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Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL" – Página 172 de 189
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Anderson Andre Goncalves
OAB/RS 91.622
ANDERSON ANDRE GONCALVES consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
Jari Santos Silva
Envolvido
JARI SANTOS SILVA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 274234544
Tribunal: TRF4
Órgão: 1ª Vara Federal de Guaíra
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5001156-78.2023.4.04.7017
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROSANA APARECIDA PEREIRA
OAB/SC XXXXXX
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DORACI APARECIDA RUCKS
OAB/SC XXXXXX
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JEAN GUSTAVO MIRANDA CAPRIOLI
OAB/MS XXXXXX
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EDSON MARTINS
OAB/MS XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5001156-78.2023.4.04.7017/PR
RÉU
: WESLEY PEREIRA DA SILVA
ADVOGADO(A)
: JEAN GUSTAVO MIRANDA CAPRIOLI (OAB MS027496)
ADVOGADO(A)
: EDSON MARTINS (OAB MS012328)
RÉU
: LEONARDO LOPES
AD…
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Rogerio Santos De Araujo x Petróleo Brasileiro S/A - Petrobrás e outros
ID: 280527588
Tribunal: TRF4
Órgão: SECRETARIA DA 3a. TURMA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5014353-34.2025.4.04.0000
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ESIO COSTA JUNIOR
OAB/RJ XXXXXX
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LETICIA ALLE ANTONIETTO
OAB/PR XXXXXX
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RAPHAELA THEMIS LEITE JARDIM
OAB/PR XXXXXX
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KARLIN OLBERTZ NIEBUHR
OAB/PR XXXXXX
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PAULO OSTERNACK AMARAL
OAB/PR XXXXXX
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ANDRE GUSKOW CARDOSO
OAB/PR XXXXXX
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EDUARDO TALAMINI
OAB/PR XXXXXX
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FERNAO JUSTEN DE OLIVEIRA
OAB/PR XXXXXX
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DIEGO BATISTA LOPES
OAB/PR XXXXXX
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ROGERIO ZOUEIN
OAB/RJ XXXXXX
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BRENO ZANOTELLI DE LIMA
OAB/ES XXXXXX
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LILIAN CHRISTINE REOLON
OAB/RS XXXXXX
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SALO DE CARVALHO
OAB/RS XXXXXX
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MARIANA JUCA LEAL FERREIRA RODRIGUES
OAB/RJ XXXXXX
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DANIEL RIBEIRO DA SILVA AGUIAR
OAB/RJ XXXXXX
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JULIA THOMAZ SANDRONI
OAB/RJ XXXXXX
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CLAUDIO MAURO HENRIQUE DAOLIO
OAB/SP XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5014353-34.2025.4.04.0000/PRPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5071542-58.2021.4.04.7000/PR
AGRAVANTE
: ROGERIO SANTOS DE ARAUJO
ADVOGADO(A)
: SALO DE CARVALHO (OAB RS034749)
ADVOGADO…
Agravo de Instrumento Nº 5014353-34.2025.4.04.0000/PRPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5071542-58.2021.4.04.7000/PR
AGRAVANTE
: ROGERIO SANTOS DE ARAUJO
ADVOGADO(A)
: SALO DE CARVALHO (OAB RS034749)
ADVOGADO(A)
: Lilian Christine Reolon (OAB RS056004)
ADVOGADO(A)
: BRENO ZANOTELLI DE LIMA (OAB ES021284)
AGRAVADO
: PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRÁS
INTERESSADO
: LUIS EDUARDO CAMPOS BARBOSA DA SILVA
ADVOGADO(A)
: CLAUDIO MAURO HENRIQUE DAOLIO
ADVOGADO(A)
: JULIA THOMAZ SANDRONI
ADVOGADO(A)
: DANIEL RIBEIRO DA SILVA AGUIAR
ADVOGADO(A)
: MARIANA JUCA LEAL FERREIRA RODRIGUES
INTERESSADO
: SERGIO SOUZA BOCCALETTI
ADVOGADO(A)
: DIEGO BATISTA LOPES
ADVOGADO(A)
: ROGERIO ZOUEIN
INTERESSADO
: ALUMINI ENGENHARIA S.A.
ADVOGADO(A)
: FERNAO JUSTEN DE OLIVEIRA
ADVOGADO(A)
: EDUARDO TALAMINI
ADVOGADO(A)
: ANDRE GUSKOW CARDOSO
ADVOGADO(A)
: PAULO OSTERNACK AMARAL
ADVOGADO(A)
: KARLIN OLBERTZ NIEBUHR
ADVOGADO(A)
: RAPHAELA THEMIS LEITE JARDIM
ADVOGADO(A)
: LETICIA ALLE ANTONIETTO
DESPACHO/DECISÃO
Este agravo de instrumento ataca decisão proferida pelo Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Curitiba que declarou a incompetência da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, e determinou a remessa dos autos à Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ.
Este é o teor da decisão agravada (ev. 252 do processo originário):
1
. Conforme referido no despacho anterior, a Segunda Seção do TRF4 consolidou, no Agravo de Instrumento nº 5040364-71.2023.4.04.0000, seu entendimento pela competência funcional da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ para processamento e julgamento das ações de improbidade distribuídas no contexto da Operação Lava Jato:
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO AFETADO À 2ª SEÇÃO DO TRF4. NOVEL DISPOSIÇÃO DO ART. 17, § 4º-A, DA LEI 8.429/1992 (INCLUÍDA PELA LEI 14.230/2021). REGRA DE COMPETÊNCIA FUNCIONAL E, PORTANTO, ABSOLUTA (ART. 2º DA LEI 7.347/1985). PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INAPLICABILIDADE. RESSALVA DA PARTE FINAL DO ART. 43 DO CPC. NATUREZA DO DANO ALEGADO. FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A matéria relativa à superveniente alteração de regra de competência absoluta em ação civil de improbidade administrativa é relevante questão jurídica que diz respeito a significativo número de processos, mormente em se considerando que a inclusão da previsão do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 é recente, impondo-se, tão logo quanto possível, a uniformização de entendimento acerca da matéria, o que justifica a apreciação pela 2ª Seção, na forma do art. 210 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
2. A novel disposição do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, estabelece que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada, tratando-se, nos termos do art. 2º da Lei 7.347/1985, de competência funcional e, portanto, absoluta, de modo que não se aplica a perpetuatio jurisdictionis, considerando a ressalva da parte final do art. 43 do CPC; assim, tendo em vista a natureza do dano alegado, deve ser considerado o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada (Rio de Janeiro/RJ), qual seja, a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região.
3. A matéria em questão - superveniência de incompetência absoluta - deve ser declarada de ofício, sendo de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 2º, do CPC). Não se trata de aplicação retroativa, mas, sim, de aplicação imediata aos processos em curso, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. A manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa.
4. Reconhecimento da
incompetência
absoluta do juízo. Acolhimento da preliminar de
incompetência
absoluta. Determinação de remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do
Rio de
Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região).
As demais questões não examinadas não foram indeferidas, tampouco sofrem os efeitos da preclusão, devendo, em sendo o caso, ser examinadas pelo juízo competente. Caberá ao juízo competente para o processamento da ação civil de improbidade administrativa decidir se aproveitará ou não as decisões já proferidas, mormente no ponto relativo ao acolhimento da prejudicial de prescrição da pretensão punitiva e à consequente conversão da ação civil de improbidade administrativa em ação civil pública. Agravo de instrumento parcialmente provido para o específico fim de reconhecer a incompetência absoluta do juízo, acolhendo a preliminar de incompetência absoluta, e determinando a remessa do processo ao juízo competente.
(TRF4, AG 5040364-71.2023.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 12/07/2024)
2.
Embora este juízo reconheça ter decidido de modo diverso em algumas oportunidades em que a alegação foi veiculada
–
menciono o
processo 5057144-14.2018.4.04.7000/PR, evento 562, DESPADEC1
- não se pode ignorar o fato de que este Tribunal Regional vem replicando esse entendimento em inúmeros agravos de instrumento em tramitação, determinando – inclusive de ofício – a remessa das ações originárias à Justiça Federal da 2ª Região.
Apesar de nenhum dos recursos ter transitado em julgado, a 3ª Turma do TRF4 rejeitou embargos opostos pela Petrobrás (5002961-68.2023.4.04.0000/PR, evento 175) distinguindo os fatos em apreço daqueles subjacentes aos Conflitos de Competência apreciados pelo STJ
–
os quais, indicariam, em princípio, a competência da Subseção Judiciária de Curitiba:
Adotando-os como fundamento de decidir, colaciono fragmentos do voto condutor do acórdão que julgou os Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 5045015-79.2015.4.04.7000/PR (
evento 127, RELVOTO1
):
(g) em complemento, quanto à decisão proferida no conflito de competência 185.127, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
(g.1) convém referir que constitui decisão monocrática em relação à qual parece pender recurso, não se tratando de jurisprudência consolidada;
(g.2) não há menção, pelo seu teor, ao tema da aplicabilidade ou não da Lei 14.230/2021, o que parece ser de todo relevante no presente caso;
(g.3) aliás, nessa decisão monocrática, há menção ao fato de que o Ministério Público Federal
"opinou pelo conhecimento do conflito para declarar competente o Juiz federal da Seção Judiciária do
Rio de
Janeiro"
, o que parece levar a crer que, mesmo no âmbito do Ministério Público Federal (precipuamente, o autor da ação, cujos princípios institucionais são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, cf. art. 127, § 1º, da Constituição), por seus órgãos, ainda haveria ausência de uniformidade de entendimento quanto ao tema em tela - confira-se o trecho que se encontra na decisão referida (cujo conflito de competência, frise-se, era de natureza
negativa
entre o juiz federal da 22ª Vara Cível de
Brasília
, suscitante, e o juiz federal da 1ª Vara de
Curitiba
): (...).
(g.4) a partir da Lei 14.230/2021, parece haver, de fato, um regramento específico acerca da competência - no caso, funcional -, para processar e julgar as ações de improbidade administrativa, colmatando-se, assim, por meio do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, eventual lacuna existente antes do novel dispositivo;
(h) já no que tange ao julgamento do conflito de competência 186206 pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
(h.1) parece tratar-se de decisão cuja publicação ocorreu em 2 de julho de 2024, isto é, recentemente, não se afigurando como definitiva, mesmo porque já consta a oposição de embargos de declaração;
(h.2) não parece constituir julgado de observância obrigatória, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil;
(h.3) ao menos no que diz respeito ao caso em si que foi objeto do conflito de competência, parece ter sido determinante para a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça, a julgar por sua ementa, que se tratava de contexto no qual se definiu que a existência de ação penal em curso em determinado juízo não impõe que a ação de improbidade tramite no juízo competente do mesmo local para tal classe de ação; não é essa a situação subjacente ao presente caso, na análise da competência, não se afigurando viável, ao menos neste momento, reproduzir o entendimento para a situação ora em análise.
(h.4) ao menos na jurisdição em matéria penal, o Supremo Tribunal Federal tem sinalizado para a inexistência do foro de Curitiba como um foro universal para todas as questões correlatas à Lava Jato: (...)
(h.5) especificamente no que diz respeito à natureza do dano como "nacional" e a suposta consequência de tal entendimento, que seria a de haver múltiplas possibilidades de foros para a propositura da ação (foro de uma das capitais da Federação ou do Distrito Federal), vale notar que, a prevalecer o entendimento de que qualquer Capital do País pudesse julgar a ação, a ação de improbidade poderia ser julgada em Estados distantes e totalmente desconexos com a situação fática que deu origem ao dano, o que se revela contrário à própria intenção legislativa, ao prever, no art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, o
"foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada"
, disposição essa que não parece ter sido engendrada para favorecer a mera escolha do foro que leve a maior vantagem estratégica do autor, mas, sim, para que a competência reste estabelecida no juízo efetivamente mais próximo aos fatos ou à pessoa jurídica prejudicada (o que, pelo que se verifica, converge para o foro do
Rio de
Janeiro/RJ); de outra parte, não é demais referir que o entendimento quanto ao alegado dano
"nacional"
, tal como sustentado, não parece ser, de forma inequívoca, o que tende a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, a julgarem-se os destinos que teve parte dos processos que haviam tramitado, de maneira concentrada, no juízo federal de Curitiba/PR, em matéria criminal, tendo sido, pois, afastada, em momento já pregresso, a concepção de
"dano nacional"
, sob esse viés;
(h.6) por fim, ainda que pudesse ser compreendida como precedente vinculante a decisão no conflito de competência em tela, parece inviável que, pela via dos embargos de declaração, seja integralmente reformado o acórdão embargado.
(...)
Tal qual consignado no voto condutor do acórdão dos ED na AC n. 5045015-79.2015.4.04.7000/PR,
os entendimentos mencionados nos Conflitos de Competência ns. 185.127 e 186.206, além de não serem de observância obrigatória, também não discutem a questão sob mesmo o prisma agora apreciado por este TRF4, pelo que inaplicáveis ao caso em apreço
.
Nessa toada, à luz da efetividade jurisdicional e da isonomia, a insistência deste Juízo na manutenção das ações de improbidade nesta Subseção Judiciária traria pouco proveito para o processo, uma vez que a decisão provavelmente seria revertida em âmbito recursal. Ademais, o prosseguimento do feito neste Juízo, ao arrepio do entendimento do TRF4, poderia implicar a nulidade dos atos a serem praticados, máxime por se tratar de regra de competência absoluta.
Assim, a despeito do avançado estado da marcha processual, deve prevalecer o valor da segurança jurídica, com a remessa das ações civis públicas – e feitos dependentes – ao Juízo competente.
Aliás, nesse sentido a observação do TRF4, no
processo 5040364-71.2023.4.04.0000/TRF4, evento 105, RELVOTO1
:
A eventual manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa, classe de ação que, por sua natureza, impõe tratamento prioritário, observando-se, em especial, que se trata de tema pertinente à definição do juízo natural, e a divergência de entendimento, no caso, militaria contra o tratamento isonômico das situações jurídicas.
De outra parte, definir, em Seção, a regra de competência relacionada evita que venha a perdurar no tempo a condução do processo por juízo incompetente, medida de todo relevante, à luz da percepção de que o processo subjacente tem origem nas investigações da Operação Lava-Jato.
A despeito das manifestações das partes, impõe-se a observância do artigo 927, inciso V, do CPC, por se tratar de entendimento firmado pela Segunda Seção do TRF4, ao qual estão vinculadas as Turmas competentes para apreciação dos recursos em sede de improbidade administrativa.
Registro, por arremate, a recente revisão de posicionamento do STJ que, no Conflito de Competência nº
185.127/DF
, decidiu pela competência da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
3.
Pelo exposto,
declaro a incompetência desta Subseção
e determino a
remessa dos autos à Subseção Judiciária do
Rio de
Janeiro/RJ.
4
. Intimem-se.
(
processo 5071542-58.2021.4.04.7000/PR, evento 252, DOC1
).
A parte agravante (Rogério Santos de Araújo, réu) pede a reforma da decisão. Alega o seguinte (
evento 1, DOC1
):
(a)
que o art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 não teria alterado a norma de fixação da competência com base no local do dano, anteriormente extraída do art. 2º da Lei 7.347/1985 e do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, integrantes do microssistema de tutela coletiva; que a alteração legislativa apenas teria acrescentado um parâmetro alternativo para a fixação da competência, relativo ao local da pessoa jurídica prejudicada; que, assim, o Legislativo apenas teria estipulado mais uma opção, a critério do autor, de local de propositura da demanda, sem excluir o critério do local do dano;
(b)
que, no presente caso, os danos imputados seriam supostamente de âmbito nacional, de modo que a competência da Subseção Judiciária de Curitiba/PR não poderia ser afastada com base em critério legal alternativo posterior à propositura da ação; que o entendimento acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça seria no sentido da tese formulada no presente agravo de instrumento;
(c)
que a remessa dos autos à Subseção Judiciária do Rio de Janeiro poderia implicar a nulidade dos atos lá praticados, em razão de incompetência;
(d)
que o juízo de origem teria incorrido em violação a dispositivos constitucionais nestes termos:
36. Assim, ao declarar a incompetência da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, incorreu em violação aos princípios constitucionais do ato jurídico perfeito, da irretroatividade de normas prejudiciais aos réus, do juiz natural e do devido processo legal: (i.) a violação ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CF) está na desconsideração da escolha do autor em ingressar com a ação perante a Justiça Federal de Curitiba; (ii.) a violação à irretroatividade das normas prejudiciais aos réus (art. 5º, XL, CF) está na aplicação retroativa das alterações na Lei 8.429/1992 para justificar a alteração de competência em contrariedade aos fundamentos apresentados pelo agravante ao Juízo recorrido; (iii.) a violação ao juiz natural (art. 5º, LIII, CF) está no reconhecimento da competência da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ em fundamentação contrária à lei e ao entendimento dos Tribunais Superiores; e (iv.) a violação ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) está na determinação da remessa extemporânea dos autos a juízo absolutamente incompetente, tumultuando o processo.
(evento 1, DOC1, p. 16);
(e)
que, assim, a decisão agravada deveria ser reformada, para manter-se a competência para processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa na Subseção Judiciária de Curitiba/PR;
(f)
que seria cabível a concessão de efeito suspensivo, uma vez que configurado risco, tendo em vista que o juízo de origem já teria determinado a remessa dos autos à Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ.
Pede, assim, a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o provimento do agravo de instrumento para reformar a decisão agravada, nestes termos:
46. Diante do exposto, requer:
(primeiro) o recebimento do presente recurso, com atribuição de efeito suspensivo, para o fim de que a Ação Civil de Improbidade Administrativa 5071542-58.2021.4.04.7000/PR permaneça sob a competência da Subseção Judiciária de Curitiba/PR até o julgamento definitivo do presente recurso;
(segundo) o provimento do Agravo de Instrumento, para o fim de reformar a decisão agravada, declarando manutenção da competência da Subseção Judiciária de Curitiba/PR para o processamento e julgamento da Ação Civil de Improbidade Administrativa 5071542-58.2021.4.04.7000/PR; e
(terceiro) a intimação dos advogados signatários a respeito da inclusão em pauta do julgamento do presente recurso, com o fim de possibilitar a realização de sustentação oral, sob pena de nulidade.
(
evento 1, DOC1
, p. 19).
Os desembargadores federais integrantes da 12ª Turma deste TRF4 declararam suspeição (evento 2, evento 19 e evento 39).
Os autos foram redistribuídos por sorteio a este Gabinete 33 (evento 47).
É o relatório.
Decido.
O deferimento de efeito suspensivo ao agravo de instrumento por decisão do relator, conforme previsto na regra do art. 995-parágrafo único do CPC, depende da presença simultânea de dois requisitos: (a) ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso; e (b) estar configurado risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, caso a decisão agravada produza efeitos imediatamente.
A decisão agravada encontra-se em conformidade com reiteradas decisões proferidas não apenas monocraticamente por este relator, mas também perante o colegiado da 3ª Turma e da 2ª Seção deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Reproduz-se, exemplificativamente, a fundamentação de voto condutor de acórdão perante a 3ª Turma, suficiente para, neste momento, justificar a manutenção do que decidiu o juízo de origem:
Com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, que promoveu significativas alterações na Lei 8.429/1992, verifica-se que as ações civis de improbidade administrativa devem tramitar perante o foro local onde ocorrer o dano ou perante o foro do local da pessoa jurídica prejudicada:
Art. 17. […]
§ 4º-A A ação a que se refere o caput deste artigo deverá ser proposta
perante o foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada
. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Na mesma linha de compreensão e em complemento ao dispositivo acima reproduzido, o artigo 2º da Lei 7.347/1985 prevê que a competência para processamento das ações civis públicas estabelece-se pelo local onde ocorrer o dano, configurando-se não como competência territorial, mas, sim, como competência funcional, tal como dispõe o
caput
, expressamente, do artigo em comento, cabendo atenção para o seu parágrafo único, em que se define a prevenção da jurisdição para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto:
Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano,
cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa
.
Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Tomando tais dispositivos em consideração, cumpre analisar se a entrada em vigor do disposto no artigo 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 aplica-se ou não às ações propostas
anteriormente
às alterações promovidas pela Lei 14.230/2021. Para tanto, é necessário considerar o artigo 43 do CPC, a prever que, embora a competência seja determinada
“no momento do registro ou da distribuição da petição inicial”
, tornando-se
“irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente”
, há ressalva específica para os casos em que ocorre supressão de órgão judiciário ou alteração de competência absoluta:
Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente,
salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta
.
Pois bem, a partir da leitura conjugada do artigo 2º,
caput
, da Lei 7.347/1985 com o artigo 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 (dispositivo incluído pela Lei 14.230/2021), resta claro que a competência decorrente da alteração legislativa em comento é do tipo funcional, tratando-se, portanto, de competência de natureza absoluta, razão pela qual se aplica a ressalva da parte final do artigo 43 do CPC, isto é, não se aplica a
perpetuatio jurisdictionis
. Dessa forma, o novel regramento impõe a modificação de competência para o presente processo.
Nessa linha de compreensão, nos termos do artigo 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, que alterou a regra de competência de modo a determinar que a ação civil pública de improbidade administrativa tramite
“perante o foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada”
, e, tendo em vista a natureza do dano alegado, deve ser considerado o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada.
No caso, feitos tais apontamentos, e considerando que a sede da pessoa jurídica em questão se encontra no Rio de Janeiro/RJ, impõe-se a declinação de competência para um dos juízos com atribuição para processamento de ação civil de improbidade administrativa perante a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região.
Cumpre ressaltar, ainda, que a matéria em questão - superveniência de incompetência absoluta - deve ser declarada de ofício, sendo de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição (artigo 64, § 2º, do CPC). Não se trata de aplicação retroativa, mas, sim, de aplicação imediata aos processos em curso, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. Portanto, a manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa.
Em síntese, no que tange à matéria relativa a competência (absoluta), entendo ser o caso de declinação da competência por estes fundamentos:
(a)
a novel disposição do artigo 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, estabelece que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada, tratando-se, nos termos do artigo 2º da Lei 7.347/1985, de competência funcional e, portanto, absoluta, de modo que não se aplica a
perpetuatio jurisdictionis
, considerando a ressalva da parte final do artigo 43 do CPC; assim, tendo em vista a natureza do dano alegado, deve ser considerado o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada (Rio de Janeiro/RJ), qual seja, a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região;
(b)
a matéria em questão - superveniência de incompetência absoluta - deve ser declarada de ofício, sendo de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição (artigo 64, § 2º, do CPC);
(c)
não se trata de aplicação retroativa, mas, sim, de aplicação imediata aos processos em curso, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta;
(d)
descabe manter o processo em trâmite em juízo incompetente, sob pena de tal medida revelar-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa;
(e)
importa ressaltar que o critério adotado explicita a aplicação de dispositivo específico da Lei 8.429/1992, em combinação com a Lei 7.347/1985, não cabendo, assim, incidência de disposições de outros diplomas legais que não aqueles que são diretamente vinculados ao sistema de processamento da classe da ação civil pública; ademais, considerando que os danos são de natureza difusa, não se aplica a compreensão de que estaria sendo ignorada a previsão relativa à incidência do foro do
"local do dano"
, sendo necessário adotar o critério legal da sede da pessoa jurídica prejudicada;
(f)
quanto à decisão proferida no conflito de competência 185127, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, de que teve notícia este relator,
(f.1)
convém referir que constitui decisão monocrática em relação à qual parece pender recurso, não se tratando de jurisprudência consolidada;
(f.2)
não há menção, pelo seu teor, ao tema da aplicabilidade ou não da Lei 14.230/2021, o que parece ser de todo relevante no presente caso;
(f.3)
aliás, nessa decisão monocrática, há menção ao fato de que o Ministério Público Federal
"opinou pelo conhecimento do conflito para declarar competente o Juiz federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro"
, o que parece levar a crer que, mesmo no âmbito do Ministério Público Federal (precipuamente, o autor da ação, cujos princípios institucionais são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, cf. art. 127, § 1º, da Constituição), por seus órgãos, ainda haveria ausência de uniformidade de entendimento quanto ao tema em tela - confira-se o trecho que se encontra na decisão referida (cujo conflito de competência, frise-se, era de natureza
negativa
entre o juiz federal da 22ª Vara Cível de
Brasília
, suscitante, e o juiz federal da 1ª Vara de
Curitiba
):
O Parquet Federal opinou pelo conhecimento do conflito para declarar competente o Juiz federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
É o relatório. Decido.
O Ministério Público Federal ponderou que “no caso, tanto o juízo suscitante quanto o juízo suscitado afirmam que ‘as empresas que supostamente fraudavam a licitação corrompiam agentes públicos, superfaturavam obras em diversos locais e lavavam dinheiro no exterior atuavam, na absoluta maioria das vezes, na cidade do Rio de Janeiro’ (fls. 6/7). Para corroborar a afirmativa, cita diversos documentos que indicam que os atos/fatos ocorreram na cidade do Rio de Janeiro ou no Estado do Rio de Janeiro. A narrativa da inicial da ação de improbidade também aponta nessa direção”. Ainda, “o juízo suscitado, por outro lado, sustenta que, ‘para fins de definição da competência, pode ser reputado nacional nos casos de alegada corrupção sistêmica como a presente, atraindo a competência das capitais dos estados ou do Distrito Federal’ (fl. 12), sem negar, contudo, a ocorrência dos fatos no Rio de Janeiro” (e-STJ, fl. 148).
(Superior Tribunal de Justiça, Excelentíssimo Senhor Ministro Afrânio Vilela, conflito de competência 185.127, DJe 04-04-2024, grifou-se);
(f.4)
a partir da Lei 14.230/2021, parece haver, de fato, um regramento específico acerca da competência - no caso, funcional -, para processar e julgar as ações de improbidade administrativa, colmatando-se, assim, por meio do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, eventual lacuna existente antes do novel dispositivo;
(g)
no que tange ao julgamento do conflito de competência 186206 pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, mencionado em caso de contexto análogo ao presente,
(g.1)
parece tratar-se de decisão cuja publicação ocorreu em 2 de julho de 2024, isto é, recentemente, não se afigurando como definitiva, mesmo porque já consta a oposição de embargos de declaração;
(g.2)
não parece constituir julgado de observância obrigatória, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil;
(g.3)
ao menos no que diz respeito ao caso em si que foi objeto do conflito de competência, parece ter sido determinante para a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça, a julgar por sua ementa, que se tratava de contexto no qual se definiu que a existência de ação penal em curso em determinado juízo não impõe que a ação de improbidade tramite no juízo competente do mesmo local para tal classe de ação; não é essa a situação subjacente ao presente caso, na análise da competência, não se afigurando viável, ao menos neste momento, reproduzir o entendimento para a situação ora em análise.
(g.4)
ao menos na jurisdição em matéria penal, o Supremo Tribunal Federal tem sinalizado para a inexistência do foro de Curitiba como um foro universal para todas as questões correlatas à Lava Jato:
HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA. CONEXÃO NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL CONFIGURADA. NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO ÀS DEMAIS AÇÕES PENAIS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. No histórico de delimitação da competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba ao processo e julgamento de feitos atinentes à denominada “Operação Lava Jato”, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de questão de ordem suscitada no INQ 4.130 (23.9.2015), assentou que (i) “[A] colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração de competência”; e que, quando ausente prática delitiva atinente a fraude ou desvio de recursos em detrimento da Petrobras S/A, não estaria configurada a conexão a autorizar a fixação da competência daquele Juízo, pois (ii) “
[N]enhum órgão jurisdicional pode-se arvorar de juízo universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins político-partidários, à revelia das regras de competência
”. 2. Por ocasião do julgamento de agravos regimentais interpostos nos autos dos INQs 4.327 e 4.483 (19.12.2017), o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou que a atuação do núcleo político da organização criminosa denunciada, porque ínsita ao exercício das respectivas funções, teria se dado na Capital Federal, razão pela qual, diante da inexistência de ligação direta dos fatos denunciados com os delitos praticados em detrimento da Petrobras S/A, afastou a competência da13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba. 3. No julgamento de agravos regimentais interpostos nos autos da PET 6.820, finalizado em 6.2.2018, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal assentou que, a despeito de procedimentos conexos em tramitação perante a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, a remessa de termos de depoimento prestados em acordo de colaboração premiada contendo a narrativa de fatos supostamente ofensivos a bens jurídicos tutelados pela legislação penal eleitoral deve se dar em favor da Justiça Eleitoral. O mesmo entendimento foi adotado de forma majoritária pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 14.3.2019, por ocasião do julgamento do INQ 4.435 AgR-Quarto. 4. Em nova delimitação da competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, por ocasião do julgamento da PET 8.090 AgR, realizado em 8.9.2020, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal assentou que nem mesmo fatos praticados em detrimento da Transpetro S/A, subsidiária integral da Petrobras S/A, justificariam a fixação da competência por conexão daquele Juízo. 5. No âmbito da “Operação Lava Jato”, a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba é restrita aos crimes praticados de forma direta em detrimento apenas da Petrobras S/A. 6. Na hipótese, restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com os já estudados precedentes do Plenário e da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional. 7. As mesmas circunstâncias fáticas, ou seja, a ausência de condutas praticadas de forma direta em detrimento da Petrobras S/A, são encontradas nas demais ações penais deflagradas em desfavor do paciente perante a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, tornando-se imperiosa a extensão da ordem concedida, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. 8. Agravo regimental desprovido.
(Supremo Tribunal Federal. HC 193726 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15-04-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 31-08-2021 PUBLIC 01-09-2021, grifou-se);
(g.5)
especificamente no que diz respeito à natureza do dano como "nacional" e a suposta consequência de tal entendimento, que seria a de haver múltiplas possibilidades de foros para a propositura da ação (foro de uma das capitais da Federação ou do Distrito Federal), vale notar que, a prevalecer o entendimento de que qualquer Capital do País pudesse julgar a ação, a ação de improbidade poderia ser julgada em Estados distantes e totalmente desconexos com a situação fática que deu origem ao dano, o que se revela contrário à própria intenção legislativa, ao prever, no art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, o
"foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada"
, disposição essa que não parece ter sido engendrada para favorecer a mera escolha do foro que leve a maior vantagem estratégica do autor, mas, sim, para que a competência reste estabelecida no juízo efetivamente mais próximo aos fatos ou à pessoa jurídica prejudicada (o que, pelo que se verifica, converge para o foro do Rio de Janeiro/RJ); de outra parte, não é demais referir que o entendimento quanto ao alegado dano
"nacional"
, tal como sustentado, não parece ser, de forma inequívoca, o que tende a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, a julgarem-se os destinos que teve parte dos processos que haviam tramitado, de maneira concentrada, no juízo federal de Curitiba/PR, em matéria criminal, tendo sido, pois, afastada, em momento já pregresso, a concepção de
"dano nacional"
, sob esse viés.
Essas são em síntese, as razões que parecem justificar a declinação da competência. Convém, ademais, mencionar os julgados quanto à matéria, no âmbito da jurisprudência deste Tribunal.
Jurisprudência no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região quanto à matéria
A Segunda Seção deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região já apreciou a matéria em tela, nos seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO AFETADO À 2ª SEÇÃO DO TRF4. NOVEL DISPOSIÇÃO DO ART. 17, § 4º-A, DA LEI 8.429/1992 (INCLUÍDA PELA LEI 14.230/2021). REGRA DE COMPETÊNCIA FUNCIONAL E, PORTANTO, ABSOLUTA (ART. 2º DA LEI 7.347/1985). PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INAPLICABILIDADE. RESSALVA DA PARTE FINAL DO ART. 43 DO CPC. NATUREZA DO DANO ALEGADO. FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA. DECISÃO REFORMADA, PARA RECONHECER, DE OFÍCIO, A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. A matéria relativa à superveniente alteração de regra de competência absoluta em ação civil de improbidade administrativa é relevante questão jurídica que diz respeito a significativo número de processos, mormente em se considerando que a inclusão da previsão do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 é recente, impondo-se, tão logo quanto possível, a uniformização de entendimento acerca da matéria, o que justifica a apreciação pela 2ª Seção, na forma do art. 210 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 2. A novel disposição do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, estabelece que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada, tratando-se, nos termos do art. 2º da Lei 7.347/1985, de competência funcional e, portanto, absoluta, de modo que não se aplica a perpetuatio jurisdictionis, considerando a ressalva da parte final do art. 43 do CPC; assim, tendo em vista a natureza do dano alegado, deve ser considerado o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada (Rio de Janeiro/RJ), qual seja, a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região. 3. A matéria em questão - superveniência de incompetência absoluta - deve ser declarada de ofício, sendo de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 2º, do CPC). Não se trata de aplicação retroativa, mas, sim, de aplicação imediata aos processos em curso, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. A manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa. 4. Reconhecimento, de ofício, da incompetência absoluta do juízo. Determinação de remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região), o que impõe a consequente reforma da decisão agravada, considerando a matéria relativa a competência (absoluta). Agravo de instrumento desprovido (considerando que o pedido do MPF visava à manutenção do processo no juízo que proferiu a decisão agravada). Agravo interno prejudicado. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5023805-83.2016.4.04.0000, 2ª Seção, Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/03/2024)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APELAÇÕES. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. MATÉRIA DE CONHECIMENTO DE OFÍCIO. JULGAMENTO AFETADO À 2ª SEÇÃO DO TRF4. NOVEL DISPOSIÇÃO DO ART. 17, § 4º-A, DA LEI 8.429/1992 (INCLUÍDA PELA LEI 14.230/2021). REGRA DE COMPETÊNCIA FUNCIONAL E, PORTANTO, ABSOLUTA (ART. 2º DA LEI 7.347/1985). PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INAPLICABILIDADE. RESSALVA DA PARTE FINAL DO ART. 43 DO CPC. NATUREZA DO DANO ALEGADO. FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. 1. A matéria relativa à superveniente alteração de regra de competência absoluta em ação civil de improbidade administrativa é relevante questão jurídica que diz respeito a significativo número de processos, mormente em se considerando que a inclusão da previsão do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 é recente, impondo-se, tão logo quanto possível, a uniformização de entendimento acerca da matéria, o que justifica a apreciação pela 2ª Seção, na forma do art. 210 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 2. A novel disposição do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, estabelece que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada, tratando-se, nos termos do art. 2º da Lei 7.347/1985, de competência funcional e, portanto, absoluta, de modo que não se aplica a perpetuatio jurisdictionis, considerando a ressalva da parte final do art. 43 do CPC; assim, tendo em vista a natureza do dano alegado, deve ser considerado o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada (Rio de Janeiro/RJ), qual seja, a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região. 3. A matéria em questão - superveniência de incompetência absoluta - deve ser declarada de ofício, sendo de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 2º, do CPC). Não se trata de aplicação retroativa, mas, sim, de aplicação imediata aos processos em curso, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. A manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa (e suas ações conexas). 4. Nulidade da sentença reconhecida de ofício, em razão de incompetência absoluta do juízo. Determinação de remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região). Prejudicadas as alegações suscitadas nos apelos, as quais, se for o caso, deverão ser conhecidas pelo juízo competente. Apelações parcialmente providas para o específico fim de anular a sentença. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5045015-79.2015.4.04.7000, 2ª Seção, Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/03/2024)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO AFETADO À 2ª SEÇÃO DO TRF4. NOVEL DISPOSIÇÃO DO ART. 17, § 4º-A, DA LEI 8.429/1992 (INCLUÍDA PELA LEI 14.230/2021). REGRA DE COMPETÊNCIA FUNCIONAL E, PORTANTO, ABSOLUTA (ART. 2º DA LEI 7.347/1985). PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INAPLICABILIDADE. RESSALVA DA PARTE FINAL DO ART. 43 DO CPC. NATUREZA DO DANO ALEGADO. FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A matéria relativa à superveniente alteração de regra de competência absoluta em ação civil de improbidade administrativa é relevante questão jurídica que diz respeito a significativo número de processos, mormente em se considerando que a inclusão da previsão do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992 é recente, impondo-se, tão logo quanto possível, a uniformização de entendimento acerca da matéria, o que justifica a apreciação pela 2ª Seção, na forma do art. 210 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 2. A novel disposição do art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, estabelece que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada, tratando-se, nos termos do art. 2º da Lei 7.347/1985, de competência funcional e, portanto, absoluta, de modo que não se aplica a perpetuatio jurisdictionis, considerando a ressalva da parte final do art. 43 do CPC; assim, tendo em vista a natureza do dano alegado, deve ser considerado o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada (Rio de Janeiro/RJ), qual seja, a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região. 3. A matéria em questão - superveniência de incompetência absoluta - deve ser declarada de ofício, sendo de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 2º, do CPC). Não se trata de aplicação retroativa, mas, sim, de aplicação imediata aos processos em curso, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. A manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa. 4. Reconhecimento da incompetência absoluta do juízo. Acolhimento da preliminar de incompetência absoluta. Determinação de remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região). As demais questões não examinadas não foram indeferidas, tampouco sofrem os efeitos da preclusão, devendo, em sendo o caso, ser examinadas pelo juízo competente. Caberá ao juízo competente para o processamento da ação civil de improbidade administrativa decidir se aproveitará ou não as decisões já proferidas, mormente no ponto relativo ao acolhimento da prejudicial de prescrição da pretensão punitiva e à consequente conversão da ação civil de improbidade administrativa em ação civil pública. Agravo de instrumento parcialmente provido para o específico fim de reconhecer a incompetência absoluta do juízo, acolhendo a preliminar de incompetência absoluta, e determinando a remessa do processo ao juízo competente. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5040364-71.2023.4.04.0000, 2ª Seção, Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/07/2024)
Seguindo tal entendimento, sob a relatoria dos demais integrantes da 3ª Turma, há outros julgados no mesmo sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. REMESSA DOS AUTOS. 1. A Segunda Seção deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região firmou o entendimento de que a inclusão do § 4º-A ao art. 17, da Lei n. 8.429/1992, promovida pelo advento da Lei n. 14.230/2021, possui aplicabilidade imediata aos processos em curso, razão pela qual há de se reconhecer, ainda que de ofício, a competência absoluta do foro da sede da pessoa jurídica prejudicada para processar e julgar as ações civis de improbidade administrativa. 2. Determinada a remessa dos autos originários à Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região. (TRF4, AG 5047411-67.2021.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 09/07/2024)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REMESSA NECESSÁRIA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. PRECEDENTES DA 2ª SEÇÃO DO TRF4. LEI N.º 14.230. INOVAÇÃO LEGISLATIVA. ART. 17, § 4º-A, DA LEI 8.429/1992. COMPETÊNCIA FUNCIONAL E, PORTANTO, ABSOLUTA (ART. 2º DA LEI 7.347/1985). PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INAPLICABILIDADE. FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA. SENTENÇA ANULADA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. 1. O art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, traz regra de competência no sentido de que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada. Trata-se de competência funcional e, portanto, absoluta, incidindo a hipótese prevista na parte final do art. 43 do CPC. Precedentes da Segunda Seção deste Tribunal. 2. Matéria que deve ser declarada de ofício, com aplicação imediata aos processos em curso da nova regra, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. A manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa. 3. Fragilidade na justificação da competência do Juízo por conexão entre ilícitos, sob pena de concentração da maioria das potenciais fraudes licitatórias e/ou pagamento de propinas numa única ação ou uma vara da Justiça Federal (o que aliás tem ocorrido), visto que os prestadores de serviços e executores de obras repetem-se em vários contratos públicos por todo o país e nas diferentes esferas federativas. 4. Nulidade da sentença reconhecida de ofício, em razão de incompetência absoluta do juízo. Determinação de remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região). Prejudicadas as alegações suscitadas nos apelos, as quais, se for o caso, deverão ser conhecidas pelo juízo competente. (TRF4 5002234-03.2019.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 30/07/2024)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. PRECEDENTES DA 2ª SEÇÃO DO TRF4. LEI N.º 14.230. INOVAÇÃO LEGISLATIVA. ART. 17, § 4º-A, DA LEI 8.429/1992. COMPETÊNCIA FUNCIONAL E, PORTANTO, ABSOLUTA (ART. 2º DA LEI 7.347/1985). PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INAPLICABILIDADE. FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. 1. O art. 17, § 4º-A, da Lei 8.429/1992, incluída pela Lei 14.230/2021, traz regra de competência no sentido de que a ação civil de improbidade administrativa deve tramitar no foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada. Trata-se de competência funcional e, portanto, absoluta, incidindo a hipótese prevista na parte final do art. 43 do CPC. Precedentes da Segunda Seção deste Tribunal. 2. Matéria que deve ser declarada de ofício, com aplicação imediata aos processos em curso da nova regra, uma vez que ocorrida alteração em regra de competência absoluta. A manutenção do processo em trâmite em juízo incompetente revela-se prejudicial ao próprio andamento da ação de improbidade administrativa. 3. Fragilidade na justificação da competência do Juízo por conexão entre ilícitos, sob pena de concentração da maioria das potenciais fraudes licitatórias e/ou pagamento de propinas numa única ação ou uma vara da Justiça Federal (o que aliás tem ocorrido), visto que os prestadores de serviços e executores de obras repetem-se em vários contratos públicos por todo o país e nas diferentes esferas federativas. 4. Reconhecida de ofício, a incompetência absoluta do juízo. Determinação de remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região). (TRF4, AG 5043980-88.2022.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 30/07/2024)
Assim, o entendimento adotado encontra confirmação, no âmbito deste Tribunal.
Tutelas e seus efeitos
Ficam conservados os efeitos das tutelas antecipatórias, cautelares e liminares eventualmente deferidas, que deverão ser reexaminadas pelo juízo competente, na forma do artigo 64, § 4º, do CPC ("
Salvo decisão judicial em contário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente
"), não existindo nesse momento justificativa para que se decidisse de forma diferente, uma vez que as tutelas anteriormente deferidas estão estabilizadas, cabendo ao juízo competente, quando receber o processo, sobre elas decidir.
Conclusão
Em conclusão, é de ser
reconhecida, de ofício, a incompetência absoluta do juízo,
determinando-se a remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região)
.
Caberá ao juízo competente decidir sobre o aproveitamento ou não das decisões já proferidas.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por
reconhecer, de ofício, a incompetência absoluta do juízo,
e determinar a remessa do processo ao órgão judiciário competente (Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, junto à Justiça Federal da 2ª Região).
(
TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018841-66.2024.4.04.0000, 3ª Turma, Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/10/2024
).
Como visto, o presente caso amolda-se, perfeitamente, às mesmas circunstâncias discutidas no agravo de instrumento cuja fundamentação foi acima reproduzida, tendo o julgado referido enfrentado, nesta análise inicial, de modo suficiente, as alegações jurídicas concernentes à questão da competência.
Em conclusão, nesta análise inicial, não se encontra preenchido o requisito de probabilidade de provimento do recurso, descabendo o deferimento de efeito suspensivo à parte agravante.
Deve, pois, ser mantida a decisão agravada, que declarou a incompetência da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, e determinou a remessa dos autos à Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ.
Ante o exposto,
indefiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo.
Intimem-se as partes, inclusive para contrarrazões.
Dispenso as informações. Se necessário, comunique-se ao juízo de origem.
Após, adotem-se as providências necessárias para julgamento.
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Rosa Maria Grando x Banco Pan S.A.
ID: 315358066
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5001477-78.2025.4.04.7006
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
OCTAVIO CORREA OLIVEIRA SCHIFFTER
OAB/PR XXXXXX
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ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO
OAB/PE XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5001477-78.2025.4.04.7006/PR
AUTOR
: ROSA MARIA GRANDO
ADVOGADO(A)
: OCTAVIO CORREA OLIVEIRA SCHIFFTER (OAB PR103942)
RÉU
: BANCO PAN S.A.
ADVOGADO(A)
: ANT…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5001477-78.2025.4.04.7006/PR
AUTOR
: ROSA MARIA GRANDO
ADVOGADO(A)
: OCTAVIO CORREA OLIVEIRA SCHIFFTER (OAB PR103942)
RÉU
: BANCO PAN S.A.
ADVOGADO(A)
: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO (OAB PE023255)
DESPACHO/DECISÃO
Conversão do julgamento em diligência.
I - RELATÓRIO
Em 19 de março de 2025,
ROSA MARIA GRANDO
deflagrou a presente demanda, sob o rito dos juizados, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e do BANCO PAN S.A., pretendendo a condenação dos requeridos a se absterem de promover descontos junto à sua prestação previdenciária e a lhe pagarem o dobro do valor que disse ter sido desbastado a tal título. Ela postulou, ademais, a condenação dos requeridos à reparação dos danos morais que alegou ter suportado em virtude de tais abatimentos, a ser promovida com o pagamento de indenização.
Para tanto, a autora disse auferir proventos de aposentadoria por idade e ter sido surpreendida ao constatar a ocorrência de descontos mensais em seu benefício no valor de R$ 18,22 a partir de abril de 2020, decorrentes de suposto empréstimo consignado contratado. Alegou não ter celebrado aludido contrato, tampouco tendo autorizado os desbastes de algum outro modo. Requereu a gratuidade de Justiça, a inversão do ônus da prova diante da aplicabilidade da legislação consumerista ao caso. Atribuiu à causa o valor de R$ 12.149,96, anexando documentos.
O INSS apresentou contestação, alegando ter se operado a prescrição. Discorreu sobre as normas concernentes à consignação em pagamento, com descontos em benefícios previdenciários. Disse não terem sido preenchidos os requisitos para sua responsabilização.
O Banco Pan apresentou contestação, argumentando faltar interesse processual à autora; a peça inicial seria inepta por ausência de apresentação de comprovante de residência válido e dado ter sido encartado instrumento de procuração vaga. Sustentou a ocorrência de prescrição e defendeu a validade do negócio jurídico, por conta da anuência da autora e a realização de depósito do valor contraído em sua conta bancária.
A autora apresentou réplica, requerendo a promoção de diligência grafotécnica. Os autos vieram conclusos para prolação de sentença.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. C
ompetência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a autora endereçou sua pretensão ao INSS, autarquia federal criada com força na lei n. 8.029/1990, art. 17. Logo, aplica-se ao caso o art. 109, I, CF/1988.
2.2. Submissão do caso aos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....)
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico. O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos na lei 14.358/2022, atendendo ao art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário da autora, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Atente-se ainda para a seguinte deliberação:
"Conforme a Jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, nem a complexidade da causa, nem a necessidade de produção de prova pericial afastam a competência dos Juizados Especiais Federais.
Ocorre que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta para aquelas causas cujo valor seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ressalvadas as exceções previstas na Lei nº 10.259/2001. Como a complexidade da causa e a necessidade de prova pericial não estão entre as exceções arroladas na lei, descabe afastar a competência dos Juizados Especiais com base em quaisquer dessas duas causas
."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50161052320214047100 RS 5016105-23.2021.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 16/12/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
O conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo do ingresso em Juízo, conforme
decreto 12.342, de 30 de dezembro de 2024
,
o que atende ao art. 3,
caput,
da lei n. 10.259/2001. Ademais, cuida-se de
pedido condenatório
, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. RECONHEÇO, pois, a competência dos Juizados Especiais para a tramitação dessa demanda.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
Cuidando-se de pedido de reparação de danos, aplica-se ao caso o art. 53, IV, "a", CPC, apontando como competente o Juízo do local em que tenham sido praticados os atos apontados como causadores dos alegados danos. Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Na espécie, a parte autora endereçou sua pretensão ao INSS,
autarquia federal criada por força da lei n. 8.029/1990, art. 17
, de modo que referido entendimento se aplica. Acrescento que o art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001.
Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção, na forma do art. 65, CPC e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão do caso ao presente Juízo:
Dentre as unidades desta Subseção de Curitiba, o processo restou distribuído perante este Juízo Substituto da 11.VF, por conta de sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição/88.
2.5. Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta.
2.6. Respeito à coisa julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.7. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne
bis
in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.9
. Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. . Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.10. Legitimidade das partes - caso em exame:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a parte autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, os seu benefício previdenciário estaria sendo alvo de descontos indevidos. Ela deduziu pretensão nome próprio, na defesa de interesse próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15.
Por seu turno, o INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios em consignação de pagamentos, no âmbito de prestações previdenciárias. Segundo a peça inicial, a autarquia teria sido descuidada ao promover aludidos descontos mensais, mediante averbação de contrato que a autora disse não ter celebrado.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
Acrescento que o Banco figura como demandado no presente processo, dada a alegação - formulada pelo autor na peça inicial - de que referida instituição financeira teria sido destinatária dos desbastes, no benefício previdenciário, impugnados nesta causa. Saber se a pretensão procede no que toca à mencionada instituição financeira é questão a ser aferida com exame de mérito.
2.11. Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.12. Litisconsórcio - caso em exame:
No presente caso, não diviso um contexto de litisconsórcio necessário, a ensejar que a parte autora enderece sua pretensão em face de quem ainda não figure como litigante, de modo a convocá-lo para a demanda. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora não atingirá diretamente a esfera de terceiros, o que registro para os fins do art. 506, CPC.
2.13. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo
Abelha
.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.14. Interesse processual - considerações gerais:
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para que haja efetivo império da lei, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de
tutela
jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a ação declaratória:
"Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.15. Interesse processual - caso em exame:
No que toca a esse exame de ofício, conforme art. 485, §3, CPC -, a autora atendeu aludidos requisitos. Eventual acolhimento da pretensão lhe será útil; a medida revela-se necessária para a otimização do processo administrativo de titulação; por fim, o processo em causa é adequado ao fim visado. Logo, o art. 17, CPC, restou satisfeito. Não há maiores sinais de que a pretensão do requerente seria satisfeita no âmbito administrativo.
Ademais, o exaurimento do debate, no âmbito administrativo, não é condição para a deflagração de demandas como a presente, em juízo. O requerente insurge-se justamente contra a demora no procedimento de titulação, de modo que não se pode condicionar a deflagração desse processo ao aguardo da solução da causa no âmbito extrajudicial.
2.16. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.17. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a autora atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão - obtenção do dobro do valor descontado + reparação de danos morais (valor da causa:
R$ 12.149,96
).
2.18. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira: "
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, atualmente definido em
R$ 7.507,49
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF Nº 26, de 10 de janeiro de 2023.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.19. Gratuidade de justiça - eventual pedido de associação:
Quando se cuida, porém, pedido de gratuidade deduzido por pessoa jurídica, a presunção prevista no art. 99, §2º, CPC, não se aplica. Em tal caso, a entidade deve comprovar a situação de precariedade financeira.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO. SÚMULA 316/STJ. SINDICATO. JUSTIÇA GRATUITA. ESTADO DE POBREZA. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA, REFORMANDO O ACÓRDÃO RECORRIDO, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. "Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial" (Súmula 316/STJ). 2. "
Na linha da jurisprudência da Corte Especial, as pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza"
(EREsp 1.185.828/RS, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, Corte Especial, DJe 1º/7/11). 3. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, negar provimento ao agravo de instrumento do SINDISPREV/RS. ( EAg 1245766/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, julgado em 16/11/2011, DJe 27/04/2012)
SINDICATO. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE PROVA DA MISERABILIDADE. INSUFICIÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE POBREZA. I - As pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza. Precedentes: EREsp nº 1.185.828/RS, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, DJe de 01/07/2011 e AgRg no AgRg no REsp nº 1.153.751/RS, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 07/04/2011. II - Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 130.622/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 17/04/2012, DJe 08/05/2012) -
PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. SINDICATO. NÃO COMPROVAÇÃO DE MISERABILIDADE JURÍDICA. 1. "...as entidades sindicais possuem a função de representar os interesses coletivos da categoria ou individuais dos seus integrantes, perante as autoridades administrativas e judiciais, e em razão de terem revertidas a seus cofres as mensalidades arrecadadas de seus associados, formando fundos para o custeio de suas funções, entre as quais função de assistência judiciária. Assim, descabe a concessão da assistência judiciária gratuita, salvo se comprovada a necessidade do benefício" ( AgRg no REsp. 963.553/SC, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJU 07.03.2008 e REsp 876812 / RS, Relator (a): Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, DJe 01/12/2008). No mesmo sentido, vejam-se os seguintes julgados, proferidos por esta e. Corte: AC 200734000228892, Segunda Turma, Desembargador Federal Francisco De Assis Betti, e-DJF1, Data: 02/04/2009, Página: 194. 2. É firme o entendimento dos Tribunais pátrios que os sindicatos e associações fazem jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, mediante comprovação da necessidade do benefício. 3. Na hipótese dos autos, verifica-se que pressuposto fático necessário à avaliação e acolhimento do pedido, qual seja, a miserabilidade jurídica, não foi atendido pelo apelante. 4. Apelação improvida. (AC 2008.38.00.009635-4/MG, Rel. Desembargadora Federal Ângela Catão, Primeira Turma, e-DJF1 p.46 de 18/01/2012)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. REVISÃO GERAL ANUAL DE REMUNERAÇÃO. ART. 37, X, DA CF/88, COM A REDAÇÃO DA EC 19/98. LEI 10.697/03. VANTAGEM PECUNIÁRIA INDIVIDUAL. LEI 10.698/03. CONCESSÃO DE REAJUSTE SALARIAL PELO ÍNDICE DE 14,23%. AUSÊNCIA DE DIREITO. PRECEDENTES. JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDA. AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO NÃO PROVIDOS. 1. "Somente pode ser deferido o pedido de assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica sem fins lucrativos quando na defesa de seus próprios direitos" (TRF-1ª Região, AG 0037923-22.2005.4.01.0000/BA, Segunda Turma, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, DJ 8.7.2010), situação inocorrente na espécie, já que o Sindicato autor atua na defesa de interesse de seus filiados. "Ao sindicato, pessoa jurídica de direito privado, independentemente de ter fins lucrativos, impõe-se o ônus de comprovar a insuficiência de recursos financeiros para arcar com as custas do processo para que lhe seja deferido o benefício da assistência judiciária gratuita" (TRF-1ª Região, AGA 0075250-59.2009.4.01.0000/DF, Primeira Turma, acórdão de minha relatoria, DJ 6.7.2010), o que também não se verifica nos autos. (...) 4. Apelação a que se nega provimento. (AC 2008.38.00.033486-0/MG, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Primeira Turma, e-DJF1 p.323 de 25/11/2011)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. JUSTIÇA GRATUITA. DEMONSTRAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o benefício da justiça gratuita desafia a demonstração da impossibilidade de pagar as custas e despesas do processo, mesmo quando se tratar de pessoa jurídica sem fins lucrativos na qualidade de entidade beneficente de assistência social
. 2. No caso em testilha, a associação não carreou aos autos qualquer documento hábil a demonstrar a hipossuficiência. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento. (TRF-1 - AGTAG: 00268691020154010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY, Data de Julgamento: 27/04/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: PJe 09/05/2022 PAG PJe 09/05/2022 PAG)
Assim, segundo entendimento consolidado dos Tribunais (
súmula 481, Superior Tribunal de Justiça
), quando em causa pedidos de gratuidade de justiça, deduzido por pessoa jurídica - com ou sem escopo lucrativo - a situação de precariedade econômica deve ser comprovada. Eventual condição de entidade filantrópica não exonera a entidade, segundo os Tribunais, da comprovação das dificuldades financeiras.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS PRESTADORA DE SERVIÇOS HOSPITALARES. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 51 DA LEI N. 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. EXIGÊNCIA DE SE TRATAR DE ENTIDADE FILANTRÓPICA OU SEM FINS LUCRATIVOS DESTINADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À PESSOA IDOSA.
1. Segundo o art. 98 do CPC, cabe às pessoas jurídicas, inclusive as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos, demonstrar sua hipossuficiência financeira para que sejam beneficiárias da justiça gratuita. Isso porque, embora não persigam o lucro, este pode ser auferido na atividade desenvolvida pela instituição e, assim, não se justifica o afastamento do dever de arcar com os custos da atividade judiciária. 2.
Como exceção à regra, o art. 51 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) elencou situação específica de gratuidade processual para as entidades beneficentes ou sem fins lucrativos que prestem serviço à pessoa idosa, revelando especial cuidado do legislador com a garantia da higidez financeira das referidas instituições
. 3. Assim, não havendo, no art. 51 do Estatuto do Idoso, referência à hipossuficiência financeira da entidade requerente, cabe ao intérprete verificar somente o seu caráter filantrópico e a natureza do público por ela atendido. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.742.251/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022.)
2.20. Gratuidade - pedido da parte autora:
No que toca à parte autora, a solução é distinta, porquanto a legislação veiculou uma presunção relativa, decorrente da subscrição de termo de hipossuficiência, conforme art. 99, §2, CPC.
Cabe à parte demandada infirmar aludida presunção, apresentando comprovantes de que o demandante tenha rendimentos mensais superiores ao teto dos benefícios do INSS. No caso, aludida prova não foi encartada nos autos, de modo que a autora faz jus à gratuidade de justiça
.
A medida surte reduzidos efeitos, porém, no rito dos Juizados, em primeira instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995.
2.21. Prescrição - considerações gerais:
Registro que o
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da
actio nata
, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, F. C. Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.22.
Prescrição
de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito:
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do
fundo de direito
(art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
Atente-se também para a distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescriçãocontinua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
. Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
2.23.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso;
superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.24. Prescrição
- situação em exame:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à prescrição quinquenal, prevista no art. 1º, do
decreto 20.910, de 1932
. O prazo de 05 anos deve ser computado a partir da data em que o autor tenha tomado conhecimento da existência de descontos em seu benefício previdenciário. No curso de eventual processo administrativo, o cômputo da prescrição resta suspenso - art. 4 do decreto 20.910/32. Não se operou a prescrição de fundo de direito.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROGRESSÃO FUNCIONAL HORIZONTAL. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DO DIREITO PELA ADMINISTRAÇÃO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA 85/STJ. SÚMULA 568/STJ.
No caso dos autos, não se discute violação do fundo de direito, mas sim o não pagamento de valores decorrentes de obrigação de trato sucessivo. Isso porque a servidora, ao não ser beneficiada com a progressão funcional garantida na legislação municipal, vê caracterizada uma omissão da Administração, renovada mês a mês, uma vez que não houve nenhum ato concreto negando o direito, mas uma inadimplência em relação jurídica de trato sucessivo
. Logo, somente as parcelas vencidas há mais de 5 anos da propositura da ação devem ser consideradas prescritas nos termos da Súmula 85 do STJ. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 875628 MG 2016/0054585-5, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/08/2016, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2016)
No caso, portanto, a pretensão do(a) demandante não foi atingida pela prescrição, como se infere dos documentos encartados no movimento-1. O termo inicial do cômputo da prescrição recai na data em que o autor tenha tomado conhecimento da alegada fraude. No curso de eventual arguição penal, o cômputo da prescrição resta suspenso (art. 200, Código Civil). A suspensão também se dá no curso do processo administrativo em cujo âmbito a pretensão da parte autora tenha sido discutida.
2.25. Eventual caducidade:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso, no que toca à relação mantida com o INSS,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais.
2.26. Eventual
decadência
- aplicação do CDC:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial)
(...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
No caso em exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.27.
Cogitada aplicação do regime consumerista ao caso:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses. Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 -
O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 - Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso.
Tudo conjugado, o CDC não se aplica ao caso, eis que a relação entre a demandante e a associação é de natureza civil, não configurando a venda de produtos ou prestação de serviços no mercado. Tampouco incide na relação entre o autor e o INSS, eis que regrado pelo direito administrativo em sentido estrito, conforme art. 37, Constituição
.
2.28. Considerações gerais sobre o instituto do contrato:
O contrato é projeção da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas que tenham sido avençadas. Em caso de descumprimento, eventuais cláusulas penais - se pactuadas - podem ser invocadas como meios de dissuasão do inadimplemento.
É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade das avenças, que os seus resultados sejam tidos em conta (por exemplo, isso se dá com a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51, CDC/1990 e arts. 478-480, CC/2002).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, Código Civil/2002.
Como explicita Judith Martins-Costa,
"
A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado
."
(Judith Martins-Costa.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.29. Funcionalização dos contratos:
Logo, durante muito tempo, um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na manifestação da vontade, promovida ao tempo da sua celebração. Em período mais recente, porém, o Estado tem empregado os vínculos negociais com meio para implementação de valores e interesses coletivos, promovendo significativa ingerência no seu meio.
É o que se infere da regulamentação dos contratos de locação, promovida por meio da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991; por meio dos contratos de seguro (lei 15.040, de 9 de dezembro de 2024); contratos de prestação de serviços educaionais (lei 9.870, de 23 de novembro de 1999) e assim por diante. Isso implica a mencionada funcionalização dos contratos, que deixam de serem instrumentos exclusivamente privados, versando sobre os interesses das partes diretamente afetadas, para se converterem em instrumentos para implementação de vetores de relevo coletivo.
Sem dúvida que essa publicização dos contratos não pode ser promovida sem maiores cuidados, sob pena de comprometimento da autonomia da vontade e da livre iniciativa, fundamentos da ordem econômica - art. 170, Constituição Federal/88.
2.30. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.31. Eventuais
novações
contratuais:
Com cognição precária
, anoto que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
Assim, caso o(a) demandante tenha celebrado novações contratuais com a parte requerida, isso não impedirá a revisão da avença, observados os limites da pretensão deduzida em juízo.
2.32. Eventuais contratos bilaterais:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.33. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.34. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.35. Eventual
simulacro
de negociação:
Eventual emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito
implica a própria ausência do pacto
. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.36.
Liberdade de associação:
Quando em causa descontos a favor de associações, deve-se atentar para a garantia do art. 5º, XX, CF:
"
Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado
."
No dizer de Ingo W. Sarlet,
"A liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa, incluindo, além das cooperativas (expressamente contempladas pelo texto constitucional), as associações comerciais, de natureza cultural, esportiva etc., não importando a nomenclatura, de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade."
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Curso de direito constitucional.
3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 520).
Ainda segundo Sarlet,
"Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação, mais precisamente, da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais (p.ex., Conselhos de Medicina, Odontologia, Engenharia, Advogados etc.), mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é a de que a associação exerça uma função pública, para cujo funcionamento a filiação constitui exigência."
(SARLET, Ingo Wolfgang
et al
.
Obra citada,
p. 526).
Logo, a associação é projeção de um direito potestativo: a escolha de se vincular a uma agremiação, o que encontra paralelo no direito de desvincular-se, sendo o caso.
2.37.
Eventual contrato de cartão de crédito consignado:
Sabe-se, ademais, que o contrato de administração de cartão de crédito está orientado a facilitar as transações comerciais, antecipando-se renda futura. Com isso, os sujeitos podem parcelar suas compras, celebrar transações internacionais e consolidar pagamentos.
Como diz Efing,
"
Utilizado como uma forma de facilitar o funcionamento de operações de natureza comercial, o cartão de crédito encerra em seu conteúdo a articulação de três peças fundamentais concernentes às relações levadas a efeito em sua dinâmica funcional
. Tais peças, reconhecidas como pessoas integrantes do sistema de cartões de crédito, na doutrina recebem, cada qual, sua respectiva denominação: emissor, titular do cartão e fornecedor. O emissor, cumprindo com a promessa de intermediar a relação de compra e venda entre o titular do cartão de crédito e o fornecedor, aparece como uma pessoa jurídica dedicada à atividade financeira. No âmbito do cartão de crédito, o emissor facilita a venda ao titular, emitindo o cartão. Esse ato, portanto, credencia o portador (titular do cartão de crédito) à aquisição de mercadorias e serviços junto aos fornecedores afiliados."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. tópico 6.7.).
Acrescente-se que,
"de modo contrário do que se pode imaginar, o titular beneficiário do cartão de crédito, se dele fizer uso para adquirir produtos ou serviços junto aos fornecedores, não se responsabiliza pelo pagamento frente aos fornecedores. É ao emissor do cartão que se atribui a responsabilidade de pagar aos fornecedores o montante deliberado pelo usuário do cartão, vindo posteriormente a ser reembolsado pelo usuário.
O contrato de cartão de crédito autoriza ao consumidor titular do cartão efetuar pagamentos com o limite de crédito aberto pelo fornecedor emissor, podendo o consumidor restituir ao emissor a importância paga em determinada data aprazada ou parceladamente, mediante, neste caso, o pagamento de juros decorrentes do crédito cedido
."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Desse modo, o contrato de cartão de crédito é celebrado entre a instituição administradora e o(a) interessado(a). A instituição se obriga a lhe conceder crédito, encaminhando-lhe faturas periódicas para pagamento, ao tempo em que o tomador do empréstimo se obrigada a reembolsar o valor emprestado, com os juros contratados, além de se obrigar a pagar taxas administrativas decorrente do uso do cartão. A administradora do cartão torna0-se, assim, uma intermediária na relação entre o usuário e as empresas que tenham aceitado aludido instrumento para pagamento de seus produtos e bens. Segundo súmula 283, STJ, tais entidades são equiparadas a instituições financeiros, muito embora não criem "moeda escritural" - o que ocorre corriqueiramente com bancos, ao receberem recursos em depósito e repassarem a tomadores de empréstimo. Isso pode ensejar a aplicação da
súmula 596, STF, por conta da conjugação do decreto 22.626/1933 com a lei n. 4.595/1964
.
Destaco que
"
cabe ao consumidor o pagamento dos débitos por ele contraídos com a utilização do cartão, obrigando-se ao pagamento da fatura. Todavia, não raro nas faturas de cartão de crédito constam valores indevidamente lançados, bem como são comuns as cláusulas abusivas nos contratos de cartão de crédito
. Podem ser encontradas, entre outras, as seguintes cláusulas: outorga de poderes para, junto à instituição financeira de escolha do emissor fornecedor, por conta do consumidor, negociar e obter crédito; bem como poderes para assinar o aludido contrato de financiamento, abrir conta-corrente em banco, assinar títulos representativos do débito do consumidor, inclusive notas promissórias, acertar prazos, juros, comissões e encargos; em caso de perda, furto ou roubo do cartão de crédito, mesmo que este tenha sido cancelado automaticamente, responderá o consumidor por débitos oriundos do mau uso do cartão decorrente da perda, furto ou roubo. Tais cláusulas, inseridas no contrato de adesão, ao desobrigarem o emissor fornecedor e colocarem o consumidor em situação excessivamente desvantajosa, são nulas de pleno direito, por afrontarem o sistema de proteção do consumidor."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Ademais, também é importante ter em conta que,
"
atualmente pode-se aderir a um contrato de cartão de crédito enquanto se abastece um automóvel num posto de serviço e revenda de combustíveis, por exemplo, sendo que nesta e em outras situações semelhantes o consumidor sequer é esclarecido das condições básicas do contrato, não chegando a analisar suas cláusulas.
O consumidor termina por assinar a proposta para a contratação do cartão de crédito e vem a receber pelo correio a confirmação da contratação sem, muitas vezes, receber da instituição financeira ou administradora as informações e esclarecimentos minimamente necessários ao suficiente cumprimento do dever de informação."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Quanto aos requisitos de validade do cartão, registro:
"a) Requisitos subjetivos – Em relação ao titular, este poderá ser pessoa física ou jurídica. Sendo pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica, deve funcionar regularmente, ou seja, deverá ter sido constituída e funcionar de acordo com a Lei. Uma sociedade de fato não poderá ser titular de cartão de crédito. Apenas seus sócios poderão sê-lo.
Quanto ao emissor, deverá ser pessoa jurídica autorizada a emitir e administrar cartões de crédito. Pode ser instituição financeira ou não e servirá de intermediário entre o titular e os fornecedores, para que se opere entre eles a compra e venda de bens ou serviços
.
Por fim, o fornecedor poderá ser pessoa física ou jurídica, credenciada junto ao emissor, para oferecer seus bens ou serviços aos titulares do cartão. Se pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica deverá funcionar dentro dos parâmetros legais.
b) Requisitos objetivos –
O objeto do contrato é, em última instância, o financia- mento da aquisição de bens e/ou serviços, que deverão ser possíveis tanto do ponto de vista material quanto jurídico. Não se pode comprar um lugar no céu com cartão, nem tampouco cocaína, pelo menos aqui no Brasil
.
c) Requisitos formais – Quanto à forma, já vimos que o contrato de cartão de crédito é consensual, em respeito ao princípio do consensualismo. Na prática, porém, é sempre celebrado por escrito, sendo tipicamente de adesão." (FIUZA, César.
Direito civil:
curso completo. SP: SP. 2015).
2.38. Contrato de mútuo feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrto, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.).
2.40.
Consignação em pagamento - desconto em folha:
Deve-se ter em conta, ademais, o
art. 115, lei n. 8.213
, de 1991, com a redação dada pela lei nº 13.846, de 2019, ao preconizar que podem ser desbastados dos benefícios pagos pelo INSS os valores pagos a maior do que o devido.
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II -
pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento
;
(...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Quando em causa consignação em pagamento de contratos de mútuo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc - comprometem a validade da averbação.
Desse modo, sempre que evidenciados vícios no alegado negócio jurídico, o Poder Judiciário deverá assegurar o retorno ao
status quo ante,
o que implica a restituição ao segurado dos valores descontados indevidamente no seu benefício previdenciário. Caso tenham sido depositados valores indevidos na conta do pretenso mutuário, a quantia deverá ser restituída ao agente financeira, na forma do art. 884, Código Civil/2002 e art. 169, Código Penal, exceção feita aos casos em que o valor tenha sido depositado sem conhecimento do segurado, tendo sido gasto com boa-fé, sem perceber o equívoco cometido.
Atente-se para a lógica dos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II -
Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração
. III - Recurso Especial não provido.
(REsp 1550569/SC, STJ, 1ª Turma, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 18-05-2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1.
Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido
.
(REsp 1553521/CE, STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02-02-2016)
2.41. Requisitos da responsabilização civil - exame precário:
Como sabido, o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - isto é, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico. O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade econômica, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização.
Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.42. Responsabilização estatal por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Por conseguinte, em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.43. Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.44. Reparação de danos morais - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro,
"dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial."
(PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos,
"
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano
. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo,
"
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo,
"conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é consequência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo
. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Dano moral indenizável.
4ª ed. rev. SP: RT, 2.003, p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da
responsabilidade
civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa vênia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal.
Reporto-me aos seguintes julgados:
".... I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
"Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo." STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.45.
Pagamento do
dobro
descontado:
Registro que o CDC não se aplica à relação travada entre o autor e o INSS, dado não serem aplicáveis ao caso o art. 3º e 22, da lei n. 8.078/1990. Note-se que não está em debate neste processo eventual prestação de serviço público remunerado por meio de tarifas. Tanto por isso, não se aplica ao conflito havido entre o autor e o INSS o disposto no art. 42, CDC, que preconiza o direito do consumidor em receber o dobro do que porventura ele tenha pago indevidamente.
Em princípio, mesmo que se supusesse a aplicação do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, ao presente caso, tem-se que
"A lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de queo consumidor tenha pago.
Isto é, para ter direito a repetir o dobro, é preciso que a cobrança seja indevida e que tenha havido pagamento pelo consumidor. A hipótese legal soa estranha, uma vez que não parece normal que alguém que não deva pague novamente
. Mas os pagamentos em função de cobrança indevida não são raros."
(RIZZATTO NUNES.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 544)
Atente-se para os seguintes julgados, versando sobre o alcance do referido art. 42, CDC:
"(...)
Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor
." (RESP 200500278731, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:06/12/2012 ..DTPB:.)
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE E O RECURSO NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE ANTE O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. I - Na decisão agravada, além de entender que o recorrente não teria logrado demonstrar de plano como o aresto hostilizado teria malferido os artigos elencados na peça recursal, entendeu-se que tais dispositivos não teriam sido devidamente prequestionados, o que ensejou a incidência da Súmula nº 282/STF. Desse modo, não infirmado este último fundamento, o qual é autônomo e suficiente para manter o julgado quanto ao ponto, aplica-se a Súmula nº 283 do STF. II -
Esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que, somente quando caracterizada a má-fé na cobrança indevida, é cabível a aplicação do art. 42 do CPC (restituição em
dobro
do valor pago indevidamente)
. Precedentes: AgRg no REsp nº 1.245.373/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011; REsp nº 1.250.314/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 10/06/2011; REsp nº 1.231.803/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 31/03/2011. III - Tendo o Tribunal de origem entendido que não se havia comprovado má-fé na conduta da ora recorrida, forçoso reconhecer que, para rever o juízo ordinário acerca da ausência da má-fé, na espécie, se mostra indispensável a análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV - Agravo regimental improvido. ..EMEN:(AGRESP 201102817155, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:09/10/2012 ..DTPB:.)
Tampouco se poderia aplicar ao caso o art. 940 e 941, do Código Civil, de 2002, alvo dos lúcidos comentários de Maria Helena Diniz como segue:
"Responsabilidade do demandante por débito já solvido: O artigo sub examine trata do caso do excesso de pedido, ou seja, do re plus petitur (Revista do Direito, 59:593, RT, 804:189, 799:363), com o escopo de impedir que se cobre dívida já paga, e
só será aplicável mediante prova da má-fé do credor
, ante a gravidade da penalidade que impõe.
Assim, quem cobrar judicialmente dívida já paga, no todo ou em parge, sem ressalvar o
quantum recebido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.
Responsabilidade por cobrança de quantia indevida - Se o credor vive a pedir mais do que lhe for devido, deverá pagar ao devedor o equivalente ao dobro do que dele exigir
. (...)
Desistência da ação. Se o autor desistir da ação antes da contestação ad lide, as penas dos arts. 939 e 940 não lhe serão aplicadas, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Isto porque, com a desistência, o autor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-se do que fez. Todavia, mesmo assim, deverá pagar as custas processuais do processo intentado, embora não as pague em dobro." (DINIZ, Maria Helena.
Código Civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 702-704. Omiti parte do texto)
Vê-se que a sanção do art. 940, Código Civil/2002, somente seria cabível quando demonstrada a má-fé daquele que cobrou dívida já adimplida. Semelhante é a orientação jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA EM EXCESSO. ARTIGO 940 DO CC/2002. MÁ-FÉ DO CREDOR. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2.
Consoante a jurisprudência desta Corte, somente quando comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida é que ela ficará obrigada a devolver em dobro o que cobrou em excesso
. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 4. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou os elementos fáticos dos autos para afastar a litigância de má-fé quanto à cobrança do valor em excesso e para distribuir os encargos sucumbenciais. Dessa forma, inviável o conhecimento do recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201101253069, ANTONIO CARLOS FERREIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:31/10/2014 ..DTPB:.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na fixação da reparação por danos morais leva-se em conta o critério de razoabilidade, tendo em vista as circunstâncias da causa. 2.
Para que haja o pagamento em dobro da dívida já paga (art. 940 do Código Civil) é necessária comprovação de má-fé do credor
. Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (AC 00422684520074013400, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:27/05/2013 PAGINA:829.)
Registro, d'outro tanto, que o Superior Tribunal de Justiça
consolidou sua jurisprudência em sentido distinto
, como registro abaixo:
"CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2.
Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo
. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021.).Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.modulação dos efeitos". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão" .5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12.2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021) .6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS.Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante.CONCLUSÃO 8. Embargos de Divergência não providos."(STJ - EAREsp: 1501756 SC 2019/0134650-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)
Note-se, porém, que o STJ modulou os efeitos desta decisão:
"A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "
o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
."
A publicação do acórdão
EAREsp 600.663/RS
, da Corte Especial do STJ -
DJe de 30.3.2021
.
Ainda nesse sentido, leia-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL. COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS RECONHECIDA EM AÇÃO PRETÉRITA. PRETENDIDO O AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. ACOLHIMENTO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE QUE A RESTITUIÇÃO EM DOBRO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE NO ÂMBITO DE RELAÇÃO CONSUMERISTA DISPENSA A COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DA CORTE CIDADÃ. TESE JURÍDICA QUE SE APLICA SOMENTE ÀS COBRANÇAS REALIZADAS APÓS A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NAQUELE TRIBUNAL. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. 24. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo,
fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.(...) 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados
. 27.
Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
.TESE FINAL (...) 29. Impõe-se modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a [...] (TJ-SC - APL: 03007478320178240082, Relator: Carlos Roberto da Silva, Data de Julgamento: 01/12/2022, Sétima Câmara de Direito Civil)
Assim, a nova orientação jurisprudencial se aplica quanto às cobranças indevidas
promovidas a partir de 30 de março de 2021
.
2.46.
Eventual aplicação do
art. 935
, Código Civil:
Sabe-se que há diferença entre injusto administrativo e crime. Há distintos graus de responsabilização jurídica, de modo que - mesmo quando afastada a suspeita criminal - pode ainda subsistir lastro para a aplicação de sanções administrativas ou de outra ordem
.
Mal comparando, alguém pode ser absolvido da acusação da prática de crime contra a ordem tributária e, ainda assim, ser alvo de multas fiscais, por conta do disposto no art. 136 do Código Tributário Nacional, por exemplo. Também é certo, todavia, que o Estado não pode se contradizer. Não há como o Estado imputar ao sujeito a prática de um fato se, com cognição
exaustiva
, a própria Administração Pública reputa que tal conduta não teria ocorrido ou que o sujeito em questão não tenha sido seu autor.
Deve-se atentar, tanto por isso, para a redação do art. 935, CC:
"A responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal
."
Cumpre não perder de vista que a jurisdição criminal é infensa a consensos probatórios e a ficções jurídicas
contra libertatem
. Isso significa que, como regra, o exame probatório promovido na temática penal é mais denso do que aquele levado a efeito em outros âmbitos. Sempre que a jurisdição criminal sustentar, em decisão transitada em julgado, que o fato imputado não teria ocorrido ou que o sujeito não o teria praticado, isso deve ser respeitado pelo Estado em todas as suas esferas de atuação, para distintos efeitos de responsabilização civil/administrativa.
Essa mesma solução não parece se aplicar, todavia, quando a sentença absolutória, prolatada pelo juízo criminal, tenha sido calcada no reconhecimento de nulidades ou quando estiver fundada em
non liquet
(ou seja,
in dubio pro reo
). Em tais casos, o juízo de imputação administrativa não fica inibido, eis que depende de graus menores de convicção probatória. Com idêntica lógica, se o Ministério Público houver promovido o arquivamento de um inquérito policial, atestando, de forma peremptória, ter sido comprovado que o aventado fato ilícito não teria ocorrido ou que, quando ocorrido, que o suspeito não teria sido seu autor, então aludida promoção de arquivamento, quando acolhida judicialmente, surtirá efeitos transcendentes, atingindo também processos cíveis, tributários, administrativos. Caso, porém, a promoção de arquivamento houver sido fundada em ausência de justa causa para uma arguição penal, por ausência de provas suficientes, então tal medida não vinculará as demais esferas do discurso jurídico, conforme art. 935, CC/2002.
Enfim, não se invocar essa transposição automática de efeitos, do sistema de justiça criminal para a jurisdição cível, quando uma apuração criminal tenha sido arquivada por ausência de justa causa para a deflagração de uma arguição criminal, diante do que preconiza o art. 18, CPP e diante da lógica da conhecida súmula 524, STF, em leitura
a contrario sensu.
Atente-se para a lógica da argumentação de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves sobre o alcance do art 935, Código Civil, ainda que tendo em conta o processo de improbidade administrativa:
"Os atos ilícitos praticados pelo agente público podem acarretar a sua responsabilidade penal, civil e administrativa, sendo cada qual perquirida perante o órgão competente.
Conforme fora visto, a Lei 8.429/1992 é expressa ao dispor que as penalidades cominadas em seu art. 12 serão aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. Esse preceito, de natureza eminentemente material, visa a dirimir quaisquer dúvidas no sentido de que a aplicação de determinada sanção em uma seara não agasta as sanções passíveis de aplicação nas demais.
Ainda que única seja a conduta, poderá o agente sofrer sanções de natureza penal, desde que haja a integral subsunção de seu ato a determinada norma incriminadora; administrativa, em restando configurado algum ilícito dessa natureza; e civil, que apresenta natureza supletiva, podendo importar na complementação do ressarcimento dos danos causados ao Poder Público, política etc.
No que concerne às sanções passíveis de aplicação ao ímprobo, a independência entre as instâncias se apresenta absoluta, mas é tão somente relativa quanto à possibilidade de interpenetração dos efeitos da decisão proferida em uma seara nas demais.
Em um primeiro plano, cumpre perquirir os efeitos da sentença penal em relação à persecução da conduta do agente nas esferas cível e administrativa. Sobre a correlação existente entre a actio civilis ex delicto e a responsabilidade penal, tema fecundamente estudado pela doutrina penal e perfeitamente aplicável à espécie, os vários sistemas legislativos podem ser ordenados em quatro grandes grupos: o da solidariedade, o da concussão , o da livre escolha e o da independência
.
Nos países que adotam a solidariedade, há duas ações diferentes, uma penal, outra civil, mas no mesmo processo e diante do mesmo juiz, o criminal. Na confusão, existe uma única ação, civil e penal ao mesmo tempo, possibilitando um direito amplo de pedir ao órgão jurisdicional a reparação por inteiro do malefício causado pelo crime, quer ao interesse geral, quer ao particular. No sistema da livre escolha é permitido cumular as duas ações no processo penal; é uma cumulação facultativa, aplicando-se o brocardo electa una via non datur recursus ad alteram. Por derradeiro, no sistema da independência, a ação civil somente pode ser proposta no juízo cível, concedendo-se a este a faculdade de suspender o curso do processo civil até o julgamento definitivo do criminal.
Realizado um breve resumo dos sistemas existentes, é possível afirmar, à luz do disposto nos arts. 935 do Código Civil de 2002, 110 do CPC/ 1974, 315 do CPC/2015 e 64 do CPP, que o ordenamento jurídico pátrio adotara, até o advento da Lei n. 11. 719/2008, o sistema da independência, de modo que as instâncias civil e penal permaneciam alijadas uma da outra
. Após a Lei n. 11.719/2008, que conferiu nova redação ao art. 387, IV, do CPP para dispor que o juiz, na sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", passamos a ter um sistema de independência com influxos de confusão. Falamos em influxos de confusão e não propriamente em confusão, por três razões básicas: (1) o ofendido pode pleitear a reparação na esfera cível paralelamente à tramitação do processo penal; (2ª) o juiz com competência criminal não julga, em linha de princípio, a lide civil, limitando-se a estabelecer um valor mínimo para a reparação do dano; e (3ª) a teor do art. 63, parágrafo único do CPP, poderá o ofendido promover a execução do "valor fixado nos termos e do inciso IV do caput do art. 387 deste Código,sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido", liquidação esta que será realizada pelo juízo cível.
Na medida em que o processo penal e o processo cível puderam tramitar juntos, terá o juízo cível a faculdade de suspender o processo cível sempre que tiver razões ponderáveis para tanto, sendo certo que esta faculdade deve ser exercida com cuidado e ponderação, pois o tempo, que atua de forma furtiva e eficaz, é um algoz incansável do tão sonhado ideal de Justiça, não sendo exagero afirmar que a concreção deste se distancia na mesma proporção em que aquele flui.
Por ser mera faculdade, não vislumbramos uma relação de prejudicialidade entre a ultimação do processo penal e o prosseguimento da ação civil e do procedimento administrativo que visam a perquirir a conduta do ímprobo, nada impedindo que estes sejam instaurados e encerrados antes daquele
. No entanto, em sendo julgada a pretensão deduzida na ação penal anteriormente às demais, fará ela coisa julgada nas esferas administrativa e cível sempre que reconhecerem: a) ter sido o ato praticado em circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal e arts. 65 e 386, VI, do CPP); b) a inexistência material do fato (arts. 66 e 386, I, do CPP); c) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, art. 935 do Código Civil de 2002 e art. 1.525 do Código Civil de 1916). Note-se que tais efeitos somente alcançam os fatos discutidos no processo, permanecendo a possibilidade de livre valoração em relação aos demais.
Em havendo absolvição por ausência de provas (art. 386, II e VII, do CPP) ou por não constituir o fato infração penal (386, III, do CPP), poderá a questão ser amplamente examinada nas esferas cível e administrativa. O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que sequer for deflagrada a ação penal, havendo o arquivamento do procedimento inquisitorial respectivo (art. 67, I, do CPP).
No caso de condenação criminal, tornar-se-á certa a obrigação de reparar o dano causado, servindo a sentença de título executivo judicial (art. 91 do CP, art. 584, II, do ACP/1974 e art. 515, VI, do CPC/2015).
Tratando-se de conduta que se subsuma a um tipo penal, mas que não configure ilícito administrativo (crimes não funcionais), por óbvio, a sentença absolutória, qualquer que seja sua fundamentação, sempre influirá na esfera administrativa, já que a competência para valorar os fatos era exclusiva do Poder Judiciário. Nos crimes não funcionais, considerados como tais aqueles dissociados dos deveres administrativos, quando a condenação importar na aplicação de pena privativa de liberdade superior a quatro anos, o agente, como efeito da condenação, perderá o cargo, a função ou mandato eletivo (art. 92, I, b, do CP); em se tratando de pena inferior a quatro anos, será ele normalmente afastado de suas atividades até o seu cumprimento. A depender do ilícito penal e do que dispuser o estatuto regente da categoria, a condenação criminal poderá caracterizar a incontinência de conduta ou o procedimento irregular de natureza grave motivadores da sanção de demissão
.
Ainda que a conduta não caracterize nenhum ilícito penal, entendemos que a decisão proferida pelo juízo cível ao apreciar o ato de improbidade, observadas as mesmas circunstâncias relativas à sentença penal, influirá na esfera administrativa.
Restando provada, verbi gratia, a inexistência do fato perante o Poder Judiciário, seria no mínimo insensato entender-se legítima uma penalidade aplicada em procedimento administrativo com base no mesmo fato. Seria injurídico entender que o fato não existe perante a Justiça, mas representa substrato adequado para embasar uma punição de ordem administrativa
.
Essa comunicabilidade entre as instâncias tem o seu alicerce no art. 5º, XXXV, da Constituição, o que garante o amplo acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito. No exemplo sugerido, a ilegalidade e a lesão ao direito do agente seriam flagrantes, pois qualquer punição pressupõe uma conduta em desacordo com as normas legais; inexistindo conduta e, ipso facto,motivo para a prática do ato administrativo, afigura-se ilegal a punição."(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco
.
Improbidade
administrativa.
7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 678-681)
A tanto convergem o art. 66, CPP, e o art. 126, da lei n. 8.112/1990. Em determinados casos, quando a questão criminal se constituir em tema prejudicial à apreciação da pretensão, deduzida no processo civil, isso pode dar ensejo à suspensão da demanda, na forma do art. 313, V, "a", Código de Processo Civil/15, podendo ensejar a suspensão da prescrição, caso os requisitos do art. 200, Código Civil, tenham sido atendidos.
Atente-se para o seguinte julgado:
"
(...) A turma julgadora da Câmara Criminal entendeu por bem em absolver o réu, fundamentando-se no brocardo in dubio pro reo.
Porém, na esfera cível é diferente. Como o próprio magistrado fundamentou em seu despacho de fis. 227 e 228, enquanto na esfera criminal está em jogo a liberdade do cidadão, na cível o que prevalece é o aspecto patrimonial
.
Na esfera cível, para que nasça a obrigação de reparar, necessário que estejam presentes pressupostos, a saber: a conduta, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquela e a culpa, sendo que os três primeiros são exigidos em toda forma de responsabilização civil, enquanto que na responsabilidade objetiva o elemento subjetivo se mostra dispensável - diante do que se convenciona nominar responsabilidade sem culpa.
Existe, portanto, independência das responsabilidades cível e criminal.' (e-STJ, fls. 361 ⁄ 365). Ao reconhecer a responsabilidade civil do agravante pelo acidente, a despeito da existência de decisão criminal absolutória, a Corte a quo decidiu em consonância com o jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, eis que a responsabilidade civil independe da criminal e o grau de culpa exigido em ambas a s esferas é diferente, somente existindo vinculação quando o provimento criminal afasta a existência do fato ou a autoria, o que não ocorreu no caso.
A título ilustrativo, confira-se os seguintes precedentes:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. PRODUÇÃO
DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL ATÉ A CONCLUSÃO DA AÇÃO PENAL. SÚMULA Nº 83 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
3. A responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal que, a despeito de reconhecer a culpa exclusiva da vítima pelo acidente, não ilide a autoria ou a existência do fato. 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1483715 SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO
, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.05.2015, DJe 15 05 2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7⁄STJ. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. EFEITOS. DECISÃO MANTIDA. (...) 2. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou a prova dos autos para concluir que o evento danoso decorreu de conduta
imprudente do ora agravante. Alterar tal conclusão demandaria
o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, a teor
do disposto na mencionada súmula.3.
É pacífico no âmbito desta Corte o entendimento de que,
devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos
. 4. Agravo regimental a que nega provimento." (AgRg no AREsp 518.502 SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
, QUARTA TURMA, julgado em 19.03.2015, DJe 27.03.2015)
(acórdão do TJ-MG, transcrito em decisão do STJ - AgRg no AREsp: 105683 MG 2011/0247041-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2015)
Por conta disso, eventual absolvição dos arguidos, no âmbito criminal, com lastro na premissa
in dubio pro libertatis,
não se transporta automaticamente para a seara cível, por conta das limitações do aludido art. 935, Código Civil/2002, ao versar sobre a independência relativa entre as esferas cível e penal.
2.48. Distribuição do
ônus
da prova:
Aplico ao caso,
no essencial
, a regra de distribuição do ônus da prova, prevista no art. 373, I e II, CPC/15. Conquanto haja natural assimetria entre a autora e a requerida - autarquia federal, com amplo suporte jurídico e corpo burocrático -, não houve maiores embaraços, na espécie, para que a autora apresentasse elementos probatórios sobre a narrativa dos fatos, promovida na sua petição inicial.
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
Como registrei acima, o CDC/90 não se aplica no que toca à relação entre a autora e a autarquia, demandada nessa causa. Atente-se, p.ex., para o fato de que, nesse âmbito, mesmo quando o requerido não apresenta resposta, sequer é possível aplicar os efeitos da revelia (art 345, CPC/15), dada a indisponibilidade do interesse público primário. Quanto ao INSS, não há como inverter o ônus probatório, com lastro no Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, também se revel incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.49. Inversão do ônus - autenticidade de assinaturas:
Registro, de toda sorte, que - quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
No caso em exame, conquanto não se cuide de alegado vínculo com instituição financeira, a mesma lógica se coloca. Note-se que é dado à associação exigir que a firma seja reconhecida em contratos e outros cuidados a fim de assegurar a autenticidade de quem subscreve o documento. Em caso de impugnação, cabe ao demandado aludido encargo probatório.
2.50. Juízos de abdução:
A distribuição do ônus da prova cuida de um critério de solução da causa, diante da eventual insuficiência da comprovação da veracidade de determinadas asserções. Na forma do art. 373, I, CPC/15, caso a parte autora tenha promovido a narrativa de um fato, apontado como causa da sua pretensão, e a veracidade dessa narrativa não tenha sido comprovada, a pretensão há de ser julgada improcedente. De modo semelhante, caso a parte requerida tenha alegado a ocorrência de um fato obstativo do acolhimento da pretensão da parte autora - por exemplo, causação do dano por um terceiro, desvinculado da sua atividade econômica -, e isso não seja provado, sua impugnação não poderá ser acolhida.
Algo diferente ocorre com os critérios de interpretação dos meios de prova. Nesse âmbito, tem-se em conta a forma como o Juízo deve apreciar os elementos probatórios veiculados nos autos, para fins de reconstrução histórica dos fatos narrados pelas partes
.
Como sabido, indício
"
é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo
"
(MOURA, Maria Thereza.
A prova por
indícios
no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 109). Tais sinais, fundamentando
juízos
de
abdução
, podem amparar um decreto condenatório; desde que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"
Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes
. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI,
Paolo.
A prova no processo penal italiano.
SP:RT, p. 58)
"Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado.
8ª ed., SP: RT, p. 514)
"
Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade
. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios? Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)." (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.
Princípios do processo penal:
entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113.
"
A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar
. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." (Pacelli de Oliveira,
Curso de processo penal,
6ª ed. Del Rey, p. 367).
"Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal.
SP: RT, 2.003, p. 307, grifei.
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema:
"
Uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação
."
(STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035, omiti o restante da ementa). Ademais,
"
Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado
."
(TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti parte da ementa).
Ainda nesse sentido,
"
Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer
."
(TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
Em princípio, cabe a quem alega o ônus da demonstração segura, ou seja, crível e filtrada racionalmente, tanto quanto possível, de que os argüidos teriam praticado, ao tempo reportado pela petição inicial, a conduta imputada, ainda que isso possa ser promovido por meio da conjugação de significativos e consistentes indícios da prática infracional. Sendo isso aplicável na temática processual penal, solução semelhante impõe-se também no âmbito da ação civil pública, com os contornos próprios ao processo civil.
2.51. Eventual apresentação de cópias de diálogos:
No que toca à cogitada apresentação de extratos de conversação mantida por correio eletrônico, telefone ou vídeo - reputo cuidar-se de projeção do precedente Magri - inquérito 657-2, STF. Ora, a Suprema Corte tem reconhecido a validade da gravação, por um dos interlocutores, do diálogo próprio:
"A alegação no sentido de que a prova é ilícita não tem procedência, dado que não ocorre, no caso, violação do sigilo de comunicações (CF, art. 5º, inc. XII), nem seria possível a afirmativa de que fora ela obtida por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI). Não há, ao que penso, ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. A alegação talvez pudesse encontrar ressonância no campo ético, não no âmbito do Direito." (STF, Inquérito n. 657-2, voto do Min. Carlos Mário Velloso)
"
Quanto à prova ilícita: tal como ponderou o ministro relator, dificilmente se encontrará na ordem jurídica reinante algo que nos autorizasse a ver como ilícita essa gravação de uma conversa a dois, por um dos interlocutores. É a ação do terceiro, é a interferência do terceiro - no grampeamento telefônico, na violação da correspondência alheia - que fere determinadas normas expressas na própria Carta da República
.
Quando, entretanto, um dos participantes da comunicação oral ou escrita entende de documentá-la de algum modo, ainda que na inconsciência da outra parte, isso não configura - em princípio - afronta à regra protetiva do sigilo.
O resultado pode variar entre a indiscrição inofensiva e a mais reprovável vilania; mas não há - aí - um ato ilícito. Admitiria que normas protetivas da privacidade, da estatura também constitucional, poderiam ser invocadas em repressão ao uso que um dos interlocutores queira fazer da carta ou da gravação do entendimento a dois, quando visa - por exemplo - a auferir lucro à custa da notoriedade da imagem alheia; um propósito bem diverso daquele de desencadear a ação da Justiça Pública." (STF, Inquérito 657-2, voto do Min. Francisco Rezek)
A Suprema Corte reiterou essas deliberações em outros casos, conforme segue:
"
Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime
-, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). HC indeferido."
(STF, HC 74.678-1/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 15.08.97).
"Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida." STF, HC 75.338-8/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 25.09.98
"Gravação de conversa. A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa. Precedente Inq. 657-2, Carlos Velloso. Conteúdo da gravação confirmado em Juízo. AGRRE improvido." STF, agravo regimental no recurso extraordinário n. 402.031-1/SP, rel. Min. Ellen Gracie, DJU 06.02.2004:
"A gravação de conversa entre dois interlocutores feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa." STF, agravo regimental no agravo de instrumento n. 503.617-7, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 04.03.2005.
Nesse mesmo sentido, leia-se o voto proferido pelo Min. Cezar Peluso ao julgar o
RE 40.717-8, STF
. Assim, em primeiro exame, a apresentação de extratos de tela de diálogos se revela adequada, mesmo que se parta da premissa de que não tenham sido promovidos diretamente pela autora; mas, por alguém pretensamente usando seu nome.
Ninguém pode invocar fato próprio em seu benefício (
non venire contra factum proprium
)
, de modo que a pessoa que porventura tenha se feito passar pela autora (em princípio, estelionato - consumado ou tentado - art. 171, CP) não pode invocar a seu favor privacidade oponível à real titular dos dados. Ademais, ao que parece, aludidos dados foram cedidos pela autora por pessoas que teriam mantido aludidas conversas, dando ensejo à aplicação do precedente Magri-STF.
2.52. Elementos de convicção - exame precário:
No caso em exame, o autor apresentou planilha indicando a margem para descontos consignados:
Indicou o histórico dos descontos:
Apresentou planilha indicando 59 descontos mensais de R$ 18,22.
No evento 20, o INSS apresentou cópia de despacho prolatado no processo administrativo de autos 00421.150462/2021-59. Juntou cópia da instrução normativa PRES/INSS n. 136, de 11 de agosto de 2022. Seguiu-se o dossiê previdenciário, indicando consignação bancária de R$ 18,22, código 216. O Banco Pan apresentou instrumento de contrato:
No movimento 22, o banco juntou ainda uma planilha evolutiva do mútuo feneratício. Anexou comprovante de transferência:
Esses são os elementos de convicção até o momento, o que examino com cognição não exaustiva.
2.53. Narrativas veiculadas nos autos:
A parte autora sustentou ter tomado conhecimento da ocorrência de descontos indevidos na sua prestação previdenciária. O INSS argumentou ter observado as regras concernentes à consignação em pagamento - art. 121, lei 8.213/1991. O banco argumentou ter celebrado contrato de mútuo com a demaandante, tendo promovido depósito do valor diretamente na conta da autora. A demandante sustentou não ter autorizado os descontos.
2.54. Normas que se cogitam aplicáveis ao caso:
Com cognição não exaustiva
, mencionei acima algumas normas suscetíveis de serem aplicadas ao caso no que diz respeito à promoção de descontos em benefícios previdenciários em razão de contratos ou de vinculação a associações. Tratei da questão alusiva à responsabilização civil dentre outros tópicos, todos com exame precário, ressalvando nova análise por época da prolação da sentença.
2.55.
Diligências probatórias:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que se revele conexa com o pedido e a causa de pedir deduzidos nos autos. Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido.
Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, CPC/15 ou do art. 420, parágrafo único, do CPC/73. Reporto-me ao art. 38, §2, da lei 9.784/99, que versa sobre o processo administrativo:
"
Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
."
2.56. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda.
2.57. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.58. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.59.
Eventual exame grafotécnico - considerações gerais:
O exame grafotécnico destina-se a aferir se determinado grafismo é compatível com aquela produzida por uma determinada pessoa.
Cuida-se, portanto, de um exame de autenticidade de determinados escritos ou mesmo desenhos. No seu âmbito, promove-se a análise - dentre outros tópicos - da carga da escrita, do grau de inclinação de determinados traços; velocidade do escrito; espaçamento entre letras e palavras; altra da palavra em relação às linhas de escrita; se a escrita é linear ou é angulada; a forma como determinadas letras são cortadas etc.
Para tanto, o perito/a perita deve promover a coleta do material gráfico a ser tido como verdadeiro - fornecido, por exemplo, pela parte autora, pela alegada vítima de um crime, por quem questiona um determinado contrato etc. -, para fins de confronto com o documento alvo de impugnação.
Em princípio, revela-se
"
imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada
."
(TJ-MT - APL: 00186724820158110002 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 07/11/2017). Assim,
"é imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada. Há o risco da prova pericial apresentar resultados imprecisos e ambíguos, o que ensejaria a realização de nova perícia.”
(TJMT, AI 126859/2014, de minha relatoria, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Publicado no DJE 12/12/2014)
Destaco, que em situação similar o Setor de Perícias de Polícia Federal já comunicou a este Juízo a inviabilidade de realização dos exames grafotécnicos sem a apresentação dos originais.
"(...)
Os documentos foram apresentados em forma de cópia. Os exames grafoscópicos devem ser preferencialmente realizados sobre as vias originais, pois em cópias as minúcias mais sutis da escrita não se encontram reproduzidas e o grau de certeza atingível nas conclusões é impactado negativamente – quanto menor a qualidade da cópia, menor o grau de certeza possível
. Em observância ao disposto na Orientação Técnica nº 15/2019-DITEC/PF, que padroniza os exames documentoscópicos no âmbito da Polícia Federal, como regra, os exames em cópias são realizados apenas quando a solicitação de exame declara explicitamente a inexistência ou indisponibilidade das vias originais (Art. 3º § 1º, Art. 8º parágrafo único).
6. A combinação dos dois problemas acima descritos inviabiliza a realização dos exames a partir do material ora apresentado.
7. Para que o exame seja viabilizado, é necessário providenciar: (...) [2] a via original do documento questionado, ou seja, o contrato apresentado no evento 8 (CONTR6). - autos 50370163620194047000).
2.60. Honorários
periciais
- gratuidade de Justiça:
O arbitramento de honorários periciais,
no regime da gratuidade de justiça
, no âmbito da Justiça Federeal, é regulamentado pela
Resolução n. 305
, de 07 de outubro de 2014, CJF. Por outro lado, tratando-se de perícia realizada perante a Justiça Federal e não se enquadrando na área de engenharia, contábil e ciências econômicas, o valor mínimo de R$ 62,13 e máximo de R$ 248,53.
Note-se que o limite de pagamento dos honorários periciais é do triplo do máximo, redundando em
R$ 745.59
, o que se revela insuficiente, em muitos casos, para remuneração do perito judicial, profissional liberal que atua sob regime de livre iniciativa.
Não há como o Juízo obrigar as partes a aceitarem eventual orçamento apresentado pelo(a) perito(a). Tampouco pode obrigaro o(a) perito(a) a promover a diligência probatória pelo valor ofertado pelas partes
.
Em princípio, aludido valor é aplicável à totalidade dos demandantes, conquanto se possa cogitar que - caso houvessem distribuído demandas autônomas, 01 autor por processo - cada um faria jus então à cota de até R$ 745,59. No mais das vezes, porém, a multiplicidade de demandantes não altera o limite inerente aos honorários sucumbenciais. E, ainda que assim não fosse, cogita-se que, no caso, os honorários superariam até mesmo o montante corresndente a R$ 745,59 multiplicado pelo número de requerentes.
Assim, há uma aparente dificuldade quanto ao custeio de eventual perícia. Isso não implica, por si, a inversão do ônus da prova, com registrei acima, por conta da adequada exegese do art. 373, §1, CPC/15
. Nâo há como o orçamento da Justiça Federal assumir encargos superiores ao mencionado. Isso não impede que os eventuais postulantes da diligência se predisponham a antecipar aludidos honorários periciais, caso se revelem suepriores ao limite acima detalhado.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento desta demanda e a sua submissão ao rito dos Juizados.
3.2. DESTACO que, no presente caso, não vislumbro um contexto de conexão processual, para fins de reunião e julgamento conjunto das demandas, conforme art. 55, §1, CPC/15 e leitura
a contrario sensu
235, Superior Tribunal de Justiça.
3.3. REGISTRO que não diviso sinais de desrespeito à garantia da coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição, art. 508, CPC), indicativos de eventual litispendência (art 337, §2, CPC), tampouco sendo caso de suspensão da tramitação da demanda - art. 313, CPC.
3.4. REPUTO que a partes estão legitimadas para a causa; que a peça inicial é apta e o(a) autor(a) possui interesse processual - art. 17, CPC.
3.5. ACRESCENTO que não diviso situação de litisconsórcio necessário na situação em exame, de modo a exigir a convocação de terceiros para comporem a relação processual - arts. 114, 115, 506, CPC/15.
3.6. SUBLINHO que o valor atribuído à causa se revela escorreito, em primeira análise eis que parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão da autora.
3.7. DESTACO ainda que a pretensão condenatória não foi atingida pela prescrição - art. 1. do decreto 20.910/32 - e que tampouco se operou a decadência do direito invocado na inicial.
3.8. DISCORRI acima, com cognição precária, sobre temas relacionados aos descontos em benefício previdenciários e sobre o intituto dos contratos, com suas consequências jurídicas.
3.9. REPUTO saneado o processo, quanto aos temas acima equacionados. Faculto manifestação às partes, para os fins do art. 357, §1, CPC, nos prazos abaixo detalhados, e quanto à indicação de eventuais diligências probatórias, como menciono tópicos abaixo. Prazo comum de 05 dias úteis, contados da intimação - arts. 219, 224, CPC.
3.10. ANOTO que não haverá estabilização quanto ao alcance das categorias jurídicas e equacionamento dos elementos de convicção, detalhads acima, eis que poderão ser revistas em sentença, não havendo preclusão
pro iudicato
quanto ao tema. Ressalvo, pois, nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
3.11. REGISTRO que cabe ao banco requerido o ônus de comprovar a autenticidade de assinaturas porventura lançadas em termos de associação da autora junto àquela entidade.
3.13. INTIMEM-SE as partes para, querendo, detalharem as diligências probatórias pertinentes e necessárias à solução da demanda. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.14. ANOTO que, caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar, no prazo de 15 dias, contados da intimação deste despacho, o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 34 da lei n. 9.099/95.
3.15. REGISTRO que, caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar - no prazo de 15 dias úteis, contados da intimação deste despacho - os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal.
3.16. VOLTEM-ME conclusos para complementar o saneamento ou, não sendo suscitadas outras objeções, tampouco requerida dilação probatória, para prolação de sentença - arts. 355 e 357, CPC/15.
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Processo nº 5041345-52.2023.4.04.7000
ID: 312812361
Tribunal: TRF4
Órgão: 14ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PETIçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5041345-52.2023.4.04.7000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCIANO NEI CESCONETTO
OAB/PR XXXXXX
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Petição - Comunicação Nº 5041345-52.2023.4.04.7000/PR
REQUERIDO
: MARCIO JOSE FERNANDES
ADVOGADO(A)
: Luciano Nei Cesconetto (OAB PR031655)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Trata-se de procedimento instaurado pa…
Petição - Comunicação Nº 5041345-52.2023.4.04.7000/PR
REQUERIDO
: MARCIO JOSE FERNANDES
ADVOGADO(A)
: Luciano Nei Cesconetto (OAB PR031655)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Trata-se de procedimento instaurado para a fiscalização da medida cautelar de monitoramento eletrônico imposta a
MARCIO JOSE FERNANDES
.
Certificado por esta Secretaria o transcorrimento do prazo de 1 (um) ano do início do monitoramento do réu (evento
264.1
), o MPF manifestou-se pela manutenção da medida cautelar (evento
267.1
).
A Defesa de
MARCIO JOSE FERNANDES
requereu revogação da medida cautelar de monitoramento eletrônico, alegando excesso de prazo e "desproporcionalidade" da medida (
270.1
).
Vieram-me os autos conclusos.
2.
Ao ser revogada a prisão preventiva de
MARCIO JOSE FERNANDES
, em 23/11/2023, foram aplicadas as seguintes medidas cautelares:
3. ANTE O EXPOSTO
, por se vislumbrar nesse momento a
alteração parcial
do substrato fático-jurídico, diante de motivos
supervenientes
que justificam a revogação da custódia cautelar em benefício sobretudo da tutela da família e dos filhos menores da Requerente,
REVOGO a prisão preventiva decretada em face de
MARCIO JOSE FERNANDES
(“Brad”), com amparo nos arts. 282, I e II e §§ 5º e 6º, 315 e 316, todos do CPP), FIXANDO as seguintes medidas cautelares diversas da prisão:
(i)
obrigação de manter endereços e telefones (inclusive
whatsapp
) atualizados, comunicando previamente ao Juízo sobre qualquer alteração futura;
(ii)
compromisso de comparecimento a todos os atos do processo e não se ausentar da Cidade de seu domicílio —
Pinhais/PR
—
,
sem comunicação prévia ao Juízo do lugar onde poderá ser encontrado, sob pena de, quebrado o compromisso assumido, implicar — independentemente de outra decisão — na revogação automática dos benefícios ora concedidos, com a consequente e imediata expedição de mandado de prisão;
(iii)
obrigação de não realizar qualquer tipo de comunicação com os demais indiciados, ou pessoas que tenham sido referidas na investigação, exceto em se tratando de pessoas da própria família;
(iv)
monitoramento
através de tornozeleira eletrônica em seu domi
cílio
—
Pinhais/PR
;
(v)
fiança
, a qual arbitro em
R$ 100.000,00 (cem mil reais),
na forma do art. 319, VIII, §4º c/c art. 325, II, ambos do CPP.
A necessidade de cominação conjunta da
fiança com o monitoramento eletrônico
tem por função estabelecer
dupla garantia
, tanto em relação ao processo como para evitar que a tornozeleira seja rompida sem consequências para o acusado.
O monitorado deverá arcar com os custos relacionados ao monitoramento eletrônico, uma vez que estes somente são gerados por impossibilidade de ser concedida a soltura sem imposição de cautelares alternativas à prisão.
O equipamento possui um custo mensal atualmente de R$ 259,00 (duzentos e cinquenta e nove reais), além do carregador que vale R$ 259,00 (duzentos e cinquenta e nove reais), sem prejuízo de eventuais atualizações dos valores respectivos.
Fixo prazo de 5 dias para recolhimento do valor, contados da instalação do equipamento.
Registro que o descumprimento das condições fixadas implicará a revogação do benefício da liberdade provisória
.
3.1. APÓS o pagamento da
FIANÇA, e
xpeça-se o respectivo Alvará de Soltura
, adotando o DEPEN, quando da colocação da tornozeleira eletrônica, as providências necessárias à implementação do monitoramento eletrônico do investigado, devendo proceder ao seu monitoramento sob os seguintes termos
:
a) Trata-se de monitorados de baixa, média ou alta periculosidade?
Média-alta.
b) Se autorizada a saída da residência para desempenho do trabalho, em quais horários e em que dias da semana deverá o monitorado ficar recolhido em seu domicílio?
Livre circulação dentro do Município de domicílio (Pinhais/PR),
não podendo se ausentar da Cidade de seu domicílio — Pinhais/PR —, sem comunicação prévia ao Juízo do lugar onde poderá ser encontrado, sob pena de revogação imediata do benefício.
c) Se autorizada a saída da residência para desempenho do trabalho, o monitorado - dentro do horário para tanto autorizado - poderá circular com liberdade irrestrita ou ficará limitado ao Município de domicilio?
Livre circulação dentro do Município de domicílio (Pinhais/PR)
,
não podendo se ausentar da Cidade de seu domicílio — Pinhais/PR —, sem comunicação prévia ao Juízo do lugar onde poderá ser encontrado, sob pena de revogação imediata do benefício.
d) Qual o endereço domiciliar e comercial a ser considerado?
Rua Tico Tico, nº 76, Pinhais-PR, CEP 83326450
Caso haja alguma incorreção ou necessidade de alteração, deverá ser imediatamente informada a partir da ciência da presente decisão, sob pena de revogação do benefício e decretação da
prisão
preventiva
.
Recolhida a fiança (eventos 66 e 67), foi dado cumprimento ao alvará de soltura com termo de compromisso mediante carta precatória (evento
85.1
). A medida de monitoramento eletrônico iniciou em 18/03/2024 (evento
90.1
), e perdura, portanto, há cerca de 1 ano e 3 meses.
O presente pedido guarda relação com o Inquérito Policial nº 2022.0045641-SR/DPF/PR (autos nº 5041753-77.2022.4.04.7000), instaurado para investigar a atuação de uma Organização Criminosa especializada no tráfico internacional e interestadual de drogas, que possui ampla estrutura logística de recebimento, armazenamento, distribuição dentro do território nacional e remessa dos carregamentos de cocaína para o exterior, utilizando-se de diversas rotas e metodologias delitivas, tendo como principal foco de atuação o Porto de Paranaguá. Ademais, restou demonstrado que a presente OrCrim envolveu-se em guerra com facções rivais, havendo demonstrativo da prática de homicídios em decorrência da atuação implacável dos grupos antagonistas.
A denúncia em desfavor de
MARCIO JOSE FERNANDES
foi recebida em 09/08/2023 (
processo 5053644-61.2023.4.04.7000/PR, evento 18, RECDEN1
), pela prática do delito tipificado no artigo 2º, §2º e §4º, III, IV e V, da Lei nº 12.850/2013. Desde então, a ação penal se desenvolve de forma regular, aguardando, atualmente, audiência de instrução, conforme
processo 5053644-61.2023.4.04.7000/PR, evento 898, DESPADEC1
.
Portanto, não há qualquer demonstração de procedimento omissivo deste Juízo, o que afasta a alegação de excesso de prazo.
Ademais, cumpre ressaltar que não há prazo máximo de vigência das medidas cautelares, dentre elas o monitoramento eletrônico, devendo vigorar enquanto for necessária ao caso concreto.
Nesse sentido já decidiu o e. TRF da 4ª Região:
HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. RETIRADA DE EQUIPAMENTO DE MONITORAMENTO ELETRÔNICO. EXCESSO DE PRAZO. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. O monitoramento eletrônico constitui mecanismo de fiscalização para garantir o cumprimento das demais medidas fixadas pelo Juízo de origem. 2.
O sentimento de desaprovação em relação ao uso do
monitoramento
eletrônico não é suficiente para afastar a medida adotada, a qual visa, primordialmente, beneficiar o próprio investigado por meio da substituição de sua prisão preventiva. 3. Não se verifica excesso de prazo na manutenção da monitoração eletrônica - excesso que não se afere por mero critério aritmético -, quando a complexidade dos fatos investigados justificam o seu elastecimento e não se verifica inércia no processamento do apuratório.
Precedente desta Turma. 3. Ordem denegada. (TRF4, HCorp 5008847-77.2025.4.04.0000, 8ª Turma , Relatora para Acórdão BIANCA GEORGIA CRUZ ARENHART , julgado em 09/04/2025)
No mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO FIM DE LINHA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Recorrente denunciado por crimes de organização criminosa, corrupção ativa e contra a economia popular, relacionados à exploração de jogos de azar, com medidas cautelares impostas, incluindo monitoramento eletrônico.
2. Ação mandamental impetrada visando à revogação das medidas cautelares alternativas e à retirada do monitoramento eletrônico, alegando excesso de prazo.
II. Questão em discussão
3. As questões em discussão consistem em saber se: (i) as medidas cautelares diversas da prisão devem ser revogadas; (ii) se há excesso de prazo a amparar a revogação.
III. Razões de decidir
4. A necessidade das medidas cautelares foi reconhecida pelo STJ, que substituiu a prisão preventiva por domiciliar com monitoramento eletrônico, considerando a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal.
5.
Não há demonstração de violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que o
monitoramento
eletrônico é uma restrição de menor impacto e não impede o exercício profissional do recorrente.
6. O encerramento da instrução processual torna superada a discussão sobre excesso de prazo, conforme a Súmula 52 do STJ, e não se vislumbra desídia do Juiz a quo, considerando a complexidade do caso.
IV. Dispositivo e tese
7. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: "
1. As medidas cautelares diversas da prisão podem ser mantidas quando necessárias para garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal.
2. O encerramento da instrução processual supera a discussão sobre excesso de prazo, não havendo constrangimento ilegal quando não se verifica desídia do Juiz a quo".
Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 282, 312, 319; Lei nº 12.850/2013, art. 2º; Lei nº 1.521/1951, art. 2º.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC 174.143/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 13/3/2024; STJ, AgRg no RHC 160.743/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.
(RHC n. 209.788/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.)
DIREITO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06. PRETENSÃO DE REVOGAÇÃO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO. TESE DE CONFIGURAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DE CULPA. NÃO ACOLHIMENTO. TRÂMITE REGULAR À LUZ DAS ESPECIFICIDADES DO CASO. TESE DE DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. NÃO ACOLHIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO EM HABEAS CORPUS. MONITORAMENTO ELETRÔNICO. RECURSO IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Recurso em habeas corpus visando à revogação de medida cautelar de monitoramento eletrônico imposta ao paciente, acusado de tráfico de drogas, em substituição à prisão preventiva.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste na verificação da legalidade e necessidade da manutenção do monitoramento eletrônico como medida cautelar diversa da prisão.
III. Razões de decidir
3. A prisão preventiva deve ser excepcional e substituída por medida menos gravosa quando possível, conforme art. 282, § 6º, do CPP.
4. O
monitoramento
eletrônico foi mantido com base em fundamentos idôneos, sendo necessário para garantir a aplicação da lei penal e a ordem pública.
5. Não há excesso de prazo na instrução criminal, considerando a complexidade do caso e a regularidade do trâmite processual.
IV. Dispositivo 6. Recurso improvido.
(RHC n. 183.351/RN, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN de 4/12/2024.)
3.
Ainda, restou demonstrado durante as investigações que
MARCIO JOSE FERNANDES
detinha papel relevante na ORCRIM, cabendo a ele coordenar a contabilidade do tráfico internacional de drogas,
elaborando planilhas com entradas e saídas de dinheiro relacionadas ao tráfico internacional de drogas, balancetes, bem como conversando diretamente com os principais associados na exportação de cocaína para confirmar os valores transacionados, prestar contas e liberar pagamentos
(
processo 5041801-36.2022.4.04.7000/PR, evento 56, DESPADEC1
)
Além disso, assim manifestou-se esse Juízo quando da revogação da prisão cautelar (evento
31.1
):
[...]
2.2.
Ocorre que
, por outro lado, a natureza concreta do delito imputado ao Requerente - considerada a pena cominada ao crime do art. 2º,
caput
, da Lei 12850/13 -, o decurso de tempo desde a data da prisão cautelar, ocorrida em 04/05/2023, a ausência de posição de protagonismo e/ou liderança de
MARCIO JOSE FERNANDES
no suposto esquema da Organização Criminosa investigada, as funções supostamente desempenhadas por
MARCIO
(
seria responsável por elaborar planilhas com entradas e saídas de dinheiro relacionadas ao tráfico internacional de drogas, balancetes, bem como conversar diretamente com os principais associados na exportação de cocaína para confirmar os valores transacionados, prestar contas e liberar pagamentos
)
— que, após a desarticulação da suposta ORCRIM em razão das prisões, dificultam a continuidade de sua atuação em nome daquele grupo pelo papel concretamente desempenhado —
,
são suficientes para
REDUZIR
o patamar de periculosidade social do custodiado, apto a ensejar a
REVOGAÇÃO
de sua custódia cautelar, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Entende-se, pois, como necessária, adequada e proporcional a
REVOGAÇÃO
da medida extrema de prisão preventiva e FIXAÇÃO de medidas cautelares diversas da prisão
, na forma dos arts. 282, I e II e §§ 5º e 6º, 315 e 316, todos do CPP), sem haver um prejuízo à persecução penal.
3. ANTE O EXPOSTO
, por se vislumbrar nesse momento a
alteração parcial
do substrato fático-jurídico, diante de motivos
supervenientes
que justificam a revogação da custódia cautelar em benefício sobretudo da tutela da família e dos filhos menores da Requerente,
REVOGO a prisão preventiva decretada em face de
MARCIO JOSE FERNANDES
(“Brad”), com amparo nos arts. 282, I e II e §§ 5º e 6º, 315 e 316, todos do CPP), FIXANDO as seguintes medidas cautelares diversas da prisão
[...]
Considerando que não houve o surgimento de novos fatos que possam alterar os fundamentos para a imposição dessa medida, além desses já analisados por este Juízo no referido evento,
entende-se imperiosa e adequada a manutenção da medida cautelar de
monitoramento
eletrônico
, tendo em a medida ainda é necessária para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
4.
Haja vista
que o monitoramento eletrônico em questão atende a todos os requisitos legais, e a Ação Penal nº 5053644-61.2023.4.04.7000 se encontra em andamento,
indefiro o pedido
da Defesa, e mantenho, por ora, a medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada nos presentes autos, uma vez que não há qualquer fato novo apto a modificar os fundamentos de sua imposição.
5.
Intimem-se.
6.
No mais, mantenha-se a fiscalização do monitoramento eletrônico.
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Processo nº 5035844-40.2025.4.04.7100
ID: 310591173
Tribunal: TRF4
Órgão: 22ª Vara Federal de Porto Alegre
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5035844-40.2025.4.04.7100
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANNA CAROLLINE SANTANA PEREIRA
OAB/RS XXXXXX
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ADRIANO MARCOS SANTOS PEREIRA
OAB/RS XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5035844-40.2025.4.04.7100/RS
RÉU
: SILVIO AZEVEDO DIAS JUNIOR
ADVOGADO(A)
: ANNA CAROLLINE SANTANA PEREIRA (OAB RS128602)
ADVOGADO(A)
: ADRIANO MARCOS SANTOS PEREIRA (OAB RS059787)
DES…
AÇÃO PENAL Nº 5035844-40.2025.4.04.7100/RS
RÉU
: SILVIO AZEVEDO DIAS JUNIOR
ADVOGADO(A)
: ANNA CAROLLINE SANTANA PEREIRA (OAB RS128602)
ADVOGADO(A)
: ADRIANO MARCOS SANTOS PEREIRA (OAB RS059787)
DESPACHO/DECISÃO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de
SILVIO AZEVEDO DIAS JUNIOR
,
ROGER DA SILVA HUGENTOBLER
,
MARCIO MENDES DE SOUZA
,
ADAO ADONES DA SILVA FAGUNDES
e
FABIANO DA SILVA
pela prática do(s) delito(s) disposto(s) no art. XXX, do Código Penal, porque (Evento 1):
"2.1 A partir de data não completamente precisa, mas pelo menos desde janeiro de 2022 até 06 de maio de 2025, por volta das 06 horas e 30 minutos, na Região Metropolitana de Porto Alegre/RS e na cidade de Caxias do Sul/RS, SILVIO AZEVEDO DIAS JÚNIOR fabricou e falsificou papel-moeda em curso legal no país, bem como, em comunhão de esforços e unidade de desígnios com
ROGER DA SILVA HUGENTOBLER
,
FABIANO DA SILVA
e
MARCIO MENDES DE SOUZA
, manteve em guarda, vendeu e introduziu na circulação papel-moeda de curso legal no país, em incontáveis oportunidades e, em relação aos dois últimos verbos dos tipos imputados, para diversos destinatários, incorrendo reiteradamente e de forma continuada nas sanções do art. 289, caput e § 1º, combinado com o artigo 71, do Código Penal.
2.2 A partir de data não completamente precisa, mas pelo menos desde janeiro de 2022 até 06 de maio de 2025, por volta das 06 horas e 30 minutos, no endereço Rua Guatemala, nº 61, bairro Águas Mortas, CEP 94100-660, em Gravataí/RS, SILVIO AZEVEDO DIAS JÚNIOR, de forma livre e consciente, adquiriu, possuiu e guardou máquinas, aparelhos e instrumentos especialmente destinados à falsificação de moeda, incorrendo nas sanções do art. 291 do Código Penal.
2.3 A partir de data não completamente precisa, mas pelo menos desde setembro de 2024 até 06 de maio de 2025, por volta das 06 horas e 30 minutos, na Região Metropolitana de Porto Alegre/RS e Caxias do Sul/RS, SILVIO AZEVEDO DIAS JÚNIOR,
ROGER DA SILVA HUGENTOBLER
,
FABIANO DA SILVA
,
MARCIO MENDES DE SOUZA
e ADÃO ADONES DA SILVA FAGUNDES, constituíram e integraram associação criminosa, incorrendo nas sanções do art. 288, caput, do Código Penal.
[...]
Por fim, necessário ressaltar a evidente grande escala da operação dessa associação criminosa, quer em relação ao tempo total em que operou, quer em relação ao vulto de valores de moedas falsas fabricadas, falsificadas, guardadas introduzidas e inseridas no meio circulante, quer, ainda, em relação à sofisticação dos meios de produção das cédulas contrafeitas.
Como já referido, há registro de que, entre 01/01/2022 e 29/05/2025, foram apreendidas 17.490 (dezessete mil e quatrocentos e noventa) cédulas falsas cédulas falsas com o código de chapa G019F5, introduzidas na circulação, ainda que em parte, pela associação criminosa ora imputada o que perfaz o valor total de UM MILHÃO SETECENTOS E QUARENTA E NOVE MIL REAIS em notas falsas apreendidas em circulação, montante corresponde a uma pequena fração do que efetivamente foi introduzido (evento 47, INF3, do IPL).
E, como referido, as cédulas contrafeitas exibiam padrões de qualidade muito elevados, considerando o tipo de papel, tintas especiais e impressoras de alta resolução utilizados para a sua confecção, hábeis a impedir a detecção por canetas especiais para tal finalidade e pelo uso de luz UV, em razão da presença de itens de segurança falsificados.
Exatamente em razão disso, estima-se que os ora denunciados auferiram, ao menos, considerando o valor mínimo pela venda das cédulas falsas, a quantia de R$ 249.757,29 (duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e cinquenta e sete reais e vinte e nove centavos), como provento dos reiterados crimes praticados."
A inicial encontra-se formalmente regular, contendo a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, qualificação do(s) acusado(s) e classificação do crime, de modo a atender aos requisitos do art. 41 do CPP.
De outro turno, os fatos narrados apontam para uma possível tipicidade, não havendo ocorrência de prescrição ou outra causa de extinção da punibilidade, verificando-se a presença dos pressupostos processuais e das condições para o exercício da ação penal.
Por fim, a acusação está baseada em provas da existência do fato que, em tese, caracterizam a infração penal -
materialidade e autoria delitivas
- que se verificam pelos documentos colacionados ao Inquérito Policial nº 50178226520244047100 e aos autos correlatos (Pedido de Quebra de Sigilo nº 5036597-31.2024.4.04.7100, Pedido de Quebra de Sigilo nº 5046421-14.2024.4.04.7100, Pedido de Busca e Apreensão nº 5005281-63.2025.4.04.7100, Pedido de Prisão Preventiva nº 5005285-03.2025.4.04.7100, Sequestro nº 5005291-10.2025.4.04.7100 e Pedido de Quebra de Sigilo nº 5017656-96.2025.404.7100), especialmente:
a)
Informação de Polícia Judiciária nº 379995/2025 (
evento 29, INF2
, do IPL);
b)
Termo de Apreensão nº 1781781/2025 (
evento 36, MANDBUSCAAPREENS2
, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
c)
Laudo Pericial nº 1038/2025 – INC/DITEC/PF (
evento 40, LAUDO2
, do IPL);
d)
Relatório de Análise de Polícia Judiciária Nuvem Google – Parte 1 (
evento 92, INF3
e
evento 92, INF4
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100);
e)
Relatório de Análise de Polícia Judiciária Nuvem Google – Parte 2 (
evento 92, INF5
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100);
f)
Informação de Polícia Judiciária nº 379995/2025 (
evento 92, INF6
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100);
g)
Informação de Polícia Judiciária nº 1783093/2025 (
evento 15, MANDBUSCAAPREENS2
, p. 12-35, do PPP nº 5005285-03.2025.404.7100);
h)
Informação Polícia Judiciária nº 1777173/2025 (
evento 36, MANDBUSCAAPREENS4
, p. 10-12, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
i)
Informação Polícia Judiciária nº 2266266/2025 (
evento 52, INF11
, do IPL);
j)
Termo De Apreensão nº 1776766/2025 (
evento 36, MANDBUSCAAPREENS4
, p. 5-9, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
k)
Relatório de Análise de Polícia Judiciária – Material Apreendido – Parte 1 (
evento 47, INF2
, do IPL);
l)
Termo de Apreensão nº 1774286/2025 (
evento 40, MANDBUSCAAPREENS2
, p. 6, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
m)
Auto Circunstanciado nº 03 (
evento 91, INF2
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100).
Por estas razões,
RECEBO A DENÚNCIA
.
Consoante as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.719/2008, deve ser oportunizada a possibilidade de apresentação de resposta à acusação, no prazo de 10 (dez) dias (arts. 396 e 396-A), após o qual deverá o Juízo analisar as hipóteses de absolvição sumária, dispostas no art. 397 do mencionado diploma modificador.
Sendo assim,
cite(m)-se
o(s) acusado(s) para responder(em) à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, oportunidade em que deverá(ão) arguir preliminares e alegar tudo o que interessar à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário, mediante o fornecimento de endereço residencial (ou profissional) e eletrônico (ou contato de
Whatsapp
).
Cientifique(m)-se o(s) acusado(s) sobre os fins do
caput
do art. 330-A do Provimento nº 62/2017, do TRF4
, bem como de que, não tendo condições de constituir defensor, deverá(ão) dirigir-se à Defensoria Pública da União.
Por ocasião da
citação
, deverá o Sr. Oficial de Justiça certificar os endereços
residencial e eletrônico
do(s) acusado(s), bem como
telefone de contato para contato por
Whatsapp
, além de cientificá-lo(s) de que deverá(ão) manter o Juízo atualizado sobre eventuais mudanças de endereço, sob pena de revelia.
Solicite-se ao Oficial de Justiça que: 1) caso o(s) denunciado(s) se oculte(m) para não serem citado(s), observe o disposto nos artigos 362 e 370 do Código de Processo Penal; 2) na hipótese de o(s) acusado(s) não ser(em) encontrado(s), após esgotadas todas as diligências necessárias, certifique que encontra(m)-se em lugar incerto e não sabido, a fim de possibilitar a futura citação por edital.
Se o(s) réu(s), regularmente citado(s), não constituir(írem) defensor, remetam-se os autos à Defensoria Pública para os fins do disposto no art. 396-A, § 2º, da Lei nº 11.719/08.
Não sendo o(s) acusado(s) localizado(s) por Oficial de Justiça, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal.
Cadastre(m)-se o(s) advogado(s) que vier(em) a atuar na defesa do(s) acusado(s)s, uma vez apresentada a(s) respectiva(s) procuração(ões).
Certifiquem-se
os antecedentes criminais do(s) denunciado(s) nas Justiças Federal e Estadual.
Caso haja valores depositados nos autos do IPL
,
transfiram-se
as referidas quantias para esta Ação Penal.
Altere-se
a situação de parte dos réus SILVIO e FABIANO para "DENUNCIADO - PRESO POR ESTE" e dos demais para "DENUNCIADO".
Diligencie a Secretaria
, em consulta ao SEEU, para verificar a existência de eventual execução penal
ativa
em desfavor do(s) acusado(s) e,
em caso positivo
, deverá ser comunicado ao respectivo Juízo da Execução Penal o recebimento da presente denúncia.
Intime-se
o Ministério Público Federal.
Nos termos do art. 330-A do Provimento nº 62/2017, da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região,
intime-se
o MPF para especificar, dentre os bens apreendidos no IPL correlato, quais entende devem ser mantidos sob guarda judicial para a instrução processual e quais podem ser objeto de devolução, destinação, alienação antecipada ou destruição.
Finalmente, considerando a manifestação fundamentada do
Parquet
ao
evento 1
,
esclarecendo
não
ser o caso de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP),
intime(m)-se
o(s) denunciado(s) de que, se quiser(em), poderá(ão) requerer a remessa dos autos à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, na forma do art. 28 deste Código, para reanálise.
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Processo nº 5035844-40.2025.4.04.7100
ID: 314221875
Tribunal: TRF4
Órgão: 22ª Vara Federal de Porto Alegre
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5035844-40.2025.4.04.7100
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIA GABRIELA DE ABREU MACHADO
OAB/RS XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5035844-40.2025.4.04.7100/RS
RÉU
: ADAO ADONES DA SILVA FAGUNDES
ADVOGADO(A)
: MARIA GABRIELA DE ABREU MACHADO (OAB RS107384)
RÉU
: FABIANO DA SILVA
ADVOGADO(A)
: MARIA GABRIELA DE ABR…
AÇÃO PENAL Nº 5035844-40.2025.4.04.7100/RS
RÉU
: ADAO ADONES DA SILVA FAGUNDES
ADVOGADO(A)
: MARIA GABRIELA DE ABREU MACHADO (OAB RS107384)
RÉU
: FABIANO DA SILVA
ADVOGADO(A)
: MARIA GABRIELA DE ABREU MACHADO (OAB RS107384)
DESPACHO/DECISÃO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de
SILVIO AZEVEDO DIAS JUNIOR
,
ROGER DA SILVA HUGENTOBLER
,
MARCIO MENDES DE SOUZA
,
ADAO ADONES DA SILVA FAGUNDES
e
FABIANO DA SILVA
pela prática do(s) delito(s) disposto(s) no art. XXX, do Código Penal, porque (Evento 1):
"2.1 A partir de data não completamente precisa, mas pelo menos desde janeiro de 2022 até 06 de maio de 2025, por volta das 06 horas e 30 minutos, na Região Metropolitana de Porto Alegre/RS e na cidade de Caxias do Sul/RS, SILVIO AZEVEDO DIAS JÚNIOR fabricou e falsificou papel-moeda em curso legal no país, bem como, em comunhão de esforços e unidade de desígnios com
ROGER DA SILVA HUGENTOBLER
,
FABIANO DA SILVA
e
MARCIO MENDES DE SOUZA
, manteve em guarda, vendeu e introduziu na circulação papel-moeda de curso legal no país, em incontáveis oportunidades e, em relação aos dois últimos verbos dos tipos imputados, para diversos destinatários, incorrendo reiteradamente e de forma continuada nas sanções do art. 289, caput e § 1º, combinado com o artigo 71, do Código Penal.
2.2 A partir de data não completamente precisa, mas pelo menos desde janeiro de 2022 até 06 de maio de 2025, por volta das 06 horas e 30 minutos, no endereço Rua Guatemala, nº 61, bairro Águas Mortas, CEP 94100-660, em Gravataí/RS, SILVIO AZEVEDO DIAS JÚNIOR, de forma livre e consciente, adquiriu, possuiu e guardou máquinas, aparelhos e instrumentos especialmente destinados à falsificação de moeda, incorrendo nas sanções do art. 291 do Código Penal.
2.3 A partir de data não completamente precisa, mas pelo menos desde setembro de 2024 até 06 de maio de 2025, por volta das 06 horas e 30 minutos, na Região Metropolitana de Porto Alegre/RS e Caxias do Sul/RS, SILVIO AZEVEDO DIAS JÚNIOR,
ROGER DA SILVA HUGENTOBLER
,
FABIANO DA SILVA
,
MARCIO MENDES DE SOUZA
e ADÃO ADONES DA SILVA FAGUNDES, constituíram e integraram associação criminosa, incorrendo nas sanções do art. 288, caput, do Código Penal.
[...]
Por fim, necessário ressaltar a evidente grande escala da operação dessa associação criminosa, quer em relação ao tempo total em que operou, quer em relação ao vulto de valores de moedas falsas fabricadas, falsificadas, guardadas introduzidas e inseridas no meio circulante, quer, ainda, em relação à sofisticação dos meios de produção das cédulas contrafeitas.
Como já referido, há registro de que, entre 01/01/2022 e 29/05/2025, foram apreendidas 17.490 (dezessete mil e quatrocentos e noventa) cédulas falsas cédulas falsas com o código de chapa G019F5, introduzidas na circulação, ainda que em parte, pela associação criminosa ora imputada o que perfaz o valor total de UM MILHÃO SETECENTOS E QUARENTA E NOVE MIL REAIS em notas falsas apreendidas em circulação, montante corresponde a uma pequena fração do que efetivamente foi introduzido (evento 47, INF3, do IPL).
E, como referido, as cédulas contrafeitas exibiam padrões de qualidade muito elevados, considerando o tipo de papel, tintas especiais e impressoras de alta resolução utilizados para a sua confecção, hábeis a impedir a detecção por canetas especiais para tal finalidade e pelo uso de luz UV, em razão da presença de itens de segurança falsificados.
Exatamente em razão disso, estima-se que os ora denunciados auferiram, ao menos, considerando o valor mínimo pela venda das cédulas falsas, a quantia de R$ 249.757,29 (duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e cinquenta e sete reais e vinte e nove centavos), como provento dos reiterados crimes praticados."
A inicial encontra-se formalmente regular, contendo a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, qualificação do(s) acusado(s) e classificação do crime, de modo a atender aos requisitos do art. 41 do CPP.
De outro turno, os fatos narrados apontam para uma possível tipicidade, não havendo ocorrência de prescrição ou outra causa de extinção da punibilidade, verificando-se a presença dos pressupostos processuais e das condições para o exercício da ação penal.
Por fim, a acusação está baseada em provas da existência do fato que, em tese, caracterizam a infração penal -
materialidade e autoria delitivas
- que se verificam pelos documentos colacionados ao Inquérito Policial nº 50178226520244047100 e aos autos correlatos (Pedido de Quebra de Sigilo nº 5036597-31.2024.4.04.7100, Pedido de Quebra de Sigilo nº 5046421-14.2024.4.04.7100, Pedido de Busca e Apreensão nº 5005281-63.2025.4.04.7100, Pedido de Prisão Preventiva nº 5005285-03.2025.4.04.7100, Sequestro nº 5005291-10.2025.4.04.7100 e Pedido de Quebra de Sigilo nº 5017656-96.2025.404.7100), especialmente:
a)
Informação de Polícia Judiciária nº 379995/2025 (
evento 29, INF2
, do IPL);
b)
Termo de Apreensão nº 1781781/2025 (
evento 36, MANDBUSCAAPREENS2
, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
c)
Laudo Pericial nº 1038/2025 – INC/DITEC/PF (
evento 40, LAUDO2
, do IPL);
d)
Relatório de Análise de Polícia Judiciária Nuvem Google – Parte 1 (
evento 92, INF3
e
evento 92, INF4
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100);
e)
Relatório de Análise de Polícia Judiciária Nuvem Google – Parte 2 (
evento 92, INF5
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100);
f)
Informação de Polícia Judiciária nº 379995/2025 (
evento 92, INF6
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100);
g)
Informação de Polícia Judiciária nº 1783093/2025 (
evento 15, MANDBUSCAAPREENS2
, p. 12-35, do PPP nº 5005285-03.2025.404.7100);
h)
Informação Polícia Judiciária nº 1777173/2025 (
evento 36, MANDBUSCAAPREENS4
, p. 10-12, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
i)
Informação Polícia Judiciária nº 2266266/2025 (
evento 52, INF11
, do IPL);
j)
Termo De Apreensão nº 1776766/2025 (
evento 36, MANDBUSCAAPREENS4
, p. 5-9, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
k)
Relatório de Análise de Polícia Judiciária – Material Apreendido – Parte 1 (
evento 47, INF2
, do IPL);
l)
Termo de Apreensão nº 1774286/2025 (
evento 40, MANDBUSCAAPREENS2
, p. 6, do PBA nº 5005281-63.2025.404.7100);
m)
Auto Circunstanciado nº 03 (
evento 91, INF2
, do PQS nº 5036597-31.2024.4.04.7100).
Por estas razões,
RECEBO A DENÚNCIA
.
Consoante as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.719/2008, deve ser oportunizada a possibilidade de apresentação de resposta à acusação, no prazo de 10 (dez) dias (arts. 396 e 396-A), após o qual deverá o Juízo analisar as hipóteses de absolvição sumária, dispostas no art. 397 do mencionado diploma modificador.
Sendo assim,
cite(m)-se
o(s) acusado(s) para responder(em) à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, oportunidade em que deverá(ão) arguir preliminares e alegar tudo o que interessar à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário, mediante o fornecimento de endereço residencial (ou profissional) e eletrônico (ou contato de
Whatsapp
).
Cientifique(m)-se o(s) acusado(s) sobre os fins do
caput
do art. 330-A do Provimento nº 62/2017, do TRF4
, bem como de que, não tendo condições de constituir defensor, deverá(ão) dirigir-se à Defensoria Pública da União.
Por ocasião da
citação
, deverá o Sr. Oficial de Justiça certificar os endereços
residencial e eletrônico
do(s) acusado(s), bem como
telefone de contato para contato por
Whatsapp
, além de cientificá-lo(s) de que deverá(ão) manter o Juízo atualizado sobre eventuais mudanças de endereço, sob pena de revelia.
Solicite-se ao Oficial de Justiça que: 1) caso o(s) denunciado(s) se oculte(m) para não serem citado(s), observe o disposto nos artigos 362 e 370 do Código de Processo Penal; 2) na hipótese de o(s) acusado(s) não ser(em) encontrado(s), após esgotadas todas as diligências necessárias, certifique que encontra(m)-se em lugar incerto e não sabido, a fim de possibilitar a futura citação por edital.
Se o(s) réu(s), regularmente citado(s), não constituir(írem) defensor, remetam-se os autos à Defensoria Pública para os fins do disposto no art. 396-A, § 2º, da Lei nº 11.719/08.
Não sendo o(s) acusado(s) localizado(s) por Oficial de Justiça, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal.
Cadastre(m)-se o(s) advogado(s) que vier(em) a atuar na defesa do(s) acusado(s)s, uma vez apresentada a(s) respectiva(s) procuração(ões).
Certifiquem-se
os antecedentes criminais do(s) denunciado(s) nas Justiças Federal e Estadual.
Caso haja valores depositados nos autos do IPL
,
transfiram-se
as referidas quantias para esta Ação Penal.
Altere-se
a situação de parte dos réus SILVIO e FABIANO para "DENUNCIADO - PRESO POR ESTE" e dos demais para "DENUNCIADO".
Diligencie a Secretaria
, em consulta ao SEEU, para verificar a existência de eventual execução penal
ativa
em desfavor do(s) acusado(s) e,
em caso positivo
, deverá ser comunicado ao respectivo Juízo da Execução Penal o recebimento da presente denúncia.
Intime-se
o Ministério Público Federal.
Nos termos do art. 330-A do Provimento nº 62/2017, da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região,
intime-se
o MPF para especificar, dentre os bens apreendidos no IPL correlato, quais entende devem ser mantidos sob guarda judicial para a instrução processual e quais podem ser objeto de devolução, destinação, alienação antecipada ou destruição.
Finalmente, considerando a manifestação fundamentada do
Parquet
ao
evento 1
,
esclarecendo
não
ser o caso de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP),
intime(m)-se
o(s) denunciado(s) de que, se quiser(em), poderá(ão) requerer a remessa dos autos à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, na forma do art. 28 deste Código, para reanálise.
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Cleonice Da Silva Alves x Banco Bmg S.A
ID: 331795642
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5009122-09.2024.4.04.7001
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ADRIANO MOLIN AURELIANO
OAB/PR XXXXXX
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CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES
OAB/MG XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5009122-09.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: CLEONICE DA SILVA ALVES
ADVOGADO(A)
: ADRIANO MOLIN AURELIANO (OAB PR087257)
RÉU
: BANCO BMG S.A
ADVOGADO(A)
: CRISTIAN…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5009122-09.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: CLEONICE DA SILVA ALVES
ADVOGADO(A)
: ADRIANO MOLIN AURELIANO (OAB PR087257)
RÉU
: BANCO BMG S.A
ADVOGADO(A)
: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
CLEONICE DA SILVA ALVES ingressou com a presente ação de cobrança em face de BANCO BMG S.A e INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS.
Relatou, para tanto, que recebe benefício previdenciário de pensão por morte do INSS, e que constatou a existência de descontos intitulado "Empréstimos sobre a RMC", com descontos iniciais de cerca de R$ 12,00 (doze reais), aumentando gradualmente, até chegar no importe de R$ 136,52 (cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos). Sustenta, entretanto, que jamais efetuou empréstimos através de cartão de crédito. Relata que se dirigiu a uma agência da requerida BMG, local no qual foi surpreendida com a notícia de que possuía um cartão de crédito ativo. Prossegue esclarecendo que, embora tenha formalizado um contrato de empréstimo junto à requerida BMG, jamais formalizara contrato de cartão de crédito.
No mérito, postulou a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos materiais no importe mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e repetição de indébito dos valores pagos. Pugnou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, com a consequente inversão do ônus probatório.
Atribuiu à causa o valor de R$ 15.000,00 e anexou documentos.
Contestação do INSS em movimento
9.1
invocando sua ilegitimidade para a demanda, alegou não possuir responsabilidade pelos fatos relatados e requereu, em eventual concessão da tutela antecipada, que o cumprimento da obrigação de fazer seja imposto à instituição financeira.
O BANCO BMG S.A apresentou sua contestação em evento
12.1
, ocasião na qual apresentou informações sobre o seu produto (cartão de crédito consignado). No mérito, em preliminar, aduziu ser cabível a exclusão do INSS no polo passivo, com a consequente declaração de incompetência do juizado especial federal para julgamento da causa. Prosseguiu aduzindo que a petição inicial é inepta, diante da ausência de prévia reclamação na esfera administrativa.
No mérito, a requerida BMG sustenta a ocorrência de prescrição, aduzindo que o contrato foi firmado em 24/07/2013 e a demanda proposta somente em 21/05/2024, pleiteando a extinção do processo sem julgamento do mérito. Ademais, sustenta a ocorrência de decadência tendo em vista o lapso temporal entre ajuizamento da ação e data de celebração do contrato. Alegou a regularidade dos descontos, tendo em vista a efetiva contratação do cartão de crédito consignado, havendo prévia ciência da autora sobre suas condições, não podendo ser o contrato anulado. Por fim, pugnou a improcedência da demanda.
Intimadas a esclarecerem as provas que pretendem produzir (movimento
14.1
), o INSS não manifestou interesse na produção de outras provas (movimento
19.1
), o BANCO BMG S.A manifestou interesse na realização de audiência de instrução e julgamento para oitiva da autora, para fins de demonstrar a contratação do cartão de crédito em discussão, e, por fim, a autora apresentou réplica em evento
25.1
e esclarece não possuir interesse na produção de outras provas.
O BANCO BMG requereu a juntada das faturas de cartão de crédito em movimento
22.1
.
É o relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
da
Justiça
Federal:
Reconheço a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a autora endereçou sua pretensão ao INSS, autarquia federal criada com força na
lei n. 8.029/1990, art. 17
. Logo, aplica-se ao caso o art. 109, I, CF/1988.
2.2. Submissão do caso à alçada e rito dos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"
Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença
."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, em princípio, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da parte autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos na Medida Provisória n. 1.143/2022 - convertida na lei n. 14.663/2023 -, atendendo ao art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário da autora, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Eventual complexidade da demanda não implica incompetência dos Juizados:
"A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
A pretensão da autora é de natureza condenatória, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001.
2.3.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão da causa ao presente Juízo:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, em razão de auxílio de equalização, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição/88.
2.5. Pertinência subjetiva da autora:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, o seu benefício previdenciário estaria sendo alvo de descontos indevidos. Ela deduziu pretensão em nome próprio, na defesa de interesse próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15
.
2.6. Legitimidade do INSS para a causa:
Por seu turno,
o INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios na transferência da conta de depósito de prestações previdenciárias
. Na forma do art.115, da lei n. 8.213/1990, a autarquia é responsável pela averbação dos descontos no benefício previdenciário.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
2.7. Litisconsórcio passivo necessário - banco requerido:
O banco demandado também está legitimado para a demanda, diante da alegação de que referidos valores, desbastados no benefício previdenciário do requerente, lhe teriam sido transferidos, na condição de mutuante. Aplica-se ao caso, também aqui, o art. 17, CPC
.
DIREITO ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
Na espécie, a autora deduziu pretensão à declaração da invalidade e inexigibilidade das aludidas prestações, desbastadas junto à sua prestação previdenciária mensal. Assim, cuida de efetivo litisconsórcio passivo necessário, por força do
art. 506 e dos arts. 114-115, CPC
.
2.8. Interesse processual:
Ao que se infere dos autos, a pretensão da demandante dificilmente seria acolhida pelos requeridos na espera extrajudicial. É o que indicam as contestações apresentadas pelos demandados. Ademais, por força do
art. 5, XXXV, Constituição
, o requerente não está obrigado a exaurir o debate no âmbito administrativo, antes de ingressar em Juízo.
Por outro lado, caso a pretensão venha a ser julgada procedente pelo Poder Judiciário, isso lhe será útil, por ensejar a suspensão dos descontos no seu benefício previdenciário. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade/utilidade/adequação procedimental restou satisfeita,
razão pela qual indefiro a preliminar aventada pela requerida BANCO BMG S/A.
2.9. Gratuidade de Justiça:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade.
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 7.786,02
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 2, de 11.01.2024:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
No caso em exame, na forma do art. 99, §2º, CPC, a requerente apresentou documento de identificação e extrato dos valores que recebe a título de benefício previdenciário, bem como declaração de hipossuficiência no evento 1. Não há indicativos de que a autora tenha rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS.
DEFIRO-LHE, portanto, a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1. instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995
.
2.10.
Valor
da causa:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
NO CASO, a autora atribuiu à causa o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Aludido montante corresponde ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial - art. 292, V e VI, §§ 1º e 2º, CPC.
2.11. Prazos prescricionais:
No que toca ao INSS, a pretensão da autora está submetida ao prazo
prescricional de 05 anos
, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
No que toca ao banco requerido, aplica-se também o prazo de 05 anos, em decorrência, porém, do art. 27 da lei 8.028/1990
. Aludida norma prevalece sobre a regra do art. 206, §3º, V, Código Civil, que preconiza prazo de 03 anos para prescrição.
Eventual deflagração de processo administrativo, versando sobre a pretensão do requerente, implica suspensão do cômputo da prescrição, conforme art. 4, do decreto 20.910/1932. Quando há suspeitas de fraudes, apuradas mediante inquérito penal ou processo penal, o cômputo do prazo prescricional permanece suspenso no curso da sua evolução - art. 200, Código Civil.
Na espécie, no que diz respeito à pretensão endereçada à autarquia, aplica-se ao caso o
prazo prescricional de 5 anos
. Referido lapso deve ser computado a partir da data em que o sujeito toma conhecimento da agressão aos seus interesses, conforme conhecido postulado da
actio nata,
e art. 189, Código Civil/2002. Na espécie não há comprovação da data que a autora tomou ciência da agressão a seus direitos, razão pela qual reputo prescrita as parcelas anteriores a 21/05/2019, eis que a demanda foi distribuída em 21/05/2024.
2.12. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Em primeiro exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade
.
2.13. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90. IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, no que diz respeito à relação entre o demandante e o banco requerido.
Solução semelhante não pode ser dispensada, contudo, à relação entre a autora e o INSS,
eis que submetida aos ditames do direito administrativo, não se tratando de vínculo consumerista.
Com efeito, na espécie, o vínculo com o INSS não deu ensejo ao pagamento de preços públicos ou tarifas -- ao contrário do que ocorre com o uso de rodovias pedagiadas, ou pagamento do fornecimento de água e energia elétrica.
Não se aplica ao caso o art. 22, CDC
, de modo que não se aplica o código do consumidor quanto à relação travada entre a autora e a autarquia.
2.14. Efeitos da aplicação parcial do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre a autora e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor - arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé objetivo também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil/2002:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre o(a) requerente e o banco requerido.
2.15. Eficácia vinculante dos contratos:
COM COGNIÇÃO PRECÁRIA, anoto que o contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva - arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.16. Funcionalização dos pactos:
Com cognição precária, anoto que, em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual.
Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado." (Judith Martins-Costa. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações.
Do adimplemento e da extinção das obrigações.
Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.17. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.18. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.19. Eventual
simulacro
de negociação:
Destaco, com COGNIÇÃO CONTINGENTE, emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito implica a própria ausência do pacto. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.20. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.21.
Contrato de mútuo feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrato, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.).
2.22. Contrato de cartão de crédito
consignado:
COM COGNIÇÃO NÃO EXAUSTIVA, registro que o contrato de administração de cartão de crédito está orientado a facilitar as transações comerciais, antecipando-se renda futura. Com isso, os sujeitos podem parcelar suas compras, celebrar transações internacionais e consolidar pagamentos.
Como diz Efing,
"
Utilizado como uma forma de facilitar o funcionamento de operações de natureza comercial, o cartão de crédito encerra em seu conteúdo a articulação de três peças fundamentais concernentes às relações levadas a efeito em sua dinâmica funcional
. Tais peças, reconhecidas como pessoas integrantes do sistema de cartões de crédito, na doutrina recebem, cada qual, sua respectiva denominação: emissor, titular do cartão e fornecedor. O emissor, cumprindo com a promessa de intermediar a relação de compra e venda entre o titular do cartão de crédito e o fornecedor, aparece como uma pessoa jurídica dedicada à atividade financeira. No âmbito do cartão de crédito, o emissor facilita a venda ao titular, emitindo o cartão. Esse ato, portanto, credencia o portador (titular do cartão de crédito) à aquisição de mercadorias e serviços junto aos fornecedores afiliados."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. tópico 6.7.).
Acrescente-se que,
"de modo contrário do que se pode imaginar, o titular beneficiário do cartão de crédito, se dele fizer uso para adquirir produtos ou serviços junto aos fornecedores, não se responsabiliza pelo pagamento frente aos fornecedores. É ao emissor do cartão que se atribui a responsabilidade de pagar aos fornecedores o montante deliberado pelo usuário do cartão, vindo posteriormente a ser reembolsado pelo usuário.
O
contrato de cartão de crédito
autoriza ao consumidor titular do cartão efetuar pagamentos com o limite de crédito aberto pelo fornecedor emissor, podendo o consumidor restituir ao emissor a importância paga em determinada data aprazada ou parceladamente, mediante, neste caso, o pagamento de juros decorrentes do crédito cedido
."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Desse modo, o contrato de cartão de crédito é celebrado entre a instituição administradora e o(a) interessado(a). A instituição se obriga a lhe conceder crédito, encaminhando-lhe faturas periódicas para pagamento, ao tempo em que o tomador do empréstimo se obrigada a reembolsar o valor emprestado, com os juros contratados, além de se obrigar a pagar taxas administrativas decorrente do uso do cartão. A administradora do cartão torna-se, assim, uma intermediária na relação entre o usuário e as empresas que tenham aceitado aludido instrumento para pagamento de seus produtos e bens. Segundo súmula 283, STJ, tais entidades são equiparadas a instituições financeiros, muito embora não criem "moeda escritural" - o que ocorre corriqueiramente com bancos, ao receberem recursos em depósito e repassarem a tomadores de empréstimo. Isso pode ensejar a aplicação da súmula 596, STF, por conta da conjugação do decreto 22.626/1933 com a lei n. 4.595/1964.
Destaco que
"
cabe ao consumidor o pagamento dos débitos por ele contraídos com a utilização do cartão, obrigando-se ao pagamento da fatura. Todavia, não raro nas faturas de cartão de crédito constam valores indevidamente lançados, bem como são comuns as cláusulas abusivas nos contratos de cartão de crédito
. Podem ser encontradas, entre outras, as seguintes cláusulas: outorga de poderes para, junto à instituição financeira de escolha do emissor fornecedor, por conta do consumidor, negociar e obter crédito; bem como poderes para assinar o aludido contrato de financiamento, abrir conta-corrente em banco, assinar títulos representativos do débito do consumidor, inclusive notas promissórias, acertar prazos, juros, comissões e encargos; em caso de perda, furto ou roubo do cartão de crédito, mesmo que este tenha sido cancelado automaticamente, responderá o consumidor por débitos oriundos do mau uso do cartão decorrente da perda, furto ou roubo. Tais cláusulas, inseridas no contrato de adesão, ao desobrigarem o emissor fornecedor e colocarem o consumidor em situação excessivamente desvantajosa, são nulas de pleno direito, por afrontarem o sistema de proteção do consumidor."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Ademais, também é importante ter em conta que,
"
atualmente pode-se aderir a um contrato de cartão de crédito enquanto se abastece um automóvel num posto de serviço e revenda de combustíveis, por exemplo, sendo que nesta e em outras situações semelhantes o consumidor sequer é esclarecido das condições básicas do contrato, não chegando a analisar suas cláusulas.
O consumidor termina por assinar a proposta para a contratação do cartão de crédito e vem a receber pelo correio a confirmação da contratação sem, muitas vezes, receber da instituição financeira ou administradora as informações e esclarecimentos minimamente necessários ao suficiente cumprimento do dever de informação."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Quanto aos requisitos de validade do cartão, registro:
"a) Requisitos subjetivos – Em relação ao titular, este poderá ser pessoa física ou jurídica. Sendo pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica, deve funcionar regularmente, ou seja, deverá ter sido constituída e funcionar de acordo com a Lei. Uma sociedade de fato não poderá ser titular de cartão de crédito. Apenas seus sócios poderão sê-lo.
Quanto ao emissor, deverá ser pessoa jurídica autorizada a emitir e administrar cartões de crédito. Pode ser instituição financeira ou não e servirá de intermediário entre o titular e os fornecedores, para que se opere entre eles a compra e venda de bens ou serviços
.
Por fim, o fornecedor poderá ser pessoa física ou jurídica, credenciada junto ao emissor, para oferecer seus bens ou serviços aos titulares do cartão. Se pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica deverá funcionar dentro dos parâmetros legais.
b) Requisitos objetivos –
O objeto do contrato é, em última instância, o financia- mento da aquisição de bens e/ou serviços, que deverão ser possíveis tanto do ponto de vista material quanto jurídico. Não se pode comprar um lugar no céu com cartão, nem tampouco cocaína, pelo menos aqui no Brasil
.
c) Requisitos formais – Quanto à forma, já vimos que o contrato de cartão de crédito é consensual, em respeito ao princípio do consensualismo. Na prática, porém, é sempre celebrado por escrito, sendo tipicamente de adesão." (FIUZA, César.
Direito civil:
curso completo. SP: SP. 2015).
2.23. Consignação em pagamento:
DESTACO, com cognição não exaustiva, que a consignação em pagamento, com desconto em benefícios previdenciários, é medida autorizada pelo art. 115 da lei n. 8213/1991:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do
valor
do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Para tanto, contudo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão (art. 157, Código Civil) - implicam nulidade da relação jurídica.
Anota Frederico Amado que
"
Em caso de concorrência, vale ressaltar que os débitos do beneficiário em decorrência do pagamento de benefício além do devido terão preferência sobre os créditos consignados em favor de instituições financeiras em razão de empréstimos contratados pelo aposentado ou pensionista
."
(AMADO, Frederico.
Curso de direito previdenciário.
Salvador: Iuspodium. p. 1005).
2.24.
Consignação
de valores em Juízo:
Sabe-se que, quando em causa debates sobre
tributos
, é direitos dos sujeitos promover o depósito em Juízo, na forma do art. 151, II, CTN.
"
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o depósito de que trata o art. 151 , II , do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo
. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação ( AgRg no REsp 517937/PE , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 17/6/2009)"
(STJ - REsp: 1691774 SP 2017/0202085-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/10/2017, T2 - 2. TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
No presente processo, porém, a requerente insurgiu-se em face de descontos promovidos em seu benefício previdenciário, advindos de alegado empréstimo consignado de cartão de crédito
. Assim, a lógica do art. 151, II, CTN, não se aplica ao caso, ao menos, não de forma automática.
Desde que haja fundamentos para isso
, no âmbito do direito civil ou administrativo, é dado à parte autora promover consignação em pagamento, conforme arts. 334 e ss., Código Civil/2002, ainda que seja promovido de forma incidental - arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Logo, desde que haja "
justa causa
", é dado à parte autora depositar em juízo os valores controvertidos, conforme lógica do art. 539, CPC/15 e 334, Código Civil/2002, à sua conta e risco. Anoto que a consignação em pagamento apenas afasta a mora quando julgada procedente - art. 337, Código Civil, art. 546, Código de Processo Civil e lógica da súmula 405, STF.
A esse respeito, o TJSP já deliberou:
"Observo que ambas as decisões (consignatória e embargos) ressalvaram expressamente o direito do embargante obter a amortização do saldo devedor até o limite do valor depositado, inexistindo interesse nesse tópico do recurso.
No entanto, tendo em conta que a ação de consignação em pagamento foi julgada improcedente, os encargos moratórios não foram afastados, nos termos do artigo 337 do Código Civil
: O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente."
(TJ-SP - AC: 10095119820208260100 SP 1009511-98.2020.8.26.0100, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 26/10/2021, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2021)
Com efeito, alguém pode depositar valores em Juízo, alegando que o credor tem cobrado valores excessivos ou mediante procedimento incorreto - pode alegar cuidar-se de dívida
quérable
(quesível), ao invés de
portable
(portável). Ou seja, pode ter alegado que caberia ao credor promover os meios para o recebimento, ao invés de o devedor ter de promover as diligências pertinentes. Deferido o depósito, depois a pretensão do demandante é julgada improcedente. Em tal caso, a existência do depósito não afastará a mora, quanto ao período em que o demandado houver sido privado do recebimento dos recursos pertinentes. Como registrei acima, o processo não pode causar prejuízos a quem não tenha dado causa à demanda.
Assim, saber se o depósito terá condão de afastar eventuais consectários moratórios dependerá do exame do mérito da pretensão do requerente, por época da prolação da sentença
. Caso seja realizado aludido depósito, o valor será atualizado pela variação da TRB - taxa referencial básica, conforme art. 11 da lei n. 9.289/1996, não se aplicando ao caso a taxa SELIC, diante dos limites da lei n. 9.703/1998, dado não se cuidar de controvérsia tributária. Note-se que a legislação não preconiza a incidência de juros remuneratórios ou moratórios sobre o valor depositado em Juízo. Por outro lado, caso a pretensão da autora seja acolhida, em sentença transitada em julgado, o valor lhe será restituído ao final da demanda. Caso a pretensão seja julgada improcedente, o montante será transferido ao banco requerido/mutuante, para imputação em pagamento no contrato, conforme art. 354, Código Civil/2002. Em tal caso, não haverá supressão de consectários moratórios, devendo a autora responder por eventuais juros moratórios e multa contratual, porventura previstos (art. 337, parte final, Código Civil/02, lógica dos arts. 332 e 512, Código de Processo Civil/15)
2.25. Depósitos em juízo e consectários moratórios:
Convém enfatizar que, em princípio, é dado aos interessados deflagrarem processos de consignação em pagamento, na forma dos arts. 334 e ss., Código Civil/2002, com o fim de obter a pertinente outorga de quitação das obrigações pertinentes. Note-se, porém, que a consignação apenas afasta a mora quando a pretensão da autora tenha sido julgada procedente - art. 337, parte final, Código Civil/2002 e arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Importa dizer: os encargos moratórios são afastados quando a parte interessada haja comprovado cuidar-se de
mora accipiendi,
ao invés de
mora debitoris.
Conjecture-se, reitero, que, no âmago de um contrato de locação, o locatário sustenta competir ao locador a adoção dos meios para a cobrança (obrigação quesível). Já o locador alega o contrário, argumentando cuidar-se de obrigação
portable
. Suponha-se que o locatário ingresse com uma consignação em pagamento, sem impugnar o valor da dívida; mas, limitando-se ao referido tema - natureza da obrigação. Ele deposita o valor exato postulado pelo credor. Ao final, o Juízo reputa que o locator, o demandado, possui razão, cuidando-se de obrigação portable. Nesse caso, por óbvio, o depósito em Juízo não terá aptidão para afastar a mora, de modo que os encargos serão devidos desde a data do vencimento da obrigação até a data em que os valores sejam convertidos em renda a favor da parte demandada.
Atente-se, uma vez mais, para o art. 337, parte final, Código Civil/2002:
"O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos,
salvo se for julgado improcedente
."
Por outro lado, a mora pode ser afastada em vínculos bilaterais, sinalagmáticos, quando presentes os requisitos para a exceção de contrato não cumprido - arts. 476 e 477, Código Civil/2002, dentre outros casos.
2.26. Eventual destinação dos valores consignados:
Desse modo, em princípio, caso os
depósitos venham a ser deferidos e efetivados em conta vinculada
aos autos, haverão de ser levantados, total ou parcialmente, pela parte autora - caso sua pretensão seja acolhida em sentença transitada em julgado -, observando-se o alcance de sua eventual sucumbência. Caso ela sucumba totalmente na demanda, os valores deverão ser levantados então pela parte demandada/mutuante, como segue:
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151,
II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.
1.
Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro
lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por
entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo
contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art.
150, § 4º, do CTN.
2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se
constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira
Seção.
3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o
caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do
depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.
4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não
podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável
incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial,
nos termos da Súmula 7⁄STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.213.319⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2012, DJe 28⁄05⁄2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL. DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO EQUIVALENTE AO PAGAMENTO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. O depósito judicial do montante integral do débito é causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário, ex vi do artigo 151, II do CTN e, por força do seu desígnio, implica lançamento por homologação tácito, no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. Precedentes: EREsp 898.992/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 895.604/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.04.2008, DJ 11.04.2008; AgRg no REsp 971.054/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 24.03.2008. .
Julgado improcedente o pedido da empresa e, em havendo depósito, torna-se desnecessária a constituição do crédito tributário no qüinqüênio legal, não restando consumada a decadência. Conseqüentemente, revela-se escorreita a conversão em renda dos depósitos judiciais efetuados no âmbito da ação ordinária, uma vez não configurada a decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário e tendo em vista a improcedência do pedido do contribuinte
. 3. Indevidamente realizado o levantamento do depósito judicial pelo contribuinte, afasta-se a razão da suspensão do crédito tributário, forçando ao FISCO FEDERAL a realização do lançamento tributário, inscrevendo o contribuinte em CDA, não existindo decadência ou prescrição do crédito tributário. 4. Apelação do autor improvida e apelação da UNIÃO FEDERAL e Remessa Oficial providas. (APELREEX 200171000285040, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 13/10/2009.)
2.27. Correção monetária:
Reitero que, caso futuramente, tais valores venham a ser depositados em conta vinculada aos autos - mediante prévia autorização judicial -,
o montante haverá de ser corrigido pela taxa referencial básica - TRB, prevista na lei 9.289/1996, de caráter especial, se confrontada com a lei n. 9.703/1998, que se aplica aos depósitos tributário
s. Em princípio, a norma do art 11 da lei n. 9.289/1996 não restou alterada pela promulgação da emenda constitucional 113, de 08 de dezembro de 2011. Não há previsão de incidência de juros remuneratórios nesse âmbito, conforme se infere do art. 11 da lei 9.289
2.28. Distribuição do
ônus
da prova CDC - exame provisório:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.29.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que os requeridos produzissem as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.30. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Logo, em princípio, incumbe ao banco requerido o encargo de comprovar a autenticidade de assinaturas que tenham sido impugnadas pela parte demandante.
2.31.
Elementos de convicção:
A autora, junto à petição inicial, anexou procuração, declaração de hipossuficiência, termo de renúncia ao excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, histórico de créditos do benefício do INSS, histórico de empréstimo consignado, carta de concessão de benefício de pensão por morte, e fatura de cartão de crédito.
Em extrato de benefício previdenciário (movimento 1.6) relativo ao mês 06/2024 consta:
Ademais, consta em referido relatório a existência de contrato ativo para desconto de RMC junto à requerida:
Consta, ainda, que há saldo devedor relativo a referido cartão de crédito:
A requerida, por sua vez,
não anexou o contrato
firmado com a requerida, limitando-se a anexar os extratos de cartão de crédito (movimento
22.2
), no qual se extrai raras utilizações, todas relacionadas à contratação de seguro prestamista, conforme se verifica abaixo:
2.32. Valoração precária:
No caso em exame, a autora sustenta que não formalizou contrato de cartão de crédito junto à requerida, e que não o utiliza, mas sofre descontos de RMC a esse título.
A requerida, por sua vez, aduz que o contrato foi formalizado mediante concordância expressa da requerida e consentimento livre e esclarecido.
A requerida BMG
não anexou aos autos a cópia do contrato formalizado com a requerida.
Por sua vez, de análise das provas constantes nos autos observa-se que não há a efetiva utilização do cartão de crédito pela requerente, com exceção da contratação anual de seguro prestamista.
Os seguros são renovados anualmente no mês de janeiro, e a partir deste momento é que passou a haver alguma utilização do cartão, e diante do pagamento apenas do limite do RMC gerou-se encargos de juros, IOF e multa, tornando os descontos intermináveis à requerente..
No presente caso, não se discute a falsidade do contrato de cartão de crédito, pois o mesmo não foi apresentado. Por outro lado, nesse momento, os autos não permitem conclusões mais densas a respeito da aventada nulidade. Deve-se aferir se a contratação promovida anualmente, geradora de saldo devedor à requerente, foi realizada de forma voluntária, e quem é o beneficiário de tais valores, pois, aparentemente, se trata de renovação anual automática.
2.33. Ainda quanto aos alegados fatos:
Assim, em primeiro exame, a demanda gravita em torno dos seguintes tópicos
: (a) a existência de efetiva contratação do cartão de crédito; (b) a existência de efetiva contratação do seguro prestamista gerador de saldo devedor; (c) verificação do responsável pelo lançamento de valores.
Diante das premissas acima equacionadas - notadamente, diante do REsp nº 1.846.649-MA -, é ônus da entidade financeira demandada comprovar a autenticidade das assinaturas e dos documentos atribuídos ao requerente. Isso pode ser promovido com a demonstração de ter sido exigido reconhecimento de firma, testemunhas etc., hábeis a demonstrar que, de fato, o requerente teria realmente celebrado os mencionados mútuos feneratícios.
Cabe ao banco demonstrar, ademais, a regularidade das cobranças lançadas em fatura, demonstrando quem é o beneficiário de transações, e o modo pelo qual foram realizadas e autorizadas (uso de cartão físico, uso de senha, etc).
2.34. Dilação probatória:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.35. Tomada de depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal da autora, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a coleta do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da parte inquirida. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço, porém, a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
No caso em exame, entendo desnecessária a oitiva da autora, posto que o suposto contrato teria sido formalizado no ano de 2003, de acordo com a requerida, logo, assim sendo, o grande lapso temporal decorrido torna referida prova extremamente frágil.
Por outro lado, a efetiva contratação deverá ser realizada por meio documental. Não poderá a confissão eventualmente obtida pela autora, embora frágil, dado o decurso de prazo, suprir completamente a prova documental, quando inexistente qualquer início de prova documental acerca da contratação.
2.36. Apresentação de documentos.
No mais das vezes, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a impugnação, na forma do art. 434, CPC/15.
Em princípio, documentos complementares apenas poderiam ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases (art. 435, CPC), quando de se tratasse de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também poderiam ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
No caso, diante da iniciativa probatória concedida ao juiz,
determino à requerida BANCO BMG S/A que esclareça os dados acerca dos seguros prestamistas contratados
, em especial: data da contratação, forma de contratação, forma de autorização da transação e beneficiário de valores.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o o presente processo, na forma do art. 109, I e §2, Constituição/88 e art. 10 da lei n. 5.010/66, e a submissão do processo ao rito dos Juizados Especiais.
3.2. REGISTRO que as partes estão legitimadas para a demanda e que a autora possui interesse processual.
3.3. ACRESCENTO que a pretensão deduzida na inicial resta prescrita quanto a valores porventura devidos à autora há mais de 05 (cinco) anos, contados retroativamente da data da deflagração da demanda - art. 1 do decreto 20.910/32.
3.4. DEFIRO a gratuidade de justiça, em que pese tal medida surta reduzidos efeitos em primeira instância, no rito dos juizados, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/95.
3.5. DELIMITEI, acima, as narrativas sobre os fatos havidos e também as questões jurídicas que tangenciam o debate travado nestes autos. RESSALVO nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
3.6. ANOTO que tampouco é o caso de se autorizar a promoção de depósitos em Juízo, quanto às parcelas mensais descontadas na prestação previdencíárias.
3.7. INTIMEM-SE as partes, outrossim, para, querendo, tecerem considerações do art. 357, §1.º, CPC, também aplicável ao rito dos Juizados. Prazo: 5 (cinco) dias úteis, contados na forma do artigo 219 e 357, CPC.
3.8. INDEFIRO a tomada de depoimento pessoal da autora pleiteada pelo requerido BANCO BMG;
3.9. INTIME-SE a requerida para anexar aos autos os documentos relativos à contratação de seguro prestamista, esclarecendo a forma de autorização dos mesmos e beneficiários de valores;
3.10. Com a manifestação da requerida ou com o esgotamento do prazo para tanto fixado, INTIME-SE a parte autora para, querendo, apresentar alegações finais - facultando-lhes manifestação sobre o estado do processo - art. 364, §2, CPC. Apresentadas as razões finais da partes autora ou esgotado o prazo para tanto, INTIMEM-SE os requeridos para, querendo, apresentarem suas razões em 15 dias úteis, prazo comum.
3.11. VOLTEM-ME conclusos para prolação de sentença, tão logo as razões finais dos requeridos sejam anexados aos autos ou esgote-se o prazo para tanto fixado.
3.12. INTIMEM-SE as partes a respeito deste despacho.
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Processo nº 5020661-63.2024.4.04.7100
ID: 308338344
Tribunal: TRF4
Órgão: 6ª Vara Federal de Porto Alegre
Classe: EXECUçãO DE TíTULO EXTRAJUDICIAL
Nº Processo: 5020661-63.2024.4.04.7100
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANA AMÉLIA PIUCO
OAB/RS XXXXXX
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EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL Nº 5020661-63.2024.4.04.7100/RS
EXEQUENTE
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
1.
Requer a Parte Exequente a utilização do Sistema
CNIB
(
CENTRAL NACIONA…
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL Nº 5020661-63.2024.4.04.7100/RS
EXEQUENTE
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
1.
Requer a Parte Exequente a utilização do Sistema
CNIB
(
CENTRAL NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS
) para a constrição de bens da Parte Executada.
1.1
A indisponibilidade de bens pelo Juízo Cível junto ao sistema CNIB somente é aplicável às ações de improbidade administrativa, insolvência civil e como medida cautelar entre outros, conforme convênio estabelecido com a Justiça Federal pelo Provimento nº 39/2014 do CNJ, e orientação existente no sítio da própria Central (
https://www.indisponibilidade.org.br/legislacao
).
Nesse sentido, confira-se os seguintes julgados do TRF4:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. CNIB. UTILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA. POSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO PRÉVIO DE MEDIDAS EXECUTIVAS. NULIDADE. 1. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens é um sistema que foi criado para dar efetividade às medidas de indisponibilidade de bens previstas em casos específicos (improbidade administrativa, recuperação judicial, medida cautelar fiscal, planos de saúde, previdência complementar e, em especial, execução fiscal de dívida de natureza tributária), constituindo providência excepcional, a ser utilizada com cautela. 2. Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a possibilidade de utilização do CNIB nas demandas cíveis, de maneira subsidiária, desde que exauridos os meios executivos típicos, como ocorre no caso em tela. 3. Em relação ao indeferimento prévio de medidas que não foram sequer requeridas pela exequente, deve ser declarada a nulidade da decisão agravada, pois foi proferida de forma condicional, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. Precedentes. (TRF4, AG 5025419-45.2024.4.04.0000, 4ª Turma , Relator para Acórdão LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE , julgado em 04/06/2025).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CNIB - CENTRAL NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXECUÇÃO. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. HIPÓTESES RESTRITAS. ART. 185-A DO CTN. INAPLICABILIDADE. 1. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB é um sistema criado e regulamentado pelo Provimento nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ. 2. Nessa acepção, o sistema foi criado a fim de dar efetividade às medidas de indisponibilidade de bens previstas em casos específicos. Assim,
perfaz-se como medida excepcional, a ser utilizada nos casos em que há previsão legal da medida de indisponibilidade de bens
. 3. O art. 185-A do CTN não se aplica às execuções extrajudiciais para cobrança de dívida de natureza não-tributária e, portanto, não se afigura possível a utilização da CNIB para indisponibilidade de bens da parte executada. (TRF4, AG 5033136-11.2024.4.04.0000, 3ª Turma, Relator para Acórdão ROGERIO FAVRETO, julgado em 10/12/2024) (grifou-se)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CRÉDITO DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. CNIB. INAPLICABILIDADE. 1. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB foi criada por meio do Provimento 39/2014 do CNJ, para garantir maior efetividade às decisões administrativas e/ou judiciais que determinem a indisponibilidade de bens, em benefício da segurança jurídica, além de permitir o rastreamento, em âmbito nacional, da propriedade de imóveis e outros direitos reais imobiliários. 2.
A utilização da
CNIB
deve se dar apenas nas hipóteses regulamentares previstas (improbidade administrativa, recuperação judicial, medida cautelar fiscal, planos de saúde, previdência complementar e, em especial, execução fiscal de dívida de natureza tributária), não podendo ser utilizada indistintamente
. 3. No caso concreto, trata-se de execução de título extrajudicial que tem por objeto crédito de empresa pública federal, hipótese para a qual não há previsão de utilização da medida requerida. 4. Agravo de instrumento desprovido. (TRF4, AG 5015025-76.2024.4.04.0000, 3ª Turma, Relator LADEMIRO DORS FILHO, julgado em 03/12/2024) (grifou-se)
DECISÃO: Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO PARANÁ, em face de decisão proferida nos autos de n.º 50017564720194047015 (Execução de Título Extrajudicial), pela qual o juízo de origem indeferiu o pedido de consulta ao sistema SERP-JUD. Sustenta o agravante, em suma, que (a) o indeferimento da utilização da ferramenta é manifestamente contrário ao disposto no artigo 797 do Código de Processo Civil que dispõe que a execução se realiza no interesse do credor; (b) é majoritário o entendimento quanto à possibilidade de utilização das ferramentas ágeis dos sistemas de pesquisa de bens postos à disposição do Poder Judiciário. É o relatório. Passo a decidir. 1. No que importa transcrever, a decisão agravada foi proferida nos seguintes termos (processo 5001756-47.2019.4.04.7015/PR, evento 106, DESPADEC1): 1. A parte exequente requer a consulta ao sistema SERP-JUD, a fim de localizar bens penhoráveis em nome do(s) executado(s). Com a finalidade de promover o célere andamento do feito e com fundamento no princípio da economia processual, passo a analisar o requerimento formulado (item 08), bem como os demais requerimentos usualmente formulados pela exequente em casos análogos.
2.
Central Nacional de Indisponibilidade de Bens Imóveis - CNIB Indefiro o pedido, por ausência de previsão legal para o caso dos autos. Com efeito, o sistema foi criado a fim de dar efetividade às medidas de indisponibilidade de bens previstas em diversas leis esparsas: art. 7º da Lei nº 8.429/1999 (improbidade administrativa), art. 82, § 2º da Lei nº 11.101/2005 (recuperação judicial), art. 4º da Lei nº 8.397/1992 (medida cautelar fiscal), art. 24-A da Lei nº 9.656/1998 (planos de saúde), arts. 59, §§ 1º e 2º, 60 e 61, § 2º, II da LC 109/2001 (previdência complementar) e art. 185-A do Código Tributário Nacional
. No caso dos autos, executa-se dívida em relação a qual não há previsão legal de aplicação da medida, que é excepcional. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. DESCABIMENTO. - A utilização da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) deve ser restrita aos casos em que há previsão legal da medida e não genericamente, com amparo legal do art. 798 do CPC (poder geral de cautela). - Inviável a utilização do sistema para os casos de cobrança de dívida oriunda de contratos bancários, eis que esta espécie não está contemplada entre aquelas previstas no Provimento 39/2014 editado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. (TRF4, AG 5028171-05.2015.404.0000, TERCEIRA TURMA, Relator p/ Acórdão RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 05/10/2015) (grifei). 3. Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos - SNIPER O SNIPER é uma plataforma desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no âmbito do Programa Justiça 4.0, que funciona da seguinte maneira: A partir do cruzamento de dados e informações de diferentes bases de dados, o Sniper destaca os vínculos entre pessoas físicas e jurídicas de forma visual (no formato de grafos), permitindo identificar relações de interesse para processos judiciais de forma mais ágil e eficiente. (...) Conclui-se, portanto, que referido sistema apenas identifica vínculos entre pessoas físicas e jurídicas, sem qualquer indicação de bens e valores. Ademais, o SNIPER não se destina a obter informações patrimoniais distintas daquelas já existentes em bancos de dados ordinariamente consultados pelo Juízo nos processos de execução. Trata-se de uma plataforma de busca unificada de informações já obtidas pela consulta individual aos diversos sistemas por ela abrangidos. Diante do exposto, indefiro o requerimento. 4. Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias - SIMBA O SIMBA (Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias) tem por objetivo a investigação de movimentação bancária como instrumento de combate a ilícitos penais. Não se aplica, portanto, para processos que visam a satisfação de créditos, como ocorre no caso dos autos. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS. Em relação ao COAF, SIMBA e Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional - CCS, importa considerar se tratarem de sistemas que têm por objetivo a investigação de movimentações bancárias para fins de combate a ilícitos penais, como lavagem de dinheiro, por exemplo, e não a localização de bens para garantia da execução, de modo que não se mostram instrumentos adequados à finalidade pretendida pelo credor, tampouco propiciam celeridade ou efetividade à execução. No que tange à consulta junto a B3 S.A. - Brasil, Bolsa, Balcão (BM&FBOVESPA e a CETIP), é firme o entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte a necessidade do respectivo pedido vir acompanhado ao menos de indício de existência de ativos/títulos, condição não verificada no caso em exame. (TRF4, AG 5041785-38.2019.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES, juntado aos autos em 23/10/2020) Assim, indefiro o pedido de consulta ao SIMBA. 5. Apreensão da CNH e do passaporte; cancelamento de cartões de crédito e de chaves PIX; suspensão de serviços bancários; bloqueio de pacotes de canais a cabo e de serviços de streaming, telefonia e internet Indefiro o pedido de adoção das medidas atípicas acima listadas. Não obstante a possibilidade do juízo determinar a prática de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial (inteligência do art. 139, inciso IV, do CPC), ao meu ver, o pleito formulado extrapola os limites e poderes de atuação do juízo cível em um processo executivo. A responsabilidade do devedor no processo executivo é patrimonial (art. 789 do CPC) e não pessoal, razão pela qual os requerimentos formulados pela CEF, que acarretariam em sanções à pessoa do devedor, fogem ao sistema adotado pela legislação em vigor. A adoção de tais medidas, além de desproporcional e sem relação direta com a cobrança, não terá o efeito de garantir o direito da credora, cuja pretensão é o pagamento de seu crédito, seja de forma direta, seja pela localização de bens penhoráveis. Ademais, diante da ausência de indícios de que a parte executada possua patrimônio expropriável ou tenha condições de efetuar o pagamento do débito, não resta comprovada a utilidade de eventuais medidas executivas atípicas. 6. Consulta ao sistema Bacen-CCS O CCS - Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro consiste em um sistema do Banco Central de informações de natureza cadastral que tem por objeto principal os relacionamentos que são mantidos pelas instituições participantes com os seus correntistas e/ou clientes e com os representantes legais e/ou convencionais dos mesmos correntistas e/ou clientes, não contendo dados de valor, de movimentação financeira ou de saldos de contas e aplicações. É sistema utilizado em investigações de natureza criminal, criado por determinação da Lei 10.701/03, que, alterando a Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), imputou ao Banco Central a obrigação de manter registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores. Sua utilização é restrita a uma finalidade específica, conforme disposição do Convênio de Cooperação Institucional firmado entre o BACEN e o Conselho Nacional de Justiça (https://www.bcb.gov.br/acessoainformacao/gestao/convenios/ccs-20081202-convenio-bacen-cnj_.pdf), que não contempla consultas em processos de execução de natureza cível. Assim, incabível sua utilização nestes autos, razão pela qual, nesse ponto, indefiro o pedido. 7. CVM, PREVIC, CNSEG, SUSEP, BM&FBOVESPA, CETIP, FENASEG E FENAPREVI Indefiro a expedição de ofício à Comissão de Valores Mobiliários - CVM, Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização - CNSEG, Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, BM&FBOVESPA, Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos - CETIP, Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta - FENASEG e Federação Nacional de Previdência Privada e Vida - FENAPREVI. A busca de eventuais aplicações, investimentos e instituições do Sistema Financeiro Nacional em que a parte executada realiza transações bancárias já está abrangida por meio da busca realizada pelo sistema Sisbajud. Segundo o regulamento do sistema, a ordem de bloqueio destina-se a bloquear tanto saldo existente em conta de depósito à vista (conta-corrente), quanto em contas de investimentos e de poupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras, fundos de investimento, e demais ativos sob a administração, custódia ou registro da instituição participante. Além disso, destaco que a localização de bens do executado passíveis de constrição é responsabilidade da parte exequente. Em casos análogos, reputa o TRF4 que a expedição do ofício nessas situações onera o Poder Judiciário de forma excessiva. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PESQUISA DE BENS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS. FENSEG. SUSEP. CVM. DESCABIMENTO. AUTORIZAÇÃO DE DILIGÊNCIA PELA EXEQUENTE. 1. A consulta à base de dados da Federação Nacional de Seguros Gerais - FENSEG, da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP e da Comissão de Valores Mobiliários - CVM depende de expedição de ofício àqueles órgãos, expediente que onera o Judiciário em demasia e faz com que este substitua o exequente, responsável pela localização de bens do executado passíveis de constrição. 2. Autorizada a exequente, contudo, a diligenciar junto à FENSEG, à SUSEP e à CVM, por seus próprios meios, a fim de buscar informações que indiquem a existência de bens do devedor. (TRF4, AG 5018771-20.2022.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 06/07/2022) AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS. CONSULTA. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. DESCABIMENTO. 1. A consulta às bases de dados da Federação Nacional de Seguros Gerais e da Superintendência de Seguros Privados depende de expedição de ofícios àqueles órgãos, expediente que onera o Judiciário em demasia e faz com que este substitua o exequente, responsável pela localização de bens do executado passíveis de constrição. 2. A pesquisa e penhora de valores mobiliários em nome da parte executada somente se faz possível se demonstrada, por prova idônea, a existência de aplicações em nome desta, demonstrando assim, alguma chance de êxito. (TRF4, AG 5029022-34.2021.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 31/08/2022) ADMINISTRATIVO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PESQUISA DE BENS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À FENSEG. DESCABIMENTO. AUTORIZAÇÃO DE DILIGÊNCIA PELA EXEQUENTE. 1. A consulta à base de dados da Federação Nacional de Seguros Gerais - FENSEG - depende de expedição de ofício àquele órgão, expediente que onera o Judiciário em demasia e faz com que este substitua o exequente, responsável pela localização de bens do executado passíveis de constrição. 2. Autorizada a exequente, contudo, a diligenciar junto à FENSEG, por seus próprios meios, a fim de buscar informações que indiquem a existência de bens do devedor. (TRF4, AG 5013478-06.2021.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 15/06/2021) No entanto, fica a exequente autorizada a diligenciar junto às referidas instituições, por seus próprios meios, a fim de buscar informações que indiquem a existência de bens penhoráveis do devedor. Se necessário, cópia desta decisão servirá como Ofício para essa finalidade. 8. CAGED, CENSEC, CNIS, INFOSEG, NAVEJUD, PLENUS, SERPRO, SIEL, SISCOAF, SREI, SERP-JUD, PREVJUD, SNGB, SNCR, ARISP, ANAC e Capitania dos Portos Indefiro os pedidos de consulta ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, Sistema do Colégio Notarial do Brasil - CENSEC, Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, Sistema de Informações ao Judiciário - INFOSEG, Cadastro Nacional de Informações dos Beneficiários da Previdência Social - PLENUS, Serviço Federal de Processamento de Dados - SERPRO, Sistema de Informações Eleitorais - SIEL e Sistema de Controle de Atividades Financeiras - SISCOAF, por não atenderem à finalidade pretendida (busca de bens penhoráveis). Indefiro também a expedição de ofício ao SNCR - Sistema Nacional de Cadastro Rural, visto que a localização de propriedades rurais em nome dos executados pode ser realizada por meio da declaração de operações imobiliárias (DOI) e da declaração de imposto sobre a propriedade rural (DITR), solicitadas pelo Infojud. Resta indeferido, da mesma forma, o requerimento de expedição de ofício à ANAC e à Capitania dos Portos/Marinha do Brasil, visto que referem-se a registro de aeronaves e embarcações, sendo as informações públicas, passíveis de pesquisa direta pelo exequente. Quanto ao NAVEJUD, informo que o sistema não está disponível a este Juízo. Além disso, não há indício de prova de que o executado possua bens dessa espécie em seu patrimônio. Eventuais aeronaves/embarcações existentes também serão abrangidas pela pesquisa ao Infojud. Com relação à CENSEC e ao SREI, destaco que as ferramentas são de acesso público e as informações pretendidas podem ser solicitadas diretamente pelo requerente por meio do sistema, dispensando a atuação do Judiciário. Por sua vez, o SERP-JUD é uma plataforma de acesso aos serviços dos Registros Públicos brasileiros, que também possibilita a localização de bens imóveis em nome dos executados. Tal finalidade pode ser atingida por meio da pesquisa ao SREI, que está disponível para busca direta pelo exequente, conforme já mencionado. Além disso, eventuais bens imóveis registrados em nome dos executados seriam abrangidos pela pesquisa realizada no Infojud. O sistema PREVJUD permite ao Judiciário o acesso imediato a informações previdenciárias e o envio automatizado de ordens judiciais ao INSS em ações previdenciárias. Portanto, eventual busca seria inócua e não atenderia a finalidade pretendida pela parte exequente, já que presumem-se impenhoráveis as verbas decorrentes dos vínculos previdenciários, que são destinadas ao sustento do devedor e de sua família, nos termos do art. 833, inciso IV, do CPC. O Sistema Nacional de Gestão de Bens - SNGB tem a finalidade de rastrear toda a cadeia de custódia, desde o cadastro do bem, valor, documento ou objeto judicializado até a sua destinação final, com controle do histórico de sua movimentação judicial. Portanto, não visa a localização de bens passíveis de penhora. Ademais, não há qualquer razoabilidade em permitir tal pesquisa, em vista da natureza da dívida ora executada. O sistema de busca ARISP é empregado para procedimentos de averbação de penhoras de bens imóveis perante os ofícios de registro imobiliários do Estado de São Paulo, conforme disposto no Provimento nº 6/2009 da Corregedoria Geral da Justiça. Destaco que o sistema não é utilizado para busca de bens e que este Juízo não detém acesso ao mencionado sistema. Por fim, quanto ao SERPRO, destaco que a base de dados utilizada é a mesma do Infojud. Diante do exposto, indefiro os mencionados requerimentos. 9. Ofício às fintechs e empresas de intermediação de pagamento digital: Paypal, Pagseguro, Bcash, Wirecard (Moip), Payu, Mercado Pago, Global Bc, Gerencianet, Pagar.me, Yapay, Iugu Indefiro o pedido, visto que ao criar uma conta com o intermediador de pagamento, o vendedor/empresário informa seus dados bancários, para que a intermediadora faça o repasse do pagamento recebido quando realizadas vendas online. Nesse cenário, a consulta realizada junto ao Sisbajud, ainda que de forma indireta, abrange eventuais valores recebidos das empresas intermediadoras de crédito, na medida em que os valores obtidos são repassados para a conta corrente do vendedor/empresário. Portanto, entendo dispensável a pesquisa de bens nos moldes requeridos. Destaco, por fim, que o sistema Sisbajud já permite a realização da pesquisa nas seguintes instituições: GERENCIANET PAGAMENTOS DO BRASIL LTDA; WIRECARD BRAZIL; PAGSEGURO INTERNET S.A. e PAYPAL DO BRASIL SERVICOS DE PAGAMENTOS LTDA. Ademais, as fintechs também estão integradas ao Sisbajud. 10. Penhora de créditos do programa Nota Fiscal Paraná O programa Nota Paraná representa uma liberalidade do Governo do Estado para incentivar o contribuinte a pedir nota fiscal, visando o recolhimento do ICMS. Os créditos oriundos do programa são destinados apenas às pessoas físicas, e, normalmente, de reduzido valor, de forma que a sua penhora não se mostra útil ou producente à presente execução. Anoto que pessoas jurídicas estão excluídas do rol de beneficiários, nos termos do artigo 2º, § 1°, II, da Lei Estadual nº 18.451/2015. Diante do exposto, tendo em vista a insignificância dos créditos normalmente encontrados no programa, indefiro o requerimento. 11. Ofício às corretoras de criptomoedas e outros ativos não regulados Criptomoeda é uma moeda digital com criptografia, não emitida por governo. Não é regulamentada ou controlada pelo Banco Central, tampouco operada pelas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Entre suas finalidades está permitir ao portador que a negocie de forma eletrônica, sem intermédio de terceiros e sem ser rastreado. Assim, embora seja possível a negociação através das exchanges (como são chamadas as corretoras para negociação de moedas digitais), sua transação também pode ocorrer diretamente entre as pessoas, de forma livre, privada e global. Quando utilizam sua plataforma, a praxe dos investidores é não deixar seus ativos digitais nas exchanges. Após a transação, ele recolhe o ativo e armazena em sua posse. A chance de localizar a criptomoeda é mínima, pois, embora em crescimento, a utilização deste tipo de ativo é muito restrita e, por suas características, impedem a efetivação do bloqueio judicial, a penhora e, menos ainda, a sua transferência sem os códigos para sua movimentação, os quais, em princípio, somente são conhecidos pelo seu proprietário. Ademais, no caso em tela, a parte exequente não trouxe elementos que indiquem que a parte executada seja titular de bens dessa natureza, limitando-se a requerer a expedição de ofícios para diligências pelo Juízo. Entretanto, compete ao credor indicar os bens do devedor sujeitos à penhora e não impor ao Judiciário a realização de pesquisas que, de plano, se mostram inúteis, seja em razão da natureza dos bens, seja em razão da inexistência de provas de que o devedor os possua. Nesse sentido: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Ação de indenização. Pedido de penhora de moedas virtuais Bitcoin - Descabimento - Bens que não possuem lastro e não estão regulamentados pelo Banco Central ou pela CVM e podem ser negociados por qualquer meio digital, o que dificulta não apenas a efetivação, como o gerenciamento da penhora nos autos - Ausência, ademais, de comprovação de que o devedor seja efetivamente titular de bens dessa natureza - Pedido demasiadamente genérico - Recurso desprovido. (AI 2059251-85.2018.8.26.0000, 9ª Câm. De Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Galdino Toledo Júnio, j. 26/11/2019) AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Penhora de moeda virtual (bitcoin). Indeferimento. Pedido genérico. Ausência de indícios de que os executados sejam titulares de bens dessa natureza. Decisão mantida. Recurso desprovido (AI 2202157-35.2017.8.26.0000, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 21/11/2017) Pelo exposto, indefiro a diligência. 12. Penhora de bens que guarnecem a residência da parte executada A prática demonstra que a diligência é inócua e ineficaz, uma vez que em inúmeros casos que tramitam perante este Juízo, os bens localizados possuem valor irrisório ou sequer são passíveis de penhora. Registre-se, por oportuno, que compete ao juiz dirigir o processo e velar pela rápida solução do litígio, devendo indeferir diligências inúteis, a partir da observação do que ordinariamente ocorre (arts. 139 e 375 do CPC). O argumento de que tal medida funciona como coação para que os devedores procurem a exequente para renegociar suas dívidas não é suficiente para o acolhimento do pedido. Sendo assim, resta desde logo indeferido pedido nesse sentido. 13. Penhora de pontos em programas de milhas de empresas aéreas e em cartões de crédito: Indefiro o pedido, uma vez que, a rigor, as empresas responsáveis por esses programas não convertem os pontos acumulados em pecúnia, mas sim em vantagens a serem usufruídas pelo titular, de forma pessoal e, como regra, intransferível. Sobre o tema, os seguintes precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. MILHAS AÉREAS. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. NÃO CABIMENTO. 1. Não obstante a existência de expressão econômica, não há legislação específica regulatória de venda de milhas. 2. A ausência de mecanismos à disposição do Juízo para a conversão em pecúnia dos pontos/milhas viola o princípio da efetividade, não trazendo qualquer benefício econômico ao credor. 3. Inviável a expedição de ofício às companhias aéreas para que informem sobre a existência de cadastro, em nome da parte executada, em seus programas de fidelidade. (TRF4, AG 5048513-90.2022.4.04.0000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 08/02/2023) 14. Penhora de faturamento da empresa e de recebíveis de cartão de crédito e débito A penhora de faturamento é medida excepcional e o percentual penhorado não pode inviabilizar o exercício da atividade empresarial, conforme disposto no art. 866 do Código de Processo Civil. A penhora de recebíveis, pela mesma razão, exige cautela, pois interfere na capacidade econômico-financeira da empresa. A fim de resguardar a efetividade da medida judicial, evitando a realização de diligências inúteis, a exequente deve apresentar elementos indicativos que a empresa encontra-se em efetiva atividade, atuando no mercado e gerando faturamento. Ademais, entendo que a penhora de recebíveis está condicionada à demonstração prévia, pela interessada, da existência de vínculo comercial entre os executados e as empresas de cartão de crédito. 15. Consulta ao CRC-JUD (Central de Informações do Registro Civil) e penhora de bens em nome do cônjuge do executado É ônus da parte exequente diligenciar para identificar se e com quem a parte ré é casada, comprovando a data de início do vínculo conjugal, o regime de bens e se continuam casados ou em união estável, por meio da certidão de casamento ou escritura pública atualizada. A disposição do artigo 790, IV do CPC deve ser interpretada em consonância com o Código Civil e os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Assim, em razão da previsão de bens excluídos da comunhão (Código Civil, artigos 1.659, 1.666, 1.668 e 1.674), cabe à parte exequente comprovar que aqueles que estão registrados exclusivamente em nome do cônjuge do(a) executado(a) estão sujeitos à meação e/ou à responder pela dívida executada. E a busca por tais informações deve ser realizada diretamente pela parte, sem a intervenção do Poder Judiciário, uma vez que, de regra, a parte exequente possui informação sobre o estado civil da parte executada, bem como tem condições de realizar buscas no DETRAN e Cartórios de Registro de Imóveis, ao menos. O uso dos sistemas conveniados para consulta e bloqueio de bens em nome de pessoa que não integra a lide, sem a demonstração de que tais bens existem e estão sujeitos à execução, configura interferência indevida na esfera jurídica de terceiro e inobservância do devido processo legal. Desta feita, para análise do pedido, é ônus do requerente comprovar que a parte executada permanece casada (e com quem), qual o regime de bens adotado e a quais são os bens em nome do cônjuge da parte executada que estão sujeitos à meação e/ou responder pelo débito executado. 16. Intimação da parte executada para indicação de bens passíveis de penhora Em regra, a determinação para que a parte executada indique bens penhoráveis consta da citação anteriormente encaminhada. Para deferimento do requerimento, deverá a parte exequente informar que a medida ainda não foi realizada, bem como indicar a utilidade da medida e a possibilidade desta surtir algum efeito. 17. Penhora de seguro de vida e/ou expedição de ofício para localização de contratos de consórcio O art. 833, inciso VI, do CPC estabelece a impenhorabilidade do seguro de vida, o que inviabiliza, a princípio, o requerimento. Há precedente do STJ (REsp nº 1919998/PR) que reconhece a possibilidade de penhora de valores excedentes a 40 (quarenta) salários mínimos que a parte executada recebeu como beneficiária do seguro de vida, ou seja, não tratou de penhora de seguro de vida. Ademais, o recebimento de valores de seguro de vida pela parte executada deve ser verificado e comprovado pela exequente, a quem compete o ônus de localizar bens penhoráveis. Por fim, as administradoras de consórcio estão abrangidas pelo sistema Sisbajud, de forma que não há necessidade de expedição de ofício para localização de contratos de consórcio em nome da parte executada. Assim, por ora, ficam indeferidos os requerimentos. 18. Intime-se a parte exequente da presente decisão, bem como de que futuros requerimentos idênticos aos já analisados, desacompanhados de indícios de alteração da situação patrimonial da parte executada e de justificativa da utilidade da medida, não serão analisados. No prazo de 15 (quinze) dias, deverá a parte exequente indicar bem específico para penhora, sob pena de suspensão do processo em razão da ausência de bens penhoráveis, nos termos do art. 921, inciso III, do CPC. Pois bem. 2. Da leitura da decisão agravada, depreende-se que o juízo de origem indeferiu a utilização do sistema SERP-JUD para pesquisa patrimonial. A utilização de sistemas eletrônicos pelo Judiciário, para localização de bens dos devedores passíveis de serem penhorados, concretiza o entendimento de que a execução deve atender o interesse do credor, a teor do art. 797 do Código de Processo Civil: Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados. Antes um procedimento de caráter excepcional, a penhora por meio de sistemas eletrônicos passou a constituir o meio prioritário para localização de bens e ativos do executado, inclusive obedecendo à ordem de preferência prevista no art. 835 do Código de Processo Civil. Os sistemas eletrônicos foram criados visando tornar mais efetivo o processo de execução, oportunizando ao Judiciário a obtenção de resultados ágeis e concretos. Nessa linha, esta 12ª Turma já se manifestou quanto à possibilidade de consulta a ferramentas análogas, como por exemplo, o SNIPER: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. TENTATIVAS DE LOCALIZAÇÃO DE BENS INFRUTÍFERAS. CONSULTA AO SISTEMA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL E RECUPERAÇÃO DE ATIVOS (SNIPER). PESQUISA DE BENS. POSSIBILIDADE. 1. A utilização de sistemas eletrônicos pelo Judiciário, para localização de bens dos devedores passíveis de serem penhorados, concretiza o entendimento de que a execução deve atender o interesse do credor, a teor do art. 797 do Código de Processo Civil. 2. Conforme considerações colhidas no site do Conselho Nacional de Justiça, o SNIPER (Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos) é uma solução tecnológica desenvolvida pelo Programa Justiça 4.0 que agiliza e facilita a investigação patrimonial para servidores, servidoras, magistrados e magistradas de todos os tribunais brasileiros integrados à Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ). (...) (TRF4, AG 5026046-83.2023.4.04.0000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 23/08/2023) Quanto à utilização do SERP-JUD, este Tribunal já possui precedentes no sentido de que é viável a consulta do sistema: Veja-se: AGRAVO DE INSTRUMENTO. UTILIZAÇÃO DOS SISTEMAS INFORMATIZADOS PARA PESQUISA DE BENS DO EXECUTADO. SERP-JUD. POSSIBILIDADE. 1. O SERP-JUD, criado pela Lei 14.382/2022, permite o acesso aos serviços dos registros públicos brasileiros, como registro civil, registro de imóveis e registro de títulos e documentos e pessoas jurídicas. 2. Este Tribunal possui entendimento no sentido de que é viável a consulta do sistema SERP/JUD, quando as pesquisas aos demais sistemas (SISBAJUD, RENAJUD E INFOJUD, etc) restaram infrutíferas. 3. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 5036464-46.2024.4.04.0000, 4ª Turma, Relator para Acórdão MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, julgado em 12/02/2025) PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SISTEMAS INFORMATIZADOS. SERP-JUD. UTILIZAÇÃO AUTORIZADA. 1. Com relação à utilização de sistemas informatizados colocados à disposição do Judiciário, como forma de melhor instrumentalizar a efetivação de penhora ou busca de bens dos devedores em processos de execução, com o art. 655-A do CPC/1973 (atual art. 854 do CPC de 2015) foi retirada da utilização de sistemas como INFOJUD, RENAJUD, SISBAJUD e SERP-JUD seu caráter excepcional. 2. Tais sistemas se constituem o meio por excelência para localização de bens, depósitos ou aplicações em instituições financeiras, sendo que estes, por sua vez, se encontram em primeiro lugar na ordem de preferência dos bens penhoráveis. 3. Agravo de instrumento provido para autorizar a pesquisa pelo sistema SERP-JUD. (TRF4, AG 5027436-54.2024.4.04.0000, 3ª Turma, Relator para Acórdão ROGERIO FAVRETO, julgado em 11/02/2025) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. SERP-JUD. LOCALIZAÇÃO DE BENS DO EXECUTADO. SISTEMA ELETRÔNICO DOS REGISTROS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. 1. O SERP-JUD foi instituído pela Lei 14.382/2022 e consiste em módulo exclusivo de acesso do Poder Judiciário e demais Órgãos da Administração Publica ao Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), com acesso instantâneo, seguro e facilitado aos serviços digitais já implementados pelos Cartórios de Registros do Brasil. 2. É com o uso sem resistência dos inovadores e ágeis sistemas de pesquisa de bens postos à disposição do Poder Judiciário que se poderá chegar à solução mais rápida e efetiva do processo de execução. 3. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 5028016-84.2024.4.04.0000, 3ª Turma, Relator para Acórdão LADEMIRO DORS FILHO, julgado em 17/12/2024) 3. No presente caso, tendo em vista as tentativas infrutíferas de pesquisas de bens do executado, deve ser reformada a decisão agravada para deferir o pedido de consulta ao sistema SERP-JUD. 4. Prequestionamento A fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, e considerando as Súmulas n° 282 e n° 356 do Supremo Tribunal Federal e n° 98 do Superior Tribunal de Justiça, dou por prequestionadas as disposições legais e constitucionais citadas pelas partes e esclareço que a presente decisão não as contraria ou nega vigência. Como destacado pelo Min. André Mendonça no julgamento do RE 1519307/SP, em 14/10/2024, a apresentação de embargos de declaração com intuito protelatório assoberba ilegitimamente a justiça, prejudicando a mais célere e efetiva prestação jurisdicional. A incidência da multa prevista no art. 1.026, §§ 2º a 4º, do CPC constitui, inclusive, dever da magistratura. Assim, saliento, desde já, que a oposição de embargos de declaração com a finalidade exclusiva de rediscutir a matéria aqui decidida estará sujeita à multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC. Ante o exposto, dou provimento ao Agravo de Instrumento. Intimem-se. Nada sendo requerido, dê-se baixa na distribuição com as cautelas de estilo. (TRF4, AG 5014921-50.2025.4.04.0000, 12ª Turma , Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO , julgado em 21/05/2025)(grifou-se)
1.2
Assim,
indefiro
o pedido de utilização do sistema CNIB, pois a situação dos autos não está abrangida nas hipóteses legais previstas.
2.
Quanto ao
SNIPER
(SISTEMA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL E RECUPERAÇÃO DE ATIVOS):
2.1
Trata-se de expediente de uso restrito, que provoca a quebra e o acesso a dados sigilosos, inclusive de terceiros não executados, e é direcionado à investigação de complexas estruturas de blindagem, criadas via colocação artificial de bens em nome de terceiros (laranjas). Seu uso deve ser restrito, conforme a natureza do crédito (condenação penal, improbidade administrativa, ressarcimento do erário), não tendo espaço de aplicação, senão excepcionalmente, em execução de crédito bancário, com pedido baseado na mera falta de localização de bens penhoráveis, circunstância que longe está de, mesmo indiciariamente, indicar a possível existência de uma tal estrutura e de bens penhoráveis. Sobre o tema, confira-se notícia do CNJ: <https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/sniper>
Como funciona o Sniper:
A ferramenta atua na solução de um dos principais gargalos processuais: a execução e o cumprimento de sentença, especialmente quando envolvem o pagamento de dívidas, devido à dificuldade de localizar bens e ativos. Antes do Sniper, a investigação patrimonial era um procedimento de alta complexidade que mobilizava uma equipe especializada no pedido e na análise de documentos e no acesso individualizado a bases de dados. Esse procedimento podia durar vários meses.
A partir do cruzamento de dados e informações de diferentes bases de dados, o
Sniper
destaca os
vínculos entre pessoas físicas e jurídicas de forma visual (no formato de graficos), permitindo identificar relações de interesse para processos judiciais de forma mais ágil e eficiente.
Para pleitear o uso da ferramenta, deve o exequente demonstrar, ainda que indiciariamente, a existência de bens penhoráveis, por exemplo por sinais exteriores de riqueza incompatíveis com uma situação econômico-financeira de penúria, formalizada na ausência de bens penhoráveis, o que não foi feito no caso em foco.
Fora de tais hipóteses, como ocorre no caso (execução de crédito bancário; pedido baseado na mera falta de localização de bens penhoráveis; inexistência de qualquer indício de bens penhoráveis e de uma estrutura de blindagem que os oculte dos registros públicos de bens aos quais a exequente tem acesso independentemente de intervenção judicial), a busca de bens, para efeito de indicação à penhora, é tarefa que compete ao exequente (CPC, art. 524, VII), e não ao Poder Judiciário, ao qual não cabe admitir a transferência indevida de atribuições, absorvendo-as e onerando o serviço cartorário.
2.2
Assim,
indefiro
o pedido.
3.
No tocante ao pedido de utilização do Sistema SERASAJUD, embora este Juízo esteja ciente do convênio firmado entre o Conselho Nacional de Justiça e o SERASA Experien para utilização do audido Sistema, entendo que, no caso concreto,
o próprio credor pode requerer administrativamente a inscrição do devedor no cadastro restritivo de crédito
, pois se trata de inadimplência em um contrato, razão pela qual desnecessária a via judicial.
3.1
Do contrário, poderá haver duplo cadastramento, o que, no meu entender, se mostra ilegal.
Assim, indefiro o pedido.
4.
Intime-se a Parte Exequente para que, no prazo de 15 dias, indique bens à penhora.
Não havendo bens penhoráveis, retorne-se ao arquivo, nos moldes do art.921, §4º, do CPC.
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Processo nº 5001901-93.2025.4.04.7112
ID: 331867870
Tribunal: TRF4
Órgão: 3ª Vara Federal de Canoas
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5001901-93.2025.4.04.7112
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO MESKO DIAS
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5001901-93.2025.4.04.7112/RS
AUTOR
: GUIDO GASPAR NICOLINI
ADVOGADO(A)
: BRUNO MESKO DIAS (OAB RS072493)
DESPACHO/DECISÃO
Vistos em decisão de saneamento e organização.
Forte n…
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5001901-93.2025.4.04.7112/RS
AUTOR
: GUIDO GASPAR NICOLINI
ADVOGADO(A)
: BRUNO MESKO DIAS (OAB RS072493)
DESPACHO/DECISÃO
Vistos em decisão de saneamento e organização.
Forte nos arts. 10 e 357 do CPC,
impõe-se delimitar algumas questões de fato e de direito com repercussão na atividade probatória, adotando-se, preliminarmente - e sujeito à retificação/complementação superveniente, de ofício ou por provocação das partes -, as premissas a seguir.
Inicialmente, em relação aos pedidos de designação de prova pericial,
Indefiro
, no presente estágio processual, o pedido de prova pericial requerida pela parte autora.
É que a desconstituição do formulário voltado à comprovação do tempo especial e/ou de outros registros das condições ambientais de trabalho é controvérsia afeta às feições da relação empregatícia e, portanto, matéria que extravasa o litígio travado com a Previdência Social (objeto litigioso do processo judicial previdenciário), sendo dirimível apenas pela Justiça do Trabalho, nos termos da norma de competência definida na Constituição Federal, art. 114, a quem caberá eventualmente, em ação declaratória (imprescritível), compelir o empregador a emitir os papeis que espelhem a concreta situação laboral, caso confirmada a inveracidade de seu conteúdo. É dizer, consoante já decidiu o TST, que
“se a causa de pedir (remota e próxima) e o pedido têm origem no contrato de trabalho e nas figuras de empregador e empregado, resta indubitável a competência material da Justiça do Trabalho para julgar o conflito, nos termos do art. 114, I, da Constituição Federal, ainda que se trate de obrigação acessória ao contrato de trabalho, qual seja a de o empregador fornecer documento para que o empregado se habilite junto ao INSS para solicitar benefício previdenciário”
; por outro lado
, “a obrigação de fazer imposta à reclamada é restrita à expedição de novo PPP, cabendo ao INSS decidir se a realidade laboral vivenciada pelo empregado dá ensejo à aposentadoria especial ou não”
(Tribunal Superior do Trabalho - AIRR - 116340-12.2006.5.03.0033 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 22/09/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/10/2010), com o que se deslinda
o foco de eventual ação previdenciária perante a Justiça Federal: a revisão
(judicial review)
da postura da Autarquia Previdenciária dentro daquilo que a ela cabe
legalmente
avaliar, isto é, a aferição da satisfação dos pressupostos da aposentadoria especial com base na “realidade laboral vivenciada pelo empregado”
devidamente documentada
(preferencialmente no PPP)
. A respeito dessa temática, é elucidativa a leitura de alguns precedentes do TST e TRT4 (RS):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE RECURSO DE REVISTA EM AÇÃO DECLARATÓRIA. RECLAMAÇÃO PLÚRIMA MOVIDA CONTRA O EMPREGADOR PARA APURAÇÃO TÉCNICA DE CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE TRABALHO. RECURSO DO INSS. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. AÇÃO DE NATUREZA NITIDAMENTE TRABALHISTA, E NÃO PREVIDENCIÁRIA. INGRESSO DO INSS NO FEITO, COMO MERO ASSISTENTE, QUE NÃO COMPORTA O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO, MERECENDO CONFIRMAÇÃO O DESPACHO AGRAVADO AO ENTENDER AUSENTES, NA HIPÓTESE, OS PRESSUPOSTOS DE CABIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. O acórdão regional, ao proclamar que não estão em discussão aspectos técnicos acerca da viabilidade, ou não, para os autores, de aposentadorias especiais - esta, sim, uma questão previdenciária -, mas tão somente a obrigação patronal de reconhecer, a partir de verificação por perito do Juízo, condições ambientais nocivas de trabalho dos empregados para que eles possam, noutra esfera, -acionar o estudo acerca da viabilidade de aposentadorias especiais-, deixa clara a observância, no caso, dos limites jurisdicionais da competência trabalhista, não incidindo, portanto, em vulneração do art. 109, I, da Constituição.
Decisão que limitou-se a julgar cabível, no âmbito trabalhista, a apuração pericial das condições de trabalho e a emissão de formulário antes conhecido como DSS (DIRBEN) 8030, hoje, PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) para que, -aí sim ao leito da legislação previdenciária e em contraditório outro-, os trabalhadores venham a discutir a questão previdenciária daí resultante junto ao INSS
. Precedentes. Agravo de instrumento não provido. (AIRR - 60741-19.2005.5.03.0132 , Relator Juiz Convocado: Flávio Portinho Sirangelo, Data de Julgamento: 17/11/2010, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/11/2010)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. FORMULÁRIO PPP E LAUDO TÉCNICO CORRELATO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos do art. 114 da Constituição Federal,
compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, incluindo outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, inclusive o formulário PPP e laudo técnico correlato
, em razão da relação de emprego mantida pelo reclamante com a empregadora. Agravo conhecido e desprovido. (AIRR - 61240-87.2005.5.03.0007 , Relator Juiz Convocado: José Ronald Cavalcante Soares, Data de Julgamento: 01/11/2006, 6ª Turma, Data de Publicação: DJ 24/11/2006)
RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, I, da CF/88. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PREENCHIMENTO DA GUIA PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO- PPP. trabalho sob condições de risco acentuado à saúde. produção de prova. A guia do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP - deve ser emitida pelo empregador e entregue ao empregado quando do rompimento do pacto laboral, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos exatos termos da legislação previdenciária, contendo a relação de todos os agentes nocivos químicos, físicos e biológicos e resultados de monitoração biológica durante todo o período trabalhado, em formulário próprio do INSS, com preenchimento de todos os campos (art. 58, parágrafos 1º a 4º, da Lei 8.213/1991, 68, §§ 2º e 6º, do Decreto 3.048/1999, 146 da IN 95/INSS-DC, alterada pela IN 99/INSS-DC e art. 195, § 2º, da CLT).
A produção de prova, para apuração ou não de labor em reais condições de risco acentuado à saúde e integridade física do trabalhador, mesmo para fazer prova junto ao INSS visando à obtenção da aposentadoria especial, por envolver relação de trabalho, é da competência desta Justiça Especializada, art. 114, I, da CF, e não da Justiça Federal
. Há precedentes. A mera entrega da PPP não impede que a Justiça do Trabalho proveja sobre a veracidade de seu conteúdo. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-18400-18.2009.5.17.0012, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT 30/09/2011).
RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMISSÃO DO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. OBRIGAÇÃO TÍPICA DA RELAÇÃO DE TRABALHO. ARTIGO 114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
O artigo 58, § 4º, da Lei nº 8.213/91, ao estipular que 'a empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento', impõe obrigação típica da relação de trabalho, ainda que tenha implicações previdenciárias; logo, trata-se de matéria abrangida pela competência da Justiça do Trabalho
. Recurso de revista provido. (RR-271000-52.2005.5.12.0031, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, DEJT 18/03/2011).
RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. EMISSÃO DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO - PPP. NÃO INCIDÊNCIA.
Nos termos do §1º do artigo 11 da CLT, os prazos prescricionais atinentes ao direito de ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, não se aplicam às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social
. Precedentes. Recurso de revista não conhecido." (RR-617-72.2010.5.03.0107, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 20/2/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: 1/3/2013)
RECURSO DE REVISTA. 1. PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE DIREITOS. COMPROVAÇÃO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. ARTIGO 11, § 1º, DA CLT. O artigo 11, § 1º, da CLT declara a imprescritibilidade das ações que tenham como finalidade a obtenção de informações que devam ser fornecidas pelo empregador, ainda que, em seu conteúdo, comine-se a este a obrigação de fazer as anotações relevantes à condição de segurado ou entregar documento que contenha tais informações.
Nota-se, assim, que a imprescritibilidade a que se refere o dispositivo não se circunscreve às ações meramente declaratórias, mas abrange qualquer modalidade de ação que tenha como finalidade a certificação de situações fáticas necessárias à comprovação de algum direito junto à Previdência Social
, como ocorreu no presente caso. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (RR-1195-96.2010.5.03.0022, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 13/11/2012, 5ª Turma, Data de Publicação: 16/11/2012)
INTERVALO INTRAJORNADA. FRACIONAMENTO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. (...) RETIFICAÇÃO DO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO - PPP.
INSALUBRIDADE APURADA EM JUÍZO
. 1. Nos termos do § 1º do artigo 58 da Lei n.º 8.213/91, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP é o documento pelo qual o trabalhador segurado faz prova junto ao INSS da sua exposição a agentes nocivos no desempenho de suas funções, de modo a ter jus à aposentadoria especial. Ainda segundo o referido dispositivo, a empresa ou seu preposto são os responsáveis pela emissão do referido documento atestando as condições especiais de trabalho, com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho. 2.
Diante disso, constatada em Juízo a existência de insalubridade nas condições de trabalho do empregado, é lícita a ordem de retificação do documento PPP pela empregadora, de modo a atender plenamente o comando do artigo 58, § 1º, da Lei n.º 8.213/91
. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 352-95.2010.5.03.0034 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 22/05/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2013)
RECURSO DO RECLAMANTE. Competência da Justiça do Trabalho. Retificação do Perfil Profissiográfico Previdenciário. Atividade insalubre
.
A Justiça do Trabalho é competente para julgar demanda entre empregado e empregador, na qual aquele pretende obrigar este a expedir o documento PPP com as informações acerca da natureza insalubre de suas atividades
. Recurso provido neste item. Nulidade do processo. Cerceamento de defesa. Prova pericial. Local de trabalho desativado.
Perícia
em outro local. O fechamento do local de trabalho do reclamante é insuficiente para impedir a realização da
perícia
quando as mesmas atividades estiverem sendo realizadas pela reclamada em local diverso, configurando cerceamento de defesa o indeferimento da prova. Recurso provido neste tópico (TRT4 - PROCESSO: 0000896-33.2014.5.04.0352 RO, Rel. Des. Marcelo Gonçalves de Oliveira, j. 12/08/2015)
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. DEVER DE DOCUMENTAÇÃO AMBIENTAL DO EMPREGADOR. DIREITO DE INFORMAÇÃO DO TRABALHADOR. PRESUNÇÃO DE NEXO ENTRE O AGRAVO À SAÚDE DO TRABALHADOR E O SERVIÇO PRESTADO. 1.
Adocumentação da existência ou não de condições ambientais nocivas e de risco à saúde e à segurança do empregado incumbe ao empregador. Estas obrigações ambientais desdobram-se, em sede processual, no dever do empregador de demonstrar, nos autos, de forma cabal, o correto cumprimento das medidas preventivas e compensatórias adotadas no ambiente de trabalho, para evitar danos aos trabalhadores
. 2. Obrigatoriedade de fornecimento do PPP - perfil profissiográfico previdenciário pelas empresas, documento no qual devem constar todas as informações relativas ao empregado, a atividade que exerce, o agente nocivo ao qual está exposto, a intensidade e a concentração do agente, exames médicos clínicos, além de dados referentes à empresa. Inteligência do art. 157 da CLT, c/c art. 19, §1º, e art. 58, §4º, da Lei 8213/91, e NR 09, do MTE. (...) (PROCESSO: 0001122-68.2013.5.04.0030 RO, 2ª Turma, Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso, j. 27/08/2015)
A questão da delimitação das atribuições da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, dentro do âmbito de suas competências constitucionais, foi bem analisada no primeiro precedente,
verbis:
[N]ão se verifica a vulneração do art. 109, I, da Constituição da República, sendo por demais evidente que não se trata, no caso, de ação de previdenciária, até porque nenhuma cominação foi postulada e, portanto, deferida, contra os interesses da autarquia da Previdência. O INSS, como ressalta o despacho agravado, foi admitido como mero assistente, sendo a ação de natureza nitidamente trabalhista, já que destinada à apuração do trabalho em ambiente nocivo. É incensurável, aliás, o acórdão regional, ao proclamar que
não estão aqui em discussão aspectos técnicos acerca da viabilidade, ou não, para os autores, de aposentadorias especiais – esta sim uma questão previdenciária -, mas tão somente a obrigação patronal de reconhecer as condições de trabalho desses empregados para que eles possam "acionar o estudo acerca da viabilidade de aposentadorias especiais, aí sim ao leito da legislação previdenciária e em contraditório outro"
, para concluir: "Certo é que, de acordo com as conclusões periciais, a Empresa se obriga a fornecer o que era antes conhecido como DSS (DIRBEN) 8030, hoje, PPP" (fl. 82 – esclareço: Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP).
Como se vê,
não há como atinar pela alegada afronta à competência da Justiça Federal, esta prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, já que a ação, destinada a elucidar as condições de trabalho e obter o direito dos empregados à declaração patronal acerca dessas condições, é nitidamente trabalhista
.
É da competência da Justiça do Trabalho conhecer das condições laborais do empregado, para fins de emissão pela empresa do formulário DIRBEN-8030 (ou, em outros momentos, dos formulários SB-40, DSS-8030 e PPP)
. Conforme bem esclareceu o Tribunal
a quo
, a questão disposta na pretensão inicial tem origem no ambiente de trabalho, cuidando a espécie de declaração da realidade funcional, para se determinar à empresa o cumprimento da formalidade que lhe diz respeito, para que, munido desta documentação, possa o trabalhador pleitear junto ao órgão previdenciário estatal a averbação do tempo de serviço para o cálculo da aposentadoria especial
.
Não suficiente, a constatação de que os dados do PPP não se revestem de veracidade ou fidedignidade tem repercussões administrativas (art. 58, par. 3º, da Lei de Benefícios c/c 68, par. 2º, do Decreto n. 3.048/99), trabalhistas (art. 192 da CLT - adicional de insalubridade), tributárias (art. 22, II, da Lei nº. 8.212/91 - adicional de contribuição previdenciária) e penais (arts. 297 e 299 do Código Penal – crimes de falsificação de documento público e falsidade ideológica), razão por que, salvo impossibilidade, a correção dependeria da ciência e da oportunidade de participação do empregador, em nome do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. A propósito, observe-se que é dever da empresa, em situação cadastral ativa, fornecer os documentos relativos às condições de trabalho do(a) segurado(a), nos termos dos arts. 58, §3º e 4º, e 133 da Lei n. 8.213/91, sob pena de multa:
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei
.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.
Perante a Justiça Federal (assim como perante o INSS), poderá ser contestado o PPP ou alguma demonstração ambiental da empresa apenas por meio de prova preconstituída
oriunda da Justiça do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência Social e do Ministério Público do Trabalho
ou
derivada do próprio estabelecimento empresarial
, impugnando-se, por exemplo, (a) a
regularidade do PPP
por meio da comprovação de que contém informações contrárias ou conflitantes com o laudo no qual se embasa, hipótese em que,
se viável, será aplicado o respectivo LTCAT ou PPRA
, ou (b) a
regularidade do próprio LTCAT ou
PPRA
por meio da apresentação de outras demonstrações ambientais pertinentes à própria empresa que contradigam o seu teor, inclusive as constantes em laudos técnico-periciais realizados no mesmo estabelecimento emitidos por determinação da JT, do MTPS ou do MPT (NR-15, itens 15.5, 15.6 e 15.7), ou ainda em ação judiciais pretéritas, que
serão substitutivamente utilizados no foro previdenciário
, sem prejuízo de eventual representação para os fins de apuração da responsabilidade civil, administrativa, fiscal e criminal cabível.
Apenas se for verificada omissão ou contradição insuperável nos registros ambientais da empresa capaz de impedir que se chegue a conclusão (
favorável
ou
desfavorável)
ao enquadramento da especialidade
é que se poderá lançar mão dos
meios de prova subsidiários
(na forma dos arts. 443, II, quanto à
prova testemunhal
, 464, par. 1º, II,
a contrario
sensu, quanto à
pericial
, ambos do CPC), na linha, aliás, do autorizado à própria Autarquia Previdenciária, no processo administrativo, quando exigida a sua atuação fiscalizatória para
confirmação das informações contidas no PPP ou nos demais registros ambientais por meio da inspeção no local de trabalho e/ou da oitiva de testemunhas
(arts. 68, par. 7º, 142-151, e 225, III, do Decreto nº 3.048/99; arts. 298, 574-600 e 686, da IN INSS/PRES nº 77/2015).
Logo, sobretudo quando estão disponíveis o
PPP regular e/ou os registros ambientais da empresa completos. íntegros e coerentes
, é descabida a realização de
perícia
, seja na esfera administrativa, seja ao longo da instrução do processo judicial previdenciário, restando assente que apenas quando houver
"dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência de tal documentação é plausível a produção de laudo pericial em juízo"
(TRF4, AC 5011892-11.2016.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 15/12/2020).
1) Quanto ao período rural de 06/01/1970 a 06/01/1977:
Intime-se
a parte autora para,
em 30 (trinta) dias
, complementar a documentação constante nos autos, apresentando todo e qualquer elemento que possa servir de início de prova material para o(s) período(s) pleiteado(s) (ex: matrícula da propriedade, guias pagas de ITR, certidão ou cadastro INCRA);
2) Quanto aos períodos abaixo:
Momentum Engenharia LTDA
Período:
24/01/1979 a 20/03/1979
Cargo/função:
Ajudante de eletricista (
evento 1, PROCADM8, p. 25
)
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 1, PROCADM12, p. 57
O autor deverá comprovar documentalmente que trabalhava nas dependências da REFAP conforme alegado na inicial.
Outros docs.
Audiência
Empresa brasileira de Telecomunicações S.A. – Embratel
Período:
25/11/1993 a 19/07/2000
02/01/2001 a 08/01/2015
Cargo/função:
De 25/11/1993 a 19/07/2000: Técnico Telecomunicações (
evento 1, PROCADM8, p. 32
)
De 02/01/2001 a 08/01/2015: NÃO COMPROVADO
Provas:
DSS-8030/PPP
NÃO APRESENTADO
Laudo Técnico
NÃO APRESENTADO
Laudo Similar/ empresa inativa
comprovante de inatividade:
evento 1, PROCADM8, p. 80
A empresa foi incorporada, cabendo ao autor diligenciar na busca da documentação comprobatória da especialidade junto à Sucessora, encargo que não se desincumbiu.
Outros docs.
Audiência
Intime-se a parte autora para providenciar, junto à(s) empregadora(s):
(a)
PPP regular e completo
, preenchido com a descrição das funções/atividades exercidas durante o(s) período em que laborou na(s) empresa(s) e dos fatores de risco, bem como com a indicação do responsável pelos registros ambientais, devendo conter nome, cargo e NIT do responsável pela assinatura do documento e o carimbo da empresa (ou declaração da empresa informando que o responsável pela assinatura do PPP está autorizado a assinar o documento) - em caso de ausência de registros ambientais contemporâneos à prestação do trabalho, deverão ser utilizados os dados extraídos do(s) documento(s) referentes à época mais próxima ou, subsidiariamente, do(s) documento(s) atual(is), indicando-se, no campo dedicado à designação do responsável, o período de vigência do documento que lastreou o preenchimento;
ou, caso não logre obtê-lo,
(b) Cópia do
Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) e/ou
Programa(s) de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA)
que contenha(m) a avaliação da exposição a fatores de risco,
sendo facultada, quando inexistentes avaliações da época da prestação do trabalho, a apresentação de laudos extemporâneos (preferencialmente mais próximos de quando desempenhado o labor), desde que contenham informações pertinentes à mesma função/atividade desempenhada pelo requerente ou, caso não exista, à função/cargo equivalente
; e
(c)
Cópias dos registros do fornecimento de EPI (
livros, fichas ou sistema eletrônico), para o período posterior a 03/12/1998.
Em caso de eventual negativa de fornecimento do(s) documento(s) acima referido(a) por parte da(s) empresa(s),
serve a presente decisão como ofício, cuja cópia deverá ser obrigatoriamente encaminhada pela parte autora à(s) empresa(s)
, podendo a sua autenticidade ser aferida no
site
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/
na opção Consulta Pública (processo acima referido).
⇒
Para a PARTE AUTORA
:
O prazo para a juntada nos autos dos documentos que lhe forem diretamente entregues ou, em caso de negativa, do comprovante de recebimento pela empresa desta decisão/ofício é de
15 (quinze) dias
, atentando-se para o fato de que a
simples juntada de cópia de email ou da comprovação do recebimento da carta AR no endereço da empresa não evidencia a cientificação
, razão pela qual cabe ser comprovado o efetivo protocolo desta decisão/ofício junto à(s) empregadora(s),
devidamente carimbado e constando o CNPJ e assinatura do representante legal da empresa.
⇒
Para a EMPRESA
:
O prazo para encaminhar o(s) documento(s) requisitados é de
15 (quinze) dias
a partir da comprovação do recebimento, devendo ser enviado(s) diretamente a esta Vara Federal,
por meio eletrônico
, no endereço
rscan03sec@jfrs.jus.br
.
Fica cientificado o diretor ou administrador responsável da(s) empresa(s) destinatárias que:
(a) A utilização do(s) documento(s) terá
finalidade
exclusivamente
previdenciária
;
(b) O(s) documento(s) é/são de apresentação
obrigatória
, conforme o art. 378 (
“Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”
) c/c os arts. 380, II, (
Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa: (...) II - exibir coisa ou documento que esteja em seu poder
), do Novo Código de Processo Civil (CPC), advertindo-se que, por força dos arts. 58, par. 3º, da Lei n. 8.213/01 e 68, par. 6º, do Decreto n. 3.048/99,
“a empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita às penalidades previstas na legislação”
; e
(c) Caso não apresentado o documento, será determinada a sua
busca e apreensão
, nos termos do art. art. 380, par. único, do CPC, podendo, na hipótese de
insucesso da medida, ser designada perícia judicial no estabelecimento
, cujas conclusões, se constatados indícios de que os registros ambientais da empresa disponíveis não se revestem de veracidade ou fidedignidade, serão encaminhadas à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT), de acordo com os arts. 154, 156, I-III, 157, 160, par. 1º, 189, 192 e 200, I-VII, da CLT, bem com ao Ministério Público Federal (MPF), a fim de que sejam apuradas as infrações administrativas (art. 58, par. 3º, da Lei de Benefícios), trabalhistas (art. 192 da CLT), tributárias (art. 22, II, da Lei nº. 8.212/91) e penais (arts. 297 e 299 do Código Penal).
Comprovando, o(a) autor(a), que a(s) empresa(s) encontra(m)-se ativa(s) e, não sendo fornecidos os documentos por parte do empregador, deverá a parte comprovar que diligenciou junto à(s) empresa(s), apresentando, neste caso, CNPJ, endereço atualizado, inclusive o eletrônico, e telefone para contato, situação na qual Determino que se diligencie na busca da documentação acima especificada, por meio eletrônico (
E-mail
) ou expedição de cartas
AR VPost
à(s) empresa(s), nos prazos anteriormente mencionados;
Por fim,
frustradas todas as tentativas de obtenção dos documentos, conforme as determinações acima, ou no caso de ficar comprovado que a(s) empresa(s) está(ão) inativa(s) ou ainda em local incerto e de difícil acesso, deverá(ão) ser apresentado(s) pela parte autora no prazo de intimação e cumulativamente:
(a)
Prova documental (ou início de prova material, a ser confirmado por prova testemunhal) do cargo/atividade/função desempenhado pelo segurado
(a exemplo de registro em CTPS, contrato de trabalho, recibos de pagamento ou outro referencial escrito, em que não poderá haver tão-somente alusão genérica à atuação como "serviços gerais", "auxiliar" etc.); e
(b)
Laudo de condições ambientais de trabalho referente à empresa baixada e, na sua falta, relativo à empresa similar, que deverá ser necessariamente trazido ao feito pela parte autora
, este último utilizado subsidiariamente e desde que contemple a mesma função desempenhada na empresa extinta e informações acerca do setor em que desempenhado o labor e/ou o equipamento manuseado, de modo a propiciar a verificação da correlação entre a sua profissão, cargo ou especialidade e a atividade avaliada pela empresa-paradigma (similaridade das empresas deve ser tanto em relação às atividades, como ao porte dos empreendimentos e à função do empregado).
3) Quanto aos períodos abaixo:
PSE Seleção e Locação de Mão de Obra Adm. LTDA
Período:
26/01/1988 a 26/12/1989
Cargo/função:
Aux. Téc. telecomunicações (
evento 1, PROCADM8, p. 29
)
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 1, PROCADM9, p. 20
evento 1, PROCADM9, p. 64
evento 1, LAUDO43
comprovante de inatividade||:
evento 1, PROCADM8, p. 70
Os laudos apresentados não contemplam atividade de Técnico em Telecomunicações.
Outros docs.
Audiência
Mayra Serviços Empresariais LTDA
Período:
27/12/1989 a 05/05/1992
Cargo/função:
Auxiliar Técnico em telecomunicações (
evento 1, PROCADM8, p. 31
)
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 1, PROCADM9, p. 20
evento 1, PROCADM9, p. 64
evento 1, LAUDO43
comprovante de inatividade:
evento 1, PROCADM8, p. 71
Os laudos apresentados não contemplam atividade de Técnico em Telecomunicações.
Outros docs.
Audiência
Embras-Empresa Brasileira de Eng. Projetos e Representações LTDA
Período:
06/05/1992 a 24/11/1993
Cargo/função:
Auxiliar Técnico em telecomunicações (
evento 1, PROCADM8, p. 31
)
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 1, PROCADM9, p. 20
evento 1, PROCADM9, p. 64
evento 1, LAUDO43
comprovante de inatividade:
evento 1, PROCADM8, p. 78
Os laudos apresentados não contemplam atividade de Técnico em Telecomunicações.
Outros docs.
Audiência
Global Village Telecom S.A.
Período:
24/07/2000 a 02/01/2001
Cargo/função:
Técnico em telecomunicações (
evento 1, PROCADM8, p. 33
)
Provas:
DSS-8030/PPP
evento 1, PROCADM8, p. 81
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 1, PROCADM9, p. 20
evento 1, PROCADM9, p. 64
evento 1, LAUDO43
comprovante de inatividade:
evento 1, PROCADM8, p. 71
Os laudos apresentados não contemplam atividade de Técnico em Telecomunicações.
Outros docs.
Audiência
Considerando que a(s) empresa(s) está(ão) inativa(s), entendo ser possível a produção de provas por similaridade, facultando à parte autora, no prazo de
15 (quinze) dias
, a juntada aos autos de
laudo similar
E
a apresentação de documentos que permitam enquadrar o cargo/atividade/função na(s) situação(ões) avaliadas tecnicamente na empresa-paradigma
.
Destaque-se que, conforme Resolução nº 7/2018, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está disponível o Banco de Laudos Técnicos Periciais das Condições Ambientais do Trabalho, cuja consulta pode ser realizada por meio do
eproc
, no menu "Gerenciamento de Laudos".
Esclarece-se, desde já, que toda a prova por similaridade deve respeitar,
sob pena de invalidação da mesma,
as semelhanças entre o ramo de atividade da empresa inativa com o da empresa que exarou o documento, idem quanto ao porte entre ambas as empresas e quanto à profissão desempenhada pela parte autora na empresa inativa com a profissão a que se refere o laudo apresentado. Por isso mesmo, e em obediência ao disposto nos arts. 55, par. 3º, da Lei n. 8.213/91 e 444, do CPC, o socorro a tal expediente depende da existência de
prova documental (ou início de prova material, confirmado por prova testemunhal) do cargo/atividade/função desempenhado pelo segurado
(a exemplo de registro em CTPS, contrato de trabalho, recibos de pagamento ou outro referencial escrito, em que não poderá haver tão-somente alusão genérica à atuação como "serviços gerais", "auxiliar" etc.)
, que necessariamente integrar o caderno processual por iniciativa da parte autora.
Desta forma,
cabe rejeitar o pedido de realização de perícia técnica por semelhança
ao menos até o aparecimento de evidências de que não é possível a juntada de provas conclusivas da especialidade (ou não) do labor, frisando-se que tal meio de prova apresenta natureza excepcional, uma vez que implica custos ao Poder Judiciário (dado que a parte autora é beneficiária da gratuidade da justiça) e desatende, em sua maioria, os pressupostos de cabimento da medida –
a efetiva dependência de conhecimento técnico
para a prova do fato alegado, a
necessidade
(em vista das demais provas produzidas) e a
viabilidade de reconstituição
das condições ambientais (art. 464 do CPC).
Juntados os documentos, dê-se vista às partes pelo
prazo de 15 (quinze) dias
.
Intimem-se.
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Processo nº 5022399-61.2025.4.04.7000
ID: 295038578
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5022399-61.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VIRGILIO CESAR DE MELO
OAB/PR XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5022399-61.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: NOVACKI INDUSTRIAL S.A.
ADVOGADO(A)
: VIRGILIO CESAR DE MELO (OAB PR014114)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Relatório - MS 50223…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5022399-61.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: NOVACKI INDUSTRIAL S.A.
ADVOGADO(A)
: VIRGILIO CESAR DE MELO (OAB PR014114)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Relatório - MS 5022397-91.2025.4.04.7000/PR:
Em 07 de maio de 2025, a empresa NOVACKI INDUSTRIAL S.A impetrou o presente mandado de segurança em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, pretendendo que lhe seja dado exportar o produto florestal indicado na petição inicial.
A impetrante sustentou, para tanto, atuar na comercialização de madeiras e que em 09 de abril de 2025 ela teria protocolado, junto ao IBAMA, o requerimento de nº 170787, enquanto costumeira exportadora de madeira para terceiro - empresa ARBA -, com atuação no território francês. O pedido de emissão da licença de exportação teria sido rejeitado, ao agumento de ser necessária a integração entre os sistemas estaduais e o Sinaflor, instituído pela Instrução Normativa IBAMA nº 19/2024, na forma das ADPF's nº 743 e 760, processadas perante a Suprema Corte.
Aduziu que o recurso administrativo por ela interposto teria sido indeferido pelo IBAMA. Enfatizou não poder suportar prejuízos por uma situação decorrente de problemas de comunicação entre estados no tocante ao compartilhamento de informações estatuais com o sistema federal SINAFLOR, e argumento fazer jus à mencionada exportação, sem ter que atender requisito a ser suprido por entidades burocráticas estaduais.
Destacou que a cadeia do custódia do produto florestal teria atendido à legislação, reportando-se aos documentos pertinentes. Postulou a concessão de liminar, a fim de que lhe seja dado exportar a madeira em questão, de forma urgente, diante dos seus interesses econômicos. Atribuiu à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e anexou documentos.
No evento 2 a impetrante comprovou o recolhimento de custas.
No movimento 6 declarei a competência deste juízo para julgamento do processo e declarei a sua conexão com o mandado de segurança de nº 50223996120254047000. Determinei a intimação do autor para emendar a petição inicial, endereçando a pretensão ao servidor público com aptidão para cumprir eventual sentença de procedência e para retificar a atribuição de valor à causa para corresponder ao provável lucro decorrente da exportação ou preço de mercado do produto, bem como para complementar as custas recolhidas. Determinei a oportuna notificação à autoridade impetrada para que prestasse as informações, postergando a apreciação do pedido de tutela antecipada para momento subsequente à juntada da peça de informações.
O impetrante emendou a petição inicial no movimento 111, atribuindo à causa R$ 225.214,65 (duzentos e vinte e cinco mil duzentos e quatorze reais e sessenta e cinco centavos). Comprovou o recolhimento das custas complementares. Endereçou sua pretensão ao Superintendente Regional do IBAMA no Estado do Paraná.
O IBAMA manifestou o interesse na demanda, na forma do art. 7, II, lei do mandado de segurança, movimento 14.
A autoridade impetrada prestou informações no movimento 16, ocasião na qual sustentou que a rastreabilidade da origem da madeira seria fundamental para a preservação da natureza, devendo-se atentar paras regras inerentes ao sistema nacional de controle ambiental dos produtos florestais. Aduziu que o sistema SINAFLOR teria sido criado em 2014, e desde então havia a obrigatoriedade do mesmo, e que não havia sistema de integração entre o Pará e Mato Grosso, e que o impetrante adquiriu produtos fora do sistema nacional, ignorando a responsabilidade como adquirente.
O Superintendente discorreu sobre a atuação do IBAMA no caso em concreto e relatou que a emissão da AUTEX 2608/2018 teria se dado por meio do sistema florestal estadual, não integrado ao SINAFLOR, de forma que não seria possível rastrear a origem da madeira. Não haveria registros junto ao Cadastro Ambiental Rural CAR a respeito do imóvel rural apontado como origem da madeira, obrigatório para a emissão de autorizações florestais. Reiterou que a cadeia de custódia invocada pela autora apontaria movimentações recentes (2023 e 2024), quando já vigente a exigência normativa e jurisprudencial de uso do Sinaflor, obrigatório desde 2018.
Detalhou as legislações e normativas que impõem a obrigatoriedade de utilização do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) e pontuou, novamente, que no presente caso o pedido de exportação está lastreado em autorização expedida pelo SEMA-MT, sem a integração no sistema federal, inexistindo margem para considerar válida aquela autorização, sem a integração ao SINAFLOR. Sustentou que o indeferimento encontrar-se-ia tecnica e juridicamente amparado.
1.2. Relatório - MS 50223996120254047000:
D'outro tanto, em 07 de maio de 2025, a empresa NOVACKI INDUSTRIAL S.A impetrou o mandado de segurança de autos acima mencionados em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, pretendendo a anulação de atos administrativos promovidos no processo 02602.000300-2025-00.
Para tanto, a empresa impetrante sustentou ter protocolado, em 09 de abril de 2025, pedido de emissão de licença ambiental para exportação de madeira para a empresa ARBA, com atuação em território franceso, junto ao sistema do IBAMA - requerimento 170777. Aludido pleito teria sido indeferido, ao argumento de não ter havido compartilhamento de informações estaduais com o SINAFLOR federal. Ela sustentou não poder influenciar sobre a mencionada conexão entre tais sistemas eletrônicos estatais, de modo a inibição da sua exportação configuraria uma indevida restrição de direitos.
Ela discorreu sobre a cadeia de custódia da operação, reportando-se aos documentos pertinentes. Postulou a concessão de provimento de urgência, a fim de que
"seja determinada a expedição da licença solicitada no Requerimento n.º 170777, autorizando a IMPETRANTE a realizar a exportação do produto florestal descrito no processo administrativo, mantendo-se a eficácia dessa decisão até o trânsito em julgado da sentença."
No movimento 7, declarei a competência deste juízo para julgamento do processo e registrei a conexão da demanda com o mandado de segurança de nº 5022397-91.2025.4.04.7000. Determinei a intimação do impetrante para emendar a peça inicial, endereçando a pretensão ao servidor com atribuições para cumprir eventual sentença concessiva da segurança, e para retificar o valor da demanda. Determinei ainda a notificação à autoridade impetrada para que prestasse as informações, postergando a apreciação da tutela antecipada para após a sua manifestação.
O impetrante emendou a petição inicial em movimento 111, atribuindo à causa o valor de R$ 344.813,85 (trezentos e quarenta e quatro mil oitocentos e treze reais e oitenta e cinco centavos). Comprovou o recolhimento das custas complementares. Endereçou sua pretensão em face do Superintendente Regional do IBAMA no Estado do Paraná.
O IBAMA manifestou interesse na causa, para os fins do art. 7, II, LMS. Expediu-se de mandado de notificação - evento 19.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A adequada apreciação do pedido de liminar demanda a retomada de alguns tópicos já vertidos nos autos por época da prelibação da peça inicial.
2.1. Pressupostos processuais e condições da ação:
Reporto-me ao despacho de evento 6 do eproc 5022397-91.2025.4.04.7000 no que toca aos pressupostos processuais e condições para válido exercício do dirieto de ação. Não sobrevieram elementos que ensejem a revisão do aludido exame.
2.2. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos
arts. 300 e ss. do CPC/15
. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC/15). Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
-
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo
. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371)
Quando se cuide-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55). No âmbito do mandado de segurança, há regras pontuais no
art. 7 da lei n. 12.016/2009
.
2.3. Respeito ao contraditório:
Assegurou-se manifestação à autoridade impetrada a respeito da narrativa dos fatos e dos argumentos jurídicos articulados pela parte demandante. A peça de informações foi anexada no movimento 16 do eproc 5022397-91.2025.4.04.7000.
2.4. Controle jurisdicional dos atos administrativos:
ivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (
voluntas regis suprema lex
). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 199-200).
Ora, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.
Bandeira de Mello explica que
"Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade
.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 210)
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos.
Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos.
" (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo.
volume I.Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. RJ: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio).
Também é possível o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (a respeito desse tema, leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011). Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.
Menciono o seguinte julgado:
"(...) 1. De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal."
(EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - 5. TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. ..EMEN: (RESP 199500599678, ANSELMO SANTIAGO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:09/06/1997 PG:25574 RSTJ VOL.:00097 PG:00404 ..DTPB:.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.5. Devido processo administrativo:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due process of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
Registro, por oportuno, os seguintes preceitos da Lei Fundamental: "
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO.
Obra.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade
. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.6. Controle da proporcionalidade:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
"1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. Conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros.
O princípio da
proporcionalidade
e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios
: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
2.7. Motivação dos atos administrativos:
Ora, como sabido, a motivação das decisões vinculadas é um dever da Administração Pública, consectário direto do postulado da legalidade.
"A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
'implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.'
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 100).
O art. 2º,
caput,
lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência
."
O art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação também é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei. O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Esse também é o conteúdo do julgado abaixo:
"(...) 3. O princípio da ampla defesa, que rege o processo administrativo, não se limita a assegurar o oferecimento de resposta e a produção de provas pelo administrado,
impondo, ainda, que os argumentos do administrado sejam apreciados fundamentadamente, ainda que seja para rejeitá-los
. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 4. Não se qualifica como apreciação das razões de defesa e dos elementos probatórios carreados menção genérica de que a defesa teria sido apresentada sem nenhum fato que pudesse amparar a conduta da concessionária. 5. A Administração não está impedida de apurar irregularidades eventualmente cometidas e adotar, respeitando o devido processo legal, as medidas legais cabíveis, incluindo a rescisão do contrato. 6. Apelação provida." (AC 200434000294352, JUIZ FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (CONV.), TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:26/09/2008 PAGINA:684.)
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais. Reporto-me ao julgado:
"A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação per relationem - isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -,
técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie
." (ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa)
Ademais,
"Conforme restou decidido pelo Pretório Excelso (ARE 646862 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012; ARE 657355 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2012 PUBLIC 01-02-2012), possui legitimidade jurídico-constitucional a técnica de fundamentação que consiste na incorporação, ao acórdão, dos fundamentos que deram suporte a anterior decisão (motivação per relationem)." (REO 200751010201997, Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, TRF2 - Data::15/05/2013, omiti parte da ementa)
Menciono também o seguinte precedente, que versa sobre a incorporação, no âmbito da decisão administrativa, dos pareceres anteriores:
(...) 3.
O fato do Termo de Rescisão contratual fazer expressa remissão aos "termos constantes do Processo nº 59400.9460/2009-80", em cujo bojo estariam os fundamentos do mencionado ato administrativo, atende ao requisito da motivação do ato, sob a modalidade "per relationem" ou por referência, prevista no art. 50, parágrafo 1º, segunda parte, da Lei n. 9.784/99
("A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato"). (...) (AG 00125847420104050000, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::30/11/2010 - Página::407.)
2.8.
Autoexecutoriedade administrativa
e poder de polícia:
O Estado de Direito impõe um plexo de garantias no que toca ao processo administrativo sancionador. De partida, quem acusa deve provar; não se podendo transportar, sem mais, a pretensa inversão do ônus da prova (presunção de legitimidade) para o âmbito do processo administrativo:
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria S.
Direito administrativo.
18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores do povo possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que é declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável, devendo-se juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc. Deve-se atentar para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo administrativo sancionador:
"Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção
iuris tantum
de legalidade. Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.
Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado. Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato
.
A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio
.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância
." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 171-172).
Reporto-me também à seguinte admoestação de Justen Filho:
"A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível. (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, p. 207)
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição abusiva, excessiva, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos indevidamente atingidos.
2.9. Boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"
Os princípios da segurança jurídica e da
boa-fé objetiva
, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório
."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS, Francisco.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
2.10. Duração razoável
do processo:
Os sujeitos fazem jus à razoável duração do processo, conforme art. 5º, LXXVIII, CF, aplicável também no âmbito administrativo. Daí que, por força do direito de petição (art. 5º, XXXIII e XXXIV, CF), as pessoas fazem jus ao direito de obter uma resposta motivada/fundamentada, junto à administração tributária, quanto aos pedidos de compensação formulados.
No que toca ao prazo, pode-se cogitar da aplicação dos arts. 48 e 49 da lei 9784, de 1999:
Art. 48.
A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência
.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
Deve-se atentar também para o art. 24 da lei n. 11.457, de 2007:
"
É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições,defesas ou recursos administrativos do contribuinte
."
"
A EC 45/2004 acrescentou o inc. LXXVIII ao art. 5.º do texto constitucional, estabelecendo a garantia da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade da sua tramitação. Trata-se de uma consequência direta do devido processo legal; afinal, para o processo ser devido, é imprescindível que não seja injustificadamente moroso
.
A ideia de duração razoável surge no Brasil como uma necessária resposta ao imenso volume de trabalho dos tribunais, que resulta quase que inescapavelmente na tramitação lenta dos processos. Ainda mais, este princípio relaciona-se com a frequente dificuldade de satisfação das pretensões submetidas ao Judiciário, uma vez que a mera declaração do direito, sem sua realização, não é ainda a entrega da tutela jurisdicional. E é tendo em vista essa situação que o art. 4.º do CPC/2015 garante “o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
O trecho final do artigo dá a necessária importância à adoção de meios adequados e efetivos à realização prática dos direitos pleiteados. É tarefa do Poder Judiciário valer-se de técnicas processuais aptas a dar à parte vencedora do litígio, na medida do possível, exatamente aquilo que foi pleiteado. Exemplos de meios coercitivos para a obtenção de satisfatividade são os arts. 461 e 461-A do CPC/1973, e a correspondente possibilidade de tutela específica nos arts. 497 a 500 do CPC/2015.
Na realidade, não existe um princípio que ordene a celeridade processual. O processo não precisa correr, com pressa, sob risco de serem esquecidas ou abandonadas as garantias do devido processo legal. A necessidade é a de que o procedimento dure apenas, e tão somente, o tempo necessário. A duração razoável comporta, isto é, um “processo sem dilações indevidas”. Esta é a meta de uma situação ideal.
A importância do tempo dentro do processo é uma preocupação crescente, em especial no atual contexto de rapidez e quase imediatidade da troca de informações em meio virtual. Se outros setores da vida em sociedade aceleram o ritmo, é esperado pelo jurisdicionado que a vida do processo tenha a mesma sorte – e daí podem surgir insatisfações generalizadas com o funcionamento do Judiciário e a administração da Justiça
. O ponto de equilíbrio, é sempre bom lembrar, deve ser o respeito ao devido processo legal, cujas garantias implicam quase que inevitavelmente a prática de mais atos processuais. Salvo exceções justificadas – como a concessão de medidas de urgência inaudita et altera pars –, é o devido processo, e não a celeridade, que deve ter prevalência." (ALVIM, Arruda.
Novo contencioso cível no CPC/2015
. SP: RT. 2016. item 1.6).
Em determinados contextos, referido lapso pode ser controlado pelo Poder Judiciário, na tarefa de sindicalizar a validade dos atos administrativos.
"(...) -
Extrapolando os limites da razoabilidade, conduta que por sua vez viola o princípio da legalidade, poderá o Judiciário intervir no ato administrativo, fazendo cumprir, como no presente caso, o prazo de 30 dias fixado no artigo 49 da Lei nº 9.784/99, para decisão em processo administrativo
.- (...)" (AMS 00055261020104036100, JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
"TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PRAZO PARA PROLAÇÃO DE DECISÃO. ART. 24 DA LEI Nº 11.457/2007. PRECEDENTE. - Pedidos de ressarcimento de PIS/PASEP e COFINS, incidentes sobre as matérias-primas e demais insumos necessários à industrialização de produto destinado à exportação, no período compreendido entre o 4º trimestre de 2002 e o 2º trimestre de 2006 (PIS), protocolados pelos contribuinte no período de novembro/2003 a outubro/2009. - A Lei nº 11.547/2007 cuida do processo administrativo junto à Administração Pública Federal, preconizando no seu art. 24 que "é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta)dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte."
Os arts. 48 e 49 da Lei nº 9.784/99, que regula o processoadministrativo no âmbito da Administração Pública Federal não tem aplicabilidade no presente caso, tendo em vista o seu caráter subsidiário, ante a existência de norma específica. Há de se tomar como obrigatório para a prolação de decisão administrativa o prazo de 360 dias. Precedente do STJ
(RESP 200900847330, LUIZ FUX, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, 01/09/2010) - Apelação e remessa oficial desprovidas.
"
(APELREEX 00083000220124058100, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::10/01/2013 - Página::105.)
Não se pode ignorar, por certo, as dificuldades enfrentadas pelo Poder Executivo no desempenho de suas relevantes funções, quais sejam a eventual falta de colaboração do administrado, a grande quantidade de documentos a analisar, a escassez de recursos materiais e humanos, além do sempre crescente volume de trabalho. Também deve-se ter em conta a necessidade de cautela e zelo a que estão jungidos todos os servidores públicos, no trato da coisa pública, atividade que nos impõe sérias responsabilidades e, exatamente por isso, demanda tempo.
Daí que referida questão exige um exame tópico, caso a caso, diante da complexidade de cada situação, em confronto com o prazo decorrido para a apreciação do pedido pela Administração Pública.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. DEMORA NA DECISÃO. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1.
A excessiva demora da decisão acerca do requerimento/ recurso administrativo, sem justificado motivo, não se mostra em consonância com o direito fundamental à razoável duração do processo, e tampouco está em sintonia com os princípios da razoabilidade e da eficiência da Administração Pública
. 2. Considerando a demora excessiva da decisão administrativa, restou justificada a concessão da segurança. (TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50053121620214047200 SC 5005312-16.2021.4.04.7200, Relator: SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Data de Julgamento: 23/11/2021, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETENCIA DO JUÍZO, DECADENCIA E CARENCIA DA AÇÃO REJEITADAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMORA INJUSTIFICADA. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. SENTENÇA MANTIDA. I - No que tange à demora injustificada no procedimento administrativo, este possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que, conforme se observa do processo administrativo, este ainda tramita aos seus cuidados visto que, quando da impetração do presente mandamus, ainda se encontrava na "Superintendência do IBAMA no Mato Grosso". Sendo o Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Mato Grosso parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, é competente a Seção Judiciária do Mato Grosso para julgamento desta demanda. II - "Quando o ato apontado como coator configura-se ato omissivo e continuado, não há que se falar em decadência do prazo de 120 (cento e vinte) dias disposto no art. 23 da Lei 12.016/2009, o qual se renova continuamente" ( AMS 0003978-89.2011.4.01.3700/MA, TRF1, Quinta Turma, Relator Juiz Federal convocado Rodrigo Navarro de Oliveira, unânime, e-DJF1 de 22/01/2018). III - Deve ser rejeitada também a preliminar carência de ação, suscitada ao argumento que, embora o Impetrante alegue ter apresentado as autorizações expedidas pelo órgão ambiental, não consta nos autos qualquer Licença Ambiental, uma vez que o pedido em análise se refere à morosidade do procedimento administrativo e não quanto ao seu mérito. IV - "
Verificada a demora injustificada, correta a estipulação de prazo para que a administração conclua procedimento administrativo. Aplicável a jurisprudência da Corte que assegura a razoável duração do processo, segundo os princípios da eficiência e da moralidade, não se podendo permitir que a Administração postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo." (STJ, REsp 1145692/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe 24/03/2010) V - Apelação e remessa oficial às que se nega provimento
. (TRF-1 - AMS: 00108410220134013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 03/02/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 13/02/2020)
Em que pese ser indispensável que o requerido adote redobrados cuidados no exame de tais pleitos, impõe-se que haja exame em prazo razoável, por conta das premissas já entabuladas acima. Assim, conquanto não desconsidere as dificuldades burocráticas e estruturais enfrentadas pelos diligentes servidores da autarquia -
algumas das quais compartilhadas pelo próprio Poder Judiciário
-, é fato que eventual demora na apreciação de pedidos administrativos pode dar causa a danos ao(s) postulante(s).
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES DE ILETITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETENCIA DO JUÍZO, DECADENCIA E CARENCIA DA AÇÃO REJEITADAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMORA INJUSTIFICADA. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. SENTENÇA MANTIDA. I - No que tange à demora injustificada no procedimento administrativo, este possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que, conforme se observa do processo administrativo, este ainda tramita aos seus cuidados visto que, quando da impetração do presente mandamus, ainda se encontrava na "Superintendência do IBAMA no Mato Grosso". Sendo o Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Mato Grosso parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, é competente a Seção Judiciária do Mato Grosso para julgamento desta demanda. II - "Quando o ato apontado como coator configura-se ato omissivo e continuado, não há que se falar em decadência do prazo de 120 (cento e vinte) dias disposto no art. 23 da Lei 12.016/2009, o qual se renova continuamente" ( AMS 0003978-89.2011.4.01.3700/MA, TRF1, Quinta Turma, Relator Juiz Federal convocado Rodrigo Navarro de Oliveira, unânime, e-DJF1 de 22/01/2018). III - Deve ser rejeitada também a preliminar carência de ação, suscitada ao argumento que, embora o Impetrante alegue ter apresentado as autorizações expedidas pelo órgão ambiental, não consta nos autos qualquer Licença Ambiental, uma vez que o pedido em análise se refere à morosidade do procedimento administrativo e não quanto ao seu mérito. IV - "
Verificada a demora injustificada, correta a estipulação de prazo para que a administração conclua procedimento administrativo. Aplicável a jurisprudência da Corte que assegura a razoável duração do processo, segundo os princípios da eficiência e da moralidade, não se podendo permitir que a Administração postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo." (STJ, REsp 1145692/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe 24/03/2010) V - Apelação e remessa oficial às que se nega provimento
. (TRF-1 - AMS: 00108410220134013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 03/02/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 13/02/2020)
2.11. Tutela ambiental - considerações gerais:
Há distintas percepções de mundo, como sabido. Determinados povos sentem-se em verdadeiro amálgama com a natureza (os
Amondawa
, por exemplo). Melhor dizendo, algumas comunidades não promovem essa separação sujeito/mundo, não distinguem a cultura e a natureza. Algumas nações possuem, pois, a concepção do tempo como um círculo, uma espécie de 'eterno retorno' nietzscheano. Elas miram o tempo da colheita, da pesca, o tempo das chuvas. O tempo não é compreendido como algo escasso, prestes a acabar, mas, como o modo como as coisas se dão, tendendo a retornar (
Karma
).
A tradição judaicocristã projeta, porém, uma ideia unidirecional do tempo. O passado jamais se repete; a vida caminha para o progresso, na medida em que o futuro não será mera cópia do passado. O tempo se dá mediante uma espécie de espera, seja a espera pelo Messias (tradição Judaica), seja a espera pelo retorno do Cristo (tradição Cristã). Leia-se, a respeito, Juan Ramón Capella.
Os cidadãos servos.
Tradução de Lédio Rosa de Andrade e Têmis Correia Soares. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.
Para esse ideário, viver é gastar tempo. Ou, ainda,
time is money,
como se diz comumente hoje em dia. Isso se traduz no conhecido antropocentrismo: o homem imagina-se o centro da criação, como se todos os demais entes apenas houvessem sido criados e concebidos para a sua fruição e utilidade.
"
Pergunte a qualquer um na massa de gente obscura: qual o propósito da existência das coisas? A resposta geral é que todas as coisas foram criadas para nosso auxílio e uso prático
! (...) Em resumo, todo o cenário magnífico das coisas é diária e confiantemente visto como destinado, em última instância, à conveniência peculiar do gênero humano. Dessa forma, o grosso da espécie humana arrogantemente se eleva acima das inúmeras existências que o cercam." (TOULMIN, G.H. apud THOMAS, Keith.
O homem e o mundo natural:
mudanças de atitudes em relação às plantas e aos animais. Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 21)
Cuida-se, por certo, da fábula do
'leão de Esopo'
. Dado que é o homem quem conta a história, não é de estranhar que se coloque justamente no centro do mundo, imaginando-se a criatura mais perfeita, feita à imagem de Deus. Questões metafísicas à parte, o fato é que essa concepção antropocêntrica ainda está impregnada nas nossas práticas. O homem usa e abusa do meio circundante, queima florestas, extingue espécimes animais, lança bombas, tortura humanos e não humanos, degrada as condições indispensáveis para a preservação da vida.
Isso tem sido alvo de importantes e instigantes reflexões filosóficas, como bem revelam as obras de Peter Sloterdijk (
Esferas:
bolhas. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade. 2016), e de Umberto Galimbertti (
Psiche e technè:
o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus. 2006), dentre outras. Afinal de contas, desde que Prometeu subtraiu aos deuses a técnica - o domínio do fogo -, e a entregou aos humanos, segundo a mitologia grega, a história da humanidade tem sido imaginada como uma pretensa superação da natureza em prol da cultura. E isso não sem pouca violência.
A técnica tem sido imaginada, desse modo, como uma projeção da razão estratégica, pela qual se escolhem meios adequados a fins dados; fins que rotineiramente não são colocados em questão. Ao mesmo tempo em que a tecnologia ensejou considerável complexidade na relação do homem consigo e com os outros, ela também aumentou significativamente a capacidade de degradação. Basta o apertar de botões - Bomba atômica BDS 220 -, e alguns poucos humanos podem tonar inviável a vida na terra. Há muito, os filósofos têm denunciado essa progressiva conversão da técnica - até então compreendida como um meio - em um fim em si. Isso se traduziu na reificação do homem - denunciada por Karl Marx ao tratar do fetiche da mercadoria -, tema retomado por Adorno, Althusser, Horkheimer e tantos outros (Escola de Frankfurt). Isso também se dá na corriqueira degradação da quantidade em qualidade, dialética já denunciada por Friedrich Hegel na sua Ciência da Lógica, como se o simples fato de algo ser volumoso fosse necessariamente bom. Que o diga a sacralização das estatísticas, com seus conhecidos problemas (HUFF, Darrel.
How to lie with statistics.
Nova Iorque: WW Norton and Company. 1954).
No final das contas, esse alerta foi promovido por Max Weber, ao tratar do desencantamento do mundo; e encontra-se também muito bem verbalizado no livro
The Mists of Avalon
(Marion Bradley), ao se confrontar com a racionalização do sagrado. No essencial, porém, o fato é que a tradição ocidental acabou por imaginar uma dissociação entre homem e natureza, como se a quintessência do humano fosse dada pela tentativa de superar sua condição inicial, por meio da cultura. Com isso, não raro, há o imaginário de que natureza deva ser concebida como simples matéria-prima, como meio de produção para as fábricas. Ou, então, supõe-se - o que não deixa de ser retrato da mesma ideia de domínio e controle - que a natureza deva ser concebida como um museu intocável, guarnecida a sete chaves, impedindo-se o contato dos próprios humanos, geralmente os mais pobres.
Esse dilema está presente, sabe-se bem, no âmago do direito ambiental, no que toca ao alcance do desenvolvimento sustentável. No final das contas, a questão acaba sendo: "qual o grau de poluição tolerável?" "quem o define?" O problema é que questões de tal ordem são altamente complexas, sobremodo por tocarem de perto os interesses de pessoas que ainda não nasceram e que talvez nem tenham a chance de nascer, se continuar a haver a degradação do mundo, no ritmo atual e tendencialmente mais acelerada.
Somos também parte da natureza; a tutela ambiental demanda necessariamente a proteção da própria humanidade. Proteger a natureza é proteger-nos. E não podemos nos proteger sem proteger o ambiente. Claro que carecemos de uma nova racionalidade, mais empatia com as distintas formas de vida. Precisamos superar a arrogância do bicho homem, de modo a que possamos nos reconhecer no meio do problema, ao invés de nos imaginarmos observando o mundo à distância, como se estivéssemos protegidos do cataclismo que se avizinha. Se a Terra é a arca de Noé, não há Monte de Ararate que permita alguma salvação (gênesis 8). Se a Terra é a arca, ainda não se descobriu algum porto seguro, que não esse no qual nos encontramos.
Enfim, a temática ambiental coloca em causa os nossos deveres para com as pessoas ainda não nascidas e compromissos para com os animais não-humanos, seres que conosco compartilham, repito, a dádiva de se viver, sendo imprescindível atentar para o art. 225 da Constituição Republicana.
2.12. Desenvolvimento sustentável:
Ao final do século XVIII, o
clérigo anglicano e economista Thomas Malthus
fez a sua conhecida professia de que a população mundial haveria de crescer em progressão geométrica, enquanto que o crescimento dos alimentos se daria em progressão aritmética. Isso implicaria que, passadas algumas décadas, a humanidade não mais teria o que comer, ensejando colapso da sociedade.
Sem dúvida que
ele não contou com o desenvolvimento tecnológico, incrementado nos anos que lhe seguiram
. De todo modo, o prognóstico de Malthus revela-se importante por destacar a
tomada de consciência
da questão ambiental, a impactar não apenas os membros de uma dada civilização, mas, também, seus descendentes. Como já disse alguém, não deixamos a Terra em herança para os que virão; nós a
tomamos
em
empréstimo
, dado que pertence à gerações futuras.
O fato é que, ao tempo em que o
desenvolvimento tecnológico aprimorou a capacidade de se produzir alimentos, transpor fronteiras e se comunicar quase que instantaneamente, também ensejou um aumento significativo na poluição urbana e rural
. Para além disso, novos riscos foram descortinados, a exemplo do conhecido caso
Contergan
(
Talidomida
), e dos rompimentos de barragens de mineradoras, como ocorrido em solo brasileiro (casos
Mariana
e
Brumadinho
). Deve-se conjugar, enfim, a sociedade de consumo, de um lado, com a necessidade de zelo para com a questão ambiental, de outro.
Isso se traduziu na formação,
em 1968
, do chamado
Clube de Roma
, constituído por líderes políticos, empresariais, financeiros e intelectuais, com o fim de discutir a temática ambiental.
Em 1971, aludido grupo divulgou seu relatório "limites para o crescimento", destacando ser premente a limitação do consumo. A isso seguiu-se, em 1972, a Conferência da ONU para o ambiente, congregando 113 países, dentre os quais o Brasil
. Com isso, ganhava desenvolvimento a ideia de "
desenvolvimento sustentável
", termo cunhado por Maurício Strong, denotando a necessidade de se conjugar crescimento econômico com a tutela ambiental.
Essa concepção busca a conjugação da
busca por crescimento econômico
,
desenvolvimento de novas tecnologias
,
incremento do nível de empregos
etc. - de um lado -, com a
imposição de limites à atividade econômica
, exigindo-se
prévia franquia estatal para atividades de risco e constante fiscalização a respeito dos impactos ambientais disso decorrentes
. Durante a Conferência de Estocolmo, de 1972, sustentou-se que, ao contrário do que supunha o Clube de Roma, a solução não seria produzir menos; antes, seria produzir mais, só que com com mais cautela. O problema estaria na racionalização das etapas produtivas.
Em
1983
, as Nações Unidas criaram a
Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
, orientada ao exame das questões mais urgentes da temática ambiental. Isso eclodiu, 09 anos depois, na conhecida
Conferência da ONU para o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro (Rio - 92)
. Ao final daquele ato, os países subscreverem uma declaração com 27 princípios, dentre os quais se encontrava o reconhecimento da importância do desenvolvimento sustentável.
Em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20
, reafirmou esses compromissos internacionais. No que toca à legislação nacional, convém ter em conta que as Ordenações Filipinas, de 1603, já cominavam penas para quem cortasse árvores frutíferas, como se vê do Livro 5, Título 75. Conquanto tenham havido outras normas, indicando alguma preocupação ambiental, é fato que isso não se traduziu, infelizmente, em uma consciência coletiva sobre a importância da questão ambiental.
O sistema de proteção ambiental ganhou maior fôlego, no solo brasileiro, com a publicação da
lei n. 6.938, de 1981
, responsável pela instituição do sistema nacional do meio ambiente. Conforme dispôs o seu
art. 2º
, seu objetivo seria
"a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana."
Vale a pena tomar em conta o seu
art. 9º da lei n. 6.938/81
, com a redação veiculada pela lei n. 7.804, de 1989:
Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I -
o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental
; II - o zoneamento ambiental; III -
a avaliação de impactos ambientais
; IV -
o licenciamento
e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI -
a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas
;VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes; XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.
A isso seguiu-se, no que releva, a Constituição de 1988, cujo art. 225 estipulou as principais diretrizes para a temática, alvo de considerações adiante.
2.13.
Tutela da fauna
e da flora:
Como registrei acima, a modernidade ainda está impregnada da
suposição
antropocêntrica
, verbalizada por
Protágoras
(490 a 415 a. C.) e no mencionado capítulo do
Gênesis, 24:26
, de que o homem seria a medida de todas as coisas. Com isso, não raro, imagina-se o ser humano como centro do universo, como ponto arquimediano para se avaliar o
telos
da natureza, como se tudo fosse uma espécie de presente divino, entregue para seu deleite e eventual destruição.
Em período mais recente, não obstante, confrontado com a sua imensa capacidade de extermínio, evidenciada com a
explosão de bombas atômicas
ao final da II Guerra Mundial, muitas pessoas têm buscado a construção de
uma nova visão de mundo
, a impor uma ética holística, que o desloque do pretenso centro do mundo - como se fosse uma espécie de alma, de um ser
sui generis
dotado do
logos -,
para se reconhecer como um animal em meio a outros tantos, que com ele compartilham a mesma casa (
Oikos -
casa, origem das palavras ecologia e economia, por exemplo). Pensadores como Hans Jonas (
The imperative of responsibility:
in search of an ethics for the technological age. Chicago, IL: The University of Chicago Press. 1984), Edgar Morin (
Homeland earth.
Cresskill: Hampton Press), Umberto Galimbertti (
Psiche e technè:
o homem na idade da técnica.São Paulo: Paulus. 2006) têm apontado novos caminhos, em prol de uma efetiva ética ambiental.
E isso exige o
respeito
, óbvio dizê-lo, às
demais formas de vida
que compartilham a '
nave Terra
', conforme expressão do físico Carl Sagan. No âmbito normativo, isso se projetou com a publicação, em abril de 1979, da
Diretiva 79/409/CEE
, no âmbito da então Comunidade Europeia, quanto à proteção e conservação de pássaros selvagens (
Directive Oiseaux
), e
Diretiva 92/43
CE, adotada em maio de 1992, sobre a conservação de
habitats
naturais e sobre fauna e flora selvagens, preconizando-se o zoneamento ecológico de espaços protegidos da União Europeia, para além da Convenção Internacional para Proteção dos Pássaros, aprovada em Paris em 18 de outubro/1950. Acrescente-se ainda a referência à
Convenção Internacional
da
Pesca da Baleia
(Washington, 02 de outubro de 1946, promulgada no Brasil pelo Decreto 28.524/1961); convenção internacional para
proteção dos vegetais
(Roma, 06 de dezembro de 1951), ratificada pelo Brasil em 14 de junho de 1961, Convenção Internacional para
conservação do atum
no Atlântico (Rio de Janeiro, 14 de maio de 1966, Decreto-lei 412, de 09 de janeiro de 1969), Convenção sobre a
Conservação das espécies Migratórias pertencentes à fauna selvagem
(Bonn, 23 de junho de 1979 - ratificada mediante Decreto 93.935, de 15 de janeiro de 1987), dentre outros.
Em solo brasileiro, o tema foi verbalizado pelo
art. 225, §1º, VII, Constituição/1988
, cujo conteúdo preconizou incumbir ao Poder Público
"
proteger a fauna e a flora
, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."
Para além disso, o tema é alvo de um conjunto de preceitos infraconstitucionais, como a
lei n. 9.605/1998
,
lei n. 5.197/1967
, l
ei n. 6.938/1981
, para além de um conjunto de Resoluções do CONAMA.
Deveras, superando-se o antropocentrismo, também há "ideais de vida boa"
relacionados ao
sensocentrismo
,
biocentrismo
e
ecocentrismo
: "
O sensocentrismo (a ética centrada nos animais), também denominado de
pathocentrismo
, reafirma a consideração de valor aos animais não humanos. Assim, todos, também os animais não humanos com estado de consciência subjetivos, ou seja, aqueles que são capazes de
experimentar sofrimento
, sentir dor ou bem-estar, sendo seres sencientes, devem ser considerados. Geralmente, estão incluídos nesse grupo de consideração todos os vertebrados (mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes),
seres
sencientes
dotados de sistema nervoso sofisticado o suficiente para possibilitar a experiência dolorosa."
(MEDEIROS, Fernanda Luíza Fontoura de.
Direitos dos animais.
Porto Alegre, 2013, p. 36).
Por seu turno, o
biocentrismo
amplia o rol de preocupação, de modo a englobar - para além dos seres sencientes - também as
plantas
e até mesmo os organismos unicelulares. Já o
ecocentrismo
busca uma espécie de
holismo
, preocupando-se com a preservação do próprio
ecossistema terrestre
. Não se pode, por certo, imaginar alguma espécie de estado bucólico, destituído de conflitos. A natureza não se preocupa com o indivíduo (sua meta é a preservação da espécie). O leão come a ovelha, os vírus infectam humanos e, não raras vezes, populações inteiras de animais são dizimadas por força da própria natureza.
Deve-se ter em conta, todavia, esse
vetor primordial
: o ser humano não pode simplesmente aniquilar toda uma espécie animal, por seu puro deleite.
Práticas como a caça, as touradas, rinhas de galo são intoleráveis
, prestando-se apenas à manifestação de pulsões violentas (que a consciência moderna há de reprimir). Isso não significa - óbvio dizê-lo - que o homem não deva controlar as bactérias e vírus que contaminam humanos. Nem mesmo uma ética biocentrista pode exigir que crianças sejam sacrificadas em prol da simples preservação de organismos infecciosos e parasitários.
Todo cuidado é pouco nesse âmbito
. Corre-se sempre o risco de se interferir na
homeostase ambiental
, causando efeitos reflexos indesejados. Ora, se não é dado falar em direitos dos animais não-humanos - por não deterem personalidade, ao menos segundo os institutos jurídicos atualmente vigentes -, pode-se muito bem falar em deveres fundamentais para com os animais, algo um tanto quanto distinto. Transcrevo, adeais, os arts. 2º e 3º da
Declaração Universal dos Direitos dos Animais
, de 15 de outubro de 1978 (UNESCO):
Artigo 2º - 1.
Todo o animal tem o direito de ser respeitado
. 2. O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito. Tem a obrigação de empregar os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3. Todos os animais têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Sei bem que muitas dessas cláusulas podem suscitar
complexos debates filosóficos
, sobremodo em nações como a nossa, em que muitas pessoas ainda vivem em condições degradantes, sem saneamento básico, sem acesso a serviços de saúde mínimos e que até mesmo passam fome. Esses axiomas valorativos retratam, todavia, uma nova consciência ética que tem sido desenvolvida e que cobra a responsabilidade do presente, a fim de que se preserve algum mundo para os nossos filhos e netos. É o que se infere da interessante obra de Peter Singer (
Libertação animal.
Trad. de Marly Winckler e Marcelo Cipolla. SP: Martins Fontes, 2013). A respeito do tema, recomenda-se também a leitura do importante acórdão do STF, ao julgar a
ADI 4.983/CE
, reconhecendo a invalidade de norma publicada pelo Estado do Ceará que regulamentava a chamada
Vaquejada
, uma manifestação de selvageria e crueldade contra animais sencientes.
A respeito do tema, mencione-se também a excelente e oportuna obra ATAÍDE JÚNIOR, Vicente de Paula.
Capacidade processual dos animais:
A judicialização do Direito Animal no Brasil. São Paulo: RT. 2022.
2.14. M
udanças climáticas
e desmatamento:
Como notório, o clima é composto por inúmeros e complexos fatores, a exemplo da temperatura, pressão, umidade, imbricados entre si, havendo também uma estreita relação entre meteorologia e climatologia. Logo, em princípio, a alteração do clima depende de eventos de significativa dimensão, a exemplo de erupções vulcânicas, lançamento de chumbo na atmosfera, decorente da octanagem da gasolina, bastante comum décadas atrás, alvo do alerta do geofísico Clair Patterson
, ao buscar calcular a idade da Terra. Cumpre não perder de vista, porém, que o clima pode ser afetado por eventos acumulativos, que vão se agregando a ponto de modificar a relação entre os fatores componentes do sistema-gaia.
O clima deve ser modelado através de
sistemas dinâmicos não linerares
, com o uso de
equações diferenciais parciais (EDPs)
, comumente empregadas para se avaliar o caos e a imprevisibilidade, condicionados, em parte, pelos eventos pretéritos.
Sabe-se que matemático e físico Pierre Simon Laplace chegou a acreditar que o futuro seria previsível, podendo ser antevisto, contanto que lhe fossem informadas as posições e velocidades de todas as partículas
. Isso não resistiu, porém, ao conhecido problema dos três corpos, enfrentado por Euler, Lagrange, Poincarè etc. Nesse âmbito, a complexidade surge da mútua afetação de vários elementos (
complexus:
emaranhado, tecido junto
). A isso se soma a conhecida ausência de causalidade linear no âmbito da física moderna, notadamente da mecânica quântica.
O exame do clima envolve essa mesma complexidade, por conta dos muitos elementos que se afetam reciprocamente
. Daí que, a despeito dos computadores de alta performance, ainda hoje os metereologistas indicam variações meramente aproximadas de temperatura e mesmo presságios a respeito da variação do tempo, em curto período de dias. Sem dúvida que a possível utilização de computadores quânticos, com suficiente poder de cálculo para a solução de sistemas de equações complexas, pode tornar essa avaliação mais acurada.
O fato é que
"
Nos últimos anos temos assistido os impactos do aquecimento global gerado pelo uso irracional dos recursos naturais somados ao desmatamento da cobertura vegetal. Vários estudos apontam que o aquecimento global é uma realidade e precisa ser combatido. Assim durante a Conferência de Kyoto, em 1997, pesquisadores de todo o mundo, desenvolveram o que se chama o Mercado de Carbono, o que se chamou de Protocolo de Kyoto, porém somente no encontro de Montreal, em 2005, foram iniciadas as discussões para um segundo período de compromisso dos países membros da convenção. Ressalta-se que a proposta ganhou apoio oficial de diversos países somente nos últimos 5 anos, passando a ser conhecida como REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal)
. O propósito final desses mecanismos para o mercado de carbono obviamente é criar um mundo onde o balanço entre derrubadas e plantio/regeneração de floresta seja algo igual a zero. De acordo com estudo comissionado pelo governo britânico em 2008 a um time liderado pelo empresário Johan Eliasch, uma quantia de 27 bilhões de dólares poderia ser investida anualmente até 2020 em esquemas de redução de emissões por desmatamento. Um terço do valor seria obtido no mercado de carbono, com capacidade de cortar pela metade o desmatamento de florestas tropicais ao redor do globo ao incentivar proprietários rurais, assentados de reforma agrária e povos tradicionais a conservar a floresta. Há um longo caminho a percorrer. Os benefícios do REDD dependem do fortalecimento da governança e fiscalização ambiental do governo contra atividades ilegais. O cenário é positivo. Em 2008, foi criado o Fundo Amazônia para captar doações destinadas a financiar a prevenção e combate ao desmatamento. No ano seguinte, durante a 15ª Conferência da ONU sobre Mudança no Clima, em Copenhague, na Dinamarca, o Brasil assumiu que irá diminuir o desmatamento na Amazônia brasileira em 80% até 2020 em comparação aos índices de 2005. O compromisso está atrelado às metas voluntárias para a redução das emissões de carbono anunciadas naquela ocasião e deverá influenciar a atividade madeireira. Novas regras, métodos de controle, incentivos e exigências do mercado nacional e internacional estão por vir, com reflexos nas práticas produtivas ao longo de toda a cadeia até o consumo final da madeira."
(CRUZ, Gilson Araújo da.
O desmatamento da Floresta Amazônica e a Lei dos Crimes Ambientais brasileira:
aspectos do desmatamento e da ineficiência na execução das penas estabelecidas na lei 9.605/98. São Paulo: Dialética. 2022. p. 37).
Há certo consenso de que a degradação das floretas podem impactar severamente o clima, por conta do lançamento de significativo volume de CO
2
na atmosfera, seja por conta do comprometimento da sua função de regulador térmico. Sem mencionar o fato de que ela serve de habitat e fonte de vida para milhares - talvez, milhões - de espécies, no contato com o rio Amazonas
. Assim, o interesse na preservação da Mata Atlântica transcente as predileções ou vantagens almejadas pelo povo brasileiro. É do interesse de todos os povos que ela seja preservada. Transcende também o tempo presente, dado cuidar-se de dever dos nascidos em assegurar a sua manutenção e preservação em prol dos não nascidos. Como disse antes, tomamos a Terra em empréstimo dos que virão. Se é fato que não podemos falar de direito subjetivo por parte de quem ainda não existe, estamos inexoravelmente obrigados a manter as condições que tornam a vida possível na terra, em prol da Humanidade como um todo, o que compreende as gerações futuras, contanto que haja futuro, o que depende, enfim, também do tempo presente.
Atente-se para a seguinte notícia:
"
Desmatamento de florestas vai provocar um aquecimento do clima global muito mais intenso do que o estimado originalmente, devido às alterações nas emissões de compostos orgânicos voláteis e as co-emissões de dióxido de carbono com gases reativos e gases de efeito estufa de meia-vida curta. Um time internacional de pesquisadores, com a participação do Instituto de Física da USP e na UNIFESP-Campus Diadema, calculou a forçante radiativa do desmatamento, levando em conta não somente o CO2 emitido, mas também o metano, o black carbon, a alteração no albedo de superfície e todos os efeitos radiativos conhecidos. O resultado final aponta que a temperatura vai subir mais do que o previsto anteriormente
.
A pesquisa foi publicada recentemente na revista Nature Communications, e utilizou detalhados modelos climáticos globais acoplados à química de gases e partículas em alta resolução. Descobriuse que as emissões de florestas que resfriam o clima (compostos orgânicos voláteis biogênicos, os BVOCs) ficarão menores, implicando que o desflorestamento pode levar a temperaturas mais altas do que o considerado em estudos anteriores. O físico Paulo Artaxo, do IFUSP, um dos autores do estudo, afirma que a maior parte dos estudos dos impactos climáticos do desmatamento publicados anteriormente focou somente nas emissões de CO2. “Neste novo estudo, levamos em conta a redução das emissões de BVOCs, a emissão de black carbon, metano e os demais gases de efeito estufa de vida curta”, explica. Esses BVOCs, segundo Artaxo, produzem partículas nanométricas que crescem, refletem radiação solar de volta ao espaço e esfriam o clima.
Os BVOCs participam de complexas reações químicas e podem produzir ozônio e metano, ambos gases de efeito estufa de meia vida curta (SLCF) que aquecem o planeta. O estudo levou em conta todos estes fatores conjuntamente, além das mudanças no albedo de superfície, quando derrubamos uma floresta e a trocamos para pastagem ou plantações”, acrescenta. Levando em conta todos estes fatores, observou-se que as emissões das florestas que esfriam o clima têm um papel enorme na regulação da temperatura do planeta. “Derrubando as florestas, acabamos com este efeito esfriador, e aumentamos o aquecimento global”. Artaxo coloca que o efeito global é de um aquecimento adicional de 0.8oC, em um cenário de desmatamento total. “Isso é um valor alto, comparável ao atual aquecimento médio global (cerca de 1.2oC) ocorrido com todas as emissões antropogênicas desde 1850”, diz o físico. A figura abaixo mostra que esse aquecimento é desigual, sendo maior nos trópicos, onde foi previsto um aquecimento de cerca de 2 graus na Amazônia. Luciana Rizzo, professora da Universidade Federal de São Paulo, campus de Diadema, outra coautora do estudo, salienta que, nos trópicos, o efeito atual das emissões de VOCs resfriando o clima é mais forte do que em florestas temperadas. “Portanto, o desmatamento nos trópicos tem um efeito mais importante no clima global”, conclui. " (https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Desmatamento%20e%20efeitos%20no%20clima%20global%20Artigo%20Nature%20Comm.pdf)
Leia-se:
https://www.nature.com/articles/s41467-017-02412-4.
Conquanto o estudo normalmente tome em conta a Floresta Amazônica, sua análise aplica-se também à Mata Atlântica.
2.15.
Diferença entre responsabilização
e sanção.
Como sabido,
as sanções administrativas apenas podem ser imputadas a quem tenha praticado as infrações respectivas, por conta do postulado da incomunicabilidade das penas, também aplicável no âmbito do Direito Administrativo Sancionador
(art. 5º, XLV, Constituição), como bem explicita Edis Milaré:
"Por força do princípio da intranscendência das penas estatuído em nossa Lei Maior (art. 5, LXV), aplicável não só no âmbito penal, mas também a todo o direito sancionador, a questão da solidariedade não põe em sede de responsabilidade administrativa, em razão do seu traço de personalidade, transposto para o texto legal por meio da expressão 'ação ou omissão', inerente à sua índole repressiva. O princípio em foco significa que somente aquele que praticou o fato censurável, ou ao menos colaborou para a sua consumação, poderá sofrer a correspondente sanção."
(MILARÉ, Edis.
Direito
ambiental
.
9. ed. SP: RT. 2014. p. 381).
Não raro, a responsabilização civil ou administrativa pode ser promovida de modo objetivo, sem exame da culpa do sujeito imputado
. É o que ocorre quanto aos pais que respondem pelos atos dos filhos, quanto aos empregadores que respondem por atos dos empregados, quanto ao adquirente de fundo de comércio que responde por débitos da gestão anterior, quanto à responsabilização objetiva, quanto à responsabilização ambiental
propter rem,
dentre outros exemplos de imposição do dever de repação de danos - retorno ao
status quo ante.
Já a punição - seja administrativa ou penal - está fundada na premissa de que o imputado praticou um comportamento agressivo à legislação, devendo suportar as sanções disso decorrentes
. Assim, na essência, demanda a aferição do grau de culpa do sujeito, seja por conta de comportamento doloso ou imprudente, tudo a depender das disposições normativas pertinentes. Não raro, há certa confusão na linguagem cotidiana entre responsabilização e punição, conquantas ambas não se confundam.
Atente-se para a lógica do seguinte julgado, emanado do STJ:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. 1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental. 2. Explica o recorrente - e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado - que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade. 3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal. 4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental. 5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada. 6.
O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental
. 7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental. 8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai. 9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. 10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual "[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". 11. O art. 14, caput, também é claro: "[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]". 12.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo)
. 13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental - e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). 14. Mas fato é que o uso do vocábulo "transgressores" no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra "poluidor" no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. 15. Recurso especial provido. ..EMEN:
(RESP 201100969836, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:17/04/2012 RSTJ VOL.:00237 PG:00520 ..DTPB:.)
Em sentido semelhante, atente-se para precedente do TRF1:
ADMINISTRATIVO. MULTA. DESMATAMENTO DE ÁREA SUPERIOR À AUTORIZADA PELO PODER PÚBLICO. DANOS CAUSADOS PELOS INVASORES DA PROPRIEDADE. SITUAÇÃO EFETIVAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS. 1. Conforme entendimento firmado pela Sétima Turma desta Corte Regional, "'por gozarem os atos administrativos de presunção de legitimidade, constitui ônus do administrado provar eventuais erros existentes, incumbindo-lhe apresentar todos os documentos e provas necessárias à comprovação de eventuais nulidades." (AC 1997.38.00.009105-0/MG, Rel. Desembargadora Federal Maria Do Carmo Cardoso, Oitava Turma,e-DJF1 p.319 de 22/01/2010) (AGA 0061543-58.2008.4.01.0000/MA, Rel. Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, e-DJF1 p.143 de 25/06/2010). 2. A fundamentação exposta na sentença está de acordo com as provas dos autos e revela um imprescindível senso de justiça para com o administrado.
O embargante teve sua propriedade invadida e devastada pelos invasores, não podendo, diante desse fato, ser punido financeiramente, com o pagamento de multa imposta pelo IBAMA, em decorrência do desmatamento da área em regeneração - ato que, conforme demonstrado no processo, foi praticado por terceiros
. 3. Remessa oficial e apelação não providas. (AC 0000694-83.2004.4.01.3000 / AC, Rel. JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA, 6ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.322 de 16/05/2012)
Assim, no que toca à responsabilização civil, a cobrança pode ser endereçada, conforme o caso, para pessoa distinta daquela que deu causa ao prejuízo, como evidencia o art. 932, Código Civil e como evidencia a responsabilização
propter rem,
no âmbito do direito ambiental
. Quem adquire um terreno fica responsável por reparar eventuais danos ambientais, ainda que não os tenha causado. O mesmo não se dá, porém, no que toca às sanções penais ou administrativas, eis que apenas podem ser cominadas a quem tem praticado a infração, seja por comportamento comissivo ou omissivo.
Quando em acusa a
cominação de sanções
, deve-se atentar para o postulado da culpabilidade, como bem explicita Justen Filho:
"O sancionamento tem de ser produzido segundo rigoroso processo administrativo, no qual se adotarão garantias de extrema relevância em prol do acusado. Ademais disso, não se admitirão punições fundadas em meros indícios do evento imputado. Os indícios prestam-se apenas para eventual prova de circunstâncias acessórias - nos termos do art. 158 c/ art. 239, CPP - depois de cabalmente comprovado, por meios instrutórios diretos, o fato principal."
(JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 401). Ainda segundo Marçal,
"Idêntica orientação se aplica aos processos sancionatórios administrativos. Para utilizar uma expressão clássica (e objeto de inúmeras críticas), prevalece no âmbito dos processos repressivos o princípio da verdade real, o que significa orientar-se a atividade persecutória a revelar a verdade dos fatos."
(
Obra citada,
p. 402).
Hans J. Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober alegam que
"Apenas excepcionalmente será suficiente a verificação de uma mera suspeita ou de uma presunção da existência de factos justificativos de uma actuação da Administração. Exemplos: ingerência de investigação do perigo: §7,IV, SGB, IV(...) relativamente à presunção de que a pessoa é possuidora de capacidade laboral trabalha mediante remuneração."
(WOLFF, Hans
et al.
Direito administrativo.
volume I. Tradução António F. de Souza. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2006, p. 560-561).
Em sentido semelhante, Zanella di Pietro:
"Alguns autores têm impugnado esse último efeito da presunção. Gordillo cita a lição de Treves e Micheli, segundo a qual a presunção de legitimidade do ato administrativo importa uma
relevatio ad onera agendi,
mas nunca uma
relevatio ad onera probandi;
segundo Micheli, a presunção de legitimidade não é suficiente para formar a convicção do juiz no caso de falta de elementos instrutórios e nega que se possa basear no princípio de que 'na dúvida, a favor do Estado', mas sim que 'na dúvida, a favor da liberdade';
em outras palavras, para esse autor, a presunção de legitimidade do ato administrativo não inverte o ônus da prova, nem libera a Administração de trazer as provas que sustentem a ação
."
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di.
Direito administrativo.
18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
Ainda segundo a professora paulista,
"Na realidade, não falta parcela de razão a esses autores; inverte-se, sem dúvida nenhuma, o ônus de agir, já pque a parte interessada é que deverá provar, perante o Judiciário, a alegação de ilegalidade do ato; inverte-se, também, o ônus da prova, porém não de modo absoluto; a parte que propôs a ação deverá, em princípio, provar que os fatos em que fundamenta sua pretensão são verdadeiros; porém, isto não libera a administração de provar a sua verdade, tanto assim, que a própria lei prevê, em várias circunstâncias, a possibilidade de o juiz ou o promotor público requisitar da Administração documentos que comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e à formação da convicção do juiz."
(PIETRO,
Obra citada.
p. 192).
Conclusões semelhantes são compartilhadas por Gustavo Binenbojm na interessante obra
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, p. 136. Assim, quando em causa o processo administrativo sancionador, no mais das vezes,
'quem acusa deve provar'
. Ou seja, não há como se exigir do suspeito a demonstração cabal de não ter praticado a infração administrativa. Isso violentaria a cláusula do devido processo, assegurada constitucionalmente.
Daí o relevo do art. 36 da lei 9.784/1999:
"Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei."
2.16.
Documentos de origem florestal:
Com cognição precária, registro que, no rastro do art. 26 do Código Florestal de 1965 (lei 4.771/1965) e da Portaria n. 139, de 05 de junho de 1992, do Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA publicou, em
06 de abril de 1993
, a Portaria n. 44-N, versando sobre a autorização para transporte de produto florestal (ATPF), cuidando-se de licença indispensável para o transporte de produto florestal de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo (art. 1º da Portaria).
Segundo o art. 2º daquela revogada Portaria 44-N,
"
A ATPF é um documento de responsabilidade do IBAMA na sua impressão, expedição e controle, que será fornecida considerando o volume aprovado na exploração ou o volume especificado na Declaração de Venda de Produto Florestal - DVPF
, com os dados relativos: a) ao comprador que estiver registrado no IBAMA, mediante a apresentação da Declaração de Venda de Produto Florestal - DVPF, com firma reconhecida; b) ao detentor de plano de manejo florestal; das autorizações de exploração florestal, de desmate, de utilização de matéria-prima florestal e de castanheira, quando estes forem o destinatário da matéria-prima florestal. § 1.º - A ATPF fornecida pelo IBAMA em uma unidade da federação não poderá ser utilizada para acobertar o transporte de produto originário de outra unidade da federação. § 2.º - O IBAMA reduzirá ou suspenderá o fornecimento da ATPF quando constatar, de forma direta ou indireta, irregularidades na execução das autorizações concedidas e de planos aprovados. § 3.º - Não será fornecida ATPF à pessoa em débito de qualquer natureza com o IBAMA, conforme legislação vigente. § 4.º - A ATPF somente será fornecida às pessoas indicadas neste artigo, após o cumprimento da reposição florestal, nos casos em que esta é exigida."
O art. 11 da Portaria 44-N versou sobre o RET - regime especial de transporte:
"
O RET será autorizado pelo IBAMA, através do uso dos carimbos padronizados, conforme modelos 01 e 02, anexos III e IV, da presente Portaria, respectivamente, e seu uso representa a licença obrigatória a ser aposta no corpo de todas as vias das Notas Fiscais
."
A ATPF restou substituída pelo
DOF - documento de origem florestal
, instituído pela Portaria 253, de 18 de agosto de 2006 e regulado inicialmente pela Instrução Normativa 162/2006, ambas do IBAMA,
"
constituindo-se em licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo, contendo as informações sobre a procedência desses produtos e subprodutos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema DOF, na forma do Anexo I desta Instrução Normativa
" (art. 1.). Atualmente, o tema é versado pela IN IBAMA 21, de 23 de dezembro de 2014, bem como pelo art. 36 da lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012.
Convém atentar para os comentários de Curt Trennepohl ao art. 47 do Decreto 6.514/2008:
"Inquestionavelmente, neste artigo estão contidas as penalidades para as atividades ilícitas que resultam no maior número de autuações administrativas lavradas pelos orgãos ambientais.
Os produtos florestais estão intimamente ligados ao homem, desde o início da sua história, seja para a construção dea brigos e fabricação de móveis, seja para a utilização como fonte de calor e energia. Além disso, as florestas cumpre importantíssimo papel em qualquer ecossistema, como abrigo e alimento a fauna e do proprio ser humano, proteção do solo contra erosões, amortecimento da chuva para permitir a infiltração e recarga de aquíferos e no fornecimento de sementes, frutos, óleos e essências com inúmeras aplicações na indústria e atém esmo no cotidiano dos homens
.
Em função da sua importância ambiental e econômica, todas as florestas e demais formas de vegetação existentes no território nacional são bens de interesse comum a todos os seus habitantes, e sua exploração ou utilização deve obedecer aos critérios e limitações estabelecidos na legislação.
Especial atenção foi dispensada à Floresta Amazônica, à Mata Atlântica e à vegetação da serrado Mar, do Pantana e da Zona Costeira, por foraç da própria Carta Política de 1988.
Inicialmente, a supressão de florestas e outras formas de vegetação nativa para uso alternativo do solo, com ou sem a exploração dos recursos florestais resultantes, exige a manutenção da reserva legal, que varia de oitenta por cento na Amazônia Legal até vinte por cento nas áreas de campos gerais localizadas em qalquer região do país. A vegetação da reserva legal não podeser suprimida conforme disposto pelo Código Florestal, podendo ser utilizada apenas sob regime de manejo florestal sustentável - art. 16, §2º.
A supressão de florestas nativas e de formações sucessoras para uso alternativo do solo, bem como a exploração seletiva ou manejada de espécimes isolados dependem de autorização do Poder Público, visando sua utilização racional. (...)
A licença outorgada pela autoridade compente que legaliza a atividade tanto pode ser a autorização para o desmatamento para uso alternativo do solo como a autorização de manejo florestal, e a autorização para o transporte já foi a GUIA FLORESTAL, depois a AUTORIZAÇÃO PARA TRANSPORTE DE PRODUTO FLORESTAL - ATPF, fornecidas pelo IBDF e pelo IBAMA, e atualment eé o DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL - DOF, emitido eletronicamente
.
O fornecimento e a utilização da autorizaçãop ara transporte de produto florestal - ATPF eram regidos pela Portaria n. 44-N, de 06 de abril de 1993, que dispunha:
Art. 1.
A ATPF, conforme modelo apresentado no anexo I da presente portaria, representa a lticença indispensável para o transporte de produto florestal de origem naiva, inclusive o carvão vegetal nativo
. (....)
No caso de autorização de desmatamento para uso alternativo do solo, o rendimento de lenha ou de madeira é determinado através de vistoria técnica ou, em pequenas áreas, resultantes de estudos anteriores para a área de ocorrência.
Uma vez aprovado o desmatamento, são fornecidas as autorizações ambientais - anteriormente, a ATPFs, hoje o DOF -, as quais representavam a licença do órgão compente citada na norma, necessárias para o transporte da madeira bruta até o comprovador/beneficiador devidametne registrado no IBAMA, no Cadastro Técnico Federal.
Já os procedimentos de autorização e controle de exploração florestal seletiva, de forma bastante simplificada, tinham início quando o proprietário de terras que possuíam recursos florestais (madeiras), com potencial econômico, apresentava ao IBAMA um plano de manejo florestal - PMFs
-, instruído como s documentos necessários e elaborados por profissional habilitado. Neste se identificada determinado volume e as espécies de árvores que podiam ser extraídas destas florestas, e o órgão ambiental federal, após a análise dos documentos apresentados, realizava vistoria in locu, verificando, principalmente, se a exploração pretendida não atingia vegetação especialmente protegida ou considerada de preservação permanente, além de observar os fatores relativos ao potencial dos recursos florestais, a fragilidade do solo, a diversidade biológica, os sítios arqueológicos, as populações tradicioanis os recursos hídricos e outros fatores que pudessem impedir ou condicionar a concessão da autorização.
Após a vistoria, sendo favorável o laudo técnico e satisfeitas as demais exigênicas técnicas e legais, o IBAMA autorizava a exploração da floresta, com os volumes e espécies indicados nos projetos técnicos e comprovados pela vistoria.
O proprietário de terras, detentor do PMFs, aprovado ventia determinado volume de madeira a uma madereira regularmente registrada junto ao IBAMA, através de contrato particular de produto floresetal - DVPF. Os órgãos ambientais não têm nenhuma participação nessa transação comercial. Em seguida, o vendedor de madeira (detentor do PMFS) apresentava o contrato particular de compra e venda ao IBAMA, para abater o volume de madeira vendida do total cuja exploração fora autorizada e recebia as autorizações para transporte do produto florestal - ATPFs - na quantidade necessária para o transporte, o armazenamento e a comercialização da madeira vendida
.
Através da prestação de contas feitas mensalmente pelos compradores, com base nas ATPFs, cabia ao IBAMA o controle efetivo da exploração, do transporte e da comercialização ou utilização dos produtos florestais explorados através do exercício do poder de polícia do Estado." (TRENNEPOHL, Curt.
Infrações contra o meio ambiente:
multa, sanções e processo administrativo. Comentários ao Decreto 6.514/2008. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 216-217)
Em tom crítico, todavia, Paulo de Bessa Antunes argumenta que
"
A circulação de diferentes produtos vegetais encontra-se amplamente regulamentada, o que demonstra, por si só, que o tema é polêmico e sujeito a diversas formas de pressão política, social e econômica. A vasta regulamentação, entretanto, não foi capaz de pôr fim aos fenômenos das queimadas e do desmatamento de nossas florestas, em especial da Floresta Amazônica
. A norma determina que o adquirente exija do vendedor ou do transportador o documento de origem florestal - DOF do produto adquirido e exige ainda que o adquirente fique com uma das vias do documento como forma de provar a origem legal do produto adquirido. É importante observar, contudo, que não cabe ao adquirente chegar a legalidade do DOF que lhe é apresentado; evidentemente que, certificar-se da legalidade do que está adquirindo é relevante, contudo, não pode o Estado transferir ao particular suas funções de controle e investigação e apená-lo caso ela não faça às vezes de fiscal, como parecer ser o objeto do artigo e seus parágrafos.
Na verdade, o procedimento de apenar o particular por falhas do poder público vem se tornando uma constante em nossa legislação ambiental
."
(ANTUNES, Paulo de Bessa.
Comentários ao Decreto 6.514/2008.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 104). De toda sorte, o fato é que aludida norma é válida, eis que compatível com o art. 225, Lei Fundamental de 1988.
2.17. Alcance da ADPF 760:
No voto prolatado na ADPF 760 pela insigne Min. Cármen Lúcia, mencionou-se a ADPF 708, relatada pelo r. Min. Roberto Barroso, versando sobre a alegada omissão da União Federal na adoção de medidas para controle do clima. Reportou-se ainda à ADPF 735, rel. Min. Cármen Lúcia, vesando sobre o decreto n. 10.341/2020, por meio do qual teria sido autorizado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem e demais ações subsidiárias a fim de realizar ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais e combate a focos de incêndio no âmbito da Amazônia Legal.
Aludiu-se ainda à ADPF 743, distribuída ao Ministro André Mendonça, impugnando-se a gestão ambiental brasileira, sobretudo nos biomas Pantanal e Amazônia. Tratou-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 746, também distribuída ao Ministro André Mendonça, tratando de cogitada omissão estatal na proteção do Pantanal e da Floresta Amazônica. Mencionou-se a ADPF 747, distribuída à Ministra Rosa Weber, julgada procedente pelo Plenário-STF em 14.12.2021, declarando-se a inconstitucionalidade da Resolução CONAMA n. 500/2020, com imposição da imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA n. 284/2001, 302/2002 e 303/2002. Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 755, rel. Ministra Rosa Weber, versa sobre a alegada invalidade do decreto n. 9.760/2019, por ter criado uma etapa de conciliação no processo sancionador ambiental, paralisando os procedimentos administrativos respectivos, além de ter inviabilizado a conversão de multas em serviços ambientais, podendo dificultar os mecanismos de tutela do ambiente.
Registrou-se ainda a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 54, rel. Min. Cármen Lúcia, tendo por objeto a pretensa omissão inconstitucional do Presidente da República e do Ministro do Meio Ambiente no combate ao desmatamento na Amazônia, além da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 59, Rel. Min. Rosa Weber, debatendo-se aventada omissão inconstitucional da União quanto à adoção de providência de índole administrativa objetivando a suspensão da paralisação do Fundo da Amazônia, criado por meio do decreto n. 6.527, de 1º de agosto de 2008 - não confundir com o Fundo da Amazônia Oriental, criado pelo Paraná em 2019.
Na ADPF 760, os arguentes teriam enfatizado que a situação da comunidade política brasileira, no que tocaria à proteção da Amazônia, demonstraria pouco caso para com os compromissos fundamentais, assumidos por época da promulgação da Constituição/88. Os autores teriam enfatizado, então, que
"Como consequência, tem-se a evolução da taxa de desmatamento e de queimadas na Amazônia Legal entre 2018 e 2020, com repercussão sobre unidades de conservação e terras indígenas. Tudo a ocasionar, direta e objetivamente, danos ambientais na conservação da Floresta Amazônica, com efeitos deletérios e graves à questão ambiental e à saúde de todos."
Segundo a Min. Relatora,
"
A alegada deficiência na gestão ambiental foi articulada na petição inicial com os seguintes pontos
: a)
redução da fiscalização e controle ambientais
, com decréscimo na efetividade das autuações e dos processos sancionatórios ambientais (fls. 34-37); b)
redução e inexecução orçamentária no Ministério do Meio Ambiente
(fls. 38-41); c)
redução, inexecução orçamentária e carência de servidores no Ibama, ICMBio e Funai
(fls. 41-48); d) paralisação do Fundo Amazônia, com ausência de apresentação de novos projetos (fls. 42-53); e) inefetividade das operações de garantia da lei e da ordem e operação Verde 2 com consequências nefastas sobre a autonomia e eficiência das unidades de conservação e dos órgãos de prevenção, controle e fiscalização ambientais (fls. 53-56); f)
transferência inconstitucional da coordenação dos órgãos ambientais para comandos militares
(fls. 53-54); g)
desregulamentação ambiental abusiva, através da edição do Decreto n. 9.760/2019, que criou a etapa de conciliação no processo sancionador ambiental
. Pelo Decreto n. 10.084/2019 se permitiu o cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia Legal e, ainda, pelo Despacho Interpretativo n. 706900/2020 do IBAMA se extinguiu a fiscalização in loco da madeira objeto de exportação (fls. 56-60) ; h)
falta de transparência na disponibilização de informações sobre o cumprimento do PPCDAm
, o que impediria o controle social e institucional de suas ações (fls. 60-63); i)
“extinção branca" do PPCDAm, pela desestruturação administrativa dos órgãos de combate ao desmatamento e proteção do clima
(fls. 63-67); j)
aumento da taxa de desmatamento, demonstrada por dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia – PRODES e do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real – DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE
, apontando evolução especialmente descontrolada em unidades de conservação e terras indígenas (fls. 73-89); k) inexecução de deveres internacionais de redução de desmatamento e de combate à emergência climática assumidos na Conferência Mundial do Clima de Copenhague/Dinamarca, especialmente o de reduzir, até 2020 (ano do ajuizamento da arguição), os índices anuais de desmatamento da Amazônia Legal no máximo a 3.925 km², o que corresponde às previsões do art. 12 da Lei n. 12.187/2009 e inc. I do §1º do art. 19 do Decreto n. 9.578/2018, que internalizaram a meta assumida pelo Brasil perante a comunidade internacional de redução do desmatamento em 80% até o ano de 2020, em relação à média verificada entre 1996 e 2005 (fls. 28, 104-109)."
Enfatizou-se que, na ADPF 760, encontrar-se-iam em debate as
"
ações e inações inconstitucionais perpetradas pelo Poder Público federal que paralisam e inviabilizam a execução efetiva e suficiente da política de combate ao desmatamento na Amazônia Legal e à emergência climática
."
No mencionado voto, a Min. Relatora discorreu sobre o alcance do art. 225, da Constituição/88. Destacou-se ainda que
"
pelo princípio da prevenção impõe-se como dever estatal a adoção de providências antes da ocorrência de dano concreto, nos casos em que se conheça previamente as causas e as consequências lesivas ao meio ambiente, à saúde e à dignidade da vida da geração presente e futura. O atendimento obrigatório ao princípio da prevenção dá-se para impedir-se a ocorrência do dano previsível e previsto ou diminuir os efeitos dele decorrentes
."
Anotou-se ainda a importância da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito de 1989 (Decreto n. 875/1993) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (Decreto n. 2.519/1998). Argumentou-se ainda que, por meio da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 747, teria sido impugnada a revogação das Resoluções ns. 284/2001, 302/2002 e 303/2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, e Resolução n. 500/2020, a Ministra Rosa Weber. Destacou-se ainda que o princípio da subsidiariedade teria sido atendido. Argumentou-se que a ADPF 760 seria meio adequado para o controle judicial da validade da atuação administrativa quanto ao tema, mencionando ainda a ADPF 347 - estado de coisas inconstitucional, ao tempo em que também se reportou à ADPF 635, DJE 21/10/2020, versando sobre buscas promovidas pela Polícia Militar em favelas no Rio de Janeiro e seu elevado grau de letalidade.
Sublinhou-se, ademaire os, que "
A inicial aponta um quadro estrutural e persistente de ações deficientes ou ineficientes e omissões estatais a gerar retrocessos em matéria de proteção ao meio ambiente, especialmente no que se refere à proteção ambiental da Amazônia. Indica-se degradação da floresta aproximando-se do “ponto de não retorno”, o que atinge não apenas a população brasileira, mas as condições planetárias em políticas climáticas, de proteção a qualidade do ar, solo e biodiversidade, nesta e nas futuras gerações
."
A Min. Relatora enfatizou não haver necessidade de diligências probatórias, dado que os debates estariam lastreados em dados públicos e incontroversos.
A Min. discorreu sobre o Estado Constitucional Ecológico e promoveu um histórico sobre a evolução do tema, a partir de 1960, reportando-se à criação do CONAMA, em 1984. Transcreveu-se a análise de José Afonso da Silva, para quem
"
O meio ambiente é (…) a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais. Por isso é que a preservação, a recuperação e a revitalização do meio ambiente hão de constituir uma preocupação do Poder Público e, consequentemente, do Direito, porque ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a vida humana
”
(SILVA, José Afonso da.
Direito ambiental constitucional.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20).
Asseverou-se, ademais, que
"
Patrick de Araújo Ayala propõe critérios para identificar o Estado Ambiental
, como a inclusão da perspectiva ecológica nas decisões públicas, o dever compartilhado de proteção do meio ambiente entre Poder Público e sociedade, a atuação cooperada com essa mesma finalidade, mediante a efetiva possibilidade de influenciar nas decisões a serem tomadas, e a consideração do meio ambiente ou de seus recursos não sob perspectiva econômico-predatória, mas como componentes do pleno desenvolvimento da dignidade humana. O autor conclui que o Estado Ambiental não poderá ser um “Estado de frustração constitucional” e “de retrocesso ambiental”
(AYALA, Patrick de Araújo. Os desafios para um constitucionalismo da vida decente em uma cultura jurídica de retrocesso ambiental: contribuições da jurisprudência e da teoria constitucional brasileira in CHACON, Mario Peña.
El Principio de no regresión en Iberoamérica
). Mencionou-se a opinião de Alberto Torres, Min. do Supremo entre 1899 e 1909 e registrou-se a decisão prolatado na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540, Relator o Ministro Celso de Mello.
Referiu-se ao princípio da dignidade ambiental; ao princípio da ética ambiental; princípio da solidariedade em matéria ambiental; princípio da eficiência ambiental; princípio da responsabilidade em matéria ambiental.
"
Escravizados homens e natureza desde muito, a civilização concebida e o direito constitucionalizado conceberam a forma de viver e permitir-se viver com a dignidade própria da humanidade. O dominador de homens e bens ambientais, crente senhor de gentes e bens da natureza, é apenas um escravizador. Desumaniza-se ele e a desnatureza provocada a ele responde em cobrança de vidas
."
Acrescentou-se que
"A Natureza tem a dignidade que supera a questão primária do que é avaliável e revertido em dinheiros.
Os recursos financeiros aportados por acordos internacionais – e dos quais não se desconhece nem se menoscaba – não é o fator único determinante da ação estatal. A dignidade ambiental conjuga-se com a solidariedade humana que lança como base formador do sistema de humanidade planetária, de interesses de bem estar e de bem em igualdade de condições de saúde, de formação humanística e de preservação das condições de vida para os que vierem no futuro
."
Mencionou-se a declaração de Estocolmo, com seus 26 dispositivos.
"Assim, internacionalmente o Brasil comprometeu-se a assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como constante do sistema constitucional (inc. IX do art. 4o., art. 225 da Constituição do Brasil), sendo signatário, por exemplo, da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito de 1989 (Decreto n. 875/1993) e da Convenção sobre Diversidade Biológica (Decreto n. 2.519/1998)."
Além disso,
"No Mercosul, a proteção ao meio ambiente é estabelecida no
Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul
(Decreto Legislativo n. 333/2003) e no
Protocolo Adicional ao Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul em Matéria de Cooperação e Assistência frente a Emergências Ambientais
(Decreto n. 7.940/2013). Naqueles documentos se tem que “Os Estados Partes reafirmam seu compromisso com os princípios enunciados na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992” (art. 1° do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul)."
Destacou-se ainda o papel da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, ratificada pelo Decreto Legislativo n. 485/2006.
Na Declaração do Rio de Janeiro, ECO/92,
"o compromisso assumido pelo Brasil foi, como antes lembrado, entre outros, com o Princípio 3, no sentido de que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras”, e com o Princípio 15."
Enfatizou-se ainda os objetivos estipulados na Declaração do Rio de Janeiro, ECO/92. Discorreu sobre o princípio da vedação do retrocesso social, aludindo à obra de Michel Prieur.
Segundo a Min. Relatora,
"
No quadro posto a exame nesta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental há de se encarecer, assim, que não se está a questionar possa ser alterado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004. O de que aqui se cuida e se põe a exame judicial é se ao deixar de dar cumprimento ao PPCDAm, cujos resultados seguiam, comprovadamente, no sentido definido pelo Brasil como compromisso constitucional com a sociedade brasileira (art. 225) e no plano internacional (redução da emissão e diminuição do desmatamento ilegal) se adotou providência que com o abandono persistiu na garantia de acatamento ao princípio da proibição do retrocesso)
."
Ilustrou-se com os casos em que o STF teria reputado inválidas normas, por violação ao postulado da vedação do retrocesso social. Por outro lado, nesse âmbito, a discricionariedade estatal seria restritiva.
Nos termos do voto,
"Os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República dependem da atuação estatal positiva para serem concretizados, impedido, constitucionalmente, como é certo, a sua ação contrária à garantia da proteção eficiente e eficaz do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado."
Disse ainda que
"a ação de inconstitucionalidade n. 54, julgada em conjunto com a presente ação, tem como objeto específico omissão estatal que tem possibilitado o descumprimento dos deveres do Poder Público de assegurar todas as medidas necessárias para garantia da proteção ambiental ecologicamente equilibrada, de maneira suficiente e eficiente, de preservação das florestas e das matas, das águas e dos recursos minerais, da fauna e da flora, além de desatender aos deveres de proteção e garantia aos direitos dos povos indígenas e daqueles que vivem e preservam suas respectivas culturas nas localidades protegidas."
Tratou do desmatamento da Amazônia, argumentando representar
"
área territorial de aproximadamente cinco milhões de km², que se estende por nove países3, sendo que aproximadamente 60% (58,9%) da área ocupada pela floresta está no Brasil. Estende-se por 772 Municípios distribuídos em nove Estados da federação (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão), abrigando aproximadamente 12,5% (mais ou menos inte e dois milhões de habitantes) da população brasileira, sendo quase 70% dela habitante de área urbana e os demais na área rural. Nesses Estados residem 55,9% da população indígena brasileira, o que representa 250 mil pessoas, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde
."
Argumentou-se que
"
a taxa PRODES referente ao desmatamento na Amazônia Legal, conforme planilha elaborada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, atualizada em 21.6.2021, com referências de 2004 e 2020, avaliou-se que a taxa de desmatamento em 2019 foi de 10.129 Km², correspondente a 34% a mais do que os 7.536 Km² desmatados em 2018, em 2020 consistiu em 10.851 Km², com aumento de 7% em relação ao ano anterior e em 2021 atingiu o patamar de 13.235 Km², indicando um aumento de quase 22% em relação a 2020 e de mais de 75% em comparação ao ano de 2018
."
Ademais, Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, teria registradao que, com o avanço do desmatamento, áreas da floresta amazônica demonstrariam já haver sinais de se ter ultrapassado o ponto de não retorno.
Sublinhou-se, além disso, que
"em 2004, ao ser formulado e ter início a implantação do Plano de Prevenção e Controle de Desmatamento na Amazônica (PPCDAm), buscou-se uma mudança no rumo do cuidado estatal com o meio ambiente no Brasil. Com inegável resposta positiva no sentido da diminuição do desmatamento e no atingimento das finalidades estabelecidas para a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o PPCDAm está no item central das questões postas na presente arguição. As medidas previstas e executadas daquele Plano, nas fases que tiveram implementação, visavam a efetividade da fiscalização para impedir, dificultar ou restringir a extração ilegal de madeira e adoção de medidas contra as infrações legais, incluídas o tráfico de animais, a grilagem de terras, a extração ilegal de madeiras e outros recursos minerais, a exploração abusiva das terras, da fauna e da flora, mas, pior de tudo, a exploração das gentes, dos indígenas, a agressão de sua cultura e de suas histórias e de seus futuros. A violência cresceu na região com a grilagem de terras, desmatamento e formação de milícias que apavoram e matam gentes e florestas e culturas. A extinção de espécies animais aumenta e as condições de vida piora para todos."
Transcreveu-se parte do voto do Min. Barroso, prolatado na ADPF 709. Acrescentou-se "
ter havido uma mudança do modus operandi dos desmatadores ilegais. Desde 2013 vêm abandonando os tratores e os grandes acampamentos e passaram a utilizar motosserras e construir pequenos acampamentos modulares com dez pessoas mais ou menos
. Assim, driblavam o DETER A mantendo um subbosque para obstruir o satélite modis terra acqua. Contratando especialistas em georeferenciamento , os criminosos organizavam a empreitada e, quando eram detectados pelo DETER A, desmontavam rapidamente os acampamentos e deixavam a devastação para trás. Esse processo de “cupinização” do desmatamento fortalece com a carência e a ineficiência da fiscalização, de resto vilipendiada por discursos contra os fiscais, que partiam também de agentes públicos. Por isso, desde 2015 se passou a utilizar o DETER B. Deve ser lembrado que, desde 2015, os trabalhadores eram arregimentados em regime de trabalho escravo, distribuídos em pequenos acampamentos sem condições mínimas de dignidade, trabalhando nesta condição até mesmo nos períodos de chuva."
Destacou-se o grau de desmatamento em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, com base em relatórios e análises do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – INPE. Mencionou-se a indevida redução das medidas de fiscalização e inibição do desmatamento, ao que teria se seguido afirmação da AGU, destacando que, ao contrário, tais mecanismos de fiscalização teriam sido incrementados. Aludiu-se ao processo TC 038.045/2019-2. Ademais,
"
o IBAMA reconhece, nas informações apresentadas, que não tem sido convidado a participar de reuniões relacionadas ao PPCDAm e nem ao CONAVEG
. Essa assertiva afasta a alegação do mesmo instituto de que teria mantido o número de operações de fiscalização na Amazônia com igual empenho na busca da eficiência, pois sequer o órgão responsável pela atuação fiscalizatória era partícipe das reuniões necessárias à definição das metas e das medidas a serem implementadas."
Nos termos do relatório da insigne Ministra Cármen Lúcia,
"
Ressalte-se constar das informações das autoridades estatais o argumento de que, em 2020, a redução das autuações teria decorrido da pandemia causada pela Covid-19, o que, além de valer como reconhecimento da omissão administrativa, também não se sustenta, pois a fiscalização ambiental configura serviço essencial nos termos do inc. XXVI do art. 30 do Decreto presidencial n. 10.282, de 20.3.2020. Além disso, a redução de autuações antecede a pandemia, sendo comprovada pelo menos desde 2018 com aumento significativo e sem óbice desde o início de 2019
."
Na sequência, ela tratou
"Do abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm." "O abandono pelo Governo Federal do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm, tornando inoperante a execução das políticas públicas de combate ao desmatamento da Amazônia Legal. Asseveram que, com a ‘extinção branca’ do PPCDAm, o País viu seus índices ultrapassarem 10.000 km² (INPE/PRODES), um aumento de 34% no período que fechou em julho de 2019, com tendência de nova alta de 34% para 2020, segundo estimativa a partir dos alertas do INPE/DETER. Tais dados significariam que estamos diante da primeira vez na história em que há dois aumentos seguidos acima de 30% nas taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal. (…) Além desse resultado nefasto e dos demais elementos narrados acima, há outras duas teratologias quando o assunto é a inexecução do PPCDAm entre 2019 e 2020. A primeira é o fato de que, diferentemente dos anos anteriores (desde 2003), o ano de 2019 transcorreu sem que houvesse qualquer instância de articulação interministerial ou coordenação executiva para a implementação do PPCDAm. (…) O exemplo mais importante nessa perspectiva constitui a segunda teratologia e foi chamado de ‘Plano para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023”, cuja coordenação incumbiria à CONAVEG. Constate-se, de início, que, ao contrário do PPCDAm, que segue em vigor, tal suposto novo “plano” sequer consta de qualquer lei ou norma infralegal, o que o torna, juridicamente, inexistente. (…) se o aludido Plano para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023 sequer existe no plano jurídico, já que não consta em qualquer norma, ele igualmente inexiste enquanto plano de política pública pelo seu conteúdo. É que, ao contrário do PPCDAm, o novo suposto plano não possui: diretrizes estratégicas; metas; ações definidas para cada meta; linhas de ação; cronograma; distribuição de competências; articulações com outros atores além do governo federal (em especial, com os governos estaduais); fontes de recursos."
Sustentou-se:
"O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia – PPCDAm foi criado em 2004 tendo como objetivo reduzir de forma contínua o desmatamento da Amazônia e criar condições para o desenvolvimento sustentável na região; a partir da articulação e coordenação de diversos órgãos ambientais. O PPCDAm articula-se em torno de três eixos temáticos: a) ordenamento fundiário e territorial, (ii) monitoramento e controle ambiental; b) fomento às atividades produtivas sustentáveis. Ao longo das três primeiras fases de execução (2003 a 2008; 2009 a 2011; 2012 a 2015), o Plano contribuiu para redução drástica na taxa de desmatamento da Amazônia, medida pelo Projeto PRODES, constatando-se uma progressiva redução do desmatamento na Amazônia Legal, que passou do patamar de 27.772Km² em 2004 para 4.571 em 2012. É o gráfico disponibilizado no sítio eletrônico do Ministério do Meio Ambiente."
O Relatório da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, “
Avaliação da Política Nacional sobre Mudança do Clima
”, de 3.12.2019, teria ressaltado a importância do PPCDAm para o controle e combate ao desmatamento na Amazônia. Assinalou-se o alcance da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 54, em cujo âmbito o demandante teria postulado
“a)
Execução integral do orçamento dos órgãos ambientais; b) Contratação de pessoal para as atividades de fiscalização ambiental na Amazônia
; c) Apresentação de plano de contingência para reduzir o desmatamento aos níveis encontrados em 2011, ou menores, e seu efetivo cumprimento em período razoável, sob pena de responsabilidade pessoal do Ministro e do Presidente da República."
Segundo aludido voto da Min. Cármen Lúcia,
"
Demonstrada estatisticamente a eficiência da adoção do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm - entre 2004 e 2012, o desmatamento caiu mais de 80%, passando para menos de 4.600 Km²
, segundo dados do INPE -, o Poder Público somente poderia substituir essa política pública ambiental por outra com igual ou superior eficácia objetivamente comprovada, o que não se deu. Todavia, os dados de crescente desmatamento na Amazônia sinalizam que o abandono do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm importou redução dos níveis de proteção ambiental, o que não é constitucionalmente aceitável."
Reiterou-se a menção ao processo TC 038.045/2019-2.
A União Federal teria alegado ser falacioso o argumento de ter havido um desmonte da política de fiscalização ambiental, diante do volume significativo de recursos destinados à questão
. A Ministra Relatora salientou, na sequência, que
"O que se tem nas informações prestadas é tentativa de justificar o descumprimento daquela norma por inexecutar os recursos orçamentários previstos. Leia-se: o Ministério do Meio Ambiente esclareceu que os valores empenhados estão muito próximos ao limite autorizado para essa finalidade. Destacou, outrossim, que, no ano de 2019, houve uma maior efetivação do volume de empenhos, fixado em R$ 944,7 milhões de reais, correspondentes a um incremento de 17,9% em relação ao volume empenhado em 2018, tido como o ano em que ocorrera o valor máximo empenhado. O empenhado não é o orçado e é esse que obriga o cumprimento das programações legisladas, como constitucionalmente previsto. Verbo não é verba e serviço previsto não é serviço entregue. O desmatamento da Floresta não pode ser esfumaçada pelas explicações sem causa constitucional legítima."
Reportou-se ao despacho interpretativo n. 7036900/2020, versando sobre a alegada vedação de fiscalização
in loco
por parte dos servidores lotados no IBAMA. Além disso, a
"Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 651, ajuizada por Rede Sustentabilidade, questiona-se: a) o Decreto Presidencial n. 10.224, de 5.2.2020, que excluiu a sociedade civil do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, reduzindo a participação popular nas deliberações relacionadas às políticas ambientais; b) o Decreto n. 10.239, de 11 de fevereiro de 2020, que excluiu a participação de Governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal; c) o art. 1º, CCII, do Decreto n. 10.223, de 5 de fevereiro de 2020, especificamente no ponto em que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, integrado pela sociedade civil e pelos governadores."
Destacou-se o relevo da lei de acesso à informação - lei n. 12.527/2011, argumentando-se estar sendo descumprida pela União Federal.
Anotou-se que
"
os documentos juntados aos autos não infirmam os argumentos deduzidos pelos arguentes no sentido de que organizações ambientais realizaram 226 pedidos de informação sobre o curso das ações do PPCDAm em 2019 e nos anos anteriores e especialmente a fase de implementação da mencionada política pública de 2016 a 2020
."
De 226 pedidos de informação, apenas 35 teriam sido respondidos de modo satisfatório. Transcreveu-se o art. 10 da Declaração do Rio de Janeiro, resultante da ECO/92.
"É certo que devem ser excluídas da publicidade prévia as informações que possam colocar em risco operações, execução de planos de fiscalização e cumprimento de diligências, cujo conhecimento prévio pelos infratores e interessados em geral possa dificultar ou frustrar as providências. Mas o que aqui se põe em causa é a não prestação de informações adequadas, suficientes e claras de todos os dados que permitam à sociedade acompanhar e ter ciência da execução das políticas públicas ambientais."
Destacou-se o relevo da categoria do "
estado de coisas inconstitucional
", concebida inicialmente pelo Tribunal Constitucional da Colômbia, reportando-se ainda à
ADPF 347
. Aludiu-se ao caso
Bladet Tromso e Stensaas v. Noruega, de 1999
, em que a Corte Europeia de Direitos Humanos teria julgado questão concernente ao acesso à informação em matéria ambiental. Naquele julgamento, ter-se-ia decidido que a Noruega havia ofendido o direito de um jornal, ao acusar o editor daquele veículo de comunicação, da prática de difamação, após a publicação de excertos de relatório que apontava a questão da caça às focas naquele País. No julgamento
Ogoniland v. Nigéria
, a Comissão Africana de Diretos Humanos, em 2001, teria condenado o Estado nigeriano pela ofensa a sete artigos da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, destacando-se o art. 24. Nesse dispositivo se estabelecia que todos os povos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvimento. No caso, teria sido alegada a degradação ambiental de Ogoniland e impactos negativos à saúde do povo Ogoni, decorrente da exploração petrolífera naquela região.
D'outro tanto,
"Em decisão de 14.10.2021, no caso
Notre Affaire à Tous e outros vs. França
, o Tribunal Administrativo de Paris determinou que o Estado francês tomasse medidas concretas e imediatas para o cumprimento dos compromissos firmados para redução das emissões de carbono e para a reparação dos danos decorrentes da inação francesa naquela matéria."
Desse modo,
"As diversas falhas estruturais nas políticas ambientais de controle ao desmatamento da Amazônia, de garantia de respeito aos povos indígenas, à ausência de fiscalização eficiente, à inexecução dos orçamentos garantidores da adoção das providências necessárias à garantia da eficiente proteção do meio ambiente, pormenorizadas ao longo dessa exposição, demonstram a inércia e a recalcitrância administrativa e vislumbre de falta de vontade política em cumprir fielmente a Constituição ambiental, com a persistente ausência de empenho administrativo das autoridades públicas em modificar a situação comprovada de gravames ecológicos com efeitos postergados em intensidade e atingindo gerações futuras."
Sublinhou-se ainda que
"
O princípio da separação de poderes não é biombo para o descumprimento da Constituição da República por qualquer deles, sob pena de esvaziar a efetividade dos direitos fundamentais
."
A Min. Relatora concluiu, então, que
"Pelos fundamentos apontados neste voto, considerando-se a insuficiência das justificativas apresentadas pelos órgãos responsáveis para fazer frente às alegações dos arguentes e aos crescentes níveis de desmatamento da Amazônia, reconheço o estado de coisas inconstitucional."
Depois do voto da Ministra, datado de
06 de abril de 2022
, o Min. André Mendonça solicitou vista dos autos e o julgamento foi redesignado para o dia 17 de agosto"/2023. Aguarda-se, portanto, o julgamento pela Suprema Corte da aludida ADPF 760. Ao final do voto, a insigne Relatora deliberou como segue:
"86. Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e julgar procedente a presente arguição de descumprimento de preceito fundamental para:
a)
reconhecer o estado de coisas inconstitucional quanto ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica e de omissão do Estado brasileiro em relação à função protetiva do meio ambiente ecologicamente equilibrado
e
b) determinar que:
a)
a União e os órgãos e entidades federais competentes (Ibama, ICMBio, Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas respectivas competências legais, formulem e apresentem um plano de execução efetiva e satisfatória do PPCDAm ou de outros que estejam vigentes, especificando as medidas adotadas para a retomada de efetivas providências de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambiental da Floresta Amazônica, do resguardo dos direitos dos indígenas e de outros povos habitantes das áreas protegidas (UCs e TIs), para o combate de crimes praticados no ecossistema e outras providências comprovada e objetivamente previstas no Plano, em níveis suficientes para a coibição do desmatamento na Amazônia Legal e de práticas de crimes ambientais ou a eles conexos
.
Esse plano deverá ser apresentado a este Supremo Tribunal Federal em até sessenta dias, nele deverão constar, expressamente, cronogramas, metas, objetivos, prazos, projeção de resultados com datas e indicadores esperados, incluídos os de monitoramento e outras informações necessárias para garantir a máxima efetividade do processo e a eficiente execução das políticas públicas, considerados os parâmetros objetivos mencionados abaixo, devendo ser especificada a forma de adoção e execução dos programas constantes do plano, os recursos a serem destinados para atendimento dos objetivos, devendo ser minudenciados os seguintes parâmetros objetivos de aferição para cumprimento da decisão, a serem marcados pela progressividade das ações e dos resultados
:
a.1)
Até 2023, a redução efetiva proposta e os instrumentos e as providências a serem adotadas para o atendimento daquela finalidade referente aos índices de desmatamento na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, em níveis suficientes para viabilizar o cumprimento da meta de 3.925 km² de taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal, correspondente à redução de 80% dos índices anuais em relação à média verificada entre os anos de 1996 e 2005, que deveria ter sido cumprida até o ano de 20208
;
a.2)
A redução efetiva e contínua, até a eliminação, dos níveis de desmatamento ilegal em TIs e UCs federais na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, respeitados os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais
;
a.3) O desempenho efetivo por instrumentos especificados de atuação para a fiscalização pelos órgãos competentes e de investigação das infrações ambientais e aquelas a eles conexos, com os meios para garantia de eficácia dos resultados, incluídos os casos em que haja punições, sempre na forma da legislação vigente, com a atuação das entidades federais competentes (Ibama e, quanto couber, ICMBio e Funai) contra o desmatamento ilegal na Amazônia Legal, a prática de tráfico de madeira e de animais, na forma da previsão de resultados definidos no Eixo de Monitoramento e Controle do PPCDAm, ainda que na forma de planejamento que suceda àquele plano;
a.4) A forma prevista e os meios adotados para o cumprimento imediato ou progressivo, com planejamento até dezembro de 2023, como consta do PPCDAm, dos demais resultados previstos nos Eixos Temáticos do PPCDAm, apresentando-se o cronograma de execução das providências;
b) Pela gravidade do quadro de comprovada insuficiência estrutural das entidades públicas competentes para combater o desmatamento na Amazônia Legal, que inviabiliza a efetividade da implementação do PPCDAm, a União deverá, no prazo máximo de sessenta dias, preparar e apresentar a este Supremo Tribunal Federal, plano específico de fortalecimento institucional do Ibama, do ICMBio e da Funai e outros a serem eventualmente indicados pelo Poder Executivo federal, com cronograma contínuo e gradativo, incluindo-se a garantia de dotação orçamentária, de liberação dos valores do Fundo Amazonia e de outros aportes financeiros previstos, e também de melhoria, aumento e lotação dos quadros de pessoal, conforme proposta de viabilidade, em níveis que demonstram o cumprimento efetivo e eficiente de suas atribuições legais para o combate efetivo e ininterrupto do desmatamento na Amazônia Legal e das áreas protegidas, conferindo-se, para todos os atos, a apresentação, os modos e os prazos para a execução do plano de fortalecimento institucional, com ampla transparência das informações, instrumentos de participação social e demais instrumentos necessários para garantia do controle social das medidas, das metas e dos resultados;
c) Para garantir o direito republicano à transparência e à participação da sociedade brasileira (inc. XXXIII do art. 5o., inc. VI do art. 170 e art. 225 da Constituição do Brasil), titular dos direitos fundamentais à dignidade ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao direito de cada um e de todos à saúde, à vida digna e aos direitos dos grupos específicos cujos direitos fundamentais estão versados nesta demanda, como os povos indígenas, os povos e as comunidades tradicionais e as crianças e adolescentes, para franquear o controle social, inclusive por parte da sociedade civil organizada e da comunidade científica, entre outros, determino à União e às entidades federais Ibama, ICMBio e Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal que passe a apresentar, no prazo máximo de quinze dias e com atualização mensal, em sítio eletrônico a ser indicado pela União, relatórios objetivos, transparentes, claros e em linguagem de fácil compreensão ao cidadão brasileiro, sempre que possível ilustrados por mapas, gráficos e outras técnicas de comunicação visual, contendo as ações e os resultados das medidas adotadas em cumprimento aos comandos determinados por este Supremo Tribunal Federal, a serem disponibilizados publicamente em formato aberto, se possível integrado com o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, ao qual deve ser dada ampla publicidade. Ficam ressalvadas desta exigência prévia e nos prazos estabelecidos os casos em que a informação se refira a operações ou providências para investigação e apuração de infrações, cujos resultados dependam de diligências sigilosas e que podem ter a sua eficiência comprometida pela publicidade prévia;
d)
A submissão ao Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Poder Judiciário (Portaria n. 326, de 16.12.2021) do Conselho Nacional de Justiça de relatórios mensais produzidos pelos órgãos competentes do Poder Executivo, do IBAMA e do ICMbio, até dezembro de 2023, relacionados às medidas de cumprimento das determinações previstas nos itens acima com os resultados obtidos, no combate ao desmatamento da Amazônia, à implementação de medidas de fiscalização e a implementação do PPCDAm ou de outros planos adotados para o cumprimento das metas estabelecidas
. É o voto."
No âmbito da presente demanda, por seu turno, o instituto autor postulou que
"seja julgada totalmente procedente a presente ação civil pública climática, determinando à
demandada que cumpra com sua obrigação jurídica de fazer constante no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm, vinculado à Política Nacional sobre a Mudança do Clima – PNMC, no sentido de que, no ano de 2020201, o índice máximo de desmatamento ilegal na Amazônia Legal NÃO ULTRAPASSE A TAXA DE 3.925,00 Km², nos termos do art. 17, I, art. 18 e art. 19, §1º, I, todos do Decreto Federal 9.578/2018, e art. 6º e 12, ambos da Lei Federal n. 12.187/2009
."
Requereu ainda que
"seja determinado que a medição da taxa do desmatamento da Amazônia Legal utilize os dados oficiais apontados no PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), devendo ser observada a taxa máxima de desmatamento de 3.925,00Km² para o ano 2020, considerando o período de análise entre 1º de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021."
O demandante deduziu, ademais, pretensão como segue:
"e) caso a demandada não cumpra com suas obrigações normativas aqui exigidas, ultrapassando, desta forma, a taxa máxima de desmatamento da Amazônia Legal de 3.925,00Km² para o ano de 2020, seja determinado que a demandada realize a restauração florestal de toda a área desmatada em excesso ao limite legal anual, antes referido, no prazo de 01 (um) ano ou no menor prazo possível a ser definido em laudo técnico específico, utilizando a melhor tecnologia disponível, sem prejuízo das demais cominações apontadas no art. 815 e art. 816, ambos do CPC;
f) seja determinado à demandada que aloque os recursos orçamentários suficientes para realizar (e.i) o cumprimento da sua obrigação normativa de reduzir o desmatamento ilegal da Amazônia Legal até o limite de 3.925,00Km² no ano de 2020; e (e.ii) o reflorestamento de toda a área da floresta que, eventualmente, exceder a esse limite, proporcionalmente; sem prejuízo das demais cominações apontadas no art. 815 e art. 816, ambos do CPC;
g) seja determinado à demandada que utilize de todos os recursos financeiros, recursos técnicos e de pessoal disponíveis, visando o cumprimento da obrigação de fazer exigida nesta demanda, da melhor forma fática e tecnicamente possível;
h) seja determinada a nomeação do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) como órgão auxiliar do Juízo no que tange a apresentação de informações, bem como no monitoramento do cumprimento da sentença pela demandada;
i) seja determinada à demandada o pagamento de multa diária em caso de descumprimento da sentença, sem prejuízo das demais cominações apontadas no art. 536, art. 537, art. 815 e art. 816, todos do CPC."
Ao que consta, na peça inicial da ADPF 760, os partidos autores requereram o segunte:
"436. Diante do exposto, requerem os Arguentes que, após a prestação de informações pela União Federal, MMA, INPE, IBAMA, ICMBio e FUNAI, entre outros indicados pelo Poder Executivo federal, sejam ouvidos o Advogado-Geral da União (art. 103, § 3º, CF/88); e o Procurador-Geral da República (art. 103, § 1º, CF/88).
437. As organizações ora signatárias requerem seja admitido o seu ingresso nos presentes autos na qualidade de amici curiae, inclusive para apresentar eventuais novas contribuições à cognição jurisdicional desse e. Supremo Tribunal Federal, incluindo-se a realização de sustentação oral.
438. Com fulcro no artigo 9.º, § 1.º, da Lei n.º 9.868/1999, requerem, ademais, seja(m) realizada(s) audiência(s) pública(s), com a presença de especialistas e autoridades na matéria objeto dos autos, dado o caráter essencialmente multidisciplinar do Direito Socioambiental e do objeto da presente Arguição, notadamente para a discussão, entre outros pontos a serem arbitrados por Vossa Excelência, de elementos fáticos de natureza científica, socioeconômica e 145 socioambiental relacionados aos atos comissivos e omissivos descritos no Capítulo V e às lesões a preceitos fundamentais explicitadas no Capítulo VI.
439. Ao final, os Partidos Arguentes, corroborados pelas Entidades que pleiteiam ingresso como amici curiae, requerem sejam julgados procedentes os pedidos finais, conforme segue:
(i)
Requerem seja determinado à União e aos órgão e às entidades federais competentes (IBAMA, ICMBio, FUNAI e outras eventualmente indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas competências legais, que executem efetiva e satisfatoriamente o PPCDAm, notadamente fiscalização, controle ambiental e outras medidas previstas na referida política, em níveis suficientes para o combate efetivo do desmatamento na Amazônia Legal e o consequente atingimento das metas climáticas brasileiras assumidas perante a comunidade global. Para tanto, os Arguentes requerem sejam adotados os seguintes parâmetros objetivos de aferição para fins de cumprimento da decisão cautelar, a serem marcados pela progressividade das ações e resultados
:
(i.1)
Até 2021, a redução efetiva dos índices de desmatamento na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, em níveis suficientes para viabilizar o cumprimento da meta de 3.925 km² de taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal, correspondente à redução de 80% dos índices anuais em relação à média verificada entre os anos de 1996 e 2005 – a qual já deveria ter sido cumprida até o corrente ano de 2020
. Os Arguentes deixam registrado, ainda, pedido a ser apreciado futuramente apenas em caso de não atendimento da referida meta para 2021, no sentido de que, em ocorrendo tal hipótese, sejam aplicadas medidas mais rigorosas para o ano seguinte, que permitam o atingimento da meta de 3.925 km² até no máximo 2022, tal como moratória temporária para todo e qualquer desmatamento na Amazônia e outras a serem oportunamente avaliadas e requeridas, se necessário;
(i.2) A redução efetiva e contínua, até a sua eliminação, dos níveis de desmatamento ilegal em TIs e UCs federais na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, respeitados os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais;
(i.3)
O incremento da punibilidade das infrações ambientais a partir da atuação das entidades federais competentes (IBAMA e, quanto 146 couber, ICMBio e FUNAI) contra o desmatamento ilegal na Amazônia Legal, sendo este um dos resultados esperados do Eixo de Monitoramento e Controle do PPCDAm
; e
(i.4)
O atendimento, imediato (até 2021) ou progressivo – conforme consta do próprio PPCDAm –, dos demais resultados esperados previstos nos Eixos Temáticos do PPCDAm, apresentando-se cronograma para tanto
.
(ii)
Considerada a gravidade do quadro de absoluta insuficiência estrutural das entidades públicas competentes para combater o desmatamento na Amazônia Legal, conforme demonstrado acima, que inviabiliza a efetividade da implementação do PPCDAm, requer seja determinado à União que efetive o plano específico de fortalecimento institucional do IBAMA, do ICMBio e da FUNAI e outros a serem eventualmente indicados pelo Poder Executivo federal
, apresentado por ocasião da medida cautelar acima, com cronograma contínuo e gradativo, incluindo-se a garantia de dotação orçamentária e de recursos humanos, conforme proposta de viabilidade a ser apresentada pela União, em níveis tais que se permita cumprir com suas atribuições legais voltadas ao combate efetivo e ininterrupto do desmatamento na Amazônia Legal e suas Áreas Protegidas, conferindo-se, para todos os atos (tanto a apresentação do plano de fortalecimento institucional, como sua execução), ampla transparência ativa das informações, mecanismos de participação pública e demais instrumentos que julgar necessários para garantir o controle social sobre tais atos."
2.18. SINAFLOR - constituição:
O Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), é uma plataforma que integra o controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais, sob coordenação, fiscalização e regulamentação do Ibama.
O Sinaflor foi instituído pela Instrução Normativa n° 21, de 24 de dezembro de 2014, em observância aos arts. 35 e 36 da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012
.
É salutar que haja integração entre o sistema federal e os sistemas estaduais e municipais, de modo a viabilizar um exame conglobante e efetivo do volume de madeira em negociação, nas vias formais, no âmbito do território brasileiro, de modo a permitir também a apuração das práticas extrativistas porventura ilícitas.
2.19. Decisão - embargos declaratórios ADPF 760:
Em 03 de abril de 2024, o STF publicou a seguinte deliberação:
"O Tribunal, por maioria, não declarou o estado de coisas inconstitucional, vencidos, nesse ponto, os Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Edson Fachin e Luiz Fux. Alternativamente, reconhecendo a existência de falhas estruturais na política de proteção à Amazônia Legal, o Tribunal determinou ao Governo Federal que assuma um "compromisso significativo" (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. Na sequência, por unanimidade, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ADPF 760 e na ADO 54, para determinar que: a) a União e os órgãos e entidades federais competentes (Ibama, ICMBio, Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas respectivas competências legais, formulem e apresentem um plano de execução efetiva e satisfatória do PPCDAm ou de outros que estejam vigentes, especificando as medidas adotadas para a retomada de efetivas providencias de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambienta"
Ao apreciar a ADPF 743, o Supremo Tribunal Federal impôs aos Estados-membros e Municípios a obrigação de vincularem-se ao SINAFLOR de modo a viabilizar aludido controle unificado das atividades extrativistas, de modo a assegurar a preservação do ambiente pátrio. Ao apreciar embargos declaratórios na ADPF 760, o STF enfatizou, porém, que
"não há qualquer omissão a ser suprida. Ainda que a decisão proferida na ADPF nº 743 tenha imposto aos Estados e Municípios o uso imediato do SINAFLOR, ainda permanece a necessidade de tratamento e integração dos dados que estão em bases estaduais."
2.20. Norma do art. 47 do decreto 6.514/2008:
Convém atentar, ademais, para o art. 47 do decreto 6.514/2008 - projeção do art. 32 do anterior decreto 3.179/1999 -, cujo conteúdo transcrevo:
Art. 47. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira serrada ou em tora, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Multa de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico.
§ 1
o
Incorre nas mesmas multas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente ou em desacordo com a obtida
.
§ 2
o
Considera-se licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento aquela cuja autenticidade seja confirmada pelos sistemas de controle eletrônico oficiais, inclusive no que diz respeito à quantidade e espécie autorizada para transporte e armazenamento.
§ 3
o
Caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização.
§ 4
o
Para as demais infrações previstas neste artigo, o agente autuante promoverá a autuação considerando o volume integral de madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal que não guarde correspondência com aquele autorizado pela autoridade ambiental competente, em razão da quantidade ou espécie
. (Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
Deve-se ter em conta que
"
A autorização para transporte de produto florestal (ATPF), assim como atualmente o documento de origem florestal (DOF), não era uma mera formalidade burocrática. Era um ato administrativo que legalizava a atividade, até então proibida. Vem ao caso a lição de Castro Neves: Trata, então, o dispositivo em comento de autorização, pois só com tal outorga da Administração é que se torna válido o exercício da atividade, preexistindo a ela uma vedação legal, afastada, in casu, através de um ato de natureza discricionária
. (...) Dessa forma, constitui a ATPF importante mecanismo de controle da exploração de produtos florestais, pois propicia, em tese, o conhecimento, pela Autarquia, da quantidade de madeira em exploração. Produtos florestais que não estão acobertados por ATPF regularmente expedida são originários de atividade irregular, possibilitando a apuração de responsabilidade, na órbita civil, penal e administrativa."
(TRENNEPOHL, Curt.
Obra citada.
p. 218).
Acrescento que
"
a ATPF era o documento autorizativo para o trânsito, o depósito ou a comercialização de produtos florestais, e o IBAMA era a autoridade competente para sua emissão. Todo produto da flora nativa, in natura ou com beneficiamento primário, dependem dessa autorização do Poder Público para o transporte, a guarda, o armazenamento ou a comercialização, sob pena de ilegalidade e consequente penalização. Assim é, atualmente, com o Documento de Origem Florestal (DOF
)."
(TRENNEPOHL, Curt.
Obra citada.
p. 220).
Ainda segundo Trennepohl,
"Até meados de 2001, somente os produtos in natura (§1º, 'a', e §2º) ou com beneficiamento primário (§1º, 'b' até 'o') dependiam da ATPF como autorização ambiental, utilizando-se o regime especial de transporte (RET) - um carimbo padronizado para aposição na nota fiscal -, previsto no art. 11 da portaria sob comento, para os demais produtos (mudas, raízes, bulbos e plantas ornamentais, medicinais e aromáticas provenientes de produtor e para exploração, madeira serrada sob qualquer forma, laminada, aglomerada, prensada, compensada, chapas de fiabra, desfolhada, faqueada, contraplacada e para exportação, xaxim e seus arfefatos na fase de saída da indústria e para exportação, palmito em conserva na fase da indústria e para exportação, dormentes e poteses na fase de saída da indústria e para exportação e carvão de resíduos de indústria madereira). Em função da dificuldade para o controle e das constantes utilizações irregulares de carimbos confeccionados à revelia do IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente, atráves da Instrução Normativa n. 04, de 25 de julho de 2001, EXTINGUI o RET a partir de 14 de setembro do mesmo ano, passando a ser obrigatória a utilização da ATPF também para esses produtos.
Estão dispensados da licença ambiental, tanto da ATPF, quanto do DOF, apenas os subprodutos já beneficiados que, por sua natureza, já se apresentam acabados, embalados e manufaturados para o uso final
, celulose, goma-resina e demais pastas de madeira, resíduos, como seja, aparas, cavacos e demais restos de beneficiamento e de industrialização de madeira, serragem, palets e briquetes de madeira e de castanha em geral, folhas de essências plantadas, folhas e fibras de palmáceas, casca e carvão produzido de casca de coco, moinha e briquetes de carvão vegetal, escoramentos e madeira beneficiada entre canteiros de obras de construção civil, madeira usada em geral, reaproveitamento de madeira de cercas, currais e casas, carvão vegetal empacotado do comércio varejista, bambu (Bambusa vulgaris) e espécies afins, vegetação arbustiva de origem plantada para qualquer finalidade."
(TRENNEPOHL.
cit.
p. 220-221).
Além disso,
"
A antiga autorização ambiental - ATPF devia acompanhar o produto florestal durante todo o tempo de viagem ou armazenamento, segundo estabelecia a norma, e devia ser válida, isto é, estar com todos os campos preenchidos corrtamente, sem emendas e sem rasusas, e dentro do seu prazo de validade, além de ser outorgada pela autoridade competente, na época, o IBAMA (...) a 1ª via da ATPF, que acompanhava o produto florestal da origem ao destino, devia ser encaminhada pelo adquirente ao IBAMA até o 15º dia do mês seguinte à aquisição. A 2. via, no mesmo prazo, devia ser encaminhada pelo vendedor. Através dessas prestações de contas era possível o efetivo controle da exploração e da comercialização ou utilização dos produtos florestais.
"
(TRENNEPOHL, Curt.
Obra citada.
p. 222).
2.21. Apreensão de bens:
Como notório, o art. 72, IV, lei n. 9.605/1998 preconiza, como sanção administrativa,
"a apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração."
Para tanto, contudo, deve-se atentar também para as balizas do art. 6º da mesma lei, por força do art. 72,
caput.
Logo,
"
Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente; II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III - a situação econômica do infrator, no caso de multa
."
Deve-se aferir o contexto em que a infração ambiental teria sido cometida.
Semelhante é o conteúdo do art. 3º, IV, do decreto 6.514/2008 com a redação veiculada pelo decreto 6.686/2008, merecendo também destaque o seu art. 14:
"A sanção de apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos e embarcações de qualquer natureza utilizados na infração reger-se-á pelo disposto nas Seções II, IV e VI do Capítulo II deste Decreto."
Segundo CurtTrennepohl, contudo, aludido dispositivo seria até dispensável, diante do contéudo do art. 25 , §2º da lei n. 9.605/1998, tendo sido introduzido apenas "
para manter a sequência das sanções estabelecidas no art. 3."
(TRENNEPOHL. Curt.
Infrações contra o meio ambiente:
multas, sanções e processo administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2013. p. 120).
Atente-se ainda para o art. 134, IV, do decreto 6.514, com a redação veiculada pelo decreto 6.686/2008:
"Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma:
(...) II - as madeiras poderão ser doadas a órgãos ou entidades públicas, vendidas ou utilizadas pela administração quando houver necessidade, conforme decisão motivada da autoridade competente."
Pode-se cogitar, d'outro tanto, que a autuação e apreensão devessem ter tomado por base apenas a fração excedente, quando em causa apresentação parcial de documentos, para além do volume informado nas guias de transporte florestal, consoante entendimento verbalizado pelo TRF1:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. TRANSPORTE DE MADEIRA EM DESCONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. GUIA FLORESTAL REFERENTE A APENAS PARTE DA TOTALIDADE DA CARGA. APREENSÃO TOTAL DA MERCADORIA. ILEGITIMIDADE. LIBERAÇÃO DA PARTE REGULAR. POSSIBILIDADE. I -
Pacífico nesta Corte entendimento de ser indevida a apreensão da totalidade da carga de produto florestal, quando divisível, se parte dela estava coberta por guia florestal. II - Na espécie dos autos, não havendo irregularidade no transporte de parte da madeira apreendida, conforme se verifica do documento de Guia Florestal - GF, não se afigura razoável a manutenção da apreensão da madeira acobertada pela aludida Guia Florestal. Precedentes deste egrégio Tribunal. VII - Existindo documento de Guia Florestal - GF que forneça cobertura parcial à madeira transportada, a multa aplicada pelo IBAMA deve ser readequada, para incidir tão-somente sobre a parte da carga transportada irregularmente
. (AMS 0000619-03.2012.4.01.3602 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 29/06/2017, sem grifo no original.) III - Não procede o alerta da apelante, de ajuizamento de reclamação constitucional no caso de a Turma entender pela não aplicação dos artigos do Decreto n. 6.514/2008 - no que se refere à apreensão de madeiras irregularmente transportadas, e, ainda assim, não remeter a questão ao Pleno para apreciação da sua constitucionalidade - , por não se tratar, no caso, de ausência de aplicação dos dispositivos referidos no Decreto mencionado, por inconstitucionalidade, ou de afastamento de sua incidência, mas de aplicação do entendimento jurisprudencial firmado de que, embora se deva proceder à apreensão, o alcance desta deve ficar afeto somente à parte da madeira em desconformidade com a licença ambiental respectiva, não tendo havido declaração de inconstitucionalidade, o que afasta a cláusula de reserva de plenário. IV - Apelação do IBAMA e reexame necessário aos quais se nega provimento. Sentença mantida. (AMS https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=00135746120114014100, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:06/04/2018 PAGINA:.)
MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. PODER DE POLÍCIA. TRANSPORTE DE MADEIRA. VOLUME DE CARGA EM DESCONFORMIDADE COM A NOTA FISCAL E COM A AUTORIZAÇÃO DE TRANSPORTE. APREENSÃO DA CARGA INTEGRAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A impetrante foi autuada por transportar madeiras serradas e essências diversas em desacordo com a licença de transporte que possuía. Segundo parecer conclusivo do laudo técnico do IBAMA, as espécies Vochysia sp, Tachigali sp e Guarea sp foram encontradas na carga, apesar de não estarem discriminadas na guia florestal. 2. Estando parte da carga regularmente coberta pela documentação de transporte, não se justifica a apreensão de toda a madeira, situação que legitima a atuação judicial para fins de adequação da medida da autoridade ambiental aos ditames da proporcionalidade. 3. É pertinente o pedido da impetrante de liberação da parte da carga que estava devidamente autorizada pela guia de transporte, devendo ser mantida a apreensão quanto ao excedente, como corretamente decidiu o juízo a quo. 4. Remessa oficial e apelação do IBAMA improvidas. (AMS https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=00023335820094014101, JUÍZA FEDERAL MARIA CECÍLIA DE MARCO ROCHA, TRF1 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF1 DATA:25/05/2016 PAGINA:.)
No âmbito do TRF4 tem prevalecido, contudo, entendimento contrário, como bem ilustra o precedente que transcrevo adiante:
MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. FISCALIZAÇÃO. MADEIRA. APREENSÃO. 1.
Se a madeira não está devidamente acobertada pela Guia Florestal, a pena de apreensão prevista no art. 2º, IV, do Decreto 3.179/99 (atualmente revogado pelo Decreto 6.514/2008), se aplica à totalidade, e não apenas ao excedente de madeira apreendida, a fim de coibir tal prática delituosa, tendo, ainda, caráter educativo, merecendo provimento o apelo do IBAMA no ponto
. 2. Como bem observado pela sentença "(...) o que autoriza a Portaria n.º 83, de 15 de outubro de 1996, é a variação nas espessuras-padrão das madeiras serradas, em razão do limite da espessura permitida para a exportação de espécies nativas não cultivadas. A tolerância quanto à espessura máxima, que é de 101,6 mm, não autoriza modificação no volume da madeira exportada como deve constar da Guia Florestal para Transporte de Produtos Florestais Diversos - GF3".
(APELREEX 200772000116416, ROGER RAUPP RIOS, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 10/02/2010.)
Aludida intelecção, ao vaticinar a apreensão da totalidade da madeira, parece estar em conformidade cm a lógica do art. 47, §§3º do referido decreto 6.514, com a redação veiculada pelo decreto 6.686/08:
"Nas infrações de transporte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização."
Segundo Trennepohl,
"O §3º estabelece que no caso da carga não conferir em sua totalidade com o volume ou espécie autorizado, a sanção pecuniária será calculada sobre o total, isto é, fica afastada a hipótese de considerar parte dos produtos legal e somente aplicar a multa sobre o excedente. Destarte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado, a autuação considerará a totalidade do objeto da fiscalização. Esta disposição apenas torna claro o entendimento que já vínhamos manifestando anteriormente, quando a norma não era explícita nesse sentido. A autorização ambiental deve ser válida, isto é, todos os seus elementos (principalmente volume e espécie) devem estar em perfeita consonância com os produtos a que se refere. O Poder Judiciário tem acatado o entendimento de que a diferença entre o volume constante do documento autorizativo e a carga efetivamente transportada é razão suficiente para a autuação do transportador e a apreensão do produto."
(TRENNEPOHL. Curt.
Obra citada.
p. 231-232).
Na generalidade dos casos, essa solução é a mais consentânea com o dever de precaução e prevenção imposto pelo art. 225, CF/1988.
2.22.
Eventual embargo
de atividades:
Conquanto os embargos sejam, em regra, medidas de caráter inibitório ou cautelar, o Decreto 6.514/2008 os rotulou como sanção, na forma do seu art. 3º, VII -
"As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: (...) VII - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas."
Já o art. 15-A do decreto dispôs que
"O embargo de obra ou atividade restringe-se aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental, não alcançando as demais atividades realizadas em áreas não embargadas da propriedade ou posse ou não correlacionadas com a infração."
Nos termos do art. 15-B,
"
A cessação das penalidades de suspensão e embargo dependerá de decisão da autoridade ambiental após a apresentação, por parte do autuado, de documentação que regularize a obra ou atividade
."
Note-se, porém, que - caso se cuidasse de efetiva sanção - os embargos estariam sendo impostos com violação ao devido processo, punindo-se alguém sem que sequer tenha sido facultada efetiva defesa. A rigor, a despeito do nome atribuído no Decreto 6.514, aludidos embargos constituem-se mecanismos inibitórios, a fim de evitar danos ambientais, apurados com cognição não exaustiva e ainda debatidos no âmbito do processo administrativo ou judicial. É o que justifica que, nos temos do referido art. 15-B, haja levantamento do embargo tão logo seja comprovada a regularização da atividade ou da obra.
Ora,
"O art. 15-A, incluído pelo Decreto 6.686/08 buscou, tão somente, a segurança jurídica do administrado, evitando que o ato da autoridade ambiental extrapole os limites da área ou atividade ilícita. É, também, um dos dispositivos que mais tem causado controvérsia na aplicação prática. Em princípio, somente a atividade que está em desacordo com as normas ambientais pode ser objeto de paralisação pelo Poder Público. No entanto, este dispositivo deve ser lido com atenção, pois, muitas vezes, uma atividade ilícita viabiliza outra, em princípio lícita, mas somente possível graças à primeira. Se uma atividade ilícita é cometida com o objetivo de tornar possível outra atividade, mesmo quando for lícita a segunda, o embargo e a interdição podem atingir as duas, simultaneamente."
(TRENNEPOHL. Curt.
Obra citada
).
Para que o embargo de uma atividade ilícita se restrinja efetivamente às áreas em que se caracterizou a ilicitude, é imprescindível que todas estejam corretamente demarcadas. O IBAMA, no art. 32 da Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio 01, de 12 de abril de 2021, que regula os procedimentos para apuração de infrações administrativas, enfatizou esta necessidade de individualizar a área e a atividade objeto do embargo.
O art. 16 do decreto 6.514/2008 versa sobre o embargo de áreas desmatadas ou queimadas irregularmente.
"No caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente autuante embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência."
Acrescente-se que, nos termos do art. 16, §1º,
"O agente autuante deverá colher todas as provas possíveis de autoria e materialidade, bem como da extensão do dano, apoiando-se em documentos, fotos e dados de localização, incluindo as coordenadas geográficas da área embargada, que deverão constar do respectivo auto de infração para posterior georreferenciamento."
O art. 18 preconiza as sanções a serem cominadas a quem descumpra os embargos da obra/atividade impostos pela Administração Pública.
Art. 18. O descumprimento total ou parcial de embargo, sem prejuízo do disposto no art. 79, ensejará a aplicação cumulativa das seguintes sanções:
I -
suspensão da atividade que originou a infração e da venda de produtos ou subprodutos criados ou produzidos na área ou local objeto do embargo infringido
; e
II -
cancelamento de registros, licenças ou autorizações de funcionamento da atividade econômica junto aos órgãos ambientais e de fiscalização
. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
§ 1
o
O órgão ou entidade ambiental promoverá a divulgação dos dados do imóvel rural, da área ou local embargado e do respectivo titular em lista oficial, resguardados os dados protegidos por legislação específica para efeitos do disposto no inciso III do art. 4º da Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003, especificando o exato local da área embargada e informando que o auto de infração encontra-se julgado ou pendente de julgamento. (Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
§ 2
o
A pedido do interessado, o órgão ambiental autuante emitirá certidão em que conste a atividade, a obra e a parte da área do imóvel que são objetos do embargo, conforme o caso.
2.23. Eventual licença de exportação - IBAMA:
A
lei nº 5.197/67
tratou da exigência de licença para importação de animais:
"Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha."
A licença para importação foi versada pelo art 4 da lei 5.197.
A
lei n. 9.605/1998
rotulou como crime a conduta de exportar/importar animais sem licença (p.ex., art. 29, §1, III). A
Portaria n. 93, de 07 de julho de 1998 - IBAMA
versou sobre a importação e a exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre brasileira e da fauna silvestre exótica. Segundo a portaria,
"A importação e a exportação poderá ser realizada somente por pessoa jurídica de direito público ou privado e registrada junto ao IBAMA. Parágrafo único - Em caso excepcional, poderá ser autorizada a importação e a exportação por pessoa física, mediante parecer favorável."
A
Instrução Normativa n. 140
, de 18 de dezembro de 2006 instituiu
"o serviço de solicitação e emissão de licenças do IBAMA para a importação, exportação e reexportação de espécimes, produtos e subprodutos da fauna e flora silvestre brasileira, e da fauna e flora exótica, constantes ou não nos anexos da Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES."
Segundo a mencionada IN 140,
"Excetuam-se para efeito desta Instrução Normativa os espécimes, produtos e subprodutos de peixes e da flora não listados nos Anexos da CITES, bem como os espécimes, produtos e subprodutos da fauna considerada doméstica. § 2º Para efeito desta Instrução Normativa, os peixes e invertebrados aquáticos não são considerados animais domésticos."
Ademais,
"As solicitações de que trata o Art. 1° desta Instrução Normativa, deverão ser realizadas por meio de formulário eletrônico do serviço de solicitação de Requerimento CITES, disposto na rede mundial de computadores, internet, no endereço eletrônico www .ibama.gov.br/cites."
Acrescentou que
"Os requerentes, pessoas físicas ou jurídicas, deverão efetuar sua inscrição no Cadastro Técnico Federal - CTF como Uso de Recursos Naturais, nas categorias: importação ou exportação de fauna nativa brasileira, importação ou exportação de flora nativa brasileira e importador ou exportador de fauna silvestre exótica, e manter seus dados atualizados. Art. 6º As licenças de importação, exportação e re-exportação para espécimes CITES e Não-CITES serão emitidas pelo Ibama, conforme modelos dispostos nos anexos 1 e 2, respectivamente."
Por seu turno, a
Portaria nº 91, de 14 de setembro de 2022
"Estabeleceu normas, critérios e padrões para exportação e importação de peixes de águas continentais, marinhas e estuarinas, com finalidade ornamental e de aquariofilia."
Aludida portaria foi declarada sem efeito por meio da portaria nº 94, de 15 de setembro de 2022.
Ademais, o
decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000
versou sobre a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES, dentre outros temas. Transcrevo o art. 7 do mencionado decreto:
"Art. 7
o
As espécies incluídas no Anexo I da CITES são consideradas ameaçadas de extinção e que são ou podem ser afetadas pelo comércio, de modo que sua comercialização somente poderá ser autorizada pela Autoridade Administrativa mediante concessão de Licença ou Certificado.
§ 1
o
Para exportação de qualquer espécime de uma espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão e apresentação prévia de Licença de exportação, que somente será concedida após o atendimento dos seguintes requisitos:
I - emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que a exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie; e
II - verificação, pela Autoridade Administrativa, se o transporte não causará danos à espécime, se foi concedida a Licença de importação e se é legal sua aquisição.
§ 2
o
Para importação de qualquer espécime de uma espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão e apresentação prévia de Licença de exportação ou Certificado de reexportação, e de Licença de importação, que será concedida somente uma vez, após o atendimento dos seguintes requisitos:
I - emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que a exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie e que o destinatário dispõe de instalações apropriadas para abrigá-lo, no caso de espécime vivo; e
II - verificação, pela Autoridade Administrativa, que o espécime não será utilizado, preferencialmente, para fins comerciais.
§ 3
o
Para reexportação de qualquer espécime de espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão e apresentação prévia de Certificado de reexportação, que será concedido somente uma vez, após a verificação, pela Autoridade Administrativa, se o transporte não causará danos ao espécime, se a importação foi realizada de acordo com as normas previstas na Convenção e se foi concedida Licença de importação para qualquer espécime vivo.
§ 4
o
Para a introdução procedente do mar de qualquer espécime de uma espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão prévia de Certificado, expedido pela Autoridade Administrativa do país de introdução, que será concedido somente uma vez, após o atendimento dos seguintes requisitos:
I - emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que a exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie; e
II - verificação, pela Autoridade Administrativa, que o espécime não será utilizado, preferencialmente, para fins comerciais e que o destinatário dispõe de instalações apropriadas para abrigá-lo."
O decreto versou sobre a exportação das espécies veiculadas nos demais anexos da CITES. Destaque-se, ademais, o seguinte:
Art. 11.
Toda Licença ou Certificado CITES deverá conter, no mínimo, as seguintes informações
: I - título da Convenção; II - nome e domicílio da Autoridade Administrativa que o emitiu; III - número de controle; IV - nomes, sobrenomes e domicílios do importador e do exportador; V - tipo da operação comercial (exportação, reexportação, importação ou introdução procedente do mar); VI - nome científico da espécie ou das espécies; VII - descrição do espécime ou dos espécimes em um dos três idiomas oficiais da Convenção; VIII - número de identificação das marcas dos espécimes, se as tiverem; IX - Anexo da CITES em que a espécie está incluída; X - propósito da transação; XI - data em que a Licença ou Certificado foi emitido e data em que expira; XII - nome e assinatura do emitente; XIII - selo de segurança da Autoridade Administrativa; e XIV - origem dos espécimes que a Licença ou Certificado ampara. Art. 12. Os Certificados CITES de reexportação deverão conter, além das informações exigidas no artigo anterior, os seguintes dados: I - o país de origem; II - o número de controle da Licença ou Certificado CITES emitido pelo país de origem e a data em que este foi emitido; e III - o país da última reexportação caso já tenha sido reexportado, e, neste caso, o número do Certificado e a data em que foi expedido. Art. 13. As Licenças e Certificados CITES são intransferíveis e poderão ter o período de sua validade estabelecido até o máximo de seis meses, sendo facultado à Autoridade Administrativa determinar prazo inferior. Art. 14. A Autoridade Administrativa cancelará ou recusará as Licenças e Certificados CITES emitidos com fundamento em informações falsas ou que estiverem em desacordo com o estabelecido neste Capítulo. Parágrafo único. A Autoridade Administrativa do país de importação cancelará e conservará a Licença de exportação ou Certificado de reexportação, apresentada para amparar a importação. Art. 15. Toda pessoa física ou jurídica que se dedique à comercialização, a qualquer título, ao transporte ou à compra e venda de espécimes importados, de espécies incluídas na Convenção e seus produtos e subprodutos, deverá possuir Certificado CITES original. § 1o As cópias do Certificado de que trata o caput somente poderão ser aceitas quando estiverem registradas perante a Autoridade Administrativa e nos casos de transferências parciais derivadas do Certificado CITES original. § 2o No embarque de cada espécime, será requerida a Licença ou Certificado respectivo.
O decreto também listou os casos de exoneração da aplicação das suas regras:
"As disposições previstas no Capítulo II deste Decreto não serão aplicadas nos seguintes casos: I - trânsito ou transbordo de espécimes no território de país que seja signatário da Convenção, enquanto os espécimes permanecerem sob o controle aduaneiro; II - quando a Autoridade Administrativa do país de exportação ou de reexportação verificar que um espécime foi adquirido antes da Convenção entrar em vigor; III - espécimes que sejam objetos pessoais ou de uso doméstico, exceto nos casos previstos no § 3o do art. 7o da Convenção; IV - empréstimo, doação ou intercâmbio sem fim comercial entre cientistas ou instituições científicas registradas junto às Autoridades Administrativas dos respectivos países; e V - espécimes que fazem parte de zoológico, circo, coleção zoológica ou botânicas ambulantes, desde que sejam obedecidos os seguintes requisitos: a) o exportador ou importador registre todos os pormenores sobre os espécimes junto à Autoridade Administrativa; b) os espécimes estejam incluídos nos incisos II a IV deste artigo; e c) a Autoridade Administrativa verifique se o transporte não causará danos ao espécime. Art. 17. Nos casos de espécimes de espécies de animais criados em cativeiro ou espécimes de espécies de vegetais reproduzidos artificialmente, seja parte ou derivado, será aceito Certificado da Autoridade Administrativa do país de exportação neste sentido, em substituição às Licenças e Certificados previstos no Capítulo II."
Menciono, ademais, a
Instrução Normativa Ibama nº 6, de 23 de setembro de 2008
, que veicula a lista oficial de flora em extinção. Destaco a
Portaria nº 443, de 17 de dezembro de 2014
, que declara como espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da "Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção".
A
Portaria nº 444, de 17 de dezembro de 2014
delara como sendo espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da "Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção" - Lista, conforme Anexo I da presente Portaria, em observância aos arts. 6º e 7º, da Portaria nº 43, de 31 de janeiro de 2014. Jà a
Portaria nº 445, de 17 de dezembro de 2014
reconhece como espécies de peixes e invertebrados aquáticos da fauna brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da "Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção - Peixes e Invertebrados Aquáticos" - Lista, conforme Anexo I desta Portaria, em observância aos arts. 6º e 7º, da Portaria nº 43, de 31 de janeiro de 2014.
A
Portaria MMA nº 148, de 7 de junho de 2022
alterou os Anexos da Portaria nº 443, de 17 de dezembro de 2014, da Portaria nº 444, de 17 de dezembro de 2014, e da Portaria nº 445, de 17 de dezembro de 2014, referentes à atualização da Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção. Por seu turno, a
Instrução Normativa IBAMA nº 140, de 18 de dezembro de 2006
já mencionda, institui o serviço de solicitação e emissão de licenças do IBAMA para a importação, exportação e reexportação de espécimes, produtos e subprodutos da fauna e flora silvestre brasileira, e da fauna e flora exótica, constantes ou não nos anexos da Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES. -
Instrução Normativa nº 16, de 25 de novembro de 2022
- Fica instituído o sistema do Documento de Origem Florestal Rastreabilidade (DOF+), como ferramenta de emissão, gestão e monitoramento das licenças obrigatórias para transporte e armazenamento de produtos florestais de espécies nativas do Brasil. -
Instrução Normativa nº 24, de 30 de dezembro de 2022
- Estabelece critérios e procedimentos para exportação, com fins comerciais, de produtos e subprodutos madeireiros das espécies constantes dos Anexos da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - Cites, dos gêneros Handroanthus spp, Tabebuia spp, Roseodendrum spp, Dipteryx spp, Cedrela spp e da espécie Swietenia macrophylla. -
Instrução Normativa nº 1, de 26 de janeiro de 2023
- Alterar o Art. 1º, caput, e § § 2º e 3° da
Instrução normativa n° 24 de 30 de dezembro de 2022,
que estabelece critérios e procedimentos para exportação, com fins comerciais, de produtos e subprodutos madeireiros das espécies constantes dos Anexos da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - Cites, dos gêneros Handroanthus spp, Tabebuia spp, Dipteryx spp, Cedrela spp e da espécie Swietenia macrophylla.
Essas são alguns dos diplomas normativos aplicáveis à exportação de faunta/flora nacional.
2.24.
Ônus demonstrativo - mandado de segurança:
Como registrei acima, no rito do mandado de segurança incumbe ao impetrante o encargo de apresentar, com a peça inicial, elementos probatórios da veracidade da sua narrativa sobre os fatos. Aludido procedimento não viabiliza a realização de diligências probatórias no seu curso.
Tanto por isso, revela-se incabível a inversão do ônus da prova prevista no art. 373, §1, Código de Processo Civil.
Ademais, como regra, “
cabe ao administrado demonstrar a contrariedade da atuação administrativa, no exercício do poder de polícia, com as regras jurídicas pertinentes. A concordância da descrição fática apresentada pela Administração com a realidade prevalece até prova em contrário, no que a doutrina especializada denomina presunção iuris tantum de veracidade dos atos administrativos
."
(EDcl no REsp 894571/PE, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, publ. DJe 01/07/2009; Ag 1326850, rel. Min. Luiz Fux, publ. 02/12/2010; Ag 1371059, rel. Min. Herman Benjamin, publ. 14/02/2011. ( AMS 0005259-92.2007.4.01.4000/PI, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.33 de 12/12/2012).
O ônus da prova incumbe, pois, à parte autora.
2.25. Elementos de convicção - 5022397-91.2025.4.04.7000:
Nos autos 5022397-91.2025.4.04.7000, a empresa impetrante apresentou, no movimento1, cópia de formulário não preenchido de NRE 13300007354, anexando cópia do seu estatuto constitutivo. Ela apresentou um fluxograma para exame da cadeia de custódia documental.
Seguiu-se cópia do despacho decisório do IBAMA, indeferindo o pedido de licença de exportação em questão:
A empresa anexou, em autos de processo administrativo, cópia da autorização de exportação de evento-1, procadm-7, p. 5, emitida em favor de ROVÍLIO MASCARELLO, em 28 de junho de 2018,
com validade até 28 de junho de 2019
. Apresentou cópia esmecida de foto aérea de mata. Juntou cópia de autorização de liberação de crédito florestal, também a favor de Rovílio Mascarello, datada de 28 de junho de 2018. Seguiu-se cópia de documento emitido pelo Estado de Mato Grosso:
Valide até
28 de agosto de 2019
.
Anexou nota fiscal emitida em 24 de julho de 2019 por Rovílio Mascarello, versando sobre a venda de cumaru e roxinho em toras.
Anexou guia para transporte de produto florestal a favor de Rovílio Mascarello, com o seguinte destinatário:
Anexou-se cópia de nota fiscal de venda de Cumaru pela empresa Empreendimentos Florestais Norte a favor da empresa Mademiro Industrialização - evento1, procadm-7, p. 25. A impetrante anexou LO - licença de operação a favor das suas atividades, emitida em 03 de maio de 2023, com validade por 640 dias corridos. Anexou nota fiscal de venda emitida pela MADEREIRA BONA EIRELI, em 09 de outubro de 2019.
A impetrante apresentou cópia do requerimento 170787. Anexou ainda cópia da decisão do STF, prolatada na ADPF 760. Apresentou cópia de decisão administrativa datada de 16 de abril de 2025:
Por época do recurso administrativo, a impetrante sustentou: "
O cerne da controvérsia reside no fato de que a madeira foi adquirida em conformidade com as normas vigentes na época da transação, antes da alteração legislativa que determinou a obrigatoriedade do sistema SINAFLOR CITES. Portanto, o recorrente cumpriu com todas as exigências legais aplicáveis ao momento da aquisição da madeira, sem quaisquer pendências legais em relação à cadeia de custódia do material adquirido. Ademais, a própria autoridade do IBAMA reconhece a inexistência de uma integração completa entre os sistemas estaduais e o módulo federal do SINAFLOR CITES, fato que afasta qualquer responsabilidade do recorrente neste aspecto. Porém, a decisão de indeferimento resultou em obstáculos indevidos às atividades do recorrente com base em falhas administrativas de integração que fogem ao seu controle."
(evento1, procadm-7, p. 105).
Ela apresentou planilha indicando o total de empregados mantidos na sua estrutura. No evento 16 do eproc 5022397-91.2025.4.04.7000, a autoridade impetrada juntou peça de informações veiculando o seguinte:
"2. Tais obrigações recaem a i. que o Ibama e “os Governos Estaduais, por meio de suas secretarias de meio ambiente ou afins, tornem públicos, em até 60 dias, os dados referentes às autorizações de supressão de vegetação e que a publicidade passe a ser, doravante, a regra de referidos dados”; e ii. na integração dos sistemas de monitoramento do desmatamento, de titularidade da propriedade fundiária e de autorização de supressão de vegetação, ampliando o controle automa zado do desmatamento ilegal e a aplicação de sanções.
3. Destaca-se que, por força do Art. 35 da Lei 12.651/2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa), o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - Sinaflor foi instituído com a finalidade de que todas as atividades florestais, empreendimentos de base florestal e processos correlatos sujeitos ao controle por parte dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama
fossem efetuadas necessariamente por meio deste sistema
ou por sistema estadual a ele integrado. Ficou estabelecido também que o órgão federal coordenador do sistema forneceria a solução tecnológica a ser utilizada, bem como definiria o prazo para integração dos dados e as informações que deveriam ser aportadas ao sistema nacional.
4.
Sendo assim, o uso do Sinaflor se tornou obrigatório a partir de 2 de maio de 2018 e, como definido pela Instrução Normativa Ibama nº 14/2018, foi dado o prazo de até 2 de julho de 2018
para que os estados integrados concluíssem a primeira etapa de integração ao sistema nacional.
Após essas datas, todas as autorizações de Plano de Manejo Florestal Sustentável, Supressão de Vegetação para Uso Alternativo do Solo, Corte de Árvores Isoladas e Exploração de Floresta Plantada emitidas fora do Sinaflor ou não integradas seriam consideradas inválidas para fins de controle da origem da madeira
.
5.
Nesse contexto e, considerando as determinações das ADPFs que incidem sobre as competências desta Diretoria, reiteramos a necessidade de integração plena ao Sinaflor de todas as autorizações de supressão de vegetação e exploração florestal emi das pelo estado e seus municípios para fins de publicização dos dados e atendimento às obrigações de fazer postas, no prazo estipulado
.
6. A relação com as autorizações integradas ao Sinaflor por esta Secretaria, até a data de 14 de maio de 2024, está sendo enviada em anexo (19276996) para conferência. Solicita-se retorno com as providências adotadas por esta secretaria de meio ambiente com a maior brevidade possível."
Esses são os elementos de convicção, ao que releva.
2.26. Elementos de convicção - MS 50223996120254047000:
Por outro lado, os autos de MS 50223996120254047000 veiculam documentos semelhantes, dado que apenas há diferença quanto ao requerimento de licença de exportação, com distinto código.
O pedido foi indeferido administrativamente como segue:
(decisão datada de 17 de abril de 2025)
O recurso administrativo por ela interposto versou sobre a invalidade de se aplicar retroativamente a legislação. Em síntese, esses são os elementos de consideração relevantes para o caso.
2.27. Alcance do pedido de liminar:
No eproc 5022397-91.2025.4.04.7000, a impetrante postulou a concessão de liminar para que seja determinada a expedição da licença de requerimento n.º 170787, autorizando-a a realizar a exportação do produto florestal descrito no processo administrativo, mantendo se a eficácia dessa decisão até o trânsito em julgado da sentença.
No eproc 5022399-61.2025.4.04.7000, ela postulou que, mediante ordem liminar, seja determinada a expedição da licença solicitada no requerimento n. 170777, autorizando-a a realizar a exportação do produto florestal descrito no processo administrativo, mantendo-se a eficácia dessa decisão até o trânsito em julgado da sentença.
2.28. Valoração precária dos elementos de convicção:
Como registrei acima, a impetrante postulou ao IBAMA a expedição de licenças de exportação - requerimentos 170787 e 170777 - a fim de poder encaminhar madeira para uma empresa com atuação em solo francês. Ela apresentou documentos alusivos à cadeia de custódia da madeira em causa, dizendo ter atendido a legislação.
O IBAMA indeferiu aludido pleito, enfatizando que a documentação não teria sido veiculada no SINAFLOR, consoante determinado pelo IBAMA ao julgar as ADPFs 743 e 760
. Ao que consta, os Estados do Pará e de Mato Grosso não estariam atendendo aludida determinação. Consta terem protocolado pedido de reconsideração da determinação da Suprema Corte, como evidencia o julgado abaixo:
"
DOS PEDIDOS DE RECONSIDERAÇÃO DA DETERMINAÇÃO DE USO EXCLUSIVO DO SINAFLOR FEITOS PELOS ESTADOS DO PARÁ E MATO GROSSO
: Por meio da decisão constante do eDOC 1074, determinou-se que os Estados passem a utilizar o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) para a emissão das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). Após a publicação da referida decisão, os Estados do Pará e do Mato Grosso apresentaram pedidos de reconsideração (eDOCs 1103 e 1134), sob o argumento de que dispõem de sistemas próprios que atendem ao requisito de interoperabilidade com o sistema nacional. Instada a se manifestar acerca dos pedidos de reconsideração, a União ressaltou, no eDOC 1203, que, embora haja interoperabilidade entre os sistemas estaduais e o sistema nacional, persistem deficiências nos sistemas locais que comprometem a acurácia no controle das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). O art. 26 da Lei nº 12.651/2012 ( Código Florestal)é inequívoco ao dispor que "o controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais incluirá sistema nacional que integre os dados dos diferentes entes federativos". Nesse contexto, a integração plena ao Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) revela-se absolutamente imprescindível para o adequado funcionamento do sistema de controle ambiental em âmbito nacional." (STF - ADPF: 743 DF, Relator.: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 28/04/2025, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28/04/2025 PUBLIC 29/04/2025)
Aludida decisão foi publicada em
28 de abril de 2025
. O STF determinou a intimação da União Federal para, querendo, manifestar-se a respeito dos pedidos de reconsideração. Há de ser apurado, ademais, qual o prazo fixado pela Suprema Corte para que aludida integração se efetive.
Com anotei no despacho anterior, reputo verossímil a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, diante dos documentos apresentados. Revela-se denso o argumento de que o Estado não poderia impor requisitos retroativos para fins de avaliação de uma determinada atividade econômica. Isso aparentemente não impede que, ao tempo do protocolo de pedido de exportação, o sujeito interessado diligencie o cumprimento das condicionantes para obtenção do documento. O marco temporal para exame do
tempus regit actum
consiste, em princípio, na data do protocolo do pedido de licença, e não a data de aquisição de madeiras.
Em outras palavras, caso alguém tenha adquirido madeiras com determinada perspectiva de ganho na sua comercialização e tenha decidido mantê-la por razoável período em seus estoques não poderá invocar a aplicação das normas porventura vigentes ao tempo da aquisição. O exame dos requisitos deve ser promovido tendo em conta a data do protocolo do pedido de licenciamento, até porque sabidamente não há direito adquirido à preservação de um específico regime jurídico.
Embargos de declaração no recurso extraordinário com agravo. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, nos termos do art. 1.024, § 3º, CPC . 2. Direito Administrativo. 3. Escrevente notarial . Ausência de direito adquirido a regime jurídico. 4. Aposentadoria. Reajuste dos proventos com base no salário mínimo . Impossibilidade. Manutenção de alíquota de contribuição.
Inexistência de direito adquirido a regime jurídico
. 5 . O STF, ao apreciar a ADI 4.420, não analisou a matéria sob a ótica da vinculação ao salário mínimo ou da manutenção da alíquota da contribuição previdenciária. Precedentes de ambas as Turmas. 6 . Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (STF - ARE: 1471344 SP, Relator.: Min . GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09/04/2024, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17-04-2024 PUBLIC 18-04-2024)
Assim, o exame da cogitada aplicação retroativa da legislação federal - e dos precedentes do STF que a tenham interpretado (art. 927, CPC) - de ser avaliada a partir dessa definição do marco temporal (data do protocolo do pedido de licenciamento). Por outro lado, em princípio, a empresa impetrante não pode ser prejudicada pelo não cumprimento de requisitos insuscetíveis de controle de sua parte. Ou seja, caso não lhe fosse dado, de fato, informar a documentação em causa junto ao SINAFLOR, ela não poderá ser prejudicada pelo fato de o Estado-membro respeito ter deixado de aderir ao sistema.
Esse é, a rigor, o argumento mais denso
.
Com efeito, note-se que, em determinados contextos, os sujeitos podem ser condenados à reparação de danos causados por terceiros. Isso se dá quando em causa a aplicação do art. 932, Código Civil, e também se dá na temática ambiental, diante da natureza
propter rem
desta obrigação de restauração do
status quo ante,
conforme
tema repetitivo 1.024, STJ
.
Por outro lado, quando em causa a imputação da prática de infrações à legislação, eventual sanção apenas pode ser cominada ao infrator - seja por comissão, seja por omissão -, na forma da legislação, sob pena de violação ao postulado da intranscendência, previsto no art. 5, XLV, Constituição, também aplicável ao processo administrativo sancionador. Importa dizer: conquanto haja responsabilização objetiva (dever de reparar danos), não se admite punições objetivas, eis que a sanção apenas pode ser cominada quando tenha sido cometida uma infração, dolosa ou imprudente, conforme o caso.
De todo modo, na espécie, não se cuida, a rigor, de uma imputação da prática de ilícito. A Administração Pública indeferiu o pedido de licença promovido pela impetrante, ao argumento de que os documentos por ela apresentados não teriam sido registrados junto ao SINAFLOR.
Como anotei acima, é fato que, no âmbito das arguições de descumprimento de preceito fundamental ADPFs 743 e 760, sob apreciação do Supremo Tribunal Federal, registrou-se a necessidade incontornável de que os sistemas estaduais sejam vinculados ao SINAFLOR. A tanto acorre, ademais, a Instrução Normativa IBAMA 19, de 8 de novembro de 2024 , cujo art. 72-A, § 4º preconizou:
"
As autorizações previstas no art. 17 deverão ser incluídas no Sinaflor, independentemente de ocorrer o aproveitamento de produto florestal
. (...) § 4º As autorizações cujos dados que deixarem de ser informados parcial ou totalmente, ou ainda informados erroneamente no Sinaflor serão consideradas inválidas para todos os efeitos."
Cuida-se, porém, de obrigação cujo cumprimento depende da atividade dos Estados-membros. Não há como a impetrante promover aludida inclusão sem que os Estados de origem da madeira viabilizem a confluência dos seus sistemas eletrônicos. A autoridade impetrada não chegou a impugnar a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, quando sustentou que os Estados-membros, de origem da madeira, estariam se recusando a aderir ao SINAFLOR.
Segundo a peça de informações,
"Ocorre que a emissão da AUTEX 2608/2018 se deu pelo sistema florestal estadual. Tal autorização, por não estar integrada no sistema federal, o SINAFLOR, não apresenta as informações que são essenciais para a devida análise da legalidade da exploração da madeira. Não é possível consultar o inventário florestal que precedeu a autorização, assim como a poligonal da área onde a exploração foi autorizada. Também não há como consultar os volumes de créditos emitidos pelo sistema, nem sua data de emissão, tampouco o volume restante do empreendimento. Tais informações são essenciais para a análise de cadeia de custódia e por consequência para a comprovação da origem legal da madeira."
Não está em causa o relevo do SINAFLOR e sua destacada importância para constituição de um sistema integrado que viabilize efetivo controle do fluxo de produtos florestais, notadamente em um país que desmata sem limites suas florestas
. A questão tem sido verbalizada pela Suprema Corte, nas demandas já aludidas; ademais, tópicos acima evidenciaram a relevância do assunto. O ponto não está, portanto, de forma alguma no reconhecimento da necessidade de que tais operações sejam cadastradas junto ao referido sistema.
No caso, porém, a impetrante parece ter razão no que alega
. Afinal de contas, ela parece ter atuado com boa-fé, ao adquirir produto atentando para as regras aplicadas no âmbito da origem da madeira. Não se pode atribuir aos sujeitos os custos decorrentes da omissão dos Estados da Federação. A vingar a premissa em que se fundamenta o IBAMA, todos os empreendedores de tais Estados - Mato Grosso e Pará - restariam impedidos de negociarem produtos que houvessem sido validamente obtidos. Isso implicaria afronta à livre iniciativa. Reitero, não se pode atribuir à empresa impetrante a responsabilidade pela ausência de vinculação do Estado-membro ao referido sistema, dado não dispor de meios para forçá-los a isso. Se sequer a União, com seu poder burocrático, logrou êxito, até o momento, para assegurar aludida vinculação, não há como exigir isso da impetrante. Tampouco há lastro para se argumentar que a empresa deveria restar impedida de adquirir o produto florestal seguindo as regras então vigentes no âmbito dos referidos Estados, componentes da Federação.
Não se pode exigir dos particulares que desconfiem que o Estado - e o Estado não é apenas a União e suas autarquias! - não conhecem a legislação que aplicam
. Dado que ela aparentemente respeitou aludidas regras, a omissão dos Estados-membros em promover aludida medida de confluência dos sistemas de controle deve ser cobrada junto aos seus goverantes e demais autoridantes envolvidas. Não se alegou e tampouco se demonstrou que a impetrante esteja atuando de má-fé, que tenha se amparado em documentos contrafeitos ou inválidos de alguma outra ordem.
Sem dúvida que devoto a maior preocupação com a origem da madeira, até porque o controle insuficiente pode contribuir para desmatamento e para toda sorte de desmandos ambientais
. É inconcebível que apenas agora, décadas depois da possibilidade de se constituir bancos de dados conglobantes, que tal sistema único esteja sendo viabilizado. De todo modo, em que pese essa
salutar preocupação com a questão ambiental
- norte que deve guiar as decisões judiciais na temática -, é fato que, no caso, a solução divisada pelo IBAMA se revela injusta, por afrontar a boa-fé da demandada, atribuindo-lhe a violaçâo de um dever que não era seu, eis que incumbia à autoridade estatal promover aludida medida de adesão ao SINAFLOR, tema sob discussão junto ao STF.
Reitero que solução diversa pode condenar à inatividade empresas que, seguindo a legislação, tenham adquirido produto florestal e apenas não tenham conseguido o registro junto ao SINAFLOR por conta da impossibilidade de fazê-lo
, diante da omissão do Estado-membro. Sabe-se que
ad impossibilia nem tenetur.
Ninguém pode ser obrigado a efetivar o inviável e o impossível. Pesa, enfim, o respeito à boa-fé da impetrante - a ser presumida, salvo demonstração de eventual mendacidade. Levo em conta o postulado da livre iniciativa, verbalizado pelo art. 170, Constituição, e o respeito à boa-fé objetiva.
A empresa sustentou não ter dado causa ao motivo invocado para indeferimento do pedido de licença. O IBAMA sustentou que o equívoco estaria na aquisição da madeira em um Estado ainda não vinculado ao SINAFLOR.
Contudo, na medida em que se cuidava de atos oficiais do Estado-membro, reitero que os prejuízos decorrentes da má gestão da unidade da Federação não podem ser suportados pela demandante
.
2.29. Deferimento parcial do pedido de liminar:
Reputo, porém, ser adequado determinar que o IBAMA promova nova análise dos pedidos de licenciamento - mencionados em ambos os mandados de segurança em exame -, se abstendo de recusá-lo por conta da ausência de veiculação de documents pelo SINAFLOR
.
Isso não impede que o IBAMA promova o indeferimento da medida, contanto que haja argumentos e lastro documento para tanto, quanto a alguma outra questão, distinta do tema aqui debatido.
Tenho em conta, é fato, a teoria dos motivos determinantes, verbalizada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
É fato que, na contemporaneidade, alguns autores têm criticado referida teoria, como bem ilustra a seguinte lição de Marçal Justen Filho:
"A teoria dos motivos determinantes estabelece que o agente administrativo se vincula à motivação adotada, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada. Essa teoria deve ser reputada como ultrapassada, não se prestando mais ao controle de validade dos atos administrativos. Foi desenvolvida nos primórdios do direito administrativo, quando ainda não se delineara de modo perfeito a distinção entre autonomia de vontade privada e vontade funcionalizada própria do direito administrativo. Mais ainda, era um instrumento de controle construído em vista de certa concepção de discricionariedade.
A afirmação pelo agente de que atuou fundado em determinados motivos não produz efeitos vinculantes para fins de controle. Pode evidenciar-se a existência de motivos ocultos ou disfarçados. Mas não há impedimento a que a Administração Pública evidencie, posteriormente, que o ato se fundou em outros motivos, que justificavam adequadamente a decisão adotada. A equivocada indicação do motivo é uma falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com a observância de um procedimento democrático
." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 264)
Em que pese a densidade da crítica de Marçal Justen Filho, essa teoria ainda exerce salutar função democrática, ao viabilizar, por vias oblíquas, o dever de fundamentação do ato administrativo. Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109). Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. Rio de Jandiro: Forense, 2005, p. 191).
De toda sorte, no caso em exame, discute-se questão ambiental, em cujo âmbito a invocação automática da teoria dos motivos determinantes deve ser examinada com reservas. Deve-se atentar para o postulado da precaução; ademais, não há direito adquirido a poluir. Logo, o exame dos requisitos para a licença devem ser apreciados com circunspeção
.
Na situação debatida nestes autos, aparentemente o indeferimento do pedido de licença de exportação foi promovido por conta da ausência de registro junto ao SINAFLOR, da documentação pertinente. Aparentemente, os demais requisitos não chegaram a ser conferidos no âmbito administrativo
. Estipulo o prazo de 10 (dez) dias úteis para que aludido exame seja promovido, de modo motivado.
2.30. Cominação de multas-diárias:
Os Tribunais têm reputado cabível a cominação de multas-diárias, no âmbito do mandado de segurança, mediante aplicação do art. 537, Código de Processo Civil.
"Admite-se a aplicação de multa diária em caso de descumprimento de obrigação de fazer fixada no âmbito do mandado de segurança. A "astreinte" - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, seu destinatário a cumprir a decisão atacada e só será cobrada se o "decisum" não for observado - Havendo razoabilidade no valor da multa, reduzido pelo juízo de origem, e ausente justa causa para o descumprimento da ordem judicial, sobre a qual o executado foi intimado pessoalmente, não há que se falar em nova redução (...)"
(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 33701391020238130000 1 .0000.23.337012-1/001, Relator.: Des.(a) Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 04/07/2024, 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 05/07/2024)
Arbitro multa de R$ 200,00 - duzentos reais, para cada dia de descumprimento injustificado da liminar. Cominada multa, resta afastada a viabilidade de imputação da prática de crime de desobediência.
"O crime de desobediência, entretanto, não ficou configurado, pois firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há o crime de desobediência se para o descumprimento da ordem legal já há previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, salvo se há expressa admissibilidade da cumulação das sanções extrapenal e penal."
(ACR 0016055-73.2015.4.01.3900, DES. FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 09/12/2020 PAG.)
Caso se faça necessário, a multa poderá ser majorada, na forma do art. 537, CPC, dado o seu caráter modulável. Em casos extremos, persistindo o descumprimento da decisão, a medida poderá ser orientada ao patrimônio do servidor porventura responsável pelo inadimplemento, viabilizando-se sua manifestação nos autos a respeito do tema. Sendo cominada e paga, haverá de ser destinada a favor da empresa impetrante, na forma do art. 537, §2, CPC. Em tal caso, deverá ser paga de modo atualizado, conforme variação da taxa SELIC, com termo inicial na data em que a multa teria se tornado devida e termo final na data do efetivo pagamento. Não estando definida a variação da SELIC no mês de pagamento, deverá ser aplicado 1% (um por cento) ao mês, de modo linear e
pro rata die,
a título de correção monetária. Não incidem juros moratórios sobre aludida multa, dado que isso configuraria
bis in idem,
eis que ela já é mecanismo dissuasório do atraso.
Anoto ainda que a fixação das
astreintes
não gera preclusão
pro iudicato,
eis que, em determinados contextos, contanto que a liminar reste cumprida, aludido crédito pode ser reduzido ou mesmo cancelado, dado que se trata de medida de inibição do inadimplemento. De todo modo, como regra, há de prevalecer sua plena eficácia, sob pena de supressão da efetividade das ordens judiciais ao longo do tempo.
Acresento que a cobrança de
astreintes
apenas pode ser promovida depois de eventual confirmação da liminar em sentença (STJ - EAREsp: 513829, Relator.: LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: 05/06/2015).
III - EM CONCLUSÃO
3.1. REPORTO-ME ao despacho anteriormente prolatado neste processo, no que toca aos pressupostos processuais e condições para válido exercício do direito de ação.
3.2. APRECIAREI em sentença a questão concernente à atribuição de valor à causa. Por ora, com cognição precária, o montante indicado pela empresa impetrante parece escorreito.
3.3. JUNTE-SE cópia da peça de informações dos autos 5022397-91.2025.4.04.7000/PR para este eproc.
3.4. DEFIRO parte do pedido de antecipação de tutela, no que toca a ambos os processos, reunidos por conexão.
3.5. DETERMINO que a autoridade impetrada promova nova apreciação do pedido de licença discutido em ambos os mandados de segurança, devendo se abster de indeferiro pleito ao argumento de faltar a veiculação dos documentos pelo SINAFLOR.
3.6. ENFATIZO, portanto, que a autoridade administrativa haverá de apreciar os demais requisitos administrativos para o deferimento da licença ambiental, com destaque para análise da cadeia de custódia da documentação de origem florestal. Estipulo o prazo de 10 (dez) dias úteis, contados da notificação, para que a medida seja apreciada.
3.7. COMINO a multa de R$ 200,00 (duzentos reais) para cada dia de atraso no cumprimento desta deliberação, sem prejuízo de eventual majoração, caso se faça necessário.
3.8. REGISTRO que detalhei no tópico 2.30 deste despacho as regras concernentes à eventual cobrança das
astreintes
nesta demanda.
3.9. NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada a respeito desta deliberação, na forma do art. 5, §5, da lei n. 11.419/2006. Registro ser dado à parte impetrante promover referida notificação por meio do(a) seu(sua) advogado(a) constituído nos autos, conforme art. 269, §1, CPC.
3.10. ANOTO que a impetrante deverá informar nos autos, com urgência, no resultado da aludida apreciação por parte do IBAMA, para os fins pertinentes.
3.11. INTIME-SE o MPF, em ambas as demandas, tão logo seja comunicado nos autos o resultado da apreciação do IBAMA a respeito da aludida questão para, querendo, apresentar parecer no prazo de 10 dias úteis, contados da intimação, conforme art. 12, LMS.
3.12. VOLTEM-ME conclusos para prolação da sentença, oportunamente, caso acorra aos autos o parecer do MPF ou se esgote o prazo para tanto conferido.
3.13. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
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