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Anderson Andre Goncalves
OAB/RS 91.622
ANDERSON ANDRE GONCALVES consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
Jari Santos Silva
Envolvido
JARI SANTOS SILVA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 338322239
Tribunal: TRF4
Órgão: 1ª Vara Federal de Caxias do Sul
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5000711-47.2025.4.04.7128
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JANAINA DE OLIVEIRA MISSAGLIA
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5000711-47.2025.4.04.7128/RS
AUTOR
: NEIVA DE FATIMA DA SILVA RAMOS
ADVOGADO(A)
: Janaina de Oliveira Missaglia (OAB RS057815)
ATO ORDINATÓRIO
Considerando …
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Processo nº 5009410-90.2025.4.04.7107
ID: 339182358
Tribunal: TRF4
Órgão: 2ª Vara Federal de Caxias do Sul
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5009410-90.2025.4.04.7107
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DENIS JORGE ACCO
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5009410-90.2025.4.04.7107/RS
AUTOR
: PAULO GIOVANI CANTARELLI
ADVOGADO(A)
: DENIS JORGE ACCO (OAB RS011336)
ATO ORDINATÓRIO
Considerando o disposto no artig…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5009410-90.2025.4.04.7107/RS
AUTOR
: PAULO GIOVANI CANTARELLI
ADVOGADO(A)
: DENIS JORGE ACCO (OAB RS011336)
ATO ORDINATÓRIO
Considerando o disposto no artigo 221 da Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região, estabelecida pelo Provimento nº 62, de 13 de junho de 2017, e por ordem dos magistrados desta Unidade Judiciária:
LINK PARA O FORMULÁRIO REFERIDO NO ITEM 3 DO PRESENTE ATO ORDINATÓRIO:
FORMULÁRIO PARA ADITAMENTO À INICIAL
O presente ATO ORDINATÓRIO é expedido de forma AUTOMÁTICA no processo (
automatização de movimentação a partir do assunto cadastrado no ajuizamento)
com o escopo de propiciar maior celeridade processual, fundado
no princípio colaborativo
, expressamente previsto no art. 6º do Código de Processo Civil, que dispõe que
todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Ademais, o
princípio da eficiência
, recepcionado no art. 8º do mesmo Código, impõe ao juiz que impulsione o processo de modo eficiente, ou seja, promova a prestação jurisdicional adequada no prazo mais célere possível, emitindo, por exemplo, o menor número possível de atos processuais.
A gestão diária dos processos revela acúmulo de petições iniciais para exame de admissão por conta de suas insuficientes ou deficientes instruções, retardo que vem em prejuízo não apenas daquele processo em exame, mas também de todos os demais, pois toma tempo adicional dos servidores e juízes, pela edição e reiteração de atos judiciais com solicitações de complementos de documentos e informações.
Assim, fundado no sucesso de experiências anteriores, nesta e em outras unidades jurisdicionais, emite-se o presente ato de modo automatizado com vistas a antecipar medidas saneadoras da petição inicial que irão facilitar e abreviar seus exames de admissão, com ganho significativo de tempo cartorial e dos juízes, ampliando a produção de todos e resultando na entrega mais célere da prestação jurisdicional.
Fica, portanto, a parte autora intimada dos principais pressupostos para prosseguimento desta ação, com base no entendimento dos juízes federais desta Unidade Judiciária.
1. Dos documentos gerais necessários à instrução processual:
1.1 Devem instruir a ação:
a)
procuração;
b) declaração de pobreza
firmada pela parte autora (
em caso de requerimento de gratuidade da justiça
);
c) documento de identificação com foto
(
com assinatura, de forma a permitir a conferência daquela aposta na procuração e na declaração de hipossuficiência
);
d) comprovante de endereço
atualizado
(
conta de água, luz, telefone, contrato de locação preferencialmente em seu nome, ou em nome de terceiro, sendo que, nesse caso, deverá haver declaração por escrito do titular do comprovante informando que o(a) demandante reside no endereço
);
e)
íntegra da carteira de trabalho (CTPS);
f)
memória do cálculo
(
que conduza à apuração do valor atribuído à causa, inclusive quanto ao valor da RMI empregada
),
ou
, alternativamente ao cálculo do valor da causa,
renúncia expressa ao valor excedente a 60 (sessenta) salários mínimos à data do ajuizamento da ação
-
sendo que, nesse caso, a renúncia abrangerá a soma das parcelas vencidas com 12 (doze) vincendas, conforme o disposto no artigo 292, §1º e §2º, do Código de Processo Civil. Esta poderá ser firmada pelo(a) próprio(a) autor(a) ou por meio do advogado, desde que a ele outorgados
expressamente
poderes específicos para renúncia ao teto dos Juizados Especiais Federais
.
A parte autora poderá utilizar as planilhas disponibilizadas no site da Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (cálculos judiciais),
bem como deverá diligenciar junto ao INSS os elementos necessários para a realização do cálculo (dados do CNIS ou INFBEN), uma vez que este Juizado não os fornece
(já que definidor da competência para processamento da ação);
g) contrato de honorários
(caso o procurador pretenda ver destacados os honorários por ocasião da requisição do pagamento, em caso de procedência do pedido);
h) íntegra do processo administrativo
.
Desta forma, caso o processo não esteja suficientemente instruído com a documentação acima referida a parte autora deverá providenciar na respectiva juntada aos autos.
1.2 Advertência de ordem geral
Por conta de inúmeros episódios registrados em processos desta Vara, e em razão da potencial gravidade das consequências que podem advir destes registros, cumpre ao juízo lançar
advertência de ordem geral às partes e seus procuradores, alertando-os quanto à exigência de idoneidade formal e material da documentação que eventualmente juntem ao processo
para a realização de saques bancários, levantamentos de valores por precatórios/RPV's ou separação de quantia para atender em separado da conta principal o pagamento de honorários contratados com seu advogado.
É que, havendo dúvida do juízo quanto à veracidade material ou formal do documento, notadamente a assinatura da parte em procuração ou contrato de honorários, que evidentemente não pode ser fruto de mera colagem da firma extraída de outro documento, deverão ser apresentados os documentos originais juntados digitalmente, cuja manutenção da guarda é dever do advogado, os quais, se não apresentados no prazo assinado, não importa a justificativa dada para tanto,
obriga o juízo a oficiar ao Ministério Público para que aquela autoridade, se assim entender, promova a apuração dos crimes de falsidade ideológica e/ou material, os quais são de mera conduta, dispensando o resultado (CPP, Art. 40)
.
Roga-se às partes e seus procuradores, portanto, especial cuidado com esta situação.
1.3 Segredo de Justiça
Quanto à atribuição de SEGREDO DE JUSTIÇA ao feito, vale destacar a necessidade de seu expresso e fundamentado requerimento, bem como do deferimento pelo juiz, uma vez que a regra é a publicidade dos atos processuais. A atribuição de sigilo ao processo ou a seus arquivos é um instrumento que permite uma limitação à regra geral da publicidade ao processo, cuja aplicação deve respeitar os pressupostos do art. 189 do CPC.
Esclarecendo tal aplicação, o art. 20 da Resolução nº 17/2010 do TRF da 4ª Região, assim dispõe:
Art. 19 A consulta aos eventos e decisões judiciais será pública e independerá de prévio credenciamento, sem prejuízo do atendimento nas secretarias processantes.
§ 1° As peças e documentos enviados pelos usuários externos serão acessíveis apenas aos que forem credenciados no e-Proc para o respectivo processo e ao Ministério Público.
§ 2° As partes não credenciadas como usuários poderão ter acesso aos documentos do processo, mediante a utilização de chave específica, informada por seus advogados, ou pela secretaria, após identificação presencial.
§ 3º Qualquer pessoa poderá requerer consulta aos autos, juntando petição diretamente no e-Proc, situação em que será fornecida chave específica para consulta, após autorização do juiz do feito.
§ 4º Os processos protegidos por sigilo ou segredo de justiça não serão acessíveis por meio de consulta pública.
Com efeito, o acesso às peças ou documentos acostados aos autos reclama o prévio credenciamento ao sistema, o que diminui sensivelmente o risco de sua indevida exposição e, nesta senda, para que seja deferido o segredo de justiça, a hipótese deverá estar dentre as previsões legais de mitigação ao princípio da publicidade processual.
Registre-se que a falta de requerimento expresso da atribuição de segredo de justiça ensejará a desmarcação de tal condição, exceto no que pertine a dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade ou de obrigatoriedade de preservação do sigilo, conforme disposições da Lei nº 14.289/2022.
2. Da prova:
2.1. Documentação necessária para
comprovação das alegações sobre TEMPO ESPECIAL
, conforme detalhamento abaixo:
a)
Para os períodos até 28/04/1995: I - atividades enquadradas nos Decretos n.ºs 53.381/64 e 83.030/79: CTPS, ficha funcional ou outro documento que comprove o desenvolvimento da atividade; II - atividades sujeitas a agentes nocivos: CTPS e formulários SB-40/DSS-8030/DIRBEN-8030, ou PPP; III - atividades sujeitas a ruído, calor ou outro agente que dependesse de apuração técnica: CTPS, formulários SB-40/DSS-8030/DIRBEN-8030, ou PPP, e laudo técnico de condições ambientais de trabalho.
b)
Para os períodos entre 29/04/1995 e 05/03/1997: I - atividades sujeitas a agentes nocivos: CTPS e formulários SB-40/DSS-8030/DIRBEN-8030, ou PPP; II - atividades sujeitas a ruído, calor ou outro agente que dependesse de apuração técnica: CTPS, formulários SB-40/DSS-8030/DIRBEN-8030, ou PPP, e laudo técnico de condições ambientais de trabalho.
c)
Para os períodos entre 06/03/1997 e 02/12/1998: CTPS, formulários DSS-8030/DIRBEN-8030/SB-40, ou PPP, e laudo técnico de condições ambientais de trabalho.
d)
Para os períodos entre 03/12/1998 e 31/12/2003: CTPS, formulários DSS-8030/DIRBEN-8030/SB-40, ou PPP, e laudo técnico de condições ambientais de trabalho. Em havendo questionamento sobre EPIs consignados em tais documentos como eficazes, também recibos de recebimento dos equipamentos e documentação a respeito de treinamento e fiscalização do seu uso, ou prova de que inexistem ou de que a empresa se negou a fornecê-los.
e)
Para os períodos a partir de 01/01/2004: CTPS, formulário PPP e, preferencialmente, laudo técnico de condições ambientais de trabalho, já que, diversas vezes, os formulários não são suficientemente preenchidos (com informação do responsável técnico e com esclarecimento sobre a forma de exposição a eventuais agentes nocivos - registrando a média ou a habitualidade e permanência), sendo que a apresentação de PPP insuficiente pode acarretar a improcedência do pedido. Em havendo questionamento sobre EPIs consignados em tais documentos como eficazes, também recibos de recebimento dos equipamentos e documentação a respeito de treinamento e fiscalização do seu uso, ou prova de que inexistem ou de que a empresa se negou a fornecê-los.
f)
Aplicam-se, ainda, as seguintes orientações:
- Inexistindo, comprovadamente, laudo técnico de condições ambientais de trabalho contemporâneos à prestação do labor, pode ser apresentado o documento atual da empresa ou, ainda, laudos técnico-periciais elaborados em reclamatória trabalhista movida pelo próprio segurado (autor da ação) contra o empregador ou emitidos por determinação da Justiça do Trabalho em acordos ou dissídios coletivos.
- A prova documental materializada no formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais (DIRBEN-8030/DSS-8030/SB-40/PPP) é aquela emitida pela empresa ou seu preposto, cujos poderes deverão estar devidamente comprovados, e que descreva o local onde foram realizados os serviços, as atividades executadas pelo segurado e os agentes nocivos ou os produtos químicos manipulados, com a explicitação do órgão emissor (com CNPJ/CGC da empresa ou matrícula no INSS e local, data, assinatura, identidade e qualificação do responsável).
- Tratando-se de empresa extinta ou inativa, e não dispondo o segurado do formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais devidamente preenchido, resta dispensada a apresentação do documento, não sendo aceito como prova válida aquele preenchido pelo sindicato ou pelo síndico de massa falida apenas com base em informações prestadas pelo próprio segurado ou em sua CTPS, por estar em desacordo com a legislação (artigo 58, § 1º, da Lei n.º 8.213/1991 c/c artigos 162 da Instrução Normativa n.º 118/2005 e n.º 20/2007 e artigo 260 da Instrução Normativa n.º 77/2015 do INSS). Na hipótese de extinção ou inatividade da empresa, o autor poderá juntar laudo de perícia realizada em estabelecimento similar ou laudo de condições ambientais de trabalho referente a empresa similar, desde que comprovada documentalmente nos autos - ou evidenciada por início de prova material, confirmada por prova testemunhal - a função efetivamente desempenhada pelo segurado na empresa extinta, o setor em que trabalhava e/ou o equipamento que manuseava, de modo a propiciar a verificação da correlação entre sua profissão, cargo ou especialidade e a(s) atividade(s) da empresa periciada. A inatividade da empresa, salvo se notória (artigo 374,I, do CPC), deve ser comprovada mediante apresentação de documento hábil emitido pela Junta Comercial, pela Receita Federal ou por outro órgão da Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal ou do Poder Judiciário.
- Com relação aos períodos laborados a partir de 19/11/2003, em que se pretende o reconhecimento da especialidade do trabalho em face da exposição ao ruído, aplica-se a tese jurídica firmada no Tema 174 da TNU: (a) "A partir de 19 de novembro de 2003, para a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma"; (b) "Em caso de omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada na medição, bem como a respectiva norma".
Para viabilizar o atendimento desta decisão, fica desde logo determinado
à(s) empresa(s)
em que a parte autora trabalhou, caso ainda não o tenha(m) feito, que, mediante apresentação deste ato, forneça diretamente à parte ou diretamente no processo eletrônico (por meio do advogado da empresa) referidos formulários, laudos (podendo os laudos ser atuais ou mais recentes que o período de labor em caso de inexistência de laudos contemporâneos) e comprovantes de fornecimento e treinamento de EPIs, ou, ainda, informem motivadamente eventual impossibilidade de fornecimento. Vale destacar que, conforme artigos 378 e 380 do CPC/2015, “
ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”
e
“Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa: I - informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento; II - exibir coisa ou documento que esteja em seu poder. Parágrafo único. Poderá o juiz, em caso de descumprimento, determinar, além da imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias”.
Nessa senda, vale referir, por oportuno, que é do conhecimento do Juízo que muitas empresas, por cautela ou razões de segurança, não fornecem laudos diretamente às partes, promovendo o seu encaminhamento para o e-mail institucional desta Vara Federal. Advirta-se, no entanto, que caso a empresa se recuse a fornecer a documentação à parte, deverá
ela própria
promover a sua juntada diretamente no processo eletrônico em referência,
por meio de procurador habilitado
, diante da previsão do art. 246, § 1º, do CPC, no sentido de que
“com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas
são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos
, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio”
. Vale dizer, se a empresa optar por não fazer a entrega da documentação à parte deverá promover sua juntada diretamente nos autos, e não mediante encaminhamento ao endereço eletrônico desta Unidade Judiciária,
sob pena de desobediência
. A Secretaria está autorizada a
devolver
eventual documentação que desatenda tal ordem, mediante certificação nos autos, ficando a empresa ciente de que o descumprimento poderá ensejar sanção civil e penal, na forma dos artigos 378 e 380 do Código de Processo Civil e 330 do Código Penal Brasileiro.
2.2 Documentação necessária para
comprovação das alegações sobre TEMPO RURAL
, conforme detalhamento abaixo:
a)
Para análise do pedido de reconhecimento de tempo de serviço rural em regime de economia familiar o processo deverá ser instruído com documento em nome do segurado ou genitor/cônjuge/irmãos que comprove o exercício de atividade rural em regime de economia familiar (sem auxílio de empregados), como, por exemplo:
b) Certidão do INCRA;
c) Certidão de casamento, onde conste qualificação como “agricultor”;
d) Certidão de nascimento dos filhos onde conste como qualificação “agricultor”;
e) Título eleitoral onde conste como qualificação “agricultor”;
f) Cópia de Carteira de Trabalho e Previdência Social com contrato na função de
trabalhador rural;
g) Certificado de reservista onde conste como qualificação “agricultor”;
h) Contrato de arrendamento rural;
i) Escritura pública de compra e venda de imóvel rural;
j) Cópia da matrícula do imóvel rural;
l) Ficha ou carteira de associado junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais;
m) Notas de Produtor Rural;
n) Guias de Recolhimento de Imposto Territorial Rural;
o) Certificado de conclusão do curso primário ou histórico escolar;
p) Fotografias;
q) Justificação administrativa e/ou entrevista rural;
b)
Com o advento da MP n. 871, de 18/01/2019, convertida na Lei n. 13.846, de 18/06/2019, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei n. 8.213/91,
a comprovação da atividade do segurado especial passa a ser determinada por intermédio de
autodeclaração
, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às bases governamentais.
Desse modo, se ainda não constar dos autos, deverá ser preenchido o formulário de Autodeclaração do Segurado Especial Rural, disponível no seguinte link:
https://www.gov.br/inss/pt-br/centrais-de-conteudo/formularios/Anexo_I___Autodeclaracao_do_Segurado_Especial_Rural.pdf
;
Observe a parte autora que é necessário o preenchimento de uma autodeclaração correspondente a cada grupo familiar trabalhado no período. Se, por exemplo, a parte autora iniciou a atividade rural pretendida no processo em grupo familiar composto com seus pais e após casar passou a trabalhar em outro grupo familiar composto por sua nova família (esposa ou marido), será necessário o preenchimento de duas autodeclarações.
A autodeclaração, devidamente assinada pelo segurado, deverá conter:
- dados do segurado (Nome, Filiação, CPF, RG, domicílio atual);
- a forma que exerce ou exerceu a atividade de segurado especial, se exerceu atividade em regime de economia familiar como titular ou componente - neste caso, indicar dados dos componentes do grupo familiar (nome, data de nascimento, nome da mãe);
- narrativa dos fatos pertinentes para a comprovação do período controvertido, período, detalhes sobre a natureza da atividade desempenhada, endereço do imóvel, registro ITR (se possuir), nome do proprietário (se for o caso), área total do imóvel, se possui empregados ou prestador de serviço, nome e endereço dos vizinhos;
- marca, modelo e espécie de equipamento utilizados, tipo de cultura realizada ou criação de animais, quais os locais onde comercializa a produção, se houve processo de beneficiamento/industrialização artesanal sem incidência de IPI;
- informação sobre se já está/esteve afastado da atividade rural, se mora/morou em lugar diverso do meio rural, se exerce/exerceu outras atividades e se recebe/recebeu outras rendas, se participa/participou de plano de previdência complementar, cooperativa, se possui outro imóvel urbano ou rural.
2.3 Documentação necessária para análise do pedido de concessão/revisão de benefício com inclusão/retificação de tempo de contribuição e/ou verbas remuneratórias reconhecidas em ação trabalhista:
Deverá juntar a
íntegra
dos autos da(s)
reclamatória(s)
trabalhista(s)
(petição inicial e documentos que instruíram a peça exordial, sentença, acórdão, trânsito em julgado, cálculos de liquidação, decisão que homologa os cálculos de liquidação e comprovante de recolhimentos previdenciários).
3. Do aditamento à inicial exigido para o prosseguimento deste processo
De posse de toda a documentação necessária ao prosseguimento deste processo, a parte autora deverá apresentar o
FORMULÁRIO DISPONÍVEL NESTE LINK
,
que deverá ser juntado aos autos por meio da movimentação processual com a utilização do tipo de petição
"PETIÇÃO - EMENDA À INICIAL"
e com a escolha do tipo de documento
"EMENDA À INICIAL"
com os campos devidamente preenchidos.
O referido formulário deverá ser preenchido com absoluta correção e fidelidade ao pleito pretendido pela parte requerente, uma vez que orientará, a partir de sua apresentação, o rumo do processo. Significa dizer que a análise do pedido se pautará no formulário e não mais à vista da petição inicial apresentada, desconsiderando-se eventuais requerimentos dele divergentes formulados antes de tal aditamento. Frise-se que a petição inicial seguirá hígida em seus termos, notadamente por conter os fundamentos que embasam o pedido da parte autora.
A medida é proposta no intuito de padronizar a rotina de exame da petição inicial. Com a padronização obtida pelo preenchimento do formulário, poder-se-á destacar força de trabalho em Secretaria especialmente dedicada a esta tarefa, o que certamente colaborará para o incremento da atividade, já que um maior número de petições iniciais poderão ser apreciadas no mesmo tempo. Consequentemente, haverá a redução do tempo de tramitação de cada processo ajuizado.
3.1 Projeto da Tramitação Ágil das Aposentadorias lançado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Alternativamente à apresentação do formulário disponibilizado por esta Unidade,
conforme item anterior
, a parte poderá aderir ao
Projeto da Tramitação Ágil das Aposentadorias lançado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região
, já integrado ao sistema de processo eletrônico, que emprega dados estruturados para geração de um Painel Previdenciário no sistema e-Proc.
Para que o novo formato seja efetivo é indispensável que os dados necessários à formação do Painel Previdenciário sejam adequadamente inseridos no sistema. Portanto, a parte autora deverá preencher os metadados relativos ao pedido diretamente no e-Proc.
Um tutorial detalhado está disponível
clicando-se aqui
para auxiliar no entendimento visual e detalhado do processo.
4. Prazo para apresentação do aditamento à inicial
Intima-se a parte autora acerca deste ato ordinatório com prazo de
10 (dez) dias.
No entanto, fica desde já autorizada a Secretaria a deferir eventual pedido de dilação de prazo formulado pela parte autora em até 30 (trinta) dias, renováveis, notadamente nos casos em que houver necessidade de busca por novos documentos. Desta forma, mediante prévio requerimento, o prazo poderá ser dilatado mediante simples intimação, sem a necessidade de expedição de novo ato ordinatório.
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Processo nº 5016351-86.2025.4.04.7000
ID: 272713830
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5016351-86.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANILO CASAGRANDE MONTEIRO
OAB/PR XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5016351-86.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: ENRICO GUARNIERI
ADVOGADO(A)
: DANILO CASAGRANDE MONTEIRO (OAB PR091763)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Relatório do processo 5…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5016351-86.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: ENRICO GUARNIERI
ADVOGADO(A)
: DANILO CASAGRANDE MONTEIRO (OAB PR091763)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Relatório do processo 50014390320244047006:
Em 19 de fevereiro/2024,
ENRICO GUARNIERI
impetrou um mandado de segurança, em face do DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL DE GUARAPUAVA, pretendendo a declaração do alegado direito de permanecer em território brasileiro.
O impetrante disse ser cidadão italiano, tendo ingressado no Brasil em 29 de março/2012 e obtido sua inscrição no cadastro de pessoas físicas em 02 de abril/2012. Sustentou ter constituído família com a sra. Cleonice Dall'olivo, cidadã brasileira, com a qual teria tido um filho, nascido em 11 de janeiro/2014, e alegou que o prazo de validade do seu passaporte teria se esgotado em 08 de julho/2014.
Ele encontrar-se-ia trabalhando em território nacional, desde então, com o fim de assegurar o sustento de sua família. Sem poder obter qualquer outro documento pessoal emitido pela República Federativa do Brasil, ele teria buscado renovar seu passaporte, em 15 de junho/2015, todavia a tentativa teria sido frustrada pela ausência de certidão negativa de qualquer impedimento à renovação, exigida pelo Consulado da Itália e que não teria sido emitida a tempo do agendamento.
Teria enfrentado dificuldade no agendamento de data junto ao Consulado Italiano, conforme evidenciaria um e-mail datado de 27 de dezembro/2016. Ele teria buscado, em 11 de julho/2022, a conversão de naturalização provisória em definitiva, conforme processo administrativo n. 235881.0231115/2022 (24920953). Seu pleito teria sido indeferido, na medida em que não lhe teria sido concedida naturalização provisória. Ele também teria ingressado com processo judicial, eproc 5004262- 81.2023.4.04.7006/PR, que teria sido extinto por ausência de interesse. Em 11 de setembro/2023, o impetrante teria buscado junto ao Departamento da Policia Federal uma autorização de residência, sendo-lhe exigido um rol de documentos e preenchimento de formulário próprio.
A fim de reunir a documentação necessária para tanto, ele teria agendado um atendimento junto ao Consulado Italiano, em 12 de outubro/2023, ocasião em que lhe teria sido exigido o registro nacional de estrangeiro - RNE, a ser obtido junto ao Departamento da Polícia Federal. O impetrante sustentou que, ao ser atendido no consulado quase teria sido deportado, dada a irregularidade de sua situação no Brasil, mas diante da constituição de núcleo familiar, lhe teria sido oportunizada a atualização do passaporte italiano, para o que seria necessária autorização da Polícia Federal, mediante emissão do RNE. Por sua vez, a autoridade policial teria se recusado a expedir o RNE, uma vez que o passaporte do impetrante encontrar-se-ia vencido.
Segundo o demandante, a autoridade impetrada estaria lhe negando direito líquido e certo de permanecer em solo brasileiro ao negar a emissão do RNE. Ele postulou a concessão de medida liminar preventiva,
inaudita altera parte
, a fim de que o Poder Judiciário impeça eventual deportação. Detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 1.412,00, anexando documentos.
Deferi a medida liminar postulada, nos termos da decisão de evento 6, determinando que a il. autoridade impetrada se abstivesse de promover a deportação do impetrante, dado que ele teria filho brasileiro. O impetrado prestou informações no movimento 16, noticiando não ter sido instaurado qualquer procedimento de deportação em face do sr. Enrico, bem como que ele não teria apresentado até então qualquer documento de viagem válido.
O Ministério Público Federal manifestou-se favorável à concessão da ordem de segurança (evento19).
A União Federal manifestou-se no movimento 23, sustentando que o autor não teria demonstrado fazer jus à permanência em solo nacional, tampouco tendo demonstrado algum contexto de ilegalidade ou abuso de poder na imposição de multa por permanência em território brasileiro. Os autos vieram conclusos.
Prolatei sentença no evento 24 daqueles autos:
"3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento deste mandado de segurança. 3.2. ANOTO que as partes estão legitimadas para a causa e que o impetrante possui interesse processual. 3.3.
DESTACO que o direito à impetração do mandado de segurança não foi atingido pela decadência, no caso em análise
. 3.4.
CONHEÇO do mérito da pretensão deduzida na inicial e CONCEDO a segurança, nos termos da fundamentação acima. EXTINGO o processo com julgamento de mérito, na forma do art. 487, I, CPC
. 3.5.
RATIFICO a liminar deferida no evento 6 deste eproc
. 3.6. DEIXO de condenar a União Federal ao pagamento de honorários sucumbenciais, diante da regra do art. 25 da lei n. 012.016/2009 e súmulas 105, STJ e 512, STF. 3.7. ANOTO, ademais, cuidar-se de processo isento de custas, dada a gratuidade de justiça deferida ao impetrante.. 3.8. SUBMETO a presente causa ao reexame necessário, nos termos do art. 14, LMS."
O TRF4 ratificou a sentença, em acórdão com a seguinte ementa:
"ADMINISTRATIVO. IMIGRANTE. SITUAÇÃO IRREGULAR NO TERRITÓRIO NACIONAL. FILHO BRASILEIRO MENOR DE IDADE DEPENDENTE FINANCEIRAMENTE. (IM)POSSIBILIDADE DE DEPORTAÇÃO. 1. Hipótese em que o impetrante requer que a autoridade impetrada seja impedida de promover a sua deportação do território nacional, uma vez que possui filho menor de idade, que dele depende para sua subistência. 2. A Súmula 1 do Supremo Tribunal Federal veda expressamente a expulsão de estrangeiro casado com brasileira ou que tenha filho brasileiro dependente da economia paterna. 3. Segundo o art. 55, II, "a" e "b" da Lei de Migração, não será expulso o estrangeiro que tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, tiver pessoa brasileira sob sua tutela ou tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente. 4. Na medida em que a expulsão (que, via de regra, é fundada em infrações mais graves, como no caso em que o estrangeiro tenha cometido um crime no país) é vedada nas referidas circunstâncias, o mesmo deve ser observado em relação à deportação, que decorre de irregularidades administrativas na situação do estrangeiro no país."
Em 04 de novembro de 2024, o acórdão transitou em julgado. A União manifestou ciência do esgotamento dos prazos recursos e postulou o arquivamento dos autos.
1.2. Relatório deste eproc 5016351-86.2025.4.04.7000:
Em 02 de abril de 2025,
ENRICO GUARNIERI
impetrou o presente mandado de segurança, em face do DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL DE GUARAPUAVA, pretendendo a declaração do alegado direito de permanecer em território brasileiro.
Para tanto, o impetrante sustentou não manter vínculo de emprego, tendo postulado documentos pessoais a fim de regularizar sua condição no território nacional. Não contaria com renda fixa e trabalharia como pedreiro recebendo por empreitada ou por dia, mantendo assim sua família. Argumentou que ele e a esposa não teriam imóveis.
Ele argumentou desejar
"obter autorização de residência junto a Policia Federal de Guarapuava para fins de reunião familiar reconhecido por Mandado de Segurança porém recusado de forma administrativa pela Policia Federal de Guarapuava."
Segundo a peça inicial,
o impetrante
"chegou no Brasil na data de 29/03/2012 conforme se verifica no visto do seu Passaporte em anexo, vindo este a se inscrever no Cadastro da Receita com a emissão do CPF na data de 02/04/2012. Ocorre que durante este período de chegada o Requerente acabou conhecendo a Sra. Cleonice Dall’olivo, brasileira, ao qual iniciou um relacionamento amoroso o qual perdura até os dias de hoje. No passar de poucos meses a Sra. Cleonice acabou engravidando em data aproximada de 05/2013, vindo o filho do casal nascer no dia 11/01/2014 conforme certidão de nascimento em anexo. Em razão do novo relacionamento e devido ao nascimento do filho o Requerente não conseguiu mais retornar ao seus país de origem, haja vista que o seu Passaporte venceria na data de 08/07/2014 não tendo tempo hábil apara pedir a renovação em razão de ter constituindo família aqui no Brasil e precisava prover o sustento da família."
Aduziu não ter conseguido
"emitir mais nenhum documento pessoal a não ser o seu CPF, estando atualmente até com o seu Passaporte vencido e não consegue emitir, RG, Carteira de Habilitação e até mesmo Carteira de Trabalho, tendo que trabalhar sem registros e consequentemente deixar de contribuir com a previdência e Estado. Na data de 15/06/2015 o Autor tentou agendar a renovação do seu passaporte no Consulado da Itália conforme se faz prova do E-mail e documentos em anexo, todavia lhe foi exigido o Nulla Osta ao qual não chegou ao tempo do agendamento, restando frustrada a nova tentativa. Devido a dificuldade de agendar pelo SITE o Autor tentou novamente o agendamento no setor de Passaporte na data de 27/12/2016."
Alegou ter deflagrado uma demanda de naturalização - eproc 5004262 81.2023.4.04.7006/PR.
"No dia 22/06/2022 o Autor agendou junto a Policia Militar para tentar tirar ao menos sua identidade, Protocolo 226019/2023 e em razão de seu Passaporte estar vencido novamente foi recusado a emissão. No dia 11/09/2023 o Impetrante compareceu na Policia Federal de Guarapuava através do Protocolo 202308291106051258 a fim de tirar a Autorização de Residência para se legalizar, oportunidade em que novamente não foi concedido, sendo-lhe lhe entregado uma lista de documentos que deveriam ser entregues para a concessão do pedido, bem como o preenchimento dos formulários próprios. Enquanto o Autor estava reunindo a documentação pertinente para ser apresentado na PF de Guarapuava, foi novamente agendado um atendimento no Consulado Italiano para tentar renovar o Passaporte no dia 12/10/2023."
Acrescentou lhe ter sido
"informado pelo CONSULADO que para que conseguisse atualizar seu passaporte precisava ser entregue o RNE (Registro Nacional de Estrangeiro) e que era para solicitar junto a Policia Federal, que então o seu passaporte Italiano seria atualizado e emitido, sem a devida autorização da Policia Federal o Passaporte não seria emitido. Novamente o Autor pagou a taxa e fez outro agendamento na Policia Federal sob n° 202310161125190274 para o dia 13/11/2023 conforme comprovante e E-mail em anexo ao qual compareceu novamente com toda documentação e formulários devidamente preenchidos, ainda sob a orientação do Consulado de que a Policia Federal tinha que emitir o RNE para então o Autor retornar ao Consulado Italiano para atualizar o seu Passaporte, sendo este documento primordial para renovação."
Sublinhou ter ficado
"sem saída, pois no CONSULADO ITALIANO lhe foi negado a renovação do Passaporte tendo como condição a apresentação prévia do RNE, sem a apresentação o mesmo seria deportado. E na POLICIA FEDERAL lhe foi negado o RNE se não fosse apresentado Passaporte valido pelo Consulado Italiano."
O impetrante sustentou ainda que
"O Autor então na posse da Sentença fez outro agendamento na Policia Federal sob n° 202411191607155113 para comparecimento na data de 21/11/2024 as 10h30min. Lá chegando, foi apresentado a Sentença no setor responsável e este disse que NÃO iria emitir o Registro Nacional de Estrangeiro porque na Sentença e no Acórdão não constou a referida ordem. Disse que só iria emitir a Autorização de Residência se tivesse uma ordem expressa do Juízo para assim o fazer, o que acabou por deixar o Autor na mesma situação, ou seja IRREGULAR até a presente data. Tendo em vista o reconhecimento do direito liquido e certo do Autor permanecer em solo Brasileiro em razão da sua família constituída, não restou outra opção a ele a não ser demandar a presente Ação de Cumprimento de Sentença a fim de que a Requerida efetive a regularização do Autor com a expedição do respectivo documento ao qual é reflexo do próprio Mandado de Segurança já concedido."
Ele reportou-se ao art. 3 da Lei nº 13.447/2017. Enfatizou ainda que
"Não bastasse tal legislação aplicável ao Autor, seu direito de permanecer em solo Brasileiro está reconhecido por sentença transitada em julgado, logo, não cabe mais as partes legitimas e a Requerida questionar a validade da permanência do Autor no País, mas sim colaborar de forma administrativa e emitir o respectivo documento (RNE) para que o Autor possa estar legalizado para todos os efeitos legais, razão que leva o Autor a Executar o seu direito na presente Ação."
Postulou a concessão da segurança a fim de que seja expedido ofício ao Departamento da Policia Federal de Guarapuava, para que emita, a seu favor, o registro nacional de estrangeiro. Ele anexou documentos.
No movimento 9 declarei a competência da Justiça Federal e da 11ª Vara Federal para o julgamento e processamento deste mandado de segurança, e examinais os temas correlatos à prelibação da peça inicial. Deferi a gratuidade de justiça ao autor, registrei alguns vetores, com cognição não exaustiva, e facultei manifestação à autoridade impetrada a respeito da pretensão em causa.
A União Federal se manifestou no movimento 13 dizendo possuir interesse na demanda e requerendo sua intimação dos atos processuais. A autoridade impetrada prestou informações no movimento 20. Na oportunidade, disse que o impetrante teria comparecido perante a Delegacia de Polícia Federal em Guarapuava em 13/11/2023 para solicitar sua autorização de residência com base na alegação de manter família em solo nacional (protocolo de nº 202310161125190274). Seu pleito teria sido indeferido, dado que ele não teria apresentado documentação válida de viagem, eis que o seu passaporte já teria vencido. Disse não ter iniciado o processo de deportação, tampouco o tendo autuado ou cominado multa, em virtude de o autor estar buscando a regularização da situação pelo mencionado processo.
Segundo a autoridade impetrada, a Delegacia de Polícia Federal teria respeitado a decisão prolatada no MS 5001439-03.2024.4.04.7006/PR anotando no sistema SONAR - Sistema Operacional de Alertas e Restrições a proibição de deportação do impetrado, mantendo, porém, a exigência normativa de apresentação de documentos para regularização da situação migratória.
O impetrante encontrar-se-ia irregular no território nacional, em razão do excesso do prazo de estadia no país. Ele poderia promover a sua regularização, mediante a apresentação de documento de viagem válido (art. 7º, da Portaria Interministerial 12/2018). Esclareceu, ademais, que se trataria de ato vinculado, não cabendo ao agente público qualquer margem de discricionariedade para afastar a exigência de apresentação de referido documento, razão pela qual mantém a necessidade de apresentação do documento de viagem válido.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Pressupostos processuais e condições da ação:
No movimento 9, promovi a prelibação da peça inicial, apreciando os pressupostos processuais e as condições para válido exercício do direito de ação. Não sobrevieram elementos de convicção ou argumentos que ensejem reexame de tais questões, suscetíveis de apreciação até mesmo de ofício, conforme art. 485, §3, Código de Processo Civil/15.
Retomo o exame a respeito do pedido de liminar.
2.2.
Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/2015. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
- Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS,
Araken
de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Cuidando-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários (art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494), conforme se infere da conhecida
ADC 04-6/DF
, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no
informativo 248, STF
. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
Por outro lado, como sabido, o juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória
. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55)
No rito do mandado de segurança, o tema é regulado pelo art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.3. Respeito ao contraditório:
Assegurou-se manifestação à autoridade impetrada e à União Federal (art. 7, II, lei 12.016/2009) a respeito do pedido de liminar, o que atendeu ao postulado da bilateralidade de audiência - art. 5, LIV, LV, Constituição e art. 7, parte final, CPC/15.
2.4. Controle jurisdicional da Administração Pública:
Vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle, constitucionalista alemão.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Gustavo Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, desde que observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Em período mais recente, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Z. Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM.
Obra cit.
p. 199).
Ora, há muito é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.
Bandeira de Mello explica que
"
Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária
."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
SP: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade.
A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos
."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"
O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa
."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito
.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 210)
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de magistrados, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos
. Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...).
Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração
. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental
(...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo. volume I.
Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
É fato que, na contemporaneidade, alguns autores têm criticado referida teoria, como bem ilustra a seguinte lição de Marçal Justen Filho:
"A teoria dos motivos determinantes estabelece que o
agente administrativo se vincula à motivação adotada
, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada. Essa teoria deve ser reputada como
ultrapassada
, não se prestando mais ao controle de validade dos atos administrativos. Foi desenvolvida nos primórdios do direito administrativo, quando ainda não se delineara de modo perfeito a distinção entre autonomia de vontade privada e vontade funcionalizada própria do direito administrativo. Mais ainda, era um instrumento de controle construído em vista de certa concepção de discricionariedade.
A afirmação pelo agente de que atuou fundado em determinados motivos não produz efeitos vinculantes para fins de controle. Pode evidenciar-se a existência de motivos ocultos ou disfarçados. Mas não há impedimento a que a Administração Pública evidencie, posteriormente, que o ato se fundou em outros motivos, que justificavam adequadamente a decisão adotada
. A equivocada indicação do motivo é uma falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com a observância de um procedimento democrático." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 264)
Em que pese a densidade da crítica de Marçal Justen Filho, essa teoria ainda exerce salutar função democrática, ao estimular, por vias oblíquas, o dever de fundamentação do ato administrativo. Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"
A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade
. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"
fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo
."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seria sempre insuscetível de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional,
dado que administrar é exercer função: é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio
. É cabível, ademais, o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).
Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.
(...) 1.
De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta.
2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal. (EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II -
Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes
. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2.
A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.
3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários.
Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas
.
2.5. Devido processo administrativo:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due
process
of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do STF.
Transcrevo, por oportuno, o art. 5º, LIV e LV da Lei Fundamental/88:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV -
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du
process
, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980):
o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação
. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO.
Obra.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade
. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.6. Controle da proporcionalidade:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
"1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. No fim, conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermamaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros.
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade. Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios
: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos
."
(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. Coimbra Ed. p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
Acrescento que o Poder Judiciário pode controlar a proporcionalidade dos atos administrativos, a fim de aferir se não implicam um comprometimento injustificado das expectativas jurídicas legítimas dos sujeitos, em prol de um retorno social que se revele reduzido ou inadequado. Como registrei antes, o mérito do ato administrativo não se furta ao controle jurisdicional, conquanto isso deva ser empregado com redobradas cautelas.
ATO ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1.
Ao controle judicial submete-se não apenas a legalidade do ato administrativo, como também a observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e, uma vez verificada a desproporção entre a multa aplicada e a infração cometida, cabe ao Judiciário adequá-la a parâmetros razoáveis
. 2. Apelação não provida. 3. Peças liberadas pelo Relator, em 03/02/2009, para publicação do acórdão. (TRF-1 - AC: 20899 DF 1997.34.00.020899-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, Data de Julgamento: 03/02/2009, 7. TURMA, Publicação: 20/02/2009 e-DJF1 p.370)
2.7. Autoexecutoriedade administrativa:
O Estado de Direito impõe um plexo de garantias no que toca ao processo administrativo sancionador. De partida, quem acusa deve provar. Importa dizer, não se pode transportar, sem mais, a pretensa inversão do ônus da prova (presunção de legitimidade) para o âmbito do processo administrativo:
Ora, sabe-se que
"
A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte
."
(PIETRO, Maria S.
Direito administrativo.
18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que é declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável (devendo juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc.).
Deve-se atentar para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo administrativo sancionador:
"Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade. Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.
Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado. Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato.
A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio
.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional
.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 171-172)
Reporto-me também à seguinte lição de Justen Filho:
"A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...) Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível."
(JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, p. 207)
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição abusiva, excessiva, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos indevidamente atingidos.
2.8. Dever de motivação:
A Administração Pública está obrigada a motivar os atos administrativos concretos, consectário direto do postulado da legalidade.
"
A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado
."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
"implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª Ed, revisada e atualizada. SP: Malheiros, 2005, p. 100).
O art. 2º, caput, lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência
."
O art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação também é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei. O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais:
"A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação
per relationem
- isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -,
técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação
desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie."
(ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa)
2.9. Estatuto jurídico do estrangeiro:
A Constituição Federal refere-se aos estrangeiros em vários dispositivos, a exemplo do art. 5º,
caput,
em que preconiza a isonomia entre brasileiros e estrangeiros residentes em solo nacional. O art. 5º, LII veda a extradição de estrangeiros por crimes políticos ou de opinião. O inciso XXXI assegura aos estrangeiros a aplicação da lei mais favoráveis - brasileira ou estrangeira - quanto à sucessão de bens de estrangeiros situados no país.
Em que pese, porém, a regra de igualdade de tratamento, a Lei Maior relaciona pontuais restrições aplicáveis aos estrangeiros em solo nacional, sem correlatos quanto aos brasileiros.
A Constituição proíbe-lhes o alistamento e voto (art. 14, § 2º). Limita, ademais, a acessibilidade a cargos públicos – o exercício de funções públicas por estrangeiros depende de futura previsão legal (art. 37, I). Há previsão da possibilidade de universidades admitirem professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma de lei aludida no art. 207, § 1º. Além disso, há proscrição de acesso a cargos públicos especiais – de presidente e vice-presidente da República; de presidente da Câmara dos Deputados; de presidente do Senado Federal; de ministro do Supremo Tribunal Federal; da carreira diplomática; de oficial das Forças Armadas; de ministro de Estado da Defesa (art. 12, § 3º).
Assim, percebe-se que a Constituição impõe o tratamento isonômico entre estrangeiros que residam no solo nacional e os brasileiros, ao tempo em que impõe limitações a isso. Convém notar, porém, que - em princípio - aludidas restrições anti-isonômicas não poderiam ser ampliadas pelos Congressistas, salvo quando presentes situações excepcionais e constitucionalmente adequadas que a justificassem. Em muitos casos, pode-se cogitar da invocação da reciprocidade internacional como um fator a ser tomado em conta para essa análise.
A Suprema Corte já declarou que
"
A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais
."
(STF - RE: 587970 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 20/04/2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 22/09/2017). Na ocasião do julgamento, o Min. relator registrou:
"São esses, alfim, os parâmetros materiais dos quais se deve partir na interpretação da regra questionada. Indague-se: o constituinte excluiu o direito de os estrangeiros residentes no País receberem benefícios sociais, em especial o de prestação continuada versado no artigo 203, inciso V, da Lei Maior?
À luz do texto constitucional, tem-se que a resposta é desenganadamente negativa
."
Por outro lado, o Supremo Tribunal já decidiu como segue:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REGISTRO NACIONAL DE ESTRANGEIRO - RNE. TAXA DE EXPEDIÇÃO. GRATUIDADE. ISENÇÃO. HIPOSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. PODER JUDICIÁRIO. LEGISLADOR POSITIVO. 1. A controvérsia relativa à caracterização do Registro Nacional de Estrangeiro como taxa de serviço público e respectiva norma isentiva ostenta natureza infraconstitucional, à luz do Código Tributário Nacional e da Lei 6.815/1980. 2. Não há, sequer no plano hipotético, antinomia entre o art. 5º, LXXVII, da CFRB/88, e o art. 131 da Lei 6.815/1980, que institui a Tabela de Emolumentos Consulares e Taxas do Estatuto do Estrangeiro. 3.
O alcance da gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania e os destinatários dessa norma imunizante estão sujeitos à reserva legal. Uma vez recepcionada a legislação pré-constitucional alegada inconstitucional pela Agravante, os critérios isentivos dos documentos a que se refere estão sob o pálio da liberdade relativa de conformação do Legislador ordinário. 4. O Poder Judiciário não pode criar ou estender benefício fiscal, sem amparo legal, com base em eventual isonomia cívica entre brasileiros e estrangeiros residentes no país, elegendo o critério isentivo da hipossuficiência econômica
. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 1052420 AgR, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 17/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-279 DIVULG 04-12-2017 PUBLIC 05-12-2017) (STF - AgR RE: 1052420 SP - SÃO PAULO 0001109-38.2015.4.03.6100, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 17/11/2017, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-279 05-12-2017)
Nesse sentido, as decisões monocráticas prolatadas nos RE 852409 AgR, Rel.Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 30.04.2015; e RE 606179 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 04.06.2013.
Na temática penal, o Superior Tribunal de Justiça deliberou que
"A proibição de progressão de regime para estrangeiro expulso constitui generalidade que vai de encontro ao princípio da individualização da pena, ademais, deve ser resguardado o princípio da igualdade, garantido pelo artigo 5º , caput, da Constituição Federal , tanto aos brasileiros como aos estrangeiros residentes no País. Precedentes.
O fato de a paciente ser estrangeira e estar em processo de expulsão do país não constitui óbice à progressão de regime de cumprimento de pena
."
(STJ - HC: 163871 SP 2010/0036537-4, Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), Data de Julgamento: 16/05/2013, T6 - SEXTA TURMA, DJe 27/05/2013)
O anterior estatuto do estrangeiro - lei n. 6.815/1980 - e a lei 13.445, de 24 de maio de 2017 tangenciam o tema da isonomia. Essa legislação mais recente dispôs que devem ser assegurados aos estrangeiros, no âmbito de políticas migratórias, a igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e seus familiares. Por seu turno, o art. 4º da referida lei 13.445 estipulou que
"Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; IX - amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; X -
direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória
."
O art. 77 da lei 13.445 versou sobre a promoção de condições de vida digna para os estrangeiros em solo nacional, com prestação de serviços consultares no âmbito da saúde, trabalho, previdência, cultura e educação.
Em princípio, essa regra do art. 4º, X, da lei n. 13.445/2017 parece ter ab-rogado a norma do art. 1º, §1º da lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, veicula na sua redação original. Afinal de contas, segundo o art. 2º, §1º, do decreto-lei 4.657/1942:
"A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior."
Por conta dessas balizas, os Tribunais Regionais têm decidido da forma como transcrevo abaixo:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. PROUNI. ESTRANGEIRO. LEI DA MIGRAÇÃO Nº 13.445, DE 2017. DIREITO À EDUCAÇÃO EM CONDIÇÕES DE IGUALDADE COM OS NACIONAIS. -
Não se desconhece que a bolsa do Prouni visava atender apenas a brasileiros ou naturalizados, tudo conforme a Lei nº 11.096/2005 - No entanto, a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 - Lei da Migração, que teceu uma vasta gama de princípios e diretrizes que devem nortear a política migratória (art. 3º), expressamente previu em seu artigo 4º, inciso X, o direito à educação pública, vedando a discriminação em razão de nacionalidade e da condição migratória
- Assim, dever ser garantido o direito à educação, ao migrante, em condições de igualdade com os nacionais, sendo vedado tratamento diferenciado em razão de sua nacionalidade, pelo que correta a concessão da segurança. (TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50026596320204047107 RS 5002659-63.2020.4.04.7107, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 17/03/2021, QUARTA TURMA)
2.10. Alcance do art. 109 da lei n. 13.445/2017:
Os arts. 106 e ss. da lei n 13.445, de 24 de maio de 2017 versam sobre as sanções a serem cominadas por conta do descumprimento das normas veiculadas no estatuto do estrangeiro.
Art. 109. Constitui infração, sujeitando o infrator às seguintes sanções: I - entrar em território nacional sem estar autorizado: Sanção: deportação, caso não saia do País ou não regularize a situação migratória no prazo fixado; II -
permanecer em território nacional depois de esgotado o prazo legal da documentação migratória: Sanção: multa por dia de excesso e deportação, caso não saia do País ou não regularize a situação migratória no prazo fixado
; III - deixar de se registrar, dentro do prazo de 90 (noventa) dias do ingresso no País, quando for obrigatória a identificação civil: Sanção: multa; IV - deixar o imigrante de se registrar, para efeito de autorização de residência, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, quando orientado a fazê-lo pelo órgão competente: Sanção: multa por dia de atraso; V - transportar para o Brasil pessoa que esteja sem documentação migratória regular: Sanção: multa por pessoa transportada; VI - deixar a empresa transportadora de atender a compromisso de manutenção da estada ou de promoção da saída do território nacional de quem tenha sido autorizado a ingresso condicional no Brasil por não possuir a devida documentação migratória: Sanção: multa; VII - furtar-se ao controle migratório, na entrada ou saída do território nacional: Sanção: multa.
A respeito do tema, leia-se:
"Como vimos anteriormente, para a concessão dos vistos temporários, faz-se necessária a obtenção prévia da autorização de residência correspondente.O Código Civil brasileiro define domicílio da pessoa natural como o local onde estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Assim, a diferença entre residência e domicílio, para fins legais, está centrada justamente no caráter transitório ou definitivo que a pessoa atribua à sua estada em determinada localidade.Antigamente, a legislação migratória diferenciava residência de permanência, inclusive com a criação de um visto de permanência, através do qual se autorizava a residência em caráter definitivo no país.
A nova Lei de Migração andou muito bem ao abolir esta diferenciação de nomenclaturas – que acabavam, muitas vezes, gerando uma “diferenciação” no tratamento dado aos estrangeiros temporários e definitivos dispensado pelas autoridades brasileiras –, e estabelecendo o conceito da autorização de residência, com regras gerais iguais para todos os casos, respeitadas as particularidades de cada motivação da estada no país, e viabilizando, a meu ver corretamente, que o próprio estrangeiro possa, atendidas as exigências legais, conferir à sua residência no país o ânimo (temporário ou definitivo) que lhe aprouver.A autorização de residência não será concedida se o requerente não atender às exigências normativas para o tipo de autorização pretendida, ou, de modo geral, a pessoa condenada criminalmente no Brasil, ou no exterior, por sentença transitada em julgado, desde que a conduta esteja tipificada na legislação penal brasileira.
A condenação criminal somente não será impeditiva da autorização de residência se: A conduta típica caracterizar infração de menor potencial ofensivo; ou A pessoa se enquadre nas hipóteses de tratamento de saúde, acolhida humanitária, reunião familiar, ou seja, beneficiária de tratado em matéria de residência e livre circulação. As autorizações de residência para fins de pesquisa, ensino ou extensão acadêmica, e de trabalho devem ter sua deliberação concluída em, no máximo, 60 (sessenta) dias, a contar de sua solicitação.
Os requerimentos de renovação de residência temporária, ou de sua conversão em definitiva, devem ocorrer antes do final do prazo de estada. Caso o estrangeiro deixe esgotar o prazo de estada, poderá requerer nova autorização de residência, incorrendo, entretanto, na sanção por permanecer em território nacional depois de esgotado o prazo legal da documentação migratória, que implica no pagamento de multa por dia de excesso, ou deportação, caso não saia do país ou não regularize a situação migratória no prazo fixado
.
A autorização de residência pode ser concedida independentemente da condição migratória
. Ou seja, mesmo que o estrangeiro tenha se tornado irregular no país, ou tenha ingressado de modo irregular, poderá, atendidas as exigências legais cabíveis, regularizar sua estada e receber a competente autorização de residência. Essa medida é impossível na legislação migratória anterior, e constitui um dos grandes avanços trazidos pela nova Lei de Migração.A autorização de residência poderá ser negada à pessoa: - Anteriormente expulsa do País, enquanto os efeitos da expulsão vigorarem; - Condenada, ou respondendo a processo por ato de terrorismo ou por crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998; - Condenada, ou respondendo a processo em outro país, por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira; - Que tenha o nome incluído em lista de restrições, por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil, perante organismo internacional; - Que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal.
A posse ou a propriedade de bem no Brasil não confere o direito de obter visto ou autorização de residência em território nacional, salvo se for visto para realização de investimento no país.A autorização de residência poderá ter sua perda decretada, nas seguintes hipóteses
: - Cessação do fundamento que embasou a autorização de residência; - Obtenção de autorização de residência com fundamento em outra hipótese; e -Ausência do País por período superior a dois anos sem apresentação de justificativa.Para que não tenha problemas legais, o estrangeiro deve informar à Polícia Federal toda e qualquer alteração nas condições que fundamentaram a concessão de sua autorização de residência, ainda enquanto esta for vigente. Dessa forma, conseguirá a devida regularização de sua condição migratória, atendidas as exigências legais, e não ficará sujeito às sanções decorrentes da irregularidade de sua condição.A autorização de residência será cancelada, a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: Fraude; - Ocultação de condição impeditiva de concessão de visto, ingresso ou autorização de residência no País; - Se constatado que o nome do requerente constava em lista restritiva de organismo internacional, na data da autorização de residência." (AMORIM, João Alberto Alves.
Direito dos Estrangeiros no Brasil.
São Paulo: RT. 2022. RB 2.8)
Por outro lado, eventual irregularidade na permanência do(a) estrangeiro(a) em solo nacional pode dar ensejo à deportação, conforme art. 50 da referida lei n. 13.445/2017 e art. 310 do Decreto nº 9.199/2017. A deportação é medida de
"retirada compulsória do imigrante irregular, sendo resultado de processo administrativo, as infrações administrativas com sanção de deportação devem ser apuradas conforme o processo administrativo desenhado para a regularização migratória (art. 176 do Decreto)."
(KENICKE, Pedro.
Comentários à lei de migração:
lei 13.445/2017. SP: RT 2021. comentários ao art. 109).
Transcrevo também o seguinte:
"Nesse caso, o imigrante deve ser pessoalmente notificado pela Polícia Federal, da qual constem expressamente as irregularidades verificadas e a determinação para que o imigrante regularize a sua situação migratória em até 60 (sessenta) dias corridos contados da data da notificação ou, então, deixe o Brasil voluntariamente. A saída voluntária equivale ao cumprimento da notificação.
O prazo poderá ser prorrogado por igual período por meio de despacho fundamentado e desde que o notificado compareça à unidade da Polícia Federal para justificar a necessidade da prorrogação mediante o compromisso de que manterá atualizadas as suas informações domiciliares. Vencendo o prazo, a deportação pode ser executada.
Durante o prazo para a regularização migratória, precisam ser respeitadas as garantias processuais fundamentais do contraditório e da ampla defesa nas manifestações escritas. Além disso, o processo pode ser instruído com eventuais documentos e provas constantes de procedimentos de decretação da perda ou do cancelamento da autorização de residência
.
Tendo isso em conta, entende-se que, a partir da previsão do artigo 140 do Decreto nº 9.199/2017, mesmo o deportando que não tenha apresentado defesa/manifestação escrita, a autoridade pode considerar a instrução e não determinar a deportação se houver prova favorável ao imigrante em processo de perda ou cancelamento de autorização de residência. Após decisão final, é possível interpor recurso administrativo com efeito suspensivo em 10 (dez) dias.
É garantido ao imigrante, ainda que irregular e já notificado, a possibilidade de livre circulação no Brasil, mas devendo informar seu domicílio e suas atividades no Brasil e no exterior. Ademais, a DPU deve ser notificada para prestar assistência ao deportando, se este não tiver advogado constituído, em todos os procedimentos administrativos que possam levar à deportação
.
Caso o imigrante seja apátrida e se encontre em situação que possa levar à deportação, qualquer procedimento depende da prévia autorização da autoridade competente que é o MJSP (art. 52 da Lei). Caso o imigrante seja apenas visitante, o prazo de 60 (sessenta) dias para regularização migratória será deduzido do prazo de estada de 90 (noventa) dias do visto de visita (art. 176, § 8º, do Decreto).
Se a irregularidade somente for constada no momento da saída do imigrante do território nacional, será lavrado termo e registrada a saída do Brasil como deportação, sem prejuízo da aplicação de multa, e a notificação será dispensada (art. 176, § 7º, do Decreto)." (KENICKE, Pedro.
Obra citada.
comentários ao art. 109 do estatuto do estrangeiro).
Note-se que, segundo o art. 129, § 3º, do Decreto nº 9.199/2017, a tramitação do processo versando sobre o pedido de fixação de residência em solo brasileiro depende do prévio recolhimento da multa porventura imposta por força da violação às regras do estatuto do esgrangeiro:
"A tramitação de pedido de autorização de residência ficará condicionada ao pagamento das multas aplicadas com fundamento no disposto neste Decreto."
No que tange ao arbitramento da multa administrativo, transcrevo os seguintes dispositivos da lei n. 13.445/2017:
"Art. 107. As infrações administrativas previstas neste Capítulo serão apuradas em processo administrativo próprio, assegurados o contraditório e a ampla defesa e observadas as disposições desta Lei. § 1º
O cometimento simultâneo de duas ou mais infrações importará cumulação das sanções cabíveis, respeitados os limites estabelecidos nos incisos V e VI do art. 108
. § 2º
A multa atribuída por dia de atraso ou por excesso de permanência poderá ser convertida em redução equivalente do período de autorização de estada para o visto de visita, em caso de nova entrada no País
. Art. 108. O valor das multas tratadas neste Capítulo considerará: I - as hipóteses individualizadas nesta Lei; II - a condição econômica do infrator, a reincidência e a gravidade da infração; III - a atualização periódica conforme estabelecido em regulamento; IV - o valor mínimo individualizável de R$ 100,00 (cem reais); V -
o valor mínimo de R$ 100,00 (cem reais) e o máximo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para infrações cometidas por pessoa física
; VI - o valor mínimo de R$ 1.000,00 (mil reais) e o máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para infrações cometidas por pessoa jurídica, por ato infracional."
2.11. Ingresso do estrangeiro em solo nacional:
A Constituição Federal dispõe, no seu art. 5, XV, ser
"
livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens
."
Isso indica que a premissa é a garantia de livre fluxo de brasileiros e estrangeiros ao longo das fronteiras, desde que atendidos os requisitos arbitrados pela legislação infraconstitucional.
Isso também implica que, em princípio, ao tratar do tema, o Congresso não pode aniquilar a garantia constitucional, impondo requisitos proibitivos e desproporcionais.
“O direito de circulação e residência é, então, uma liberdade transcendental; sem dúvida, como já assinalamos, estamos diante de um desses direitos humanos cuja universalidade se encontra parcialmente limitada por razões de soberania nacional. (...) essa soberania se encontra, agora, muito mais limitada que no passado, pois a Carta da ONU impõe novas obrigações aos Estados, entre as quais se encontra, precisamente, o respeito à dignidade da pessoa humana. A questão dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana já não faz parte, portanto, da soberania estatal, por ser uma questão internacional, e que integra a ordem pública internacional. (...) Esta obrigação internacional dos Estados de velarem pelos direitos humanos, faz que a princípio seja obrigação das autoridades nacionais respeitar e garantir os direitos não apenas de seus nacionais, mas de todas as pessoas residentes em seu território e sujeitas à sua jurisdição, como inequivocamente estabelece o artigo 1.º, da Convenção Americana. (...) Assim, é possível sistematizar os diferentes componentes ou conteúdos do direito de circulação e residência levando em conta a nacionalidade de seus titulares, da seguinte maneira: certos componentes são universais, pois se dirigem a todos os seres humanos, em razão do que não estão condicionados à nacionalidade de seu titular; outros conteúdos protegidos, ao contrário, dependem diretamente da nacionalidade, pois a Convenção permite um tratamento diferenciado entre nacionais e estrangeiros; finalmente, estes tratados estabelecem uma titularidade, digamos, intermediária, pois em certas ocasiões a garantia de certos direitos específicos dependem de que se trate de pessoa – e não obrigatoriamente um nacional –, mas que se encontre legalmente no território do Estado específico, de onde se conclui que a garantia não se estende a toda a pessoa. Existem dois componentes do direito de circulação e residência que não dependem diretamente da nacionalidade: o direito de toda pessoa de sair livremente de qualquer país e o direito de buscar asilo, pois quando a Convenção fala dessas garantias, se refere a toda pessoa. O direito cujo alcance se encontra claramente vinculado à nacionalidade da pessoa é aquele referente à possibilidade de ingressar livremente em um país e fixar residência nele. Com efeito, segundo a Convenção, somente os nacionais têm direito a entrar em seu próprio país. Este direito é, portanto, o que se encontra mais estritamente ligado à preservação da soberania dos Estados, pois implica que, se toda a pessoa possui o direito de sair de um país, somente os nacionais possuem o direito de entrar [irrestritamente] no país do qual são nacionais." (STEINER, Christian. URIBE, Patrícia.
Convención Americana sobre Derechos Humanos Comentada.
México: Suprema Corte de Justicia de la Nación; Bogotá, Colombia: Fundación Konrad Adenauer, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica, 2014. p.. 531-551).
Cuida-se de projeção do direito fundamental à migração, consagrado por meio da Declaração de Nova Iorque sobre Refugiados e Migrantes – importante compromisso internacional firmado no âmbito da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 16.09.2016. Por sinal, preceito semelhante já havia constado no art. 13, §2, da Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948. Por seu turno, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, estipulou a obrigação de todos os seus Estados-membros de se comprometem a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu respectivo território e que estejam sujeitos à sua jurisdição, todos os direitos civis e políticos afirmados em seu texto, sem qualquer tipo de discriminação, inclusive de origem nacional, também reconhece o direito a migrar. Esse Pacto/66 estabeleceu, em termos bastante semelhantes aos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que toda pessoa faz jus a sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio, e que ninguém pode ser arbitrariamente privado do direito de ingressar em seu próprio país.
No mesmo sentido, leia-se a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial/1965, art. 5, dentre outros documentos internacionais. Por outro lado, a
lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017
, trata dos vistos de ingresso, exigidos dos estrangeiros para se adentrar ao território nacional. O anterior estatuto do estrangeiro -
lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980
- tratou também de vistos e da sua transformação (art. 37).
De modo geral, o ingresso do estrangeiro no território nacional pode se dar de modo inválido ou válido. Isso não impede eventual convalidação subsequente ou mesmo o reconhecimento de alguma situação emergencial, semelhante ao estado de necessidade, a justificar a irregularidade. Alguém pode ingressar no solo nacional fugindo da fome, fugindo de ameaças variadas, a exemplo da necessidade de refúgio. O ingresso regular pode se dar na condição de turista, a trabalho, pesquisador, diplomata, apátrida, refugiado, membro da família de alguém anteriormente admitido, de modo regular, no país. Em princípio, a diferenciação entre os casos gravita em torno dos vistos.
Há o visto prévio, expedido antes da viagem, por autoridade diplomática do país de destino, devendo ser anexado aos documentos de viagem. E há o visto de entrada - ou autorização de entrada -, cuidando-se de autorização expressa, conferida ao estrangeiro pela autoridade de fronteira, que lhe assegura, por fim, efetivamente o acesso ao território nacional.
"Por se tratar de ato de soberania do país –
a autorização ou não de ingresso no seu território –, o visto que importa para assegurar e definir a condição migratória do estrangeiro é o visto de entrada, aquele que é concedido na fronteira de um país e através do qual o indivíduo pode, efetivamente, ingressar no território do país em condição regular
."
(AMORIM, João Alberto Alves.
Direito dos Estrangeiros no Brasil.
SP: RT. 2022. capítulo 2).
Note-se que
"O visto prévio, na verdade, não outorga ou comporta o direito de ingressar no país – isto, só o visto de entrada proporciona –, ele é uma mera burocracia estabelecida pelo Estado estrangeiro para avaliar e fiscalizar, efetiva e previamente, a documentação e os antecedentes daquele que pretenda, por qualquer motivo, se deslocar até seu território. O visto prévio comporta apenas uma mera expectativa de direito de ingresso, posto que seu portador poderá ser impedido de ingressar no país por suas autoridades migratórias."
(AMORIM, João Alberto Alves.
Obra citada.
capítulo 2).
Há, ademais, uma diferença pontual entre prazo de estada e prazo de validade do visto. Prazo de estada é o prazo máximo de permanência do estrangeiro do território nacional, contado da data do ingresso; prazo de validade é o prazo de uso da autorização, prazo com que o estrangeiro pode adentrar no território pátrio. Sem dúvida que há outras questões relacionadas ao ingresso no solo brasileiro, em princípio impertinentes para o caso em análise.
2.12. Direito ao ingresso e saída do território nacional:
Anoto ainda que a Constituição Republicana assegurou o direito de ingresso e retirada do solo nacional, na posse dos seus bens, conforme art. 5, XV, Constituição:
" é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens."
Mencionom a análise de Pontes de Miranda, nos seus comentários à constituição de 1967 (art. 150, §26) e à emenda de 1969 (art. 153, §26):
"
Já a Constituição Imperial falava em bens, a respeito da saída. A de 1.891, aludia ao sair e entrar, com a sua fortuna e os seus bens. Nem a de 1.934, nem a de 1.937 se referiam a bens, sendo que a última silenciava quanto à entrada e saída de estrangeiros. A límpida corrente da tradição brasileira ressurgiu em 1.946, apenas exigido o respeito aos preceitos da Lei
. Seguiu o mesmo passo em 1.967. A Lei, aí, é a Lei que exige passaporte, ou regula a imigração, ou as comunicações necessárias às estatísticas e à saúde pública, ou ao que constitui a fortuna ou bens que entram ou dos que saem, ou - por alguma razão de interesse público - veda ou submete à satisfação de algum requisito a entrada ou saída de bens. Todavia, cumpre não se confundirem com os bens que entram ou saem com o Brasileiro, ou com o estrangeiro, os bens que lhe pertencem, porém, não são bens de uso pessoal ou que a pessoa traz sempre consigo, bens que
ossibus inharent.
Quem traz consigo ´x' malas com roupas, ainda que excessivo, diante das circunstâncias e para o senso comum, o valor de 'x' pode ter de pagar à alfândega, por se tratar de bens suscetíveis da incidência de imposto, porém seria contrário à Constituição de 1.967 que se lhe proibisse a entrada.
A entrada pode ser proibida, por Lei, quando se trate de substancia nociva, em quantidade acima da fixada, ainda que de uso pessoal (cocaína, ópio, morfina), ou por se tratar de animal ou vegetal sujeito, pela espécie, ou procedência, a regulamentos sanitários. Muito diferente é o que a Lei pode estatuir, ainda quanto à entrada e à saída, em se tratando de Lei sobre comercio exterior e interestadual, ou câmbio ou transferência de valores para fora do país. O que o Brasileiro, ou estrangeiro, leva consigo de dinheiro, nacional ou estrangeiro, ou consigo traz, não pode ser apreendido, se não há lei que o vede, por ter estabelecido limite para as suas despesas fora, ou no país. O que a Lei pode fazer é exigir que se declare o valor do dinheiro, com que se sai ou com que se entra, o tempo que se pretende passar no estrangeiro, ou no país, a finalidade que tem, ou que se quer dar ao dinheiro, ou outro bem.
Por outro lado, nem todos os bens móveis entram, claramente, no conceito de bens de uso pessoal, ou que o passageiro costuma trazer consigo. A questio facti vem à frente. Sirvam de exemplo o automóvel, a motocicleta, a bicicleta e outros objetos próprios para transporte. Se se trata de corredor de automóvel, ou de motocicleta, ou de bicicleta, ressalva-se o uso profissional ou esportivo, que faz inerente ao que entra, ou que sai, o objeto: qualquer deles adere aos ossos, no sentido forte do velho brocardo. Mas, ainda que não se trate de corredor de automóvel, ou de motocicleta, ou de bicicleta, pode ser objeto - e indispensável - de uso pessoal, ou que a pessoa costuma trazer consigo. A prova de que não se está diante de tal caso, e sim de importação ilegal para fins comerciais, ou para outros de uso pessoal, incumbe ao Estado.
O art. 150, §26 dirige-se aos três Poderes; a Lei mesma não pode vedar a entrada e a saída de bens, sem invocar alguma outra regra jurídica em que se baseie a competência legislativa. Quanto à saída de ouro, a Lei pode vedá-la; não pode vedar que entre, se a vedação não é condicionada à não aplicação nociva, ou se consiste em mero controle a que está subordinado todo o ouro existente no Brasil (art. 150, §1º)
.
Quanto ao controle do câmbio, a licença prévia de importação somente se pode exigir para o que se importe com a transferência de valor interno. Assim, o automóvel, de uso pessoal, que vem com o brasileiro, ou com o estrangeiro e adquirido com dinheiro ou valor que ele tinha no estrangeiro pode entrar. O que a Lei sobre comércio exterior pode proibir é a alienação de tal automóvel antes de certo prazo - como expediente de técnica jurídica para se evitar a fraus legis.
A respeito destes assuntos teve de haver decantação na legislação recebida a 18 de setembro de 1.946, ou inadvertidamente feita depois. Vínhamos de estrutura política aliberal, passageira, porém que deixara raízes fundas, e faltou a moda do que destoaria e destoou da Constituição de 1.946. Aos poucos, com a ação da legislatura e o enorme serviço que prestam os que se não conformam com os atos contrários à Constituição, foi-se desbastando o que nos veio da herança próxima e danosa. Mas 1.930 e 1.937 ressurgiram em 1.964." (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Comentários à Constituição de 1967.
Tomo V. SP: Editora Revista dos Tribunais, 1.968, p. 554.)
Por conseguinte, há previsão constitucional do direito à saída e ingresso no território nacional, na posse de bens, atendidos os requisitos de lei (art. 5º, XV, CF). Mas esse direito deve ser exercido observando-se limitações legais, desde que essas sejam razoáveis e proporcionais. Ou seja, a lei não pode aniquilar a garantia assegurada constitucionalmente. Revela-se adequada, porém, a cobrança de tributos sobre aludido fluxo de objetos.
2.13. Casos de deportação:
Note-se que o estatuto do estrangeiro trata das infrações administrativas, englobando tanto o ingresso quanto a permanência irregular em solo nacional, notadamente depois do esgotamento do prazo fixado para tanto. Sair irregularmente do solo nacional, sem se submeter aos controles de alfândega, também pode ensejar a cominação de sanções. Aludidas suspeitas/imputações administrativas devem ser apuradas no âmbito de um processo administrativo adequado, com respeito ao contraditório.
No caso brasileiro, destaque-se que é dado ao estrangeiro promover a regularização da sua estadia, afastando eventuais sanções e a deportação. Logo, essa oportunidade deve ser assegurada aos estrangeiros que se encontrem em solo brasileiro.
Ademais,
"As medidas de retirada compulsória do território nacional devem ser aplicadas não apenas levando-se em consideração não apenas as normas do Regime Internacional de Proteção da Pessoa Humana, como também a legislação brasileira pertinente, em especial a Lei n.º 9.474, de 22.07.1997, conhecida como Lei de Refúgio.
A Lei de Migração faz uma distinção inédita na legislação migratória nacional, ao separar medidas de retirada compulsória propriamente ditas (repatriação, deportação e expulsão) de medidas de cooperação internacional
(extradição, transferência de execução de pena, transferência de Pessoa Condenada) que, ainda que impliquem na retirada compulsória de estrangeiro do território de um país, não possuem seu fundamento em questão migratória, mas de natureza criminal e de relações diplomáticas."
(AMORIM, João Alberto Alves.
Obra citada.
item 2.3.2.2).
Ademais,
"Como regra geral, a retirada compulsória de estrangeiro do território nacional será realizada para o seu país de nacionalidade, ou para o país do qual partiu em direção ao Brasil ou, ainda, para país que o aceite, conforme tratados dos quais o Brasil seja parte. A Lei de Migração elenca três medidas de retirada compulsória de estrangeiros do território nacional: Repatriação, Deportação e Expulsão. A efetivação das medidas de retirada compulsória é feita por meio de termo da Polícia Federal, e esta, por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal – Interpol, comunica as autoridades policiais e migratórias dos países de escala, conexões e destino."
(AMORIM, João Alberto Alves.
Obra citada.
item 2.3.2.2).
Ao que releva, a deportação é medida imposta no âmbito de procedimento administrativo, consistindo na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional e, devidamente notificado, tenha optado por não regularizar sua condição migratória ou retirar-se voluntariamente do país. A saída voluntária de pessoa notificada para deixar o País equivale ao cumprimento da notificação de deportação para todos os fins. Acrescento que a deportação deve decorrer de um processo administrativo adequado, com respeito ao contraditório e ampla defesa.
O procedimento de deportação é instaurado pelo Departamento da Polícia Federal por meio de ato que relate os seus fatos motivadores e a fundamentação legal. A Polícia Federal deve juntar ao processo administrativo o comprovante de notificação pessoal do estrangeiro, bem como da notificação, preferencialmente por meio eletrônico, da repartição consular do país de origem do deportando e, quando houver, de seu defensor constituído, para apresentar defesa técnica em 10 (dez) dias.
Da decisão administrativa que decidir pela deportação cabe recurso, com efeito suspensivo, no prazo de cinco dias, contados da notificação do deportando ou de seu defensor. O recurso deve ser endereçado à autoridade que proferiu a decisão, a qual, caso não a reconsidere, deve encaminhar o processo ao Delegado Regional Executivo, da Superintendência da Polícia Federal à qual esteja subordinada.
Se a deportação puder, por qualquer meio, produzir efeito de extradição não admitida pela legislação brasileira, ela não pode ser efetivada
.
Esta disposição legal decorre de consolidado entendimento do Supremo Tribunal, ilustrada pelo caso Ronald Biggs:
“O aparato proibitivo, entre nós, da extradição dissimulada – ou, como concedem alguns, da extradição de fato – estava a merecer análise judiciária onde se precisasse seu alcance. A ocasião veio no caso do nacional britânico Ronald Arthur Biggs, a que o Tribunal Federal de Recursos (hoje Superior Tribunal de Justiça) deu solução a todos os títulos notável. Fugitivo de uma penitenciária inglesa, onde cumpria pena por participação num assalto notório [o assalto ao trem pagador inglês], Biggs viveu por pouco tempo na Austrália e ingressou em seguida no território brasileiro sob o falso nome de Michael Haynes. Não se pôde jamais formalizar o aventado pedido de extradição, em face da inexistência de tratado bilateral específico, combinada com a inabilitação constitucional do governo britânico para oferecer reciprocidade em semelhantes hipóteses. Preso por determinação do ministro da Justiça, em 1974, Biggs requereu ao Tribunal Federal de Recursos uma ordem de habeas corpus em que, dando como incontroversa a impossibilidade da expulsão, em face da iminência de tornar-se pai de uma criança brasileira, limitava-se a apontar ilegalidade também na deportação que se lhe preparava em razão do ingresso ilegal no território. A deportação, sustentavam seus defensores, só o poderia conduzir ao seu Estado patrial, o único obrigado pelo direito das gentes a recebê-lo. Assim, teria ela a natureza de uma autêntica extradição, incidindo, de modo exato, em quanto proíbe o estatuto do estrangeiro. O Tribunal, reconhecendo embora que se tratava de um caso de ‘extradição inadmitida pela lei brasileira’, não negou a legitimidade da custódia determinada pelo ministro da Justiça com vistas à deportação, e por isso indeferiu a ordem de habeas corpus. Mas, no mesmo passo, estatuiu que o paciente não poderia ser deportado para a Grã-Bretanha, nem para qualquer outro país do qual aquele pudesse obter sua extradição. Era natural, nessas circunstâncias, que a deportação acabasse por mostrar-se inexequível, e que o paciente viesse pouco depois a ser colocado em liberdade. (...) Há que impedir, assim, não apenas a deportação ou expulsão que conduza o paciente diretamente ao Estado interessado na extradição inadmitida, mas também aquela qualquer dentre as duas figuras que lhe dê, ou que seja suscetível de lhe dar tal destino por via oblíqua. O Supremo Tribunal Federal, anos mais tarde, negou seguimento a pedido de extradição contra Ronald Biggs formulado pelo governo britânico, com base no tratado bilateral que vincula, desde 1997, as duas soberanias. Ponderou-se, no julgamento, que estava extinta a punibilidade do extraditando pela prescrição da pretensão executória, à vista da lei brasileira.” (REZEK, José Francisco.
Direito Internacional Público –
Curso Elementar. p. 131).
Caso seja necessária a decretação de prisão do deportando, ou de outra medida cautelar de natureza penal, impõe-se representação perante o juízo federal competente pode ser feita pelo próprio delegado da Polícia Federal. O anterior estatuto do estrangeiro preconizava uma prisão administrativa, imposta pelo Ministro da Justiça - art. 61 da lei n. 6.815/1980 -, não recepcionada, nesse particular, pelo ordenamento constitucional, inaugurado em 1988. O procedimento de deportação dependerá de autorização prévia do Poder Judiciário, se o estrangeiro estiver em cumprimento de pena ou respondendo a processo criminal em liberdade.
A expulsão cuida, por seu turno, da retirada compulsória do solo nacional de estrangeiro que tenha cometido crimes no país (art. 54 do estatuto do estrangeiro em vigor). Acrescento que o Estado do Estrangeiro atual deixa bem vincado o repúdio às deportações e expulsões coletivas do território do país.
2.14. Estrangeiro em condição irregular com família no país:
De partida, anote-se que a súmula 1, do Supremo Tribunal dispôs expressamente que
"
É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna
."
Ao apreciar o
RHC 123.891
, o STF concluiu que
"O § 1º do artigo 75 da lei 6.815/80 não foi recepcionado pela CF/88, sendo vedada a expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro foi reconhecido ou adotado posteriormente ao fato ensejador do ato expulsório, uma vez comprovado estar a criança sob a guarda do estrangeiro e deste depender economicamente."
Por seu turno, a Lei de Migração estabeleceu, no art. 55, que não será expulso o estrangeiro que tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, nem o que tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil.
Note-se que essa proibição é projeção da tutela dispensada pelos Constituintes aos vínculos familiares, fundados em relações de afeto (art. 226, Lei Maior). Por outro lado, se a medida é vedada quanto à expulsão - fundada em infrações mais graves - também resta vedada quanto à deportação, que decorre da necessidade de se retirar um estrangeiro do solo nacional, por conta de irregularidades administrativas na sua estadia.
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ESTRANGEIRO. RESIDÊNCIA PERMANENTE. AUTO DE INFRAÇÃO. SANÇÃO PECUNIÁRIA AFASTADA. FILHO BRASILEIRO. PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E CONSERVAÇÃO DA UNIDADE FAMILIAR. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 1. Nos termos do art. 75, II, b, da Lei n. 6.815/88, é causa em que se obsta qualquer processo de expulsão quando o estrangeiro tiver "filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente". Diante disso, no momento da lavratura do auto de infração e da notificação (10/3/2015), a permanência do autor no Brasil já estava legalmente assegurada pela existência do filho brasileiro, não havendo falar em aplicação de penalidade pela residência irregular. 2.
O direito à permanência do autor no país, dada a existência de filho brasileiro, torna desarrazoada a sanção pecuniária imposta pela estadia irregular após vencido o prazo legal e, perante a necessidade de observância da doutrina de proteção integral à criança e de conservação da unidade familiar, o acórdão recorrido merece subsistir.
3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1870415 SP 2018/0226628-7, Data de Julgamento: 22/11/2022, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/11/2022)
Segundo a fundamentação do acórdão,
"Nos termos do art. 75, II, b , da Lei nº 6.815/88, é causa em que se obsta qualquer processo de expulsão quando o estrangeiro tiver"filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente". Diante disso, no momento da lavratura do auto de infração e da notificação (10/3/2015), a permanência do autor no Brasil já estava legalmente assegurada pela existência do filho brasileiro, não havendo falar em aplicação de penalidade pela residência irregular."
(STJ - AgInt no REsp: 1870415 SP).
Nesse mesmo sentido, leia-se:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. DEPORTAÇÃO. MEDIDA DESPROPORCIONAL E GRAVOSA. UNIÃO ESTÁVEL COM BRASILEIRA E FILHOS EM COMUM. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E GUARDA. ART. 75, II, B, DA LEI 6.815/80. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E UNIDADE FAMILIAR. ARTS. 226 E 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. POSSIBILIDADE. - Cinge-se a controvérsia ao exame da possibilidade da concessão ao autor de prazo (180 dias) para regularizar a sua s ituação no país, mediante requerimento de permanência - Todas as circunstâncias fático-jurídicas da presente demanda restaram devidamente delineadas na sentença, cuja fundamentação se adota, como razões de decidir, in verbis: "(..) vale ressaltar que a permissão de entrada e permanência de estrangeiro em território nacional é ato discricionário, nos termos dos arts. 2º, 7º, II e 26 da Lei nº 6.815/80, levando-se em conta que o controle imigratório é inerente à própria noção de Estado, expressão típica do exercício da soberania. Assim, o visto não constitui um direito subjetivo à entrada tampouco à permanência no território.
Não obstante, o ordenamento jurídico pátrio possibilita a prorrogação do visto, desde que o estrangeiro a requeira ao Departamento de P o l í c i a F e d e r a l a n t e s d e e x p i r a d o o p r a z o inicialmente autorizado em seu país de origem, nos termos do art. 65, caput do Decreto nº 86.715/81, sendo vedada a legalização da estada de irregular, assim como a transformação em permanente do visto de turista, nos termos do art. 38. No caso, o autor ingressou no Brasil em 1 20/04/2010, com visto de turista, cujo prazo inicial expiraria em 21/05/2010, tendo sido autorizado a permanecer em solo nacional, nessa qualidade de turista, pelo prazo de trinta e um dias, a partir do desembarque em solo nacional (20/04/2010). Conquanto fosse possível, em tese, a prorrogação deste prazo, não consta que o autor tenha formulado qualquer pedido nesse sentido, como também não requereu a concessão do visto de permanência em razão de possuir prole brasileira. De conseguinte, sua estada em território nacional se tornou irregular, por excesso de prazo, possibilitando sua deportaçã
o. Com efeito, o art. 57 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros) prevê a deportação, como uma das modalidades de retirada compulsória do estrangeiro do território brasileiro, aplicável àqueles que tenham aqui ingressado irregularmente ou cuja estada tenha se tornado irregular, que, notificados pelo Departamento de Polícia Federal a deixar o País em determinado prazo, desatendam a essa determinação. (...) A Lei 6.815/80, em seu art. 75, veda expressamente a expulsão de estrangeiro que tenha filho ou mulher brasileira. A deportação, sendo instituto francamente mais benévolo e brando que a expulsão, não será possível se o estrangeiro tiver filho brasileiro, ainda que a lei expressamente nada disponha neste sentido. Interpretação sistêmica dos artigos 57 a 75 da Lei 6.815/80. Quanto à guarda das crianças, há de se presumir que as relações familiares são caracterizadas pela solidariedade e afeto, ainda mais quando se trata de relacionamento entre pai e filhos e não haja nos autos qualquer prova em contrário. Ademais, a unidade familiar merece, ao menos, o benefício da dúvida, sobretudo, no caso, diante da declaração da própria mãe (fl. 18) no sentido de a guarda ser exercida conjuntamente entre eles, eis que vivem todos sob o mesmo teto. (...) Destarte, ante a possibilidade de vir a ser deferida a permanência definitiva do autor no País, com base na existência de filhos menores sob sua guarda e dependência, o mais razoável e acertado é permitir que aqui permaneça para que possa regularizar sua situação em sede administrativa, a depender da prova a ser 2 apresentada. Nesse sentido, impende conferir às regras de controle imigratório uma interpretação em conformidade com o disposto no art. 226 da CFRB/88, de modo que não seria razoável considerar a medida de deportação, em detrimento da proteção à família e à criança, sem que antes seja, ao menos, analisada situação fática concreta pela autoridade r esponsável"- No mesmo sentido é o parecer do Ministério Público Federal (fls.127/133) -
Do exame dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que o autor, de nacionalidade espanhola, se encontra no território brasileiro desde 20 de abril de 2010 (fl.24) e vive há mais de 10 anos, em união estável, com a nacional, Cathilen Silva Miranda, com quem tem dois filhos menores, ambos nascidos na Espanha, porém com certidão de transcrição de nascimento no Registro Civil de Pessoas Naturais do 1º D istrito da Comarca de Itaguaí (fls. 18/20) - Observa-se que o casal tem residência fixa no Brasil (fls. 17/18 e 22) e que seus filhos encontram-se devidamente matriculados no Pré -I B, da Educação Infantil do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente Caio Paulo Dacorso Filho e no 1º ano do Ensino Fundamental de outra u nidade escolar em Seropédica
- Consoante bem destacado pelo Ministério Público Federal, a situação do autor amolda-se às excessões estabelecidas no art. 75 da Lei 6.815/80 ( Estatuto do Estrangeiro) que expressamente estabelece:"Não se procederá à expulsão: II. quando o estrangeiro tiver, b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente". Assim, a retirada forçada do estrangeiro do território nacional não se dará no caso de existir filho brasileiro que esteja sob a guarda e dependência econômica do e strangeiro, o que ocorre in casu - O aludido art. 75 do Estatuto do Estrangeiro deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e do princípio da proteção da criança, inclusive do direito à convivência familiar e comunitária, insculpido no art. 227 da Constituição Federal. 3 - Insta registrar que as consequências pessoais e psicológicas, além da material, advindas da deportação do autor, podem gerar traumas para os filhos, na medida em que o s mesmos serão privados da convivência com o pai - Diante da ponderação de interesses na hipótese dos autos, levando-se em conta as circunstâncias fáticas descritas na inicial, necessária a mitigação da rigidez das regras legais que disciplinam a permanência do estrangeiro no território nacional, de forma a evitar a sua imediata deportação, medida que se revela extremamente desproporcional e gravosa para o a u t o r , p r i v i l e g i a n d o a h i p o s s u f i c i ê n c i a d o estrangeiro, sua convivência familiar, bem como os princípios constitucionais acima mencionados, circunstância que impõe a m anutenção da sentença - Precedentes citados - Remessa necessária e recuso desprovidos. (TRF-2 - APELREEX: 00233327020134025101 RJ 0023332-70.2013.4.02.5101, Relator: VERA LÚCIA LIMA, Data de Julgamento: 13/08/2018, 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 15/08/2018)
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. CASADO. FILHO. PERMANÊNCIA IRREGULAR. DEPORTAÇÃO. INCABIMENTO. I.
Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para anular o Auto de Infração e Notificação nº 011/201/DPF/PB e o Termo de Notificação nº 001/2012/DPF/PB, que, respectivamente, aplicou multa imposta no art. 25, II, da Lei nº 6.815/80, por ter o autor, estrangeiro (nigeriano), extrapolado o prazo legal de estada no país, e determinou a saída do território nacional. II. O Estatuto do Estrangeiro em vigor (Lei nº 6.815, de 19/08/1980), ao cuidar da expulsão do estrangeiro, medida de caráter evidentemente punitivo, cuja estada no território nacional não é desejada ou desejável, prevê, em seu artigo 75, II, alínea b, que o mesmo não será expulso quando tiver filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
IV. O referido dispositivo legal diz respeito apenas ao instituto da Expulsão, que é um processo pelo qual um país determina a saída do estrangeiro de seu território, em razão de um crime ali praticado ou comportamento nocivo aos interesses nacionais, ficando-lhe vedado o retorno ao pais de onde foi expulso. O caso não se trata de expulsão, mas de deportação proveniente de estada irregular em território brasileiro. Contudo, as hipóteses de vedação à expulsão podem ser utilizadas para o caso de deportação (casamento e filho). V. O autor é casado com brasileira e possui filho dependente economicamente. Inclusive, requereu a permanência definitiva estando em tramitação o respectivo processo administrativo, já tendo sido reconhecido nele, a autenticidade da certidão de casamento (fls. 231/249). VI. Com o objetivo precípuo de proteção à família, o STF editou a Súmula nº 01, nos seguintes termos: "É vedado a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna." VII. Remessa oficial e apelação improvidas. (TRF-5 - APELREEX: 00070225420124058200 AL, Relator: Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, Data de Julgamento: 28/10/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 13/11/2014)
2.14. Respeito à coisa julgada:
Convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, CF: "
a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar” (
apud
NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva). (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Nos termos do art. 502, CPC/15,
"Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que "
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo civil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.15. Registro Nacional Migratório:
O Registro Nacional Migratório - RNM é um número com numeração única atribuído a cada imigrante
, que é gerado a partir das suas informações pessoais e impressões digitais. Cuida-se de registro obrigatório para todos os imigrantes que possuem visto temporário ou autorização de residência no Brasil. Já foi denominado de Registro Nacional de Estrangeiro.
Note-se que
"para a legalização dos documentos, bastará a certificação de autenticidade conforme os procedimentos estabelecidos no país de origem do documento ou por seu consulado. Além disso, todos os países integrantes do acordo são signatários da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, de 1961, conhecida popularmente como Convenção da Apostila da Haia , que estabelece a dispensa de legalização consular de determinados documentos públicos , para a produção de efeitos jurídicos no território dos países membros . Conforme as Decisões CMC, n.º 44/00 e n.º 45/00, ambas de 14.11.2000, que adotam o Acordo sobre Dispensa de Tradução de Documentos administrativos para Efeito de Imigração entre os Estados-Parte do Mercosul e o Acordo sobre Dispensa de Tradução de Documentos administrativos para Efeito de Imigração entre os Estados-Parte do Mercosul, Bolívia e Chile, os nacionais destes países não precisam apresentar, para a solicitação de vistos, renovação de prazo de estada e concessão de permanência, traduções para o idioma local dos seguintes documentos: • Passaporte; • Cédula de Identidade; • Certidões de nascimento ou casamento; • Certidão negativa de antecedentes criminais. O Peru aderiu ao Acordo sobre Dispensa de Tradução de Documentos administrativos para Efeito de Imigração entre os Estados-Parte do Mercosul, Bolívia e Chile em 28.07.2014, através da Decisão CMC n.º 15/14."
(AMORIM, João.
Direito dos Estrangeiros no Brasil
. São Paulo: RT. 2022. capítulo IV).
Por seu turno, o
"direito de reunião familiar compreende a concessão àqueles familiares que eventualmente não sejam nacionais de um dos países do acordo, de igual direito de residência. Se a nacionalidade do familiar em questão demandar a concessão de visto prévio de entrada, este deve ser providenciado."
(AMORIM, João.
Obra citada.
capítulo IV).
Ademais,
"não podem ser emitidos por autoridade consular brasileira no exterior:Documentos não emitidos pelos Postos brasileiros no exterior: 1– Certidão de Antecedentes Criminais (esse documento poderá ser emitido por meio de consulta ao site da Polícia Federal ou aos sites das secretarias de segurança dos estados e do Distrito Federal); 2– Carteira de Identidade e Registro Geral – RG (a emissão desse documento é de competência exclusiva das Secretarias de Segurança Pública dos estados e do Distrito Federal); 3- Registro Nacional de Estrangeiro ou Carteira de Registro Nacional Migratório (esse documento é emitido apenas pela Polícia Federal); 4- Carteira Nacional de Habilitação – CNH (esse documento é emitido somente pelos Departamentos de Trânsito (DETRAN’s) dos Estados e do Distrito Federal, e pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN)."
(AMORIM, João.
Obra citada.
capítulo IV).
A respeito do tema, menciono o seguinte julgado:
"DIREITOCONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. HIPOSSUFICIÊNCIA . INEXIGIBILIDADE DE TAXA. REGULARIZAÇÃO DE ESTRANGEIROS NO PAÍS. EMISSÃO DE DOCUMENTOS. ISENÇÃO . ARTIGO 5º, LXXVII, CF. LEI 13.445/2017, ARTIGOS 4º, XII, E 113, § 3º. 1 . A Constituição Federal dispõe no artigo 5º, LXXVII que "são gratuitas as ações de habeas-corpus e habeas-data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania". 2. Considerando que a regularização da permanência do estrangeiro no país, inclusive mediante expedição do Registro Nacional de Estrangeiro - RNE, é essencial para o exercício de direitos fundamentais, possível extrair da dicção constitucional a existência de garantia de respectivo processamento de forma gratuita na hipótese de comprovada falta de condições econômicas para pagamento de taxas, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. 3 . Ademais, a Lei 13.445/2017, novo estatuto que regula a migração, prevê, dentre outros temas, as condições e efeitos da naturalização (artigos 64/73), dispondo, a respeito, que: “Não serão cobrados taxas e emolumentos [...] para a obtenção de documentos para regularização migratória aos [...] indivíduos em condição de hipossuficiência econômica” (artigos 4º, XII, c.c. 113, § 3º, e Decreto 9.199/2017,artigo 312) . 4.Declarada a hipossuficiência da impetrante, fica afastada a cobrança das taxas para o Registro Nacional de Estrangeiro - RNE bem como para emissão da primeira via da Carteira de Estrangeiros ("Carteira de Registro Nacional Migratório"), em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas".(TRF-3 - ApelRemNec: 50169987320174036100 SP, Relator.: Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, Data de Julgamento: 23/04/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 27/04/2021)
O art. 117 do atual estatuto do estrangeiro dispôs que
"O documento conhecido por Registro Nacional de Estrangeiro passa a ser denominado Registro Nacional Migratório."
O tema foi regrado, ademais, pelo decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017, cuidando-se de atribuição do Departamento da Polícia Federal - art. 59 do decreto.
O art. 62 do decreto 9.199 discorreu sobre o registro prévio à obtenção de vistos, como transcrevo abaixo:
Art. 62. O registro consiste na inserção de dados em sistema próprio da Polícia Federal, mediante a identificação civil por dados biográficos e biométricos. § 1º O registro de que trata o caput será obrigatório a todo imigrante detentor de visto temporário ou de autorização de residência. § 2º A inserção de que trata o caput gerará número único de Registro Nacional Migratório, que garantirá ao imigrante o pleno exercício dos atos da vida civil.
Art. 63.
A Carteira de Registro Nacional Migratório será fornecida ao imigrante registrado, da qual constará o número único de Registro Nacional Migratório
. § 1º Não expedida a Carteira de Registro Nacional Migratório, o imigrante registrado apresentará o protocolo recebido, quando de sua solicitação, acompanhado do documento de viagem ou de outro documento de identificação estabelecido em ato do Ministro de Estado do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e terá garantido os direitos previstos na Lei nº 13.445, de 2017 , pelo prazo de até cento e oitenta dias, prorrogável pela Polícia Federal, sem ônus para o solicitante. § 2º A Carteira de Registro Nacional Migratório poderá ser expedida em meio eletrônico, nos termos estabelecidos em ato da Polícia Federal, sem prejuízo da emissão do documento em suporte físico.
Art. 64.
O imigrante de visto temporário que tenha ingressado no País deverá proceder à solicitação de registro no prazo de noventa dias, contado da data de ingresso no País, sob pena de aplicação da sanção prevista no inciso III do caput do art. 307
. § 1º Na hipótese de empregado doméstico, o registro deverá ocorrer no prazo de trinta dias, contado da data de ingresso no País, com a comprovação da anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social e do registro na Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas - e-Social. § 2º Na hipótese de não comprovação da anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social e do registro no e-Social no prazo de que trata o § 1º, a Polícia Federal realizará o registro do imigrante e comunicará o Ministério do Trabalho.
Art. 65. O documento de viagem do imigrante com visto temporário válido é apto para comprovar a sua identidade e demonstrar a regularidade de sua estada no País enquanto não houver expirado o prazo para o registro, independentemente da expedição da Carteira de Registro Nacional Migratório.
Art. 66.
O imigrante a quem tenha sido deferido, no País, o pedido de autorização de residência deverá proceder à solicitação de registro no prazo de trinta dias, contado da data da publicação do deferimento do referido pedido, sob pena de aplicação da sanção prevista no inciso IV do caput do art. 307. Parágrafo único. A publicação a que se refere o caput será feita preferencialmente por meio eletrônico
.
Destaco ainda que
"na Carteira de Registro Nacional Migratório constará o prazo de residência do imigrante, conforme estabelecido na autorização de residência obtida. §1º A data de início da contagem do prazo de residência do imigrante que tenha ingressado sob o amparo de visto temporário será a da primeira entrada no País após a sua concessão. §2º A data de início da contagem do prazo de residência do imigrante que tenha obtido autorização de residência no País será a de requerimento do registro. §3º Na hipótese de o imigrante que tenha obtido autorização de residência no Brasil não solicitar o registro no prazo previsto no inciso IV do caput do art. 307, a data de início da contagem do prazo de residência se dará após transcorrido o prazo de trinta dias, contado da data da publicação da decisão que deferiu o requerimento de autorização de residência. §4º Na hipótese de residência temporária, o prazo de vencimento da Carteira de Registro Nacional Migratório coincidirá com o término do prazo da autorização de residência."
Aludida Carteira de Registro Nacional Migratório tem a validade de nove anos, contados a partir da data do registro, quando se tratar de residência por prazo indeterminado. Parágrafo único. Na hipótese de que trata o caput , a validade da Carteira de Registro Nacional Migratório será indeterminada quando o titular: I - houver completado sessenta anos de idade até a data do vencimento do documento; ou II - for pessoa com deficiência (arts 73 e 74 do referido decreto 9.199/2017).
2.16. Distribuição do ônus da prova:
Conquanto haja uma natural assimetria entre a parte autora e a autoridade administrativa impetrada, não é cabível inversão do ônus da prova no âmbito do mandado de segurança. Incumbe ao impetrante o ônus de comprovar, de plano, já com a peça inicial e com documentos, a veracidade da narrativa dos fatos promovida na peça inicial.
2.17. Valoração precária:
Como registrei acima, o Poder Judiciário assegurou ao sr. LUIZ HENRIQUE GUARNIERI a permanência no solo nacional, proibindo-se a sua deportação, conforme sentença de eproc 50014390320244047006 - decisão transitada em julgado.
Na forma do art. 508, CPC, a referida solução não pode ser desconsiderada pelas partes, salvo eventual demanda rescisória que porventura venha a ser deflagrada no prazo do art. 975, CPC e porventura acolhida pelo Judiciário. Assim, na espécie, deve-se atentar para a garantia da coisa julgada.
Naquele mandado de segurança, não houve maiores discussões a respeito de documentos de regularização da permanência do impetrante em solo nacional
. Neste processo, ele almeja que lhe sejam entregues documentos para fins de regularização efetiva da sua situação jurídica no país.
A autoridade impetrada sustentou que a ausência da autorização de residência do autor no Brasil decorreria da não apresentação de documento de viagem válido, eis que o passaporte do autor encontrar-se-ia vencido. Aludida alegação da autoridade impetrada não resta controvertida neste processo.
Em princípio, o impetrante parece fazer jus à obtenção do referido documento, enquanto projeção direta da sentença transitada em julgado, em cujo âmbito o Poder Judiciário reconheceu o seu direito de permanecer no território nacional. Reputo que sua narrativa dos fatos é verossímil e que seus argumentos jurídico são densos.
Do contrário, seria o mesmo que outorgar um benefício com uma mão e retirá-lo à força com outra.
Não se pode ignorar que a situação do impetrante perdura por longo prazo, tendo em vista que seu passaporte venceu em 08/07/2014, tendo decorrido, portanto, mais de 10 (dez) anos, sem que tenha conseguido regularizá-lo por falta de documentos expedidos por autoridade brasileira.
O limbo jurídico a que o autor está submetido não coaduna com os seus direitos fundamentais, impondo-se o respeito à dignidade inerente à condição humana garantido aos estrangeiros residentes no país, nos termos do art. 5º da CF. Ademais, a situação foge da esfera da individualidade do autor, pois perpassa os direitos dos seus entes familiares, sobremodo do filho brasileiro, quem pode restar afetado pela situação. Além disso, o Estado deve proteger a família não apenas por meio de programas sociais, mas por meio de políticas que visem assegurar a sua preservação, nos termos do art. 226 da CF:
"A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado"
.
A manutenção do autor na situação em que está atualmente o equipara a um apátrida (
displaced person, Heimatlos
), na medida em que não recebe a proteção legal de que necessita de seu país de origem, por falta do documento de identificação estrangeiro para emissão de passaporte renovado, ao passo que também não obtém documentação junto ao país em que reside há vários anos.
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ESTRANGEIRO. RESIDÊNCIA PERMANENTE . AUTO DE INFRAÇÃO. SANÇÃO PECUNIÁRIA AFASTADA. FILHO BRASILEIRO. PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E CONSERVAÇÃO DA UNIDADE FAMILIAR . MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 1. Nos termos do art. 75, II, b, da Lei n . 6.815/88, é causa em que se obsta qualquer processo de expulsão quando o estrangeiro tiver "filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente". Diante disso, no momento da lavratura do auto de infração e da notificação (10/3/2015), a permanência do autor no Brasil já estava legalmente assegurada pela existência do filho brasileiro, não havendo falar em aplicação de penalidade pela residência irregular. 2 . O direito à permanência do autor no país, dada a existência de filho brasileiro, torna desarrazoada a sanção pecuniária imposta pela estadia irregular após vencido o prazo legal e, perante a necessidade de observância da doutrina de proteção integral à criança e de conservação da unidade familiar, o acórdão recorrido merece subsistir. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1870415 SP 2018/0226628-7, Data de Julgamento: 22/11/2022, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/11/2022)
Atente-se para a lógica do seguinte julgado:
E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NULIDADE DO PROCESSO. NÃO CABIMENTO . ESTRANGEIRO. PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. PROLE BRASILEIRA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA . INEXIGIBILIDADE DE TAXA. ATOS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ART . 5º, INC. LXXVI. LEI Nº 13.445/2017 – LEI DE MIGRAÇÃO . ACORDO SOBRE RESIDÊNCIA. DECRETO nº 6.975/2009. MULTA . AFASTAMENTO. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. 1 . Inicialmente, não merece prosperar a alegação da UNIÃO no tocante à preliminar de nulidade do processo porquanto tratando-se de competência relativa - definida em razão do valor da causa -, e não arguida como questão preliminar em sede de contestação, prorrogar-se-á a competência relativa, nos termos do disposto nos artigos 63, 64 e 65 c/c 337, inc. II, todos do Código de Processo Civil. 2. A presente ação foi ajuizada com o escopo de assegurar o processamento da regularização migratória do autor, ora apelante, sem a cobrança de taxa ou multa . 3. Observa-se, à vista dos documentos acostados aos autos, que o autor, nascido na Venezuela, chegou ao Brasil em 25/01/2008 (Passaporte: C1885901), é inscrito no CPF nº 537.421.682-15, e tem um filho brasileiro de 07 anos - ISAAC RAFAEL HERCULANO VIVAS –, nascido em 22/02/2014, em São Paulo/SP (Id 68040158) . Pretende, o apelante, a regularização de sua documentação para permanência definitiva no Brasil em razão de prole brasileira. O autor declarou não possuir condições econômicas para arcar com o pagamento de R$ 827,75 (oitocentos e vinte e sete reais e setenta e cinco centavos), referente à taxa cobrada pela Polícia Federal. 4. Conforme se verifica do Formulário Socioeconômico (Id 68040158) acostado aos autos, o autor está desempregado, sendo a renda bruta familiar de R$ 800,00 à data da propositura da ação, tendo gastos mensais fixos do grupo familiar da ordem de R$ 783,00, sendo a título de despesa com aluguel R$ 403,00, e alimentação em torno de R$ 300,00, sem contar outras despesas . 5. In casu, vale destacar que a Constituição Federal de 1988 dispõe no art. 5º, inc. LXXVI, que, in verbis: “são gratuitasas ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma dalei, os atos necessários ao exercício da cidadania" (grifos meus) . Outrossim, a Lei Magna não prevê distinções entre nacionais e estrangeiros no que alude ao exercício de direitos fundamentais. 6. Desse modo, considerando que a regularização da estada do estrangeiro em território nacional é de essencial importância para o exercício de direitos fundamentais, possível extrair da dicção constitucional a existência de garantia de expedição da documentação do apelante de forma gratuita - na hipótese de comprovada falta de condições econômicas de pagamento -, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc . III, da CF/88). 7. Com efeito, constata-se por meio dos documentos acostados aos autos que o autor não possui capacidade econômica para arcar com o valor da taxa cobrada para regularização migratória sem o comprometimento de seu sustento e o de sua família, o que impede a expedição de documento indispensável de identificação do requerente em território nacional. Outrossim, assistido pela Defensoria Pública da União (DPU), o autor declarou estar desempregado, restando comprovada nos autos a condição de hipossuficiência econômica do ora apelante . 8. Registre-se, ainda, que o disposto no artigo 4º, inc. XII, da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 - Lei de Migração -, assegura expressamente a isenção de taxas concernentes à regularização de estrangeiros no país mediante declaração de hipossuficiência econômica, assim dispondo, in verbis: Art . 4º Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados: (...) XII - isenção das taxas de que trata esta Lei, mediante declaração de hipossuficiência econômica, na forma de regulamento; (...) Ademais, dispõe ainda o § 3º do art. 113 da Lei nº 13.445/2017: (...)§ 3º Não serão cobrados taxas e emolumentos consulares pela concessão de vistos ou para a obtenção de documentos para regularização migratória aos integrantes de grupos vulneráveis e indivíduos em condição de hipossuficiência econômica”. Outrossim, estabeleceu o art. 312 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017: Art . 312. Taxas e emolumentos consulares não serão cobrados pela concessão de vistos ou para a obtenção de documentos para regularização migratória aos integrantes de grupos vulneráveis e aos indivíduos em condição de hipossuficiência econômica. § 1º A condição de hipossuficiência econômica será declarada pelo solicitante, ou por seu representante legal, e avaliada pela autoridade competente (...). 9. Trata-se, com efeito, de respeito à dignidade da pessoa humana e efetivação de garantias constitucionais, considerando a igualdade entre nacionais e estrangeiros no tocante ao exercício de direitos fundamentais. 10 . Assim, não há como condicionar a emissão de documento essencial para a regularização migratória do autor ao recolhimento de qualquer taxa quando verificada a hipossuficiência do requerente, sob pena de se impor indevida restrição ao exercício de direito fundamental previsto na Carta Magna. 11. Ademais, para casos como o presente, em que se encontram relacionados vínculos de ordem familiar, também se deve levar em consideração a proteção constitucional à família, erigida à condição de base da sociedade nos termos dos artigos 226 e 227 da Constituição Federal. Nesse sentido, dispõe o art . 37 da Lei de Migração, in verbis: Art. 37. O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante: (...) IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou guarda. 12. Observa-se que a Lei de Migração garante a concessão de autorização de residência no país em razão de prole brasileira sob sua guarda, como no caso do autor, ora apelante. Ademais, já era garantido o direito à permanência no Brasil para estrangeiro com prole brasileira sob sua guarda, nos termos do art . 75, inc. II, alínea b, do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80).
Portanto, o autor já fazia jus à permanência no país com o nascimento do filho brasileiro, em 22/02/2014, anteriormente à propositura da presente demanda
. 13. Outrossim, dispõe o Artigo 3, item 2, do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, Bolívia e Chile, assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada em Brasília nos dias 5 e 6 de dezembro de 2002, introduzido no direito brasileiro pelo Decreto nº 6.975, de 7 de outubro de 2009, e do qual a Venezuela era signatária, in verbis: O presente Acordo aplica-se a: 1) Nacionais de uma Parte, que desejem estabelecer-se no território de outra e que apresentem perante o consulado respectivo sua solicitação de ingresso no país e a documentação determinada no artigo seguinte; 2)
Nacionais de uma Parte, que se encontrem no território de outra Parte, desejando estabelecer-se no mesmo e apresentem perante aos serviços de migração sua solicitação de regularização e a documentação determinada no artigo seguinte. O procedimento previsto no parágrafo 2 aplicar-se-á independente da condição migratória em que houver ingressado o peticionante no território do país de recepção e implicará a isenção de multas e outras sanções administrativas mais gravosas
(grifos meus) . 14.
Desse modo, verifica-se que o autor gozava de regularidade em sua permanência no país já que tinha direito de residência no Brasil por força do referido tratado internacional, não havendo, portanto, de se cogitar em aplicação de penalidade de multa ao autor, ora apelante
, 15. Por derradeiro, restando in casu comprovada a hipossuficiência econômica do autor, e em respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre nacionais e estrangeiros no tocante ao exercício de direitos fundamentais, bem como da razoabilidade, deve ser afastada, a cobrança de taxa/multa para a regularização migratória do autor com base em prole brasileira. 16 . Apelação da União não provida. Apelação do autor provida. (TRF-3 - ApCiv: 00234181920164036100 SP, Relator.: Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 12/11/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 26/11/2021)
Conquanto o
Acordo de Migração entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana
não veicule regras detalhadas sobre o tema, o fato é que a obtenção dos documentos decorre da própria concessão da segurança na sentença transitada em julgado, em cujo âmbito restou vedada a deportação do impetrante, razão da preservação dos vínculos familiares mantidos em solo nacional.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA COM BASE EM REUNIÃO FAMILIAR . DOCUMENTOS. APRESENTAÇÃO. PASSAPORTE VÁLIDO. LAISSEZ PASSER . REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DA UNIÃO DESPROVIDOS. 1 – Houve expresso indeferimento, por parte da autoridade migratória, do pedido de autorização de residência formulado pelo estrangeiro, com base em reunião familiar, ao fundamento de ausência de apresentação da documentação exigida, a caracterizar resistência ao pedido e, corolário lógico, inequívoco interesse processual, a demandar intervenção do Poder Judiciário. 2 - Sob outro aspecto, não se vislumbra perda superveniente do objeto do presente recurso, como sugere o órgão do Ministério Público Federal, na medida em que o processamento do pedido de autorização de residência, inclusive com a emissão de documento que regulariza a permanência do estrangeiro em território nacional, somente se deu em razão da concessão da medida liminar, provimento de natureza precária que demanda confirmação judicial . 3 – O passaporte é documento emitido pelo país aos seus nacionais (natos ou naturalizados), fundado no poder de império, que serve de prova da identidade e cidadania do seu titular, no qual podem ser apostos diversos registros, tais como entradas, saídas, vistos e autorizações, sendo essencial à saída do país emitente e ao ingresso no país estrangeiro, nos termos do art. 5º, I, da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 (Lei de Migração), a qual institui os direitos e os deveres do migrante e do visitante, que, por sua vez, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o viajante ou migrante. 4 - O art . 129, § 1º, da legislação mencionada permite, no entanto, a apresentação de documento de viagem com validade expirada, em caráter excepcional, ou documento emitido por órgão público brasileiro que comprove a identidade do imigrante. 5 - No caso concreto, o impetrante instruiu a ação mandamental com os seguintes documentos: Registro Nacional Migratório provisório, emitido em 13/02/2023; protocolo de requerimento de autorização de residência; escritura pública de união estável; “Laissez Passer” com validade de 1º de fevereiro a 1º de março de 2023. 6 - O Registro Nacional Migratório referenciado, expedido pela Polícia Federal em 13 de fevereiro de 2023, traz a indicação do nome do impetrante, data de nascimento, nacionalidade e filiação, ao passo que o “Laissez Passer” constitui documento de viagem, no caso de passaporte não válido no Brasil, sendo hábeis, portanto, a suprir a exigência documental trazida pela legislação migratória. Precedente desta 3ª Turma . 7 - Remessa necessária e apelação interposta pela União Federal desprovidas. Sentença mantida. (TRF-3 - ApelRemNec: 50118272820234036100 SP, Relator.: Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, Data de Julgamento: 05/07/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 10/07/2024)
Na peça inicial, o impetrante postulou que
"seja determinada a expedição de ofício à Policia Federal de Guarapuava, para que cumpra a ordem de permanência do Autor no País e emita o Registro Nacional de Estrangeiro a fim de legalizar o Autor perante o Estado Brasileiro."
Diante do exposto, concedo, liminarmente, a segurança ao autor, determinando que a autoridade policial da Delegacia de Polícia Federal de Guarapuava emita o Registro Nacional de Estrangeiro ao autor, bem como se abstenha de lhe recusar a autorização de residência no solo nacional, invocando como motivo a falta de referido documento.
Deixo de arbitrar multa dissuasória do descumprimento, prevista no art. 537, CPC, também aplicável no rito do mandado de segurança, dado não divisar sinais da sua necessidade. Caso aludida premissa seja infirmada, aludidas
astreintes
haverão então de ser arbitradas.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. REPORTO-ME ao evento 9 no que toca aos pressupostos e condições de válido exercício de direito de ação.
3.2. EQUACIONEI acima alguns vetores, com cognição precária, relevantes para a apreciação do pedido de liminar, ao tempo em que destaquei os elementos de convicção veiculados nos autos.
3.3. DEFIRO a liminar postulada pelo impetrante, a fim de determinar à autoridade impetrada que se abstenha de recusar ao autor a expedição do registro nacional de estrangeiro (RNE) - por conta da alegada não apresentação de documentos necessários para tanto -, em prol da regularizar sua permanência no Brasil, bem como se abstenha de promover a regularização de sua permanência com argumento na falta de referido documento.
3.4.
NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada para que cumpra a medida liminar, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da notificação. ANOTO que a impetrante poderá promover a notificação da autoridade impetrada, por meio do(a) seu(sua) advogado(a) na forma do art. 269, §1, Código de Processo. Civil/15.
3.5. DEIXO de cominar multas diárias para o descumprimento, sem prejuízo de nova análise, caso se faça necessário - art. 537, CPC.
3.6. INTIMEM-SE as partes a respeito desta decisão - art. 5 da lei n. 11.419/2006.
3.7. INTIME-SE o MPF para, querendo, apresentar parecer em 10 dias úteis, contados da intimação, na forma do art 12 da lei n. 12.016/2009.
3.8. VOLTEM-ME conclusos para prolação da sentença, com a manifestação do MPF ou esgotamento do prazo para tanto fixado.
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Benedito Elias Da Silva x Banco Pan S.A.
ID: 332631242
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5010123-29.2024.4.04.7001
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MIRIÃ GABRIELA SANCHINI GOMES
OAB/SC XXXXXX
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MARCELO MAY RENGEL
OAB/SC XXXXXX
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GUILHERME SCHROEDER DE LACERDA
OAB/SC XXXXXX
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JEAN CARLOS FAVRETTO
OAB/SC XXXXXX
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RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MS XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5010123-29.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: BENEDITO ELIAS DA SILVA
ADVOGADO(A)
: JEAN CARLOS FAVRETTO (OAB SC055026)
ADVOGADO(A)
: GUILHERME SCHROEDER DE LACERDA …
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5010123-29.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: BENEDITO ELIAS DA SILVA
ADVOGADO(A)
: JEAN CARLOS FAVRETTO (OAB SC055026)
ADVOGADO(A)
: GUILHERME SCHROEDER DE LACERDA (OAB SC057813)
ADVOGADO(A)
: MARCELO MAY RENGEL (OAB SC030062)
ADVOGADO(A)
: MIRIÃ GABRIELA SANCHINI GOMES (OAB SC070965)
RÉU
: BANCO PAN S.A.
ADVOGADO(A)
: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB MS005871)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 05/06/2024,
BENEDITO ELIAS DA SILVA
ingressou com a presente demanda, sob o rito do Juizado Especial, em face do BANCO PAN S.A. e INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pretendendo a condenação dos requeridos a se absterem de promover descontos no seu benefício previdenciário em decorrência do contrato n. 761111164-7, de reserva de cartão consignado. Postulou, ademais, a condenação de ambos a lhe pagarem o dobro dos valores que teriam sido desbastados a tal título, bem como a repararem os danos morais que disse ter suportado.
Para tanto, o autor disse receber aposentadoria junto ao INSS, regime comum previdenciário, e ter sido surpreendido com descontos decorrentes da contratação de cartão de crédito consignado, junto ao agende financeiro demandado, o qual ele não teria contratado.
Alegou que os demandados haveriam de ser responsabilizados, de modo solidário, pois teriam atuado com incúria, chancelando a contratação fraudulenta, ocorrida em 19/09/2022, em prejuízo dele. Discorreu sobre a aplicação da legislação consumerista ao caso, disse que a conduta dos demandados teria lhe ocasionado danos morais, passíveis de indenização no valor de R$ 10.000,00.
Ele requereu a gratuidade de justiça a antecipação de tutela, detalhou seus demais pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 10.000,00, anexando documentos.
No evento 6, declarei a competência deste juízo para a causa e sua submissão ao rito dos juizados especiais. Deferi ao autor a gratuidade de justiça, determinando que esclarecesse e, sendo o caso, retificasse o valor atribuído à causa, e posterguei a análise do pedido de tutela para momento posterior à resposta dos demandados. O autor promoveu emenda no movimento 9, em que retificou o valor atribuído à causa para R$ 12.967,52.
O processo foi distribuído por conexão à demanda de eproc 5010124142024 404 7001. O INSS apresentou contestação no evento 15, discorrendo sobre as normas relativas aos descontos em consignação de benefícios previdenciários. Alegou não possuir legitimidade para a causa e tampouco ser o caso de ser responsabilizado pelos fatos relatados pelo autor e insurgiu-se congtra a pretensão da parte autora. O Banco PAN S.A. juntou sua contestação no evento 16, em que alegou que contrato teria sido avençado de modo escorreito. Aduziu que o requerente não teria suportado danos morais, ao tempo em que juntou documentos e alegou a incompetência dos juizados, em razão da complexidade da demanda.
O Banco PAN S.A. juntou sua contestação no movimento 16, em que alegou que contrato teria sido avençado de modo escorreito. O requerente não teria suportado os danos morais por ele alegados. Juntou documentos e alegou a incompetência dos juizados, em razão da complexidade da demanda.
Promovi a apreciação do estado da causa no evento 21, ocasião em que indeferi o pedido de antecipação de tutela. O autor apresentou réplica no ev.
36.1
, repisando os argumentos esgrimidos na peça inicial. O Banco PAN postulou a inquirição enquanto o autor requereu a perícia grafotécnica (evento
37.1
). O INSS não manifestou interesse em dilação probatória (evento
32.1
).
O demandante juntou sua réplica, repisando os argumentos esgrimidos ne peça inicial e reiterando o pedido de antecipação de tutela.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Pressupostos processuais e condições da ação:
Reporto-me aos eventos 6 e 21, em cujo âmbito apreciei os pressupostos processuais - necessários para que haja devido processo legal - e os pressupostos para válido exercício do direito de ação.
Não acorreram aos autos elementos que demandem revisão do mencioando exame, conforme art. 485, §3, CPC.
2.2. Distribuição do
ônus
da prova CDC:
Repiso o exame que promovi no evento 6.
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.3.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.4. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Logo, em princípio, incumbe ao banco requerido o encargo de comprovar a autenticidade de assinaturas que tenham sido impugnadas pela parte demandante.
2.5.
Eventual empréstimo de meios probatórios:
No mais das vezes, eventuais elementos de convicção, obtidos em outras demandas, podem ser opostos às partes, contando que haja consenso entre os contendores a respeito do tema, na forma do art. 190, CPC. Ou seja, desde que haja acordo entre os litigantes, no âmbito de processos versando sobre pretensões que admitam autocomposição.
Nos demais casos, os elementos probatórios, porventura obtidos em outros processos, poderão ser opostos aos litigantes desde que elas tenham participado da relação processual em que eles tenham sido obtidos, sob contraditório (TALAMINI, Eduardo.
Prova Emprestada
no Processo Civil e Penal.
In
Revista de Informação Legislativa,
v. 140, p. 157-158).
É o que se infere do art. 372, CPC/15:
"O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório."
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.
PROVA EMPRESTADA
REALIZADA EM AÇÃO ANULATÓRIA, PERÍCIA CONTÁBIL. POSSIBILIDADE. IDENTIDADE DE PARTES E CAUSA DE PEDIR.A
jurisprudência assentada no C. STJ reconhece a validade da
prova emprestada
, desde que produzida em processo envolvendo as mesmas partes, com identidade na causa de pedir, sendo inadmissível que a parte suporte os efeitos das provas produzidas sem a sua participação, em observância aos princípios da instrumentalidade das formas, celeridade, economia e efetividade do processo.In casu, ambas as ações têm as mesmas partes e causas com identidade de pedir, visto que discutem os mesmo débitos
. Aberto prazo para a União Federal se manifestar sobre o laudo pericial,ausente qualquer violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AI 00178372420154030000, DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2016.. FONTE_REPUBLICACAO:.)
"
As provas emprestadas para estes autos, requeridas tanto pelo autor, quanto pelo réu, foram produzidas em ação penal com as mesmas partes, sem, pois, qualquer prejuízo ao contraditório
, renovado quando da respectiva juntada na presente ação, não se revelando pertinente, na espécie, logicamente e nos termos da jurisprudência, a repetição da prova neste processo, sob pena de inutilidade do empréstimo realizado dos outros autos." (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2242219 0006167-38.2010.4.03.6119, JUIZA CONVOCADA DENISE AVELAR, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/01/2018)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSPETOR DE SEGURANÇA DOS CORREIOS. DEVASSA E SUBTRAÇÃO DAS MERCADORIAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA PELOS MESMOS FATOS. PROVA EMPRESTADA NO JUÍZO CÍVEL. POSSIBILIDADE. 1. Apelação cível interposta pelo demandado, em face de sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco que o condenou às sanções insertas no art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de ato improbidade administrativa. 2. Preliminares de cerceamento de defesa e de violação ao devido processo legal que se rejeitam. Primeiramente, não há qualquer mácula ao direito de ampla defesa e contraditório da parte, pelo fato de não ter havido interrogatório do investigado, eis que, diferentemente do que ocorre no processo criminal, no rito das ações civis pública por ato de improbidade administrativa, não há previsão legal da realização desse ato. Também não restaram comprovadas as alegações de violação da mobília funcional do apelante, bem como fraude das imagens colacionadas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, em que se revela de forma induvidosa o modus operandi da prática ilícita perpetrada pelo recorrente. 3. O Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública por ato de improbidade administrativa em desfavor do apelante, imputando-lhe a prática de atos de improbidade, os quais também foram objeto de persecução penal, deflagrada a partir de sua prisão em flagrante, seguida de denúncia e condenação pelo crime de peculato (art. 312, parágrafo 1º, c/c o art. 71 do Código Penal). 4.
O juízo cível utilizou-se de
prova emprestada
colhida na seara penal, hipótese essa amplamente autorizada pelas Cortes Pátrias, uma vez respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes.
5. Diante do vasto acervo probatório constante dos autos - provas documentais, testemunhais e depoimentos -, é indiscutível a autoria e materialidade dos fatos ímprobos imputados, havendo perfeita subsunção das condutas praticadas pelo apelante à capitulação descrita no art. 11, I, da Lei de Improbidade Administrativa, eis que o demandado, na condição de funcionário público dos Correios, prevalecendo-se da sua condição de Inspetor Regional dos Correios, subtraiu - de forma consciente e reiterada - para si, encomendas destinadas aos clientes da aludida empresa pública. 6. Apelação improvida. (AC - Apelação Civel - 590937 0007186-73.2013.4.05.8300, Desembargador Federal Edílson Nobre, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::14/12/2017 - Página::62)
O tema é especialmente sensível quando se cuida de transposição de termos de testemunhos ou laudos periciais elaborados em outros processos. O mesmo não se dá, em princípio, quanto a documentos anexados em outros feitos, na medida em que a prova documental está submetida, em regra, apenas ao contraditório diferido. Tanto por isso, em princípio, o traslado de cópia de documentos jungidos em outros autos de processo - mesmo que deles não figurem os litigantes - não chega a comprometer a garantia do contraditório.
Deve-se ter em conta, porém, que
"O artigo 372 do CPC/15 previu o uso de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório. Na hipótese, não se admite a utilização do conteúdo dos laudos indicados, eis que a prova emprestada só tem valor probante quando tenha sido produzida em processo envolvendo as mesmas partes, face à necessidade de observância estrita da garantia constitucional do contraditório,
o que não se verificou, já que o laudo anexado pelo Autor foi produzido em favor de empregados celetistas da EBSERH, não tendo a UFPE participado da ação que produziu a prova pericial
."
(TRF-5 - Ap: 08245069320194058300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, Data de Julgamento: 28/10/2021, 3ª TURMA)
Por outro lado, convém ter em conta o seguinte julgado do TRF4:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. prova emprestada. admissibilidade. nulidade não configurada. prazo prescricional. suspensão. requerimento administrativo de revisão. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. MÉDICO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GRAU MÁXIMO. CONFIGURAÇÃO. 1. Desnecessária a reabertura da instrução, quando o próprio juiz, destinatário da prova, entende que as questões suscitadas pelas partes já se encontram devidamente esclarecidas. 2. A utilização da prova emprestada atualmente tem amparo no art. 372 do CPC/15: "O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.".
O STJ já afastou a necessidade de identidade de partes para a utilização de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório como requisito primordial
. 3. O requerimento administrativo de revisão do benefício suspende o curso do prazo prescricional, que é retomado a partir da decisão definitiva por parte da Administração, conforme art. 4º do Decreto n. 20.910/32. 4. Faz jus a parte autora, médica anestesiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, à percepção do adicional de insalubridade em grau máximo, tendo em vista que o laudo médico pericial concluiu pela exposição habitual a agentes nocivos biológicos, sendo contundente quanto à existência da insalubridade em nível máximo. (TRF-4 - AC: 50556034820154047000 PR 5055603-48.2015.4.04.7000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 19/05/2020, TERCEIRA TURMA)
Atente-se para a fundamentação do mencionado acórdão do TRF4:
"
A utilização da prova emprestada atualmente tem amparo no art. 372 do CPC/15: "O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório
. Com efeito, sendo o juiz o destinatário da prova, a ele compete ponderar sobre a necessidade ou não da sua realização. A produção probatória deve possibilitar ao magistrado a formação do seu convencimento acerca da questão posta, cabendo-lhe indeferir as diligências que reputar desnecessárias ou protelatórias ao julgamento da lide."
Neste sentido o seguinte julgado do E. STJ: "
1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, deve ser afastada a alegada ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973. 2.
Como destinatário final da prova, cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, a interpretação da produção probatória, necessária à formação do seu convencimento. 3. Inviável o recurso especial cuja análise impõe reexame do contexto fático-probatório da lide (Súmula 7 do STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento
.' (
AgInt no AREsp 829.231/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 21/09/2016)
A Corte Especial do STJ já afastou a alegada necessidade de identidade de partes para a utilização de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório como requisito primordial. Eis excerto da ementa:
(...) 9. Em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. 10. Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo. 11. Embargos de divergência interpostos por WILSON RONDÓ JÚNIOR E OUTROS E PONTE BRANCA AGROPECUÁRIA S/A E OUTRO não providos. Julgados prejudicados os embargos de divergência interpostos por DESTILARIA ALCÍDIA S/A. (EREsp 617.428/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 17/06/2014)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO POR DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA LIDE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROVA EMPRESTADA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. (...) 2.
Esta Corte entende que "independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo" (EREsp n. 617.428/SP, rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 4/6/2014, DJe 17/6/2014
). 3. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. 4. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais arbitrado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão. No caso, o valor estabelecido pelo Tribunal de origem não se mostra excessivo, a justificar sua reavaliação em recurso especial. 5. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula n. 283/STF. 6. Agravo interno a que se nega provimento. ( AgInt no AREsp 972.929/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019) - destacou-se.
Atente-se ainda para o seguinte:
"(...) Não há dúvida de que a questão jurídica e o contexto fático é idêntico ao dos autos nº 5038374-17.2011.404.7000, eis que em ambos os servidores, médicos anestesiologistas que trabalham no Hospital das Clínicas, requerem o recebimento de adicional de insalubridade no grau máximo, em virtude de permanente exposição a agentes nocivos biológicos.
Outrossim, o fato do laudo pericial produzido nos autos nº 5038374-17.2011.404.7000 ter sido produzido em dezembro de 2012, também não altera tais conclusões, uma vez que competia à ré comprovar qualquer alteração no ambiente laboral da autora
.
O laudo pericial produzido nos autos nº 5038374-17.2011.404.7000/PR trata do mesmo local de trabalho da autora e aborda a mesma atividade da autora, não tendo sido apresentadas razões, pela ora ré, que desabonassem a prova produzida ou esclarecida a suposta divergência da situação fática ora estudada.
Conforme exposto na decisão do evento 22, o laudo que embasou a classificação do risco a que submetida a autora, produzido pela UFPR, não tratou individualmente cada profissional, mas ateve-se à categoria e ao ambiente de trabalho. Não verifico, portanto, razão para que a UFPR utilize parâmetros distintos em sua análise administrativa, daqueles a serem aplicados na análise dos presentes autos.
Também não vejo como a utilização da prova emprestada, no caso, violaria os incisos LIII, LIV e LV do art. 5.º da Constituição Federal, eis que houve a efetiva observância dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. (...) Assim, não há qualquer razão contundente para que o laudo não seja utilizado como prova emprestada à situação fática da parte autora.
Dessa forma, rejeita-se a alegação de nulidade, negando-se provimento à apelação da parte ré no ponto
." (TRF-4 - AC: 50556034820154047000 PR 5055603-48.2015.4.04.7000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 19/05/2020, TERCEIRA TURMA)
Atente-se ainda para o seguinte julgado do STJ:
CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. TERRAS DEVOLUTAS. COMPETÊNCIA INTERNA. 1ª SEÇÃO. NATUREZA DEVOLUTA DAS TERRAS. CRITÉRIO DE EXCLUSÃO. ÔNUS DA PROVA. PROVA EMPRESTADA. IDENTIDADE DE PARTES. AUSÊNCIA. CONTRADITÓRIO. REQUISITO ESSENCIAL. ADMISSIBILIDADE DA PROVA. (...) 9. Em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório.
No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. 10. Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo
. (...) (ERESP - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL - 617428 2011.02.88293-9, NANCY ANDRIGHI, STJ - CORTE ESPECIAL, DJE DATA:17/06/2014 ..DTPB:.)
Desse modo, em princípio, revela-se cabível eventual empréstimo probatório, contanto que os critérios acima sejam atendidos.
2.6. Juízos de abdução:
A distribuição do ônus da prova cuida de um critério de solução da causa, diante da eventual insuficiência da comprovação da veracidade de determinadas asserções. Na forma do art. 373, I, CPC/15, caso a parte autora tenha promovido a narrativa de um fato, apontado como causa da sua pretensão, e a veracidade dessa narrativa não tenha sido comprovada, a pretensão há de ser julgada improcedente. De modo semelhante, caso a parte requerida tenha alegado a ocorrência de um fato obstativo do acolhimento da pretensão da parte autora - por exemplo, causação do dano por um terceiro, desvinculado da sua atividade econômica -, e isso não seja provado, então sua impugnação não poderá ser acolhida.
Algo diferente ocorre com os critérios de interpretação dos meios de prova. Nesse âmbito, tem-se em conta a forma como o Juízo deve apreciar os elementos probatórios veiculados nos autos, para fins de reconstrução histórica dos fatos narrados pelas partes
.
Como sabido, indício
"
é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo
"
(MOURA, Maria Thereza.
A prova por
indícios
no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 109). Tais sinais, fundamentando juízos de abdução, podem amparar um decreto condenatório; desde que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"
Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes
. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI,
Paolo.
A prova no processo penal italiano.
SP:RT, p. 58)
"Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado.
8ª ed., SP: RT, p. 514)
"
Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade
. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios? Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)." (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.
Princípios do processo penal:
entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113.
"
A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar
. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." (Pacelli de Oliveira,
Curso de processo penal,
6ª ed. Del Rey, p. 367).
"Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal.
SP: RT, 2.003, p. 307, grifei.
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema:
"
Uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação
."
(STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035, omiti o restante da ementa). Ademais,
"
Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado
."
(TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti parte da ementa).
Ainda nesse sentido,
"
Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer
."
(TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
Em princípio, cabe a quem alega o ônus da demonstração segura, ou seja, crível e filtrada racionalmente, tanto quanto possível, de que os argüidos teriam praticado, ao tempo reportado pela petição inicial, a conduta imputada, ainda que isso possa ser promovido por meio da conjugação de significativos e consistentes indícios da prática infracional. Sendo isso aplicável na temática processual penal, solução semelhante impõe-se também no âmbito da ação civil pública, com os contornos próprios ao processo civil.
2.7. Diligências probatórias - considerações gerais:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC/15. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da lei 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.8. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda. Incumbirá às partes, por meio dos advogados, a notificação de suas testemunhas, salvo quando atendidos os requisitos do art. 455, §4, CPC.
2.9. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.10. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
No rito dos juizados, em determinados casos, a complementação da documentação pode ser promovida em outras etapas do processo, por conta da informalidade que o caracteriza - art. 2. da lei n. 9.099/1995.
2.11. Eventual exame grafotécnico - considerações gerais:
O exame grafotécnico destina-se a aferir se determinado grafismo é compatível com aquela produzida por uma determinada pessoa.
Cuida-se, portanto, de um exame de autenticidade de determinados escritos ou mesmo desenhos. No seu âmbito, promove-se a análise - dentre outros tópicos - da carga da escrita, do grau de inclinação de determinados traços; velocidade do escrito; espaçamento entre letras e palavras; altra da palavra em relação às linhas de escrita; se a escrita é linear ou é angulada; a forma como determinadas letras são cortadas etc.
Para tanto, o perito/a perita deve promover a coleta do material gráfico a ser tido como verdadeiro - fornecido, por exemplo, pela parte autora, pela alegada vítima de um crime, por quem questiona um determinado contrato etc. -, para fins de confronto com o documento alvo de impugnação.
Em princípio, revela-se
"
imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada
."
(TJ-MT - APL: 00186724820158110002 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 07/11/2017). Assim,
"é imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada. Há o risco da prova pericial apresentar resultados imprecisos e ambíguos, o que ensejaria a realização de nova perícia.”
(TJMT, AI 126859/2014, de minha relatoria, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Publicado no DJE 12/12/2014)
Destaco, que em situação similar o Setor de Perícias de Polícia Federal já comunicou a este Juízo a inviabilidade de realização dos exames grafotécnicos sem a apresentação dos originais.
"(...)
Os documentos foram apresentados em forma de cópia. Os exames grafoscópicos devem ser preferencialmente realizados sobre as vias originais, pois em cópias as minúcias mais sutis da escrita não se encontram reproduzidas e o grau de certeza atingível nas conclusões é impactado negativamente – quanto menor a qualidade da cópia, menor o grau de certeza possível
. Em observância ao disposto na Orientação Técnica nº 15/2019-DITEC/PF, que padroniza os exames documentoscópicos no âmbito da Polícia Federal, como regra, os exames em cópias são realizados apenas quando a solicitação de exame declara explicitamente a inexistência ou indisponibilidade das vias originais (Art. 3º § 1º, Art. 8º parágrafo único).
6. A combinação dos dois problemas acima descritos inviabiliza a realização dos exames a partir do material ora apresentado.
7. Para que o exame seja viabilizado, é necessário providenciar: (...) [2] a via original do documento questionado, ou seja, o contrato apresentado no evento 8 (CONTR6). - autos 50370163620194047000).
2.12. Honorários
periciais
- gratuidade de Justiça:
O arbitramento de honorários periciais,
no regime da gratuidade de justiça
, no âmbito da Justiça Federeal, é regulamentado pela
Resolução n. 305
, de 07 de outubro de 2014, CJF. Por outro lado, tratando-se de perícia realizada perante a Justiça Federal e não se enquadrando na área de engenharia, contábil e ciências econômicas, o valor mínimo de R$ 62,13 e máximo de R$ 248,53.
Note-se que o limite de pagamento dos honorários periciais é do triplo do máximo, redundando em
R$ 745.59
, o que se revela insuficiente, em muitos casos, para remuneração do perito judicial, profissional liberal que atua sob regime de livre iniciativa.
Não há como o Juízo obrigar as partes a aceitarem eventual orçamento apresentado pelo(a) perito(a). Tampouco pode obrigaro o(a) perito(a) a promover a diligência probatória pelo valor ofertado pelas partes
.
Em princípio, aludido valor é aplicável à totalidade dos demandantes, conquanto se possa cogitar que - caso houvessem distribuído demandas autônomas, 01 autor por processo - cada um faria jus então à cota de até R$ 745,59. No mais das vezes, porém, a multiplicidade de demandantes não altera o limite inerente aos honorários sucumbenciais. E, ainda que assim não fosse, cogita-se que, no caso, os honorários superariam até mesmo o montante corresndente a R$ 745,59 multiplicado pelo número de requerentes.
Assim, há uma aparente dificuldade quanto ao custeio de eventual perícia. Isso não implica, por si, a inversão do ônus da prova, com registrei acima, por conta da adequada exegese do art. 373, §1, CPC/15
. Nâo há como o orçamento da Justiça Federal assumir encargos superiores ao mencionado. Isso não impede que os eventuais postulantes da diligência se predisponham a antecipar aludidos honorários periciais, caso se revelem suepriores ao limite acima detalhado.
2.12. Encargos do banco quanto à demonstração:
Reitero, de todo modo, que incumbe ao banco o ônus de comprovar a autenticidade de eventual instrumento contratual, quando a questão esteja em causa, o que pode ser promovido por meio de perícia, por meio de testemunhos, por meio de comprovates de pagamentos na condta do demandante, dentre outros meios demonstrativos.
Por outro lado, a despeito da inversão do ônus da prova, cabe a quem requer a diligência pericial o ônus de antecipar os honorários pertinentes. Quando o postulante da medida esteja litigando sob o abrigo da justiça gratuita, isso suscita os problemas mencionados no tópico anterior.
2.13. Situação em exame:
No caso em exame, a parte autora sustentou ter constatado a ocorrência de descontos na sua prestação previdenciária, decorrentes de um alegado uso de cartão de crédito com margem consignada, que ela sustentou não ter avençado com o banco requerido.
No evento 16, o banco demandado apresentou cópia do instrumento contratual, com fotos do autor, indicação de saques no cartão, dados de geolocalização:
O demandado disse ter transferido recursos para a conta do demandante, como segue:
Juntou fatura do cartão em exame, dentre outros documentos.
2.14. Pedidos de diligênicas demonstrativas:
No caso, no evento 33, o banco Pan postulou a tomada do depoimento pessoal do autor, na forma do art. 385, CPC. No evento 37, o autor postulou a realização de diligência pericial, argumentando o seguinte:
"Diante do despacho retro, a parte Autora vem informar que possui interesse na realização de prova pericial para comprovar a falsificação da assinatura digital, conforme alegado pelo aposentado na inicial e na Réplica. Faz-se primordial no presente caso que um perito forense em assinatura digital produza laudos técnicos que detalham a análise realizada nos documentos eletrônicos, apontando para a autenticidade (ou falta dela) da assinatura digital em discussão. Busca-se provar que o contrato anexado aos autos não foi devidamente assinado pelo autor e trata-se de uma fraude. Conforme destacado pelo autor em sua réplica, o contrato que o banco apresentou não possui os seguintes requisitos da assinatura digital: Certificação digital, Assinatura digital em todas as páginas, E-mail e Uso de senha pessoal."
Anoto que o autor litiga ao abrigo da gratuidade de justiça.
2.15. Exame dos pedidos de medidas probatórias:
Defiro o pedido do Banco, no que toca à tomada do depoimento pessoal do autor, eis que a medida não se revela impertinente ou desnecessária no caso em apreço. Por outro lado, conquanto cogite do deferimento da diligência pericial, reitero que ela provavelmente enfrentará alguns óbices.
Dado que o autor a requereu, os custos periciais deveriam ser atencipados por ele. Como ele litiga com o beneplácito da gratuidade de justiça, os custos deverão ser suportados pelo Erário. Contudo, para tanto, os limites impostos pelo CJF e pelo CNJ devem ser respeitados. E isso implica uma dificuldade na nomeação de peritos(as), por não aceitarem o montante fixado a título de remuneração. O Departamento da Polícia Federal não realiza perícias para demandas cíveis.
D'outro anto, foi declarada a inversão do ônus da prova. Isso não implica necessariamente presumir verdadeira a narrativa dos fatos promovida na peça inicial, eis que cabe às partes avaliar a suficiência dos elementos probatórios anexados aos autos, tomados em seu conjunto (princípio da comunhão probatória).
Faculto ao autor manifestação a respeito tópico.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DEFIRO a tomada do depoimento pessoal do autor, conforme art. 385, CPC.
3.2. DESIGNE a Secretaria data para realização de audiência, telepresencial, conforme pauta do Juízo.
3.3. INTIMEM-SE as partes a respeito da data, horário e link de acesso da audiência, tão logo tenha sido aprazada. Registro que o autor deverá comparecer ao ato, ciente de que a recusa em responder as questões formuladas pelo Juízo ou pela contraparte poderá ensejar a presunção da veracidade da narrativa dos fatos veiculada na peça inicial, quanto ao tópico não respondido.
3.4. INTIME-SE a parte autora a respeito das dificuldades acima detalhadas quanto à realização da perícia em regime de gratuidade de Justiça, a fim de que diga se insiste na promoção da medida. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.5. INTIMEM-SE as partes a respeito deste despacho.
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Zenia Ebert x Caixa Econômica Federal - Cef
ID: 330680899
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5011263-04.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LETICIA FERREIRA DE ARAUJO
OAB/PR XXXXXX
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DIOGENES ELEUTERIO DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5011263-04.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: ZENIA EBERT
ADVOGADO(A)
: LETICIA FERREIRA DE ARAUJO (OAB PR088005)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃ…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5011263-04.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: ZENIA EBERT
ADVOGADO(A)
: LETICIA FERREIRA DE ARAUJO (OAB PR088005)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 19/03/2024,
ZENIA EBERT
deflagrou a presente demanda, sob rito dos juizados, em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo a declaração de não ter celebrado um contrato de seguro, invocado pela requerida para fins de cobrança de prêmios pertinentes. Ela postulou a condenação da demandada ao pagamento, a seu favor, do
dobro dos valores que disse terem sido descontados de modo indevido e a condenação da requerida à reparação dos danos morais que ela alegou ter suportado.
A autora sustentou ter sido surpreendida, ao consultar seus extratos bancários, com a constatação de haver descontos mensais no valor de R$ 77,90 decorrentes de um suposto seguro, havidos desde o ano de 2021 sem sua autorização ou contratação. Os valores descontados já ultrapassariam R$ 2.804,40. Ela disse ser aposentada e auferir rendimentos no valor de um salário mínimo mensal, necessitando dos valores para sua subsistência. Disse ter tentado resolver a questão extrajudicialmente,, sem sucesso. A requerente postula a concessão da justiça gratuita, a antecipação de tutela para a imediata suspensão dos descontos e restituição dos valores, a inversão do ônus da prova, e indenização dos alegados danos morais no valor de R$ 10.000,00. Atribuiu à causa o valor de R$ 15.608,80.
O processo foi distribuído à 22ª Vara Federal de Curitiba, que, por sua especialização previdenciária, declarou-se incompetente, determinando a redistribuição para uma das Varas de Juizado Especial Cível. A demanda foi redistribuída à presente 11ª Vara Federal de Curitiba.
A Caixa Econômica Federal foi intimada e manifestou interesse na tentativa de conciliação. Foi conduzida audiência para esse fim, restando infrutífera. Na sequência, a empresa pública apresentou sua contestação, alegando sua ilegitimidade para a demanda, argumentando ter atuado apenas como intermediária, repassando os valores para a empresa Aspecir, destinatária dos descontos. A CEF afirmou ter havido efetiva contratação junto à "CEF Seguradora" e que a empresa teria apresentado autorização do cliente para os descontos, alegou a ausência de ato ilícito. Disse não caber à CEF auditar todas as transações de seus clientes e que a empresa que teria postulado a promoção dos descontos seria a única responsável por evetuais prejuízos. Impugnou o pedido de reparação de danos morais, alegando não haver ato ilícito e que o dano moral não se configura por meros aborrecimentos, além de impugnar o
quantum
indenizatório postulado pela autora. Sustentou ser incabível a inversão do ônus da prova, pretendida pela autora.
As partes foram intimadas para, querendo, detalharem os meios de provas que pretendiam produzir.. A autora requereu a produção de prova oral (depoimento da ré e oitiva de testemunhas) e prova documental.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
da
Justiça
Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a parte autora endereçou sua pretensão à Caixa Econômica Federal, empresa pública federal criada com força no decreto-lei nº 759, de 12 de agosto de 1969. Aplicam-se ao caso o art. 109, I, CF/1988 e o art. 10 da lei n. 5.010/66.
2.2. Submissão do caso à alçada e rito dos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do art. 504, I, CPC:
"
Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença
."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, em princípio, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da parte autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos no
decreto 12.342, de 31 de dezembro de 2024
, no valor de R$ 1.518,00 -, atendendo ao art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário do autor, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Eventual complexidade da demanda não implica incompetência dos Juizados:
"A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023).
A pretensão da parte autora é de natureza condenatória, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. Ressalvo novo exame caso, diante da emenda determinada adiante, o valor da causa ultrapasse referido limitador de 60 salários mínimos
.
2.3.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão do autor venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais e empresas públicas federais:
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão da causa ao presente Juízo:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, mediante redistribuição por auxílio de equalização, o que atendeu à garantia do Juízo Natural -
art. 5, LIII, Constituição/88
.
2.5. Conexão processual - considerações gerais:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
2.6. Eventual conexão - caso em exame:
Há, no caso, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ.
2.7. Respeito à coisa julgada - considerações gerais:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.8. Respeito à coisa julgada - caso em exame:
No caso em análise, não diviso sinais de violação à garantia coisa julgada. Ao que consta, o tema aludido na inicial não chegou a ser apreciado em alguma outra sentença, de modo que não há afronto à garantia em causa.
2.9. Litispendência - considerações gerais:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
De toda sorte, não há preclusão
pro iudicato
para exame do tema adiante, notadamente em fase de saneamento, caso acorram aos autos elementos que demandem a revisão deste despacho.
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
2.10. Cogitada litispendência - caso em exame:
No caso em apreço, não vislumbro indicativos de que esta causa seja reiteração de alguma outra em curso, na forma do art. 337, §2, CPC, de modo que entendo não ahver sinais de
bis in idem.
2.11. Suspensão da demanda - considerações gerais:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
2.12. Eventual suspensão da demanda - caso em apreço:
No caso em apreço, não há sinais de alguma questão prejudicial a ensejar a suspensão desta demanda no aguardo da sua solução. Por conta do exposto, a causa deve evoluir até a prolação da sentença.
2.13. Pertinência subjetiva das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.14. Pertinência subjetiva do autor:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a parte autora está legitimada para a demanda, eis que sustentou que seu benefício previdenciário estaria suportando descontos indevidos. Deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15
.
2.15. Legitimidade do banco demandado:
D'outro tanto, a CEF está legitimada para a causa, na medida em que - segundo a peça iniciail - seria a responsável pela promoção dos descontos em questão. Ademais, segundo a parte autora, a empresa pública federal teria sido a causadora dos danos morais alegados na peça inicial.
2.16. Litisconsórcio passivo
necessário
- considerações gerais:
Por outro lado, reitero que o litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes, tudo a depender do contexto processual. Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de processo civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.17. Garantia do
art. 506
, CPC/15:
Por conta da cláusula do devido processo, ninguém pode sofrer a expropriação de bens, sem que lhe seja assegurado efetivo contraditório. Atente-se para o art. 506, Código de Processo Civil/15:
"
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros
."
A respeito do tema, destaco a análise de Marinoni:
"A princípio, portanto, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes ficam acobertadas pela coisa julgada . Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que participaram do contraditório que resultou na prolação da decisão judicial. Naturalmente, se esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, indubitavelmente devem se sujeitar à resposta jurisdicional oferecida. Também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (arts. 108 e 109), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada. Para as partes e seus sucessores, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios de impugnação, torna-se imutável.
E quanto aos terceiros?
Para responder adequadamente essa questão, é preciso perceber inicialmente que o novo Código não refere que os terceiros não poderão se beneficiar da coisa julgada. Também é preciso perceber que o novo Código não reproduziu a regra constante do art. 472, parágrafo único , do CPC anterior, segundo a qual “nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.
Assim, inicialmente, o novo Código não veda que terceiros se beneficiem da coisa julgada – na esteira do que já sugeria a doutrina diante do direito anterior. Isso quer dizer que o art. 506 acolheu a possibilidade de formação da coisa julgada secundum tenorem rationis. A ausência de restrição ao aproveitamento da coisa julgada ao terceiro, inclusive, harmoniza-se com o disposto no art. 274 do CC , segundo o qual o terceiro, credor ou devedor solidário, desde que o resultado do processo tenha lhe sido favorável e não fundado em qualidade especial ligada tão somente ao autor ou réu da demanda, pode aproveitar a coisa julgada formada inter alios .
Em segundo lugar, a ausência de repetição da regra do parágrafo único do art. 472 do direito anterior deve-se à necessidade de correção do equívoco evidente que encerrava: com a citação, os terceiros perdem essa condição e adquirem a qualidade de parte. Daí que esse dispositivo, a rigor, nada excepcionava diante do direito anterior. A sua eliminação, portanto, decorre apenas da necessidade de aperfeiçoamento técnico do Código.
No mais, a fim de bem dimensionar a posição dos terceiros diante da coisa julgada em todos os outros casos, é necessário lembrar a distinção entre terceiros interessados e terceiros indiferentes. Terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência de al- guma relação jurídica que mantém, conexa ou dependente, em face da re- lação jurídica deduzida em juízo. Tal sujeito, em função da existência desse interesse jurídico, tem legitimidade para participar do processo, querendo, intervindo na condição de assistente simples. Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica interdependente com aquela submetida à apreciação judicial . Não têm interesse jurídico na solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo.
A sentença judicial pode produzir efeitos em relação a todos esses sujeitos, sejam partes, sejam terceiros interessados, sejam ainda terceiros indife- rentes. Esses efeitos, porém, serão sentidos e recepcionados de maneira distinta, conforme a condição do sujeito que os sofre. Aqueles sujeitos que têm algum interesse qualificado como jurídico em relação ao litígio e à so- lução que recebeu (qualificados como terceiros interessados) podem porque têm legitimidade para tanto – opor-se, de algum modo, à afetação de sua esfera jurídica por tais efeitos. Esses “terceiros”, portanto, somente se submetem aos efeitos da sentença se não quiserem ou não puderem va- ler-se dos meios idôneos para afastá-los
.
Resumindo: aqueles que não são partes no litígio, e assim não podem ser atingidos pela coisa julgada, mas nele têm interesse jurídico, apenas po- dem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença e por essa razão são considerados terceiros interessados (ou terceiros juridicamente inte- ressados), os quais têm legitimidade para ingressar no processo na quali- dade de assistente simples da parte ou manifestar posterior oposição aos efeitos da sentença." (MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Manual do Processo Civil.
São Paulo: RT. 2022. capítulo 10)
Como regra, eventual sentença de procedência apenas pode atingir diretamente quem figura como demandado no processo, tendo sido citado, lhe sendo assegurado impugnar a pretensão contra si formulada, conforme garantia do devido processo legal - art. 5, LIV e LV, Constituição/88.
2.18. Eventual litisconsórcio - caso em exame:
No caso em exame, na medida em que a parte autora deduziu pretensão à declaração de ausência de vínculo contratual, o pretenso contratante deve figurar como parte na demanda, sob pena de violação à garantia do devido processo. Logo, a seguradora indicada como credora no pretenso pacto - e representada para fins de cobrança pela CEF - deve figurar como parte na demanda, na forma dos arts. 114, 115, 506, CPC.
2.19.
Possibilidade
jurídica
do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão da parte requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.20. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.21.
Interesse processual:
Ao que se infere dos autos, a pretensão do demandante dificilmente seria acolhida pela requerida na espera extrajudicial. É o que indica a resposta apresentada nos autos. Ademais, por força do
art. 5, XXXV, Constituição
, a requerente não está obrigada a exaurir o debate no âmbito administrativo, antes de ingressar em Juízo.
Não se aplica ao caso o tema 350, STF, eis que não está em causa prestações previdenciárias. Caso a pretensão venha a ser julgada procedente pelo Poder Judiciário, isso lhe será útil, por ensejar a suspensão dos descontos no seu benefício previdenciário. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade/utilidade/adequação procedimental restou satisfeita.
2.22. Aptidão da petição inicial:
A petição inicial revela-se apta, eis que o demandante detalhou a sua causa de pedir - narrando os fatos pertinentes e esgrimindo argumentos jurídicos -, ao tempo em que promoveu pedido terminado, na forma do art. 324, CPC. Anexou documentos na forma do art. 322, CPC/15.
Assim, a peça viabilizará o contraditório por parte dos demandados. Não se faz necessário o recolhimento de custas, no rito dos Juizados, em 1. instância. Registro ainda que o pedido da parte autora deve ser compreendido com respeito à boa-fé objetiva, atentando para a integridade da peça inicial -
art. 322, §2, CPC/15
.
2.23. Apresentação de documentos:
A parte autora apresentou documentos na fase propícia para tanto, conforme
artigos 320 e 434, Código de Processo Civil
, sendo que eventual apresentação dos documentos pelo requerido há de ser promovida com a contestação, conforme art. 434, CPC/15.
Demais documentos poderão ser apresentados em outras etapas da demanda, atendidas as regras do art. 435, CPC.
2.24.
Valor
da causa - considerações gerais:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15
: "O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
NO CASO, o valor atribuído à demanda parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial - art. 292, II, V, VI, §§ 1º e 2º, CPC/15 (ressarcimento de alegados prejuízos financeiros + reparação de aventados danos morais).
2.25. Valor da causa - situação em exame:
No caso em análise, a parte autora atribui à causa valor compatível com o contéudo econômico da pretensão deduzida em Juízo. A atribuição não foi impugnada pela requerida, na forma do art. 293, CPC.
2.26. Gratuidade de justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade.
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 8.157,41
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 6/2025:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os
descontos
obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.27. Gratuidade de justiça - caso em exame:
No caso em exame, na forma do art. 99, §2º, CPC, o requerente apresentou documento de identificação e extrato dos valores que recebe a título de benefício previdenciário, bem como declaração de hipossuficiência no evento 1. Não há indicativos de que o autor tenha rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS.
DEFIRO-LHE, portanto, a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1. instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995
. Ressalvo nova análise do tema, caso a tanto instado - art. 100, CPC.
2.28. Intimação mediante
consulta periódica
aos autos:
Por outro lado, desde que haja procurador(a) constituído nos autos, cabe-lhe acessar periodicamente o eproc, na forma do art. 5 da lei n. 11.419/2006, sob pena de que tal intimação seja tida como efetivada, por decurso de prazo.
Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. § 1º Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização. § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte. § 3º
A consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo
. § 4º Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3º deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço. § 5º Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz. § 6º As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.
Atente-se para os seguintes acórdãos:
AGRAVO INTERNO IN REVISÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE ATIVA. ADVOGADO. INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. E-PROC. LEI Nº 11.419/16. JUNTADA. INTEMPESTIVIDADE. JUÍZO PERFUNCTÓRIO. INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES EXIGIDAS. INADMISSIBILIDADE DA VIA REVISIONAL. 1. Embora a Revisão Criminal também possa ser requerida por advogado legalmente habilitado, nos termos do art. 553 do CPPM, este deve apresentar o instrumento de procuração assinada pelo condenado. 2.
A partir da implementação do processo eletrônico, a intimação para o cumprimento de atos dar-se-á por meio de publicação de eventos no sistema informatizado, cabendo ao advogado, nos termos da Lei nº 11.419/16, o acesso periódico para inteirar-se da movimentação do feito. Para tanto, a citada lei confere um prazo de graça, o qual, vencido, materializa a intimação e, por conseguinte, consigna a abertura de contagem do prazo para a prática de ato processual subsequente, sobretudo o eventual recurso
. 3. Da análise perfunctória da Inicial verifica-se a inexistência dos requisitos necessários e exigidos no art. 551 do CPPM para a admissão da via revisional. 4. Agravo Interno rejeitado. Decisão unânime. (STM - AGT: 70001154520197000000, Relator: MARCO ANTÔNIO DE FARIAS, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: 13/05/2019)
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS. PROTESTO. CANCELAMENTO. DANO MORAL. SÚMULA 385/STJ. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. 1.
Conforme o § 3º do artigo 5º da Lei n. 11.419/2006, "a consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados", portanto, conforme
consignado
no Tribunal de origem, intempestivo o recurso
. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 2025050 MG 2021/0362748-6, Data de Julgamento: 12/09/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/09/2022)
Ademais,
"Segundo a norma, portanto, caberá aos atores processuais cadastrados a realização de consultas periódicas de acompanhamento, em até
10 (dez) dias
, aos portais de acesso às ações eletrônicas como é o caso do Sistema Eproc, sob pena de se considerar perfectibilizada a intimação."
(TRF-4 - AC: 50019035420204047107, Relator: RODRIGO BECKER PINTO, 23/09/2022, SEGUNDA TURMA)
2.29.
Eventual
prescrição
- considerações gerais:
Convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da
actio nata
, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, Francisco C. P. de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.30. Prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar:
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do
fundo de direito
(art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observado, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.31.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.32.
Prescrição
- situação em exame:
Cumpre ter em conta, as empresas públicas estão submetidas, no essencial, ao regime jurídico de direito privado, conforme art. 173, §2, Constituição. Há pontuais exceções, a exemplo do regime dispensado à CEF enquanto gestora de fundos públicos (FGTS e depósitos judiciais), não confiados a demais entidades privadas. E também há detalhes quanto ao regime que tem sido dispensasdo à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que tem feito jus às prerrogativas processuais reconhecidas às autarquias, segundo entendimento dos Tribunais.
De todo modo, ao que releva, nesse caso a CEF deve ser reconhecida como entidade submetida ao regime jurídico de direito privado. Por conta disso, submete-a ao prazo prescricional de 05 anos, não por força do art. 1 do decreto 20.910/32; antes, por conta da aplicação do
art. 27 do Código de Defesa do Consumidor - lei n. 8.078/1990
, o que se aplica quanto às demais demandadas. Referido lapso deve ser computado a partir da data em que o sujeito toma conhecimento da agressão aos seus interesses, conforme postulado da
actio nata,
e art. 189, Código Civil/2002.
Eventual deflagração de processo administrativo, versando sobre a pretensão do requerente, implica suspensão do cômputo da prescrição, conforme art. 4, do decreto 20.910/1932. Quando há suspeitas de fraudes, que estejam sob apuração mediante inquérito penal ou processo penal, o cômputo do prazo prescricional permanece suspenso no curso da sua evolução - art. 200, CC/02.
Anoto ainda que o prazo do Código de Defesa do Consumidor, art. 27, prevalece sobre aquele prazo de 3 anos, previsto no art. 206, §3º, V, Código Civil, dado que a lei n. 8.078/1990 é legislação especial, se confrontada com a lei n 10.406/2002 (
lex specialis derogat legi generali
). No caso, aludido prazo não se esgotou no que toca à pretensão endereçada à CEF, diante da data em que, segundo a inicial, a parte autora teria tomado conhecimento dos descontos havidos na sua conta bancária.
2.33. Prescrição - litisconsorte necessário:
Anoto que, por conta do
art. 204, Código Civil
, a interrupção da prescrição da pretensão endereçada à CEF não chega a surtir efeitos automáticos no que toca à litisconsorte necessária, a ser convocada pela demanda no evento 506, Código de Processo Civil.
2.34. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Em primeiro exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade
.
2.35. Provimentos de urgência - considerações gerais:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa da parte demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
- Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
-
Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade.
" (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Quando se cuide, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55).
2.36. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008).
2.37. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90. IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da
ADIn 2591/DF
, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, no que diz respeito à relação entre a demandante e os requeridos.
2.38. Efeitos da aplicação parcial do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre a autora e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé objetivo também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil/2002:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre a parte requerente e o requerido.
2.39. Eficácia vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.40. Funcionalização dos pactos:
Mencionei acima que, por muito tempo, vigorou a premissa de que um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na sua celebração, diante da eventual ocorrência de dolo, erro, coação, vício redibitório, teoria da lesão e assim por diante.
Em período mais recente, porém, os resultados dos contratos têm sido tomados em conta para se aferir a sua validade. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor passou a vedar a celebração de contratos extremamente onerosos, em cujo âmbito haja significativa desproporção entre prestações e contraprestações (arts. 39 e 51, CDC). Solução semelhante foi verbalizada pelo Código Civil/2002, arts. 478 a 480.
Ademais, o Estado passou a regulamentar determinados contratos, reconhecendo que não se limitariam à convergência de interesses individuais, servindo, isso sim, como mecanismos de intervenção nas relações privadas, em prol de interesses públicos, como ocorre com contratos
educacionais
, contratos de prestação de serviços de saúde, contratos de seguro, contratos de locação e assim por diante. Ou seja, isso se traduz em ingerência estatal nos pactos, concebidos como instrumentos para obtenção de determinados vetores públicos.
Isso sse traduz na funcionalização dos pactos.
2.41. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.42. Eventuais
novações
contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
2.43. Exceções de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.44. Eventual
simulacro
de negociação:
O emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito implica a própria ausência do pacto. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.45. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.46. Eventual contratação de seguro:
Segundo o art. 757, do Código Civil:
"Pelo
contrato de seguro
, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no
contrato de seguro
, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada."
Menciono ainda os art. 758 a 760, Código Civil,
"O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador."
Sobre o tema, leia-se IMHOF, Cristiano. Direito do seguro: interpretação dos artigos 757 a 802 do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2014. Atente-se ainda para a análise de Bruno Miragem e Angélica Carlini:
"
A importância dos seguros para a sociedade contemporânea é notória. Expressão amplamente difundida é a de sociedade do risco, indicando um traço da realidade atual, em que a evolução tecnológica e as profundas alterações nas relações sociais importam na multiplicação e socialização dos riscos de dano e com isso, a necessidade de incremento nas técnicas de prevenção, mitigação e garantia em relação a estes riscos
.
O contrato de seguro nasce como produto da modernidade como importante instrumento de mitigação de riscos da atividade econômica que florescia do comércio e das navegações. Em antecedentes mais remotos, encontra-se modelos próximos ao seguro nos pecúlios por morte estruturados ainda sob o Império Romano. A evolução do seguro enquanto atividade e como tipo contratual, todavia, faz com que ele tenha nascido para atender a um fim eminentemente econômico, mas que se expande de tal modo a também fazer destacar seu caráter social – oferecendo garantia e, em última instância, segurança individual e coletiva – em relação a riscos ordinários da vida em sociedade.
Estruturado sob a forma de um tipo contratual clássico – o contrato de seguro – atualmente a atividade securitária reveste-se de tal importância e complexidade, de modo a dar causa a que se trate do tema mediante a invocação da existência de um direito do seguro. Ao usar-se a expressão direito do seguro, todavia, não se está a propor necessariamente a velha discussão sobre sua autonomia ou não em relação disciplinas tradicionais do direito (de resto debate um tanto estéril), mas sim chamar a atenção para o caráter transversal e interdisciplinar do tema, a exigir uma perspectiva de análise mais sofisticada. Seja do ponto de vista estritamente jurídico, a desafiar em comum temas pertinentes ao direito civil, empresarial e do consumidor, assim como no âmbito da supervisão e regulação do setor, amplo campo pertencente ao direito administrativo. Na perspectiva extrassistemática, note-se que o moderno seguro funda-se em base atuarial, que deve assegurar sua sustentabilidade econômica, e com isso atrai tanto os conhecimentos específicos da ciência atuarial, assim como da economia e de gestão.
Afinal, como bem observa Menezes Cordeiro, trata-se contrato com função financeira “prosseguida, no essencial, através de uma gestão de risco”.
O direito brasileiro ocupa-se do seguro como um contrato e como um sistema. Como contrato, é tipo contratual com disciplina específica no Código Civil. Tomado como sistema, há de se considerar em dupla perspectiva. Isso porque funda um sistema – o Sistema Nacional de Seguros Privados – parte do Sistema Financeiro Nacional, cujo desenvolvimento é recente. Em especial, a partir da edição do Decreto-lei 73/1966, que o instituiu, e que atualmente tem seu assento constitucional no art. 192, da Constituição de 1988. E da mesma forma a execução do contrato pressupõe um sistema contratual, no qual a plena eficácia e execução do contrato depende da existência de série de contratos semelhantes, tendo por objeto a garantia de riscos relativamente homogêneos, dispersos por intermédio de técnica de gestão financeira e atuarial
Em relação ao contrato de seguro, há clareza no sentido de que o Código Civil de 2002 definiu importantes características ao contrato de seguro, redefinindo o perfil que recebera do Código Civil anterior, de 1916. Converge a doutrina com o entendimento de que a contraprestação do segurador é a garantia, a segurança em relação a riscos. Em relação ao seguro de dano, consagra-se o princípio indenitário, que delimita o valor da garantia, assim como o que efetivamente se indenize por ocasião do sinistro. Fábio Konder Comparato, a este respeito, relaciona o interesse, o risco, a garantia e o prêmio como sendo os elementos fundamentais que caracterizam o contrato." (MIRAGEM, Bruno; CARLINI, Angélica.
Direito dos Seguros
. SP: RT. 2015, tópico1).
2.47. Contrato de depósito - art. 645, CC/02:
O contrato de conta corrente é uma espécie de depósito impróprio - ou seja, depósito de bens fungíveis. Segundo o art. 645, Código Civil/2002:
"
O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo
."
Por outro lado, a tradição de recursos, no mútuo, transfere a propriedade, ao tempo em que constitui uma relação de crédito (art. 587, CC).
Um exemplo pode elucidar isso. Se alguém entrega uma bicicleta em comodato para um conhecido e ele não a restitui, há apropriação indébita (art. 168, Código Penal). Caso tenha entregue o bem para uma empresa e essa tenha falido, poderá requerer sua restituição, fazendo prova disso. Com o dinheiro, bem fungível, ocorre algo distinto. Se alguém empresta dinheiro para um conhecido e ele não paga, cuida-se de dívida, não sendo caso de apropriação indébita. Na data da entrega do recurso, o conhecido se tornou dono do dinheiro e devedor da quantia perante quem lhe emprestou. Assim, o devedor não tinha a posse de coisa alheia. Por outro lado, no caso de uma falência, o credor não pode pedir a restituição específica do dinheiro, devendo habilitar seu crédito em face do patrimônio do devedor falido, concorrendo com outros credores.
No caso de contas-depósito, em princípio, isso se aplica. A rigor, a relação entre correntistas e banco é de crédito/débito
. Como notório, o correntista é credor do banco, mesmo quanto promove um saque de quantias. Esse crédito pode ser alvo de remuneração mensal, tudo a depender do contrato estipulado. No caso de um depósito regular - por exemplo, quando alguém entrega joias ou moedas antigas para o banco cuidar -, a relação é distinta. Nesse caso, o banco deve assegurar a entrega do bem específico para o depositário.
2.48. Contrato de mandato:
Segundo argumenta Fábio Ulhoa Coelho,
"mandato é o contrato em que uma das partes se obriga a praticar atos ou administrar interesses da outra. É contrato de serviço porque o mandatário contrai, por ele, obrigação de fazer, de que é credor o mandante. Ao obrigar-se, em suma, a praticar atos ou administrar interesses, o mandatário vincula-se ao cumprimento de um fazer."
(COELHO, Fábio Ulhoa.
Curso de Direito Civil: Contratos
. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 646).
Nos termos do art. 653, Código Civil/2002,
"
Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato
."
Ademais,
"
O art. 653 do CC apresenta noção geral sobre esta espécie de contrato. O núcleo essencial do contrato de mandato é a necessária confiança que deve ser estabelecida entre o mandante e mandatário. O mandatário, como regra, realizará atos em nome e no interesse do mandante, razão pela qual a confiança é a base de sustentação deste tipo de contrato
. A quebra de confiança pode acarretar a revogação (pelo mandante) ou a renúncia (pelo mandatário) em relação a este contrato. De acordo com aquele dispositivo, opera-se ou se constitui o mandato quando alguém, denominado mandatário, recebe de outrem, denominado mandante, poderes para, em nome deste, praticar atos ou administrar interesses. O mandante transfere poderes ao mandatário, cujo contrato poderá ostentar objeto extremamente amplo (praticar atos ou administrar interesses)."
(CARNACCHIONI, Daniel Eduardo.
Curso de Direito Civil:
contratos em espécie. São Paulo: RT. 2015. capítulo IX).
Acrescento que
"o mandato será bilateral ou unilateral a depender da onerosidade ou gratuidade.
Se houver ajuste de remuneração entre mandante e mandatário, a obrigação do mandante de pagar o preço ajusta terá relação de causalidade com as obrigações do mandatário, que será remunerado. No caso de mandato oneroso e bilateral, mandante e mandatário serão credores e devedores recíprocos.
"
(CARNACCHIONI, D. E.
Obra citada.
capítulo IX). O art. 662 do Código cuida dos casos de ratificação: "De acordo com o art. 662 do CC:
“Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar."
O art. 682, CC/2002, versa sobre os casos de extinção da relação contratual, subjacente ao mandato. Destaco:
"
De acordo com o art. 662 do CC: Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar
."
(CARNACCHIONI.
Obra citada.
tópico 9.10).
2.49. Lei geral de proteção de dados:
Cuida-se de tema que apenas tangecia o debate travado nestes autos. Ao comentar a
lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018
, Denise de Souza Luiz Francoski sustenta:
"O surgimento de uma legislação específica sobre a proteção de dados pessoais1 e privacidade2 que viesse proteger efetivamente os titulares dos dados pessoais dentro da sociedade brasileira é um tema que vinha sendo aguardado com muita expectativa, principalmente no meio jurídico do nosso País, em decorrência dos diversos movimentos jurídicos internacionais, traduzidos na publicação de inúmeras legislações com enfoque nesse assunto, especialmente do Regulamento Europeu – GDPR, em vigor desde 25 de maio de 2018, isto porque, como menciona Yuval Harari Os donos dos dados são os donos do futuro. É evidente que para o Brasil, além da entrada em vigor do GDPR, outros fatores, como por exemplo, a grande e crescente atividade da economia internacional, principalmente quanto ao comércio eletrônico, a propagação de forma exponencial das diversas redes sociais, plataformas digitais e inúmeros sites que fazem uso de dados pessoais de seus titulares, os quais, aliados à evolução rápida da inteligência artificial e da internet das coisas e, primordialmente, o grande receio de algum entrave envolvendo operações econômicas do nosso país, gerando algum tipo de discriminação ou até mesmo isolamento comercial, por inexistência de uma legislação específica quanto à proteção de dados pessoais e privacidade, levaram os nossos governantes a editar com urgência a nossa
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
, mais conhecida por LGPD."
(FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:
aspectos práticos e teóricos relevantes no setor público e privado São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, introdução).
Ainda nesse sentido, leias-se:
"Podemos constatar, ainda, que as inúmeras atividades desenvolvias que fazem uso dos nossos dados pessoais e que atingem a nossa privacidade diretamente, inclusive nos setores que fazem movimentar todo o circuito da economia mundial, nos leva a repensar os cuidados que, a partir de então, deverão ser redobrados, quando dizem respeito, como bem diz Bruno Bioni119, à utilização dos “signos identificadores do cidadão”.
O conteúdo da legislação europeia, de forma especial o GDPR, e de outras que estão por vir, continuarão a servir de inspiração, para o aperfeiçoamento da interpretação de certos aspectos teóricos e práticos da LGPD que, com certeza, surgirão, à medida que a sedimentação desta Lei seja introduzida tanto na esfera da iniciativa privada como em todas as organizações públicas e, de forma particular, em todos as cortes de justiça do nosso País.
Por isso, é necessário desde já que os órgãos públicos, cujo enfoque foi o tema deste artigo, se organizem de pronto, a fim de dar início ao programa de implementação da Lei protetiva, a tempo e modo de servirem de exemplo às empresas e aos organismos que pertencem a toda a inciativa privada, inclusive sobre a ocorrência pontual e inevitável quanto à produção de sua transformação cultural, pois, como bem ensinam Fabio Ferreira Kujawski e Ana Carolina Heringer Castellano120, “A LGPD introduz uma revolução cultural no tratamento de dados pessoais não apenas por entidades privadas, mas sobretudo por entidades públicas
." (FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski e outros.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:
aspectos práticos e teóricos relevantes no setor público e privado São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, introdução).
No que toca a vazamentos, anote-se o seguinte:
"
Os inúmeros e sempre mais frequentes episódios de invasão dos sistemas informáticos de empresas, entes públicos e tribunais, que acarretam vazamentos de dados e outros efeitos ainda pouco conhecidos, têm suscitado justa preocupação com a segurança da informação e, especialmente, com seu entrelaçamento com a proteção de dados pessoais
. Procura-se aqui explorar as afinidades e as dissonâncias entre essas duas disciplinas a partir do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), aprovado em 2016 na Europa, e da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 ou LGPD). Discute-se, em seguida, a transformação do direito regulatório, de um modelo baseado em direitos para um modelo fundado na análise de risco e nas medidas, adequadas e proporcionais, para prevenir e remediar os riscos inerentes ao tratamento de dados em larga escala."
(FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski.
Obras citadas.
RB 20.1).
Ademais,
"Na origem do direito de proteção de dados pessoais identificava-se certa vagueza e ambiguidade quanto ao seu alcance, pois pode-se razoavelmente entender que a proteção conferida aos dados significa também a promessa de que gozarão de segurança contra acessos indevidos e vazamentos propositais ou acidentais. Com o tempo, a distinção se tornou mais evidente e passou a ser enunciada pelo uso de expressões diversas: Datenschutz e Datensicherheit, em alemão, e data protection (ou privacy) e cybersecurity, em inglês, proteção de dados e segurança da informação, em nosso idioma.1 Embora a garantia da segurança da informação não se confunda com o direito à proteção de dados pessoais, como muitas vezes se acredita, há inequívoca relação de pertinência entre eles."
(FRANCOSKI, Denise de S. Luiz Francoski.
Obras citadas.
RB 20.2).
Sustenta-se, além disso, que
"a cultura usufrui da condição de extrema importância quando associada à legislação pertinente, sobretudo, no caso da questão da defesa, da promoção e da proteção dos dados pessoais, relacionados à privacidade, a honra, a imagem, a intimidade, a personalidade, a liberdade de expressão, o sigilo dos dados e a autodeterminação informativa (arts. 1º, III, e 5º, X e XII, da Constituição da República), e ainda, o anonimato na rede, o papel do mercado e de sua lógica, a função, os limites e a simetria dos direitos, a dar conta de assegurar a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – essas ressalvadas pela dimensão da relativização, por ordem judicial e para fins de persecução penal.Há razões para tanto que estão além da má utilização dos dados do indivíduo ou de milhões deles. É que “Pretende-se evitar, outrossim, que o cidadão seja transformado em números, tratado como se fosse uma mercadoria, sem a consideração de seus aspectos subjetivos, desconsiderando-se a sua intimidade” (LIMBERGER, 2008, p. 221). Esse cenário é que tece o tom das anunciadas questões urgentes que demandam ser construídas e revisadas em face da legislação – isso em termos globais. A título ilustrativo, a denúncia de vazamento7 de dados tem exposto e cobrado nova configuração aos procedimentos dessa natureza, sobretudo expondo e denunciando esse dilema que precisa ser dirimido.
Significativo e curioso é o fato de que, a legislação brasileira específica, em matéria de dados pessoais, data de 2018. À primeira vista pode parecer que se está atrasado demais. Em matéria de legislação, não. Mas em termos de reconhecimento, a conclusão pode ser mesmo afirmativa, de onde decorre missão útil e valiosa que cabe a universidade: de fazer o adequado enfrentamento, teórico e prático e o sopesamento de viés tecnológico – em que medida avançar levando em consideração o respeito à dignidade humana em contraponto à privacidade (a 4ª. crise, conforme antes anunciada)
."
(FRANCOSKI, Denise de S. L. F.
Obras citadas.
RB 10.4).
Acrescente-se que "
Mais recentemente40, a própria The Economist trouxe a questão novamente à tona: os dados são mais como o petróleo ou como a luz solar, que está presente em todos os lugares e é a base de tudo? O artigo menciona outras metáforas interessantes usadas para definir os dados, como a infraestrutura, que precisa de investimento público e de novas instituições para gerenciá-los.
Há, ainda uma série de outras comparações que vêm sendo utilizadas, como a analogia com o sangue, já que os dados precisam circular para que haja “vida”, mas se houver um vazamento é preciso resolver rápido para que a empresa não sangre até a morte, e a divertida comparação com as calorias, que “continuam chegando”, feita por Viviane Maldonado. Além da preocupação natural com o mau uso proposital desses dados, há, ainda, a preocupação com vazamentos acidentais, que podem fazer com que os dados caiam nas mãos de meliantes e/ou de empresas inescrupulosas. Por isso, é compreensível que a Lei não apenas estabeleça limites para os tratamentos de dados pessoais, mas também estabeleça exigências mínimas de segurança, de forma a proteger os dados contra acesso e/ou destruição indevidos
."
(FRANCOSKI, Denise de S. L. F. e outros.
Obras cit.
RB 39.4).
Note-se que
"o vazamento de lista de e-mails de consumidores de produtos de luxo pode gerar muitos dissabores, especialmente no aumento da abordagem de outras empresas. Contudo, dificilmente colocaria a segurança física do titular em risco. Contudo, na venda por telefone, na qual é conhecido o endereço do comprador, sua segurança poderia ser afetada. Dessa forma, o impacto neste último caso é maior à pessoa do titular."
(COTS, Marcio e outros.
O Legítimo interesse e a LGPDP.
2. ed., rev. SP: Thomson Reuters. 2021. RB 2.11). Enfim, o vazamento de dados deve ser combatido, porquanto pode comprometer segredos, intimidade, vida privada de alguém.
O sigilo de dados telemáticos é uma projeção da tutela jurídica dispensada à vida privada, consoante já decidiu o STF ao apreciar o MS 23.639/DF, rel. Celso de Mello. Também nesse sentido, menciono Paulo José da Costa Jr.
O
direito de estar só
.
RT, p. 105. Nem todos os dados hão de ser submetido ao sigilo, sob pena de se inviabilizar qualquer comunicação. Basta acorrer a um cartório para se saber a quem pertence um determinado imóvel; documentos de identificação pessoal - carteira de identidade, por exemplo - são informados em editais com relação de candidatos aprovados. Detalhes do faturamento de empresas, estabelecimentos comerciais são indicados em propostas de licitações, de acesso a todos os participantes. Em consultas aos sites de Conselhos Regionais, pode-se obter informações a respeito dos profissionais cadastrados, indicação do número de inscrição, telefone e endereços.
Enfim, nem todo dado pode ser tratado como se fosse sigiloso, dado que, como regra, isso apenas é cabível quando em causa a tutela efetiva da vida privada - espaços concêntricos do segredo, da intimidade e da vida privada.
A respeito do tema, leia-se:
DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONTRA O INSS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGADO VAZAMENTO DE DADOS DA SEGURADA. SUPOSTA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÂO DE DADOS PESSOAIS ( LGPD). POSTERIOR OFERECIMENTO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS INDESEJADOS POR DIVERSAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. I
NEXISTÊNCIA DE PROVA DO VAZAMENTO PELA AUTARQUIA. DADOS PESSOAIS DA AUTORA QUE PODEM SER OBTIDOS DE INÚMERAS FORMAS. ATO ILÍCITO NÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO
. (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50064272020224047206 SC, Relator: GILSON JACOBSEN, Data de Julgamento: 14/06/2023, TERCEIRA TURMA RECURSAL DE SC)
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS EFETUADAS POR TERCEIROS EM CONTA MEDIANTE USO DE CARTÃO MAGNÉTICO. GOLPE DO “MOTOBOY”. CULPA CONCORRENTE. NEGLIGÊNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO AO DEVER DE GUARDA DO CARTÃO BANCÁRIO. FALHA DE SEGURANÇA NOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO BANCO. IDENTIFICADAS OPERAÇÕES MUITO DESTOANTES DAS TRANSAÇÕES COTIDIANAS DO CORRENTISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVEM VAZAMENTO DE DADOS PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FALHA CONCORRENTE COM A PARTE AUTORA E RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOD A PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO
. (TRF-3 - RI: 00026483320204036304, Relator: ALEXANDRE CASSETTARI, Data de Julgamento: 24/11/2022, 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 29/11/2022)
"(...) A hipótese, porém, de saque fraudulento em conta de FGTS, posteriormente ressarcido, não dispensa a comprovação da ocorrência de dano.
Do mesmo modo, no que tange ao vazamento de dados protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) e o seu uso indevido, não há falar em dano moral devido pela ré.
Primeiramente, o saque emergencial do FGTS, assim como de outros benefícios (auxílio emergencial, auxílio BEm, bolsa família e abono salarial do PIS)é feito pelo aplicativo CaixaTEM.
Segundo informações colhidas no site da Caixa, no primeiro acesso a pessoa deve se cadastrar informando os seguintes dados pessoais: CPF, nome completo, número do celular, data de nascimento, CEP e email. Em seguida, o usuário cria a senha numérica de, pelo menos, 6 dígitos. Posteriormente, recebe um email para a confirmação de
login
. Ressalte-se que a pessoa pode informar qualquer email e, portanto, desta forma, ter acesso ao aplicativo.
Como visto, o conhecimento dos dados do beneficiário é anterior ao acesso ao sistema. Ou seja, o fraudador já tem os dados do titular (CPF, nome, data de nascimento, etc.), os quais são inseridos no aplicativo para a utilização dos recursos ali disponibilizados. Outrossim, não é possível afirmar que tais dados foram obtidos da instituição financeira
.
Por sua vez, no aplicativo o usuário não tem acesso a todos os dados do titular, mas apenas aos benefícios acima especificados. Ou seja, não há acesso a contas bancárias, mas apenas aos benefícios acima especificados." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50008603320214047209 SC, Relator: GILSON JACOBSEN, Data de Julgamento: 28/04/2022, TERCEIRA TURMA RECURSAL DE SC)
LEI GERAL DE PROTEÇÂO DE DADOS PESSOAIS ( LGPD) E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COM PRECEITOS CONDENATÓRIOS. Sentença de improcedência dos pedidos. Recurso de apelação do autor.
Vazamento de pessoais não sensíveis do autor (nome completo, números de RG e CPF, endereço, endereço de e-mail e telefone), sob responsabilidade da ré. LGPD. Responsabilidade civil ativa ou proativa. Doutrina. Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade civil objetiva. Ausência de provas, todavia, de violação à dignidade humana do autor e seus substratos, isto é, liberdade, igualdade, solidariedade e integridade psicofísica. Autor que não demonstrou, a partir do exame do caso concreto, que, da violação a seus dados pessoais, houve a ocorrência de danos morais. Dados que não são sensíveis e são de fácil acesso a qualquer pessoa. Precedentes. Ampla divulgação da violação já realizada. Recolhimento dos dados. Inviabilidade, considerando-se a ausência de finalização das investigações. Pedidos julgados parcialmente procedentes, todavia, com o reconhecimento da ocorrência de vazamento dos dados pessoais não sensíveis do autor e condenando-se a ré na apresentação de informação das entidades públicas e privadas com as quais realizou o uso compartilhado dos dados
, fornecendo declaração completa que indique sua origem, a inexistência de registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento, assim como a cópia exata de todos os dados referentes ao titular constantes em seus bancos de dados, conforme o art. 19, II, da LGPD. Determinação para envio de cópia dos autos à Autoridade Nacional de Proteção de Danos (art. 55-A da LGPD). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10003312420218260003 SP 1000331-24.2021.8.26.0003, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 16/11/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2021)
DANO MORAL – VAZAMENTO DE DADOS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DEVER DE SEGURANÇA. 1 –
Reconhecida a falha no sistema, ante a invasão por terceiros, ocasionando o vazamento de dados pessoais do consumidor, patente o dever de indenizar pelos danos morais sofridos; 2 – Indenização por danos morais fixada no montante pleiteado, ou seja, em R$ 10.000,00, corrigidos do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação
. RECURSO PROVIDO (TJ-SP - AC: 10001447120218260405 SP 1000144-71.2021.8.26.0405, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 25/08/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2021)
Atente-se ainda para o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VAZAMENTO DE DADOS PESSOAIS. DADOS COMUNS E SENSÍVEIS. DANO MORAL PRESUMIDO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DANO. I - Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por particular contra concessionária de energia elétrica pleiteando indenização por danos morais decorrentes do vazamento e acesso, por terceiros, de dados pessoais. II - A sentença julgou os pedidos improcedentes, tendo a Corte Estadual reformulada para condenar a concessionária ao pagamento da indenização, ao fundamento de que se trata de dados pessoais de pessoa idosa. III -
A tese de culpa exclusiva de terceiro não foi, em nenhum momento, abordada pelo Tribunal Estadual, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a suposta omissão. Nesse contexto, incide, na hipótese, a Súmula n. 211/STJ
. In casu, não há falar em prequestionamento ficto, previsão do art. 1.025 do CPC/2015, isso porque, em conformidade com a jurisprudência do STJ, para sua incidência deve a parte ter alegado devidamente em suas razões recursais ofensa ao art. 1022 do CPC/2015, de modo a permitir sanar eventual omissão através de novo julgamento dos embargos de declaração, ou a análise da matéria tida por omissa diretamente por esta Corte. Tal não se verificou no presente feito. Precedente: AgInt no REsp 1737467/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 8/6/2020, DJe 17/6/2020. IV -
O art. 5º, II, da LGPD, dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis. V - O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações
. VI - Agravo conhecido e recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ - AREsp: 2130619 SP 2022/0152262-2, Data de Julgamento: 07/03/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PRETENSÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE VALORES TRANSFERIDOS. ALEGAÇÃO DE GOLPE E FALHA BANCÁRIA. REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC NÃO VERIFICADOS. Nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado, bem como a urgência do provimento perseguido, o que não se verifica na hipótese. Havendo questões que ainda pendem de esclarecimentos quanto às circunstâncias de indicado golpe e à eventual falha bancária, bem como tendo sido há pouco angularizada a relação jurídica processual, não está recomendado o deferimento do pedido de antecipação da tutela, sendo prudente deixar o Magistrado de primeira instância - mais próximo do caso e apto a dar andamento à instrução do feito - avaliar a possibilidade de eventual modificação da decisão agravada, com o prosseguimento do feito.RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS - AI: 52006608020218217000 SÃO LEOPOLDO, Relator: Rosana Broglio Garbin, Data de Julgamento: 09/12/2021, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 15/12/2021)
2.50. Requisitos da responsabilização civil:
COM COGNIÇÃO PRECÁRIA, anoto que o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - isto é, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico.
O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade
econômica
, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização. Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.51. Responsabilização por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, 2.T, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.52.
Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. SP: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.53.
Pagamento do dobro
descontado:
Registro que o CDC não se aplica à relação travada entre a autora e o INSS, dado não serem aplicáveis ao caso o art. 3º e 22, da lei n. 8.078/1990. Note-se que não está em debate neste processo eventual prestação de serviço público remunerado por meio de tarifas. Tanto por isso, não se aplica ao conflito havido entre a autora e o INSS o disposto no art. 42, CDC, que preconiza o direito do consumidor em receber o dobro do que porventura ele tenha pago indevidamente.
Ademais, mesmo que se supusesse a aplicação do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, ao presente caso, é fato que
"A lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de queo consumidor tenha pago.
Isto é, para ter direito a repetir o dobro, é preciso que a cobrança seja indevida e que tenha havido pagamento pelo consumidor. A hipótese legal soa estranha, uma vez que não parece normal que alguém que não deva pague novamente
. Mas os pagamentos em função de cobrança indevida não são raros."
(RIZZATTO NUNES.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 544)
Atente-se para os seguintes julgados, versando sobre o alcance do referido art. 42, CDC:
"(...)
Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor
." (RESP 200500278731, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:06/12/2012 ..DTPB:.)
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE E O RECURSO NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE ANTE O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. I - Na decisão agravada, além de entender que o recorrente não teria logrado demonstrar de plano como o aresto hostilizado teria malferido os artigos elencados na peça recursal, entendeu-se que tais dispositivos não teriam sido devidamente prequestionados, o que ensejou a incidência da Súmula nº 282/STF. Desse modo, não infirmado este último fundamento, o qual é autônomo e suficiente para manter o julgado quanto ao ponto, aplica-se a Súmula nº 283 do STF. II -
Esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que, somente quando caracterizada a má-fé na cobrança indevida, é cabível a aplicação do art. 42 do CPC (restituição em dobro do valor pago indevidamente)
. Precedentes: AgRg no REsp nº 1.245.373/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011; REsp nº 1.250.314/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 10/06/2011; REsp nº 1.231.803/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 31/03/2011. III - Tendo o Tribunal de origem entendido que não se havia comprovado má-fé na conduta da ora recorrida, forçoso reconhecer que, para rever o juízo ordinário acerca da ausência da má-fé, na espécie, se mostra indispensável a análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV - Agravo regimental improvido. ..EMEN:(AGRESP 201102817155, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:09/10/2012 ..DTPB:.)
Tampouco se pode aplicar ao caso o art. 940 e 941, do Código Civil, de 2002, alvo dos lúcidos comentários de Maria Helena Diniz como segue:
"Responsabilidade do demandante por débito já solvido: O artigo sub examine trata do caso do excesso de pedido, ou seja, do re plus petitur (Revista do Direito, 59:593, RT, 804:189, 799:363), com o escopo de impedir que se cobre dívida já paga, e
só será aplicável mediante prova da má-fé do credor
, ante a gravidade da penalidade que impõe.
Assim, quem cobrar judicialmente dívida já paga, no todo ou em parge, sem ressalvar o
quantum recebido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.
Responsabilidade por cobrança de quantia indevida - Se o credor vive a pedir mais do que lhe for devido, deverá pagar ao devedor o equivalente ao dobro do que dele exigir
. (...)
Desistência da ação. Se o autor desistir da ação antes da contestação ad lide, as penas dos arts. 939 e 940 não lhe serão aplicadas, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Isto porque, com a desistência, o autor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-se do que fez. Todavia, mesmo assim, deverá pagar as custas processuais do processo intentado, embora não as pague em dobro." (DINIZ, Maria Helena.
Código Civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 702-704. Omiti parte do texto)
Vê-se que a sanção do art. 940, Código Civil/2002, somente é cabível quando demonstrada a má-fé daquele que cobrou dívida já adimplida. Semelhante é a orientação jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA EM EXCESSO. ARTIGO 940 DO CC/2002. MÁ-FÉ DO CREDOR. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2.
Consoante a jurisprudência desta Corte, somente quando comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida é que ela ficará obrigada a devolver em dobro o que cobrou em excesso
. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 4. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou os elementos fáticos dos autos para afastar a litigância de má-fé quanto à cobrança do valor em excesso e para distribuir os encargos sucumbenciais. Dessa forma, inviável o conhecimento do recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201101253069, ANTONIO CARLOS FERREIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:31/10/2014 ..DTPB:.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na fixação da reparação por danos morais leva-se em conta o critério de razoabilidade, tendo em vista as circunstâncias da causa. 2.
Para que haja o pagamento em dobro da dívida já paga (art. 940 do Código Civil) é necessária comprovação de má-fé do credor
. Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (AC 00422684520074013400, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:27/05/2013 PAGINA:829.)
Registro, d'outro tanto, que o Superior Tribunal de Justiça
consolidou sua jurisprudência em sentido distinto
, como registro abaixo:
"CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2.
Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo
. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021.).Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.modulação dos efeitos". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão" .5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12.2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021) .6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS.Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante.CONCLUSÃO 8. Embargos de Divergência não providos."(STJ - EAREsp: 1501756 SC 2019/0134650-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)
Note-se, porém, que o STJ modulou os efeitos desta decisão:
"A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "
o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
."
A publicação do acórdão
EAREsp 600.663/RS
, da Corte Especial do STJ -
DJe de 30.3.2021
.
Ainda nesse sentido, leia-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL. COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS RECONHECIDA EM AÇÃO PRETÉRITA. PRETENDIDO O AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. ACOLHIMENTO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE QUE A RESTITUIÇÃO EM DOBRO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE NO ÂMBITO DE RELAÇÃO CONSUMERISTA DISPENSA A COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DA CORTE CIDADÃ. TESE JURÍDICA QUE SE APLICA SOMENTE ÀS COBRANÇAS REALIZADAS APÓS A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NAQUELE TRIBUNAL. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. 24. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo,
fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.(...) 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados
. 27.
Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão
.TESE FINAL (...) 29. Impõe-se modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a [...] (TJ-SC - APL: 03007478320178240082, Relator: Carlos Roberto da Silva, Data de Julgamento: 01/12/2022, Sétima Câmara de Direito Civil)
Assim, a nova orientação jurisprudencial se aplica quanto às cobranças indevidas
promovidas a partir de 30 de março de 2021
.
2.54. Reparação de danos morais - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro,
"dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial."
(PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos,
"
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano
. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo,
"
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo,
"conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é consequência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo
. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Dano moral indenizável.
4ª ed. rev. SP: RT, 2.003, p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da
responsabilidade
civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa vênia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal
.
Reporto-me aos seguintes julgados:
".... I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
"Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo." STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.55. Responsabilidade bancária:
ANOTO, com cognição precária, que, na obra já mencionada, Effing enfatiza que
"
A responsabilidade civil dos agentes bancários e financeiros, segundo as normas do Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor, ao contrário da tradicional sistemática adotada pelo Direito Civil (responsabilidade preponderantemente subjetiva, com algumas previsões no tocante à responsabilidade objetiva, conforme art. 927 c/c arts. 186 e 187 do CC/2002 ), não decorre exclusivamente de ato culposo do agente causador da lesão contratual ou extracontratual
. No sistema brasileiro de defesa do consumidor, a apuração da conduta culposa do agente não é o elemento determinante para a responsabilização, e, sim, a ocorrência de dano ao consumidor em razão da atividade desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo e, nos casos previstos no Código de Defesa do Consumidor, a mera conduta ilícita, independentemente da configuração de dano concreto ao consumi- dor (como ocorre com a simples veiculação de publicidade enganosa ou abusiva)."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. item 10.1.)
Ademais,
"
Conforme descrito pelo Código de Defesa do Consumidor, vício do produto é a repercussão danosa intrínseca advinda da disparidade entre o produto e as indicações constantes de seu rótulo, recipiente, embalagem ou mensagem publicitária, ou a característica de qualidade/quantidade que, ao revesti-lo, o torna impróprio ou inadequado ao consumo ou lhe diminui o valor (art. 18, caput, do CDC)
. Semelhantemente, vício do serviço é a repercussão danosa intrínseca decorrente de disparidades entre o serviço e as indicações constantes da oferta, ou a característica de qualidade que o torna impróprio ao consumo ou que lhe diminua o valor (art. 20, caput, do CDC). Havendo vício do produto ou serviço, poderá o consumidor solicitar que o vício seja sanado, que haja abatimento proporcional do preço, que seja restituída a quantia paga (atualizada monetariamente e sem o prejuízo de eventuais quantias devidas a título de perdas e danos), ou a substituição do produto ou reexecução do serviço (arts. 18, § 1.º e 20, § 1.º, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra cit
. item 10.1.)
Além do mais,
"Ao se abordar a responsabilidade civil do agente bancário ou financeiro, na maioria das vezes se está diante da ocorrência de dano ao consumidor em razão de um serviço defeituoso ou de informações inadequadas e insuficientes (fato do serviço), e não da existência de um produto ou serviço simplesmente viciado. Para a responsabilização do fornecedor agente bancário ou financeiro, portanto, basta a ocorrência de dano (patrimonial e/ou extrapatrimonial) advinda de evento danoso de consumo (fato do produto ou serviço, normalmente fato do serviço) e o nexo de causalidade, cabendo ao consumidor demonstrar e provar a ocorrência e extensão do dano a fim de que obtenha a efetiva e integral reparação dos danos (art. 6.º, VI, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra cit
. item 10.1.)
De todo modo, conquanto a culpa não tenha o condão de exonerar o prestador de serviço bancário a respeito de danos decorrentes da sua atividade - dada a responsabilização objetiva prevista na lei 8.078/90 -, é fato que outras causas excludentes podem ser invocadas, em conformidade com Código de Defesa do Consumidor, a exemplo da alegação/prova da ausência de defeito no serviço prestado/produto vendido (art. 12, § 3, II, e §§1 e 2; e art. 14, § 3, I, e §§ 1 e 2), culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro equiparado a consumidor (art. 12, §3, I e III, e art. 14, §3, II, do CDC/90) e caso fortuito ou motivo de força maior, conforme art. 393, parágrafo único, Código Civil/02.
Em princípio, quando se trate de fato do produto ou serviço, a tutela do Código de Defesa do Consumidor atinge não o consumidor destinatário final da atividade do fornecedor bancário e todas as demais vítimas do evento danoso, por força do art. 17 do CDC. Ademais,
"Dois elementos de grande importância nas relações bancárias de consumo, e que repercutem diretamente na configuração do fato do serviço bancário, são a confiança e a segurança. Ao se utilizar de um serviço bancário, o consumidor deposita integral confiança na instituição financeira, com a legítima expectativa de que o serviço prestado atenderá padrões mínimos de segurança, até porque normalmente tais serviços ou operações envolvem dinheiro. Desta maneira, as relações jurídicas existentes entre clientes e instituições bancárias e financeiras, pela própria atividade desenvolvida, impõem absoluta segurança, que se traduz no mais das vezes como confiança. Na espécie, confiança que leva à segurança patrimonial, como pontifica a doutrina mais abalizada, para Parra Lucan:“el concepto de 'seguridad' sería más amplio que el de 'salud' o el de 'seguridad física', y equivaldría a una garantía global de adequación de los productos a las legítimas expectativas de los consumidores."
Segundo Sérgio Carlos Covello,
"
os contratos bancários têm por objeto valores e, por isso mesmo, exigem a realização de certos atos que permitam a comprovação imediata da operação realizada
. Não podem, pois, ficar circunscritos a sistemas tradicionalmente adotados em matéria civil ou comercial:
precisam de rigorosos assentamentos de contabilidade
. Os contratos, assim, se inscrevem em conta-corrente que se transforma no espelho contábil da operação. As prestações que deles derivam se anotam segundo a técnica do 'haver' e 'dever'. Tais anotações são de indiscutível valor probatório, visto que podem esclarecer, de maneira eficaz, a possível discrepância entre as partes, dada a escrupulosa contabilidade bancária e sua presumível imparcialidade".
(COVELLO, Sérgio Carlos.
Contratos bancários.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 44). Nas palavras de Garrigues:
"os bancos não realizam anotações em seus livros com fins de prova, e, por outra parte, uma contabilidade que não fora correta seria praticamente impossível de suportar, pois qualquer artifício ou alteração repercutiria no conjunto do sistema."
Não raro, as relações de consumo estão fundadas em certa assimetria, ensejando a invocação do aforismo de Lacordaire: "
no confronto entre o forte e o fraco, a igualdade escraviza e a lei liberta
!" Importa dizer: a legislação acaba por estipular institutos destinados a tutelar os consumidores contra práticas potencialmente lesivas, promovidas por grandes corporações. Isso não significa, por óbvio, que toda e qualquer alegação dos consumidores deva ser acolhida, tanto quanto não implica supor que qualquer dano deva ser imputado aos fornecedores. Exige-se a apuração dos fatos e o confronto sereno com a legislação aplicável, atentando, contudo, para os vetores fundamentais que animam o Código de Defesa do Consumidor.
2.56. Distribuição do
ônus
da prova CDC - exame provisório:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.57.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.58. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Logo, em princípio, incumbe ao banco requerido o encargo de comprovar a autenticidade de assinaturas que tenham sido impugnadas pela parte demandante.
2.59. Elementos de convicção - exame precário:
A autora apresentou cópia de extrato bancário indicando o desconto de prêmios de seguro, como destaco:
Anexou cópia de bilhete de seguro. Aludido documento também foi jungido aos autos pela CEF:
Indicou-se como seguradora a empresa CAIXA VIDA E PREVIDENCIA S.A. e como corretora de seguros a empresa WIZ SOLUÇÕES E CORRETAGEM DE SEGUROS S.A. Os autos não veiculam cópia do instrumento de contrato alegadamente celebrado pela autora.
Esses são os elementos de convicção veiculados nos autos.
2.60. Necessidade de convocação da seguradora:
Reputo necessária a emenda da peça inicial, como registrei acima, dado que a pretensão à declaração de ausência de contrato deve ser endereçada em face da Caixa Vida e Previdência, entidade distinta da CEF, eis que foi apontada como seguradora. Do contrário, o tema não terá como ser apreciado, por violação aos arts. 114, 115, 506, CPC.
2.61. Diligências probatórias - considerações gerais:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que se revele conexa com o pedido e a causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, CPC/15 ou do art. 420, parágrafo único, do CPC/73. Reporto-me ao art. 38, §2, da lei 9.784/99, que versa sobre o processo administrativo:
"
Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
."
2.62. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda. A notificação das testemunhas deve se dar, como regra, por meio dos advogados das partes, na forma ditada pelo art. 455, CPC, exceção feita aos casos regrados pelo art. 455, §4, CPC.
2.63. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.64. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.65.
Eventual exame grafotécnico - considerações gerais:
O exame grafotécnico destina-se a aferir se determinado grafismo é compatível com aquela produzida por uma determinada pessoa.
Cuida-se, portanto, de um exame de autenticidade de determinados escritos ou mesmo desenhos. No seu âmbito, promove-se a análise - dentre outros tópicos - da carga da escrita, do grau de inclinação de determinados traços; velocidade do escrito; espaçamento entre letras e palavras; altra da palavra em relação às linhas de escrita; se a escrita é linear ou é angulada; a forma como determinadas letras são cortadas etc.
Para tanto, o perito/a perita deve promover a coleta do material gráfico a ser tido como verdadeiro - fornecido, por exemplo, pela parte autora, pela alegada vítima de um crime, por quem questiona um determinado contrato etc. -, para fins de confronto com o documento alvo de impugnação.
Em princípio, revela-se
"
imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada
."
(TJ-MT - APL: 00186724820158110002 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 07/11/2017). Assim,
"é imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada. Há o risco da prova pericial apresentar resultados imprecisos e ambíguos, o que ensejaria a realização de nova perícia.”
(TJMT, AI 126859/2014, de minha relatoria, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Publicado no DJE 12/12/2014)
Destaco, que em situação similar o Setor de Perícias de Polícia Federal já comunicou a este Juízo a inviabilidade de realização dos exames grafotécnicos sem a apresentação dos originais.
"(...)
Os documentos foram apresentados em forma de cópia. Os exames grafoscópicos devem ser preferencialmente realizados sobre as vias originais, pois em cópias as minúcias mais sutis da escrita não se encontram reproduzidas e o grau de certeza atingível nas conclusões é impactado negativamente – quanto menor a qualidade da cópia, menor o grau de certeza possível
. Em observância ao disposto na Orientação Técnica nº 15/2019-DITEC/PF, que padroniza os exames documentoscópicos no âmbito da Polícia Federal, como regra, os exames em cópias são realizados apenas quando a solicitação de exame declara explicitamente a inexistência ou indisponibilidade das vias originais (Art. 3º § 1º, Art. 8º parágrafo único).
6. A combinação dos dois problemas acima descritos inviabiliza a realização dos exames a partir do material ora apresentado.
7. Para que o exame seja viabilizado, é necessário providenciar: (...) [2] a via original do documento questionado, ou seja, o contrato apresentado no evento 8 (CONTR6). - autos 50370163620194047000).
No caso em análise, verifica-se que ambas as partes não requereram a produção da perícia grafotécnica. De acordo com o Tema 1.061 do Superior Tribunal de Justiça,
"na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)".
Assim, a comprovação da autenticidade da assinatura impugnada pela parte autora é ônus da instituição financeira demandada.
Caso não seja requerida, o processo seguirá para as demais fases de instrução com os elementos já produzidos nos autos.
2.66. Requisição de documentos:
Oportunamente, deve-se requisitar à CEF e à empresa apontada como seguradora cópia do instrumento de contrato, veiculando a assinatura da demandante, diante da alegação de que ela o teria avençado - art. 438, CPC.
2.67. Antecipação de tutela:
No presente momento, não há como conferir se a autora teria adquiescido, de fato, com os descontos havidos na sua conta bancária. Cabia à demandada, é fato, a apresentação do instrumento de contrato. Por outro lado, é caso de litisconsórcio, de modo que a alegada seguradora deve ser convocada à demanda. INDEFIRO, ao menos por ora, o pedido de antecipação de tutela.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento desta demanda e a sua submissão ao rito dos Juizados.
3.2. DESTACO que a presente demanda não guarda conexão com alguma outra, para fins de reunião e solução conjunta, conforme art. 55, §1, CPC e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que se cuida de demanda singular, não havendo sinais de afronta à garantia da coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, Código de Processo Civil/15), tampouco havendo indicativos de caracterização de litispendência (art. 337, §2, CPC/15). Não estão atendidos os requisitos para suspensão da demanda - art. 313, CPC.
3.4. REPUTO que a partes estão legitimadas para a causa; que a peça inicial é apta e o(a) autor(a) possui interesse processual - art. 17, CPC.
3.5. SUBLINHO que o valor atribuído à causa se revela escorreito, em primeira análise eis que parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão do autor.
3.6. DEFIRO a gratuidade de justiça ao autor, ressalvando que aludida medida surte reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1ª instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995.
3.7. REGISTRO que a pretensão da parte autora não incorreu em prescrição, na forma do art. 5 do decreto 20.91032. Tampouco se operou a decadência do alegado direito invocado na inicial.
3.8. INDEFIRO o pedido de antecipação de tutela, conforme fundamentação acima.
3.9. REPUTO saneado o processo, quanto aos temas acima equacionados. Faculto manifestação às partes, para os fins do art. 357, §1, CPC, nos prazos abaixo detalhados, e quanto à indicação de eventuais diligências probatórias, como menciono tópicos abaixo. Prazo de 05 dias úteis, contados da intimação - arts. 219, 224, CPC.
3.10. ANOTO que não haverá estabilização quanto ao alcance das categorias jurídicas e equacionamento dos elementos de convicção, detalhadas acima, eis que poderão ser revistas em sentença, não havendo preclusão
pro iudicato
quanto ao tema.
3.11. INTIME-SE a parte autora para que promova a citação da empresa seguradora, no prazo de 15 dias úteis, contados da intimação, eis que se trata de litisconsórcio necessário. Eventual esgotamento do aludido prazo sem manifestação implicará extinção do processo sem solução de mérito - art. 321 e art. 115, CPC.
3.12. VOLTEM-ME conclusos sem solução de mérito, caso aludida emenda não seja promovida - art. 321, CPC.
3.13. CITEM-SE a empresa requerida - apontada como requerida - para, querendo, apresentar resposta, no prazo de 15 dias úteis, contadosna forma do art. 335 e art. 231, CPC.
3.14. INTIME-SE a parte autora para réplica, tão logo aludida contestação seja jungida aos autos. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação - art. 351, Código de Processo Civil.
3.15. DETERMINO a inversão do ônus probatório, cabendo à entidade financeira demandada comprovar a autenticidade dos documentos e assinaturas atribuídas ao requerente, conforme fundamentação acima.
3.16. INTIMEM-SE as partes para que, querendo, digam sobre ventual interesse na realização de perícia grafotécnica. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.17. INTIMEM-SE as partes para que, querendo, digam a respeito da necessidade de diligência probatóris, facultando-se à autora e à CEF a complementação da manifestação sobre o tema.
3.18.
INTIMEM-SE as partes - tão logo tenha sido apresentada réplica ou tenha se esgotado o prazo para tanto - para que, querendo, especifiquem as diligências probatórias pertinentes e necessárias para a solução do processo. Caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar desde logo o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 357, §6, CPC. Caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar desde logo os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal. Prazo comum de 5 dias úteis, contados da intimação.
3.5. VOLTEM-ME conclusos para complementar esse saneamento, tão logo as partes tenham se manifestado a respeito do detalhamento dos meios de prova ou tão logo se esgote o prazo para tanto conferido.
3.6. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
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Processo nº 5015222-94.2025.4.04.0000
ID: 315353569
Tribunal: TRF4
Órgão: SECRETARIA DA 4a. SEÇÃO
Classe: REVISãO CRIMINAL
Nº Processo: 5015222-94.2025.4.04.0000
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IAN ANDERSON STAFFA MALUF DE SOUZA
OAB/PR XXXXXX
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Revisão Criminal (Seção) Nº 5015222-94.2025.4.04.0000/PR
REQUERENTE
: JOSE RODRIGO GARCETE CANO
ADVOGADO(A)
: IAN ANDERSON STAFFA MALUF DE SOUZA (OAB PR046769)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de revisão c…
Revisão Criminal (Seção) Nº 5015222-94.2025.4.04.0000/PR
REQUERENTE
: JOSE RODRIGO GARCETE CANO
ADVOGADO(A)
: IAN ANDERSON STAFFA MALUF DE SOUZA (OAB PR046769)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de revisão criminal ajuizada pela defesa técnica de José Rodrigo Garcete Cano, contra condenação a si imposta, nos autos da Apelação Criminal nº 5011652-80.2024.4.04.7002, (transitado em julgado em 24/03/2025) (
processo 5011652-80.2024.4.04.7002/TRF4, evento 33, CERT1
), sendo fixada a pena no montante de 6 anos, 3 meses e 25 dias de reclusão, em regime fechado, por incurso nos delitos do artigo 33,
caput
, c/c o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº. 11.343/2006.
A defesa técnica embasa a pretensão no art. 621, I do Código de Processo Penal, aduzindo, em síntese:
A elevação da pena-base pela quantidade do entorpecente, em contrariedade ao artigo 42 da Lei nº 11.343 de 2006. Aduz que a maconha, embora apreendida em alta quantidade, é a substância que menos prejudica a saúde dos usuários, dentro do rol da ANVISA, sendo que o artigo 42 da Lei 11.343 de 2006 prevê a referida circunstância de forma conjunta, e não separada;
A aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343 de 2006, no patamar máximo de 2/3 (dois terços), porque não comprovado o liame subjetivo, com estabilidade e permanência voltada ao cometimento de crimes graves, entre o acusado e as pessoas que o contrataram, tendo-se tão somente, quando muito, concurso eventual de agentes ou crime esporádico cometido de forma organizada. Assevera não existir nenhuma prova de que o acusado integre organização criminosa, sendo certo que se trata de réu primário;
A fixação do regime fechado, sem a devida fundamentação idônea.
Com base em tais argumentos, ao final, requer a aplicação da causa de diminuição de pena referida, no seu patamar máximo; bem como a alteração do regime prisional.
É o breve relatório.
Decido.
É sabido que a revisão criminal é ação autônoma e exclusiva da defesa em oponibilidade à sentença transitada em julgado. Guilherme de Souza Nucci, na obra Manual de Processo Penal e Execução Penal, 3ed. São Paulo:RT, 2007, p. 871/872, ensina que a revisão
criminal "é uma ação penal de natureza constitutiva e sui generis, de competência originária dos tribunais, destinada a rever decisão condenatória, com trânsito em julgado, quando ocorreu erro judiciário.
"
No que tange às hipóteses autorizadoras para a propositura da revisional, o art. 621 do Código de Processo Penal estabelece:
Art. 621 - A revisão dos processos findos será admitida:
I -
quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos
;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que autorize diminuição especial da pena.
A pretendida hipótese do inc. I do art. 621 do CPP (condenação contrária a evidência dos autos) exige demonstração direta e clara, como divórcio entre os elementos probatórios existentes nos autos e as conclusões adotadas pelo decreto condenatório.
Quanto à hipótese do inciso II do art. 621 do CP, que dá azo à revisão criminal para eventual absolvição ou diminuição de pena, tem por base o fato de o Juiz ou Tribunal fundamentar a decisão condenatória em uma prova que, após o trânsito em julgado, verificou-se ser evidentemente falsa.
Sabe-se, ainda, que a finalidade da revisão é corrigir erros de fato ou de direito ocorridos em processos findos, quando se encontrem provas da inocência ou de circunstância que devesse ter influído no andamento da reprimenda. Nada mais é que a desconstituição da coisa julgada ante a prevalência do princípio da verdade real sobre a verdade formal. Para que seja acolhida, há verdadeira inversão do ônus
probandi
, cabendo ao requerente demonstrar a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 621 e 626, ambos do Código de Processo Penal.
Sobre a matéria, extrai-se também da doutrina de Julio Fabbrini Mirabete, in Processo Penal, 5ª ed., Atlas, SP, p. 667:
A revisão não é uma segunda apelação, não se prestando à mera reapreciação da prova já examinada pelo Juízo de primeiro grau e, eventualmente, de segundo, exigindo que o requerente apresente com o pedido, elementos probatórios que desfaçam o fundamento da condenação
, como, por exemplo, a retratação da vítima. Devem elas ser positivas. Demonstrar a evidência do que por elas se pretende provar. Há na revisão, em verdade, uma inversão do ônus da prova, e
os elementos probatórios devem ter poder conclusivo e demonstrar cabalmente a inocência do condenado ou a circunstância que o favoreça, não bastando aquelas que apenas debilitam a prova dos autos ou causam dúvidas no espírito dos julgadores.
Logo, a revisão do processo criminal revela-se inadequada quando a matéria arguida depende de análise minudente acerca da interpretação conferida pelo julgador ao diploma normativo ou às provas coligidas.
No que tange à revisão da dosimetria estabelecida em condenações transitadas em julgado, o redimensionamento da pena deve ser admitido com máxima cautela, somente tendo cabimento na hipótese de flagrante e injusta ilegalidade.
Efetivamente, qualquer modificação na dosimetria apenas resta autorizada se houver constatação, de plano, de erro no sistema trifásico ou equívoco na quantificação ou valoração do
quantum,
não sendo admitida a incursão na seara dos elementos fáticos e jurídicos levados em consideração pelo julgador para o estabelecimento da reprimenda, até porque há certa discricionariedade para a aplicação da pena pelo magistrado.
De toda sorte, há de ser ressaltado que se reconhece ao juiz certo grau de discricionariedade na dosimetria da pena, devendo-se ter em conta que tal discricionariedade não deve, em momento algum, confundir-se com arbitrariedade e com estabelecimento de quantidades de sanções de forma desmotivada ou imoderada.
Nesse âmbito, só haverá redução da pena quando
ocorrer flagrante erro
na análise das vetoriais do art. 59 do CP, em eventual aplicação de
causa de diminuição ou de aumento
e/ou se porventura alguma hipótese não foi apreciada na sentença ou o foi em decisão contrária ao conjunto probatório coligido e a texto de lei.
Na hipótese, colhe-se do voto condutor do acórdão ora impugnado (com destaque nos pontos questionados pelo revisionando):
5. Dosimetria
5.1. Considerações iniciais
Em relação à carga a ser atribuída a cada vetorial, quando da primeira fase dosimetria, a Quarta Seção desta Corte vem entendendo que inexiste um critério matemático rígido, de modo que tal
quantum
é submetido à discricionariedade do julgador, que examinará o valor que cada vetorial apresenta no caso concreto. Nessa direção:
"DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, C/C, ART. 40, INCISO I, DA LEI 11.343/06. DIFICULDADES ECONÔMICAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. DOSIMETRIA. CRITÉRIOS. REFORMA. 1. A conduta de introduzir entorpecentes arrolados na lista de substâncias sujeitas a controle especial veiculada na Portaria Nº 344 da ANVISA em território nacional tipifica a conduta do art. 33 c/c art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06. 2. A alegação de dificuldade econômica, geradora de possível excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), para além de implicar ônus probatório exclusivo da defesa, há de estar amparada em robusto conjunto probatório, principalmente documental, uma vez que deve ser analisada a partir de circunstâncias objetivas. 3. Ao magistrado, valendo-se das balizas normativas estabelecidas de forma bastante detalhada pelo Código Penal, cabe a tarefa de individualizar a pena de forma proporcional à conduta praticada pelo réu. Não há critérios matemáticos a serem adotados. 4. Ao Tribunal cabe realizar intervenção apenas quando houver nítido descompasso entre os critérios utilizados na dosimetria e os fatos em julgamento. (TRF4, ACR 5000168-72.2018.4.04.7004, OITAVA TURMA, Relator para Acórdão LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 12/04/2019)
DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, C/C 40, I, DA LEI 11.343/06. DOSIMETRIA DA PENA. RÉU MULTIRREINCIDENTE. PREPONDERÂNCIA DA AGRAVANTE. PRISÃO DOMICILIAR. 1. Aquele que transporta droga oriunda de país estrangeiro sem autorização legal incide nas penas do artigo 33, caput, c/c 40, I, da Lei 11.343/06. 2. O julgador estabelece o quantum de aumento na pena, observados os critérios legais, cabendo ao tribunal intervir apenas em casos de excesso manifesto. 3. A agravante da multirreincidência prepondera sobre as atenuantes previstas no art. 65, I e III, "b", do CP. 4. Não configurada qualquer hipótese autorizadora para concessão da prisão domiciliar. (TRF4, ACR 5003680-76.2017.4.04.7108, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 31/10/2018)
'PENAL. PROCESSUAL PENAL. MATÉRIA PROCESSUAL JÁ ENFRENTADA QUANDO DO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGOS 33, CAPUT, E 40, I, DA LEI Nº 11.343/2006. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. NATUREZA DA DROGA. DOSIMETRIA. 1. A matéria relacionada à comunicação dos agentes consulares do país de origem do réu sobre a prisão em flagrante já foi analisada quando do julgamento de habeas corpus por esta Turma. 2. Autoria e materialidade do delito de tráfico internacional de drogas comprovadas. 3. "A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena." (HC 107.409/PE, 1.ª Turma do STF, Rel. Min. Rosa Weber, un., j. 10.4.2012, DJe-091, 09.5.2012). 4. Apelação criminal improvida. (TRF4, ACR 5007057-14.2019.4.04.7002, OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 19/12/2019)
A propósito, este entendimento visa justamente efetivar o princípio constitucional da individualização da pena.
A dosimetria da pena, portanto, "
(...) se reveste de certa discricionariedade, porquanto o Código Penal não imprime regras absolutamente objetivas para sua fixação
" (STJ, AgRg no AREsp 499.333/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 07/08/2014).
Todavia, seu exame não é tarefa estanque ao Magistrado, podendo a Corte de Apelação, diante de particularidades, rever os critérios utilizados e, ponderando-os, retificar as discrepâncias porventura existentes.
Saliento que a natureza e a quantidade da droga foram erigidas à condição de circunstâncias autônomas e preponderantes pelo artigo 42 da Lei de Tóxicos.
Destaco, também, que a intenção do legislador, ao determinar como preponderantes (artigo 42 da Lei de Drogas), sobre as circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga, foi justamente no sentido de autorizar o aumento da pena-base em
quantum
superior ao dos outros vetores.
Anoto, neste ponto, como mencionado alhures, que a majoração decorrente da qualidade e quantidade da droga é idôneo.
No concurso entre circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis, revela-se incabível a compensação entre elas, por ausência de previsão legal. Na avaliação da primeira fase, o que se leva em conta na alteração da sanção é tão somente a existência de circunstância desfavorável, na proporção em que se apresenta, sendo que a análise de forma favorável não tem o condão de reduzir a pena basilar, pois, caso contrário, verificando-se quatro circunstâncias judiciais favoráveis, a pena-base sempre será fixada no mínimo legal.
Cumpre destacar que é vedada a compensação entre as vetoriais favoráveis e desfavoráveis em razão de a pena base já se iniciar no patamar legal mínimo e diante do princípio
in dubio pro reo
, pois, a princípio, todas as vetoriais do artigo 59 do Código Penal são consideradas em favor do acusado.
Desse modo, é perfeitamente possível que o juiz, a partir da pena mínima prevista para o tipo, no momento de iniciar o processo de fixação da pena base, eleve, motivadamente, a reprimenda se constatadas vetoriais desfavoráveis ao condenado, distanciando-a do mínimo abstratamente previsto.
Repito que não há possibilidade de adequação da pena base próxima ao mínimo legal, sob a alegação de ser o réu primário, de bons antecedentes, possuir residência fixa e personalidade não voltada para o crime, quando tais circunstâncias não foram consideradas desfavoráveis, sendo que as demais circunstâncias judiciais, corretamente avaliadas, ensejaram a elevação da sanção basilar.
Em síntese, não há falar em compensação das circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis previstas na primeira fase da fixação da pena. A vetorial favorável apenas não conduz à elevação da pena.
A respeito da questão, assim já decidiu esta Oitava Turma:
"PENAL. PROCESSUAL PENAL.
OPERAÇÃO PITÁGORAS
. APELAÇÕES CRIMINAIS. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE. ESTELIONATO. DESCLASSIFICAÇÃO. DESCABIMENTO. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. INAPLICABILIDADE. CONSEQUÊNCIAS E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONCURSO FORMAL. INAPLICABILIDADE. PENA DE MULTA. PROPORCIONALIDADE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. ENUNCIADO SUMULAR 171 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRESCRIÇÃO. RECONHECIDA DE OFÍCIO. EXECUÇÃO IMEDIATA. RECURSO MINISTERIAL. PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÕES DEFENSIVAS. PROVIMENTO PARA RECONHECER PRESCRIÇÃO. DEMAIS PARCIALMENTE PROVIDAS. 1 a 5. Omissis.
6. Não há falar em compensação na primeira fase da fixação da pena. A pena-base é fixada a partir do patamar mínimo, de acordo com o número de vetoriais negativadas, não sendo lógico proceder-se à compensação com as demais consideradas favoráveis ao réu.
7. A circunstância atenuante não permite reduzir a pena-provisória abaixo do mínimo legal, em razão do enunciado sumular 231 do Superior Tribunal de Justiça.15. Apelação ministerial desprovida. Apelação criminal defensiva de Délcio Tafarel provida. Demais apelações defensivas parcialmente providas.16. Reconhecida prescrição punitiva de ofício." (5043065-94.2013.4.04.7100, Oitava Turma, Rel. Juiz Federal Nivaldo Brunoni, disponibilizado em 26-3-2018 - grifei.)
No que toca à derradeira etapa do cálculo da pena, há de ser aplicada, como bem anotado no
decisum
recorrido, a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Entorpecentes (transnacionalidade).
Entendo que o incremento a ser aplicado, em razão da incidência da majorante, deve ser delimitado sob a perspectiva da amplitude da conduta, é dizer, o grau de recrudescimento da pena está consubstanciado na quantidade de países percorridos pela substância entorpecente traficada - que, no caso concreto, envolveu dois países distintos (Brasil e Paraguai).
Tal critério de proporcionalidade é o que vem sendo adotado por este Regional:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. ARTIGO 33, CAPUT, C/C ARTIGO 40, INCISO I, AMBOS DA LEI 11.343/2006. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. MAJORAÇÃO. MAJORANTE. ARTIGO 40, INCISO I, DA LEI DE DROGAS. QUANTUM. MINORANTE DO ARTIGO 33, §4º. REGIME DE CUMPRIMENTO. FECHADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. EXECUÇÃO IMEDIATA. CABIMENTO. RECURSOS IMPROVIDOS. 1. [...] 4. Comprovada a transnacionalidade do delito, incide a majorante do artigo 40, inciso I, da Lei de drogas, no
patamar de 1/6 (um sexto), tendo em vista a amplitude da internacionalidade da conduta, que envolveu pelo menos dois países
(Brasil e Uruguai). Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para reduzir a pena privativa de liberdade. 5. [...]. (TRF4, ACR 5006915-38.2018.4.04.7101, OITAVA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 01/08/2019)
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ART. 35 DA LEI Nº 11.343/06. AUTORIA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ATENUANTE DO ARTIGO 65, III, "D", DO CP. MINORANTE DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. AGRAVANTE DO ARTIGO 40, I, DA LEI Nº 11.343/2006. 1.[...] 6. A exasperação da pena com fundamento na transnacionalidade justifica-se em razão do número de países envolvidos na atividade ilícita. Logo,
envolvidos somente dois países, Paraguai e Brasil, fixo o aumento no patamar mínimo de 1/6 (um sexto).
(TRF4, ACR 5006894-23.2018.4.04.7114, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 22/05/2020)
'DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, C/C 40, I, DA LEI 11.343/06. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. DOSIMETRIA. QUANTIDADE DE DROGA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL PREPONDERANTE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. ATENUANTE NÃO CONFIGURADA. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE AUMENTO. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. 1. [...] 5.
O fato de o crime de tráfico envolver três países justifica o patamar de 1/4 aplicado em razão da configuração da transnacionalidade
. [...]' (5006871-64.2014.4.04.7002, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Leandro Paulsen, disponibilizado em 03-3-2016 - grifei.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGOS 33 E 40, I, DA LEI 11.343/2006. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. CONFISSÃO. ATENUANTE. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. PATAMAR DE AUMENTO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. PARCIALMENTE PROVIDA. [...]. 3. Comprovada a transnacionalidade do delito, é de se fazer incidir a majorante do artigo 40, inciso I, da Lei de drogas, no
patamar de 1/4 (um quarto), tendo em vista a amplitude da internacionalidade da conduta, que envolveu, pelo menos, três países
. [...]. (TRF4, ACR 5012288-87.2017.4.04.7100, OITAVA TURMA, Relator para Acórdão VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 28/05/2018)
Nesses termos, com tais fundamentos, e, considerando o duplo desdobramento internacional da conduta, tenho como adequado o patamar de aumento em 1/6 (um sexto) na terceira etapa do cálculo, como aplicado na sentença.
Quanto à pena de multa, o artigo 49 do Código Penal assim estabelece para a sua fixação: (a) variação de 10 a 360 dias-multa; (b) o valor do dia-multa não será inferior 1/30 do salário mínimo ao tempo do fato, nem superior a 5 vezes esse salário. Segue-se os mesmos critérios da sanção corporal previstos no art. 68 do Código Penal. Havendo cumulação com pena corporal, a multa será a ela proporcional. Não havendo, adota-se critério semelhante à primeira fase da dosimetria da pena corporal (EINACR 2002.71.13.003146-0/RS, D.E. 05-06-2007). São relevantes as condições pessoais e econômicas do condenado, devendo o juiz decidir o valor necessário e suficiente para que reprovação do crime e sua prevenção, podendo ser majorado até o triplo (art. 60, § 1º, do CP). A sanção pecuniária deve observar a proporcionalidade em face da menor pena corporal prevista (quinze dias de detenção - art. 330) e a maior sanção corporal possível (trinta anos de reclusão - art. 157, § 3º). Tratando-se, assim, de pena corporal próxima a 15 dias de detenção, a multa ficará próxima do seu mínimo legal; se próxima a 30 anos a corporal, a multa aproximar-se-á de 360 dias-multa.
Ocorre que,
em relação ao delito de tráfico de drogas, a fixação da pena de multa possui sistemática própria, prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006
,
in verbis
:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos
e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(Grifei)
Conforme se pode ver, a pena de multa nos casos de tráfico de drogas é uma consequência da condenação, tratando-se do preceito secundário do tipo penal, não havendo falar em aplicação dos limites genéricos do artigo 49,
caput
, do Código Penal.
Assim, em casos tais, a multa, em cumulação com pena privativa de liberdade, deve observar a proporcionalidade em face da menor e da maior sanções corporais previstas
no art. 33 da Lei nº 11.343/2006
- é dizer, tratando-se de pena corporal próxima a 5 anos de reclusão, a multa ficará próxima do seu mínimo legal de 500 dias-multa; se próxima a 15 anos a corporal, a multa se aproximará de 1.500 dias-multa.
5.2. Examinada essa questão introdutória, passo à análise individualizada do cálculo da pena.
Eis o que restou consignado pelo julgador sentenciante:
"(...)
4.1.
Penas privativa de liberdade e de multa
(
arts. 49 e 59 a 76 do Código Penal
):
A pena privativa de liberdade cominada no
art. 33 da Lei nº 11.343/06
está compreendida entre 05 (cinco) e 15 (quinze) anos de reclusão, acrescidos de 500 (quinhentos) a 1500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Analisando as circunstâncias estabelecidas nos
art. 59 do Código Penal
e
art. 42 da Lei nº 11.343/06
, verifico que o grau de
culpabilidade
é normal à espécie. Não há elementos nos autos que permitam avaliar a
conduta social
e a
personalidade
do acusado
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
. Não há nos autos notícia acerca da existência de maus
antecedentes
. Os
motivos
do crime são normais à espécie. As
consequências
são próprias do crime em questão e não se revelaram de maior gravidade. A
vítima
não favoreceu a ocorrência dos fatos delitivos.
O Analista da Receita Federal do Brasil
Osmar Carlos do Prado
informou em sede policial que, quando do fato, havia informação de que uma organização criminosa estava engendrando a passagem de droga pela
Aduana da Ponte Internacional da Amizade
(
“a gente já estava mais ou menos aguardando isso, porque já aconteceu em duas, três vezes esse mês, né? A gente já tinha mais ou menos, estava meio alerta, porque poderiam passar a qualquer momento. Eles são assim, tipo kamikazes”
). Como esperado, foi constatado que vários veículos chegaram juntos na
Aduana da Ponte Internacional da Amizade
, ocupando todas as baias, a fim de viabilizar a passagem daquele que estava transportando a droga (
“Eles dão aquela... foi o que fizeram. Eles vieram e começou, um gritou com o outro e tal, estão chegando, estão chegando, e foi todo mundo para a pista. Eles já vieram o carro dos batedores deles, já ocuparam todas as baias, né? Para poder ficar livre o caminho para ele passar”
). Em que pese a ação articulada do grupo, conseguiram os servidores presentes no local bloquear a passagem do veículo que estava carregando a droga, no que seu condutor, o acusado
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
foi detido após tentar empreender fuga (
“Fechou a pista, como eu já disse, né? A gente fechou a pista, passamos, jogamos a pista para a esquerda, aquela pista não passou mais ninguém. E aí o camarada viu que em fração de segundo não tinha o que fazer, ele largou e correu. Jogou a chave no chão e saiu correndo”
). O Agente de Polícia Federal
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
corroborou as declarações de
Osmar Carlos do Prado
, no sentido de que foram utilizados aproximadamente 04 (quatro) veículos na ação voltada ao tráfico da droga transportada por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
e que ele tentou fugir do local do fato (
“E tinham exatamente ali cinco carros, né? Então a gente tendo provavelmente um ia escapar, né? Só que ele viu que possivelmente ia ser parado em uma das baias e fugiu”
) (evento nº 01 do inquérito policial).
Em juízo,
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
afirmou: “
Ah, perfeitamente. Nesse dia, né, foi por volta ali que se iniciou os trabalhos ali, né, 21 horas, 21 horas e 30 ali, que os colegas da Receita Federal, eles têm um centro, né, de operacional de inteligência ali, né, inclusive acho que foi até mostrado ali no Fantástico, matéria de domingo retrasado, e eles
estavam com informes ali, informações acerca de uma possível orcrim ali, que passaria ali naquele horário ali
, né,
ele tinha a placa ali de algum suspeito, algum batedor, aí ato contínuo ali, ele chamou a nossa equipe da Polícia Federal ali, da Força Nacional, né, para ajudar na abordagem ali
, porque
possivelmente eles falaram que eles vinham em comboio
, né, aí nesse dado momento os carros, acho que eram uns quatro assim, passaram ali na ponte, aí a gente parou os quatro ou cinco carros para abordar um por um, né, para verificar se de fato a informação era verídica, né. Aí em dado momento estava eu, um colega da Polícia Federal, o Tiago da Receita e o Rafael da Polícia Federal. Aí o paraguaio, né,
o cidadão que foi preso, ele correu, correu para a Ponte da Amizade, né, em direção ao Paraguai, e aí a gente correu atrás dele e conseguimos, conseguimos detê-lo
, né, e basicamente ele informou que ganharia ali uns 2 mil reais para a travessia, não informou de quem que era a mercadoria, se de fato aqueles carros que estavam com ele eram batedores
”.
Osmar Carlos do Prado
, por sua vez, informou que
“Resumidamente, foi uma época de franca tentativa de passagem, e a gente já se preparava mais ou menos para esses casos diversos. Esse foi um deles. E em algum momento da noite, desse dia,
começaram a chegar carros e carros a invadir o nosso ambiente de trabalho e coisa, e a gente já sabia que alguma coisa, já esperávamos que alguma coisa fosse acontecer
, né? (...) Os
olheiros, os protetores desse carro encostaram
, e aí eles vêm conversar com a gente e tal, para tentar ver se o carro passa. Como a gente já sabia, já sabe descer, isso aí é normal acontecer ali, a gente fechou todas as saídas e entradas possíveis ali naquele momento, no nosso trabalho, nas pontes, nas baias. E esse carro ficou no meio. Ele ficou no meio perdido, ele não sabia o que fazer, ele abriu a porta e saiu, jogou a chave no chão e saiu correndo de volta para o Paraguai. E nesse meio tempo, grita aqui, grita ali, um policial federal e mais um colega nosso correu atrás dele, a Força Nacional, enfim, todas as forças ali envolvidas, e conseguiram abordá-lo no meio da ponte e o trouxeram de volta (...)”
(evento nº 31).
Conforme relatado pelos servidores
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
e
Osmar Carlos do Prado
, não foi o transporte da droga realizado por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
uma ação isolada, praticada por pessoa contratada de forma eventual, mas sim fruto de um esquema engendrado de forma articulada, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da empreitada. Nesse contexto, devem as
circunstâncias
do crime serem sopesadas de forma negativa.
Segundo entendimento esposado pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região
, a natureza e a quantidade da droga foram erigidas à condição de circunstâncias autônomas e preponderantes pelo
art. 42 da Lei nº 11.343/06
. Nesse sentido:
“A previsão do art. 42 da Lei de Drogas coloca a natureza e a quantidade de droga apreendida em posição preponderante, autorizando o aumento da pena-base em quantum superior ao dos outros vetores previstos pelo art. 59 do Código Penal”
(TRF4, ACR 5000726-34.2020.4.04.7017, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 30/09/2020)
“O aumento de 03 anos e 03 meses, operado na sentença, mostra-se proporcional e razoável, considerando a valoração negativa dos antecedentes, das circunstâncias e da quantidade de droga, sendo esta circunstância preponderante, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/06”.
(TRF4, ACR 5004798-40.2019.4.04.7004, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 08/07/2020)
A propósito, observo que a intenção do legislador, ao determinar como preponderantes (
art. 42 da Lei nº 11.343/06
), sobre as circunstâncias previstas no
art. 59 do Código Penal
, a natureza e a quantidade da droga, foi justamente no sentido de autorizar o aumento da pena-base em
quantum
superior ao dos outros vetores.
Assim, com fundamento no
art. 42 da Lei nº 11.343/06
, deve a pena base ser agravada em razão da
quantidade
da droga transportada por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
(
mais de 500 kg de maconha
), “
considerando o elevado risco de lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública
” (TRF4, ENUL 5001950-76.2012.404.7117, Quarta Seção, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, juntado aos autos em 07/08/2014).
Com efeito, considerando a existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (
circunstâncias do crime
e
quantidade de droga
),
fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão, acrescidos de 660 (seiscentos e sessenta) dias-multa
.
Não há incidência de agravantes. Por outro lado, incide no caso dos autos a atenuante do
art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal
, haja vista que
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
confessou a prática do fato que lhe foi imputado. Com efeito,
reduzo a pena intermediária para 06 (seis) anos de reclusão, acrescidos de 600 (seiscentos) dias-multa
.
Como salientado no tópico relativo à tipicidade, há incidência da causa de aumento de pena do
inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/06
, cuja aplicação na hipótese dos autos não configura
bis in idem
, conforme
Enunciado nº 126 da Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
. Desta feita, considerando que a droga foi apreendida ainda na
Aduana da Ponte Internacional da Amizade
, aumento a pena provisória em 1/6 (um sexto),
perfazendo 07 (sete) anos de reclusão, acrescidos de 700 (setecentos) dias-multa
.
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
, em sede policial, relatou que esta era
a terceira vez que realizava o transporte de droga do Paraguai para o Brasil
, sempre
com o mesmo veículo
, e
sob contratação da mesma pessoa
(
“Era a terceira vez (...) era o mesmo carro... o mesmo carro (...) e era para a mesma pessoa (...) Me deram e eu tinha que passar (...)”
(evento nº 01 do inquérito policial). Conforme relatado pelos servidores
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
e
Osmar Carlos do Prado
,
não foi o transporte da droga realizado por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
uma ação isolada
, praticada por pessoa contratada de forma eventual, mas sim fruto de um
esquema engendrado de forma articulada, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da empreitada
.
É evidente, portanto, que a ação de
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
não é equiparada à daquela pessoa usualmente chamada de “mula”, vez que sua contratação para transportar drogas, além de não ter sido por uma única vez, se deu em um contexto que evidencia que, no mínimo, possui envolvimento com grupo criminoso, cujo poderio econômico é evidenciado pela grande quantidade de
maconha
apreendida. Com efeito,
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
não faz
jus
à aplicação da causa de diminuição de pena do §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Perfaz a PENA DEFINITIVA, portanto,
07 (sete) anos de reclusão, acrescidos de 700 (setecentos) dias-multa
.
Arbitro
, diante da ausência de informações precisas acerca das condições financeiras do acusado, cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à data do fato (
art. 49, §2º, do Código Pena
l).
4.2.
Regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade
(
art. 33 do Código Penal
):
Examinando conjugadamente o disposto nos
arts. 33 e 59 do Código Penal
, inexiste possibilidade de fixação de regime diverso do
fechado
, dada existência de suas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado e o
quantum
da pena privativa de liberdade fixada.
4.3.
Detração da pena
(
art. 387, §2º do Código de Processo Penal
):
Dispõe o
art. 387, §2º, do Código de Processo Penal
que “
o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade
”.
Estando o acusado preso provisoriamente por cerca de 03 (três) meses, não há que se falar na aplicação do
art. 387, §2º, do Código de Processo Penal
no caso dos autos.
4.4.
Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e suspensão condicional da pena
(
arts. 44 e 77 do Código Penal
):
Diante da pena aplicada,
não há que se falar na substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e tampouco na concessão da suspensão condicional da pena
.
(...)"
Na primeira fase,
o magistrado de origem aumentou a pena-base acima do mínimo, considerando a
quantidade
da droga apreendida e as
circunstâncias
do crime.
Ressalto que, a
natureza
e a
quantidade
da droga foram erigidas à condição de circunstâncias autônomas e preponderantes pelo artigo 42 da Lei nº 11.343/1006, a serem aplicadas como vetoriais distintas, autorizando o aumento da pena-base em
quantum
superior ao dos outros vetores previstos pelo art. 59 do Código Penal.
A
quantidade
(401,7 kg de maconha) é, de fato, grande o suficiente a ponto de merecer ser considerada na fixação da pena-base, com a exasperação da pena mínima, destoando a conduta da normalidade.
As
circunstâncias
também reclamam o incremento da pena, visto que a prática delituosa foi
"fruto de um esquema engendrado de forma articulada, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da empreitada"
, o que difere das circunstâncias comuns e denota maior reprovabilidade, como bem fundamentou o magistrado sentenciante (
processo 5011652-80.2024.4.04.7002/PR, evento 40, SENT1
).
Assim, mantenho
a pena-base em 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Na segunda etapa
do cálculo, o juízo
a quo
considerou corretamente a atenuante da
confissão espontânea
(art. 65, III, d, CP), atenuando a pena em
6 meses
de reclusão. Todavia, a aplicação da atenuante da confissão em patamar diferente de 1/6, jurisprudencialmente consolidado, exige fundamentação idônea, o que não ocorreu. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. CIGARROS ELETRÔNICOS E ACESSÓRIOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESTINAÇÃO COMERCIAL. NÃO INCIDÊNCIA. ARTIGO 334-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. RÉU CONFESSO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. CONFISSÃO. PATAMAR DE REDUÇÃO. SUBSTITUIÇÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU A ENTIDADES PÚBLICAS. PENA PECUNIÁRIA. VALOR MANTIDO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. (...). 3.
É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a redução da pena, decorrente da atenuante de confissão, deve ficar no patamar de 1/6 (um sexto), se não houver outro motivo, devidamente justificado, para que seja fixada outra redução.
Redução operada de ofício. 4. (...). (TRF4, ACR 5001458-55.2023.4.04.7002, OITAVA TURMA, Relator LORACI FLORES DE LIMA, juntado aos autos em 31/07/2024)
Destarte, deve ser
aplicada a redução da pena na fração de 1/6 (um sexto) em razão desta atenuante, pelo o que
fixo a pena provisória em 05 (cinco) anos e 05 (cinco) meses de reclusão.
No que tange à
derradeira
etapa do cálculo da pena, há de ser aplicada, como bem anotado no
decisum
recorrido e conforme fundamentado no tópico "3", a majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Entorpecentes (transnacionalidade). Envolvidos, no mínimo,
dois países
, razoável o aumento no patamar de 1/6 (um sexto), conforme exposto no tópico anterior.
A pena, até aqui, perfaz
06 (seis) anos, 03 (três) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão.
Da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06
A Defesa sustenta que o réu é primário, de bons antecedentes e não se dedica às atividades criminosas, tampouco integra organização criminosa, fazendo jus, portanto, à aplicação do que prevê o art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, em seu patamar máximo de redução (
processo 5011652-80.2024.4.04.7002/PR, evento 55, APELAÇÃO1
).
Sem razão, contudo.
No tocante à minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, cabe destacar que tem por objetivo beneficiar os pequenos traficantes e "
tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo com um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização
" (STJ, REsp representativo de controvérsia nº 1.329.088/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julg. 13/07/2013).
Ressalte-se que, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.887.511/SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, realizado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021, decidiu que a aplicação do benefício do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não pode ser afastada somente com fundamento na natureza, na diversidade e na quantidade da droga apreendida, sendo necessário que esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa. Eis a ementa do referido julgado:
PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. DOSIMETRIA DE PENA. PECULIARIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 42 DA LEI N. 11.343/2006.
NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE BIS IN IDEM
. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. RECURSO PROVIDO PARA RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.
1. A dosimetria da reprimenda penal, atividade jurisdicional caracterizada pelo exercício de discricionariedade vinculada, realiza-se dentro das balizas fixadas pelo legislador.
2. Em regra, abre-se espaço, em sua primeira fase, à atuação da discricionariedade ampla do julgador para identificação dos mais variados aspectos que cercam a prática delituosa; os elementos negativos devem ser identificados e calibrados, provocando a elevação da pena mínima dentro do intervalo legal, com motivação a ser necessariamente guiada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
3. Na estrutura delineada pelo legislador, somente são utilizados para a fixação da pena-base elementos pertencentes a seus vetores genéricos que não tenham sido previstos, de maneira específica, para utilização nas etapas posteriores. Trata-se da aplicação do princípio da especialidade, que impede a ocorrência de bis in idem, intolerável na ordem constitucional brasileira.
4. O tratamento legal conferido ao tráfico de drogas traz, no entanto, peculiaridades a serem observadas nas condenações respectivas; a natureza desse crime de perigo abstrato, que tutela o bem jurídico saúde pública, fez com que o legislador elegesse dois elementos específicos necessariamente presentes no quadro jurídico-probatório que cerca aquela prática delituosa, a saber, a natureza e a quantidade das drogas para utilização obrigatória na primeira fase da dosimetria.
5. Não há margem, na redação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, para utilização de suposta discricionariedade judicial que redunde na transferência da análise desses elementos para etapas posteriores, já que erigidos ao status de circunstâncias judiciais preponderantes, sem natureza residual.
6. O tráfico privilegiado é instituto criado par a beneficiar aquele que ainda não se encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de drogas apreendidas, para implementação de política criminal que favoreça o traficante eventual.
7. A
utilização concomitante
da natureza e da quantidade da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena,
configura bis in idem
, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712).
8.
A utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa.
9. Na modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, podem ser utilizadas circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no art. 59 do Código Penal, desde que não utilizadas de maneira expressa na fixação da pena-base.
10. Recurso provido para restabelecimento da sentença.
(STJ, REsp n. 1.887.511/SP, Terceira Seção, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, julgado em 9/6/2021, DJe de 1/7/2021.)
A controvérsia, aliás, foi submetida à sistemática dos recursos repetitivos, sendo objeto do Tema 1154 (STJ):
"Isoladamente consideradas, a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido, por si sós, não são suficientes para embasar conclusão acerca da presença das referidas condições obstativas e, assim, afastar o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado."
Agrego recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, quando ambas as Turmas criminais consideraram idônea idêntica fundamentação:
PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS QUALITATIVA E VIOLAÇÃO À SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. INOCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE CONSTARAM DO ACÓRDÃO RECORRIDO. FORMA DE ACONDICIONAMENTO DAS DROGAS. TENTATIVA DE LUDIBRIAR A FISCALIZAÇÃO. QUANTIDADE VULTUOSA DE ENTORPECENTES. INFORMAÇÕES DE ENVOLVIMENTO PRÉVIO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. PRIVILÉGIO AFASTADO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Considerando-se que não foram feitas, no decisum atacado, quaisquer referências a fatos ou provas que não tenham sido considerados pelo Tribunal de Justiça, tampouco foram valoradas circunstâncias que não tenham constado do acórdão em apelação, não há falar-se, pois, em reformatio in pejus qualitativa, tampouco na incidência da Súmula n. 7 deste STJ.
2.
Na hipótese dos autos, o Tribunal de Justiça local reconheceu o ardil empregado pelo agravante para esconder as drogas, o que, aliado à expressiva quantidade (uma barra com 1.026g de crack, além 51 pedras de crack com 20g) e à existência de informações acerca do envolvimento anterior do recorrente com o transporte de substâncias ilícitas, autorizam o afastamento do redutor do tráfico privilegiado
. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no REsp n. 2.095.535/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. RAZÕES QUE NÃO INFIRMARAM TODOS OS FUNDAMENTOS DO DECISUM ATACADO. INCIDÊNCIA DO ENTENDIMENTO DA SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. DECISÃO MANTIDA.
1. Não infirmados especificamente todos fundamentos da decisão recorrida, é de ser negada a simples pretensão de reforma (Súmula 182 desta Corte). Precedente.
2. No caso, não foi rebatido pela agravante o óbice referente à impossibilidade de conhecimento do writ por se tratar de substitutivo de revisional.
3.
No mais, reitero que o Tribunal de origem apontou a
existência de outros elementos para afastar o tráfico privilegiado
que
não somente a quantidade de droga
s, entendendo não se tratar de traficante ocasional.
4. Mantido o óbice apontado na decisão monocrática, inexiste ilegalidade flagrante que justifique a concessão de habeas corpus de ofício e a superação do impedimento apontado.
5. Na ausência de argumento apto a afastar as razões consideradas no julgado agravado, que está em sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, deve ser mantida a decisão monocrática por seus próprios termos.
6. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no HC n. 747.786/SE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. INDEFERIMENTO COM BASE NAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1.
Hipótese em que a causa de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas foi afastada com o entendimento de que o agravante se dedicava a atividades criminosas
com base nas circunstâncias da prática delitiva
, destacando-se, além da quantidade de entorpecentes, as condições em que foram apreendidos, além de diversos petrechos relacionados à prática da traficância, incluindo 2.500 flaconetes vazios.
2. Nesse contexto, não é possível desconstituir a conclusão da Jurisdição ordinária sobre a dedicação do agravante à atividade criminosa e, por conseguinte, reconhecer a incidência da minorante em comento, notadamente por ser vedado, na presente via, revolver o contexto fático-probatório dos autos.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 895.966/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. REVOLVIMENTO DE CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. BIS IN IDEM NA UTILIZAÇÃO DA QUANTIDADE E VARIEDADE DAS DROGAS PARA EXASPERAR A PENA-BASE E AFASTAR O REDUTOR DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1.
A apreensão de materiais relativos ao tráfico de entorpecentes - balança de precisão e produtos químicos destinados ao preparo das drogas, tais como éter etílico e cafeína -, bem como de anotações referentes à prática ilícita, evidencia a dedicação do agravante a atividades criminosas e fundamenta o afastamento da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
2. Não há que se falar em bis in idem na utilização da quantidade e variedade das drogas para exasperar a pena-base e afastar o redutor do tráfico privilegiado, porquanto esses elementos não foram utilizados para, de per si, afastar a incidência do privilégio.
3. Para superar as conclusões alcançadas na origem e chegar às pretensões apresentadas pela parte, é imprescindível a reanálise do acervo fático-probatório dos autos, o que impede a atuação excepcional desta Corte.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 780.529/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 26/6/2024.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO. INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1.
Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços),
a depender das circunstâncias do caso concreto.
2. No presente caso, verifica-se que os fundamentos utilizados pela Corte de origem para não aplicar o referido redutor ao caso concreto estão em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal, na medida em que dizem respeito à dedicação do agravante à atividade criminosa (tráfico de drogas), consubstanciada
não somente em razão da quantidade e da natureza das drogas apreendidas, mas também pelas circunstâncias concretas do crime, não se tratando de traficante ocasional, situação que corrobora a conclusão de que se dedicava às atividades ilícitas, o que justifica o afastamento da redutora do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006
.
Assim, para se acolher a tese de que ela não se dedica a atividade criminosa, para fazer incidir o art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, como requer a parte recorrente, imprescindível o reexame das provas, procedimento sabidamente inviável na instância especial. Inafastável a incidência da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.358.942/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 26/9/2023.)
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712) assentou entendimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade de droga apreendida com o acusado de tráfico devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases da dosimetria da pena, sobretudo, esclareça-se, na primeira, sob pena de configurar
bis in idem
. Isso, contudo, não exclui a avaliação meticulosa do magistrado em aplicar a redução no patamar que julgue necessário e suficiente para reprovação do crime (HC 99.440/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa).
Vale referir que, como na primeira fase da dosimetria da pena, aqui também a lei permite ao julgador uma certa margem de discricionariedade, não ficando, pois, adstrito a critério matemáticos fechados. Tanto é que o próprio legislador não limitou a atuação do magistrado, fixando o a redução entre os patamares mínimos, de 1/6 e máximo, de 2/3 ("
Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa
"). Sobre o tema, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
(...) II - Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, na graduação da pena-base, a natureza e a quantidade da droga apreendida na posse do Acusado, são preponderantes às circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, não configurando ilegalidade seu arbitramento acima do mínimo legal, ainda que primário e com bons antecedentes. Precedentes. III - Não tendo a Lei de Drogas estabelecido parâmetros objetivos para que seja aplicada a fração do redutor previsto na causa especial de diminuição de pena (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006), entre 1/6 (um sexto) e 2/3 (dois terços), deve o julgador defini-la, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (AgRg no REsp 1206455/AC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 29/08/2014).
Diante desse quadro, é imperativo que o
quantum
de diminuição leve em consideração as circunstâncias do delito como um todo, fazendo a ponderação pela medida da culpabilidade do agente. Tal proceder representa a real integração da norma ao fato concreto, momento em que o julgador analisará não somente a quantidade e a qualidade das drogas apreendidas, mas, fundamentalmente, analisará toda a cadeia delitiva.
Desse modo, ainda que o agente preencha os requisitos objetivos insertos no art. art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 ("
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa
"), a causa especial de diminuição da pena deve ser aplicada com cautela, dentro dos parâmetros legais mínimo e máximo. Significa, portanto, que, mesmo quando atendidos os critérios objetivos, a redução não se fará necessariamente no máximo previsto, porque isso representaria esvaziar a própria norma. Sobre isso, precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO
ART. 33, § 4º
, DA LEI 11.343/06. NATUREZA, QUANTIDADE E DIVERSIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. INAPLICABILIDADE. PLEITO DE FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. I - Esta Corte
vem decidindo que
a expressiva quantidade de droga apreendida, aliada a outras circunstâncias próprias do caso concreto
, ora pode impedir a incidência do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, - caso em que estará evidenciada a dedicação à atividade criminosa -, ora como fator que,
embora não impeça a aplicação da causa de diminuição, será tomada como parâmetro para definir o quantum da redução da pena
. In casu, em que pesem os argumentos da defesa, além da quantidade e da natureza da droga apreendida a evidenciar a dedicação à atividade criminosa, o ora agravante e outras quatro pessoas foram vistos por policiais militares, que efetivam o flagrante, "picando e embalando drogas" atrás do Colégio São Miguel (fl. 670) e os mesmos "são conhecido no meio policial pelo envolvimento com tráfico de drogas" (fl. 670). Ademais, consignou o Colegiado a quo que "foram arrecadados 171,54g de maconha, 9,24g de crack e 248,51g de cocaína, além de diversos saquinhos plásticos, o que demonstra que a considerável quantidade de entorpecentes séria destinada ao comércio ilícito" (fl. 673). II - (...) Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1304736/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 28/09/2018).
No caso em tela, o Juízo sentenciante, ao afastar o benefício do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, anotou:
"(...)
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
, em sede policial, relatou que esta era
a terceira vez que realizava o transporte de droga do Paraguai para o Brasil
, sempre
com o mesmo veículo
, e
sob contratação da mesma pessoa
(
“Era a terceira vez (...) era o mesmo carro... o mesmo carro (...) e era para a mesma pessoa (...) Me deram e eu tinha que passar (...)”
(evento nº 01 do inquérito policial). Conforme relatado pelos servidores
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
e
Osmar Carlos do Prado
,
não foi o transporte da droga realizado por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
uma ação isolada
, praticada por pessoa contratada de forma eventual, mas sim fruto de um
esquema engendrado de forma articulada, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da empreitada
.
É evidente, portanto, que a ação de
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
não é equiparada à daquela pessoa usualmente chamada de “mula”, vez que sua contratação para transportar drogas, além de não ter sido por uma única vez, se deu em um contexto que evidencia que, no mínimo, possui envolvimento com grupo criminoso, cujo poderio econômico é evidenciado pela grande quantidade de
maconha
apreendida. Com efeito,
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
não faz
jus
à aplicação da causa de diminuição de pena do §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
(...)"
Com se vê, pela leitura do trecho acima, verifica-se que os fundamentos utilizados pelo Juízo
a quo
para não aplicar o referido redutor ao caso concreto estão em consonância com a jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que dizem respeito à dedicação do apelante à atividade criminosa (tráfico de drogas), consubstanciada não somente em razão da quantidade de droga apreendida (401,7 Kg de maconha), mas pelas circunstâncias concretas do crime, que indicam a vinculação do réu com organização criminosa, o que justifica o afastamento da redutora do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006.
Como muito bem relatou o magistrado sentenciante, os depoimentos dos policiais que atuaram no flagrante revelaram que a prática delitiva se deu em contexto de esquema articulado, planejado por organização criminosa, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de dificultar a fiscalização pela Receita Federal na Ponte Internacional da Amizade e assim garantir o sucesso da empreitada criminosa, ou seja, que o réu levasse as drogas para o Brasil (
processo 5011652-80.2024.4.04.7002/PR, evento 40, SENT1
):
"(...)
Analista da Receita Federal do Brasil
Osmar Carlos do Prado
informou em sede policial que, quando do fato, havia informação de que uma organização criminosa estava engendrando a passagem de droga pela
Aduana da Ponte Internacional da Amizade
(
“a gente já estava mais ou menos aguardando isso, porque já aconteceu em duas, três vezes esse mês, né? A gente já tinha mais ou menos, estava meio alerta, porque poderiam passar a qualquer momento. Eles são assim, tipo kamikazes”
). Como esperado, foi constatado que vários veículos chegaram juntos na
Aduana da Ponte Internacional da Amizade
, ocupando todas as baias, a fim de viabilizar a passagem daquele que estava transportando a droga (
“Eles dão aquela... foi o que fizeram. Eles vieram e começou, um gritou com o outro e tal, estão chegando, estão chegando, e foi todo mundo para a pista. Eles já vieram o carro dos batedores deles, já ocuparam todas as baias, né? Para poder ficar livre o caminho para ele passar”
). Em que pese a ação articulada do grupo, conseguiram os servidores presentes no local bloquear a passagem do veículo que estava carregando a droga, no que seu condutor, o acusado
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
foi detido após tentar empreender fuga (
“Fechou a pista, como eu já disse, né? A gente fechou a pista, passamos, jogamos a pista para a esquerda, aquela pista não passou mais ninguém. E aí o camarada viu que em fração de segundo não tinha o que fazer, ele largou e correu. Jogou a chave no chão e saiu correndo”
). O Agente de Polícia Federal
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
corroborou as declarações de
Osmar Carlos do Prado
, no sentido de que foram utilizados aproximadamente 04 (quatro) veículos na ação voltada ao tráfico da droga transportada por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
e que ele tentou fugir do local do fato (
“E tinham exatamente ali cinco carros, né? Então a gente tendo provavelmente um ia escapar, né? Só que ele viu que possivelmente ia ser parado em uma das baias e fugiu”
) (evento nº 01 do inquérito policial).
Em juízo,
Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante
afirmou: “
Ah, perfeitamente. Nesse dia, né, foi por volta ali que se iniciou os trabalhos ali, né, 21 horas, 21 horas e 30 ali, que os colegas da Receita Federal, eles têm um centro, né, de operacional de inteligência ali, né, inclusive acho que foi até mostrado ali no Fantástico, matéria de domingo retrasado, e eles
estavam com informes ali, informações acerca de uma possível orcrim ali, que passaria ali naquele horário ali
, né,
ele tinha a placa ali de algum suspeito, algum batedor, aí ato contínuo ali, ele chamou a nossa equipe da Polícia Federal ali, da Força Nacional, né, para ajudar na abordagem ali
, porque
possivelmente eles falaram que eles vinham em comboio
, né, aí nesse dado momento os carros, acho que eram uns quatro assim, passaram ali na ponte, aí a gente parou os quatro ou cinco carros para abordar um por um, né, para verificar se de fato a informação era verídica, né. Aí em dado momento estava eu, um colega da Polícia Federal, o Tiago da Receita e o Rafael da Polícia Federal. Aí o paraguaio, né,
o cidadão que foi preso, ele correu, correu para a Ponte da Amizade, né, em direção ao Paraguai, e aí a gente correu atrás dele e conseguimos, conseguimos detê-lo
, né, e basicamente ele informou que ganharia ali uns 2 mil reais para a travessia, não informou de quem que era a mercadoria, se de fato aqueles carros que estavam com ele eram batedores
”.
Osmar Carlos do Prado
, por sua vez, informou que
“Resumidamente, foi uma época de franca tentativa de passagem, e a gente já se preparava mais ou menos para esses casos diversos. Esse foi um deles. E em algum momento da noite, desse dia,
começaram a chegar carros e carros a invadir o nosso ambiente de trabalho e coisa, e a gente já sabia que alguma coisa, já esperávamos que alguma coisa fosse acontecer
, né? (...) Os
olheiros, os protetores desse carro encostaram
, e aí eles vêm conversar com a gente e tal, para tentar ver se o carro passa. Como a gente já sabia, já sabe descer, isso aí é normal acontecer ali, a gente fechou todas as saídas e entradas possíveis ali naquele momento, no nosso trabalho, nas pontes, nas baias. E esse carro ficou no meio. Ele ficou no meio perdido, ele não sabia o que fazer, ele abriu a porta e saiu, jogou a chave no chão e saiu correndo de volta para o Paraguai. E nesse meio tempo, grita aqui, grita ali, um policial federal e mais um colega nosso correu atrás dele, a Força Nacional, enfim, todas as forças ali envolvidas, e conseguiram abordá-lo no meio da ponte e o trouxeram de volta (...)”
(evento nº 31).
(...)"
Ademais, o próprio apelante relatou em sede policial que já havia realizado o transporte de drogas do Paraguai para o Brasil outras duas vezes, com o mesmo veículo e sob contratação da mesma pessoa (
processo 5009329-05.2024.4.04.7002/PR, evento 1, INQ1
).
Diante do exposto, é nítido que o réu não foi apenas uma "mula" ocasional, uma vez que já havia realizado o transporte de entorpecentes em outras oportunidades, e porque o contexto da prática criminosa evidencia que possui estreitos laços com grupo criminoso.
Desse modo, havendo evidências do envolvimento do réu com organização criminosa voltada para o narcotráfico, não incide a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
Assim, a pena privativa de liberdade resta definitivamente fixada em
06 (seis) anos, 03 (três) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão.
Quanto à pena de multa, o número de dias-multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade estabelecida, enquanto que o valor do dia-multa deve ser fixado de acordo com as condições do condenado, conforme exposto no tópico "5.1".
No caso dos autos, a pena foi redimensionada, de modo que a multa deve ser readequada em patamar proporcional ao estabelecido em Lei específica para o delito de tráfico de drogas, pelo que, fixo a referida pena em
626 (seiscentos e vinte e seis) dias-multa
, uma vez que esse é o
quantum
que guarda relação de proporcionalidade com a sanção corporal, mantido o
valor unitário do dia-multa
, porquanto
já
estabelecido no mínimo legal
, em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data do fato, atualizável o valor pelo IPCA-e.
Eventual pedido de redução ou afastamento da pena de multa, em decorrência da situação econômica do réu, deve ser submetido ao juízo da execução, a quem cabe fixar as condições de adimplemento e autorizar, inclusive, eventual parcelamento do valor devido.
6. Regime inicial de cumprimento da pena e substituição
Para a imposição do regime inicial de cumprimento da reprimenda, deve-se levar em conta a combinação entre a quantidade de pena imposta na sentença (art. 33, §2º, do CP) e as circunstâncias judiciais, se favoráveis ou eventualmente desfavoráveis (art. 33, §3º, do CP), sem descuidar da orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal,
verbis
:
'Súmula 718: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.'
'Súmula 719: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.'
Vale lembrar, ainda, a redação do artigo 42 da Lei de Tóxicos que deve ser levado em consideração também da fixação do regime inicial de cumprimento da pena:
'Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.'
No caso em análise, em que pese a pena privativa de liberdade redimensionada, considerando a valoração de duas circunstâncias judiciais, uma delas preponderante,
deve ser mantido o regime inicial
fechado
para o cumprimento da pena.
O réu não preenche os requisitos legais do art. 44 do CP, já que a pena privativa de liberdade extrapola os quatro anos.
Passo ao exame das questões invocadas pela parte autora.
Elevação da pena-base pela quantidade do entorpecente, em contrariedade ao artigo 42 da Lei nº 11.343 de 2006.
Cabe pontuar que, há algum tempo, a 4ª Seção desta Corte sedimentou o entendimento de que a dosagem da pena-base deve atender às peculiaridades do caso, e não a um critério puramente matemático:
PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. FATO ASSIMILADO A CONTRABANDO. ART. 334, § 1º, 'B', DO CP, C/C O ART. 3º DO DECRETO-LEI N. 399/1968. DOSIMETRIA. ART. 59 DO CP. CULPABILIDADE, ANTECEDENTES E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CRITÉRIOS DE ACRÉSCIMO DA PENA-BASE. 1. Art. 59 do CP. A vetorial 'culpabilidade' deve ser considerada neutra, pois a reprovabilidade da conduta em nada excede o disposto no tipo penal, haja vista que o dolo, a quantidade de mercadoria apreendida e o valor dos tributos iludidos apontado na origem não são capazes de embasar exasperação da pena-base nesse sentido. 2. Manutenção da valoração negativa das balizadoras 'antecedentes' e 'circunstâncias do crime' (art. 59 do CP). 3.
O critério adotado para o acréscimo da pena-base deve resultar de análise das particularidades do caso concreto, prestigiando o princípio da individualização da pena.
4. Exclusão do critério do termo médio na primeira fase da dosimetria. (TRF4, ENUL 5001071-30.2011.4.04.7206, QUARTA SEÇÃO, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 09/09/2014)
Na mesma linha advoga o STJ, esclarecendo que
"não se admite a adoção de um critério puramente matemático, baseado apenas na quantidade de circunstâncias judiciais desfavoráveis, até porque de acordo com as especificidades de cada delito e também com as condições pessoais do agente, uma dada circunstância judicial desfavorável poderá e deverá possuir maior relevância (valor) do que outra no momento da fixação da pena-base, em obediência aos princípios da individualização da pena e da própria proporcionalidade"
(STJ, AgRg no HC 512.046/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo, julgado em 22/10/2019, DJe 29/10/2019).
Nos exatos termos do art. 42 da Lei 11.343/06, a natureza e a quantidade da droga têm preponderância sobre as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, devendo, de rigor, ter incremento diferenciado dessas.
Também, oportuno destacar que qualidade e quantidade não são um binômio e, sim, duas vetoriais autônomas, ambas autorizando por si aumento da pena-base.
In casu
, a elevação aplicada foi justificada em razão da quantidade de entorpecente encontrada (401,7 Kg da substância maconha), justificando maior incremento da pena-base, a ponderar no exame individualizado. A imposição da pena mostra-se em consonância com o entendimento dos Tribunais Superiores, como se vê do seguinte julgado:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. OFENSA AOS ARTS. 59 DO CP E 42 DA LEI Nº 11.343/2006. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS PREPONDERANTES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ACÓRDÃO DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA 568/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/2006. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO. INVIABILIDADE. I) RÉUS INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. DECISÃO RECORRIDA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 568/STJ. II) REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO ART. 33, § 2º E § 3º, DO CP. FIXAÇÃO DE REGIME MAIS BRANDO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. PRETENSÃO EM DESACORDO COM O ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA 568/STJ. OFENSA AO ART. 617 DO CPP. I) INOVAÇÃO RECURSAL. II) REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte Superior de Justiça tem entendido que
"No termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, a quantidade e a natureza da droga apreendida são preponderantes sobre as demais circunstâncias do art. 59 do Código Penal e podem justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, cabendo a atuação desta Corte apenas quando demonstrada flagrante ilegalidade no quantum aplicado"
(HC 301.872/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 15/03/2017). Súmula 568/STJ.
In casu, não se verifica desproporcionalidade em razão do incremento da pena-base em apenas 02 anos e 06 meses acima do mínimo legal, com fundamento na natureza e grande quantidade da droga (15.913g de cocaína - fl. 834) , mas tão somente um exercício de discricionariedade vinculada, o que é autorizado ao magistrado sentenciante, no momento da confecção da dosimetria da pena, não havendo nada de ilegal quanto a tal proceder
. 2. Nos termos do entendimento deste Superior Tribunal de Justiça "Revela-se inviável a aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, porquanto as circunstâncias do caso - existência de diversas viagens de curta duração registradas no passaporte do sentenciado e por ele não justificadas devidamente - levaram a conclusão de que não se tratava de traficante ocasional, mas sim que fazia do tráfico internacional de entorpecentes seu meio de vida, ou seja, que se dedicaria a atividades delituosas" (HC 203.231/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 14/12/2012). Súmula 568/STJ. 3. É assente que cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar a existência de provas suficientes a embasar a aplicação da pena-base e das causas de aumento ou de diminuição da sanção, porquanto é vedado na via eleita o reexame de fatos e provas. Súmula 7/STJ. 4. Este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que "a quantidade e a natureza da droga são motivos idôneos para o indeferimento do regime prisional mais brando e da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos"(STJ, gRg no AREsp 390.914/DF, Quinta Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Julgado em 17/10/2013, DJe 23/10/2013). Súmula 568/STJ.
Portanto, em razão da vultosa quantidade de droga apreendida, é devido o aumento operado na pena-base do requerente, não se verificando qualquer contrariedade ao artigo 42 da Lei nº 11.343 de 2006.
Aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343 de 2006
Os requisitos para a incidência da causa de diminuição da pena encontram-se previstos expressamente no art. 33, § 4º, correspondendo à primariedade, aos bons antecedentes, bem como ao fato de o réu não se dedicar a atividades criminosas, tampouco integrar organização criminosa.
Por outro lado, ainda que o agente preencha os requisitos objetivos insertos no art. art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, a causa especial de diminuição da pena deve ser aplicada com cautela, dentro dos parâmetros legais mínimo e máximo. Significa, portanto, que, mesmo quando atendidos os critérios objetivos, a redução não se fará necessariamente no máximo previsto, porque isso representaria esvaziar a própria norma. Sobre isso, o precedente do Superior Tribunal de Justiça que segue:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06.
NATUREZA
,
QUANTIDADE
E DIVERSIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. INAPLICABILIDADE. PLEITO DE FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. I - Esta Corte vem decidindo que a expressiva
quantidade
de droga apreendida, aliada a outras circunstâncias próprias do caso concreto, ora pode impedir a incidência do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, - caso em que estará evidenciada a dedicação à atividade criminosa -, ora como fator que, embora não impeça a aplicação da causa de diminuição, será tomada como parâmetro para definir o quantum da redução da pena. In casu, em que pesem os argumentos da defesa, além da
quantidade
e da
natureza
da droga apreendida a evidenciar a dedicação à atividade criminosa, o ora agravante e outras quatro pessoas foram vistos por policiais militares, que efetivam o flagrante, "picando e embalando drogas" atrás do Colégio São Miguel (fl. 670) e os mesmos "são conhecido no meio policial pelo envolvimento com tráfico de drogas" (fl. 670). Ademais, consignou o Colegiado a quo que "foram arrecadados 171,54g de maconha, 9,24g de crack e 248,51g de cocaína, além de diversos saquinhos plásticos, o que demonstra que a considerável
quantidade
de entorpecentes séria destinada ao comércio ilícito" (fl. 673). II - (...) Precedentes. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 1304736/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 25/09/2018, DJe 28/09/2018).
Nessa perspectiva, o modo de execução do delito, com maior profissionalismo, é circunstância que minimiza a possibilidade de aplicação da redutora em seu grau máximo, uma vez que demonstra o envolvimento de organização criminosa na prática delitiva.
No caso, restou afastada a incidência da causa de diminuição prevista, pois a
ação de
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
não é equiparada à daquela pessoa usualmente chamada de “mula”, vez que sua contratação para transportar drogas, além de não ter sido por uma única vez, se deu em um contexto que evidencia que, no mínimo, possui envolvimento com grupo criminoso, cujo poderio econômico é evidenciado pela grande quantidade de maconha apreendida.
(
evento 40, SENT1
- processo 5011652-80.2024.4.04.7002).
Efetivamente, como destacado pelo juízo,
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
, em sede policial, relatou que esta era a terceira vez que realizava o transporte de droga do Paraguai para o Brasil, sempre com o mesmo veículo, e sob contratação da mesma pessoa (“Era a terceira vez (...) era o mesmo carro... o mesmo carro (...) e era para a mesma pessoa (...) Me deram e eu tinha que passar (...)
(evento nº 01 do inquérito policial).
Conforme relatado pelos servidores Leandro Pimentel Nascimento Cavalcante e Osmar Carlos do Prado,
não foi o transporte da droga realizado por
JOSE RODRIGO GARCETE CANO
uma ação isolada, praticada por pessoa contratada de forma eventual, mas sim fruto de um esquema engendrado de forma articulada, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da empreitada.”
A presença de indícios de envolvimento em organização criminosa, abrangendo apreensão de 401,700 Kg (quatrocentos e um quilos e setecentos gramas) de maconha afasta a aplicação da causa de diminuição de pena. Neste sentido os seguintes precedentes:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CONHECIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus impetrado em substituição à revisão criminal, visando à revisão da dosimetria da pena aplicada ao agravante, condenado por tráfico de drogas.
2. O agravante foi condenado à pena de 21 anos, 2 meses e 24 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 2.449 dias-multa, pela prática dos crimes previstos nos artigos 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006, em concurso material de crimes, conforme sentença do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Corumbá.
3. O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul deu provimento parcial ao recurso de apelação para absolver o agravante do crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, mantendo a condenação pelo crime de tráfico de drogas.
II. Questão em discussão4. A questão em discussão consiste em saber se a quantidade de drogas apreendidas justifica o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, e se o habeas corpus pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal.
5. O agravante alega que não é reincidente em crime do mesmo tipo penal, possui bons antecedentes e não há provas de dedicação a atividades criminosas ou participação em organizações criminosas, argumentando que a quantidade de entorpecentes apreendida não é fundamento suficiente para afastar a minorante.
III. Razões de decidir6. O Superior Tribunal de Justiça não conhece habeas corpus impetrado em substituição à revisão criminal, em conformidade com a jurisprudência da Corte, que limita a revisão apenas aos seus próprios julgados.
7. O afastamento da causa de diminuição de pena do tráfico privilegiado está justificado no acórdão impugnado, com menção expressa à reincidência do agravante, não havendo ilegalidade flagrante que autorize a concessão da ordem de ofício.
IV. Dispositivo e tese8. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. O habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal para impugnar decisão transitada em julgado. 2. A quantidade de drogas apreendidas pode justificar o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, quando acompanhada de outros elementos, como a reincidência do réu".
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 11.343/2006, art. 33, § 4º;
CF/1988, art. 105, I, "e".Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 861.867/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 02.09.2024. (STJ, AgRg no HC 990355 / MS, Quinta Turma, Relator Ministro Messod Azulay, julgado em 17/06/2025).
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, C/C O ARTIGO 40, INCISO I, DA LEI 11.343/2006. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARTIGO 12 DA LEI 10.826/2003. RECEPTAÇÃO DOLOSA. ARTIGO 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO. MANUTENÇÃO. CONDENAÇÃO. CORRÉU. DOSIMETRIA. PENA-BASE.
NATUREZA
DA DROGA. MACONHA. VETORIAL NEUTRA. MINORANTE. ARTIGO 33, §4º, DA LEI 11.343/2006. APLICABILIDADE. 1. (...). 5.
Embora a condição de mula não autorize, por si só, o afastamento do tráfico privilegiado, trata-se de circunstância que justifica a aplicação da minorante em patamar diverso da fração máxima. Precedentes do STJ.
(TRF4, ACR 5011315-96.2021.4.04.7002, 8ª Turma, Relator MARCELO MALUCELLI, julgado em 06/09/2023)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. NÃO INCIDÊNCIA. INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ANÁLISE POR ESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. QUANTUM DA PENA APLICADA. REQUISITO DO ART. 44, I, DO CP NÃO PREENCHIDO. REGIME INICIAL FECHADO. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA COM O PACIENTE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso, seja a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2.
A mens legis da causa especial de diminuição prevista no art. § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 é justamente punir, com menor rigor, o pequeno traficante, que não faz do tráfico de drogas o seu meio de vida, mas que, cometendo um fato isolado na sua vida, acaba por incidir na conduta típica prevista no art. 33 da mencionada lei federal. Tanto é assim que exige, além da primariedade e dos bons antecedentes, a não integração em organização criminosa e a não dedicação a atividades delituosas.
3. Na espécie dos autos, contudo, não obstante o paciente seja primário e possuidor de bons antecedentes, infere-se que as instâncias originárias deixaram de aplicar o § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 por entenderem que, em razão da quantidade e natureza da droga apreendida (28 porções de cocaína e 47 pedras de crack - fl. 16) e das circunstâncias que rodearam essa apreensão, o paciente integrava organização criminosa. 4. Esta Corte tem reiteradamente decidido, em observância ao disposto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, que, havendo demonstração de que o paciente integra organização criminosa, mostra-se inaplicável a minorante em questão e alcançar conclusão inversa demandaria o exame do conjunto probatório dos autos, providência inviável na via estreita do habeas corpus, carente de dilação probatória. 5. Ante o quantum da pena aplicada, incabível o pleito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 6. Areprimenda definitiva imposta (superior a 4 anos de reclusão), aliada à quantidade de droga apreendida com o paciente, justifica a aplicação do regime inicial mais rigoroso. 7. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC 347.600/SP, Sexta Turma, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, julgado em 05/04/2016, DJe 18/04/2016)
Mantida a não-incidência da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
Alteração do regime prisional
Para a aplicação do regime de cumprimento de pena devem ser observadas as disposições constantes nos arts. 33 e 59 do Código Penal.
No caso, o voto condutor do acórdão que se pretende revisar, manteve o regime inicial fechado, para o cumprimento da pena, ao argumento de valoração de circunstâncias judiciais preponderantes (art. 42 da Lei de Tóxicos) consistentes na quantidade de droga apreendida (401,7 kg de maconha), bem como nas circunstâncias do delito (
esquema engendrado de forma articulada, envolvendo vários veículos e pessoas, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da empreitada
).
As circunstâncias demonstradas revelam não ser suficiente, para reprimenda do delito, regime menos gravoso do que o fechado (art. 33, § 3º, CP). No ponto destaco, os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. EXISTÊNCIA. INOVAÇÃO. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REGIME LEGAL MANTIDO. FUNDAMENTADO. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. NATUREZA DA DROGA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O exame pelo Superior Tribunal de Justiça de matéria que não foi apreciada pelas instâncias ordinárias enseja indevida supressão de instância, com explícita violação da competência originária para o julgamento de habeas corpus (art. 105, I, c, da Constituição Federal).
2. O juiz pode fixar regime inicial mais gravoso do que aquele relacionado unicamente com o quantum da pena ao considerar a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, especialmente a natureza ou a quantidade da droga, até mesmo sua forma de acondicionamento, desde que fundamente a decisão.
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg no HC 698888 / MG, Quinta Turma, Relator Ministro João Otávio Noronha, julgado em 16/11/2021).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE DENOTA A DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES ILÍCITAS. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGAS ALIADA A OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO (MAIS DE 1KG MACONHA, 720 COMPROMIDOS DE MDMA, PESO 203,7G). REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIÁVEL NA ESTREITA VIA DO MANDAMUS. REGIME DIVERSO DO FECHADO. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL QUE ELEVOU A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. II - O v. acórdão impugnado fundamentou o afastamento do tráfico privilegiado, consubstanciada na conclusão de que o paciente se dedicava a atividades criminosas (traficância), em razão não somente pela quantidade de drogas apreendidas (mais de um quilo de maconha e seus derivados com comprovada presença do THC, além de 720 comprimidos de metilenodioximetanfetamina (MDMA) com peso líquido de 203, 7 gramas), mas também pelas circunstâncias em que se deu a prisão, bem como constatarem que não se tratava de traficante ocasional. Tudo isso, são elementos aptos a justificar o afastamento da redutora do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. Rever o entendimento da Corte de origem para fazer incidir a causa especial de diminuição, como reclama a impetrante, demandaria, necessariamente, amplo revolvimento da matéria fáticoprobatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus. III - Nos termos do art. 33, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o Julgador deverá observar a quantidade da reprimenda aplicada, a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e, em se tratando dos crimes previstos na Lei n. 11.343/2006, como no caso, deverá levar em conta a quantidade e a natureza da substância entorpecente apreendida (art. 42 da Lei n. 11.343/2006). Segundo jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, "a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada" (Súmula n. 718/STF), e "a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea" (Súmula n. 719/STF). IV - Na hipótese, entendo que deve ser mantido o regime inicial fechado, ante a existência de circunstância judicial desfavorável, que foi utilizada para majorar a pena- base do paciente. Segundo pacífica jurisprudência desta Corte Superior, a existência de circunstância judicial desfavorável, com a consequente fixação da pena-base acima do mínimo legal, autoriza a determinação de regime inicial mais gravoso do que o cabível em razão do quantum de pena cominado. Agravo regimental desprovido.(STJ, AgRg no HC 609.897/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020)”
Neste cenário, não havendo erro técnico ou injustiça, não se deve, em sede de revisão criminal, reduzir a reprimenda imposta ao condenado, ou alterar o regime prisional, quando estes foram fixados em obediência aos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Nesse sentido, confira-se:
PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. CONTRARIEDADE A TEXTO EXPRESSO DA LEI PENAL OU À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA DAS PENAS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DESCABIMENTO DA REVISIONAL. Não se admite a revisão criminal para reanálise de provas e da configuração do tipo penal, quando já foram amplamente avaliadas e decididas no processo. Ausentes novos elementos capazes de modificar as conclusões da sentença condenatória, descabe a ação revisional.
Inviável o reexame da dosimetria das penas, quando não configurada flagrante injustiça e/ou ilegalidade. Revisão criminal não conhecida.
(TRF4 5039869-03.2018.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 19/12/2018).
PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTS. 33 E 35, CAPUT, C/C ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. ÃRT. 621, I, DO CPP. HIPÓTESES NÃO CONFIGURADAS. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A SER CORRIGIDA DE OFÍCIO. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO E ADEQUAÇÃO AOS PARÂMETROS LEGAIS. 1. Conquanto a revisional seja fundada no art. 621, I, do CPP, o requerente não apontou descumprimento de qualquer dispositivo legal ou mesmo expôs contrariedade à alguma evidência dos autos, evidenciando da sua narrativa de que não se trata de contrariedade com a prova produzida e, sim, de inconformidade quanto à dosimetria não apresentada em momento oportuno, qual seja, a apelação. 2. Do exame da dosimetria feita na sentença, também, não se verifica erro evidente que reclame correção nesta via, já que foram, fundamentadamente, apontadas as circunstâncias que levaram à exasperação das penas-bases (qualidade e quantidade da droga), que restaram impostas dentre dos limites legais, assim como a multa correspondente.
3. A revisão criminal não é via para reapreciação dos critérios adotados pelo juiz, dentro do exercício do livre convencimento, somente sendo possível a redução da pena quando ocorrer flagrante erro na análise das vetoriais do art. 59 do CP, eventual causa de diminuição não apreciada na sentença ou decisão contrária ao conjunto probatório.
(TRF4 5017428-28.2018.4.04.0000, QUARTA SEÇÃO, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 14/12/2018).
Em conclusão, quanto a todos os pontos trazidos pela defesa, cabe consignar que a revisão criminal, como já sufragado, não pode e nem deve ser utilizada como sucedâneo recursal em caso de inconformidade da parte com acórdão que decidiu de forma contrária à sua pretensão. O uso da revisão criminal (em sendo uma exceção à regra geral da imutabilidade da coisa julgada) é reservado para hipóteses restritas, nos casos taxativamente enumerados nos incisos do art. 621, incisos I a III, do CPP.
Vale frisar que a inobservância das hipóteses previstas de forma rígida no CPP viola o princípio do livre convencimento judicial, bem como transforma a revisão criminal em recurso destinado a reexaminar matéria já julgada, indiretamente, atingindo os efeitos da coisa julgada material.
Nessa direção, confira-se:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA CONTRÁRIA A TEXTO EXPRESSO DE LEI E EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. 1. São taxativas as hipóteses de cabimento da revisão criminal, previstas nos incisos I, II e III do art. 621 do Código de Processo Penal.
Não é cabível a sua utilização para mera rediscussão das questões já julgadas ou revaloração das provas que foram expressa e adequadamente apreciadas no julgamento da ação penal.
(TRF4 5059474-66.2017.4.04.0000,
QUARTA SEÇÃO
, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em
16/02/2018
)
PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ARTIGO 621, INCISO II, CPP. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA VIA COMO SEGUNDA APELAÇÃO.
A revisão criminal não faz às vezes de uma segunda apelação, não se prestando à reapreciação da prova já anteriormente analisada e devidamente sopesada
. (TRF4 5019290-68.2017.4.04.0000,
QUARTA SEÇÃO
, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em
05/12/2017
)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 621, CAPUT, I E II, DO CPP. REVISÃO CRIMINAL. NÃO CONHECIMENTO. REANÁLISE DE QUESTÕES JÁ AVALIADAS E DECIDIDAS EM DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Tribunal local assentou que a revisão criminal não se enquadrou em nenhuma das hipóteses do artigo 621 do Código de Processo Penal, não sendo cabível, portanto, para reanálise de matéria submetida a julgamento em duplo grau de jurisdição, como sucedâneo recursal, entendimento, este, de acordo com a jurisprudência deste STJ. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 997.912/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016)(grifei)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. PRELIMINAR. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ACTIO NATA. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE CONDENAÇÃO EM CONTRARIEDADE AO TEXTO EXPRESSO DE LEI OU A EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. De acordo com a Súmula Vinculante 24, "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo". Assim, enquanto não constituído definitivamente o tributo, não há falar em pretensão punitiva e, por conseguinte, em início da contagem do respectivo prazo prescricional. 2.
A hipótese de cabimento da revisão criminal prevista no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal exige que haja contradição cristalina entre a condenação e o texto expresso de lei ou a prova carreada aos autos, o que não ocorre no presente caso, no qual a decisão foi fruto do livre convencimento motivado do julgador monocrático, que embasou sua convicção no substrato probatório processual. 3. Incabível o reexame do julgado quando demonstrada mera intenção do postulante em obter nova apreciação do conjunto probatório, eis que a revisão criminal não se presta como espécie de apelação.
4. Estando o processo originário instruído com cópia do processo administrativo-fiscal, no bojo do qual restou definitivamente constituído o respectivo crédito tributário, considera-se comprovada a sonegação fiscal. (TRF4, RVCR 0006732-57.2014.404.0000, QUARTA SEÇÃO, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, D.E. 28/07/2015)(grifei)
Assim, as pretensões deduzidas neste feito mostram-se manifestamente incabíveis, uma vez que não se enquadram em nenhuma das hipóteses taxativas elencadas no art. 621 e no art. 626 do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, indefiro a petição inicial, por manifestamente incabível.
Intimem-se.
Desentranhe-se o documento acostado no evento 5, RELT1
Após, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos eletrônicos.
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Processo nº 5011291-24.2024.4.04.7112
ID: 273691521
Tribunal: TRF4
Órgão: 3ª Vara Federal de Canoas
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5011291-24.2024.4.04.7112
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GIBRAN LUIS CABRAL UEQUED
OAB/RS XXXXXX
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UEQUED ADVOGADOS
OAB/RS XXXXXX
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YASMIN DE ALMEIDA MORALES
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5011291-24.2024.4.04.7112/RS
AUTOR
: WERNER OTTO ENDRES
ADVOGADO(A)
: YASMIN DE ALMEIDA MORALES (OAB RS118546)
ADVOGADO(A)
: GIBRAN LUIS CABRAL UEQUED (OAB RS113558)
ADVOGADO(A…
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5011291-24.2024.4.04.7112/RS
AUTOR
: WERNER OTTO ENDRES
ADVOGADO(A)
: YASMIN DE ALMEIDA MORALES (OAB RS118546)
ADVOGADO(A)
: GIBRAN LUIS CABRAL UEQUED (OAB RS113558)
ADVOGADO(A)
: GIBRAN LUIS CABRAL UEQUED
DESPACHO/DECISÃO
Vistos em decisão de saneamento e organização.
Forte nos arts. 10 e 357 do CPC,
impõe-se delimitar algumas questões de fato e de direito com repercussão na atividade probatória, adotando-se, preliminarmente - e sujeito à retificação/complementação superveniente, de ofício ou por provocação das partes -, as premissas a seguir.
Inicialmente,
indefiro
o pedido de prova pericial requerida pela parte autora.
É que a desconstituição do formulário voltado à comprovação do tempo especial e/ou de outros registros das condições ambientais de trabalho é controvérsia afeta às feições da relação empregatícia e, portanto, matéria que extravasa o litígio travado com a Previdência Social (objeto litigioso do processo judicial previdenciário), sendo dirimível apenas pela Justiça do Trabalho, nos termos da norma de competência definida na Constituição Federal, art. 114, a quem caberá eventualmente, em ação declaratória (imprescritível), compelir o empregador a emitir os papeis que espelhem a concreta situação laboral, caso confirmada a inveracidade de seu conteúdo. É dizer, consoante já decidiu o TST, que
“se a causa de pedir (remota e próxima) e o pedido têm origem no contrato de trabalho e nas figuras de empregador e empregado, resta indubitável a competência material da Justiça do Trabalho para julgar o conflito, nos termos do art. 114, I, da Constituição Federal, ainda que se trate de obrigação acessória ao contrato de trabalho, qual seja a de o empregador fornecer documento para que o empregado se habilite junto ao INSS para solicitar benefício previdenciário”
; por outro lado
, “a obrigação de fazer imposta à reclamada é restrita à expedição de novo PPP, cabendo ao INSS decidir se a realidade laboral vivenciada pelo empregado dá ensejo à aposentadoria especial ou não”
(Tribunal Superior do Trabalho - AIRR - 116340-12.2006.5.03.0033 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 22/09/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/10/2010), com o que se deslinda
o foco de eventual ação previdenciária perante a Justiça Federal: a revisão
(judicial review)
da postura da Autarquia Previdenciária dentro daquilo que a ela cabe
legalmente
avaliar, isto é, a aferição da satisfação dos pressupostos da aposentadoria especial com base na “realidade laboral vivenciada pelo empregado”
devidamente documentada
(preferencialmente no PPP)
. A respeito dessa temática, é elucidativa a leitura de alguns precedentes do TST e TRT4 (RS):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE RECURSO DE REVISTA EM AÇÃO DECLARATÓRIA. RECLAMAÇÃO PLÚRIMA MOVIDA CONTRA O EMPREGADOR PARA APURAÇÃO TÉCNICA DE CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE TRABALHO. RECURSO DO INSS. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. AÇÃO DE NATUREZA NITIDAMENTE TRABALHISTA, E NÃO PREVIDENCIÁRIA. INGRESSO DO INSS NO FEITO, COMO MERO ASSISTENTE, QUE NÃO COMPORTA O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO, MERECENDO CONFIRMAÇÃO O DESPACHO AGRAVADO AO ENTENDER AUSENTES, NA HIPÓTESE, OS PRESSUPOSTOS DE CABIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. O acórdão regional, ao proclamar que não estão em discussão aspectos técnicos acerca da viabilidade, ou não, para os autores, de aposentadorias especiais - esta, sim, uma questão previdenciária -, mas tão somente a obrigação patronal de reconhecer, a partir de verificação por perito do Juízo, condições ambientais nocivas de trabalho dos empregados para que eles possam, noutra esfera, -acionar o estudo acerca da viabilidade de aposentadorias especiais-, deixa clara a observância, no caso, dos limites jurisdicionais da competência trabalhista, não incidindo, portanto, em vulneração do art. 109, I, da Constituição.
Decisão que limitou-se a julgar cabível, no âmbito trabalhista, a apuração pericial das condições de trabalho e a emissão de formulário antes conhecido como DSS (DIRBEN) 8030, hoje, PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) para que, -aí sim ao leito da legislação previdenciária e em contraditório outro-, os trabalhadores venham a discutir a questão previdenciária daí resultante junto ao INSS
. Precedentes. Agravo de instrumento não provido. (AIRR - 60741-19.2005.5.03.0132 , Relator Juiz Convocado: Flávio Portinho Sirangelo, Data de Julgamento: 17/11/2010, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/11/2010)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. FORMULÁRIO PPP E LAUDO TÉCNICO CORRELATO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos do art. 114 da Constituição Federal,
compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, incluindo outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, inclusive o formulário PPP e laudo técnico correlato
, em razão da relação de emprego mantida pelo reclamante com a empregadora. Agravo conhecido e desprovido. (AIRR - 61240-87.2005.5.03.0007 , Relator Juiz Convocado: José Ronald Cavalcante Soares, Data de Julgamento: 01/11/2006, 6ª Turma, Data de Publicação: DJ 24/11/2006)
RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, I, da CF/88. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PREENCHIMENTO DA GUIA PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO- PPP. trabalho sob condições de risco acentuado à saúde. produção de prova. A guia do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP - deve ser emitida pelo empregador e entregue ao empregado quando do rompimento do pacto laboral, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos exatos termos da legislação previdenciária, contendo a relação de todos os agentes nocivos químicos, físicos e biológicos e resultados de monitoração biológica durante todo o período trabalhado, em formulário próprio do INSS, com preenchimento de todos os campos (art. 58, parágrafos 1º a 4º, da Lei 8.213/1991, 68, §§ 2º e 6º, do Decreto 3.048/1999, 146 da IN 95/INSS-DC, alterada pela IN 99/INSS-DC e art. 195, § 2º, da CLT).
A produção de prova, para apuração ou não de labor em reais condições de risco acentuado à saúde e integridade física do trabalhador, mesmo para fazer prova junto ao INSS visando à obtenção da aposentadoria especial, por envolver relação de trabalho, é da competência desta Justiça Especializada, art. 114, I, da CF, e não da Justiça Federal
. Há precedentes. A mera entrega da PPP não impede que a Justiça do Trabalho proveja sobre a veracidade de seu conteúdo. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-18400-18.2009.5.17.0012, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT 30/09/2011).
RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMISSÃO DO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. OBRIGAÇÃO TÍPICA DA RELAÇÃO DE TRABALHO. ARTIGO 114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
O artigo 58, § 4º, da Lei nº 8.213/91, ao estipular que 'a empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento', impõe obrigação típica da relação de trabalho, ainda que tenha implicações previdenciárias; logo, trata-se de matéria abrangida pela competência da Justiça do Trabalho
. Recurso de revista provido. (RR-271000-52.2005.5.12.0031, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, DEJT 18/03/2011).
RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. EMISSÃO DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO - PPP. NÃO INCIDÊNCIA.
Nos termos do §1º do artigo 11 da CLT, os prazos prescricionais atinentes ao direito de ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, não se aplicam às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social
. Precedentes. Recurso de revista não conhecido." (RR-617-72.2010.5.03.0107, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 20/2/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: 1/3/2013)
RECURSO DE REVISTA. 1. PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE DIREITOS. COMPROVAÇÃO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. ARTIGO 11, § 1º, DA CLT. O artigo 11, § 1º, da CLT declara a imprescritibilidade das ações que tenham como finalidade a obtenção de informações que devam ser fornecidas pelo empregador, ainda que, em seu conteúdo, comine-se a este a obrigação de fazer as anotações relevantes à condição de segurado ou entregar documento que contenha tais informações.
Nota-se, assim, que a imprescritibilidade a que se refere o dispositivo não se circunscreve às ações meramente declaratórias, mas abrange qualquer modalidade de ação que tenha como finalidade a certificação de situações fáticas necessárias à comprovação de algum direito junto à Previdência Social
, como ocorreu no presente caso. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (RR-1195-96.2010.5.03.0022, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 13/11/2012, 5ª Turma, Data de Publicação: 16/11/2012)
INTERVALO INTRAJORNADA. FRACIONAMENTO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. (...) RETIFICAÇÃO DO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO - PPP.
INSALUBRIDADE APURADA EM JUÍZO
. 1. Nos termos do § 1º do artigo 58 da Lei n.º 8.213/91, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP é o documento pelo qual o trabalhador segurado faz prova junto ao INSS da sua exposição a agentes nocivos no desempenho de suas funções, de modo a ter jus à aposentadoria especial. Ainda segundo o referido dispositivo, a empresa ou seu preposto são os responsáveis pela emissão do referido documento atestando as condições especiais de trabalho, com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho. 2.
Diante disso, constatada em Juízo a existência de insalubridade nas condições de trabalho do empregado, é lícita a ordem de retificação do documento PPP pela empregadora, de modo a atender plenamente o comando do artigo 58, § 1º, da Lei n.º 8.213/91
. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 352-95.2010.5.03.0034 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 22/05/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2013)
RECURSO DO RECLAMANTE. Competência da Justiça do Trabalho. Retificação do Perfil Profissiográfico Previdenciário. Atividade insalubre
.
A Justiça do Trabalho é competente para julgar demanda entre empregado e empregador, na qual aquele pretende obrigar este a expedir o documento PPP com as informações acerca da natureza insalubre de suas atividades
. Recurso provido neste item. Nulidade do processo. Cerceamento de defesa. Prova pericial. Local de trabalho desativado.
Perícia
em outro local. O fechamento do local de trabalho do reclamante é insuficiente para impedir a realização da
perícia
quando as mesmas atividades estiverem sendo realizadas pela reclamada em local diverso, configurando cerceamento de defesa o indeferimento da prova. Recurso provido neste tópico (TRT4 - PROCESSO: 0000896-33.2014.5.04.0352 RO, Rel. Des. Marcelo Gonçalves de Oliveira, j. 12/08/2015)
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. DEVER DE DOCUMENTAÇÃO AMBIENTAL DO EMPREGADOR. DIREITO DE INFORMAÇÃO DO TRABALHADOR. PRESUNÇÃO DE NEXO ENTRE O AGRAVO À SAÚDE DO TRABALHADOR E O SERVIÇO PRESTADO. 1.
Adocumentação da existência ou não de condições ambientais nocivas e de risco à saúde e à segurança do empregado incumbe ao empregador. Estas obrigações ambientais desdobram-se, em sede processual, no dever do empregador de demonstrar, nos autos, de forma cabal, o correto cumprimento das medidas preventivas e compensatórias adotadas no ambiente de trabalho, para evitar danos aos trabalhadores
. 2. Obrigatoriedade de fornecimento do PPP - perfil profissiográfico previdenciário pelas empresas, documento no qual devem constar todas as informações relativas ao empregado, a atividade que exerce, o agente nocivo ao qual está exposto, a intensidade e a concentração do agente, exames médicos clínicos, além de dados referentes à empresa. Inteligência do art. 157 da CLT, c/c art. 19, §1º, e art. 58, §4º, da Lei 8213/91, e NR 09, do MTE. (...) (PROCESSO: 0001122-68.2013.5.04.0030 RO, 2ª Turma, Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso, j. 27/08/2015)
A questão da delimitação das atribuições da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, dentro do âmbito de suas competências constitucionais, foi bem analisada no primeiro precedente,
verbis:
[N]ão se verifica a vulneração do art. 109, I, da Constituição da República, sendo por demais evidente que não se trata, no caso, de ação de previdenciária, até porque nenhuma cominação foi postulada e, portanto, deferida, contra os interesses da autarquia da Previdência. O INSS, como ressalta o despacho agravado, foi admitido como mero assistente, sendo a ação de natureza nitidamente trabalhista, já que destinada à apuração do trabalho em ambiente nocivo. É incensurável, aliás, o acórdão regional, ao proclamar que
não estão aqui em discussão aspectos técnicos acerca da viabilidade, ou não, para os autores, de aposentadorias especiais – esta sim uma questão previdenciária -, mas tão somente a obrigação patronal de reconhecer as condições de trabalho desses empregados para que eles possam "acionar o estudo acerca da viabilidade de aposentadorias especiais, aí sim ao leito da legislação previdenciária e em contraditório outro"
, para concluir: "Certo é que, de acordo com as conclusões periciais, a Empresa se obriga a fornecer o que era antes conhecido como DSS (DIRBEN) 8030, hoje, PPP" (fl. 82 – esclareço: Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP).
Como se vê,
não há como atinar pela alegada afronta à competência da Justiça Federal, esta prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, já que a ação, destinada a elucidar as condições de trabalho e obter o direito dos empregados à declaração patronal acerca dessas condições, é nitidamente trabalhista
.
É da competência da Justiça do Trabalho conhecer das condições laborais do empregado, para fins de emissão pela empresa do formulário DIRBEN-8030 (ou, em outros momentos, dos formulários SB-40, DSS-8030 e PPP)
. Conforme bem esclareceu o Tribunal
a quo
, a questão disposta na pretensão inicial tem origem no ambiente de trabalho, cuidando a espécie de declaração da realidade funcional, para se determinar à empresa o cumprimento da formalidade que lhe diz respeito, para que, munido desta documentação, possa o trabalhador pleitear junto ao órgão previdenciário estatal a averbação do tempo de serviço para o cálculo da aposentadoria especial
.
Não suficiente, a constatação de que os dados do PPP não se revestem de veracidade ou fidedignidade tem repercussões administrativas (art. 58, par. 3º, da Lei de Benefícios c/c 68, par. 2º, do Decreto n. 3.048/99), trabalhistas (art. 192 da CLT - adicional de insalubridade), tributárias (art. 22, II, da Lei nº. 8.212/91 - adicional de contribuição previdenciária) e penais (arts. 297 e 299 do Código Penal – crimes de falsificação de documento público e falsidade ideológica), razão por que, salvo impossibilidade, a correção dependeria da ciência e da oportunidade de participação do empregador, em nome do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. A propósito, observe-se que é dever da empresa, em situação cadastral ativa, fornecer os documentos relativos às condições de trabalho do(a) segurado(a), nos termos dos arts. 58, §3º e 4º, e 133 da Lei n. 8.213/91, sob pena de multa:
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei
.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.
Perante a Justiça Federal (assim como perante o INSS), poderá ser contestado o PPP ou alguma demonstração ambiental da empresa apenas por meio de prova preconstituída
oriunda da Justiça do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência Social e do Ministério Público do Trabalho
ou
derivada do próprio estabelecimento empresarial
, impugnando-se, por exemplo, (a) a
regularidade do PPP
por meio da comprovação de que contém informações contrárias ou conflitantes com o laudo no qual se embasa, hipótese em que,
se viável, será aplicado o respectivo LTCAT ou PPRA
, ou (b) a
regularidade do próprio LTCAT ou
PPRA
por meio da apresentação de outras demonstrações ambientais pertinentes à própria empresa que contradigam o seu teor, inclusive as constantes em laudos técnico-periciais realizados no mesmo estabelecimento emitidos por determinação da JT, do MTPS ou do MPT (NR-15, itens 15.5, 15.6 e 15.7), ou ainda em ação judiciais pretéritas, que
serão substitutivamente utilizados no foro previdenciário
, sem prejuízo de eventual representação para os fins de apuração da responsabilidade civil, administrativa, fiscal e criminal cabível.
Apenas se for verificada omissão ou contradição insuperável nos registros ambientais da empresa capaz de impedir que se chegue a conclusão (
favorável
ou
desfavorável)
ao enquadramento da especialidade
é que se poderá lançar mão dos
meios de prova subsidiários
(na forma dos arts. 443, II, quanto à
prova testemunhal
, 464, par. 1º, II,
a contrario
sensu, quanto à
pericial
, ambos do CPC), na linha, aliás, do autorizado à própria Autarquia Previdenciária, no processo administrativo, quando exigida a sua atuação fiscalizatória para
confirmação das informações contidas no PPP ou nos demais registros ambientais por meio da inspeção no local de trabalho e/ou da oitiva de testemunhas
(arts. 68, par. 7º, 142-151, e 225, III, do Decreto nº 3.048/99; arts. 298, 574-600 e 686, da IN INSS/PRES nº 77/2015).
Logo, sobretudo quando estão disponíveis o
PPP regular e/ou os registros ambientais da empresa completos. íntegros e coerentes
, é descabida a realização de
perícia
, seja na esfera administrativa, seja ao longo da instrução do processo judicial previdenciário, restando assente que apenas quando houver
"dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência de tal documentação é plausível a produção de laudo pericial em juízo"
(TRF4, AC 5011892-11.2016.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 15/12/2020).
1) Quanto aos períodos abaixo:
SCHNEIDER PLASTICO LTDA
Período:
02/01/1989 a
20/11/1991
Cargo/função:
Auxiliar de Produção “C”
Provas:
DSS-8030/PPP
evento 1, PPP12
-
até 13/11/1991
Laudo Técnico
evento 1, PPRA14
Laudo Similar/ empresa inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS5, Página 6
(até 13/11/1991)
evento 1, LAUDOPERIC16
evento 1, LAUDOPERIC17
ORANGE LOCACOES PUBLICITARIAS E QUADRAS POLIESPORT
Período:
02/05/1992
a 31/07/1992
Cargo/função:
Auxiliar de Produção
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS3, Página 4
Início em 11/05/1992
Intime-se a parte autora para que esclareça ou adeque os períodos postulados, tendo em vista que: a) em relação ao primeiro, a CTPS e o PPP apontam vínculo laboral até 13/11/1991; b) em relação ao segundo, a CTPS aponta vínculo laboral com início em 11/05/1992.
Se for o caso, deverá acostar documentação comprobatória do vínculo laboral até 20/11/1991, bem como do vínculo laboral desde 02/05/1992.
2) Quanto aos períodos abaixo:
ORANGE LOCACOES PUBLICITARIAS E QUADRAS POLIESPORT
Período:
02/05/1992 a 31/07/1992
Cargo/função:
Auxiliar de Produção
Provas:
DSS-8030/PPP
Não apresentado
Laudo Técnico
Não apresentado
Laudo Similar/ empresa inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS3, Página 4
Início em 11/05/1992
Intime-se a parte autora para providenciar, junto à(s) empregadora(s):
(a)
PPP regular e completo
, preenchido com a descrição das funções/atividades exercidas durante o(s) período em que laborou na(s) empresa(s) e dos fatores de risco, bem como com a indicação do responsável pelos registros ambientais, devendo conter nome, cargo e NIT do responsável pela assinatura do documento e o carimbo da empresa (ou declaração da empresa informando que o responsável pela assinatura do PPP está autorizado a assinar o documento) - em caso de ausência de registros ambientais contemporâneos à prestação do trabalho, deverão ser utilizados os dados extraídos do(s) documento(s) referentes à época mais próxima ou, subsidiariamente, do(s) documento(s) atual(is), indicando-se, no campo dedicado à designação do responsável, o período de vigência do documento que lastreou o preenchimento;
ou, caso não logre obtê-lo,
(b) Cópia do
Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) e/ou
Programa(s) de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA)
que contenha(m) a avaliação da exposição a fatores de risco,
sendo facultada, quando inexistentes avaliações da época da prestação do trabalho, a apresentação de laudos extemporâneos (preferencialmente mais próximos de quando desempenhado o labor), desde que contenham informações pertinentes à mesma função/atividade desempenhada pelo requerente ou, caso não exista, à função/cargo equivalente
; e
(c)
Cópias dos registros do fornecimento de EPI (
livros, fichas ou sistema eletrônico), para o período posterior a 03/12/1998.
Em caso de eventual negativa de fornecimento do(s) documento(s) acima referido(a) por parte da(s) empresa(s),
serve a presente decisão como ofício, cuja cópia deverá ser obrigatoriamente encaminhada pela parte autora à(s) empresa(s)
, podendo a sua autenticidade ser aferida no
site
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/
na opção Consulta Pública (processo acima referido).
⇒
Para a PARTE AUTORA
:
O prazo para a juntada nos autos dos documentos que lhe forem diretamente entregues ou, em caso de negativa, do comprovante de recebimento pela empresa desta decisão/ofício é de
15 (quinze) dias
, atentando-se para o fato de que a
simples juntada de cópia de email ou da comprovação do recebimento da carta AR no endereço da empresa não evidencia a cientificação
, razão pela qual cabe ser comprovado o efetivo protocolo desta decisão/ofício junto à(s) empregadora(s),
devidamente carimbado e constando o CNPJ e assinatura do representante legal da empresa.
⇒
Para a EMPRESA
:
O prazo para encaminhar o(s) documento(s) requisitados é de
15 (quinze) dias
a partir da comprovação do recebimento, devendo ser enviado(s) diretamente a esta Vara Federal,
por meio eletrônico
, no endereço
rscan03sec@jfrs.jus.br
.
Fica cientificado o diretor ou administrador responsável da(s) empresa(s) destinatárias que:
(a) A utilização do(s) documento(s) terá
finalidade
exclusivamente
previdenciária
;
(b) O(s) documento(s) é/são de apresentação
obrigatória
, conforme o art. 378 (
“Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”
) c/c os arts. 380, II, (
Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa: (...) II - exibir coisa ou documento que esteja em seu poder
), do Novo Código de Processo Civil (CPC), advertindo-se que, por força dos arts. 58, par. 3º, da Lei n. 8.213/01 e 68, par. 6º, do Decreto n. 3.048/99,
“a empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita às penalidades previstas na legislação”
; e
(c) Caso não apresentado o documento, será determinada a sua
busca e apreensão
, nos termos do art. art. 380, par. único, do CPC, podendo, na hipótese de
insucesso da medida, ser designada perícia judicial no estabelecimento
, cujas conclusões, se constatados indícios de que os registros ambientais da empresa disponíveis não se revestem de veracidade ou fidedignidade, serão encaminhadas à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT), de acordo com os arts. 154, 156, I-III, 157, 160, par. 1º, 189, 192 e 200, I-VII, da CLT, bem com ao Ministério Público Federal (MPF), a fim de que sejam apuradas as infrações administrativas (art. 58, par. 3º, da Lei de Benefícios), trabalhistas (art. 192 da CLT), tributárias (art. 22, II, da Lei nº. 8.212/91) e penais (arts. 297 e 299 do Código Penal).
Comprovando, o(a) autor(a), que a(s) empresa(s) encontra(m)-se ativa(s) e, não sendo fornecidos os documentos por parte do empregador, deverá a parte comprovar que diligenciou junto à(s) empresa(s), apresentando, neste caso, CNPJ, endereço atualizado, inclusive o eletrônico, e telefone para contato, situação na qual Determino que se diligencie na busca da documentação acima especificada, por meio eletrônico (
E-mail
) ou expedição de cartas
AR VPost
à(s) empresa(s), nos prazos anteriormente mencionados;
Por fim,
frustradas todas as tentativas de obtenção dos documentos, conforme as determinações acima, ou no caso de ficar comprovado que a(s) empresa(s) está(ão) inativa(s) ou ainda em local incerto e de difícil acesso, deverá(ão) ser apresentado(s) pela parte autora no prazo de intimação e cumulativamente:
(a)
Prova documental (ou início de prova material, a ser confirmado por prova testemunhal) do cargo/atividade/função desempenhado pelo segurado
(a exemplo de registro em CTPS, contrato de trabalho, recibos de pagamento ou outro referencial escrito, em que não poderá haver tão-somente alusão genérica à atuação como "serviços gerais", "auxiliar" etc.); e
(b)
Laudo de condições ambientais de trabalho referente à empresa baixada e, na sua falta, relativo à empresa similar, que deverá ser necessariamente trazido ao feito pela parte autora
, este último utilizado subsidiariamente e desde que contemple a mesma função desempenhada na empresa extinta e informações acerca do setor em que desempenhado o labor e/ou o equipamento manuseado, de modo a propiciar a verificação da correlação entre a sua profissão, cargo ou especialidade e a atividade avaliada pela empresa-paradigma (similaridade das empresas deve ser tanto em relação às atividades, como ao porte dos empreendimentos e à função do empregado).
3) Quanto aos períodos abaixo:
LEE S/A INDUSTRIA DE CONFECÇÕES (inativa)
Período:
13/10/1987 a 11/07/1988
Cargo/função:
Auxiliar de Confecção
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 12, SITCADCNPJ2
- Inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS5, Página 5
SONEPLAST INDUSTRIA DE PLASTICOS LTDA (inativa)
Período:
01/08/1992 a 13/10/1998
Cargo/função:
Auxiliar de Corte e Solda
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 12, SITCADCNPJ6
- Inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS3, Página 4
A S PROTECAO PATRIMONIAL LTDA (inativa)
Período:
01/06/2011 a 03/01/2012
Cargo/função:
Porteiro
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
evento 12, SITCADCNPJ3
- Inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS2, Página 4
Considerando que a(s) empresa(s) está(ão) inativa(s), entendo ser possível a produção de provas por similaridade, facultando à parte autora, no prazo de
15 (quinze) dias
, a juntada aos autos de
laudo similar
E
a apresentação de documentos que permitam enquadrar o cargo/atividade/função na(s) situação(ões) avaliadas tecnicamente na empresa-paradigma
.
Destaque-se que, conforme Resolução nº 7/2018, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está disponível o Banco de Laudos Técnicos Periciais das Condições Ambientais do Trabalho, cuja consulta pode ser realizada por meio do
eproc
, no menu "Gerenciamento de Laudos".
Esclarece-se, desde já, que toda a prova por similaridade deve respeitar,
sob pena de invalidação da mesma,
as semelhanças entre o ramo de atividade da empresa inativa com o da empresa que exarou o documento, idem quanto ao porte entre ambas as empresas e quanto à profissão desempenhada pela parte autora na empresa inativa com a profissão a que se refere o laudo apresentado. Por isso mesmo, e em obediência ao disposto nos arts. 55, par. 3º, da Lei n. 8.213/91 e 444, do CPC, o socorro a tal expediente depende da existência de
prova documental (ou início de prova material, confirmado por prova testemunhal) do cargo/atividade/função desempenhado pelo segurado
(a exemplo de registro em CTPS, contrato de trabalho, recibos de pagamento ou outro referencial escrito, em que não poderá haver tão-somente alusão genérica à atuação como "serviços gerais", "auxiliar" etc.)
, que necessariamente integrar o caderno processual por iniciativa da parte autora.
Desta forma,
cabe rejeitar o pedido de realização de perícia técnica por semelhança
ao menos até o aparecimento de evidências de que não é possível a juntada de provas conclusivas da especialidade (ou não) do labor, frisando-se que tal meio de prova apresenta natureza excepcional, uma vez que implica custos ao Poder Judiciário (dado que a parte autora é beneficiária da gratuidade da justiça) e desatende, em sua maioria, os pressupostos de cabimento da medida –
a efetiva dependência de conhecimento técnico
para a prova do fato alegado, a
necessidade
(em vista das demais provas produzidas) e a
viabilidade de reconstituição
das condições ambientais (art. 464 do CPC).
4) Quanto aos períodos abaixo:
AZUL PLAST INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS LTDA
Período:
03/06/2002 a 13/05/2005 e 01/06/2007 a 18/08/2009
Cargo/função:
Auxiliar de Produção e Extrusor
Provas:
DSS-8030/PPP
Laudo Técnico
Laudo Similar/ empresa inativa
Outros docs.
Evento 1, CTPS2, Página 4
Evento 1, CTPS3, Página 6
evento 1, LAUDOPERIC9
- Laudo da RT
Intime-se a parte autora para que, no
prazo de 15 (quinze) dias
, acoste aos autos as seguintes peças da reclamatória trabalhista nº 0139900-20.2009.5.04.0010:
a) petição inicial;
b) laudo pericial;
c) sentença;
d) acórdão(s) e demais decisões de instâncias
ad quem
;
e) certidão de trânsito em julgado.
Juntados os documentos, dê-se vista às partes pelo
prazo de 15 (quinze) dias
.
Intimem-se.
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Processo nº 5028973-03.2025.4.04.7000
ID: 290666966
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PETIçãO CíVEL
Nº Processo: 5028973-03.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIELA DA SILVA ALMEIDA
OAB/SP XXXXXX
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PETIÇÃO Nº 5028973-03.2025.4.04.7000/PR
REQUERENTE
: CHARLEX INDUSTRIA TEXTIL LTDA
ADVOGADO(A)
: DANIELA DA SILVA ALMEIDA (OAB SP502246)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 29 de maio de 2025, a empre…
PETIÇÃO Nº 5028973-03.2025.4.04.7000/PR
REQUERENTE
: CHARLEX INDUSTRIA TEXTIL LTDA
ADVOGADO(A)
: DANIELA DA SILVA ALMEIDA (OAB SP502246)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 29 de maio de 2025, a empresa CHARLEX INDÚSTRIA TÊXTIL EIRELI ingressou com a presente demanda, sob o rito comum, em face de UNIÃO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA), pretendendo a anulação de cobrança de TCFA - taxa de controle e fiscalização ambiental.
Para tanto, a autora disse atuar no setor de fabricação, importação, exportação por conta própria ou de terceiros, de fios de tecidos de qualquer natureza e origem. Até 2019 ela também teria atuado como tinturaria, atividade ensejadora de cobrança de taxa de controle e fiscalização ambiental - CFA. Disse ter deixado de atuar no referido setor no início de 2020, de modo que a tinturaria teria sido terceirizada para outras entidades mercantis.
A despeito da interrupção das atividades de tinturaria, ela teria sido notificada do lançamento de TCFA, promovido em 20/02/2025, compreendendo os fatos geradores alegadamente havidos entre abril/2019 e março/2024, o que sustentou ser indevido, por conta da atividade econômica por ela efetivamente executada no período.
Ela postulou a declaração da ilegalidade da cobrança do tributo em causa e requereu a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, diante do risco de propositura da execução fiscal correspondente. Ela detalhou seus pedidos, atribuiu à causa o valor de R$ 28.185,98 (vinte e oito mil cento e oitenta e cinco reais e noventa e oito centavos).
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
A Justiça Federal é competente para a presente causa, dado que a pretensão foi endereçada em face do IBAMA, autarquia federal, criada com força na
lei n. 7.735, de 22 de fevereiro de 1989
, bem como à União Federal, sendo aplicáveis ao caso o art. 109, I, Constituição e 10, lei n. 5.010/66.
2.2. Submissão do caso ao rito dos Juizados:
A competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"
Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença
."
Assim, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Eventual complexidade da demanda não afasta a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais Federais, diante do disposto no art. 98, I, Constituição/88 e art. 3 da lei n. 10.259/2001:
"
Não há óbice na Lei nº 10.259/01 a produção de prova pericial nos processos de competência do Juizado Especial Federal. Ao contrário, há previsão expressa no seu Art. 12 relativa a realização de prova técnica. 2. É entendimento assente na jurisprudência que a complexidade da prova necessária ao julgamento da controvérsia não é incompatível com o rito do JEF, sendo certo que o legislador elegeu como único critério de delimitação de sua competência o valor da causa 3. Agravo de instrumento desprovido
."
(TRF-3 - AI: 50174760920214030000 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 07/12/2021, 10ª Turma, 10/12/2021).
No caso em exame, a autora atribuiu à causa o valor de R$ 28.185,98. Aludido montante não supera o limite de 60 salários mínimos, atentando-se para o decreto de 30 de dezembro de 2024 (valor do salário mínimo mensal: R$ 1.518,00, redundando no limite de R$ 91.080,00).
Ao que consta, a empresa é uma EIRELI, podendo caracterizar, em princípio, empresa de pequeno porte, o que aparentemente atende ao art. 6º, I, da Lei 10.259/2001 e lei complementar 123/2006. A questão deverá ser elucidada com indicação da receita bruta anual da demandante, para os fins do art. 3. da lei complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Por ora, parto da premissa de que se cuida de empresa de reduzido porte.
No caso, o pedido de anulação alcançou apenas lançamento tributário, não havendo pedido semelhante quanto a eventuais protestos. Logo, a causa deve tramitar sob o rito dos Juizados, cuja competência é absoluta.
2.3.
Competência da presente Subseção
de Curitiba:
Em princípio, poder-se-ia cogitar da competência do Juízo do local em que, se procedente a pretensão do autor, a obrigação em questão deva ser cumprida - art. 53, III, "d", CPC. Reporto-me, ademais, ao art. 3º, §3º, da lei n. 109.259/2001,
"
No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta
."
Registro, porém, que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Acrescento que o art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, 1. TR/PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Competência desta unidade jurisdicional:
Esta 11ª VF da Subseção de Curitiba foi especializada na temática ambiental, minerária, desapropriação, e nos direitos das nações nativas, dentre outas matérias, por meio da resolução 39, de 05 de abril de 2005/TRF4 (Vara Ambiental de Curitiba), sendo renomeada por meio da Resolução n. 99, de 11 de junho de 2013, também do TRF4. A competência foi modificada por meio da Resolução 23, de 13 de abril de 2016, com regionalização promovida pela Resolução 63, de 25, de julho de 2018, e pela Resolução 43, de 26 de abril de 2019, TRF4.
Por força da referida resolução n. 23, de 13 de abril de 2016
, do TRF4, a presente unidade passou a deter atribuições para apreciar questões pertinentes ao meio ambiente, natural ou urbano, conflitos minerários, desapropriação, terrenos de marinha, situados no litoral paranaense, dentre outros temas. Isso compreende o exame da TCFA - enquanto tributo com escopo extrafiscal ambiental.
Assim, a distribuição da demanda perante esta unidade jurisdicional se deu de modo escorreito, diante do contéudo da pretensão da parte autora.
2.5. Competência do Juízo Substituto:
A presente demanda submete-se à alçada do juízo substituto desta unidade jurisdicional, por conta de sorteio, envolvendo os dois juízos atuantes nesta 11.VF, o que atendeu à garantia do Juízo Natural -
art. 5, LIII, CF
.
2.6. Cogitada conexão com alguma execução fiscal:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, Bruno Silveira
in
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
São Paulo: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...) O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes”
.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Trata-se de medida orientada a assegurar consistência e racionalidade na prestação jurisdicional, inibindo-se deliberações contraditórias. Assim, sempre que duas ou mais demandas apresentarem a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido, é salutar que sejam reunidas perante o mesmo Juízo, para deliberação em conjunto, conforme preconiza o art. 50, §1, Código de Processo Civil/15.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CONEXÃO. IDENTIDADE DE PEDIDO ENTRE AS AÇÕES E SEMELHANÇA NA CAUSA DE PEDIR. NECESSIDADE DE REUNIÃO DOS PROCESSOS PARA JULGAMENTO CONJUNTO PERANTE O MESMO JUÍZO. ARTIGO 55, "CAPUT" E 55, § 2º, DO CPC/15. -
Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir - Reconhecendo a identidade no pedido entre as ações e semelhança na causa de pedir, imperioso a reunião dos processos para análise perante o mesmo Juízo
- Deverão também ser reunidos os processos para julgamento conjunto quando possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles. (TJ-MG - CC: 10000170908776000 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 03/06/0018, Data de Publicação: 14/06/2018)
Eventual conexão não ensejará, porém, redistribuição/reunião de processos, quando o processo atrativo já se encontre sentenciado. Afinal de contas, como registrei, a redistribuição de demandas por conta de conexão se destina a viabilizar julgamento conjunto. E, quando o processo atrativo já se encontra sentenciado, isso resta impossibilitado, sem prejuízo de eventual reunião do processo com outras demandas, porventura também conexas.
Atente-se para o art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
2.7. Respeito ao Juízo natural e eventual execução:
Nos termos do art. 5, LIII, Constituição, é assegurada a todas as pessoas a garantia do Juízo Natural. Isso implica que, em regra, não é dado ao presente Juízo de 1. instância interferir em processos submetidos ao julgamento de outro magistrado.
Tanto por isso, em princípio, não caberia ao presente Juízo determinar a extinção de uma execução fiscal, porventura processada perante outra unidade jurisdicional, mesmo quando tenha conexão com o tema sentenciado nesse processo. Tampouco é o caso de suspender a exigibilidade de alegados créditos da Fazenda Pública, tema a ser submetido ao exame do Juízo natural pertinente.
A fim de evitar tais conflitos, no mais das vezes os Tribunais determinam a reunião de processos, por conta da conexão, contanto que as causas ainda não tenham sido sentenciadas
(súmula 235, Superior Tribunal de Justiça e parte final do art. 55, §1º, CPC/15).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONEXÃO DE AÇÕES. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA. 1.
Existindo conexão entre a ação anulatória de débito fiscal e a execução fiscal, deve haver a reunião dos processos para julgamento conjunto dos feitos no juízo da execução, em face da competência funcional absoluta deste órgão especializado
. 2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Suscitante.(TRF4 5014510-61.2012.404.0000, Primeira Seção, Relator p/ Acórdão Otávio Roberto Pamplona, D.E. 30/10/2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. AJG. EXECUÇÃO FICAL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONEXÃO. 1. Na inicial do agravo a parte recorrente diz-se "requerida de AJG", de forma que, mesmo não tendo havido manifestação anterior, entendo que a questão deve ser revista. Concedo, então, a AJG, dispensando a parte do ônus de recolher o porte de remessa e retorno. 2.
A jurisprudência reconhece a conexão entre a ação anulatória do débito e a execução fiscal, mas, em se tratando de competência funcional e, portanto, absoluta, devem os autos da anulatória ser remetidos no juízo da Vara de Execuções Fiscais, e não o contrário, como quer a agravante
. Causa espécie, e põe em dúvida a real intenção da executada, o fato de ter ajuizado a ação anulatória em Juízo diverso daquele em que tramitavam a execução fiscal e os respectivos embargos, se a própria autora reconhece a conexão entre os feitos e a necessidade de julgamento conjunto. (AG 00148359220104040000, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 08/09/2010.)
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, conquanto se cogite de eventual conexão entre demanda anulatória e execução fiscal, versando sobre o mesmo suposto débito fiscal, isso não ensejaria a reunião dos processos
. Havendo justa causa, a anulatória poderia vaticinar a suspensão da execução fiscal porventura em curso.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO . CONEXÃO ENTRE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CAUSA SUSPENSIVA DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO CONSONANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ . PROVIMENTO NEGADO. 1. Trata-se de pretensão de suspensão da execução fiscal afastada pela Corte de origem, ante a ausência de conexão entre execução e ação ordinária (ação anulatória) e inexistência de causa suspensiva da exigibilidade do crédito. 2 .
O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento das turmas da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmado no sentido da impossibilidade de serem reunidas execução fiscal e ação anulatória de débito precedentemente ajuizada, quando o juízo em que tramita esta última não é Vara Especializada em Execução Fiscal, nos termos consignados nas normas de organização judiciária
. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1883576 SP 2020/0169831-7, Relator.: Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 09/09/2024, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2024)
No caso em exame, a parte autora sustentou que o cogitado débito teria sido inscrito em dívida ativa - CDA, instrumento hábil a ensejar a deflagração de execuções fiscais em desfavor da demandante.
De todo modo, não há maiores indicativos de que tal cobrança já tenha sido promovida pelo IBAMA. Ressalvo, também aqui, nova apreciação do tema adiante
.
2.8. Eventual violação à coisa julgada:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Em primeiro e precário exame
, a pretensão deduzida na peça inicial não parece esbarrar na garantia da coisa julgada.
2.9. Cogitada litispendência:
A
vedação de
bis in idem
impede que haja duplicação de uma demanda já em trâmite, contanto que sejam idênticos os pedidos, causa de pedir e partes, conforme
art. 337, §2º, CPC/15
:
"Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido."
A respeito do tema, menciono o seguinte excerto:
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
De todo modo, no caso em análise, não diviso sinais de eventual litispendência, sem prejuízo de eventual nova apreciação adiante
.
2.10. Suspensão da demanda:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no
art. 313
, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
.
2.11. Pertinência subjetiva - considerações gerais:
As questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam, não raro, o próprio exame de mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética do jurista Enrico Túlio Liebman, quem distinguia os chamados pressupostos processuais - competência, citação válida, imparcialidade etc. -, as condições para o escorreito exercício do direito de ação - legitimidade, interesse processual, possibilidade jurídica do pedido - e, por fim, as questões de mérito - a procedência/improcedência do pedido. O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito e os temas próprios às condições da ação não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente precisa e sem ambiguidades.
Segundo se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre a ação em sentido material - como se fosse uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo, de um lado, e a ação em sentido processual e abstrato, de outro (ou seja, o direito de demandar em Juízo, mesmo quando não se tenha razão quanto à questão de fundo). Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética de Liebman, ao enfatizar que as 'condições da ação' também cuidariam, no geral, do mérito da pretensão (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com a leitura do texto FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do Processo e Mérito da Causa in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990. p. 33. Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos requeridos, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial. E, com alguma frequência, isso invade o exame de mérito.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito. Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial.
É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio
. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, Código de Processo Civil, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil
brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
É importante sublinhar, dito isso, que saber se uma parte é legítima para uma determinada causa exige que se examine (a) a narrativa dos fatos, indicada como causa/motivação para sua pretensão; (b) aferir se, diante de tal narrativa e dos argumentos jurídicos por ela esgrimidos, a parte autora e/ou a parte requerida se revela(m) manifestamente impertinente(s) para a demanda, hipótese em que o processo há de ser extinto sem solução de mérito, na forma do art. 485, VI, CPC/15.
2.12. Legitimidade das partes - caso em exame:
A autora está legitimada para a causa, dado ter sido apontada como contribuinte da TCFA. Ela deduziu pretensão em nome próprio e quanto a interesses próprios,
não esbarrando na vedação do art. 18, CPC
.
Eventuais filiais da impetrante, enquanto estabelecimentos comerciais, não possuem capacidade jurídica e tampouco possui capacidade processual, para os fins do art. 75, CPC, dado não serem uma pessoa formal, ao contrário do que ocorre com espólio, condomínio, massa falida e assim por diante.
Em alguns casos, porém, os Tribunais têm reconhecido legitimidade à atuação processual de filiais, notadamente quanto aos tributos que decorram co conhecido princípio de autonomia tributária dos estabelecimentos quanto a alguns tributos
. No caso em exame, aludida questão não se coloca.
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS E CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A OUTRAS ENTIDADES . LEGITIMIDADE ATIVA DA FILIAL PARA A IMPETRAÇÃO. AUTONOMIA FISCAL E CONTÁBIL EM RELAÇÃO À MATRIZ. PESSOAS JURÍDICAS AUTÔNOMAS. INAPLICABILIDADE DO ART . 1.013, § 3º, I DO CPC. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO . 1. Nos termos do art. 126 do CTN, a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil, de modo que uma filial poderá ser considerada contribuinte independente da sua respectiva sede e de outras filiais da mesma pessoa jurídica. 2 . Não obstante a relação de subordinação jurídica existente entre a matriz e suas filiais, à luz da legislação tributária, cada ente configura um contribuinte distinto, com apurações próprias e apartadas das demais. 3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, para fins fiscais, tratando-se de tributos com fatos geradores individualizados, a matriz e suas filiais constituem pessoas jurídicas autônomas, possuindo, inclusive, CNPJ diferentes. Precedentes . 4.
Sentença anulada para reconhecer a legitimidade ativa da apelante para a impetração e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que o feito tenha regular prosseguimento. 5. Impossibilidade de julgamento nos moldes do art . 1.013, § 3º, I, do CPC, tendo em vista o duplo grau obrigatório previsto no art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09
. 6. Apelação provida. (TRF-3 - ApCiv: 00242901920164036105 SP, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 01/08/2019, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/08/2019)
O STJ tem enfatizado, de toda sorte, que a pessoa jurídica - ainda que seja composta de matriz e estabelecimentos industriais ou comericiais - detém legitimidade para atuar em nome dos interesses da totalidade das estruturas que a compõem.
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS . IMPETRAÇÃO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE DA MATRIZ. PRECEDENTES . 1.
Na linha adotada pelas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ, a legitimidade para ajuizamento de mandado de segurança relativamente à exigibilidade de contribuições previdenciárias é do estabelecimento matriz e não das filiais
. 2. Precedentes: AgInt nos EDcl no REsp n . 1.979.018/SP, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 30/11/2022; AgInt no REsp n. 1 .986.443/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 5/10/2022; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.863 .775/SC, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 3/12/2020; 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1494369 SP 2019/0119982-0, Relator.: SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 05/06/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/06/2023)
Por seu turno, nos termos da
lei n. 10.165, de 27 de dezembro de 2000
, o IBAMA está encarregado de promover a fiscalização, o lançamento e a cobrança do aludido tributo, conforme redação atribuída ao
art.17-D da lei 6.938, de 31 de agosto de 1981
.
"
O IBAMA é competente para a cobrança porque o fato gerador da TCFA é o exercício regular do poder de polícia conferido a ele para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. O TRF4 tem reiteradamente decidido pela constitucionalidade da TCFA e pela legitimidade do IBAMA para a sua cobrança
(precedentes: AC nº 2007.70.00.006004-2, Relator Eloy Bernst Justo, D.E. 14/01/2009; AC nº 2005.72.11.000864-2, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 03/12/2008; AMS nº 2003.72.01.003472-5, Relatora Marciane Bonzanini, D.E. 11/06/2008; AC nº 2007.70.00.023743-4, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 28/01/2009)
." (TRF-4 - AC: 50047868520174047104 RS 5004786-85.2017.4.04.7104, Relator: RÔMULO PIZZOLATTI, Data de Julgamento: 17/08/2021, SEGUNDA TURMA)
Dada a autonomia assegurada às autarquias - decreto-lei 200/67 -, a União não está legitimada para a presente causa. Cabe ao IBAMA responder à pretensão da autora.
"Não se deve confundir a União, entidade política, com as suas autarquias (no caso o IBAMA, criado pela Lei 7.735/89), pois estas são entidades, com personalidade jurídica própria, integrantes da administração pública indireta e que devem ser defendidas, em sede judicial, pela Procuradoria Federal, cujas atribuições atualmente se encontram descritas na MP 2 .229-43/2001. Ilegitimidade passiva da União, na espécie, representada pela Procuradoria da Fazenda Nacional."
(TRF-4 - AC: 41030 RS 2002.71.00.041030-6, Relator.: ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Data de Julgamento: 19/07/2006, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 02/08/2006 PÁGINA: 303)
2.13.
Litisconsórcio
necessário
- considerações gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam
consistentes
, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo
inauditus
damnare
potest
.
Reporto-me à lição de Luiz Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes.
Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de processo civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.14. Eventual litisconsórcio - caso em exame:
Na situação em análise, eventual procedência da pretensão do autor não atingirá diretamente terceiros, de modo que não há litisconsórcio necessário na espécie, conforme arats. 114, 115, 506, CPC/15, o que avalio de ofício, na forma do art. 485, §3, CPC/15.
2.15.
Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do
monopólio do uso válido da força
- expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço incontinenti etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Logo, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para que haja efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.16. Interesse processual - caso em exame:
Na situação em exame, aludidos requisitos foram cumpridos. Ao que se infere do relato da autora, a pretensão não seria acolhida pelo IBAMA no âmbito extrajudicial. Assim, o ingresso em Juízo se revelou necessário, sendo projeção do direito do art. 5, XXXVIII, Constituição. O tema 350/STF não se aplica ao caso, dado que o caso não versa sobre prestações previdenciárias.
Caso a pretensão seja acolhida em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, inibindo a redução do seu patrimônio. A via processual eleita se revela adequada, como registrei acima. Assim, o trinônimo necessidade/utilidade/adequação restou atendido.
2.17.
Aptidão da peça inicial:
A peça inicial apresentada atendeu ao disposto nos
arts. 305 e 319, CPC/15
. A autora apontou os pedidos e detalhou os argumentos invocados para tanto, encontrando-se instruídos com os documentos que a parte reputou serem suficientes para comprovação da alegada veracidade da narrativa dos fatos, veiculada na peça inicial (art. 320, CPC/15).
2.18. Valor atribuído à causa:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valorda importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
No presente caso, o valor atribuído à demanda parece atender ao art. 292, CPC. Pode-se cogitar que a empresa deveria acrescentar ao valor da causa o montante correspondente a um ano de tributo - dívida vincenda -, por força do art. 292, §2, CPC. Por ora, acolho a atribuição de importância econômica à demanda.
2.19. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos
arts. 300 e ss. do CPC/15
. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC/15). Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
-
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo
. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371)
Quando se cuide-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55). No âmbito do mandado de segurança, há regras pontuais no
art. 7 da lei n. 12.016/2009
.
2.20. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008).
2.21. Prescrição - pretenção à inibição da cobrança tributária:
Como explicita Nelson Nery Jr.,
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JR.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Convém atentar, ademais, para a lição de José Hable:
"
O termo prescrição advém do vocábulo latino praescriptio e é na história do direito romano que se pode esclarecer o conceito etimológico de sua expressão jurídica, como descrito por Câmara Leal, e que, por ' por uma evolução conceitual, passou o termo a significar, extensivamente, a matéria contida na parte preliminar da fórmula, e daí sua acepção de extinção da ação pela expiração do prazo de sua duração.
'
Segundo o mesmo autor, prescrição é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas do seu curso. .
Sob a nova tese disciplinada no art. 189, Código Civil de 2002, Pablo Siolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho conceituam a prescrição como sendo a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto em lei.
Já sob a ótica tributária, nos temos do que disciplina o Código Tributário Nacional, de 1966, em seu art. 174, Zelmo Denari define prescrição como sendo a extinção da ação que protege o direto subjetivo de crédito, pela inércia continuada do ente público, que deixa de exercitá-la no prazo legal
.
O objeto da prescrição, nas palavras de Eurico Marcos Diniz Santi, é a relação jurídica linear que se estabelece entre o Fisco e o Estado-Juiz, ou seja, a prescrição extingue o direito de ação que se estabelece entre o sujeito-credor e o Estado-juiz." (HABLE, José.
A extinção do crédito tributário por decurso de prazo:
Decadência e prescrição tributárias. 4. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 116-117)
Ora, é sabido que a prescrição da pretensão do contribuinte à restituição de indébito está regulada pelo art. 168, Código Tributário Nacional - CTN, cujo conteúdo segue:
"O direito de pleitear a
restituição
extingue-se com o decurso do prazo de
5 (cinco) anos
, contados: I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; II -
na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória
.
Segue o
art. 165, CTN/66
, que complementa aquele preceito: "
O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no
§4º do artigo 162
, nos seguintes casos: I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória."
O adimplemento pelo contribuinte é uma das formas pelas quais o crédito tributário é extinto (
art. 156, I, CTN/66
). Por conseguinte, a leitura conjunta desses dispositivos enseja a conclusão de que o contribuinte contaria com o prazo de 05 anos, com termo inicial na data do alegado pagamento indevido (ou maior que o devido), para que postular em juízo a sua restituição.
Vigorou durante muito tempo, porém, a tese de que aludido prazo, quanto aos tributos submetidos ao lançamento por homologação (art. 150, CTN/66), deveria ser computado a partir do término dos 05 anos, previstos em lei para que a Fazenda Pública promovesse eventual lançamento de revisão, na forma do art 150, §4, CTN. A
lei complementar 118
, de de 9 de fevereiro de 2005, buscou alterar referido entendimento, de modo a reduzir o prazo para 05 anos, mesmo no âmbito dos tributos submetidos ao pagamento sem prévia liquidação estatal do
quantum debeatur.
Não se tratou de lei interpretativa, mas sim de evidente texto elaborado com pretensões retroativas, incompatível com o postulado da segurança jurídica (art. 5, XXXVI, Constituição/88).
Daí que, como sabido, ao apreciar o
RE 566.621/RS, a Suprema Corte tenha limitado a aplicação desse prazo de 05 anos às demandas deflagradas depois de vencido o período de
vacatio
dessa lei complementar 118
. A
vacatio
daquela lei complementar esgotou-se em
08 de junho de 2005
(conforme art. 4º, LC 118). Por conseguinte, as demandas iniciadas na data de 09 de junho de 2005 e no período subsequente já estão submetidas ao prazo prescricional quinquenal, mesmo que se cuide da pretensão à restituição de tributos submetidos ao lançamento por homologação.
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. COFINS. REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO OUTORGADA ÀS SOCIEDADES CIVIS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. LC N.º 70/91. LEI N.º 9.430/96. PARECER NORMATIVO COSIT N.º 03/94. prescrição. LC N.º 118/05. 1.
Segundo orientação do e. STJ e também desta Corte, tratando-se de ação ajuizada após o término da vacatio legis da LC n.º 118/05, objetivando a restituição ou compensação de tributos sujeitos a lançamento por homologação recolhidos indevidamente, o prazo prescricional é de cinco anos a contar da data do pagamento antecipado do tributo (art. 150, § 1º e 168, inciso I, ambos do CTN, c/c art. 3º da LC n.º 118/05)
. 2. Inexiste interesse de agir relativamente aos valores pagos indevidamente a título de COFINS por força da restrição imposta pelo Parecer Normativo COSIT n.º 03/94 em período anterior ao da vigência da lei n.º 9.430/96, porquanto, de acordo com seus atos constitutivos, a empresa somente começou as suas atividade em ago/98. 3. lei ordinária pode revogar isenção concedida por lei complementar, visto que dita matéria não se inclui dentre aquelas reservadas à competência da lei complementar. 4. É legítima a revogação operada pelo art. 56 da lei n.º 9.430/96 da isenção da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, prevista no art. 6º, inciso II, da lei Complementar n.º 70/91, relativamente às sociedades civis prestadoras de serviços profissionais de profissão regulamentada. 5. Sentença parcialmente reformada. (AMS 200571000298064, MARIA HELENA RAU DE SOUZA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 18/04/2007.)
Anote-se, todavia, que a prescrição apenas atinge a pretensão à restituição de valores recolhidos antes de 05 anos da data do ingresso em juízo
(art. 240, CPC/15 c/ art. 206, CC/02). Sempre que a relação tributária implicar a obrigação de recolhimento, pelo contribuinte, de valores de modo periódico, será aplicada a lógica da súmula 85, STJ, ao preconizar que
"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação.
" Nos demais casos, cuidando-se de pretensão não periódica, eventual indeferimento na seara administrativa pode dar ensejo à prescrição de fundo de direito, caso se esgote o prazo para deflagrar a demanda judicial pertinente.
Ademais, no curso de eventual processo administrativo, versando sobre a delimitação dos tributos a serem recolhidos, o cômputo da prescrição respectiva resta suspenso, por força do
art. 4. do decreto 20.910/32
.
2.22. Eventual
prescrição
- situação em exame:
Desse modo, como regra, a prescrição da pretensão à repetição de indébito tributário opera-se com o esgotamento do
prazo de 5 anos,
contados da data do recolhimento totalmente indevido ou maior do que o devido - art. 168, Código Tributário Nacional. Há algumas peculiaridades quando se cuida de insurgência contra cobrança promovida pelo Estado, quanto a tributos não recolhidos, dada a necessidade de aplicação, então, do art 173, CTN.
Aludidas normas afastam, por sua especialidade, a aplicação do
art. 206, §3º, IV, Código Civil/2002
, conforme lógica do
art. 2º do decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942
. Atente-se para os julgados abaixo transcritos:
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRESCRIÇÃO. SÚMULAS 150 E 383 DO STF. I.
É firme na jurisprudência a orientação no sentido de que a prescrição da ação de conhecimento e a da execução são distintas, exceto no tocante ao período de cinco anos. Assim, a partir do trânsito em julgado da sentença oriunda da ação coletiva, iniciou-se novo prazo quinquenal para a execução, e não o reinício do prazo anterior (único) pela metade. Nesse sentido, o enunciado da Súmula 150 do STF: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação". II. A Súmula n.º 383 do STF estabelece que "A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo
". III. O trânsito em julgado parcial da ação coletiva em comento se deu em 26/08/2009, e a parte exequente ajuizou Medida Cautelar de Protesto em 31/07/2014. Assim, como o ajuizamento do cumprimento de sentença ocorreu em 30/01/2017, antes dos dois anos e meio da data do protesto, não há prescrição. Com relação ao primeiro protesto, como bem referido pelo juízo a quo, não teve eficácia, visto que foi ajuizado antes do início da fluência do prazo prescricional." (TRF-4 - AG: 50184291420194040000 5018429-14.2019.4.04.0000, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 03/07/2019, QUARTA TURMA)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. (9) 1. "
Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a intimação da Fazenda deve ser pessoal, e que a prescrição intercorrente não pode ser reconhecida se a paralisação do feito ocorrer por falha do mecanismo judiciário, ao não proceder à intimação da forma devida
. (Precedentes: Resp 796.382 - RO, Relator: Ministro Peçanha Martins, DJ 31/3/2006; AgRg no Ag 275.934-RS, Relator: Ministro José Delgado, DJ 15/5/2000; REsp 646.392-PR, Relator: Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 28/9/2006)"Precedente. 2. In casu, restou demonstrado que os exeqüentes Augusto Machado Ribeiro, Ario Marinho, Estela Marinho dos Santos, João Rocha Nascimento e Petronilho Correa de Araújo não deram causa ao não prosseguimento do feito, o que impede o reconhecimento da prescrição intercorrente. Deveriam ter sido intimados para constituir novo procurador, mas, por uma falha do mecanismo do judiciário, isso não ocorreu. 3. Agravo regimental improvido. (TRF-1 - AGA: 26649220074010000 MG 0002664-92.2007.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, Data de Julgamento: 02/04/2013, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.34 de 21/05/2013)
A conjugação do
art. 1 do decreto 20.910/32 com os arts. 168 e ss., CTN
, evidencia que a pretensão anulatória do contribuinte prescreve em 05 anos, contados da data em que toma conhecimento do lançamento impugnado (
actio nata
). No curso do processo administrativo respectivo, o cômputo da prescrição resta suspenso -
art. 4 do decreto 20.910/32
.
Assim, em primeiro exame, não se operou a pretensão da parte autora, eis que se insurge contra lançamento tributário, havido em 20 de fevereiro de 2025.
2.23. Eventual decadência do direito invocado na inicial:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais. Esse exame não se confunde com a análise de eventual decadência do direito do Fisco em promover o lançamento, algo distinto - art. 150, §4, CTN.
2.24. Considerações sobre o TCFA:
Por meio do art. 8º da lei 9960/2000, a União Federal criou a chamada 'taxa de fiscalização ambiental' - TFA:
"
Constitui fato gerador da TFA, o exercício das atividades mencionadas no inciso II do art. 17 desta Lei, com a redação dada pela Lei no 7.804, de 18 de julho de 1989
."
O Supremo Tribunal Federal deferiu, em 29 de março de 2000, a tutela de urgência em sede de medida cautelar na
ADI 2178-MC
, rel. Ilmar Galvão, suspendendo a eficácia do aludido art. 8º. Mas o caso não chegou a ser julgado em definitivo, dada a superveniência da lei n. 10.165, de 27 de dezembro de 2000, cujo art. 1º criou a taxa de controle e fiscalização ambiental. Com isso aquela tutela de urgência acabou por perder o objeto.
Veiculadas pela
lei 10.165/2000
, referidas normas foram alvo, então, de inúmeras demandas judiciais, impugnando a sua validade. O Supremo Tribunal Federal concluiu, todavia, que a exação estaria em conformidade com a Lei Maior, conforme se infere do julgamento do
RE 416.601-1/DF
, rel. Min. Carlos Velloso: "
Lei 6.938/81, com a redação da Lei 10.165/2000, artigos 17-B, 17-C, 17-D, 17-G. C.F., art. 145, II. I. -
Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA - do IBAMA: Lei 6.938, com a redação da Lei 10.165/2000: constitucionalidade. II. - R.E. conhecido, em parte, e não provido
."
(STF, RE nº 416.601/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 30/9/05).
Naquela ocasião, a Suprema Corte sustentou que se cuidaria realmente de uma taxa decorrente do poder de polícia exercido pelo IBAMA, na forma do art. 78, CTN. Referido entendimento é de aplicação cogente, diante dos
arts. 927 e 489, §1º, VI, CPC/15
, alvo dos lúcidos comentários de Araken de Assis:
"Por mais de uma razão só em sentido amplíssimo mostra-se possível conceber o julgamento segundo a legalidade, conseguintemente, a obediência do juiz à lei. O juiz não deve contas unicamente à sua consciência e aos pendores do seso de justiça próprio. Não julga porque quer, nem recebeu investidura nesse sentido. O Estado outorgou-lhe esse poder, consoante o modelo constitucional, exigindo-lhe modesta contrapartida: obediência ao ordenamento jurídico, principalmente à lei, ou seja, ao direito vigente no Estado, na sua inteireza, especialmente quanto às fontes formais do Poder Legislativo. E impõe essa exigência por razão básica, mas fundamental: a conduta prescrita aos particulares e aos agentes públicos e conhecida prévia e abstratamente nas normas legais, e o próprio juiz, o mais importante órgão estatal, não se furta desses comandos. O problema da legitimidade democrática da criação judicial não pode ser resolvidos pelos controles internos da magistratura, porque esses são exercidos por outros juízes.
Em matéria de previsibilidade dos pronunciamentos judiciais, e, portanto, de segurança e de certeza, que constituem o cimento imprescindível à ordem jurídica justa, a súmula vinculante significou notável avanço, agora acompanhado dos precedentes no julgamento dos casos repetitivos (art. 928, I e II). E, perante a súmula vinculante e o precedente, a obediência à lei (ou antes, à consciência da pessoa investida na função juridicamente) não serve de pretexto hábil ao seu descumprimento
.
À primeira vista,as operações intelectuais do órgão judiciário, perante o verbete, não se distinguiriam das feitas para aplicar o direito objetivo. Embora a aplicação da súmula vinculante e do precedente não seja mecânica e automática, pois a adequação da tese jurídica à questão de fato depende de interpretação, ensejando pronunciamento alternativo, tal questão não toca o ponto.
E, com efeito, se a tese jurídica consagrada na súmula e no precedente rege a espécie litigiosa, todavia, ao órgão judiciário faltará a liberdade de aplicá-la, ou não. É imperativo que a aplique ao objeto litigioso. Ficará impedido de rejeitá-la, oferecendo sua própria interpretação da questão constitucional. E deixando de aplicá-la, estritamente, ensejará a reclamação prevista no art. 103, §3º, CF e no art. 988, NCPC. O acolhimento da reclamação implicará nulidade do provimento contrário à súmula. Desaparece, correlatamente, a independência do juiz.
Essa situação de modo algum equivale à submissão do juiz ao ordenamento jurídico subentendida no art. 8º. O juiz é livre para negar aplicação à lei e para interpretá-la a seu modo, adotando entendimento minoritário ou vencido, o que nunca ocorrerá perante uma súmula vinculante ao precedente. Em suma, a liberdade de interpretação fica restrita à adequação da tese jurídica ao material de fato (art. 489, §1º, VI) e desaparece a liberdade de aplicação
." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I. Parte geral. Institutos Fundamentais. Sâo Paulo: RT, 2015, p. 926-927)
Segundo o voto do Min. Carlos Velloso,
"
A hipótese de incidência da taxa é a fiscalização de atividades poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais, exercidas pelo IBAMA (lei 6938/1981, art. 17-B, com a redação dada pela lei 10.165/2000). Tem-se, pois, taxa que remunera o exercício do poder de polícia do Estado
."
(RE 416.601/DF, p. 20). Nesse mesmo sentido, leia-se:
"Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental. Ibama. Constitucionalidade. Precedentes. 1.
A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de ser constitucional a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA). 2. Agravo regimental não provido
."
(STF - RE: 603513 MG, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 28/08/2012, Primeira Turma)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL - TCFA. CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” ( AI nº 648.201/SP-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia , DJe de 26/6/09).
“TRIBUTÁRIO. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. CONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.938/81 E 10.165/2000. AGRAVO IMPROVIDO. I -
Constitucionalidade da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, objeto da Lei 6.938/81, com a redação dada pela Lei 10.165/2000
. Precedente do Plenário. II - Agravo regimental improvido” (AI nº 638.092/SP-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski , DJe de 17/4/09).
Também há, todavia, alguns precedentes enfatizando que, a rigor,
cuidar-se-ia de uma contribuição de intervenção no domínio econômico
(p.ex., AC 200870090014330, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 01/06/2010.). Compartilho desse entendimento. De toda sorte, mesmo reconhecendo-se essa pretensa natureza de contribuição social, o fato é que os Tribunais têm julgado que referido gravame estaria em conformidade com os dispositivos constitucionais pertinentes.
Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental. Ibama. Constitucionalidade. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de ser constitucional a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA)
. 2. Agravo regimental não provido. (RE-AgR 603513, DIAS TOFFOLI, STF.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL - TCFA. IBAMA. LEI N. 10.165/2000. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Este Tribunal, ao julgar o RE n. 416.601, declarou a constitucionalidade da Taxa de Controle e fiscalização ambiental - TCFA. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE-AgR 452408, EROS GRAU, STF.)
Conforme se infere do
art. 17-I da lei 6938/1981
, com a redação veiculada pela lei 10.165/2000, preconizou-se a imposição de multa para os contribuintes que não promovessem a inscrição nos respectivos cadastros até o último dia útil do terceiro mês subsequente à publicação daquela lei. Trata-se de um dever instrumental, definido no art. 113, §2º, CTN. O tema foi tratado também na IN 10, de 17 de agosto de 2001, do IBAMA (com a atualização dada também pela IN 96/2006); seu art. 3º dispensou algumas empresas da obrigação de preencher dito cadastro.
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 17, torna necessária a inscrição, por parte de determinadas empresas, no Cadastro Técnico Federal, sujeitando-as ademais ao pagamento de TCFA, da seguinte forma:
Art. 17. Fica instituído, sob a administração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA: I - Cadastro Técnico Federal de atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, para registro obrigatório de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais e à indústria e comércio de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; II - Cadastro Técnico Federal de atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, para registro obrigatório de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e/ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora.
Art. 17-B.
Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais
." (Redação dada pela Lei nº 10.165, de 2000)
Art. 17-C.
É sujeito passivo da TCFA todo aquele que exerça as atividades constantes do anexo VIII desta Lei
.(Redação dada pela Lei nº 10.165, de 2000) (...)
No anexo VIII, essa lei veicula a indicação das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais que, se desenvolvidas pela empresa, ensejam a inscrição no CTF e pagamento de TCFA. Convém ter em conta, por conseguinte, que é a lei
stricto sensu
que define a relação de atividades potencialmente poluidoras, submetidas ao recolhimento do tributo em questão, conforme
art. 17-C da lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981
, com a redação veiculada pela lei n. 10.165, de 27 de dezembro de 2000.
Em princípio, quando se trata de
empresa inativa
, a TCFA não pode ser cobrada, por conta da ausência de um fato jurídico tributário que se amolde à hipótese de incidência da aludida norma.
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA). SOCIEDADE EMPRESÁRIA INATIVA. FATO GERADOR. INOCORRÊNCIA. 1. Nos termos do art. 17-B da Lei nº 6.938/81, a TCFA tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia conferido ao IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais, sendo sujeito passivo, de acordo com o art. 17-C, todo aquele que exerça as atividades constantes do Anexo VIII daquela Lei. 2.
Se a empresa está inativa, não há, por razão lógica, o desempenho de atividade potencialmente poluidora e/ou utilizadora de recursos naturais, de maneira que não cabe falar em ocorrência do fato gerador do tributo em tela, qual seja, o exercício do poder de polícia pelo Estado. Precedentes desta Corte
. 3. Verificado o encerramento da atividade da sociedade empresária, a cobrança da taxa de polícia pelo IBAMA é indevida, ainda que não tenha o contribuinte promovido a baixa do seu cadastro junto à citada autarquia. Isso porque o que é determinante para o surgimento da obrigação é a ocorrência do fato jurídico tributário, e não a situação cadastral do contribuinte, mera formalidade, a qual não pode prevalecer frente à realidade fática. 4. Hipótese em que, de acordo com o acervo probatório dos autos, a CDA que lastreia o executivo fiscal refere-se a períodos da TCFA (2011 a 2014) nos quais a embargante já estava inativa, de modo que é indevida a cobrança da taxa. 5. Apelação desprovida. (AC - Apelação Civel - 589422 0001462-14.2015.4.05.8302, Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::31/08/2016 - Página::107)
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL - TCFA. EMPRESA INATIVA ANTES DO FATO GERADOR. COBRANÇA INDEVIDA. PRECEDENTES. 1. Apelação interposta contra sentença julgou procedentes embargos à execução fiscal para desconstituir o crédito de TCFA, referente ao ano de 2007. 2. A TCFA, instituída pela Lei 10.165/00, tem por fato gerador o serviço de controle das atividades potencialmente poluidoras e a fiscalização da utilização de recursos naturais, sendo calculada em função da potencialidade poluidora da atividade exercida pelo contribuinte. 3. O STF já decidiu, quanto a referida taxa, que "não há invocar o argumento no sentido de que a taxa decorrente do poder de polícia fica restrita aos contribuintes cujos estabelecimentos tivessem sido efetivamente visitados pela fiscalização. Destarte, os que exercem atividades de impacto ambiental tipificadas na lei sujeitam-se à fiscalização do IBAMA, pelo que são contribuintes da taxa decorrente dessa fiscalização, fiscalização que consubstancia, vale repetir, o poder de polícia estatal". (RE nº 416601). 4.
In casu, a embargante, ao apresentar sua declaração anual de rendimentos à Receita Federal, comunicou ao referido órgão, desde o ano de 2003, sua inatividade. Com a comprovada inatividade, não poderia a embargante ser contribuinte da TCFA. Não há serviço a ser desempenhado pelo Estado, a ser remunerado pela taxa, mesmo que de forma potencial, em empresa que se encontra inativa desde antes do fato gerador cobrado.
5. O fato de a empresa não promover sua baixa junto ao IBAMA, não pode configurar motivo para a subsistência da cobrança perpetrada pela autarquia na execução fiscal, sob pena de se prestigiar as formalidades sobre a realidade dos fatos. 6. Precedente desta Corte: AG nº 131929, ReI. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJe 11/07/2013. 7. Apelação não-provida. (AC - Apelação Civel - 583966 0015847-93.2012.4.05.8100, Desembargador Federal Manuel Maia, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::05/11/2015 - Página::106.)
Assim, por força da legislação, todos os estabelecimentos, obras ou atividades que
empreguem recursos naturais
- ou aqueles que sejam efetiva ou potencialmente lesivos ao ambiente -
somente podem operar validamente mediante prévia licença ambiental
, conforme art. 225, Constituição/88. Não apenas isso, tais atividades também devem ser inscritas no
Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental
, conforme art. 9º, VIII, da lei n. 6.938, de 1981, como detalho na sequência. A prática de tais atividades pode dar ensejo, ademais, à incidência da taxa de controle e fiscalização ambiental - TCFA (lei 10.165/2000).
Com a redação dada pela MP 687/15, o anexo VIII da lei 6.938/81 relaciona as atividades potencialmente poluidoras para fins de ensejar o pagamento da TCFA, com classificação do grau de utilização e do potencial poluidor.
"
É importante atentar que a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA não está vinculada à competência para o licenciamento ambiental, Independentemente de o licenciamento da atividade ser procedido pelo IBAMA, pelo órgão estadual ou mesmo municipal
."
(TRENNEPOHL, C; TRENNEPOHL, T. Obra citada. RB - 5.2). Na forma do art. 17-Q da lei n. 6.938/1981, os Estados-membros podem celebrar
convênios
com o IBAMA, a fim de exercerem fiscalização ambiental em determinadas atividades , a fim de receberem parcela de valores recolhidos a título de TCFA, exigível trimestralmente, conforme valores previstos na Portaria Interministerial no 812, de 29 de setembro de 2015.
2.25. Quanto ao cadastro técnico federal:
Com a redação dada pela
lei 7.804/1989
, a
lei 6.938/1981
preconizou a criação de um cadastro técnico federal - CTF:
Art. 17. Fica instituído, sob a administração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA: (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)
I - Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, para registro obrigatório de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais e à indústria e comércio de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989)
II -
Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, para registro obrigatório de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e/ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora
.
Por seu turno, ao regulamentar a lei 9.605/1998, o
Decreto 6.514/2008
dispôs o que segue:
Art. 76.
Deixar de inscrever-se no Cadastro Técnico Federal de que trata o art.17 da Lei 6.938, de 1981
: Multa de: I - R$ 50,00 (cinqüenta reais), se pessoa física; II - R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), se microempresa; III - R$ 900,00 (novecentos reais), se empresa de pequeno porte; IV - R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), se empresa de médio porte; e V - R$ 9.000,00 (nove mil reais), se empresa de grande porte.
Assim, constata-se que as empresas que se dediquem a atividades potencialmente poluidoras e também extração, produção, comercialização e transporte de produtos potencialmente perigosos devem se inscrever no aludido cadastro, sob pena de multa.
TRIBUTÁRIO. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL - TCFA. FATO GERADOR. ATIVIDADE A 1.
As pessoas jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais são obrigadas a se cadastrar junto ao IBAMA, e, com tal cadastro, passam a ser contribuintes da TCFA
. 2. O art. 17-C da Lei nº 6.938/1981 define como sujeitos passivos do tributo todos aqueles que exercem as atividades fiscalizadas, devidamente elencadas no anexo VIII da referida lei. 3. No caso dos autos, a atividade exercida pela filial da empresa autora, por ser meramente administrativa, não se enquadra no anexo da Lei 6.938/81, não havendo obrigatoriedade de registro no Cadastro Técnico Federal e pagamento da TCFA. (TRF-4 - APL: 50068917220164047200 SC, Relator: ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, Data de Julgamento: 10/05/2023, PRIMEIRA TURMA)
Sabe-se ainda que
"
Tratando-se de cobrança da TCFA, o mero registro cadastral junto à autarquia não constitui hipótese de incidência tributária
. A existência de inscrição no IBAMA não tem o condão de autorizar a cobrança da referida taxa, porquanto imprescindível, para a existência da obrigação tributária, o lastro ofertado pelo fato gerador."
(TRF-4 - AG: 50531112420214040000 5053111-24.2021.4.04.0000, Relator: LEANDRO PAULSEN, Data de Julgamento: 20/04/2022, PRIMEIRA TURMA) Note-se, por outro lado, que o TRF4 já chegou a decidir como segue:
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. DESCONHECIMENTO DO TRIBUTO. INEXISTÊNCIA DE COBRANÇAS ANTERIORES. AUSÊNCIA DE CADASTRO NO IBAMA. OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. CORRETO ENQUADRAMENTO DA EMPRESA. ALTERAÇÃO DE EMPRESA DE PEQUENO PORTE PARA MICROEMPRESA. FALTA DE COMUNICAÇÃO DO IBAMA. ALÍQUOTA DA TAXA. COMPROVAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO NO PROCEDIMENTO DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. SIMPLES E TCFA. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 1. Verificada a ocorrência do seu fato gerador, é devida a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental. 2. O desconhecimento do tributo, bem como a ausência de seu recolhimento em períodos pretéritos, não exime o contribuinte do seu pagamento. 3.
O cadastro no IBAMA tem fins administrativos, visando ao correto enquadramento do contribuinte como pessoa física, microempresa, ou empresa de pequeno, médio ou grande porte. 4. Ainda que não tenha feito cadastro no IBAMA, os tributos são devidos, pois verificada a ocorrência de seu fato gerador, estando correto o enquadramento inicial do contribuinte como empresa de pequeno porte
. 5. A alteração do enquadramento da empresa, que de pequeno porte passa a ser microempresa, tem efeitos tributários e deve ser comunicada ao IBAMA, sob pena de ter o contribuinte de pagar a taxa pelo enquadramento originário. 6. A TCFA é taxa e não está incluída no regime de tributação pelo SIMPLES, razão pela qual não há relação alguma entre eles. 7. Comprovada a notificação do contribuinte por meio de edital, uma vez que frustrada a tentativa de notificação pessoal, é regular o procedimento administrativo de lançamento. 8. A TCFA é tributo sujeito ao regime de lançamento por homologação. Não havendo o seu recolhimento pelo contribuinte, deve ser lançado de ofício, dispondo o ente tributante do prazo de cinco anos para exercício do direito formativo, contado a partir do marco estabelecido pelo artigo 173, I, do CTN. Constituído o crédito tributário vencido, tem início o curso do prazo prescricional de cinco anos. 9. Sendo realizada a constituição do crédito dentro do prazo previsto, assim como interrompida a prescrição antes de seu termo, não há falar em extinção da execução por tal causa. (TRF-4 - AC: 001461 RS 2009.71.04.001461-3, Relator: LUIZ CARLOS CERVI, Data de Julgamento: 19/02/2013, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: D.E. 27/02/2013)
Da fundamentação deste julgado, destaco:
"A atividade desenvolvida pela embargante - fabricação de produtos farmacêuticos -, encontra-se discriminada sob o código 15 na tabela referida no artigo 17-C. É ela, portanto, é sujeito passivo da exação.
A circunstância de nunca ter feito cadastro no IBAMA, ainda que tomada como verdadeira, não exime a embargante de pagar o tributo, pois o fato gerador não é tal cadastro, mas sim "o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais". Modo igual, o desconhecimento da exação também não a torna inexigível, mormente em razão do disposto no artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(Decreto-Lei nº 4.657, de 1942), segundo o qual "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece". Por fim, ainda que nunca tenha sofrido cobrança da taxa, é ela devida. Tal situação, se verídica, não passa de mero inadimplemento de tributos, não sendo o reiterado descumprimento das normas tributárias pelo contribuinte causa para o afastamento de sua incidência."
2.26. Postulado da legalidade tributária:
Na República Federativa do Brasil ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF). D'outro tanto, nos termos do art. 150, Constituição/88,
"
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça
."
Humberto Ávila explicita que
"
A Constituição/88 ao prescrever que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de falar alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II), que não há crime sem lei anterior que o defina
(art. 5º, XXXIX), elipticamente determina que o Estado só pode instituir tributos se assim o fizer por meio de lei. Mesmo assim, a Constituição, no sistema tributário nacional, condiciona a instituição e o aumento de tributos à edição prévia de lei (art. 150, I), inclusive proibindo a concessão de benefício fiscal sem a prévia previsão em lei específica (art. 150, §6º)."
(ÁVILA, H.
Segurança jurídica:
entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 234).
Ainda segundo Ávila,
"
A obrigatoriedade de edição prévia de lei para a instituição de para o aumento de tributos é instrumento de promoção dos ideias de confiabilidade e de previsibilidade do (e pelo ordenamento) jurídico, porquanto a exigência de lei favore: a inteligibilidade do ordenameto jurídico, já que o contrbuinte possui maiores condições de acesso às normasa que deverá obedecer e de compreensão do seu conteúdo; a confiabilidade do ordenamento jurídico, já que as normas legais só poderão ser modificadas por meio de outras normas legais - o que contribui para sua estabilidade; a calculabilidade do ordenamento, visto que o contribuinte apresenta melhores condições de prever as obrigações tributárias futuras
. Note-se que a generalidade da lei não é condição para a previsibilidade, pois, de um lado, uma norma individual pode servir de instrumento de planejamento para o seu destinatário de modo muito mais eficiente e, de outro lado, uma norma geral que não seja conhecida e estável também não serve de meio adequado para que o indívuo trace seus próprios ideais. A generalidade é, na verdade, um instrumento de planejamento para todos e não para alguns, baseado na preservação da exigência de legalidade conjuntamente com a igualdade."
(
Obra citada,
p. 235).
É sabido que a Emenda Constitucional n. 32, ao alterar o art. 62, Constituição, estipulou ser válido o emprego de medida provisória para majoração de tributos. Abstraindo aqui qualquer exame mais denso desse tema, é fato que, quando menos, aludida atividade legiferante do Poder Executivo apenas poderá ser aceita quando preenchidos os requisitos do art. 62,
caput,
CF (relevância e urgência).
Tema mais difícil diz respeito à
eventual redução de tributos diretamente pelo Poder Executivo
, sem prévia autorização legal para tanto. O fundamental é ter em conta que os postulados
"no taxation without representation'
e '
nullum tributum sine lege prævia
"
são uma limitação do Estado perante os potenciais contribuintes. Isso significa que, em princípio, a redução de alíquotas mediante decretos não afrontaria, sob a perspectiva histórica, o princípio da legalidade tributária, conquanto essa atividade legiferante do Executivo possa ser questionada frente a outros vetores (por exemplo, isonomia, responsabilidade fiscal).
Convém ter em conta o art. 97, II, CTN/66 quando estabelece o que segue:
"Somente a lei pode estabelecer: (...) II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39,57 e 65
."
A questão está em saber se aludido preceito foi recepcionado pelo ordenamento jurídico pós-1988, dado que os inúmeros preceitos aludidos anteriormente tratam da vedação da majoração de tributos sem prévia lei (art. 150, I, CF). A Constituição não chegou a vedar expressamente a redução de alíquotas sem prévia autorização legislativa, conquanto isso possa ser extraído obliquamente do postulado da legalidade autorizativa (art. 37,
caput,
CF), dado que o Estado apenas pode atuar nos limites previamente autorizados pela lei, sempre que isso implicar mitigação de direitos fundamentais alheios (não raro, a redução de alíquotas para determinados contribuintes/fatos tributários pode ensejar majoração de alíquotas para os demais).
Convém atentar, de outro tanto, para a regra do art. 150, §6º, CF, com a redação veiculada pela emenda 03/1993:
"
Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2, XII, g
."
Confrontado esse dispositivo, a Suprema Corte já reputou inconstitucional norma que delegava, ao Governador do Estado, a concessão de anistia e remissão (
ADI 3462/MC
). Em face da redação conferida pela EC nº 3/93 ao § 6º do art. 150 da CF/88, o STF tem sustentado que a outorga de qualquer benefício fiscal em matéria tributária estará sujeita ao princípio da estrita legalidade (reserva legal) e que a exigência constitucional de lei específica para a concessão de qualquer subsídio, isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, anistia ou remissão é uma garantia do contribuinte que visa: “
Coibir o uso desses institutos de desoneração tributária como moeda de barganha para a obtenção de vantagem pessoal pela autoridade pública, pois a fixação, pelo menos, pelo mesmo Poder instituidor do tributo, de requisitos objetivos para a concessão do benefício tende a mitigar arbítrio do Chefe do Poder Executivo, garantindo que qualquer pessoa física ou jurídica enquadrada nas hipóteses legalmente previstas usufrua da benesse tributária.”
(STF, ADI 3.462, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 15.02.2011)
A conjugação destes vetores envolve, como se percebe, alguma perplexidade
.
Por um lado, convém não inverter o sinal do princípio da legalidade: uma garantia dos sujeitos em face do Estado
. A vedação de majoração de tributos sem prévia lei que a estabeleça não poderia se traduzir também em vedação da redução de tributos sem prévia lei, caso a questão ficasse apenas nisso. Por outro lado, contudo, a Constituição Federal expressamente limita a atividade do Poder Executivo, no que toca à exoneração de tributos (redução da base de cálculo, p.ex.), o que parece implicar também a vedação a que o Poder Executivo,
sponte sua,
acabe por obter o mesmo efeito, aplicando outros institutos sem prévia franquia legislativa (p.ex., alíquota zero).
Assim, por força do art. 150, §6º, CF, deve-se aferir sempre com redobradas cautelas a atividade legiferante do Executivo, mesmo naquelas hipóteses em que há redução de tributos (art. 97, II, CTN c/ art. 146, CF).
2.27. Presunções fiscais e juízos de abdução:
Frente ao exposto, a obrigação tributária tem origem na prática de um comportamento ou na ocorrência de um fato amoldado às previsões típicas, lançadas em lei (
art. 150, I, CF e art. 113, §1º, CTN/66
). Ou seja, como regra, o recorte do fato efetivamente havido ou do comportamento praticado deve coincidir com a hipótese de incidência do tributo para que o Estado possa legitimamente exigir o pagamento da exação fiscal. Eventual cobrança de tributos com lastro em analogias prejudiciais ao contribuinte acabaria por aniquilar o postuldo da legalidade.
Em muitos casos, todavia, a legislação admite a aferição indireta dos tributos, amparando-se em
arbitramentos, pautas fiscais e presunções
iuris tantum
. Explica Sperb Paola, tratando da matéria tributária, que
"Há arbitramento quando o Fisco, à falta de informações diretas sobre a existência e dimensão do fato jurídico tributário, vê-se obrigado a recorrer a elementos indiretos, dentre os quais os indícios, para fazer o lançamento fiscal."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Presunções e ficções no direito tributário.
BH: Del Rey. 1997, p. 246-247).
Sabe-se, por certo, que
"
O arbitramento não confere à autoridade lançadora uma carta em branco para tributar o que quer que seja, hipótese na qual teria caráter punitivo. O administrador continua vinculado à busca da verdade material, devendo apresentar resultados tão aproximados da verdade quanto possível
. Para isso, há que considerar, conjuntamente, uma variada gama de indícios, que deve buscar na própria empresa (dados do exercício considerado para tributação e dos exercícios anteriores, estes para fins de comparação) e no setor onde esta atua (para fazer uma análise comparativa)."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Obra citada.
p. 250).
Para além da apuração indireta dos próprios tributos, a lei também preconiza a aplicação de
juízos de abdução
, fundados em regras de experiência (art. 375, CPC/2015) quando em causa a suspeita da prática de infrações administrativas. Cuida-se de exame fundado no exame de indícios, cabível até mesmo no âmbito do processo criminal, conforme art. 239, CPP.
Como sabido, indício
"
é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo
"
(MOURA, Maria Thereza.
A prova por indícios no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 109). Tais sinais, fundamentando juízos de abdução, podem amparar um decreto condenatório, contando que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"
Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes
. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI,
Paolo.
A prova no processo penal italiano.
SP:RT. p. 58)
"
Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real
. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado.
8ª ed., SP: RT. p. 514)
"Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios?
Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia
. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)" (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.
Princípios do processo penal:
entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113)
"
A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar
. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." (
PACELLI DE OLIVEIRA.
Curso de processo penal.
6. ed. Del Rey, p. 367).
"
Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos
. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal.
SP: RT, 2.003, p. 307)
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema:
"Uma sucessão de indícios e circunstancias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação."
(STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035)
"
Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado
."
(TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti o restante da ementa).
"
Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer
."
(TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
Assim, desde que haja efetiva justa causa para tanto, o Estado pode promover a aferição indireta de tributos, facultando-se ao contribuinte a apresentação de elementos de convicção que infirmem as suspeitas estatais. Note-se, a título de exemplo, que a legislação tributária inverte o ônus da prova, exigindo do contribuinte a comprovação da regularidade da importação, conforme se infere do art. 23, §2º do DL 1455/1976, com a redação veiculada pela lei 10.637
: "
Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregado
s."
Atente-se também para a lógica do art. 42 da lei 9430/1996: "
Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações."
Isso significa, portanto, que - desde que presentes indícios de sonegação de tributos - o Fisco pode exigir do contribuinte a apresentação dos comprovantes da operação, a fim de aferir a adequação dos montantes recolhidos, em face dos valores realmente devidos.
Ora,
"
A fiscalização tributária deve, em regra, ater-se à escrita contábil e demais documentos apresentados pela empresa. Entretanto, há casos em que a lei admite a apuração, por aferição indireta. O pressuposto do arbitramento é a omissão do sujeito passivo, recusa ou sonegação de informação ou, ainda, a irregularidade das declarações ou documentos que devem ser utilizados para o cálculo do tributo
. Assim, se a contabilidade da empresa não for confiável ou houver ausência de dados que possibilitem apurar a base de cálculo real da contribuição devida, o art. 33, §6º, da Lei nº 8.212/1991 outorga ao fisco a faculdade de realizar a aferição indireta, arbitrando o valor da mão-de-obra empregada. Importante ressaltar que, neste caso, firma-se uma presunção quanto à tributação com base no arbitramento, porém o contribuinte sempre poderá fazer prova em contrário a fim de afastá-la."
(ApCiv 5002395-04.2017.4.03.6000 -- TRF3 - 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/12/2019).
O lançamento fundado em juízos de abdução implica presunção
iuris tantum
da exigibilidade dos tributos
. Logo, isso não impede que o contribuinte promova a demonstração da insubsistência das premissas tomadas em conta pela Fazenda Pública:
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AFERIÇÃO INDIRETA. LUCRO PRESUMIDO. DISPENSA DE REGISTRO CONTÁBIL MAS NÃO DE LIVRO CAIXA. 1. A aferição indireta é mecanismo substitutivo para efetuação do lançamento, disciplinada pelo CTN, outorgando ao Fisco a faculdade de arbitrar o valor tributável quando houver ou omissão do sujeito passivo ou a irregularidade das declarações, esclarecimentos ou documentos que devem ser utilizados para o cálculo do tributo. 2.
O arbitramento é iuris tantum acarretando a possibilidade de prova em contrário, a cargo do contribuinte, tanto em seara administrativa quanto na judicial, em atenção princípio da verdade material. Caso reste demonstrado que a quantia apontada pela aferição indireta não se coaduna com a realidade tributável, forçosa a revisão do valor exequendo
. 3. A legislação aplicável, art. 225, § 16. Do decreto 3048/99 com redação dada pelo decreto 3265/99, art. 45 da Lei 8.981/95, dispensa a empresa que opte pelo lucro presumido de registro tributário-contábil, desde que a empresa possua Livro Caixa ou Livro de Registro de Inventário. Documentação esta que deve ser mantida em ordem, de forma organizada e clara, mesmo que singelamente. (TRF-4 - AC: 10062 RS 2007.71.99.010062-4, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 04/08/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 10/08/2010).
Diante do exposto, constata-se que a aferição indireta será cabível quando a documentação da empresa se revelar inidônea:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. INCABIMENTO DA AFERIÇÃO INDIRETA. DOCUMENTAÇÃO IDÔNEA. 1 -
Não se justifica a apuração das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, mediante aferição indireta, quando os documentos apresentados pela empresa - contracheques e Livro Caixa - são idôneos para registrar a remuneração de seus empregados e dos sócios-gerentes. 2 - A ausência do Livro Diário não ampara a presunção de que a contabilidade é irregular ou o argumento de que não foi apresentado documento necessário à fiscalização, pois o art. 45, § único, da Lei nº 8.981/85, dispensa a pessoa jurídica que opta pelo regime de tributação com base no lucro presumido de manter a escrituração contábil nos termos da legislação comercial, desde que tenha o Livro Caixa em dia, inclusive com a movimentação financeira e bancária
. 3 - Ainda que o art. 28, § 3º, da Lei nº 8.212/91, determine que o limite mínimo do salário-de-contribuição deve corresponder ao piso salarial da categoria, normativo ou legal, a fiscalização previdenciária não tem motivo para arbitrar salários, quando existem provas concretas indicando a percepção efetiva de valor inferior ao piso. A força cogente desse dispositivo opera-se quando a remuneração seguramente tem por base o piso salarial da categoria. 4 - Dada a ilegitimidade do arbitramento, o lançamento que respalda a CDA é insubsistente. (AC - APELAÇÃO CIVEL 2003.72.01.002038-6, WELLINGTON MENDES DE ALMEIDA, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, DJ 08/02/2006 PÁGINA: 336.)
No caso da TCFA, há uma presunção de potencial poluente, decorrente da prática das atividades listadas na lei 6.938/81. Quando se trata de indícios, coloca em causa muito mais a apuração dos fatos realmente existentes do que a sua valoração.
2.28. Breves considerações sobre o postulado da isonomia:
Como cediço, a forma republicana é incompatível com a atribuição de privilégios ou com a imposição de prejuízos para grupos específicos de indivíduos, de forma arbitrária (art. 5º,
caput
e art. 150, II, CF). Roque Antônio Carrazza sustenta, por exemplo, que
"
numa verdadeira República não pode haver distinções entre nobres e plebeus, entre grandes e pequenos, entre poderosos e humildes
. É que, juridicamente, nela não existem classes dominantes, nem classes dominadas. Assim, os títulos nobiliárquicos desaparecem e, com eles, os tribunais de exceção. Todos são cidadãos, não súditos."
(CARRAZZA, Roque Antônio.
Curso de direito constitucional tributário.
19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 48).
José Afonso da Silva argumenta, por seu turno, que
"
a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra
."
(SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo.
13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 206). Assim, é indiscutível a relevância do princípio da igualdade.
Isso não se traduz, todavia, na imposição de uma espécie de leito de Procusto, pela qual todos os sujeitos deveriam estar submetidos a normas absolutamente idênticas. A vingar algo do gênero, impondo tratamento rigorosamente homogêneo entre crianças, adultos e idosos, deficientes físicos e atletas, milionários e marginalizados, a
isonomia
viraria mero eufemismo.
Daí o relevo da observação de José Afonso da Silva quando enfatiza o que segue:
"O conceito de igualdade provocou posições extremadas. Há os que sustentam que a desigualdade é a característica do universo. Assim, os seres humanos, ao contrário da afirmativa do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nascem e perduram desiguais. Nesse caso, a igualdade não passaria de um simples
nome,
sem significação no mundo real, pelo que os adeptos dessa corrente são denominados de
nominalistas.
No polo oposto, encontram-se os
idealistas,
que postulam um igualitarismo absoluto entre as pessoas. Afirma-se, em verdade, uma igual liberdade natural ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma igualdade absoluta. (...)
Aristóteles vinculou a ideia de igualdade à ideia de justiça, mas, nele, trata-se de igualdade de justiça relativa que dá a cada um o seu, uma igualdade - como nota Chomé - impensável sem a desigualdade complementar e que é satisfeita se o legislador tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais
. Cuida-se de uma justiça e de uma igualdade formais, tanto que não seria injusto tratar diferentemente escravo e seu proprietário (
sic
); sê-lo-ia, porém, se os escravos, ou seus senhores, entre si, fossem tratados desigualmente. No fundo, prevalece, nesse critério de igualdade, uma injustiça real. Essa verificação impôs a evolução do conceito de igualdade e de justiça, a fim de se ajustarem às concepções formais e reais ou materiais.
"
(SILVA, José Afonso da.
Obra citada.
p. 208)
Muito embora seja um truísmo, deve-se ter em conta que a Constituição não veda a diferenciação entre os sujeitos, eis que ela é mesmo da própria essência do regime jurídic
o.
O que a Lei Maior veda, isso sim, é a diferenciação despropositada, impertinente, fundada em mero capricho dos legisladores e administradores. O importante é aferir, tanto por isso, se o fator de
discrimen
empregado pelos servidores do povo convive harmonicamente com a Constituição - e essa é, a bem da verdade, a grande questão.
"A fórmula 'o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente' não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão da igualdade justa pode colocar-se nesses termos: o que é ´que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade?
Uma possível resposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal Constitucional [lusitano], reconduz-se à proibição geral do arbítrio: existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição de arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras:
o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária
.
O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação ao princípio da igualdade
. Embora ainda hoje seja corrente a associação do princípio da igualdade como princípio da proibição do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um fundamento material ou critério material objectivo. Ele costuma ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, a proibição do arbítrio intrinsecamente determinada pela exigência de um fundamento razoável implica, de novo, o problema de qualificação desse fundamento, isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um problema de valoração.
A necessidade de valoração ou de critérios de qualificação bem como a necessidade de encontrar elementos de comparação subjacentes ao caráter relacional do princípio da igualdade implicam
: (1) a insuficiência do arbítrio como fundamento adequado de valoração; (2) a imprescindibilidade da análise da natureza, do peso, dos fundamentos ou motivos justificadores de soluções diferenciadas; (3) insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas defensiva ou negativa. Esta ideia de
igualdade
justa
deverá aplicar-se mesmo quando estamos em face de medidas legislativas de graça ou de clemência (perdão, amnistia), pois embora se trate de medidas que, pela sua natureza, transportam referências individuais ou individualizáveis, elas não dispensam a existência de fundamentos materiais justificativos de eventuais tratamentos diferenciadores." (CANOTILHO, J.J. Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 428-429)
Semelhante é a análise empreendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, quando enfatiza o que segue:
"Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: (a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualização; (b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de descrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; (c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.
Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação consequente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição.
Só a conjugação dos três aspectos é que permite a análise correta do problema. Isto é, a hostilidade ao preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por desatenção a existências dos demais, porém quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos reclamos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico
." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 21-22)
Vale a pena atentar, ademais, para o seguinte excerto da obra de Bandeira de Mello:
"O ponto modular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de
discrímen
e a discriminação legal decidida em função dele. Na introdução deste estudo enfatizou-se este aspecto. Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferenciadora quando é per perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecida e a desigualdade de situações correspondentes. De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado.
Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade de disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia
."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Obra citada.
p. 21-22)
Com efeito, é indispensável que se aprecie a correlação lógica entre o fator de diferenciação e o tratamento jurídico dispensado. No exemplo de Bandeira de Mello, uma norma que atribuísse vantagens funcionais apenas aos servidores magros deveria ser reputada inconstitucional, por inadequação do critério eleito... Talvez esse mesmo critério possa ser aceito, todavia, quando se trata de atribuir prêmios para atletas que tenham conseguido perder massa, p.ex.
A Suprema Corte brasileira já decidiu que
"
O atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária, e não fundamentada
. É na busca da isonomia que se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que exigem tratamento distinto, como forma de realização da igualdade."
(STF, RE 453.740, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)
A isonomia impõe, isso sim, a adoção de critérios razoáveis de diferenciação entre os sujeitos de direito. O problema está justamente nessa eleição dos elementos que podem ser tomados em conta para a diferenciação entre os administrados, como bem explicita Marciano Seabra Godoi:
"A máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal, ou para o tratamento legal igual não é possível encontrar uma razão razoável, que surja da natureza da coisa ou que, de alguma outra forma, seja concretamente compreensível, é dizer, quando a disposição tem que ser qualificada como arbitrária."
(GODOI, Marciano Seabra de.
Justiça, igualdade e Direito Tributário.
São Paulo: Dialética, 1999, p. 132).
2.29. Reflexos da eventual violação à isonomia:
A violação à isonomia impõe, não raras vezes, grandes dilemas ao Poder Judiciário
. Afinal de contas, concedido um privilégio para determinado grupo, em prejuízo dos demais, o que fazer? Deve-se cancelá-la para os beneficiários ou deve-se estendê-la àqueles que tenham sido olvidados?
Note-se que comumente se sustenta que o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo. Desse modo, segundo essa lógica, a solução mais adequada seria, em princípio, cancelar o privilégio para aqueles que o receberam, reputando-o inconstitucional.
Isso enfrenta alguns percalços na matéria presente. Afinal de contas, cuidando-se de verba alimentar, os tribunais têm reconhecido ser incabível a sua restituição pelo beneficiário, desde que auferida de boa-fé:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. PERÍODOS DE FÉRIAS E LICENÇAS. JUROS DE MORA. ARTIGO 1º-F DA LEI N.º 9.494/97. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DE LEI. BOA-FÉ. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO INDEVIDA. 1. A matéria pertinente à aplicabilidade do art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97 não foi apreciada pela instância judicante de origem, tampouco foram opostos, no ponto, embargos declaratórios para suprir eventual omissão. Portanto, ante a falta do necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula 282/STF. 2.
Indevida a restituição pelo servidor público dos valores recebidos de boa-fé em decorrência de interpretação equivocada da lei por parte da Administração Pública
. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGARESP 201102476333, SÉRGIO KUKINA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:02/04/2013 ..DTPB:.)
Isso significa que não é algo assim tão simples obrigar o servidor a restituir valores que tenham sido auferidos de modo privilegiado, sem o respeito à isonomia. Daí que simplesmente determinar o corte da vantagem indevida não parece correto, em situações tais.
É fato que o Poder Judiciário já reconheceu e aplicou solução distinta, como se infere da conhecida discussão a respeito da diferença remuneratória dos
28,86%
, decorrentes das leis 8.622/1993 e 8.627/1993 (tema sob exame do STF, em sede de repercussão geral -
RE 584.313
). Nesse âmbito, como notório, o Poder Judiciário estendeu o aumento salarial para os servidores públicos prejudicados, ao invés de determinar a supressão no contracheque dos militares. Essa tem sido, todavia, uma exceção na atuação judicial brasileira. Comumente, os Tribunais têm sustentado que, por não poder funcionar como legislador positivo, o Poder Judiciário não poderia aumentar vantagens/benefícios de servidores públicos, calcado no postulado da isonomia. Esse é o conteúdo, por sinal, da conhecida súmula 339, STF:
"
Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia
."
Outro não é o conteúdo da
súmula vinculante 37
.
Aludidas súmulas têm sido invocadas não apenas quando em causa o pagamento de verbas remuneratórias, mas também quando em causa o pagamento de valores a título indenizatório.
PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. EQUIPARAÇÃO COM OUTROS SERVIDORES. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCIPIO DA ISONOMIA E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva, pois a apelada sendo uma Universidade, goza de autonomia financeira, administrativa e patrimonial, nos termos do art. 207 da Constituição Federal de 1988. O fato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ser o responsável pelo processamento e reajuste dos valores recebidos pelos servidores públicos a título de auxílio-alimentação não tem condão de suprimir a referida legitimidade na medida em que sendo, a Universidade, um ente autônomo elabora e gerencia a folha de pagamento de seus servidores. 2. Precedente deste Tribunal: Segunda Turma, AG 101015/PB, Relator: Des. Federal Manuel Maia - convoc., julg. 02/03/2010, publ. DJE: 25/03/2010, pág. 227, decisão unânime. 3. A pretensão do apelante encontra óbice no art. 37, XII, da CF de 1988, o qual veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal. 4. O auxílio-alimentação embora apresente natureza indenizatória, a competência para alterar seus parâmetros é do Poder Executivo, nos termos do art. 22, da Lei nº. 8.460/92. Deste modo não compete ao Poder Judiciário alterar os parâmetros de tal auxílio sob pena de afrontar o principio constitucional da separação dos poderes, considerando que os poderes são harmônicos e independentes entre si, nos termos do art. 2º, da Constituição Federal. 5. Não cabe ao Poder Judiciário a pretexto de aplicação da isonomia, majorar tal verba, nos termos da Súmula 339, do STF. 6. Precedente deste Tribunal: Quarta Turma, AC 494705/PE, Relator: Des. Federal Edílson Nobre, julg. 22/05/2012, publ. DJE: 24/05/2012, pág. 737, decisão unânime. 7. Apelação improvida. (AC 00000167220124058401, Desembargador Federal Marco Bruno Miranda Clementino, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::21/03/2013 - Página::253.)
ADMINISTRATIVO. FERROVIÁRIOS INATIVOS E PENSIONISTAS. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO/TICKET REFEIÇÃO PAGO AOS SERVIDORES EM ATIVIDADE. NATUREZA INDENIZATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA OU PENSÃO. SÚMULAS 680 E 339 DO STF. EXTINÇÃO DA RFFSA. MP 353/07. 1.
A jurisprudência pacífica do colendo Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal é no sentido de que os servidores aposentados ou pensionistas não têm direito ao auxílio-alimentação (ticket refeição), por se tratar de verba destinada aos gastos do servidor em atividade, com sua alimentação, de modo que não se incorpora à remuneração ou aos proventos de aposentadoria/pensão
. 2. O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos (Súmula n. 680 do STF). 3.
Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, o aumento de vencimentos de servidores públicos sob o fundamento da isonomia (Súmula n. 339 do STF)
. 4. Com a extinção da RFFSA (MP 353, de 22.01.2007, posteriormente convertida na Lei 11.483, de 31.05.2007), a União passou a suceder-lhe em direitos e obrigações. 5. Apelação do(s) autor(es) não provida. (AC 200438000410402, JUÍZA FEDERAL CLÁUDIA OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO SCARPA (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 DATA:18/05/2012 PAGINA:680.)
Concessa vênia,
nessa quadra da democracia brasileira a referida súmula deve ser empregada com muitos temperamentos. De partida, porquanto foi produzida há cerca de 50 anos! Ela representou a consolidação do entendimento do Supremo Tribunal a respeito do alcance da legislação, sei bem.
Mas também é sabido que os entendimentos evoluem no tempo.
Vários casos, julgados pela própria Suprema Corte, revelam alteração de seu posicionamento, como bem ilustra a proscrição de prisão de depositário judicial, a revisão do entendimento quanto à constitucionalidade da vedação de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Menciono também a evolução do seu entendimento no que toca à invalidade da exigência de depósito recursal (súmula vinculante 21, STF).
Ora, deve-se ter em conta que a súmula 339 foi editada em 1963, sob a égide da CF/1946, muito tempo antes da efetiva constitucionalização do Direito, empreendida em período mais recente
. De outro tanto, ela não se caracteriza como súmula vinculante, não se submetendo ao disposto no art. 103-A, CF e art. 11.417/2006. Tal como tem ocorrido, as situações anti-isonômicas têm persistido. Afinal de contas, quando o prejudicado pelo tratamento discriminatório acorre ao Judiciário obtém como resposta que o problema seria meramente legislativo. Mas o problema não é apenas da alçada do Congresso, dado que a Constituição vincula a todos, e cabe ao Poder Judiciário assegurar o irrestrito respeito a todos os vetores constitucionais, com especial destaque para o seu art. 5º, caput.
Concordo, portanto, com a análise de Adilson Abreu Dallari quando enfatiza:
"
Entendemos que a própria Súmula 339 está equivocada. Ao aplicar ao caso concreto o princípio constitucional da isonomia o Judiciário não estará legislando, mas sim exercendo função tipicamente jurisdicional
. Se a Constituição determina que a trabalhos iguais deve corresponder a mesma remuneração, toda vez que isto for demonstrado, caberá ao juiz determinar o puro e simples cumprimento da Constituição."
(DALLARI, Adilson de Abreu.
Regime constitucional dos servidores públicos.
2. ed. São Paulo: RT, 1990, p. 65.)
Anoto que o próprio STJ já chegou a aplicar a isonomia, imposta pela Constituição, assegurando a paridade de vencimentos em um caso específico:
ISONOMIA DE VENCIMENTOS PARA CARGOS OU ATRIBUIÇÕES IGUAIS OU ASSEMELHADAS. AGENTE DE SEGURANÇA JUDICIÁRIA QUADRO PERMANENTE DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. 1.
Verificada a situação de desigualdade em que se encontram os servidores impetrantes, tal em relação a ocupantes cargos iguais ou assemelhados de outros tribunais, portanto desigualdade entre iguais, cabe ao Poder Judiciário dirimir a questão, assegurando, em conseqüência, a isonomia de vencimentos
. 2. A Constituição de 1988, no art 39, §1º, dispôs sobre a isonomia, assegurando-a, talvez na forma da lei, e a Lei 8.112 de 1990, se necessário para a eficácia e aplicabilidade da norma constitucional, tornou-a eficaz e aplicável. 3. Segurança concedida, com efeitos patrimoniais a partir do ajuizamento da ação.' STJ, MS 997/DF, Reg. 91120685, Rel. Min. Nilson Naves, Corte Especial, DJ de 20-4-92.
Menciono também a seguinte decisão judicial, em cujo âmbito foi mencionada a necessidade de
aplicação moderada do entendimento
consolidado na súmula 339 da Suprema Corte:
"
Ademais, aplicar indiscriminadamente essa Súmula, sem maior reflexão, sem atenção a novos princípios constitucionais implantados após ela, representa, quando menos, nesse passo, deixar o Judiciário de mãos e pés atados, para a correção de afronta ao principio de igualdade, possibilitando que outros princípios, igualmente constitucionais, permaneçam no vazio, imprestáveis, sem aplicabilidade alguma.
A Constituição não iria criar uma regra princípio, para deixá-la inerte, inoperante, sem qualquer valia, porque isto seria simplesmente inaceitável.
A aplicação, pura e simples, da Súmula 339 contra aqueles que se sintam lesados, a possibilidade até de recurso ao Judiciário, pois ninguém o provará, se disso coisa alguma puder resultar
.
Ora, se nem a lei pode excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inc. XXXV, da Carta Magna), muito menos uma Súmula.
Dir-se-ia, com argumento contra, que a Súmula não está excluindo nada da apreciação do Poder Judiciário. Mas, no fundo, é como se estivesse, pois ninguém seria insano bastante para provocar a Justiça, visando a manter o resguardo de princípio constitucional, já sabendo que essa provocação não resultaria em nada, se prevalecer o argumento esposado pela peça de defesa, em casos como o dos presentes autos.
Convenço-me da necessidade de re-estudo da Súmula para que se desvende seu exato conteúdo, diante das normas e princípios hoje vigentes. Quando menos, que não mais lhe seja dada a inteligência até então adotada
." (Subseção Judiciária Federal do Rio de Janeiro. Demanda ordinária de autos n. 0126635-72.1991.4.02.5101, 11ª VF-RJ. DO 27-11-92)
A questão é complexa, eis que tampouco se pode reconhecer ao Judiciário a pura e simples equiparação entre distintos cargos
, a fim de impor despesas aos órgãos públicos sem maior exame de questões outras. Enfim, repiso que o tema é razoavelmente complicado. Anoto, todavia, que a questão discutida nestes autos não chega a esbarrar na súmula 339, STF, eis que se cuida de tema afeto à TCFA.
2.30. Postulado da proporcionalidade tributária:
Ao apreciar o
Recurso Extraordinário 586.693
, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, os Ministros do Supremo Tribunal Federal consideraram, por unanimidade, ser legítima a previsão de alíquota progressiva na cobrança de imposto predial e territorial urbano - IPTU, prevista em lei municipal publicada sob a vigência do
art. 156, § 1º, da Constituição Federal
, com a redação veiculada pela emenda constitucional 29/2000. Examinou-se, então, a lei municipal 13.250/2001, de São Paulo, responsável por estabelecer cobrança progressiva de IPTU não apenas quanto à destinação – se residencial ou não –, com variação das alíquotas de 1 a 1,5%, como também no tocante ao valor venal do imóvel, com a aplicação de critérios de desconto ou acréscimo.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo havia dado provimento à apelação do contribuinte, declarando a incompatibilidade entre a progressividade das alíquotas do IPTU com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, alegando ter havido violação a cláusulas pétreas. O Município de São Paulo recorreu ao STF, invocando a norma de alínea a do art. 102 da Constituição Federal e sustentando ter havido violação aos arts. 97 e 156, § 1º, I e II, CF. A declaração da inconstitucionalidade da emenda constitucional 29/2000 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo não teria observado a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CF. No mais, alegou haver a harmonia da previsão da progressividade de alíquotas com os princípios da isonomia e da capacidade contributiva.
O STF declarou haver repercussão geral; na sequência, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se em prol do conhecimento e provimento do recurso
. O RE foi conhecido; o Supremo sustentou não ter havido
respeito à reserva de plenário
- art. 97, CF -; reportando-se ao art. 249, § 2º, do Código de Processo Civil/73, o Supremo reputou não ser caso de anulação da decisão do TJSP, impondo-se a sua substituição pelo acórdão prolatado pelo STF.
Enfatizou-se, então, que a validade da lei municipal discutida já teria sido apreciada por época do julgamento do RE 423.768/SP, no curso de 2010, reputando-a válida, na medida em que o sistema de progressividade teria sido vaticinado pela Lei Maior,
quanto àquele tributo. Sustentou-se que a própria redação original da Constituição teria consagrado tal progressividade, enquanto projeção da imposição de isonomia e respeito à capacidade contributiva.
Esse foi um caso em que o tema da progressividade restou submetida a debates junto à Suprema Corte
. Registro que a Constituição versou sobre a progressividade no art. 149, §1, Constituição, com a emenda constitucional 103/2019; art. 153, §2, I e §4, I; art. 155, §1, VI; art. 156, §1, dentre outros preceitos da Constituição/88. Debate-se, não raro, se a progressividade poderia ser aplicada, como critério de definição do valor do tributo, quanto às exações a cujo respeito isso não tenha sido previsto expressamente.
"No caso, o argumento da necessidade de previsão expressa é uma parte menor de princípios considerados abstratamente e muito significativos como o da legalidade e da segurança jurídica. Para tanto, a ênfase maior deveria ser dada à pletora de significados deriváveis de tais princípios, para aqueles que buscam restringir o alcance da intervenção estatal e a im- possibilidade da progressividade. Ademais, mesmo no campo dos argumentos favoráveis à progressividade estendida estão circunscritos limites atinentes à regra-matriz de incidência, como no caso do ICMS e do IPI, que vedariam a progressividade."
(LORENZETTO, Bruno; SCHAITZA, Letticia. 37. Tese é Constitucional a emenda constitucional 29, de 2000, no que estabeleceu a possibilidade de previsão legal de alíquotas progressivas para o iptu de acordo com o valor do imóvel
in
CLÈVE, Clèmerson; KENICKE, Pedro.
Teses jurídicas dos tribunais superiores:
Constitucional. SP: RT. 2017)
Aliás,
a proporcionalidade tributária não se confunde com a progressividade
. Esta trata do aumento percentual equivalente realizado entre base cálculo e alíquota, ao cuidar de importante dimensão da ordem tributária, qual seja, a constante no princípio da generalidade.
"Por sua vez, a proporcionalidade considerada de maneira estrita no campo tributário faz com que pessoas com diferentes capacidades contributivas paguem tributos com a mesma alíquota. Ao desconsiderar a capacidade econômica dos sujeitos, inscreve números que conduzem pessoas com capacidades contributivas díspares a pagar em proporção o mesmo imposto. Se isso passa pelo teste da igualdade formal, pode gerar paradoxos como na simples conta de atribuição de 10% na base de cálculo em que quem ganha 10 paga 1 e quem ganha 100 paga 10. Não há dúvidas que, em tal cenário, aquele que possui menos é mais sacrificado e que, ausente a progressividade, pode-se recair em flagrante injustiça substantiva."
(LORENZETTO, Bruno; SCHAITZA, Letticia.
37. Tese é Constitucional a emenda constitucional 29)
.
Conquanto haja filosofias libertarianas - a exemplo daquela que foi advogada por Robert Nozick, autor de
anarquia, estado e utopia
-, é fato que a Constituição Brasileira é projeção de um pacto em prol da redução da pobreza, eliminação da miséria, impondo ao Estado um conjunto de políticas redistributivas, a fim de assegurar a todos o direito à fruição do mínimo existencial. Ademais, essa ampliação atende às próprias necessidades do mercado, na linha propugnada por John Maynard Keynes, economista inglês. Abstraindo o valor da Justiça social, o Estado deveria assegurar o mínimo existencial também por conta de questões econômicas, a fim de assegurar a consolidação de um mercado consumidor, ao invés de concentrar os atos de consumo apenas entre os mais ricos, concentração que teria contribuído para a crise havida em 1929 - grande depressão.
No que toca à taxa, já se decidiu que:
"TAXA – PODER DE POLÍCIA – EXERCÍCIO – CUSTOS – ARRECADAÇÃO – INCONGRUÊNCIA.
Considerado o princípio da proporcionalidade, conflita com a Constituição Federal instituição de taxa ausente equivalência entre o valor exigido do contribuinte e os custos alusivos ao exercício do poder de polícia – artigo 145, inciso II, da Lei Maior –, sob pena de ter-se espécie tributária de caráter arrecadatório cujo alcance extrapola a obtenção do fim que lhe fundamenta a existência, dificultando ou mesmo inviabilizando o desenvolvimento da atividade econômica
." (STF, "Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6211)
D'outro tanto,
"Em matéria tributária, mais do que em qualquer outra, tem relevo a idéia de igualdade no sentido de proporcionalidade. Seria verdadeiramente absurdo pretender-se que todos pagassem o mesmo tributo. Assim, no campo da tributação o princípio da isonomia às vezes parece confundir-se com o princípio da capacidade contributiva. Explica e prova, contudo, referido autor, que são princípios distintos a igualdade tributária e a capacidade contributiva.
Refere-se à tributação extrafiscal, basicamente à utilização de isenções que, ferindo o princípio da capacidade contributiva, podem não atingir a igualdade. Em outro tomo desta dissertação, trataremos desse tema com pormenores
."
(BECHO, Renato.
Tributação das Cooperativas
. SP: RT. 2019. item 3.1.).
Segundo Elizabeth Carraza,
"
Afasta-se, assim, a possibilidade de tributação meramente proporcional, uma vez que a desigualdade patrimonial existente entre os contribuintes conduz, necessariamente, a alíquotas diferençadas de acordo com a variação da base de cálculo do tributo. Por outro lado, não há falar em proporcionalidade quando se cobra uma alíquota única de todos os contribuintes, uma vez que, nesta hipótese, o mais pobre acabará por pagar mais tributo que o mais rico, apesar de em termos absolutamente numéricos tal não ocorrer
. Até porque, “a proporcionalidade é princípio neutro, que não objetiva atenuar as grandes disparidades econômicas advindas dos fatos."
(NAZAR CARRAZZA, Elizabeth.
IPTU e progressividade:
igualdade e capacidade contributiva. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin. 2015. p. 121).
D'outro tanto, a progressividade seria um dos caminhos para se atingir a justiça tributária.
"Com ela se coaduna, integralmente, a capacidade contributiva. Consideramos que seja, até, a única forma, em se tratando de alíquota e suas variações, de atingir esse princípio. Pagando-se um imposto maior à proporção que aumenta a base de cálculo, é possível que cada um contribua com o mesmo grau de sacrifícios para a manutenção do Estado, por via de arrecadação tributária. É o entendimento, também, de Elizabeth Nazar Carrazza:
A progressividade, longe de ser danosa ao sistema, é a única forma encontrável para que se afastem as injustiças tributárias, vedadas pela Constituição Federal. Sem tributação progressiva jamais se atinge a igualdade tributária. Diferente é a posição de Paulo de Barros Carvalho: É por mantê-la constante, sob a forma de fração, ou por fazê-la progredir, continuamente, ou por degraus, que o legislador busca realizar e assegurar o princípio da igualdade tributária
. Por
não adotar a teoria de uma real progressividade
, nosso País atingiu o infeliz podium de campeão mundial em desigualdades, segundo o
Banco Mundial, em que os 10% mais ricos possuem a fabulosa parcela de 51,3% da renda nacional, enquanto os 20% mais pobres ficam com escassos 2,1% da mesma renda
. Já quanto à regressividade, a situação é diversa. Como vimos, a regressividade ocorre quando a alíquota diminui com o aumento da base de cálculo. O melhor exemplo para se entender esse mecanismo é o do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Neste, quanto maior for a utilização da terra, menor será a alíquota. Explica Hugo de Brito Machado: O imposto poderá ser reduzido em até 90%, a título de estímulo fiscal, em função do grau de utilização da terra e da eficiência da exploração. Se a terra for mais utilizada, e de forma mais racional e eficiente, é crível que se deduza que seu proprietário, o contribuinte do imposto, terá capacidade contributiva maior, por essa análise. É a mesma dedução da capacidade contributiva do proprietário de imóvel residencial urbano que tenha propriedade mais valiosa, e do contribuinte do imposto sobre a renda que a tenha em abundância. Contudo, no caso do ITR e sua alíquota regressiva, que é o que ocorre na prática, essa tributação anda na contramão do prin- cípio da capacidade contributiva, posto a lume. Somos forçados a divergir de Elizabeth Nazar Carrazza, quando afirma que:
De outro lado, admite-se, também, a possibilidade de regressividade das alíquotas, de sorte a permitir uma justa distribuição tributária
. São, portanto, perfeitamente legítimas, as duas situações: a progressividade e a regressividade das alíquotas tributárias, a fim de que haja uma equitativa distribuição dos encargos tributários. Pagará mais imposto aquele que possui maior capacidade contributiva; pagará menos imposto aquele que a possui em menor grau; e não pagará nenhum imposto aquele que não a possui. Tema que nos parece conexo é o dos chamados impostos fixos. Estes são uma certa anomalia, um tanto quanto comum, quando o legislador infraconstitucional cria um imposto sem base de cálculo nem alíquota. Não existiria, pela estrutura da norma tributária identificada pela construção doutrinária de Paulo de Barros Carvalho, seu critério quantitativo. Vê-se que não se trata de uma inovação, mas de uma deturpação da teoria, em prejuízo do contribuinte, pois não há respeito a institutos que lhe protegem o bolso e ao sistema constitucional, que se vê ferido.
Não se tem como apurar o respeito ou não ao princípio da capacidade contributiva, pelo que, também por esse motivo, consideramos tal sistemática inconstitucional. A lição de Roque Antonio Carrazza, também a esse respeito, é lapidar: Do exposto, facilmente percebemos que, também por burla ao princípio da capacidade contributiva, são inconstitucionais os chamados impostos fixos, isto é, aqueles cujo montante é apontado pela lei, de modo invariável, sem qualquer preocupação com as condições pessoais do contribuinte.
É o caso, em certos Municípios, do ISS incidente sobre os serviços advocatícios, fixados, pela lei local, em X unidades (salários mínimos, unidades fiscais, valores de referência etc.) por ano, para cada advogado. Antes mesmo da ocorrência do fato imponível tributário, já se tem condições de saber o montante deste tributo, que será o mesmo, quer o profissional tenha uma banca florescente, quer esteja ensaiando os primeiros passos na profissão. Com isso, nestes Municípios, o ISS deixa de ter caráter pessoal, não sendo graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte. Manifesta inconstitucionalidade, porquanto o ISS deve necessariamente obedecer ao princípio em exame."
(BECHO, Renato.
Tributação das Cooperativas
. São Paulo: RT. 2019. item 3.7.1.).
2.31. Retributividade das taxas:
Nos termos do
art. 145, II da Constituição/88
, as taxas podem ser instituídas e cobradas em função da necessidade de custeio ou de serviços públicos, específicos e divisíveis, ou do exercício do poder de polícia, definido no
art. 78, do CTN/66
. A Lei Fundamental detalhou, tanto por isso, as hipóteses que podem ensejar a exigência de tal tributo. Ademais, segundo a Constituição, elas não podem ser instituídas com as mesmas bases de cálculo dos impostos.
"(...)
As taxas, a exemplo dos impostos, são tributos de competência comum da União, estados, Distrito Federal e municípios, genericamente previstas no artigo 145, inciso II da Constituição. O pressuposto para a exigência de tal espécie tributária é a utilização, efetiva ou potencial, de um serviço público específico e divisível, ou o regular exercício do poder de polícia
.
Trata-se, como se vê, de tributos que se encaixam na categoria dos “vinculados”, para utilizar a classificação forjada por Geraldo Ataliba. São, pois, exigidos em face da existência de uma contraprestação estatal específica: a prestação de serviço público ou o exercício do poder de polícia. Além disso, diferente da regra geral dos impostos, o destino da arrecadação é determinado: as receitas se prestarão a financiar a atuação estatal que justifica a incidência da taxa, seja ela a utilização, efetiva ou potencial, de um serviço público específico e divisível, seja o exercício regular de poder de polícia mediante estrutura montada para tanto, ainda que não ocorra a fiscalização efetiva.
Ainda de uma perspectiva geral, a base de cálculo das taxas deve guardar correlação com a atuação estatal e, assim, refletir o custo daquela. Tal afirmação decorre diretamente da assunção de que as taxas são tributos cujo fim único é financiar a atividade pública e, assim, calculá-las sobre montante superior ao custo da comodidade entregue ao contribuinte seria extrapolar sua finalidade, com a assunção de caráter nitidamente confiscatório. Nesse sentido, a jurisprudência é uníssona:
Taxa: correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal. A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do poder público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da CF. (ADI 2.551 MC-QO, rel. min. Celso de Mello, j. 2-4-2003, P, DJ de 20-4-2006).
Ainda sobre o tema da base de cálculo, o artigo 145, parágrafo 2º veda que as taxas possuam a mesma base de cálculo de impostos. Igual proibição já estava contida no Código Tributário Nacional, no artigo 77, parágrafo único. Ambos os dispositivos reforçam a necessidade de coerência entre a dimensão econômica sobre a qual incide o tributo e o comportamento respectivo que gera a incidência.
Apresentadas as características gerais das taxas, cumpre-nos tratar dos tipos específicos de taxa, com as discussões afetas a cada qual.
- Taxa pela utilização, efetiva ou potencial, de serviço público
Nos termos do artigo 145, inciso II da Constituição, União, estados, Distrito Federal e municípios poderão cobrar taxas pela “utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. A instituição se dará mediante lei ordinária pelo ente prestador do serviço público. No mesmo sentido, é a redação do caput do artigo 77 do Código Tributário Nacional.
Como se vê, portanto, no núcleo da hipótese de incidência de tais taxas está a utilização de um serviço público que seja específico e divisível. A utilização, nos termos dos dispositivos acima referidos, pode ser potencial ou efetiva. A compreensão de todos esses conceitos, pois, mostra-se fundamental para a análise dessa espécie tributária.
Sobre o tema, dispõe o artigo 79 do Código Tributário Nacional que os serviços serão específicos “quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade pública” (inciso II), ao passo em que serão divisíveis nos casos em que sejam “suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários” (inciso III).
Tais características reforçam o caráter sinalagmático das taxas: trata-se de contraprestações a serviços públicos direcionados a um certo conjunto de usuários, que possam ser identificados individualmente ou como grupo determinado, ao mesmo tempo em que é possível destacar as comodidades prestadas a cada qual. Trata-se, pois, de afastar o financiamento, via taxas, de serviços gerais e universais; ou seja, aqueles que atendem indistintamente a toda comunidade, cujo financiamento se dará, em regra, pela receita de impostos.
Como exemplos de serviços públicos específicos e divisíveis, cite-se o serviço de emissão de passaportes e aqueles prestados pelas serventias notariais e registrais. A tais comodidades se opõem os serviços de segurança pública, limpeza de logradouros públicos, iluminação pública e outros, que têm por objetivo beneficiar toda a comunidade e não um grupo determinado de indivíduos.
Especificamente sobre o serviço de iluminação pública, vale destacar tentativa de diversos municípios de criarem taxas para a remuneração de tal serviço. A impossibilidade é evidente, diante do caráter geral e universal do serviço: não é possível nem identificar os usuários por ele beneficiados, já que alcança não apenas os residentes de um determinado logradouro, mas toda a população que se utiliza das vias públicas, nem sequer destacar o montante de utilização do serviço por aqueles que dele se utilizam – como medir a quantidade de iluminação pública utilizada por um pedestre, morador ou veículo que passa pela rua?
A controvérsia foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade da taxa, diante da ausência das características próprias e necessárias para a criação de tal tributo. Tal entendimento resultou na publicação da
Súmula Vinculante 41: O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa
.
Não basta, contudo, a identificação de um serviço público específico e divisível para que haja a cobrança de uma taxa. O comportamento que desencadeia tal possibilidade é a utilização, efetiva ou potencial, serviço público específico e divisível.
Ainda nos termos do
art. 79 do Código Tributário Nacional, consideram-se efetivamente utilizados pelo contribuinte os serviços públicos que sejam “por ele usufruídos a qualquer título” (inciso I, alínea a), situação, portanto, em que o usuário utiliza o serviço diretamente
. Como exemplo, cite-se, novamente, o serviço público de emissão de passaporte: nesse caso, o cidadão paga uma taxa pela emissão do documento (serviço público específico e divisível) e o faz apenas diante da requisição apresentada à Polícia Federal. Utiliza-se, pois, efetivamente do serviço em comento.
Já a cobrança de taxa pela mera utilização potencial do serviço público faz-se presente apenas nas situações em que a utilização do serviço público seja compulsória: nessas hipóteses, o simples fato de o serviço estar “à disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento
” seria suficiente para a cobrança da exação (inciso I, alínea b). O objetivo, aqui, é possibilitar o financiamento de necessidades públicas cuja infraestrutura se encontra à disposição do usuário mesmo que ele não a utilize efetivamente. A utilização compulsória do serviço se dá por razões de ordem pública.
Exemplo clássico dessa possibilidade é a taxa do lixo, que tem por pressuposto a utilização, efetiva ou potencial, de serviço de coleta de resíduos sólidos. Por razões de saúde pública, o descarte desses resíduos não pode ser realizado de outro modo senão pela utilização do serviço prestado pelas prefeituras. Trata-se, então, de serviço público cuja utilização é compulsória. Sendo assim, é possível a cobrança de taxa simplesmente pelo fato de tal serviço estar à disposição do usuário. Ou seja, ainda que uma determinada residência esteja desocupada e, assim, não faça uso efetivo desse serviço, caso haja lei municipal prevendo a exação, ela será devida em razão da existência de infraestrutura que assegura tal comodidade à população. Sobre a taxa do lixo, inclusive, cumpre tecer algumas considerações adicionais." (PISCITELLI,
Tathiane.
Curso de Direito Tributário.
SP: RT. 2022, item 5.2.1.0).
Ademais,
"
As taxas, como se sabe, são espécies tributárias cuja instituição e cobrança estão vinculadas à observância do regime constitucional tributário, com todas as garantias que lhe são inerentes. Já os preços públicos são receitas que decorrem da atuação estatal como agente privado e, assim, resultam não de um poder de imposição entre Estado e particular, como no caso das taxas, mas sim, de uma relação de coordenação entre eles, regida pela autonomia da vontade
. A despeito da diferença evidente de regimes jurídicos, não raro há confusão entre os conceitos em razão da semelhança da estrutura formal da relação jurídica presente quando se trata de examinar contraprestações já que, em ambos os casos, tem-se a prestação de um serviço público. O debate é antigo e foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal antes mesmo da Constituição de 1988. Na ocasião, o Tribunal aprovou a Súmula 545, que dispõe que “preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu. Como se vê da redação do enunciado, seriam dois os critérios para diferençar as taxas dos preços públicos: o primeiro seria a compulsoriedade, caraterística presente nas taxas, porque tributos, e ausentes nos preços públicos, porque prestações decorrentes da atuação do Estado como ente privado; o segundo seria a necessária observância, pelas taxas, do já não mais existente “princípio da anualidade”. Tratava-se, aqui, de comando previsto no artigo 150, parágrafo 29 da Carta de 1967, que condicionava a cobrança de tributos no exercício seguinte não apenas à observância da lei, mas, também, à prévia autorização orçamentária. Ausente, na Constituição de 1988, o princípio da anualidade, resta-nos analisar o requisito da compulsoriedade constante da súmula acima transcrita.
Nos termos do artigo 3º do Código Tributário Nacional, tributo é prestação pecuniária compulsória e, assim, objeto de uma relação jurídica que se forma entre Estado e particular e na qual o particular ingressa em razão da prática do comportamento previsto em lei como suficiente para gerar a incidência da exação. Não há espaço, portanto, para autonomia da vontade. Daí porque, se afirma que a obrigação tributária é ex lege: decorre de lei, sem que a manifestação de vontade do sujeito passivo seja relevante para sua existência e exigibilidade.Nesse sentido, então, que devemos interpretar a “compulsoriedade” que acompanha as taxas: não se trata, como uma leitura apressada pode sugerir, da compulsoriedade do pagamento como condição isolada, mas, sim, do fato de que a autonomia da vontade do particular não tem lugar quando estamos diante de tributo
. O ingresso na relação jurídica é obrigatório, à luz da realização da conduta prevista no antecedente da norma de tributação. Essa mesma compulsoriedade não se faz presente no caso dos preços públicos: tratando-se de contraprestação típica de direito privado, é escolha do particular o ingresso, ou não, na relação jurídica que tem o preço público por objeto. Um exemplo seria útil para ilustrar. Tome-se a situação relativa à taxa de emissão de passaportes. Caso o particular queira ver emitido tal documento, ele não possui escolha senão requerer a prestação do serviço perante a autoridade competente, mediante o pagamento da taxa respectiva. A única forma de obter essa comodidade (emissão do passaporte) é pelo acesso a esse serviço público específico e divisível prestado pela Polícia Federal. O mesmo, no entanto, não ocorre com o serviço de transporte público. A comodidade pretendida na hipótese é sair do ponto A e chegar no ponto B; desiderato que pode ser atingido seja pela utilização de transporte público viário, seja pelo uso de uma bicicleta, seja pela utilização de um veículo particular. Sendo assim, a contraprestação exigida pelo uso do transporte público viário jamais poderia ser uma taxa: nesse caso, a compulsoriedade quanto ao uso do serviço público não se faz presente; tal uso decorre, essencialmente, do exercício da autonomia de vontade do particular."
(PISCITELLI,
Tathiane.
Obra citada.
item 5.2.1.0).
Além disso,
"outra questão frequente se coloca nesse contexto: e os pedágios? São taxas ou preços públicos? Nos termos do artigo 150, inciso V da Constituição, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. A redação do dispositivo não deixa dúvidas: o legislador constitucional incluiu o pedágio dentro da categoria geral de tributos, uma vez que excepciona esse tipo de prestação do princípio geral da limitação ao tráfego de pessoas e bens por meio de tributos.
Ainda segundo a interpretação constitucional, sendo o pedágio tributo, será ele da espécie “taxa de serviço público”, já que será exigido em função da “utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. A despeito do texto da Constituição, porém, deve-se destacar que o simples fato de uma contraprestação ser denominada “pedágio” não lhe confere, automaticamente, o status de tributo. A denominação legal, nos termos do artigo 4º, inciso I do Código Tributário Nacional, não é elemento suficiente para definir a natureza jurídica de uma contraprestação. Dessa forma, somente teremos “pedágio tributo” se o caráter compulsório da utilização do serviço de conservação de vias públicas estiver presente. Por fim, para encerrar o debate, cumpre retomar a questão já analisada no Capítulo 03 por ocasião do estudo da imunidade recíproca: a natureza jurídica dos emolumentos notarias e registrais
. Conforme tratado anteriormente, tais valores possuem natureza jurídica de taxa. Nesse caso, a ausência de autonomia do particular é evidente: a única forma de obter a comodidade proporcionada pelas serventias (registro de imóveis, reconhecimento de firmas, autenticação de documentos) é pelo acesso a elas próprias, mediante o pagamento do valor de emolumento fixado em lei. Não há alternativa ou autonomia do cidadão no presente caso. Nesse sentido, confira-se trecho do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.694, apenas um dos precedentes que firmam tal posição: II. Custas e emolumentos: serventias judiciais e extrajudiciais: natureza jurídica. É da jurisprudência do Tribunal que as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais têm caráter tributário de taxa. III. Lei tributária: prazo nonagesimal. Uma vez que o caso trata de taxas, devem observar-se as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre essas, a prevista no art. 150, III, c, com a redação dada pela EC 42/03 – prazo nonagesimal para que a lei tributária se torne eficaz. A despeito disso, porém, o Supremo Tribunal Federal negou o reconhecimento da imunidade recíproca nessas hipóteses, por considerar que a atividade das serventias era realizada com finalidade lucrativa – o que, por óbvio não guarda coerência com a natureza jurídica de taxa da contraprestação."
(PISCITELLI,
Tathiane.
Obra citada
, item 5.2.1.2).
Acrescento que,
"
Ao lado das taxas de serviço público, compete à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios a criação de taxas pelo exercício do poder de polícia. Trata-se, aqui, de financiar as atividades de fiscalização realizadas no âmbito das respectivas jurisdições e necessárias à preservação do interesse público
. O conceito de “poder de polícia” está definido no artigo 78 do Código Tributário Nacional, cuja redação dispõe: Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos."
(PISCITELLI,
Tathiane.
Obra citada.
item 5.2.1.0).
Nos termos do art. 77 do Código Tributário Nacional/66, a taxa deve ser exigida em função do exercício regular do poder de polícia. Nos termos do parágrafo único do artigo 78, tal exercício será considerado válido quando seja desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
"Não há que se falar em cobrança de taxa dessa natureza em razão de potencial fiscalização ou restrição das atividades do particular em abstrato: o exercício do poder de polícia deve ser efetivo. Esse ponto, em específico, foi objeto de controvérsia nos tribunais superiores. Nos termos da compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a existência, em si, do órgão fiscalizador, não seria requisito fundamental para viabilizar a cobrança da taxa, nem sequer a fiscalização in loco. De acordo com o Tribunal, o fundamental é a existência de estrutura administrativa para fiscalizar, sendo a existência do órgão apenas um dos elementos para se inferir o efetivo exercício do poder de polícia. Por fim, no mesmo sentido das taxas decorrentes da utilização de serviços públicos específicos e divisíveis, a base de cálculo das taxas cobradas pelo exercício do poder de polícia deve refletir o custo da atuação estatal, sob pena de assumirem caráter confiscatório e se revelarem ofensivas ao princípio da capacidade contributiva. Nesse sentido, é a postura consolidada do Supremo Tribunal Federal. Sobre o tema, confira-se, por todos, trecho da emenda da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6211."
(PISCITELLI,
T.
Obra cit..
item 5.2.2).
Atente-se para o seguinte julgado do STF:
"(...) É legítima a inserção da energia elétrica gerada como elemento de quantificação da obrigação tributária.
Razoável concluir que quanto maior a energia elétrica gerada por aquele que explora recursos energéticos, maior pode ser o impacto social e ambiental do empreendimento, e, portanto, maior também deve ser o grau de controle e fiscalização do Poder Público
. 4.
No entanto, os valores de grandeza fixados pela lei estadual (1 megawatt-hora) em conjunto com o critério da energia elétrica gerada fazem com que o tributo exceda desproporcionalmente o custo da atividade estatal de fiscalização, violando o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício, que deve ser aplicado às taxas
. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. Fixação da seguinte tese: Viola o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício, a instituição de taxa de polícia ambiental que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização (Destaques não contidos no original). .ADI 5489, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 11-03-2021 PUBLIC 12-03-2021.
Destaque-se ainda que
"
A proporcionalidade tributária não deve ser equiparada à progressividade. Esta trata do aumento percentual equivalente realizado entre base cálculo e alíquota, ao cuidar de importante dimensão da ordem tributária, qual seja, a constante no princípio da generalidade
. Por sua vez, a proporcionalidade considerada de maneira estrita no campo tributário faz com que pessoas com diferentes capacidades contributivas paguem tributos com a mesma alíquota. Ao desconsiderar a capacidade econômica dos sujeitos, inscreve números que conduzem pessoas com capacidades contributivas díspares a pagar em proporção o mesmo imposto. Se isso passa pelo teste da igualdade formal, pode gerar paradoxos como na simples conta de atribuição de 10% na base de cálculo em que quem ganha 10 paga 1 e quem ganha 100 paga 10. Não há dúvidas que, em tal cenário, aquele que possui menos é mais sacrificado e que, ausente a progressividade, pode-se recair em flagrante injustiça substantiva."
(LORENZETTO, Bruno; SCHAITZA, Letticia. 37. Tese É constitucional a emenda constitucional 29, de 2000, no que estabeleceu a possibilidade de previsão legal de alíquotas progressivas para o IPTU de acordo com o valor do imóvel
in
CLÈVE, Clèmerson; KENICKE, Pedro. Teses Jurídicas dos Tribunais Superiores: Direito Constitucional. SP: RT. 2017).
2.32. Progressividade da TCFA:
Como registrei acima, a TFA - taxa de fiscalização ambiental fora criada por força do art. 8º da lei 9960/2000, preconizando que ela seria seria devida por força do efetivo exercício de atividades relacionadas no art. 17, II da lei 6.938, de 31 agosto de 1981
. O STF deferiu tutela de urgência, em 29 de março de 2000, ao apreciar o pedido de medida cautelar na
ADI 2178-MC
, suspendendo a aplicação da norma do referido art. 8. Contudo, a ação direta de inconstitucionalidade não chegou a ser apreciada, em definitivo, por conta da superveniente publicação da lei n. 10.165, de 27 de dezembro de 2000, cujo art. 1º criou a taxa de controle e fiscalização ambiental.
Na sequência, o STF reputou que essa
lei 10.165/2000
estaria em conformidade com a Constituição, quanto aos pontos discutidos nos recursos que lá aportaram, a exemplo do
RE 416.601-1/DF
, rel. Min. Carlos Velloso. O Supremo reputou que aludido tributo teria a compleição jurídica de taxa. Repiso, contudo, que os Tribunais já chegaram a decidir que a TCFA deveria ser considerada uma espécie de contribuição de intervenção econômica:
TRIBUTÁRIO. LEI 10.165/00. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO.EMPRESA INCLUÍDA NO SIMPLES. LEI 9.317/96, ART. 3º, § 4º. 1.
A TCFA não se enquadra nos conceitos de taxa e de imposto, ajustando-se, à luz dos preceitos tributários e constitucionais, à categoria de contribuição especial de intervenção no domínio econômico, cuja finalidade é custear a atividade realizada pelo IBAMA na defesa do meio ambiente, de acordo com o quanto insculpido no art. 170, VI, da Constituição Federal. 2. A descrição nominal do tributo é despicienda para a sua qualificação, devendo-se ater o julgador na regra hermenêutica contida no art. 4º, I, do Código Tributário Nacional. 3. Constituindo-se a TCFA em uma contribuição de intervenção no domínio econômico e em não havendo menção às contribuições de intervenção nos dispositivos que estabelecem quais os tributos são ou não abarcados pelo SIMPLES, insere-se a TCFA nas contribuições em relação às quais há dispensa de recolhimento para as empresas incluídas no Sistema Integrado de Recolhimento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte, tendo em vista o comando insculpido no § 4º do art. 3º da Lei n.º 9.317/96. 4. Remessa oficial improvida
. (TRF-4 - REO: 6411 SC 2003.72.04.006411-2, Relator: WELLINGTON MENDES DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 10/08/2005, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24/08/2005 PÁGINA: 702)
Aludido entendimento foi superado, porém, por conta da consolidação da tese de que se cuidaria de uma taxa, na forma do
art. 145, II, Constituição Federal/1988
.
EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA). TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. 1.
Segundo o pronunciamento do STF, a TCFA classifica-se no conceito de taxa, restando superado, portanto, o entendimento desta Corte que a enquadrava na categoria de contribuição de intervenção no domínio econômico
. 2. Segundo a sistemática da Lei nº 6.938/1981, as pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais, mencionadas no anexo VIII da Lei, são obrigadas a se cadastrar junto ao IBAMA e, uma vez incluídas no Cadastro, tornam-se contribuintes da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, que devem recolher na data e nos valores fixados pela Lei. 3. Inexistindo o pagamento da TCFA por parte do sujeito passivo no prazo legal, tem a Autoridade fiscal o prazo de 5 anos para constituir o crédito tributário, nos termos do art. 173, I, do CTN. 4. Considerando que a prescrição teve início em 19.08.2004 e tendo em vista que a execução fiscal foi ajuizada em 28.08.2009, percebe-se que, quando do próprio ajuizamento dos autos executivos, já havia transcorrido lapso superior a 5 anos, razão pela qual se faz necessário o reconhecimento da prescrição em relação à CDA que fundamenta este feito. 5. O prazo suspensivo de 180 dias previsto no art. 2º, § 3º, da Lei nº 6.830/80 só é aplicável à execução fiscal da dívida não-tributária, o que não é o caso. 6. Apelação improvida. (TRF-4 - AC: 50001186920114047011 PR 5000118-69.2011.4.04.7011, Relator: FRANCISCO DONIZETE GOMES, Data de Julgamento: 17/07/2013, PRIMEIRA TURMA)
No que diz respeito à base de cálculo, acrescento que
"
Para o cálculo do valor da taxa, segundo o anexo IX da lei, é levado em consideração o potencial de poluição da atividade ou o grau de utilização do recurso natural (pequeno, médio ou alto, definidos no Anexo VIII) e o porte do contribuinte (microempresa, empresa de pequeno, médio ou grande porte, definidos no art. 17-D)
. Um dispositivo que tem sido interpretado erroneamente pelos sujeitos passivos da TCFA é o art. 17-P, que autoriza a compensação de até sessenta por cento do valor lançado pelo IBAMA diante da comprovação do pagamento de taxa de fiscalização ambiental ao Estado, ao Município ou ao Distrito Federal. Comumente tem sido confundido o valor pago a título do licenciamento ambiental realizado pelo órgão estadual de meio ambiente (LP, LI e LO) ou mesmo o Alvará de Funcionamento emitido pelo Município que não tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. Nesse sentido, é muito claro o citado artigo, ao estabelecer: Art. 17-P. (…) § 1º Valores recolhidos ao Estado, ao Município e ao Distrito Federal a qualquer outro título, tais como taxas ou preços públicos de licenciamento e venda de produtos, não constituem crédito para compensação com a TCFA. Tratando-se de uma taxa, sujeita ao regime do direito tributário e prevista em norma específica, as disposições do Decreto 6.514/08 não se aplicam à Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA."
(TRENNEPOHL, Curt; TRENNEPOHL, Terence; TRENNEPOHL, Natascha. I
nfrações Ambientais: Comentários ao Decreto 6.514/2008.
São Paulo: RT. 2022. item 3.25.)
Menciono ainda o seguinte:
TRIBUTÁRIO. TCFA. FATO GERADOR. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA OU UTILIZADORA DE RECURSOS NATURAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NÃO CABIMENTO DA COBRANÇA DA TCFA. CONCESSIONÁRIA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. INDISPENSABILIDADE DO PAGAMENTO. 1- A mera inscrição da empresa no Cadastro Técnico Federal do IBAMA não autoriza a cobrança da TCFA, sendo necessária a efetiva ocorrência do fato gerador do tributo. 2 - O "comprovante de inscrição e de situação cadastral da autora" apresentado pelo IBAMA indica as atividades principal e secundárias da empresa, compatíveis com o desenvolvimento de atividades potencialmente poluidoras. 3- O fato gerador da TCFA é o exercício do poder de polícia pelo IBAMA sobre as atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais, relacionadas no Anexo VIII da Lei nº 6.938/1981 (art. 17-B do referido diploma), alterada pela Lei nº 10.165/2000. Diante disso, o sujeito que não desenvolve quaisquer das atividades arroladas no referido anexo não se qualifica como contribuinte do tributo (art. 17-C da Lei nº 6.938/1981). 4- O serviço de troca de óleo lubrificante foi dispensado da cobrança de TCFA nas IN 05/2014 e 06/2016 do IBAMA. Tais previsões foram alteradas pela IN 11/2018, a qual introduziu a atividade de 'Depósito de produtos químicos e produtos perigosos" (Código 18-80), no qual se enquadra a atividade da impetrante. Apelação improvida. (TRF-4 - AC: 50759506320194047000, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 07/12/2022, PRIMEIRA TURMA)
Logo, deve-se ter em conta, em princípio, para apuração do valor devido a título de TCFA, o porte econômico da empresa e o potencial poluidor e utilizador de recursos naturais
(PPGU) respectivo.
2.33. Devido processo administrativo:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due
process
of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do STF.
Transcrevo, por oportuno, o art. 5º, LIV e LV da Lei Fundamental/88:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV -
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du
process
, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980):
o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação
. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO.
Obra.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade
. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.34. D
ecadência
tributária - lançamento tributário:
Nelson Nery Jr. explicita que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JR.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Como sabido, o CTN estipula marcos peremptórios para a efetivação do lançamento, sobremodo quando em causa tributos submetidos ao pagamento antecipado à conferência estatal, impropriamente chamado de lançamento por homologação. Com efeito, o art. 150, §4º, CTN, dispõe que "
Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação
."
Daí o relevo da análise de José Souto Maior Borges, quando sustenta o que segue:
"Abstraída, para simplificação expositiva, a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, podem ser discriminadas basicamente as seguintes situações jurídicas relacionadas com a atividade do sujeito passivo prévia à homologação:
a) o sujeito passivo paga integralmente o tributo devido;
b) o sujeito passivo paga tributo totalmente indevido;
c) o sujeito passivo paga o tributo com insuficiência;
d) o sujeito passivo paga tributo maior que o devido;
e) o sujeito passivo não paga tributo devido.
Para se evitar equívocos nessa matéria, tão eriçada de dificuldades, deve-se salientar que, consoante demonstrado, a homologação pelo Fisco é da atividade do sujeito passivo, não necessariamente do pagamento. Assim sendo, nos impostos não cumulativos, tais como o ICMS e o IPI, pode perfeitamente ser homologada atividade da qual não resulte pagamento de tributo.
Ora, em qualquer uma dessas hipóteses, o Código tributário Nacional atribui a eficácia de algo acontecido a algo que concretamente não ocorreu - o lançamento. A chamada homologação tácita nada mais significa senão uma deformação da realidade fática - a situação jurídica subjacente a essa disciplina normativa.
Trata-se, pois, seja qual for, dentre aquelas, a situação-origem, de uma ficção do Direito tributário. É irrelevante que tenha havido ou não o pagamento, porque relevante é apenas o transcurso do prazo sem pronunciamento - di-lo o CTN - do Fisco.
São pressupostos de fato diferentes a efetiva e concreta realização da homologação e a omissão desse ato, dentro do quinquênio. Mas o Código tributário Nacional lhes atribui, sob esse prisma, os mesmos efeitos jurídicos. Logo, a hipótese é, desenganadamente, de ficção de Direito tributário.
Transcorrido o prazo de cinco anos, previsto no art. 150, §4º, não mais poderá o fisco lançar o tributo." (BORGES, José Souto Maior
. Lançamento tributário.
2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 399-400)
Por conseguinte, como bem enfatiza Souto Maior Borges, o efeito decadencial previsto no art. 150, §4º, CTN, impõe-se mesmo quando o contribuinte deixa de recolher tributo devido, nos 05 anos anteriores. Por seu turno, Eurico Marcos Diniz
de Santi
advoga tese pontualmente distinta:
"Regra da decadência do direito de lançar sem pagamento antecipado:
Essa regra apresenta na sua hipótese a seguinte combinação dos quatro primeiros critérios: não previsão de pagamento antecipado e, portanto, não ocorrência do pagamento antecipado; ou então previsão de pagamento antecipado, mas não ocorrência do pagamento antecipado. Não havendo pagamento antecipado, não ocorrência de dolo, fraude ou simulação, e não ocorrência da notificação por parte do Fisco.
Nessa configuração, o prazo decadencial é de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que tenha ocorrido o evento tributário (art. 173, I, CTN). Anote-se que a determinação do dies a quo desse prazo tem como pressuposto a constituição jurídica do fato tributário, no qual se identificará juridicamente o tempo no fato, que é, nesse caso, o marco temporal da ocorrência do mencionado evento.
O consequente normativo dessa regra ataca a competência administrativa de o Fisco produzir o ato-norma administrativo de lançamento tributário ou, o que é o mesmo, extingue o direito de a Fazenda Pública constituir o cr´3edito, na precisa dicção do caput do art. 173, CTN." (SANTI, Eurico Marcos Diniz de.
Decadência
e
prescrição
no Direito tributário.
4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 2011, p. 120)
Por mais que o tema ainda seja polêmico na doutrina tributária brasileira, esse entendimento de Eurico de Santi tem encontrado ressonância junto ao Superior Tribunal de Justiça, como bem ilustram os seguintes julgados REsp. 512840/SP, 2ª Turma, DJ 23.05.2005; EDcl no REsp. 947988, DJe 19.12.2008; Ag Rg no REsp. 790875, DJe 11.02.2009 e REsp. 989421, DJe 10.12.2008.
PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO - DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO - TERMO INICIAL - ARTIGO 173, I, DO CTN - APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4º, e 173, do CTN - IMPOSSIBILIDADE - REEXAME DE PROVAS: SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTE: REsp 973.733/SC. 1.
O prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito
. 2. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente demanda o reexame de provas. 3. Recursos especiais conhecidos e não providos. (RESP 200702134298, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:01/09/2010 ..DTPB:.)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ART. 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL - TCFA. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL PARA A CONSTITUIÇÃO E PRAZO PRESCRICIONAL PARA A COBRANÇA DA EXAÇÃO.1. Não há que se falar em violação do art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem se manifesta suficientemente sobre o tema, muito embora não tenha adotado as teses e os artigos de lei invocados pelas partes.2. O STJ já assentou que a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, prevista na Lei n. 6.938/81, sujeita-se a lançamento por homologação. Nessa sistemática, "[...] a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa [...]" (art. 150, caput, do CTN). Precedente: REsp 1241735/SC, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/04/2011, DJe 04/05/2011.3. Sendo assim, o pagamento do referido tributo deverá ocorrer antes da própria constituição do crédito tributário, isto é, a legislação (art. 17-G, da Lei n. 6.938/81) estabelece uma data de vencimento que antecede o ato de fiscalização da administração tributária.
4. Essa fiscalização posterior somente ensejará o lançamento do crédito tributário se o pagamento foi parcial (incompleto) ou se não houver pagamento em absoluto. Na primeira hipótese (pagamento parcial), a notificação ao contribuinte deverá se dar dentro do prazo decadencial de 5 (cinco) anos a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, do CTN).
Já na segunda hipótese (ausência completa de pagamento), a notificação ao contribuinte deverá ocorrer dentro do prazo decadencial de 5 (cinco) anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado
(art. 173, I, do CTN). Precedentes: REsp 1241735/SC, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/04/2011, DJe 04/05/2011; REsp. Nº 973.733 - SC, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.8.2009.
5. Notificado o contribuinte para pagar os valores faltantes ou se defender, dá-se a constituição definitiva do crédito tributário, o que inaugura o prazo prescricional para a sua cobrança (art. 174, do CTN), salvo em ocorrendo quaisquer das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, do CTN) ou interrupção do lustro prescricional (art. 174, parágrafo único, do CTN).6. No caso concreto, o débito de TCFA vencido em 30.12.2003 e não pago em absoluto foi notificado ao sujeito passivo em 04.08.2008, sendo que o prazo decadencial se findaria, na pior das hipóteses, em 01.01.2009 (cinco anos após o primeiro dia do exercício seguinte ao exercício de 2003 - art. 173, I, do CTN), não tendo, pois, ocorrido a decadência.7. Constituído o crédito tributário em 04.08.2008, na pior das hipóteses, a Administração Fazendária tinha até o dia 04.08.2013 para ajuizar a execução (cinco anos a contar da constituição definitiva). Sem deixar de observar que o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição de forma retroativa à data da propositura da ação (itens "14" e "15" do citado recurso representativo da controvérsia REsp. Nº 1.120.295 - SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.5.2010). Portanto, não ocorreu também a prescrição.8. Recurso especial parcialmente provido." (STJ, REsp 1259634 / SC, rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, T2 - SEGUNDA TURMA, DJe 19/09/2011 - grifei)
2.35.
Prescrição da pretensão de cobrança:
Atente-se para a lição de Nelson Nery Jr.:
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada.
"
(NERY JÚNIOR, N.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Ao contrário do que ocorre com a decadência, a prescrição tributária diz respeito à pretensão decorrente do lançamento. O prazo de 05 anos, previsto no CTN - art. 174 - deve ser computado a partir do esgotamento do processo administrativo. Segue:
"A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor."
"Na regra da prescrição do direito do Fisco com constituição do crédito pelo contribuinte e com suspensão da exigibilidade e na regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento e com suspensão da exigibilidade, a suspensão da exigibilidade se dá em momento anterior ao vencimento do prazo para pagamento do crédito e, por isso, desloca o dies a quo dos prazos prescricionais para o momento da supressão da causa suspensiva.
Com relação aos casos em que a suspensão da exigibilidade ocorre em momento posterior ao vencimento do prazo para pagamento do crédito, aplicam-se outras regras: a regra da prescrição do direito do Fisco com constituição do crédito pelo contribuinte e a regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento. Essa suspensão da exigibilidade será configurada (i) pela moratória, que recebeu disciplina expressa a esse respeito, ex vi do parágrafo único, art. 155, CTN; (ii) pelo depósito do montante integral do crédito tributário; ou (iii) pela concessão de medida liminar em mandado de segurança, nos termos do art. 151, CTN.
Assim, estando o prazo prescricional já em curso, a realização de qualquer das aludidas hipóteses suspensivas tornará o crédito inexigível, de tal forma que naõ se poderá qualificar a conduta do Fisco como omissiva até que desapareça a cláusula suspensiva. Consequentemente, também a contagem do prazo de prescrição rsetará suspensa durante o período em que se suceder a suspensão da exigibilidade do crédito, sendo retomada com a supressão da causa suspensiva
." (SANTI, Eurico Marcos Diniz de.
Decadência e prescrição no Direito tributário.
4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 2011, p. 162-163)
A título de exemplo, atente-se para o que transcrevo abaixo:
"TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ENTENDIMENTO FIXADO NA ORIGEM COM BASE NO CONTEXTO FÁTICO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representa ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, parágrafo único, inciso IV, do CTN
. 2. O acórdão recorrido delineou a controvérsia dentro do universo fático-comprobatório, ao afirmar que não ocorreu a interrupção do lapso prescricional, haja vista que não ficou provada a ocorrência de parcelamento. Caso em que não há como aferir eventual violação dos dispositivos infraconstitucionais alegados sem que as provas sejam abertas ao reexame. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 553001 PR 2014/0181566-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 16/09/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/09/2014)"
2.36.
Protesto
de CDA:
Com a redação veiculada pela lei 12.767/2012, o art. 1º da lei 9.492/1997 dispõe que
"
Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida
. Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas."
Prima facie,
aludida medida poderia se revelar desnecessária, diante das prerrogativas reconhecidas à Administração Pública, quando em causa o lançamento e cobrança de tributos. De toda sorte, ao apreciar a ADIN n. 5135, a Suprema Corte concluiu, em 09 de novembro de 2016, que
"
O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política
."
Atente-se, ademais, para os seguintes julgados:
RECURSO DE APELAÇÃO. DÍVIDA ATIVA. PROTESTO DE CDA. 1.
O protesto não está limitado aos títulos de crédito, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiais para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida"
. 2. Não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. 3. A Lei das Execuções Fiscais não desautoriza a instituição ou utilização de mecanismos de cobrança extrajudicial. 4. Recurso de apelação não provido. (Ap 00266714920154036100, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. AÇÃO DECLARATÓRIA. PROTESTO DE CDA. LEGITIMIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A decisão ora agravada, prolatada em consonância com o permissivo legal, encontra-se supedaneada em jurisprudência consolidada do C. Supremo Tribunal Federal, inclusive quanto aos pontos impugnados no presente recurso. 2.
O E. Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 09.11.2016, julgou improcedente a ADIN nº 5135, para, por maioria, fixar a tese de que "o protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política
". 3. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida. 4. Agravo interno improvido. (AC 00197021820154036100, DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Em princípio, por conseguinte, no rastro dos precedentes do STF e outros tribunais, o protesto de dívidas fiscais não se revela, em si, inválido. A autora sustentou, todavia, que se cuidaria de protesto de débitos cuja cobrança seria indevida, dado que não seria sujeito passivo da relação tributária, questão a ser apreciada adiante.
2.37. Inscrição em cadastro de inadimplentes:
D'outro tanto, segundo a jurisprudência predominante, a inibição do lançamento, no CADIN, do nome do interessado, pressupõe a realização do aludido depósito, por força do disposto no art. 7º, I, da lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002:
"Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que: I - tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei."
Referido diploma deve ser aferido com cautelas, sabe-se bem. Afinal de contas, o poder geral de tutela, na temática civil, é projeção do art. 5º, XXXV, CF. Importa dizer: a Constituição exige um processo efetivo e, tanto por isso, a lei infraconstitucional não pode restringir demasiadamente a concessão de provimentos de urgência. Tanto por isso, em princípio, a lei infraconstitucional não poderia instituir uma espécie de
solve et repet,
de modo que a inibição de condutas lesivas fique na dependência do depósito em juízo.
De toda sorte, convém ter em conta que essa obrigatoriedade de contracautelas também se encontra prevista no art. 50, §1º, da lei n. 10.931/2001 (quanto à pretensão à revisão de contratos imobiliários), enquanto que a lei n. 13.105/2015 facultou ao Poder Judiciário condicionar a concessão do provimento de urgência à oferta de caução (art. 300, §1º, CPC). Acrescento que, ao apreciar o REsp 1137497/CE, com caráter repetivivo, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a mera discussão judicial da dívida não autorizaria a suspensão do registro no CADIN, sendo necessária a garantia idônea e suficiente do Juízo ou que a exigibilidade do crédito esteja suspensa por algum outro motivo.
Reporto-me também aos seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. RECUSA. BEM SITUADO EM OUTRO ESTADO. CADIN. EXCLUSÃO DO NOME DO CADASTRO. 1. Mostra-se justificada a recusa do devedor considerando-se que o bem oferecido não representa efetiva garantia dos créditos exeqüendos, uma vez que o imóvel situa-se em outro Estado da federação. 2. Nos casos em que os contribuintes pleiteiam a exclusão de seu nome dos registros do CADIN, devem ser observados os requisitos de suspensão previstos no art. 7º da Lei nº 10.522/02, como o oferecimento de caução idônea ao juízo ou o depósito judicial dos valores contestados.
(AG 00088123320104040000, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
PROCESSUAL CIVIL. CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CADIN. AFASTAMENTO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO FUNDADA NA APARÊNCIA DO BOM DIREITO. DEPÓSITO DE CAUÇÃO IDÔNEA. RESP. Nº 1.063.530/RS. . O simples ajuizamento de ação ou a mera existência de demanda judicial não autoriza o afastamento da parte requerente dos cadastros restritivos de crédito. . A liberação da inscrição nos cadastros restritivos de crédito respeita os seguintes requisitos, cumulativamente: (a) que a ação ajuizada pelo interessado seja fundada em questionamento integral ou parcial do débito; (b) que haja demonstração de que o questionamento à cobrança supostamente indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; e, (c) existência de depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.
(AC 200770060024893, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 10/03/2010.)
PROCESSUAL CIVIL. CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CADIN. AFASTAMENTO. RESSARCIMENTO AO SUS. AJUIZAMENTO DE AÇÃO. DEPÓSITO DE CAUÇÃO IDÔNEA. GARANTIA AO JUÍZO. . O simples ajuizamento de ação ou a mera existência de demanda judicial não autoriza o afastamento da parte requerente dos cadastros restritivos de crédito. . A liberação da inscrição nos cadastros restritivos de crédito condiciona-se ao depósito de caução idônea ou garantia ao juízo pela parte requerente. . Inteligência do art. 7º, I, da Lei nº 10.522 /2002. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. . Agravo de instrumento improvido.
(AG 200904000133210, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 23/09/2009.)
2.38.
Suspensão da exigibilidade do tributo:
Sabe-se que há uma graduação da efetividade da obrigação juridico-tributária. A prática de comportamentos ou a consumação de fatos jurídico-tributários dá origem à obrigação de pagar determinados tributos em um dado prazo, com uma determinada alíquota e base de cálculo. Com isso, surge a dívida. Vencido o prazo de pagamento, a dívida torna-se vencida. Para que o Fisco possa cobrar aludido crédito, impõe-se que promova o lançamento de revisão, previsto no art. 150, §4, CTN - quanto aos tributos submetidos ao lançamento por homologação -, e art. 142, CTN. A execução depende da inscrição em dívida ativa etc
Com efeito,
"Exigibilidade. Surgimento. O crédito tributário, uma vez constituído pelo lançamento, é - por definição - líquido e certo. A exigibilidade surgirá com o inadimplemento no prazo legal."
(PAULSEN, Leandro.
Direito tributário:
constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 6ª ed., Livraria do advogado, p. 1013.
"
O crédito tributário passa por diferentes momentos de eficácia: crédito simplesmente constituído (pela ocorrência do fato gerador) torna-se crédito exigível (pelo lançamento notificado ou pela decisão administrativa definitiva) e finalmente, crédito exeqüível (pela inscrição nos livros da dívida ativa), dotado de liquidez e certeza
."
(TORRES, Ricardo Lobo.
Curso de direito financeiro e tributário.
14. ed., Rio de Janeiro: Renovar. p. 273)
Ademais,
"a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nas palavras do Código, ou da relação jurídica tributária e, mais especificamente, do objeto dessa relação, tal como adotaremos neste capítulo, tem por efeito impossibilitar que a administração tributária proceda a quaisquer atos de cobrança em face do sujeito passivo. Trata-se, nesse sentido, de suspensão da eficácia técnica da norma de tributação que, devidamente constituída, não poderá incidir enquanto tiver vigência a hipótese de suspensão. Explica-se melhor. Tome-se como exemplo a apresentação de defesa administrativa em face de lançamento de ofício. Nos termos do artigo 151, inciso III do Código Tributário Nacional, trata-se de causa de suspensão da exigibilidade. Um olhar mais atento aponta para o fato de que a apresentação de tal defesa resulta na introdução de norma individual e concreta no ordenamento jurídico, em cujo antecedente constará o fato de o sujeito passivo ter apresentado defesa administrativa ao lançamento. Como consequência inexorável deste fato, tem-se a constituição de relação jurídica que proíbe o ente tributante (agora, no papel de sujeito passivo) de exigir o crédito tributário, dada a suspensão de sua exigibilidade."
(PISCITELLI, Tathiane.
Curso de Direito Tributário.
São Paulo: RT. 2022, tópico 11).
Acrescente-se, de todo modo, que o Juízo pode e deve suspender a exigibilidade dos tributos, mediante antecipação de tutela, sempre que restarem preenchidos os requisitos previstos no art. 300, CPC e art. 151, CTN. Note-se que a antecipação de tutela é causa autônoma da suspensão, conquanto o Juízo possa condicioná-la à apresentação de cauções, conforme art. 300, §1, CPC/15.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO. TUTELA ANTECIPADA. CAUSA AUTÔNOMA. GARANTIA DO JUÍZO. DESNECESSIDADE. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3). 2.
A concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em demanda judicial é causa autônoma para a suspensão da exigibilidade do crédito, na forma do art. 151, V, do CTN
. 3. A legislação tributária não impõe nenhuma outra condição ao deferimento da referida suspensão da exigibilidade, senão o próprio atendimento dos pressupostos da tutela de urgência, não sendo possível restringir o alcance da norma complementar ao cumprimento de exigência estabelecida em lei ordinária para a atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução. 4. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp: 1288110 PR 2018/0103865-1, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 21/09/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/10/2020)
2.39. Eventual efetivação de depósito:
Como sabido, é direito do contribuinte promover depósito suspensivo da exigibilidade do tributo, na forma do art. 151, CTN.
“
O depósito do montante integral com o fim de suspender a exigibilidade é direito do contribuinte
(REsp 962.838/BA, Primeira Seção). É, portanto, facultativo e prescinde de autorização judicial, podendo ser realizado em qualquer ação antiexacional AgRg no REsp 835.067/SP Segunda Turma). Para que tenha efeito, bastam a comprovação nos autos judiciais e a comunicação desse ato à Fazenda pelo Estado Juiz ou mesmo pelo próprio Contribuinte."
(SEEFELDER, Claudio; CAMPOS, Rogério.
Constituição e Código Tributário Comentados.
São Paulo: RT. 2020).
Segundo o STJ,
"
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o depósito de que trata o art. 151 , II , do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo
. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação ( AgRg no REsp 517937/PE , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 17/6/2009)"
(STJ - REsp: 1691774 SP 2017/0202085-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/10/2017, T2 - 2. TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
Para surtir o efeito de suspender a exigibilidade do tributo, aludido depósito deve ser promovido com atenção à
súmula 112, STJ
. Os valores deverão permanecer, então, regidos em conta vinculada ao processo, corrigidos conforme variação da taxa SELIC, conforme
art. 1, da lei n. 9.703/1998
, regra especial se confrontada com o art. 14 da lei n. 9.289/1996, que impõe a adoção da taxa referencial como fator de correção dos depósitos promovidos em juízo. Menciono ainda a
lei 14.973, de 16 de setembro de 2024,
que tratou do tema dos depósitos judiciais nos arts. 35 e ss.
Em tal hipótese, caso, ao final, a pretensão do contribuinte venha a ser julgada improcedente, os valores devem ser convertidos em renda da demandada, com imputação em pagamento nas obrigações tributárias controvertidas, confomre art. 156, VI, CTN e demais normas do direito tributário, específicas se confrontadas com o direito civil - art. 354, CC.
Atente-se para os seguintes julgados:
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL.
TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151,
II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.
1.
Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro
lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do
tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por
entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o
depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito,
aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo
contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art.
150, § 4º, do CTN.
2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se
constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira
Seção.
3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o
caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do
depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.
4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não
podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável
incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial,
nos termos da Súmula 7⁄STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.213.319⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2012, DJe 28⁄05⁄2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL. DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO EQUIVALENTE AO PAGAMENTO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. O depósito judicial do montante integral do débito é causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário, ex vi do artigo 151, II do CTN e, por força do seu desígnio, implica lançamento por homologação tácito, no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. Precedentes: EREsp 898.992/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 895.604/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.04.2008, DJ 11.04.2008; AgRg no REsp 971.054/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 24.03.2008. .
Julgado improcedente o pedido da empresa e, em havendo depósito, torna-se desnecessária a constituição do crédito tributário no qüinqüênio legal, não restando consumada a decadência. Conseqüentemente, revela-se escorreita a conversão em renda dos depósitos judiciais efetuados no âmbito da ação ordinária, uma vez não configurada a decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário e tendo em vista a improcedência do pedido do contribuinte
. 3. Indevidamente realizado o levantamento do depósito judicial pelo contribuinte, afasta-se a razão da suspensão do crédito tributário, forçando ao FISCO FEDERAL a realização do lançamento tributário, inscrevendo o contribuinte em CDA, não existindo decadência ou prescrição do crédito tributário. 4. Apelação do autor improvida e apelação da UNIÃO FEDERAL e Remessa Oficial providas. (APELREEX 200171000285040, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 13/10/2009.)
Caso, do contrário, a pretensão do demandante venha a ser julgada total ou parcialmente procedente, com subsequente trânsito em julgado da decisão judicial, os valores hão de ser restituídos ao contribuinte, na proporção em que sua pretensão tenha sido acolhida, devidamente corrigidos pela variação da taxa SELIC, conforme arts. 35 e ss. da lei 14.973, de 16 de setembro de 2024, responsável pela revogação da lei n. 9.703/1998, norma especial em face do art. 11 da lei n. 9.289/1996.
Registro que, em princípio, ao contrário do que ocorre com a consignação em pagamento (art. 337, Código Civil) - que apenas afasta a mora, quando a pretensão venha a ser julgada procedente -, o depósito de tributos inibe a incidência de consectários moratórios no seu curso. De todo modo, a questão pode ser discutida no curso do processo, caso tal depósito seja efetivado.
2.40.
Eventual oferecimento de contracautelas:
Outra questão diz respeito ao oferecimento de bens em garantia, por parte do contribuinte, a fim de se suspender a exigibilidade do tributo e, com isso, obter a certidão positiva com efeitos de negativa. Anote-se que o Código Tributário Nacional dispõe sobre as causas de suspensão da exigibilidade dos tributos no seu art. 151:
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I - moratória; II - o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI - o parcelamento. Parágrafo único.
O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes
.
Percebe-se, pois, que, no mais das vezes, a garantia a ser constituída pelo contribuinte - por sua iniciativa - a fim de se suspender a exigibilidade do tributo é o depósito do montante integral do valor discutido. Nesse sentido, atente-se para a conhecida súmula 112 do Superior Tribunal de Justiça:
"O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro."
Situação pontualmente distinta trata do oferecimento de caução no período compreendido entre a constituição definitiva do crédito - ou seja, lançamento já consolidado - e a deflagração da execução fiscal respectiva.
Nesse âmbito, vigora certo limbo, eis que o lançamento já se esgotou, mas o contribuinte ainda não foi citado/notificado para garantir o juízo. A respeito do tema, reporto-me ao precedente do STJ, submetido ao ritual dos recursos repetitivos
(art. 1º, lei 11.672).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AÇÃO CAUTELAR PARA ASSEGURAR A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. INSUFICIÊNCIA DA CAUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1.
O contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa
. (Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 1057365/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 02/09/2009; EDcl nos EREsp 710.153/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 01/10/2009; REsp 1075360/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 23/06/2009; AgRg no REsp 898.412/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 13/02/2009; REsp 870.566/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/02/2009; REsp 746.789/BA, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 24/11/2008; EREsp 574107/PR, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA DJ 07.05.2007). 2. Dispõe o artigo 206 do CTN que: 'tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.' A caução oferecida pelo contribuinte, antes da propositura da execução fiscal é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a certidão pretendida, desde que prestada em valor suficiente à garantia do juízo. 3.
É viável a antecipação dos efeitos que seriam obtidos com a penhora no executivo fiscal, através de caução de eficácia semelhante. A percorrer-se entendimento diverso, o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco não se voltou judicialmente ainda
. 4. Deveras, não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário. Raciocínio inverso implicaria em que o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco ainda não se voltou judicialmente. 5.
Mutatis mutandis
o mecanismo assemelha-se ao previsto no revogado art. 570 do CPC, por força do qual era lícito ao devedor iniciar a execução. Isso porque as obrigações, como vínculos pessoais, nasceram para serem extintas pelo cumprimento, diferentemente dos direitos reais que visam à perpetuação da situação jurídica nele edificadas. 6.
Outrossim, instigada a Fazenda pela caução oferecida, pode ela iniciar a execução, convertendo-se a garantia prestada por iniciativa do contribuinte na famigerada penhora que autoriza a expedição da certidão
. 7. In casu, verifica-se que a cautelar restou extinta sem resolução de mérito, impedindo a expedição do documento de regularidade fiscal, não por haver controvérsia relativa à possibilidade de garantia do juízo de forma antecipada, mas em virtude da insuficiência dos bens oferecidos em caução, consoante dessume-se da seguinte passagem do voto condutor do aresto recorrido, in verbis: 'No caso dos autos, por intermédio da análise dos documentos acostados, depreende-se que os débitos a impedir a certidão de regularidade fiscal perfazem um montante de R$ 51.802,64, sendo ofertados em garantia pela autora chapas de MDF adquiridas para revenda, às quais atribuiu o valor de R$ 72.893,00. Todavia, muito embora as alegações da parte autora sejam no sentido de que o valor do bem oferecido é superior ao crédito tributário, entendo que o bem oferecido como caução carece da idoneidade necessária para aceitação como garantia, uma vez que se trata de bem de difícil alienação. 8. Destarte, para infirmar os fundamentos do aresto recorrido, é imprescindível o revolvimento de matéria fático-probatória, o que resta defeso a esta Corte Superior, em face do óbice erigido pela Súmula 07 do STJ. 9. Por idêntico fundamento, resta inteditada, a este Tribunal Superior, a análise da questão de ordem suscitada pela recorrente, consoante infere-se do voto condutor do acórdão recorrido, litteris: 'Prefacialmente, não merece prosperar a alegação da apelante de que é nula a sentença, porquanto não foi observada a relação de dependência com o processo de nº 2007.71.00.007754-8. Sem razão a autora. Os objetos da ação cautelar e da ação ordinária em questão são diferentes. Na ação cautelar a demanda limita-se à possibilidade ou não de oferecer bens em caução de dívida tributária para fins de obtenção de CND, não se adentrando a discussão do débito em si, já que tal desbordaria dos limites do procedimento cautelar. Ademais, há que se observar que a sentença corretamente julgou extinto o presente feito, sem julgamento de mérito, em relação ao pedido que ultrapassou os limites objetivos de conhecimento da causa próprios do procedimento cautelar.' 10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. ..EMEN: (RESP 200900279896, LUIZ FUX, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:01/02/2010 ..DTPB:.)
Em sentido semelhante, reporto-me também ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR. CAUÇÃO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. VIABILIDADE. 1.
É lícito ao contribuinte, antes do ajuizamento da execução fiscal, oferecer caução no valor do débito inscrito em dívida ativa com o objetivo de, antecipando a penhora que garantiria o processo de execução, obter certidão positiva com efeitos de negativa. Precedentes
. 2. Embargos de divergência não providos. ..EMEN: (ERESP 200502031098, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJ DATA:06/08/2007 PG:00452 ..DTPB:.)
Frente ao exposto, desde que se trate dessa situação pontual - período entre a constituição definitiva do crédito, mediante lançamento, e a deflagração da execução fiscal -, reputo, com cognição precária, que o contribuinte pode ofertar bens em caução, nos termos da jurisprudência do STJ. Para tanto, contudo, a garantia há de ser idônea e suficiente, deve respeitar a ordem legal (art. 11, lei 6.830). Não pode ofertar bens segundo apenas as suas conveniências, repiso.
TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CAUÇÃO. EQUIPARAÇÃO À PENHORA. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. CADIN.
Havendo débito definitivamente constituído contra o contribuinte e ainda não ajuizado
, é-lhe assegurado o direito de oferecer caução, antecipando a futura penhora, de forma a obter certidão positiva de débitos com efeito de negativa. O oferecimento de caução em medida cautelar equipara-se à penhora consolidada em execução fiscal. (TRF4, AC 2009.72.06.000784-7, Segunda Turma, Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 24/02/2010)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. CAUÇÃO. ART. 206 DO CTN. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE.1. É lícito ao contribuinte oferecer, antes do ajuizamento da execução fiscal, caução no valor do débito inscrito em dívida ativa com o objetivo de, antecipando a penhora que garantiria o processo de execução, obter certidão positiva com efeitos de negativa. Precedentes. 2.
Entendimento diverso do perfilhado pelo Tribunal de origem levaria à distorção inaceitável: o contribuinte que contra si já tivesse ajuizada execução fiscal, garantida por penhora, teria direito à certidão positiva com efeitos de negativa; já quanto àquele que, embora igualmente solvente, o Fisco ainda não houvesse proposto a execução, o direito à indigitada certidão seria negado
. 3. Embargos de divergência providos. (EREsp 779121/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2007, DJ 07/05/2007 p. 271)
Cuidando-se de seguro-garantia de débitos já inscritos em dívida ativa, deve-se atentar ainda para a Portaria 1.153/2009, da Fazenda Nacional (art. 2º). Por outro lado, a referida antecipação da penhora não surte todos os efeitos do art. 151, CTN, conforme os Tribunais têm deliberado:
"(...)
Consolidada a jurisprudência no sentido de que fiança bancária não suspende a exigibilidade fiscal, não se confundindo com o depósito integral do crédito tributário, nos termos do artigo 151, III, CTN, e Súmula 112/STJ, embora possa servir como garantia, em antecipação de penhora, para a emissão de certidão de regularidade fiscal, conforme artigo 206, CTN, e Súmula 38/TFR
." (AI 00106474420144030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/12/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"(...) Quanto ao pleito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, cujas hipóteses estão previstas no art. 151 do CTN, cabe destacar que a prestação de caução com o oferecimento de fiança bancária não se afigura apta para justificar o pedido,
já que somente garante o débito em execução, em equiparação ou prévia da efetiva penhora, para o fim específico da viabilização da expedição de certidão de regularidade fiscal, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.º 1.156.668
, representativo da controvérsia. Ademais, como assinala a própria agravante, o sistema da RFB não considerou os alegados pagamentos efetuados e a manifestação de desconformidade apresentada na seara administrativa não foi aceita por intempestividade.- Agravo de instrumento a que se dá provimento." (AI 00262465720134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/11/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"(...) 2.
Não há necessidade, para os fins de expedição de certidão positiva de débito com efeito de negativa que a caução seja em dinheiro, porque não se trata de suspensão da exigibilidade do débito, mas de antecipação de penhora para garantia do débito, nos termos do artigo 206 do CTN - Código Tributário Nacional
. 3. No caso concreto, a execução já teve início, mas o trâmite processual necessário para a formalização da penhora é o motivo para o ajuizamento da medida cautelar no Juízo a quo, a fim de obter desde logo a certidão positiva de débito com efeito de negativa. (...)" (AI 00254299020134030000, JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/02/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Note-se ainda que o Código de Processo Civil dispôs sobre a antecipação de tutela - art. 300, CPC -, facultando que a medida seja condicionada à apresentação de contracautelas pelo interessado, sempre que isso se apresente como medida necessária (art. 300, §1º, CPC), até por conta da responsabilização prevista no art. 302, CPC/15 e lógica da súmula 405, CPC. A antecipação de efeitos irreversíveis se revela vedada, como regra, por conta do art. 300, §3º, CPC.
2.41. Apresentação de
apólice
de seguro:
No âmbito das execuções fiscais, o art. 9.º, II, da Lei 6.830/1980 assegurou aos executados a apresentação de fiança bancária, enquanto que o art. 73 da lei n. 13.043/2014 tratou do "seguro garantia".
Segundo Araken de Assis,
"
À primeira vista, o dispositivo referido exclui a possibilidade de caução real, sem embargo das semelhanças desta espécie de garantia com o oferecimento de bens por terceiro (retro, 519). Inspirou-se a regra na solvabilidade das instituições financeiras
. Presume-se que, intimadas, incontinenti honrem a fiança, e as seguradoras a garantia, remindo a execução (art. 19, II, da Lei 6.830/1980). E, com efeito, esse é o procedimento constatado na prática. Fundamenta-se a regra , outrossim, no eventual interesse do executado em utilizar seu crédito bancário, livrando seus bens da imobilidade econômica inerente à penhora. Por isso, o STJ estimou possível a substituição da penhora de dinheiro por fiança bancária. Nada obstante, à caução fidejussória se afiguram estranhos os principais traços do ato executivo, e, conseguintemente, convém ler com reservas a artificial "equiparação" com a penhora, estabelecida pelo art. 9.º, § 3.º, da Lei 6.830/1980. Relativamente aos efeitos da penhora, o único objetivo discernível na fiança e no seguro é o de assegurar eventuais embargos, exigência que continua na execução fiscal, a teor do art. 16, I a III, da Lei 6.830/1980. Essa modalidade de fiança possui condições gerais predispostas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 9.º, § 5.º, da Lei 6.830/1980), cabendo ao juízo da execução, no entanto, avaliar sua suficiência.."
(ASSIS, Araken.
Manual de execução.
São Paulo: RT. 2016. item 520.1)
Note-se ainda que a fiança deve ser prestada por terceiro, como já decidiu o STJ, repelindo a pretensão da empresa de banco de garantir a si mesma (2.ª T. do STJ, REsp. 283.648-SP, 26.03.2002, Rel. Min. Franciulli Netto, RJSTJ 163/212).
"
A fiança bancária é muito onerosa para o executado. É comum que se pretenda substituí-la, a certa altura, por outro bem. O juiz deverá sopesar os interesses em conflito e, se for o caso, deferir a substituição. Nessa linha, o STJ admitiu a substituição da fiança pelo percebimento futuro de dividendos
."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
item 520.2) Nesse sentido, confira-se: 2.ª T. do STJ, REsp. 1.163.553-RJ, 03.05.2011, Rel. Min. Herman BenjaMin. DJE 25.05.2011.
No âmbito de execuções fiscais, o depósito, a fiança e o seguro são irretratáveis. Nos termos do art. 9.º, § 2.º, da Lei 6.830/1980, devem ser comprovados por escrito, com anexação do documento aos autos. As providências concernentes à realização do depósito e à obtenção da fiança e do seguro, bem como sua comprovação nos autos do processo executivo, subordinam-se ao prazo usual de 5 (cinco) dias, contados da citação (art. 8.º, Lei de execuções fiscais - lei 6.830/1980).
Quando em causa a execução para pagamento de quantia certa, o art. 835, §2º, CPC/15 preconiza:
"
Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento
."
Também quanto ao tema, vale a pena atentar para a lição de Araken de Assis, como transcrevo abaixo:
"O art. 848, parágrafo único, autoriza a substituição da penhora por fiança bancária, à semelhança do art. 9.º, II, da Lei 6.830/1980.
O executado vale-se do seu crédito bancário e almeja livrar seus bens da imobilidade econômica (relativa) provocada pela penhora. Por óbvio, os efeitos da fiança não se equiparam aos da constrição patrimonial, porque se trata de negócio jurídico; porém, "segura" satisfatoriamente a execução
. O executado deverá juntar prova da fiança ao requerer a substituição no prazo hábil (art. 847, caput), porque o art. 848, parágrafo único, aplica-se só à iniciativa do executado.
O exequente não tem interesse na medida
.
Ao juiz caberá avaliar a suficiência da garantia, a idoneidade do garante - apesar da presunção de solvabilidade, há instituições financeiras que passam por dificuldades em alguns períodos -, investigando as cláusulas contratuais, após o debate das partes
(art. 853).
Em princípio, os requisitos da fiança hábil são os seguintes
: (a) o valor da fiança há de
exceder o valor do crédito (principal e acessórios, atentando para o possível aumento do valor dos honorários inicialmente fixados, a teor do art. 827, § 2.º) em trinta por cento
, conforme a letra expressa do art. 848, parágrafo único; (b) a
fiança há de vigorar por prazo indeterminado
,
admitindo-se cláusula fixando a extinção da execução como termo final da garantia
; (c) o pagamento há de ser feito em vinte e quatro horas após o recebimento da ordem do juiz; (d) o
valor da fiança, já superior em trinta por cento ao valor da execução, contemplará os eventuais reajustes monetários da dívida em execução pelo respectivo índice
(v.g., no caso da execução fiscal, a variação da taxa SELIC).
A jurisprudência do STJ, na execução fiscal, manifesta hostilidade à substituição da penhora de dinheiro por fiança bancária, o que promoveria "retrocesso na atividade executiva, impulsionando-a em sentido inverso da sua natural finalidade: a entrega do dinheiro ao exequente
". Em outro julgado, o STJ decidiu que, penhorado dinheiro, "
não cabe a sua substituição por fiança bancária de prazo determinado para após o trânsito em julgado, de complexa e incerta realização tendo em vista o princípio da satisfação do credor
".
Fixou-se o entendimento, na execução fiscal, no sentido de não se equivalerem dinheiro e fiança, admitindo-se a substituição daquele por esta em casos excepcionais
.
Linha seguida, de resto, na execução comum. Substancialmente correta, a tese da fungibilidade restrita entre dinheiro e fiança exige temperamentos. Na verdade, a fiança passada por empresa de banco, correspondente ao quod plerumque fit, constitui garantia é tão idônea e prestante quanto o depósito do dinheiro penhorado na conta corrente vinculada ao juízo
(art. 840, I).
Não há notícia de processo em que a garantia não seja honrada imediatamente
.
Na realidade, o problema é outro: a falta de atenção e controle pelo órgão judiciário quanto ao valor e ao termo final da garantia
.
Esse problema fica superado pela fixação de termo impróprio à fiança
. É preciso considerar, portanto, as características da fiança, antes de rejeitá-la de modo peremptório, e ponderar a necessidade do numerário imobilizado na conta do juízo pelo executado. E, sobretudo, não olvidar o custo da fiança bancária.
Ela é muito, muito dispendiosa e o executado paga-a antecipadamente. Por isso, o art. 835, § 2.º, dispõe em sentido contrária ao entendimento prevalecente no STJ, equiparando, para fins de substituição da penhora, a fiança bancária e o seguro garantia judicial, em valor não inferior ao débito constante da inicial, mais trinta por cento. Essa disposição se situaria melhor no art. 847. Seja como for, contraria os julgados citados, restando verificar a reação do STJ à mudança.
As considerações feitas no item precedente aplicam-se, com o clássico grão de sal, ao "seguro garantia judicial" (art. 848, parágrafo único), também previsto no art. 9.º, II, da Lei 6.830/1980, invertendo o intercâmbio legislativo. Tem o juiz a atribuição de avaliar a prova da garantia produzida pelo devedor juntamente com o requerimento. Sobreleva-se, neste item, a idoneidade do garante
." (ASSIS, Araken.
Obra citada.
item 5.2.316. 5.1).
Acrescento que,
"
Requerida a substituição, impõe-se ouvir a outra parte, no prazo de três dias, conforme dispõe o art. 853, caput, e, partindo a iniciativa do executado, o art. 847, § 4.º.A necessidade de contraditório avulta na possibilidade de o exequente impugnar a postulação do executado, funcionando o art. 848, I a VI, como espelho ao art. 847;451 porém, também interessa colher a manifestação do executado, pautada pela abstenção de "qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora" (art. 847, § 2.º), sob pena da sanção prevista no art. 774, parágrafo único
."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
item 7.316. 7).
Intimada a contraparte da pretensão à substituição, eclodem duas hipóteses: (a) aceitação da troca, tácita ou implicitamente, caso em que reduzir-se-á, incontinenti, a penhora a termo (art. 849), guarnecido dos elementos do art. 838, CPC; (b) impugnação fundamentada substituição, controvertendo o fundamento alegado pela parte exequente. Segundo dispõe o art. 853, parágrafo único, CPC/15, o juiz decidirá de plano a impugnação. Cuida-se, portanto, de juízo sumário, sem exigência de dilações probatórias complexas. Temas probatórios, às vezes, surgem através da impugnação. O ônus é de quem alega. À parte que alegar incumbirá provar, a título de exemplo, a existência de bens no local da execução (art. 848, III) ou de bens livres e desembargados (art. 848, IV) documentalmente. Deve comprovar, ademais, a possibilidade de penhora em classe superior de bens (art. 835, I a XIII). O juiz pode determinar o comparecimento das partes (art. 772, I, CPC), quando necessário.
Além disso,
"Segundo o art. 849, deferida a substituição, haja ou não oposição da outra parte, lavrar-se-á termo de penhora. Desaparece, portanto, a constrição inicial. Torna-se sem efeito o auto de penhora lavrado pelo oficial de justiça. Não há, porém, outra intimação da penhora. A intimação da penhora enseja, justamente, o controle desta (art. 847, caput). É necessário designar depositário. Em princípio, concordando o exequente (art. 840, § 2.º), pode ser investido o executado no encargo. É imprescindível a manifestação de vontade do depositário (Súmula do STJ, n.º 304).Rejeitada a substituição requerida, porque o juiz se convence do acerto da impugnação da parte contrária, o prosseguimento da execução dependerá da atribuição, ou não, de efeito suspensivo aos embargos, na forma do art. 919, § 1.º. É digo de nota que tal efeito não obsta a adequação ulterior da penhora, por outro motivo (art. 919, § 5.º)."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
item 8.316.8).
Em alguma medida, aludida substituição é projeção do princípio da menor onerosidade da execução, previsto no art. 805, CPC/15:
"
Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado
. Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados."
Aludido princípio, verbalizado no art. 805, CPC/15, é projeção do postulado da proporcionalidade, na medida em que não pode impor ao executado um meio mais gravoso do que o necessário para se efetivar o crédito demandado. Contudo, também é fato que o STJ tem enfatizado não haver preponderância, em abstrato, do princípio da menor onerosidade para o devedor sobre o da efetividade da tutela executiva. (AgRg no REsp 1.548.083⁄SP, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 8 - 6 - 2016).
Nesse sentido, entre outros, os seguintes julgados:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC⁄1973. EXECUÇÃO DE DÉBITO CONDOMINIAL. EMBARGOS DE
TERCEIRO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO.
DESCABIMENTO. JULGADOS DESTA CORTE. PENHORA.
SUBSTITUIÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL POR LOTE SITUADO EM
OUTRO MUNICÍPIO. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE
DA EXECUÇÃO. DESINTERESSE DO CREDOR. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA (ART. 10 DO CPC⁄2015). INAPLICABILIDADE A FATOS INCONTROVERSOS. 1. Controvérsia acerca da pretensão de se substituir a penhora de um imóvel residencial pela penhora de um lote em sede de execução de dívida condominial. 2. Descabimento da alegação de excesso de execução em embargos de terceiro. Julgados desta Corte Superior. . Possibilidade de o credor recusar a substituição da penhora de imóvel residencial localizado na capital por um lote situado em outro município, embora da mesma comarca por não se tratar de bem de maior liquidez ou com precedência na ordem legal das penhoras (art. 655 do CPC⁄1973). 4.
Prevalência do interesse do credor na efetividade da execução, ante o princípio da menor onerosidade ao devedor. Julgados desta Corte Superior
. 5. Inocorrência de surpresa processual na decisão que resolve, com base em fatos incontroversos da demanda, questão julgada pelas instâncias de cognição plena. Inaplicabilidade do art. 10 do CPC⁄2015. 6. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(AgInt no REsp 1.456.204 ⁄PR, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO , TERCEIRA TURMA, DJe de 6 ⁄ 11 ⁄ 2017)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO EXCEDENTE DO BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS À VISTA DA EXISTÊNCIA DE OUTRAS EXECUÇÕES FISCAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL PREDOMINANTE NO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83⁄STJ. 1. A Primeira Seção do STJ, ao julgar como recurso repetitivo o REsp 1.337.790⁄PR (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 7.10.2013), deixou assentado que inexiste preponderância, em abstrato, do princípio da
menor onerosidade para o devedor sobre o da efetividade da tutela
executiva. Exige-se, para a superação da ordem legal prevista no art.
655 do CPC, firme argumentação baseada em elementos do caso concreto. Em princípio, nos termos do art. 9º, III, da Lei 6.830⁄1980,
cumpre ao executado nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11 do mesmo diploma legal. É dele [do devedor] o ônus de comprovar a imperiosa necessidade de afastar a ordem legal dos bens penhoráveis, e, para que essa providência seja adotada, mostra-se insuficiente a mera invocação genérica do art. 620 do CPC. 2. Conforme a orientação firmada pelo STJ, após o início da vigência da Lei nº 11.382⁄2006 - que alterou o Código de Processo Civil para incluir
os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens
preferenciais na ordem de constrição como se fossem dinheiro em espécie
(artigo 655, I) -, a penhora eletrônica de dinheiro depositado em conta
bancária não configura, por si só, violação do princípio da menor
onerosidade previsto no art.62000 doCPCC, mesmo com a existência de bem
imóvel garantindo a execução (AgRg no Ag 1.221.342⁄SP, 1ª Turma, Rel.
Min. Benedito Gonçalves, DJe de 15.4.2011). O art. 15, II, da Lei
6.830⁄1980 garante ao ente público a faculdade de pleitear, em qualquer
fase do processo, além do reforço, a substituição dos bens penhorados
por outros, independentemente da ordem listada no art. 11 da mesma lei,
o que significa a possibilidade de, a critério da Fazenda Pública,
trocar-se um bem por outro de maior ou menor liquidez (REsp
1.163.553⁄RJ, 2ª Turma, Rel. p⁄acórdão Min. Herman Benjamin, DJe de
25.5.2011). E em conformidade com o § 2º do art. 53 da Lei nº 8.212⁄91,
é razoável admitir que o excesso de penhora verificado num processo
específico não seja liberado, quando o mesmo devedor tenha contra si outras execuções
fiscais
(REsp 1.319.171⁄SC, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 11.9.2012). 3. No presente caso, ao entender pela admissibilidade da substituição da
penhora de outros bens por ativos financeiros bloqueados via Sistema
BacenJud, bem como ao manter o excedente do bloqueio dos ativos
financeiros para fins de substituição das garantias de outras execuções
fiscais, o Tribunal de origem não violou o art. 620 do CPC; muito pelo
contrário, decidiu em conformidade com a orientação jurisprudencial predominante no STJ. Aplica-se a Súmula 83⁄STJ. 4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.414.778⁄SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 4⁄12⁄2013)
No que diz respeito à eventual substituição de bloqueio de ativos por seguro garantia, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu como segue:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA. PENHORA DE DINHEIRO. SUBSTITUIÇÃO POR SEGURO GARANTIA. ART. 835, § 2º, DO CPC/2015. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ABSOLUTO. ADMISSIBILIDADE EM CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS. ONEROSIDADE EXCESSIVA NÃO RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1.
O princípio da menor onerosidade da execução não é absoluto, devendo ser observado em consonância com o princípio da efetividade da execução, preservando-se o interesse do credor. Precedentes. 2. A substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia, admitida na lei processual (CPC/2015, art. 835, § 2º), não constitui direito absoluto do devedor, devendo prevalecer, em princípio, a ordem legal de preferência estabelecida no art. 835 do CPC/2015
(art. 655 do CPC/1973). Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
a substituição da penhora em dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia judicial deve ser admitida apenas em hipóteses excepcionais, a fim de evitar dano grave ao devedor
. 3. No caso, tendo as instâncias ordinárias consignado a inexistência de circunstância que justifique a substituição da penhora em dinheiro já realizada por apólice de seguro garantia, não há que se impor ao credor a pretensão da seguradora executada. 4. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada, negando provimento ao recurso especial. (STJ - AgInt no AREsp: 1281694 SC 2018/0093400-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 05/09/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/09/2019)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. CONCLUSÃO ESTADUAL NO SENTIDO DO DESCABIMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA POR SEGURO-GARANTIA JUDICIAL. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7⁄STJ. CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83⁄STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1.
Segundo a jurisprudência do STJ, admite-se a substituição da penhora de dinheiro por seguro-garantia apenas em hipóteses excepcionais, em que seja necessário evitar dano grave ao devedor, sem causar prejuízo ao exequente, situação não demonstrada no caso dos autos.
2. A revisão da conclusão alcançada na origem para acolher a pretensão recursal quanto à onerosidade da execução e presença dos requisitos necessários ao deferimento do seguro- garantia demandaria a incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência vedada Súmula 7 do STJ. 3. Agravo interno improvido."
(AgInt no AREsp 1.086.974⁄RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE , TERCEIRA TURMA, DJe de 22⁄8⁄2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. 1. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA EM DINHEIRO POR SEGURO-GARANTIA. IMPOSSIBILIDADE NO CASO. PRINCÍPIO DA
SATISFAÇÃO DO CREDOR. ÓBICE DA SÚMULA 83⁄STJ. 2. AUSÊNCIA
DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE DO
DEVEDOR. REVISÃO DO JULGADO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7⁄STJ. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Substituição de penhora em dinheiro por seguro-garantia judicial.
É assente nesta Corte o entendimento de que," realizada a penhora em
dinheiro, não cabe, em regra, a sua substituição por seguro garantia ou
fiança bancária, por força do princípio da satisfação do credor
"(AgRg no AREsp 730.565/SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/04/2016, DJe 26/4/2016). 2. Tendo a decisão impugnada decidido em consonância com a jurisprudência desta Casa, incide, na hipótese, o enunciado n. 83 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça, que abrange os recursos especiais interpostos com amparo nas alíneas a e⁄ou c do permissivo constitucional. Precedentes. 3. A convicção formada pelo Tribunal de origem acerca da observância da ordem legal do art. 655 do CPC⁄1973 e do princípio da menor
onerosidade, afastando a substituição pleiteada pela parte recorrente, decorreu dos elementos existentes nos autos, de forma que rever a decisão recorrida importaria necessariamente no reexame de provas. Incidência da Súmula n. 7 do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento."
(AgRg no AREsp 781.274/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE , TERCEIRA TURMA, DJe de 27/06/2019)
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DO AGRAVANTE. 1. É possível a decisão monocrática denegatória de seguimento proferida pelo relator nos casos de recurso manifestamente improcedente ou contrário à jurisprudência dominante do Tribunal, do STF ou de Tribunal Superior. Ademais, a interposição de agravo regimental para o colegiado
permite a apreciação de todas as questões suscitadas no reclamo, suprindo eventual violação do artigo 557, caput, do CPC⁄73. 2. Não caracteriza omissão ou falta de fundamentação a adoção de posicionamento contrário ao interesse da parte, nem está o magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde
que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, como de fato ocorreu na hipótese dos autos. 3.
A substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia somente deve ser admitida em hipóteses excepcionais, quando necessária para evitar onerosidade excessiva ao devedor, e desde que não ocasione prejuízo ao exequente. Inviável, no entanto, rever o acórdão recorrido quanto a essas circunstâncias, quando demande reexame de prova, a atrair o óbice da Súmula 7⁄STJ
. 4. A falta de debate prévio sobre a tese suscitada em sede de recurso especial implica a incidência da Súmula 282/STF. 5. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.588.575/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI , QUARTA TURMA, DJe de 2/5/2018)
Atente-se para a fundamentação do precedente do STJ, AgInt no
AREsp: 1281694 SC 2018/0093400-6
, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 05/09/2019:
"(...)
Pois bem. Nos termos do § 1º do art. 835 do CPC, a penhora em dinheiro é prioritária. A substituição do dinheiro por seguro garantia, tal
como possibilita o art. 835, § 2º, do CPC, não é automática. O dispositivo
textua que a penhora"pode"ser substituída por seguro garantia, o que denota que o juiz tem discricionariedade, dentro dos limites das circunstâncias do caso concreto, tal como, aliás, prevê a parte final do referido § 1º do art. 835
.
No caso presente, em que a exequente não aceitou a apólice, entendo que não se pode lhe impor, após 12 anos perseguindo a satisfação do seu direito a seguro, chegada a execução definitiva, nova apólice de seguro para garantir o pagamento, no lugar de dinheiro, que ocupa o primeiro lugar na ordem de preferência estipulada por lei.
É dizer, chega a ser irônico o oferecimento de apólice de seguro em garantia no caso dos autos, em que a parte exequente já tenta obter o valor de apólice de seguro da executada desde 2005.
Ademais, com a devida vênia, o princípio da menor onerosidade não pode significar retirar do credor - este sim demasiadamente onerado pelo tempo -a garantia que lhe é a assegurada por lei para satisfação do seu crédito. Há de se privilegiar o princípio da efetividade, sem que isso implique qualquer prejuízo à defesa da executada, que poderá oferecer a sua impugnação.
Destaco que a executada não se desincumbiu de seu ônus em demonstrar o prejuízo à atividade comercial da empresa, apenas proferiu mera alegação. Assim, inviável ser aceita a mera alegação ao princípio da menor onerosidade da execução (artigo 805 do Código de Processo Civil).
Outrossim, este Juízo entende que eventual penhora on line não ofende o principio da menor onerosidade da execução para a parte executada, diante do grande porte da sociedade empresária Sul America Companhia Nacional de Seguros S⁄A.
Além disso, assiste razão aos exequentes em relação à validade do seguro ofertado. A Apólice de Seguro Garantia possui o fim da vigência datada para 27⁄ 06 ⁄ 2018, outro motivo ensejador de sua não aceitação, haja vista gerar insegurança ao Juízo e, sobretudo, aos titulares do direito. No caso de eventual impugnação e suspensão da execução, há risco de a ação execucional ficar sem garantia, no transcurso do processo.
Destarte, a rejeição do seguro garantia é medida que se impõe e, de modo a corroborar, trago à baila remansosa jurisprudência sobre a não obrigatoriedade em aceitação da apólice de seguro pela parte executada (...)"
Nesse mesmo sentido, a manifestação do eg. Tribunal
a quo,
ao confirmar a decisão de primeiro grau (e-STJ, fls. 618-626).
Nesse contexto, portanto, uma vez verificada pelas instâncias ordinárias a inexistência de circunstância que justifique a substituição da penhora em dinheiro já realizada por apólice de seguro garantia, não há que se impor ao credor a pretensão da seguradora executada. Ante o exposto, dá-se provimento ao presente agravo interno para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do agravo da seguradora para negar provimento ao recurso especial."
Também há julgados, contudo, enfatizando que a substituição da penhora por seguro-garantia seria direito do executado, contanto que preenchidos os requisitos para tanto necessários.
"A aplicação dos dispositivos referidos foi objeto de recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, entendeu que "o seguro- garantia judicial produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, seja para fins de garantir o juízo, seja para possibilitar a substituição de outro bem objeto de anterior penhora, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. Com efeito, restou assim ementado o REsp. nº 1.838.837/SP, julgado na Sessão da 3ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, em 12/05/2020 e o REsp 1381254/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019."
(STJ - AgInt no REsp: 1934601 RS 2021/0121589-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, DJ 13/10/2021)
Por seu turno, o TRF4 tem enfatizado o seguinte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA ADMINISTRATIVA. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. DEPÓSITO INTEGRAL EM DINHEIRO. INEXIGIBILIDADE. SEGURO GARANTIA. IDONEIDADE. TUTELA DE URGÊNCIA. POSSIBILIDADE. O art. 835, § 2º, do CPC/2015, para fins de substituição da penhora, equiparou a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.
É inegável que o seguro garantia ganhou importância, porquanto equilibra o princípio da máxima eficácia da execução para o credor e o princípio da menor onerosidade para o executado, já que no final da ação com trânsito em julgado o valor é convertido em dinheiro, constituindo instrumentos determinantes para a manutenção das atividades de muitas empresas
. (TRF-4 - AG: 50318803820214040000 5031880-38.2021.4.04.0000, Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Data de Julgamento: 29/09/2021, QUARTA TURMA)
Ainda segundo o TRF4, "
tanto a fiança bancária quanto o seguro-garantia judicial, naquilo que se refere à garantia do juízo, produzem no mundo jurídico os mesmos efeitos que o dinheiro. Portanto, se trata de modalidade de garantia preferencial, possuindo o condão de assegurar a satisfação do crédito independente de atos de constrição e expropriação
."
(TRF-4 - AG: 50230375020224040000 5023037-50.2022.4.04.0000, Relator: LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, 29/05/2022, PRIMEIRA TURMA)
2.42. Ainda quanto ao seguro-garantia e a súmula 112, STJ:
Anoto que os Tribunais têm enfatizado que, conquanto o seguro fiança possa ser ofertado como medida de inibição de protesto judicial ou mesmo para obtenção de certidões de regularidade fiscal, não teria o condão de ensejar efetiva suspensão da exigibilidade dos alegados tributos.
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. SUBSTITUIÇÃO DE GARANTIA APRESENTADA EM MANDADO DE SEGURANÇA PARA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO QUESTIONADO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INVIABILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DO DEPÓSITO EM DINHEIRO POR SEGURO GARANTIA. SÚMULA 112/STJ. FUMAÇA DO BOM DIREITO NÃO EVIDENCIADA. 1. É possível a formulação de medida cautelar atípica diretamente no STJ, considerando o permissivo contido no art. 800, parágrafo único, do CPC/73 (art. 299, parágrafo único, do novo CPC/2015). 2. Ausente, na espécie, o fumus boni iuris, pois, a teor da Súmula 112/STJ,
"O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro", não sendo possível, em contexto de mandado de segurança, fundar a pretendida substituição nos arts. 9º, II e § 3º e 15, I, da Lei nº 6.830/80, sem que sucumba a própria suspensão da exigibilidade do crédito, de que cuida o art. 151, II, do CTN. 4. Agravo regimental a que se nega provimento
. (STJ - AgRg na MC: 25104 SP 2015/0276509-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 17/05/2016, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2016)
"ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INSCRIÇÃO NO CADIN. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO PROVIDOS. I. Nos termos do relatado, trata-se de julgar embargos de declaração opostos pela SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE, alegando supostas omissões no Acórdão embargado, no que se refere à possibilidade de apresentação de seguro garantia para suspensão da exigibilidade do crédito de natureza não tributária; inscrição no CADIN; e emissão de certidão positiva com efeitos de negativa. II. A Lei nº 13.043/2014 alterou os Artigos 7º, 15 e 16, todos da Lei nº 6.830/1980, equiparando o seguro garantia judicial à fiança bancária para fins de garantia da execução, além do depósito em dinheiro. E tal orientação foi também adotada no atual CPC/2015, em seu Artigo 835, § 2º que determina que," Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento ". III.
Ocorre, no entanto, que a Primeira Seção do Eg. STJ, em regime de Recurso Repetitivo, decidiu, ao julgar o REsp nº 1.156.668/DF (Tema nº 378, Relator: Min. LUIZ FUX, DJe 10.12.2010), que a fiança bancária não é equiparável ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a taxatividade do Artigo 151, CTN e o teor da Súmula nº 112/STJ ("O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro"). no julgado em questão, adotou-se entendimento no sentido de que"a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (que implica óbice à prática de quaisquer atos executivos) encontra-se taxativamente prevista no art. 151 do CTN
, sendo certo que a prestação de caução, mediante o oferecimento de fiança bancária, ainda que no montante integral do valor devido, não ostenta o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário, mas apenas de garantir o débito exequendo, em equiparação ou antecipação à penhora, com o escopo precípuo de viabilizar a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa e a oposição de embargos". IV. Assim, embora não seja cabível a suspensão da exigibilidade pretendida, ressalta-se que, estando garantido o débito por seguro fiança, deve-se obstar a inscrição no CADIN, viabilizando a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, conforme decidido no REsp nº 1.156.668/DF. V. Embargos de declaração parcialmente providos." (acórdão mencionado no julgado (STJ - REsp: 1926938 RJ 2021/0072498-6, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Publicação: DJ 26/03/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. tributário. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. caução. suspensão da exigibilidade do crédito tributário. artigo 151 do ctn. fiança bancária. impossibilidade. cadin. certidão positiva com efeitos de negativa. possibilidade de renovação. 1. A prestação de caução, para garantir dívida tributária constituída em caráter definitivo, assegura ao contribuinte em favor de quem ela é prestada o direito de obter certidão positiva de débitos fiscais, com efeitos de negativa, mas não acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a qual somente ocorre nas hipóteses taxativamente previstas no Código Tributário Nacional (artigo 151). 2.
A jurisprudência firmou-se no sentido de acolher a prestação de caução para evitar que, após a constituição definitiva do crédito tributário, a eventual demora no ajuizamento do processo de execução fiscal coloque o devedor em situação mais desfavorável que a do executado cuja dívida tiver sido garantida pela penhora, o qual tem direito à certidão positiva de débitos fiscais, com efeitos de negativa
. 3. A Fazenda Nacional não pode ser impedida de dar andamento à cobrança de créditos tributários definitivamente constituídos, nem podem os órgãos incumbidos do contencioso administrativo-tributário ser impedidos de processar e julgar reclamações, manifestações de inconformidade e recursos que poderão, eventualmente, acarretar a constituição definitiva de créditos tributários de grande valor. 4. Agravo de instrumento provido. (TRF-4 - AG: 50002004020184040000 5000200-40.2018.4.04.0000, Relator: SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Data de Julgamento: 26/03/2018, SEGUNDA TURMA)
Diferendo do que constou na decisão do evento 4, a decisão proferida nos autos 5034362- 37.2023.4.04.7000 apenas determinou a abstenção de protesto e inscrição no CADIN, sendo este o único objeto do feito, não ingressando no mérito sobre cabimento ou não de pagamento de TCFA ou de oferecimento de caução.
2.43. Requisitos do seguro-garantia:
Os requisitos do seguro-garantia estão detalhados na portaria PGFN/MF n. 2.044, de 30 de dezembro de 2024, cujo art. 1. segue:
Art. 1º
O seguro garantia, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, visa garantir o pagamento de débitos inscritos e débitos em vias de serem inscritos em dívida ativa da União ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, em execução fiscal ou em negociação administrativa, na forma e nas condições estabelecidas nesta Portaria
. § 1º Esta Portaria se aplica aos casos de
oferta antecipada de seguro garantia
à execução fiscal para a garantia de: I - débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS; e II -
débitos não inscritos em dívida ativa da União e do FGTS quando houver intenção de discussão judicial pelo tomador do seguro garantia, após o encerramento do contencioso administrativo por julgamento definitivo, ou por renúncia às discussões na esfera administrativa nos termos do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, observado o disposto no art. 3º, § 2º. § 2º A oferta e a renovação do seguro garantia para execução fiscal devem ser realizada
s: I - na execução fiscal, se os débitos inscritos em dívida ativa estiverem ajuizados; ou II - no REGULARIZE da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, na forma prevista no art. 11 da Portaria PGFN nº 33, de 8 de fevereiro de 2018, no caso de débitos em vias de serem inscritos em dívida ativa ou, quando já inscritos, se ainda não estiverem ajuizados. § 3º Após a aceitação da garantia no âmbito da execução fiscal, o tomador poderá solicitar, no REGULARIZE, a averbação nos sistemas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, caso não tenha sido realizada após a intimação judicial. § 4º A oferta e a renovação do seguro garantia para negociação administrativa devem ser realizadas pelo REGULARIZE, conforme disposições do ato que regulamentar a negociação, observado o disposto no art. 3º, inciso XI, e art. 11.
Atente-se ainda para o seu art. 3, como transcrevo abaixo:
Art. 3º
A aceitação do seguro garantia de que trata o art. 1º fica condicionada à observância dos seguintes requisitos, que devem estar expressos nas cláusulas da respectiva apólice
: I - a definição do objeto do seguro; II -
o valor da garantia, observado que: a) no seguro garantia para execução fiscal deverá corresponder: 1. ao total do débito a ser garantido, com os encargos e acréscimos legais, devidamente atualizado até a data da emissão da apólice; ou 2. ao total do débito a ser garantido, com os encargos e acréscimos legais, acrescido dos honorários advocatícios, devidamente atualizado até a data da emissão da apólice, no caso dos créditos previdenciários inscritos antes da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, e dos créditos rurais, sobre os quais não incide o encargo legal do art. 1º do Decreto Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969
; b) no seguro garantia para negociação administrativa, deverá corresponder ao total do débito consolidado a ser garantido, com os encargos e acréscimos legais, devidamente atualizado até a data da emissão da apólice, sem considerar para esse fim eventuais descontos legais previstos na negociação. III -
a previsão de atualização automática do valor da garantia pelos índices legais aplicáveis aos débitos inscritos em dívida ativa da União ou do FGTS, sem exigência de manifestação expressa do segurado ou do tomador
; IV -
a manutenção da vigência do seguro, mesmo quando o tomador não houver pago o prêmio nas datas convencionadas, com base no art. 16, § 1º, da Circular Susep nº 662, de 11 de abril de 2022, e em renúncia aos termos do art. 763 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, do art. 12 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, e do art. 20 da Lei nº 15.040, de 9 de dezembro de 2024
; V -
a referência ao número da inscrição em dívida ativa da União ou do FGTS, ou do processo judicial, ou do processo administrativo fiscal ou de negociação administrativa, que identifique de forma inequívoca o objeto de garantia
; VI -
o prazo de vigência da apólice, que será: a) de no mínimo cinco anos no seguro garantia para execução fiscal, devendo a seguradora garantir a manutenção da cobertura enquanto houver risco a ser coberto, independentemente de solicitação do tomador, mediante renovações sucessivas da apólice que devem manter todas as cláusulas originais, com alterações limitadas à atualização do valor da garantia e ao prazo de vigência, sem prejuízo de eventuais alterações nas condições comerciais restritas à relação entre a seguradora e o tomador; ou b) igual ao prazo de duração da negociação no seguro garantia para negociação administrativa, podendo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional aceitar apólices com prazo de vigência inferior, desde que observado o disposto na alínea "a"
. VII - o estabelecimento das hipóteses caracterizadoras do sinistro, nos termos do art. 12; VIII - o endereço da seguradora; IX - a eleição do foro da Seção Judiciária ou da Subseção Judiciária da Justiça Federal com jurisdição sobre a unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional competente para a cobrança do débito inscrito em dívida ativa, para dirimir questões entre o segurado e a seguradora, sendo inaplicável a cláusula compromissória de arbitragem; X - no caso de cosseguro, a previsão sobre: a) a seguradora líder e suas atribuições; b) a inexistência de responsabilidade solidária entre as seguradoras, salvo previsão em sentido diverso no contrato de cosseguro; e c) o nome e o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ de todas as sociedades seguradoras participantes, e os respectivos limites de responsabilidade máxima assumida, no frontispício da apólice e por extenso. XI - a previsão de que permanecerá vigente a apólice do seguro garantia para execução fiscal, ainda que o tomador solicite negociação administrativa dos débitos ajuizados, enquanto não apresentada e aceita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a nova garantia em substituição à anterior; XII - em relação aos débitos inscritos em dívida ativa do FGTS: a) o seguro garantia para execução fiscal poderá englobar as contribuições sociais instituídas pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, e as contribuições previstas nos arts. 15 e 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; b) o seguro garantia para negociação administrativa poderá englobar apenas as contribuições sociais instituídas pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, não se aplicando às contribuições previstas nos arts. 15 e 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; c) aplica-se o índice de juros e a atualização monetária previstos no art. 22 da Lei nº 8.036, de 11 de maio 1990; d) aplica-se o encargo legal previsto no art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.844, de 20 de janeiro de 1994, para as contribuições previstas nos arts. 15 e 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e o encargo legal previsto no Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, para as contribuições sociais instituídas pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001; e e) as apólices de seguro garantia deverão prever como segurado o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, representado no ato pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. XIII - a vedação de cláusula que estabeleça franquias, participações obrigatórias do segurado e prazo de carência. § 1º O seguro garantia deverá ser prestado por seguradora idônea e autorizada a funcionar no Brasil, nos termos da legislação. § 2º No caso de apólice ofertada antecipadamente à execução fiscal, o valor do seguro garantia deverá corresponder ao total do débito a ser garantido, com os acréscimos previstos no art. 3º, inciso II, alínea "a", inclusive o encargo legal exigível quando do ajuizamento da execução fiscal, previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, devidamente atualizado na data da emissão da apólice. § 3º Não se aplica o acréscimo de 30% (trinta por cento) ao valor garantido, constante dos arts. 835, § 2º, e 848, parágrafo único, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. § 4º Atos exclusivos do tomador, da seguradora ou de ambos não poderão gerar perdas ou prejuízo ao segurado. § 5º A apólice somente poderá ser alterada mediante pedido do segurado ou com sua expressa concordância. § 6º A seguradora deverá garantir que os procedimentos e a efetivação da manutenção da cobertura e da renovação da apólice ocorram antes do término do prazo de vigência da apólice. § 7º A seguradora somente poderá se manifestar pela não renovação do seguro garantia se não houver mais risco a ser coberto pela apólice ou se houver a substituição da apólice por nova garantia aceita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. § 8º O tomador não poderá se opor à manutenção da cobertura, exceto se ocorrer a substituição da apólice por nova garantia aceita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. § 9º Antes do término do prazo de vigência da apólice, e sob pena de caracterização de sinistro, deverá ser apresentada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional: I - a renovação da apólice de seguro garantia, respeitados os termos do art. 3º, inciso VI e art. 6º, § 1º, pelo tomador ou pela seguradora; ou II - nova garantia, pelo tomador, considerada suficiente e idônea pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
O art. 4. da Portaria preconizou que
"Poderão ser objeto de cosseguro tanto as apólices de seguro garantia para execução fiscal quanto para negociação administrativa. Parágrafo único. Não é permitida operação de cosseguro com participação de seguradora sem assunção de responsabilidade."
Segundo o seu art. 5,
"As apólices de seguro garantia deverão seguir os modelos de apólice padrão definidos nos Anexos I e II.§ 1º As condições contratuais restritas à relação entre a seguradora e o tomador, cujo teor não poderá prejudicar os direitos do segurado, nem modificar as cláusulas dos Anexos I e II, deverão estar previstas em contrato apartado e dispensam a aceitação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.§ 2º Prevalecerá o disposto nesta Portaria e nos modelos dos Anexos I e II em caso de conflito com as condições contratuais descritas no § 1º.§ 3º O disposto nesta Portaria e nos modelos dos Anexos I e II não exclui a obrigatoriedade de observância de outros atos normativos editados pelos órgãos reguladores e fiscalizadores de seguros privados."
Nos termos do art. 6. da Portaria,
"
O tomador deverá apresentar os seguintes documentos no oferecimento e na renovação da garantia: I - apólice do seguro garantia; II - comprovação de registro da apólice junto à Superintendência de Seguros Privados - Susep; e III - certidões emitidas pela Susep que atestem a situação da seguradora
. § 1º A idoneidade e a autorização a que se referem o art. 3º, § 1º, serão aferidas pela apresentação de certidões emitidas pela Susep, que atestem a capacidade da seguradora e eventuais cosseguradoras para ofertarem o seguro garantia, ressalvada a situação prevista no art. 14, § 5º. § 2º O registro da apólice e a validade das certidões que atestem a situação da seguradora deverão ser conferidos no sítio eletrônico da Susep. § 3º A ocorrência dos apontamentos previstos no art. 5º, incisos I, II, XI, XII e XIII, da Circular Susep nº 691, de 24 de julho de 2023, impedem a aceitação e a renovação do seguro garantia, enquanto não regularizadas as situações identificadas, sem prejuízo da avaliação das demais circunstâncias constantes das certidões que atestem a situação da seguradora. § 4º A ocorrência dos apontamentos previstos no art. 5º, incisos I e II, da Circular Susep nº 691, de 24 de julho de 2023, não impedem a renovação do seguro garantia quando existente Plano de Regularização de Solvência - PRS ou Plano de Regularização de Suficiência de Cobertura - PRC em andamento, respectivamente. § 5º Caso verificada a ocorrência dos apontamentos descritos no § 3º após a aceitação do seguro, o tomador deverá providenciar perante a seguradora a regularização das situações que impedem a renovação do seguro garantia, ou apresentar nova garantia, suficiente e idônea. § 6º A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá notificar a seguradora e o tomador para regularizar as situações que impedem a renovação do seguro garantia ou para apresentar nova garantia, na hipótese do § 5º. § 7º A Procuradoria-Geral Adjunta da Dívida Ativa da União e do FGTS da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá expedir orientações sobre a avaliação das circunstâncias constantes das certidões emitidas pela Susep que atestem a situação da seguradora. § 8º A regularização das situações que impedem a renovação do seguro garantia, ou a apresentação de nova garantia, suficiente e idônea, devem ocorrer antes do término do prazo de vigência da apólice do seguro garantia, sob pena de caracterização do sinistro - art. 12, inciso III."
A Portaria também versou sobre as hipóteses caracterizadoras do sinistro (art. 12), dentre outros tópicos.
2.44. Certidões de regularidade
fiscal:
A Constituição da República preconiza, no seu art. 5º. XXXIV, que
"
são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: (...) b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal
."
No que toca à obtenção de certidões de regularidade fiscal, deve-se atentar, ademais, para o art. 205, CTN: "
A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido
. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição."
Cumpre ter em conta, de partida, que, no âmbito federal, as certidões mais destacadas são a (a) certidão negativa de débitos - INSS; (b) certidão negativa de débitos expedida pela Receita Federal e (c) certidão negativa de inscrição em dívida ativa. Desde a publicação da portaria conjunta PGFN/SRF n º 3, de 22 de novembro de 2005 - emitida pela Procuradoria da Fazenda e pela Receita Federal -, tem sido emitida uma certidão única, na forma do seu art. 2º: "
A Certidão Conjunta Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União será emitida quando não existirem pendências em nome do sujeito passivo: I - perante a SRF, relativas a débitos, a dados cadastrais e à apresentação de declarações; e II - perante a PGFN, relativas a inscrições em cobrança."
Referidos atestados são exigidos para a contratação com o Poder Público e para obtenção de benefícios e incentivos fiscais (art. 195, §3º, CF/88; art. 27, V e art. 29, III, lei 8666/93 etc). O fato é que, como regra, aludidas certidões de regularidade fiscal apenas podem ser negadas quando promovido o pertinente lançamento fiscal:
"
Só o crédito constituído pelo lançamento permite certificar a existência de débito. Falha de contribuições. Contribuições em aberto. Insuficiência. Não basta eventual presunção do Fisco de que o contribuinte não tenha cumprido suas obrigações tributárias. Não é suficiente, e.g., que deixe de constar do sistema de controle de arrecadação ingressos a título de determinada contribuição mensal. É preciso que o Fisco constitua o crédito pelo lançamento (art. 142), estabelecendo, com isso, sua certeza e liquidez
." (PAULSEN, Leandro.
Direito tributário:
Constituição e Código Tributário à luza da doutrina e da jurisprudência. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 1274).
Nos casos de tributos submetidos a lançamento por homologação - ou seja, tributos a cujo respeito o próprio contribuinte deve calcular o
quantum debeatur
e adimpli-los sem uma prévia conferência do Fisco -, como regra, as certidões de regularidade apenas podem ser recusadas pelo Estado depois de promovido o lançamento de revisão, previsto no art. 150, §4º, CTN.
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
O contribuinte tem direito à certidão negativa de débito quando a recusa de seu fornecimento está fundada na ausência do procedimento administrativo concernente à homologação do tributo. Se é por meio do lançamento que o crédito tributário é constituído, sem ele não há cogitar de débito, afigurando-se, por isso mesmo, ilegal e abusiva a recusa da autoridade administrativa em expedir a certidão negativa de débito, uma vez que, antes do lançamento, existe tão-somente uma obrigação fiscal, despida de exigibilidade
. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Não houve o necessário prequestionamento no que pertine aos dispositivos legais tidos como contrariados, que não foram enfrentados pelo v. acórdão guerreado, pelo que se impõe, igualmente, o não conhecimento do recurso especial pela ausência do prequestionamento explícito dos dispositivos de lei federal tidos por objurgados (Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal), entendido como o necessário e indispensável exame da questão pela decisão atacada. Recurso especial não conhecido. Decisão por unanimidade. ..EMEN: (RESP 199900466560, FRANCIULLI NETTO, STJ - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:22/04/2002 PG:00185 ..DTPB:.)
Anote-se, todavia, que - nas situações em que o contribuinte apresenta DCTF (declaração de compensação de tributos federais)-, há julgados enfatizando que o requisito do lançamento seria suprido. Esse também é o entendimento de Leandro Paulsen, quando diz que "
suprem o lançamento, entretanto, a apresentação de DCTF ou outra qualquer confissão de dívida
."
(PAULSEN, Leandro. Direito tributário, p. 1274).
Compartilho, todavia, do entendimento de que, mesmo nesses casos - ou seja, de apresentação de DCTF -, a certidão negativa apenas poderá ser negada pelo Fisco caso tenha havido o pertinente lançamento de revisão, evidenciando falha/incorreção na declaração de compensação promovida pelo próprio contribuinte.
TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. COMPENSAÇÃO DECLARADA EM DCTF. NECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o pagamento feito pelo contribuinte extingue a obrigação, sob condição resolutória da ulterior verificação pela autoridade administrativa (art. 150, § 1º, do CTN). 2.
O fato de a compensação ter sido declarada em DCTF não exime o Fisco da instauração de prévio procedimento administrativo a fim de verificar a existência de irregularidades e lançar a obrigação, constituindo o crédito tributário. Não se trata, in casu, de tributo confessado e impago - fato que autorizaria a inscrição em dívida pelo valor declarado, dispensando o lançamento -, mas de declaração de quitação dos débitos mediante compensação, que se presume válida
. (TRF 4ª Região, AMS nº 2003.70.00.010127-0/PR, 1ª Turma, Rel. Maria Lúcia Luz Leiria, dec. unânime em 31.03.2004, Publ. DJU em 12.05.2004, p. 415)
A certidão poderá ser recusada, todavia, quando o próprio contribuinte tenha promovido declaração de valores (por exemplo, em GFIP - guia de recolhimento do FGTS e informações à Previdência Social), sem que os tenha recolhido integralmente. Nesse caso, não se tratará de impugnar declarações do administrado (o que demandaria o lançamento de revisão - art. 150, §4º, CTN), mas da simples constatação de que o contribuinte não teria recolhido sequer os valores que ele próprio reconhecera dever.
TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS. DIVERGÊNCIAS ENTRE O VALOR DECLARADO E O RECOLHIDO. 1. A constituição definitiva do crédito tributário se dá pelo lançamento, nos moldes do art. 142 do CTN, podendo este ser substituído, nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, pela entrega de DCTF, GFIP, ou outro documento de confissão de dívida. 2.
Havendo divergências entre os valores declarados e aqueles efetivamente recolhidos pelo sujeito passivo, é incabível a expedição de certidão negativa de débitos, porquanto se trata de circunstância distinta daquela em que o contribuinte paga o montante declarado e o Fisco apura diferenças, hipótese em que é imprescindível o lançamento de ofício
. (AMS 200571000458286, DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 08/02/2007.)
Outro tema diz respeito à graduação da efetividade da obrigação juridicotributária, a cujo respeito destaco o que segue:
"
Exigibilidade. Surgimento. O crédito tributário, uma vez constituído pelo lançamento, é - por definição - líquido e certo. A exigibilidade surgirá com o inadimplemento no prazo legal
."
(PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 6ª ed., Livraria do advogado, p. 1013.)
Ademais,
"O crédito tributário passa por
diferentes momentos de eficácia
: crédito simplesmente constituído (pela ocorrência do fato gerador) torna-se crédito exigível (pelo lançamento notificado ou pela decisão administrativa definitiva) e finalmente, crédito exeqüível (pela inscrição nos livros da dívida ativa), dotado de liquidez e certeza."
(TORRES, Ricardo Lobo.
Curso de direito financeiro e tributário.
14. ed., Renovar, p. 273)
Em princípio, a existência de lançamento, desde que definitivo,
já
basta para que a certidão negativa de débitos fiscais seja recusada (exceção feita ao disposto no art. 3º, §1º, I, da mencionada Portaria Conjunta 03/2005). Como destaquei acima, contanto que haja lançamento de revisão (art. 150, §4º, CTN/66) - e lançamento definitivo -, a certidão de regularidade poderá ser recusada, exceto no curso do prazo do art. 15 do decreto 70.235:
"
A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência.
"
Art. 3º A Certidão Conjunta Positiva com Efeitos de Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União será emitida quando, em relação ao sujeito passivo, constar débito relativo a tributo federal ou a inscrição em Dívida Ativa da União, cuja exigibilidade esteja suspensa na forma do art. 151 da Lei n o 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN). §1º A certidão de que trata o caput também será emitida quando, em relação ao sujeito passivo, existir débito: I - relativo a tributo federal cujo lançamento se encontre no prazo legal de impugnação, conforme art. 15 do Decreto n o 70.235, de 6 de março de 1972; II - inscrito em Dívida Ativa da União, garantido mediante penhora de bens cuja avaliação seja igual ou superior ao montante do débito atualizado.
O fato de eventualmente não haver inscrição em dívida ativa não enseja, por si, que a certidão de regularidade em causa seja emitida. Em princípio, basta que haja lançamento, nos termos da legislação em vigor
(art. 205, CTN). Cumpre não confundir a exigibilidade do tributo, de um lado, com a exequibilidade do débito respectivo, de outro. Em princípio, todo tributo lançado já é exigível; por sinal, os consectários moratórios retroagem à data do vencimento original. Exequível é apenas o débito inscrito em dívida ativa.
"1. A inscrição em dívida ativa não é requisito para recusa à emissão de certidão negativa de débito, bastando, para tanto, a constituição definitiva do crédito tributário, regra que não se excepciona aos tributos sujeitos ao chamado lançamento por homologação, tal qual se dá na espécie." (RESP 200900581493, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/10/2009 ..DTPB:., omiti parte da ementa)
Enquanto estiver sob discussão administrativa o referido lançamento, o contribuinte tem o direito à emissão da certidão positiva com efeitos de negativa (art. 206, CTN), como explicita Hugo de Brito Machado
:
"Outra divergência profunda diz respeito ao momento em se deve considerar exercido o direito de construir o crédito tributário. Segundo as diversas correntes doutrinárias, esse momento seria:
(a) aquele em que o Fisco determinasse o montante a ser pago e intimasse o sujeito passivo para fazê-lo; (b) a decisão, pela procedência da ação fiscal, em primeira instância administrativa; (c) a decisão definitiva em esfera administrativa; (d) a inscrição do crédito tributário como dívida ativa.
Para quem se situa na posição 'a', um simples auto de infração seria o lançamento. Com a sua lavratura estaria exercido o direito de constituir o crédito tributário e, portanto, não se poderia mais cogitar de decadência.
Tal posição nos parece insustentável. O lançamento, como vimos ao estudar a constituição do crédito tributário, é procedimento administrativo integrado em duas fases. A lavratura do auto de infração é o encerramento apenas na primeira fase. Com a impugnação formulada pelo sujeito passivo tem início a fase litigiosa que é a segunda do procedimento administrativo de lançamento.
O Tribunal Federal de Recursos orientou suas decisões no sentido de que o auto de infração é lançamento tributário, e não apenas início do procedimento administrativo de lançamento. Essa posição, todavia, não se concilia com a tese, também adotada por aquele Colendo Tribunal, de que a Administração, quando tiver de fazer um lançamento tributário, há
de assegurar o direito de defesa ao contribuinte. A oportunidade de defesa é obviamente posterior à lavratura do auto de infração. Assim, ou o lançamento não se completa com o auto de infração, ou se se completa, a oportunidade de defesa não é essencial no lançamento.
Para os que se colocam na posição 'b' o auto de infração ainda não seria um lançamento por lhe faltar o pronunciamento de autoridade administrativa com poder decisório, não tendo sido assegurado ao sujeito passivo o direito de defender-se. Assim, com o julgamento da impugnação em primeira instância estaria suprida essa falta, completando-se o lançamento.
Também não nos parece que seja assim. Se a própria administração fazendária ainda admite discutir a exigência, é porque esta não está ainda perfeita, assentada em bases definitivas, o que na verdade só vem a ocorrer com o julgamento último, ou com a não interposição do recurso no prazo legal. A fragilidade da posição 'b' se revela sobretudo nos casos em que a decisão em primeira instância seja contrária à Fazenda Pública e venha a ser reformada, prevalecendo afinal a exigência.
Com efeito, acertada nos parece a posição 'c', pois somente quando a Administração, que é parte no procedimento e é quem efetua o lançamento, não mais admite discuti-lo, pode-se considerar consumado o lançamento.
Consuma-se, pois, o lançamento:
1º) não havendo impugnação, com a homologação do auto de infração;
2º) havendo impugnação e sendo a decisão primeira favorável à Fazenda, se o sujeito passivo não recorrer;
3º) havendo recurso, com a decisão definitiva, favorável à Fazenda.
Em resumo: o lançamento está consumado, e não se pode mais cogitar de decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser discutida na esfera administrativa." (MACHADO, Hugo de Brito.
Curso de Direito Tributário.
5. ed., p. 135/137)
Também nesse sentido, menciono o seguinte julgado do STJ:
"1. Esta Corte, na ocasião do julgamento do REsp 128.524/RS, pacificou entendimento no sentido da impossibilidade de recusa de expedição de Certidão Negativa de Débitos (CND), enquanto não-constituído definitivamente o crédito tributário. 2. Considera-se definitivamente constituído o crédito tributário com o lançamento definitivo. Tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, nos termos do art. 150 do CTN, a constituição do crédito tributário dá-se com a declaração do débito pelo contribuinte, por meio de DCTF ou GIA (Precedentes). Por sua vez, em havendo lançamento de ofício, a constituição do crédito tributário ocorre quando o contribuinte é regularmente notificado do lançamento (Precedentes). 3.
Para que o crédito tributário seja definitivamente constituído, em se tratando de tributos lançados diretamente pela autoridade administrativa, o contribuinte deve ser notificado; após, lhe é aberto um prazo para impugnação; havendo a apresentação de recurso administrativo, o lançamento fica sujeito a futuras alterações, cujas ocorrências somente serão verificadas após decisão administrativa, momento em que o lançamento torna-se definitivo e, portanto, em que se constitui o crédito tributário
. 4.
A jurisprudência desta Corte tem consignado que somente quando exaurida a instância administrativa é que se configura a constituição definitiva do crédito fiscal
(REsp 239.106/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 24.4.2000, p. 48; REsp 32.843/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 26.10.1998, p. 99; REsp 649.684/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28.3.2005, p. 211; REsp 173.284/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31.3.2003, p. 183; REsp 620.283/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.9.2005, p. 270; REsp 264.041/AL, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 4.6.2001, p. 63; REsp 195.667/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 26.4.1999, p. 60; AgRg no REsp 641.448/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 1º.2.2005, p. 436). 5. Seguindo essa linha de raciocínio, no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário somente se implementa com a resolução na esfera administrativa das pendências existentes em relação ao lançamento do débito fiscal, e associando essa orientação ao entendimento de que, enquanto não estiver definitivamente constituído o crédito, deve ser deferida a expedição de Certidão Negativa de Débito (CND), infere-se que, no caso dos autos, foi acertada a conclusão do acórdão recorrido, que entendeu devido o fornecimento de certidão negativa de débitos fiscais, porquanto ainda não-constituído definitivamente o crédito tributário, na medida em que não houve encerramento das discussões acerca do lançamento na esfera administrativa. 6. Recurso especial desprovido. ..EMEN:" (RESP 200301682227, DENISE ARRUDA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/03/2006 PG:00192 ..DTPB:.)
Por conseguinte, quando o contribuinte está discutindo, no âmbito administrativo, a validade do lançamento, a certidão positiva com efeitos de negativa não lhe pode ser recusada (art. 206, CTN).
2.45. Ônus da prova - exame precário:
No presente caso, há uma natural assimetria entre a parte autora e o IBAMA, dado o poderio burocrático da demandada. Isso não implica, porém, por si, a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. Ao menos, não para fins de antecipação de tutela.
Conquanto a teoria da distribuição dinâmica da prova, acolhida pelo art. 373, CPC/15, tenha seu relevo, cumprindo papel importante no processo, deve ser empregada como circunspeção, como anota Araken de Assis:
"(....)
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a)
o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro
; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
Em primeiro exame, incumbe à parte autora o ônus de comprovar a veracidade da narrativa dos fatos, veiculada na peça inicial, o que tomo em conta para fins de avaliação do pedido de antecipação de tutela. RESSALVO nova análise desse tema por época do saneamento da demanda - art. 357, CPC.
2.46. Elementos de convicção - exame precário:
A empresa autora apresentou, com a peça inicial, cópia do instrumento de contrato societário, do que destaco:
Anotou-se que o capital social da requerente seria o seguinte:
O Fisco cobrou da empresa valores a título de TCFA:
Período de abril de 2019 a março de 2024.
Sustentou-se, então, que a requerente atuaria nos seguintes setores da economia nacional:
Ela apresentou cópia do registro junto ao cadastro técnico federal - CTF, emitido em 09 de março de 2020.
Anexou fotos do maquinário da empresa. Esses são os elementos de convicção veiculados no evento1.
2.47. Valoração precária dos elementos apresentados:
Detalhei alguns vetores relevantes para a apreciação do pedido de antecipação de tutela.
Enfatizo que se cuida de exame precário, contingente, suscetível de ser revisto no curso da demanda e na sentença, eis que fundado em cognição
prima facie,
sendo que por época da prolação de sentença todos os elementos veiculados nos autos deverão ser apreciados de modo exaustivo
.
No momento, reitero que a TCFA é tributo. Logo, não se cuida de multa cominada pela eventual prática de ilícito administrativo. Por conta disso, o valor pode ser cobrado pelo Erário mesmo quando a empresa estaja cumprindo suas obrigações para com a manutenção do equilíbrio ambiental. Conforme conceito verbalizado no art. 3 do Código Tributário Nacional, o tributo não se confunde com sanção decorrente da prática de infrações administrativas, civis, penais ou de alguma outra ordem.
Por outro lado, em primeira análise, a incidência da TCFA decorre da atividade econômica efetivamente exercida pela empresa, de modo a suscitar a necessidade de atos de fiscalização pelo IBAMA. Repiso que, ao veicular o art. 17-B na lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, a lei 10.165, de 27 de dezembro de 2000, estipulou
"Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais."
Aludida norma tem sido reputada válida pelos Tribunais:
APELAÇÃO CIVIL. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL ARRECADA PELO IBAMA. TAXA DE POLÍCIA . CONSTITUCIONALIDADE. ENQUADRAMENTO DA EMPRESA NO ROL DE ATIVIDADES POTENCIALMENTE POLUIDORAS E UTILIZADORAS DE RECURSOS AMBIENTAIS EM GRAU ALTO. TRIBUTO DEVIDO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA . RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Agravo retido da autora desprovido. A primeira perícia foi realizada sem a intimação das partes, em clara violação do contraditório . 2. Matéria preliminar afastada. A sentença não é citra petita por "desconsiderar" os argumentos e provas que, no entender da apelante convalidam a sua tese. No sistema da persuasão racional o Juiz é livre na apreciação das provas, desde que indique os motivos e fundamentos do seu convencimento, justamente como ocorreu no caso dos autos . Caso em que a autora, que "reclama" de sentença claudicante quanto a fundamentação, não se deu ao trabalho de interpor embargos de declaração. 3. A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), nos termos do artigo 17-B da Lei nº 6.938/81 (alterada pela Lei nº 10 .165/2000), tem por fato gerador o exercício regular do poder de polícia conferido ao IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. Percebe-se que referido tributo se enquadra no conceito de "taxa de polícia", pois objetiva remunerar o custo da atividade de fiscalização, cuja efetividade é presumida em favor da Administração Pública (COSTA, REGINA HELENA. Curso de Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009) . 4.
No âmbito do STF, o entendimento de que a TCFA é constitucional foi firmado no julgamento do RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 416.601/DF, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso, que em seu voto asseverou:...Não há invocar o argumento no sentido de que a taxa decorrente do poder de polícia fica "restrita aos contribuintes cujos estabelecimentos tivessem sido efetivamente visitados pela fiscalização"...Destarte, os que exercem atividade de impacto ambiental tipificadas na lei sujeitam-se à fiscalização do IBAMA, pelo que são contribuintes da taxa decorrente dessa fiscalização, fiscalização que consubstancia, vale repetir, o poder de polícia estatal... Nesse sentido, portanto, é a jurisprudência acerca do tema (STF - AI 860067 AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 10/2/2015, publicado em 5/3/2015; STJ - AgRg no Ag 1419767/MG, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/6/2012, DJe 1/8/2012; TRF 3ª Região - QUARTA TURMA, AC 0016343-07.2008.4.03 .6100, Relatora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA, julgado em 27/11/2014, e-DJF3 15/1/2015; SEXTA TURMA, AC 0011754-21.2003.4.03 .6108, Relator Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, julgado em 27/11/2014, e-DJF3 5/12/2014)
. 5. Verificado que a apelante, dedicada à indústria e comércio de antenas, está inscrita no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais (CTF/APP) na categoria 3 - INDÚSTRIA METALÚRGICA - fabricação de artefatos de ferro, aço e de metais não-ferrosos com ou sem tratamento de superfície, inclusive galvanoplastia - prevista no anexo VIII da Lei nº 6.938/81 . 6. O potencial de poluição (pp) e o grau de utilização de recursos naturais (gu) da categoria 3 - INDÚSTRIA METALÚRGICA está classificado como ALTO no anexo VIII da Lei nº 6.938/81, ensejando o recolhimento de TCFA. 7 . Diante desse quadro, a conclusão da perícia técnica de que a apelante "não possui potencial poluidor ao meio ambiente", em virtude da destinação ecologicamente correta dos efluentes industriais e dos resíduos sólidos oriundos de suas atividades fabris e administrativas, é insuficiente para afastar a incidência da TCFA. 8. Sentença de improcedência mantida. (TRF-3 - Ap: 00176335720084036100 SP, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 30/06/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/07/2016)
Por outro lado,
em primeiro exame
, a inscrição junto ao cadastro técnico federal
não
é condição necessária para a incidência do tributo. Caso a empresa desempenhe atividades que ensejem a incidência da taxa em questão, a ausência de inscrição junto ao CTF não impedirá a sua exigibilidade, tanto quanto a ausência de apresentação de declaração de imposto de renda não impede a cobrança do tributo pertinente.
Segundo já deliberado pelos Tribunais,
"
Cumpre esclarecer que a obrigação tributária do pagamento da TCFA somente nasce a partir do efetivo exercício de atividade potencialmente poluidora
ou
utilizadora de recursos ambientais
, de modo que ausente tal atividade deixa de existir o fato gerador do tributo, sendo irrelevante a informação constante nos cadastros do IBAMA para determinar o surgimento e o desaparecimento do fato gerador da obrigação tributária."
(TRF-5 - Ap: 08003275520204058205, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL BRUNO LEONARDO CAMARA CARRA (CONVOCADO), Data de Julgamento: 19/10/2021, 4ª TURMA)
Assim, com cognição precária, parece que a questão está em saber se a empresa autora teria desempenhado atividades que a submeteriam ao pagamento da taxa em questão. No caso, ela sustentou que a cobrança da TCFA teria decorrido do fato de que, no passado, ela teria atuado no setor de tinturaria, transferindo aludida atividade para terceirizadas, a partir do início de 2020.
Registro, porém, que, ao que consta, o IBAMA promoveu o lançamento da TCFA por conta das aventadas atividades da autora:
Repiso que no preenchimento do CTF de março de 2020, ela detalhou como sendo suas atividades a fabricação de resinas e fibras, fios artificiais, beneficiamento de fibras têxteis, fabricação de calçados. Aludida atividade consome recursos ambientais, podendo ensejar, em princípio, a incidência do aludido tributo.
Ademais, com cognição precário, reputo que peça inicial não foi instruída com comprovantes de que a empresa não teria exercidio atividade ensejadora da cobrança da TCFA quanto ao período em questão. De partida, quando menos parte do período em causa ensejaria a incidência do tributo, a vingar sua própria narrativa. Ela disse ter deixado de atuar no setor da tinturaria no início de 2020. O lançamento compreende valores pretensamente devidos no curso de 2019. Reitero ainda que o IBAMA parece não ter tomado em conta apenas a questão alusiva à tinturaria.
Ela juntou aos autos fotos de máquinas desligadas. Mas, isso não chega a servir como prova de que, ao tempo reportado pelo IBAMA para fins de lançamento, a empresa estaria realmente desvinculada da aludida atividade. Não fori comprovada a terceirização e a data correspondente. E tampouco foi demonstrado, em primeiro e precário exame - sem prejuízo de nova análise - que a empresa não tenha atuado em setores econômicos ensejadores da incidência da taxa de controle e fiscalização antes aludida.
INDEFIRO, por conta do exposto, o pedido de antecipação de tutela - art. 300, CPC.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o caso, na forma do art. 109, I, Constituição e do art. 10 da lei n. 5.010/66.
3.2. INTIME-SE a parte autora para informar e comprovar a sua receita bruta anual, a fim de que o Juízo possa avaliar se a causa há de tramitar sob o rito dos Juizados ou se haverá de ser processada sob o rito comum - art. 6 da lei n. 10.259/2001. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.3. VOLTEM-ME conclusos oportunamente para extinção da demanda sem solução do mérito, caso aludida emenda não seja promovida no prazo assinalado - art. 321 e art. 485, I, CPC.
3.4. A
NOTO que não diviso conexão desta demanda com alguma execução fiscal porventura em curso. Nâo há notícia de alguma execução fiscal em trâmite versando sobre a cobrança fiscal impugnada neste processo.
3.5. ACRESCENTO que, em primeiro exame, a presente demanda aparenta ser singular, não havendo indicativos de violar coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, Código de Processo Civil) ou incorrer em litispendência, definida no art. 337, §2, CPC/15.
3.6. EXTINGO a demanda sem solução de mérito no que toca à pretensão endereçada à União Federal, eis que é parte ilegítima para o processo. A cobrança da TCFA é incumbência do IBAMA. Deixo de arbitrar honorários sucumbenciais eis que, mantido o rito dos Juizados, são incabíveis em 1. instância (arts 54 e 55 da lei n. 9.099/1995). Ademais, mesmo que assim não fosse, a requerida não chegou a ser citada nesta demanda.
3.7. REGISTRO que as demais partes estão legitimadas para a demanda e que a autora atua com interesse processual - art. 17, CPC. Não diviso um contexto que imponha a formação de litisconsórcio necessário nesse caso.
3.8. DESTACO que a pretensão deduzida pela empresa autora não foi atingida pela prescrição, na forma do art. 168, CTN. O instituto da decadência se não aplica no que toca ao direito por ela invocado na peça inicial.
3.9. EQUACIONEI acima, com cognição precária, alguns vetores relevantes para a apreciação do pedido de antecipação de tutela formulado pela autora. Tratei da compleição jurídica da TCFA, o entendimento dos tribunais a respeito da sua constitucionalidade, discorri sobre o cadastro técnico federal, sobre a eventual suspensão da exigibilidade de tributos, sobre o oferecimento de caução e os efeitos porventura disso decorrentes.
3.9. DETALHEI os elementos de convicção veiculados no movimento 1, com cognição precária.
3.10. REGISTRO que, para fins de antecipação de tutela, não se revela cabível a inversão do ônus da prova, na forma do art. 373, §1, CPC, de modo que incumbe à parte autora apresentar elementos de convicção densos a respeito da narrativa dos fatos promovida na peça inicial.
3.11. INDEFIRO, no caso em exame, o pedido de antecipação de tutela, conforme registrado acima.
3.12. INTIMEM-SE as partes a respeito desta decisão.
3.13. CITE-SE o IBAMA - tão logo a emenda seja promovida pela parte autora - para, querendo, apresentar resposta ou proposta de acordo em 30 dias úteis, contados na forma dos arts. 219, 224, 231 e 335, CPC. Deverá o demandado, na mesma oportunidade, juntar a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, conforme lógica do art. 438, CPC
3.14. INTIME-SE a parte autora para, querendo, apresentar réplica à contestação, tão logo seja juntada aos autos. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação, conforme arts. 219, 224, 351, CPC e art. 5 da lei n. 11.419/06.
3.15. VOLTEM-ME conclusos, na sequência, para deliberar a respeito do rito a ser empregado no caso, com imposição de retificação da autuação, eis que até o momento a causa tem tramitado como "petição".
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Processo nº 5010483-61.2024.4.04.7001
ID: 331414065
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5010483-61.2024.4.04.7001
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLOS HENRIQUE RODRIGUES PINTO
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5010483-61.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: REGINA DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: CARLOS HENRIQUE RODRIGUES PINTO (OAB PR092044)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 12 de …
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5010483-61.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: REGINA DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: CARLOS HENRIQUE RODRIGUES PINTO (OAB PR092044)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 12 de junho de 2024,
REGINA DOS SANTOS
deflagrou a presente demanda, sob rito dos juizados, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e do SINDICATO NACIONAL DOS APOSENTADOS, PENSIONISTAS E IDOSOS DA FORÇA SINDICAL - SINDNAPI e ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - ANAPPS, pretendendo que o Poder Judiciário declare que ela não manteria relação jurídica com os aludidos sindicatos e condenação dos réus à reparação de danos materiais e morais que disse ter suportado.
Para tanto, a autora alegou auferir proventos pelo regime geral previdenciário, e ter constatado a realização, à sua revelia, de descontos no seu benefício, a título de contribuição à SINDIAPI e ANAPPS, entre abril e maio de 2024. Alegou não ter autorizado aludidos descontos mensais e que se aplicariam ao caso a lei 8.078/90, bem como o art. 186 e 927 do Código Civil/2002. Ademais, pediu a condenação dos requeridos a lhe pagarem o dobro dos valores descontados nos seus benefícios previdenciários e à reparação de danos morais que disse ter suportado, a ser promovida mediante pagamento de indenização no valor de R$ 15.000,00. Pugnou pela concessão da gratuidade de justiça e inversão do ônus da prova, ao tempo em que juntou documentos. Atribuiu à causa o valor de R$ 15.112,96.
No movimento
7.1
, o INSS alegou não estar legitimado para a demanda, discorreu as normas disciplinadoras do desconto de mensalidades em favor de associações sindicais e sustentou a ausência de vantagem financeira para a autarquia, em razão dos alegados fatos. Argumentou ser culpa exclusiva de terceiro e ser inválida a pretensão à sua condenação ao pagamento de indenização a favor da autora. Invocou o tema 183 da TNU, requerendo que sua responsabilização - caso venha a ser reputada devida - tenha cunho subsidiário.
Seguiu-se réplica no movimento
11.1
, em que a autora reiterou os argumentos da peça inicial.
A SINDNAPI apresentou contestação no movimento
19.1
, alegando faltar interesse processual à autora, sua ilegitimidade passiva e indeferimento da petição inicial. No mais, disse que os descontos suportados pela autora seriam oriundos do termo de filiação de outra instituição (SINDIAPI), o que implicaria em sua exclusão da demanda. Enfatizou a diferença de CNPJ e nomenclatura das entidades, restando demonstrada a má-fé da autora por tentar induzir o juízo em erro. Argumentou ser cabível a remessa dos autos para o Ministério Público Criminal por fraude processual. Quanto ao mérito, pugnou pela improcedência da demanda.
A autora juntou sua réplica, repisando os argumentos esgrimidos na peça inicial. As partes não requereram a promoção de dilações probatórias.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
desta unidade jurisdicional:
RECONHEÇO a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a pretensão do(a) autor(a) foi endereçada ao INSS, autarquia federal criada com força no art. 17 da lei n. 8.029/1990. Logo, restou atendido o art. 109, I, Constituição/88 e art. 10 da lei n. 5.010/66.
Por outro lado, a causa submete-se à alçada dos Juizados Especiais, dado que o conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial é inferior a 60 salários mínimos, conforme definidos na lei nº 14.158, de 2021. Conquanto o(a) autor(a) tenha alegado que os descontos promovidos no seu benefício previdenciário seriam inválidos, a sua pretensão é de natureza condenatória. O(A) demandante postulou que os requeridos se abstenham de promover aludidos desbastes nos seus proventos de pensão/aposentadoria.
Considerando que a nulidade dos descontos - por conta da alegada ausência de vínculos contratuais - foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido, o processamento desta demanda sob o rito dos Juizados Federais não esbarra no art. 3º,§1º, III, da lei nº 10.259, de 2001. Registro que a competência dos juizados é absoluta, na forma dos arts. 98, I, CF/88 e art. 3º, da lei n. 10.259/2001.
Atente-se para a súmula 115, TRF4:
"Ação em que a parte autora objetiva a mera declaração de um direito, cujo reconhecimento acarretaria modificação de atos administrativos apenas de maneira reflexa, torna inaplicável a regra prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/2001, prevalecendo a competência absoluta pelo valor da causa, do JEF."
Ademais,
"devem tramitar nos JEFs as ações, cujo conteúdo econômico não exceda o limite de sessenta salários-mínimos, exceto nas hipóteses elencadas no parágrafo primeiro.
Em sendo pleiteada a declaração da impropriedade da via eleita para os descontos realizados em folha de pagamento, com a devolução dos valores já descontados a esse título, não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais causas valoradas até 60 (sessenta) salários mínimos, uma vez que não há pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa - no caso, a decisão administrativa que negou o requerimento veiculado na via administrativa
. Em outros termos, o ato que indeferiu administrativamente o pedido constitui apenas a causa de pedir, a motivação da demanda, mas não integra seu pedido, que, em sua essência, tem conteúdo declaratório e condenatório."
(TRF-4 - CC: 50311861120174040000 Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 14/12/2017, SEGUNDA SEÇÃO)
A eventual necessidade de diligência pericial ou mesmo a cogitada complexidade da questão discutida não é fator de exclusão da competência dos juizados especiais federais, como bem evidenciam os julgados abaixo transcritos:
CIVIL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. CRITÉRIO DO VALOR DA CAUSA. NECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. COMPLEXIDADE COMPATÍVEL COM O RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 64, parágrafo 3º, CPC. REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL. ÔNUS DO JUIZ DECLARADO INCOMPETENTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A Lei n.º 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal, estabeleceu a competência dos Juizados Cíveis, limitando-a, no art. 3º, caput, às causas cujo valor não ultrapasse sessenta salários mínimos, excetuando apenas as hipóteses previstas no parágrafo 1º do referido dispositivo.
Tal competência é absoluta, conforme dispõe o parágrafo 3º do mencionado artigo. 2. A necessidade de produção de prova pericial não é incompatível com o rito dos Juizados Especiais Federais, tendo em vista que a própria Lei 10.259/2001, em seu art. 12, caput, prevê a possibilidade.
3. Na hipótese, a pretensão do autor, ora apelante, diz respeito ao ressarcimento do dano material sofrido, correspondente ao valor do cheque que teria sido pago indevidamente, na importância de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. Tendo em vista que o valor da causa estabelecido, R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais), está abaixo da limitação legal de 60 (sessenta) salários mínimos, não se pode afastar a competência do Juizado Especial Federal para processamento e julgamento do feito, posto que absoluta, não sendo a necessidade de realização da perícia grafotécnica suficiente para deslocá-la. 5. O art. 64, parágrafo 3º, do CPC/2015 dispõe que o acolhimento da incompetência absoluta enseja a remessa dos autos ao juízo competente e não a extinção do feito sem resolução do mérito, sendo atribuição do juízo que se declarou incompetente providenciar a remessa dos autos ao juízo competente. 6. Apelação parcialmente provida para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de que providencie a remessa do processo ao Juizado Especial Federal. (TRF-5 - AC: 08070396320174058400, Relator: Desembargador Federal Edílson Nobre, Data de Julgamento: 22/11/2017, 4ª Turma)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. COMPLEXIDADE. VALOR DA CAUSA. 1.
Diversamente do que ocorre em relação aos Juizados Especiais Estaduais, cuja competência é determinada pela natureza da ação - causas de menor complexidade -, no âmbito federal a competência, de natureza absoluta, é fixada com base no valor atribuído à causa
. 2. A competência para apreciação das causas até sessenta salários mínimos é dos Juizados Especiais Federais, em caráter absoluto. 3. Incumbe ao magistrado, de ofício, o dever de direção do processo (art. 125 do CPC) e o zelo pela aplicação das normas de direito público, aí envolvidas questões de ordem pública, tais como o controle do valor da causa, a fim de possibilitar a correta aferição da competência para o julgamento da lide, não podendo se admitir mera estimativa do valor dado à causa pela parte autora. (TRF-4 - AG: 50252224220144040000 5025222-42.2014.4.04.0000, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 19/11/2014, SEXTA TURMA)
Desse modo, a tramitação desta causa sob o rito dos Juizados Especiais revela-se escorreita.
2.2. Pertinência subjetiva do
INSS
para a causa:
O INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios em consignação de pagamentos, no âmbito de prestações previdenciárias:
DIREITO ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
2.3. Pertinência subjetiva do SINDNAPI
para a causa:
A autora deduziu pretensão à condenação dos requeridos a se absterem de promover descontos em seus proventos de aposentadoria. Também requereu que eles sejam condenados a lhe restituir os valores descontados e na condenação à reparação de danos morais, mediante indenização na ordem de R$ 15.112,96.
A entidade aduziu que
"requerido também não é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda pois, repisa-se, a Autora NÃO FAZ COMO TAMBÉM NUNCA FEZ parte do quadro associativo do Requerido. Se realmente vem ocorrendo descontos indevidos em seus proventos previdenciários, estes com certeza vem ocorrendo em benefício de outra instituição que não a Entidade Requerida."
O argumento procede
Ao que consta dos relatos promovidos e da prova carreada aos autos, os desbastes do benefício dera-se, em tese, entre a autora e o SINDIAPI, sendo o SINDNAPI parte ilegítima para a causa, dado que alegada associação teria ocorrido com outro sindicato.
2.4. Interesse processual:
A demandante possui interesse processual, dado que a resposta dos requeridos bem evidencia que sua pretensão não seria acatada no âmbito extrajudicial. Ademais, a deflagração desta causa é projeção do art. 5, XXXV, Constituição, insuscetível de ser restringido pela instrução normativa aludida pelo banco demandado em sua resposta.
Caso a sua pretensão venha a ser reputada procedente, em sentença transitada em julgado, isso implicará incremento do seu patrimônio. A via processual eleita se revela idônea para o debate do tema, de modo que os requisitos do art. 17, CPC, restaram satisfeitos. Acrescento que o prévio exaurimento de debate no âmbito administrativo não é requisito para o ingresso em Juízo, com a presente demanda.
2.5. Aptidão da peça inicial:
Ao contrário do que alegou a associação requerida, a petição inicial atendeu ao art. 319, CPC/15, tendo viabilizado o exercício do contraditório pela instituição financeira e pelo INSS. O autor detalhou sua causa de pedir e seu pedido, juntando documentos na forma do art. 320, CPC. Ademais, deve-se examinar a peça com presunção de boa-fé do requerente, na forma do art. 322, §2, CPC/15. No rito dos Juizados, deve-se privilegiar certa informalidade e simplificação, conforme art. 2. da lei n. 9.099/1995.
2.6. Gratuidade de justiça:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira:
"
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou seu entendimento de que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, conforme
portaria interministerial mtp/me nº 12, de 17 de janeiro de 2022 - valor de R$ 7.087,22
:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
"INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022, destaquei)"
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
Acrescento que a gratuidade de Justiça, quando deferida, surte poucos efeitos no âmbito dos Juizados Especiais, em primeira instância, dada a exoneração de custas e verbas sucumbenciais nessa fase do processo, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099, de 1995, normas não ab-rogadas pelos artigos 82 e 85 do CPC, conforme art. 2º, §2º, do decreto-lei 4.657, de 1942. A medida pode se revelar importante, contudo, em caso de recurso para as Turmas Recursais, por força dos aludidos artigos 54/55 da lei dos juizados.
NA ESPÉCIE, ao que consta, o autor aufere renda bruta inferior ao teto dos benefícios do regime geral da previdência social - RGPS - documentos de evento-1 e conforme se infere da Portaria Interministerial MTP/ME, de 17 de janeiro de 2022.
DEFIRO, por conta do exposto, o pedido de gratuidade de Justiça, formulado pelo demandante no
movimento-1
.
2.7. Prazos prescricionais:
A pretensão da autora está submetida ao prazo prescricional de 05 anos, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
Na espécie, no que diz respeito à pretensão endereçada à autarquia, aplica-se ao caso o
prazo prescricional de 5 anos
. Referido lapso deve ser computado a partir da data em que o sujeito toma conhecimento da agressão aos seus interesses, conforme conhecido postulado da
actio nata,
e art. 189, Código Civil/2002.
No que diz respeito à associação demandada, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, art. 27
, o prazo de prescrição é de 05 anos. Caso fosse afastada a aplicação do CDC, o prazo seria de
3 anos,
por força do art. 206, §3º, V, Código Civil/2002.
2.8. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Assim, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.9. Cogitada aplicação do regime consumerista ao caso:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses. Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRONA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DETRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALORDA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transportede encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuaisparticularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoriae o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundoo valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor nãodeclarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIOFINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOSINDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa doConsumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ouserviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, queutiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suasatividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de águae, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto noartigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
Solução semelhante não pode ser dispensada, contudo, à relação entre a autora e o INSS,
eis que submetida aos ditames do direito administrativo, não se tratando de vínculo consumerista. Com efeito, na espécie, o vínculo com o INSS não deu ensejo ao pagamento de preços públicos ou tarifas -- ao contrário do que ocorre com o uso de rodovias pedagiadas, ou pagamento do fornecimento de água e energia elétrica.
Não se aplica ao caso o art. 22, CDC
, de modo que não se aplica o código do consumidor quanto à relação travada entre a autora e a autarquia.
2.10. Consequências da incidência parcial do CDC:
Dada a aplicação do CDC quanto à relação da autora e a associação demandada, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme se infere dos arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"
a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo
(...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do
consumidor
.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, CC:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"
A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva
. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC.
2.11. Considerações gerais sobre o instituto do contrato:
O contrato é projeção da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas que tenham sido avençadas. Em caso de descumprimento, eventuais cláusulas penais - se pactuadas - podem ser invocadas como meios de dissuasão do inadimplemento.
É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade das avenças, que os seus resultados sejam tidos em conta (por exemplo, isso se dá com a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51, CDC/1990 e arts. 478-480, CC/2002).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, Código Civil/2002.
Como explicita Judith Martins-Costa,
"
A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado
."
(Judith Martins-Costa.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.12. Funcionalização dos pactos:
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual.
Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado." (Judith Martins-Costa. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações.
Do adimplemento e da extinção das obrigações.
Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.13. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão
(arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.14. Eventuais
novações
contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
Na espécie, o requerido pactuou novações com o Banco do Brasil, no curso da demanda; isso não impede, todavia, a eventual revisão dos pactos anteriores, desde que atendidos os demais requisitos legais pertinentes.
2.15. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.16. Eventual
simulacro
de negociação:
Eventual emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito
implica a própria ausência do pacto
. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.17. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.18. Liberdade de associação:
Outro tema diz respeito à garantia do art. 5º, XX, CF:
"
Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado
."
No dizer de Ingo W. Sarlet,
"A liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa, incluindo, além das cooperativas (expressamente contempladas pelo texto constitucional), as associações comerciais, de natureza cultural, esportiva etc., não importando a nomenclatura, de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade."
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Curso de direito constitucional.
3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 520).
Ainda segundo Sarlet,
"Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação, mais precisamente, da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais (p.ex., Conselhos de Medicina, Odontologia, Engenharia, Advogados etc.), mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é a de que a associação exerça uma função pública, para cujo funcionamento a filiação constitui exigência."
(SARLET, Ingo Wolfgang
et al
.
Obra citada,
p. 526).
Logo, a associação é projeção de um direito potestativo: a escolha de se vincular a uma agremiação, o que encontra paralelo no direito de desvincular-se, sendo o caso.
2.19. Consignação em pagamento - desconto em folha:
Deve-se ter em conta, ademais, o
art. 115, lei n. 8.213
, de 1991, com a redação dada pela lei nº 13.846, de 2019, ao preconizar que podem ser desbastados dos benefícios pagos pelo INSS os valores pagos a maior do que o devido.
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II -
pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento
;
(...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Para tanto, contudo, quando em causa consignação em pagamento de contratos de mútuo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão etc - comprometem a validade da averbação.
Desse modo, sempre que evidenciados vícios no alegado negócio jurídico, o Poder Judiciário deverá assegurar o retorno ao
status quo ante,
o que implica a restituição ao segurado dos valores descontados indevidamente no seu benefício previdenciário. Caso tenham sido depositados valores indevidos na conta do pretenso mutuário, a quantia deverá ser restituída ao agente financeira, na forma do art. 884, Código Civil/2002 e art. 169, Código Penal, exceção feita aos casos em que o valor tenha sido depositado sem conhecimento do segurado, tendo sido gasto com boa-fé, sem perceber o equívoco cometido.
Atente-se para a lógica dos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II -
Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração
. III - Recurso Especial não provido.
(REsp 1550569/SC, STJ, 1ª Turma, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 18-05-2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1.
Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido
.
(REsp 1553521/CE, STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02-02-2016)
2.19. Elementos de convicção veiculados nos autos:
No caso em exame, a autora anexou, com a peça inicial, cópias de documentos pessoais, comprovante de residência, anexou desconto de valores no benefício da autora:
Por seu turno, o INSS apresentou cópia do decreto 10.410, de 20 de junho de 2020, juntou planilha emandada da divisão de consignação em pagamentos. Seguiu-se cópia do Divisão de Consignação em Benefícios, em 09/11/2022, proferido no processo administrativo de autos 35000.001125/2019-50. Em síntese, esses são os elementos de convicção veiculados nos autos até o momento.
2.20. Etapas subsequentes:
Impõe-se, portanto, que o processo avance para a intimação da autora, facultando-lhe alteração do polo passivo da demanda, com subsequente citação da parte requerida, dentre outros tópicos.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO que a presente demanda se submete à Justiça Federal e se submete ao rito dos Juizados Especiais.
3.2 REPUTO que a autora possui interesse processual.
3.3. REGISTRO ainda que a pretensão da autora não foi atingida pela prescrição conforme art. 1 do decreto 20.910/1932.
3.4. DEFIRO à autora a gratuidade de justiça, na forma do art. 99, §2, CPC, ainda que a medida surta reduzido efeito em 1. instância, no rito dos Juizados.
3.5.
ANOTO que o SINDNAPI é parte ilegítima para a causa eis que, ao que consta, não foi o responsável pelos desbastes no benefício previdenciário da autora
.
3.6. REGISTRO, assim, que, em princípio, cabe apenas ao
SINDIAPI
responder à pretensão deduzida na peça inicial, sendo facultado à autora promover a emenda da peça inicial, endereçando sua pretensão (pedido/causa de pedir) em face da aludida entidade, nos termos do art. 338, CPC, sob pena de extinção da causa sem solução de mérito.
3.7. FACULTO manifestação à parte autora a respeito do tema, no prazo de 15 dias úteis, contados da intimação. INTIMEM-NA a respeito deste despacho.
3.8. PROMOVA-SE a citação do SINDIAPI, caso a autora promova aludida emenda, assegurando-lhe o prazo de 30 dias úteis para apresentar resposta, contados na forma do art. 231, CPC.
3.9. INTIME-SE a parte autora, nesse caso, para apresentar réplica, querendo, na foram do art. 351, CPC - prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.10.
INTIMEM-SE as partes para que, querendo, digam a respeito da necessidade de diligência probatóris, facultando-se à autora e à CEF a complementação da manifestação sobre o tema.
3.11.
INTIMEM-SE as partes - tão logo tenha sido apresentada réplica ou tenha se esgotado o prazo para tanto - para que, querendo, especifiquem as diligências probatórias pertinentes e necessárias para a solução do processo. Caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar desde logo o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 357, §6, CPC. Caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar desde logo os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal. Prazo comum de 5 dias úteis, contados da intimação.
3.12. VOLTEM-ME conclusos, então, avaliar eventuais diligências probatórias, se requeridas, ou para prolatar sentença, em caso negativo.
3.13.
VOLTEM conclusos para extinção da demanda sem solução de mérito - arts. 321 e 485, I, CPC -, caso a autora deixe de emendar a peça inicial na forma indicada no item 3.7, no prazo assinalado.
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Processo nº 5005603-43.2025.4.04.0000
ID: 280523905
Tribunal: TRF4
Órgão: SEC.GAB.72 (Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE)
Classe: AçãO RESCISóRIA
Nº Processo: 5005603-43.2025.4.04.0000
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO AUGUSTO GRELLERT
OAB/PR XXXXXX
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Ação Rescisória (Corte Especial) Nº 5005603-43.2025.4.04.0000/PR
AUTOR
: MINERADORA TIBAGIANA LTDA - ME
ADVOGADO(A)
: ANTONIO AUGUSTO GRELLERT (OAB PR038282)
DESPACHO/DECISÃO
MINERADORA TIBAGIANA LT…
Ação Rescisória (Corte Especial) Nº 5005603-43.2025.4.04.0000/PR
AUTOR
: MINERADORA TIBAGIANA LTDA - ME
ADVOGADO(A)
: ANTONIO AUGUSTO GRELLERT (OAB PR038282)
DESPACHO/DECISÃO
MINERADORA TIBAGIANA LTDA - ME
ajuizou Ação Rescisória em face da Unão - Advocacia Geral da União e Agência Nacional de Mineração - ANM, objetivando desconstituição da sentença prolatada nos autos do
Cumprimento de Sentença 5027449-49.2017.4.04.7000/PR, evento 87, SENT1
,
transitada em julgado
em
04/09/2019
(evento 96 dos mesmos autos).
Em 23/04/2025,
evento 2, DESPADEC1
, a inicial foi indeferida, com extinção do feito sem julgamento do mérito, nos seguintes termos:
CONTEXTUALIZAÇÃO
Em 29/06/2017, perante a 11ª Vara Federal de Curitiba, a Mineradora Tibagiana ajuizou ação ordinária pelo procedimento comum, que foi assim relatada pela Juíza Federal Sílvia Regina Salau Brollo (
evento 87, SENT1
):
1. Relatório
A autora ajuizou esta ação visando à suspensão dos efeitos da decisão proferida no processo administrativo que culminou na Portaria nº 479, de 15.12.2016, que declarou nula a Portaria de Lavra nº 280, de 14.09.2009, para a exploração de diamante industrial no entorno do rio Tibagi.
Para tanto, a autora sustentou:
i
) decadência do direito de anular a lavra;
ii
) incompetência do agente que instaurou o procedimento administrativo;
iii
) inexistência dos motivos que ensejaram a declaração de nulidade.
No que se refere à decadência, argumentou que o DNPM tinha o prazo de um ano, contado da publicação da portaria de lavra, para instaurar o procedimento conforme o art. 66, §3º, do Código de Mineração. No entanto, o processo foi iniciado apenas em 14.09.2012. Defendeu que não se aplica o prazo quinquenal do art. 54 da Lei 9.784/1996 porque a lei geral não derroga a lei especial. Disse que a doutrina entende que o prazo decadencial nunca pode exceder ao prazo prescricional.
Sustentou que o processo para nulidade da lavra foi iniciado por autoridade incompetente porque a Portaria 216/2010 delega competências apenas para a instauração de procedimentos de caducidade da autorização de pesquisa e de nulidade de autorização de pesquisa.
No que se refere ao motivo, mencionou que a exigência, em 22.07.2011, que culminou no decreto de anulação da lavra era para “apresentar adequação do Plano de Aproveitamento Econômico – PAE às novas condições técnicas e econômicas decorrentes da alteração do nível da lâmina d’água após o enchimento do reservatório na UHE Mauá” (petição inicial, p. 7), ao arrepio do art. 41, §2º, do Código de Mineração. Acrescentou que o Plano de Aproveitamento Econômico havia sido protocolado em 20.02.2009 no DNPM e complementado em 17.03.2009 e em 04.05.2009. Acrescentou que o Plano de Aproveitamento Econômico contemplou a existência da Usina Mauá, sem com isso exigir adequação ou alteração em seu projeto.
Sustentou que a única previsão legal para alteração do Plano de Aproveitamento Econômico está no art. 51 do Código de Mineração, ou seja, quando o concessionário pede ao DNPM alterações para compatibilizar o plano às condições de mercado ou a fatos conhecidos apenas durante os trabalhos de lavra.
Mencionou que em 05.05.2016, mediante o protocolo
48413-001710
/2016-05, requereu a suspensão da lavra nos termos do art. 58 do Código de Mineração, o que não foi analisado pelo DNPM. E que em 07.06.2016, mediante o protocolo
48413-002289
/2016-41, pediu para sanar deficiência por meio de retificação, e não anulação, conforme art. 66 e inciso II, do Código de Mineração, não havendo resposta.
Citado, o DNPM apresentou resposta no evento 10. Arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. No mérito, disse que o Diretor-Geral Substituto do DNPM procedeu à instauração do procedimento administrativo para a nulidade da portaria de lavra. Defendeu que o prazo para a instauração do procedimento de nulidade da portaria de lavra é de 5 anos, conforme art. 54 da Lei 9.784/1999; o prazo de um ano previsto no art. 66, §3º, do Decreto-lei 227/1967 aplica-se apenas aos particulares que querem impugnar a concessão da lavra.
Disse que o procedimento de nulidade foi motivado pela inadequação do plano de aproveitamento econômico e pela falta de garantia de capacidade financeira. Defendeu não existir óbice para que sejam feitas exigências, pelo DNPM, para a readequação do plano de aproveitamento econômico após concedida a lavra. Tais exigências inserem-se nas sanções do art. 66, §3º, do Código de Minas. Acrescentou que a autora foi instada a proceder a correção, mas recusou-se a tanto. Disse que a autora ofereceu, como garantia de capacidade financeira, bem que não era seu e sobre o qual, ao tempo dos fatos, pendia decisão judicial que impedia o proprietário de dispô-lo e aliená-lo. Arrematou que o pedido protocolado sob número
48413-002289
/2016-41 foi dirigido ao Ministério de Minas e Energia e não indica o objeto de retificação; da mesma forma, o pedido protocolada sob número nº
48413-001710
/2016-05, foi dirigido ao Ministro de Minas e Energia, ou seja, não era exigível nenhuma decisão por parte do DNPM.
Com a contestação, apresentou o Parecer 156/2012/HP/PROGE/DNPM, que sugere a instauração de procedimento declaratório de nulidade e outras peças do procedimento administrativo.
Foi determinada nova emenda à petição inicial para inclusão da União no pólo passivo da lide (evento 12).
A autora, na petição de evento 15, pediu a inclusão do Ministério de Minas e Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica no pólo passivo. Imputou à agência reguladora a responsabilidade pelo descumprimento contratual da Usina Hidrelétrica de Mauá em readequar os equipamentos da autora.
A ANEEL apresentou contestação no evento 22. Defendeu que "o possível descumprimento do CAPASAI/EIA-RIMA é uma questão da esfera do Órgão Ambiental responsável pelo licenciamento da UHE Governador Jayme Canet Júnior, pois a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, não descreve no rol de competências da ANEEL a análise de mérito das questões ambientais de empreendimentos de geração de energia elétrica" (p. 2). Acrescentou que a alegação da autora sobre o descumprimento da cláusula oitava, subcláusula terceira do contrato de concessão firmado entre a União e o Consórcio Energético Cruzeiro do Sul (Usina Hidrelétrica Mauá ou Jaime Canet Junior) é extemporânea, pois a cláusula se refere à fase de obras.
A União contestou no evento 25. Arguiu sua ilegitimidade passiva porque cabe ao DNPM a outorga de títulos minerários. No mérito, aderiu aos argumentos do DNPM no sentido de que o prazo decadencial para a nulidade do título de lavra é de cinco anos e de que o disposto no art. 51 do Código de Minas não pode ser lido como restrição à atividade da Administração Pública.
Em janeiro de 2018 (evento 27) determinei nova emenda à inicial para que a autora esclarecesse o pedido de tutela antecipada, o valor dado à causa, a pertinência subjetiva da ANEEL, e a adequação da petição de evento 20 aos autos.
A autora, no evento 30, repetiu os argumentos da petição inicial e da anterior emenda. Deixou explícito seu receio de que a declaração de nulidade da Portaria de Lavra nº 280, de 14.09.2009, poderá influenciar seu pedido de indenização em processos judiciais que tramitam perante a Justiça Estadual. Acrescentou que, caso o pedido principal não seja atendido, o juízo julgue procedente o pedido para declarar que os efeitos da nulidade são
ex nunc
, ou seja, somente depois da publicação da Portaria 479, de 15.12.2016. Justificou o valor dado à causa em R$ 10.000,00 por se tratar de ação de cunho meramente declaratório. Alternativamente, apontou como valor da causa R$ 88.838.782,18, que corresponde à reserva medida e não extraída da jazida. Disse que incluiu a ANEEL no polo passivo porque o motivo que ensejou a instauração do procedimento de nulidade da lavra consistiu na falta de readequação do equipamento à nova lâmina d'água. E a ANEEL teria responsabilidade pela falta de fiscalização do cumprimento das clausulas do contrato de concessão, as quais impõem à concessionária a responsabilidade perante terceiros pelas eventuais consequências danosas da exploração da usina hidrelétrica. Pediu a exclusão da petição juntada no evento 20, pois se destinava ao E. TRF4. Sintetizou seus pedidos nas páginas 12 e 13 da EMENDAINIC1 do evento 30: liminar para suspender os efeitos do processo administrativo que resultou na publicação da Portaria 479, de 15.12.2016; no mérito, que seja declarado nulo referido processo administrativo, pois o motivo - readequação do equipamento - é inexistente, uma vez que cabia à COPEL a responsabilidade por readequar o equipamento; no mérito, alternativamente, que os efeitos da nulidade da lavra ocorram após a publicação da Portaria 479, de 15.12.2016. Pediu a inclusão do IAP como réu.
Com a petição, apresentou diversos documentos nos eventos 30 e 31.
A decisão de evento 33 (i) afastou a preliminar de ilegitimidade passiva da União e do DNPM, (ii) determinou retificação do valor da causa, (iii) determinou emenda que a parte autora esclarecesse eventual interesse em direcionar sua pretensão em face a ANEEL e do IAP, (iv) determinou intimação do DNPM e da União para que se manifestassem sobre o aditamento e evento 30, (v) indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, (vi) determinou intimação do DNPM para que apresentasse cópia integral e sequencial do processo administrativo que culminou na Portaria nº 479, de 15.12.201, (vii) determinou desentranhamento da petição de evento 20, (viii) determinou oportuna conclusão para análise da regularidade das petições da autora.
A autora opôs embargos de declaração (evento 41) aduzindo a existência de erro material na decisão do evento 33, no tópico "decadência do direito de anular a lavra". Segundo sustentou, passaram-se 7 anos, 3 meses e 1 dia entre a data de publicação da Portaria de Lavra nº 280, de 14.09.2009, e a data da publicação da Portaria nº 479, de 15.12.2016, que a declarou nula.
A União apenas manifestou ciência da decisão (evento 39).
O DNPM, nos eventos 43 e 44, (i) juntou cópia do processo administrativo, (ii) afirmou não consentir com o aditamento, (iii) requereu reconsideração quanto ao valor da causa,
A decisão de evento 45 acolheu os embargos de declaração.
A autora trouxe nova emenda no evento 54.
Mantive a decisão anterior quanto à fixação do valor da causa, indeferi o aditamento de evento 54, determinei intimação da autora para réplica (evento 58).
A autora impugnou as contestações (evento 61).
A ANEEL opôs embargos de declaração contra a decisão de evento 58, requerendo manifestação expressa do juízo quanto à sua manutenção no polo passivo do processo.
Dei provimento aos embargos de declaração para excluir a ANEEL do pólo passivo e determinei conclusão dos autos para sentença.
Relatei. Decido.
O pedido foi
julgado improcedente
, e
condenada
a parte
autora
ao
pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios nos percentuais mínimos dos incisos do artigo 85, §3.º, do Código de Processo Civil, ou seja,
R
$ 3.128.235,47 a ser rateado entre os réus
(Agência Nacional de Mineração - ANM e UNIÃO - Advocacia Geral da União).
Imperioso colacionar a fundamentação da sentença prolatada:
2. Fundamentação
A decisão de evento 33 que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência - com a correção de evento 45 - restou assim fundamentada:
"(...)
Tutela de urgência
Para a concessão da tutela provisória de urgência, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, necessária a existência de elementos que evidenciem a) a probabilidade do direito e b) o perigo de dano (na tutela provisória de urgência) ou o risco ao resultado útil do processo (na tutela provisória cautelar).
Não vislumbro a presença de tais requisitos.
A autora alega que o procedimento administrativo que culminou na Portaria nº 479, de 15.12.2016, que declarou nula a Portaria de Lavra nº 280, de 14.09.2009, para a exploração de diamante industrial no entorno do rio Tibagi é nulo por três motivos:
i
) decadência do direito de anular a lavra;
ii
) incompetência do agente que instaurou o procedimento administrativo;
iii
) inexistência dos motivos que ensejaram a declaração de nulidade.
Analiso cada alegação separadamente.
i
) decadência do direito de anular a lavra
O art. 66 do Decreto-lei 227/1967 dispõe que os decretos de lavra são passíveis de nulidade quando outorgados com infringência aos dispositivos do Código de Mineração. O procedimento para a nulidade poderá ser iniciado
ex officio
(§1º) ou a nulidade poderá ser pleiteada judicialmente em ação proposta por qualquer interessado, caso em que se submete ao prazo de um ano a contar da publicação do decreto de lavra (§2º).
Há que se distinguir o prazo decadencial que a Administração Pública tem para anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, do prazo prescricional para o interessado pleitear judicialmente a nulidade do alvará de pesquisa ou do decreto de lavra.
Tem-se, assim, que o prazo para que o DNPM inicie,
ex officio
, o procedimento para nulidade do alvará de pesquisa ou do decreto de lavra é decadencial e consuma-se em cinco anos, conforme art. 54 da Lei 9.784/1999. Já o prazo prescricional para que o interessado pleiteie judicialmente a nulidade é de um ano e conta-se a partir da publicação do decreto de lavra.
No caso, transcorreu prazo superior a cinco anos entre a data de publicação da Portaria de Lavra nº 280, de 14.09.2009, e a data da publicação da Portaria nº 479, de 15.12.2016, que a declarou nula, de modo que se poderia alegar ter decorrido o prazo para que o DNPM anulasse seu ato.
No entanto, cumpre destacar que o art. 54 da Lei nº 9.784/1999 possui uma ressalva, quando comprovada má-fé do administrado, hipótese em que não se opera o prazo decadencial para a Administração Pública anular seus próprios atos.
De análise do Processo DNPM nº 826.215/1999, denota-se que a decisão administrativa motivadora da Portaria nº 479, de 15.12.2016, que declarou nula a Portaria de Lavra, baseia-se em uma eventual má-fé por parte da Mineradora durante o processo minerário (evento 10, PROCADM4, fls. 14/16), de forma que, com base no dispositivo supra, não se operaria o prazo decadencial acima.
Dessa forma, não vislumbro o
fumus boni iuris
quanto a este item, uma vez que a existência ou não de boa-fé da autora quando do processo minerário faz parte da análise do mérito do feito, necessitando de maiores dilações probatórias.
Afasto a alegação da autora.
ii
) incompetência do agente que instaurou o procedimento administrativo
O art. 68 do Decreto-lei 227/1967 não impõe que o processo administrativo para a declaração de nulidade seja instaurado pelo Diretor-Geral do DNPM; impõe, apenas, que essa autoridade promova a intimação do titular para que apresente defesa.
No caso dos autos, o DNPM comprovou que o processo administrativo de declaração de nulidade da concessão de lavra foi instaurado pelo Diretor-Geral da autarquia, o qual também procedeu à comunicação da instauração para a Mineradora Tibagiana (evento 10, PROCADM3, p. 18 e 19).
Não assiste razão à autora.
iii
) inexistência dos motivos que ensejaram a declaração de nulidade
Dois motivos ensejaram a inauguração do procedimento: o Plano de Aproveitamento Econômico não informou sobre a inundação iminente da área objeto de aproveitamento econômico e a falta de comprovação da capacidade econômico-financeira para execução do Plano de Aproveitamento Econômico.
A autora discute, nestes autos, apenas um dos motivos: a falta de adequação do Plano de Aproveitamento Econômico à nova lâmina d'água decorrente do alagamento pela Usina Hidrelétrica Mauá/Jaime Canet. Diz que a exigência do DNPM fere o art. 51 do Decreto 227/1967.
Ao contrário do que alega a autora, esse dispositivo normativo assegura ao concessionário o direito de propor ao DNPM alterações no plano; não serve, contudo, como limite à atuação da Administração Pública que, como já dito em tópico anterior, tem o dever de anular atos em desconformidade com o direito.
A discussão sobre a responsabilidade de adequação do plano de aproveitamento econômico - da autora ou do consórcio - ainda é incipiente nos autos e, a despeito da quantidade de documentos e de petições já apresentados, não está adequadamente comprovada. Faz-se necessária a apresentação ordenada, integral, cronológica e sequencial dos atos do procedimento administrativo para aferir se tanto administrado quanto administração tinham conhecimento dos fatos.
Por outro lado, a autora não refuta a falta de capacidade econômico-financeira, que foi um dos motivos pelos quais seu direito de lavra foi declarado nulo. Então, ainda que se acolhesse o primeiro argumento, o ato administrativo restaria hígido pelo outro.
Por esses motivos, não vislumbro o
fumus boni iuris
.
Finalmente, no que se refere ao
periculum in mora
, não restou clara a urgência do deferimento da tutela. A autora reconhece que não pode explorar economicamente a jazida. A menção à existência de processos indenizatórios tampouco comprova a urgência, pois não há indicação do seu andamento nem da dependência em relação a esta ação judicial.
(...)"
Não vilumbro motivos para alterar a fundamentação anteriormente exarada, razão pela qual a mantenho integralmente como fundamento para julgar improcedente o pedido.
Como se vê, os fundamentos para julgar improcedente a ação anulatória foram a inocorrência da aventada decadência do direito de anular o decreto de concessão da lavra - por conta de que o art. 54 da Lei nº 9.784/1999, ressalva que não se opera o prazo decadencial para a administração Pública anular seus próprios atos -; a competência do Diretor-Geral do DNPM para a declaração de nulidade do decreto de concessão da lavra - uma vez que o processo foi instaurado pelo Diretor-Geral do DNPM, que procedeu à comunicação da instauração do processo para a Mineradora Tibagiana; e a não refutada
falta de capacidade econômico-financeira da Mineradora Tibagiana para execução do Plano de Aproveitamento Econômico - PAE
.
A presente ação rescisória, a seu turno, diz com o surgimento de
prova nova
, consubstanciada pelo julgamento pelo TRF4 da Revisão Criminal nº 5045954-68.2019.4.04.0000, manejada por Khaled Jezzini, objetivando desconstituir a condenação criminal de Anai Cristina Cervo e Khaled Jezzini, na
Ação Penal 5001597-17.2013.4.04.7015
, onde os apelantes Anai e Khaled restaram condenados
por minerar sem autorização (art. 55, da Lei 9.605/98) e usurpar bem da União (art. 2º, da Lei 8.176/91) extraindo ouro do solo que explorava. A tese da acusação, acolhida pelo Poder Judiciário, era de que KHALED JEZZINI detinha autorização do DNPM tão somente para realizar a lavra de diamantes no local em questão. Ao extrair minério diverso, por conseguinte, teria consumado as duas condutas penalmente tipicas acima apontadas
(
Revisão Criminal 5045954-68.2019.4.04.0000/TRF4, evento 19, RELVOTO2
).
Do voto do Relator da Revisão Criminal, Desembargador Federal Leandro Paulsen, colhe-sea delimitação da pretensão naqueles autos deduzida:
A defesa pretende demonstrar que as premissas fáticas acolhidas pelos magistrados são falsas, uma vez que a presença de ouro na jazida foi prontamente noticiada pelo demandante às autoridades competentes. Sustenta que, ao longo de todo o período em que os fatos transcorreram, o Poder Público não apenas tinha ciência da mineração de ouro realizada, mas também percebeu o devido pagamento da CFEM - Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais. As falhas no processo de aditamento da licença de mineração seriam de responsabilidade exclusiva da Administração Pública e não dos gestores da empresa mineradora. Pontua, ainda, que a suposta prova da materialidade delitiva consistiu em autos de infração lançados com base em premissas falsas pelo DNPM, notadamente uma suposta inexistência de comunicação do requerente acerca da presença de ouro na região.
Oportuno consignar a imputação articulada pela denúncia nos autos da
Ação Penal 5001597-17.2013.4.04.7015/TRF4, evento 1, DENUNCIA1
):
Primeiro fato
1.
Consta que, no período compreendido entre 03/2010 e 08/2011, na localidade denominada “Rio Tibagi”, situada nos Municípios de Ortigueira/PR e Telêmaco Borba/PR,
ANAÍ CRISTIANE CERVO
e
KHALED JEZZINI
, na qualidade de sócios-administradores da empresa Mineradora Tibagiana Ltda., exploraram matéria-prima pertencente à União, consistente em ouro do subsolo, sem a competente autorização legal do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, razão pela qual foram lavrados os Autos de Infração nº 809 (Evento 14 – DESP1, fls. 16) e 810/2011 (Evento 14 – DESP1, fls. 24).
2.
Verificou-se que a empresa Mineradora Tibagiana Ltda., titular do Processo DNPM nº 826.215/1999, realizou a extração clandestina de ouro, tendo-se em vista que a concessão outorgada pela Portaria nº 280, de 14/09/2009, publicada no DOU de 16/09/2009, não incluiu a possibilidade de sua lavra, mas tão-somente a de diamante industrial (Evento 1 – APINQ-POL5, fls. 05), vez que conferida sobre Plano de Aproveitamento Econômico restrito à exploração deste mineral (Evento 1 – APINQ-POL8, fls. 03/12).
Contudo, de acordo com o Relatório de Vistoria de Estoque (especificamente no Evento 1 – APINQ-POL1, fls. 06/08), a própria Mineradora Tibagiana Ltda. declarou, no Relatório Anual de Lavra – RAL, ano base 2010/exercício 2011 (Evento 14 – DESP1, fls. 28/49), ter recuperado 1.300g de ouro, apresentando ainda 1.074g de ouro em barra e 9,54g de ouro em bruto (ainda associado a outras substâncias minerais).
Vale ressaltar que, ainda que o DNPM tenha sido comunicado, em 12/2010, da ocorrência de ouro e areia na área concedida (Evento 14 – DESP1, fls. 20), não foram produzidos relatórios de reavaliação de reservas nem houve o aditamento da mencionada portaria para a inclusão dessas substâncias (cf. Relatório de Vistoria de Estoque, especificamente no Evento 1 – APINQ-POL1, fls. 05). Pelo contrário, como informam os servidores da autarquia responsáveis pela referida vistoria, realizada em 08/2011, Dhébora Batista Rosa Ventura, geóloga, e Paulo Roberto Alves, engenheiro de minas, houve inclusive a modificação dos equipamentos para possibilitar a recuperação do ouro, com a utilização de carpetes nas calhas que alimentam os jigues (equipamento de concentração de minério).
Além disso, observou-se a comercialização dos 1.300g recuperados do minério, como demonstram as notas fiscais emitidas em favor da empresa Ouro Minas D.T.V.M., no valor total de R$ 91.000,00 (Evento 1 – APINQPOL4, fls. 04/08), cujos valores devidos à União somente foram recolhidos em 30/04/2012 (Evento 14 – DESP1, fls. 06/15). Não se esquecendo, também, que, no Relatório de Vistoria de Estoque (especificamente no Evento 1 – APINQ-POL4, fls. 16/18), há menção de que, quando havia queda na comissão dos funcionários da empresa, ela liberava a plataforma para que eles trabalhassem à noite, a fim de que apurassem algum ouro para si, que era fundido na própria plataforma e vendido para joalheiros da região por R$ 65,00/g ou em Curitiba, por R$ 80,00/g, como forma de incremento salarial.
3.
A seu turno, em declarações prestadas à Polícia Federal,
ANAÍ CRISTIANE CERVO
e
KHALED JEZZINI
(Evento 14 – DESP1, fls. 02 e 04, respectivamente) confirmaram que foram lavrados, em pesquisa de ouro na área 826.215/1999, 2.374g de ouro no ano de 2011, conforme retificação de Relatório Anual de Lavra – RAL, ano base 2010/exercício 2011. Relataram, ainda, que, em razão de a empresa ter comunicado ao DNPM acerca da existência do ouro, entenderam não haver impedimento em seu comércio, vez que emitiram notas fiscais e pagaram a Compensação Financeira pela Exportação de Recursos Minerais – CFEM, ainda que extemporaneamente.
Segundo fato
4.
Consta, também, que, nas mesmas circunstâncias de tempo e de espaço,
ANAÍ CRISTIANE CERVO
e
KHALED JEZZINI
, na qualidade de administradores da empresa Mineradora Tibagiana Ltda., executaram lavra de recursos minerais, consistente em extração de ouro do subsolo, sem a competente licença do Instituto Ambiental do Paraná – IAP.
5.
Oficiado aos Escritórios Regionais do Instituto Ambiental do Paraná – IAP, em Curitiba, Londrina e Ponta Grossa/PR (eventos 17 a 21), não vieram aos autos informação de que a referida empresa Mineradora Tibagiana Ltda. possuía autorização ambiental para a extração de ouro no leito do Rio Tibagi, nos Municípios de Ortigueira e Telêmaco Borba/PR, entre os anos de 2009 e 2011, havendo somente a licença restrita à extração de diamantes (Evento 18 – OFIC1, fls. 05/08).
Vê-se que a imputação fática da denúncia disse com a circunstância de que Anai e Khaled, na condição de administradores da Mineradora Tibagiana:
(...) exploraram matéria-prima pertencente à União, consistente em ouro do subsolo, sem a competente autorização legal do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (...)
e
(...) executaram lavra de recursos minerais, consistente em extração de ouro do subsolo, sem a competente licença do Instituto Ambiental do Paraná – IAP (...).
A sentença penal condenou-os
pela prática dos crimes previstos no art. 2, "caput", da Lei n. 8.176/91, e no art. 55, "caput", da Lei n. 9.605/98, na forma dos arts. 29 e 70, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de
1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção
cada, a ser cumprida inicialmente em
regime aberto
, substituída pelas penas de prestação de serviços à comunidade ou a entidade assistencial e de prestação pecuniária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), e à pena de multa de
78 (setenta e oito) dias-multa
, no valor unitário de 1/4 (um quarto) do salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato (dezembro/2010), valor devidamente corrigido desde então até o efetivo pagamento;
aplicando aos acusados a
multa processual de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) cada, pela litigância de má-fé, corrigida monetariamente até a data de seu efetivo pagamento;
e ao
pagamento total das custas (art. 804 do Código de Processo Penal), "pro rata"
.
Retornando à Revisão Criminal, constata-se que o Desembargador Leandro Paulsen, relator da ação, encaminhou a conclusão pelo conhecimento parcial da revisão e, na parte conhecida, pela parcial procedência, para
anular o julgamento impugnado
(da ACR 5001597-17.2013.4.04.7015), assim estruturando a conclusão:
(...) Dado o quadro fático, passo a apresentar algumas conclusões necessárias ao desenlace desta revisão criminal: (a) à época dos fatos, o ora autor já exercia a mineração de diamantes de maneira regular e devidamente autorizada por longo período de tempo; (b) no ano de 2010 comunicou o achado de minério de ouro ao DNPM, assim como declinou seu desejo de pesquisar e explorar os recursos; (c) a afirmação, contida no bojo da sentença criminal, de que teria havido demora na comunicação acerca da presença de ouro, não encontra respaldo nos elementos de prova; (d) houve inércia injustificada da Administração Pública diante da informação prestada pela empresa mineradora, porquanto nenhuma medida foi adotada pelo DNPM; (e) após o transcurso de sete meses de inércia do DNPM, as primeiras operações de venda de ouro foram realizadas pela empresa, sendo que todas foram acompanhadas dos devidos recolhimentos a título de Compensação Financeira aos cofres públicos; (f) fiscais foram até o jazida mineral, observaram todas as atividades e simplesmente mantiveram sua inércia; (g) dois meses depois houve lavratura de Auto de Infração com pressuposto de fato falso (ausência de comunicação acerca da presença de ouro na região) e que serviu, dentre outros elementos, para embasar a persecução e a condenação criminal do ora requerente.
Tais circunstâncias denotam que inegáveis equívocos foram cometidos pelo demandante KHALED JEZZINI, pois, a despeito de ter comunicado ao DNPM a existência de ouro no local, acabou antecipando a exploração econômica do material em virtude da inércia do órgão. Cabia ao réu buscar os remédios jurídicos adequados a exortar as autoridades a avaliar de forma definitiva sua pretensão de ampliar a licença que já lhe havia sido concedida em relação aos diamantes. Assim, irregularidades administrativas foram cometidas por KHALED JEZZINI ao promover a venda do ouro sem que o procedimento administrativo de licenciamento tivesse sido ultimado.
De outro lado, quanto à esfera penal, tenho que a condenação não se sustenta. O tipo penal do art. 55, da Lei 9.605/98 pune aquele que
executa pesquisa, lavra ou extrai recursos minerais sem a competente autorização ou em desacordo com a obtida
, enquanto o art. 2º da Lei 8.176/91 sanciona quem
explora matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo
. Ocorre que, em ambos os casos, o elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, o agente deve ter a vontade livre e consciente de praticar a conduta em suas exatas circunstâncias. O autor destes delitos deseja a clandestinidade, evita a fiscalização, busca exercer sua atividade lucrativa sem que as autoridade tenham conhecimento e, portanto, sem que necessite entregar quaisquer recursos aos cofres públicos.
In casu
, estamos diante de agente que adotou postura transparente. KHALED JEZZINI informou às autoridades públicas a presença de ouro em sua jazida de diamantes que, diga-se, jazida essa que era regular perante o DNPM. Não apenas isso. O requerente,
sponte propria,
realizou o pagamento da CFEM atinente a todas as operações que engendrou com o ouro extraído.
Não bastasse a ausência de dolo, percebe-se que a sentença condenatória fundou-se em Auto de Infração de conteúdo falso, assim como colacionou afirmação no sentido de que o réu "demorou" para comunicar a presença de ouro na jazida sem que houvesse amparo probatório para tal afirmação. Trata-se de duas hipóteses previstas pelo art. 621, do CPP, notadamente aquelas colacionadas por seus incisos I e II, o que reclama a procedência da revisão criminal no ponto. A condenação deve ser anulada em sua integralidade para que o réu venha a ser novamente julgado, porém com o devido afastamento das provas falsas. (...)
As provas reconhecidas como falsas no julgamento da Revisão Criminal foram destacadas pelo Relator, nos seguintes termos do voto condutor do acórdão:
Em primeiro lugar consigno que, diferentemente do que consta no voto do relator e na sentença de primeiro grau, o RAL - Relatório Anual de Lavra Exercício 2011 - Ano-Base 2010 não ostenta informação de que a empresa estaria "explorando ouro desde abril de 2010". Localizei tal documento no bojo do IPL, Evento 14, pgs. 28 e seguintes e o mesmo declara unicamente extração de
Areia Quartzosa e Aluvião Diamantífero
. A única referência feita ao minério ouro pode ser encontrada na última página do RAL no campo "
Substâncias não aproveitadas, mas com potencial de aproveitamento"
, oportunidade em que afirma-se existir
Aluvião Aurífero
teor 0,25 em determinada coordenada geográfica da região. Aliás, nenhuma novidade havia quanto a tal fato, pois,
desde o procedimento de licenciamento originário quanto à lavra de diamantes, os estudos apontavam a existência de ouro na região, mas sempre declarando se tratar de reserva inservível para aproveitamento comercial
(evento 01, OUT14).
De outro lado, no âmbito da RAL atinente ao ano-base 2011, o réu declarou às autoridades a presença de minério de ouro na localidade, sua extração e venda (IPL, evento 14, pgs. 53 e seguintes). Saliente-se que o documento em questão aponta quem foi o comprador do minério, assim como o valor negociado. Rememore-se que todas as operações foram objeto do devido pagamento da CFEM (Evento 01, OUT11). Percebe-se desde logo que nenhum dado foi sonegado ao DNPM quanto às operações envolvendo ouro realizadas no período.
Tais constatações são relevantes, pois demonstram que as afirmações realizadas em sentença no sentido de que o réu "demorou" para comunicar ao DNPM a presença de ouro, bem como de que houve exploração econômica do minério antes da ciência do órgão fiscalizador não encontram respaldo na prova dos autos. A linha do tempo aponta que a mineradora
comunicou a presença de ouro em dezembro de 2010
e
somente veio a comercializar alguma quantidade desta mercadoria em julho de 2011
mediante o devido recolhimento da contribuição devida à União. O fato é extremamente grave, pois a sentença condenatória que faz afirmação fática não amparada pelos elementos de prova para decretar a condenação do réu reclama rescisão
ex lege
, nos termos do art. 621, inciso I, do CPP.
TEMPESTIVIDADE
Dispõe o art. 975 do Código de Processo Civil:
Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
(...)
§ 2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo .
(..)
A decisão rescindenda - a sentença de improcedência da ação anulatória do decreto que anulou a concessão da lavra de diamante - evento 87 dos autos 5027449-49.2017.4.04.7000 -, e que deu ensejo ao cumprimento de sentença,
transitou em julgado
em
04/09/2019
(evento 96).
A decisão apontada como prova nova, o julgado que anulou a sentença penal condenatória proferida em desfavor do Autor da Rescisória, Khaled Jezzini, e de Anaí Cristiane Cervo, proferida nos autos da Revisão Criminal nº 5045954-68.2019.4.04.0000,
transitou em julgado
em 21/05/2020 (evento 26).
Nesse contexto, em observância ao disposto no § 2º do art. 975 do CPC, a aferição da tempestividade do ajuizamento da rescisória deve levar em consideração a data em que distribuída a presente ação.
A propósito, diz a doutrina:
5. Prova Nova
. Se fundada a ação rescisória na descoberta de prova nova, o termo inicial do prazo será a data de sua descoberta, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975, § 2º, CPC). O Código de 1973 não previa termo inicial diferenciado para o exercício da ação rescisória fundada em prova nova. Vários outros ordenamento jurídicos, no entanto, contavam e ainda contam com previsão semelhante àquele hoje constante do § 2º do art. 975 do CPC. O Código de 2015 alinhou-se felizmente à solução vencedora. O prazo para a propositura da ação rescisória fundada em prova nova é de dois anos - apenas a sua fluência é que ocorre a partir do dia em que descoberta a prova nova, contando-se a partir do primeiro dia útil subsequente.
Em nenhuma hipótese, porém, será admitida ação rescisória depois de transcorrido o prazo de cinco anos do trânsito em julgado da decisão rescindenda (art. 975, § 2º , CPC).
Embora o nosso legislador não mencione especificamente, ao contrário do que ocorre no direito francês (art. 596 do Code de Procédure Civile), o ônus da prova da data da descoberta da prova nova toca ao autor da ação rescisória. Seque-se aí a regra geral sobre a distribuição do ônus probatório (art. 373, I, CPC). Em face do Código de 1973, que se referia a "documento novo" e não a "prova nova", afirmava-se que o documento deveria existir à época em que os fatos eram discutidos no processo em que proferida a decisão rescindenda. Porém, quando a rescindibilidade passa a depender de "prova nova", isto é, não apenas de documento, mas também de prova testemunhal e prova pericial, é certo que não se pode pensar em prova que existia. Em primeiro lugar, não se pode falar em prova existente, na medida em que prova obviamente não pode ter sido produzida e, portanto, existir enquanto prova. Tratando de prova testemunhal, o que existia é a fonte da prova, ou seja, a testemunha, que, v. g., não pôde depor por estar em local desconhecido ou por estar em condição de saúde que lhe impedia de prestar depoimento. No que diz respeito à prova pericial, ainda, essa se torna admissível para fundar a rescisória quando o meio técnico ou a tecnologia que permite a produção da prova pericial não existia. Aliás, nem mesmo a existência do documento pode ser vista com absoluta, embora em regra esse deva existir. Pense-se, como exceção, no documento público que apenas pode ser confeccionado posteriormente. Nesses casos, deve-se pensar não propriamente na descoberta da prova nova como o termo inicial para a ação rescisória, mas mais especificamente no momento a partir do qual a prova nova possa a ser acessível à parte interessada. A descoberta de prova nova significa aí sua acessibilidade.
Assim sendo, não preenche a presente ação rescisória a condição de procedibilidade da tempestividade, visto que
transcorridos mais de cinco anos
entre o
trânsito em julgado
da sentença de improcedência da ação anulatória do decreto que anulou a concessão da lavra de diamante - evento 96 dos autos do
Cumprimento de Sentença 5027449-49.2017.4.04.7000/PR
, em
04/09/2019
, e o
ajuizamento da presente ação rescisória
, em
24/02/2025
.
Ainda que assim não fosse, vê-se que a
anulação da sentença penal condenatória
, operada pelo julgamento da Revisão Criminal, diz com a circunstância de que
as afirmações fáticas não amparadas pelos elementos de prova para decretar a condenação do réu
- e por extensão da corré Anai Cristiane Cervo - têm relação com a exploração de
matéria-prima pertencente à União, consistente em ouro do subsolo, sem a competente autorização legal do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (...)
; e com
a execução de
lavra de recursos minerais, consistente em extração de ouro do subsolo, sem a competente licença do Instituto Ambiental do Paraná – IAP (...)
.
O cumprimento de sentença decorrente do julgamento de improcedência da ação anulatória visando à suspensão dos efeitos da decisão proferida no processo administrativo, que culminou na Portaria nº 479, de 15.12.2016, que declarou nula a Portaria de Lavra nº 280, de 14.09.2009, para a exploração de diamante industrial no entorno do rio Tibagi, a seu turno, tem como fundamento: a
inocorrência da aventada decadência
do direito de anular o decreto de concessão da lavra - porque o art. 54 da Lei nº 9.784/1999 ressalva que não se opera o prazo decadencial para a administração Pública anular seus próprios atos -; a
competência do Diretor-Geral do DNPM para a declaração de nulidade do decreto de concessão da lavra
- uma vez que o processo foi instaurado pelo Diretor-Geral do DNPM, que procedeu à comunicação da instauração do processo para a Mineradora Tibagiana; e a não refutada
falta de capacidade econômico-financeira da Mineradora Tibagiana para execução do Plano de Aproveitamento Econômico - PAE
.
Forçoso reconhecer, adicionalmente, que o advento do julgamento da revisão criminal, apontado pelo autor da Rescisória como a prova nova - porque anulou a sentença penal condenatória, cujos fatos imputados versavam sobre lavra de ouro sem autorização -,
nenhuma influência
representa para a
sentença prolatada nos autos da Ação pelo Procedimento Comum que redundou no
Cumprimento de Sentença 5027449-49.2017.4.04.7000/PR, evento 87, SENT1
, que, como se viu, tem como fundamento a
inocorrência da decadência
; a existência de
competência do Diretor-Geral do DNPM para a declaração de nulidade do decreto de concessão da lavra
; e a
falta de capacidade econômico-financeira da Mineradora Tibagiana para execução do Plano de Aproveitamento Econômico - PAE
.
Por conta disso, a olhos vistos, a aludida prova nova consubstanciada pelo julgamento da Revisão Criminal
não apresenta aptidão para rescindir a sentença de improcedência da ação anulatória
, pois os fundamentos de um e de outro são distintos, e não apresentam prejudicialidade.
Dito de outro modo: a anulação da sentença penal condenatória por extração indevida de ouro, não prejudica a sentença que reconheceu legal a anulação do decreto de concessão da lavra de diamantes pela falta de capacidade econômico-financeira da Mineradora Tibagiana para execução do Plano de Aproveitamento Econômico - PAE.
CONCLUSÃO
Isso posto, inocorrente condição de procedibilidade para o processamento da presente rescisória, qual seja, verificada a decadência do direito de ajuizar a ação rescisória, indefiro a inicial, extinguindo o feito sem julgamento do mérito nos termos do art. 485, I, do CPC.
Intime-se a parte autora.
Nada sendo requerido, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os presentes autos eletrônicos.
Inconformada com a decisão monocrática exarada a pessoa jurídica Autora da Ação Rescisória cuja inicial foi indeferida, interpõe apelação (
evento 6, APELAÇÃO1
).
Decido.
As decisões terminativas proferidas no âmbito do Tribunal são atacáveis por meio de agravo interno, nos termos do que dispõe o art. 171, do Regimento Interno.
TÍTULO III
DOS RECURSOS DAS DECISÕES DO TRIBUNAL
CAPÍTULO I
DOS RECURSOS PARA O PRÓPRIO TRIBUNAL
Seção I
Do Agravo Interno
Art. 171. Cabe agravo interno contra decisão proferida pelo Relator, em matéria cível,
bem como contra decisão do Presidente ou do Vice-Presidente do Tribunal exarada em sede de juízo de admissibilidade de recursos excepcionais, na forma do Código de Processo Civil.
Nessa linha:
DECISÃO
: (...) Esta demanda rescisória foi ajuizada por J. A. D. S. D. A., F. D. A. F. e M. C. D. A. P. em face do INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE - ICMBIO, objetivando a rescisão parcial da sentença proferida pelo Juízo Federal da 6ª Vara Federal de Florianópolis/SC, nos autos do Procedimento Comum 5000271-49.2013.404.7200.
O então Relator, pela Decisão do Evento 6, indeferiu a inicial, considerada a jurisprudência desta Corte, que não tem admitido o ajuizamento de ação rescisória em face de condenação ao pagamento de honorários advocatícios, uma vez que não se trata de decisão de mérito, como exigido no artigo 966, caput, do Código de Processo Civil, mas de mera questão consectária ao mérito. Desta decisão, os autores entraram com o RECURSO DE APELAÇÃO, como consta do Evento respectivo (evento 13, RECESPEC3) com fundamento no artigo 968, § 3º, c/c artigo 331, CPC, requerendo expressamente submissão do mesmo à Instância Superior.
(...)Relendo o Código de Processo Civil, cotejo o art. 968, que trata dos requisitos da demanda rescisória e seu § 3º, dos requisitos da petição inicial desta ação/possibilidade de indeferimento, que remete aos casos previstos no art. 330 do mesmo Código, ao tratar das petições iniciais das demandas ordinárias.
(...)
É tão comum, pra dizer o mínimo, o entendimento de que o recurso de apelação ao tribunal é cabível de sentença de juiz de primeiro grau, somente, mas, enfim. Anulado o processamente tal como feito, pela decisão que determinou o retorno, analiso, portanto a apelação.
A leitura da representação da parte autora, de que de decisão monocrática de Desemb. Relator caiba apelação, baseado no artigo 331 do CPC que tem a seguinte dicção, indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 5 (cinco) dias, retratar-se, está equivocada porque da decisão monocrática de desembargador relator ou de ministro de tribunais superiores, ordinariamente cabe o recurso de Agravo Interno, a teor do art. 1021 do CPC. Ainda que se cogitasse da aplicação do princípio da fungibilidade recursal, o erro é grosseiro a ponto de não autorizá-la. Havendo no ordenamento jurídico ações originárias dos Tribunais, são elas, logicamente, iniciadas com uma petição inicial, cujos eventuais indeferimentos não estão sujeitos as apelações.
(...)
Diante deste quadro, não há como conhecer do recurso por incabível, a teor do art. 932, § 3º, c/c o art. 1.021 do CPC. Ante o exposto, não conheço do recurso de apelação. Intimem-se e proceda-se como de costume
. (TRF4, AR 5025006-37.2021.4.04.0000, 2ª Seção , Relator MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS , julgado em 21/11/2023)
Nesse contexto, a interposição de apelo configura erro grosseiro, a impedir a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, cabível somente na hipótese de dúvida objetiva e razoável.
Não conheço
, portanto, do recurso de apelação interposto.
Intime-se.
Oportunamente, dê-se baixa.
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