoverem descontos no seu benefício previdenciário em decorrência de contratos de empréstimos, a lhe pagarem o dobro dos valores que tenham sido desbasatados a tal título, e a repararem os danos morais que disse ter suportado em decorrência disso.
Para tanto, a autora disse auferir proventos de aposentadoria junto ao INSS, e que terceiros teriam lhe aplicado um golpe, mediante tranferência do pagamento do benefício para o Agibank e contratações de empréstimos a sua revelia. Sustentou que a fraude seria manifesta e que tanto o INSS como o agente financeiro demandado seriam responsáveis solidários pela reparação dos danos por ela suportados.
Requereu a antecipação de tutela, detalhou seus demais pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 20.000,00, anexando documentos. O processo foi distribuído perante a 22ª VF de Curitiba, ao que seguiu-se a declinação da competência, com distribuição da causa mediante sorteio perante este Juízo.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
da
Justiça
Federal:
Reconheço a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a autora endereçou sua pretensão ao INSS, autarquia federal criada com força na lei n. 8.029/1990, art. 17. Logo, aplicam-se ao caso o art. 109, I, CF/1988 e o art. 10 da lei n. 5.010/66.
2.2. Submissão do caso à alçada e rito dos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"
Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença
."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, em princípio, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos no decreto nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário do autor, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Eventual complexidade da demanda não implica incompetência dos Juizados:
"A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
A pretensão da autora é de natureza condenatória, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. Ressalvo novo exame caso, diante da emenda determinada adiante, o valor da causa ultrapasse referido limitador de 60 salários mínimos
.
2.3.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do
art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, Constituição, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão da causa ao presente Juízo:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, mediante sorteio abrangendo os Juízos desta Subseção de Curitiba, o que atendeu à garantia do Juízo Natural.
2.5. Conexão processual:
Não diviso um contexto de conexão processual, a ensejar a reunião desta demanda com outra para solução conjunta, conforme art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ, em leitura
a contrario sensu.
2.6. Singularidade da demanda:
A presente demanda aparenta ser singular, não havendo indicativos de violação à garantia do respeito à coisa julgada - art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC/15. Tampouco há sinais de incorrer em litispendência, conforme definição do art. 337, §2, CPC.
2.7. Eventual suspensão do processo:
Na presente etapa da demanda, não vislumbro lastro para a suspensão da causa, na forma do art. 313, CPC, eis que não atendidos os requisitos para tanto. Em determinados casos, a suspensão é ditada pelos Colegiados Recursais, conforme art. 982, CPC, o que não ocorre no caso em apreço, conforme relatei acima.
2.8. Pertinência subjetiva da autora:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, o seu benefício previdenciário estaria sendo alvo de descontos indevidos. Ela deduziu pretensão em nome próprio, na defesa de interesse próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15
.
2.9. Legitimidade do INSS para a causa:
Por seu turno,
o INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios na transferência da conta de depósito de prestações previdenciárias
.
DIREITO ADMIN. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
2.10. Litisconsórcio passivo necessário - banco requerido:
O banco demandado deve figurar como requerido na demanda, diante da alegação da autora de que referidos valores, desbastados no benefício previdenciário da requerente, lhe teriam sido transferidos, na condição de mutuante. Aplica-se ao caso, também aqui, o art. 17, CPC
.
DIREITO ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
Na espécie, a autora deduziu pretensão à declaração da invalidade e inexigibilidade das aludidas prestações, desbastadas junto à sua prestação previdenciária mensal. Assim, cuida de efetivo litisconsórcio passivo necessário, por força do art. 506 e dos arts. 114-115, CPC.
2.11. Interesse processual:
Ao que se infere dos autos, a pretensão da demandante provavelmente não seria acolhida pelos requeridos na espera extrajudicial. Ademais, por força do art. 5, XXXV, Constituição, a requerente não está obrigada a exaurir o debate no âmbito administrativo, antes de ingressar em Juízo.
Por outro lado, caso a pretensão venha a ser julgada procedente pelo Poder Judiciário, isso lhe será útil, por ensejar a suspensão dos descontos no seu benefício previdenciário. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade/utilidade/adequação procedimental restou satisfeita.
2.12.
Valor
da causa:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pelo autor (art. 293, CPC/15).
2.13. Valor da causa -
processo
em exame:
NO CASO, a autora deduziu pretensão à suspensão dos descontos decorrentes de alegada contratação de empréstimos fraudulentos e à declaração da ausência de relação jurídica com a instituição financeira demandada em razão dos contratos indicados na inicial. Ela postulou que lhe seja pago o dobro das parcelas eventualmente descontadas do seu benefício previdenciário e declarada a inexistência da contração. Requereu a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização de danos morais, sem contudo indicar qual o valor pretendido de indenização. Ela atribuiu à causa o valor de
R$ 20.000,00.
Há necessidade de que a autora esclareça qual o valor da indenização por danos morais pretendida e, sendo o caso, retifique o valor atribuído à causa na inicial, a fim de que corresponda à soma dos valores que teriam sido descontados indevidamente do seu benefício, até a propositura da demanda e considerados em dobro, acrescidos de uma prestação anual, correspondente às parcelas vincendas (descontadas após o ingresso da demada) e do valor dos danos morais perseguidos, nos termos do art. 292, II, V, VI, §§ 1º e 2º, CPC//2015.
2.14. Prioridade na tramitação:
Defiro à parte autora, ademais, a prioridade na tramitação, prevista no
art. 71 da lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003
, estatuto do idoso, dada a idade da demandante.
2.15.
Considerações gerais sobre a
teoria
da substanciação:
Como sabido, em regra o Poder Judiciário apenas pode apreciar aquilo que tenha sido efetivamente pedido pelas partes. É o que se infere dos artigos 141, 322 e 492, Código de Processo Civil/2015.
Por outro lado, o Direito brasileiro esposou a teoria da substanciação, conforme bem explicita Cândido Rangel Dinamarco:
"Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e consequentemente da sentença (art. 128) mas os fundamentos jurídicos não. Tratando-se de elemento puramente jurídico e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao Juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus)."
(DINAMARCO.
Instituições de Direito Processual Civil.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 132).
Tanto por isso, a parte demandante é obrigada a indicar o pedido e a causa de pedir correspondente (art. 319, III e IV, CPC). Por sinal, deve haver conexão lógica entre ambos, conforme se infere do art. 330, § 1º, I e II, CPC.
Reporto-me à lição de Celso Agrícola Barbi:
"A lide, mesmo no sentido sociológico com que a configura Carnelutti, apresenta-se, no processo em limites fixados pela parte. Isto é, mesmo que a lide como entidade sociológica, fora do processo, tenha determinada extensão, ela pode ser apresentar apenas parcialmente no processo. E é nesses limites em que ala foi trazida ao juiz que este deve exercer a sua atividade. Em outras palavras, o conflito de interesses que surgir entre duas pessoas será decidido pelo juiz não totalmente, mas penas nos limites em que elas o levarem ao processo. Usando a formula antiga, significa que o juiz não deve julgar além do pedido das partes: ne eat judex ultra petita partium. Nesses casos, a convicção do juiz é necessária, para evitar que sua atividade se transmude em de criador de direitos subjetivos, deixando a de atuar a lei. A vedação ao juiz, no que se refere ao autor, não se restringe, porem, ao pedido, mas também à causa de pedir. O julgador deve decidir a pretensão do autor com base nos fatos jurídicos por ele alegados, não podendo admitir outros como fundamento da procedência da ação." (BARBI.
Comentários ao Código de Processo Civil.
13. ed., 2008,p. 403).
Menciono também o seguinte julgado, emanado do STJ:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÍNICA MÉDICA. SÓCIOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CAUSA DE PEDIR. ALTERAÇÃO. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU DA CONGRUÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE. EXCLUSÃO. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
1. Segundo o princípio da adstrição ou da congruência, deve haver necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra ou ultra petita. 2.
O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial
. 3. Incide em vício de nulidade por julgamento extra petita a decisão que julga procedente o pedido com base em fato diverso daquele narrado pelo autor na inicial como fundamento do seu pedido. 4. Se a causa de pedir veio fundada no sofrimento dos autores em função da morte do paciente, imputada aos maus tratos sofridos durante a internação, era defeso ao Tribunal de origem condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacionadas com o óbito. 5. Excluído pelo acórdão recorrido, com base na prova dos autos, o nexo causal entre o resultado morte e o tratamento recebido pelo paciente, ao consignar que se tratava de paciente em estado terminal, a improcedência da ação é solução que se impõe. 6. Recursos especiais providos. ..EMEN: (RESP 200902391200, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/05/2010 ..DTPB:.)
A indicação do pedido e da causa de pedir correspondentes é um requisito próprio à cláusula do devido processo (art. 5º, LIV e LV, CF). Afinal de contas, somente assim o requerido pode saber sobre o que se defender; cuida-se também de requisito para a garantia do postulado dispositivo, eis que o pedido/causa de pedir delimitam a causa.
Como igualmente sabido, a parte pode renovar o mesmo pedido, indicando causa de pedir diversa (art. 337, §2º, CPC).
Tanto por isso é que o Código de Processo veda a formulação de pedidos indeterminados, conforme se infere do art. 324, CPC. De modo semelhante, o sistema também proíbe o juízo de prolatar sentenças indeterminadas (art. 492, parágrafo único, CPC).
2.16. Aptidão da peça inicial:
A autora postula a condenação do INSS e do Banco Agibank, sustentando que seriam responsáveis pela realização de descontos indevidos em seu benefício, decorrentes de empréstimos com a intituição financeira demandada, os quais ela não teria realizado. De outro norte, disse que terceiros teriam comparecido à sua residência, tirado fotografias de seu rosto e documentos, bem como teriam solicitado a portabilidade do benefício previdenciário da autora para o banco demandado.
A narrativa empreendida na inicial não permite a perfeita compreensão do contexto em que se dera a alegada fraude, devendo a autora esclarecer melhor os fatos e sua ordem cronológica, indicando porque entende possuírem os demandados responsabilidade pelos danos causados por terceiros, bem como instruir os autos com documentos pessoais, comprovante de residência, extratos bancários contemporâneos à época das contratações e cópia de eventual registro de ocorrência, lavrado pela autoridade policial.
2.17. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo
. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Quando se cuide, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários (art. 1º, §5º).
A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza
(art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
Por outro lado, como sabido, o juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da
tutela
.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55)
2.18. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008).
2.19. Prazos prescricionais:
No que toca ao INSS, a pretensão da autora está submetida ao prazo prescricional de 05 anos, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
Na espécie, no que diz respeito à pretensão endereçada à autarquia, aplica-se ao caso o prazo prescricional de 5 anos. Referido lapso deve ser computado a partir da data em que o sujeito toma conhecimento da agressão aos seus interesses, conforme conhecido postulado da
actio nata,
e art. 189, Código Civil/2002.
No que diz respeito ao agente financeiro requerido, em princípio, o prazo prescricional é de 3 anos, por força do art. 206, §3º, V, Código Civil, lapso que tampouco se esgotou no caso em exame, considerando-se a data da contratação do empréstimo impugnado neste processo e a data de deflagração desta causa. Caso seja aplicável ao caso o art. 27 da lei 8.078/1990 o prazo é de 5 anos, contados da data em que a parte tenha tomado conhecimento da alegada lesão aos seus interesses.
2.20. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Em primeiro exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade
.
2.21. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90. IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, no que diz respeito à relação entre o demandante e o banco requerido.
Solução semelhante não pode ser dispensada, contudo, à relação entre o autor e o INSS,
eis que submetida aos ditames do direito administrativo, não se tratando de vínculo consumerista.
Com efeito, na espécie, o vínculo com o INSS não deu ensejo ao pagamento de preços públicos ou tarifas -- ao contrário do que ocorre com o uso de rodovias pedagiadas, ou pagamento do fornecimento de água e energia elétrica.
Não se aplica ao caso o art. 22, CDC
, de modo que não se aplica o código do consumidor quanto à relação travada entre o(a) autor(a) e a autarquia.
2.22. Efeitos da aplicação parcial do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre a autora e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos." (EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre o requerente e o banco requerido.
2.23. Eficácia vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.24. Funcionalização dos pactos:
Mencionei acima que, por muito tempo, vigorou a premissa de que um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na sua celebração, diante da eventual ocorrência de dolo, erro, coação, vício redibitório, teoria da lesão e assim por diante.
Em período mais recente, porém, os resultados dos contratos têm sido tomados em conta para se aferir a sua validade. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor passou a vedar a celebração de contratos extremamente onerosos, em cujo âmbito haja significativa desproporção entre prestações e contraprestações (arts. 39 e 51, CDC). Solução semelhante foi verbalizada pelo Código Civil/2002, arts. 478 a 480.
Ademais, o Estado passou a regulamentar determinados contratos, reconhecendo que não se limitariam à convergência de interesses individuais, servindo, isso sim, como mecanismos de intervenção nas relações privadas, em prol de interesses públicos, como ocorre com contratos educacionais, contratos de prestação de serviços de saúde, contratos de seguro, contratos de locação e assim por diante. Ou seja, isso se traduz em ingerência estatal nos pactos, concebidos como instrumentos para obtenção de determinados vetores públicos.
Isso sse traduz na funcionalização dos pactos.
2.25. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.26. Eventuais
novações
contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
2.27. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.28. Eventual
simulacro
de negociação:
O emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito
implica a própria ausência do pacto
. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.29. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.30.
Contrato de
mútuo
feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrato, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.)
2.31. Contrato de cartão de crédito
consignado:
Sabe-se, ademais, que o contrato de administração de cartão de crédito está orientado a facilitar as transações comerciais, antecipando-se renda futura. Com isso, os sujeitos podem parcelar suas compras, celebrar transações internacionais e consolidar pagamentos.
Como diz Efing,
"
Utilizado como uma forma de facilitar o funcionamento de operações de natureza comercial, o cartão de crédito encerra em seu conteúdo a articulação de três peças fundamentais concernentes às relações levadas a efeito em sua dinâmica funcional
. Tais peças, reconhecidas como pessoas integrantes do sistema de cartões de crédito, na doutrina recebem, cada qual, sua respectiva denominação: emissor, titular do cartão e fornecedor. O emissor, cumprindo com a promessa de intermediar a relação de compra e venda entre o titular do cartão de crédito e o fornecedor, aparece como uma pessoa jurídica dedicada à atividade financeira. No âmbito do cartão de crédito, o emissor facilita a venda ao titular, emitindo o cartão. Esse ato, portanto, credencia o portador (titular do cartão de crédito) à aquisição de mercadorias e serviços junto aos fornecedores afiliados."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. tópico 6.7.).
Acrescente-se que,
"de modo contrário do que se pode imaginar, o titular beneficiário do cartão de crédito, se dele fizer uso para adquirir produtos ou serviços junto aos fornecedores, não se responsabiliza pelo pagamento frente aos fornecedores. É ao emissor do cartão que se atribui a responsabilidade de pagar aos fornecedores o montante deliberado pelo usuário do cartão, vindo posteriormente a ser reembolsado pelo usuário.
O contrato de cartão de crédito autoriza ao consumidor titular do cartão efetuar pagamentos com o limite de crédito aberto pelo fornecedor emissor, podendo o consumidor restituir ao emissor a importância paga em determinada data aprazada ou parceladamente, mediante, neste caso, o pagamento de juros decorrentes do crédito cedido
."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Desse modo, o contrato de cartão de crédito é celebrado entre a instituição administradora e o(a) interessado(a). A instituição se obriga a lhe conceder crédito, encaminhando-lhe faturas periódicas para pagamento, ao tempo em que o tomador do empréstimo se obrigada a reembolsar o valor emprestado, com os juros contratados, além de se obrigar a pagar taxas administrativas decorrente do uso do cartão. A administradora do cartão torna-se, assim, uma intermediária na relação entre o usuário e as empresas que tenham aceitado aludido instrumento para pagamento de seus produtos e bens. Segundo súmula 283, STJ, tais entidades são equiparadas a instituições financeiros, muito embora não criem "moeda escritural" - o que ocorre corriqueiramente com bancos, ao receberem recursos em depósito e repassarem a tomadores de empréstimo. Isso pode ensejar a aplicação da súmula 596, STF, por conta da conjugação do decreto 22.626/1933 com a lei n. 4.595/1964.
Destaco que
"
cabe ao consumidor o pagamento dos débitos por ele contraídos com a utilização do cartão, obrigando-se ao pagamento da fatura. Todavia, não raro nas faturas de cartão de crédito constam valores indevidamente lançados, bem como são comuns as cláusulas abusivas nos contratos de cartão de crédito
. Podem ser encontradas, entre outras, as seguintes cláusulas: outorga de poderes para, junto à instituição financeira de escolha do emissor fornecedor, por conta do consumidor, negociar e obter crédito; bem como poderes para assinar o aludido contrato de financiamento, abrir conta-corrente em banco, assinar títulos representativos do débito do consumidor, inclusive notas promissórias, acertar prazos, juros, comissões e encargos; em caso de perda, furto ou roubo do cartão de crédito, mesmo que este tenha sido cancelado automaticamente, responderá o consumidor por débitos oriundos do mau uso do cartão decorrente da perda, furto ou roubo. Tais cláusulas, inseridas no contrato de adesão, ao desobrigarem o emissor fornecedor e colocarem o consumidor em situação excessivamente desvantajosa, são nulas de pleno direito, por afrontarem o sistema de proteção do consumidor."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Ademais, também é importante ter em conta que,
"
atualmente pode-se aderir a um contrato de cartão de crédito enquanto se abastece um automóvel num posto de serviço e revenda de combustíveis, por exemplo, sendo que nesta e em outras situações semelhantes o consumidor sequer é esclarecido das condições básicas do contrato, não chegando a analisar suas cláusulas.
O consumidor termina por assinar a proposta para a contratação do cartão de crédito e vem a receber pelo correio a confirmação da contratação sem, muitas vezes, receber da instituição financeira ou administradora as informações e esclarecimentos minimamente necessários ao suficiente cumprimento do dever de informação."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Quanto aos requisitos de validade do cartão, registro:
"a) Requisitos subjetivos – Em relação ao titular, este poderá ser pessoa física ou jurídica. Sendo pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica, deve funcionar regularmente, ou seja, deverá ter sido constituída e funcionar de acordo com a Lei. Uma sociedade de fato não poderá ser titular de cartão de crédito. Apenas seus sócios poderão sê-lo.
Quanto ao emissor, deverá ser pessoa jurídica autorizada a emitir e administrar cartões de crédito. Pode ser instituição financeira ou não e servirá de intermediário entre o titular e os fornecedores, para que se opere entre eles a compra e venda de bens ou serviços
.
Por fim, o fornecedor poderá ser pessoa física ou jurídica, credenciada junto ao emissor, para oferecer seus bens ou serviços aos titulares do cartão. Se pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica deverá funcionar dentro dos parâmetros legais.
b) Requisitos objetivos –
O objeto do contrato é, em última instância, o financia- mento da aquisição de bens e/ou serviços, que deverão ser possíveis tanto do ponto de vista material quanto jurídico. Não se pode comprar um lugar no céu com cartão, nem tampouco cocaína, pelo menos aqui no Brasil
.
c) Requisitos formais – Quanto à forma, já vimos que o contrato de cartão de crédito é consensual, em respeito ao princípio do consensualismo. Na prática, porém, é sempre celebrado por escrito, sendo tipicamente de adesão." (FIUZA, César.
Direito civil:
curso completo. SP: SP. 2015).
2.32.
Consignação em pagamento de prestações de mútuo:
Em princípio, a consignação em pagamento, com desconto em benefícios previdenciários, é medida autorizada pelo art. 115 da lei n. 8213/1991:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do
valor
do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Para tanto, contudo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão (art. 157, Código Civil) - implicam nulidade da relação jurídica.
Anota Frederico Amado que
"
Em caso de concorrência, vale ressaltar que os débitos do beneficiário em decorrência do pagamento de benefício além do devido terão preferência sobre os créditos consignados em favor de instituições financeiras em razão de empréstimos contratados pelo aposentado ou pensionista
."
(AMADO, Frederico.
Curso de direito previdenciário.
Salvador: Iuspodium. p. 1005).
2.33. Eventual imposição de devolução do
dobro
descontado:
Com cognição NÃO EXAUSTIVA, reitero que, em princípio, o CDC não se aplica à relação travada entre autora e INSS, dado não serem aplicáveis ao caso o art. 3º e 22, da lei n. 8.078/1990. Note-se que não está em debate neste processo eventual prestação de serviço público remunerado por meio de tarifas. Tanto por isso, não se aplica ao conflito havido entre o autor e o INSS o disposto no art. 42, CDC, que preconiza o direito do consumidor em receber o dobro do que porventura ele tenha pago indevidamente.
No que toca ao alegado vínculo com o banco, contudo, o CDC incide. Sabe-se que
"A lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de que o consumidor tenha pago.
Isto é, para ter direito a repetir o dobro, é preciso que a cobrança seja indevida e que tenha havido pagamento pelo consumidor. A hipótese legal soa estranha, uma vez que não parece normal que alguém que não deva pague novamente
. Mas os pagamentos em função de cobrança indevida não são raros."
(RIZZATTO NUNES.
Direito do consumidor.
SP: Saraiva, 2004, p. 544)
Atente-se, em primeiro exame, para os seguintes julgados, versando sobre o alcance do referido art. 42, CDC:
"(...)
Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor
." (RESP 200500278731, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:06/12/2012 ..DTPB:.)
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE E O RECURSO NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE ANTE O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. I - Na decisão agravada, além de entender que o recorrente não teria logrado demonstrar de plano como o aresto hostilizado teria malferido os artigos elencados na peça recursal, entendeu-se que tais dispositivos não teriam sido devidamente prequestionados, o que ensejou a incidência da Súmula nº 282/STF. Desse modo, não infirmado este último fundamento, o qual é autônomo e suficiente para manter o julgado quanto ao ponto, aplica-se a Súmula nº 283 do STF. II -
Esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que, somente quando caracterizada a má-fé na cobrança indevida, é cabível a aplicação do art. 42 do CPC (restituição em dobro do valor pago indevidamente)
. Precedentes: AgRg no REsp nº 1.245.373/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011; REsp nº 1.250.314/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 10/06/2011; REsp nº 1.231.803/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 31/03/2011. III - Tendo o Tribunal de origem entendido que não se havia comprovado má-fé na conduta da ora recorrida, forçoso reconhecer que, para rever o juízo ordinário acerca da ausência da má-fé, na espécie, se mostra indispensável a análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV - Agravo regimental improvido. ..EMEN:(AGRESP 201102817155, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:09/10/2012 ..DTPB:.)
Convém registrar também o alcance do art. 940 e 941, do Código Civil, de 2002, alvo dos lúcidos comentários de Maria Helena Diniz como segue:
"Responsabilidade do demandante por débito já solvido: O artigo sub examine trata do caso do excesso de pedido, ou seja, do re plus petitur (Revista do Direito, 59:593, RT, 804:189, 799:363), com o escopo de impedir que se cobre dívida já paga, e
só será aplicável mediante prova da má-fé do credor
, ante a gravidade da penalidade que impõe.
Assim, quem cobrar judicialmente dívida já paga, no todo ou em parge, sem ressalvar o
quantum recebido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.
Responsabilidade por cobrança de quantia indevida - Se o credor vive a pedir mais do que lhe for devido, deverá pagar ao devedor o equivalente ao dobro do que dele exigir
. (...)
Desistência da ação. Se o autor desistir da ação antes da contestação ad lide, as penas dos arts. 939 e 940 não lhe serão aplicadas, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Isto porque, com a desistência, o autor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-se do que fez. Todavia, mesmo assim, deverá pagar as custas processuais do processo intentado, embora não as pague em dobro." (DINIZ, Maria Helena.
Código Civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 702-704. Omiti parte do texto)
Em princípio, a sanção do art. 940, Código Civil/2002, somente é cabível quando demonstrada a má-fé daquele que cobrou dívida já adimplida. Semelhante é a orientação jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA EM EXCESSO. ARTIGO 940 DO CC/2002. MÁ-FÉ DO CREDOR. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2.
Consoante a jurisprudência desta Corte, somente quando comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida é que ela ficará obrigada a devolver em dobro o que cobrou em excesso
. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 4. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou os elementos fáticos dos autos para afastar a litigância de má-fé quanto à cobrança do valor em excesso e para distribuir os encargos sucumbenciais. Dessa forma, inviável o conhecimento do recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201101253069, ANTONIO CARLOS FERREIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:31/10/2014 ..DTPB:.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na fixação da reparação por danos morais leva-se em conta o critério de razoabilidade, tendo em vista as circunstâncias da causa. 2.
Para que haja o pagamento em dobro da dívida já paga (art. 940 do Código Civil) é necessária comprovação de má-fé do credor
. Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (AC 00422684520074013400, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:27/05/2013 PAGINA:829.)
Promovo aludido registro com cognição precária, ressalvando nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
2.34. Eventual prática de fraudes:
Note-se que as obrigações decorrentes de contratos simulados não podem ser opostas a quem não tenha praticado tais expedientes fraudulentos. Em casos tais, contanto que provados, não haverá efetivo vínculo contratual envolvendo a parte cujo nome tenha sido empregado indevidamente. Cuidar-se-á de dolo, orientado a adulterar a percepção da realidade por parte de terceiros. Isso desnatura o vínculo contratual.
Deve-se apurar, então, se a instituição financeira, apontada como mutuante, teria atuado de forma incorreta, negligente, na celebração da avença.
2.35. Responsabilidade bancária:
Na obra já mencionada, Effing enfatiza que
"
A responsabilidade civil dos agentes bancários e financeiros, segundo as normas do Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor, ao contrário da tradicional sistemática adotada pelo Direito Civil (responsabilidade preponderantemente subjetiva, com algumas previsões no tocante à responsabilidade objetiva, conforme art. 927 c/c arts. 186 e 187 do CC/2002 ), não decorre exclusivamente de ato culposo do agente causador da lesão contratual ou extracontratual
. No sistema brasileiro de defesa do consumidor, a apuração da conduta culposa do agente não é o elemento determinante para a responsabilização, e, sim, a ocorrência de dano ao consumidor em razão da atividade desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo e, nos casos previstos no Código de Defesa do Consumidor, a mera conduta ilícita, independentemente da configuração de dano concreto ao consumi- dor (como ocorre com a simples veiculação de publicidade enganosa ou abusiva)."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. item 10.1.)
Ademais,
"
Conforme descrito pelo Código de Defesa do Consumidor, vício do produto é a repercussão danosa intrínseca advinda da disparidade entre o produto e as indicações constantes de seu rótulo, recipiente, embalagem ou mensagem publicitária, ou a característica de qualidade/quantidade que, ao revesti-lo, o torna impróprio ou inadequado ao consumo ou lhe diminui o valor (art. 18, caput, do CDC)
. Semelhantemente, vício do serviço é a repercussão danosa intrínseca decorrente de disparidades entre o serviço e as indicações constantes da oferta, ou a característica de qualidade que o torna impróprio ao consumo ou que lhe diminua o valor (art. 20, caput, do CDC). Havendo vício do produto ou serviço, poderá o consumidor solicitar que o vício seja sanado, que haja abatimento proporcional do preço, que seja restituída a quantia paga (atualizada monetariamente e sem o prejuízo de eventuais quantias devidas a título de perdas e danos), ou a substituição do produto ou reexecução do serviço (arts. 18, § 1.º e 20, § 1.º, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra cit
. item 10.1.)
Além do mais,
"Ao se abordar a responsabilidade civil do agente bancário ou financeiro, na maioria das vezes se está diante da ocorrência de dano ao consumidor em razão de um serviço defeituoso ou de informações inadequadas e insuficientes (fato do serviço), e não da existência de um produto ou serviço simplesmente viciado. Para a responsabilização do fornecedor agente bancário ou financeiro, portanto, basta a ocorrência de dano (patrimonial e/ou extrapatrimonial) advinda de evento danoso de consumo (fato do produto ou serviço, normalmente fato do serviço) e o nexo de causalidade, cabendo ao consumidor demonstrar e provar a ocorrência e extensão do dano a fim de que obtenha a efetiva e integral reparação dos danos (art. 6.º, VI, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra cit
. item 10.1.)
De todo modo, conquanto a culpa não tenha o condão de exonerar o prestador de serviço bancário a respeito de danos decorrentes da sua atividade - dada a responsabilização objetiva prevista na lei 8.078/90 -, é fato que outras causas excludentes podem ser invocadas, em conformidade com Código de Defesa do Consumidor, a exemplo da alegação/prova da ausência de defeito no serviço prestado/produto vendido (art. 12, § 3, II, e §§1 e 2; e art. 14, § 3, I, e §§ 1 e 2), culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro equiparado a consumidor (art. 12, §3, I e III, e art. 14, §3, II, do CDC/90) e caso fortuito ou motivo de força maior, conforme art. 393, parágrafo único, Código Civil/02.
Em princípio, quando se trate de fato do produto ou serviço, a tutela do Código de Defesa do Consumidor atinge não o consumidor destinatário final da atividade do fornecedor bancário e todas as demais vítimas do evento danoso, por força do art. 17 do CDC. Ademais,
"Dois elementos de grande importância nas relações bancárias de consumo, e que repercutem diretamente na configuração do fato do serviço bancário, são a confiança e a segurança. Ao se utilizar de um serviço bancário, o consumidor deposita integral confiança na instituição financeira, com a legítima expectativa de que o serviço prestado atenderá padrões mínimos de segurança, até porque normalmente tais serviços ou operações envolvem dinheiro. Desta maneira, as relações jurídicas existentes entre clientes e instituições bancárias e financeiras, pela própria atividade desenvolvida, impõem absoluta segurança, que se traduz no mais das vezes como confiança. Na espécie, confiança que leva à segurança patrimonial, como pontifica a doutrina mais abalizada, para Parra Lucan:“el concepto de 'seguridad' sería más amplio que el de 'salud' o el de 'seguridad física', y equivaldría a una garantía global de adequación de los productos a las legítimas expectativas de los consumidores."
Segundo Sérgio Carlos Covello,
"
os contratos bancários têm por objeto valores e, por isso mesmo, exigem a realização de certos atos que permitam a comprovação imediata da operação realizada
. Não podem, pois, ficar circunscritos a sistemas tradicionalmente adotados em matéria civil ou comercial:
precisam de rigorosos assentamentos de contabilidade
. Os contratos, assim, se inscrevem em conta-corrente que se transforma no espelho contábil da operação. As prestações que deles derivam se anotam segundo a técnica do 'haver' e 'dever'. Tais anotações são de indiscutível valor probatório, visto que podem esclarecer, de maneira eficaz, a possível discrepância entre as partes, dada a escrupulosa contabilidade bancária e sua presumível imparcialidade".
(COVELLO, Sérgio Carlos.
Contratos bancários.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 44). Nas palavras de Garrigues:
"os bancos não realizam anotações em seus livros com fins de prova, e, por outra parte, uma contabilidade que não fora correta seria praticamente impossível de suportar, pois qualquer artifício ou alteração repercutiria no conjunto do sistema."
Não raro, as relações de consumo estão fundadas em certa assimetria, ensejando a invocação do aforismo de Lacordaire: "
no confronto entre o forte e o fraco, a igualdade escraviza e a lei liberta
!" Importa dizer: a legislação acaba por estipular institutos destinados a tutelar os consumidores contra práticas potencialmente lesivas, promovidas por grandes corporações. Isso não significa, por óbvio, que toda e qualquer alegação dos consumidores deva ser acolhida, tanto quanto não implica supor que qualquer dano deva ser imputado aos fornecedores. Exige-se a apuração dos fatos e o confronto sereno com a legislação aplicável, atentando, contudo, para os vetores fundamentais que animam o Código de Defesa do Consumidor.
2.36. Fatos de terceiros e
aplicativos
bancários:
Quanto a cogitada fraude é tida por praticada por empregado do banco, aplica-se o art. 932, III, Código Civil/2002. Quanto praticada por terceiros, deve-se atentar,
em primeiro exame
, para o que detalho abaixo.
Ao que consta, as principais fraudes praticadas com o uso do Pix consistem em ataques de phishing, prática de engenharia social empregada para ludibriar o consumidor e induzi-lo a compartilhar voluntariamente seus dados ou seu dinheiro com os fraudadores
. Também há casos de clonagem do WhatsApp de um consumidor, para, em seguida, solicitar transferências de valores, via Pix, aos seus contatos. Por vezes, o fraudador se faz passar pelo consumidor com outro número de telefone e, de alguma forma, descobre alguns contatos dele e envia mensagens solicitando a transferência de valores, via Pix, alegando que mudou de número. Além disso, há os casos de fraudes em que o sujeito entra em contato com o consumidor por telefone se passando por um empregado de uma instituição financeira, com a qual a vítima tenha relacionamento ativo, oferecendo ajuda para cadastrar uma chave Pix ou, ainda, alegando a necessidade de realização de um teste de transferência via Pix. (https://portal.febraban.org.br/noticia/3602/pt-br).
Em princípio, caso constatado que o banco teria contribuído, de algum modo - por ação ou omissão - para o resultado danoso, a responsabilização objetiva pode ser cogitável. Isso compreende os casos em que os aplicativos disponibilizados se revelem inseguros; casos em que se permita ao cliente a redução de um limite mínimo de segurança, indispensável para a operação bancária. Também se cogita disso nos casos em que, depois da fraude, o consumidor tenha atuado de modo diligente, sem encontrar amparo junto à instituição financeira. Trata-se, não raro, de um problema relacionado aos fatos havidos - ou seja, um problema de prova e de ônus da prova -, muito mais do que um debate sobre normas aplicáveis.
Os Tribunais já chegaram a decidir, sobre o tema, como segue:
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FRAUDE DE TERCEIRO. GOLPE DA FALSA CENTRAL TELEFÔNICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. FORTUITO INTERNO. DÉBITO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. I - A alegação de falha na prestação de serviço por fraude de terceiro não retira a legitimidade do Banco-réu para integrar o polo passivo da demanda. II -
A conduta do Banco-réu, ao permitir a realização de transações na conta da autora, mediante fraude pelo telefonema recebido com número oficial da instituição financeira, com orientações para instalação de aplicativo de segurança, para então acessar o celular e o aplicativo do Banco, representa falha na prestação dos serviços, e a responsabilidade objetiva daí decorrente não é elidida pela atuação de terceiro fraudador. Teoria do risco da própria atividade lucrativa desenvolvida pela instituição financeira, art. 14, § 1º, inc. II, do CDC; art. 927, parágrafo único, do CC e Súmula 479 do eg. STJ
III - Apesar de constatadas a fraude de terceiros e a falha na prestação dos serviços, não ficou configurada nenhuma lesão aos direitos de personalidade. Improcedente o pedido de indenização por danos morais. IV - Apelação do réu parcialmente provida. (TJ-DF 0720146-46.2023.8.07.0001 1821789, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/02/2024, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 15/03/2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÕES. CONSTATAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO. COMPRAS NÃO RECONHECIDAS. ?GOLPE DO MOTOBOY?. FRAUDE. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DEMONSTRAÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. CONCESSÃO. RESULTADO DO JULGAMENTO. ALTERAÇÃO. 1. Os Embargos de Declaração são cabíveis contra decisão judicial que estiver eivada de omissão, contradição, obscuridade ou erro material, admitindo-se, excepcionalmente, a modificação do julgado, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC/15. 2. Constatadas omissões no acórdão, os Embargos de Declaração devem ser acolhidos, com efeitos infringentes, para alterar o resultado do julgamento da Apelação interposta pelo Banco Réu. 3. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ?O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos?. 4.
A despeito de a Autora ter reconhecido que, por ter sido vítima de um golpe, forneceu os cartões de crédito e as senhas a terceiros, não se pode desconsiderar que as transações realizadas em nome da consumidora destoavam completamente do histórico de gastos dela, seja pela natureza das compras, seja pelos montantes, de modo que era possível ao Banco ter percebido a ocorrência da fraude, adotando as medidas de segurança cabíveis para evitá-la. 5. Considerando que cabe ao Banco zelar pelo sistema antifraude, e diante da notória atipicidade dos gastos efetuados com os cartões da consumidora, constata-se a falha na prestação do serviço pela Instituição Financeira, bem como a relação de causalidade entre a conduta do Banco e os prejuízos causados à cliente, o que atrai a responsabilidade da Instituição pela reparação dos danos materiais
. 6. Uma vez que a situação delineada no feito não desborda de mero aborrecimento do cotidiano, afasta-se a condenação em dano moral. 7. Embargos de Declaração conhecidos e providos, com efeitos infringentes. (TJ-DF 07310775020198070001 DF 0731077-50.2019.8.07.0001, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/10/2020, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 05/11/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. CONSUMIDOR. ROUBO DE CELULAR CONTENDO APLICATIVO DO BANCO RÉU. FRAUDE BANCÁRIA. FALHA NO SISTEMA DE SEGURANÇA DO APLICATIVO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER ATO CULPOSO OU DOLOSO PRATICADO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE SENHA. Consumidor vítima de roubo de celular. Terceiro que logrou, via aplicativo da instituição financeira, fazer indevida movimentação na conta corrente. Transferência entre contas no montante de R$. 9.663,099.
O autor não forneceu a senha a terceiros. A questão se localizava na falha de segurança do serviço bancário, ao permitir acesso dos criminosos, via aplicativo, à senha da conta corrente do autor e sua movimentação. Nem se diga que à autora cabia também a comunicação ao banco réu para se evitar uso do aplicativo e acesso à conta corrente. o acesso ao aplicativo se dava por reconhecimento facial e em algum momento esta tecnologia falhou, visto que os criminosos tiveram acesso aos dados bancários do consumidor. Faltou segurança ao serviço bancário via aplicativo. Sua fragilidade viabilizou o indevido acesso dos fraudadores, porquanto o autor viu seu celular roubado sem que tivesse fornecido qualquer dado (senha ou número de conta corrente). E, o autor providenciou a desativação do Token (i-safe) vinculado ao aplicativo do banco réu.
Todavia, ainda sim, após tomar essa medida de precaução, os criminosos lograram êxito no golpe. Na instrução do processo, constatou-se a inexistência de qualquer ato, culposo ou doloso, por parte do consumidor. Transações fugiam ao perfil do próprio autor. Antes mesmo das transações efetuadas, o agente criminoso requereu modificações na conta do autor que deveriam despertar no sistema de segurança do banco réu um alerta para se evitar a concretização das transações fraudulentas Incidência da Súmula 479 do STJ. Responsabilidade civil do réu configurada. Danos materiais configurados. Indenização no valor de R$ 9.663,99 mantida. Danos morais reconhecidos. O consumidor experimentou dissabores, transtornos e aborrecimentos advindos não somente da falta de segurança do sistema bancário, mas também do atendimento inadequado recebido para sua reclamação. Indenização fixada em R$ 5.000,00. Ação procedente em maior extensão em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10689552820218260100 SP 1068955-28.2021.8.26.0100, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 01/07/2022, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2022)
APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - "GOLPE DO PIX" - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - RECURSO DO BANCO. 1. RESPONSABILIDADE - Relação de consumo - Súmula 297 do STJ -
Inexistência de culpa exclusiva de terceiro ou da própria vítima - Facilidade para a movimentação de contas bancárias mediante o uso de aplicativos configura-se vantagem indubitavelmente lucrativa aos bancos, e as brechas em seus sistemas são justamente o que oportuniza sua utilização por pessoas mal-intencionadas - Necessária observância, pela instituição bancária, do Regulamento do Pix (Resolução BCB 01/2020, artigos 39, 88 e 89), em especial no tocante ao risco operacional
- Comunicada pela vítima acerca do ocorrido, a instituição bancária não tomou providências a tempo, devolvendo-lhe apenas uma parte do valor transferido ao (s) fraudador (es) - Jurisprudência - Responsabilidade objetiva - Fortuito interno - Súmula 479 do STJ - Sentença mantida neste aspecto. 2. DANOS MORAIS - Inocorrência de impacto extrapatrimonial indenizável no caso concreto - Condenação afastada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA DE VOTOS. (TJ-SP - AC: 10088636120228260161 SP 1008863-61.2022.8.26.0161, Relator: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 31/01/2023, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2023)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANFERÊNCIA BANCÁRIA. GOLPE PIX PRATICADO POR TERCEIRO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA AO BANCO. INÉRCIA DO BANCO. APLICAÇÃO DO CDC. DEVER DE RESTITUIR VALORES E COMPENSAR O DANO MORAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
Devidamente comunicada a instituição bancária a respeito do golpe praticado por terceiro, seu correntista, deveria tomar as providências para minimizar os danos e apurar os fatos. O Dano moral é puro. O prejuízo independe de demonstração. Decorre da falta de diligência do apelado que ao tomar conhecimento de uma fraude, nada fez para impedir danos maiores
. (TJ-MT 10001318820228110006 MT, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 18/10/2022, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2022)
Em alguns casos, deve-se avaliar, porém, o limite desse dever de tutela do banco, sob pena de se autorizar à instituição financeira decidir que gastos e quando os seus clientes poderiam promover. Caso seja responsabilizada de modo automático por prejuízos decorrentes da dissimulação promovida contra a vítima, a instituição bancária pode acabar por inviabilizar movimentações lícitas. Alguém deve pagar uma passagem aérea ou rodoviária urgente e, a despeito de ter dinheiro na conta, não consegue fazê-lo, por restrições de segurança.
Trata-se, assim, de uma equação a respeito de quem deve suportar o risco e os prejuízos quando se cuida de fraudes praticadas por terceiros. Deve-se atentar para a súmula 479, STJ:
"
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias
."
2.37. Distribuição do
ônus
da prova CDC - exame provisório:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.38.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.39. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Logo, em princípio, incumbe ao banco requerido o encargo de comprovar a autenticidade de assinaturas que tenham sido impugnadas pela parte demandante.
2.40. Eventual c
onsignação
de valores em Juízo:
Sabe-se que, quando em causa debates sobre
tributos
, é direito dos sujeitos promover o depósito em Juízo, na forma do art. 151, II, CTN.
"
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o depósito de que trata o art. 151 , II , do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo
. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação ( AgRg no REsp 517937/PE , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 17/6/2009)"
(STJ - REsp: 1691774 SP 2017/0202085-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/10/2017, T2 - 2. TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
No presente processo, porém, a requerente insurgiu-se em face de descontos promovidos em seu benefício previdenciário, advindos de alegado empréstimo consignado
. Assim, a lógica do art. 151, II, CTN, não se aplica ao caso, ao menos, não de forma automática.
Desde que haja fundamentos para isso
, no âmbito do direito civil ou administrativo, é dado à parte autora promover consignação em pagamento, conforme arts. 334 e ss., Código Civil/2002, ainda que seja promovido de forma incidental - arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Logo, desde que haja "
justa causa
", é dado à parte autora depositar em juízo os valores controvertidos, conforme lógica do art. 539, CPC/15 e 334, Código Civil/2002, à sua conta e risco. Anoto que a consignação em pagamento apenas afasta a mora quando julgada procedente - art. 337, Código Civil, art. 546, Código de Processo Civil e lógica da súmula 405, STF.
A esse respeito, o TJSP já deliberou:
"Observo que ambas as decisões (consignatória e embargos) ressalvaram expressamente o direito do embargante obter a amortização do saldo devedor até o limite do valor depositado, inexistindo interesse nesse tópico do recurso.
No entanto, tendo em conta que a ação de consignação em pagamento foi julgada improcedente, os encargos moratórios não foram afastados, nos termos do artigo 337 do Código Civil
: O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente."
(TJ-SP - AC: 10095119820208260100 SP 1009511-98.2020.8.26.0100, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 26/10/2021, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2021)
Com efeito, alguém pode depositar valores em Juízo, alegando que o credor tem cobrado valores excessivos ou mediante procedimento incorreto - pode alegar cuidar-se de dívida
quérable
(quesível), ao invés de
portable
(portável). Ou seja, pode ter alegado que caberia ao credor promover os meios para o recebimento, ao invés de o devedor ter de promover as diligências pertinentes. Deferido o depósito, depois a pretensão do demandante é julgada improcedente. Em tal caso, a existência do depósito não afastará a mora, quanto ao período em que o demandado houver sido privado do recebimento dos recursos pertinentes. Como registrei acima, o processo não pode causar prejuízos a quem não tenha dado causa à demanda.
Assim, saber se o depósito terá condão de afastar eventuais consectários moratórios dependerá do exame do mérito da pretensão do requerente, por época da prolação da sentença
. Caso seja realizado aludido depósito, o valor será atualizado pela variação da TRB - taxa referencial básica, conforme art. 11 da lei n. 9.289/1996, não se aplicando ao caso a taxa SELIC, diante dos limites da lei n. 9.703/1998, dado não se cuidar de controvérsia tributária. Note-se que a legislação não preconiza a incidência de juros remuneratórios ou moratórios sobre o valor depositado em Juízo. Por outro lado, caso a pretensão da autora seja acolhida, em sentença transitada em julgado, o valor lhe será restituído ao final da demanda. Caso a pretensão seja julgada improcedente, o montante será transferido ao banco requerido/mutuante, para imputação em pagamento no contrato, conforme art. 354, Código Civil/2002. Em tal caso, não haverá supressão de consectários moratórios, devendo a autora responder por eventuais juros moratórios e multa contratual, porventura previstos (art. 337, parte final, Código Civil/02, lógica dos arts. 332 e 512, Código de Processo Civil/15)
2.41. Depósitos em juízo e consectários moratórios:
Convém enfatizar que, em princípio, é dado aos interessados deflagrarem processos de consignação em pagamento, na forma dos arts. 334 e ss., Código Civil/2002, com o fim de obter a pertinente outorga de quitação das obrigações pertinentes. Note-se, porém, que a consignação apenas afasta a mora quando a pretensão do autor tenha sido julgada procedente - art. 337, parte final, Código Civil/2002 e arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Importa dizer: os encargos moratórios são afastados quando a parte interessada haja comprovado cuidar-se de
mora accipiendi,
ao invés de
mora debitoris.
Conjecture-se, reitero, que, no âmago de um contrato de locação, o locatário sustenta competir ao locador a adoção dos meios para a cobrança (obrigação quesível). Já o locador alega o contrário, argumentando cuidar-se de obrigação
portable
. Suponha-se que o locatário ingresse com uma consignação em pagamento, sem impugnar o valor da dívida; mas, limitando-se ao referido tema - natureza da obrigação. Ele deposita o valor exato postulado pelo credor. Ao final, o Juízo reputa que o locator, o demandado, possui razão, cuidando-se de obrigação portable. Nesse caso, por óbvio, o depósito em Juízo não terá aptidão para afastar a mora, de modo que os encargos serão devidos desde a data do vencimento da obrigação até a data em que os valores sejam convertidos em renda a favor da parte demandada.
Atente-se, uma vez mais, para o art. 337, parte final, Código Civil/2002:
"O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos,
salvo se for julgado improcedente
."
Por outro lado, a mora pode ser afastada em vínculos bilaterais, sinalagmáticos, quando presentes os requisitos para a exceção de contrato não cumprido - arts. 476 e 477, Código Civil/2002, dentre outros casos.
2.42. Eventual destinação dos valores consignados:
Desse modo, em princípio, caso os
depósitos venham a ser deferidos e efetivados em conta vinculada
aos autos, haverão de ser levantados, total ou parcialmente, pela parte autora - caso sua pretensão seja acolhida em sentença transitada em julgado -, observando-se o alcance de sua eventual sucumbência. Caso ela sucumba totalmente na demanda, os valores deverão ser levantados então pela parte demandada/mutuante, como segue:
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151,
II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.
1.
Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro
lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por
entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo
contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art.
150, § 4º, do CTN.
2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se
constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira
Seção.
3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o
caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do
depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.
4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não
podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável
incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial,
nos termos da Súmula 7⁄STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.213.319⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2012, DJe 28⁄05⁄2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL. DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO EQUIVALENTE AO PAGAMENTO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. O depósito judicial do montante integral do débito é causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário, ex vi do artigo 151, II do CTN e, por força do seu desígnio, implica lançamento por homologação tácito, no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. Precedentes: EREsp 898.992/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 895.604/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.04.2008, DJ 11.04.2008; AgRg no REsp 971.054/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 24.03.2008. .
Julgado improcedente o pedido da empresa e, em havendo depósito, torna-se desnecessária a constituição do crédito tributário no qüinqüênio legal, não restando consumada a decadência. Conseqüentemente, revela-se escorreita a conversão em renda dos depósitos judiciais efetuados no âmbito da ação ordinária, uma vez não configurada a decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário e tendo em vista a improcedência do pedido do contribuinte
. 3. Indevidamente realizado o levantamento do depósito judicial pelo contribuinte, afasta-se a razão da suspensão do crédito tributário, forçando ao FISCO FEDERAL a realização do lançamento tributário, inscrevendo o contribuinte em CDA, não existindo decadência ou prescrição do crédito tributário. 4. Apelação do autor improvida e apelação da UNIÃO FEDERAL e Remessa Oficial providas. (APELREEX 200171000285040, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 13/10/2009.)
2.43. Correção monetária de eventuais depósitos:
Reitero que, caso futuramente, tais valores venham a ser depositados em conta vinculada aos autos - mediante prévia autorização judicial -,
o montante haverá de ser corrigido pela taxa referencial básica - TRB, prevista na lei 9.289/1996, de caráter especial, se confrontada com a lei n. 9.703/1998, que se aplica aos depósitos tributário
s. Em princípio, a norma do art 11 da lei n. 9.289/1996 não restou alterada pela promulgação da emenda constitucional 113, de 08 de dezembro de 2011. Não há previsão de incidência de juros remuneratórios nesse âmbito, conforme se infere do art. 11 da lei 9.289
2.44. SITUAÇÃO EM CAUSA - exame precário:
NA ESPÉCIE, a autora alegou que teria sido surpreendida com contratação de empréstimos, em decorrência dos quais estariam sendo realizados descontos mensais no seu benefício. Disse não ter celebrado avença com o banco requerido para obtenção de tais empréstimos, estes decorrentes de fraude perpetrada por terceiros.
Em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
De todo modo, caso aludidos recursos tenham aportado na conta da autora, eventual desconstituição do contrato implicaria o dever de restituição ao banco, por força da lógica do art. 884, Código Civil/02 e art. 169, Código Penal/40. Registro, ainda, que estão em discussão todos os contratos que teriam sido firmados entre a autora e o Banco Agibank S.A.
No presente caso os autos foram instruídos com histórico de créditos do INSS, demonstrativos de contratos de finaciamento e cartões de crédito, extratos previdenciários e laudo médico pericial.
Tudo equacionado - com cognição precária -,
dever-se-á apurar como se deu a contratação do cartão de crédito e se ele chegou a ser utilizado de alguma forma pela autora. De todo modo, o tema é sensível e merece uma análise cuidadosa e refletida, adiante.
Os documentos apresentados pela autora não evidenciam,
no que toca à presente avaliação precária
, que tenham sido praticadas fraudes na celebração dos empréstimos em questão. A questão deverá ser apreciada adiante, assegurando-se contraditório aos requeridos.
Deixo de tecer considerações, nesse momento, quanto à eventual necessidade de que a autora deposite em Juízo eventuais valores transferidos para sua conta bancária, na forma do art. 884, Código Civil, tema que pressupõe, em princípio, pedido contraposto - art. 31 da lei n. 9.099/1995. Tampouco diviso justa causa, na espécie, para o depósito das parcelas mensais em Juízo, o que pressupõe que haja justa causa para tanto, ao contrário do que ocorre no âmbito tributário (art. 151, CTN). Nesse caso, eventual realização de depósito suspensivo deve ser escudado em uma pretensão dotada de verossimilhança.
Ademais, não há urgência de tal ordem que justifique eventual antecipação de tutela sem se assegurar prévia manifestação à parte demandada
. Por conta do exposto,
POSTERGO a retomada da apreciação do pedido de antecipação de tutela para o momento subsequente à apresentação de resposta pelos demandados. Ademais, os autos não dão conta de uma situação de urgência de tal ordem a justificar eventual antecipação de tutela desde logo, sem se facultar manifestação aos requeridos.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO, por ora, a competência do presente Juízo para a presente demanda e a sua submissão à alçada e rito dos Juizados Especiais.
3.2. REPUTO que as partes estão legitimadas para a causa e que a autora, em princípio, possui interesse processual.
3.3. ACRESCENTO que, em princípio, a pretensão à anulação/revisão dos contratos bancários não foi atingida pela prescrição, tampouco se operou a decadência do direito invocado na petição inicial.
3.4. DETALHEI acima, com cognição precária, alguns vetores jurídicos relevantes para a apreciação do pedido de antecipação de
tutela.
3.5. POSTERGO, em que pese o exame acima, a ultimação do exame do pedido de antecipação de tutela para o momento subsequente à resposta dos demandados.
3.6.
INTIME-SE a autora para que, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, promova emenda e instrua a inicial, nos seguintes termos:
(a) esclareça qual o valor da indenização por danos morais pretendida;
(b) retifique o valor atribuído à causa, a fim de que corresponda à soma dos valores que teriam sido descontados indevidamente do seu benefício, até a propositura da demanda e considerados em dobro, acrescidos de uma prestação anual, correspondente às parcelas vincendas (descontadas após o ingresso da demada) e do valor dos danos morais perseguidos, nos termos do art. 292, II, V, VI, §§ 1º e 2º, CPC//2015;
(c) esclareça os fatos ocorridos em ordem cronológica, quanto à alegada fraude, indicando porque entende possuírem os demandados responsabilidade pelos danos causados por terceiros;
(d) instrua os autos com documentos pessoais, comprovante de residência, extrato de movimentações bancárias contemporâneas às contratações e cópia de eventual registro de ocorrência, lavrado por autoridade policial.
3.7. DEFIRO a prioridade na tramitação.
3.8. VOLTEM-ME conclusos para sentença de extinção sem solução de mérito, caso esgote-se o prazo previsto no item 3.6. sem que a emenda seja promovida e os autos instruídos com a documentação necessária.
3.9. Promovida emenda e instruídos os autos, nos termos em que determinado, CITEM-SE os requeridos para, querendo, apresentarem resposta ou proposta de acordo, no prazo de 30 dias úteis, contados da citação, conforme interpretação dispensada pelas Turmas Recursais ao art. 9, da lei n.10.259/2001, mesmo aos casos em que a audiência preliminar não seja promovida. Aplico ao caso os arts. 219, 224, 335, CPC, art. 12-A da lei n. 9.099/1995 e arts. 5 e 9 da lei n. 11.419/06.
3.10. Deverão os demandados apresentar no prazo de resposta os documentos de que disponham para o esclarecimento da causa, notadamente informações sobre as origens dos descontos, contratos que embasaram as operações financeiras e comprovantes de pagamentos.
3.11. Apresentada(s) contestação(ões), ou esgotado o prazo para tanto, VOLTEM-ME conclusos para apreciação, enfim, do pedido de antecipação de tutela.
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Processo nº 5003189-94.2025.4.04.7009
ID: 308381620
Tribunal: TRF4
Órgão: 4ª Vara Federal de Cascavel
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5003189-94.2025.4.04.7009
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LETICIA CAROLINE DE ALMEIDA RIBEIRO
OAB/PR XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5003189-94.2025.4.04.7009/PR
RÉU
: EBER GONCALVES DANTAS
ADVOGADO(A)
: LETICIA CAROLINE DE ALMEIDA RIBEIRO (OAB PR118421)
DESPACHO/DECISÃO
1.
O Ministério Público Federal, com fundamen…
AÇÃO PENAL Nº 5003189-94.2025.4.04.7009/PR
RÉU
: EBER GONCALVES DANTAS
ADVOGADO(A)
: LETICIA CAROLINE DE ALMEIDA RIBEIRO (OAB PR118421)
DESPACHO/DECISÃO
1.
O Ministério Público Federal, com fundamento na notícia de fato nº 1.25.000.029114/2024-92, ofereceu
denúncia
em face de
EBER GONCALVES DANTAS
,
imputando-lhe a prática do
crime previsto no artigo 334 do Código Penal.
Deixou de propor suspensão condicional do processo e acordo de não persecução penal, porque não preenchidos os requisitos legais.
Não arrolou testemunhas.
A denúncia foi recebida em 25/4/2025 (
6.1
).
A parte acusada foi citada (
16.1
), tendo apresentado
resposta
à acusação por defensor constituído (
17.1
), oportunidade em que pugnou pela aplicação do princípio da insignificância.
Não arrolou testemunhas.
É o sucinto relatório.
Decido.
1.1. Preliminares
Atipicidade da conduta
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.688.878, sob o rito dos recursos repetitivos (tema 157), fixou a tese de que
incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda
.
Havendo reiteração de conduta delitiva quanto ao art. 334 do CP, cite-se a tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, no
tema 1.218
da sistemática dos recursos repetitivos, a saber:
A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da
insignificância
ao crime de descaminho - independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no
CP, art. 64
, I, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. (REsp n. 2.083.701/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, j. 28/2/2024, DJe 5/3/2024).
Do inteiro teor do voto, colhem-se algumas premissas: (a) a reiteração, em regra, impede a aplicação do postulado da
insignificância
, independentemente do valor do tributo iludido; (b) para fins de reiteração, devem ser analisados pelo(a) magistrado(a) os processos penais e fiscais, ainda que desprovidos de definitividade, não se aplicando o prazo quinquenal do art. 64, I, do CP; (c) o lapso temporal transcorrido entre o último evento delituoso deve ser avaliado à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade; (d) caso a medida seja socialmente recomendável na situação concreta, aplica-se o postulado da
insignificância
mesmo no caso de reiteração da conduta delitiva.
As questões que impendem definir são o lapso temporal proporcional e razoável entre as infrações e o que se compreende como
medida socialmente recomendável
, mormente considerando, de um lado, a isenção tributária prevista na legislação administrativo-aduaneira e, de outro, o cenário prisional brasileiro, com as mazelas estruturais do sistema que lhe carrega, evidenciadas na ADPF 347, na qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro (estado de coisa inconstitucional), com a determinação de que as autoridades devem
reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da pena
. Eis as teses fixadas naquele julgamento paradigmático:
1. Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos.
Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades, instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória
.
2. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos.
3. O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos. (grifo nosso).
Pois bem. No âmbito tributário-aduaneiro, dispõe o art. 33 da Instrução Normativa 1.059/2010 do Secretário da Receita Federal, a saber:
Art. 33. O viajante procedente do exterior poderá trazer em sua bagagem acompanhada, com a isenção dos tributos a que se refere o
caput
do art. 32:
I - livros, folhetos, periódicos;
II - bens de uso ou consumo pessoal; e
III - outros bens, observado o disposto nos §§ 1º a 5º deste artigo, e os limites de valor global estabelecidos nas alíneas “a” e “b” do inciso III do art. 7º da Portaria MF nº 440, de 30 de julho de 2010
.
§ 1º. Os bens a que se refere o inciso III do
caput
, para fruição da isenção, submetem-se ainda aos seguintes limites quantitativos:
I - bebidas alcoólicas: 12 (doze) litros, no total;
II - cigarros: 10 (dez) maços, no total, contendo, cada um, 20 (vinte) unidades;
III - charutos ou cigarrilhas: 25 (vinte e cinco) unidades, no total;
IV - fumo: 250 gramas, no total;
V - bens não relacionados nos incisos I a IV, de valor unitário inferior a US$ 10.00 (dez dólares dos Estados Unidos da América): 20 (vinte) unidades, no total, desde que não haja mais do que 10 (dez) unidades idênticas; e
VI - bens não relacionados nos incisos I a V: 20 (vinte) unidades, no total, desde que não haja mais do que 3 (três) unidades idênticas.
§ 2º. Para as vias terrestre, fluvial ou lacustre, o:
I - valor unitário a ser considerado no limite quantitativo a que se refere o inciso V do § 1º será de US$ 5.00 (cinco dólares dos Estados Unidos da América); e
II - limite quantitativo a que se refere o inciso VI do § 1º será de 10 (dez) unidades, no total, desde que não haja mais do que 3 (três) unidades idênticas.
§ 3º. Os limites quantitativos de que tratam os incisos V e VI do § 1º e o § 2º se referem à unidade na qual os bens são usualmente comercializados no varejo, ainda que apresentados em conjuntos ou sortidos.
§ 4º. A Coana poderá estabelecer limites quantitativos diferenciados, tendo em conta o tipo de mercadoria, a via de ingresso do viajante e características regionais ou locais.
§ 5º. O direito à isenção a que se refere o inciso III do
caput
somente poderá ser exercido uma vez a cada intervalo de 1 (um) mês
.
§ 6º. O controle da fruição do direito a que se refere o § 5º independe da existência de tributos a recolher em relação aos bens do viajante. (grifo nosso).
Por sua vez, rezam as alíneas “a” e “b” do inciso III do art. 7º da Portaria MF nº 440, de 30 de julho de 2010,
in verbis
:
Art. 7º. O viajante procedente do exterior poderá trazer em sua bagagem acompanhada, com a isenção dos tributos a que se refere o art. 6º:
I - livros, folhetos e periódicos;
II - bens de uso ou consumo pessoal; e
III - outros bens, observado o disposto nos §§ 1º a 5º, e os limites de valor global de:
a) US$ 1.000,00 (mil dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;
b) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre. (Redação dada pelo(a) Portaria ME nº 601, de 12 de novembro de 2019)
. (grifo nosso).
A Secretaria da Receita Federal assim resume os valores e a periodicidade da isenção devida na importação de mercadorias:
A cota de isenção é válida para todos os viajantes e apenas será concedida a cada intervalo de 1 (um) mês.
[...]
Os bens sujeitos ao pagamento do imposto e que não se enquadrem como de uso ou consumo pessoal, conforme as condições acima, apenas serão isentos caso estejam dentro do conceito de bagagem acompanhada e até o limite da cota de
US$ 1.000,00 (chegada ao país por via aérea ou marítima) ou US$ 500,00 (chegada ao país por outras vias de transporte internacional). (Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/viagens-internacionais/guia-do-viajante/entrada-no-brasil/cota-de-isencao-duty-free-e-bagagem-tributavel. Acesso em: 23 mar. 2024).
Ou seja, é permitido que,
por mês
, a cota de isenção seja utilizada por pessoa, no valor de até US$ 500,00 (quinhentos dólares), cerca de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), considerando a cotação de R$ 5,00 por dólar americano). Isso permite que seja lícita, do ponto de vista tributário, a conduta de importar mercadorias no valor de até R$ 30.000,00 (trinta mil reais) anuais, o que perfaz a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais)
por ano
, a título de tributos federais que deixaram de ser recolhidos [R$ 1.250,00 por mês - percentual de 50% do preço das mercadorias, envolvendo o cálculo do Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), devidos na importação - art. 65 da Lei 10.833/2003].
Tal isenção tributária é considerada de caráter geral
.
Relembre-se que, nos termos do art. 176 do CTN,
a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração
.
Vê-se, pois, que, do ponto de vista dogmático-penal da tipicidade, não se admite sequer ser considerada crime a conduta de iludir o pagamento de impostos devidos na importação permitida de mercadorias de até R$ 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta reais)
por mês
,
porquanto trata-se de conduta lícita na esfera administrativo-aduaneira
.
Em outras palavras, é indiferente penal a conduta de quem importa, licitamente (segundo as regras da Secretaria da Receita Federal - SRF), mercadorias no importe de até R$ 30.000,00 (trinta mil reais) anuais, sendo considerado insignificante pelo Estado brasileiro deixar de recolher até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), envolvendo os tributos devidos na importação.
Reitere-se que
inexiste a tipicidade formal no art. 334 do CP,
na importação de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) anuais (R$ 1.250,00 por mês), desde que as condições estipuladas pela Secretaria da Receita Federal (SRF) sejam cumpridas, devida na entrada de mercadorias permitidas, pelas vias terrestre, fluvial ou lacustre, por tratar-se de isenção tributária concedida em caráter geral e tida como legal na seara tributário-aduaneira.
Ora, se é social e juridicamente aceitável a isenção tributária anual de até R$ 15.000,00 por pessoa, tal conduta não pode ser penalmente relevante para o renitente que ultrapasse o quantitativo individualmente considerado da cota mensal, considerando-se o mesmo marco para fins de análise da tipicidade material.
Com todas as vênias aos pensamentos em contrário, considero que a mesma métrica anual deva ser considerada em caso de reiteração da prática de descaminho, sob pena de ferir a isonomia, por configurar tratamento desigual em pessoas em situação semelhante (alguém que vai 12 vezes por ano para comprar mercadorias de até US$ 500,00, mensalmente e em cada oportunidade segue as normas da SRF, e outrem que ultrapassa a fronteira e realiza importação ilegal de mercadorias descaminhadas, várias vezes por ano, mas não ultrapassa sequer a isenção tributária concedida em caráter geral – R$ 15.000,00 anuais).
Outrossim, a
práxis
da atuação na região de fronteira permite que sejam observadas algumas questões delicadas do ponto de vista da política pública de repressão estatal: costumeiramente, réus em processos de descaminho são pessoas que estão desempregadas, em situação financeira difícil, as quais, por escolhas socialmente trágicas, aceitam ser remuneradas por agentes obscuros que trabalham para organizações criminosas - que sequer conhecem ou integram - , com o fim de obter renda de R$ 100,00 a R$ 200,00 para levar mercadorias da região da tríplice fronteira e adjacências às principais capitais do país.
Paralelamente, insta mencionar que o Estado brasileiro sequer pune na esfera administrativo-aduaneira, permitindo a importação ser isenta de tributos e penalidades, daquele que realiza até 12 viagens ao ano (1 por mês) e utiliza a cota mensal de até US$ 500,00 em mercadorias para cada importação, seguindo as regras da SRF, alcançando “elisão” fiscal de pessoa física de até R$ 15.000,00 ao ano (R$ 30.000,00 em compras anuais de mercadorias, sendo R$ 2.500,00 mensal - art. 65 da Lei 10.833/2003), em razão de situar-se como isenção concedida em caráter geral.
De outro lado, quem tem maior condição financeira ou planeja estrategicamente uma viagem, acumulando recursos para gastar até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), em compras de mercadorias, em média atingindo R$ 20.000,00 (vinte mil reais) de tributos iludidos (considerando o percentual de 50% do valor das mercadorias, a título de IPI e II), é tido como insignificante para fins de afastar a tipicidade material do delito de descaminho (art. 334 do CP), considerando a tese firmada pelo próprio STJ supracitada, espelhando o entendimento do STF.
Se é certo que devem ser evitadas situações de
'economia do crime', na medida em que acabaria por criar uma 'cota' de imunidade penal para a prática de sucessivas condutas delituosas
, também não se pode fechar os olhos para a isenção tributário-aduaneira conferida a todos indistintamente, além da realidade socioeconômica da região de fronteira, onde pessoas aceitam atuar como “cotistas” ou “laranjas” para sobreviverem. Destaque-se que não se está incentivando a criminalidade, mas reconhecendo que o direito penal deve ser a
ultima ratio
e que as medidas de apreensão de mercadorias e de veículos, de imposição de multa, aliado à investigação das organizações criminosas, por meio de inteligência entre as Polícias de diversos Entes e Unidades Federadas, deve ser o foco da repressão estatal, ao invés de punir unicamente aqueles mais desvalidos socioeconomicamente, os quais são a imensa maioria do sistema carcerário brasileiro, tal como se percebe do seguinte excerto de artigo doutrinário da revista eletrônica Consultor Jurídico:
Em regra, as pessoas que ingressam no mundo do crime e que estão mais propensas a serem levadas à prisão fazem parte do extrato mais pobre da população. A expressão “
too rich to jail
” não é nova e nem exclusividade brasileira. Moradores de bairros periféricos sofrem desde tenra idade com a falta de serviços públicos que lhes garantam moradia, alimentação, educação, transporte, trabalho, cultura e lazer minimamente adequados.
[...]
Se a vida já não era fácil antes da prisão, dentro dela tudo piora. Ambiente insalubre, limitada atenção à saúde, alimentação precária, ensino pífio, isolamento da família e da comunidade são alguns dos fatores que tornarão a vida após o cárcere ainda mais difícil. Sequelas de doenças infectocontagiosas adquiridas na prisão para sempre na pele e no sangue. (ROEDEL, Guilherme. Sejamos menos hipócritas e mais racionais: humanismo é para todos. Conjur. 22 mar. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-22/sejamos-menos-hipocritas-e-mais-racionais-humanismo-e-para-todos/ . Acesso em: 23 mar. 2024).
Permitir que, em caso de reiteração da conduta, apreensões de até R$ 15.000,00 anuais sejam punidas criminalmente no que se refere ao delito de descaminho (art. 334 do CP), parece-me ser medida totalmente contrária à política de desencarceramento incentivada na ADPF 347, trazendo recorte de caráter punitivo aos mais pobres (que servem de “laranja” ou “mula” de descaminho), ressaltando que não se está falando de tráfico ou contrabando, mas de descaminho (deixar de pagar os tributos devidos na importação, em tese, permitida), sob pena de aumentar exponencialmente o número de processos criminais na fronteira contra pessoas marcadamente pobres e que tenham atuado em razão dessa vulnerabilidade.
Com base na proporcionalidade e na razoabilidade e diante de todas essas circunstâncias, deve-se admitir a soma de até 12 apreensões por ano (1 isenção por mês é penalmente irrelevante até US$ 500,00 cada), desde que não ultrapassem R$ 15.000,00 nos tributos iludidos, assim considerados no interstício de 12 meses imediatamente anteriores à prática delitiva.
Quanto à avaliação histórica da contumácia delitiva, apesar de pessoalmente compreender que se deveria utilizar a mesma métrica do art. 64, I, do CP (prazo quinquenal), o STJ não permitiu considerá-la no que se refere à aplicação do postulado da
insignificância
.
Para tais interstício e finalidade, considero investigar-se o quantitativo delineado pelo STJ, também decidido para fins de
insignificância
, com a diferença de tratar-se do delito de contrabando (art. 334-A do CP), o qual foi fixado em 1000 maços de cigarros (
tema 1.143
).
Em razão de o art. 33, § 1º, II, da Instrução Normativa 1.059/2010 do Secretário da Receita Federal, considerar como cota mensal da isenção o quantitativo de
10 (dez) maços, no total, contendo, cada um, 20 (vinte) unidades
, o que alcançaria, dentro da legalidade, a importação anual de até 120 maços por ano para pessoa física, comparando-se o quantitativo considerado pelo STJ para fins de insignificância (1000 maços), tem-se uma média de consideração do intervalo de 8(oito) anos.
Portanto, para fins de aplicação do postulado da
insignificância
quanto ao delito de descaminho,
em cumprimento ao julgado do STJ em recurso repetitivo (tema 1.218)
,
não considero ser socialmente recomendável a manutenção do inquérito policial ou da ação penal quando, isoladamente
:
(a) o valor do tributo, individualmente considerado no caso concreto,
não
ultrapassar R$ 1.250,00 (critério de US$ 500,00 da isenção tributária, para fins de cota pessoal, com viagem internacional pela via terrestre, fluvial ou lacustre, com cotação do dólar fixado em R$ 5,00 para facilitar o cálculo - ressalvada eventual alteração significativa do dólar comercial para mais ou menos, com variação acima de U$S 1,00);
ou
(b) o valor total dos tributos evadidos
não
exceder anualmente a R$ 15.000,00 (quinze mil reais), considerando as apreensões anteriores em um intervalo de 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao fato em investigação e, assim sucessivamente,
salvo se o(a) agente já for considerado(a) penalmente reincidente (prática da nova infração após o trânsito em julgado da prática anterior – art. 64, I, do CP)
, situação em que qualquer valor de tributos iludidos acima de R$ 1.250,00 será socialmente recomendável manter a atuação repressivo-penal. A pesquisa da contumácia, nesta hipótese “b”, será aferida até o período máximo de 8(oito) anos anteriores aos fatos em investigação, desconsiderando-se as autuações administrativas anteriores a tal marco.
No caso em análise, verifica-se a existência de registros de apreensões anteriores em nome da parte.
Assim, conforme os parâmetros fixados ao longo da fundamentação, na análise dos períodos de 12 meses anteriores à data da apreensão, constata-se que,
no período compreendido entre 27/7/2023 a 27/7/2024
, a ilusão de tributos superou o patamar de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), tendo a soma alcançado R$ 120.720,95 (cento e vinte mil, setecentos e vinte reais e noventa e cinco centavos).
Ante o exposto,
indefiro
o pleito defensivo.
2.
Visualizo nos documentos acostados aos autos prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, aptos a desencadear a presente ação penal em face do acusado, pois presente um suporte probatório mínimo, denominado
justa causa
, pelo qual se evita que a imputação criminal seja feita de maneira temerária ou leviana.
De outra parte, não se verifica a presença de preliminares ou elementos constantes do rol do art. 397 do Código de Processo Penal capazes de provocar a absolvição sumária do acusado, pois não há informações que permitam concluir tenha ele agido com amparo de qualquer causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, e, ainda, que o fato narrado na denúncia não constitua crime e não há qualquer prova, até o presente momento, de situação que implique a extinção da punibilidade.
Pelas razões expostas,
mantenho o recebimento da denúncia
e determino o regular prosseguimento do feito.
3.
Paute
a Secretaria audiência para interrogatório e oitivas das testemunhas na forma virtual ou presencial, se necessário.
4.
Em atenção aos princípios da razoável duração do processo e economia processual, bem como ao fato de que neste Juízo, a despeito da novel normativa do Conselho Nacional de Justiça (Resolução nº 354 de 19/11/2020), não houve nenhuma insurgência quanto à realização de audiências virtuais,
o ato será realizado remotamente pela internet
por meio da plataforma
Zoom
, a ser instalada no computador ou no
smartphone
do participante,
com acesso pelo link que será disponibilizado às partes
.
Havendo qualquer reivindicação das partes para realização de audiência presencial, paute-se nessa modalidade.
Faculto tal manifestação, portanto, no prazo de 5 dias.
Não havendo insurgências no prazo assinalado, com a plataforma baixada, na data e hora designados, bastará abrir o
link
indicado para ter acesso à audiência.
Não é necessária a concentração dos participantes em um único local ou ponto de conexão. As partes, as testemunhas e os procuradores
poderão
se conectar por diferentes dispositivos, o que exige uma conta diferente para cada um.
Não será necessário qualquer deslocamento para a realização do ato.
Qualquer obstáculo ou impedimento justificável à participação do ato deverá ser comunicado
antecipadamente ao Juízo
.
4.1 Intimem-se
as partes para, no
prazo de 5 dias
, informar contato telefônico das
partes, testemunhas e procuradores
para envio do
link
, preferencialmente com
WhatsApp.
5.
Intimem-se.
6.
Demais diligências necessárias.
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Carlos Eduardo De Oliveira Bastos x Caixa Econômica Federal - Cef
ID: 312444961
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5034115-22.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JEFERSON SILVA
OAB/PR XXXXXX
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MARCELO SOTOPIETRA
OAB/MG XXXXXX
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MARCELO SOTOPIETRA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5034115-22.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA BASTOS
ADVOGADO(A)
: JEFERSON SILVA (OAB PR049919)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPA…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5034115-22.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA BASTOS
ADVOGADO(A)
: JEFERSON SILVA (OAB PR049919)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
despacho saneador
.
Em 01 de agosto de 2024,
CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA BASTOS
deflagrou a presente demanda, sob rito dos juizados, em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo a condenação da requerida à reparação de danos materiais e morais, que disse ter suportado em razão da alegada movimentação indevida da sua conta bancária.
O autor alegou, para tanto, ter sido vítima de fraudes, cometidas mediante a criação de diversas linhas de crédito e débitos, com o sudo dos dados do seu cartão, totalizando R$ 67.154,23. Sustentou que após os valores terem sido liberados, ele teria descoberto ter havido a criação de uma chave
PIX
, acessada por terceiros, de modo a viabilizar aludidas transferências. Apesar das tentativas de solução consensual com o banco, os valores não lhe teriam sido restituídos; reportou-se a extrato de evolução da conta.
A CEF apresentou contestação no movimento 10, alegando nãter praticado ato ilícito e enfatizando não poder ser responsabilizada pelos prejuízos noticiados pelo autor. Informa que em momento algum ela teria sido informada do alegado golpe, não teria havido contato por parte do cliente e nenhum processo de contestação teria sido deflagrado. Sustentou que, depois da análise técnica, teria sido constatado que o requerente contaria com diversos dispositivos autorizados para movimentação via internet desde 2011 e que os CDCs teriam sido efetuados a partir do dispositivo autorizado pelo correntista e com sua senha de transação. Os critérios técnicos de análise das transações financeiras eletrônicas estariam restritos às áreas de Segurança da CEF e ao Departamento da Polícia Federal por envolver sigilo e para resguardar o Sistema Bancário. Impugnou a alegação de ter havido dano moral.
O autor apresentou réplica no evento 16, repisando os argumentos esgrimidos na peça inicial. No evento 19, a parte autora requereu a inversão do ônus da prova, para que a requerida apresentasse documentação que comprove que os desvios, empréstimos e transferências de modo a comprovar a aludida vinculação dos descontos a aparelho e senha de uso pessoal dele.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Passo a sanear esta demanda. Para tanto, aprecio inicialmente as questões processuais; registro na sequência - COM COGNIÇÃO PRECÁRIA - alguns tópicos concernentes à questão de fundo. Examinarei ainda a distribuição do ônus da prova e promoverei o registro dos elementos de convicção veiculados nos autos.
2.1. Competência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que o autor endereçou sua pretensão em face da CEF, empresa pública federal constituída por força do decreto-lei 759, de 12 de agosto de 1969. Logo, aplicam-se ao caso o art. 109, I, CF/1988 e o art 10 da lei. n. 5010/66.
2.2. Submissão do caso aos Juizados:
A competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do art. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....)
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico. O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão do autor é inferior a 60 salários mínimos, definidos na lei 14.158/2021, atendendo ao art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário do autor, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Atente-se ainda para a seguinte deliberação:
"Conforme a Jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, nem a complexidade da causa, nem a necessidade de produção de prova pericial afastam a competência dos Juizados Especiais Federais.
Ocorre que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta para aquelas causas cujo valor seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ressalvadas as exceções previstas na Lei nº 10.259/2001. Como a complexidade da causa e a necessidade de prova pericial não estão entre as exceções arroladas na lei, descabe afastar a competência dos Juizados Especiais com base em quaisquer dessas duas causas
."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50161052320214047100 RS 5016105-23.2021.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 16/12/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
Com efeito, eventual
complexidade da demanda
não afasta a competência dos Juizados Especiais:
"
A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos, independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - 2 TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
Atente-se ainda para o seguinte acórdão do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. VALOR DA CAUSA. PARCELAS VENCIDAS MAIS 12 (DOZE) PARCELAS VINCENDAS. ART. 2º, § 2º, DA LEI N. 12.153/2009. IRRELEVÂNCIA DE EVENTUAL DEMORA NA TRAMITAÇÃO DO FEITO. ART. 43 DO CPC. COMPLEXIDADE DA CAUSA NÃO AFASTA A COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é definida pelo valor da causa, que não pode superar os 60 (sessenta) salários-mínimos, consoante o art. 2º da Lei n. 12.153/2009. 2. O valor da causa em que se veicule obrigações vincendas, por sua vez, é definido pela soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas, conforme o § 2º do referido dispositivo. Precedentes. 3. A eventual demora na tramitação do processo não suplanta a observância à norma supramencionada, pois a competência é definida pelo momento do registro ou distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ocorridas posteriormente, consoante o art. 43 do CPC. 4. Se, no momento da propositura da demanda, o valor da causa não ultrapassa o teto legal e não está presente nenhuma hipótese prevista no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.153/2009, é do Juizado Especial da Fazenda Pública a competência para processar e julgar o feito. 5.
A complexidade da causa não é motivo suficiente para afastar a competência dos juizados especiais. Precedentes
. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.711.911/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 12/4/2021, DJe de 16/4/2021.)
O conteúdo econômico da pretensão do autor é inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo do ingresso em Juízo, conforme
decreto 11.864, de 27 de dezembro de 2023
, o que atende ao art. 3,
caput,
da lei n. 10.259/2001. Ademais, cuida-se de
pedido condenatório
, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. RECONHEÇO, pois, a competência dos Juizados Especiais para a tramitação dessa demanda.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
Cuidando-se de pedido de reparação de danos, aplica-se ao caso o art. 53, IV, "a", CPC, apontando como competente o Juízo do local em que tenham sido praticados os atos apontados como causadores dos alegados danos. Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção, na forma do art. 65, CPC e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão do caso ao presente Juízo:
Dentre as unidades desta Subseção de Curitiba, o processo restou distribuído perante este Juízo Substituto da 11.VF, por conta de sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição.
2.5.
Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta. Não há indicativos, tampouco, de que a CEF tenha deflagrado algum processo para cobrança da cogitada dívida bancária.
2.6. Respeito à
coisa
julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.7. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.9.
Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.10. Pertinência subjetiva das partes - caso em exame:
Nos termos do art. 17, Código de Processo Civil/15, anoto que o(a) autor(a) está legitimado(a) para a causa, eis que ele(a) sustentou ter suportado prejuízos por conta de alegadas falhas no sistema de segurança da CEF. Ele(a) deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC.
Anoto que não se cuida de causa que exiga a outorga uxória, na forma do art. 73, CPC, eis que a presente demanda versa sobre obrigações de trato pessoa, não se discutindo direitos reais.
Por seu turno, a CEF está legitimada para a causa, eis que - segundo narrativa dos fatos, veiculada na peça inicial - ela teria sido responsável pelo prejuízo suportado pela parte autora, por força de aventadas falhas no seu sistema eletrônico de saques de recursos. Saber se realmente deve ser responsabilizada é questão a ser apreciada com o exame do mérito da pretensão deduzida na peça inicial.
2.11.
Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.12. Litisconsórcio - caso em exame:
No presente caso, não diviso um contexto de litisconsórcio necessário, a ensejar que a parte autora enderece sua pretensão em face de quem ainda não figure como litigante, de modo a convocá-lo para a demanda. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora não atingirá diretamente a esfera de terceiros, o que registro para os fins do art. 506, CPC.
D'outro tanto, ao que consta, a conta bancária em causa seria mantida apenas pelo autor, sem que haja cotitularidade. Ademais, mesmo que assim fosse, cuidar-se-ia de
pretensão indivisível, o que ensejaria não a formação de litisconsórcio; mas, antes apenas a efentual limitação de eventual procedência à fração de titularidade do requerente. Reitero, porém, que, ao que consta, o autor é o único titular da conta corrente mencionada na inicial.
2.13. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo
Abelha
.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.14. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio do uso válido da força - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço incontinenti etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal). Logo, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/88), mecanismo indispensável para que haja
efetivo império da lei
, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que a pretensão - caso venha a ser acolhida - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika
:
a necessidade, a utilidade e a adequação do meio processual escolhido pela parte. Em acréscimo, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na
extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do CPC/15. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material.
Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza
. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la.
A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar
."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Acrescento
"que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro.
O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença
. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(
Obra citada.
p. 661).
2.15. Interesse processual - caso em exame:
No caso em exame, o autor atua com interesse processual, na medida em que o agente financeiro demandado impugnou a pretensão inicial, evidenciando que o pleito não seria atendido no âmbito administrativo.
Saber se o autor faz jus à reparação de danos é questão a ser examinada com juízo de mérito.
Na forma do art. 5, XXXV, Constituição, o autor não estava obrigado a deduzir a pretensão prevaimente no âmbito administrativo para, somente então, deflagrar esta demanda. Caso sua pretensão venha a ser julgada procedente, em decisão transitada em julgado, isso se traduzirá em cancelamento dos descontos promovidos no seu benefício previdenciário.
Ademais, o autor também postulou a condenação do banco requerido à reparação de danos morais, algo que dificilmente seria solucionado no âmbito extrajudicial, conforme se infere da própria manifestação do requerido. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade, utilidade, adequação procedimental restou satisfeita.
2.17. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.18. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a autora atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão (R$ 72.154,00). Mantenho, pois, o valor atribuído à demanda.
2.19. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira: "
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim. Breves comentários ao novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS
. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5.
A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente
. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.20. Gratuidade de Justiça - caso em exame:
DEFIRO à parte requerente a gratuidade de justiça, de modo a compreender custas, honorários periciais e honorários sucumbenciais, porventura devidos nesse feito, atentando-se para as regras de suspensão previstas no art. 98, §3º, CPC/15
.
2.21. Prescrição - considerações gerais:
No que toca à eventual prescrição, convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
São Paulo: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias. Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil/2002, preconiza que
"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio
nata
.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natæ non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado - é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil).
E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulad
o. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil/02:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o termo a quo é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titlar do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida).
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércioa um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo
.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescro, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao ttular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitáve. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudiciado todas asações que poderia manejar." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu prazo. Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem no
prazo de 05 anos
, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932 c/ Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais
; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar."
(MIRANDA, Francisco C. Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1.
O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular
. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"
se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar
. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público. Não há, no caso, norma específica mais benefíca a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.22. Prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da
prescrição do fundo de direito
:
"A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública (...). Para efeito da compreensão da expressão '
fundo de direito
' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional.
Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito
. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em
ato único
do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, E.
Obra cit.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"
São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b)
. Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados.
É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial
. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de prescrição do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.23.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"
Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
"
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.24. Prescrição quanto ao caso em exame:
Note-se, portanto, que, nos termos do art. 173, §2, Constituição, a CEF está submetida ao regime jurídico de direito privado, quanto à maioria das suas atividades - exceção feita aos casos em que atua como gestora do FGTS, por exemplo. A norma do art. 1º do Decreto 20.910/1932, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal, não lhe é aplicável.
Cogita-se, portanto, da aplicação do prazo prescricional de 3 anos, por força do art. 206, §3º, V, Código Civil. De todo modo, deve prevalecer o prazo de 05 anos, por conta do art. 27 da lei 8.078/1990, por força da aplicação do código de defesa do consumidor, algo de considerações nos tópicos seguintes.
Nâo se operou, por conta do exposto, a mencionada prescrição, considerando a data em que a parte autora alegou ter tomado ciência das operações bancárias impugnadas neste processo
.
Entre aludida data e a deflagração desta causa - termo interruptivo, por conta da retroação mencionada no art. 240, CPC - não se esgotaram mais de 05 anos, contados na forma da lei n. 810/1949.
2.25. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Assim, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.26. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em
benefício
próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em
benefício
próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de águae, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto noartigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, dado que a relação entre o autor e a CEF é um vínculo consumerista.
2.27. Efeitos da aplicação do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre o autor e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos." (EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre a requerente e o banco requerido.
2.28. Eficácia vinculante dos contratos - exame precário:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.29. Funcionalização dos pactos - exame precário:
Logo, durante muito tempo, um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na manifestação da vontade, promovida ao tempo da sua celebração. Em período mais recente, porém, o Estado tem empregado os vínculos negociais com meio para implementação de valores e interesses coletivos, promovendo significativa ingerência no seu meio.
É o que se infere da regulamentação dos contratos de locação, promovida por meio da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991; por meio dos contratos de seguro (lei 15.040, de 9 de dezembro de 2024); contratos de prestação de serviços educaionais (lei 9.870, de 23 de novembro de 1999) e assim por diante. Isso implica a mencionada funcionalização dos contratos, que deixam de serem instrumentos exclusivamente privados, versando sobre os interesses das partes diretamente afetadas, para se converterem em instrumentos para implementação de vetores de relevo coletivo.
Sem dúvida que essa publicização dos contratos não pode ser promovida sem maiores cuidados, sob pena de comprometimento da autonomia da vontade e da livre iniciativa, fundamentos da ordem econômica - art. 170, Constituição Federal/88.
2.30. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.31. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.32. Contrato de depósito - art. 645, CC/02:
O contrato de conta corrente é uma espécie de depósito impróprio - ou seja, depósito de bens fungíveis. Segundo o art. 645, Código Civil/2002:
"
O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo
."
Por outro lado, a tradição de recursos, no mútuo, transfere a propriedade, ao tempo em que constitui uma relação de crédito (art. 587, CC).
Um exemplo pode elucidar isso. Se alguém entrega uma bicicleta em comodato para um conhecido e ele não a restitui, há apropriação indébita (art. 168, Código Penal). Caso tenha entregue o bem para uma empresa e essa tenha falido, poderá requerer sua restituição, fazendo prova disso. Com o dinheiro, bem fungível, ocorre algo distinto. Se alguém empresta dinheiro para um conhecido e ele não paga, cuida-se de dívida, não sendo caso de apropriação indébita. Na data da entrega do recurso, o conhecido se tornou dono do dinheiro e devedor da quantia perante quem lhe emprestou. Assim, o devedor não tinha a posse de coisa alheia. Por outro lado, no caso de uma falência, o credor não pode pedir a restituição específica do dinheiro, devendo habilitar seu crédito em face do patrimônio do devedor falido, concorrendo com outros credores.
No caso de contas-depósito, em princípio, isso se aplica. A rigor, a relação entre correntistas e banco é de crédito/débito
. Como notório, o correntista é credor do banco, mesmo quanto promove um saque de quantias. Esse crédito pode ser alvo de remuneração mensal, tudo a depender do contrato estipulado. No caso de um depósito regular - por exemplo, quando alguém entrega joias ou moedas antigas para o banco cuidar -, a relação é distinta. Nesse caso, o banco deve assegurar a entrega do bem específico para o depositário.
2.33. PIX - pagamentos instantâneos:
Conquanto o tema diga respeito mais direto a saques eletrônicos, menciono o tratamento jurídico dispensado ao PIX, para fins de comparação. Sabe-se que o PIX é um mecanismo de pagamento instantâneo elaborado pelo BACEN. Ela viabiliza que os recursos sejam transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia. A transferência pode ser promovida a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga.
Segundo o Banco Central, ele foi concebido para alavancar a competitividade e a eficiência do mercado; reduzir o custo, aumentar a segurança e aprimorar a experiência dos clientes; incentivar a digitalização do mercado de pagamentos de varejo; promover a inclusão financeira; e preencher uma série de lacunas existentes na cesta de instrumentos de pagamentos disponíveis atualmente à população.
O PIX pode ser utilizado para transferências entre pessoas; pagamento em estabelecimentos comerciais, incluindo lojas físicas e comércio eletrônico; pagamento de prestadores de serviços; pagamento entre empresas, como pagamentos de fornecedores, por exemplo; recolhimento de receitas de Órgãos Públicos Federais como taxas (custas judiciais, emissão de passaporte etc.), aluguéis de imóveis públicos, serviços administrativos e educacionais, multas, entre outros (esses recolhimentos poderão ser feitos por meio do PagTesouro); pagamento de cobranças; pagamento de faturas de serviços públicos, como energia elétrica, telecomunicações (telefone celular, internet, TV a cabo, telefone fixo) e abastecimento de água; e recolhimento de contribuições do FGTS e da Contribuição Social (a partir de 2021).
Em princípio, não há limite mínimo para pagamentos ou transferências via PIX. Contudo, as instituições que operem com o uso do PIX poderão estabelecer limites máximos de valor baseados em critérios de mitigação de riscos de fraude e de critérios de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Os usuários podem solicitar ajustes nos limites estabelecidos, devendo a instituição acatar imediatamente a solicitação caso o pedido seja para redução de valor.
2.34. Mecanismo especial de devolução:
Segundo o Banco Central, o
"
MED é um mecanismo exclusivo do Pix criado para facilitar as devoluções em caso de fraudes, aumentando as possibilidades da vítima reaver os recursos
. Você deve registrar o pedido de devolução na sua instituição em até
80 dias da data em que você fez o Pix
, quando você for vítima de fraude, golpe ou crime. Funciona assim: Você reclama na sua instituição;
Ela avalia o caso e, se entender que faz parte do MED, o recebedor do seu Pix terá os recursos bloqueados da conta;
O caso é analisado em até 7 dias. Se concluírem que não foi fraude, o recebedor terá os recursos desbloqueados.
Se for fraude, em até 96 horas você receberá o dinheiro de volta (integral ou parcialmente)
. O MED também pode ser utilizado quando existir falha operacional no ambiente Pix da sua instituição, por exemplo, ela efetuar uma transação em duplicidade. Nesse caso, ela avalia se houve a falha e, em caso positivo, em até 24 horas o dinheiro é devolvido."
(https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-que-e-e-como-funciona-o-mecanismo-especial-de-devolucao-med).
Desse modo,
o MED consiste no conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix a partir do próprio participante recebedor
. Ou seja, é o mecanismo que permite que o participante recebedor debite recursos recebidos por meio de um Pix da conta do seu cliente sem pedir a sua autorização a cada devolução. Ele se aplica em casos de fundada suspeita do uso do Pix para a prática de fraude ou casos de falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação.
Em regra, aludido sistema não se aplica nos casos de controvérsias comerciais entre os usuários ou casos de transações com fundada suspeita de fraude em que os recursos tenham sido destinados à conta transacional de um terceiro de boa-fé O MED não é um mecanismo de
chargeback
,
como o existente nos arranjos de cartões de pagamento.
Ao constatar a presença de fundados sinais da prática de fraude ou após receber reclamação de seu cliente, o participante pagador do PIX deve promover uma notificação de infração associada a uma solicitação de devolução. Para isso, a transação original deve ter ocorrido há no máximo 80 dias em relação à abertura da notificação. Após a conclusão da “notificação de infração”, o participante pagador dispõe de 72h para solicitar a devolução, caso o participante recebedor tenha aceitado a notificação. Na abertura da notificação de infração “para abertura de solicitação de devolução”, o participante deve bloquear imediatamente os recursos na conta de seu cliente, no valor total da transação original. Se não houver recursos suficientes na conta do recebedor no momento do bloqueio, o participante recebedor deve bloquear a totalidade dos recursos disponíveis. O participante recebedor pode realizar múltiplos bloqueios até o limite do valor total ao longo dos sete dias que o participante tem para realizar a análise de mérito da notificação de infração. O usuário recebedor deve ser prontamente avisado sobre o bloqueio e sobre a concretização da devolução. O usuário recebedor pode solicitar o cancelamento da devolução no prazo de 30 dias (contados a partir da devolução).
Atente-se para a seguinte análise:
"
Buscando aprimorar seu arranjo de pagamento e munir as instituições participantes de ferramentas no combate às fraudes executadas no Pix, em 08 de junho de 2021, o Banco Central publicou a Resolução BCB nº 103/2021, que irá alterar o texto do Regulamento do Pix (Resolução BCB nº 1/2020) a partir de 16 de novembro de 2021, com a implementação do Mecanismo Especial de Devolução
.
Desde o lançamento do Pix, nos termos do Resolução BCB nº 1/2020, em seu artigo 40, § 1º, um Pix somente poderia ser devolvido se a sua devolução fosse iniciada pelo usuário recebedor, conforme segue:
Art. 40. Poderão ser objeto de devolução, total ou parcial, os recursos de determinada transação realizada cujos fundos já se encontrem disponíveis na conta transacional do usuário recebedor. § 1º A devolução de um Pix deve ser iniciada pelo usuário recebedor.
Sendo assim, ainda que as instituições participantes soubessem que se tratava de uma transação fraudulenta, não estavam autorizadas, nos termos do Regulamento do Pix, a realizar a devolução dos valores da transação ao usuário pagador
.
Com a implementação do Mecanismo Especial de Devolução a partir de novembro de 2021, as instituições poderão realizar a devolução de transações de Pix por conta própria, desde que haja fundada suspeita de fraude por parte da instituição, ressalvados os casos em que o terceiro que tenha recebido os recursos seja um terceiro de boa-fé, conforme disposto no artigo 41-B e seus incisos, inserido na Resolução BCB nº 1/2020 pela Resolução BCB nº 103/2021:
Art. 41-B. O Mecanismo Especial de Devolução é o conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix nos casos em que exista fundada suspeita do uso do arranjo para a prática de fraude e naqueles em que se verifique falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação.
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses de devolução de que trata o caput: I – as controvérsias relacionadas a aspectos do negócio jurídico subjacente à transação de pagamento; e II – as transações com fundada suspeita de fraude em que os recursos forem destinados à conta transacional de um terceiro de boa-fé." (...)
Vale ressaltar que tal mecanismo instituído pelo regulador será de grande importância na agilidade do tratamento dos casos de fraude pelas instituições, uma vez que ele prevê o bloqueio imediato dos valores relacionados à transação objeto de notificação de infração na conta do recebedor, até que a notificação seja avaliada pela instituição, que poderá acatar ou negar o pedido de devolução feito pela outra instituição, conforme disposto no artigo 41-D e seus incisos e seu parágrafo único, da mesma Resolução." (AZEVEDO, Mareska; SILVA, Leiziane; CORREIA, Juliana.
As fraudes e os mecanismos de proteção do Banco Central do Brasil no arranjo de pagamento Pix.
São Paulo: RT. 2021).
Convém destacar, do alcance da resolução BCB nº 103/2021, os seguintes dispositivos:
Art. 41-B.
O Mecanismo Especial de Devolução é o conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix nos casos em que exista fundada suspeita do uso do arranjo para a prática de fraude e naqueles em que se verifique falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação
.
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses de devolução de que trata o caput: I - as controvérsias relacionadas a aspectos do negócio jurídico subjacente à transação de pagamento; e II - as transações com fundada suspeita de fraude em que os recursos forem destinados à conta transacional de um terceiro de boa-fé.
Art. 41-C. As devoluções no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução serão iniciadas pelo participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor: I - por iniciativa própria, caso a conduta supostamente fraudulenta ou a falha operacional tenham ocorrido no âmbito de seus sistemas; ou II - por solicitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário pagador, por meio do DICT, caso a conduta suspostamente fraudulenta ou a falha operacional tenham ocorrido no âmbito dos sistemas desse participante.
§ 1º As devoluções realizadas no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução dependem de prévia e expressa autorização do usuário recebedor que contemple, inclusive, a possibilidade de bloqueio dos recursos mantidos na conta transacional, em uma ou mais parcelas, até o atingimento do valor total da transação.
§ 2º A autorização de que trata o § 1º poderá ser concedida no contrato firmado com o correspondente prestador de serviço de pagamento, mediante cláusula em destaque no corpo do instrumento contratual, ou por outro instrumento jurídico válido.’ (NR)
Art. 41-D. As devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C, quando decorrentes de fundada suspeita de fraude: I - ficarão condicionadas à abertura e à conclusão, com a aceitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor, do procedimento de notificação de infração relativo à transação a ser devolvida, de que trata o Capítulo XIII, Seção III, Subseção IX; e II - implicarão o bloqueio imediato, na conta transacional do usuário recebedor, dos valores cuja devolução é solicitada, ou, sendo menor, do valor correspondente ao saldo nela disponível.
Parágrafo único. É permitida a realização de múltiplos bloqueios parciais na conta transacional do usuário recebedor, até que se alcance o valor total da transação objeto da solicitação de devolução.’ (NR)
Art. 41-E. O rito para a realização das devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C, inclusive os prazos máximos para a manutenção do bloqueio de recursos na conta transacional do usuário recebedor e para a concretização da devolução, está detalhado no Manual Operacional do DICT.’
Art. 41-F. O usuário recebedor dos recursos cuja devolução é pleiteada será prontamente comunicado sobre a efetivação: I - do bloqueio de recursos em sua conta transacional na forma do inciso II do art. 41-D; e II - da concretização de uma devolução realizada ao amparo do Mecanismo Especial de Devolução.’
Art. 41-G. O usuário recebedor pode solicitar, no prazo de 30 (trinta) dias contado da comunicação de que trata o inciso II do art. 41-F, o cancelamento da devolução. Parágrafo único. O cancelamento da devolução observará, no que couber, o rito para a realização das devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C.
Art. 41-H. As devoluções realizadas no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução são de responsabilidade do participante que as houver solicitado, observado o disposto no art. 41-I.
Art. 41-I. Observado o disposto no inciso I do art. 41-A, o participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor responderá pelos eventuais prejuízos causados pela não devolução dos recursos quando: I - rejeitar, sem justo motivo, a notificação de infração de que trata o art. 78, quando vinculada a uma solicitação de devolução; II - recusar a devolução por ausência da autorização de que trata o § 2º do art. 41-C.
Por ocasião da publicação da Resolução BCB nº 147 de 28/9/2021, o BACEN noticiou que: Dando sequência ao seu processo de evolução contínua, o Pix tem agora duas importantes novidades: o Bloqueio Cautelar e o Mecanismo Especial de Devolução, alternativas que deixarão o serviço ainda mais seguro para os seus milhares de usuários por todo o país. Referida Resolução BCB nº 147 de 28/9/2021: Altera o Regulamento anexo à Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020, que disciplina o funcionamento do arranjo de pagamentos Pix.
Atente-se ainda para o seguinte:
"No Pix existem mecanismos que aumentam a chance do recurso ser ressarcido, são eles o Bloqueio Cautelar e o Mecanismo Especial de Devolução, que entrarão em vigor no âmbito do Pix, a partir de 16 de novembro de 2021.
Bloqueio cautelar: permite que a instituição que detém a conta do usuário recebedor pessoa física possa efetuar um bloqueio preventivo dos recursos por até 72 horas em casos de suspeita de fraude. A opção vai possibilitar que a instituição realize uma análise de fraude mais robusta, aumentando a probabilidade de recuperação dos recursos pelos usuários pagadores vítimas de algum crime.
Mecanismo Especial de Devolução: padroniza as regras e os procedimentos para viabilizar a devolução de valores nos casos de fundada suspeita de fraude pela instituição detentora da conta do usuário recebedor, por iniciativa própria ou por solicitação da instituição de relacionamento do usuário pagador. Com esse mecanismo o BC define como e os prazos para que as instituições possam bloquear os recursos, avaliar o caso suspeito de fraude e realizar a efetiva devolução, dando mais eficiência e celeridade ao processo, o que aumenta a possibilidade do usuário reaver os fundos
.
Enquanto tais mecanismos não entram em vigor, as instituições envolvidas utilizam-se de procedimentos operacionais bilaterais para tratar os casos. Vale ressaltar que a responsabilidade da avaliação das situações de fraude é das instituições financeiras ou instituições de pagamentos envolvidas na transação. O BC cria as regras e os procedimentos operacionais que permitem a comunicação padronizada entre as duas instituições e pode penalizar as instituições que incorrerem em uso indevido do mecanismo.
De acordo com referidas normas regulamentadoras e como dito alhures, as operações questionadas ocorrem em tempo real, sendo que o acionamento de instrumentos tais
o
Bloqueio Cautelar e o Mecanismo Especial de Devolução
devem ser realizados após verificação de indício de fraude pela instituição destinatária dos valores,
in casu
, o MERCADO PAGO S.A." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50004832220224047114 RS, Relator: JOANE UNFER CALDERARO, Data de Julgamento: 19/12/2022, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
A Turma Recursal já decidiu como segue:
"(...) Quanto ao ponto, registre-se, ainda, que o Mecanismo Especial de Devolução (MED) e o Bloqueio Cautelar foram instituídos pelo Banco Central através da Resolução nº 103, de 08/06/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/21 6. Logo, na data dos débitos já era possível à CEF utilizar esse procedimento, que se refere apenas a operações via PIX, não se aplicando para outras modalidades de transferência de valores.
Veja-se que a parte autora formalizou a contestação na via administrativa e registrou o boletim de ocorrência no mesmo dia em que foi vítima do golpe, conforme eventos 1.9, 1.10 e 1.17. Além disso, a demandante demonstra que solicitou expressamente aos funcionários da agência da ré, em atendimento presencial, que fosse acionado o MED para o fim de bloquear os valores nas contas destinatárias, consoante se extrai da gravação acostada ao evento 4.3. Todavia, o pedido foi negado, sob o argumento de que, apenas na hipótese de ser constatada a ocorrência de fraude eletrônica ou tecnológica com o efeito de burlar o sistema da CEF, a área de segurança utilizaria o MED para solicitar ao banco destinatário o bloqueio nas contas favorecidas. Através de mensagem via Whatsapp enviada à autora, a requerida alegou que o bloqueio teria que ser realizado pelo banco que recebeu os recursos e não pela CEF (evento 1.16 - p. 02). Contudo, os argumentos da ré não se sustentam, pois a instrução do Bacen acima reproduzida é expressa no sentido de que o MED é acionado pelo banco da vítima para notificar a instituição que está recebendo a transferência, para que os recursos sejam bloqueados em caso de golpe.
Portanto, ainda que não fosse possível à CEF realizar o bloqueio, era seu dever promover a notificação do banco recebedor para que houvesse o bloqueio. O acionamento do MED poderia resultar no bloqueio dos valores nas contas destinatárias e, caso fosse confirmada a ocorrência de fraude pelas instituições financeiras envolvidas, os recursos retornariam para a autora. Logo, independentemente do desfecho da ativação do mecanismo, a CEF deve responder por sua omissão.
Assim, está configurada a falha da requerida, uma vez que foi comunicada da ocorrência do golpe de forma imediata e deixou de cumprir seu dever de acionar o Mecanismo Especial de Devolução (MED), instituído pelo Banco Central pela Resolução nº 103, de 08/06/2021. Além disso, também falhou no dever de informação, pois afirmou para a cliente que não poderia acionar o MED.
Note-se que a contestação foi apresentada na via administrativa no mesmo dia em que ocorreu a movimentação indevida, momento em que a requerida tomou conhecimento da fraude, porém não enviou ao banco recebedor a notificação para bloqueio dos valores transferidos via PIX. Em vista disso, autoriza-se concluir pela responsabilização objetiva da ré nesse ponto." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50175947020224047000 PR, Relator: GUY VANDERLEY MARCUZZO, Data de Julgamento: 26/01/2023, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
2.35. Lei geral de proteção de dados - exame precário:
Cuida-se de tema que apenas tangecia o debate travado nestes autos. Ao comentar a
lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018
, Denise de Souza Luiz Francoski sustenta:
"O surgimento de uma legislação específica sobre a proteção de dados pessoais1 e privacidade2 que viesse proteger efetivamente os titulares dos dados pessoais dentro da sociedade brasileira é um tema que vinha sendo aguardado com muita expectativa, principalmente no meio jurídico do nosso País, em decorrência dos diversos movimentos jurídicos internacionais, traduzidos na publicação de inúmeras legislações com enfoque nesse assunto, especialmente do Regulamento Europeu – GDPR, em vigor desde 25 de maio de 2018, isto porque, como menciona Yuval Harari Os donos dos dados são os donos do futuro. É evidente que para o Brasil, além da entrada em vigor do GDPR, outros fatores, como por exemplo, a grande e crescente atividade da economia internacional, principalmente quanto ao comércio eletrônico, a propagação de forma exponencial das diversas redes sociais, plataformas digitais e inúmeros sites que fazem uso de dados pessoais de seus titulares, os quais, aliados à evolução rápida da inteligência artificial e da internet das coisas e, primordialmente, o grande receio de algum entrave envolvendo operações econômicas do nosso país, gerando algum tipo de discriminação ou até mesmo isolamento comercial, por inexistência de uma legislação específica quanto à proteção de dados pessoais e privacidade, levaram os nossos governantes a editar com urgência a nossa
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
, mais conhecida por LGPD."
(FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:
aspectos práticos e teóricos relevantes no setor público e privado São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, introdução).
Ainda nesse sentido, leias-se:
"Podemos constatar, ainda, que as inúmeras atividades desenvolvias que fazem uso dos nossos dados pessoais e que atingem a nossa privacidade diretamente, inclusive nos setores que fazem movimentar todo o circuito da economia mundial, nos leva a repensar os cuidados que, a partir de então, deverão ser redobrados, quando dizem respeito, como bem diz Bruno Bioni119, à utilização dos “signos identificadores do cidadão”.
O conteúdo da legislação europeia, de forma especial o GDPR, e de outras que estão por vir, continuarão a servir de inspiração, para o aperfeiçoamento da interpretação de certos aspectos teóricos e práticos da LGPD que, com certeza, surgirão, à medida que a sedimentação desta Lei seja introduzida tanto na esfera da iniciativa privada como em todas as organizações públicas e, de forma particular, em todos as cortes de justiça do nosso País.
Por isso, é necessário desde já que os órgãos públicos, cujo enfoque foi o tema deste artigo, se organizem de pronto, a fim de dar início ao programa de implementação da Lei protetiva, a tempo e modo de servirem de exemplo às empresas e aos organismos que pertencem a toda a inciativa privada, inclusive sobre a ocorrência pontual e inevitável quanto à produção de sua transformação cultural, pois, como bem ensinam Fabio Ferreira Kujawski e Ana Carolina Heringer Castellano120, “A LGPD introduz uma revolução cultural no tratamento de dados pessoais não apenas por entidades privadas, mas sobretudo por entidades públicas
." (FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski e outros.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:
aspectos práticos e teóricos relevantes no setor público e privado São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, introdução).
No que toca a vazamentos, anote-se o seguinte:
"
Os inúmeros e sempre mais frequentes episódios de invasão dos sistemas informáticos de empresas, entes públicos e tribunais, que acarretam vazamentos de dados e outros efeitos ainda pouco conhecidos, têm suscitado justa preocupação com a segurança da informação e, especialmente, com seu entrelaçamento com a proteção de dados pessoais
. Procura-se aqui explorar as afinidades e as dissonâncias entre essas duas disciplinas a partir do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), aprovado em 2016 na Europa, e da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 ou LGPD). Discute-se, em seguida, a transformação do direito regulatório, de um modelo baseado em direitos para um modelo fundado na análise de risco e nas medidas, adequadas e proporcionais, para prevenir e remediar os riscos inerentes ao tratamento de dados em larga escala."
(FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski.
Obras citadas.
RB 20.1).
Ademais,
"Na origem do direito de proteção de dados pessoais identificava-se certa vagueza e ambiguidade quanto ao seu alcance, pois pode-se razoavelmente entender que a proteção conferida aos dados significa também a promessa de que gozarão de segurança contra acessos indevidos e vazamentos propositais ou acidentais. Com o tempo, a distinção se tornou mais evidente e passou a ser enunciada pelo uso de expressões diversas: Datenschutz e Datensicherheit, em alemão, e data protection (ou privacy) e cybersecurity, em inglês, proteção de dados e segurança da informação, em nosso idioma.1 Embora a garantia da segurança da informação não se confunda com o direito à proteção de dados pessoais, como muitas vezes se acredita, há inequívoca relação de pertinência entre eles."
(FRANCOSKI, Denise de S. Luiz Francoski.
Obras citadas.
RB 20.2).
Sustenta-se, além disso, que
"a cultura usufrui da condição de extrema importância quando associada à legislação pertinente, sobretudo, no caso da questão da defesa, da promoção e da proteção dos dados pessoais, relacionados à privacidade, a honra, a imagem, a intimidade, a personalidade, a liberdade de expressão, o sigilo dos dados e a autodeterminação informativa (arts. 1º, III, e 5º, X e XII, da Constituição da República), e ainda, o anonimato na rede, o papel do mercado e de sua lógica, a função, os limites e a simetria dos direitos, a dar conta de assegurar a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – essas ressalvadas pela dimensão da relativização, por ordem judicial e para fins de persecução penal.Há razões para tanto que estão além da má utilização dos dados do indivíduo ou de milhões deles. É que “Pretende-se evitar, outrossim, que o cidadão seja transformado em números, tratado como se fosse uma mercadoria, sem a consideração de seus aspectos subjetivos, desconsiderando-se a sua intimidade” (LIMBERGER, 2008, p. 221). Esse cenário é que tece o tom das anunciadas questões urgentes que demandam ser construídas e revisadas em face da legislação – isso em termos globais. A título ilustrativo, a denúncia de vazamento7 de dados tem exposto e cobrado nova configuração aos procedimentos dessa natureza, sobretudo expondo e denunciando esse dilema que precisa ser dirimido.
Significativo e curioso é o fato de que, a legislação brasileira específica, em matéria de dados pessoais, data de 2018. À primeira vista pode parecer que se está atrasado demais. Em matéria de legislação, não. Mas em termos de reconhecimento, a conclusão pode ser mesmo afirmativa, de onde decorre missão útil e valiosa que cabe a universidade: de fazer o adequado enfrentamento, teórico e prático e o sopesamento de viés tecnológico – em que medida avançar levando em consideração o respeito à dignidade humana em contraponto à privacidade (a 4ª. crise, conforme antes anunciada)
."
(FRANCOSKI, Denise de S. L. F.
Obras citadas.
RB 10.4).
Acrescente-se que "
Mais recentemente40, a própria The Economist trouxe a questão novamente à tona: os dados são mais como o petróleo ou como a luz solar, que está presente em todos os lugares e é a base de tudo? O artigo menciona outras metáforas interessantes usadas para definir os dados, como a infraestrutura, que precisa de investimento público e de novas instituições para gerenciá-los.
Há, ainda uma série de outras comparações que vêm sendo utilizadas, como a analogia com o sangue, já que os dados precisam circular para que haja “vida”, mas se houver um vazamento é preciso resolver rápido para que a empresa não sangre até a morte, e a divertida comparação com as calorias, que “continuam chegando”, feita por Viviane Maldonado. Além da preocupação natural com o mau uso proposital desses dados, há, ainda, a preocupação com vazamentos acidentais, que podem fazer com que os dados caiam nas mãos de meliantes e/ou de empresas inescrupulosas. Por isso, é compreensível que a Lei não apenas estabeleça limites para os tratamentos de dados pessoais, mas também estabeleça exigências mínimas de segurança, de forma a proteger os dados contra acesso e/ou destruição indevidos
."
(FRANCOSKI, Denise de S. L. F. e outros.
Obras cit.
RB 39.4).
Note-se que
"o vazamento de lista de e-mails de consumidores de produtos de luxo pode gerar muitos dissabores, especialmente no aumento da abordagem de outras empresas. Contudo, dificilmente colocaria a segurança física do titular em risco. Contudo, na venda por telefone, na qual é conhecido o endereço do comprador, sua segurança poderia ser afetada. Dessa forma, o impacto neste último caso é maior à pessoa do titular."
(COTS, Marcio e outros.
O Legítimo interesse e a LGPDP.
2. ed., rev. SP: Thomson Reuters. 2021. RB 2.11). Enfim, o vazamento de dados deve ser combatido, porquanto pode comprometer segredos, intimidade, vida privada de alguém.
O sigilo de dados telemáticos é uma projeção da tutela jurídica dispensada à vida privada, consoante já decidiu o STF ao apreciar o MS 23.639/DF, rel. Celso de Mello. Também nesse sentido, menciono Paulo José da Costa Jr.
O
direito de estar só
.
RT, p. 105. Nem todos os dados hão de ser submetido ao sigilo, sob pena de se inviabilizar qualquer comunicação. Basta acorrer a um cartório para se saber a quem pertence um determinado imóvel; documentos de identificação pessoal - carteira de identidade, por exemplo - são informados em editais com relação de candidatos aprovados. Detalhes do faturamento de empresas, estabelecimentos comerciais são indicados em propostas de licitações, de acesso a todos os participantes. Em consultas aos sites de Conselhos Regionais, pode-se obter informações a respeito dos profissionais cadastrados, indicação do número de inscrição, telefone e endereços.
Enfim, nem todo dado pode ser tratado como se fosse sigiloso, dado que, como regra, isso apenas é cabível quando em causa a tutela efetiva da vida privada - espaços concêntricos do segredo, da intimidade e da vida privada.
A respeito do tema, leia-se:
DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONTRA O INSS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGADO VAZAMENTO DE DADOS DA SEGURADA. SUPOSTA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÂO DE DADOS PESSOAIS ( LGPD). POSTERIOR OFERECIMENTO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS INDESEJADOS POR DIVERSAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. I
NEXISTÊNCIA DE PROVA DO VAZAMENTO PELA AUTARQUIA. DADOS PESSOAIS DA AUTORA QUE PODEM SER OBTIDOS DE INÚMERAS FORMAS. ATO ILÍCITO NÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO
. (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50064272020224047206 SC, Relator: GILSON JACOBSEN, Data de Julgamento: 14/06/2023, TERCEIRA TURMA RECURSAL DE SC)
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS EFETUADAS POR TERCEIROS EM CONTA MEDIANTE USO DE CARTÃO MAGNÉTICO. GOLPE DO “MOTOBOY”. CULPA CONCORRENTE. NEGLIGÊNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO AO DEVER DE GUARDA DO CARTÃO BANCÁRIO. FALHA DE SEGURANÇA NOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO BANCO. IDENTIFICADAS OPERAÇÕES MUITO DESTOANTES DAS TRANSAÇÕES COTIDIANAS DO CORRENTISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVEM VAZAMENTO DE DADOS PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FALHA CONCORRENTE COM A PARTE AUTORA E RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOD A PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO
. (TRF-3 - RI: 00026483320204036304, Relator: ALEXANDRE CASSETTARI, Data de Julgamento: 24/11/2022, 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 29/11/2022)
"(...) A hipótese, porém, de saque fraudulento em conta de FGTS, posteriormente ressarcido, não dispensa a comprovação da ocorrência de dano.
Do mesmo modo, no que tange ao vazamento de dados protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) e o seu uso indevido, não há falar em dano moral devido pela ré.
Primeiramente, o saque emergencial do FGTS, assim como de outros benefícios (auxílio emergencial, auxílio BEm, bolsa família e abono salarial do PIS)é feito pelo aplicativo CaixaTEM.
Segundo informações colhidas no site da Caixa, no primeiro acesso a pessoa deve se cadastrar informando os seguintes dados pessoais: CPF, nome completo, número do celular, data de nascimento, CEP e email. Em seguida, o usuário cria a senha numérica de, pelo menos, 6 dígitos. Posteriormente, recebe um email para a confirmação de
login
. Ressalte-se que a pessoa pode informar qualquer email e, portanto, desta forma, ter acesso ao aplicativo.
Como visto, o conhecimento dos dados do beneficiário é anterior ao acesso ao sistema. Ou seja, o fraudador já tem os dados do titular (CPF, nome, data de nascimento, etc.), os quais são inseridos no aplicativo para a utilização dos recursos ali disponibilizados. Outrossim, não é possível afirmar que tais dados foram obtidos da instituição financeira
.
Por sua vez, no aplicativo o usuário não tem acesso a todos os dados do titular, mas apenas aos benefícios acima especificados. Ou seja, não há acesso a contas bancárias, mas apenas aos benefícios acima especificados." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50008603320214047209 SC, Relator: GILSON JACOBSEN, Data de Julgamento: 28/04/2022, TERCEIRA TURMA RECURSAL DE SC)
LEI GERAL DE PROTEÇÂO DE DADOS PESSOAIS ( LGPD) E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COM PRECEITOS CONDENATÓRIOS. Sentença de improcedência dos pedidos. Recurso de apelação do autor.
Vazamento de pessoais não sensíveis do autor (nome completo, números de RG e CPF, endereço, endereço de e-mail e telefone), sob responsabilidade da ré. LGPD. Responsabilidade civil ativa ou proativa. Doutrina. Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade civil objetiva. Ausência de provas, todavia, de violação à dignidade humana do autor e seus substratos, isto é, liberdade, igualdade, solidariedade e integridade psicofísica. Autor que não demonstrou, a partir do exame do caso concreto, que, da violação a seus dados pessoais, houve a ocorrência de danos morais. Dados que não são sensíveis e são de fácil acesso a qualquer pessoa. Precedentes. Ampla divulgação da violação já realizada. Recolhimento dos dados. Inviabilidade, considerando-se a ausência de finalização das investigações. Pedidos julgados parcialmente procedentes, todavia, com o reconhecimento da ocorrência de vazamento dos dados pessoais não sensíveis do autor e condenando-se a ré na apresentação de informação das entidades públicas e privadas com as quais realizou o uso compartilhado dos dados
, fornecendo declaração completa que indique sua origem, a inexistência de registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento, assim como a cópia exata de todos os dados referentes ao titular constantes em seus bancos de dados, conforme o art. 19, II, da LGPD. Determinação para envio de cópia dos autos à Autoridade Nacional de Proteção de Danos (art. 55-A da LGPD). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10003312420218260003 SP 1000331-24.2021.8.26.0003, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 16/11/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2021)
DANO MORAL – VAZAMENTO DE DADOS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DEVER DE SEGURANÇA. 1 –
Reconhecida a falha no sistema, ante a invasão por terceiros, ocasionando o vazamento de dados pessoais do consumidor, patente o dever de indenizar pelos danos morais sofridos; 2 – Indenização por danos morais fixada no montante pleiteado, ou seja, em R$ 10.000,00, corrigidos do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação
. RECURSO PROVIDO (TJ-SP - AC: 10001447120218260405 SP 1000144-71.2021.8.26.0405, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 25/08/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2021)
Atente-se ainda para o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VAZAMENTO DE DADOS PESSOAIS. DADOS COMUNS E SENSÍVEIS. DANO MORAL PRESUMIDO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DANO. I - Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por particular contra concessionária de energia elétrica pleiteando indenização por danos morais decorrentes do vazamento e acesso, por terceiros, de dados pessoais. II - A sentença julgou os pedidos improcedentes, tendo a Corte Estadual reformulada para condenar a concessionária ao pagamento da indenização, ao fundamento de que se trata de dados pessoais de pessoa idosa. III -
A tese de culpa exclusiva de terceiro não foi, em nenhum momento, abordada pelo Tribunal Estadual, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a suposta omissão. Nesse contexto, incide, na hipótese, a Súmula n. 211/STJ
. In casu, não há falar em prequestionamento ficto, previsão do art. 1.025 do CPC/2015, isso porque, em conformidade com a jurisprudência do STJ, para sua incidência deve a parte ter alegado devidamente em suas razões recursais ofensa ao art. 1022 do CPC/2015, de modo a permitir sanar eventual omissão através de novo julgamento dos embargos de declaração, ou a análise da matéria tida por omissa diretamente por esta Corte. Tal não se verificou no presente feito. Precedente: AgInt no REsp 1737467/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 8/6/2020, DJe 17/6/2020. IV -
O art. 5º, II, da LGPD, dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis. V - O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações
. VI - Agravo conhecido e recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ - AREsp: 2130619 SP 2022/0152262-2, Data de Julgamento: 07/03/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PRETENSÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE VALORES TRANSFERIDOS. ALEGAÇÃO DE GOLPE E FALHA BANCÁRIA. REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC NÃO VERIFICADOS. Nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado, bem como a urgência do provimento perseguido, o que não se verifica na hipótese. Havendo questões que ainda pendem de esclarecimentos quanto às circunstâncias de indicado golpe e à eventual falha bancária, bem como tendo sido há pouco angularizada a relação jurídica processual, não está recomendado o deferimento do pedido de antecipação da tutela, sendo prudente deixar o Magistrado de primeira instância - mais próximo do caso e apto a dar andamento à instrução do feito - avaliar a possibilidade de eventual modificação da decisão agravada, com o prosseguimento do feito.RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS - AI: 52006608020218217000 SÃO LEOPOLDO, Relator: Rosana Broglio Garbin, Data de Julgamento: 09/12/2021, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 15/12/2021)
2.36. Requisitos da responsabilização civil:
O tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - isto é, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico.
O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade
econômica
, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização. Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.37. Responsabilização por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, 2.T, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.38.
Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.39. Reparação de danos morais - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro,
"dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial."
(PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos,
"
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano
. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo,
"
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo,
"conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é consequência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo
. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Dano moral indenizável.
4ª ed. rev. SP: RT, 2.003, p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da
responsabilidade
civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa vênia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal
.
Reporto-me aos seguintes julgados:
".... I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
"Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo." STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.40. Responsabilidade bancária - exame precário:
Na obra já mencionada, Effing enfatiza que
"
A responsabilidade civil dos agentes bancários e financeiros, segundo as normas do Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor, ao contrário da tradicional sistemática adotada pelo Direito Civil (responsabilidade preponderantemente subjetiva, com algumas previsões no tocante à responsabilidade objetiva, conforme art. 927 c/c arts. 186 e 187 do CC/2002 ), não decorre exclusivamente de ato culposo do agente causador da lesão contratual ou extracontratual
. No sistema brasileiro de defesa do consumidor, a apuração da conduta culposa do agente não é o elemento determinante para a responsabilização, e, sim, a ocorrência de dano ao consumidor em razão da atividade desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo e, nos casos previstos no Código de Defesa do Consumidor, a mera conduta ilícita, independentemente da configuração de dano concreto ao consumi- dor (como ocorre com a simples veiculação de publicidade enganosa ou abusiva)."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. item 10.1.)
Ademais,
"
Conforme descrito pelo Código de Defesa do Consumidor, vício do produto é a repercussão danosa intrínseca advinda da disparidade entre o produto e as indicações constantes de seu rótulo, recipiente, embalagem ou mensagem publicitária, ou a característica de qualidade/quantidade que, ao revesti-lo, o torna impróprio ou inadequado ao consumo ou lhe diminui o valor (art. 18, caput, do CDC)
. Semelhantemente, vício do serviço é a repercussão danosa intrínseca decorrente de disparidades entre o serviço e as indicações constantes da oferta, ou a característica de qualidade que o torna impróprio ao consumo ou que lhe diminua o valor (art. 20, caput, do CDC). Havendo vício do produto ou serviço, poderá o consumidor solicitar que o vício seja sanado, que haja abatimento proporcional do preço, que seja restituída a quantia paga (atualizada monetariamente e sem o prejuízo de eventuais quantias devidas a título de perdas e danos), ou a substituição do produto ou reexecução do serviço (arts. 18, § 1.º e 20, § 1.º, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra citada
. item 10.1.)
Além do mais,
"Ao se abordar a responsabilidade civil do agente bancário ou financeiro, na maioria das vezes se está diante da ocorrência de dano ao consumidor em razão de um serviço defeituoso ou de informações inadequadas e insuficientes (fato do serviço), e não da existência de um produto ou serviço simplesmente viciado. Para a responsabilização do fornecedor agente bancário ou financeiro, portanto, basta a ocorrência de dano (patrimonial e/ou extrapatrimonial) advinda de evento danoso de consumo (fato do produto ou serviço, normalmente fato do serviço) e o nexo de causalidade, cabendo ao consumidor demonstrar e provar a ocorrência e extensão do dano a fim de que obtenha a efetiva e integral reparação dos danos (art. 6.º, VI, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra citada
. item 10.1.)
De todo modo, conquanto a culpa não tenha o condão de exonerar o prestador de serviço bancário a respeito de danos decorrentes da sua atividade - dada a responsabilização objetiva prevista na lei 8.078/90 -, é fato que outras causas excludentes podem ser invocadas, em conformidade com Código de Defesa do Consumidor, a exemplo da alegação/prova da ausência de defeito no serviço prestado/produto vendido (art. 12, § 3, II, e §§1 e 2; e art. 14, § 3, I, e §§ 1 e 2), culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro equiparado a consumidor (art. 12, §3, I e III, e art. 14, §3, II, do CDC/90) e caso fortuito ou motivo de força maior, conforme art. 393, parágrafo único, Código Civil/02.
Em princípio, quando se trate de fato do produto ou serviço, a tutela do Código de Defesa do Consumidor atinge não o consumidor destinatário final da atividade do fornecedor bancário e todas as demais vítimas do evento danoso, por força do art. 17 do CDC. Ademais,
"Dois elementos de grande importância nas relações bancárias de consumo, e que repercutem diretamente na configuração do fato do serviço bancário, são a confiança e a segurança. Ao se utilizar de um serviço bancário, o consumidor deposita integral confiança na instituição financeira, com a legítima expectativa de que o serviço prestado atenderá padrões mínimos de segurança, até porque normalmente tais serviços ou operações envolvem dinheiro. Desta maneira, as relações jurídicas existentes entre clientes e instituições bancárias e financeiras, pela própria atividade desenvolvida, impõem absoluta segurança, que se traduz no mais das vezes como confiança. Na espécie, confiança que leva à segurança patrimonial, como pontifica a doutrina mais abalizada, para Parra Lucan:“el concepto de 'seguridad' sería más amplio que el de 'salud' o el de 'seguridad física', y equivaldría a una garantía global de adequación de los productos a las legítimas expectativas de los consumidores."
Segundo Sérgio Carlos Covello,
"
os contratos bancários têm por objeto valores e, por isso mesmo, exigem a realização de certos atos que permitam a comprovação imediata da operação realizada
. Não podem, pois, ficar circunscritos a sistemas tradicionalmente adotados em matéria civil ou comercial:
precisam de rigorosos assentamentos de contabilidade
. Os contratos, assim, se inscrevem em conta-corrente que se transforma no espelho contábil da operação. As prestações que deles derivam se anotam segundo a técnica do 'haver' e 'dever'. Tais anotações são de indiscutível valor probatório, visto que podem esclarecer, de maneira eficaz, a possível discrepância entre as partes, dada a escrupulosa contabilidade bancária e sua presumível imparcialidade".
(COVELLO, Sérgio Carlos.
Contratos bancários.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 44). Nas palavras de Garrigues:
"os bancos não realizam anotações em seus livros com fins de prova, e, por outra parte, uma contabilidade que não fora correta seria praticamente impossível de suportar, pois qualquer artifício ou alteração repercutiria no conjunto do sistema."
Não raro, as relações de consumo estão fundadas em certa assimetria, ensejando a invocação do aforismo de Lacordaire: "
no confronto entre o forte e o fraco, a igualdade escraviza e a lei liberta
!" Importa dizer: a legislação acaba por estipular institutos destinados a tutelar os consumidores contra práticas potencialmente lesivas, promovidas por grandes corporações. Isso não significa, por óbvio, que toda e qualquer alegação dos consumidores deva ser acolhida, tanto quanto não implica supor que qualquer dano deva ser imputado aos fornecedores. Exige-se a apuração dos fatos e o confronto sereno com a legislação aplicável, atentando, contudo, para os vetores fundamentais que animam o Código de Defesa do Consumidor.
2.41. Fatos de terceiros e
aplicativos
bancários:
No caso em exame, a autora sustentou ter sido ludibriada por terceiros, não encontrando uma resposta imediata junto à CEF quanto à sua tentativa de bloquear ativos.
Note-se, portanto, que ela não sustentou que alguém da Caixa Econômica tenha promovido aludido desvio, para fins de eventual aplicação do art. 932, III, Código Civil/2002
.
Ao que consta, as principais fraudes praticadas com o uso do Pix consistem em ataques de phishing, prática de engenharia social empregada para ludibriar o consumidor e induzi-lo a compartilhar voluntariamente seus dados ou seu dinheiro com os fraudadores
. Também há casos de clonagem do WhatsApp de um consumidor, para, em seguida, solicitar transferências de valores, via Pix, aos seus contatos. Por vezes, o fraudador se faz passar pelo consumidor com outro número de telefone e, de alguma forma, descobre alguns contatos dele e envia mensagens solicitando a transferência de valores, via Pix, alegando que mudou de número. Além disso, há os casos de fraudes em que o sujeito entra em contato com o consumidor por telefone se passando por um empregado de uma instituição financeira, com a qual a vítima tenha relacionamento ativo, oferecendo ajuda para cadastrar uma chave Pix ou, ainda, alegando a necessidade de realização de um teste de transferência via Pix. (https://portal.febraban.org.br/noticia/3602/pt-br).
Em princípio, caso constatado que o banco teria contribuído, de algum modo - por ação ou omissão - para o resultado danoso, a responsabilização objetiva pode ser cogitável. Isso compreende os casos em que os aplicativos disponibilizados se revelem inseguros; casos em que se permita ao cliente a redução de um limite mínimo de segurança, indispensável para a operação bancária. Também se cogita disso nos casos em que, depois da fraude, o consumidor tenha atuado de modo diligente, sem encontrar amparo junto à instituição financeira. Trata-se, não raro, de um problema relacionado aos fatos havidos - ou seja, um problema de prova e de ônus da prova -, muito mais do que um debate sobre normas aplicáveis.
Os Tribunais já chegaram a decidir, sobre o tema, como segue:
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FRAUDE DE TERCEIRO. GOLPE DA FALSA CENTRAL TELEFÔNICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. FORTUITO INTERNO. DÉBITO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. I - A alegação de falha na prestação de serviço por fraude de terceiro não retira a legitimidade do Banco-réu para integrar o polo passivo da demanda. II -
A conduta do Banco-réu, ao permitir a realização de transações na conta da autora, mediante fraude pelo telefonema recebido com número oficial da instituição financeira, com orientações para instalação de aplicativo de segurança, para então acessar o celular e o aplicativo do Banco, representa falha na prestação dos serviços, e a responsabilidade objetiva daí decorrente não é elidida pela atuação de terceiro fraudador. Teoria do risco da própria atividade lucrativa desenvolvida pela instituição financeira, art. 14, § 1º, inc. II, do CDC; art. 927, parágrafo único, do CC e Súmula 479 do eg. STJ
III - Apesar de constatadas a fraude de terceiros e a falha na prestação dos serviços, não ficou configurada nenhuma lesão aos direitos de personalidade. Improcedente o pedido de indenização por danos morais. IV - Apelação do réu parcialmente provida. (TJ-DF 0720146-46.2023.8.07.0001 1821789, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/02/2024, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 15/03/2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÕES. CONSTATAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO. COMPRAS NÃO RECONHECIDAS. ?GOLPE DO MOTOBOY?. FRAUDE. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DEMONSTRAÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. CONCESSÃO. RESULTADO DO JULGAMENTO. ALTERAÇÃO. 1. Os Embargos de Declaração são cabíveis contra decisão judicial que estiver eivada de omissão, contradição, obscuridade ou erro material, admitindo-se, excepcionalmente, a modificação do julgado, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC/15. 2. Constatadas omissões no acórdão, os Embargos de Declaração devem ser acolhidos, com efeitos infringentes, para alterar o resultado do julgamento da Apelação interposta pelo Banco Réu. 3. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ?O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos?. 4.
A despeito de a Autora ter reconhecido que, por ter sido vítima de um golpe, forneceu os cartões de crédito e as senhas a terceiros, não se pode desconsiderar que as transações realizadas em nome da consumidora destoavam completamente do histórico de gastos dela, seja pela natureza das compras, seja pelos montantes, de modo que era possível ao Banco ter percebido a ocorrência da fraude, adotando as medidas de segurança cabíveis para evitá-la. 5. Considerando que cabe ao Banco zelar pelo sistema antifraude, e diante da notória atipicidade dos gastos efetuados com os cartões da consumidora, constata-se a falha na prestação do serviço pela Instituição Financeira, bem como a relação de causalidade entre a conduta do Banco e os prejuízos causados à cliente, o que atrai a responsabilidade da Instituição pela reparação dos danos materiais
. 6. Uma vez que a situação delineada no feito não desborda de mero aborrecimento do cotidiano, afasta-se a condenação em dano moral. 7. Embargos de Declaração conhecidos e providos, com efeitos infringentes. (TJ-DF 07310775020198070001 DF 0731077-50.2019.8.07.0001, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/10/2020, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 05/11/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. CONSUMIDOR. ROUBO DE CELULAR CONTENDO APLICATIVO DO BANCO RÉU. FRAUDE BANCÁRIA. FALHA NO SISTEMA DE SEGURANÇA DO APLICATIVO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER ATO CULPOSO OU DOLOSO PRATICADO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE SENHA. Consumidor vítima de roubo de celular. Terceiro que logrou, via aplicativo da instituição financeira, fazer indevida movimentação na conta corrente. Transferência entre contas no montante de R$. 9.663,099.
O autor não forneceu a senha a terceiros. A questão se localizava na falha de segurança do serviço bancário, ao permitir acesso dos criminosos, via aplicativo, à senha da conta corrente do autor e sua movimentação. Nem se diga que à autora cabia também a comunicação ao banco réu para se evitar uso do aplicativo e acesso à conta corrente. o acesso ao aplicativo se dava por reconhecimento facial e em algum momento esta tecnologia falhou, visto que os criminosos tiveram acesso aos dados bancários do consumidor. Faltou segurança ao serviço bancário via aplicativo. Sua fragilidade viabilizou o indevido acesso dos fraudadores, porquanto o autor viu seu celular roubado sem que tivesse fornecido qualquer dado (senha ou número de conta corrente). E, o autor providenciou a desativação do Token (i-safe) vinculado ao aplicativo do banco réu.
Todavia, ainda sim, após tomar essa medida de precaução, os criminosos lograram êxito no golpe. Na instrução do processo, constatou-se a inexistência de qualquer ato, culposo ou doloso, por parte do consumidor. Transações fugiam ao perfil do próprio autor. Antes mesmo das transações efetuadas, o agente criminoso requereu modificações na conta do autor que deveriam despertar no sistema de segurança do banco réu um alerta para se evitar a concretização das transações fraudulentas Incidência da Súmula 479 do STJ. Responsabilidade civil do réu configurada. Danos materiais configurados. Indenização no valor de R$ 9.663,99 mantida. Danos morais reconhecidos. O consumidor experimentou dissabores, transtornos e aborrecimentos advindos não somente da falta de segurança do sistema bancário, mas também do atendimento inadequado recebido para sua reclamação. Indenização fixada em R$ 5.000,00. Ação procedente em maior extensão em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10689552820218260100 SP 1068955-28.2021.8.26.0100, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 01/07/2022, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2022)
APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - "GOLPE DO PIX" - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - RECURSO DO BANCO. 1. RESPONSABILIDADE - Relação de consumo - Súmula 297 do STJ -
Inexistência de culpa exclusiva de terceiro ou da própria vítima - Facilidade para a movimentação de contas bancárias mediante o uso de aplicativos configura-se vantagem indubitavelmente lucrativa aos bancos, e as brechas em seus sistemas são justamente o que oportuniza sua utilização por pessoas mal-intencionadas - Necessária observância, pela instituição bancária, do Regulamento do Pix (Resolução BCB 01/2020, artigos 39, 88 e 89), em especial no tocante ao risco operacional
- Comunicada pela vítima acerca do ocorrido, a instituição bancária não tomou providências a tempo, devolvendo-lhe apenas uma parte do valor transferido ao (s) fraudador (es) - Jurisprudência - Responsabilidade objetiva - Fortuito interno - Súmula 479 do STJ - Sentença mantida neste aspecto. 2. DANOS MORAIS - Inocorrência de impacto extrapatrimonial indenizável no caso concreto - Condenação afastada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA DE VOTOS. (TJ-SP - AC: 10088636120228260161 SP 1008863-61.2022.8.26.0161, Relator: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 31/01/2023, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2023)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANFERÊNCIA BANCÁRIA. GOLPE PIX PRATICADO POR TERCEIRO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA AO BANCO. INÉRCIA DO BANCO. APLICAÇÃO DO CDC. DEVER DE RESTITUIR VALORES E COMPENSAR O DANO MORAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
Devidamente comunicada a instituição bancária a respeito do golpe praticado por terceiro, seu correntista, deveria tomar as providências para minimizar os danos e apurar os fatos. O Dano moral é puro. O prejuízo independe de demonstração. Decorre da falta de diligência do apelado que ao tomar conhecimento de uma fraude, nada fez para impedir danos maiores
. (TJ-MT 10001318820228110006 MT, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 18/10/2022, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2022)
Em alguns casos, deve-se avaliar, porém, o limite desse dever de tutela do banco, sob pena de se autorizar à instituição financeira decidir que gastos e quando os seus clientes poderiam promover. Caso seja responsabilizada de modo automático por prejuízos decorrentes da dissimulação promovida contra a vítima, a instituição bancária pode acabar por inviabilizar movimentações lícitas. Alguém deve pagar uma passagem aérea ou rodoviária urgente e, a despeito de ter dinheiro na conta, não consegue fazê-lo, por restrições de segurança.
Trata-se, assim, de uma equação a respeito de quem deve suportar o risco e os prejuízos quando se cuida de fraudes praticadas por terceiros. Deve-se atentar para a súmula 479, STJ:
"
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias
."
2.42. Eventual aplicação do
art. 935
, Código Civil:
Sabe-se que há diferença entre injusto administrativo e crime. Há distintos graus de responsabilização jurídica, de modo que - mesmo quando afastada a suspeita criminal - pode ainda subsistir lastro para a aplicação de sanções administrativas ou de outra ordem
.
Mal comparando, alguém pode ser absolvido da acusação da prática de crime contra a ordem tributária e, ainda assim, ser alvo de multas fiscais, por conta do disposto no art. 136 do Código Tributário Nacional, por exemplo. Também é certo, todavia, que o Estado não pode se contradizer. Não há como o Estado imputar ao sujeito a prática de um fato se, com cognição
exaustiva
, a própria Administração Pública reputa que tal conduta não teria ocorrido ou que o sujeito em questão não tenha sido seu autor.
Deve-se atentar, tanto por isso, para a redação do art. 935, CC:
"A responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal
."
Cumpre não perder de vista que a jurisdição criminal é infensa a consensos probatórios e a ficções jurídicas
contra libertatem
. Isso significa que, como regra, o exame probatório promovido na temática penal é mais denso do que aquele levado a efeito em outros âmbitos. Sempre que a jurisdição criminal sustentar, em decisão transitada em julgado, que o fato imputado não teria ocorrido ou que o sujeito não o teria praticado, isso deve ser respeitado pelo Estado em todas as suas esferas de atuação, para distintos efeitos de responsabilização civil/administrativa.
Essa mesma solução não parece se aplicar, todavia, quando a sentença absolutória, prolatada pelo juízo criminal, tenha sido calcada no reconhecimento de nulidades ou quando estiver fundada em
non liquet
(ou seja,
in dubio pro reo
). Em tais casos, o juízo de imputação administrativa não fica inibido, eis que depende de graus menores de convicção probatória. Com idêntica lógica, se o Ministério Público houver promovido o arquivamento de um inquérito policial, atestando, de forma peremptória, ter sido comprovado que o aventado fato ilícito não teria ocorrido ou que, quando ocorrido, que o suspeito não teria sido seu autor, então aludida promoção de arquivamento, quando acolhida judicialmente, surtirá efeitos transcendentes, atingindo também processos cíveis, tributários, administrativos. Caso, porém, a promoção de arquivamento houver sido fundada em ausência de justa causa para uma arguição penal, por ausência de provas suficientes, então tal medida não vinculará as demais esferas do discurso jurídico, conforme art. 935, CC/2002.
Enfim, não se invocar essa transposição automática de efeitos, do sistema de justiça criminal para a jurisdição cível, quando uma apuração criminal tenha sido arquivada por ausência de justa causa para a deflagração de uma arguição criminal, diante do que preconiza o art. 18, CPP e diante da lógica da conhecida súmula 524, STF, em leitura
a contrario sensu.
Atente-se para a lógica da argumentação de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves sobre o alcance do art 935, Código Civil, ainda que tendo em conta o processo de improbidade administrativa:
"Os atos ilícitos praticados pelo agente público podem acarretar a sua responsabilidade penal, civil e administrativa, sendo cada qual perquirida perante o órgão competente.
Conforme fora visto, a Lei 8.429/1992 é expressa ao dispor que as penalidades cominadas em seu art. 12 serão aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. Esse preceito, de natureza eminentemente material, visa a dirimir quaisquer dúvidas no sentido de que a aplicação de determinada sanção em uma seara não agasta as sanções passíveis de aplicação nas demais.
Ainda que única seja a conduta, poderá o agente sofrer sanções de natureza penal, desde que haja a integral subsunção de seu ato a determinada norma incriminadora; administrativa, em restando configurado algum ilícito dessa natureza; e civil, que apresenta natureza supletiva, podendo importar na complementação do ressarcimento dos danos causados ao Poder Público, política etc.
No que concerne às sanções passíveis de aplicação ao ímprobo, a independência entre as instâncias se apresenta absoluta, mas é tão somente relativa quanto à possibilidade de interpenetração dos efeitos da decisão proferida em uma seara nas demais.
Em um primeiro plano, cumpre perquirir os efeitos da sentença penal em relação à persecução da conduta do agente nas esferas cível e administrativa. Sobre a correlação existente entre a actio civilis ex delicto e a responsabilidade penal, tema fecundamente estudado pela doutrina penal e perfeitamente aplicável à espécie, os vários sistemas legislativos podem ser ordenados em quatro grandes grupos: o da solidariedade, o da concussão , o da livre escolha e o da independência
.
Nos países que adotam a solidariedade, há duas ações diferentes, uma penal, outra civil, mas no mesmo processo e diante do mesmo juiz, o criminal. Na confusão, existe uma única ação, civil e penal ao mesmo tempo, possibilitando um direito amplo de pedir ao órgão jurisdicional a reparação por inteiro do malefício causado pelo crime, quer ao interesse geral, quer ao particular. No sistema da livre escolha é permitido cumular as duas ações no processo penal; é uma cumulação facultativa, aplicando-se o brocardo electa una via non datur recursus ad alteram. Por derradeiro, no sistema da independência, a ação civil somente pode ser proposta no juízo cível, concedendo-se a este a faculdade de suspender o curso do processo civil até o julgamento definitivo do criminal.
Realizado um breve resumo dos sistemas existentes, é possível afirmar, à luz do disposto nos arts. 935 do Código Civil de 2002, 110 do CPC/ 1974, 315 do CPC/2015 e 64 do CPP, que o ordenamento jurídico pátrio adotara, até o advento da Lei n. 11. 719/2008, o sistema da independência, de modo que as instâncias civil e penal permaneciam alijadas uma da outra
. Após a Lei n. 11.719/2008, que conferiu nova redação ao art. 387, IV, do CPP para dispor que o juiz, na sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", passamos a ter um sistema de independência com influxos de confusão. Falamos em influxos de confusão e não propriamente em confusão, por três razões básicas: (1) o ofendido pode pleitear a reparação na esfera cível paralelamente à tramitação do processo penal; (2ª) o juiz com competência criminal não julga, em linha de princípio, a lide civil, limitando-se a estabelecer um valor mínimo para a reparação do dano; e (3ª) a teor do art. 63, parágrafo único do CPP, poderá o ofendido promover a execução do "valor fixado nos termos e do inciso IV do caput do art. 387 deste Código,sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido", liquidação esta que será realizada pelo juízo cível.
Na medida em que o processo penal e o processo cível puderam tramitar juntos, terá o juízo cível a faculdade de suspender o processo cível sempre que tiver razões ponderáveis para tanto, sendo certo que esta faculdade deve ser exercida com cuidado e ponderação, pois o tempo, que atua de forma furtiva e eficaz, é um algoz incansável do tão sonhado ideal de Justiça, não sendo exagero afirmar que a concreção deste se distancia na mesma proporção em que aquele flui.
Por ser mera faculdade, não vislumbramos uma relação de prejudicialidade entre a ultimação do processo penal e o prosseguimento da ação civil e do procedimento administrativo que visam a perquirir a conduta do ímprobo, nada impedindo que estes sejam instaurados e encerrados antes daquele
. No entanto, em sendo julgada a pretensão deduzida na ação penal anteriormente às demais, fará ela coisa julgada nas esferas administrativa e cível sempre que reconhecerem: a) ter sido o ato praticado em circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal e arts. 65 e 386, VI, do CPP); b) a inexistência material do fato (arts. 66 e 386, I, do CPP); c) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, art. 935 do Código Civil de 2002 e art. 1.525 do Código Civil de 1916). Note-se que tais efeitos somente alcançam os fatos discutidos no processo, permanecendo a possibilidade de livre valoração em relação aos demais.
Em havendo absolvição por ausência de provas (art. 386, II e VII, do CPP) ou por não constituir o fato infração penal (386, III, do CPP), poderá a questão ser amplamente examinada nas esferas cível e administrativa. O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que sequer for deflagrada a ação penal, havendo o arquivamento do procedimento inquisitorial respectivo (art. 67, I, do CPP).
No caso de condenação criminal, tornar-se-á certa a obrigação de reparar o dano causado, servindo a sentença de título executivo judicial (art. 91 do CP, art. 584, II, do ACP/1974 e art. 515, VI, do CPC/2015).
Tratando-se de conduta que se subsuma a um tipo penal, mas que não configure ilícito administrativo (crimes não funcionais), por óbvio, a sentença absolutória, qualquer que seja sua fundamentação, sempre influirá na esfera administrativa, já que a competência para valorar os fatos era exclusiva do Poder Judiciário. Nos crimes não funcionais, considerados como tais aqueles dissociados dos deveres administrativos, quando a condenação importar na aplicação de pena privativa de liberdade superior a quatro anos, o agente, como efeito da condenação, perderá o cargo, a função ou mandato eletivo (art. 92, I, b, do CP); em se tratando de pena inferior a quatro anos, será ele normalmente afastado de suas atividades até o seu cumprimento. A depender do ilícito penal e do que dispuser o estatuto regente da categoria, a condenação criminal poderá caracterizar a incontinência de conduta ou o procedimento irregular de natureza grave motivadores da sanção de demissão
.
Ainda que a conduta não caracterize nenhum ilícito penal, entendemos que a decisão proferida pelo juízo cível ao apreciar o ato de improbidade, observadas as mesmas circunstâncias relativas à sentença penal, influirá na esfera administrativa.
Restando provada, verbi gratia, a inexistência do fato perante o Poder Judiciário, seria no mínimo insensato entender-se legítima uma penalidade aplicada em procedimento administrativo com base no mesmo fato. Seria injurídico entender que o fato não existe perante a Justiça, mas representa substrato adequado para embasar uma punição de ordem administrativa
.
Essa comunicabilidade entre as instâncias tem o seu alicerce no art. 5º, XXXV, da Constituição, o que garante o amplo acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito. No exemplo sugerido, a ilegalidade e a lesão ao direito do agente seriam flagrantes, pois qualquer punição pressupõe uma conduta em desacordo com as normas legais; inexistindo conduta e, ipso facto,motivo para a prática do ato administrativo, afigura-se ilegal a punição."(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco
.
Improbidade
administrativa.
7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 678-681)
A tanto convergem o art. 66, CPP, e o art. 126, da lei n. 8.112/1990. Em determinados casos, quando a questão criminal se constituir em tema prejudicial à apreciação da pretensão, deduzida no processo civil, isso pode dar ensejo à suspensão da demanda, na forma do art. 313, V, "a", Código de Processo Civil/15, podendo ensejar a suspensão da prescrição, caso os requisitos do art. 200, Código Civil, tenham sido atendidos.
Atente-se para o seguinte julgado:
"
(...) A turma julgadora da Câmara Criminal entendeu por bem em absolver o réu, fundamentando-se no brocardo in dubio pro reo.
Porém, na esfera cível é diferente. Como o próprio magistrado fundamentou em seu despacho de fis. 227 e 228, enquanto na esfera criminal está em jogo a liberdade do cidadão, na cível o que prevalece é o aspecto patrimonial
.
Na esfera cível, para que nasça a obrigação de reparar, necessário que estejam presentes pressupostos, a saber: a conduta, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquela e a culpa, sendo que os três primeiros são exigidos em toda forma de responsabilização civil, enquanto que na responsabilidade objetiva o elemento subjetivo se mostra dispensável - diante do que se convenciona nominar responsabilidade sem culpa.
Existe, portanto, independência das responsabilidades cível e criminal.' (e-STJ, fls. 361 ⁄ 365). Ao reconhecer a responsabilidade civil do agravante pelo acidente, a despeito da existência de decisão criminal absolutória, a Corte a quo decidiu em consonância com o jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, eis que a responsabilidade civil independe da criminal e o grau de culpa exigido em ambas a s esferas é diferente, somente existindo vinculação quando o provimento criminal afasta a existência do fato ou a autoria, o que não ocorreu no caso.
A título ilustrativo, confira-se os seguintes precedentes:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. PRODUÇÃO
DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL ATÉ A CONCLUSÃO DA AÇÃO PENAL. SÚMULA Nº 83 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
3. A responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal que, a despeito de reconhecer a culpa exclusiva da vítima pelo acidente, não ilide a autoria ou a existência do fato. 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1483715 SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO
, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.05.2015, DJe 15 05 2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7⁄STJ. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. EFEITOS. DECISÃO MANTIDA. (...) 2. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou a prova dos autos para concluir que o evento danoso decorreu de conduta
imprudente do ora agravante. Alterar tal conclusão demandaria
o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, a teor
do disposto na mencionada súmula.3.
É pacífico no âmbito desta Corte o entendimento de que,
devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos
. 4. Agravo regimental a que nega provimento." (AgRg no AREsp 518.502 SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
, QUARTA TURMA, julgado em 19.03.2015, DJe 27.03.2015)
(acórdão do TJ-MG, transcrito em decisão do STJ - AgRg no AREsp: 105683 MG 2011/0247041-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2015)
Por conta disso, eventual absolvição dos arguidos, no âmbito criminal, com lastro na premissa
in dubio pro libertatis,
não se transporta automaticamente para a seara cível, por conta das limitações do aludido art. 935, Código Civil/2002, ao versar sobre a independência relativa entre as esferas cível e penal.
2.43. Distribuição do
ônus
da prova CDC:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.44.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.45. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Sempre que esteja em causa a origem de assinaturas em determinados documentos, incumbe à instituição financeira demandada o ônus de fazer prova da sua autenticidade.
2.46. Narrativas dos fatos havidos:
Na espécie, a autora sustentou ter sido vítima de um engodo, eis que alguém teria utilizado seus dados bancários sem seu prévio consentimento. Sustentou que a CEF teria incorrido em vícios na prestação de serviços bancários, ofertando aplicativo que não seria seguro para esse fim. A CEF não impugnou a narrativa promovida pela autora, ao tempo em que insurgiu-se contra as au pretensão, argumentando cuidar-se de fato externo.
Note-se, portanto, que não está em causa a autenticidade de assinaturas ou de instrumentos bancários, de modo a inversão do ônus da prova prevista no REsp nº 1.846.649-MA não se aplica ao caso.
2.47.
Apresentação de cópias de diálogos:
No que toca à apresentação de arquivos de conversação mantida por correio eletrônico, telefone ou vídeo - reputo cuidar-se de projeção do precedente Magri -
inquérito 657-2, STF
. A Suprema Corte tem reconhecido a validade da gravação, por um dos interlocutores, do diálogo próprio:
"A alegação no sentido de que a prova é ilícita não tem procedência, dado que não ocorre, no caso, violação do sigilo de comunicações (CF, art. 5º, inc. XII), nem seria possível a afirmativa de que fora ela obtida por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI). Não há, ao que penso, ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. A alegação talvez pudesse encontrar ressonância no campo ético, não no âmbito do Direito." (STF, Inquérito n. 657-2, voto do Min. Carlos Mário Velloso)
"
Quanto à prova ilícita: tal como ponderou o ministro relator, dificilmente se encontrará na ordem jurídica reinante algo que nos autorizasse a ver como ilícita essa gravação de uma conversa a dois, por um dos interlocutores. É a ação do terceiro, é a interferência do terceiro - no grampeamento telefônico, na violação da correspondência alheia - que fere determinadas normas expressas na própria Carta da República
.
Quando, entretanto, um dos participantes da comunicação oral ou escrita entende de documentá-la de algum modo, ainda que na inconsciência da outra parte, isso não configura - em princípio - afronta à regra protetiva do sigilo.
O resultado pode variar entre a indiscrição inofensiva e a mais reprovável vilania; mas não há - aí - um ato ilícito. Admitiria que normas protetivas da privacidade, da estatura também constitucional, poderiam ser invocadas em repressão ao uso que um dos interlocutores queira fazer da carta ou da gravação do entendimento a dois, quando visa - por exemplo - a auferir lucro à custa da notoriedade da imagem alheia; um propósito bem diverso daquele de desencadear a ação da Justiça Pública." (STF, Inquérito 657-2, voto do Min. Francisco Rezek)
A Suprema Corte reiterou essas deliberações em outros casos, conforme segue:
"
Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime
-, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). HC indeferido."
(STF, HC 74.678-1/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 15.08.97).
"Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida." STF, HC 75.338-8/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 25.09.98
"Gravação de conversa. A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa. Precedente Inq. 657-2, Carlos Velloso. Conteúdo da gravação confirmado em Juízo. AGRRE improvido." STF, agravo regimental no recurso extraordinário n. 402.031-1/SP, rel. Min. Ellen Gracie, DJU 06.02.2004:
"A gravação de conversa entre dois interlocutores feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa." STF, agravo regimental no agravo de instrumento n. 503.617-7, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 04.03.2005.
Nesse mesmo sentido, leia-se o voto proferido pelo Min. Cezar Peluso ao julgar o
RE 40.717-8, STF
. Assim, em primeiro exame, a apresentação de extratos de tela de diálogos se revela adequada, mesmo que se parta da premissa de que não tenham sido promovidos diretamente pela autora; mas, por alguém pretensamente usando seu nome.
Ninguém pode invocar fato próprio em seu benefício (
non venire contra factum proprium
)
, de modo que a pessoa que porventura tenha se feito passar pela autora (em princípio, estelionato - consumado ou tentado - art. 171, CP) não pode invocar a seu favor privacidade oponível à real titular dos dados. Ademais, ao que parece, aludidos dados foram cedidos pela autora por pessoas que teriam mantido aludidas conversas, dando ensejo à aplicação do precedente
Magri
-STF.
2.48. Elementos de convicção veiculados nos autos:
Com a peça inicial, a prte autora apresentou cópia de extrato de tela do sistema bancário:
(...)
Apresentou fatura do cartão de crédito, CEF, indicando débito na ordem de R$ 7.358,96, posicionados em 17 de agosto de 2023. Apresentou extrato indicando as operações impugnadas; comprovantes de efetivação de PIX a favor de CELCOIN PAGAMENTOS - 29 de junho de 2023, valor de R$ 1.046,00, acrescidos de outros comprovantes de realização de operações pix.
Por seu turno, a CEF apresentou extratos bancários e indicação do registro da senha pessoal:
Ela indicou os dispositivos eletrônicos de uso cadastrado, em nome do autor:
Esses são os elementos de convicção pertinentes.
2.2.29 Exame precário:
A solução desta demanda pressupõe a conferência: (a) se foi comprovada a ocorrência do alegado dano; (b) apurar se os prejuízos teriam sido provocados pela CEF; (c) aferir se a CEF teria violado dever de impedi-los; (d) examinar se, caso comprovado tal contexto, isso teria dado causa a prejuízos suscetíveis de serem considerados danos morais; (e) em caso positivo, apurar o valor da indenização cabível.
Trata-se de aferir eventual negligência do banco ou se teria se tratado de fato de terceiro. Sabe-se que, a rigor,
"
O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo causal
."
(MIRAGEM, Bruno e outros.
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
RT. comentário ao art. 16).
Direito do consumidor – Responsabilidade civil – Site Orkut – Página contendo informações ofensivas ao usuário – Inexistência de dever legal ou contratual de fiscalização ou monitoramento do conteúdo das páginas pessoais – Fato de terceiro – Dever de indenizar inexistente. (...) A Google Brasil Internet Ltda. é parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória que tem como fundamento ato ilícito praticado nos domínios do sítio eletrônico denominado Orkut. (...)
Não havendo obrigação legal ou contratual do provedor ou responsável por site de relacionamento de controlar o conteúdo nem de monitorar os atos praticados pelos usuários, inexiste dever de reparação de danos oriundos da adulteração de dados promovida por outros usuários ou por terceiros. (...) Inexistente ação ou omissão imputável ao provedor ou responsável pelo site de relacionamento, não pode ser considerado defeituoso o serviço que se circunscreve à disponibilização de uma plataforma virtual de comunicação. (...) Sem a configuração do defeito do serviço esvai-se um dos requisitos imprescindíveis à caracterização da responsabilidade civil objetiva prevista no art. 14 do CDC
(TJDFT – Ap. Civ. 20060110068265ACJ – 1.ª T. Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal – j. 31.10.2006 – rel. James Eduardo Oliveira).
"Processual civil – Recurso especial – Ação indenizatória – Acidente de trânsito envolvendo ônibus em passagem de nível – Previsibilidade – Fato de terceiro não reconhecido. I –
Na linha da jurisprudência deste Tribunal, o fato de terceiro que exclui a responsabilidade do transportador é aquele imprevisto e inevitável, que nenhuma relação guarda com a atividade inerente à transportadora
. II – Não afasta a responsabilidade objetiva da ré o fato de terceiro, equiparado a caso fortuito, que guarda conexidade com a exploração do transporte. No caso, está dentro da margem de previsibilidade e risco o acidente provocado por abalroamento entre ônibus e vagão em passagem de nível. Recurso especial não conhecido." (STJ – REsp 427582/MS – rel. Min. Castro Filho – 3.ª T. – j. 28.10 2004 – DJ 17. 12.2004 – p. 515).
Deve-se apurar, portanto, se os alegados desvios teriam decorrido de falhas no sistema informatizado da CEF; se teria ocorrido de fatores de risco internos à sua atividade. Ou se, pelo contrário, isso teria decorrido de fatores externos - a exemplo de fraudes cometidas por terceiros -, ou ainda por conta de eventual descuido do próprio requerente.
2.2.30. Diligências probatórias:
Acolho o pedido do autor, no que toca à notificação da CEF para, querendo, apresentar nos autos cópia dos documentos que comprovem que as operações bancárias em questão, impugnadas pelo autor, teriam sido promovidas com o uso da senha dele e com o uso de aparelho registrado em nome do requerente. Quanto ao tópico, anoto cuidar-se de demonstração a cargo da requerida, na forma do art. 373, II, Código de Processo Civil.
Deixo de promover a requisição para os fins do art. 438, CPC, eis que a questão se resolve em termos de ônus probatório. Caso aludidos elementos não sejam encartados nos autos, a alegação da CEF quanto ao tópico será reputada não demonstrada.
Registro que ela apresentou, com a resposta, lista de aparelhos vinculados ao nome do autor e também detalhes quanto ao registro de senha de uso pessoal. No caso, porém, examina-se a alegação de que as operações teriam sido promovidas com a senha do demandante e com o uso de aparelho vinculado ao seu nome - ou seja, por ele cadastrado eletronicamente junto à instituição bancária.
III - DISPOSITIVO
3.1. DECLARO a competência do presente Juízo para o processo e julgamento desta demanda e a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais.
3.2.SUBLINHO que não diviso conexão desta demanda com algum outro processo, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC/15, e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que a presente demanda não incorre em
bis in idem,
dado que não há sinais de violação à garantia da coisa julgada, prevista no art. 5, XXXVI, Constituição/88 e art. 508, CPC/15, tampouco incorrendo em litispendência, definida no art. 337, §2, CPC. Nâo é caso, ademais, de suspensão da demanda, na forma do art. 313, CPC.
3.4. DESTACO que as partes estão legitimadas para a demanda, não ser caso de litisconsórcio necessário envolvendo terceiros. A requerente atua com interesse processual, na forma do art. 17, CPC.
3.5. REGISTRO que a pretensão deduzida na peça inicial não foi atingida pela prescrição, prazo definido no art. 27, CDC, conforme fundamentação acima. O direito invocado pelo(a) autor(a) não decaiu.
3.6. TECI considerações, com cognição PRECÁRIA, a respeito de alguns tópicos relevantes para equacionamento desta demanda.
3.7. REGISTREI, ademais, as narrativas dos fatos, controvertidas entre as partes, ao tempo em que detalhei os elementos de convicção veiculados nos autos.
3.8. REPUTO incabível, no caso, a inversão da distribuição do ônus da prova. Anoto que não está em causa a autenticidade de documentos bancários, em cujo âmbito tal inversão seria devida.
3.9. INTIME-SE a CEF para que, querendo, apresente nos autos comprovantes da sua alegação, no que toca à pretensa utilização da senha pessoal e intransferível do autor e de equipamento eletrônico cadastrado em seu nome, junto àquele banco, para uso das operações bancárias impugnadas neste processo. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.10. ACRESCENTO que, caso audidos documentos não sejam encartados nos autos, isso poderá ensejar a rejeição da narrativa dos fatos promovida pela CEF, quanto ao tópico, conforme art. 373, II, CPC. Deixo, por conta disso, de requisitar a documentação, de modo peremptório, na forma do art. 438, CPC, ao tempo em que faculto à CEF sua apresentação.
3.11. APRECIAREI em sentença a suficiência da documentação em causa para corroborarem as narrativas das partes.
3.12. INTIME-SE a parte autora para, querendo, manifestar-se a respeito da documentação, tão logo venha a ser encargtada nos autos pela CEF. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.13. VOLTEM-ME conclusos para prolação de sentença, caso aludidos documentos não sejam encartados no prazo assinalado, ou caso - sendo apresentados -, sobrevenha manifestação da parte autora no prazo registrado acima; ou ainda, caso, tendo sido intimada, a aparte autora deixe de se manifestar no aludido lapso de 15 dias úteis.
3.14. INTIMEM-SE as partes a respeito deste despacho para os fins do art. 357, §2, CPC. Prazo comum de 5 dias úteis, parte autora e parte requerida, na medida em que a CEF está submetida ao regime de direito privado (art. 172, §2, CF), não fazendo jus à duplicação de prazos do art. 183, CPC
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Processo nº 5008699-94.2025.4.04.7201
ID: 299580848
Tribunal: TRF4
Órgão: 1ª Vara Federal de Joinville
Classe: INQUéRITO POLICIAL
Nº Processo: 5008699-94.2025.4.04.7201
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PRISCILLA DE AVILA FRANCO
OAB/SC XXXXXX
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MORGANA DA SILVA
OAB/SC XXXXXX
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LEONARDO LEITE BEDUSCHI
OAB/SC XXXXXX
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INQUÉRITO POLICIAL Nº 5008699-94.2025.4.04.7201/SC
INDICIADO
: CLEITON BERNARDO FERREIRA
ADVOGADO(A)
: LEONARDO LEITE BEDUSCHI (OAB SC063351)
ADVOGADO(A)
: MORGANA DA SILVA (OAB SC070368)
ADVOGADO(A…
INQUÉRITO POLICIAL Nº 5008699-94.2025.4.04.7201/SC
INDICIADO
: CLEITON BERNARDO FERREIRA
ADVOGADO(A)
: LEONARDO LEITE BEDUSCHI (OAB SC063351)
ADVOGADO(A)
: MORGANA DA SILVA (OAB SC070368)
ADVOGADO(A)
: PRISCILLA DE AVILA FRANCO (OAB SC034381)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de auto de prisão em flagrante lavrado em face de
CLEITON BERNARDO FERREIRA
, pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal, e no art. 16 da Lei n. 10.826/03.
Extrai-se do auto de prisão em flagrante que equipe da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, na data de ontem, por volta das 06h, deu cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão nº 310077342545 e ao Mandado de Prisão Preventiva nº 5001457-93.2025.8.24.0508.01.0001-20, ambos expedidos em desfavor de
Cleiton Bernardo Ferreira
. Iniciadas as diligências, o investigado
Cleiton Bernardo Ferreira
foi localizado no interior da residência, momento em que lhe foi dado voz de prisão e foram iniciadas buscas no interior do imóvel. Durante as buscas, foi localizada uma arma de fogo, munições, cheques, notas promissórias e documentos com indícios de prática de agiotagem. Ainda no decorrer das diligências, os agentes entraram em contato com Gracie Eduarda Froelich, ex-companheira de Cleiton e responsável pelo imóvel. Gracie compareceu ao local conduzindo um veículo VW/Passat, cor branca, placa BAW9C28, o qual pertenceria a Cleiton. No interior do veículo, foram encontrados mais cheques, notas promissórias e documentos vinculados a Cleiton e relacionados à atividade de agiotagem, além de munições, inclusive de uso restrito. Observou-se, ainda, que no canto inferior direito do para-brisa do veículo havia um adesivo com o símbolo da Justiça Federal, fixado de forma ostensiva (
evento 1, P_FLAGRANTE1
).
O juízo da Vara Regional de Garantias da Comarca de Blumenau/SC, em audiência realizada nesta data, não identificou irregularidades na prisão efetuada (
evento 16, CERT1
, e
evento 18, CONSULT_SISTEMAS1
).
É o relatório.
1. Da competência
Considerando que a utilização de adesivo com símbolo da Justiça Federal pelo investigado
Cleiton Bernardo Ferreira
, fixado de forma ostensiva no canto direito do para-brisa do veículo VW/Passat, cor branca, placa BAW9C28, caracteriza, em tese, o crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e atinge interesse da União,
acolho a competência
para o processamento do feito quanto a esse delito.
Por outro lado, considerando que o crime previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/03 não atinge bem ou interesse da União, tão pouco guarda conexão com o crime de competência deste juízo Federal,
declino
da competência para seu conhecimento para o juízo estadual da Comarca de Blumenau/SC.
2. Da homologação do flagrante
A comunicação do flagrante está instruída com as declarações prestadas pelo condutor (
evento 1, VIDEO10
) e por testemunhas (
evento 1, VIDEO8
e
VIDEO7
); interrogatório do conduzido (
evento 1, VIDEO7
); Auto de Exibição e Apreensão (
evento 1, P_FLAGRANTE1, p. 12/13
, e
evento 1, FOTO6
); termo de interrogatório no qual constou a nota de garantias constitucionais, incluindo o direito de permanecer em silêncio (
evento 1, P_FLAGRANTE1, p. 20
); e a nota de culpa (
evento 1, P_FLAGRANTE1, p. 21
).
Desse modo, presentes os requisitos legais,
HOMOLOGO
o presente Auto de Prisão em Flagrante, visto que se trata, em tese, do delito previsto no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal, praticado nas circunstâncias do art. 302 do CPP, além de preencher as formalidades constitucionais (art. 5º, LXI, LXII e LXIII, da Constituição Federal) e legais (arts. 306 e 307 do CPP).
Haja vista que, na audiência de custódia realizada pelo juízo estadual, já foram consideradas as circunstâncias da prisão e não foi constatada irregularidade no ato da prisão, desnecessária a repetição da audiência de custódia somente em relação ao delito ora homologado, razão pela qual dispenso a sua realização.
3.
Da situação prisional
Passo a analisar a necessidade de conversão da prisão do flagrado em preventiva ou, não sendo esse o caso, conceder-lhe liberdade provisória, na forma preconizada pela novel redação do artigo 310 do CPP, mediante a imposição, se for o caso, das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP.
O Delegado de Polícia da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina representou pela conversão da prisão em flagrante do conduzido para prisão preventiva, a fim de se acautelar a ordem pública e por conveniência da instrução criminal (
evento 1, P_FLAGRANTE1, p. 26-30
).
O Ministério Público Federal, intimado, quedou-se silente (evento 9).
A defesa do conduzido
Cleiton Bernardo Ferreira
, por sua vez, requereu a concessão de liberdade provisória, ainda que cumulada com medidas cautelares diversas da prisão. Alegou, em síntese, que o conduzido é primário, possui endereço fixo, trabalho lícito e que não praticou o crime mediante grave ameaça (
evento 15, PET1
).
Pois bem.
As condições de admissibilidade da prisão preventiva estão previstas nos incisos do artigo 313 do Código de Processo Penal, sendo seus fundamentos a garantia da ordem pública, da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal e a segurança da aplicação da lei penal, conforme artigo 312 do estatuto processual, que ainda estabelece como pressupostos da prisão preventiva prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Tal medida é considerada drástica, devendo ser reservada a casos excepcionais, o que, inclusive, fica mais evidente com as novas disposições incorporadas ao Código de Processo Penal pela Lei n. 13.964, de 2019, das quais se destaca, além do já citado pressuposto do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, a necessidade da decisão que decreta a prisão preventiva estar motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida, conforme § 2º acrescentado ao citado art. 312.
Assim, se, por um lado, a prisão preventiva compromete o
"jus libertatis"
do cidadão, ainda não definitivamente considerado culpado, por outro, em determinadas hipóteses, a Justiça Penal correria grande risco deixando o autor de crime em liberdade.
No caso em tela, foram preenchidas as condições de admissibilidade da prisão, por se tratar de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos (artigo 313, I, do CPP).
Presentes os pressupostos para a prisão, quais sejam, prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Quanto à prova da existência do crime, esta ficou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão e pelas declarações prestadas pelo policial que deu voz de prisão ao conduzido, pelas testemunhas e pelo próprio conduzido. Há, da mesma forma, indícios suficientes de autoria. A lei, nesta fase processual, exige meros sinais de que o conduzido é autor do crime. E estes, no caso, estão evidenciados pela prisão em flagrante realizada.
Contudo, entendo que não subsistem elementos para a conversão do flagrante em prisão preventiva, uma vez que não ficaram plenamente demonstrados os fundamentos para a decretação desta prisão cautelar.
De início, vale destacar que, neste expediente, analisa-se a possibilidade de conversão da prisão em flagrante do conduzido em prisão preventiva pela prática, em tese, do crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, motivo por que a necessidade de manutenção de sua prisão deve ser considerada a partir da gravidade concreta desse delito, independentemente da suposta prática de outros crimes pelo conduzido, investigados pelas autoridades estaduais, os quais já justificaram a decretação e manutenção da prisão preventiva do investigado.
Com efeito, o conduzido não apresenta antecedentes (evento 4).
Em relação ao endereço do investigado, nota-se que sua prisão ocorreu na Rua Tereza Fischer, 1000, Itoupava Central, Blumenau/SC, endereço residencial também declarado pelo conduzido perante a autoridade policial.
Diante desse contexto, e considerando que o crime ora imputado não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não vislumbro perigo à ordem pública. Como também não há nos autos elementos que demonstrem que o conduzido, em liberdade, intimidará testemunhas, praticará qualquer ato tendente a tumultuar a instrução processual, ou, ainda, evadir-se-á do distrito da culpa, entendo não haver a necessidade da conversão da custódia flagrancial em prisão cautelar para conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Aliado a isso, cumpre ponderar que, em caso de eventual condenação, há a possibilidade de ser condenado a pena não superior a 4 (quatro) anos, o que importará no direito de ter a pena substituída por restritiva de direito.
Desse modo, não vejo a presença de qualquer dos fundamentos que autorizam a prisão preventiva, que, medida extrema que é, deve ser reservada para situações que exijam a segregação como única forma de manutenção da legalidade. E este não é o caso.
Em consequência, a concessão de liberdade provisória, é medida que se impõe.
Considerando a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do investigado, penso que, dentre as medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, a fixação de
fiança
(VIII) é medida adequadapara vinculá-lo ao distrito da culpa.
Observa-se que a pena máxima cominada ao crime pelo qual o conduzido foi preso é superior a 4 (quatro) anos, em razão do que, nos termos do artigo 325, II, do CPP, o valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos limites entre 10 (dez) e 200 (duzentos) salários mínimos.
Considerando as circunstâncias do fato e as condições pessoais do conduzido, o qual declarou trabalhar como comerciante, embora não haja declaração de sua renda mensal, tenho por bem fixar o valor da fiança em 5 (cinco) salários mínimos, correspondentes a R$ 7.590,00 (sete mil quinhentos e noventa reais).
Note-se que a redução não está limitada ao patamar de 2/3 (dois terços) previsto no inciso II do § 1.º do artigo 325 do CPP, justamente porque o inciso I do aludido dispositivo possibilita ao juiz inclusive a isenção da fiança, de modo que, se é possível "o mais", que é a isenção, então é possível "o menos", que é uma redução mais significativa, desde que o valor fixado se mostre proporcional e adequado ao caso concreto, o que é o caso dos autos, diante das circunstâncias do fato e das condições pessoais do flagrado.
ANTE O EXPOSTO:
1.
Homologo
a prisão em
flagrante
do conduzido
CLEITON BERNARDO FERREIRA
, visto que se trata da prática, em tese, do crime tipificado no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal.
2.
Declino
da competência
para conhecimento do fato criminoso tipificado no art. 16 da Lei n. 10.826/03 em favor do
juízo estadual da Comarca de Blumenau
/SC.
3. Ausentes as condições de decretação da prisão preventiva, concedo a
liberdade
provisória a
CLEITON BERNARDO FERREIRA
, mediante cumprimento da seguinte medida cautelar: pagamento de
fiança
no valor de 5 (cinco) salários mínimos, correspondentes a R$ 7.590,00 (sete mil quinhentos e noventa reais), o que faço com fundamento no artigo 325, II e § 1º, I e II, do CPP.
4.
Recolhida a fiança, expeça-se alvará de soltura,
com a ressalva de se por outro motivo não estiver preso
,
mediante termo de compromisso de comparecimento perante a autoridade judicial, todas as vezes que for intimado para atos processuais (art. 327 do CPP),
inclusive interrogatório
, e a proibição de mudar de residência ou dela se ausentar por mais de 08 (oito) dias, sem prévia comunicação a esse juízo (art. 328 do CPP), ficando ciente de que, não o fazendo, ser-lhe-á decretada a prisão preventiva pelo descumprimento.
5. Orientações sobre o pagamento da fiança:
o pagamento do valor fixado deverá ser realizado em conta judicial da Caixa Econômica Federal, vinculada a estes autos.
Imprescindível a juntada aos autos do comprovante do pagamento, bem como da guia gerada pela parte
.
A guia de depósito judicial deverá ser gerada acessando a página da internet
https://novodepositojudicial.caixa.gov.br/judicial
. Preencher o número do processo (5008699-94.2025.4.04.7201) e clicar em "
consultar processo
". Selecione a natureza do depósito "
Não tributário
" e, em seguida, em resposta à pergunta "Algum dos seguintes órgãos é parte no processo de vinculação do depósito?", selecione "
Sim
". Escolha o Código de Receita "
2080
" e clique em "
continuar
". Identifique o contribuinte, inserindo o CPF do conduzido e clicando na figura da lupa e, em seguida, preencha "
telefone para contato
" e clique em "
continuar
". Preencham-se os demais campos, da seguinte forma: "
identifique o autor
": CNPJ da parte autora constante da capa do processo; "
identifique o réu"
: CPF do conduzido; "
Selecione o Depositante
": Réu; "
Telefone do Depositante
", "
Estado
": Santa Catarina; "
Município
": Joinville. Nesse momento, o campo "
Agência
" será preenchido automaticamente. Após, quanto aos campos "
Período de Apuração
" e "
Data de Vencimento
", utilize a data de realização da audiência de
custódia
. Por fim, insira o valor a ser pago no campo "
Valor do Principal
" e clique em "
continuar
". Na sequencia, será possível optar pelo pagamento via PIX ou TRANSFERÊNCIA JUDICIAL. Caso selecionado o
pagamento via PIX,
será gerado um QR Code,
com validade até 23h55 do dia da emissão
, que poderá ser pago em qualquer banco. O serviço está disponível 24 horas por dia, 7 dias na semana. Caso selecionado o
pagamento via TRANSFERÊNCIA JUDICIAL
, clicar em "
Ver guia de depósito
" e efetuar a impressão da guia de depósito gerada (são 4 vias). Após, o depósito poderá ser efetuado nos canais da Caixa Econômica Federal (guichê de atendimento e
internet banking
na rotina 'Transferências' - 'Entre Contas Caixa' - 'Depósito Judicial') ou em outras instituições financeiras através de TED Judicial.
6. Intimem-se.
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Processo nº 5007584-30.2023.4.04.7000
ID: 320385608
Tribunal: TRF4
Órgão: 23ª Vara Federal de Curitiba
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5007584-30.2023.4.04.7000
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
ROBERTO BRZEZINSKI NETO
OAB/PR XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5007584-30.2023.4.04.7000/PR
RÉU
: SUMAYA JORGE SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: Roberto Brzezinski Neto (OAB PR025777)
RÉU
: SUELEN JORGE SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: Roberto Brzezinski Neto (OAB PR025…
AÇÃO PENAL Nº 5007584-30.2023.4.04.7000/PR
RÉU
: SUMAYA JORGE SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: Roberto Brzezinski Neto (OAB PR025777)
RÉU
: SUELEN JORGE SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: Roberto Brzezinski Neto (OAB PR025777)
RÉU
: HELENA NASSARA JORGE SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: Roberto Brzezinski Neto (OAB PR025777)
DESPACHO/DECISÃO
1.
As questões aventadas pela(s) parte(s) na(s) resposta(s) à acusação foram analisadas à luz dos arts. 396-A e 397, ambos do CPP, na decisão do
evento 123, DESPADEC1
, na qual se determinou às Defesas que complementassem a qualificação das testemunhas e adequassem o rol de testemunhas (até o máximo de oito).
As Defesas dos réus manifestaram-se nos eventos 133 a 136, retificando o rol de testemunhas.
Na sequência, o réu
ADIR SCHMITZ
sustentou haver erro material na decisão do evento 123, por omissão quanto à alegação de falta de interesse de agir no que tange à
"recusa injustificada de anpp, recusa ilegalmente motivada, com fundamentação insuficiente e não uniforme para todos os familiares (apenas para uma)"
(
evento 137, PET1
). Requereu deliberação acerca do interesse de agir e, subsidiariamente, pleiteou a suspensão do feito até decisão final da 2ª Câmara do MPF.
Nos eventos 138 e 139, o acusado
ADIR SCHMITZ
juntou documentos e sua Defesa indicou datas em que estaria impossibilitada de comparecer a eventual audiência.
O MPF deu ciência para a juntada de documentos acima referida e não se opôs ao pleito do evento 139 (
evento 142, MANIF_MPF1
).
2.
Erro material/omissão x Falta de interesse de agir:
O denunciado
ADIR SCHMITZ
alega haver erro material e omissão na decisão do
evento 123
, porque não teria havido deliberação sobre questões levantadas acerca de proposta de ANPP: arbitrariedade do MPF; que STJ já teria adentrado na fundamentação de recusa de acordo pelo Ministério Público para reputá-la inidônea e anulado o recebimento da denúncia por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal; falta de isonomia/uniformização, pois apenas a corré Helena teria recebido proposta de acordo; etc.
Ocorre que na referida decisão constou:
2.
Acordo de não persecução penal:
As Defesas dos réus apresentaram, em apartado, o recurso previsto no § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal.
A Defesa de
HELENA NASSARA JORGE SCHMITZ
rejeitou a proposta do MPF (
processo 5069121-27.2023.4.04.7000/PR, evento 23, PET1
) e a 2ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO - CRIMINAL manteve a recusa com relação a
SUELEN JORGE SCHMITZ
e
SUMAYA JORGE SCHMITZ
(
processo 5038281-34.2023.4.04.7000/PR, evento 3, EXTRATOATA2
).
Já o incidente de ANPP do réu
ADIR SCHMITZ
foi remetido à CCR em 01/04/2025, estando pendente a deliberação daquela Comissão (
processo 5015951-72.2025.4.04.7000/PR, evento 3, DESPADEC1
).
Portanto, inexistente o erro material ou a obscuridade apontados, pois resta cristalino que eventual discordância da parte com a não proposta de ANPP pelo MPF já está sendo discutida em incidente apartado (art. 30, da Resolução TRF4 n.º 17/2010
1
).
Além disso, não há previsão legal para que o recurso previsto no § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal tenha efeito suspensivo, de modo que vai indeferido o pedido de suspensão da tramitação desta ação penal.
Na mesma linha, cito entendimento do e. STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE DUAS AÇÕES PENAIS EM CURSO NA ORIGEM ATÉ A APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO PERANTE O CONSELHO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO ADMINISTRATIVO SEM EFEITO SUSPENSIVO
. MANIFESTAÇÃO REVISORA DO ÓRGÃO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ATENDIDA. ART. 28-A, §14, DO CPP. DISCRICIONARIEDADE DO PARQUET. DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO RETROATIVA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. JURISPRUDÊNCIA DE AMBAS AS TURMAS DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ, EM SENTIDO CONTRÁRIO À PRETENSÃO DEFENSIVA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O acordo de não persecução penal (ANPP), previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.964/2019, que recebeu a alcunha de "Pacote Anticrime", consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos e a gestão humanizada do sistema carcerário brasileiro..
2. O art. 28-A, § 14, do CPP, garantiu a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos a órgão superior do Ministério Público nas hipóteses em que a acusação tenha se recusado a oferecer a proposta de acordo de não persecução penal na origem.
3. Na hipótese, verifica-se que, diante da recusa do representante do Ministério Público Federal em primeiro grau para propor o acordo, a defesa pugnou pela reapreciação do tema pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, o que foi deferido no próprio âmbito administrativo do Ministério Público Federal, contudo o órgão superior do Ministério Público ratificou o entendimento acerca da impossibilidade concreta da propositura do acordo aos acusados.
Nesse panorama, conforme destacado pela Corte de origem,
não há falar, por ausência de previsão legal, em obrigatoriedade de suspensão das duas ações penais em curso na origem diante da pendência do julgamento de recurso administrativo interposto pela defesa no âmbito interno do Ministério Público Federal
.
4. Uma vez que cumpre ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a propositura, ou não, do acordo de não persecução penal, a teor do que disciplina o art. 28-A do Código de Processo Penal, não há falar em ilegalidade pelo fato de o órgão acusatório sequer iniciar diálogo com a defesa sobre o tema, notadamente porque, de forma fundamentada, explicitou as razões pelas quais entendeu não ser viável a propositura do acordo. Ademais, diante da manifestação do órgão superior pela impossibilidade de celebração do referido acordo, que não constitui direito subjetivo do acusado, estando dentro da discricionariedade do Ministério Público como titular da ação penal, não cabe ao Poder Judiciário impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar o acordo em âmbito penal.
5. O STJ, por ambas as turmas de direito criminal, unificou entendimento de que o art. 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), é norma de natureza processual cuja retroatividade deve alcançar somente os processos em que não houve o recebimento da denúncia (AgRg no AREsp n. 2.240.776/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 22/3/2023.). No caso, verifica-se que, em relação à ação penal n. 0010573-76.2011.4.03.6181, a denúncia foi recebida em 29/9/2011 (e-STJ fl. 472), ao passo que, no bojo da ação penal n. 0005955-49.2015.4.03.6181, a denúncia teria sido recebida em meados de 2015, ou seja, muito antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019.
6. Não obstante a existência de recentes decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a discussão acerca da extensão da retroatividade art. 28-A do Código de Processo Penal penal ainda não se encontra pacificada, de forma definitiva, no Excelso Pretório, motivo pelo qual deve ser mantido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a retroatividade do art. 28-A do CPP, introduzido pela Lei n. 13.964/2019, deve alcançar somente os processos em que não houve o recebimento da denúncia ( fase pré-processual).
7. Nessa linha de intelecção, o fato de a matéria atinente à aplicação retroativa do art. 28-A do CPP estar pendente de julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC n. 185.913) não implica a suspensão dos processos em andamento nesta Corte Superior, uma vez que a controvérsia foi afetada à sistemática dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo 1098), ocasião em que a Terceira Seção decidiu não determinar a suspensão do trâmite dos processos pendentes (AgRg no REsp n. 2.037.768/SP, DE MINHA RELATORIA, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 27/2/2023).
8. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ. AgRg no RHC n. 179.107/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/6/2023, DJe de 7/6/2023). Grifei.
3.
Rol de testemunhas:
A ré SUELEN manifestou-se no
evento 133, PET1
, arrolando e solicitando, novamente, a intimação de 4 (quatro) testemunhas:
a) RITA DE CÁSSIA PEREIRA, RG/PR 4.926.986-2, residente e domiciliada na Rua João Alexandrino, quadra 01, lote 07, Vila Rural Esperança, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99162-4929;
b) JUDEVALDA BEZERRA PICHINI, RG /PR 5.653.898-4 e CPF 038.885.989-07, residente e domiciliado na Rua Vereador Adir dos Santos, n. 369, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99145-3637;
c) FELIPE HEIDEICHE ZAVAN YAMAGURO, RG/PR 10.374.044-4 e CPF 074.241.959-21, residente e domiciliado na Avenida Paraná, n. 1040, Edifício Meridian, apt. 1704, Paranavaí/PR, fone: (44) 99708 -7226;
d) GILMAR SOUZA CARDOSO, RG/PR 6.676.038-3 e CPF 020.134.119-01, residente e domiciliado na Rua Pernambuco, n. 295, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, CEP: 87.702-340, fone: (44) 99965-4639.
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
A acusada SUMAYA, por sua vez, manifestou-se no
evento 134, PET1
, qualificando e requerendo a intimação de outras 4 (quatro) testemunhas:
a) SUZANE FERREIRA DA SILVA, RG/PR 9.853.606-0, residente e domiciliada na Travessa São Francisco, n. 80, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99167-3622;
b) PAULA ARIANE SILVA MORAIS, RG/PR 10.986.562-1, CPF 059.938.439-50, residente e domiciliado na Rua Pioneiro José do Nascimento Giraldes, n. 80, Jardim Morumbi, Paranavaí/PR, fone: (44) 99907-2097;
c) ROSANE FERREIRA DA SILVA, RG/PR 8.775.038-8, residente e domiciliada na Rua Vereador José de Deus Maciel, n. 12, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99768 -0789;
d) SAMARA HANNA SUTZ, RG/MG 9346019, CPF 048.995.029-90, residente e domiciliada na Rua Amador Bueno, n. 100, apt. 1004, Vila Ipiranga, Londrina/PR, fone: (43) 99943-9212.
Na mesma linha, a ré HELENA complementou a qualificação e arrolou 8 (oito) testemunhas, requerendo a intimação delas,
com exceção de JAIR BURDINHÃO PICHINI, que comparecerá independente de convocação
(
evento 135, PET1
):
a) SANDRA REGINA COSTA, RG/PR 00.029.269-3, domiciliada na Rua Osmar Sossai, n. 49, Zona 06, Maringá/PR, fone: (44) 99115-8324;
b) HEMERSON CARLOS BARROSO DE AGUIAR, RG/PR 4.640.910-8, residente e domiciliado na Rua Minas Gerais, n. 503, sala 04, Centro, Paranavaí/PR, fone: (44) 99976-1121;
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
c) CLARICE APARECIDA DA SILVA, RG/PR 44223856, CPF 862.016.119 -91, residente e domiciliada na Avenida Vereador Luiz Bueno da Silva, n. 14, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99119-6871;
d) CARLOS ABEL DA CRUZ, RG/PR 4277172 -4, CPF 694.837.609 -68, residente e domiciliado na Avenida Francisco Pires de Lemos, n. 267, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99133-1968;
e) CLEUSA MARIA TOZETTI DA CRUZ, RGPR 4.521.720 -5, e CPF 727.648.309-63, residente e domiciliada, na Avenida Francisco Pires de Lemos, n. 267, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99108-9007;
f) JAIR BURDINHÃO PICHINI, RG -PR 44659670, CPF 598.635.959 -34, residente e domiciliado na Rua Vereador Adir dos Santos, n. 150, Centro, CEP: 87.790-000, Nova Aliança do Ivaí/PR;
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
, o qual não dispensou a sua intimação, e indicou o seguinte telefone: (44) 99105-2888
g) CLAUDEMIR ALVES DE OLIVEIRA, RG -PR 3.501.876-0, residente e domiciliado na Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira, n. 125, Jardim Paulista, Paranavaí/PR, fone: (65) 99226-7642;
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
h) MILSEN LAURINDO, RG/PR 3.252.085 -5, CPF 357.376.111-91, residente e domiciliada na Rua Cândido Berthier Fortes, n. 2066, Edifício Monte Carmelo, apt. 704, Jardim Vera Cruz, Paranavaí/PR, fone: (44) 99917-5901.
Por fim, a Defesa do acusado ADIR qualificou e relacionou 8 (oito) testemunhas, requerendo a intimação delas, sob o argumento de que a exigência de solicitação de intimação das testemunhas na resposta à acusação não seria exigência absoluta (
evento 136, TESTEMUNHAS1
).
Relaciono abaixo apenas as testemunhas que não foram arroladas por corrés:
2) FÁBIO JUNIOR MARTINELLI, brasileiro, casado, agricultor, portador da Cédula de Identidade RG nº 67681568-PR, inscrito no CPF sob nº 543.418.091-72, residente e domiciliado na Av. Deputado Heitor Alencar Furtado 3273, apto 5, Curitiba-PR, telefone/WhatsApp: (41) 99529-5000;
4) MARCELO CILIÃO MAIA, brasileiro, casado, agricultor, portador da Cédula de Identidade RG nº 42445617-SESP-PR, inscrito no CPF sob nº 582.375.859-68, residente e domiciliado na Rua Olavo Bilac, nº 71, Sete Quedas- MS, telefone/WhatsApp: (67) 99848-5551;
7) JANDIRA COSTA, brasileira, solteira, agropecuarista, portadora, do RG 696.531-8, inscrita no CPF sob nº CPF 172.578.759-87, residente e domiciliada na Fazenda Nossa Senhora Aparecida, Nova Aliança do IvaíPR, CEP: 87.790-000, telefone/WhatsApp: (44) 99149-0991;
8) ALEXANDRE AMADEU FERNANDES, brasileiro, casado, agricultor, portador da Cédula de Identidade RG nº 001425987-MS, inscrito no CPF sob nº 034.515.791-54, residente e domiciliado na Rua Castro Alves, nº 337, Centro, Sete Quedas-MS, CEP 79935-000, telefone/WhatsApp: (67) 99693-5435.
3.1. Desse modo,
defiro a oitiva das testemunhas listadas acima, bem como a intimação de todas as testemunhas de defesa, inclusive as arroladas por
ADIR SCHMITZ
, ainda que o pedido de intimação deste não tenha sido formulado na resposta à acusação (ou seja, trata-se de pleito extemporâneo).
3.2. Fica pautada a
audiência virtual
de instrução e julgamento
nos presentes autos, a ser realizada pelo
aplicativo
ZOOM
,
conforme segue:
- Data:
26/08/2025 - 14h00
- Dados para conexão:
Ingressar na reunião Zoom
https://jfpr-jus-br.zoom.us/j/86995106852
ID da reunião: 869 9510 6852
No ato, serão ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes, e realizados os interrogatórios dos réus.
4.
Intimem-se
.
1. Disponível em: <https://www.trf4.jus.br/trf4/upload/jfpr/2019/12/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-17-de-26-de-mar%C3%A7o-de-2010-Consolidada.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2025.
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Processo nº 5007584-30.2023.4.04.7000
ID: 319694609
Tribunal: TRF4
Órgão: 23ª Vara Federal de Curitiba
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5007584-30.2023.4.04.7000
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLOS TEODORO SOSTER
OAB/PR XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5007584-30.2023.4.04.7000/PR
RÉU
: ADIR SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: CARLOS TEODORO SOSTER (OAB PR013912)
DESPACHO/DECISÃO
1.
As questões aventadas pela(s) parte(s) na(s) resposta(s) à acusaç…
AÇÃO PENAL Nº 5007584-30.2023.4.04.7000/PR
RÉU
: ADIR SCHMITZ
ADVOGADO(A)
: CARLOS TEODORO SOSTER (OAB PR013912)
DESPACHO/DECISÃO
1.
As questões aventadas pela(s) parte(s) na(s) resposta(s) à acusação foram analisadas à luz dos arts. 396-A e 397, ambos do CPP, na decisão do
evento 123, DESPADEC1
, na qual se determinou às Defesas que complementassem a qualificação das testemunhas e adequassem o rol de testemunhas (até o máximo de oito).
As Defesas dos réus manifestaram-se nos eventos 133 a 136, retificando o rol de testemunhas.
Na sequência, o réu
ADIR SCHMITZ
sustentou haver erro material na decisão do evento 123, por omissão quanto à alegação de falta de interesse de agir no que tange à
"recusa injustificada de anpp, recusa ilegalmente motivada, com fundamentação insuficiente e não uniforme para todos os familiares (apenas para uma)"
(
evento 137, PET1
). Requereu deliberação acerca do interesse de agir e, subsidiariamente, pleiteou a suspensão do feito até decisão final da 2ª Câmara do MPF.
Nos eventos 138 e 139, o acusado
ADIR SCHMITZ
juntou documentos e sua Defesa indicou datas em que estaria impossibilitada de comparecer a eventual audiência.
O MPF deu ciência para a juntada de documentos acima referida e não se opôs ao pleito do evento 139 (
evento 142, MANIF_MPF1
).
2.
Erro material/omissão x Falta de interesse de agir:
O denunciado
ADIR SCHMITZ
alega haver erro material e omissão na decisão do
evento 123
, porque não teria havido deliberação sobre questões levantadas acerca de proposta de ANPP: arbitrariedade do MPF; que STJ já teria adentrado na fundamentação de recusa de acordo pelo Ministério Público para reputá-la inidônea e anulado o recebimento da denúncia por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal; falta de isonomia/uniformização, pois apenas a corré Helena teria recebido proposta de acordo; etc.
Ocorre que na referida decisão constou:
2.
Acordo de não persecução penal:
As Defesas dos réus apresentaram, em apartado, o recurso previsto no § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal.
A Defesa de
HELENA NASSARA JORGE SCHMITZ
rejeitou a proposta do MPF (
processo 5069121-27.2023.4.04.7000/PR, evento 23, PET1
) e a 2ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO - CRIMINAL manteve a recusa com relação a
SUELEN JORGE SCHMITZ
e
SUMAYA JORGE SCHMITZ
(
processo 5038281-34.2023.4.04.7000/PR, evento 3, EXTRATOATA2
).
Já o incidente de ANPP do réu
ADIR SCHMITZ
foi remetido à CCR em 01/04/2025, estando pendente a deliberação daquela Comissão (
processo 5015951-72.2025.4.04.7000/PR, evento 3, DESPADEC1
).
Portanto, inexistente o erro material ou a obscuridade apontados, pois resta cristalino que eventual discordância da parte com a não proposta de ANPP pelo MPF já está sendo discutida em incidente apartado (art. 30, da Resolução TRF4 n.º 17/2010
1
).
Além disso, não há previsão legal para que o recurso previsto no § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal tenha efeito suspensivo, de modo que vai indeferido o pedido de suspensão da tramitação desta ação penal.
Na mesma linha, cito entendimento do e. STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE DUAS AÇÕES PENAIS EM CURSO NA ORIGEM ATÉ A APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO PERANTE O CONSELHO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO ADMINISTRATIVO SEM EFEITO SUSPENSIVO
. MANIFESTAÇÃO REVISORA DO ÓRGÃO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ATENDIDA. ART. 28-A, §14, DO CPP. DISCRICIONARIEDADE DO PARQUET. DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO RETROATIVA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. JURISPRUDÊNCIA DE AMBAS AS TURMAS DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ, EM SENTIDO CONTRÁRIO À PRETENSÃO DEFENSIVA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O acordo de não persecução penal (ANPP), previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.964/2019, que recebeu a alcunha de "Pacote Anticrime", consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos e a gestão humanizada do sistema carcerário brasileiro..
2. O art. 28-A, § 14, do CPP, garantiu a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos a órgão superior do Ministério Público nas hipóteses em que a acusação tenha se recusado a oferecer a proposta de acordo de não persecução penal na origem.
3. Na hipótese, verifica-se que, diante da recusa do representante do Ministério Público Federal em primeiro grau para propor o acordo, a defesa pugnou pela reapreciação do tema pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, o que foi deferido no próprio âmbito administrativo do Ministério Público Federal, contudo o órgão superior do Ministério Público ratificou o entendimento acerca da impossibilidade concreta da propositura do acordo aos acusados.
Nesse panorama, conforme destacado pela Corte de origem,
não há falar, por ausência de previsão legal, em obrigatoriedade de suspensão das duas ações penais em curso na origem diante da pendência do julgamento de recurso administrativo interposto pela defesa no âmbito interno do Ministério Público Federal
.
4. Uma vez que cumpre ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a propositura, ou não, do acordo de não persecução penal, a teor do que disciplina o art. 28-A do Código de Processo Penal, não há falar em ilegalidade pelo fato de o órgão acusatório sequer iniciar diálogo com a defesa sobre o tema, notadamente porque, de forma fundamentada, explicitou as razões pelas quais entendeu não ser viável a propositura do acordo. Ademais, diante da manifestação do órgão superior pela impossibilidade de celebração do referido acordo, que não constitui direito subjetivo do acusado, estando dentro da discricionariedade do Ministério Público como titular da ação penal, não cabe ao Poder Judiciário impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar o acordo em âmbito penal.
5. O STJ, por ambas as turmas de direito criminal, unificou entendimento de que o art. 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), é norma de natureza processual cuja retroatividade deve alcançar somente os processos em que não houve o recebimento da denúncia (AgRg no AREsp n. 2.240.776/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 22/3/2023.). No caso, verifica-se que, em relação à ação penal n. 0010573-76.2011.4.03.6181, a denúncia foi recebida em 29/9/2011 (e-STJ fl. 472), ao passo que, no bojo da ação penal n. 0005955-49.2015.4.03.6181, a denúncia teria sido recebida em meados de 2015, ou seja, muito antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019.
6. Não obstante a existência de recentes decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a discussão acerca da extensão da retroatividade art. 28-A do Código de Processo Penal penal ainda não se encontra pacificada, de forma definitiva, no Excelso Pretório, motivo pelo qual deve ser mantido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a retroatividade do art. 28-A do CPP, introduzido pela Lei n. 13.964/2019, deve alcançar somente os processos em que não houve o recebimento da denúncia ( fase pré-processual).
7. Nessa linha de intelecção, o fato de a matéria atinente à aplicação retroativa do art. 28-A do CPP estar pendente de julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC n. 185.913) não implica a suspensão dos processos em andamento nesta Corte Superior, uma vez que a controvérsia foi afetada à sistemática dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo 1098), ocasião em que a Terceira Seção decidiu não determinar a suspensão do trâmite dos processos pendentes (AgRg no REsp n. 2.037.768/SP, DE MINHA RELATORIA, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 27/2/2023).
8. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ. AgRg no RHC n. 179.107/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/6/2023, DJe de 7/6/2023). Grifei.
3.
Rol de testemunhas:
A ré SUELEN manifestou-se no
evento 133, PET1
, arrolando e solicitando, novamente, a intimação de 4 (quatro) testemunhas:
a) RITA DE CÁSSIA PEREIRA, RG/PR 4.926.986-2, residente e domiciliada na Rua João Alexandrino, quadra 01, lote 07, Vila Rural Esperança, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99162-4929;
b) JUDEVALDA BEZERRA PICHINI, RG /PR 5.653.898-4 e CPF 038.885.989-07, residente e domiciliado na Rua Vereador Adir dos Santos, n. 369, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99145-3637;
c) FELIPE HEIDEICHE ZAVAN YAMAGURO, RG/PR 10.374.044-4 e CPF 074.241.959-21, residente e domiciliado na Avenida Paraná, n. 1040, Edifício Meridian, apt. 1704, Paranavaí/PR, fone: (44) 99708 -7226;
d) GILMAR SOUZA CARDOSO, RG/PR 6.676.038-3 e CPF 020.134.119-01, residente e domiciliado na Rua Pernambuco, n. 295, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, CEP: 87.702-340, fone: (44) 99965-4639.
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
A acusada SUMAYA, por sua vez, manifestou-se no
evento 134, PET1
, qualificando e requerendo a intimação de outras 4 (quatro) testemunhas:
a) SUZANE FERREIRA DA SILVA, RG/PR 9.853.606-0, residente e domiciliada na Travessa São Francisco, n. 80, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99167-3622;
b) PAULA ARIANE SILVA MORAIS, RG/PR 10.986.562-1, CPF 059.938.439-50, residente e domiciliado na Rua Pioneiro José do Nascimento Giraldes, n. 80, Jardim Morumbi, Paranavaí/PR, fone: (44) 99907-2097;
c) ROSANE FERREIRA DA SILVA, RG/PR 8.775.038-8, residente e domiciliada na Rua Vereador José de Deus Maciel, n. 12, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99768 -0789;
d) SAMARA HANNA SUTZ, RG/MG 9346019, CPF 048.995.029-90, residente e domiciliada na Rua Amador Bueno, n. 100, apt. 1004, Vila Ipiranga, Londrina/PR, fone: (43) 99943-9212.
Na mesma linha, a ré HELENA complementou a qualificação e arrolou 8 (oito) testemunhas, requerendo a intimação delas,
com exceção de JAIR BURDINHÃO PICHINI, que comparecerá independente de convocação
(
evento 135, PET1
):
a) SANDRA REGINA COSTA, RG/PR 00.029.269-3, domiciliada na Rua Osmar Sossai, n. 49, Zona 06, Maringá/PR, fone: (44) 99115-8324;
b) HEMERSON CARLOS BARROSO DE AGUIAR, RG/PR 4.640.910-8, residente e domiciliado na Rua Minas Gerais, n. 503, sala 04, Centro, Paranavaí/PR, fone: (44) 99976-1121;
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
c) CLARICE APARECIDA DA SILVA, RG/PR 44223856, CPF 862.016.119 -91, residente e domiciliada na Avenida Vereador Luiz Bueno da Silva, n. 14, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99119-6871;
d) CARLOS ABEL DA CRUZ, RG/PR 4277172 -4, CPF 694.837.609 -68, residente e domiciliado na Avenida Francisco Pires de Lemos, n. 267, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99133-1968;
e) CLEUSA MARIA TOZETTI DA CRUZ, RGPR 4.521.720 -5, e CPF 727.648.309-63, residente e domiciliada, na Avenida Francisco Pires de Lemos, n. 267, Centro, Nova Aliança do Ivaí/PR, fone: (44) 99108-9007;
f) JAIR BURDINHÃO PICHINI, RG -PR 44659670, CPF 598.635.959 -34, residente e domiciliado na Rua Vereador Adir dos Santos, n. 150, Centro, CEP: 87.790-000, Nova Aliança do Ivaí/PR;
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
, o qual não dispensou a sua intimação, e indicou o seguinte telefone: (44) 99105-2888
g) CLAUDEMIR ALVES DE OLIVEIRA, RG -PR 3.501.876-0, residente e domiciliado na Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira, n. 125, Jardim Paulista, Paranavaí/PR, fone: (65) 99226-7642;
(*) testemunha também arrolada por
ADIR SCHMITZ
h) MILSEN LAURINDO, RG/PR 3.252.085 -5, CPF 357.376.111-91, residente e domiciliada na Rua Cândido Berthier Fortes, n. 2066, Edifício Monte Carmelo, apt. 704, Jardim Vera Cruz, Paranavaí/PR, fone: (44) 99917-5901.
Por fim, a Defesa do acusado ADIR qualificou e relacionou 8 (oito) testemunhas, requerendo a intimação delas, sob o argumento de que a exigência de solicitação de intimação das testemunhas na resposta à acusação não seria exigência absoluta (
evento 136, TESTEMUNHAS1
).
Relaciono abaixo apenas as testemunhas que não foram arroladas por corrés:
2) FÁBIO JUNIOR MARTINELLI, brasileiro, casado, agricultor, portador da Cédula de Identidade RG nº 67681568-PR, inscrito no CPF sob nº 543.418.091-72, residente e domiciliado na Av. Deputado Heitor Alencar Furtado 3273, apto 5, Curitiba-PR, telefone/WhatsApp: (41) 99529-5000;
4) MARCELO CILIÃO MAIA, brasileiro, casado, agricultor, portador da Cédula de Identidade RG nº 42445617-SESP-PR, inscrito no CPF sob nº 582.375.859-68, residente e domiciliado na Rua Olavo Bilac, nº 71, Sete Quedas- MS, telefone/WhatsApp: (67) 99848-5551;
7) JANDIRA COSTA, brasileira, solteira, agropecuarista, portadora, do RG 696.531-8, inscrita no CPF sob nº CPF 172.578.759-87, residente e domiciliada na Fazenda Nossa Senhora Aparecida, Nova Aliança do IvaíPR, CEP: 87.790-000, telefone/WhatsApp: (44) 99149-0991;
8) ALEXANDRE AMADEU FERNANDES, brasileiro, casado, agricultor, portador da Cédula de Identidade RG nº 001425987-MS, inscrito no CPF sob nº 034.515.791-54, residente e domiciliado na Rua Castro Alves, nº 337, Centro, Sete Quedas-MS, CEP 79935-000, telefone/WhatsApp: (67) 99693-5435.
3.1. Desse modo,
defiro a oitiva das testemunhas listadas acima, bem como a intimação de todas as testemunhas de defesa, inclusive as arroladas por
ADIR SCHMITZ
, ainda que o pedido de intimação deste não tenha sido formulado na resposta à acusação (ou seja, trata-se de pleito extemporâneo).
3.2. Fica pautada a
audiência virtual
de instrução e julgamento
nos presentes autos, a ser realizada pelo
aplicativo
ZOOM
,
conforme segue:
- Data:
26/08/2025 - 14h00
- Dados para conexão:
Ingressar na reunião Zoom
https://jfpr-jus-br.zoom.us/j/86995106852
ID da reunião: 869 9510 6852
No ato, serão ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes, e realizados os interrogatórios dos réus.
4.
Intimem-se
.
1. Disponível em: <https://www.trf4.jus.br/trf4/upload/jfpr/2019/12/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-17-de-26-de-mar%C3%A7o-de-2010-Consolidada.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2025.
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