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Resultados para "COMARCA DE CAMBUÍ, 1º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL" – Página 440 de 440
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Gedilaine Cardoso De Carval…
OAB/RS 69.590
GEDILAINE CARDOSO DE CARVALHO DE SOUZA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 337053492
Tribunal: TRF4
Órgão: SECRETARIA DA 7a. TURMA
Classe: RECLAMAçãO
Nº Processo: 5017755-26.2025.4.04.0000
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ ANTONIO BORRI
OAB/PR XXXXXX
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RODRIGO JOSÉ MENDES ANTUNES
OAB/PR XXXXXX
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WALTER BARBOSA BITTAR
OAB/PR XXXXXX
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RAFAEL JUNIOR SOARES
OAB/PR XXXXXX
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Reclamação (Turma) Nº 5017755-26.2025.4.04.0000/PR
RECLAMANTE
: MARA LUCIA SILVESTRE
ADVOGADO(A)
: Rafael Junior Soares (OAB PR045177)
ADVOGADO(A)
: walter barbosa bittar (OAB PR020774)
ADVOGADO(A)
…
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Processo nº 5005872-19.2025.4.04.7102
ID: 337026513
Tribunal: TRF4
Órgão: 1ª Vara Federal de Rio Grande
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5005872-19.2025.4.04.7102
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
LUIS FELIPE HATJE
OAB/RS XXXXXX
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AÇÃO PENAL Nº 5005872-19.2025.4.04.7102/RS
RÉU
: EMILY LAURIENTE LARROSA
ADVOGADO(A)
: LUIS FELIPE HATJE (OAB RS104532)
RÉU
: NATHAN OLIVEIRA DA COSTA
ADVOGADO(A)
: LUIS FELIPE HATJE (OAB RS104532)
…
AÇÃO PENAL Nº 5005872-19.2025.4.04.7102/RS
RÉU
: EMILY LAURIENTE LARROSA
ADVOGADO(A)
: LUIS FELIPE HATJE (OAB RS104532)
RÉU
: NATHAN OLIVEIRA DA COSTA
ADVOGADO(A)
: LUIS FELIPE HATJE (OAB RS104532)
RÉU
: LUKAS DA SILVA OLIVEIRA
ADVOGADO(A)
: LUIS FELIPE HATJE (OAB RS104532)
DESPACHO/DECISÃO
RELATÓRIO
Denúncia
: o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) ofereceu denúncia em face de
EMILY LAURIENTE LARROSA
,
LUKAS DA SILVA OLIVEIRA
e
NATHAN OLIVEIRA DA COSTA
, qualificados, pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 33,
caput
, c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/06. Os fatos foram assim descritos (
evento 1, INIC1
):
No dia 13 de março de 2025, por volta de 1h e 30 minutos, na BR-471, sentido Uruguai-Brasil, em Santa Vitória do Palmar,
EMILY LAURIENTE LARROSA
,
LUKAS DA SILVA OLIVEIRA
e
NATHAN OLIVEIRA DA COSTA
importavam, traziam consigo, transportavam e guardavam drogas em desacordo com determinações legais e regulamentares.
EMILY, LUKAS e NATHAN viajavam em um veículo Citroen/C3 Live Pk 1.0, Cor Branca, Placas SYW-6B93, alugado da locadora LOCALIZA, que se deslocava do Chuí/RS em direção a Pelotas/RS, e transportavam 32,844 kg (trinta e dois quilos e oitocentos e quarenta e quatro gramas) de maconha do tipo “skunk” acondicionados em sacos.
A abordagem aos viajantes, ora denunciados, se deu no contexto de uma operação fiscalizatória de fronteira realizada pela Polícia Federal em conjunto com a Receita Federal, em ponto estratégico da BR-471.
Na oportunidade, os agentes federais fizeram sinal de parada ao veículo citado, que não foi acatado pelos denunciados e ensejou no acompanhamento do veículo, por equipe policial, pela rodovia, até que a ordem de parada fosse acatada.
Com a parada do veículo, a equipe policial realizou a abordagem veicular, identificando a grande quantidade de entorpecente referida, que estava armazenada em sacos no interior do veículo e do porta malas, momento em que foi dada voz de prisão aos 03 denunciados.
Prisão preventiva e medidas cautelares diversas
: a prisão preventiva do réu NATHAN e as medidas cautelares diversas da prisão fixadas para os réus LUKAS e EMILY foram mantidas, em 22/05/2025 (
evento 9, DESPADEC1
).
Notificação dos réus e apresentação de defesa prévia
: os réus foram notificados pessoalmente (
evento 26, CERT2
,
evento 27, CERT1
e
evento 28, CERT2
) e apresentaram defesa prévia pugnando pela rejeição da denúncia, por ausência de elementos que demonstrem que os acusados tenham envolvimento com os fatos narrados na denúncia. Arrolaram cinco testemunhas (
evento 29, DEFPRÉVIA1
).
Recebimento da denúncia e juízo negativo de absolvição sumária
: a denúncia foi recebida em 30/05/2025, sendo afastadas as hipóteses de absolvição sumária do art. 397 do CPP (
evento 31, DESPADEC1
).
Instrução
: na audiência do dia 26/06/2025 foram inquiridas as testemunhas Raul Carneiro Sterzelecki e Fernando Victor Matos Ferreira, arroladas pela acusação, as testemunhas Arlem Ferreira Justamant, Danielle Cozza, Thaís Silveira Vieira e Patrícia da Silva Seixas, arroladas pela defesa, bem como interrogados os réus. Na oportunidade, foi homologado o pedido de desistência da oitiva da testemunha Mikaelly Chaves de Lima, formulado pela defesa. A defesa requereu a liberdade provisória do réu NATHAN; o pedido foi indeferido. Foi declarada encerrada a instrução (
evento 94, TERMOAUD1
).
Os arquivos audiovisuais da audiência foram anexados nos eventos 95 e 98.
Atualização dos antecedentes criminais
: no evento 96.
Memoriais do Ministério Público Federal
: requereu a condenação dos réus nos termos da denúncia (
evento 125, DOC1
).
Memoriais da defesa
: arguiu, preliminarmente, incompetência da Justiça Federal, por ausência de transnacionalidade do delito. Os acusados foram abordados na BR-471, a cerca de 100km da fronteira entre Brasil e Uruguai. Não há provas da origem estrangeira da droga apreendida ou de que o veículo tenha estado no país vizinho. "
[N]ão é improvável que o material carregado no veículo que sofreu a abordagem seja advindo do Chuí, cidade localizada em solo brasileiro
". Arguiu a ilegalidade da busca veicular, por ausência de fundada suspeita. Argumentou que a abordagem ao veículo deu-se unicamente porque os policiais perceberam que um veículo locado que havia recentemente ido à fronteira do Chuí retornando a Rio Grande. "
[O]s policiais não tinham um alvo ou investigação prévios, tampouco notaram qualquer particularidade que demandasse a ordem de parada do veículo, como adulteração do sinal identificador, luzes baixas ou apagadas, películas escuras, alta velocidade, movimentação estranha
". A busca caracterizou
fishing expedition
. No mérito, referiu que LUKAS, em razão de necessidades financeiras, "
quase que por coação moral
", transportou a droga sem o conhecimento dos demais acusados. LUKAS deve ser caracterizado como mula, sem vinculação a organizações criminosas. NATHAN e EMILY não tinham conhecimento do transporte da droga. Subsidiariamente, devem ser tratados igualmente como mulas. Em caso de condenação, requereu, em relação a LUKAS, a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 e das atenuantes da confissão espontânea e da menoridade relativa; em relação a EMILY, a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06; em relação a NATHAN, a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 e a concessão do direito de apelar em liberdade. Requereu a concessão de gratuidade de justiça (
evento 138, DOC1
).
Vieram os autos conclusos para sentença.
FUNDAMENTAÇÃO
Preliminar: competência da Justiça Federal
A defesa arguiu preliminar de incompetência da Justiça Federal, por ausência de transnacionalidade do crime. Destacou a necessidade de prova da origem ou destino internacional da droga para a caracterização da transnacionalidade. Sustentou que não houve diligências para apuração da origem da droga, do cruzamento da fronteira pelo veículo ou de registros de ingresso em território uruguaio. A apreensão da droga no município brasileiro do Chuí, a cerca de 100km da linha de divisão entre Brasil e Uruguai, não admite a presunção de que a droga teve origem no exterior, sendo plausível que seja oriunda do próprio município brasileiro.
Sobre a competência da Justiça Federal, para além do art. 109, V, da Constituição da República, que a fixa para delitos transnacionais previstos em tratados internacionais, o art. 70,
caput
, da Lei nº 11.343/06, prevê que "
[o] processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal
".
Conforme precedentes do STJ, "
[p]ara o reconhecimento da transnacionalidade não se faz necessária a efetiva transposição de fronteiras, bastando a existência de provas suficientes a evidenciar que os entorpecentes tinham como destino ou origem local fora dos limites do território nacional
" (AgRg no RHC nº 189.610/PR, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. em 26/2/2024).
No mesmo sentido, a jurisprudência do TRF4 reconhece que, "
[n]os casos de coautoria no tráfico de drogas, não se exige que o acusado realize diretamente a transposição da fronteira para caracterização da transnacionalidade, bastando que da circunstância tenha ciência
" (ACR nº 5002833-28.2022.4.04.7002, rel. Des. Fed. Luiz Carlos Canalli, 7ª Turma, j. 21/8/2024).
Assim, "
[p]ara o tráfico transnacional de drogas, não se exige que a transposição da fronteira seja feita pelo próprio agente, sendo suficiente a condução do caminhão carregado com o entorpecente desde a fronteira do país, com a consciência do transporte de ilícitos
" (ACR nº 5008071-88.2023.4.04.7003, rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, 7ª Turma, j. 24/6/2024).
Portanto, o reconhecimento da transnacionalidade depende da análise das circunstâncias do caso, a revelar a origem ou destino estrangeiros da droga. Para essa análise são relevantes a quantidade e natureza do entorpecente, bem como o local e modo de execução da conduta.
A natureza da droga, embora não seja circunstância por si só apta a configurar a transnacionalidade, haja vista que a quase totalidade das drogas apreendidas no país tem origem no exterior, é relevante quando somada a outras circunstâncias.
No caso dos autos, os réus foram presos em flagrante na BR-471, sentido Uruguai-Brasil, em Santa Vitória do Palmar/RS, a bordo de um veículo Citröen/C3 branco, placas SYW6B93, alugado. No veículo foram apreendidos 32,844kg (trinta e dois quilos e oitocentos e quarenta e quatro gramas) de maconha do tipo
skunk
acondicionados em sacos pretos.
A abordagem e posterior busca veicular ocorreu em contexto de operação de fiscalização de fronteira realizada pela Polícia Federal em conjunto com a Receita Federal. Segundo o relato dos Agentes de Polícia Federal que participaram da diligência, havia informações, a partir de controle realizado pela Receita Federal, sobre o deslocamento, no dia imediatamente anterior, do veículo em direção ao Uruguai. O itinerário do veículo, com permanência breve em região de fronteira, motivou a abordagem.
A soma das circunstâncias autoriza concluir com segurança que a droga tinha procedência estrangeira e destinava-se ao mercado consumidor nacional: i) natureza e quantidade de droga: a droga apreendida,
skunk
, não é produzida no Brasil em regra; é fato notório a grande produção em território uruguaio, origem conhecida da droga internalizada no país; a quantidade significativa (mais de 32 quilogramas) é compatível com o padrão do tráfico transnacional, que mobiliza internalização de quantidades maiores de droga, em comparação ao tráfico interno; ii)
modus operandi
: o local da apreensão, próximo da fronteira entre Brasil e Uruguai, é compatível com o padrão de internalização dessa droga pela via terrestre.
Além disso, a prova oral faz referência a informações da Receita Federal de que o veículo havia se deslocado no sentido Brasil-Uruguai no dia anterior e retornado em sentido contrário pouco tempo depois. Trata-se de percurso característico do tráfico transnacional de drogas, em que o deslocamento à região da fronteira ocorre por curtos períodos e unicamente para o fim de buscar a mercadoria.
Não se exige a efetiva transposição de fronteiras, bastando a participação consciente na cadeia de internalização de droga de origem estrangeira, o que se verificou no caso dos autos.
Diante do exposto, fixo a competência da Justiça Federal para julgamento do caso.
Preliminar: ilegalidade da busca veicular
A defesa arguiu a ilicitude das provas decorrentes da busca veicular. Sustentou que a diligência foi ilegal, por ausência de fundada suspeita. A diligência ocorreu unicamente porque policiais federais perceberam que um veículo locado retornava a Rio Grande após recente ida ao Chuí. Não houve investigação prévia nem particularidade que justificasse a ordem de parada do veículo. A busca veicular nesses moldes caracterizou
fishing expedition.
Há dois fundamentos para a rejeição da preliminar: i) na hipótese de atuação fiscalizatória aduaneira, em operação de fronteira conjunta de diferentes órgãos de repressão a ilícitos transfronteiriços (Polícia Federal e a Receita Federal), ainda que realizada fora da zona primária, mas em zona de vigilância aduaneira, há autorização legal específica para a busca veicular, que prescinde de fundada suspeita; ii) ainda que se entenda que a situação rege-se pelo art. 244 do CPP, havia fundada suspeita para a busca veicular.
Registro que a análise não vai abranger hipótese de início da abordagem com fundamento em ação de fiscalização de trânsito. Esse tipo de controle, fundado no exercício do poder de polícia e limitado ao escopo da fiscalização da observância das normas de trânsito, também prescinde de fundada suspeita. Sobrevindo a fundada suspeita no curso da vistoria veicular, é possível a realização da busca. No entanto, no caso dos autos, a busca veicular não foi levada a efeito por órgãos com atribuições para essa fiscalização, de modo que não se legitimaria uma abordagem com esse fundamento.
Busca veicular no contexto de fiscalização aduaneira
Em relação à busca veicular, é preciso distinguir duas figuras jurídicas: i) medida cautelar probatória, com natureza processual penal e dotada das características da referibilidade ao caso penal e instrumentalidade em relação à persecução penal; ii) medida preventiva, com natureza administrativa, consistente em exercício de poder de polícia.
A busca pessoal e veicular pode caracterizar medida cautelar probatória ou medida preventiva, a depender da hipótese. Quando disser respeito à descoberta de pessoas ou coisas que se relacionam à persecução penal, caracterizará medida cautelar probatória (ou patrimonial ou pessoal, a depender da hipótese), na forma do art. 244 c/c art. 240, § 1º, ambos do CPP. Quando disser respeito à preservação da ordem pública, caracterizará medida preventiva.
É ilegítimo o desvirtuamento da medida cautelar probatória em medida preventiva. Em outras palavras, não é cabível a realização indiscriminada, no espaço público, de buscas pessoais como medida de policiamento ostensivo, sem a demonstração da presença de seus requisitos específicos. A ilegitimidade dessa estratégia decorre não só de sua pouca efetividade prática, mas também do impacto desproporcional que causa em populações marginalizadas, alvo preferencial dessas diligências em decorrência sobretudo de perfilamento racial.
No entanto, há certas situações em que, considerando as particularidades da atuação do Poder Público na preservação da ordem pública, existem permissivos legais específicos para buscas preventivas.
Um desses casos é o da fiscalização alfandegária. Existe autorização legal para revista de veículos, pessoas e mercadorias em região de fronteira - zona primária e de vigilância aduaneira.
O Decreto-Lei nº 37/66, no Título que trata do controle aduaneiro, prevê o seguinte:
Art. 33. A jurisdição dos serviços aduaneiros se estende por todo o território aduaneiro, e abrange:
I - zona primária - compreendendo as faixas internas de portos e aeroportos, recintos alfandegados e locais habilitados nas fronteiras terrestres, bem como outras áreas nos quais se efetuem operações de carga e descarga de mercadoria, ou embarque e desembarque de passageiros, procedentes do exterior ou a ele destinados;
II - zona secundária - compreendendo a parte restante do território nacional, nela incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo correspondente.
Parágrafo único. Para efeito de adoção de medidas de controle fiscal, poderão ser demarcadas, na orla marítima e na faixa de fronteira, zonas de vigilância aduaneira, nas quais a existência e a circulação de mercadoria estarão sujeitas às cautelas fiscais, proibições e restrições que forem prescritas no regulamento.
Art. 34. O regulamento disporá sobre:
I - registro de pessoas que cruzem as fronteiras;
II - apresentação de mercadorias às autoridades aduaneiras da jurisdição dos portos, aeroportos e outros locais de entrada e saída do território aduaneiro;
III - controle de veículos, mercadorias, animais e pessoas, na zona primária e na zona de vigilância aduaneira;
IV - apuração de infrações por descumprimento de medidas de controle estabelecidas pela legislação aduaneira.
Art. 35. Em tudo o que interessar à fiscalização aduaneira, na zona primária, a autoridade aduaneira tem precedência sobre as demais que ali exercem suas atribuições.
O Decreto nº 6.759/09, que "
[r]egulamenta a administração das atividades aduaneiras
", prevê o seguinte em relação a busca em veículos:
Art. 34. A autoridade aduaneira poderá proceder a buscas em qualquer veículo para prevenir e reprimir a ocorrência de infração à legislação aduaneira, inclusive em momento anterior à prestação das informações referidas no art. 31 (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 37, § 4º, com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 77).
§ 1º A busca a que se refere o caput será precedida de comunicação, verbal ou por escrito, ao responsável pelo veículo.
§ 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disporá sobre os casos excepcionais em que será realizada a visita a embarcações, prevista no art. 32 da Lei no 5.025, de 10 de junho de 1966 (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 37, § 3º, com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 77).
Art. 35. A autoridade aduaneira poderá determinar a colocação de lacres nos compartimentos que contenham os volumes ou as mercadorias a que se refere o § 1º do art. 31 e na situação de que trata o § 1º do art. 37, podendo adotar outras medidas de controle fiscal.
Art. 36. Havendo indícios de falsa declaração de conteúdo, a autoridade aduaneira poderá determinar a descarga de volume ou de unidade de carga, para a devida verificação, lavrando-se termo.
A Portaria COANA nº 17/2010 estabelece, ao longo da faixa de fronteira, Zonas de Vigilância Aduaneira. No Anexo I, que trata dos Municípios pertencentes à faixa de fronteira, prevê que na 10ª Região Fiscal, à qual pertence o Estado do Rio Grande do Sul, são considerados zonas de vigilância aduaneira, entre outros, o Município de Santa Vitória do Palmar
Em resumo, no exercício da atividade fiscalizatória aduaneira (poder de polícia), é legítima a realização de busca em veículos em zona de vigilância aduaneira. Essa busca não se confunde com a medida cautelar probatória de busca veicular, de natureza processual penal.
Adotando linha de raciocínio semelhante, já decidiu o TRF4 que "
[a] busca veicular realizada pela Receita Federal em zona de fronteira decorre do poder de polícia administrativo, não se sujeitando às exigências do art. 244 do CPP, sendo legítima a fiscalização aduaneira
" (ACR nº 5000960-74.2024.4.04.7017, rel. Des. Federal Loraci Flores de Lima, 8ª Turma, j. 18/6/2025).
No caso dos autos, a busca veicular decorreu do exercício de atividade de fiscalização alfandegária. Tratava-se de operação conjunta da Polícia Federal e da Receita Federal, este último órgão com atribuições para o repressão a ilícitos transfronteiriços e atos de controle de ingresso de pessoas e coisas em território nacional. O fato de não ter ocorrido em zona primária não afasta a legitimidade da diligência, considerando que se realizou em zona de vigilância aduaneira.
As características e extensão da fronteira brasileira impossibilitam que o controle aduaneiro seja realizado exclusivamente em zona primária, sob pena de inviabilizar o fluxo de pessoas e bens entre os países, além do comprometimento da eficácia da fiscalização. Em razão disso, é lícito que os órgãos atribuídos dessa função realizem esses controles em zonas especiais, como as zonas de vigilância aduaneira. Nesse sentido, por questões operacionais e de racionalização da atividade administrativa, é comum a realização de operações fiscalizatórias em rodovias ao longo da região, onde se concentram as rota de internalização de mercadorias ilícitas no país. A estratégia é legítima e não viola direitos fundamentais dos administrados que são submetidos aos atos de controle.
Dessa forma, tendo a busca veicular ocorrido nesse contexto, não há necessidade de demonstração de fundada suspeita.
Busca veicular e fundada suspeita
Assentou-se a premissa de que a abordagem do veículo foi realizada no exercício de fiscalização aduaneira, em operação conjunta da Receita Federal com a Polícia Federal. Concluiu-se que a ação, incluindo a busca veicular, configurou exercício do poder de polícia e foi lícita, dispensando-se a exigência de demonstração da fundada suspeita.
No entanto, ainda que se entenda que a busca veicular configuraria medida cautelar probatória e por isso demandaria fundada suspeita, na forma do art. 244 do CPP, há razões para reconhecer a sua validade.
Sobre a fundada suspeita, a 6ª Turma do STJ (posteriormente seguida pela 5ª Turma), em julgamento paradigmático, estabeleceu uma série de
standards
para o escrutínio da atividade persecutória:
[...] 1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 2. Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à "posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito". Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como "rotina" ou "praxe" do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. 3. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP. 4. O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos - independentemente da quantidade - após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento "fundada suspeita de posse de corpo de delito" seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. 5. A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência. 6. Há três razões principais para que se exijam elementos sólidos, objetivos e concretos para a realização de busca pessoal - vulgarmente conhecida como "dura", "geral", "revista", "enquadro" ou "baculejo" -, além da intuição baseada no tirocínio policial: a) evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora - mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre -, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes; b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos, intangíveis e não demonstráveis; c) evitar a repetição - ainda que nem sempre consciente - de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural. [...] (RHC nº 158.580/BA, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 19/4/2022)
Especificamente em relação a abordagens de veículos em rodovias, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "
[a] busca veicular realizada em contexto de fiscalização rotineira da Polícia Rodoviária Federal é legítima quando fundada em indícios concretos de irregularidades
" (AgRg no HC nº 995.767/SC, rel. Des. convocado do TJRS Carlos Cini Marchionatti, 5ª Turma, j. 1/7/2025). Nesse sentido, já teve a oportunidade de esclarecer algumas situações-tipo em que reconhece existir fundada suspeita. Por exemplo, "
[a] busca pessoal e veicular é justificada por fundada suspeita em caso de fuga e desobediência à ordem de parada
" (AgRg no AREsp nº 2.721.120/GO, rel. Ministro Messod Azulay Neto, 5ª Turma, julgado em 20/5/2025); também reconheceram ser justificada no caso de abordagem a "
veículo com películas escuras, trafegando em alta velocidade
" (AgRg no HC nº 986.900/SC, rel. Des. convocado do TJRS Carlos Cini Marchionatti, 5ª Turma, j. 18/6/2025). Outra situação em que se reconhece existir fundada suspeita dá-se quando, "
depois de ser parado para fiscalização de trânsito, os policiais sent[em] forte odor de maconha exalar do automóvel e v[eem], ainda de fora do carro, pacotes que provavelmente continham tal substâncias no banco traseiro
" (AgRg no RHC nº 188.764/SC, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 2/9/2024).
A jurisprudência do TRF4 também tem se aprofundado na concretização do conceito de fundada suspeita. Por exemplo, já estabeleceu que "
[o] extremo nervosismo demonstrado pelo motorista por ocasião de sua abordagem, aliado à incapacidade de responder perguntas simples quanto à origem e destino da carga existente no caminhão conduzido configuram suspeita suficiente para realização de busca veicular pelas autoridades
" (ACR nº 5017603-57.2021.4.04.7100, rel. Des. Fed. Ângelo Roberto Ilha da Silva, 7ª Turma, j. 10/4/2024). Também já decidiu que se "
autoriza revista veicular durante fiscalização de rotina em locais de maior incidência de delitos, quando decorrentes de abordagens realizadas por agentes responsáveis por garantir a segurança e a ordem pública
" (ACR nº 5002075-72.2020.4.04.7017, rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 8ª Turma, j. 31/7/2024).
No caso dos autos, as circunstâncias, comprovadas pelos depoimentos dos Agentes de Polícia Federal que participaram da diligência, revelam a existência de fundada suspeita.
Segundo os depoimentos prestados em juízo, i) o veículo trafegava, durante a madrugada, em rodovia em região de fronteira, sentido Uruguai-Brasil; ii) conforme informação da Receita Federal, o veículo havia se dirigido à fronteira no dia anterior e permaneceu pouco tempo nessa zona; iii) ao tentarem realizar a abordagem, emitiram ordem de parada (sinais luminosos e sonoros) e o veículo empreendeu fuga; iv) após quilômetros de acompanhamento, o veículo parou e ocorreu a abordagem; nesse momento, percebeu-se conteúdo provavelmente ilícito (sacos pretos) no banco traseiro; v) sentiram odor característico e forte da droga (
skunk
).
Nesse cenário, entendo que havia fundada suspeita autorizadora da busca veicular. O veículo deslocava-se, durante a madrugada, vindo da fronteira Brasil-Uruguai e havia informações de que a ida àquela região ocorrera no dia anterior, em ação típica de crimes transfronteiriços, o que justificava a abordagem pela Receita Federal. Além disso, houve desobediência a ordem de parada e acompanhamento durante quilômetros, reforçando a suspeita inicial. Por fim, durante a abordagem os agentes puderam perceber material provavelmente ilícito no interior do veículo e, além disso, o odor característico da droga
.
Essas circunstâncias, somadas, caracterizam inequívoca fundada suspeita para a busca veicular.
Por essas razões, entendo que não houve ilegalidade na busca veicular, que não caracterizou
fishing expedition
. Afasto a preliminar.
Preliminar: admissibilidade da confissão extrajudicial
Há uma questão preliminar a ser enfrentada, que diz respeito à possibilidade de consideração, na formação da convicção judicial, de confissões extrajudiciais prestadas no momento da abordagem aos policiais que realizam a diligência. Essas confissões ocorrem fora do ambiente institucional, sem formalização do ato e advertências sobre direitos e garantias individuais, como assistência por advogado e direito à não autoincriminação. São introduzidas no processo penal por vias indiretas, como informações de Polícia Judiciária ou depoimentos dos agentes de Polícia. Muitas vezes são levadas em consideração para a condenação, apesar de retratadas posteriormente, quando do interrogatório perante a autoridade policial ou judicial, mediante o exercício do direito ao silêncio ou apresentação de tese de negativa de autoria.
A questão envolve a exigência do "Aviso de Miranda" no momento da abordagem policial e a validade da confissão extrajudicial prestada neste momento.
Quanto à primeira questão, a exigência do "Aviso de Miranda" já no momento da abordagem policial pode ser extraída do art. 5º , LXIII, da Constituição, que prevê que "
o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado
". Segundo a doutrina,
O Aviso de Miranda é corolário do direito ao silêncio, porquanto de nada adianta a existência em abstrato do direito ao silêncio sem que os seus titulares dele tenham conhecimento para efetivamente fazê-lo valer.
O exercício do poder punitivo falece de legitimidade e se torna arbitrário se o Estado não assume a obrigação de esclarecer os direitos do preso. O direito de calar do autuado implica, para a autoridade interrogante — seja ela judicial ou policial —, o dever de adverti-lo sobre o direito ao silêncio. Do contrário, trata-se de coerção situacional.
[...]
É justamente no momento da abordagem — desamparado de qualquer orientação defensiva técnica, emocionalmente frágil e, não raras vezes, em um contexto de pressão subliminar para que coopere com a atividade policial, sob as mais variadas pressões —, que o preso se encontra em condições de maior vulnerabilidade perante o aparato punitivo estatal, circunstância que reivindica maior proteção jurídica contra eventual produção de prova incriminadora.
(LOPES JR., Aury; DA ROSA, Alexandre Morais; MUNIZ, Gina Ribeiro Gonçalves. Aviso de Miranda é pressuposto de existência de interrogatórios informais. Consultor Jurídico, 6/9/2024. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-set-06/aviso-de-miranda-e-pressuposto-de-existencia-de-interrogatorios-informais-anteriores-a-orientacao-do-stj-no-aresp-2-123-334/>. Acesso em: 24/6/2025).
A matéria está afetada para julgamento com repercussão geral (Tema 1.185). De qualquer forma, trata-se de compreensão já acolhida em precedentes do STF: "
Aviso de Miranda. Direitos e garantias fundamentais. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito
" (RHC nº 170.843 AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 4/5/2021).
Quanto à segunda, a problemática sobre a (in)admissibilidade da confissão extrajudicial informal já foi equacionada pela 3ª Seção do STJ, em julgamento paradigmático cuja ementa transcrevo:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES. AUTORIA DELITIVA EMBASADA NA CONFISSÃO INFORMAL EXTRAJUDICIAL E EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. DESCABIMENTO. INADMISSIBILIDADE DA CONFISSÃO COLHIDA INFORMALMENTE E FORA DE UM ESTABELECIMENTO ESTATAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, III, DA CR/1988 E 157, 199 E 400, § 1º, DO CPP. INVIABILIDADE, ADEMAIS, DE A CONFISSÃO DEMONSTRAR, POR SI SÓ, QUALQUER ELEMENTO DO CRIME. NECESSIDADE DE CORROBORAÇÃO DA HIPÓTESE ACUSATÓRIA POR OUTRAS PROVAS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 155, 156, 158, 197 E 200 DO CPP. MITIGAÇÃO DO RISCO DE FALSAS CONFISSÕES E CONDENAÇÕES DE INOCENTES. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE ABSOLVER O RÉU.
1. O acusado foi condenado pela prática do crime de furto simples, tendo como únicos elementos de prova (I) a confissão informal, extraída pelos policiais no momento da prisão, e (II) o reconhecimento fotográfico. O bem furtado não foi encontrado em sua posse, e um vídeo de câmera de segurança que registrava o momento do crime não foi juntado ao inquérito ou ao processo por inércia da polícia, perdendo-se ao final.
2. Diversos estudos independentes, nacionais e internacionais, demonstram que a prática da tortura ainda é comum no Brasil e que o tema nem sempre recebe a devida consideração por parte das autoridades estatais.
3. A confissão extrajudicial é colhida no momento de maior risco de ocorrência da tortura-prova, pois o investigado está inteiramente nas mãos da polícia, sem que exista atualmente nenhum mecanismo de controle efetivo para preveni-la. Conclusões corroboradas, novamente, por uma miríade de estudos, inclusive do CNJ, da ONU e da CIDH.
4. Diante do risco de tortura e da inexistência de meios capazes de desestimulá-la, a admissão da confissão extrajudicial exige que esteja garantida - e não apenas presumida - a licitude do seu modo de obtenção. Para tanto, a confissão extrajudicial somente será admissível no processo penal se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Inteligência dos arts. 5º, III, da CR/1988; e 157, 199 e 400, § 1º, do CPP.
5. A confissão não implica necessariamente a condenação do réu ou o proferimento de qualquer decisão em seu desfavor. Afinal, como toda prova, a confissão ainda precisa ser valorada pelo juiz, com critérios que avaliem sua força para provar determinado fato.
6. Apesar de contraintuitivo, o fenômenos das falsas confissões é amplamente documentado na literatura internacional e comprovado por levantamentos estatísticos sólidos. Cito, por todos, dados do Innocence Project (de 375 réus inocentados por exame de DNA de 1989 a 2022, 29% tinham confessado os crimes que lhes foram imputados) e do National Registry of Exonerations (no mesmo período, de 3.060 condenações revertidas, 365 tinham réus confessos) dos EUA.
7. Pessoas inocentes confessam falsamente por diversas razões, desde vulnerabilidades etárias, mentais e socioeconômicas ao uso de técnicas de interrogatório sugestivas, enganadoras e pouco confiáveis por parte da polícia. 8. É essencial que o Ministério Público exerça de maneira efetiva o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da CR/1988), fiscalizando com rigor o nível de qualidade das investigações e do trato das fontes de prova.
9. Amparada a condenação do réu unicamente em duas provas inadmissíveis (a confissão extrajudicial informal, não documentada e sem nenhuma garantia da licitude de seu modo de obtenção, bem como no reconhecimento fotográfico viciado), segundo o quadro fático estabelecido no acórdão recorrido, a absolvição é necessária.
10. A polícia violou também o art. 6º, II e III, do CPP quando inexplicavelmente deixou de preservar uma cópia do vídeo da câmera de segurança que registrou o momento do furto, mesmo estando a mídia à sua disposição. Em virtude dessa inércia, quando o Ministério Público tentou obter cópia das filmagens meses depois, o vídeo já havia sido perdido. Injustificável perda da chance probatória.
11. Teses fixadas:
11.1:
A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).
11.2: A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
11.3: A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.
12. A aplicação dessas teses fica restrita aos fatos ocorridos a partir do dia seguinte à publicação deste acórdão no DJe. Modulação temporal necessária para preservar a segurança jurídica (art. 927, § 3º, do CPC).
13. Ainda que sejam eventualmente descumpridos seus requisitos de validade ou admissibilidade, qualquer tipo de confissão (judicial ou extrajudicial, retratada ou não) confere ao réu o direito à atenuante respectiva (art. 65, III, "d", do CP) em caso de condenação, mesmo que o juízo sentenciante não utilize a confissão como um dos fundamentos da sentença. Orientação adotada pela Quinta Turma no julgamento do REsp 1.972.098/SC, de minha relatoria, em 14/6/2022, e seguida nos dois colegiados desde então.
14. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver o réu.
(AREsp nº 2.123.334/MG, rel. Min. Ribeiro Dantas, 3ª Seção, j. 20/6/2024)
O equacionamento da segunda questão prejudicou em grande medida a primeira. Ressalvados os casos em que a confissão extrajudicial informal, segundo a regra de transição do precedente da 3ª Seção, ainda seja admissível e ostente valor probatório, sua inadmissibilidade em todo caso torna desnecessária a discussão sobre a exigência de Aviso de Miranda.
No caso dos autos, a IPJ nº 010/2025 - NO/PF/CHI/RS aponta que NATHAN teria confessado os crimes (
processo 5001544-49.2025.4.04.7101/RS, evento 38, DOC2
). Não há descrição ou prova das Advertências de Miranda.
O réu exerceu o direito ao silêncio durante seu interrogatório em sede policial (
processo 5001544-49.2025.4.04.7101/RS, evento 1, DOC19
). Em juízo, apresentou versão diferente daquela em tese apresentada aos policiais no momento de sua prisão (
evento 95, DOC7
).
À vista do exposto, apenas os interrogatórios realizados perante as autoridades policial e judiciária são válidos e serão objeto de valoração para fins de formação da convicção judicial. Declaro as supostas declarações prestadas aos policiais no momento da abordagem inadmissíveis no processo penal, dadas a falta de fiabilidade epistêmica e das garantias de autenticidade e contraditório formal. Não sendo possível a exclusão do processo, pois o documento que as contêm possui partes inseparáveis válidas, determino apenas a sua desconsideração na análise probatória.
O reconhecimento da inadmissibilidade da prova não implica o impedimento deste juízo. O art. 157, § 5º, do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/19, que previa uma tal regra, foi declarado inconstitucional. Conforme decisão do STF, "
o artigo 157, § 5º, do CPP, ao estabelecer que o juiz, simplesmente por conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível, não poderá proferir a sentença ou acórdão, revela inconstitucionalidade material manifesta, atentando, ainda, contra as normas insculpidas no artigo 5º, incisos LIII e LXXVIII, da CRFB/1988, concernentes ao juiz natural e à garantia da duração razoável dos processos
" (ADIs nº 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 24/8/2023).
Sem outras questões preliminares, passo ao exame da pretensão acusatória.
Mérito
Materialidade
A materialidade delitiva está comprovada pelos seguintes documentos, constantes do IPL vinculado a esta Ação Penal (IPL nº 5001544-49.2025.4.04.7101): a) Auto de Prisão em Flagrante (
evento 1, DOC1
), b) Termo de Apreensão nº 972585/2025, em que consta a apreensão de "3
2.844g (trinta e dois mil oitocentos e quarenta e quatro) de skunk, divididas em 5 porções
" (
evento 1, DOC2
); c) Laudo preliminar de constatação nº 02/2025, em que se concluiu, em teste
fast blue
, que se trata da planta
cannabis sativa linneu
(
evento 1, DOC21
), d) Informação de Polícia Judiciária nº 010/2025 - NO/PF/CHI/RS, da qual constam fotografias da apreensão (
evento 38, DOC2
, pp. 40-44); e) Laudo de perícia criminal federal - Laudo nº 080/2025 - NUTEC/DPF/PTS/RS, que concluiu que o material apreendido trata-se de droga (
evento 162, DOC2
); e f) Informação de Polícia Judiciária nº 015/2025 - NO/PF/CHI/RS, que analisou o telefone celular, modelo Samsung Galaxy A05s, apreendido na posse de LUKAS (
evento 201, DOC4
). Esses elementos foram confirmados pela prova oral produzida em juízo.
Autoria
A autoria é certa na pessoa dos réus e decorre do próprio contexto da diligência que resultou em sua prisão, quando foram flagrados transportando droga de procedência uruguaia.
Consta das declarações dos agentes que realizaram a diligência que resultou na prisão em flagrante que, durante operação fiscalizatória de fronteira realizada pela Polícia Federal em conjunto com a Receita Federal, em ponto estratégico da BR-471, deu-se sinal de parada ao veículo Citröen/C3, placas SYW6B93, que desobeceu à ordem; iniciou-se o acompanhamento do veículo pela rodovia, até que a ordem de parada fosse acatada; realizada a abordagem veicular após a parada do veículo, encontrou-se entorpecente armazenado em sacos no interior do veículo e no porta malas (
processo 5001544-49.2025.4.04.7101/RS, evento 1, DOC1
).
Em juízo, os policiais confirmaram suas declarações em sede investigativa.
A testemunha Raul Carneiro Sterzelecki, Agente de Polícia Federal, relatou que no dia dos fatos ocorria uma operação de fiscalização e repressão a crimes transfronteiriços conjunta entre a Polícia Federal e a Receita Federal; por volta de 1h30 da manhã, percebeu-se um veículo locado retornando a Rio Grande; em consulta, obteve-se a informação de que o veículo havia "recém ido" à fronteira do Chuí; durante a aproximação para abordagem, deu sinal de parada, mas o veículo empreendeu fuga, o que aumentou a suspeita das razões para aquela viagem; após quilômetros de acompanhamento, o veículo parou e identificaram-se invólucros em seu interior, consistentes em sacos pretos, acondicionados no banco traseiro e dentro do porta-malas; constatou-se que o conteúdo era vegetal e tratava-se de
skunk
, substância que vem sendo objeto frequente de tráfico transnacional vindo do Uruguai; as viaturas estavam no Município de Santa Vitória do Palmar; havia o cheiro peculiar e forte da droga; os invólucros estavam visíveis (
evento 95, DOC1
).
A testemunha Fernando Victor Mattos Ferreira, Agente de Polícia Federal, relatou que havia informações sobre o fluxo de drogas vindas do Uruguai, ingressando no Brasil no período da noite, na BR-471, que é deserta; frequentemente se faz operações nessa rodovia para a repressão desse crime; no dia dos fatos, ocorria uma operação conjunta entre a Receita Federal e a Polícia Federal; no contexto dessa operação, houve a abordagem do veículo com sinais luminosos e sonoros, que empreendeu fuga, o que levantou suspeita; houve acompanhamento e, após algum tempo, desistência da fuga, quando houve a abordagem; nessa abordagem, localizou-se quantidade expressiva de
skunk
; em relação aos motivos da abordagem do veículo, a Receita Federal identificou que ele havia "descido" no mesmo dia e já estava no sentido Uruguai-Brasil; chamou a atenção o fato de ir à fronteira e retornar no mesmo dia; a substância apreendida era bastante volumosa e estava no porta-malas e no banco traseiro do veículo; estava acondicionada em sacos pretos, mas não estava bem prensada; o
skunk
tem um odor bem forte (
evento 95, DOC2
).
Os depoimentos, tanto em sede preliminar quanto em juízo, são firmes, coerentes e estão em consonância com as provas dos autos, não havendo elementos de prova que os contradigam.
Além disso, na IPJ nº 010/2025 - NO/PF/CHI/RS consta que "
EMILY ficou com os aparelhos de celular dos demais passageiros, escondendo em seu corpo
" (
processo 5001544-49.2025.4.04.7101/RS, evento 38, DOC2
).
As testemunhas arroladas pela defesa eram meramente abonatórias e nada sabiam a respeito dos fatos. A testemunha Patrícia da Silva Seixas relatou sobre as atividades lícitas e boa conduta social de LUKAS (
evento 98, DOC1
); as testemunhas Arlem Ferreira Justamant e Danielle Cozza, sobre as atividades lícitas e boa conduta social de NATHAN (
evento 95, DOC3
e
evento 95, DOC4
); a tesetmunha Thais Silveira Vieira, sobre as atividades lícitas e boa conduta social de EMILY (
evento 95, DOC5
).
Em seus interrogatórios, os réus não negaram que estavam no veículo em que foi localizada e apreendida a droga. NATHAN estava na direção e EMILY no banco do carona. LUKAS confessou que realizou o serviço de transporte de droga e recebeu valores em contrapartida.
Assim, está plenamente comprovada a autoria.
Dolo
Controverte-se quanto ao dolo. Quanto a esse elemento subjetivo, por se tratar de elemento psicológico, deve ser deduzido dos indicadores externos. Esclarece Gustavo Badaró que, "
[p]or ser um estado anímico, o dolo não é um fato que possa ser objetivamente demonstrado. Assim, para a sua demonstração, parte-se de elementos objetivos exteriores que permitirão inferir o elemento subjetivo. São os fatos e, principalmente, a forma pela qual o autor cometeu o delito que indicam o elemento subjetivo do agente
" (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal [livro eletrônico]. 10ª ed. Thomson Reuters Brasil, 2024).
Segundo a jurisprudência do TRF4, "
[o] magistrado deve orientar-se pelo conjunto das evidências, atendo-se aos indicativos externos que expressam a vontade do agente para aferir a presença, ou não, do elemento subjetivo
" (ACR nº 5006879-29.2019.4.04.7208, rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 7ª Turma, j. 6/9/2024).
Os réus, em seus interrogatórios, apresentaram a versão de que LUKAS, por necessidades financeiras, aceitou realizar o transporte da droga. Ele sabia que NATHAN e EMILY haviam alugado um veículo, em razão das necessidades de deslocamento para consultas e exames do filho do casal, e então os convidou para a viagem à fronteira, sem informar sua real intenção; os dois estavam no veículo, mas não participaram do transporte nem tinham conhecimento de que havia drogas.
LUKAS afirmou que foi chamado para fazer uma viagem; estava necessitando de direito e aceitou; como não tinha carro, entrou em contato com Nathan, pois sabia que ele [Nathan] estava com um carro alugado para os deslocamentos relacionados a acompanhamento médico do seu filho; disse a ele que iriam buscar aparelhos de ar condicionado e bebidas; ao chegar em Santa Vitória do Palmar, deixou Nathan e Emily em uma avenida, em um posto de combustíveis 24h, para que comessem algo, e foi "carregar o carro"; demorou cerca de 30 minutos; o casal não desconfiou; acharam estranho, mas confiaram nele; voltou no banco traseiro; estava dormindo quando aconteceu a abordagem; Emily estava dormindo no banco dianteiro; a droga estava acondicionada em sacos pretos a vácuo; Nathan e Emily não falaram nada a respeito; conhece Nathan e Emily de rodeios (
evento 95, DOC6
).
NATHAN relatou que havia alugado um carro para "fazer a correria do dia a dia, dos exames do [seu] filho"; precisava de um carro para fazer o acompanhamento médico dele, por ser uma criança ainda frágil, e Emily, sua companheira, estava grávida; faltava um dia para o término da locação e Lukas entrou em contato; disse que precisava ir a Santa Vitória do Palmar buscar aparelhos de ar-condicionado e bebidas; convidou Nathan e Emily para acompanhá-lo; saíram de casa por volta das 20h30, pegaram Lukas em um posto de combustível, onde trocaram a direção do veículo; foram a Santa Vitória do Palmar buscar as encomendas; ao chegar, Lukas os deixou [Nathan e Emily] em frente a um posto de combustíveis 24h para que comessem algo enquanto ele buscava as mercadorias; em menos de 2h ele voltou e os pegou; esperaram o lanche ficar pronto, porque pediram de uma lancheria em frente ao posto de combustíveis; Lukas disse que estava cansado da viagem e pediu para descansar; viu que havia coisas no banco traseiro, mas não dava para ver o que era; não havia odor; passou para o banco do motorista e Emily, para o do carona; Lukas dormia quando foram abordados; conhece Lukas de rodeios; não houve menção ao transporte de drogas; o posto de combustíveis localizado na entrada de Santa Vitória do Palmar (
evento 95, DOC7
).
EMILY narrou que ela e Nathan foram convidados para viajar por Lukas; viajaram à noite; Lukas disse que buscariam umas encomendas que ele havia feito em Santa Vitória do Palmar; ao chegar, estava com bastante fome e pararam para comer enquanto Lukas buscava as encomendas; depois eles os buscou e, no trajeto de volta, ocorreu a abordagem; não houve menções a drogas antes da viagem; Lukas os deixou em um posto de combustíveis, em frente ao qual havia um
trailer
; era a única coisa que estava aberta naquele horário; Lukas ausentou-se por pouco tempo, menos de 1h; reparou que havia sacos no carro, mas achou que eram as coisas que ele havia comprado; ele quis ir no banco traseiro; estava no banco do caro; não sentiu odor; Lukas era amigo de Nathan, seu marido (
evento 95, DOC8
).
Percebe-se a disputa de hipóteses sobre fatos. A tese acusatória é de que os réus são, todos, coautores do crime de tráfico de drogas. Já a tese defensiva é de que LUKAS é o único autor do crime; NATHAN e EMILY atuaram sem dolo, pois ausente o conhecimento das elementares do tipo.
Diante dessa controvérsia, é necessário verificar qual tese tem maior corroboração no acervo probatório, a qualidade epistêmica dessas provas, se há prova suficiente da tese acusatória e se a tese defensiva gera dúvida razoável.
Sobre o ponto, teço algumas considerações sobre presunção de inocência,
standards
de prova e valoração racional da prova.
Do princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CR) derivam duas regras fundamentais: a regra de tratamento e, no que interessa a esta análise, a regra probatória. Segundo essa regra, incumbe ao órgão acusatório o ônus da prova. Sobre o réu não recai o encargo de demonstrar sua inocência.
Como regra de julgamento, não estando suficientemente demonstrada a tese acusatória, deve-se absolver o acusado, conforme art. 386, VII, do CPP (
in dubio pro reo
). Embora haja discussão doutrinária a respeito, entende-se jurisprudencialmente que ao réu incumbe a prova de suas alegações (art. 156 do CPP), sobretudo quanto a fatos excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, ainda que com exigência inferior, bastando a fundada dúvida sobre sua existência (art. 386, VI, do CPP).
No entanto, esses postulados são insuficientes para resolver a questão sobre quando a hipótese acusatória está suficientemente demonstrada para a prolação de uma sentença condenatória. Gustavo Badaró, citando Ferrer Beltrán, afirma que "
não é possível fazer operativa a garantia da presunção de inocência, como regra de julgamento, se for indeterminado qual grau de provas que se exige para que a hipótese acusatória supere tal 'presunção'
" (BADARÓ, Gustavo Henrique.
Epistemologia judiciária e prova penal [Livro eletrônico]
. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023).
A doutrina contemporânea, apropriando-se da construção da jurisprudência norte-americana, tem desenvolvido a ideia de
standards
probatórios, que são os indicadores dos graus de suficiência probatória para aceitar-se como provada uma hipótese de fato.
Apesar do intenso debate sobre quais seriam os
standards
, a literatura processual penal tem utilizado a prova para além de qualquer dúvida razoável para fins de prolação de uma sentença condenatória penal.
Esse
standard
visa a sujeitar a hipótese acusatória à falseabilidade, mediante análise da plausibilidade das hipóteses alternativas. Apesar das inúmeras críticas à aplicabilidade desse critério ao processo penal brasileiro, muitas vezes empregado como mero recurso retórico, entendo que sua adoção como vetor argumentativo é útil para incrementar a racionalidade das decisões. Uma das dificuldades envolvidas está, diante da vagueza da expressão, na definição de "dúvida razoável". Vinícius Vasconcellos a define "
como a hipótese alternativa à tese incriminatória, que se mostre logicamente possível e amparada pelo lastro probatório do processo
" (VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Standard
probatório para condenação e dúvida razoável no processo penal: análise das possíveis contribuições ao ordenamento brasileiro
. Revista Direito GV, v. 16, n. 2, maio/ago. 2020).
Para não se tornar mero instrumento retórico, esse recurso teórico depende, também, do emprego de critérios racionais para a valoração da prova. De nada adiantaria estabelecer balizas de suficiência probatória para considerar provada uma hipótese e, ao mesmo tempo, adotar uma visão subjetivista sobre a valoração probatória, centrada no livre convencimento do magistrado. A questão retornaria à falta de controle sobre o procedimento, já que, ao fim e ao cabo, o julgador pode entender suficientemente provada ou não a tese.
Portanto, deve-se adotar um modelo probatório objetivo. Segundo Luís Kircher:
De modo mais específico, o modelo probatório objetivo, que tem como ponto de sustentação justamente a concepção racionalista da prova, apresenta como características principais: a utilização do método de corroboração e refutação de hipóteses como forma de valoração da prova; b) a defesa de uma versão limitada do princípio da imediação; c) a existência de exigências fortes em termos de fundamentação sobre os fatos; e d) a defesa de um sistema recursal que possibilite a revisão no âmbito do juízo de fato a partir de parâmetros intersubjetivos (KIRCHER, Luís Felipe. Standards
de prova no processo penal: em busca de um modelo controlável
. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. p. 144).
Para aumentar a racionalidade da valoração probatória, a doutrina fornece alguns parâmetros para aferir o grau de justificação da comprovação de uma hipótese fática. Mais uma vez segundo Luís Kircher:
Nesse sentido, para que haja um aumento de corroboração, a hipótese deve preencher os critérios: (I) da não refutação (os elementos de provas não podem contrariar a hipótese, seja direta ou indiretamente), (II) da singularidade (as hipóteses explicativas alternativas devem ter sido abandonadas), (III) da derivação (a hipótese deve estar encadeada com as hipóteses secundárias), (IV) da coerência (deve existir compatibilidade da hipótese com o conhecimento geral), (V) da simplicidade (a hipótese deve ser comprovada sem a necessidade de um número excessivo de pressuposições) e (VI) da capacidade explicativa (a hipótese deve explicar a existência dos elementos de prova).
[...]
A exigência de coerência interna ou narrativa (IV.I) da hipótese fática em sentido
lato
(como uma hipótese não contraditória) é bastante óbvia e até intuitiva, exigindo-se "uma boa narrativa", que seja "não contraditória". Isso porque uma narrativa incoerente, "problemática", "contraditória", torna seu significado difícil de ser compreendido, decifrado e corroborado.
[...]
A coerência externa (IV.II) exige que a hipótese seja compatível com o restante do conhecimento de que se dispõe (científico e social).
[...]
Por fim, deve-se ter em mente que a capacidade explicativa (VI) da hipótese igualmente é relevante, uma vez que a hipótese deve se concatenar com os elementos de prova a partir das generalizações utilizadas. [...]
Esse requisito exige que se deve escolher a hipótese que explica os elementos de prova de forma mais crível. Assim, para se considerar confirmada, exige-se que a hipótese possa explicar os elementos de prova disponíveis (provas diretas ou indiretas), bem como justifique o nexo causal entre elas e as provas (Ibidem, p. 222-227).
Feitas essas considerações, analiso o grau de corroboração de cada uma das teses.
Começo pela fixação dos pontos não controvertidos, isto é, pelos fatos cuja forma de exteriorização é aceita tanto por acusação quanto pela defesa. É ponto incontroverso que os réus estavam no veículo abordado pela Polícia e Receita Federais, onde foi encontrada a droga apreendida. Também não se controverte que NATHAN dirigia o veículo, EMILY estava no banco dianteiro e LUKAS, no banco traseiro. Por fim, outra questão não controvertida diz respeito ao acondicionamento e localização das drogas, em sacos pretos no banco traseiro do veículo.
A controvérsia, por sua vez, diz respeito à cooperação consciente de NATHAN e EMILY no transporte da droga. Reitero, a esse respeito, que as declarações prestadas aos policiais no momento da abordagem não serão levadas em consideração.
Os elementos de prova já citados corroboram a tese da coautoria dos réus. Estavam todos no interior do veículo abordado e NATHAN o conduzia. As circunstâncias da viagem, como horário e itinerário, revelam ação com padrão consistente com a prática do crime de tráfico de drogas. Segundo informações da Receita Federal, o veículo dirigira-se à fronteira Brasil-Uruguai no dia anterior, retornando na sequência. Além disso, trafegava durante a madrugada. Segundo os relatos dos policiais, a droga era volumosa e visível, estava no banco traseiro e exalava um forte odor característico de
skunk
. Por fim, conforme IPJ nº 010/2025 - NO/PF/CHI/RS, os aparelhos celulares foram encontrados com EMILY, que os escondera junto ao seu corpo.
Já a tese defensiva fundamenta-se apenas nos interrogatórios dos réus, sem corroboração por outros elementos independentes.
Está há muito superada a visão do interrogatório como meio para extrair-se a confissão, sem valor probatório em favor do acusado. Compreende-se o ato como verdadeiro meio de autodefesa, devendo as declarações ser levadas em consideração em cotejo com o restante do acervo probatório.
Apesar disso, não se pode perder de vista que as declarações prestadas no interrogatório são auto-interessadas, considerando a natural inclinação de qualquer imputado a tentar exculpar-se. Daí a importância de analisar a coerência do discurso e sua compatibilidade com as demais provas.
Embora os interrogatórios não sejam flagrantemente contraditórios entre si, apresentam algumas divergências. Os réus apresentam afirmações diferentes quanto à duração do período em que NATHAN e EMILY ficaram no posto de combustíveis 24h, enquanto supostamente LUKAS buscava a droga. LUKAS mencionou que demorou cerca de 30 minutos; NATHAN, que a permanência durou menos de 2h, mas ainda aguardaram o lanche ficar pronto; EMILY, que foi menos de 1h. Apesar de a percepção de tempo ser subjetivamente determinada, há discrepâncias significativas na determinação desse intervalo.
O aspecto temporal da narrativa, como um todo, tem inconsistências. NATHAN afirmou que saíram de Rio Grande à noite, por volta de 20h20-20h30. Foram até Santa Vitória do Palmar, distante cerca de 220km, onde permaneceram por um período que varia de 30 minutos a mais de 2 horas. Em Santa Vitória do Palmar, onde chegaram já tarde da noite segundo o relato, permaneceram em um posto de combustíveis 24h. No entanto, a refeição foi feita em local diverso nas proximidades, supostamente aberto àquele horário. Um
trailer
, segundo EMILY, uma lancheria, segundo NATHAN. A abordagem pela operação da Polícia e da Receita Federal ocorreu, após dezenas de quilômetros de acompanhamento, cerca de 1h30 da madrugada do dia seguinte. O encadeamento dos eventos não fica bem explicado segundo essa linha do tempo.
A própria narrativa, em si, é pouco verossímil. Os réus afirmam que LUKAS convidou NATHAN e EMILY para acompanhá-lo até Santa Vitória do Palmar, no carro por eles alugado, para buscar mercadorias lícitas. A viagem ocorreu entre a noite de quarta e madrugada de quinta-feira e foi realizada na modalidade bate-e-volta. LUKAS e NATHAN revezaram-se na condução do veículo. EMILY estava grávida à época e o casal enfrentava problemas de saúde do filho.
Não ficou esclarecido por que, nessas condições e sofrendo prejuízos pessoais e possivelmente profissionais, NATHAN e EMILY aceitaram ajudar LUKAS. Segundo os relatos, os réus conheciam-se do rodeio, mas não nutriam amizades íntimas, de modo que a relação de amizade não parece uma explicação plausível. Também não se esclareceu se haveria algum benefício ao casal com a viagem. Não havia objetivos declarados para que fossem a Santa Vitória do Palmar naquela noite; não se mencionou o recebimento de qualquer vantagem direta ou indireta. Segundo consta, aceitaram gratuitamente oferecer seu veículo alugado e inclusive dirigir para acompanhar um conhecido a uma viagem longa, durante a noite e a madrugada, no interesse exclusivo dele.
Os réus alegaram que o veículo foi alugado por NATHAN em benefício do casal, pois precisavam de um meio de locomoção para acompanhamento médico do filho. No entanto, os elementos dos autos indicam que o locatário do veículo era Dionatan Ferreira de Oliveira. Não se esclareceu a relação entre o locatário e NATHAN e EMILY. Analisando a filiação constante da CNH apresentada quando da locação, não se verifica nenhuma relação de parentesco evidente. Além disso, o contrato de aluguel de carros indica, como data inicial da locação, o dia 11/3/2025, um dia antes da viagem, o que contrasta com a versão de que o veículo havia sido alugado para as necessidades médicas do filho do casal (
processo 5001544-49.2025.4.04.7101/RS, evento 201, DOC3
).
A defesa não produziu nenhuma prova apta a corroborar a tese apresentada. Não houve indicação de testemunhas dos momentos em que permaneceram no posto de combustíveis 24h ou que confirmassem a viagem e suas finalidades naquela noite, nem apresentação de comprovantes de despesas relacionados à viagem, tampouco das conversas sobre a viagem. O aparelho celular de LUKAS foi apreendido e objeto de análise, consolidada na IPJ nº 015/2025 - NO/PF/CHI/RS. Dela, não consta nenhuma menção à troca de mensagens sobre a alegada viagem com finalidade lícita. Também não se corroboraram as alegações de necessidades médicas do filho de NATHAN e EMILY, que teria justificado o aluguel do veículo.
Mais do que ausência de corroboração, a versão contrasta com outras provas dos autos. Os depoimentos dos policiais federais que participaram da diligência, para além das fotografias que registraram a apreensão, demonstram que a droga estava em grandes sacos pretos, visíveis no banco traseiro do veículo. É pouco crível a tese de que NATHAN e EMILY acreditaram que se tratava de aparelhos de ar-condicionado e bebidas, itens que alegadamente LUKAS teria ido buscar em Santa Vitória do Palmar, considerando a manifesta diferença de tamanhos e formas de acondicionamento.
Os relatos dos agentes de polícia também indica que havia um forte odor de droga no veículo. Esse relato confirma-se pelas declarações de que os sacos não estavam bem vedados, além de ser fato notório que o
skunk
possui odor forte e característico. Nesse sentido, também é pouco verossímil a tese de que NATHAN e EMILY não sentiram o cheiro do entorpecente.
Dessa forma, considerando a) a falta de corroboração da narrativa de defesa por outras provas; b) a contradição dessa tese com as demais provas constantes do acervo; c) as inconsistências nos interrogatórios dos acusados; e d) a falta de verossimilhança do relato, considero que a hipótese fática não encontra respaldo probatório para considerar-se minimamente provada.
Com isso, a hipótese fática que melhor explica os fatos e que encontra ressonância no acervo probatório é a acusatória. Os elementos de prova, sobretudo as testemunhas que prestaram depoimento e relataram a diligência de abordagem da qual resultou a apreensão da droga, são suficientes para demonstrar, além de duvida razoável, que os réus agiram com consciência e vontade para transportar a droga, praticando a conduta descrita na denúncia.
Tipicidade, ilicitude e culpabilidade
Assim agindo, os réus praticaram a conduta que se amolda ao art. 33,
caput
, c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/06.
Assentada a tipicidade, dela decorrem presumidamente a ilicitude e a culpabilidade.
A defesa alegou que LUKAS transportou a droga "
quase que por coação moral, haja vista que, conforme narrado em interrogatório, [...] necessitava de dinheiro e aceitou efetuar o transporte unicamente por este motivo
". O réu, em seu interrogatório, afirmou que aceitou realizar o transporte porque necessitava de dinheiro.
Segundo a jurisprudência do TRF4, "
a mera alegação de dificuldades financeiras não é suficiente para o fim de afastar a responsabilização penal do agente pelo ilícito praticado, seja a título de estado de necessidade, seja como inexigibilidade de conduta diversa, visto que tal situação não consubstancia salvo conduto para a prática de delitos, devendo ser solucionada por meio de atividades lícitas
" (ACR nº 5019045-56.2024.4.04.7002, rel. Des. Federal Loraci Flores de Lima, 8ª Turma, j. 26/3/2025). Ademais, "
[a]s dificuldades financeiras, geradoras de possível excludente, seja de ilicitude (estado de necessidade) ou de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), além de constituírem ônus probatório exclusivo da defesa, devem estar amparadas em robusto conjunto probatório, principalmente documental, pois as dirimentes devem ser analisadas a partir de circunstâncias objetivas
" (ACR nº 5002509-56.2023.4.04.7017, rel. Des. Federal Luiz Carlos Canalli, 7ª Turma, j. 29/4/2025).
Não há nos autos nenhum elemento que corrobore a tese de que o réu estivesse passando por sérias dificuldades financeiras. Ainda assim, essa prova não seria bastante para legitimar a prática ilícita, salvo em situações excepcionalíssimas e raramente reconhecidas pela jurisprudência.
Por conseguinte, afasto a aplicação das excludentes de ilicitude de estado de necessidade e de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa.
Não há controvérsia sobre aplicação de outras causas justificantes ou dirimentes.
Dessa forma, na medida em que o fato é típico e ilícito e os réus têm culpabilidade, é impositiva a sua condenação.
Causa de aumento de pena: transnacionalidade (art. 40, I, da Lei nº 11.343/06)
Incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/06. Sobre sua incidência, remeto à análise da competência para processo e julgamento do feito.
A fração de aumento "
deve levar em consideração elementos acidentais como a distância percorrida pelo agente, a complexidade da operação de transporte e/ou o número de fronteiras por ele ultrapassadas, na medida em que não se pode equiparar o acusado que transporta substância entorpecente entre pequenas distâncias, em empreitadas rápidas, àquele grande difusor que se expõe a longas e demoradas viagens
" (AgRg no AREsp nº 1.988.194/RS, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 21/3/2023).
Causa de diminuição de pena: tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06)
A defesa requereu, em relação a todos os réus, o reconhecimento do tráfico privilegiado, na forma do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
O Ministério Público Federal não se manifestou expressamente sobre a questão ao longo da persecução penal.
O STJ firmou entendimento de que a quantidade e a natureza das drogas apreendidas não são, isoladamente, argumentos idôneos para afastar a minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 (EREsp nº 1.887.511/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª Seção, j. 9/6/2021; HC nº 725.534/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, 3ª Seção, j. 27/4/2022). Esses vetores, no entanto, podem ser analisados em conjunto com outros elementos que permitam concluir que há dedicação a atividades criminosas ou participação em organização criminosa.
Além disso, fixou a seguinte tese, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.139: "
É vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06
". A dedicação a atividades criminosas não pode ser inferida a partir de registros de inquéritos ou ações penais em curso, mas "
pode ser comprovada pelo Estado-acusador por qualquer elemento de prova idôneo, tais como escutas telefônicas, relatórios de monitoramento de atividades criminosas, documentos que comprovem contatos delitivos duradouros ou qualquer outra prova demonstrativa da dedicação habitual ao crime
" (REsp nº 1.977.027/PR, rel. Min. Laurita Vaz, 3ª Seção, j. 10/8/2022).
No caso dos autos, os réus não são formalmente reincidentes nem ostentam maus antecedentes.
Analiso os demais pressupostos.
Em relação a LUKAS, a causa de diminuição de pena não é aplicável, porque há elementos que indicam concretamente a dedicação a atividades criminosas, de forma duradoura, e a participação em organização criminosa.
A conclusão fundamenta-se na análise do aparelho celular apreendido em sua posse, o Samsung Galaxy A05s. Segundo a IPJ nº 015/20205 - NO/PF/CHI/RS, a partir da observação de que o dispositivo possuía poucos contatos e histórico de conversa, não se tratava do seu celular pessoal, mas de aparelho utilizado apenas para práticas ilícitas.
A Polícia Federal concluiu que as conversas registradas evidenciam a ligação entre LUKAS e a facção autodenominada Tauras, que atua na região do Sul do Rio Grande do Sul, principalmente nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Chuí. O Agente de Polícia destacou conversa com contato salvo como "Marlinho", em que há troca de mensagens, via
WhatsApp
, de figurinhas relativas à organização criminosa. O desenho do diabo-da-Tasmânia é símbolo dessa facção.
Além disso, enfatizou uma publicação de LUKAS nas redes sociais, ocorrida em 1/2/2025, em que exibe notas de cinquenta reais e afirma que "
bebe quase todo dia, anda sempre arrumado e tem as coisa (sic)
", mesmo sem trabalhar, porque "
[faz] parte da tropa do dindo
". Segundo a análise da Polícia Federal, "
[p]ertencer a uma tropa significa ser membro de uma determinada região ou grupo da facção, sob comando de um chefe local
". Além disso, em imagens que devem ser inseridas nesse contexto de traficância, foram localizadas fotos de
skunk
, datada de 12/3/2025, de bebida e cédulas de 50 e 100 reais, datada de 2/3/2025 e 3/3/2025, e de um indivíduo não identificado vestindo uma camiseta contendo o desenho do diabo-da-Tasmânia, datada de 30/1/2025.
Esses elementos somam-se à elevada quantidade de entorpecente para permitir a conclusão de que havia dedicação a atividades criminosas e participação em organização criminosa.
Já em relação a EMILY e LUKAS, entendo que não há prova da dedicação a atividades criminosas ou de que integram organização criminosa.
Embora expressiva a quantidade de droga apreendida (32,844kg de maconha do tipo
skunk
), não há outros elementos que indiquem o pertencimento de LUKAS ou EMILY à organização criminosa. Ainda que o transporte de grande quantidade de droga possa indicar contato com organização criminosa voltada ao tráfico transnacional, não há elementos que afastem a hipótese de vínculo meramente ocasional.
A participação, na empreitada criminosa, de pessoa com vínculos com organização criminosa não permite concluir, sem outros elementos, que todos os demais também a integram. A associação pressupõe demonstração de vínculo estável e permanente, duradouro no tempo. A conclusão em relação a LUKAS é pessoal e não pode ser estendida a NATHAN e EMILY automaticamente.
Sem outras provas, a presunção de não culpabilidade impõe reconhecer que não há vínculo associativo, mas apenas concurso eventual.
Ressalvo que houve a apreensão dos celulares de ambos, mas ainda não foi anexado aos autos o laudo de análise dos dados extraídos. Eventuais elementos em sentido contrário, como conversas registradas nos aparelhos, poderiam subsidiar juízo diverso. No entanto, não há como presumir em seu desfavor sem eles.
EMILY ostenta termo circunstanciado pela prática da infração do art. 28,
caput
, da Lei nº 11.343/06. Não há elementos para aferir se se trata de porte para consumo pessoal de
cannabis sativa
, conduta considerada atípica pelo STF no julgamento do Tema 506 (RE 635.659, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 26/6/2024). NATHAN tem contra si ação penal em curso na 2ª Vara Criminal da Comarca de Pelotas pela prática dos crimes previstos nos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/06 (AP nº 5045154-88.2024.8.21.0022). No entanto, como mencionado, inquéritos e ações penais em andamento não constituem impeditivos para a aplicação da causa de diminuição de pena.
Diante de todos esses elementos, aplica-se a eles a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
Quanto à fração de diminuição, conforme precedentes do STJ, é possível levar em consideração a quantidade e a natureza da droga para modulá-la, desde que não haja consideração desse mesmo vetor em duas etapas dosimétricas distintas, o que configuraria vedado
bis in idem
: "
a quantidade de entorpecente pode ser levada em consideração na primeira fase da dosimetria penal ou, alternativamente, ser utilizada para a modulação da fração referente à causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, desde que já não tenha sido considerada para exasperação da pena-base, sob pena de bis in idem
" (AgRg no AREsp nº 1.838.055/SP, rel. Min. Messod Azulay Neto, 5ª Turma, j. 14/5/2024).
Conversão do julgamento em diligência
Diante do reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 em relação a NATHAN e EMILY, há inovação no enquadramento jurídico dos fatos que autoriza, em tese, o oferecimento de acordo de não persecução penal.
O ANPP pode ser celebrado em relação a infrações penais com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A,
caput
, do CPP). Nesse cálculo, em caso de concurso de crimes, devem ser considerados os resultados da soma ou da exasperação, a depender da modalidade (lógica das Súmulas 243 do STJ e 723 do STF).
Além disso, o texto legal prevê que "
[p]ara aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto
". Para chegar-se à pena mínima abstratamente possível, deve-se aplicar, de um lado, a fração mínima da majorante e, de outro, a fração máxima da minorante.
Conforme já mencionado, o STJ firmou jurisprudência no sentido da extensão dos fundamentos determinantes da Súmula 337, que trata da suspensão condicional do processo, ao acordo de não persecução penal. Ainda que se trate de acordo pré-processual, é possível que venha a ser celebrado no curso da persecução penal em casos de desclassificação, procedência parcial da pretensão acusatória, entre outros.
No caso dos autos, a imputação constante da denúncia (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/06), com pena mínima de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses, era empecilho objetivo à aplicação do instituto.
No entanto, com o reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, a pena mínima, considerando a fração máxima da minorante (2/3), e já considerada a fração mínima da causa de aumento de pena, fica aquém do limite de 4 (quatro) anos. Assim, está atendido o critério objetivo da pena cominada para fins de incidência do instituto.
Também não se verifica, em análise dos antecedentes criminais do acusado, impedimento para o oferecimento do benefício em razão de reincidência ou conduta criminal habitual ou reiterada.
Quanto ao requisito da confissão, o fato de não ter havido no curso da instrução processual não é óbice ao oferecimento do acordo. A confissão não precisa ter ocorrido de forma espontânea, podendo ser prestada no momento da celebração do acordo, cabendo ao investigado avaliar a vantajosidade da proposta. O STJ entende que, "
[n]ão há como simplesmente considerar ausente o requisito objetivo da confissão sem que, no mínimo, o investigado tenha ciência sobre a existência do novo instituto legal (ANPP) e possa, uma vez equilibrada a assimetria técnico-informacional, refletir sobre o custo-benefício da proposta, razão pela qual 'o fato de o investigado não ter confessado na fase investigatória, obviamente, não quer significar o descabimento do acordo de não persecução' (CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal à luz da Lei 13.963/2019 (Pacote Anticrime). Salvador: JusPodivm, 2020, p. 112)
" (HC nº 657.165/RJ, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 9/8/2022).
Mais recentemente, no julgamento do Tema Repetitivo 1.303, o STJ firmou as seguintes teses sobre a exigência de confissão para a celebração do ANPP: "
1. A confissão pelo investigado na fase de inquérito policial não constitui exigência do art. 28-A do Código de Processo Penal para o cabimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), sendo inválida a negativa de formulação da respectiva proposta baseada em sua ausência. 2. A formalização da confissão para fins do ANPP pode se dar no momento da assinatura do acordo, perante o próprio órgão ministerial, após a ciência, avaliação e aceitação da proposta pelo beneficiado, devidamente assistido por defesa técnica, dado o caráter negocial do instituto
".
Tratando da hipótese específica de reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, assim decidiu o STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE CONFISSÃO FORMAL E CIRCUNSTANCIADA NOS AUTOS. ÓBICE INEXISTENTE. POSSIBILIDADE DE A CONFISSÃO SER REGISTRADA PERANTE O PARQUET. RELEVÂNCIA E MULTIFORMA DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, tem lugar "Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime". 2. A doutrina processual penal brasileira classifica o instituto como "negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso - devidamente assistido por seu defensor -, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso com o Parquet de promover o arquivamento do feito, caso a avença seja integralmente cumprida" (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 7ª edição. Salvador. Editora Juspodivm, 2019, p. 200). 3. A Quinta Turma do STJ, nos autos do AgRg no REsp 2.016.905/SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, estabeleceu que, em casos de alteração do enquadramento jurídico ou desclassificação do delito, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais. Esse precedente reconheceu incidir, extensivamente, às hipóteses de ANPP, o Enunciado n. 337 da Súmula do STJ, que prevê ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e procedência parcial da pretensão punitiva, devendo os autos do processo retornarem à instância de origem para aplicação desses institutos. 4. Nos autos do REsp n. 1.972.098/SC, de minha relatoria, a Quinta Turma decidiu que "o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada", o que sobrelevou e desburocratizou o reconhecimento e a importância da confissão para o deslinde do processo penal. 5. Dessume-se do acórdão do Tribunal de origem que o óbice ao encaminhamento dos autos ao Ministério Público para que se manifestasse sobre a proposição do ANPP seria a ausência de confissão formal e circunstanciada, haja vista o exercício, pela paciente, no curso da ação penal, do direito ao silêncio.
Contudo, é de se destacar que, ao tempo da opção pela não autoincriminação, não estava no horizonte da paciente a possibilidade de entabulação do ANPP, uma vez que a denúncia não postulou o reconhecimento da minorante do tráfico de drogas, o que só se tornou possível com a prolação da sentença penal condenatória que aplicou em seu favor a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
6. O direito à não autoincriminação, vocalizado pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere, não pode ser interpretado em desfavor do réu, nos termos do que veicula a norma contida no inciso LXIII do art. 5º da Constituição da República e no parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal. Assim, a invocação do direito ao silêncio durante a persecução penal não pode impedir a incidência posterior do ANPP, caso a superveniência de sentença condenatória autorize objetiva e subjetivamente sua proposição. 7. Lado outro, sequer a negativa de autoria é capaz de impedir a incidência do mencionado instituto despenalizador, não se podendo olvidar, como afirmado em doutrina, que o ANPP é medida de natureza negocial, cuja prerrogativa para o oferecimento é do Ministério Público, cabendo ao Judiciário a homologação ou não dos termos ali contidos. Nessa esteira, trata-se de contribuição de grande valia a combater a nefasta cultura do encarceramento, ainda prevalecente no Judiciário brasileiro em larga escala, e conducente ao estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da MC na ADPF 347, Rel. Ministro Marco Aurelio, devendo ser estimulada como política pública, a fim de que as sanções sejam obtidas de modo alternativo ao cárcere. 8. A formalização da confissão para fins do ANPP diferido deve se dar no momento da assinatura do acordo. O Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, não determinou quando a confissão deve ser colhida, apenas que ela deve ser formal e circunstanciada. Isso pode ser providenciado pelo próprio órgão ministerial, se decidir propor o acordo, devendo o beneficiário, no momento de firmá-lo, se assim o quiser, confessar formal e circunstanciadamente, perante o Parquet, o cometimento do crime. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício. (HC nº 837.239/RJ, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 26/9/2023)
Considerando essas ponderações, diante do cabimento, em tese, do instituto de justiça penal negocial, a solução mais adequada é suspender o julgamento e determinar a intimação do Ministério Público Federal para que se manifeste fundamentadamente, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a possibilidade de oferecimento de proposta de acordo de não persecução penal aos réus NATHAN e EMILY.
Da manifestação, dê-se vista à defesa.
Havendo recusa ao oferecimento, considerando que não se trata de direito subjetivo do acusado, cabendo exclusivamente ao Ministério Público avaliar o preenchimento dos requisitos (ainda que submetida a recusa a controle por órgão superior, na forma do art. 28-A, § 14, do CPP), sem possibilidade de interferência do Poder Judiciário (por todos, STJ, RHC nº 161.251/PR, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 10/5/2022), retornem conclusos para a continuidade do julgamento.
Medidas cautelares pessoais
O julgamento do processo foi suspenso para possibilidade de proposta e celebração de ANPP, em razão da aplicação, em relação a alguns réus, da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. O reconhecimento do tráfico privilegiado modifica a pena à qual sujeitam-se as condutas, em última análise, a gravidade dos crimes, o que pode impactar no juízo de necessidade das prisões preventivas.
Em regra, são rechaçadas alegações de violação ao princípio da homogeneidade, isto é, de desproporcionalidade entre as medidas cautelares pessoais aplicadas e a possível pena a ser aplicada, enquanto ainda em curso a ação penal. Segundo o STJ, "
[t]rata-se de prognóstico que somente será confirmado após a conclusão do julgamento da ação penal, não sendo possível inferir, nesse momento processual e na estreita via ora adotada, o eventual regime prisional a ser fixado em caso de condenação (e consequente violação do princípio da homogeneidade). A confirmação (ou não) da tipicidade da conduta do agente e da sua culpabilidade depende de ampla dilação probatória, com observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o que não se coaduna com a finalidade do presente instrumento constitucional
" (AgRg no HC nº 992.938/ES, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 3/6/2025).
No entanto, entendo que esse juízo é possível excepcionalmente no caso dos autos relativamente aos réus aos quais se aplica o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
A instrução processual já se encerrou. No que tange à individualização das penas, verifico que não têm anotação de antecedentes (entendidos como condenações judiciais transitadas em julgado por fato anterior). Também incide em relação a eles a causa de diminuição de pena mencionada. Quanto à fixação do regime inicial, considerando a pena possivelmente aplicada e a primariedade, dificilmente será o fechado. Por fim, há possibilidade inclusive de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
As medidas cautelares pessoais são provisionais ou situacionais. Devem ser modificadas à medida em que modificada a situação fática que as ensejaram. Nesse sentido, a prisão preventiva pode ser revogada ou substituída por medidas cautelares diversas da prisão quando não houver motivo para que subsista, sem prejuízo ser decretada novamente se sobrevierem razões que a justifiquem (art. 316 do CPP). Nessa mesma linha, as medidas cautelares diversas da prisão podem ser substituídas por outras, mais graves ou mais brandas, ou mesmo revogadas, a depender do caso (art. 282, § 5º, do CPP).
Considerando a modificação do enquadramento legal das condutas e do juízo sobre sua gravidade, entendo necessária a revisão das medidas cautelares pessoais vigentes, a fim de evitar desproporcionalidades.
NATHAN foi preso em flagrante em 13/3/2025; em audiência de custódia realizada no mesmo dia, a prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva. Ao final da instrução processual, a defesa requereu a revogação de sua prisão, o que foi indeferido. O réu está preso até este momento.
Entendo que a manutenção da prisão preventiva nesse caso é desproporcional à luz da pena provavelmente aplicada. A medida extrema deve ser substituída por cautelares diversas da prisão, que são adequadas e suficientes para afastar os riscos de reiteração delitiva, ainda presentes considerando o juízo de gravidade da conduta que ainda se pode fazer diante da quantidade de droga apreendida.
EMILY foi presa em flagrante em 13/3/2025; em audiência de custódia realizada no mesmo dia, foi concedida prisão domiciliar. Especificaram-se as condições da prisão domiciliar, estabelecendo-se o recolhimento domiciliar noturno e o monitoramento eletrônico (
processo 5001544-49.2025.4.04.7101/RS, evento 124, DOC1
). Recentemente determinou-se a retirada temporária do equipamento de monitoramento eletrônico, em razão do estágio de sua gravidez (
processo 5003271-43.2025.4.04.7101/RS, evento 10, DOC1
).
Entendo que a manutenção da prisão domiciliar, com determinação de recolhimento domiciliar noturno e monitoramento eletrônico, ainda que este esteja temporariamente suspenso, é desproporcional à luz da pena provavelmente aplicada. A prisão deve ser substituída por medidas cautelares diversas.
Em razão do exposto,
substituo a prisão preventiva de
NATHAN OLIVEIRA DA COSTA
e a prisão domiciliar de
EMILY LAURIENTE LARROSA
pelas seguintes medidas cautelares diversas da prisão
(art. 319 do CPP):
a) comparecimento bimestral em juízo, para informar e justificar suas atividades; e
b) proibição de ausentar-se da Comarca em que residem sem prévia autorização judicial.
Expeça-se alvará de soltura para que NATHAN seja posto imediatamente em liberdade, se por outro motivo não deva permanecer preso.
Lavrem-se termos de compromisso.
Intimem-se.
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Processo nº 5007695-28.2025.4.04.7005
ID: 318344633
Tribunal: TRF4
Órgão: Plantão - JFPR
Classe: INQUéRITO POLICIAL
Nº Processo: 5007695-28.2025.4.04.7005
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
FERNANDO JOSE DEITOS
OAB/PR XXXXXX
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TAMIRES BATISTA DINIZ
OAB/PR XXXXXX
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INQUÉRITO POLICIAL Nº 5007695-28.2025.4.04.7005/PR
INDICIADO
: LUIZ CARLOS STEGUE
ADVOGADO(A)
: TAMIRES BATISTA DINIZ (OAB PR119125)
INDICIADO
: LEONARDO PINHEIRO VERLINDO
ADVOGADO(A)
: FERNANDO JOS…
INQUÉRITO POLICIAL Nº 5007695-28.2025.4.04.7005/PR
INDICIADO
: LUIZ CARLOS STEGUE
ADVOGADO(A)
: TAMIRES BATISTA DINIZ (OAB PR119125)
INDICIADO
: LEONARDO PINHEIRO VERLINDO
ADVOGADO(A)
: FERNANDO JOSE DEITOS (OAB PR097359)
INDICIADO
: DIEGO MARCELO GUEDES PRADO
ADVOGADO(A)
: TAMIRES BATISTA DINIZ (OAB PR119125)
DESPACHO/DECISÃO
Vistos em regime de plantão regionalizado.
1. Relatório
Trata-se de comunicação de prisão em flagrante de
LUIZ CARLOS STEGUE
,
LEONARDO PINHEIRO VERLINDO
e
DIEGO MARCELO GUEDES PRADO
,
realizada, inicialmente, perante o Juízo da Vara Criminal de Matelândia.
Narra-se que na data de 03/07/2025, por volta das 20h, na altura Km 656 da BR 277, a Equipe da Polícia Rodoviária Federal avistou o veículo RENAUT CLIO SEDAN, de cor prata, placas ALI2J82, transitando no meio da pista, de modo a ocupar as duas faixas de rolamento. Utilizando-se de sinais luminosos e sonoros, a PRF deu ordem de parada, mas o condutor acelerou ainda mais o veículo, empreendendo fuga em alta velocidade. Adentrou na zona urbana e atravessou vários cruzamentos em altíssima velocidade, passando por cima de calçadas e colocando em risco a vida dos transeuntes da via.
Em determinado momento, os policiais visualizaram o passageiro do banco dianteiro arremessar uma arma de fogo pela janela do veículo e, alguns instantes depois, o passeiro do banco traseiro, lado direito, arremessou outra arma de fogo. Após aproximadamente dez minutos de acompanhamento tático, os autuados pararam o veículo e se entregaram.
Realizada busca veicular, localizaram uma balaclava e quatro aparelhos celulares. Ao retornarem nos locais onde os objetos haviam sido arremessados pelos ocupantes do veículo, encontraram duas pistolas calibre .9mm municiadas e alimentadas, sendo uma da marca CANIK com um carregador, 16 munições e um acessório para mira a laser (com numeração suprimida) e a outra da indústria argentina, marca não identificada, com um carregador e 12 munições intactas.
Diante disso, foram encaminhados à Polícia Civil de Cascavel, onde os policiais condutores foram ouvidos, assim como o adolescente que estava no veículo, e os flagrados foram interrogados. Foram entregues as notas de culpa e ciência das garantias constitucionais, tudo, segundo consta, dentro do prazo legalmente estabelecido.
A ocorrência foi relatada no auto de prisão em flagrante nos seguintes termos (ev. 1.2, fl. 8):
Às duas horas e vinte e seis minutos do dia quatro do mês de julho do ano de dois mil e vinte e cinco, na cidade de Cascavel, Estado do Paraná, no(a) 10.ª Central Regional de Flagrantes, localizado(a) no(a) -, nº 0, -, onde por videoconferência do(a) 10.ª Central Regional de Flagrantes se encontrava o(a) Delegado(a) de Polícia Sr.(a) Dr.(a) Francisco Edson de Oliveira, com o Escrivão(ã) de Polícia Luiz Gustavo Dos Santos, PRESENTE, compareceu o(a) Condutor e Primeira Testemunha: Romullo Cesar Costa de Goes, o(a) qual apresentou preso(a/s) àquela Autoridade Policial a(s) pessoa(s) identificada(s) como
Diego Marcelo Guedes Prado
,
Leonardo Pinheiro Verlindo
e
Luiz Carlos Stegue
, doravante denominada(s) CONDUZIDO(A/S) e, em sendo aquele(a) inquirido(a) pela autoridade policial em termo separado, afirmou que o(a/s) CONDUZIDO(A/S) foi(ram) preso(a/s) por ter(em) praticado o(s) crime(s) posse/porte ilegal de arma de fogo acessorio ou municao - uso restrito (consumada) lei 10.826/03 - armas de fogo - art. 16, em data de três de julho de dois mil e vinte e cinco, por volta de vinte e três horas e zero minutos horas, no(a) Rodovia br Duzentos e Setenta e Sete, nº 656, bairro Zona Rural na cidade de Matelandia-PR, constando como VÍTIMA(S) Estado.
O autuado
Leonardo Pinheiro Verlindo
, ao ser interrogado perante a Autoridade Policial, declarou que estavam no veículo se deslocando de Medianeira para Matelândia. Afirmou que o veículo estava sendo conduzido por Diego Marcelo e que estava armado no momento dos fatos, não tendo declinado motivo para tal porte. Limitou-se a dizer que sempre teve arma e que não sabe informar de quem era a outra pessoa que estava portando arma no veículo (Vídeo de ev. 1.4).
Luiz Carlos Stegue
, interrogado em fase policial, afirmou que possui condenações anteriores pela prática de assaltos. Em relação aos fatos, relatou que estava no veículo quando a Polícia Rodoviária Federal deu ordem de parada mediante sinal sonoro. Que um dos ocupantes disse ao motorista para que não parasse o veículo, pois estava armado. Na sequência, entraram em um posto de gasolina e pararam. Declarou que nenhuma das armas era sua (Vídeo de ev. 1.5).
O custodiado
Diego Marcelo Guedes Prado
, interrogado pela Autoridade Policial, afirmou que já foi condenado anteriormente pelo cometimento de um homicídio, também possuindo duas passagens por atos infracionais quando era adolescente. Em relação aos fatos, confirmou que estava conduzindo o veículo e quando a Polícia Rodoviária Federal deu ordem de parada, outros ocupantes disseram para que ele não parasse porque estavam armados. Por isso, acelerei e entrei na cidade. Não sei quem é o dono de cada arma (Vídeo de ev. 1.9)
O adolescente
Matheus Correa Mattos
, ouvido pela Autoridade Policial, permaneceu em silêncio (Vídeo de ev. 1.6).
O Policial Rodoviário Federal
Jaasiel do Prado Pinto
, ouvido acerca dos fatos em fase policial, relatou que, por volta das 20h, estavam patrulhando a BR 277 quando visualizaram um veículo que trafegava no meio da pista, ocupando as duas vias. Diante disso, deram ordem de parada mediante sinais luminosos e sonoros, que não foi acatada, empreendendo fuga em alta velocidade. Na sequência, adentrou na cidade e o acompanhamento tático ocorreu por aproximadamente dez minutos. Em determinado momento, foi possível visualizar o passageiro do banco da frente arremessando um objeto similar a uma arma de fogo. Logo em seguida, o ocupante do veículo que estava atrás do passageiro da frente também arremessou um objeto. Conseguimos abordá-los em um posto de gasolina, demos voz de prisão aos quatro indivíduos. Depois disso, retornamos aos locais onde os objetos haviam sido arremessados e localizamos as duas pistolas apreendidas. Não houve nenhum tipo de resistência após a abordagem, só mesmo a desobediência à ordem de parada (Vídeo de ev. 1.7).
No mesmo sentido, o Policial Rodoviário Federal
Romullo Cesar Costa de Goes
confirmou as circunstâncias da abordagem, apresentando relato em conformidade com o outro Policial, relatando que estavam realizando patrulhamento nas proximidades da cidade de Matelândia quando avistaram o veículo transitando entre as duas faixas de rolamento, praticamente no meio da pista. Por essa razão, decidiram efetuar a abordagem. No entanto, diante da ordem de parada, o veículo desobedeceu e adentrou no perímetro urbano. Visualizaram o passageiro dianteiro arremessando um objeto pela janela e, após darem a volta na quadra, quase no mesmo local, outro passageiro também arremessou um objeto pela janela, sendo possível visualizar que era uma arma de fogo de cor prateada. Conseguimos efetuar a abordagem nas dependências de um posto de gasolina e, após detê-los, voltamos ao local e encontramos as pistolas que foram apreendidas. A Polícia Militar também nos auxiliou na abordagem. As armas estavam carregadas e uma delas era “raspada”. Dentro do veículo, encontramos também uma balaclava, indicando que possivelmente iriam cometer algum delito, além do porte. Foram apreendidos também quatro aparelhos celulares. Nenhum deles assumiu ser proprietário das armas (Vídeo anexado ao ev. 1.8)
O Auto de Prisão em Flagrante, lavrado pela Polícia Civil do Estado do Paraná, se encontra acompanhado do Boletim de Ocorrência nº 2025/836525, oitiva dos Policiais Rodoviários Federais, Auto de Exibição e Apreensão, oitiva do adolescente Matheus Correa Mattos, interrogatórios dos custodiados, notas de culpa, requisições de exames de lesões corporais, Boletim de Ocorrência lavrado pela Polícia Rodoviária Federal, além de Relatório da Autoridade Policial.
Os custodiados constituíram defensores (ev. 1.2, fls. 80 e 82) e apresentaram pedido de liberdade provisória (ev. 1.2, fls. 127-129; 137-144 e 146-153).
Também houve a juntada de Informações Processuais extraídas do Sistema Oráculo (ev. 1.2, fls. 87-94, 99 e 103-123) e registro de Auto de Prisão em Flagrante perante o BNMP (ev. 1.2, fls. 95, 97 e 101).
Na sequência, o Ministério Público do Estado do Paraná se manifestou, requerendo, em síntese, a homologação da prisão em flagrante dos custodiados e a conversão em prisão preventiva (ev. 1.2, fls 156-167).
Realizada audiência de custódia perante a Vara Criminal da Comarca de Matelância na data de 04/07/2025, por volta das 15h, os custodiados foram ouvidos na presença de seus defensores e houve manifestações e requerimentos orais do Ministério Público e das Defesas dos presos. Não foi proferida decisão ao final do ato.
Em momento posterior, houve decisão pelo declínio da competência em favor da Justiça Federal, determinando a remessa dos autos com urgência, bem como que os flagranteados deveriam permanecer segregados por imperativa necessidade.
Os autos foram remetidos por e-mail (ev.
1.3
), que contém chave de acesso para os arquivos audiovisuais não exportáveis (PPBVN GNRV2 FCANJ 6YCH2) e distribuídos no eproc às 17h43min.
O Juízo Federal de origem acolheu a competência e determinou a remessa dos autos ao Juízo do plantão.
Intimado para manifestação, o Ministério Público Federal requereu a homologação da prisão em flagrante dos três custodiados, ratificando os atos praticados na Justiça Estadual, bem como o parecer apresentado pelo Ministério Público do Estado do Paraná. Diante disso, requereu a conversão da prisão flagrante em prisão preventiva, ressaltando as graves circunstâncias do caso.
Anexados os vídeos da audiência de custódia (ev. 13), vieram os autos para apreciação.
Decido.
2. Homologação do Flagrante
A prolação da presente decisão estende-se por mais de 24 horas após a apresentação dos presos. No caso concreto, porém, não ser verifica demasiada demora por parte das autoridades envolvidas que possa gerar qualquer nulidade, já que a apresentação foi feita inicialmente, dentro do prazo legal, perante o Juízo Estadual, que era naquele momento o Juízo indicado em razão das circunstâncias da prisão.
Somente após o regular processamento na Estadual, ao final da audiência de custódia, é que aquele Juízo detectou a competência Federal, tendo então mantido a prisão até análise deste Juízo e remetido prontamente o feito ao Juízo Federal competente. Este, também prontamente, em razão do horário adiantado, remeteu os autos ao plantão.
Já em plantão, não foi possível proferir decisão de imediato por falta dos arquivos de áudio e vídeo da audiência de custódia (por questões técnicas) e pela necessidade de colher-se parecer do MPF.
Vê-se, pois, que não houve qualquer desídia por parte das autoridades policiais e judiciárias, sendo a demora plenamente justificável diante das circunstâncias concretas do caso, razão pela qual entendo não haver qualquer nulidade a ser reconhecida.
Não há
, por essa razão, nenhuma ilegalidade capaz de motivar o relaxamento da prisão (artigo 5º, inciso LXV, da Constituição Federal), tampouco nulidades a se declarar, pelo que
HOMOLOGO
, para todos os efeitos legais, o
AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE
, em que figuram como autuados as pessoas de
LUIZ CARLOS STEGUE
,
LEONARDO PINHEIRO VERLINDO
e
DIEGO MARCELO GUEDES PRADO
.
3. Audiência de Custódia
A audiência de custódia foi realizada pelo juízo declinante (seq. 38 dos autos 0002589-16.2025.8.16.0115, Projudi), com presença do MP Estadual e das Defesas. Os registros de áudio e vídeo demonstram que:
Diego
afirma: moro na Rua Girassol, 60, em Foz do Iguaçu; tenho 2 filhos que estão com a ex-esposa; sou autônomo, ganho em torno de R$ 1.700,00 por mês; tenho condenações já pagas e também cumpro pena assinando por mês; não tenho doenças e nem uso medicamentos; não sofri agressão ou ameaça dos policiais; não presenciei a ameaça relatada pelo outro preso; foi oportunizado contato com a família (Vídeo de ev. 13.1).
Leonardo
afirma: moro na Rua Gualachos, 799; não sou casado nem tenho filhos; faço bicos como servente e ganho em torno de R$ 2.700,00 por mês; não tenho condenações criminais; estudei até o 7º ano; não tenho vícios, doenças e nem uso medicamentos; sofri ameaças do policial, que disse pra olhar pro chão senão ia pisar na minha cara, mas não pisou, só colocou a botina perto; não sei qual policial fez isso; eram da PRF; tinha 2 viaturas; não avisei a família porque não recordo o número; meu advogado já estava presente no interrogatório policial; não me perguntaram se fui agredido naquele interrogatório; sobre a ameaça, eu já estava deitado com a mão na cabeça, não tinha necessidade do policial falar aquilo (Vídeo de ev. 13.3).
Luiz Carlos
afirma: moro em Medianeira, não lembro o endereço; sou casado, tenho uma filha que está com a mãe; trabalho de auxiliar na construção civil e ganho de R$ 2.800,00 a R$ 3.000,00 por mês; tenho condenações criminais, já cumpri pena e hoje estou no regime aberto; não tenho vícios, doenças e não tomo medicamentos; não sofri agressões e nem ameaças; não presenciei a ameaça relatada pelo outro preso; tinha uma viatura da PRF; eu fui logo levado para a viatura e os outros 2 ficaram deitados no chão, um ao lado do outro; meu advogado avisou a família da prisão (Vídeo de ev. 13.4).
Ao final daquela audiência, o MP Estadual requer
: a homologação do flagrante; a conversão da prisão em preventiva para garantia da ordem pública pelo risco de reiteração delitiva e da gravidade concreta dos delitos, tendo 2 dos presos antecedentes relevantes (Leonardo é tecnicamente primário); as armas e acessórios indicam que todos pretendiam praticar outros crimes; seja oficiado ao juízo pelo qual tramita execução penal (Vídeo de ev. 13.2)
Ambas as Defesas reiteraram
as manifestações escritas que já haviam sido apresentadas (Vídeo de ev. 13.2).
A final, o Juízo informou que a decisão seria proferida por escrito, na sequência, com possível declínio para o Juízo Federal.
Verifico assim que a audiência de custódia já foi realizada, tendo sido cumpridos os ritos adequados, sem manifestação contrária tanto do MPF quanto das Defesas, não se verificando qualquer nulidade, razão pela qual ratifico o ato.
4. Da Prisão Preventiva
À luz da legislação atualmente em vigor, a decretação da prisão preventiva exige a presença dos seguintes requisitos:
(
i
) a ocorrência de uma das situações previstas no art. 313 do CPP;
(
ii
) a comprovação da existência do crime (materialidade);
(
iii
) indícios suficientes de autoria
e
de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado;
(
iv
) a presença de umas das hipóteses do art. 312 do CPP;
(
v
) a demonstração do não cabimento da substituição da
prisão por uma das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP (art. 282, § 6º, do CPP):
Tais pressupostos emergem das seguintes regras do Código de Processo Penal:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Art. 313. Nos termos do
art. 312 deste Código
, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no
inciso I do
caput do art. 64 do Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal
;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV - (revogado).
§ 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.
Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos
incisos I, II e III do
caput
do art. 23 do Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal
.
Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.
§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Inicialmente, em análise aos antecedentes criminais, constato que o autuado
Leonardo Pinheiro Verlindo
não possui antecedentes criminais (ev. 1.2, fl. 99 e ev. 5.3). Por sua vez, os custodiados
Diego Marcelo Guedes Prado
e
Luiz Carlos Stegue
são reincidentes, ostentando condenações anteriores por crimes graves.
Nesse sentido, as informações processuais extraídas do Sistema Oráculo (ev. 1.2, fls. 87-93) indicam que
Diego Marcelo Guedes Prado
já foi condenado anteriormente pela prática do crime de
receptação
(Autos nº 0032158-41.2016.8.16.0030) e
homicídio qualificado
(Autos nº 0032327-28.2016.8.16.0030).
Do mesmo modo,
Luiz Carlos Stegue
possui condenações anteriores pelos crimes de
porte ilegal de arma de fogo restrito
(Autos nº 0002959-11.2005.8.16.0013) e
diversos roubos, inclusive em concurso de agentes
(Autos nº 0024606-18.2012.8.16.0013 e 0023586-55.2013.8.16.0013), , tudo conforme informações processuais extraídas do Sistema Oráculo (ev. 1.2, fls. 103-123).
Registre-se que
Diego e Luiz Carlos se encontram atualmente em cumprimento de pena em regime aberto
(Autos nº 0003119-28.2018.8.16.0030 – Diego; Autos nº 0001551-16.2013.8.16.0009 – Luiz Carlos) e, ainda assim, voltaram, em tese, a cometer novos crimes, evidenciando a existência de risco concreto de reiteração delitiva.
O caso dos autos exige a
decretação da prisão preventiva
tanto para garantia da ordem pública quanto para assegurar a aplicação da lei penal.
As penas cominadas em tese para os crimes suplantam o mínimo legal. Estão presentes, neste momento inicial, tanto a materialidade quanto indícios suficientes de autoria, como se vê claramente dos relatos das prisões em flagrante e dos demais documentos dos autos.
O perigo gerado pelo estado de liberdade igualmente está presente. Os presos foram flagrados agindo em grupo de 4 pessoas (uma delas não está nestes autos por ser menor de idade), portando 2 armas de fogo de uso restrito e municiadas. Uma das armas tinha numeração suprimida e acessório de mira a laser, além de uma balaclava, indicativos fortíssimos da pretensão concreta de cometimento de ilícitos graves e violentos. Além disso, fugiram da abordagem policial, dirigindo de forma a gerar perigo concreto a si próprios e principalmente aos transeuntes de vias públicas urbanas. Tentaram livrar-se das armas de fogo, atirando-as para fora do veículo, o que também gera perigo concreto a outras pessoas.
Diego e Luiz Carlos tem antecedentes por crimes graves e violentos, e desrespeitaram o cumprimento de pena em progressão no regime aberto.
Embora Leonardo não possua antecedentes detectados até este momento, todo o contexto dos autos também revela periculosidade, associação com os demais e intenção clara e concreta de cometimento de delitos graves e violentos, bem como de se furtar à ação penal.
Em suma, a situação concreta destes autos revela a associação dos presos no desrespeito grave às regras sociais, o preparo para o cometimento de ilícitos graves e violentos, a colocação em risco concreto de vida de outras pessoas, a nítida intenção de furtar-se à aplicação da lei penal e a periculosidade concreta, razão pela qual a decretação da prisão preventiva é medida imperativa tanto para garantia da ordem pública quanto para assegurar a aplicação da lei penal.
Neste cenário, entendo que a substituição por qualquer outra medida cautelar substitutiva da prisão não é suficientes para o caso dos autos.
Caracterizada, pois, a gravidade concreta da conduta e a necessidade de segregação cautelar para garantia da ordem pública.
Ante o exposto
, com fundamento nos artigos 310, inciso II, 312 e 313, I e II, do Código de Processo Penal,
DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA
de
LUIZ CARLOS STEGUE
,
LEONARDO PINHEIRO VERLINDO
e
DIEGO MARCELO GUEDES PRADO
para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.
5.
Intimem-se a Autoridade Policial, o MPF e as Defesas.
6
. Quanto à ameaça relatada pelo preso
LEONARDO PINHEIRO VERLINDO
, o MPF oficia nos autos e tem ciência de tudo, cabendo-lhe adotar, se entender pertinente, as medidas investigativas adequadas ao caso.
7.
Procedam-se aos registros necessários no BNMP, expedindo-se também os
respectivos mandados de prisão.
8.
Encerrado o plantão judiciário, remetam-se os autos ao juízo natural.
9.
No retorno do expediente normal, à Vara competente para comunicação do presente Auto de Prisão em Flagrante aos Juízos nos quais tramitam execuções penais contra os presos
LUIZ CARLOS STEGUE
e
DIEGO MARCELO GUEDES PRADO
, bem como em outros processos em curso.
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