Processo nº 5019143-47.2024.4.04.7000
ID: 331615321
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5019143-47.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DIOGENES ELEUTERIO DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5019143-47.2024.4.04.7000/PR
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Converto o julgamento em diligência.
1.1. Petição inicial:
E…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5019143-47.2024.4.04.7000/PR
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Converto o julgamento em diligência.
1.1. Petição inicial:
Em 10 de maio de 2024,
GABRIEL GEVERT PEREIRA
deflagrou esta demanda, sob rito dos juizados, em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e da PUC-PR CAMPUS CURITIBA, pretendendo a condenação de ambas à celebração de novo contrato de mútuo feneratício, no âmbito do FIES, de modo a financiar o pagamento de mensalidades junto à instituição de ensino.
O autor postulou, ademais, quanto à PUC-PR, a sua condenação a apresentação de uma
"proposta justa e que ele possa honrar com o compromisso de pagamento, analisando toda a situação e todos os problemas enfrentados até agora. a proposta que apresentamos é uma que podemos honrar, com o justo e com o pagamento na instituição."
Na peça inicial, o autor - atuando sem a representação por advogado(a) - sustentou o seguinte:
"Tivemos o contrato encerrado, não possibilitando mais semestres. Contudo, o problema é o seguinte: durante a pandemia, nunca se foi falado nada, eu estava pagando as mensalidades normalmente e a rematrícula acontecia. No semestre 06/2021, ocorreu o primeiro problema: não estavam dando baixa em dois pagamentos, os quais já haviam sido feitos (protocolo 260869). Foi-nos informado sobre os aditamentos, no entanto, sempre que eu entrava no site, nunca dava para realizar nada (protocolo 265712, o qual já estavam demorando para dar baixa no pagamento mesmo com os comprovantes enviados (segue, em anexo, o print de como ficava a tela da renovação). Logo após, já desesperado por as aulas estarem acontecendo, foi feito mais um protocolo (268593), solicitando as baixas. Foi assinado um termo, o qual dizia que eu deveria realizar os aditamentos, no mesmo diz que a Caixa Econômica iria informar sobre o aditamento, o que nunca ocorreu, nunca recebi um e-mail sobre isso. As telas de quando eu clicava dentro do sistema para a realização da renovação ficavam sempre assim, as quais eram mandadas via protocolo (268593)."
Ainda segundo o autor,
"No dia 24/08, com quase um mês de aulas, foi feito mais um protocolo (269792) para que eu pudesse finalmente assistir minhas aulas. Durante todo esse tempo, eu tomava falta e era impossibilitado de realizar atividades, criar grupos ou qualquer coisa, tudo isso implicou no meu baixo desempenho e em problemas como explicar para os professores tudo o que estava acontecendo, para alguns deles liberarem atividades atrasadas ou abono de algumas faltas/2ª. Chamada. De 2022, não existem protocolos, mas houve problemas novamente, sempre a puc jogava para caixa, e a caixa para a puc, ninguém nunca dizia o que fazer. Na Caixa, quando eu ia presencialmente, me falavam que era só continuar fazendo os pagamentos que estava tudo certo. Já em 2023, ocorreram mais problemas. Na minha rematrícula para o 1º semestre de 2023, eu já estava sendo impedido, mesmo com pagamentos em dia, quando eu clicava na rematrícula no site, diziam que os pagamentos estavam atrasados... Protocolo 529622. Em anexo deste protocolo, foram enviados prints de como ficava minha tela ao clicar nas renovações, coisa que sempre aconteceu. Sobre o termo que me foi enviado por e-mail, foi assinado e enviado no protocolo 539735. No mesmo, diz que seria informado novamente sobre a data de aditamento, o que, novamente, nunca aconteceu. Após este semestre, recebi um e-mail dizendo que não havia atingido 75% de aproveitamento nas matérias, isso se deve porque, em filosofia, após toda a demora para o processo da matrícula ser feito, eu já estava praticamente reprovado, não compareci às aulas. No tcc, eu já estava sem grupo e com mais de 1 mês de atraso dos outros alunos, já havia perdido toda a explicação de como fazer e de como iniciar todo o processo."
Ademais, nos termos da peça inicial,
"após todos esses problemas, sem a realização de nenhum aditamento, pois não havia sido informado, fomos surpreendidos com a notícia de que o fies não seria mais possível e havia perdido o direito ao mesmo, resultando em uma dívida (com encargos) de cerca de r$ 60.000,00 na faculdade. Fomos atrás da caixa, fomos na puc, tentamos resolver e a única alternativa restante era realizar um acordo com a puc. Fizemos três tentativas de acordo, a primeira era de entrada de 10%, sem juros nas mensalidades e restante das parcelas em 50x. Não foi aceita, nossa última proposta foi de 20% e restante das parcelas em 45x, sem juros, pois estávamos com o fies e não devendo diretamente para a faculdade. Infelizmente, as propostas não são aceitas, de jeito nenhum, inclusive com a proposta apresentada beirando ao absurdo, pois se tivéssemos condição para pagar, não precisaríamos do fies. Este é o protocolo que foi enviado ao procon, no entanto, a pucpr não compareceu a audiência."
O autor detalhou os pedidos e atribuiu à causa o valor de R$40.000,00, juntando documentos.
1.2. Contestação da CEF:
A Caixa Econômica apresentou sua resposta no movimento 13, tecendo considerações sobre o FIES. Sustentou sua ilegitimidade para a demanda:
"Nos termos do art. 3º da Lei 12.202 de 14/01/2010, que alterou o art. 20-A da Lei 10.260 de 12/07/2001, o FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, a partir de 14/01/2011, passou a assumir o papel de agente operador do FIES, substituindo a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em tal atribuição."
Ela postulou, em razão disso, sua exclusão da demanda. Ela insurgiu-se contra a atribuição de valor à causa, na forma promovida pelo autor.
"Não sendo passível de mensuração econômica o proveito pretendido pela parte autora, a pretensão de acesso a financiamento, faz-se necessário salientar ser descabida a atribuição aleatória de qualquer montante à causa Inexistindo valor de alçada no âmbito da Justiça Federal, deve condizer o valor da causa com o mínimo legal estabelecido para as ações de sua competência. Conforme se infere das disposições da Lei n.º 9.289/1996 (Tabela I, letra ‘a’), a importância mínima atribuível à causa, para as ações cíveis em geral da Justiça Federal, equivale à quantia de R$ 1.064,00 (hum mil e sessenta e quatro reais. Assim, nos termos dos artigos 293 e 337, inciso III, do Código de Processo Civil, a CEF impugna o valor atribuído à causa, requerendo a sua redução para a importância de R$ 1.064,00 (hum mil e sessenta e quatro reais) e que o processo prossiga no rito dos Juizados Especiais Cíveis da Justiça Federal."
Argumentou não ter incorrido em falhas no âmbito do contrato de mútuo avençado com o autor. Destacou que
"No que tange aos aditamentos, o agente operador do FIES (CAIXA) comunica as todas as CPSA´s das IES Brasil afora sobre os prazos regulamentares para o aditamento semestral, incluindo os extemporâneos conforme determina o § único do artigo 96 da portaria MEC nº 209."
Alegou que o autor teria deixado de se informar a respeito dos aludidos prazos, deixando de promover os aditamentos na forma prevista na legislação. O contrato em causa encontrar-se-ia encerrado, por responsabilidade do estudante.
Destacou que
"conforme demonstrado na consulta ao SIFES, verifica-se que a CPSA da IES iniciou o processo de aditamento de renovação 1º/2021 no dia 07/10/2021, porém, não foi validado e nem rejeitado pelo estudante."
Reportou-se ao art. 62 da Portaria nº 209, de 7 de março de 2018. Argumentou que o código de defesa do consumidor - CDC não seria aplicável ao caso. O autor não teria apresentado provas das suas alegações e a inversão do ônus probatório não seria aplicável ao caso.
A CEF não anexou documentos.
1.3. Réplica do autor:
O demandante sustentou, no evento 16, o seguinte:
"1: Sobre os pagamentos em atraso, o atraso é por questão até resolver todos os trâmites, assim que existir alguma resposta sobre o que vai acontecer, os pagamentos serão efetuados e os posteriores também. 2: Sobre o valor requerido: Foi solicitada a causa o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais e zero centavos) mas a ser cobrada a RÉU PUCPR. Para a caixa, conforme foi previsto no pedido e também na audiência do PROCON (a qual a CAIXA se mostrou presente e a PUCPR não), eu gostaria apenas de uma possibilidade de reabrir o contrato do FIES e também a possibilidade de realizar os aditamentos pendentes, para assim, eu conseguir concluir meu curso."
Segundo aludida peça,
"Fica pedido a CAIXA: Somente a concessão do privilégio de poder reabrir o contrato e realizar os aditamentos pendentes. Fica pedido a PUCPR: o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais e zero centavos). por conta da intransigência durante as NEGOCIAÇÕES, do NÃO COMPARECIMENTO a audiência do PROCON e também por conta da falta de COMUNICAÇÃO da mesma (Primeiro eu sempre ter que ir no SIGA resolver e sempre primeiro falarem que era culpa do banco, depois falava q era aditamento e perdia 1 mês de aulas, tinha que ficar correndo atrás de professores, de todo o conteúdo perdido e ainda ter que ADIAR meu TCC por conta desse atraso, o qual por fim, acarretou na amortização do contrato pela necessidade de realização de mais um semestre do que aquele contratado). Fica pedido também a possibilidade de RENEGOCIAÇÃO. CASO o pedido à CAIXA seja impossível, uma renegociação JUSTA, sem o pagamento de JUROS (pois do dia para a noite fiquei devendo TODAS as mensalidades COM JUROS desde o 1º semestre de 2021)"
1.4. Demais eventos da demanda:
As partes foram instadas a, querendo, promoverem o detalhamento de meios probatórios pertinentes e necessários à solução da demanda. Não sobrevieram pedidos quanto ao tema.
Os autos vieram conclusos para prolação de sentença.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, eis que o processo versa sobre pretensão endereçada à Caixa Econômica Federal, empresa pública federal constituída por força do decreto-lei 759, de 12 de agosto de 1969. Aplicam-se ao caso o art. 109, I, Constituição e o art. 10 da lei 5.010/66.
2.2. Submissão do caso à alçada dos Juizados:
Como sabido, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo-se sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à
"
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal.
"
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do Art.. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Assim, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Eventual complexidade
da demanda não afasta a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais Federais, diante do disposto no art. 98, I, Constituição/88 e art. 3 da lei n. 10.259/2001:
"
Não há óbice na Lei nº 10.259/01 a produção de prova pericial nos processos de competência do Juizado Especial Federal. Ao contrário, há previsão expressa no seu Art. 12 relativa a realização de prova técnica. 2. É entendimento assente na jurisprudência que a complexidade da prova necessária ao julgamento da controvérsia não é incompatível com o rito do JEF, sendo certo que o legislador elegeu como único critério de delimitação de sua competência o valor da causa 3. Agravo de instrumento desprovido
."
(TRF-3 - AI: 50174760920214030000 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 07/12/2021, 10ª Turma, 10/12/2021)
Na situação em exame, o conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial é inferior a 60 salários mínimos - tais como definidos no decreto 11.864, de 27 de dezembro de 2023 (R$ 1.412,00), ensejando limite de R$ 84.720,00. O valor atribuído à presente demanda foi de
R$ 40.000,00
inferior, pois, ao referido limitador legal. Ademais, trata-se de pretensão condenatória, de modo que o seu processamento sob o rito dos Juizados Especiais não esbarra no art. 3, §1, III, da lei n. 10.259/2001.
2.3.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
A pretensão da parte autora dá ensejo à aplicação do
art. 53, III, "d", CPC/15
, que estipula a competência do Juízo do local em que se deva adimplir a obrigação discutida em Juízo, caso a pretensão do autor venha a ser declarada procedente. A requerente disse residir em Telêmaco Borga, o que ensejaria, em princípio, a competência daquela Subseção.
De toda sorte, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias e empresas públicas federais, com é o caso em exame.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, STJ.
2.4. Competência desta unidade jurisdicional:
A causa restou submetida à livre distribuição, mediante sorteio, sendo encaminhada ao presente Juízo Substituto da 11.VF de Curitiba, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição.
2.5. Conexão processual - considerações gerais:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
2.6. Eventual conexão - caso em exame:
Não diviso eventual conexão desta demanda com algum outro processo, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC e súmula 235, Superior Tribunal de Justiça.
2.7. Respeito à coisa julgada - considerações gerais:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.8. Respeito à coisa julgada - caso em exame:
No caso em análise, não diviso sinais de violação à garantia coisa julgada. Ao que consta, o tema aludido na inicial não chegou a ser apreciado em alguma outra sentença, de modo que não há afronto à garantia em causa.
2.9. Litispendência - considerações gerais:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
De toda sorte, não há preclusão
pro iudicato
para exame do tema adiante, notadamente em fase de saneamento, caso acorram aos autos elementos que demandem a revisão deste despacho.
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
2.10. Cogitada litispendência - caso em exame:
No caso em apreço, não vislumbro indicativos de que esta causa seja reiteração de alguma outra em curso, na forma do art. 337, §2, CPC, de modo que entendo não haver sinais de
bis in idem.
2.11. Suspensão da demanda - considerações gerais:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
2.12. Eventual suspensão da demanda - caso em apreço:
No caso em apreço, não há sinais de alguma questão prejudicial a ensejar a suspensão desta demanda no aguardo da sua solução. Por conta do exposto, a causa deve evoluir até a prolação da sentença. Não se aplica ao caso, ademais, o disposto no art. 982, CPC/15.
2.13. Pertinência subjetiva das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.14. Pertinência subjetiva do autor:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a parte autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, não lhe teria sido assegurada a renovação do contrato de mútuo feneratício, avençado no âmbito do FIES, por conta de alegado esgotamento dos prazos para aditamento. Logo, o autor deduziu pretensão própria em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC.
2.15. Capacidade postulatória do autor:
Como sabido, a advocacia é atividade essencial para administração de justiça, nos termos do art. 133, Constituição. Esse dispositivo não deve ser compreendido em termos burocráticos. A advocacia é indispensável para que a Justiça seja ministrada, a exemplo da importância de médicos e farmacêuticos para que remédios sejam ministrados.
Por conta disso, na forma do art. 5, da lei n. 8.906/1994 e art. 103, CPC/15, como regra as pessoas devem se fazer representar por advogados(as) nas demandas em que figurem como partes ou interessadas. A exceção se dá com o rito dos Juizados, quando em causa pretensões com conteúdo econômico correspondente até a metade do valor de alçada, com as reclamatórias trabalhistas e com a impetração de habeas corpus.
No caso, o autor atua sem a representação por um advogado. Por outro lado, o valor atribuído à causa se revela inferior a 30 salários mínimos, vigentes ao tempo da deflagração da demanda. Logo, reputo adequada sua atuação sem a representação por advogado, neste caso. Na eventualidade de ser revisto o valor fixado à demanda, aludida questão deverá ser reexaminada.
2.16. Legitimidade da Caixa Econômica para a demanda:
Ao contrário do que a CEF sustentou, a referida empresa pública federal está legitimada para esta causa. Ao que consta, ela figurou como contratante - mutuante, tendo concedido o empréstimo ao autor no âmbito do FIES. Não está em causa a sua atuação como gestora do aludido programa, de modo que a sua substituição pelo FNDE não chega a comprometer sua legitimidade para a causa.
A CEF foi convocada para esta demanda na condição de mutuante,, responsável pela concessão do empréstimo a favor do autor e pelas renovações periódicas, requeridas pelo demandante. Tanto por isso, na forma do art. 17, CPC, a mencionada empresa está legitimada para a demanda.
2.17. Legitimidade da PUCPR:
Por outro lado, a PUCPR, por meio da Associação Paranaense de Cultura, está legitimada para a presente demanda, diante da causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.18. Ausência de citação da PUCPR:
Até o momento, porém, a PUCPR não foi citada a respeito da pretensão deduzida pelo autor na peça inicial, o que há de ser suprido oportunamente, conforme detaminações lançadas ao final desta deliberação.
2.19. Litisconsórcio passivo
necessário
- considerações gerais:
Por outro lado, reitero que o litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes, tudo a depender do contexto processual. Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de processo civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.20. Garantia do
art. 506
, CPC/15:
Por conta da cláusula do devido processo, ninguém pode sofrer a expropriação de bens, sem que lhe seja assegurado efetivo contraditório. Atente-se para o art. 506, Código de Processo Civil/15:
"
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros
."
A respeito do tema, destaco a análise de Marinoni:
"A princípio, portanto, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes ficam acobertadas pela coisa julgada . Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que participaram do contraditório que resultou na prolação da decisão judicial. Naturalmente, se esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, indubitavelmente devem se sujeitar à resposta jurisdicional oferecida. Também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (arts. 108 e 109), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada. Para as partes e seus sucessores, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios de impugnação, torna-se imutável.
E quanto aos terceiros?
Para responder adequadamente essa questão, é preciso perceber inicialmente que o novo Código não refere que os terceiros não poderão se beneficiar da coisa julgada. Também é preciso perceber que o novo Código não reproduziu a regra constante do art. 472, parágrafo único , do CPC anterior, segundo a qual “nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.
Assim, inicialmente, o novo Código não veda que terceiros se beneficiem da coisa julgada – na esteira do que já sugeria a doutrina diante do direito anterior. Isso quer dizer que o art. 506 acolheu a possibilidade de formação da coisa julgada secundum tenorem rationis. A ausência de restrição ao aproveitamento da coisa julgada ao terceiro, inclusive, harmoniza-se com o disposto no art. 274 do CC , segundo o qual o terceiro, credor ou devedor solidário, desde que o resultado do processo tenha lhe sido favorável e não fundado em qualidade especial ligada tão somente ao autor ou réu da demanda, pode aproveitar a coisa julgada formada inter alios .
Em segundo lugar, a ausência de repetição da regra do parágrafo único do art. 472 do direito anterior deve-se à necessidade de correção do equívoco evidente que encerrava: com a citação, os terceiros perdem essa condição e adquirem a qualidade de parte. Daí que esse dispositivo, a rigor, nada excepcionava diante do direito anterior. A sua eliminação, portanto, decorre apenas da necessidade de aperfeiçoamento técnico do Código.
No mais, a fim de bem dimensionar a posição dos terceiros diante da coisa julgada em todos os outros casos, é necessário lembrar a distinção entre terceiros interessados e terceiros indiferentes. Terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência de al- guma relação jurídica que mantém, conexa ou dependente, em face da re- lação jurídica deduzida em juízo. Tal sujeito, em função da existência desse interesse jurídico, tem legitimidade para participar do processo, querendo, intervindo na condição de assistente simples. Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica interdependente com aquela submetida à apreciação judicial . Não têm interesse jurídico na solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo.
A sentença judicial pode produzir efeitos em relação a todos esses sujeitos, sejam partes, sejam terceiros interessados, sejam ainda terceiros indife- rentes. Esses efeitos, porém, serão sentidos e recepcionados de maneira distinta, conforme a condição do sujeito que os sofre. Aqueles sujeitos que têm algum interesse qualificado como jurídico em relação ao litígio e à so- lução que recebeu (qualificados como terceiros interessados) podem porque têm legitimidade para tanto – opor-se, de algum modo, à afetação de sua esfera jurídica por tais efeitos. Esses “terceiros”, portanto, somente se submetem aos efeitos da sentença se não quiserem ou não puderem va- ler-se dos meios idôneos para afastá-los
.
Resumindo: aqueles que não são partes no litígio, e assim não podem ser atingidos pela coisa julgada, mas nele têm interesse jurídico, apenas po- dem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença e por essa razão são considerados terceiros interessados (ou terceiros juridicamente inte- ressados), os quais têm legitimidade para ingressar no processo na quali- dade de assistente simples da parte ou manifestar posterior oposição aos efeitos da sentença." (MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Manual do Processo Civil.
São Paulo: RT. 2022. capítulo 10)
Como regra, eventual sentença de procedência apenas pode atingir diretamente quem figura como demandado no processo, tendo sido citado, lhe sendo assegurado impugnar a pretensão contra si formulada, conforme garantia do devido processo legal - art. 5, LIV e LV, Constituição/88.
2.21. Litisconsórcio passivo necessário - FNDE:
Conquanto o tema possa envolver alguma controvérsia, os Tribunais têm reconhecido a legitimidade do FNDE para causas como a presente, na condição de agente operador dos contratos - FIES. Com efeito,
"Quanto às preliminares de ilegitimidade passiva arguidas pelas partes,
o FNDE detém legitimidade passiva nos processos em que são discutidos os créditos do financiamento estudantil (FIES), por participar dos contratos, na condição de administrador dos ativos e passivos do programa, a teor do art. 3º, I, c, da Lei 10.260/2001, e do art. 6º, IV, da Portaria Normativa/ME n. 209/2018
."
(TRF-1 - AMS: 10002875020214013813, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 31/08/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 31/08/2022 PAG PJe 31/08/2022 PAG)
Nesse mesmo sentido, leia-se:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. FIES. ABATIMENTO DE BENEFÍCIO. I -
Legitimidade passiva do FNDE que se reconhece, uma vez que se trata do agente operador do FIES e administrador de seus ativos e passivos, nos termos do art. 3º, inciso II da Lei nº 10.260/2001. II - Alegação de ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A. que se afasta, uma vez que este atua como agente financeiro do contrato estudantil
. III - Ausência de pedido administrativo de implantação do benefício previsto no artigo 6º-B da Lei n. 10.260/01 que se deu por falhas operacionais do sistema do FiesMed. Caso em que, uma vez não infirmado o direito do impetrante ao benefício pleiteado, cabe às impetradas, cada qual dentro de sua atribuição, a implantação do abatimento. IV – Recursos de apelação e remessa oficial desprovidos. (TRF-3 - ApelRemNec: 50040188820224036110 SP, Relator: GISELLE DE AMARO E FRANCA, Data de Julgamento: 19/05/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 22/05/2023)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. FIES. FNDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. ABATIMENTO MENSAL DE 1% (UM INTEIRO POR CENTO) DO SALDO DEVEDOR CONSOLIDADO. LEI 10.260/2001, ART. 6º-B, II. REQUISITOS PREENCHIDOS. ABATIMENTO DEFERIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1.
O FNDE detém legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual, porquanto, na data em que passou a integrá-la, era o agente operador e administrador dos ativos e passivos referentes aos contratos firmados no âmbito do FIES, consoante disposto no art. 3º, II, da Lei nº 10.260/2001, na redação dada pela Lei 12.202/2010
. 2. Nos termos do art. 6º-B. inciso II da Lei nº 10.260/2001, o FIES poderá abater, na forma do regulamento (Portaria Normativa nº 7, de 26/04/2013), mensalmente, 1,00% (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado, incluídos os juros devidos no período e independentemente da data de contratação do financiamento, do médico integrante de equipe de saúde da família oficialmente cadastrada, com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldade de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento. 3. Caso concreto em que a autora comprovou documentalmente que preenche as condições descritas na legislação de regência para fazer jus ao abatimento pretendido, razão pela confirma-se a sentença que condenou a União, o FNDE e a CEF na obrigação de proceder ao abatimento mensal de 1,00 (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado do FIES e recalcular o saldo devedor do financiamento, restituindo à autora todos os valores pagos sem o desconto devido, a contar do mês subseqüente ao requerimento administrativo. 4. Apelação e remessa necessária a que se nega provimento. 5. Majoram-se, em relação ao FNDE, os honorários advocatícios fixados pela sentença em favor da autora em 2% (dois inteiros por cento), incidentes sobre o valor da causa (R$ 80.724,65) ( CPC, art. 85, § 11). (TRF-1 - AC: 10362119820204013800, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 03/11/2021, QUINTA TURMA, Data de Publicação: PJe 05/11/2021 PAG PJe 05/11/2021 PAG)
No caso, impõe-se o reconhecimento de que o FNDE é litisconsorte necessário na demanda, enquanto gestor do FIES, na medida em que eventual renovação do contrato indicado na inicial pode exigir a atuação daquela autarquia, quanto às anotações e imposições administrativas pertinentes. Assim, aplico ao caso o art. 115, CPC. O autor deverá promover a citação da aludida autarquia, sob pena de extinção da demanda sem solução de mérito - arts. 114, 115, 506, CPC.
2.23.
Possibilidade
jurídica
do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão da parte requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.24. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.25. Interesse processual:
Ao que se infere dos autos, a pretensão da demandante provavelmente não seria acolhida pelos requeridos na espera extrajudicial. Ademais, por força do art. 5, XXXV, Constituição, a requerente não está obrigada a exaurir o debate no âmbito administrativo, antes de ingressar em Juízo.
O tema 350, STF, não se aplica ao caso, eis que não estão em debate, nesse processos, prestações previdenciárias. Por outro lado, caso a pretensão venha a ser julgada procedente pelo Poder Judiciário, isso lhe será útil, por ensejar a retomada dos seus estudos, com financiamento pelo FIES. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade/utilidade/adequação procedimental restou satisfeita.
2.26. Aptidão da petição inicial:
A petição inicial revela-se apta, eis que o demandante detalhou a sua causa de pedir - narrando os fatos pertinentes e esgrimindo argumentos jurídicos -, ao tempo em que promoveu pedido terminado, na forma do art. 324, CPC. Anexou documentos na forma do art. 322, CPC/15.
Assim, a peça viabilizará o contraditório por parte dos demandados. Não se faz necessário o recolhimento de custas, no rito dos Juizados, em 1. instância. Registro ainda que o pedido da parte autora deve ser compreendido com respeito à boa-fé objetiva, atentando para a integridade da peça inicial -
art. 322, §2, CPC/15
.
2.27. Apresentação de documentos:
A parte autora não chegou a apresentar os documentos necessários à apreciação do seu pedido, conforme
artigos 320 e 434, Código de Processo Civil
. Não chegou a apresentar cópia do instrumento contratual e eventuais aditamentos. Tampouco apresentou comprovantes das alegadas falhas da PUCPR na prestação de serviços educacionais.
A questão há de ser deliberada, de todo modo, adiante.
2.28.
Valor
da causa - considerações gerais:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pelo autor (art. 293, CPC/15).
2.29. Valor da causa -
processo
em exame:
NO CASO, reputo adequado o valor atribuído à demanda (R$ 40.000,00), ao contrário do alegado pela CEf. O autor busca a retomada de contrato de mútuo feneratício, destinado a custear as mensalidades do seu curto, junto à PUCPR. Não há fundamento para atribui à demanda o valor mínimo de alçada, como registrado pela empresa pública federal.
2.30. Considerações gerais sobre a
teoria
da substanciação:
Como sabido, em regra o Poder Judiciário apenas pode apreciar aquilo que tenha sido efetivamente pedido pelas partes. É o que se infere dos artigos 141, 322 e 492, Código de Processo Civil/2015.
Por outro lado, o Direito brasileiro esposou a teoria da substanciação, conforme bem explicita Cândido Rangel Dinamarco:
"Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e consequentemente da sentença (art. 128) mas os fundamentos jurídicos não. Tratando-se de elemento puramente jurídico e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao Juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus)."
(DINAMARCO.
Instituições de Direito Processual Civil.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 132).
Tanto por isso, a parte demandante é obrigada a indicar o pedido e a causa de pedir correspondente (art. 319, III e IV, CPC). Por sinal, deve haver conexão lógica entre ambos, conforme se infere do art. 330, § 1º, I e II, CPC.
Reporto-me à lição de Celso Agrícola Barbi:
"A lide, mesmo no sentido sociológico com que a configura Carnelutti, apresenta-se, no processo em limites fixados pela parte. Isto é, mesmo que a lide como entidade sociológica, fora do processo, tenha determinada extensão, ela pode ser apresentar apenas parcialmente no processo. E é nesses limites em que ala foi trazida ao juiz que este deve exercer a sua atividade. Em outras palavras, o conflito de interesses que surgir entre duas pessoas será decidido pelo juiz não totalmente, mas penas nos limites em que elas o levarem ao processo. Usando a formula antiga, significa que o juiz não deve julgar além do pedido das partes: ne eat judex ultra petita partium. Nesses casos, a convicção do juiz é necessária, para evitar que sua atividade se transmude em de criador de direitos subjetivos, deixando a de atuar a lei. A vedação ao juiz, no que se refere ao autor, não se restringe, porem, ao pedido, mas também à causa de pedir. O julgador deve decidir a pretensão do autor com base nos fatos jurídicos por ele alegados, não podendo admitir outros como fundamento da procedência da ação."
(BARBI.
Comentários ao Código de Processo Civil.
13. ed., 2008,p. 403).
Menciono também o seguinte julgado, emanado do STJ:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÍNICA MÉDICA. SÓCIOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CAUSA DE PEDIR. ALTERAÇÃO. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU DA CONGRUÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE. EXCLUSÃO. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
1. Segundo o princípio da adstrição ou da congruência, deve haver necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra ou ultra petita. 2.
O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial
. 3. Incide em vício de nulidade por julgamento extra petita a decisão que julga procedente o pedido com base em fato diverso daquele narrado pelo autor na inicial como fundamento do seu pedido. 4. Se a causa de pedir veio fundada no sofrimento dos autores em função da morte do paciente, imputada aos maus tratos sofridos durante a internação, era defeso ao Tribunal de origem condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacionadas com o óbito. 5. Excluído pelo acórdão recorrido, com base na prova dos autos, o nexo causal entre o resultado morte e o tratamento recebido pelo paciente, ao consignar que se tratava de paciente em estado terminal, a improcedência da ação é solução que se impõe. 6. Recursos especiais providos. ..EMEN: (RESP 200902391200, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/05/2010 ..DTPB:.)
A indicação do pedido e da causa de pedir correspondentes é um requisito próprio à cláusula do devido processo (art. 5º, LIV e LV, CF). Afinal de contas, somente assim o requerido pode saber sobre o que se defender; cuida-se também de requisito para a garantia do postulado dispositivo, eis que o pedido/causa de pedir delimitam a causa.
Como igualmente sabido, a parte pode renovar o mesmo pedido, indicando causa de pedir diversa (art. 337, §2º, CPC). Tanto por isso é que o Código de Processo veda a formulação de pedidos indeterminados, conforme se infere do art. 324, CPC. De modo semelhante, o sistema também proíbe o juízo de prolatar sentenças indeterminadas (art. 492, parágrafo único, CPC).
Logo, no caso, a solução da causa está vinculada aos limites da pretensão do autor, detalhados na peça inicial.
2.31. Gratuidade de justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, definida por meio da portaria interministerial MPS/MF 26, de 10.01.2023, R$ 7.507,49.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o
incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000
.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9.
Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual
. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
Note-se que o teto do regime geral previdenciário é de
R$ 7.087,22
, conforme Portaria interministerial MTP/ME Nº 12, de 17 de janeiro de 2022. D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança e, em 1. instância, no rito dos juizados especiais), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir
prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado.
Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário
."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.32. Gratuidade - caso em apreciação:
NA ESPÉCIE, na forma do art. 99, §2º, CPC, a requerente apresentou documento de identificação e comprovante de residência, além de declaração de hipossuficiência
. A medida surte poucos efeitos no âmbito dos Juizados Especiais, em 1. instância, dada a exoneração de custas e honorários sucumbenciais, na forma dos arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995, normas não ab-rogadas pelos arts. 82 e 85, CPC/15, dado o art. 2º, §2º, do decreto-lei 4.657/1942. De toda sorte, DEFIRO à autora o benefício requerido.
2.33. Prazos prescricionais - considerações gerais:
Convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da
actio nata
, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, Francisco C. P. de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.34. Prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar:
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do
fundo de direito
(art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observado, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.35.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.36.
Prescrição
- situação em exame:
No caso, o prazo prescricional oponível à CEF e à PUCPR é de 05 anos, contados da data em que a parte tenha tomado conhecimento da alegada violação aos seus interesses - art. 27 do Código de Defesa do Consumidor e postulado da
actio nata.
No que toca ao FNDE, o prazo é de 5 anos, por conta do art. 1 do decreto 20.910/1932.
No curso de eventual processo administrativo, o cômputo da prescrição resta suspenso, como registrei acima. No caso, portanto, aludidos prazos não se esgotaram, considerando a data em que, segundo a peça iniciail, o autor teria tomado conhecimento da alegada ocorrência de descontos indevidos na sua prestação previdenciária.
De todo modo, os autos ainda não veiculam cópia do instrumento contratual. A juntada do referido documento pode ensejar a revisão da apreciação aqui detalhada.
2.37. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Em primeiro exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade
.
2.38. Quanto à incidência parcial do CDC:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Assim, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a
orientação maximalista
promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRONA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquir e bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
Conjugando-se esses elementos, enfatizo que a lei n. 8.078 se aplica ao caso vertente, no que toca à relação do autor com o Banco do Brasil. Não se desconhece o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, manifestado no julgamento do
REsp nº 1.155.684/RN
, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, declarando a inaplicabilidade das regras do Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados no âmbito do Programa de Financiamento Estudantil - FIES. No que toca, porém, à relação de mútuo entre agente financeiro e mutuário, aludida incidência é consequência direta das
súmulas 285 e 297, STJ e ADI 2591
.
Ele não incide, contudo, no que diz respeito ao FNDE, dado cuidarem-se de relações de direito administrativo, em sentido estrito, devendo atentar para o art. 37, CF/88
.
2.39. Consequências da aplicação parcial do CDC:
Dada a aplicação parcial do CDC, quanto à cadeia de relações jurídicas presentes na situação em exame, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"
a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de defesa do consumidor, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo
(...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, CC:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"
A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva
. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90)
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC.
2.40. Direito fundamental à educação:
A educação é direito fundamental
, conforme se infere do art. 6º da Constituição Federal, encontrando-se garantida contra o retrocesso social, na forma do art. 26 do Pacto de San Jose de Costa Rica, tratando-se de tema versado também pelos arts. 205 e ss. da Lei Maior:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V -
valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes pública
s; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O art. 207 da Constituição/88 assegura às universidades a autonomia didático-científica, bem como a autonomia administrativa e de gestão financeira. Importa dizer: cabe às entidades de ensino superior administrar seus quadros, elaborar seus currículos e gerir seus recursos. Aludido preceito é complementado pela lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que versa sobre as diretrizes e bases da educação nacional.
2.41. Quanto ao FIES:
O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior encontra-se regulado pela lei 10.260/2001, fruto da conversão da MP 2.094-28/2001. Esse programa destina-se à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos (art. 1º)
.
O programa permite o financiamento de até 100% dos encargos educacionais cobrados dos estudantes por parte de entidades de ensino superior, cadastradas junto ao Ministério da Educação (art. 4º).
A lei 10.260 dispõe, no seu art. 5º, sobre os financiamentos, impondo, dentre outros, os seguintes detalhes: (a) prazo: não pode ser superior à duração regular do curso, abrangendo todo o período em que o FIES custear os encargos educacionais, inclusive períodos de suspensão temporária; (b) juros, capitalizados mensalmente, a serem estipulados pelo CMN (redação veiculada pela 12.431/2011); (c) oferecimento de garantias adequadas ao estudante financiado; (d) carência - 18 meses contados a partir do mês imediatamente subsequente ao da conclusão do curso; (e) distribuição parcial dos ricos para as instituições de ensino superior.
Aludidos contratos encontram-se, portanto, regulados em lei. Trata-se de mecanismo funcionalizado, destinado à implantação de uma política educacional, viabilizando o acesso a crédito para estudantes de baixa renda. Desse modo, vê-se que, ao contrário das práticas mercantis corriqueiras, o referido mútuo prevê um prazo de carência, em que o mutuário paga apenas juros a cada três meses, e limitados a aproximados R$ 50,00, por exemplo.
Essa peculiaridade do mútuo destinado ao financiamento educacional não pode ser olvidada, como se percebe. O contrato não pode ser confrontado, sem mais, com instrumentos outros, destinados ao financiamento de veículos ou imóveis, por exemplo. Ademais, o FIES prevê uma sistemática de reiterados aditamentos contratuais (
"O estudante deverá reafirmar junto à CAIXA, semestralmente, em período fixado pelo MEC, a intenção de continuar a utilizar esse financiamento por meio de aditamento contratual."
).
2.42. Quanto à garantia pessoal - fiança:
A fiança é regulada pelos arts. 818 e ss. do Código Civil. Trata-se de uma garantia fidejussória, destinada a assegurar o pagamento da obrigação alheia. É
"o contrato que tem por objeto a obrigação assumida por uma pessoa com o credor de outra de pagar dívida desta, caso ela não o faça."
(ESPÍNDOLA, Eduardo.
Dos contratos nominados no direito civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Gazeta Judiciária, 1953, p. 403).
Em princípio, portanto, o fiador faz jus ao benefício de ordem, conforme se infere do art. 827, Código Civil:
Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único.
O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito
.
Logo, como regra, o patrimônio do fiador apenas pode ser constrito para satisfação da dívida caso, antes, o credor tenha executado o afiançado. Todavia, para invocação desse benefício, a lei impõe uma condição: a de que o fiador indique bens, livres e desembaraçados, do devedor principal. Importa dizer: a invocação do benefício de ordem não se presta a apenas protelar a satisfação da dívida. Atente-se, ademais, para a regra do art. 595, CPC:
Art. 595. O fiador, quando executado, poderá nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor. Os bens do fiador ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação do direito do credor.
Parágrafo único. O fiador, que pagar a dívida, poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo.
Ademais, não bastasse isso, também é certo que, por força de lei, o fiador pode renunciar ao benefício de excussão (conforme art. 828, I, CC/2002). De outro tanto, a lei 10.260, que regula o FIES, prevê uma fiança solidária (art. 5º, §9º, II e art. 4º, §7º). A Portaria 10/2010 do MEC, que trata dos procedimentos para inscrição e contratação de financiamento estudantil a ser concedido pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), tratando das garantias a serem prestadas para celebração/novação do contrato.
2.43. Força vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante é mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão (LARENZ, Karl.
Bases
del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Traduzi. Granada: Editorial Comares, 2002, p. 211/212).
Transcrevo parte da lição de Karl Larenz:
"IX. Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido:
a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência);
b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211/212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria.
Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial
."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994).
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC). Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual e assegurando um mínimo de segurança jurídica.
Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei nº 8078 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"
A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado
."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003. p. 305).
2.44. Funcionallização dos pactos:
Mencionei acima que, por muito tempo, vigorou a premissa de que um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na sua celebração, diante da eventual ocorrência de dolo, erro, coação, vício redibitório, teoria da lesão e assim por diante.
Em período mais recente, porém, os resultados dos contratos têm sido tomados em conta para se aferir a sua validade. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor passou a vedar a celebração de contratos extremamente onerosos, em cujo âmbito haja significativa desproporção entre prestações e contraprestações (arts. 39 e 51, CDC). Solução semelhante foi verbalizada pelo Código Civil/2002, arts. 478 a 480.
Ademais, o Estado passou a regulamentar determinados contratos, reconhecendo que não se limitariam à convergência de interesses individuais, servindo, isso sim, como mecanismos de intervenção nas relações privadas, em prol de interesses públicos, como ocorre com contratos educacionais, contratos de prestação de serviços de saúde, contratos de seguro, contratos de locação e assim por diante. Ou seja, isso se traduz em ingerência estatal nos pactos, concebidos como instrumentos para obtenção de determinados vetores públicos.
Isso sse traduz na funcionalização dos pactos.
2.45. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
"
2.46. Eventuais novações contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
Assim, eventual renegociação do contrato não impede a revisão do período todo da avença.
2.47.
Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.48. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.49.
Contrato de mútuo
feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade
. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrato, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, CP/40.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa, não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica, dede logo, ao argumento de ser sua, já que se trata de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.).
2.50. Juros contratuais - considerações panorâmicas:
Como sabido, a Constituição Federal estabelecia, na redação originária do seu artigo 192, § 3°, o limite de 12% para os juros reais. Surgiu, então, uma polêmica a respeito do aludido dispositivo.
Para José Afonso da Silva, a norma seria autoaplicável, dado que
'juros reais'
seriam aqueles calculados mediante desbaste da inflação do período. Logo, caso a inflação fosse de 10%, os juros poderiam chegar a 22%. Por seu turno, Celso Bastos e Ives Gandra sustentaram que a Constituição não teria definido o que seriam os tais 'juros reais', de modo que o limite demandaria a aprovação da lei complementar prevista no art. 192, caput, CF, redação original. O STF acolheu essa última orientação, conforme se infere da conhecida súmula 648 e súmula vinculante 7. Ademais, referida limitação foi extirpada do texto constitucional, a partir da emenda constitucional 40/2003.
Logo, os juros não estão limitados a 12% ao ano (exceção feita aos contratos celebrados sob o SFH, por força do art. 25 da lei 8692/1993). Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que a aplicação de juros superiores a 12% não implicaria, de modo automático, onerosidade excessiva: Súmula 382, STJ
- "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade."
Sob o primeiro governo de Getúlio Vargas, o decreto 22.626/1933 dispôs ser
"proibido contar juros dos juros. Esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano."
Ademais, segundo o seu art. 7º, §2:.
"Em caso de amortização os juros só serão devidos sobre o saldo devedor."
Já o art. 13 preconizou "
É considerado delito de usura, toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento. Penas - prisão por (6) seis meses a (1) um ano e multas de cinco contos a cinqüenta contos de reis. No caso de reincidência, tais penas serão elevadas ao dobro."
Essas normas tiveram por escopo limitar, com severas sanções (inclusive penais), a cobrança dos juros. A lei de usura revogou, nesse particular, o artigo 1262 do Código Civil de 1916, que dispunha ser
"permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal, com ou sem capitalização."
Por sinal, o artigo 1263 do Código Civil bevilaquiano preceituava que
"o mutuário que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital."
Menciono também as conhecidas súmulas 121 e 596, STF: "
É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. (...) As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional."
Conquanto a súmula 596 pareça exonerar totalmente os bancos da aplicação da lei de usura, a sua interpretação foi conferida pelo próprio STF, ao enfatizar que apenas o limite de juros é que teria sido afastado. Ou seja, esse último enunciado não chancela eventual prática de anatocismo por parte das instituições financeiras.
"
Finalmente, é oportuno frisar que a Súmula 596 se refere ao art. 1º do Decreto nº 22.626/33, não conflitando com o verbete da Súmula nº 121, que se apóia no art. 4º do mesmo diploma. Vê-se, diante do exposto, que continua de pé a Súmula nº 121. Em conseqüência, não pode subsistir a decisão, na parte atinente à capitalização mensal dos juros pactuados
." (RE nº 96.875 - RJ, 2ª Turma, julg. 16/09/1983, RTJ - 108, p.277)
Acrescento, por outro lado, que a medida provisória 2.170-36/2001(art. 5º) autorizou os bancos a cobrarem juros sobre juros:
"Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano."
Esse dispositivo foi declarado inválido pelo eg. TRF da 4ª Rg., em controle incidental:
1. Até o advento da indigitada MP nº 1.963-17, publicada em 31/03/2000 (MP nº 2.170, de 23/08/2001 - última edição), a capitalização dos juros mês a mês, nos contratos de abertura de crédito rotativo em conta-corrente - cheque especial - e nos contratos de renegociação, à míngua de legislação especial que a autorizasse, estava expressamente vedada. 2. Estavam excluídos da proibição os contratos previsto no Decreto lei nº 167, de 14/02/67, no Decreto-lei 413, de 09/01/69 e na Lei 6.840, de 03/11/80, que dispõe sobre títulos de crédito rural, título de crédito industrial e títulos de crédito comercial, respectivamente. 3. O Executivo, extrapolando o permissivo constitucional, tratou de matéria antiga, onde evidentemente não havia pressa alguma, eis que a capitalização de juros é matéria que remonta à época do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura). A gravidade é ainda maior quando se tem em conta que a capitalização de juros em contratos bancários e financeiros tem implicações numa significativa gama de relações jurídicas. 4. Não verificado o requisito "urgência" no que se refere à regulamentação da capitalização dos juros em período inferior a um ano. Especialmente quando se trata de uma MP que, dispondo sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, dá providências sobre a capitalização de juros para as instituições financeiras. 5. Não se pode reputar urgente uma disposição que trate de matéria há muito discutida, e que, ardilosamente foi enxertada na Medida Provisória, já que trata de tema totalmente diverso do seu conteúdo. Além disto, estatui preceito discriminatório, porque restringe a capitalização de juros questionada unicamente às instituições financeiras. A urgência, portanto, só se verifica para os próprios beneficiados pela regra, já que, para todos os demais, representa verdadeiro descompasso entre a prestação e a contra-prestação, além de onerar um
contrato
que por natureza desiguala os contratantes (de adesão)." (TRF4, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 2001.71.00.004856-0, Corte Especial, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 08/09/2004)
De todo modo, a questão está longe de ser pacífica. Remanescem grandes controvérsias sobre o significado da vedação da
'cobrança
de juros sobre juros'.
Afinal de contas, o que se proíbe? Caso se proíba o emprego de fórmulas de juros compostos, a realidade econômica seria inválida. Afinal de contas, CDB's, caderneta de poupança e outras aplicações financeiras estão amparadas todas em mecanismos de juros compostos.
Caso se suponha que o emprego de fórmulas de juros compostos estaria proibido, a própria atividade financeira como um todo estaria à margem da lei. Tem predominado, portanto, o entendimento de que a 'cobrança de juros sobre juros' se limitaria àqueles casos de amortização negativa; i.e., casos em que a prestação mensal é inferior ao valor dos juros mensais, sendo incabível o lançamento de juros impagos no saldo devedor, com incidência de novos juros.
Há quem sustente, todavia, que o emprego de fórmula de juros compostos (capitalização composta de juros) estaria proibida pela lei. Ilustram isso com a leitura a
contrario sensu
do art. 1544 do Código Civil de 1916 (dispositivo sem paralelo, porém, na lei 10.406/2002): "
Além dos juros ordinários, contados proporcionalmente ao valor do dano, e desde o tempo do crime, a satisfação compreende os juros compostos."
Para essa concepção, portanto, o Decreto 22.626/1933 teria proibido a cobrança de juros compostos, salvo quando a capitalização fosse anual. A composição de juros apenas seria admissível a título de sanção, como evidenciaria o art. 1544 do Código Civil de 1916. Revisando soluções anteriores, compartilho do entendimento de que apenas as chamadas 'amortizações negativas' ou práticas semelhantes estão proibidas pela lei. Importa dizer: não há vício no emprego da fórmula do sistema francês de amortização (tabela price):
"ADMINISTRATIVO. SFH. ANATOCISMO - ILICITUDE. TABELA PRICE DESCARACTERIZADA. -
A vedação do anatocismo em
contrato
de mútuo habitacional não passa pela consideração da liceidade da Tabela Price, que encerra fórmula matemática, certo que a mesma resulta descaracterizada em meio de economia mutável, especialmente a móvel do fenômeno da inflação, enquanto não se lhe apliquem rigorosos elementos de adequação imprescindíveis para o resguardo de sua estrutura original
." (TRF da 4ª Rg., rel. Des. Fed. Amauri Chaves de Ataíde, DJU de 20/10/04, p. 609).
"Diferentemente da existência de previsão no contrato de incidência de uma taxa de juros nominal e outra efetiva (forma de cálculo simples ou composta), ou do sistema de amortização da Tabela Price - cuja legalidade ora se reconhece -, o que a lei repudia é a prática de anatocismo, caracterizada pela cobrança de juros sobre capital renovado, ou seja, sobre montante de juros não pagos, já resultantes da incidência de juros compostos (capitalizados), que ocorre quando o valor do encargo mensal revela-se insuficiente para liquidar até mesmo a parcela de juros, dando causa às chamadas "amortizações negativas." TRF da 4ª Rg., rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, DJU de 08/09/2004, p. 347, omitiu-se parte da ementa).
Sem dúvida que a tabela price está fundada em fórmula de juros compostos, o que é notório:
Em que:
pmt - Valor da parcela (do inglês
payment
)
PV - Valor Presente (do inglês
Present Value
)
i - Taxa de juros (do inglês
Interest Rate
)
n - Número de períodos
Não obstante isso, o fato é que o anatocismo não se confunde com o simples emprego de juros compostos. Exige-se a demonstração de que juros impagos estariam sendo submetidos a novos juros, no período inferior a um ano (amortizações negativas).
2.51. Limitação dos juros reais:
Como sabido, a Constituição Federal estabelecia, na redação originária do seu artigo 192, § 3°, o
limite de 12% para os juros reais
. Surgiu, então, uma polêmica a respeito do aludido dispositivo.
Para José Afonso da Silva, a
norma seria autoaplicável
, dado que
'juros reais'
seriam aqueles calculados mediante desbaste da inflação do período. Logo, caso a inflação fosse de 10%, os juros poderiam chegar a 22% - que compreenderia os juros efetivos/reais de 12%. Por seu turno,
Celso Bastos e Ives Gandra sustentaram que a Constituição não teria definido o que seriam os tais 'juros reais', de modo que o limite demandaria a aprovação da lei complementar prevista, então, no art. 192,
caput,
CF
, redação original. O STF acolheu essa última orientação, conforme se infere da conhecida súmula 648 e da súmula vinculante 7. Ademais, referida limitação foi extirpada do texto constitucional, a partir da emenda constitucional 40/2003.
Logo, os juros não estão limitados a 12% ao ano (exceção feita aos contratos que tenham sido celebrados sob o SFH, por força do art. 25 da lei 8692/1993). O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a aplicação de que
"
a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade
."
(súmula 382, STJ).
Registro pois a discussão a respeito da cláusula "juros reais".
2.51. Ato jurídico perfeito:
De certo modo, a legislação em causa interferiu em uma relação contratual estabelecida entre o agente financeiro - mutuante/credor - e o mutuário, ou seja, o(a) estudante, tomador(a) do empréstimo. Pode-se questionar a validade disso, em determinados âmbito, por conta da tutela dispensada pela Constituição ao "ato jurídico perfeito", conforme se infere do art. 5º, XXXVI, Lei Fundamentação/88 e art. 6º do decreto-lei 4.657/1942 (lei de introdução às normas do direito brasileiro).
Segundo o aludido art. 6º:
"
A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada
. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou
."
Por sinal, ao apreciar a ADI 493-0, versando sobre a lei n. 8.177/1991, responsável pela criação da taxa referencial básica, o STF enfatizou que nem mesmo normas de ordem pública poderiam alterar contratos celebrados antes da sua vigência. No seu voto, o Min. Reltor Moreira Alves discorreu sobre as hipóteses de retrotividade da lei - confrontando a legislação nacional com a legislação francesa - e concluiu que, como regra, leis poderiores não poderiam alterar contratos em curso, sem que houvesse consenso entre todos os pactuantes. Sem dúvida também que aludida restrição tem sido excepcionada em vários casos, notadamente quando há alteração de critérios de correção monetária, alteração do padrão monetário (p.ex., promovido pelo Plano Real - lei 9.069/1995) etc.
2.52. Manutenção do comprometimento de renda:
Os contratos avençados no âmbito do FIES não estipulam, como regra, limites de comprometimento de renda. O pacto viabiliza que o estudante obtenha recursos para pagamento de mensalidades. A taxa de juros é reduzida (3,4% ao ano, como regra). Ao contrário dos demais contratos, difundidos no mercado, o contrato do FIES preconiza um prazo de utilização, em que o estudante fica exonerado do pagamento de cotas de amortização e juros remuneratórios, devendo pagar apenas uma taxa de administração, de valor reduzido, se confrontado com o valor emprestado.
O contrato de mútuo feneratício, avençado no âmbito do FIES, assegura um prazo de carência, subsequente à colação de grau, em que o mutuário é exonerado da obrigação de pagar cotas de amortização e juros, pressupondo-se que, neste prazo, o estudante encontra-se em fase de procura de ocupação no mercado. Por fim, chega a etapa de pagar parcelas de cotas de amortização e juros - fase de amortização. As prestações são calculadas empregando-se, em regra, juros de 0,283% ao mês (3.4% ao ano), com o emprego da fórmula da tabela Price.
Aludidas cláusulas revelam-se adequadas, no essencial. Não há previsão de algum limite de comprometimento de renda, como se o mutuário estivesse a pagar apenas uma prestação que mantivesse a correlação inicial entre renda e encargos. Como qualquer mútuo, o contrato avençado no âmbito do FIES preconiza que o tomador do empréstimo deve restituir o valor emprestado, não se cuidando de contrato de doação.
Não se aplica ao caso, portanto, a lógica dos contratos antigos do Sistema Financeiro da Habitação, a exemplo do plano de equivalência salarial por categoria profissional (art. 9, decreto-lei nº 2.164, de 19 de setembro de 1984, súmula 39, TRF4), plano de comprometimento de renda - PCR (art. 4 da lei 8.692, de 28 de julho de 1993), dentre outros mecanismos que estavam destinados, no âmbito daqueles contratos, a impor limites à correção monetária e ao reajuste das prestações mensais.
Convém ter em conta, de todo modo, que mesmo no âmbito dos contratos habitacionais, e que tais cláusulas foram concebidas, a legislação interditou a adoção de tais medidas, por conta dos inexoráveis desequilíbrios contratuais disso decorrentes. Prestações mensais limitadas a percentuais de comprometimento de renda não logram êxito em adimplir um saldo devedor corrigido mensalmente conforme a inflação, salvo se a perda do poder adquisitivo da moeda restar estagnado, o que dificilmente ocorre em economias com a brasileira (ou seja, períodos de deflagração ou de ausência de inflação). Assim, impondo-se tais limites, com o tempo, a prestação resta insuficiente até mesmop ara pagar os juros mensais, podendo ensejar amortizações negativas (lançamento de juros remuneratórios no salvo devedor, por conta da insuficiência da prestação para adimplir cotas de amoritzação e juros).
Enfatizo: a imposição de limitações às prestações mensais, com redução daquele monante programado pelo emprego da tabela price, acaba por gerar inexorável desequilíbrio contratual, ensejando um resíduo ao final do prazo contratualmente previsto. Isso deu origem, em 1967, no âmbito do SFH - sistema financeiro da havitação, ao chamado Fundo de Compensação da Variação dos Salários - FCVS, um fundo criado por força de uma resolução do Banco Nacional de Habitação - BNH - Resolução 25, de 16/6/1967, atribuindo à União o custo disso, dando ensejo a déficits na ordem de R$ 428.574.999,87!! (valores posicionados em 01/01/2025, Acompanhamento da Novação de Dívidas do FCVS, dados divulgados pelo BACEN).
Atente-se para o art. 48 da lei 10.931, de 2 de agosto de 2004:
"
Fica vedada a celebração de contratos com cláusula de equivalência salarial ou de comprometimento de renda, bem como a inclusão de cláusulas desta espécie em contratos já firmados, mantidas, para os contratos firmados até a data de entrada em vigor da Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001, as disposições anteriormente vigentes
."
Assim, mesmo no contexto em que tais cláusulas de comprometimento de renda contavam com previsão expressa sua adoção restou vedada, na forma da legislação acima aludida. Nâo há previsão legal para sua adoção no âmbito dos contratos do FIES e tampouco há previsão, como regra, nos contratos de mútuo em questão, que devem ser cumpridos na forma em que avençados -
pacta sunt servanda.
2.53. Eventual onerosidade excessiva:
O CDC - lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 veda, nos arts.. 39 e 51, a caracterização do contrato que caracterize onerosidade excessiva, diante de manifesta desproporção entre prestações e contraprestação.
Segundo se infere do art. 39, V, CDC, é vedado ao fornecer exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.
"O art. 39, V, dispõe ser prática abusiva a conduta do fornecedor consistente em exigir vantagem manifestamente excessiva do consumidor. Pela abertura semântica, cuida-se de conceito jurídico indeterminado que deve ser analisado circunstancialmente pelo intérprete. A prática abusiva referida no inciso V se aproxima da ideia constante no art. 51, IV, que declara ser nula a cláusula que estabeleça obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (v. comentários ao art. 51, IV). A principal diferença é que a caracterização da prática abusiva descrita no art. 39, V, é independente da celebração do contrato de consumo. Ou seja, pode restar configurada antes e, até mesmo, sem qualquer contratação posterior. Como exemplo, imagine-se cobrança de preço majorado artificialmente, como resultado de prática de cartel. A conclusão pela cobrança de vantagem manifestamente excessiva envolve diversos aspectos da oferta do produto ou serviço (momento pré-contratual) e eventual contratação. Como exemplo, registre-se julgado do STJ (REsp 1.737.428) que considerou abusiva a prática imposta ao consumidor de pagar taxa de conveniência para compra de ingresso de evento cultural. Na ocasião, além de análise circunstancial da contratação, invocaram-se diversos dispositivos do CDC (arts. 6º, V, 39, I, V, IX, e 51, IV, § 1º, III) para se concluir pela ilegalidade da prática."
(BESSA, Leonardo Roscoe.
Código de Defesa do Consumidor comentado.
São Paulo: RT. 2025. comentários ao art. 39).
Atente-se ainda para o alcance do art. 51, IV, CDC:
"O art. 51, IV, em redação genérica e abrangente do princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico do contrato, é, sem dúvida, o principal dispositivo para exame de abusividade de cláusula em contratos de consumo. Indica a absorção pelo CDC da Nova Teoria Contratual, ao declarar a nulidade de obrigações abusivas, iníquas, que “coloquem o consumidor em desvantagem exageradas ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
O § 1º do próprio art. 51 complementa o alcance do inciso ao estabelecer que, entre outros casos, se presume exagerada a vantagem que: 1) ofende princípio do sistema jurídico; 2) restringe direitos inerentes à natureza do contrato de modo a ameaçar o equilíbrio do vínculo; 3) estabelece obrigação excessivamente onerosa, conforme a natureza e circunstância do caso concreto (v. comentários). O art. 51, IV, permite exame circunstancial de inúmeros aspectos e fatores envolvidos em todas as fases da contratação. A abertura semântica do dispositivo enseja, ademais, o exame da lealdade e transparência, dos termos da oferta e publicidade (fase pré-contratual), das legítimas expectativas do consumidor, do equilíbrio econômico, da configuração da lesão.
As três funções da boa-fé objetiva (critério hermenêutico, criação de deveres anexos e limitação do exercício de direitos) devem ser trazidas a exame para se concluir pela nulidade ou não de cláusulas contratuais. Se, por exemplo, determinada cláusula for contrária ao dever anexo de informação, a disposição é nula. Também é nula a cláusula que imponha uma série de procedimentos burocráticos para que o consumidor possa exercitar direito inerente à natureza do contrato, por violação do dever anexo de proteção e cuidado
.
- Cláusula geral e conceito jurídico indeterminado: o papel do juiz
No início do século XIX, no contexto social e histórico da edição do Código Civil francês (1804), que veio a influenciar boa parte do direito privado da família do sistema civil law, imaginou-se que a lei, como mais bem elaborado fruto do racionalismo humano, seria tão perfeita e completa que não sobraria nenhum espaço para o intérprete e aplicador da norma (Escola da Exegese). O juiz seria apenas a boca da lei (bouche de la loi). Seu trabalho se reduziria a raciocínio lógico de silogismo (premissa maior, premissa menor e conclusão). Basicamente, deveria encaixar os fatos à norma (subsunção) e obter o resultado esperado pelo legislador.
Os anos seguintes desmentiram essa visão. As leis – nem mesmo em sociedade com mudanças mais lentas (séc. XIX) – conseguiam tudo prever e regular. O silogismo, o automatismo do magistrado, conduzia, muitas vezes, a resultados injustos e ofensivos a valores sociais. No direito privado, o Código Civil perde centralidade; abre, em face de suas lacunas, espaço para edição de leis “extravagantes”, depois denominadas apenas especiais.
O legislador de hoje é mais cauteloso. Sabe da sua incapacidade de tudo prever, em face da rapidez das mudanças sociais e culturais. É cada vez mais frequente a edição de normas com textura aberta. Diferenciam-se os princípios das regras. Intensificam-se a importância e a responsabilidade do juiz que, ao final, deverá definir o sentido e o alcance da disposição normativa no caso concreto. No Brasil, tanto o Código Civil quanto o CDC possuem inúmeras normas de tessitura aberta cuja delimitação de conteúdo depende de trabalho de interpretação. O CDC é norma principiológica. Ao lado de regras, possuem o que a doutrina denomina cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, termos – propositalmente – vagos e indeterminados (vagueza semântica).
Alguns autores realizam a seguinte distinção. No conceito jurídico indeterminado, a norma possui vagueza nas palavras, mas apresenta e define a consequência jurídica (sanção), enquanto na cláusula geral o trabalho de definir a consequência também depende do intérprete. O mais importante, todavia, é perceber que o sentido e o alcance da norma exigem postura dinâmica e, ao mesmo tempo, mais responsável do juiz. O significado e os contornos da norma são resultado de amadurecimento jurisprudencial. Daí a importância, no caso do CDC, do papel do STJ, que tem competência para afirmar qual é a melhor interpretação do direito infraconstitucional.
-
Importância da jurisprudência na definição do conteúdo do art. 51, IV, CDC. O art. 51, IV, do CDC é cláusula geral cujos contornos depende atividade hermenêutica. O intérprete, com destaque para o juiz, possui margem de liberdade na análise de eventual nulidade de cláusula contratual, com fundamento no art. 51, IV. Daí a maior necessidade de fundamentar as decisões judiciais que, com base no dispositivo, declarem a nulidade de cláusula contratual
.
A responsabilidade do Judiciário é notória, até mesmo para afastar as críticas recorrentes de subjetivismo e arbitrariedade na análise de abusividade das cláusulas contratuais. A jurisprudência brasileira, com mais de três décadas de experiência do CDC, tem utilizado com ponderação e discernimento o inc. IV do art. 51 no exame dos mais diversos tipos de contrato de consumo.
Se é certo, de um lado, que o perigo de arbitrariedade existe, é verdadeiro, de outro, que tais atitudes podem e devem ser corrigidas – por meio de recursos – no próprio Poder Judiciário, que, com o correr do tempo, tem construído com sabedoria os contornos da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico do contrato com base no art. 51, IV, do CDC." (BESSA, Leonardo Roscoe.
Obra citada.
comentários ao art. 51).
Os arts. 478 a 480, do Código Civil, versam sobre o tema como segue:
"Alteração das circunstâncias. Não raro, os contratos são celebrados para serem executados futuramente. Isso se dá na compra e venda a prazo, no compromisso de compra e venda e na locação, por exemplo. Por certo, as partes podem empenhar-se para disciplinar de maneira suficientemente precisa como se dará sua relação ao longo do tempo. A alteração das circunstâncias é esperada, pois o futuro nunca é igual ao presente . Às vezes, no entanto, sobrevêm acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que criam sério embaraço ao cumprimento da prestação acordada. Nessa hipótese, o Código Civil confere à parte a possibilidade de obter a resolução da relação jurídica perante órgão dotado de poder jurisdicional. Finalidade. A disciplina da onerosidade excessiva presta-se a evitar que a relação de equilíbrio entre as prestações projetadas pelas partes venha a se perder ao longo do tempo. Âmbito operativo. A alteração das circunstâncias somente assume relevância jurídica nos contratos celebrados em um momento e executados em outro. São numerosos os tipos contratuais em que o momento da conclusão não coincide com o momento da execução. Tais contratos costumam ser classificados em duas categoriais: contratos de execução diferida e os contratos de duração . Nos contratos de execução diferida, o adimplemento de dada prestação é relegado a um segundo momento, embora pudesse ser realizado desde logo. O exemplo clássico é o da compra e venda a prazo. Nada obsta a que o bem seja transferido no momento da celebração do contrato. As partes, no entanto, julgam oportuno diferir a execução do pactuado. Diversamente, o decurso do tempo é essencial ao cumprimento dos objetivos que norteiam a celebração de um contrato de duração, como vêm a ser a locação, o depósito e a distribuição. Nessas hipóteses, o prolongamento da relação contratual é imprescindível para que as partes possam extrair as vantagens que justificaram a conclusão do negócio jurídico. Do ponto de vista teórico, os contratos de duração costumam ser divididos em dois grupos: de um lado, os contratos de execução sucessiva e, de outro, os de execução continuada. A título ilustrativo, a prestação do locatário é de execução sucessiva; a do depositário, de execução continuada . Tanto os contratos de execução diferida quanto os de duração estão sujeitos à resolução por onerosidade excessiva, observados os pressupostos legalmente exigidos para tanto."
(NANNI, Giovanni.
Comentários ao Código Civil.
São Paulo: RT. 2023. comentários ao art. 478).
Cuida-se de projeção da teoria da bases objetivas do contrato, de Karl Larenz, alvo de menção acima. Note-se que, por muito tempo, um contrato apenas poderia ser anulado ou revisto por conta de vícios presentes na sua celebração, a exemplo de erro, dolo, coação, teoria da lesão etc. Depois, consolidou-se o entendimento de que os contratos poderiam ser revistos diante da modificação do contexto da sua execução, contanto que imprevisível (teoria da imprevisibilidade). Já a vedação da onerosidade excessiva não demanda exame a respeito da vontade dos contratantes, exigindo apenas a contraposição entre pretações e contrapretações, restando configurada caso a correlação se revele iníqua, abusiva, uma cláusula um tanto ambígua, colmatada pelo entendimento dos Tribunais.
Exige-se, porém, comprovação dessa situação, o que não pode ser presumido pelo Juízo. Ademais, não basta que a parte contratante tenha tido prejuízos financeiros ou que sua situação econômica tenha sido agravada, dado que a contraparte não pode ser prejudicada por fatos a que não tenha dado causa. Deve-se examinar o grau de equivalência entre os encargos de ambas as partes, de modo razoavelmente objetivo.
Reitero que, segundo Judith Martins Costa,
"
A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado
."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003. p. 305).
2.54. Aditamentos contratuais - contrato FIES:
O contrato do FIES envolve inversão financeira de recursos públicos, diante dos juros reduzidos e encargos subsidiados. Logo, exige-se conferência periódica da manutenção dos seus requisitos. Por conta disso, os estudantes devem adotar medidas em prol da renovação, de tempos em tempos, do referido pacto.
O aditamento é uma forma de confirmar que as condições do contrato ainda se fariam presentes; podendo-se também atualizar informações que possam ter mudado, como valores de mensalidades e dados pessoais. Caso o aditamento não seja promovido - sem que haja justificativas plausíveis para isso -, o contrato é encerrado, e o estudante pode ser cobrado quando a prejuízos porventura decorrentes disso.
2.55. Direito à realização de atividades acadêmias:
Nem mesmo em caso de inadimplemento do(a) aluno(a), é dado à instituição de ensino reter o diploma pertinente, ou impedir o estudante matriculado de promover atividades educacionais - art. 6º da lei n. 9.870, de 23 de novembro de 1999:
"
São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento
, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias."
Na base disso encontra-se a premissa de que as universidades não podem utilizar os mecanismos de certificação acadêmica como instrumentos de cobrança, cabendo-lhe demandar a efetivação dos seus direitos com o emprego dos meios legalmente previstos para tanto, no que não se incluem a retenção de documentos, recusa de aplicação de provas etc.
A retenção de documentos aproximar-se-ia de uma forma de exercício arbitrário das próprias razões, vedado pelo art. 345, Código Penal/40 e também à lógica da vedação do emprego de pacto comissório - art. 765 do CC/1916 e art. 1.428 do CC/2002
.
Atente-se para os seguintes julgados:
PJe- ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. INADIMPLÊNCIA. COLAÇÃO DE GRAU E DIPLOMA. POSSIBILIDADE. ART. 6º DA LEI Nº 9.870/99. I
Nos termos do disposto no caput do art. 6º da Lei nº 9.870/99, são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias
. II A conduta da instituição de ensino superior em obstar a expedição do respectivo diploma do aluno em razão de inadimplência viola a regra prevista no art. 6º da Lei nº 9.870/99, de modo que devida a manutenção da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. III Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF-1 - REO: 10001136720174013300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 17/02/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 20/02/2020)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. ALUNO INADIMPLENTE. SANÇÃO PEDAGÓGICA. DESCABIMENTO. ART. 6º DA LEI Nº. 9.870/99. PARTICIPAÇÃO NA CERIMÔNIA DE COLAÇÃO DE GRAU E EXPEDIÇÃO DO DIPLOMA DE BACHAREL EM DIREITO. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA. I -
O art. 6º da Lei nº. 9.870/99 proíbe "a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias"
. II - Ademais, na espécie dos autos, deve ser preservada a situação de fato consolidada com o deferimento da liminar, postulada nos autos, assegurando a participação dos impetrantes na solenidade de colação de grau, no curso de direito, que, pelo decurso do prazo, há muito já ocorreu. III - Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada. (REO 0011387-67.2007.4.01.3600 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.192 de 25/02/2009)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. DÉBITO DE MENSALIDADES. RETENÇÃO DE DIPLOMA. -
O art. 6º, da Lei 9.870/99, proíbe a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, enquadrando-se nesse tipo de sanção a retenção de diploma
. (TRF-4 - REO: 22579 PR 2005.70.00.022579-4, Relator: VALDEMAR CAPELETTI, Data de Julgamento: 19/04/2006, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/05/2006 PÁGINA: 831)
2.56. Distribuição do ônus da prova - CDC:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
Como registrei acima, o CDC não se aplica no que toca à relação entre a parte autora e o FNDE ou a União, demandados nessa causa. Atente-se, p.ex., para o fato de que, nesse âmbito, mesmo quando o requerido não apresenta resposta, sequer é possível aplicar os efeitos da revelia (art 345, CPC), dada a indisponibilidade do interesse público primário.
2.57. Distribuição do ônus da prova - CPC:
Por outro lado, também se revel incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
Aplico ao caso a regra de distribuição do ônus da prova, prevista no art. 373, I e II, CPC/15. Conquanto haja natural assimetria entre o autor e a requerida - dado o poderio burocrático da demandada -, não houve maiores embaraços, na espécie, para que a autora apresentasse elementos probatórios sobre a narrativa dos fatos, promovida na sua petição inicial.
De todo modo, no presente caso, não houve maiores debates entre as partes a respeito dos fatos havidos, com a pontual exceção a respeito dos índices que alegadamente teriam sido repassados aos proventos da instituidora da pensão
. A requerida impugnou, isso sim, as consequências jurídicas almejadas pela autora.
2.58. Elementos de convicção:
No presente processo, o autor anexou decisão administrativa da PUC/PR, como segue:
"Prezado(a)
Gabriel Gevert Pereira
,
Informamos que a sua proposta de negociação foi analisada e temos a seguinte CONTRAPROPOSTA FINAL: Autorizado o parcelamento dos valores em aberto das seguintes formas:
1-
Mensalidades vencidas com encargos, com uma entrada à vista de 17% e o saldo parcelado em até 15x no boleto bancário, com termo de acordo e fiador que comprove renda mensal acima de 2x o valor da parcela deste novo acordo gerado
.
2-Mensalidades vencidas com encargos, parceladas em até 12x no cartão de crédito com ou sem entrada.
A rematrícula para o 1o semestre de 2024 poderá ser paga à vista ou em até 3x no cartão de crédito após a realização do acordo autorizado e pagamento da entrada, caso presente no acordo. A proposta é válida até o dia 21 de fevereiro de 2024 e não conseguimos garantir as mesmas condições após esta data. Para darmos continuidade no atendimento, por gentileza agende um horário através do link abaixo e informe o número deste protocolo: 593826.
https://www.pucpr.br/celula-de-atendimento-financeiro-especializada-covid19/
Cordialmente,
Pontifícia Universidade Católica do Paraná."
Ele juntou, ademais, cópia do seguinte:
"CAIXA/CEDESBRV 210.0|#EXTERNO.CONFIDENCIAL DETALHES DO PROTOCOLO Protocolo: Tipo: 529622 Grad. Pres- FIES Quantidade: Comentário: 1
Estou sendo impedido de fazer a rematricula, pagamentos estão em dia e tenho comprovantes, entrei em contato com o SIGA hoje dia 20/07 e fui informado sobre um e- mail que recebi sobre o FIES e do porque nunca fiz aditamento, bom, no site do SIFES nunca abriu a opção pra mim, seguem prints do que sempre apareceu na plataforma, naquelas duas opções. Uma vez fui ao banco pra ver isso, os mesmos disseram que se eu continuasse pagando estava tudo certo. Aberto em: 20/07/2023 20:30
Situação: Encerrado Parecer: Prezado estudante, Parecer Final: Descrição Detalhada: Informamos que constam os aditamentos de renovação referentes ao 1°2021,2°2021, 1°2022 2°2022 e 1°2023 em atraso. Verificamos o seu caso, e como os pagamentos de coparticipação estão em dia, autorizamos em caráter excepcional a liberação do termo condicional de matrícula, onde você deverá realizar a leitura e estando de acordo assinar e protocolar de volta na opção Grad. Pres - FIES. Após o envio realizaremos o adiantamento em sua matrícula, lembrando que os meses subsequentes permaneceram sem os lançamentos até que você regularize a sua situação referente aos seus aditamentos de renovação em atraso. O termo condicional foi enviado por e-mail. Deferido Este protocolo destina-se exclusivamente a entrega digital do contrato de crédito educativo (FIES) e termo de compromisso, onde ambos (contrato e termo) devem ser anexados na abertura de um único protocolo. A não entrega do documento físico caracteriza a não contratação do financiamento."
Ademais, anexou documento com o teor abaixo:
"Prezado Estudante
Gabriel Gevert Pereira
,
Declaramos, para os devidos fins, que o lançamento do FIES em seu favor, nesta Instituição de Ensino, deu-se por intermédio de previsão de aditamento, realizado exclusivamente enquanto o Agente Financeiro (FNDE) analisa a situação de Vossa Senhoria para que seja realizado seu aditamento, ainda que de forma extemporânea, referente ao 19 semestre de2021.
Dessa forma, após análise por parte do órgão responsável, caso tenha o retorno positivo quanto a regularização de sua situação perante o Fies, Vossa Senhoria deverá providenciar os respectivos aditamentos para a renovação do financiamento no banco correspondente, observados os prazos previstos e estipulados pelo Ministério da Educação/CAIXA e a Universidade. Em caso de retorno negativo do processo de renovação, Vossa Senhoria fica ciente que terá de arcar com os valores de mensalidades pendentes existentes dos semestres.
Portanto, fica Vossa Senhoria cientificado de assim que a CAIXA informar que o aditamento está liberado no SIFES, Vossa Senhoria terá o prazo de 15 (quinze) dias, a contar do recebimento do comunicado, para efetivar a entrega da cópia do aditamento do financiamento emitido junto ao agente financeiro na Universidade.
Fica Vossa Senhoria ciente também, de que, após este prazo, caso não seja apresentada o referido aditamento, poderão ser realizado os estornos do financiamento não renovados, e, caso Vossa Senhoria ainda não tenha obtido retorno do órgão responsável, deverá realizar novo protocolo junto a instituição de ensino justificando e comprovando a falta de retorno
.
Certo de todas as informações acima, Vossa Senhoria assina o presente Termo, em 2 vias, ao lado do representante da PUCPR, para que surta todos os efeitos legais."
O autor protocolou pedido junto ao PROCON. A CEF não anexou documentos aos autos.
2.59. Delimitação da causa:
Repiso que a solução da causa está limitada ao alcance do pedido do autor. No caso, o autor postulou a condenação da CEF e da PUCPR à renovação do contrato de mútuo feneratício, para pagamento de mensalidades. Não se insurgiu contra a evolução do pacto, não alegou onerosidade excessiva, não se insurgiu contra eventuais juros remuneratórios ou moratórios, porventura incidentes sobre a avença.
Por outro lado, em primeiro exame, a instituição de ensino não pode impedir o estudante, devidamente matriculado, de realizar atividades acadêmicas. Contudo, a regularidade financeira é exigida para fins de renovação da matrícula. Deve-se aferir se o autor teria deixado de promover o aditamento do contrato por conta de atos que lhe seriam imputáveis - descuido, esquecimento etc. -, ou se teria havido motivos de força maior para isso, conforme art. 393, parágrafo único, Código Civil.
Aludias questões hão de ser apreciadas em sentença.
III - DISPOSITIVO
3.1. DECLARO a competência da presente unidade jurisdicional para este processo, na forma do art. 109, I, Constituição e art. 10 da lei n. 5.010/66, e a sua submissão ao rito dos Juizados especiais.
3.2. REGISTRO que o presente processo não mantém relação de conexão com alguma outra causa, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que a presente demanda é singular, não incorrendo em violação à coisa julgada ou em litispendência, conforme arts. 508 e 337, §2, CPC. Ademais, não é caso de suspensão do processo no aguardo da solução de uma questão prejudicial - art. 313, CPC.
3.4. RECONHEÇO a legitimidade do autor, da PUCPR e da CEF para esta causa. O demandante atua com interesse processual.
3.5. ANOTO haver litisconsórcio necessário da FNDE na presente demanda. Intime-se a parte autor para que promova a citação da aludida autarquia, sob pena de exinção deste processo sem solução de mérito. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.6. VOLTEM-ME conclusos os autos para extinção do processo sem solução de mérito (art. 485, I, art. 115 e art. 321, CPC), caso o autor deixe de promover aludida emenda, requerendo a citação do FNDE.
3.7. PROMOVA-SE a citação da PUCPR, por meio da Associação Paranaense de Cultura, medida ainda pendente nesta demanda.
3.8. REPUTO adequada a atuação do autor sem a representação por advogado neste caso, diante do conteúdo econômico da pretensão em causa.
3.9.
SUBLINHO que o valor atribuído à causa se revela escorreito, em primeira análise eis que parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão do autor.
3.10. DEFIRO a gratuidade de justiça ao autor, ressalvando que aludida medida surte reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1ª instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995.
3.11. REGISTRO que a pretensão da parte autora não incorreu em prescrição, na forma do art. 1 do decreto 20.910/32 e art. 27, CDC. Tampouco se operou a decadência do alegado direito invocado na inicial.
3.12. ANOTO que o CDC é aplicável ao caso no que toca à pretensão endereçada à PUCPR e à CEF, não sendo aplicável quanto ao FNDE.
3.13. EQUACIONEI alguns vetores acima, com cognição precária, a respeito do tema debatido nesse processo, apenas para fins de contextualização, sendo que a questão há de ser reapreciada em sentença, atentando-se para os limites da pretensão do autor - art. 141, CPC.
3.14.
INTIME-SE a parte autora para réplica, tão logo as contestações do FNDE e da PUCPR sejam jungidas aos autos. Prazo de 15 dias úteis para réplica, contados da intimação - art. 351, Código de Processo Civil.
3.15. DETERMINO a inversão do ônus probatório, cabendo à entidade financeira demandada comprovar a autenticidade dos documentos e assinaturas atribuídas ao requerente, conforme fundamentação acima.
3.16. INTIMEM-SE as partes para que, querendo, digam sobre ventual interesse na realização de perícia grafotécnica. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.17. REQUISITE-SE junto à CEF cópia do instrumento contratual celebrado com o autor, cópia de eventuais aditamentos contratuais, cópia de planilha de evolução do financiamento. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação. Aplico ao caso o art. 438, CPC/15.
3.18.
INTIMEM-SE as partes - tão logo se esgote o prazo para resposta dos requeridos, caso não sejam apresentadas, ou tão logo seja apresentada réplica ou se esgote o prazo para tanto - para que, querendo, digam a respeito da necessidade de diligência probatóris, facultando-se à autora e à CEF a complementação da manifestação sobre o tema. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.19.
ANOTO que, caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar desde logo o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 38, lei 9.099/1995 (rito dos juizados) ou do art. 357, §6 (quando em causa o rito comum). Caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar desde logo os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação adiante para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.20.VOLTEM-ME conclusos para saneamento, caso sobrevenham pedidos de diligências probatórias, ou para prolação de sentença, caso contrário.
3.21. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
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