Processo nº 5022397-91.2025.4.04.7000
ID: 295038549
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5022397-91.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VIRGILIO CESAR DE MELO
OAB/PR XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5022397-91.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: NOVACKI INDUSTRIAL S.A.
ADVOGADO(A)
: VIRGILIO CESAR DE MELO (OAB PR014114)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Relatório - MS 50223…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5022397-91.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: NOVACKI INDUSTRIAL S.A.
ADVOGADO(A)
: VIRGILIO CESAR DE MELO (OAB PR014114)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Relatório - MS 5022397-91.2025.4.04.7000/PR:
Em 07 de maio de 2025, a empresa NOVACKI INDUSTRIAL S.A impetrou o presente mandado de segurança em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, pretendendo que lhe seja dado exportar o produto florestal indicado na petição inicial.
A impetrante sustentou, para tanto, atuar na comercialização de madeiras e que em 09 de abril de 2025 ela teria protocolado, junto ao IBAMA, o requerimento de nº 170787, enquanto costumeira exportadora de madeira para terceiro - empresa ARBA -, com atuação no território francês. O pedido de emissão da licença de exportação teria sido rejeitado, ao agumento de ser necessária a integração entre os sistemas estaduais e o Sinaflor, instituído pela Instrução Normativa IBAMA nº 19/2024, na forma das ADPF's nº 743 e 760, processadas perante a Suprema Corte.
Aduziu que o recurso administrativo por ela interposto teria sido indeferido pelo IBAMA. Enfatizou não poder suportar prejuízos por uma situação decorrente de problemas de comunicação entre estados no tocante ao compartilhamento de informações estatuais com o sistema federal SINAFLOR, e argumento fazer jus à mencionada exportação, sem ter que atender requisito a ser suprido por entidades burocráticas estaduais.
Destacou que a cadeia do custódia do produto florestal teria atendido à legislação, reportando-se aos documentos pertinentes. Postulou a concessão de liminar, a fim de que lhe seja dado exportar a madeira em questão, de forma urgente, diante dos seus interesses econômicos. Atribuiu à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e anexou documentos.
No evento 2 a impetrante comprovou o recolhimento de custas.
No movimento 6 declarei a competência deste juízo para julgamento do processo e declarei a sua conexão com o mandado de segurança de nº 50223996120254047000. Determinei a intimação do autor para emendar a petição inicial, endereçando a pretensão ao servidor público com aptidão para cumprir eventual sentença de procedência e para retificar a atribuição de valor à causa para corresponder ao provável lucro decorrente da exportação ou preço de mercado do produto, bem como para complementar as custas recolhidas. Determinei a oportuna notificação à autoridade impetrada para que prestasse as informações, postergando a apreciação do pedido de tutela antecipada para momento subsequente à juntada da peça de informações.
O impetrante emendou a petição inicial no movimento 111, atribuindo à causa R$ 225.214,65 (duzentos e vinte e cinco mil duzentos e quatorze reais e sessenta e cinco centavos). Comprovou o recolhimento das custas complementares. Endereçou sua pretensão ao Superintendente Regional do IBAMA no Estado do Paraná.
O IBAMA manifestou o interesse na demanda, na forma do art. 7, II, lei do mandado de segurança, movimento 14.
A autoridade impetrada prestou informações no movimento 16, ocasião na qual sustentou que a rastreabilidade da origem da madeira seria fundamental para a preservação da natureza, devendo-se atentar paras regras inerentes ao sistema nacional de controle ambiental dos produtos florestais. Aduziu que o sistema SINAFLOR teria sido criado em 2014, e desde então havia a obrigatoriedade do mesmo, e que não havia sistema de integração entre o Pará e Mato Grosso, e que o impetrante adquiriu produtos fora do sistema nacional, ignorando a responsabilidade como adquirente.
O Superintendente discorreu sobre a atuação do IBAMA no caso em concreto e relatou que a emissão da AUTEX 2608/2018 teria se dado por meio do sistema florestal estadual, não integrado ao SINAFLOR, de forma que não seria possível rastrear a origem da madeira. Não haveria registros junto ao Cadastro Ambiental Rural CAR a respeito do imóvel rural apontado como origem da madeira, obrigatório para a emissão de autorizações florestais. Reiterou que a cadeia de custódia invocada pela autora apontaria movimentações recentes (2023 e 2024), quando já vigente a exigência normativa e jurisprudencial de uso do Sinaflor, obrigatório desde 2018.
Detalhou as legislações e normativas que impõem a obrigatoriedade de utilização do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) e pontuou, novamente, que no presente caso o pedido de exportação está lastreado em autorização expedida pelo SEMA-MT, sem a integração no sistema federal, inexistindo margem para considerar válida aquela autorização, sem a integração ao SINAFLOR. Sustentou que o indeferimento encontrar-se-ia tecnica e juridicamente amparado.
1.2. Relatório - MS 50223996120254047000:
D'outro tanto, em 07 de maio de 2025, a empresa NOVACKI INDUSTRIAL S.A impetrou o mandado de segurança de autos acima mencionados em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, pretendendo a anulação de atos administrativos promovidos no processo 02602.000300-2025-00.
Para tanto, a empresa impetrante sustentou ter protocolado, em 09 de abril de 2025, pedido de emissão de licença ambiental para exportação de madeira para a empresa ARBA, com atuação em território franceso, junto ao sistema do IBAMA - requerimento 170777. Aludido pleito teria sido indeferido, ao argumento de não ter havido compartilhamento de informações estaduais com o SINAFLOR federal. Ela sustentou não poder influenciar sobre a mencionada conexão entre tais sistemas eletrônicos estatais, de modo a inibição da sua exportação configuraria uma indevida restrição de direitos.
Ela discorreu sobre a cadeia de custódia da operação, reportando-se aos documentos pertinentes. Postulou a concessão de provimento de urgência, a fim de que
"seja determinada a expedição da licença solicitada no Requerimento n.º 170777, autorizando a IMPETRANTE a realizar a exportação do produto florestal descrito no processo administrativo, mantendo-se a eficácia dessa decisão até o trânsito em julgado da sentença."
No movimento 7, declarei a competência deste juízo para julgamento do processo e registrei a conexão da demanda com o mandado de segurança de nº 5022397-91.2025.4.04.7000. Determinei a intimação do impetrante para emendar a peça inicial, endereçando a pretensão ao servidor com atribuições para cumprir eventual sentença concessiva da segurança, e para retificar o valor da demanda. Determinei ainda a notificação à autoridade impetrada para que prestasse as informações, postergando a apreciação da tutela antecipada para após a sua manifestação.
O impetrante emendou a petição inicial em movimento 111, atribuindo à causa o valor de R$ 344.813,85 (trezentos e quarenta e quatro mil oitocentos e treze reais e oitenta e cinco centavos). Comprovou o recolhimento das custas complementares. Endereçou sua pretensão em face do Superintendente Regional do IBAMA no Estado do Paraná.
O IBAMA manifestou interesse na causa, para os fins do art. 7, II, LMS. Expediu-se de mandado de notificação - evento 19.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A adequada apreciação do pedido de liminar demanda a retomada de alguns tópicos já vertidos nos autos por época da prelibação da peça inicial.
2.1. Pressupostos processuais e condições da ação:
Reporto-me ao despacho de evento 6 do eproc 5022397-91.2025.4.04.7000 no que toca aos pressupostos processuais e condições para válido exercício do dirieto de ação. Não sobrevieram elementos que ensejem a revisão do aludido exame.
2.2. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos
arts. 300 e ss. do CPC/15
. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC/15). Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
-
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo
. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371)
Quando se cuide-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55). No âmbito do mandado de segurança, há regras pontuais no
art. 7 da lei n. 12.016/2009
.
2.3. Respeito ao contraditório:
Assegurou-se manifestação à autoridade impetrada a respeito da narrativa dos fatos e dos argumentos jurídicos articulados pela parte demandante. A peça de informações foi anexada no movimento 16 do eproc 5022397-91.2025.4.04.7000.
2.4. Controle jurisdicional dos atos administrativos:
ivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (
voluntas regis suprema lex
). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 199-200).
Ora, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.
Bandeira de Mello explica que
"Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade
.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 210)
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos.
Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos.
" (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo.
volume I.Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. RJ: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio).
Também é possível o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (a respeito desse tema, leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011). Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.
Menciono o seguinte julgado:
"(...) 1. De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal."
(EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - 5. TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. ..EMEN: (RESP 199500599678, ANSELMO SANTIAGO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:09/06/1997 PG:25574 RSTJ VOL.:00097 PG:00404 ..DTPB:.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.5. Devido processo administrativo:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due process of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
Registro, por oportuno, os seguintes preceitos da Lei Fundamental: "
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO.
Obra.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade
. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.6. Controle da proporcionalidade:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
"1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. Conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros.
O princípio da
proporcionalidade
e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios
: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
2.7. Motivação dos atos administrativos:
Ora, como sabido, a motivação das decisões vinculadas é um dever da Administração Pública, consectário direto do postulado da legalidade.
"A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
'implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.'
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 100).
O art. 2º,
caput,
lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência
."
O art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação também é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei. O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Esse também é o conteúdo do julgado abaixo:
"(...) 3. O princípio da ampla defesa, que rege o processo administrativo, não se limita a assegurar o oferecimento de resposta e a produção de provas pelo administrado,
impondo, ainda, que os argumentos do administrado sejam apreciados fundamentadamente, ainda que seja para rejeitá-los
. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 4. Não se qualifica como apreciação das razões de defesa e dos elementos probatórios carreados menção genérica de que a defesa teria sido apresentada sem nenhum fato que pudesse amparar a conduta da concessionária. 5. A Administração não está impedida de apurar irregularidades eventualmente cometidas e adotar, respeitando o devido processo legal, as medidas legais cabíveis, incluindo a rescisão do contrato. 6. Apelação provida." (AC 200434000294352, JUIZ FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (CONV.), TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:26/09/2008 PAGINA:684.)
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais. Reporto-me ao julgado:
"A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação per relationem - isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -,
técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie
." (ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa)
Ademais,
"Conforme restou decidido pelo Pretório Excelso (ARE 646862 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012; ARE 657355 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2012 PUBLIC 01-02-2012), possui legitimidade jurídico-constitucional a técnica de fundamentação que consiste na incorporação, ao acórdão, dos fundamentos que deram suporte a anterior decisão (motivação per relationem)." (REO 200751010201997, Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, TRF2 - Data::15/05/2013, omiti parte da ementa)
Menciono também o seguinte precedente, que versa sobre a incorporação, no âmbito da decisão administrativa, dos pareceres anteriores:
(...) 3.
O fato do Termo de Rescisão contratual fazer expressa remissão aos "termos constantes do Processo nº 59400.9460/2009-80", em cujo bojo estariam os fundamentos do mencionado ato administrativo, atende ao requisito da motivação do ato, sob a modalidade "per relationem" ou por referência, prevista no art. 50, parágrafo 1º, segunda parte, da Lei n. 9.784/99
("A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato"). (...) (AG 00125847420104050000, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::30/11/2010 - Página::407.)
2.8.
Autoexecutoriedade administrativa
e poder de polícia:
O Estado de Direito impõe um plexo de garantias no que toca ao processo administrativo sancionador. De partida, quem acusa deve provar; não se podendo transportar, sem mais, a pretensa inversão do ônus da prova (presunção de legitimidade) para o âmbito do processo administrativo:
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria S.
Direito administrativo.
18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores do povo possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que é declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável, devendo-se juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc. Deve-se atentar para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo administrativo sancionador:
"Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção
iuris tantum
de legalidade. Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.
Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado. Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato
.
A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio
.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância
." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 171-172).
Reporto-me também à seguinte admoestação de Justen Filho:
"A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível. (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, p. 207)
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição abusiva, excessiva, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos indevidamente atingidos.
2.9. Boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"
Os princípios da segurança jurídica e da
boa-fé objetiva
, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório
."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS, Francisco.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
2.10. Duração razoável
do processo:
Os sujeitos fazem jus à razoável duração do processo, conforme art. 5º, LXXVIII, CF, aplicável também no âmbito administrativo. Daí que, por força do direito de petição (art. 5º, XXXIII e XXXIV, CF), as pessoas fazem jus ao direito de obter uma resposta motivada/fundamentada, junto à administração tributária, quanto aos pedidos de compensação formulados.
No que toca ao prazo, pode-se cogitar da aplicação dos arts. 48 e 49 da lei 9784, de 1999:
Art. 48.
A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência
.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
Deve-se atentar também para o art. 24 da lei n. 11.457, de 2007:
"
É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições,defesas ou recursos administrativos do contribuinte
."
"
A EC 45/2004 acrescentou o inc. LXXVIII ao art. 5.º do texto constitucional, estabelecendo a garantia da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade da sua tramitação. Trata-se de uma consequência direta do devido processo legal; afinal, para o processo ser devido, é imprescindível que não seja injustificadamente moroso
.
A ideia de duração razoável surge no Brasil como uma necessária resposta ao imenso volume de trabalho dos tribunais, que resulta quase que inescapavelmente na tramitação lenta dos processos. Ainda mais, este princípio relaciona-se com a frequente dificuldade de satisfação das pretensões submetidas ao Judiciário, uma vez que a mera declaração do direito, sem sua realização, não é ainda a entrega da tutela jurisdicional. E é tendo em vista essa situação que o art. 4.º do CPC/2015 garante “o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
O trecho final do artigo dá a necessária importância à adoção de meios adequados e efetivos à realização prática dos direitos pleiteados. É tarefa do Poder Judiciário valer-se de técnicas processuais aptas a dar à parte vencedora do litígio, na medida do possível, exatamente aquilo que foi pleiteado. Exemplos de meios coercitivos para a obtenção de satisfatividade são os arts. 461 e 461-A do CPC/1973, e a correspondente possibilidade de tutela específica nos arts. 497 a 500 do CPC/2015.
Na realidade, não existe um princípio que ordene a celeridade processual. O processo não precisa correr, com pressa, sob risco de serem esquecidas ou abandonadas as garantias do devido processo legal. A necessidade é a de que o procedimento dure apenas, e tão somente, o tempo necessário. A duração razoável comporta, isto é, um “processo sem dilações indevidas”. Esta é a meta de uma situação ideal.
A importância do tempo dentro do processo é uma preocupação crescente, em especial no atual contexto de rapidez e quase imediatidade da troca de informações em meio virtual. Se outros setores da vida em sociedade aceleram o ritmo, é esperado pelo jurisdicionado que a vida do processo tenha a mesma sorte – e daí podem surgir insatisfações generalizadas com o funcionamento do Judiciário e a administração da Justiça
. O ponto de equilíbrio, é sempre bom lembrar, deve ser o respeito ao devido processo legal, cujas garantias implicam quase que inevitavelmente a prática de mais atos processuais. Salvo exceções justificadas – como a concessão de medidas de urgência inaudita et altera pars –, é o devido processo, e não a celeridade, que deve ter prevalência." (ALVIM, Arruda.
Novo contencioso cível no CPC/2015
. SP: RT. 2016. item 1.6).
Em determinados contextos, referido lapso pode ser controlado pelo Poder Judiciário, na tarefa de sindicalizar a validade dos atos administrativos.
"(...) -
Extrapolando os limites da razoabilidade, conduta que por sua vez viola o princípio da legalidade, poderá o Judiciário intervir no ato administrativo, fazendo cumprir, como no presente caso, o prazo de 30 dias fixado no artigo 49 da Lei nº 9.784/99, para decisão em processo administrativo
.- (...)" (AMS 00055261020104036100, JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
"TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PRAZO PARA PROLAÇÃO DE DECISÃO. ART. 24 DA LEI Nº 11.457/2007. PRECEDENTE. - Pedidos de ressarcimento de PIS/PASEP e COFINS, incidentes sobre as matérias-primas e demais insumos necessários à industrialização de produto destinado à exportação, no período compreendido entre o 4º trimestre de 2002 e o 2º trimestre de 2006 (PIS), protocolados pelos contribuinte no período de novembro/2003 a outubro/2009. - A Lei nº 11.547/2007 cuida do processo administrativo junto à Administração Pública Federal, preconizando no seu art. 24 que "é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta)dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte."
Os arts. 48 e 49 da Lei nº 9.784/99, que regula o processoadministrativo no âmbito da Administração Pública Federal não tem aplicabilidade no presente caso, tendo em vista o seu caráter subsidiário, ante a existência de norma específica. Há de se tomar como obrigatório para a prolação de decisão administrativa o prazo de 360 dias. Precedente do STJ
(RESP 200900847330, LUIZ FUX, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, 01/09/2010) - Apelação e remessa oficial desprovidas.
"
(APELREEX 00083000220124058100, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::10/01/2013 - Página::105.)
Não se pode ignorar, por certo, as dificuldades enfrentadas pelo Poder Executivo no desempenho de suas relevantes funções, quais sejam a eventual falta de colaboração do administrado, a grande quantidade de documentos a analisar, a escassez de recursos materiais e humanos, além do sempre crescente volume de trabalho. Também deve-se ter em conta a necessidade de cautela e zelo a que estão jungidos todos os servidores públicos, no trato da coisa pública, atividade que nos impõe sérias responsabilidades e, exatamente por isso, demanda tempo.
Daí que referida questão exige um exame tópico, caso a caso, diante da complexidade de cada situação, em confronto com o prazo decorrido para a apreciação do pedido pela Administração Pública.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. DEMORA NA DECISÃO. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1.
A excessiva demora da decisão acerca do requerimento/ recurso administrativo, sem justificado motivo, não se mostra em consonância com o direito fundamental à razoável duração do processo, e tampouco está em sintonia com os princípios da razoabilidade e da eficiência da Administração Pública
. 2. Considerando a demora excessiva da decisão administrativa, restou justificada a concessão da segurança. (TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50053121620214047200 SC 5005312-16.2021.4.04.7200, Relator: SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Data de Julgamento: 23/11/2021, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETENCIA DO JUÍZO, DECADENCIA E CARENCIA DA AÇÃO REJEITADAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMORA INJUSTIFICADA. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. SENTENÇA MANTIDA. I - No que tange à demora injustificada no procedimento administrativo, este possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que, conforme se observa do processo administrativo, este ainda tramita aos seus cuidados visto que, quando da impetração do presente mandamus, ainda se encontrava na "Superintendência do IBAMA no Mato Grosso". Sendo o Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Mato Grosso parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, é competente a Seção Judiciária do Mato Grosso para julgamento desta demanda. II - "Quando o ato apontado como coator configura-se ato omissivo e continuado, não há que se falar em decadência do prazo de 120 (cento e vinte) dias disposto no art. 23 da Lei 12.016/2009, o qual se renova continuamente" ( AMS 0003978-89.2011.4.01.3700/MA, TRF1, Quinta Turma, Relator Juiz Federal convocado Rodrigo Navarro de Oliveira, unânime, e-DJF1 de 22/01/2018). III - Deve ser rejeitada também a preliminar carência de ação, suscitada ao argumento que, embora o Impetrante alegue ter apresentado as autorizações expedidas pelo órgão ambiental, não consta nos autos qualquer Licença Ambiental, uma vez que o pedido em análise se refere à morosidade do procedimento administrativo e não quanto ao seu mérito. IV - "
Verificada a demora injustificada, correta a estipulação de prazo para que a administração conclua procedimento administrativo. Aplicável a jurisprudência da Corte que assegura a razoável duração do processo, segundo os princípios da eficiência e da moralidade, não se podendo permitir que a Administração postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo." (STJ, REsp 1145692/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe 24/03/2010) V - Apelação e remessa oficial às que se nega provimento
. (TRF-1 - AMS: 00108410220134013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 03/02/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 13/02/2020)
Em que pese ser indispensável que o requerido adote redobrados cuidados no exame de tais pleitos, impõe-se que haja exame em prazo razoável, por conta das premissas já entabuladas acima. Assim, conquanto não desconsidere as dificuldades burocráticas e estruturais enfrentadas pelos diligentes servidores da autarquia -
algumas das quais compartilhadas pelo próprio Poder Judiciário
-, é fato que eventual demora na apreciação de pedidos administrativos pode dar causa a danos ao(s) postulante(s).
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES DE ILETITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETENCIA DO JUÍZO, DECADENCIA E CARENCIA DA AÇÃO REJEITADAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMORA INJUSTIFICADA. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. SENTENÇA MANTIDA. I - No que tange à demora injustificada no procedimento administrativo, este possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que, conforme se observa do processo administrativo, este ainda tramita aos seus cuidados visto que, quando da impetração do presente mandamus, ainda se encontrava na "Superintendência do IBAMA no Mato Grosso". Sendo o Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Mato Grosso parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, é competente a Seção Judiciária do Mato Grosso para julgamento desta demanda. II - "Quando o ato apontado como coator configura-se ato omissivo e continuado, não há que se falar em decadência do prazo de 120 (cento e vinte) dias disposto no art. 23 da Lei 12.016/2009, o qual se renova continuamente" ( AMS 0003978-89.2011.4.01.3700/MA, TRF1, Quinta Turma, Relator Juiz Federal convocado Rodrigo Navarro de Oliveira, unânime, e-DJF1 de 22/01/2018). III - Deve ser rejeitada também a preliminar carência de ação, suscitada ao argumento que, embora o Impetrante alegue ter apresentado as autorizações expedidas pelo órgão ambiental, não consta nos autos qualquer Licença Ambiental, uma vez que o pedido em análise se refere à morosidade do procedimento administrativo e não quanto ao seu mérito. IV - "
Verificada a demora injustificada, correta a estipulação de prazo para que a administração conclua procedimento administrativo. Aplicável a jurisprudência da Corte que assegura a razoável duração do processo, segundo os princípios da eficiência e da moralidade, não se podendo permitir que a Administração postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo." (STJ, REsp 1145692/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe 24/03/2010) V - Apelação e remessa oficial às que se nega provimento
. (TRF-1 - AMS: 00108410220134013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 03/02/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 13/02/2020)
2.11. Tutela ambiental - considerações gerais:
Há distintas percepções de mundo, como sabido. Determinados povos sentem-se em verdadeiro amálgama com a natureza (os
Amondawa
, por exemplo). Melhor dizendo, algumas comunidades não promovem essa separação sujeito/mundo, não distinguem a cultura e a natureza. Algumas nações possuem, pois, a concepção do tempo como um círculo, uma espécie de 'eterno retorno' nietzscheano. Elas miram o tempo da colheita, da pesca, o tempo das chuvas. O tempo não é compreendido como algo escasso, prestes a acabar, mas, como o modo como as coisas se dão, tendendo a retornar (
Karma
).
A tradição judaicocristã projeta, porém, uma ideia unidirecional do tempo. O passado jamais se repete; a vida caminha para o progresso, na medida em que o futuro não será mera cópia do passado. O tempo se dá mediante uma espécie de espera, seja a espera pelo Messias (tradição Judaica), seja a espera pelo retorno do Cristo (tradição Cristã). Leia-se, a respeito, Juan Ramón Capella.
Os cidadãos servos.
Tradução de Lédio Rosa de Andrade e Têmis Correia Soares. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.
Para esse ideário, viver é gastar tempo. Ou, ainda,
time is money,
como se diz comumente hoje em dia. Isso se traduz no conhecido antropocentrismo: o homem imagina-se o centro da criação, como se todos os demais entes apenas houvessem sido criados e concebidos para a sua fruição e utilidade.
"
Pergunte a qualquer um na massa de gente obscura: qual o propósito da existência das coisas? A resposta geral é que todas as coisas foram criadas para nosso auxílio e uso prático
! (...) Em resumo, todo o cenário magnífico das coisas é diária e confiantemente visto como destinado, em última instância, à conveniência peculiar do gênero humano. Dessa forma, o grosso da espécie humana arrogantemente se eleva acima das inúmeras existências que o cercam." (TOULMIN, G.H. apud THOMAS, Keith.
O homem e o mundo natural:
mudanças de atitudes em relação às plantas e aos animais. Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 21)
Cuida-se, por certo, da fábula do
'leão de Esopo'
. Dado que é o homem quem conta a história, não é de estranhar que se coloque justamente no centro do mundo, imaginando-se a criatura mais perfeita, feita à imagem de Deus. Questões metafísicas à parte, o fato é que essa concepção antropocêntrica ainda está impregnada nas nossas práticas. O homem usa e abusa do meio circundante, queima florestas, extingue espécimes animais, lança bombas, tortura humanos e não humanos, degrada as condições indispensáveis para a preservação da vida.
Isso tem sido alvo de importantes e instigantes reflexões filosóficas, como bem revelam as obras de Peter Sloterdijk (
Esferas:
bolhas. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade. 2016), e de Umberto Galimbertti (
Psiche e technè:
o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus. 2006), dentre outras. Afinal de contas, desde que Prometeu subtraiu aos deuses a técnica - o domínio do fogo -, e a entregou aos humanos, segundo a mitologia grega, a história da humanidade tem sido imaginada como uma pretensa superação da natureza em prol da cultura. E isso não sem pouca violência.
A técnica tem sido imaginada, desse modo, como uma projeção da razão estratégica, pela qual se escolhem meios adequados a fins dados; fins que rotineiramente não são colocados em questão. Ao mesmo tempo em que a tecnologia ensejou considerável complexidade na relação do homem consigo e com os outros, ela também aumentou significativamente a capacidade de degradação. Basta o apertar de botões - Bomba atômica BDS 220 -, e alguns poucos humanos podem tonar inviável a vida na terra. Há muito, os filósofos têm denunciado essa progressiva conversão da técnica - até então compreendida como um meio - em um fim em si. Isso se traduziu na reificação do homem - denunciada por Karl Marx ao tratar do fetiche da mercadoria -, tema retomado por Adorno, Althusser, Horkheimer e tantos outros (Escola de Frankfurt). Isso também se dá na corriqueira degradação da quantidade em qualidade, dialética já denunciada por Friedrich Hegel na sua Ciência da Lógica, como se o simples fato de algo ser volumoso fosse necessariamente bom. Que o diga a sacralização das estatísticas, com seus conhecidos problemas (HUFF, Darrel.
How to lie with statistics.
Nova Iorque: WW Norton and Company. 1954).
No final das contas, esse alerta foi promovido por Max Weber, ao tratar do desencantamento do mundo; e encontra-se também muito bem verbalizado no livro
The Mists of Avalon
(Marion Bradley), ao se confrontar com a racionalização do sagrado. No essencial, porém, o fato é que a tradição ocidental acabou por imaginar uma dissociação entre homem e natureza, como se a quintessência do humano fosse dada pela tentativa de superar sua condição inicial, por meio da cultura. Com isso, não raro, há o imaginário de que natureza deva ser concebida como simples matéria-prima, como meio de produção para as fábricas. Ou, então, supõe-se - o que não deixa de ser retrato da mesma ideia de domínio e controle - que a natureza deva ser concebida como um museu intocável, guarnecida a sete chaves, impedindo-se o contato dos próprios humanos, geralmente os mais pobres.
Esse dilema está presente, sabe-se bem, no âmago do direito ambiental, no que toca ao alcance do desenvolvimento sustentável. No final das contas, a questão acaba sendo: "qual o grau de poluição tolerável?" "quem o define?" O problema é que questões de tal ordem são altamente complexas, sobremodo por tocarem de perto os interesses de pessoas que ainda não nasceram e que talvez nem tenham a chance de nascer, se continuar a haver a degradação do mundo, no ritmo atual e tendencialmente mais acelerada.
Somos também parte da natureza; a tutela ambiental demanda necessariamente a proteção da própria humanidade. Proteger a natureza é proteger-nos. E não podemos nos proteger sem proteger o ambiente. Claro que carecemos de uma nova racionalidade, mais empatia com as distintas formas de vida. Precisamos superar a arrogância do bicho homem, de modo a que possamos nos reconhecer no meio do problema, ao invés de nos imaginarmos observando o mundo à distância, como se estivéssemos protegidos do cataclismo que se avizinha. Se a Terra é a arca de Noé, não há Monte de Ararate que permita alguma salvação (gênesis 8). Se a Terra é a arca, ainda não se descobriu algum porto seguro, que não esse no qual nos encontramos.
Enfim, a temática ambiental coloca em causa os nossos deveres para com as pessoas ainda não nascidas e compromissos para com os animais não-humanos, seres que conosco compartilham, repito, a dádiva de se viver, sendo imprescindível atentar para o art. 225 da Constituição Republicana.
2.12. Desenvolvimento sustentável:
Ao final do século XVIII, o
clérigo anglicano e economista Thomas Malthus
fez a sua conhecida professia de que a população mundial haveria de crescer em progressão geométrica, enquanto que o crescimento dos alimentos se daria em progressão aritmética. Isso implicaria que, passadas algumas décadas, a humanidade não mais teria o que comer, ensejando colapso da sociedade.
Sem dúvida que
ele não contou com o desenvolvimento tecnológico, incrementado nos anos que lhe seguiram
. De todo modo, o prognóstico de Malthus revela-se importante por destacar a
tomada de consciência
da questão ambiental, a impactar não apenas os membros de uma dada civilização, mas, também, seus descendentes. Como já disse alguém, não deixamos a Terra em herança para os que virão; nós a
tomamos
em
empréstimo
, dado que pertence à gerações futuras.
O fato é que, ao tempo em que o
desenvolvimento tecnológico aprimorou a capacidade de se produzir alimentos, transpor fronteiras e se comunicar quase que instantaneamente, também ensejou um aumento significativo na poluição urbana e rural
. Para além disso, novos riscos foram descortinados, a exemplo do conhecido caso
Contergan
(
Talidomida
), e dos rompimentos de barragens de mineradoras, como ocorrido em solo brasileiro (casos
Mariana
e
Brumadinho
). Deve-se conjugar, enfim, a sociedade de consumo, de um lado, com a necessidade de zelo para com a questão ambiental, de outro.
Isso se traduziu na formação,
em 1968
, do chamado
Clube de Roma
, constituído por líderes políticos, empresariais, financeiros e intelectuais, com o fim de discutir a temática ambiental.
Em 1971, aludido grupo divulgou seu relatório "limites para o crescimento", destacando ser premente a limitação do consumo. A isso seguiu-se, em 1972, a Conferência da ONU para o ambiente, congregando 113 países, dentre os quais o Brasil
. Com isso, ganhava desenvolvimento a ideia de "
desenvolvimento sustentável
", termo cunhado por Maurício Strong, denotando a necessidade de se conjugar crescimento econômico com a tutela ambiental.
Essa concepção busca a conjugação da
busca por crescimento econômico
,
desenvolvimento de novas tecnologias
,
incremento do nível de empregos
etc. - de um lado -, com a
imposição de limites à atividade econômica
, exigindo-se
prévia franquia estatal para atividades de risco e constante fiscalização a respeito dos impactos ambientais disso decorrentes
. Durante a Conferência de Estocolmo, de 1972, sustentou-se que, ao contrário do que supunha o Clube de Roma, a solução não seria produzir menos; antes, seria produzir mais, só que com com mais cautela. O problema estaria na racionalização das etapas produtivas.
Em
1983
, as Nações Unidas criaram a
Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
, orientada ao exame das questões mais urgentes da temática ambiental. Isso eclodiu, 09 anos depois, na conhecida
Conferência da ONU para o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro (Rio - 92)
. Ao final daquele ato, os países subscreverem uma declaração com 27 princípios, dentre os quais se encontrava o reconhecimento da importância do desenvolvimento sustentável.
Em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20
, reafirmou esses compromissos internacionais. No que toca à legislação nacional, convém ter em conta que as Ordenações Filipinas, de 1603, já cominavam penas para quem cortasse árvores frutíferas, como se vê do Livro 5, Título 75. Conquanto tenham havido outras normas, indicando alguma preocupação ambiental, é fato que isso não se traduziu, infelizmente, em uma consciência coletiva sobre a importância da questão ambiental.
O sistema de proteção ambiental ganhou maior fôlego, no solo brasileiro, com a publicação da
lei n. 6.938, de 1981
, responsável pela instituição do sistema nacional do meio ambiente. Conforme dispôs o seu
art. 2º
, seu objetivo seria
"a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana."
Vale a pena tomar em conta o seu
art. 9º da lei n. 6.938/81
, com a redação veiculada pela lei n. 7.804, de 1989:
Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I -
o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental
; II - o zoneamento ambiental; III -
a avaliação de impactos ambientais
; IV -
o licenciamento
e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI -
a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas
;VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes; XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.
A isso seguiu-se, no que releva, a Constituição de 1988, cujo art. 225 estipulou as principais diretrizes para a temática, alvo de considerações adiante.
2.13.
Tutela da fauna
e da flora:
Como registrei acima, a modernidade ainda está impregnada da
suposição
antropocêntrica
, verbalizada por
Protágoras
(490 a 415 a. C.) e no mencionado capítulo do
Gênesis, 24:26
, de que o homem seria a medida de todas as coisas. Com isso, não raro, imagina-se o ser humano como centro do universo, como ponto arquimediano para se avaliar o
telos
da natureza, como se tudo fosse uma espécie de presente divino, entregue para seu deleite e eventual destruição.
Em período mais recente, não obstante, confrontado com a sua imensa capacidade de extermínio, evidenciada com a
explosão de bombas atômicas
ao final da II Guerra Mundial, muitas pessoas têm buscado a construção de
uma nova visão de mundo
, a impor uma ética holística, que o desloque do pretenso centro do mundo - como se fosse uma espécie de alma, de um ser
sui generis
dotado do
logos -,
para se reconhecer como um animal em meio a outros tantos, que com ele compartilham a mesma casa (
Oikos -
casa, origem das palavras ecologia e economia, por exemplo). Pensadores como Hans Jonas (
The imperative of responsibility:
in search of an ethics for the technological age. Chicago, IL: The University of Chicago Press. 1984), Edgar Morin (
Homeland earth.
Cresskill: Hampton Press), Umberto Galimbertti (
Psiche e technè:
o homem na idade da técnica.São Paulo: Paulus. 2006) têm apontado novos caminhos, em prol de uma efetiva ética ambiental.
E isso exige o
respeito
, óbvio dizê-lo, às
demais formas de vida
que compartilham a '
nave Terra
', conforme expressão do físico Carl Sagan. No âmbito normativo, isso se projetou com a publicação, em abril de 1979, da
Diretiva 79/409/CEE
, no âmbito da então Comunidade Europeia, quanto à proteção e conservação de pássaros selvagens (
Directive Oiseaux
), e
Diretiva 92/43
CE, adotada em maio de 1992, sobre a conservação de
habitats
naturais e sobre fauna e flora selvagens, preconizando-se o zoneamento ecológico de espaços protegidos da União Europeia, para além da Convenção Internacional para Proteção dos Pássaros, aprovada em Paris em 18 de outubro/1950. Acrescente-se ainda a referência à
Convenção Internacional
da
Pesca da Baleia
(Washington, 02 de outubro de 1946, promulgada no Brasil pelo Decreto 28.524/1961); convenção internacional para
proteção dos vegetais
(Roma, 06 de dezembro de 1951), ratificada pelo Brasil em 14 de junho de 1961, Convenção Internacional para
conservação do atum
no Atlântico (Rio de Janeiro, 14 de maio de 1966, Decreto-lei 412, de 09 de janeiro de 1969), Convenção sobre a
Conservação das espécies Migratórias pertencentes à fauna selvagem
(Bonn, 23 de junho de 1979 - ratificada mediante Decreto 93.935, de 15 de janeiro de 1987), dentre outros.
Em solo brasileiro, o tema foi verbalizado pelo
art. 225, §1º, VII, Constituição/1988
, cujo conteúdo preconizou incumbir ao Poder Público
"
proteger a fauna e a flora
, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."
Para além disso, o tema é alvo de um conjunto de preceitos infraconstitucionais, como a
lei n. 9.605/1998
,
lei n. 5.197/1967
, l
ei n. 6.938/1981
, para além de um conjunto de Resoluções do CONAMA.
Deveras, superando-se o antropocentrismo, também há "ideais de vida boa"
relacionados ao
sensocentrismo
,
biocentrismo
e
ecocentrismo
: "
O sensocentrismo (a ética centrada nos animais), também denominado de
pathocentrismo
, reafirma a consideração de valor aos animais não humanos. Assim, todos, também os animais não humanos com estado de consciência subjetivos, ou seja, aqueles que são capazes de
experimentar sofrimento
, sentir dor ou bem-estar, sendo seres sencientes, devem ser considerados. Geralmente, estão incluídos nesse grupo de consideração todos os vertebrados (mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes),
seres
sencientes
dotados de sistema nervoso sofisticado o suficiente para possibilitar a experiência dolorosa."
(MEDEIROS, Fernanda Luíza Fontoura de.
Direitos dos animais.
Porto Alegre, 2013, p. 36).
Por seu turno, o
biocentrismo
amplia o rol de preocupação, de modo a englobar - para além dos seres sencientes - também as
plantas
e até mesmo os organismos unicelulares. Já o
ecocentrismo
busca uma espécie de
holismo
, preocupando-se com a preservação do próprio
ecossistema terrestre
. Não se pode, por certo, imaginar alguma espécie de estado bucólico, destituído de conflitos. A natureza não se preocupa com o indivíduo (sua meta é a preservação da espécie). O leão come a ovelha, os vírus infectam humanos e, não raras vezes, populações inteiras de animais são dizimadas por força da própria natureza.
Deve-se ter em conta, todavia, esse
vetor primordial
: o ser humano não pode simplesmente aniquilar toda uma espécie animal, por seu puro deleite.
Práticas como a caça, as touradas, rinhas de galo são intoleráveis
, prestando-se apenas à manifestação de pulsões violentas (que a consciência moderna há de reprimir). Isso não significa - óbvio dizê-lo - que o homem não deva controlar as bactérias e vírus que contaminam humanos. Nem mesmo uma ética biocentrista pode exigir que crianças sejam sacrificadas em prol da simples preservação de organismos infecciosos e parasitários.
Todo cuidado é pouco nesse âmbito
. Corre-se sempre o risco de se interferir na
homeostase ambiental
, causando efeitos reflexos indesejados. Ora, se não é dado falar em direitos dos animais não-humanos - por não deterem personalidade, ao menos segundo os institutos jurídicos atualmente vigentes -, pode-se muito bem falar em deveres fundamentais para com os animais, algo um tanto quanto distinto. Transcrevo, adeais, os arts. 2º e 3º da
Declaração Universal dos Direitos dos Animais
, de 15 de outubro de 1978 (UNESCO):
Artigo 2º - 1.
Todo o animal tem o direito de ser respeitado
. 2. O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito. Tem a obrigação de empregar os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3. Todos os animais têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Sei bem que muitas dessas cláusulas podem suscitar
complexos debates filosóficos
, sobremodo em nações como a nossa, em que muitas pessoas ainda vivem em condições degradantes, sem saneamento básico, sem acesso a serviços de saúde mínimos e que até mesmo passam fome. Esses axiomas valorativos retratam, todavia, uma nova consciência ética que tem sido desenvolvida e que cobra a responsabilidade do presente, a fim de que se preserve algum mundo para os nossos filhos e netos. É o que se infere da interessante obra de Peter Singer (
Libertação animal.
Trad. de Marly Winckler e Marcelo Cipolla. SP: Martins Fontes, 2013). A respeito do tema, recomenda-se também a leitura do importante acórdão do STF, ao julgar a
ADI 4.983/CE
, reconhecendo a invalidade de norma publicada pelo Estado do Ceará que regulamentava a chamada
Vaquejada
, uma manifestação de selvageria e crueldade contra animais sencientes.
A respeito do tema, mencione-se também a excelente e oportuna obra ATAÍDE JÚNIOR, Vicente de Paula.
Capacidade processual dos animais:
A judicialização do Direito Animal no Brasil. São Paulo: RT. 2022.
2.14. M
udanças climáticas
e desmatamento:
Como notório, o clima é composto por inúmeros e complexos fatores, a exemplo da temperatura, pressão, umidade, imbricados entre si, havendo também uma estreita relação entre meteorologia e climatologia. Logo, em princípio, a alteração do clima depende de eventos de significativa dimensão, a exemplo de erupções vulcânicas, lançamento de chumbo na atmosfera, decorente da octanagem da gasolina, bastante comum décadas atrás, alvo do alerta do geofísico Clair Patterson
, ao buscar calcular a idade da Terra. Cumpre não perder de vista, porém, que o clima pode ser afetado por eventos acumulativos, que vão se agregando a ponto de modificar a relação entre os fatores componentes do sistema-gaia.
O clima deve ser modelado através de
sistemas dinâmicos não linerares
, com o uso de
equações diferenciais parciais (EDPs)
, comumente empregadas para se avaliar o caos e a imprevisibilidade, condicionados, em parte, pelos eventos pretéritos.
Sabe-se que matemático e físico Pierre Simon Laplace chegou a acreditar que o futuro seria previsível, podendo ser antevisto, contanto que lhe fossem informadas as posições e velocidades de todas as partículas
. Isso não resistiu, porém, ao conhecido problema dos três corpos, enfrentado por Euler, Lagrange, Poincarè etc. Nesse âmbito, a complexidade surge da mútua afetação de vários elementos (
complexus:
emaranhado, tecido junto
). A isso se soma a conhecida ausência de causalidade linear no âmbito da física moderna, notadamente da mecânica quântica.
O exame do clima envolve essa mesma complexidade, por conta dos muitos elementos que se afetam reciprocamente
. Daí que, a despeito dos computadores de alta performance, ainda hoje os metereologistas indicam variações meramente aproximadas de temperatura e mesmo presságios a respeito da variação do tempo, em curto período de dias. Sem dúvida que a possível utilização de computadores quânticos, com suficiente poder de cálculo para a solução de sistemas de equações complexas, pode tornar essa avaliação mais acurada.
O fato é que
"
Nos últimos anos temos assistido os impactos do aquecimento global gerado pelo uso irracional dos recursos naturais somados ao desmatamento da cobertura vegetal. Vários estudos apontam que o aquecimento global é uma realidade e precisa ser combatido. Assim durante a Conferência de Kyoto, em 1997, pesquisadores de todo o mundo, desenvolveram o que se chama o Mercado de Carbono, o que se chamou de Protocolo de Kyoto, porém somente no encontro de Montreal, em 2005, foram iniciadas as discussões para um segundo período de compromisso dos países membros da convenção. Ressalta-se que a proposta ganhou apoio oficial de diversos países somente nos últimos 5 anos, passando a ser conhecida como REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal)
. O propósito final desses mecanismos para o mercado de carbono obviamente é criar um mundo onde o balanço entre derrubadas e plantio/regeneração de floresta seja algo igual a zero. De acordo com estudo comissionado pelo governo britânico em 2008 a um time liderado pelo empresário Johan Eliasch, uma quantia de 27 bilhões de dólares poderia ser investida anualmente até 2020 em esquemas de redução de emissões por desmatamento. Um terço do valor seria obtido no mercado de carbono, com capacidade de cortar pela metade o desmatamento de florestas tropicais ao redor do globo ao incentivar proprietários rurais, assentados de reforma agrária e povos tradicionais a conservar a floresta. Há um longo caminho a percorrer. Os benefícios do REDD dependem do fortalecimento da governança e fiscalização ambiental do governo contra atividades ilegais. O cenário é positivo. Em 2008, foi criado o Fundo Amazônia para captar doações destinadas a financiar a prevenção e combate ao desmatamento. No ano seguinte, durante a 15ª Conferência da ONU sobre Mudança no Clima, em Copenhague, na Dinamarca, o Brasil assumiu que irá diminuir o desmatamento na Amazônia brasileira em 80% até 2020 em comparação aos índices de 2005. O compromisso está atrelado às metas voluntárias para a redução das emissões de carbono anunciadas naquela ocasião e deverá influenciar a atividade madeireira. Novas regras, métodos de controle, incentivos e exigências do mercado nacional e internacional estão por vir, com reflexos nas práticas produtivas ao longo de toda a cadeia até o consumo final da madeira."
(CRUZ, Gilson Araújo da.
O desmatamento da Floresta Amazônica e a Lei dos Crimes Ambientais brasileira:
aspectos do desmatamento e da ineficiência na execução das penas estabelecidas na lei 9.605/98. São Paulo: Dialética. 2022. p. 37).
Há certo consenso de que a degradação das floretas podem impactar severamente o clima, por conta do lançamento de significativo volume de CO
2
na atmosfera, seja por conta do comprometimento da sua função de regulador térmico. Sem mencionar o fato de que ela serve de habitat e fonte de vida para milhares - talvez, milhões - de espécies, no contato com o rio Amazonas
. Assim, o interesse na preservação da Mata Atlântica transcente as predileções ou vantagens almejadas pelo povo brasileiro. É do interesse de todos os povos que ela seja preservada. Transcende também o tempo presente, dado cuidar-se de dever dos nascidos em assegurar a sua manutenção e preservação em prol dos não nascidos. Como disse antes, tomamos a Terra em empréstimo dos que virão. Se é fato que não podemos falar de direito subjetivo por parte de quem ainda não existe, estamos inexoravelmente obrigados a manter as condições que tornam a vida possível na terra, em prol da Humanidade como um todo, o que compreende as gerações futuras, contanto que haja futuro, o que depende, enfim, também do tempo presente.
Atente-se para a seguinte notícia:
"
Desmatamento de florestas vai provocar um aquecimento do clima global muito mais intenso do que o estimado originalmente, devido às alterações nas emissões de compostos orgânicos voláteis e as co-emissões de dióxido de carbono com gases reativos e gases de efeito estufa de meia-vida curta. Um time internacional de pesquisadores, com a participação do Instituto de Física da USP e na UNIFESP-Campus Diadema, calculou a forçante radiativa do desmatamento, levando em conta não somente o CO2 emitido, mas também o metano, o black carbon, a alteração no albedo de superfície e todos os efeitos radiativos conhecidos. O resultado final aponta que a temperatura vai subir mais do que o previsto anteriormente
.
A pesquisa foi publicada recentemente na revista Nature Communications, e utilizou detalhados modelos climáticos globais acoplados à química de gases e partículas em alta resolução. Descobriuse que as emissões de florestas que resfriam o clima (compostos orgânicos voláteis biogênicos, os BVOCs) ficarão menores, implicando que o desflorestamento pode levar a temperaturas mais altas do que o considerado em estudos anteriores. O físico Paulo Artaxo, do IFUSP, um dos autores do estudo, afirma que a maior parte dos estudos dos impactos climáticos do desmatamento publicados anteriormente focou somente nas emissões de CO2. “Neste novo estudo, levamos em conta a redução das emissões de BVOCs, a emissão de black carbon, metano e os demais gases de efeito estufa de vida curta”, explica. Esses BVOCs, segundo Artaxo, produzem partículas nanométricas que crescem, refletem radiação solar de volta ao espaço e esfriam o clima.
Os BVOCs participam de complexas reações químicas e podem produzir ozônio e metano, ambos gases de efeito estufa de meia vida curta (SLCF) que aquecem o planeta. O estudo levou em conta todos estes fatores conjuntamente, além das mudanças no albedo de superfície, quando derrubamos uma floresta e a trocamos para pastagem ou plantações”, acrescenta. Levando em conta todos estes fatores, observou-se que as emissões das florestas que esfriam o clima têm um papel enorme na regulação da temperatura do planeta. “Derrubando as florestas, acabamos com este efeito esfriador, e aumentamos o aquecimento global”. Artaxo coloca que o efeito global é de um aquecimento adicional de 0.8oC, em um cenário de desmatamento total. “Isso é um valor alto, comparável ao atual aquecimento médio global (cerca de 1.2oC) ocorrido com todas as emissões antropogênicas desde 1850”, diz o físico. A figura abaixo mostra que esse aquecimento é desigual, sendo maior nos trópicos, onde foi previsto um aquecimento de cerca de 2 graus na Amazônia. Luciana Rizzo, professora da Universidade Federal de São Paulo, campus de Diadema, outra coautora do estudo, salienta que, nos trópicos, o efeito atual das emissões de VOCs resfriando o clima é mais forte do que em florestas temperadas. “Portanto, o desmatamento nos trópicos tem um efeito mais importante no clima global”, conclui. " (https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Desmatamento%20e%20efeitos%20no%20clima%20global%20Artigo%20Nature%20Comm.pdf)
Leia-se:
https://www.nature.com/articles/s41467-017-02412-4.
Conquanto o estudo normalmente tome em conta a Floresta Amazônica, sua análise aplica-se também à Mata Atlântica.
2.15.
Diferença entre responsabilização
e sanção.
Como sabido,
as sanções administrativas apenas podem ser imputadas a quem tenha praticado as infrações respectivas, por conta do postulado da incomunicabilidade das penas, também aplicável no âmbito do Direito Administrativo Sancionador
(art. 5º, XLV, Constituição), como bem explicita Edis Milaré:
"Por força do princípio da intranscendência das penas estatuído em nossa Lei Maior (art. 5, LXV), aplicável não só no âmbito penal, mas também a todo o direito sancionador, a questão da solidariedade não põe em sede de responsabilidade administrativa, em razão do seu traço de personalidade, transposto para o texto legal por meio da expressão 'ação ou omissão', inerente à sua índole repressiva. O princípio em foco significa que somente aquele que praticou o fato censurável, ou ao menos colaborou para a sua consumação, poderá sofrer a correspondente sanção."
(MILARÉ, Edis.
Direito
ambiental
.
9. ed. SP: RT. 2014. p. 381).
Não raro, a responsabilização civil ou administrativa pode ser promovida de modo objetivo, sem exame da culpa do sujeito imputado
. É o que ocorre quanto aos pais que respondem pelos atos dos filhos, quanto aos empregadores que respondem por atos dos empregados, quanto ao adquirente de fundo de comércio que responde por débitos da gestão anterior, quanto à responsabilização objetiva, quanto à responsabilização ambiental
propter rem,
dentre outros exemplos de imposição do dever de repação de danos - retorno ao
status quo ante.
Já a punição - seja administrativa ou penal - está fundada na premissa de que o imputado praticou um comportamento agressivo à legislação, devendo suportar as sanções disso decorrentes
. Assim, na essência, demanda a aferição do grau de culpa do sujeito, seja por conta de comportamento doloso ou imprudente, tudo a depender das disposições normativas pertinentes. Não raro, há certa confusão na linguagem cotidiana entre responsabilização e punição, conquantas ambas não se confundam.
Atente-se para a lógica do seguinte julgado, emanado do STJ:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. 1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental. 2. Explica o recorrente - e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado - que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade. 3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal. 4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental. 5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada. 6.
O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental
. 7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental. 8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai. 9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. 10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual "[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". 11. O art. 14, caput, também é claro: "[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]". 12.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo)
. 13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental - e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). 14. Mas fato é que o uso do vocábulo "transgressores" no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra "poluidor" no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. 15. Recurso especial provido. ..EMEN:
(RESP 201100969836, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:17/04/2012 RSTJ VOL.:00237 PG:00520 ..DTPB:.)
Em sentido semelhante, atente-se para precedente do TRF1:
ADMINISTRATIVO. MULTA. DESMATAMENTO DE ÁREA SUPERIOR À AUTORIZADA PELO PODER PÚBLICO. DANOS CAUSADOS PELOS INVASORES DA PROPRIEDADE. SITUAÇÃO EFETIVAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS. 1. Conforme entendimento firmado pela Sétima Turma desta Corte Regional, "'por gozarem os atos administrativos de presunção de legitimidade, constitui ônus do administrado provar eventuais erros existentes, incumbindo-lhe apresentar todos os documentos e provas necessárias à comprovação de eventuais nulidades." (AC 1997.38.00.009105-0/MG, Rel. Desembargadora Federal Maria Do Carmo Cardoso, Oitava Turma,e-DJF1 p.319 de 22/01/2010) (AGA 0061543-58.2008.4.01.0000/MA, Rel. Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, e-DJF1 p.143 de 25/06/2010). 2. A fundamentação exposta na sentença está de acordo com as provas dos autos e revela um imprescindível senso de justiça para com o administrado.
O embargante teve sua propriedade invadida e devastada pelos invasores, não podendo, diante desse fato, ser punido financeiramente, com o pagamento de multa imposta pelo IBAMA, em decorrência do desmatamento da área em regeneração - ato que, conforme demonstrado no processo, foi praticado por terceiros
. 3. Remessa oficial e apelação não providas. (AC 0000694-83.2004.4.01.3000 / AC, Rel. JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA, 6ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.322 de 16/05/2012)
Assim, no que toca à responsabilização civil, a cobrança pode ser endereçada, conforme o caso, para pessoa distinta daquela que deu causa ao prejuízo, como evidencia o art. 932, Código Civil e como evidencia a responsabilização
propter rem,
no âmbito do direito ambiental
. Quem adquire um terreno fica responsável por reparar eventuais danos ambientais, ainda que não os tenha causado. O mesmo não se dá, porém, no que toca às sanções penais ou administrativas, eis que apenas podem ser cominadas a quem tem praticado a infração, seja por comportamento comissivo ou omissivo.
Quando em acusa a
cominação de sanções
, deve-se atentar para o postulado da culpabilidade, como bem explicita Justen Filho:
"O sancionamento tem de ser produzido segundo rigoroso processo administrativo, no qual se adotarão garantias de extrema relevância em prol do acusado. Ademais disso, não se admitirão punições fundadas em meros indícios do evento imputado. Os indícios prestam-se apenas para eventual prova de circunstâncias acessórias - nos termos do art. 158 c/ art. 239, CPP - depois de cabalmente comprovado, por meios instrutórios diretos, o fato principal."
(JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 401). Ainda segundo Marçal,
"Idêntica orientação se aplica aos processos sancionatórios administrativos. Para utilizar uma expressão clássica (e objeto de inúmeras críticas), prevalece no âmbito dos processos repressivos o princípio da verdade real, o que significa orientar-se a atividade persecutória a revelar a verdade dos fatos."
(
Obra citada,
p. 402).
Hans J. Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober alegam que
"Apenas excepcionalmente será suficiente a verificação de uma mera suspeita ou de uma presunção da existência de factos justificativos de uma actuação da Administração. Exemplos: ingerência de investigação do perigo: §7,IV, SGB, IV(...) relativamente à presunção de que a pessoa é possuidora de capacidade laboral trabalha mediante remuneração."
(WOLFF, Hans
et al.
Direito administrativo.
volume I. Tradução António F. de Souza. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2006, p. 560-561).
Em sentido semelhante, Zanella di Pietro:
"Alguns autores têm impugnado esse último efeito da presunção. Gordillo cita a lição de Treves e Micheli, segundo a qual a presunção de legitimidade do ato administrativo importa uma
relevatio ad onera agendi,
mas nunca uma
relevatio ad onera probandi;
segundo Micheli, a presunção de legitimidade não é suficiente para formar a convicção do juiz no caso de falta de elementos instrutórios e nega que se possa basear no princípio de que 'na dúvida, a favor do Estado', mas sim que 'na dúvida, a favor da liberdade';
em outras palavras, para esse autor, a presunção de legitimidade do ato administrativo não inverte o ônus da prova, nem libera a Administração de trazer as provas que sustentem a ação
."
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di.
Direito administrativo.
18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
Ainda segundo a professora paulista,
"Na realidade, não falta parcela de razão a esses autores; inverte-se, sem dúvida nenhuma, o ônus de agir, já pque a parte interessada é que deverá provar, perante o Judiciário, a alegação de ilegalidade do ato; inverte-se, também, o ônus da prova, porém não de modo absoluto; a parte que propôs a ação deverá, em princípio, provar que os fatos em que fundamenta sua pretensão são verdadeiros; porém, isto não libera a administração de provar a sua verdade, tanto assim, que a própria lei prevê, em várias circunstâncias, a possibilidade de o juiz ou o promotor público requisitar da Administração documentos que comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e à formação da convicção do juiz."
(PIETRO,
Obra citada.
p. 192).
Conclusões semelhantes são compartilhadas por Gustavo Binenbojm na interessante obra
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, p. 136. Assim, quando em causa o processo administrativo sancionador, no mais das vezes,
'quem acusa deve provar'
. Ou seja, não há como se exigir do suspeito a demonstração cabal de não ter praticado a infração administrativa. Isso violentaria a cláusula do devido processo, assegurada constitucionalmente.
Daí o relevo do art. 36 da lei 9.784/1999:
"Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei."
2.16.
Documentos de origem florestal:
Com cognição precária, registro que, no rastro do art. 26 do Código Florestal de 1965 (lei 4.771/1965) e da Portaria n. 139, de 05 de junho de 1992, do Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA publicou, em
06 de abril de 1993
, a Portaria n. 44-N, versando sobre a autorização para transporte de produto florestal (ATPF), cuidando-se de licença indispensável para o transporte de produto florestal de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo (art. 1º da Portaria).
Segundo o art. 2º daquela revogada Portaria 44-N,
"
A ATPF é um documento de responsabilidade do IBAMA na sua impressão, expedição e controle, que será fornecida considerando o volume aprovado na exploração ou o volume especificado na Declaração de Venda de Produto Florestal - DVPF
, com os dados relativos: a) ao comprador que estiver registrado no IBAMA, mediante a apresentação da Declaração de Venda de Produto Florestal - DVPF, com firma reconhecida; b) ao detentor de plano de manejo florestal; das autorizações de exploração florestal, de desmate, de utilização de matéria-prima florestal e de castanheira, quando estes forem o destinatário da matéria-prima florestal. § 1.º - A ATPF fornecida pelo IBAMA em uma unidade da federação não poderá ser utilizada para acobertar o transporte de produto originário de outra unidade da federação. § 2.º - O IBAMA reduzirá ou suspenderá o fornecimento da ATPF quando constatar, de forma direta ou indireta, irregularidades na execução das autorizações concedidas e de planos aprovados. § 3.º - Não será fornecida ATPF à pessoa em débito de qualquer natureza com o IBAMA, conforme legislação vigente. § 4.º - A ATPF somente será fornecida às pessoas indicadas neste artigo, após o cumprimento da reposição florestal, nos casos em que esta é exigida."
O art. 11 da Portaria 44-N versou sobre o RET - regime especial de transporte:
"
O RET será autorizado pelo IBAMA, através do uso dos carimbos padronizados, conforme modelos 01 e 02, anexos III e IV, da presente Portaria, respectivamente, e seu uso representa a licença obrigatória a ser aposta no corpo de todas as vias das Notas Fiscais
."
A ATPF restou substituída pelo
DOF - documento de origem florestal
, instituído pela Portaria 253, de 18 de agosto de 2006 e regulado inicialmente pela Instrução Normativa 162/2006, ambas do IBAMA,
"
constituindo-se em licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo, contendo as informações sobre a procedência desses produtos e subprodutos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema DOF, na forma do Anexo I desta Instrução Normativa
" (art. 1.). Atualmente, o tema é versado pela IN IBAMA 21, de 23 de dezembro de 2014, bem como pelo art. 36 da lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012.
Convém atentar para os comentários de Curt Trennepohl ao art. 47 do Decreto 6.514/2008:
"Inquestionavelmente, neste artigo estão contidas as penalidades para as atividades ilícitas que resultam no maior número de autuações administrativas lavradas pelos orgãos ambientais.
Os produtos florestais estão intimamente ligados ao homem, desde o início da sua história, seja para a construção dea brigos e fabricação de móveis, seja para a utilização como fonte de calor e energia. Além disso, as florestas cumpre importantíssimo papel em qualquer ecossistema, como abrigo e alimento a fauna e do proprio ser humano, proteção do solo contra erosões, amortecimento da chuva para permitir a infiltração e recarga de aquíferos e no fornecimento de sementes, frutos, óleos e essências com inúmeras aplicações na indústria e atém esmo no cotidiano dos homens
.
Em função da sua importância ambiental e econômica, todas as florestas e demais formas de vegetação existentes no território nacional são bens de interesse comum a todos os seus habitantes, e sua exploração ou utilização deve obedecer aos critérios e limitações estabelecidos na legislação.
Especial atenção foi dispensada à Floresta Amazônica, à Mata Atlântica e à vegetação da serrado Mar, do Pantana e da Zona Costeira, por foraç da própria Carta Política de 1988.
Inicialmente, a supressão de florestas e outras formas de vegetação nativa para uso alternativo do solo, com ou sem a exploração dos recursos florestais resultantes, exige a manutenção da reserva legal, que varia de oitenta por cento na Amazônia Legal até vinte por cento nas áreas de campos gerais localizadas em qalquer região do país. A vegetação da reserva legal não podeser suprimida conforme disposto pelo Código Florestal, podendo ser utilizada apenas sob regime de manejo florestal sustentável - art. 16, §2º.
A supressão de florestas nativas e de formações sucessoras para uso alternativo do solo, bem como a exploração seletiva ou manejada de espécimes isolados dependem de autorização do Poder Público, visando sua utilização racional. (...)
A licença outorgada pela autoridade compente que legaliza a atividade tanto pode ser a autorização para o desmatamento para uso alternativo do solo como a autorização de manejo florestal, e a autorização para o transporte já foi a GUIA FLORESTAL, depois a AUTORIZAÇÃO PARA TRANSPORTE DE PRODUTO FLORESTAL - ATPF, fornecidas pelo IBDF e pelo IBAMA, e atualment eé o DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL - DOF, emitido eletronicamente
.
O fornecimento e a utilização da autorizaçãop ara transporte de produto florestal - ATPF eram regidos pela Portaria n. 44-N, de 06 de abril de 1993, que dispunha:
Art. 1.
A ATPF, conforme modelo apresentado no anexo I da presente portaria, representa a lticença indispensável para o transporte de produto florestal de origem naiva, inclusive o carvão vegetal nativo
. (....)
No caso de autorização de desmatamento para uso alternativo do solo, o rendimento de lenha ou de madeira é determinado através de vistoria técnica ou, em pequenas áreas, resultantes de estudos anteriores para a área de ocorrência.
Uma vez aprovado o desmatamento, são fornecidas as autorizações ambientais - anteriormente, a ATPFs, hoje o DOF -, as quais representavam a licença do órgão compente citada na norma, necessárias para o transporte da madeira bruta até o comprovador/beneficiador devidametne registrado no IBAMA, no Cadastro Técnico Federal.
Já os procedimentos de autorização e controle de exploração florestal seletiva, de forma bastante simplificada, tinham início quando o proprietário de terras que possuíam recursos florestais (madeiras), com potencial econômico, apresentava ao IBAMA um plano de manejo florestal - PMFs
-, instruído como s documentos necessários e elaborados por profissional habilitado. Neste se identificada determinado volume e as espécies de árvores que podiam ser extraídas destas florestas, e o órgão ambiental federal, após a análise dos documentos apresentados, realizava vistoria in locu, verificando, principalmente, se a exploração pretendida não atingia vegetação especialmente protegida ou considerada de preservação permanente, além de observar os fatores relativos ao potencial dos recursos florestais, a fragilidade do solo, a diversidade biológica, os sítios arqueológicos, as populações tradicioanis os recursos hídricos e outros fatores que pudessem impedir ou condicionar a concessão da autorização.
Após a vistoria, sendo favorável o laudo técnico e satisfeitas as demais exigênicas técnicas e legais, o IBAMA autorizava a exploração da floresta, com os volumes e espécies indicados nos projetos técnicos e comprovados pela vistoria.
O proprietário de terras, detentor do PMFs, aprovado ventia determinado volume de madeira a uma madereira regularmente registrada junto ao IBAMA, através de contrato particular de produto floresetal - DVPF. Os órgãos ambientais não têm nenhuma participação nessa transação comercial. Em seguida, o vendedor de madeira (detentor do PMFS) apresentava o contrato particular de compra e venda ao IBAMA, para abater o volume de madeira vendida do total cuja exploração fora autorizada e recebia as autorizações para transporte do produto florestal - ATPFs - na quantidade necessária para o transporte, o armazenamento e a comercialização da madeira vendida
.
Através da prestação de contas feitas mensalmente pelos compradores, com base nas ATPFs, cabia ao IBAMA o controle efetivo da exploração, do transporte e da comercialização ou utilização dos produtos florestais explorados através do exercício do poder de polícia do Estado." (TRENNEPOHL, Curt.
Infrações contra o meio ambiente:
multa, sanções e processo administrativo. Comentários ao Decreto 6.514/2008. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 216-217)
Em tom crítico, todavia, Paulo de Bessa Antunes argumenta que
"
A circulação de diferentes produtos vegetais encontra-se amplamente regulamentada, o que demonstra, por si só, que o tema é polêmico e sujeito a diversas formas de pressão política, social e econômica. A vasta regulamentação, entretanto, não foi capaz de pôr fim aos fenômenos das queimadas e do desmatamento de nossas florestas, em especial da Floresta Amazônica
. A norma determina que o adquirente exija do vendedor ou do transportador o documento de origem florestal - DOF do produto adquirido e exige ainda que o adquirente fique com uma das vias do documento como forma de provar a origem legal do produto adquirido. É importante observar, contudo, que não cabe ao adquirente chegar a legalidade do DOF que lhe é apresentado; evidentemente que, certificar-se da legalidade do que está adquirindo é relevante, contudo, não pode o Estado transferir ao particular suas funções de controle e investigação e apená-lo caso ela não faça às vezes de fiscal, como parecer ser o objeto do artigo e seus parágrafos.
Na verdade, o procedimento de apenar o particular por falhas do poder público vem se tornando uma constante em nossa legislação ambiental
."
(ANTUNES, Paulo de Bessa.
Comentários ao Decreto 6.514/2008.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 104). De toda sorte, o fato é que aludida norma é válida, eis que compatível com o art. 225, Lei Fundamental de 1988.
2.17. Alcance da ADPF 760:
No voto prolatado na ADPF 760 pela insigne Min. Cármen Lúcia, mencionou-se a ADPF 708, relatada pelo r. Min. Roberto Barroso, versando sobre a alegada omissão da União Federal na adoção de medidas para controle do clima. Reportou-se ainda à ADPF 735, rel. Min. Cármen Lúcia, vesando sobre o decreto n. 10.341/2020, por meio do qual teria sido autorizado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem e demais ações subsidiárias a fim de realizar ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais e combate a focos de incêndio no âmbito da Amazônia Legal.
Aludiu-se ainda à ADPF 743, distribuída ao Ministro André Mendonça, impugnando-se a gestão ambiental brasileira, sobretudo nos biomas Pantanal e Amazônia. Tratou-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 746, também distribuída ao Ministro André Mendonça, tratando de cogitada omissão estatal na proteção do Pantanal e da Floresta Amazônica. Mencionou-se a ADPF 747, distribuída à Ministra Rosa Weber, julgada procedente pelo Plenário-STF em 14.12.2021, declarando-se a inconstitucionalidade da Resolução CONAMA n. 500/2020, com imposição da imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA n. 284/2001, 302/2002 e 303/2002. Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 755, rel. Ministra Rosa Weber, versa sobre a alegada invalidade do decreto n. 9.760/2019, por ter criado uma etapa de conciliação no processo sancionador ambiental, paralisando os procedimentos administrativos respectivos, além de ter inviabilizado a conversão de multas em serviços ambientais, podendo dificultar os mecanismos de tutela do ambiente.
Registrou-se ainda a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 54, rel. Min. Cármen Lúcia, tendo por objeto a pretensa omissão inconstitucional do Presidente da República e do Ministro do Meio Ambiente no combate ao desmatamento na Amazônia, além da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 59, Rel. Min. Rosa Weber, debatendo-se aventada omissão inconstitucional da União quanto à adoção de providência de índole administrativa objetivando a suspensão da paralisação do Fundo da Amazônia, criado por meio do decreto n. 6.527, de 1º de agosto de 2008 - não confundir com o Fundo da Amazônia Oriental, criado pelo Paraná em 2019.
Na ADPF 760, os arguentes teriam enfatizado que a situação da comunidade política brasileira, no que tocaria à proteção da Amazônia, demonstraria pouco caso para com os compromissos fundamentais, assumidos por época da promulgação da Constituição/88. Os autores teriam enfatizado, então, que
"Como consequência, tem-se a evolução da taxa de desmatamento e de queimadas na Amazônia Legal entre 2018 e 2020, com repercussão sobre unidades de conservação e terras indígenas. Tudo a ocasionar, direta e objetivamente, danos ambientais na conservação da Floresta Amazônica, com efeitos deletérios e graves à questão ambiental e à saúde de todos."
Segundo a Min. Relatora,
"
A alegada deficiência na gestão ambiental foi articulada na petição inicial com os seguintes pontos
: a)
redução da fiscalização e controle ambientais
, com decréscimo na efetividade das autuações e dos processos sancionatórios ambientais (fls. 34-37); b)
redução e inexecução orçamentária no Ministério do Meio Ambiente
(fls. 38-41); c)
redução, inexecução orçamentária e carência de servidores no Ibama, ICMBio e Funai
(fls. 41-48); d) paralisação do Fundo Amazônia, com ausência de apresentação de novos projetos (fls. 42-53); e) inefetividade das operações de garantia da lei e da ordem e operação Verde 2 com consequências nefastas sobre a autonomia e eficiência das unidades de conservação e dos órgãos de prevenção, controle e fiscalização ambientais (fls. 53-56); f)
transferência inconstitucional da coordenação dos órgãos ambientais para comandos militares
(fls. 53-54); g)
desregulamentação ambiental abusiva, através da edição do Decreto n. 9.760/2019, que criou a etapa de conciliação no processo sancionador ambiental
. Pelo Decreto n. 10.084/2019 se permitiu o cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia Legal e, ainda, pelo Despacho Interpretativo n. 706900/2020 do IBAMA se extinguiu a fiscalização in loco da madeira objeto de exportação (fls. 56-60) ; h)
falta de transparência na disponibilização de informações sobre o cumprimento do PPCDAm
, o que impediria o controle social e institucional de suas ações (fls. 60-63); i)
“extinção branca" do PPCDAm, pela desestruturação administrativa dos órgãos de combate ao desmatamento e proteção do clima
(fls. 63-67); j)
aumento da taxa de desmatamento, demonstrada por dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia – PRODES e do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real – DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE
, apontando evolução especialmente descontrolada em unidades de conservação e terras indígenas (fls. 73-89); k) inexecução de deveres internacionais de redução de desmatamento e de combate à emergência climática assumidos na Conferência Mundial do Clima de Copenhague/Dinamarca, especialmente o de reduzir, até 2020 (ano do ajuizamento da arguição), os índices anuais de desmatamento da Amazônia Legal no máximo a 3.925 km², o que corresponde às previsões do art. 12 da Lei n. 12.187/2009 e inc. I do §1º do art. 19 do Decreto n. 9.578/2018, que internalizaram a meta assumida pelo Brasil perante a comunidade internacional de redução do desmatamento em 80% até o ano de 2020, em relação à média verificada entre 1996 e 2005 (fls. 28, 104-109)."
Enfatizou-se que, na ADPF 760, encontrar-se-iam em debate as
"
ações e inações inconstitucionais perpetradas pelo Poder Público federal que paralisam e inviabilizam a execução efetiva e suficiente da política de combate ao desmatamento na Amazônia Legal e à emergência climática
."
No mencionado voto, a Min. Relatora discorreu sobre o alcance do art. 225, da Constituição/88. Destacou-se ainda que
"
pelo princípio da prevenção impõe-se como dever estatal a adoção de providências antes da ocorrência de dano concreto, nos casos em que se conheça previamente as causas e as consequências lesivas ao meio ambiente, à saúde e à dignidade da vida da geração presente e futura. O atendimento obrigatório ao princípio da prevenção dá-se para impedir-se a ocorrência do dano previsível e previsto ou diminuir os efeitos dele decorrentes
."
Anotou-se ainda a importância da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito de 1989 (Decreto n. 875/1993) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (Decreto n. 2.519/1998). Argumentou-se ainda que, por meio da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 747, teria sido impugnada a revogação das Resoluções ns. 284/2001, 302/2002 e 303/2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, e Resolução n. 500/2020, a Ministra Rosa Weber. Destacou-se ainda que o princípio da subsidiariedade teria sido atendido. Argumentou-se que a ADPF 760 seria meio adequado para o controle judicial da validade da atuação administrativa quanto ao tema, mencionando ainda a ADPF 347 - estado de coisas inconstitucional, ao tempo em que também se reportou à ADPF 635, DJE 21/10/2020, versando sobre buscas promovidas pela Polícia Militar em favelas no Rio de Janeiro e seu elevado grau de letalidade.
Sublinhou-se, ademaire os, que "
A inicial aponta um quadro estrutural e persistente de ações deficientes ou ineficientes e omissões estatais a gerar retrocessos em matéria de proteção ao meio ambiente, especialmente no que se refere à proteção ambiental da Amazônia. Indica-se degradação da floresta aproximando-se do “ponto de não retorno”, o que atinge não apenas a população brasileira, mas as condições planetárias em políticas climáticas, de proteção a qualidade do ar, solo e biodiversidade, nesta e nas futuras gerações
."
A Min. Relatora enfatizou não haver necessidade de diligências probatórias, dado que os debates estariam lastreados em dados públicos e incontroversos.
A Min. discorreu sobre o Estado Constitucional Ecológico e promoveu um histórico sobre a evolução do tema, a partir de 1960, reportando-se à criação do CONAMA, em 1984. Transcreveu-se a análise de José Afonso da Silva, para quem
"
O meio ambiente é (…) a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais. Por isso é que a preservação, a recuperação e a revitalização do meio ambiente hão de constituir uma preocupação do Poder Público e, consequentemente, do Direito, porque ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a vida humana
”
(SILVA, José Afonso da.
Direito ambiental constitucional.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20).
Asseverou-se, ademais, que
"
Patrick de Araújo Ayala propõe critérios para identificar o Estado Ambiental
, como a inclusão da perspectiva ecológica nas decisões públicas, o dever compartilhado de proteção do meio ambiente entre Poder Público e sociedade, a atuação cooperada com essa mesma finalidade, mediante a efetiva possibilidade de influenciar nas decisões a serem tomadas, e a consideração do meio ambiente ou de seus recursos não sob perspectiva econômico-predatória, mas como componentes do pleno desenvolvimento da dignidade humana. O autor conclui que o Estado Ambiental não poderá ser um “Estado de frustração constitucional” e “de retrocesso ambiental”
(AYALA, Patrick de Araújo. Os desafios para um constitucionalismo da vida decente em uma cultura jurídica de retrocesso ambiental: contribuições da jurisprudência e da teoria constitucional brasileira in CHACON, Mario Peña.
El Principio de no regresión en Iberoamérica
). Mencionou-se a opinião de Alberto Torres, Min. do Supremo entre 1899 e 1909 e registrou-se a decisão prolatado na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540, Relator o Ministro Celso de Mello.
Referiu-se ao princípio da dignidade ambiental; ao princípio da ética ambiental; princípio da solidariedade em matéria ambiental; princípio da eficiência ambiental; princípio da responsabilidade em matéria ambiental.
"
Escravizados homens e natureza desde muito, a civilização concebida e o direito constitucionalizado conceberam a forma de viver e permitir-se viver com a dignidade própria da humanidade. O dominador de homens e bens ambientais, crente senhor de gentes e bens da natureza, é apenas um escravizador. Desumaniza-se ele e a desnatureza provocada a ele responde em cobrança de vidas
."
Acrescentou-se que
"A Natureza tem a dignidade que supera a questão primária do que é avaliável e revertido em dinheiros.
Os recursos financeiros aportados por acordos internacionais – e dos quais não se desconhece nem se menoscaba – não é o fator único determinante da ação estatal. A dignidade ambiental conjuga-se com a solidariedade humana que lança como base formador do sistema de humanidade planetária, de interesses de bem estar e de bem em igualdade de condições de saúde, de formação humanística e de preservação das condições de vida para os que vierem no futuro
."
Mencionou-se a declaração de Estocolmo, com seus 26 dispositivos.
"Assim, internacionalmente o Brasil comprometeu-se a assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como constante do sistema constitucional (inc. IX do art. 4o., art. 225 da Constituição do Brasil), sendo signatário, por exemplo, da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito de 1989 (Decreto n. 875/1993) e da Convenção sobre Diversidade Biológica (Decreto n. 2.519/1998)."
Além disso,
"No Mercosul, a proteção ao meio ambiente é estabelecida no
Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul
(Decreto Legislativo n. 333/2003) e no
Protocolo Adicional ao Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul em Matéria de Cooperação e Assistência frente a Emergências Ambientais
(Decreto n. 7.940/2013). Naqueles documentos se tem que “Os Estados Partes reafirmam seu compromisso com os princípios enunciados na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992” (art. 1° do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul)."
Destacou-se ainda o papel da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, ratificada pelo Decreto Legislativo n. 485/2006.
Na Declaração do Rio de Janeiro, ECO/92,
"o compromisso assumido pelo Brasil foi, como antes lembrado, entre outros, com o Princípio 3, no sentido de que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras”, e com o Princípio 15."
Enfatizou-se ainda os objetivos estipulados na Declaração do Rio de Janeiro, ECO/92. Discorreu sobre o princípio da vedação do retrocesso social, aludindo à obra de Michel Prieur.
Segundo a Min. Relatora,
"
No quadro posto a exame nesta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental há de se encarecer, assim, que não se está a questionar possa ser alterado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004. O de que aqui se cuida e se põe a exame judicial é se ao deixar de dar cumprimento ao PPCDAm, cujos resultados seguiam, comprovadamente, no sentido definido pelo Brasil como compromisso constitucional com a sociedade brasileira (art. 225) e no plano internacional (redução da emissão e diminuição do desmatamento ilegal) se adotou providência que com o abandono persistiu na garantia de acatamento ao princípio da proibição do retrocesso)
."
Ilustrou-se com os casos em que o STF teria reputado inválidas normas, por violação ao postulado da vedação do retrocesso social. Por outro lado, nesse âmbito, a discricionariedade estatal seria restritiva.
Nos termos do voto,
"Os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República dependem da atuação estatal positiva para serem concretizados, impedido, constitucionalmente, como é certo, a sua ação contrária à garantia da proteção eficiente e eficaz do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado."
Disse ainda que
"a ação de inconstitucionalidade n. 54, julgada em conjunto com a presente ação, tem como objeto específico omissão estatal que tem possibilitado o descumprimento dos deveres do Poder Público de assegurar todas as medidas necessárias para garantia da proteção ambiental ecologicamente equilibrada, de maneira suficiente e eficiente, de preservação das florestas e das matas, das águas e dos recursos minerais, da fauna e da flora, além de desatender aos deveres de proteção e garantia aos direitos dos povos indígenas e daqueles que vivem e preservam suas respectivas culturas nas localidades protegidas."
Tratou do desmatamento da Amazônia, argumentando representar
"
área territorial de aproximadamente cinco milhões de km², que se estende por nove países3, sendo que aproximadamente 60% (58,9%) da área ocupada pela floresta está no Brasil. Estende-se por 772 Municípios distribuídos em nove Estados da federação (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão), abrigando aproximadamente 12,5% (mais ou menos inte e dois milhões de habitantes) da população brasileira, sendo quase 70% dela habitante de área urbana e os demais na área rural. Nesses Estados residem 55,9% da população indígena brasileira, o que representa 250 mil pessoas, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde
."
Argumentou-se que
"
a taxa PRODES referente ao desmatamento na Amazônia Legal, conforme planilha elaborada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, atualizada em 21.6.2021, com referências de 2004 e 2020, avaliou-se que a taxa de desmatamento em 2019 foi de 10.129 Km², correspondente a 34% a mais do que os 7.536 Km² desmatados em 2018, em 2020 consistiu em 10.851 Km², com aumento de 7% em relação ao ano anterior e em 2021 atingiu o patamar de 13.235 Km², indicando um aumento de quase 22% em relação a 2020 e de mais de 75% em comparação ao ano de 2018
."
Ademais, Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, teria registradao que, com o avanço do desmatamento, áreas da floresta amazônica demonstrariam já haver sinais de se ter ultrapassado o ponto de não retorno.
Sublinhou-se, além disso, que
"em 2004, ao ser formulado e ter início a implantação do Plano de Prevenção e Controle de Desmatamento na Amazônica (PPCDAm), buscou-se uma mudança no rumo do cuidado estatal com o meio ambiente no Brasil. Com inegável resposta positiva no sentido da diminuição do desmatamento e no atingimento das finalidades estabelecidas para a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o PPCDAm está no item central das questões postas na presente arguição. As medidas previstas e executadas daquele Plano, nas fases que tiveram implementação, visavam a efetividade da fiscalização para impedir, dificultar ou restringir a extração ilegal de madeira e adoção de medidas contra as infrações legais, incluídas o tráfico de animais, a grilagem de terras, a extração ilegal de madeiras e outros recursos minerais, a exploração abusiva das terras, da fauna e da flora, mas, pior de tudo, a exploração das gentes, dos indígenas, a agressão de sua cultura e de suas histórias e de seus futuros. A violência cresceu na região com a grilagem de terras, desmatamento e formação de milícias que apavoram e matam gentes e florestas e culturas. A extinção de espécies animais aumenta e as condições de vida piora para todos."
Transcreveu-se parte do voto do Min. Barroso, prolatado na ADPF 709. Acrescentou-se "
ter havido uma mudança do modus operandi dos desmatadores ilegais. Desde 2013 vêm abandonando os tratores e os grandes acampamentos e passaram a utilizar motosserras e construir pequenos acampamentos modulares com dez pessoas mais ou menos
. Assim, driblavam o DETER A mantendo um subbosque para obstruir o satélite modis terra acqua. Contratando especialistas em georeferenciamento , os criminosos organizavam a empreitada e, quando eram detectados pelo DETER A, desmontavam rapidamente os acampamentos e deixavam a devastação para trás. Esse processo de “cupinização” do desmatamento fortalece com a carência e a ineficiência da fiscalização, de resto vilipendiada por discursos contra os fiscais, que partiam também de agentes públicos. Por isso, desde 2015 se passou a utilizar o DETER B. Deve ser lembrado que, desde 2015, os trabalhadores eram arregimentados em regime de trabalho escravo, distribuídos em pequenos acampamentos sem condições mínimas de dignidade, trabalhando nesta condição até mesmo nos períodos de chuva."
Destacou-se o grau de desmatamento em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, com base em relatórios e análises do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – INPE. Mencionou-se a indevida redução das medidas de fiscalização e inibição do desmatamento, ao que teria se seguido afirmação da AGU, destacando que, ao contrário, tais mecanismos de fiscalização teriam sido incrementados. Aludiu-se ao processo TC 038.045/2019-2. Ademais,
"
o IBAMA reconhece, nas informações apresentadas, que não tem sido convidado a participar de reuniões relacionadas ao PPCDAm e nem ao CONAVEG
. Essa assertiva afasta a alegação do mesmo instituto de que teria mantido o número de operações de fiscalização na Amazônia com igual empenho na busca da eficiência, pois sequer o órgão responsável pela atuação fiscalizatória era partícipe das reuniões necessárias à definição das metas e das medidas a serem implementadas."
Nos termos do relatório da insigne Ministra Cármen Lúcia,
"
Ressalte-se constar das informações das autoridades estatais o argumento de que, em 2020, a redução das autuações teria decorrido da pandemia causada pela Covid-19, o que, além de valer como reconhecimento da omissão administrativa, também não se sustenta, pois a fiscalização ambiental configura serviço essencial nos termos do inc. XXVI do art. 30 do Decreto presidencial n. 10.282, de 20.3.2020. Além disso, a redução de autuações antecede a pandemia, sendo comprovada pelo menos desde 2018 com aumento significativo e sem óbice desde o início de 2019
."
Na sequência, ela tratou
"Do abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm." "O abandono pelo Governo Federal do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm, tornando inoperante a execução das políticas públicas de combate ao desmatamento da Amazônia Legal. Asseveram que, com a ‘extinção branca’ do PPCDAm, o País viu seus índices ultrapassarem 10.000 km² (INPE/PRODES), um aumento de 34% no período que fechou em julho de 2019, com tendência de nova alta de 34% para 2020, segundo estimativa a partir dos alertas do INPE/DETER. Tais dados significariam que estamos diante da primeira vez na história em que há dois aumentos seguidos acima de 30% nas taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal. (…) Além desse resultado nefasto e dos demais elementos narrados acima, há outras duas teratologias quando o assunto é a inexecução do PPCDAm entre 2019 e 2020. A primeira é o fato de que, diferentemente dos anos anteriores (desde 2003), o ano de 2019 transcorreu sem que houvesse qualquer instância de articulação interministerial ou coordenação executiva para a implementação do PPCDAm. (…) O exemplo mais importante nessa perspectiva constitui a segunda teratologia e foi chamado de ‘Plano para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023”, cuja coordenação incumbiria à CONAVEG. Constate-se, de início, que, ao contrário do PPCDAm, que segue em vigor, tal suposto novo “plano” sequer consta de qualquer lei ou norma infralegal, o que o torna, juridicamente, inexistente. (…) se o aludido Plano para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023 sequer existe no plano jurídico, já que não consta em qualquer norma, ele igualmente inexiste enquanto plano de política pública pelo seu conteúdo. É que, ao contrário do PPCDAm, o novo suposto plano não possui: diretrizes estratégicas; metas; ações definidas para cada meta; linhas de ação; cronograma; distribuição de competências; articulações com outros atores além do governo federal (em especial, com os governos estaduais); fontes de recursos."
Sustentou-se:
"O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia – PPCDAm foi criado em 2004 tendo como objetivo reduzir de forma contínua o desmatamento da Amazônia e criar condições para o desenvolvimento sustentável na região; a partir da articulação e coordenação de diversos órgãos ambientais. O PPCDAm articula-se em torno de três eixos temáticos: a) ordenamento fundiário e territorial, (ii) monitoramento e controle ambiental; b) fomento às atividades produtivas sustentáveis. Ao longo das três primeiras fases de execução (2003 a 2008; 2009 a 2011; 2012 a 2015), o Plano contribuiu para redução drástica na taxa de desmatamento da Amazônia, medida pelo Projeto PRODES, constatando-se uma progressiva redução do desmatamento na Amazônia Legal, que passou do patamar de 27.772Km² em 2004 para 4.571 em 2012. É o gráfico disponibilizado no sítio eletrônico do Ministério do Meio Ambiente."
O Relatório da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, “
Avaliação da Política Nacional sobre Mudança do Clima
”, de 3.12.2019, teria ressaltado a importância do PPCDAm para o controle e combate ao desmatamento na Amazônia. Assinalou-se o alcance da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 54, em cujo âmbito o demandante teria postulado
“a)
Execução integral do orçamento dos órgãos ambientais; b) Contratação de pessoal para as atividades de fiscalização ambiental na Amazônia
; c) Apresentação de plano de contingência para reduzir o desmatamento aos níveis encontrados em 2011, ou menores, e seu efetivo cumprimento em período razoável, sob pena de responsabilidade pessoal do Ministro e do Presidente da República."
Segundo aludido voto da Min. Cármen Lúcia,
"
Demonstrada estatisticamente a eficiência da adoção do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm - entre 2004 e 2012, o desmatamento caiu mais de 80%, passando para menos de 4.600 Km²
, segundo dados do INPE -, o Poder Público somente poderia substituir essa política pública ambiental por outra com igual ou superior eficácia objetivamente comprovada, o que não se deu. Todavia, os dados de crescente desmatamento na Amazônia sinalizam que o abandono do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm importou redução dos níveis de proteção ambiental, o que não é constitucionalmente aceitável."
Reiterou-se a menção ao processo TC 038.045/2019-2.
A União Federal teria alegado ser falacioso o argumento de ter havido um desmonte da política de fiscalização ambiental, diante do volume significativo de recursos destinados à questão
. A Ministra Relatora salientou, na sequência, que
"O que se tem nas informações prestadas é tentativa de justificar o descumprimento daquela norma por inexecutar os recursos orçamentários previstos. Leia-se: o Ministério do Meio Ambiente esclareceu que os valores empenhados estão muito próximos ao limite autorizado para essa finalidade. Destacou, outrossim, que, no ano de 2019, houve uma maior efetivação do volume de empenhos, fixado em R$ 944,7 milhões de reais, correspondentes a um incremento de 17,9% em relação ao volume empenhado em 2018, tido como o ano em que ocorrera o valor máximo empenhado. O empenhado não é o orçado e é esse que obriga o cumprimento das programações legisladas, como constitucionalmente previsto. Verbo não é verba e serviço previsto não é serviço entregue. O desmatamento da Floresta não pode ser esfumaçada pelas explicações sem causa constitucional legítima."
Reportou-se ao despacho interpretativo n. 7036900/2020, versando sobre a alegada vedação de fiscalização
in loco
por parte dos servidores lotados no IBAMA. Além disso, a
"Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 651, ajuizada por Rede Sustentabilidade, questiona-se: a) o Decreto Presidencial n. 10.224, de 5.2.2020, que excluiu a sociedade civil do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, reduzindo a participação popular nas deliberações relacionadas às políticas ambientais; b) o Decreto n. 10.239, de 11 de fevereiro de 2020, que excluiu a participação de Governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal; c) o art. 1º, CCII, do Decreto n. 10.223, de 5 de fevereiro de 2020, especificamente no ponto em que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, integrado pela sociedade civil e pelos governadores."
Destacou-se o relevo da lei de acesso à informação - lei n. 12.527/2011, argumentando-se estar sendo descumprida pela União Federal.
Anotou-se que
"
os documentos juntados aos autos não infirmam os argumentos deduzidos pelos arguentes no sentido de que organizações ambientais realizaram 226 pedidos de informação sobre o curso das ações do PPCDAm em 2019 e nos anos anteriores e especialmente a fase de implementação da mencionada política pública de 2016 a 2020
."
De 226 pedidos de informação, apenas 35 teriam sido respondidos de modo satisfatório. Transcreveu-se o art. 10 da Declaração do Rio de Janeiro, resultante da ECO/92.
"É certo que devem ser excluídas da publicidade prévia as informações que possam colocar em risco operações, execução de planos de fiscalização e cumprimento de diligências, cujo conhecimento prévio pelos infratores e interessados em geral possa dificultar ou frustrar as providências. Mas o que aqui se põe em causa é a não prestação de informações adequadas, suficientes e claras de todos os dados que permitam à sociedade acompanhar e ter ciência da execução das políticas públicas ambientais."
Destacou-se o relevo da categoria do "
estado de coisas inconstitucional
", concebida inicialmente pelo Tribunal Constitucional da Colômbia, reportando-se ainda à
ADPF 347
. Aludiu-se ao caso
Bladet Tromso e Stensaas v. Noruega, de 1999
, em que a Corte Europeia de Direitos Humanos teria julgado questão concernente ao acesso à informação em matéria ambiental. Naquele julgamento, ter-se-ia decidido que a Noruega havia ofendido o direito de um jornal, ao acusar o editor daquele veículo de comunicação, da prática de difamação, após a publicação de excertos de relatório que apontava a questão da caça às focas naquele País. No julgamento
Ogoniland v. Nigéria
, a Comissão Africana de Diretos Humanos, em 2001, teria condenado o Estado nigeriano pela ofensa a sete artigos da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, destacando-se o art. 24. Nesse dispositivo se estabelecia que todos os povos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvimento. No caso, teria sido alegada a degradação ambiental de Ogoniland e impactos negativos à saúde do povo Ogoni, decorrente da exploração petrolífera naquela região.
D'outro tanto,
"Em decisão de 14.10.2021, no caso
Notre Affaire à Tous e outros vs. França
, o Tribunal Administrativo de Paris determinou que o Estado francês tomasse medidas concretas e imediatas para o cumprimento dos compromissos firmados para redução das emissões de carbono e para a reparação dos danos decorrentes da inação francesa naquela matéria."
Desse modo,
"As diversas falhas estruturais nas políticas ambientais de controle ao desmatamento da Amazônia, de garantia de respeito aos povos indígenas, à ausência de fiscalização eficiente, à inexecução dos orçamentos garantidores da adoção das providências necessárias à garantia da eficiente proteção do meio ambiente, pormenorizadas ao longo dessa exposição, demonstram a inércia e a recalcitrância administrativa e vislumbre de falta de vontade política em cumprir fielmente a Constituição ambiental, com a persistente ausência de empenho administrativo das autoridades públicas em modificar a situação comprovada de gravames ecológicos com efeitos postergados em intensidade e atingindo gerações futuras."
Sublinhou-se ainda que
"
O princípio da separação de poderes não é biombo para o descumprimento da Constituição da República por qualquer deles, sob pena de esvaziar a efetividade dos direitos fundamentais
."
A Min. Relatora concluiu, então, que
"Pelos fundamentos apontados neste voto, considerando-se a insuficiência das justificativas apresentadas pelos órgãos responsáveis para fazer frente às alegações dos arguentes e aos crescentes níveis de desmatamento da Amazônia, reconheço o estado de coisas inconstitucional."
Depois do voto da Ministra, datado de
06 de abril de 2022
, o Min. André Mendonça solicitou vista dos autos e o julgamento foi redesignado para o dia 17 de agosto"/2023. Aguarda-se, portanto, o julgamento pela Suprema Corte da aludida ADPF 760. Ao final do voto, a insigne Relatora deliberou como segue:
"86. Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e julgar procedente a presente arguição de descumprimento de preceito fundamental para:
a)
reconhecer o estado de coisas inconstitucional quanto ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica e de omissão do Estado brasileiro em relação à função protetiva do meio ambiente ecologicamente equilibrado
e
b) determinar que:
a)
a União e os órgãos e entidades federais competentes (Ibama, ICMBio, Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas respectivas competências legais, formulem e apresentem um plano de execução efetiva e satisfatória do PPCDAm ou de outros que estejam vigentes, especificando as medidas adotadas para a retomada de efetivas providências de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambiental da Floresta Amazônica, do resguardo dos direitos dos indígenas e de outros povos habitantes das áreas protegidas (UCs e TIs), para o combate de crimes praticados no ecossistema e outras providências comprovada e objetivamente previstas no Plano, em níveis suficientes para a coibição do desmatamento na Amazônia Legal e de práticas de crimes ambientais ou a eles conexos
.
Esse plano deverá ser apresentado a este Supremo Tribunal Federal em até sessenta dias, nele deverão constar, expressamente, cronogramas, metas, objetivos, prazos, projeção de resultados com datas e indicadores esperados, incluídos os de monitoramento e outras informações necessárias para garantir a máxima efetividade do processo e a eficiente execução das políticas públicas, considerados os parâmetros objetivos mencionados abaixo, devendo ser especificada a forma de adoção e execução dos programas constantes do plano, os recursos a serem destinados para atendimento dos objetivos, devendo ser minudenciados os seguintes parâmetros objetivos de aferição para cumprimento da decisão, a serem marcados pela progressividade das ações e dos resultados
:
a.1)
Até 2023, a redução efetiva proposta e os instrumentos e as providências a serem adotadas para o atendimento daquela finalidade referente aos índices de desmatamento na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, em níveis suficientes para viabilizar o cumprimento da meta de 3.925 km² de taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal, correspondente à redução de 80% dos índices anuais em relação à média verificada entre os anos de 1996 e 2005, que deveria ter sido cumprida até o ano de 20208
;
a.2)
A redução efetiva e contínua, até a eliminação, dos níveis de desmatamento ilegal em TIs e UCs federais na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, respeitados os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais
;
a.3) O desempenho efetivo por instrumentos especificados de atuação para a fiscalização pelos órgãos competentes e de investigação das infrações ambientais e aquelas a eles conexos, com os meios para garantia de eficácia dos resultados, incluídos os casos em que haja punições, sempre na forma da legislação vigente, com a atuação das entidades federais competentes (Ibama e, quanto couber, ICMBio e Funai) contra o desmatamento ilegal na Amazônia Legal, a prática de tráfico de madeira e de animais, na forma da previsão de resultados definidos no Eixo de Monitoramento e Controle do PPCDAm, ainda que na forma de planejamento que suceda àquele plano;
a.4) A forma prevista e os meios adotados para o cumprimento imediato ou progressivo, com planejamento até dezembro de 2023, como consta do PPCDAm, dos demais resultados previstos nos Eixos Temáticos do PPCDAm, apresentando-se o cronograma de execução das providências;
b) Pela gravidade do quadro de comprovada insuficiência estrutural das entidades públicas competentes para combater o desmatamento na Amazônia Legal, que inviabiliza a efetividade da implementação do PPCDAm, a União deverá, no prazo máximo de sessenta dias, preparar e apresentar a este Supremo Tribunal Federal, plano específico de fortalecimento institucional do Ibama, do ICMBio e da Funai e outros a serem eventualmente indicados pelo Poder Executivo federal, com cronograma contínuo e gradativo, incluindo-se a garantia de dotação orçamentária, de liberação dos valores do Fundo Amazonia e de outros aportes financeiros previstos, e também de melhoria, aumento e lotação dos quadros de pessoal, conforme proposta de viabilidade, em níveis que demonstram o cumprimento efetivo e eficiente de suas atribuições legais para o combate efetivo e ininterrupto do desmatamento na Amazônia Legal e das áreas protegidas, conferindo-se, para todos os atos, a apresentação, os modos e os prazos para a execução do plano de fortalecimento institucional, com ampla transparência das informações, instrumentos de participação social e demais instrumentos necessários para garantia do controle social das medidas, das metas e dos resultados;
c) Para garantir o direito republicano à transparência e à participação da sociedade brasileira (inc. XXXIII do art. 5o., inc. VI do art. 170 e art. 225 da Constituição do Brasil), titular dos direitos fundamentais à dignidade ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao direito de cada um e de todos à saúde, à vida digna e aos direitos dos grupos específicos cujos direitos fundamentais estão versados nesta demanda, como os povos indígenas, os povos e as comunidades tradicionais e as crianças e adolescentes, para franquear o controle social, inclusive por parte da sociedade civil organizada e da comunidade científica, entre outros, determino à União e às entidades federais Ibama, ICMBio e Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal que passe a apresentar, no prazo máximo de quinze dias e com atualização mensal, em sítio eletrônico a ser indicado pela União, relatórios objetivos, transparentes, claros e em linguagem de fácil compreensão ao cidadão brasileiro, sempre que possível ilustrados por mapas, gráficos e outras técnicas de comunicação visual, contendo as ações e os resultados das medidas adotadas em cumprimento aos comandos determinados por este Supremo Tribunal Federal, a serem disponibilizados publicamente em formato aberto, se possível integrado com o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, ao qual deve ser dada ampla publicidade. Ficam ressalvadas desta exigência prévia e nos prazos estabelecidos os casos em que a informação se refira a operações ou providências para investigação e apuração de infrações, cujos resultados dependam de diligências sigilosas e que podem ter a sua eficiência comprometida pela publicidade prévia;
d)
A submissão ao Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Poder Judiciário (Portaria n. 326, de 16.12.2021) do Conselho Nacional de Justiça de relatórios mensais produzidos pelos órgãos competentes do Poder Executivo, do IBAMA e do ICMbio, até dezembro de 2023, relacionados às medidas de cumprimento das determinações previstas nos itens acima com os resultados obtidos, no combate ao desmatamento da Amazônia, à implementação de medidas de fiscalização e a implementação do PPCDAm ou de outros planos adotados para o cumprimento das metas estabelecidas
. É o voto."
No âmbito da presente demanda, por seu turno, o instituto autor postulou que
"seja julgada totalmente procedente a presente ação civil pública climática, determinando à
demandada que cumpra com sua obrigação jurídica de fazer constante no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm, vinculado à Política Nacional sobre a Mudança do Clima – PNMC, no sentido de que, no ano de 2020201, o índice máximo de desmatamento ilegal na Amazônia Legal NÃO ULTRAPASSE A TAXA DE 3.925,00 Km², nos termos do art. 17, I, art. 18 e art. 19, §1º, I, todos do Decreto Federal 9.578/2018, e art. 6º e 12, ambos da Lei Federal n. 12.187/2009
."
Requereu ainda que
"seja determinado que a medição da taxa do desmatamento da Amazônia Legal utilize os dados oficiais apontados no PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), devendo ser observada a taxa máxima de desmatamento de 3.925,00Km² para o ano 2020, considerando o período de análise entre 1º de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021."
O demandante deduziu, ademais, pretensão como segue:
"e) caso a demandada não cumpra com suas obrigações normativas aqui exigidas, ultrapassando, desta forma, a taxa máxima de desmatamento da Amazônia Legal de 3.925,00Km² para o ano de 2020, seja determinado que a demandada realize a restauração florestal de toda a área desmatada em excesso ao limite legal anual, antes referido, no prazo de 01 (um) ano ou no menor prazo possível a ser definido em laudo técnico específico, utilizando a melhor tecnologia disponível, sem prejuízo das demais cominações apontadas no art. 815 e art. 816, ambos do CPC;
f) seja determinado à demandada que aloque os recursos orçamentários suficientes para realizar (e.i) o cumprimento da sua obrigação normativa de reduzir o desmatamento ilegal da Amazônia Legal até o limite de 3.925,00Km² no ano de 2020; e (e.ii) o reflorestamento de toda a área da floresta que, eventualmente, exceder a esse limite, proporcionalmente; sem prejuízo das demais cominações apontadas no art. 815 e art. 816, ambos do CPC;
g) seja determinado à demandada que utilize de todos os recursos financeiros, recursos técnicos e de pessoal disponíveis, visando o cumprimento da obrigação de fazer exigida nesta demanda, da melhor forma fática e tecnicamente possível;
h) seja determinada a nomeação do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) como órgão auxiliar do Juízo no que tange a apresentação de informações, bem como no monitoramento do cumprimento da sentença pela demandada;
i) seja determinada à demandada o pagamento de multa diária em caso de descumprimento da sentença, sem prejuízo das demais cominações apontadas no art. 536, art. 537, art. 815 e art. 816, todos do CPC."
Ao que consta, na peça inicial da ADPF 760, os partidos autores requereram o segunte:
"436. Diante do exposto, requerem os Arguentes que, após a prestação de informações pela União Federal, MMA, INPE, IBAMA, ICMBio e FUNAI, entre outros indicados pelo Poder Executivo federal, sejam ouvidos o Advogado-Geral da União (art. 103, § 3º, CF/88); e o Procurador-Geral da República (art. 103, § 1º, CF/88).
437. As organizações ora signatárias requerem seja admitido o seu ingresso nos presentes autos na qualidade de amici curiae, inclusive para apresentar eventuais novas contribuições à cognição jurisdicional desse e. Supremo Tribunal Federal, incluindo-se a realização de sustentação oral.
438. Com fulcro no artigo 9.º, § 1.º, da Lei n.º 9.868/1999, requerem, ademais, seja(m) realizada(s) audiência(s) pública(s), com a presença de especialistas e autoridades na matéria objeto dos autos, dado o caráter essencialmente multidisciplinar do Direito Socioambiental e do objeto da presente Arguição, notadamente para a discussão, entre outros pontos a serem arbitrados por Vossa Excelência, de elementos fáticos de natureza científica, socioeconômica e 145 socioambiental relacionados aos atos comissivos e omissivos descritos no Capítulo V e às lesões a preceitos fundamentais explicitadas no Capítulo VI.
439. Ao final, os Partidos Arguentes, corroborados pelas Entidades que pleiteiam ingresso como amici curiae, requerem sejam julgados procedentes os pedidos finais, conforme segue:
(i)
Requerem seja determinado à União e aos órgão e às entidades federais competentes (IBAMA, ICMBio, FUNAI e outras eventualmente indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas competências legais, que executem efetiva e satisfatoriamente o PPCDAm, notadamente fiscalização, controle ambiental e outras medidas previstas na referida política, em níveis suficientes para o combate efetivo do desmatamento na Amazônia Legal e o consequente atingimento das metas climáticas brasileiras assumidas perante a comunidade global. Para tanto, os Arguentes requerem sejam adotados os seguintes parâmetros objetivos de aferição para fins de cumprimento da decisão cautelar, a serem marcados pela progressividade das ações e resultados
:
(i.1)
Até 2021, a redução efetiva dos índices de desmatamento na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, em níveis suficientes para viabilizar o cumprimento da meta de 3.925 km² de taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal, correspondente à redução de 80% dos índices anuais em relação à média verificada entre os anos de 1996 e 2005 – a qual já deveria ter sido cumprida até o corrente ano de 2020
. Os Arguentes deixam registrado, ainda, pedido a ser apreciado futuramente apenas em caso de não atendimento da referida meta para 2021, no sentido de que, em ocorrendo tal hipótese, sejam aplicadas medidas mais rigorosas para o ano seguinte, que permitam o atingimento da meta de 3.925 km² até no máximo 2022, tal como moratória temporária para todo e qualquer desmatamento na Amazônia e outras a serem oportunamente avaliadas e requeridas, se necessário;
(i.2) A redução efetiva e contínua, até a sua eliminação, dos níveis de desmatamento ilegal em TIs e UCs federais na Amazônia Legal, conforme dados oficiais disponibilizados pelo INPE/PRODES, respeitados os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais;
(i.3)
O incremento da punibilidade das infrações ambientais a partir da atuação das entidades federais competentes (IBAMA e, quanto 146 couber, ICMBio e FUNAI) contra o desmatamento ilegal na Amazônia Legal, sendo este um dos resultados esperados do Eixo de Monitoramento e Controle do PPCDAm
; e
(i.4)
O atendimento, imediato (até 2021) ou progressivo – conforme consta do próprio PPCDAm –, dos demais resultados esperados previstos nos Eixos Temáticos do PPCDAm, apresentando-se cronograma para tanto
.
(ii)
Considerada a gravidade do quadro de absoluta insuficiência estrutural das entidades públicas competentes para combater o desmatamento na Amazônia Legal, conforme demonstrado acima, que inviabiliza a efetividade da implementação do PPCDAm, requer seja determinado à União que efetive o plano específico de fortalecimento institucional do IBAMA, do ICMBio e da FUNAI e outros a serem eventualmente indicados pelo Poder Executivo federal
, apresentado por ocasião da medida cautelar acima, com cronograma contínuo e gradativo, incluindo-se a garantia de dotação orçamentária e de recursos humanos, conforme proposta de viabilidade a ser apresentada pela União, em níveis tais que se permita cumprir com suas atribuições legais voltadas ao combate efetivo e ininterrupto do desmatamento na Amazônia Legal e suas Áreas Protegidas, conferindo-se, para todos os atos (tanto a apresentação do plano de fortalecimento institucional, como sua execução), ampla transparência ativa das informações, mecanismos de participação pública e demais instrumentos que julgar necessários para garantir o controle social sobre tais atos."
2.18. SINAFLOR - constituição:
O Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), é uma plataforma que integra o controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais, sob coordenação, fiscalização e regulamentação do Ibama.
O Sinaflor foi instituído pela Instrução Normativa n° 21, de 24 de dezembro de 2014, em observância aos arts. 35 e 36 da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012
.
É salutar que haja integração entre o sistema federal e os sistemas estaduais e municipais, de modo a viabilizar um exame conglobante e efetivo do volume de madeira em negociação, nas vias formais, no âmbito do território brasileiro, de modo a permitir também a apuração das práticas extrativistas porventura ilícitas.
2.19. Decisão - embargos declaratórios ADPF 760:
Em 03 de abril de 2024, o STF publicou a seguinte deliberação:
"O Tribunal, por maioria, não declarou o estado de coisas inconstitucional, vencidos, nesse ponto, os Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Edson Fachin e Luiz Fux. Alternativamente, reconhecendo a existência de falhas estruturais na política de proteção à Amazônia Legal, o Tribunal determinou ao Governo Federal que assuma um "compromisso significativo" (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. Na sequência, por unanimidade, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ADPF 760 e na ADO 54, para determinar que: a) a União e os órgãos e entidades federais competentes (Ibama, ICMBio, Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas respectivas competências legais, formulem e apresentem um plano de execução efetiva e satisfatória do PPCDAm ou de outros que estejam vigentes, especificando as medidas adotadas para a retomada de efetivas providencias de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambienta"
Ao apreciar a ADPF 743, o Supremo Tribunal Federal impôs aos Estados-membros e Municípios a obrigação de vincularem-se ao SINAFLOR de modo a viabilizar aludido controle unificado das atividades extrativistas, de modo a assegurar a preservação do ambiente pátrio. Ao apreciar embargos declaratórios na ADPF 760, o STF enfatizou, porém, que
"não há qualquer omissão a ser suprida. Ainda que a decisão proferida na ADPF nº 743 tenha imposto aos Estados e Municípios o uso imediato do SINAFLOR, ainda permanece a necessidade de tratamento e integração dos dados que estão em bases estaduais."
2.20. Norma do art. 47 do decreto 6.514/2008:
Convém atentar, ademais, para o art. 47 do decreto 6.514/2008 - projeção do art. 32 do anterior decreto 3.179/1999 -, cujo conteúdo transcrevo:
Art. 47. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira serrada ou em tora, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Multa de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico.
§ 1
o
Incorre nas mesmas multas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente ou em desacordo com a obtida
.
§ 2
o
Considera-se licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento aquela cuja autenticidade seja confirmada pelos sistemas de controle eletrônico oficiais, inclusive no que diz respeito à quantidade e espécie autorizada para transporte e armazenamento.
§ 3
o
Caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização.
§ 4
o
Para as demais infrações previstas neste artigo, o agente autuante promoverá a autuação considerando o volume integral de madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal que não guarde correspondência com aquele autorizado pela autoridade ambiental competente, em razão da quantidade ou espécie
. (Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
Deve-se ter em conta que
"
A autorização para transporte de produto florestal (ATPF), assim como atualmente o documento de origem florestal (DOF), não era uma mera formalidade burocrática. Era um ato administrativo que legalizava a atividade, até então proibida. Vem ao caso a lição de Castro Neves: Trata, então, o dispositivo em comento de autorização, pois só com tal outorga da Administração é que se torna válido o exercício da atividade, preexistindo a ela uma vedação legal, afastada, in casu, através de um ato de natureza discricionária
. (...) Dessa forma, constitui a ATPF importante mecanismo de controle da exploração de produtos florestais, pois propicia, em tese, o conhecimento, pela Autarquia, da quantidade de madeira em exploração. Produtos florestais que não estão acobertados por ATPF regularmente expedida são originários de atividade irregular, possibilitando a apuração de responsabilidade, na órbita civil, penal e administrativa."
(TRENNEPOHL, Curt.
Obra citada.
p. 218).
Acrescento que
"
a ATPF era o documento autorizativo para o trânsito, o depósito ou a comercialização de produtos florestais, e o IBAMA era a autoridade competente para sua emissão. Todo produto da flora nativa, in natura ou com beneficiamento primário, dependem dessa autorização do Poder Público para o transporte, a guarda, o armazenamento ou a comercialização, sob pena de ilegalidade e consequente penalização. Assim é, atualmente, com o Documento de Origem Florestal (DOF
)."
(TRENNEPOHL, Curt.
Obra citada.
p. 220).
Ainda segundo Trennepohl,
"Até meados de 2001, somente os produtos in natura (§1º, 'a', e §2º) ou com beneficiamento primário (§1º, 'b' até 'o') dependiam da ATPF como autorização ambiental, utilizando-se o regime especial de transporte (RET) - um carimbo padronizado para aposição na nota fiscal -, previsto no art. 11 da portaria sob comento, para os demais produtos (mudas, raízes, bulbos e plantas ornamentais, medicinais e aromáticas provenientes de produtor e para exploração, madeira serrada sob qualquer forma, laminada, aglomerada, prensada, compensada, chapas de fiabra, desfolhada, faqueada, contraplacada e para exportação, xaxim e seus arfefatos na fase de saída da indústria e para exportação, palmito em conserva na fase da indústria e para exportação, dormentes e poteses na fase de saída da indústria e para exportação e carvão de resíduos de indústria madereira). Em função da dificuldade para o controle e das constantes utilizações irregulares de carimbos confeccionados à revelia do IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente, atráves da Instrução Normativa n. 04, de 25 de julho de 2001, EXTINGUI o RET a partir de 14 de setembro do mesmo ano, passando a ser obrigatória a utilização da ATPF também para esses produtos.
Estão dispensados da licença ambiental, tanto da ATPF, quanto do DOF, apenas os subprodutos já beneficiados que, por sua natureza, já se apresentam acabados, embalados e manufaturados para o uso final
, celulose, goma-resina e demais pastas de madeira, resíduos, como seja, aparas, cavacos e demais restos de beneficiamento e de industrialização de madeira, serragem, palets e briquetes de madeira e de castanha em geral, folhas de essências plantadas, folhas e fibras de palmáceas, casca e carvão produzido de casca de coco, moinha e briquetes de carvão vegetal, escoramentos e madeira beneficiada entre canteiros de obras de construção civil, madeira usada em geral, reaproveitamento de madeira de cercas, currais e casas, carvão vegetal empacotado do comércio varejista, bambu (Bambusa vulgaris) e espécies afins, vegetação arbustiva de origem plantada para qualquer finalidade."
(TRENNEPOHL.
cit.
p. 220-221).
Além disso,
"
A antiga autorização ambiental - ATPF devia acompanhar o produto florestal durante todo o tempo de viagem ou armazenamento, segundo estabelecia a norma, e devia ser válida, isto é, estar com todos os campos preenchidos corrtamente, sem emendas e sem rasusas, e dentro do seu prazo de validade, além de ser outorgada pela autoridade competente, na época, o IBAMA (...) a 1ª via da ATPF, que acompanhava o produto florestal da origem ao destino, devia ser encaminhada pelo adquirente ao IBAMA até o 15º dia do mês seguinte à aquisição. A 2. via, no mesmo prazo, devia ser encaminhada pelo vendedor. Através dessas prestações de contas era possível o efetivo controle da exploração e da comercialização ou utilização dos produtos florestais.
"
(TRENNEPOHL, Curt.
Obra citada.
p. 222).
2.21. Apreensão de bens:
Como notório, o art. 72, IV, lei n. 9.605/1998 preconiza, como sanção administrativa,
"a apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração."
Para tanto, contudo, deve-se atentar também para as balizas do art. 6º da mesma lei, por força do art. 72,
caput.
Logo,
"
Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente; II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III - a situação econômica do infrator, no caso de multa
."
Deve-se aferir o contexto em que a infração ambiental teria sido cometida.
Semelhante é o conteúdo do art. 3º, IV, do decreto 6.514/2008 com a redação veiculada pelo decreto 6.686/2008, merecendo também destaque o seu art. 14:
"A sanção de apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos e embarcações de qualquer natureza utilizados na infração reger-se-á pelo disposto nas Seções II, IV e VI do Capítulo II deste Decreto."
Segundo CurtTrennepohl, contudo, aludido dispositivo seria até dispensável, diante do contéudo do art. 25 , §2º da lei n. 9.605/1998, tendo sido introduzido apenas "
para manter a sequência das sanções estabelecidas no art. 3."
(TRENNEPOHL. Curt.
Infrações contra o meio ambiente:
multas, sanções e processo administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2013. p. 120).
Atente-se ainda para o art. 134, IV, do decreto 6.514, com a redação veiculada pelo decreto 6.686/2008:
"Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma:
(...) II - as madeiras poderão ser doadas a órgãos ou entidades públicas, vendidas ou utilizadas pela administração quando houver necessidade, conforme decisão motivada da autoridade competente."
Pode-se cogitar, d'outro tanto, que a autuação e apreensão devessem ter tomado por base apenas a fração excedente, quando em causa apresentação parcial de documentos, para além do volume informado nas guias de transporte florestal, consoante entendimento verbalizado pelo TRF1:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. TRANSPORTE DE MADEIRA EM DESCONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. GUIA FLORESTAL REFERENTE A APENAS PARTE DA TOTALIDADE DA CARGA. APREENSÃO TOTAL DA MERCADORIA. ILEGITIMIDADE. LIBERAÇÃO DA PARTE REGULAR. POSSIBILIDADE. I -
Pacífico nesta Corte entendimento de ser indevida a apreensão da totalidade da carga de produto florestal, quando divisível, se parte dela estava coberta por guia florestal. II - Na espécie dos autos, não havendo irregularidade no transporte de parte da madeira apreendida, conforme se verifica do documento de Guia Florestal - GF, não se afigura razoável a manutenção da apreensão da madeira acobertada pela aludida Guia Florestal. Precedentes deste egrégio Tribunal. VII - Existindo documento de Guia Florestal - GF que forneça cobertura parcial à madeira transportada, a multa aplicada pelo IBAMA deve ser readequada, para incidir tão-somente sobre a parte da carga transportada irregularmente
. (AMS 0000619-03.2012.4.01.3602 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 29/06/2017, sem grifo no original.) III - Não procede o alerta da apelante, de ajuizamento de reclamação constitucional no caso de a Turma entender pela não aplicação dos artigos do Decreto n. 6.514/2008 - no que se refere à apreensão de madeiras irregularmente transportadas, e, ainda assim, não remeter a questão ao Pleno para apreciação da sua constitucionalidade - , por não se tratar, no caso, de ausência de aplicação dos dispositivos referidos no Decreto mencionado, por inconstitucionalidade, ou de afastamento de sua incidência, mas de aplicação do entendimento jurisprudencial firmado de que, embora se deva proceder à apreensão, o alcance desta deve ficar afeto somente à parte da madeira em desconformidade com a licença ambiental respectiva, não tendo havido declaração de inconstitucionalidade, o que afasta a cláusula de reserva de plenário. IV - Apelação do IBAMA e reexame necessário aos quais se nega provimento. Sentença mantida. (AMS https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=00135746120114014100, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:06/04/2018 PAGINA:.)
MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. PODER DE POLÍCIA. TRANSPORTE DE MADEIRA. VOLUME DE CARGA EM DESCONFORMIDADE COM A NOTA FISCAL E COM A AUTORIZAÇÃO DE TRANSPORTE. APREENSÃO DA CARGA INTEGRAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A impetrante foi autuada por transportar madeiras serradas e essências diversas em desacordo com a licença de transporte que possuía. Segundo parecer conclusivo do laudo técnico do IBAMA, as espécies Vochysia sp, Tachigali sp e Guarea sp foram encontradas na carga, apesar de não estarem discriminadas na guia florestal. 2. Estando parte da carga regularmente coberta pela documentação de transporte, não se justifica a apreensão de toda a madeira, situação que legitima a atuação judicial para fins de adequação da medida da autoridade ambiental aos ditames da proporcionalidade. 3. É pertinente o pedido da impetrante de liberação da parte da carga que estava devidamente autorizada pela guia de transporte, devendo ser mantida a apreensão quanto ao excedente, como corretamente decidiu o juízo a quo. 4. Remessa oficial e apelação do IBAMA improvidas. (AMS https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=00023335820094014101, JUÍZA FEDERAL MARIA CECÍLIA DE MARCO ROCHA, TRF1 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF1 DATA:25/05/2016 PAGINA:.)
No âmbito do TRF4 tem prevalecido, contudo, entendimento contrário, como bem ilustra o precedente que transcrevo adiante:
MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. FISCALIZAÇÃO. MADEIRA. APREENSÃO. 1.
Se a madeira não está devidamente acobertada pela Guia Florestal, a pena de apreensão prevista no art. 2º, IV, do Decreto 3.179/99 (atualmente revogado pelo Decreto 6.514/2008), se aplica à totalidade, e não apenas ao excedente de madeira apreendida, a fim de coibir tal prática delituosa, tendo, ainda, caráter educativo, merecendo provimento o apelo do IBAMA no ponto
. 2. Como bem observado pela sentença "(...) o que autoriza a Portaria n.º 83, de 15 de outubro de 1996, é a variação nas espessuras-padrão das madeiras serradas, em razão do limite da espessura permitida para a exportação de espécies nativas não cultivadas. A tolerância quanto à espessura máxima, que é de 101,6 mm, não autoriza modificação no volume da madeira exportada como deve constar da Guia Florestal para Transporte de Produtos Florestais Diversos - GF3".
(APELREEX 200772000116416, ROGER RAUPP RIOS, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 10/02/2010.)
Aludida intelecção, ao vaticinar a apreensão da totalidade da madeira, parece estar em conformidade cm a lógica do art. 47, §§3º do referido decreto 6.514, com a redação veiculada pelo decreto 6.686/08:
"Nas infrações de transporte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização."
Segundo Trennepohl,
"O §3º estabelece que no caso da carga não conferir em sua totalidade com o volume ou espécie autorizado, a sanção pecuniária será calculada sobre o total, isto é, fica afastada a hipótese de considerar parte dos produtos legal e somente aplicar a multa sobre o excedente. Destarte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado, a autuação considerará a totalidade do objeto da fiscalização. Esta disposição apenas torna claro o entendimento que já vínhamos manifestando anteriormente, quando a norma não era explícita nesse sentido. A autorização ambiental deve ser válida, isto é, todos os seus elementos (principalmente volume e espécie) devem estar em perfeita consonância com os produtos a que se refere. O Poder Judiciário tem acatado o entendimento de que a diferença entre o volume constante do documento autorizativo e a carga efetivamente transportada é razão suficiente para a autuação do transportador e a apreensão do produto."
(TRENNEPOHL. Curt.
Obra citada.
p. 231-232).
Na generalidade dos casos, essa solução é a mais consentânea com o dever de precaução e prevenção imposto pelo art. 225, CF/1988.
2.22.
Eventual embargo
de atividades:
Conquanto os embargos sejam, em regra, medidas de caráter inibitório ou cautelar, o Decreto 6.514/2008 os rotulou como sanção, na forma do seu art. 3º, VII -
"As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: (...) VII - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas."
Já o art. 15-A do decreto dispôs que
"O embargo de obra ou atividade restringe-se aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental, não alcançando as demais atividades realizadas em áreas não embargadas da propriedade ou posse ou não correlacionadas com a infração."
Nos termos do art. 15-B,
"
A cessação das penalidades de suspensão e embargo dependerá de decisão da autoridade ambiental após a apresentação, por parte do autuado, de documentação que regularize a obra ou atividade
."
Note-se, porém, que - caso se cuidasse de efetiva sanção - os embargos estariam sendo impostos com violação ao devido processo, punindo-se alguém sem que sequer tenha sido facultada efetiva defesa. A rigor, a despeito do nome atribuído no Decreto 6.514, aludidos embargos constituem-se mecanismos inibitórios, a fim de evitar danos ambientais, apurados com cognição não exaustiva e ainda debatidos no âmbito do processo administrativo ou judicial. É o que justifica que, nos temos do referido art. 15-B, haja levantamento do embargo tão logo seja comprovada a regularização da atividade ou da obra.
Ora,
"O art. 15-A, incluído pelo Decreto 6.686/08 buscou, tão somente, a segurança jurídica do administrado, evitando que o ato da autoridade ambiental extrapole os limites da área ou atividade ilícita. É, também, um dos dispositivos que mais tem causado controvérsia na aplicação prática. Em princípio, somente a atividade que está em desacordo com as normas ambientais pode ser objeto de paralisação pelo Poder Público. No entanto, este dispositivo deve ser lido com atenção, pois, muitas vezes, uma atividade ilícita viabiliza outra, em princípio lícita, mas somente possível graças à primeira. Se uma atividade ilícita é cometida com o objetivo de tornar possível outra atividade, mesmo quando for lícita a segunda, o embargo e a interdição podem atingir as duas, simultaneamente."
(TRENNEPOHL. Curt.
Obra citada
).
Para que o embargo de uma atividade ilícita se restrinja efetivamente às áreas em que se caracterizou a ilicitude, é imprescindível que todas estejam corretamente demarcadas. O IBAMA, no art. 32 da Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio 01, de 12 de abril de 2021, que regula os procedimentos para apuração de infrações administrativas, enfatizou esta necessidade de individualizar a área e a atividade objeto do embargo.
O art. 16 do decreto 6.514/2008 versa sobre o embargo de áreas desmatadas ou queimadas irregularmente.
"No caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente autuante embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência."
Acrescente-se que, nos termos do art. 16, §1º,
"O agente autuante deverá colher todas as provas possíveis de autoria e materialidade, bem como da extensão do dano, apoiando-se em documentos, fotos e dados de localização, incluindo as coordenadas geográficas da área embargada, que deverão constar do respectivo auto de infração para posterior georreferenciamento."
O art. 18 preconiza as sanções a serem cominadas a quem descumpra os embargos da obra/atividade impostos pela Administração Pública.
Art. 18. O descumprimento total ou parcial de embargo, sem prejuízo do disposto no art. 79, ensejará a aplicação cumulativa das seguintes sanções:
I -
suspensão da atividade que originou a infração e da venda de produtos ou subprodutos criados ou produzidos na área ou local objeto do embargo infringido
; e
II -
cancelamento de registros, licenças ou autorizações de funcionamento da atividade econômica junto aos órgãos ambientais e de fiscalização
. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
§ 1
o
O órgão ou entidade ambiental promoverá a divulgação dos dados do imóvel rural, da área ou local embargado e do respectivo titular em lista oficial, resguardados os dados protegidos por legislação específica para efeitos do disposto no inciso III do art. 4º da Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003, especificando o exato local da área embargada e informando que o auto de infração encontra-se julgado ou pendente de julgamento. (Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
§ 2
o
A pedido do interessado, o órgão ambiental autuante emitirá certidão em que conste a atividade, a obra e a parte da área do imóvel que são objetos do embargo, conforme o caso.
2.23. Eventual licença de exportação - IBAMA:
A
lei nº 5.197/67
tratou da exigência de licença para importação de animais:
"Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha."
A licença para importação foi versada pelo art 4 da lei 5.197.
A
lei n. 9.605/1998
rotulou como crime a conduta de exportar/importar animais sem licença (p.ex., art. 29, §1, III). A
Portaria n. 93, de 07 de julho de 1998 - IBAMA
versou sobre a importação e a exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre brasileira e da fauna silvestre exótica. Segundo a portaria,
"A importação e a exportação poderá ser realizada somente por pessoa jurídica de direito público ou privado e registrada junto ao IBAMA. Parágrafo único - Em caso excepcional, poderá ser autorizada a importação e a exportação por pessoa física, mediante parecer favorável."
A
Instrução Normativa n. 140
, de 18 de dezembro de 2006 instituiu
"o serviço de solicitação e emissão de licenças do IBAMA para a importação, exportação e reexportação de espécimes, produtos e subprodutos da fauna e flora silvestre brasileira, e da fauna e flora exótica, constantes ou não nos anexos da Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES."
Segundo a mencionada IN 140,
"Excetuam-se para efeito desta Instrução Normativa os espécimes, produtos e subprodutos de peixes e da flora não listados nos Anexos da CITES, bem como os espécimes, produtos e subprodutos da fauna considerada doméstica. § 2º Para efeito desta Instrução Normativa, os peixes e invertebrados aquáticos não são considerados animais domésticos."
Ademais,
"As solicitações de que trata o Art. 1° desta Instrução Normativa, deverão ser realizadas por meio de formulário eletrônico do serviço de solicitação de Requerimento CITES, disposto na rede mundial de computadores, internet, no endereço eletrônico www .ibama.gov.br/cites."
Acrescentou que
"Os requerentes, pessoas físicas ou jurídicas, deverão efetuar sua inscrição no Cadastro Técnico Federal - CTF como Uso de Recursos Naturais, nas categorias: importação ou exportação de fauna nativa brasileira, importação ou exportação de flora nativa brasileira e importador ou exportador de fauna silvestre exótica, e manter seus dados atualizados. Art. 6º As licenças de importação, exportação e re-exportação para espécimes CITES e Não-CITES serão emitidas pelo Ibama, conforme modelos dispostos nos anexos 1 e 2, respectivamente."
Por seu turno, a
Portaria nº 91, de 14 de setembro de 2022
"Estabeleceu normas, critérios e padrões para exportação e importação de peixes de águas continentais, marinhas e estuarinas, com finalidade ornamental e de aquariofilia."
Aludida portaria foi declarada sem efeito por meio da portaria nº 94, de 15 de setembro de 2022.
Ademais, o
decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000
versou sobre a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES, dentre outros temas. Transcrevo o art. 7 do mencionado decreto:
"Art. 7
o
As espécies incluídas no Anexo I da CITES são consideradas ameaçadas de extinção e que são ou podem ser afetadas pelo comércio, de modo que sua comercialização somente poderá ser autorizada pela Autoridade Administrativa mediante concessão de Licença ou Certificado.
§ 1
o
Para exportação de qualquer espécime de uma espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão e apresentação prévia de Licença de exportação, que somente será concedida após o atendimento dos seguintes requisitos:
I - emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que a exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie; e
II - verificação, pela Autoridade Administrativa, se o transporte não causará danos à espécime, se foi concedida a Licença de importação e se é legal sua aquisição.
§ 2
o
Para importação de qualquer espécime de uma espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão e apresentação prévia de Licença de exportação ou Certificado de reexportação, e de Licença de importação, que será concedida somente uma vez, após o atendimento dos seguintes requisitos:
I - emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que a exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie e que o destinatário dispõe de instalações apropriadas para abrigá-lo, no caso de espécime vivo; e
II - verificação, pela Autoridade Administrativa, que o espécime não será utilizado, preferencialmente, para fins comerciais.
§ 3
o
Para reexportação de qualquer espécime de espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão e apresentação prévia de Certificado de reexportação, que será concedido somente uma vez, após a verificação, pela Autoridade Administrativa, se o transporte não causará danos ao espécime, se a importação foi realizada de acordo com as normas previstas na Convenção e se foi concedida Licença de importação para qualquer espécime vivo.
§ 4
o
Para a introdução procedente do mar de qualquer espécime de uma espécie incluída no Anexo I da CITES, será necessária a concessão prévia de Certificado, expedido pela Autoridade Administrativa do país de introdução, que será concedido somente uma vez, após o atendimento dos seguintes requisitos:
I - emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que a exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie; e
II - verificação, pela Autoridade Administrativa, que o espécime não será utilizado, preferencialmente, para fins comerciais e que o destinatário dispõe de instalações apropriadas para abrigá-lo."
O decreto versou sobre a exportação das espécies veiculadas nos demais anexos da CITES. Destaque-se, ademais, o seguinte:
Art. 11.
Toda Licença ou Certificado CITES deverá conter, no mínimo, as seguintes informações
: I - título da Convenção; II - nome e domicílio da Autoridade Administrativa que o emitiu; III - número de controle; IV - nomes, sobrenomes e domicílios do importador e do exportador; V - tipo da operação comercial (exportação, reexportação, importação ou introdução procedente do mar); VI - nome científico da espécie ou das espécies; VII - descrição do espécime ou dos espécimes em um dos três idiomas oficiais da Convenção; VIII - número de identificação das marcas dos espécimes, se as tiverem; IX - Anexo da CITES em que a espécie está incluída; X - propósito da transação; XI - data em que a Licença ou Certificado foi emitido e data em que expira; XII - nome e assinatura do emitente; XIII - selo de segurança da Autoridade Administrativa; e XIV - origem dos espécimes que a Licença ou Certificado ampara. Art. 12. Os Certificados CITES de reexportação deverão conter, além das informações exigidas no artigo anterior, os seguintes dados: I - o país de origem; II - o número de controle da Licença ou Certificado CITES emitido pelo país de origem e a data em que este foi emitido; e III - o país da última reexportação caso já tenha sido reexportado, e, neste caso, o número do Certificado e a data em que foi expedido. Art. 13. As Licenças e Certificados CITES são intransferíveis e poderão ter o período de sua validade estabelecido até o máximo de seis meses, sendo facultado à Autoridade Administrativa determinar prazo inferior. Art. 14. A Autoridade Administrativa cancelará ou recusará as Licenças e Certificados CITES emitidos com fundamento em informações falsas ou que estiverem em desacordo com o estabelecido neste Capítulo. Parágrafo único. A Autoridade Administrativa do país de importação cancelará e conservará a Licença de exportação ou Certificado de reexportação, apresentada para amparar a importação. Art. 15. Toda pessoa física ou jurídica que se dedique à comercialização, a qualquer título, ao transporte ou à compra e venda de espécimes importados, de espécies incluídas na Convenção e seus produtos e subprodutos, deverá possuir Certificado CITES original. § 1o As cópias do Certificado de que trata o caput somente poderão ser aceitas quando estiverem registradas perante a Autoridade Administrativa e nos casos de transferências parciais derivadas do Certificado CITES original. § 2o No embarque de cada espécime, será requerida a Licença ou Certificado respectivo.
O decreto também listou os casos de exoneração da aplicação das suas regras:
"As disposições previstas no Capítulo II deste Decreto não serão aplicadas nos seguintes casos: I - trânsito ou transbordo de espécimes no território de país que seja signatário da Convenção, enquanto os espécimes permanecerem sob o controle aduaneiro; II - quando a Autoridade Administrativa do país de exportação ou de reexportação verificar que um espécime foi adquirido antes da Convenção entrar em vigor; III - espécimes que sejam objetos pessoais ou de uso doméstico, exceto nos casos previstos no § 3o do art. 7o da Convenção; IV - empréstimo, doação ou intercâmbio sem fim comercial entre cientistas ou instituições científicas registradas junto às Autoridades Administrativas dos respectivos países; e V - espécimes que fazem parte de zoológico, circo, coleção zoológica ou botânicas ambulantes, desde que sejam obedecidos os seguintes requisitos: a) o exportador ou importador registre todos os pormenores sobre os espécimes junto à Autoridade Administrativa; b) os espécimes estejam incluídos nos incisos II a IV deste artigo; e c) a Autoridade Administrativa verifique se o transporte não causará danos ao espécime. Art. 17. Nos casos de espécimes de espécies de animais criados em cativeiro ou espécimes de espécies de vegetais reproduzidos artificialmente, seja parte ou derivado, será aceito Certificado da Autoridade Administrativa do país de exportação neste sentido, em substituição às Licenças e Certificados previstos no Capítulo II."
Menciono, ademais, a
Instrução Normativa Ibama nº 6, de 23 de setembro de 2008
, que veicula a lista oficial de flora em extinção. Destaco a
Portaria nº 443, de 17 de dezembro de 2014
, que declara como espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da "Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção".
A
Portaria nº 444, de 17 de dezembro de 2014
delara como sendo espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da "Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção" - Lista, conforme Anexo I da presente Portaria, em observância aos arts. 6º e 7º, da Portaria nº 43, de 31 de janeiro de 2014. Jà a
Portaria nº 445, de 17 de dezembro de 2014
reconhece como espécies de peixes e invertebrados aquáticos da fauna brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da "Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção - Peixes e Invertebrados Aquáticos" - Lista, conforme Anexo I desta Portaria, em observância aos arts. 6º e 7º, da Portaria nº 43, de 31 de janeiro de 2014.
A
Portaria MMA nº 148, de 7 de junho de 2022
alterou os Anexos da Portaria nº 443, de 17 de dezembro de 2014, da Portaria nº 444, de 17 de dezembro de 2014, e da Portaria nº 445, de 17 de dezembro de 2014, referentes à atualização da Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção. Por seu turno, a
Instrução Normativa IBAMA nº 140, de 18 de dezembro de 2006
já mencionda, institui o serviço de solicitação e emissão de licenças do IBAMA para a importação, exportação e reexportação de espécimes, produtos e subprodutos da fauna e flora silvestre brasileira, e da fauna e flora exótica, constantes ou não nos anexos da Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES. -
Instrução Normativa nº 16, de 25 de novembro de 2022
- Fica instituído o sistema do Documento de Origem Florestal Rastreabilidade (DOF+), como ferramenta de emissão, gestão e monitoramento das licenças obrigatórias para transporte e armazenamento de produtos florestais de espécies nativas do Brasil. -
Instrução Normativa nº 24, de 30 de dezembro de 2022
- Estabelece critérios e procedimentos para exportação, com fins comerciais, de produtos e subprodutos madeireiros das espécies constantes dos Anexos da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - Cites, dos gêneros Handroanthus spp, Tabebuia spp, Roseodendrum spp, Dipteryx spp, Cedrela spp e da espécie Swietenia macrophylla. -
Instrução Normativa nº 1, de 26 de janeiro de 2023
- Alterar o Art. 1º, caput, e § § 2º e 3° da
Instrução normativa n° 24 de 30 de dezembro de 2022,
que estabelece critérios e procedimentos para exportação, com fins comerciais, de produtos e subprodutos madeireiros das espécies constantes dos Anexos da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - Cites, dos gêneros Handroanthus spp, Tabebuia spp, Dipteryx spp, Cedrela spp e da espécie Swietenia macrophylla.
Essas são alguns dos diplomas normativos aplicáveis à exportação de faunta/flora nacional.
2.24.
Ônus demonstrativo - mandado de segurança:
Como registrei acima, no rito do mandado de segurança incumbe ao impetrante o encargo de apresentar, com a peça inicial, elementos probatórios da veracidade da sua narrativa sobre os fatos. Aludido procedimento não viabiliza a realização de diligências probatórias no seu curso.
Tanto por isso, revela-se incabível a inversão do ônus da prova prevista no art. 373, §1, Código de Processo Civil.
Ademais, como regra, “
cabe ao administrado demonstrar a contrariedade da atuação administrativa, no exercício do poder de polícia, com as regras jurídicas pertinentes. A concordância da descrição fática apresentada pela Administração com a realidade prevalece até prova em contrário, no que a doutrina especializada denomina presunção iuris tantum de veracidade dos atos administrativos
."
(EDcl no REsp 894571/PE, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, publ. DJe 01/07/2009; Ag 1326850, rel. Min. Luiz Fux, publ. 02/12/2010; Ag 1371059, rel. Min. Herman Benjamin, publ. 14/02/2011. ( AMS 0005259-92.2007.4.01.4000/PI, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.33 de 12/12/2012).
O ônus da prova incumbe, pois, à parte autora.
2.25. Elementos de convicção - 5022397-91.2025.4.04.7000:
Nos autos 5022397-91.2025.4.04.7000, a empresa impetrante apresentou, no movimento1, cópia de formulário não preenchido de NRE 13300007354, anexando cópia do seu estatuto constitutivo. Ela apresentou um fluxograma para exame da cadeia de custódia documental.
Seguiu-se cópia do despacho decisório do IBAMA, indeferindo o pedido de licença de exportação em questão:
A empresa anexou, em autos de processo administrativo, cópia da autorização de exportação de evento-1, procadm-7, p. 5, emitida em favor de ROVÍLIO MASCARELLO, em 28 de junho de 2018,
com validade até 28 de junho de 2019
. Apresentou cópia esmecida de foto aérea de mata. Juntou cópia de autorização de liberação de crédito florestal, também a favor de Rovílio Mascarello, datada de 28 de junho de 2018. Seguiu-se cópia de documento emitido pelo Estado de Mato Grosso:
Valide até
28 de agosto de 2019
.
Anexou nota fiscal emitida em 24 de julho de 2019 por Rovílio Mascarello, versando sobre a venda de cumaru e roxinho em toras.
Anexou guia para transporte de produto florestal a favor de Rovílio Mascarello, com o seguinte destinatário:
Anexou-se cópia de nota fiscal de venda de Cumaru pela empresa Empreendimentos Florestais Norte a favor da empresa Mademiro Industrialização - evento1, procadm-7, p. 25. A impetrante anexou LO - licença de operação a favor das suas atividades, emitida em 03 de maio de 2023, com validade por 640 dias corridos. Anexou nota fiscal de venda emitida pela MADEREIRA BONA EIRELI, em 09 de outubro de 2019.
A impetrante apresentou cópia do requerimento 170787. Anexou ainda cópia da decisão do STF, prolatada na ADPF 760. Apresentou cópia de decisão administrativa datada de 16 de abril de 2025:
Por época do recurso administrativo, a impetrante sustentou: "
O cerne da controvérsia reside no fato de que a madeira foi adquirida em conformidade com as normas vigentes na época da transação, antes da alteração legislativa que determinou a obrigatoriedade do sistema SINAFLOR CITES. Portanto, o recorrente cumpriu com todas as exigências legais aplicáveis ao momento da aquisição da madeira, sem quaisquer pendências legais em relação à cadeia de custódia do material adquirido. Ademais, a própria autoridade do IBAMA reconhece a inexistência de uma integração completa entre os sistemas estaduais e o módulo federal do SINAFLOR CITES, fato que afasta qualquer responsabilidade do recorrente neste aspecto. Porém, a decisão de indeferimento resultou em obstáculos indevidos às atividades do recorrente com base em falhas administrativas de integração que fogem ao seu controle."
(evento1, procadm-7, p. 105).
Ela apresentou planilha indicando o total de empregados mantidos na sua estrutura. No evento 16 do eproc 5022397-91.2025.4.04.7000, a autoridade impetrada juntou peça de informações veiculando o seguinte:
"2. Tais obrigações recaem a i. que o Ibama e “os Governos Estaduais, por meio de suas secretarias de meio ambiente ou afins, tornem públicos, em até 60 dias, os dados referentes às autorizações de supressão de vegetação e que a publicidade passe a ser, doravante, a regra de referidos dados”; e ii. na integração dos sistemas de monitoramento do desmatamento, de titularidade da propriedade fundiária e de autorização de supressão de vegetação, ampliando o controle automa zado do desmatamento ilegal e a aplicação de sanções.
3. Destaca-se que, por força do Art. 35 da Lei 12.651/2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa), o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - Sinaflor foi instituído com a finalidade de que todas as atividades florestais, empreendimentos de base florestal e processos correlatos sujeitos ao controle por parte dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama
fossem efetuadas necessariamente por meio deste sistema
ou por sistema estadual a ele integrado. Ficou estabelecido também que o órgão federal coordenador do sistema forneceria a solução tecnológica a ser utilizada, bem como definiria o prazo para integração dos dados e as informações que deveriam ser aportadas ao sistema nacional.
4.
Sendo assim, o uso do Sinaflor se tornou obrigatório a partir de 2 de maio de 2018 e, como definido pela Instrução Normativa Ibama nº 14/2018, foi dado o prazo de até 2 de julho de 2018
para que os estados integrados concluíssem a primeira etapa de integração ao sistema nacional.
Após essas datas, todas as autorizações de Plano de Manejo Florestal Sustentável, Supressão de Vegetação para Uso Alternativo do Solo, Corte de Árvores Isoladas e Exploração de Floresta Plantada emitidas fora do Sinaflor ou não integradas seriam consideradas inválidas para fins de controle da origem da madeira
.
5.
Nesse contexto e, considerando as determinações das ADPFs que incidem sobre as competências desta Diretoria, reiteramos a necessidade de integração plena ao Sinaflor de todas as autorizações de supressão de vegetação e exploração florestal emi das pelo estado e seus municípios para fins de publicização dos dados e atendimento às obrigações de fazer postas, no prazo estipulado
.
6. A relação com as autorizações integradas ao Sinaflor por esta Secretaria, até a data de 14 de maio de 2024, está sendo enviada em anexo (19276996) para conferência. Solicita-se retorno com as providências adotadas por esta secretaria de meio ambiente com a maior brevidade possível."
Esses são os elementos de convicção, ao que releva.
2.26. Elementos de convicção - MS 50223996120254047000:
Por outro lado, os autos de MS 50223996120254047000 veiculam documentos semelhantes, dado que apenas há diferença quanto ao requerimento de licença de exportação, com distinto código.
O pedido foi indeferido administrativamente como segue:
(decisão datada de 17 de abril de 2025)
O recurso administrativo por ela interposto versou sobre a invalidade de se aplicar retroativamente a legislação. Em síntese, esses são os elementos de consideração relevantes para o caso.
2.27. Alcance do pedido de liminar:
No eproc 5022397-91.2025.4.04.7000, a impetrante postulou a concessão de liminar para que seja determinada a expedição da licença de requerimento n.º 170787, autorizando-a a realizar a exportação do produto florestal descrito no processo administrativo, mantendo se a eficácia dessa decisão até o trânsito em julgado da sentença.
No eproc 5022399-61.2025.4.04.7000, ela postulou que, mediante ordem liminar, seja determinada a expedição da licença solicitada no requerimento n. 170777, autorizando-a a realizar a exportação do produto florestal descrito no processo administrativo, mantendo-se a eficácia dessa decisão até o trânsito em julgado da sentença.
2.28. Valoração precária dos elementos de convicção:
Como registrei acima, a impetrante postulou ao IBAMA a expedição de licenças de exportação - requerimentos 170787 e 170777 - a fim de poder encaminhar madeira para uma empresa com atuação em solo francês. Ela apresentou documentos alusivos à cadeia de custódia da madeira em causa, dizendo ter atendido a legislação.
O IBAMA indeferiu aludido pleito, enfatizando que a documentação não teria sido veiculada no SINAFLOR, consoante determinado pelo IBAMA ao julgar as ADPFs 743 e 760
. Ao que consta, os Estados do Pará e de Mato Grosso não estariam atendendo aludida determinação. Consta terem protocolado pedido de reconsideração da determinação da Suprema Corte, como evidencia o julgado abaixo:
"
DOS PEDIDOS DE RECONSIDERAÇÃO DA DETERMINAÇÃO DE USO EXCLUSIVO DO SINAFLOR FEITOS PELOS ESTADOS DO PARÁ E MATO GROSSO
: Por meio da decisão constante do eDOC 1074, determinou-se que os Estados passem a utilizar o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) para a emissão das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). Após a publicação da referida decisão, os Estados do Pará e do Mato Grosso apresentaram pedidos de reconsideração (eDOCs 1103 e 1134), sob o argumento de que dispõem de sistemas próprios que atendem ao requisito de interoperabilidade com o sistema nacional. Instada a se manifestar acerca dos pedidos de reconsideração, a União ressaltou, no eDOC 1203, que, embora haja interoperabilidade entre os sistemas estaduais e o sistema nacional, persistem deficiências nos sistemas locais que comprometem a acurácia no controle das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). O art. 26 da Lei nº 12.651/2012 ( Código Florestal)é inequívoco ao dispor que "o controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais incluirá sistema nacional que integre os dados dos diferentes entes federativos". Nesse contexto, a integração plena ao Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) revela-se absolutamente imprescindível para o adequado funcionamento do sistema de controle ambiental em âmbito nacional." (STF - ADPF: 743 DF, Relator.: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 28/04/2025, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28/04/2025 PUBLIC 29/04/2025)
Aludida decisão foi publicada em
28 de abril de 2025
. O STF determinou a intimação da União Federal para, querendo, manifestar-se a respeito dos pedidos de reconsideração. Há de ser apurado, ademais, qual o prazo fixado pela Suprema Corte para que aludida integração se efetive.
Com anotei no despacho anterior, reputo verossímil a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, diante dos documentos apresentados. Revela-se denso o argumento de que o Estado não poderia impor requisitos retroativos para fins de avaliação de uma determinada atividade econômica. Isso aparentemente não impede que, ao tempo do protocolo de pedido de exportação, o sujeito interessado diligencie o cumprimento das condicionantes para obtenção do documento. O marco temporal para exame do
tempus regit actum
consiste, em princípio, na data do protocolo do pedido de licença, e não a data de aquisição de madeiras.
Em outras palavras, caso alguém tenha adquirido madeiras com determinada perspectiva de ganho na sua comercialização e tenha decidido mantê-la por razoável período em seus estoques não poderá invocar a aplicação das normas porventura vigentes ao tempo da aquisição. O exame dos requisitos deve ser promovido tendo em conta a data do protocolo do pedido de licenciamento, até porque sabidamente não há direito adquirido à preservação de um específico regime jurídico.
Embargos de declaração no recurso extraordinário com agravo. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, nos termos do art. 1.024, § 3º, CPC . 2. Direito Administrativo. 3. Escrevente notarial . Ausência de direito adquirido a regime jurídico. 4. Aposentadoria. Reajuste dos proventos com base no salário mínimo . Impossibilidade. Manutenção de alíquota de contribuição.
Inexistência de direito adquirido a regime jurídico
. 5 . O STF, ao apreciar a ADI 4.420, não analisou a matéria sob a ótica da vinculação ao salário mínimo ou da manutenção da alíquota da contribuição previdenciária. Precedentes de ambas as Turmas. 6 . Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (STF - ARE: 1471344 SP, Relator.: Min . GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09/04/2024, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17-04-2024 PUBLIC 18-04-2024)
Assim, o exame da cogitada aplicação retroativa da legislação federal - e dos precedentes do STF que a tenham interpretado (art. 927, CPC) - de ser avaliada a partir dessa definição do marco temporal (data do protocolo do pedido de licenciamento). Por outro lado, em princípio, a empresa impetrante não pode ser prejudicada pelo não cumprimento de requisitos insuscetíveis de controle de sua parte. Ou seja, caso não lhe fosse dado, de fato, informar a documentação em causa junto ao SINAFLOR, ela não poderá ser prejudicada pelo fato de o Estado-membro respeito ter deixado de aderir ao sistema.
Esse é, a rigor, o argumento mais denso
.
Com efeito, note-se que, em determinados contextos, os sujeitos podem ser condenados à reparação de danos causados por terceiros. Isso se dá quando em causa a aplicação do art. 932, Código Civil, e também se dá na temática ambiental, diante da natureza
propter rem
desta obrigação de restauração do
status quo ante,
conforme
tema repetitivo 1.024, STJ
.
Por outro lado, quando em causa a imputação da prática de infrações à legislação, eventual sanção apenas pode ser cominada ao infrator - seja por comissão, seja por omissão -, na forma da legislação, sob pena de violação ao postulado da intranscendência, previsto no art. 5, XLV, Constituição, também aplicável ao processo administrativo sancionador. Importa dizer: conquanto haja responsabilização objetiva (dever de reparar danos), não se admite punições objetivas, eis que a sanção apenas pode ser cominada quando tenha sido cometida uma infração, dolosa ou imprudente, conforme o caso.
De todo modo, na espécie, não se cuida, a rigor, de uma imputação da prática de ilícito. A Administração Pública indeferiu o pedido de licença promovido pela impetrante, ao argumento de que os documentos por ela apresentados não teriam sido registrados junto ao SINAFLOR.
Como anotei acima, é fato que, no âmbito das arguições de descumprimento de preceito fundamental ADPFs 743 e 760, sob apreciação do Supremo Tribunal Federal, registrou-se a necessidade incontornável de que os sistemas estaduais sejam vinculados ao SINAFLOR. A tanto acorre, ademais, a Instrução Normativa IBAMA 19, de 8 de novembro de 2024 , cujo art. 72-A, § 4º preconizou:
"
As autorizações previstas no art. 17 deverão ser incluídas no Sinaflor, independentemente de ocorrer o aproveitamento de produto florestal
. (...) § 4º As autorizações cujos dados que deixarem de ser informados parcial ou totalmente, ou ainda informados erroneamente no Sinaflor serão consideradas inválidas para todos os efeitos."
Cuida-se, porém, de obrigação cujo cumprimento depende da atividade dos Estados-membros. Não há como a impetrante promover aludida inclusão sem que os Estados de origem da madeira viabilizem a confluência dos seus sistemas eletrônicos. A autoridade impetrada não chegou a impugnar a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, quando sustentou que os Estados-membros, de origem da madeira, estariam se recusando a aderir ao SINAFLOR.
Segundo a peça de informações,
"Ocorre que a emissão da AUTEX 2608/2018 se deu pelo sistema florestal estadual. Tal autorização, por não estar integrada no sistema federal, o SINAFLOR, não apresenta as informações que são essenciais para a devida análise da legalidade da exploração da madeira. Não é possível consultar o inventário florestal que precedeu a autorização, assim como a poligonal da área onde a exploração foi autorizada. Também não há como consultar os volumes de créditos emitidos pelo sistema, nem sua data de emissão, tampouco o volume restante do empreendimento. Tais informações são essenciais para a análise de cadeia de custódia e por consequência para a comprovação da origem legal da madeira."
Não está em causa o relevo do SINAFLOR e sua destacada importância para constituição de um sistema integrado que viabilize efetivo controle do fluxo de produtos florestais, notadamente em um país que desmata sem limites suas florestas
. A questão tem sido verbalizada pela Suprema Corte, nas demandas já aludidas; ademais, tópicos acima evidenciaram a relevância do assunto. O ponto não está, portanto, de forma alguma no reconhecimento da necessidade de que tais operações sejam cadastradas junto ao referido sistema.
No caso, porém, a impetrante parece ter razão no que alega
. Afinal de contas, ela parece ter atuado com boa-fé, ao adquirir produto atentando para as regras aplicadas no âmbito da origem da madeira. Não se pode atribuir aos sujeitos os custos decorrentes da omissão dos Estados da Federação. A vingar a premissa em que se fundamenta o IBAMA, todos os empreendedores de tais Estados - Mato Grosso e Pará - restariam impedidos de negociarem produtos que houvessem sido validamente obtidos. Isso implicaria afronta à livre iniciativa. Reitero, não se pode atribuir à empresa impetrante a responsabilidade pela ausência de vinculação do Estado-membro ao referido sistema, dado não dispor de meios para forçá-los a isso. Se sequer a União, com seu poder burocrático, logrou êxito, até o momento, para assegurar aludida vinculação, não há como exigir isso da impetrante. Tampouco há lastro para se argumentar que a empresa deveria restar impedida de adquirir o produto florestal seguindo as regras então vigentes no âmbito dos referidos Estados, componentes da Federação.
Não se pode exigir dos particulares que desconfiem que o Estado - e o Estado não é apenas a União e suas autarquias! - não conhecem a legislação que aplicam
. Dado que ela aparentemente respeitou aludidas regras, a omissão dos Estados-membros em promover aludida medida de confluência dos sistemas de controle deve ser cobrada junto aos seus goverantes e demais autoridantes envolvidas. Não se alegou e tampouco se demonstrou que a impetrante esteja atuando de má-fé, que tenha se amparado em documentos contrafeitos ou inválidos de alguma outra ordem.
Sem dúvida que devoto a maior preocupação com a origem da madeira, até porque o controle insuficiente pode contribuir para desmatamento e para toda sorte de desmandos ambientais
. É inconcebível que apenas agora, décadas depois da possibilidade de se constituir bancos de dados conglobantes, que tal sistema único esteja sendo viabilizado. De todo modo, em que pese essa
salutar preocupação com a questão ambiental
- norte que deve guiar as decisões judiciais na temática -, é fato que, no caso, a solução divisada pelo IBAMA se revela injusta, por afrontar a boa-fé da demandada, atribuindo-lhe a violaçâo de um dever que não era seu, eis que incumbia à autoridade estatal promover aludida medida de adesão ao SINAFLOR, tema sob discussão junto ao STF.
Reitero que solução diversa pode condenar à inatividade empresas que, seguindo a legislação, tenham adquirido produto florestal e apenas não tenham conseguido o registro junto ao SINAFLOR por conta da impossibilidade de fazê-lo
, diante da omissão do Estado-membro. Sabe-se que
ad impossibilia nem tenetur.
Ninguém pode ser obrigado a efetivar o inviável e o impossível. Pesa, enfim, o respeito à boa-fé da impetrante - a ser presumida, salvo demonstração de eventual mendacidade. Levo em conta o postulado da livre iniciativa, verbalizado pelo art. 170, Constituição, e o respeito à boa-fé objetiva.
A empresa sustentou não ter dado causa ao motivo invocado para indeferimento do pedido de licença. O IBAMA sustentou que o equívoco estaria na aquisição da madeira em um Estado ainda não vinculado ao SINAFLOR.
Contudo, na medida em que se cuidava de atos oficiais do Estado-membro, reitero que os prejuízos decorrentes da má gestão da unidade da Federação não podem ser suportados pela demandante
.
2.29. Deferimento parcial do pedido de liminar:
Reputo, porém, ser adequado determinar que o IBAMA promova nova análise dos pedidos de licenciamento - mencionados em ambos os mandados de segurança em exame -, se abstendo de recusá-lo por conta da ausência de veiculação de documents pelo SINAFLOR
.
Isso não impede que o IBAMA promova o indeferimento da medida, contanto que haja argumentos e lastro documento para tanto, quanto a alguma outra questão, distinta do tema aqui debatido.
Tenho em conta, é fato, a teoria dos motivos determinantes, verbalizada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
É fato que, na contemporaneidade, alguns autores têm criticado referida teoria, como bem ilustra a seguinte lição de Marçal Justen Filho:
"A teoria dos motivos determinantes estabelece que o agente administrativo se vincula à motivação adotada, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada. Essa teoria deve ser reputada como ultrapassada, não se prestando mais ao controle de validade dos atos administrativos. Foi desenvolvida nos primórdios do direito administrativo, quando ainda não se delineara de modo perfeito a distinção entre autonomia de vontade privada e vontade funcionalizada própria do direito administrativo. Mais ainda, era um instrumento de controle construído em vista de certa concepção de discricionariedade.
A afirmação pelo agente de que atuou fundado em determinados motivos não produz efeitos vinculantes para fins de controle. Pode evidenciar-se a existência de motivos ocultos ou disfarçados. Mas não há impedimento a que a Administração Pública evidencie, posteriormente, que o ato se fundou em outros motivos, que justificavam adequadamente a decisão adotada. A equivocada indicação do motivo é uma falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com a observância de um procedimento democrático
." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 264)
Em que pese a densidade da crítica de Marçal Justen Filho, essa teoria ainda exerce salutar função democrática, ao viabilizar, por vias oblíquas, o dever de fundamentação do ato administrativo. Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109). Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. Rio de Jandiro: Forense, 2005, p. 191).
De toda sorte, no caso em exame, discute-se questão ambiental, em cujo âmbito a invocação automática da teoria dos motivos determinantes deve ser examinada com reservas. Deve-se atentar para o postulado da precaução; ademais, não há direito adquirido a poluir. Logo, o exame dos requisitos para a licença devem ser apreciados com circunspeção
.
Na situação debatida nestes autos, aparentemente o indeferimento do pedido de licença de exportação foi promovido por conta da ausência de registro junto ao SINAFLOR, da documentação pertinente. Aparentemente, os demais requisitos não chegaram a ser conferidos no âmbito administrativo
. Estipulo o prazo de 10 (dez) dias úteis para que aludido exame seja promovido, de modo motivado.
2.30. Cominação de multas-diárias:
Os Tribunais têm reputado cabível a cominação de multas-diárias, no âmbito do mandado de segurança, mediante aplicação do art. 537, Código de Processo Civil.
"Admite-se a aplicação de multa diária em caso de descumprimento de obrigação de fazer fixada no âmbito do mandado de segurança. A "astreinte" - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, seu destinatário a cumprir a decisão atacada e só será cobrada se o "decisum" não for observado - Havendo razoabilidade no valor da multa, reduzido pelo juízo de origem, e ausente justa causa para o descumprimento da ordem judicial, sobre a qual o executado foi intimado pessoalmente, não há que se falar em nova redução (...)"
(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 33701391020238130000 1 .0000.23.337012-1/001, Relator.: Des.(a) Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 04/07/2024, 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 05/07/2024)
Arbitro multa de R$ 200,00 - duzentos reais, para cada dia de descumprimento injustificado da liminar. Cominada multa, resta afastada a viabilidade de imputação da prática de crime de desobediência.
"O crime de desobediência, entretanto, não ficou configurado, pois firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há o crime de desobediência se para o descumprimento da ordem legal já há previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, salvo se há expressa admissibilidade da cumulação das sanções extrapenal e penal."
(ACR 0016055-73.2015.4.01.3900, DES. FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 09/12/2020 PAG.)
Caso se faça necessário, a multa poderá ser majorada, na forma do art. 537, CPC, dado o seu caráter modulável. Em casos extremos, persistindo o descumprimento da decisão, a medida poderá ser orientada ao patrimônio do servidor porventura responsável pelo inadimplemento, viabilizando-se sua manifestação nos autos a respeito do tema. Sendo cominada e paga, haverá de ser destinada a favor da empresa impetrante, na forma do art. 537, §2, CPC. Em tal caso, deverá ser paga de modo atualizado, conforme variação da taxa SELIC, com termo inicial na data em que a multa teria se tornado devida e termo final na data do efetivo pagamento. Não estando definida a variação da SELIC no mês de pagamento, deverá ser aplicado 1% (um por cento) ao mês, de modo linear e
pro rata die,
a título de correção monetária. Não incidem juros moratórios sobre aludida multa, dado que isso configuraria
bis in idem,
eis que ela já é mecanismo dissuasório do atraso.
Anoto ainda que a fixação das
astreintes
não gera preclusão
pro iudicato,
eis que, em determinados contextos, contanto que a liminar reste cumprida, aludido crédito pode ser reduzido ou mesmo cancelado, dado que se trata de medida de inibição do inadimplemento. De todo modo, como regra, há de prevalecer sua plena eficácia, sob pena de supressão da efetividade das ordens judiciais ao longo do tempo.
Acresento que a cobrança de
astreintes
apenas pode ser promovida depois de eventual confirmação da liminar em sentença (STJ - EAREsp: 513829, Relator.: LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: 05/06/2015).
III - EM CONCLUSÃO
3.1. REPORTO-ME ao despacho anteriormente prolatado neste processo, no que toca aos pressupostos processuais e condições para válido exercício do direito de ação.
3.2. APRECIAREI em sentença a questão concernente à atribuição de valor à causa. Por ora, com cognição precária, o montante indicado pela empresa impetrante parece escorreito.
3.3. DEFIRO parte do pedido de antecipação de tutela, no que toca a ambos os processos, reunidos por conexão.
3.4. DETERMINO que a autoridade impetrada promova nova apreciação do pedido de licença discutido em ambos os mandados de segurança, devendo se abster de indeferiro pleito ao argumento de faltar a veiculação dos documentos pelo SINAFLOR.
3.5. ENFATIZO, portanto, que a autoridade administrativa haverá de apreciar os demais requisitos administrativos para o deferimento da licença ambiental, com destaque para análise da cadeia de custódia da documentação de origem florestal. Estipulo o prazo de 10 (dez) dias úteis, contados da notificação, para que a medida seja apreciada.
3.6. COMINO a multa de R$ 200,00 (duzentos reais) para cada dia de atraso no cumprimento desta deliberação, sem prejuízo de eventual majoração, caso se faça necessário.
3.7. REGISTRO que detalhei no tópico 2.30 deste despacho as regras concernentes à eventual cobrança das
astreintes
nesta demanda.
3.8. NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada a respeito desta deliberação, na forma do art. 5, §5, da lei n. 11.419/2006. Registro ser dado à parte impetrante promover referida notificação por meio do(a) seu(sua) advogado(a) constituído nos autos, conforme art. 269, §1, CPC.
3.9. ANOTO que a impetrante deverá informar nos autos, com urgência, no resultado da aludida apreciação por parte do IBAMA, para os fins pertinentes.
3.10. INTIME-SE o MPF, em ambas as demandas, tão logo seja comunicado nos autos o resultado da apreciação do IBAMA a respeito da aludida questão para, querendo, apresentar parecer no prazo de 10 dias úteis, contados da intimação, conforme art. 12, LMS.
3.11. VOLTEM-ME conclusos para prolação da sentença, oportunamente, caso acorra aos autos o parecer do MPF ou se esgote o prazo para tanto conferido.
3.12. ANOTO que cópia desta deliberação será juntada nos autos do processo conexo.
3.13. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
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