Luis Henrique Martins Cardoso e outros x Ifood.Com Agencia De Restaurantes Online S.A. e outros
ID: 262453043
Tribunal: TRT10
Órgão: 1ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0001285-97.2023.5.10.0105
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Advogados:
CECILIA ANDRADE ROCHA
OAB/DF XXXXXX
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LUIS FERNANDO MOREIRA CANTANHEDE
OAB/DF XXXXXX
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FERNANDA MAIA DE SOUSA KOCH
OAB/DF XXXXXX
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TATIANA GUIMARAES FERRAZ ANDRADE
OAB/SP XXXXXX
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ELEN SARAH CASTRO DOS SANTOS
OAB/DF XXXXXX
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PALOMA PEREIRA LEITE
OAB/DF XXXXXX
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DAGOBERTO PAMPONET SAMPAIO JUNIOR
OAB/BA XXXXXX
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NATALIA CAVALCANTI CORREA SERAFIM FONSECA
OAB/DF XXXXXX
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MARIANA REGIS NOGUEIRA ARAUJO
OAB/DF XXXXXX
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ADRIANO JOAO BOLDORI
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0001285-97.2023.5.10.0105 : LUIS HENRIQUE MARTINS CARDOSO : S…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0001285-97.2023.5.10.0105 : LUIS HENRIQUE MARTINS CARDOSO : SMART DELIVERY SERVICOS DE ENTREGA RAPIDA LTDA E OUTROS (1) TRT ROT 0001285-97.2023.5.10.0105 - ACÓRDÃO 1ªTURMA REDATOR DESIGNADO: JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA RELATOR : DESEMBARGADOR GRIJALBO FERNANDES COUTINHO RECORRENTE: LUIS HENRIQUE MARTINS CARDOSO ADVOGADO: LUIS FERNANDO MOREIRA CANTANHEDE ADVOGADO: MARIANA REGIS NOGUEIRA ARAUJO RECORRIDO: SMART DELIVERY SERVICOS DE ENTREGA RAPIDA LTDA ADVOGADO: FERNANDA MAIA DE SOUSA KOCH ADVOGADO: NATALIA CAVALCANTI CORREA SERAFIM FONSECA ADVOGADO: ELEN SARAH CASTRO DOS SANTOS ADVOGADO: PALOMA PEREIRA LEITE ADVOGADO: CECILIA ANDRADE ROCHA RECORRIDO: IFOOD.COM AGENCIA DE RESTAURANTES ONLINE S.A. ADVOGADO: ADRIANO JOAO BOLDORI ADVOGADO: TATIANA GUIMARAES FERRAZ ANDRADE ADVOGADO: DAGOBERTO PAMPONET SAMPAIO JUNIOR CUSTOS LEGIS: Ministério Público do Trabalho ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA (JUÍZA MARTHA FRANCO DE AZEVEDO) 14EMV EMENTA DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MOTOBOY COMO TRABALHADOR AUTÔNOMO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso ordinário interposto por trabalhador que pleiteia o reconhecimento de vínculo empregatício na função de motoboy com a primeira Reclamada, mediante salário mensal de R$ 4.000,00, e a responsabilização subsidiária da segunda Reclamada, alegando ausência de registro em CTPS, não recebimento de verbas rescisórias e aproveitamento econômico da mão-de-obra. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se a prestação de serviços realizada pelo Reclamante como motoboy, no período de 14/1/2021 a 3/12/2021, configura relação de emprego nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, ou se caracteriza prestação de serviços autônomos. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A configuração do vínculo empregatício exige a presença simultânea dos requisitos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação jurídica e alteridade, conforme artigos 2º e 3º da CLT. 4. A prestação de serviços foi admitida, cabendo às Reclamadas o ônus de provar a inexistência do vínculo empregatício, o que foi devidamente cumprido. 5. O Reclamante utilizava motocicleta própria, possuía autonomia para escolha de turnos e escalas via aplicativo, não era obrigado a justificar ausências mediante atestado médico e poderia, com limitações, recusar entregas, fatos que afastam a subordinação jurídica necessária para o reconhecimento da relação de emprego. 6. As punições relatadas, como retirada de escalas em caso de recusa de entregas, configuram mera organização da prestação de serviços para atendimento à dinâmica empresarial, sem que se evidencie ingerência ou poder disciplinar típico da relação de emprego. 7. A utilização de aplicativo para organização das entregas e a exigência de coordenação de turnos são medidas compatíveis com a gestão de trabalho autônomo e não descaracterizam a autonomia do prestador. 8. As provas emprestadas dos autos de outros processos corroboram a ausência de subordinação jurídica e reforçam a caracterização da prestação de serviço como autônoma, sem vínculos de emprego. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso ordinário conhecido e desprovido. Tese de julgamento: 10. A prestação de serviços de motoboy mediante utilização de veículo próprio, com autonomia na escolha de turnos e sem sujeição a ordens diretas de empregador, configura trabalho autônomo e não gera vínculo empregatício. 11. A coordenação de escalas para melhor organização da prestação de serviços, por si só, não caracteriza subordinação jurídica quando preservada a liberdade de adesão do trabalhador. 12. A ausência de alteridade e a assunção dos riscos da atividade pelo próprio trabalhador reforçam a natureza autônoma da relação de trabalho. Dispositivos relevantes citados: CLT, arts. 2º, 3º e 818, II; CPC/2015, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: Não há citação expressa de precedentes no caso analisado. RELATÓRIO Conforme proposto pelo Exmo. Desembargador Relator e acolhido pela e. Turma: "O Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, por meio da sentença proferida ao ID. 480f0ef, julgou improcedentes os pedidos formulados por LUIS HENRIQUE MARTINS CARDOSO em face de SMART DELIVERY SERVIÇOS DE ENTREGA RÁPIDA LTDA. e IFOOD.COM AGÊNCIA DE RESTAURANTES ONLINE S.A. O reclamante interpõe recurso ordinário (ID. a07f44d). Busca, em síntese, o reconhecimento do vínculo empregatício com a primeira reclamada e a responsabilidade subsidiária da segunda. Contrarrazões apresentadas pelas reclamadas, ao ID. 63ce526 e ID. 474b4d5. O d. Ministério Público do Trabalho oficiou pelo conhecimento e provimento do recurso do reclamante, conforme parecer ao ID. c5cc078. É o relatório." VOTO ADMISSIBILIDADE Conforme proposto pelo Exmo. Desembargador Relator e acolhido pela e. Turma: "Por preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso do reclamante." MÉRITO RECONHECIMENTO DE VÍNCULO Acerca do tema e demais pedidos decorrentes, o Exmo. Desembargador Relator apresentou a seguinte proposta de decisão: "2.1. RELAÇÃO DE EMPREGO. ENTREGADOR MOTOCICLISTA x EMPRESA INTERPOSTA CONTRATADA POR PLATAFORMA DIGITAL (IFOOD). REQUISITOS Discute-se nos presentes autos a existência de relação de emprego entre a parte reclamante, ocupante da função de Motociclista, e a primeira reclamada, que faz intermediação de entregas em benefício da Plataforma Digital Ifood, responsável pelo oferecimento dos serviços de entregas aos clientes cadastrados em seu sistema eletrônico. Na inicial o reclamante alegou ter sido admitido pela primeira reclamada (SMART DELIVERY SERVIÇOS DE ENTREGA RÁPIDA LTDA.) em 04/01/2021, para exercer a função de "motoboy para entrega de alimentos", mediante salário mensal médio de R$4.000,00 (quatro mil reais), calculado por entrega com base no quilômetro rodado, realizando de 15 a 25 entregas por dia. Postulou o reconhecimento da relação de emprego e consectários decorrentes da rescisão indireta em 03/12/2021. Ambas as reclamadas negam a existência da relação empregatícia. A segunda demandada, além de refutar a existência de terceirização, a ensejar sua responsabilização subsidiária, afirma que apenas oferece um serviço aos seus clientes, sem qualquer interferência nas atividades desenvolvidas pelos motoristas cadastrados na plataforma. Defende a tese de que a ela cabe apenas direcionar as demandas por entrega às "empresas parceiras" através dos aplicativos (plataformas virtuais) "Ifood.com". O Juízo do Primeiro Grau de Jurisdição rejeitou a tese de vínculo de emprego entre o reclamante e a primeira reclamada. Em recurso ordinário, o reclamante reafirma que a prestação de serviços ocorreu com a presença dos requisitos da relação empregatícia. À análise. Ao admitir que houve prestação pessoal de serviços pelo reclamante, em sua plataforma digital, a parte reclamada atrai para si o onus probandi quanto à existência de uma relação de trabalho de natureza não subordinada e sem vínculo empregatício, pois, além de presumível o contrato de trabalho toda vez que uma pessoa física labora em prol de outrem, a hipótese aventada em defesa configura fato impeditivo do direito pleiteado. Em relação às provas produzidas nos autos, o reclamante, em seu depoimento, manteve, em linhas gerais, a versão trazida na inicial, inexistindo confissão. Transcrevo: Depoimento pessoal do(a) reclamante: que trabalhou na 1ª reclamada por 1 ano, no ano de 2021; que o depoente trabalhava no sistema de "nuvem", antes de trabalhar no sistema de "OL"; que, na OL, o pagamento era feito por entrega; que caso o reclamante não fizesse entregas, não recebia nenhum valor; que o depoente fazia, em média 20 entregas, por dia, quando trabalhava nos 3 turnos; que o depoente esclarece que sempre fazia 3 turnos no dia; que as entregas eram realizadas das 10h às 22h; que somente a bolsa de entrega era do IFOOD, mas a motocicleta era do depoente; que o depoente não tinha intervalo por turno; que esclarece que havia pausa de 15 minutos (por turno), mas muitas vezes não a tirava; que no aplicativo do IFOOD existe a opção de pausa, mas só quando trabalha para "OL"; que os dias de folga do reclamante eram pedidos pelo depoente e nem sempre eram atendidos no dia em que ele desejava; que o depoente não poderia logar e deslogar do aplicativo do IFOOD quando quisesse, pois havia um tempo de turnos definidos pela 1ª reclamada; que havia um sistema de marcação de turno, que depoente marcava o turno que queria, através do telegram da 1ª reclamada; que o depoente conhece o sistema "formes" em que poderia escolher a escala, mas nem sempre era acatado; que não tem ciência de que as vagas ofertas pelo "formes" são limitadas e preenchidas automaticamente caso ele fizesse preenchimento no sistema; que caso o reclamante não pudesse realizar as entregas, não poderia se fazer substituir, e caso o fizesse, era punido; que trabalhava em feriados; que a decisão para trabalhar nos feriados era decisão ou do reclamante ou da 1ª reclamada (a pedido), mas se tivesse disponibilidade poderia aceitar; que o depoente poderia recusar também, mas poderia ser punido caso fizesse, pois não era colocado no turno quisesse; que o reclamante não poderia recusar entregas, pois caso fizesse era punido não sendo colocado na escala ou não tendo permissão para trabalhar; que no aplicativo do IFOOD existia a opção de recusar entregas; que o depoente tinha cadastro em outros aplicativos de entrega, mas só trabalhava dentro do aplicativo do IFOOD; que caso o depoente ficasse doente, não era necessário apresentar atestado médico; que durante as entregas do reclamante, poderia ser supervisionado, pois quando recusava entregas, a 1ª reclamada ligava para o depoente e perguntava o motivo da recusa; que o depoente deveria ir uma vez por mês na base da 1ª reclamada; que o depoente fez o cadastro no IFOOD, como qualquer outra pessoa interessada, porém para adentrar no sistema da "OL" é diferente, devendo entregar documentos; que o depoente não esteve vinculado a outros "OLs"; que era a 1ª reclamada a responsável pela remuneração do reclamante; que o depoente recebia, por mês, de R$ 4.000,00 a R$ 6.000,00; que esses valores eram transferidos a cada 8 dias, ou melhor, semanalmente; que, por semana, recebia, em média, de R$ 1.300,00 a R$ 1.500,00; que cada entrega era realizada, em média, de 20 a 30 minutos; que o depoente não poderia realizar atividades particulares durante as entregas, inclusive não podendo sair das áreas de entrega designada; que os intervalos de 15 minutos em que o reclamante não tirava, era de opção dele não tirar". Nada mais. (fl. 1176) Naquela audiência (ata de ID. 3f80891/fl. 1176 e petição à fl. 1179), o reclamante indicou testemunha, utilizando prova emprestada, havendo requerido a utilização dos depoimentos de Gleison Rodrigo Nascimento de Freitas (Processo 0000276 53.2021.5.10.0014); preposto da 1ª reclamada RODRIGO RIBEIRO DOS SANTOS (Processo 0001133 16.2023.5.10.0019) e a preposta da litisconsorte NATHANY PEREIRA DOS SANTOS (Processo 0101014 30.2021.5.01.0069). Já a primeira reclamada indicou como prova emprestada o depoimento da testemunha EDGAR VIEIRA BUENO, ouvida Processo 0000689-93.2021.5.10.0005 (ID. a1a638f/fl. 1138). A segunda reclamada requereu (ata de ID. 3f80891/fl. 1176 e petição à fl. 1225) a utilização dos depoimentos das testemunhas Henrique Vieira Santos (Processo n. 0000122-89.2020.5.12.0054) e Wagner Silva Figueiredo (Processo n. 1000263-28.2022.5.02.0401). Passo a transcrever: Depoimento de Gleison Rodrigo Nascimento de Freitas (000276-53.2021.5.10.0014): "Depoimento: que a profissão do depoente é motoboy; que o depoente trabalhou para a primeira reclamada, esta como operador logístico, no período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021, realizando entregas de comida do IFOOD; que foi o depoente quem se cadastrou diretamente na plataforma IFOOD, tendo se vinculado à primeira reclamada, para em enviou os dados bancários, a CNH e o documento do veículo do depoente; que as escalas dos motoboys eram feitas pelo operador logistico, de acordo com a necessidade de tal operador logisticos; que o motoboy poderia informar os dias e horarios de sua disponibilidade, mas quem decidia era o operador logistico, sendo que se o motoboy não pudesse trabalhar determinado dia ou horário, era retirado da escala e sofria desconto, no valor médio de R$45,00 por turno não trabalhado; que nos turnos nos quais o depoente não estava escalado pela primeira reclamada, poderia trabalhar para outras plataformas digitais; que o depoente não sabe informar o motivo de o reclamante ter saido da primeira reclamada; que o reclamante prestava serviço de acordo com a escala fixada pela primeira reclamada, sendo que o reclamante geralmente laborava nos tres turnos das 10h00 às 15h00, das 15h00 às 18h00 e das 18h00 às 22h30; que o aplicativo IFOOD disponibilizava opção de pausa de 20 minutos para os motoboys, sendo que normalmente como havia alta demanda, o motoboy não conseguia acionar tal pausa no aplicativo, sendo que tal pausa não estava disponivel no turno das 10h30 às 15h00, mas apenas nos outros turnos; que a primeira reclamada não fiscalizava ou gerenciava os motoboys, salvo o acompanhamento da localização por GPS pelo aplicativo, sendo que também conseguia logar e retirar o login dos motoboys no aplicativo; que a primeira reclamada contactava os motoboys por meio de mensagem no TELEGRAN, onde enviava as escalas e postava alguma reclamação dirigida ao motoboy; que o motoboy precisava ter moto propria para prestar serviços para a primeira reclamada; que o reclamante e o depoente laboravam em todos os feriados; que o depoente e o reclamante usufruiam de uma folga semanal, que não era gozada nos sábados e domingos; que a remuneração dos motoboys era calculada por entregas realizadas, sendo paga semanalmente pela primeira reclamada, que recebia o repasse do valor das entregas pelo IFOOD; que se o motoboy estivesse com dificuldade de logar no aplicativo no turno escalado, a primeira reclamada tentava resolver o problema, sendo que caso não fosse resolvido o problema, resultava na retirada do motoboy daquela escala; que depoente e reclamante realizavam cada um de 15 a 25 entregas por dia; que um motoboy rodava no mínimo 150 km por dia e no máximo 200/250 km por dia, variando mas acordo com a demanda do aplicativo; que não era permitido ao motoboy recusar entrega nem desligar o aplicativo; que no ato do cadastramento no aplicativo, o motoboy poderia escolher o Estado e a cidade de atuação, mas não poderia escolher a região de sua preferência, sendo que no caso do DF a única cidade disponível é BRASILIA; que o reclamante prestava serviços mais em AGUAS CLARAS e TAGUATINGA; que no inicio, a primeira reclamada mantinha o depoente em escala em todos os turnos do dia, mas posteriormente o depoente passou a ser escalado apenas de quarta a domingo, sem justificativa" NADA MAIS." (ID. 900a58d/fl. 1183, grifos acrescidos) Depoimento do preposto da primeira reclamada Rodrigo Ribeiro dos Santos (0001133-16.2023.5.10.0019): Depoimento pessoal do preposto da primeira reclamada: que os entregadores entram em contato com a OL; que então a OL solicita ao interessado cópia do documento RG e da CNH; que então a OL envia os dados para o IFOOD; que é necessária a aprovação do IFOOD, então o motoboy fica disponível para realizar entregas; que antes mesmo de procurar a OL, o motoboy baixa o aplicativo IFOOD e faz o seu cadastro; que em alguns casos o próprio IFOOD já autoriza e em outros o motoboy fica em uma lista de espera; que depois desse cadastro o motoboy procura a OL; que as chamadas/entregas chegam através do referido aplicativo, que o motoboy já baixou; que o motoboy tem a opção de rodar via nuvem ou através de OL; que à época do reclamante, ele poderia passar seu cadastro para um terceiro rodar, isso porque ainda não era exigida a selfie, mas essa conduta seria de total responsabilidade do motoboy; que o mesmo poderia ocorrer no modo nuvem; que o diferencial das entregas via OL é que o operador logístico faz a gestão das entregas, com isso haverá um volume maior de entregas para o motoboy e a organização das entregas; que o depoente não sabe informar se o motoboy poderia se cadastrar em mais de uma OL; que se o motoboy não estiver online (no turno) ele não recebe pedidos; que o IFOOD exige que as vagas disponibilizadas para cada turno sejam preenchidas; que o IFOOD não exige metas de entrega; que se OL não cumrpir as exigências do IFOOD, não recebe; que o entregador pode optar por ficar dedicado ou regular, no caso do dedicado, o motoboy fica "dedicado em uma área", recebe principalmente pedidos daquela área, mas se foi à outra região fazer uma entrega e aparece um pedido, ele pode fazer a entrega para outra região, que o regular não fica dedicado em determinada área, escolhe onde vai ficar; que o reclamante fazia referida escolha semanalmente, mas tinha opção por dedicado; que a OL tinha como saber onde o reclamante estava, pois o próprio cliente tinha como saber, a tecnologia possibilitou isso; que se o reclamante estivesse fora da área do dedicado, a reclamada entraria em contato com ele e o informaria que ele estava fora da área escolhida, que então não chegariam os pedidos e oportunizaria ao reclamante mudar para regular; que o reclamante podia fazer entregas para outros aplicativos ou restaurantes durante o turno em que estivesse rodando pela OL; que o preenchimento do formulário pelo motoboy não garantia, por si só, que o motoboy rodaria nos turnos assinalados, dependia também da disponibilidade de vagas; que no caso de número maior de candidatos do que de vagas, seria dada prioridade aos que preencheram o formulário primeiramente; que a própria OL definiu esse critério; que a própria OL fazia o repasse ao reclamante do pagamento das entregas realizadas; Nada mais. (ID. 5e9d989/fl. 1187) Depoimento da preposta da segunda reclamada NATHANY PEREIRA DOS SANTOS (Processo 0101014-30.2021.5.01.0069). Depoimento pessoal do preposto da ré: que o entregador pode prestar serviço para a empresa no sistema "nuvem" ou no sistema de vinculação à uma OL; 2. que o entregador, quando tem problema de pagamento ou relativo às entregas, trata diretamente com a OL, já que a empresa não interfere nesse trabalho; 3. que a primeira ré teve contrato de OL com a empresa; que a empresa, ao receber a requisição da entrega, repassa o dado para a OL; que se a OL aceitar a entrega, a empresa repassa para a OL os dados completos para permitir a entrega; que então a OL repassa esses dados a um dos entregadores a ela vinculados; que confrontada com o documento de id 6bead1a, folha 848, disse que o TEMPO ONLINE PARA COMPARTILHAMENTO DE ENTREGAS é o período que a OL fica disponível para receber encomendas da empresa; que no mesmo documento a TAXA DE ACEITAÇÃO NO COMPARTILHAMENTO DE ENTREGAS corresponde ao percentual de encomendas aceitas pela OL; que no mesmo documento a TAXA DE CONCLUSÃO NO COMPARTILHAMENTO DE ENTREGAS corresponde ao total de entregas efetivamente realizadas; que os entregadores da OL se cadastram no Ifood, mas vinculados à OL; que a ausência de entregadores ou a sua substituição é matéria que toca a OL; que o Ifood exige da OL um determinado nível de positivação das entregas; que os valores devidos pela entrega, que são calculados pela distância percorrida, são fixados pela empresa e entregues à OL. Nada mais. (ID. f580ea2/fl. 1191) Depoimento da testemunha EDGAR VIEIRA BUENO, ouvida Processo 0000689-93.2021.5.10.0005 (ID. a1a638f/fl. 1138): Depoimento: que presta serviços às reclamadas como motoboy; que presta serviços vinculado à primeira reclamada desde fevereiro de 2022, mas presta serviços ao Ifood há cerca de 5 anos, sempre vinculado a outras operadoras logísticas; que já viu o reclamante, não se recorda o local; que, com relação às escalas de trabalho, funciona da seguinte forma: toda sexta-feira, o depoente preenche uma escala da semana seguinte, informando os dias e turnos nos quais trabalhará, de acordo com a sua disponibilidade, sendo que todos os dias a reclamada informa sua área de atuação no dia, de acordo com os turnos escolhidos; que o depoente tem trabalhado todos os dias porque atualmente é a sua única fonte de renda, mas em caso de não ter disponibilidade em determinados dias, por motivos particulares, basta informar que a primeira reclamada providencia outra pessoa para a escala; que em caso de problema de saúde, não há necessidade de apresentar atestado médico; que o pagamento é feito de acordo com a quilometragem percorrida, sendo que o cálculo é feito pela própria plataforma Ifood e o valor é repassado ao entregador pela primeira reclamada; que a remuneração não é feita por taxa de entrega, mas sim por quilometragem rodada, até porque existem entregas grátis na plataforma, mas os entregadores não trabalharam de forma gratuita; que o cadastro na plataforma é feito pelo próprio entregador, na modalidade "nuvem", mas quando opta por trabalhar pela OL, o entregador migra para a a empresa, sendo que não pode atuar das duas formas, mas pode voltar a atuar "nuvem" quando se desvincula da OL; esclarece que isso ocorreu no caso do depoente, que já era cadastrado como "nuvem', pois atualmente os entregadores estão fazendo o cadastro por meio da OL, já que o cadastro como "nuvem" na plataforma do Ifood está demorando muito, já que esta se encontra sobrecarregada; que é o entregador que escolhe quantos turnos vai trabalhar no dia, podendo haver variação quanto ao número de turnos de acordo com o dia; que existem 3 turnos: almoço, de 10h30 às 14h, lanche, de 14h às 18h, e jantar, de 18h às 22h; perguntas do(a) procurador(a) primeira d que existe contrato escrito entre o entregador e a OL; que em cada turno existe um intervalo de 20 minutos, que o entregador usa da forma como quiser, denominados "pausas"; que o APP dá opções de períodos para a pausa, e o entregador escolhe, sendo que no período escolhido, a plataforma o coloca como "indisponível"; que existe a opção de pausa ao término do turno, para ser liberado mais cedo; que a OL dá o suporte ao entregador quando ocorre algum problema, seja com o veículo, seja com o pedido, sendo que isso se dá no próprio APP do Ifood; que caso o entregador esteja fora da área de atuação, recebe uma mensagem da OL para que este informe o que está acontecendo; que em caso o entregador pare de atuar durante o turno, ou saia da área deliberadamente, não sabe exatamente a consequência porque nunca agiu dessa forma; que o entregador pode logar em qualquer momento e em qualquer local, mas é a OL que libera para receber pedidos; que é possível rejeitar a entrega, todavia o depoente não trabalha dessa forma; perguntas do(a) procurador(a) da sem perguntas; segunda reclamada: perguntas do(a) procurador(a) da reclamante: que não sabe se existe um número de vagas estabelecido para cada área; que os ajustes sobre turnos de trabalho e outros são feitos no grupo de Telegram da primeira reclamada; que a escala do depoente é feita de forma individual, assim, o depoente não tem conhecimento sobre as demais escalas dos outros entregadores, sendo que não são divulgadas aos demais participantes do grupo; que se o entregador sai da área de atuação, fica bloqueado; esclarece que a área de atuação pode ser determinada zona ou pode ser "livre", quando o entregador fica disponível para toda cidade de Brasília; que é a OL quem estabelece a zona de atuação, conforme já informado, podendo ser "livre" ou não, o que é informado diariamente ao entregador; que quando está na escala "livre", não há bloqueio porque não há zona específica de atuação; que para ser um entregador, é exigido veículo, seja moto ou bicicleta; que no cadastro do Ifood, seja direto pelo entregador, seja intermediado pela OL, é preciso registrar se o veículo é moto ou bicicleta e no primeiro caso, tem que apresentar o documento; que a OL tem conhecimento se o entregador está online ou offline na plataforma; que o depoente nunca teve problemas relacionados a pagamento, mas se os tiver, tratará com a OL, esclarecendo que no próprio extrato do Ifood consta os valores que lhe são devidos; que o tempo da entrega é estabelecido na plataforma Ifood, sendo inclusive maior que o necessário, mas se for excedido não há problema; que se ocorrer algum acidente, o próprio depoente informa à OL, e se tiver algum problema com a moto, ele tenta primeiro resolver com algum entregador que esteja próximo. (ID. a1a638f/fl. 1142) Depoimento da testemunha Henrique Vieira Santos (Processo n. 0000122-89.2020.5.12.0054): DEPOIMENTO DA 1ª TESTEMUNHA, Sr(a). Henrique Vieira Santos, CPF 385044778-27. Advertido(a) e compromissado(a), inquirido(a), respondeu que: o depoente trabalha para a 2ª ré desde 2015 na área de logística, apurando resultados de logística, angariando restaurantes, SLA de atendimento; o contrato existente entre a 2ª ré e os operadores logísticos são contratos de intermediação de negócios; operador logístico é uma empresa especializada de delivery que firma esse contrato com a 2ª ré para realizar as entregas dos restaurantes; a 2ª ré não aplica multas aos entregadores ou aos operadores logísticos; se determinado entregador não realiza a entrega, não recebe o valor correspondente e para a 2ª ré não faz muita diferença, pois é designado um outro entregador; o cadastro do entregador é feito mediante o download do aplicativo Ifood para entregadores, inserção de dados e de foto e a aceitação dos termos de uso; depois disso o próprio sistema faz a verificação dos dados e a validação e o entregador já está habilitado para as entregas; esclarece que é feita uma validação pelo próprio sistema e depois o operador logístico ativa a operação pelo aplicativo; questionado se há diferença entre os cadastros de um entregador que atua por meio de uma empresa e de um entregador que trabalha sozinho, disse que a única diferença é que no caso de entregador de operador logístico é feita essa ativação pelo operador, e no caso do entregador nuvem basta a validação pelo sistema; no caso da existência do operador logístico, o pagamento é feito pela 2ª ré ao operador, e não diretamente ao entregador; o entregador sabe que é vinculado a um operador logístico, tanto que isso aparece no aplicativo dele; a 2ª ré não fornece mochilas térmicas; as mochilas que os entregadores usam são compradas pelos operadores ou pelos próprios entregadores; a 2ª ré não exige o uso da mochila com o seu logotipo, podendo o entregador usar uma mochila genérica ou até de outra empresa; a fonte de lucro da 2ª ré é a mensalidade que os restaurante pagam pelo uso da plataforma e a comissão que eles pagam por cada item vendido por meio da plataforma; a 2ª ré não tem relatório de entregas de cada entregador; é o operador logístico que faz os pagamentos aos seus entregadores; o autor não recebia ordens da 2ª ré; o login no aplicativo é feito por email e senha; a 2ª ré está sediada em Osasco; o aplicativo funciona 24h; caso existam escalas de trabalho dos entregadores, acredita que sejam elaboradas pelos operadores logísticos; a 2ª ré não interfere nessas escalas; a 2ª ré só efetua bloqueio de entregadores em exceções extremas, relacionadas ao descumprimento dos termos de uso do aplicativo, como por exemplo se comete uma fraude ou uma agressão a cliente ou a empregado de restaurante; o autor não era monitorado pela 2ª ré; o autor poderia recusar entregas; não havia penalidade se o autor não se logasse no aplicativo, ressalvando que não receberia entregas; o autor poderia se logar concomitantemente em outros aplicativos de entrega; conhece a 1ª ré, que tinha contrato de intermediação de negócios com a 2ª ré, mas não sabe detalhar as cláusulas desse contrato; não considera que o contrato seja de terceirização; a principal obrigação que o operador logístico tem por força desse contrato é realizar as entregas do restaurantes; os pagamentos ao operador logístico são feitos pela 2ª ré quinzenalmente e consistem em um comissionamento com base no valor das entregas; questionado se existe um relatório com o valor devido a cada operador logístico, disse que consegue visualizar no banco de dados o valor devido, e não um detalhamento de todas as entregas por ele efetuadas; a 1ª ré não é a única operadora logística que tem contrato com a ré na grande Florianópolis, estimando que existam 8 na região; não lembra os nomes dessas outras empresas. Nada mais. (ID. 0d9ee86/fl. 1032) Depoimento da testemunha Wagner Silva Figueiredo (Processo n. 1000263-28.2022.5.02.0401): Depoimento: "que trabalha no Ifood desde junho de 2019; que exerce a função de consultor de operações logísticas; que atua como ponto focal das empresas OL's; que qualquer problema que as empresas OL's têm, o depoente procura alguém dentro do Ifood para resolver; que as empresas OL (operadores logísticos) fazem a gestão das frotas e entregadores que eles possuem; que as empresas OL podem fazer entregas para outros aplicativos, mas não sabe dizer se elas de fato fazem ou não; que o Ifood possui contrato de intermediação de negócios com a THL; que a empresa THL recebe o valor estipulado no contrato para intermediar os negócios do Ifood; que o entregador "nuvem" é o entregador autônomo; que o entregador "OL" é vinculado a um operador logístico; que o entregador somente é bloqueado pelo aplicativo se descumprir os termos de uso do mesmo; que o aplicativo possui botão de pausa para que o entregador faça uma pausa entre os turnos de entrega; que a pausa é de 15 minutos; que o entregador é que faz a pausa no aplicativo". Nada mais. (ID. bdefb82/fl. 1038) Restou claro, pelos depoimentos acima, a forma de atuação da primeira reclamada, na condição de operadora logística da plataforma Ifood. A empresa interposta contratava motociclistas e os direcionava para realizar as entregas solicitadas por meio da plataforma, mediante recebimento por entrega. E a referida empresa de logística recebe o pagamento proporcional ao número de entregas realizadas pelos motociclistas que contrata. Como se extrai do depoimento de Gleison, o entregador não tem a opção de definir o próprio horário de trabalho, devendo submeter-se à escala feita pela 1ª reclamada. Veja-se que se os entregadores não pudessem trabalhar em determinado dia ou horário, sofriam a penalidade de serem retirados da escala e sofrerem descontos, o que não se coaduna em absoluto com a tese de labor autônomo. Tampouco era permitido ao motoboy recusar entrega ou desligar o aplicativo. Edgar corroborou as informações prestadas por Gleison e acrescentou "toda sexta-feira, o depoente preenche uma escala da semana seguinte, informando os dias e turnos nos quais trabalhará, de acordo com a sua disponibilidade, sendo que todos os dias a reclamada informa sua área de atuação no dia, de acordo com os turnos escolhidos". Declarou ainda que, "a escala do depoente é feita de forma individual, assim, o depoente não tem conhecimento sobre as demais escalas dos outros entregadores, sendo que não são divulgadas aos demais participantes do grupo; que se o entregador sai da área de atuação, fica bloqueado". Ainda quanto à folga semanal, a testemunha Gleison informou sobre a ausência de liberdade dos entregadores para defini-las, não sendo ela concedida aos sábados ou domingos. Veja-se que a preposta do Ifood informou que é "a primeira ré teve contrato de OL com a empresa; que a empresa, ao receber a requisição da entrega, repassa o dado para a OL; que se a OL aceitar a entrega, a empresa repassa para a OL os dados completos para permitir a entrega; que então a OL repassa esses dados a um dos entregadores a ela vinculados". O preposto cujo depoimento foi acima transcrito informou que "os entregadores da OL se cadastram no Ifood, mas vinculados à OL; que a ausência de entregadores ou a sua substituição é matéria que toca a OL; que o Ifood exige da OL um determinado nível de positivação das entregas". Constata-se assim, que a primeira reclamada aplicava punições e agia como verdadeira empregadora, estipulando horário de trabalho, controlando e vigiando os motociclistas e fixando punições para quem a desobedecesse. De fato, era a primeira reclamada quem selecionava e contratava os motociclistas que lhe iriam prestar serviços, definia o local da prestação de serviços, bem como as escalas a serem cumpridas e aplicava punições em caso de não obediência estrita aos comandos designados. Ademais, não poderiam recusar entregas, sob pena de punição - ficar sem poder fazer entregas, por retirados da escala. A alegada liberdade de horário também não prevalece ante o fato de que a opção de "pausa" no aplicativo ficava indisponível em momentos de alta demanda, como à noite, feriados e finais de semana. E mais, os entregadores tampouco poderiam optar por não logar, pois nessa hipótese, sofreriam sanções. As mais relevantes características presentes na relação de trabalho envolvendo plataforma digital, ressaltando que no caso concreto a plataforma era pertencente à segunda reclamada (Ifood), e os entregadores motociclistas cadastrados em seu aplicativo eletrônico, por intermédio da primeira reclamada, são as seguintes: 1) contratação ou o cadastramento de motociclistas na Plataforma Ifood era realizada por meio eletrônico, por intermédio da primeira reclamada; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos entregadores; 3) cancelamento de entregas resulta em cobrança e necessidade de esclarecimentos; 4) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 5) o preço de qualquer entrega é definido unilateralmente pela segunda reclamada; 6) as reclamadas aplicam aos seus entregadores punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 7) os entregadores podem ser expulsos da plataforma; 8) a primeira reclamada elabora escala a ser cumprida pelos entregadores; 9) o motociclista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao cliente; 10) as reclamadas não assumem quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de entregas e transportes. A partir das mais notáveis características descritas nas provas trazidas a estes autos, é forçoso concluir que estamos diante de uma relação de trabalho de natureza assalariada e subordinada, cujas atividades obreiras eram rigorosamente controladas pela plataforma digital, em seus mínimos detalhes. Mais adiante trataremos de forma pormenorizada de cada um dos requisitos da relação de emprego, tomando em conta a prova destes autos, reveladora da prestação pessoal de serviços pela parte reclamante, de forma personalíssima, em caráter não eventual, mediante assalariamento e subordinação jurídica. 2.1.2. INSERÇÃO DA TECNOLOGIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO TEMPO DA ROBÓTICA E DA INDÚSTRIA 4.0. PLATAFORMAS DIGITAIS. O LABOR GUIADO POR APLICATIVOS ELETRÔNICOS. CARACTERÍSTICAS GERAIS IDENTIFICADAS POR ESTUDOS SOCIOLÓGICOS. MANUTENÇÃO DO ASSALARIAMENTO OBREIRO Na atual etapa de desenvolvimento das forças produtivas, a reestruturação promovida pelo capital exige o incremento de novas tecnologias destinadas a legitimar o processo político de desregulação e precarização de todas as relações de trabalho, conferindo-se, assim, dimensão concreta ao ideário neoliberal de retomada da liberdade sem restrições aos agentes econômicos. A revolução da microeletrônica ora em curso insere-se como efetiva necessidade do sistema econômico para aumentar a precarização do trabalho, jamais para melhorar a vida da classe trabalhadora. Aliás, esta "é condição histórico-estrutural do desenvolvimento do próprio capitalismo global"1. Em tempos de maquinofatura da 4ª Revolução Industrial, a robótica assume papel de relevo na acumulação capitalista, cujos novos equipamentos radicalizam a divisão do trabalho, o estranhamento, a obsolescência de algumas atividades laborais e a precarização do trabalho vivo. Na compreensão do sociólogo Giovanni Alves, Professor da Unesp de Marília, "Na medida em que o "novo saber" assume um papel estratégico na produção do capital constante, constituído cada vez mais pelo "trabalho morto" inteligente- diga-se de passagem, "inteligência artificial"-, abre-se um campo de luta, de tensão entre formalização do "trabalho vivo" criador do "trabalhador morto", pela captura da subjetividade da força de trabalho como trabalho vivo, trabalho vivo reduzido mas indispensável( e ineliminável)'à produção do capital, com a tentativa perpétua de formalização do trabalho vivo reduzido ou do trabalho imaterial, adequando-o à materialidade do trabalho abstrato. O que explica, portanto, a recorrente de novas formas de gestão de pessoas nos locais de trabalho. Inúmeras tarefas laborais são executadas a partir de instrumentos eletrônicos programados para a emissão de ordens e outros comandos inerentes a uma cadeia produtiva bastante hierarquizada, com especial destaque para as denominadas plataformas eletrônicas oferecedoras dos serviços de transporte urbano de pessoas e mercadorias"2. É que ocorre segundo modelo de inserção das plataformas eletrônicas nas relações de trabalho, meio este utilizado para condensar de forma exponencial "trabalho morto" no processo produtivo, elevando o grau de precariedade de todas as formas de labor humano. Na verdade, o modo de produção capitalista incorporou roupagem sofisticada ao seu figurino raiz baseado na permanente necessidade da geração de mais-valor, tentando escamotear a sua verdadeira face(ação) humana ou não humana com miúdos dispositivos da robótica, elementos da microeletrônica os quais não acumulam riquezas materiais nem ficam com parte do valor decorrente da ausência de remuneração do trabalho vivo, muito menos desfrutam depois do paraíso construído pela opulência burguesa. Trata-se, inegavelmente, de engenhoso meio de prestação laboral, na área de serviços, que tenta refutar a existência da figura do capital no comando de todas as ações. Por isso mesmo, os aplicativos eletrônicos pertencentes a conglomerados econômicos são apresentados como generosos facilitadores da vida moderna em sociedade, embora a razão de sua existência repouse na extração de ganhos monetários a partir do trabalho alheio. Estamos diante de mais um salto tecnológico projetado com o intuito de aumentar a potencialidade lucrativa inerente ao sistema capitalista de produção, como assim o foram tantos outros avanços industriais ao longo dos dois últimos séculos, nenhum deles, registre-se, conseguindo apagar da história o ardente conflito entre as classes sociais da burguesia e do proletariado. Em tempos de "Gig-economy, platform economy, sharing economy, crowdsourcing, on-demand economy, uberização, ifoodização, crowdwork, trabalho digital", pesquisas recentes descrevem as principais condições de trabalho de motoristas, entregadores ciclistas, motociclistas e de outros profissionais prontos para cumprir a rotina rigorosamente controlada por plataformas, quais sejam: I) os proprietários dos aplicativos eletrônicos selecionam quem está apto a trabalhar; II) delimitam de modo exaustivo o que pode ser feito ou não pelo contratado no exercício de suas atividades laborais, fixando as suas tarefas, obrigações e responsabilidades; III) impedem a captação de cliente pelo trabalhador contratado, prerrogativa exclusiva da empresa; IV) descrevem de forma pormenorizada todas as atividades do contratado; V) fixam o prazo máximo a ser executado, quanto à entrega do serviço oferecido ao cliente; VII) estabelecem de forma unilateral os valores a serem recebidos; aplicam promoções e sanções aos trabalhadores, por força do uso do algoritmo; VIII) impõem regras de convivência entre os trabalhadores e clientes e entre aqueles e as suas gerências; exigem assiduidade laboral; IX) pressionam os trabalhadores pelo aumento da jornada; realizam ameaças aos seus trabalhadores contratados e promovem dispensas sem quaisquer justificativas.3 Conforme avalia o sociólogo Ricardo Antunes, aproveitando-se dos tempos de pandemia da Covid-19, o capital promoveu a intensificação do uso de formas precárias de trabalho, notadamente a partir do fenômeno da "uberização" como método de trabalho para muito além do aplicativo de transportes. Cuida-se da utilização de ferramentas eletrônicas com o intuito de conseguir trabalho vivo (humano) informal e por preço irrisório. Hoje, essa modalidade de precarização das relações de trabalho já alcançou inúmeras atividades e categorias profissionais, todas elas sem direitos do trabalho. Para o Professor da Unicamp, "Como as corporações globais sabem melhor do que ninguém que a força de trabalho é uma mercadoria especial, uma vez que é a única capaz de desencadear e impulsionar o complexo produtivo presente nas cadeias produtivas globais que hoje comandam o processo de criação de valor e de riqueza social, os capitais aprenderam bem, ao longo destes quase três séculos de dominação, a lidar com (e contra) o trabalho. Sabedores de que, se efetivassem a completa eliminação do labor, eles se veriam na incômoda posição de extinguir seu próprio ganha-pão, sua alquimia diária, cotidiana e ininterrupta está voltada indelevelmente para reduzir ao máximo o trabalho humano necessário à produção. E assim se faz por meio da introdução compensadora do arsenal maquínico-informacional-digital disponível, ou seja, pelo uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), "internet das coisas", impressão 3D, big data, inteligência artificial, tudo isso enfeixado, em nossos dias, na mais do que emblemática proposta da indústria 4.04." Ao se servirem do trabalho alheio para a obtenção de ganhos econômicos, seja sob a forma de lucro ou de mais-valor, independentemente do método aplicado para o controle do labor humano, os donos dos respectivos empreendimentos são capitalistas em sua expressão mais fiel de acumulação de riquezas calcada naquele pressuposto inicial do uso de trabalho vivo de terceiros para o sucesso do negócio. Tal como ocorrera em outras revoluções tecnológicas, a era da cibernética introduz elementos novos no processo produtivo, sem desnaturar, contudo, as relações sempre identificadas a partir de polos rasgadamente distintos. De um lado, portanto, a corporificação da riqueza material concentrada nas mãos dos proprietários dos meios de produção e, do outro, o sujeito que precisa vender a sua força de trabalho ao capital para sobreviver. Os professores Ricardo Antunes e Vítor Filgueiras descortinam o objetivo nuclear das plataformas eletrônicas voltado para negar a existência de assalariamento na relação de trabalho mantida com motoristas e outros profissionais: "Em nosso entendimento, entretanto, a chamada uberização do trabalho somente pode ser compreendida e utilizada como expressão de modos de ser do trabalho que se expandem nas plataformas digitais, onde as relações de trabalho são cada vez mais individualizadas (sempre que isso for possível) e invisibilizadas, de modo a assumir a aparência de prestação de serviços. Mas, os traços constitutivos de sua concretude, como veremos a seguir, são expressão de formas diferenciadas de assalariamento, comportando tanto obtenção de lucro, exploração do mais valor e também espoliação do trabalho, ao transferir os custos para seus/suas trabalhadores/as que passam a depender diretamente do financiamento de suas despesas, que são imprescindíveis para a realização de seu labor. [...] Conjugando o rótulo do trabalho autônomo (ou a negação da própria relação de trabalho) com o contrato por tarefa, o/as trabalhadores/as, além de não terem salário, renda ou jornada garantida em seus contratos, não gozam de qualquer direito, mesmo quando conseguem um serviço. Assim, a grande novidade na organização do trabalho introduzida pelas novas TIC é, além de potencializar exponencialmente as formas de obtenção de lucros e até mesmo de extração do mais valor, é o de permitir que as empresas utilizem essas ferramentas como instrumental sofisticado de controle da força de trabalho, de que são exemplos o registro em tempo real da realização de cada tarefa, velocidade, local e movimentos realizados; a mensuração das avaliações; tudo sob o aparente comando dos algoritmos. E este novo fetiche do mundo tecnológico do capital permite, ao mesmo tempo, que se expanda o ideário fetichizado de que tudo está sob impulsão de uma neutra tecnologia, autônoma, quando é a engenharia informacional do capital que tem de fato o comando do algoritmo e, portanto, dos ritmos, tempos, produtividade e eficiência no universo microcósmico do trabalho individual, tendência que não para de se acentuar com a proposta da chamada Indústria 4.0., como se esta fosse um imperativo inexorável da tecnologia" 5. O assalariamento e o controle rigoroso de todas as atividades laborais desenvolvidas por intermédio de plataformas digitais integram a rotina de trabalhadoras e trabalhadores, não apenas pela obtenção de renda decorrente da venda da força de trabalho ao capital cibernético, mas também, por características comuns marcadas pela extrema submissão obreira aos verdadeiros donos do negócio. Além disso, os donos dos aplicativos são responsáveis pelo controle mais absoluto de todo o processo de trabalho, sem que a parte obreira contratada possa interferir em qualquer uma de suas etapas senão adequar-se silenciosamente ao padrão extremamente rigoroso orientado pela nova dinâmica, no âmbito do capitalismo cibernético ávido por apagar do cenário a figura da pessoa trabalhadora e, consequentemente, o conflito social de natureza trabalhista. Impõe-se, na atual quadra, para o sistema econômico, a despersonalização completa da figura do trabalhador, praticamente desaparecendo ele, por exemplo, no ato das terceirizações cujas pessoas jurídicas contra quem reivindica são frágeis ficções ou correias de transmissão da mais-valia sem sobressaltos, verdadeiros anteparos fantasmagóricos da realidade de um capital que se esconde com o receio do conflito social, daquele tênue embate do dia a dia por salário digno ou respeito à jornada contratual até o acirramento classista mais agudo. No trabalho por plataformas digitais o quadro de tentativa de apagamento social obreiro se agrava consideravelmente: o trabalhador tem igual importância àquela conferida ao veículo novo por ele comprado em longas prestações como condição para ser admitido pelo serviço de transportes de uma determinada empresa da Gig-economy. Sim, porque esta força de trabalho humana, pela lógica das plataformas digitais, não é detentora de direito social inerente a qualquer pessoa que dispende o seu labor por conta alheia, além de ser tratada como algo autômato, uma espécie de sujeito cuja direção da vida profissional e social possui os seus caminhos traçados por quem manipula e controla a tecnologia. A invisibilidade da pessoa trabalhadora como método voltado ao lucro e à produção de mais-valor não deve, contudo, ser chancelada pelo Direito, notadamente pelo Direito do Trabalho avesso a todas e quaisquer formas de mistificação da realidade de relações laborais ainda guardadas por gigantescas assimetrias entre os donos dos meios de produção e os vendedores da força de trabalho. Nessa senda, a premissa inicial, considerando o modelo de relação existente entre os proprietários das plataformas digitais e os trabalhadores que lhes prestam serviços, bem como as características declinadas anteriormente, resulta no reconhecimento de dois polos muito bem definidos, quais sejam, os tomadores de serviços e os seus respectivos prestadores de trabalho. Aliás, nunca é demais ressaltar que o aplicativo não é um meio neutro no serviço oferecido a clientes diversos. Trata-se tão somente de dispositivo eletrônico apropriado e manipulado exclusivamente pelo dono deste capital cibernético. Do outro lado, a força motriz do serviço prestado não é o veículo utilizado para transportar pessoas e produtos, muito menos a plataforma digital, senão a figura da pessoa trabalhadora detentora de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, pelo Direito Internacional do Trabalho e pela legislação infraconstitucional. Os proprietários das plataformas digitais, por intermédio de contrato composto de cláusulas por eles previamente definidas, admitem e assalariam trabalhadoras e trabalhadores com a finalidade de oferecer serviços por custo financeiro reduzido aos seus clientes, sendo aquelas pessoas, donas dos aplicativos e prestadores de trabalho, partes nítidas de uma relação jurídica de caráter assalariado. O capital e o trabalho continuam, desse modo, entrelaçados em todas e quaisquer atividades realizadas por intermédio de plataformas, aplicativos ou por outros instrumentos eletrônicos. Em outras palavras, sob a perspectiva crítica, sociológica ou econômica, os comandos estritamente eletrônicos, programados para o controle de cada um dos atos da parte trabalhadora no desenvolvimento de suas atividades, não são suficientes para fazer desaparecer do mundo real e concreto o sujeito capital na relação com o trabalho humano. Embora o paradigma guardado pelo simples encontro do capital com o trabalho em uma determinada relação devesse ser motivo suficiente para atrair a proteção juslaboralista por parte do ordenamento jurídico nacional e internacional, considerando a própria origem do Direito do Trabalho como resultado material da luta de classes de caráter econômico e político, a ótica predominante dos juristas, contudo, exige a satisfação de outros pressupostos e requisitos. Em outros termos, enquanto para a Sociologia crítica há capital e trabalho vivo nas relações desenvolvidas por intermédio de plataformas digitais ou aplicativos eletrônicos, no campo do Direito do trabalho, todavia, frise-se, há necessidade de realizar outras incursões complementares aos apontamentos sociológicos, análises essas dotadas de conteúdo jurídico, para se aferir a existência ou não da relação de emprego protegida pelo ordenamento constitucional, supralegal e legal em vigor, análises a serem feitas em outros tópicos deste voto. Com as partes definidas - donos dos aplicativos e trabalhadores contratados sob a lógica das plataformas-, o passo seguinte importa na análise do tratamento constitucional e do direito internacional dispensado ao trabalho regulado, assim como a avaliação da presença ou não dos supostos da relação de emprego no trabalho prestado pela gente trabalhadora por intermédio de plataformas digitais, conforme legislação infraconstitucional. 2.1.3. TRABALHO FORMAL E REGULADO PROTEGIDO. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO. DIREITO INFRACONSTITUCIONAL Propaga-se pelos mais variados meios ser imprescindível retirar direitos da classe trabalhadora para propiciar o crescimento econômico e gerar empregos, fórmula velha testada lá fora e aqui, sempre com retumbante fracasso até para o que se propõe discursivamente, sem desprezar, por outro lado, o aumento dos níveis de pobreza em todos os locais nos quais a dosagem do veneno neoliberal fora introjetada na veia da sociedade. Em um mercado de trabalho extremamente desregulado, como é o brasileiro, que também carrega pesada herança de opressão ao labor humano e tem fração desse ranço ainda disseminado na prática das relações sociais, a promoção da política de incentivo à informalidade pode ser o decreto de liquidação institucional do país como nação constitutiva de um povo com direitos econômicos, sociais e culturais. E a informalidade laboral - sequer seria necessário lembrar - atinge a classe trabalhadora, em primeiro lugar, mas também provoca estragos irreparáveis ao conjunto da sociedade, podendo ocasionar a falência do próprio poder público (mitigação no recebimento de contribuições sociais diversas e impostos) e de setores capitalistas de menor porte, que não vivem da usura ou do atraente rentismo oferecido pelo mercado financeiro. No Brasil, sem prejuízo da larga utilização de métodos criados para explorar o trabalho humano sem formalidade legal e sem direitos do trabalho, desenvolve-se frenético movimento na atualidade em prol da imunidade trabalhista legal, qual seja, aquela que confere a determinados setores econômicos e não econômicos a prerrogativa jurídica de não ter, em tese, as suas relações de trabalho regidas pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT(art.3º). São as relações de trabalho nas quais a parte trabalhadora, pessoa física, é declarada antecipadamente pela lei como "autônoma", "parceira" "agente terceirizante" ou sujeito similar sem direitos socais básicos, tais como, férias, 13º salário, previdência social, limitação da jornada e outras condições dignas de labor. Apenas a título de ilustração, notamos que alguns segmentos econômicos relevantes receberam imunidade prévia trabalhista, no sentido de que, observadas as condições estabelecidas na lei respectiva, inexistiria vínculo de emprego com os trabalhadores que lhes prestam labor. Foram contemplados com pretensa imunidade trabalhista, entre outros, os seguintes segmentos: 1) transportadores de cargas na sua relação com os motoristas (Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007); 2) proprietários dos salões de beleza e similares em relação de trabalho mantida com cabeleireiros, manicures e outros profissionais do mesmo ramo (Lei nº 13.352, de 27 de outubro de 2016); e 3) tomadores de serviços domésticos dos trabalhadores denominados diaristas que laboram até duas vezes por semana na mesma residência (Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015). Casos mais antigos foram igualmente tratados com distinção jurídica protetiva aos donos dos negócios, entre os quais destacam-se: 4) cooperativas de trabalho protegidas em detrimento das pessoas que lhes prestam serviços (Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994); 5) imobiliárias e incorporadoras em sua relação de trabalho com os corretores (Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978); e 6) grandes indústrias, fornecedoras e marcas de produtos na relação de trabalho com os representantes comerciais (Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965). Além de categorias econômicas e não econômicas (tomadores de serviços domésticos) como beneficiárias de regime jurídico privilegiado nas relações de trabalho, não é tão rara a contratação de advogadas e advogados por escritórios de advocacia dos mais variados portes sob o manto jurídico da existência do regime de sociedade (profissional da advocacia associado) prevista no Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; Lei nº 13.247, de 12 de janeiro de 2016), cujos direitos do trabalho muitas vezes são depois reivindicados perante a Justiça do Trabalho por pessoas físicas da advocacia as quais refutam veementemente a qualidade de sócio ou associado. Se não bastasse a contrarreforma trabalhista de 2017, esse conjunto de alterações da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) espalha, sem nenhuma pertinência temática com o objeto da CLT, a sua vocação destruidora do juslaboralismo para declarar que a contratação de autônomo, observadas as formalidades legais (Lei nº13.467, de 13 de julho de 2017; art. 442-B), afasta a relação de emprego, até então cuidada com zelo em quase toda a CLT como diploma jurídico existente para regular o trabalho socialmente protegido. Quer-se verdadeiramente estimular a fuga da CLT no âmbito do próprio corpo normativo da Consolidação das Leis do Trabalho. Parece paradoxal a situação. Era como se alguém dissesse em tom de voz moderado que esta é a CLT, o documento infraconstitucional mais relevante de regência das relações de emprego no Brasil para, logo em seguida, proclamar em alto e bom som que aqui também existe trabalho anticeletista à disposição. É o que se deflui da mensagem contida no artigo novo 442-B, incorporado em 2017 à Consolidação das Leis do Trabalho. Nenhuma das leis interpretadas como concessivas de imunidade trabalhista antecipada a determinados segmentos econômicos deveria ter relevância jurídica. Todas elas, leis e empresas, estão submetidas ao crivo da Constituição da República (arts. 7º e 170). E assim também deveria ser porque a CLT estabelece os supostos da relação de emprego, definindo inclusive a qualidade de empregador (art. 2º) e a condição de empregado (art. 3º). Os dispositivos celetistas apontados anteriormente jamais foram, como não poderiam ser, revogados por leis esparsas. Ademais, orienta o Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade, de modo que as formas jurídicas escapatórias do juslaboralismo, mais ou menos sofisticadas ou tão somente improvisadas, não se sobrepõem à realidade, isto é, não superam "ao que sucede no terreno dos fatos", nos dizeres clássicos do saudoso juslaboralista uruguaio Américo Plá Rodriguez6. O problema é o poder simbólico exponencialmente elevado quanto à existência de uma ordem emanada do poder público competente para legislar sobre o Direito do Trabalho e a sua negação, o não-direito do trabalho. Este simbolismo muitas vezes funciona como elemento de construção de suas próprias realidades ideológicas paralelas e de consequente dissolução das resistências ao arbítrio7. Na realidade, deve se atentar para o significado prático quase inexpugnável de leis de imunidade trabalhista aprovadas com a finalidade de afastar a existência da relação de emprego entre determinados setores econômicos e a gente trabalhadora que lhes presta serviço de forma pessoal, em caráter não eventual, mediante remuneração e com a presença de alguma das faces existentes de subordinação jurídica. São leis que, em tese, deixam trabalhadoras e trabalhadores sem direitos do trabalho, sobretudo quando a sua interpretação relega a existência do Direito Constitucional do Trabalho. Muitas dessas leis, como se percebe pelo olhar do fenômeno temporal, são precocemente afinadas com o espírito das plataformas digitais, diante da perspectiva movida pelo estímulo à informalidade laboral. Nasceram antes, portanto, da introdução dos aplicativos eletrônicos nas relações de trabalho. Voltando ao sentido prático das leis de imunidade trabalhista, os donos dos negócios que contratavam antes sem a formalização laboral, inegavelmente, vão continuar com a prática da informalidade, agora mais encorajados pela informalidade consagrada em lei. É pouco provável que os demais integrantes dos setores econômicos alcançados pela imunidade trabalhista, até então mantendo relações de trabalho regidas pela CLT, não adotem igual caminho, até porque uma das leis do mercado é a concorrência magnetizada pelo oferecimento do menor preço do produto e dos serviços aos consumidores, seja qual for o custo social advindo da ferrenha disputa capitalista. E o valor do trabalho vivo, inegavelmente, tem o peso mais expressivo na definição do valor das mercadorias. Quanto mais opressão e exploração sobre o trabalho, menor será o preço da mercadoria por ele fabricada, em uma relação inversamente proporcional. O custo baixo de produtos e serviços frente à concorrência capitalista embute ou esconde necessariamente a precarização das condições de trabalho, como se dá, por exemplo, naquilo oferecido pelas plataformas digitais a sua gigantesca clientela. Nada que não possa haver, por outro lado, trabalho precário extremo empregado para a produção de mercadorias vendidas por alto custo, diante do reconhecimento adquirido pelas marcas nacionais ou internacionais, da publicidade exacerbada em torno da coisa e de todo o conjunto do capital imaterial impregnado no valor do objeto. Todo o quadro exposto anteriormente revela o desafio à regulação e proteção do trabalho humano, muito embora o ordenamento jurídico aponte em direção contrária à informalidade laboral. Nunca é demais relembrar que a Constituição de 1988, resultante do processo político condutor do fim da ditadura militar (1964-1985) e de seu próprio processo constituinte umbilicalmente vinculado ao desmonte das estruturas autoritárias e socialmente excludentes fincadas por governos ilegítimos assentados no poder por um golpe militar (1964), embora repleta de contradições inerentes à tensionada sociedade de classes, possui inegável compromisso com o direito ao trabalho, o direito do trabalho, a organização sindical livre, o trabalho digno e o trabalho regulado. Se não bastassem os primados da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como princípios fundamentais da República ou fundamentos do Estado Democrático de Direito (CRFB, artigo 1º, incisos III e IV), o texto constitucional reconhece o trabalho como direito social fundamental(art.6º), além de realçar o seu compromisso inarredável com o trabalho regulado e protegido pelo Estado (artigo 7º). O trabalho formal e regulado é objeto de cuidadosa normatização, a ponto de a Constituição da República identificar extenso rol de direitos sociais a serem usufruídos pela classe trabalhadora frente aos sujeitos do capital ou de entes sem fins lucrativos que do trabalho alheio se aproveitam. Não é do trabalho sem proteção social que a Constituição brasileira trata. É da proteção social a qualquer tipo de trabalho humano desenvolvido por pessoa natural em prol de empresas ou pessoas as quais recorrem à força de trabalho alheia para o desenvolvimento de suas atividades. Por isso mesmo, toda vez que estiver em debate a existência ou não da relação de emprego entre uma pessoa física trabalhadora e determinada empresa (ou outra forma de organização social) que fez uso dessa força de trabalho em seu benefício, de forma direta ou indireta, há que se ter em mente o caráter compromissório da Constituição brasileira de 1988 com o contrato de trabalho formal e regulado. Na qualidade de texto jurídico revestido do caráter contramajoritário, capaz de não ignorar as acentuadas assimetrias econômicas, políticas e sociais entre o capital e o trabalho, cuja premissa da liberdade do funcionamento do mercado sem regulação estatal esvaziaria por completo todas as normas de conteúdo protetivo ao hipossuficiente, a Constituição da República, para além da exigência do trabalho formal, assegura a organização sindical sem a interferência do Estado e dos patrões (artigo 8º), garante o exercício do direito de greve pela classe trabalhadora (artigo 9º) e proclama que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano (artigo 170). As tentativas vistas no seio da sociedade brasileira, sob a condução das classes empresariais e das instituições públicas representadas pelos poderes constituídos da República, voltadas à desregulação das relações de trabalho e lastreadas em pressupostos da economia de mercado avessa à regulação e formalização das relações de emprego com trabalhadores os quais lhes prestam serviços, expressam, sem nenhuma dúvida, a refutação veemente do texto constitucional de 1988. Em outras palavras, o Direito Constitucional de 1988 deveria ser o suficiente para rechaçar formas fraudulentas de contratação e absorção de mão de obra em prol de atividade empresarial permanente e lucrativa, cujo desempenho prescinde inexoravelmente da força de trabalho humana, sendo a plataforma digital tão somente o instrumento eletrônico ou a máquina dos novos tempos para teleguiar todas as ações a serem empreendidas pela parte obreira. A Constituição da República não proíbe o uso de ferramentas eletrônicas nas relações de trabalho, incluindo as plataformas digitais. Apenas veda a criação de subterfúgios econômicos e jurídicos capazes de colocar em xeque o trabalho regulado e formal nela assegurado, a exemplo das tais plataformas sem responsabilidade social, algo em voga no Brasil, mas que boa parte do mundo, registre-se, começa a despertar para os seus efeitos profundamente perversos com a classe trabalhadora e com o conjunto de cada sociedade organizada sob a modalidade da democracia constitucional formal burguesa. O trabalho prestado por pessoa física, de maneira pessoal, em prol de atividade econômica permanente na área de transporte de gente humana ou produtos, bem como em relação a diversificadas atividades igualmente acionadas a partir de plataformas digitais, no Brasil, é inexoravelmente regulado e protegido pela Constituição da República, sendo inconstitucionais todos e quaisquer atos privados ou públicos consistentes na subtração de direitos sociais à classe trabalhadora, entre outros, as garantias inerentes à limitação da jornada, ao pagamento de horas extras, adicionais, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, à concessão de férias e adoção de medidas contra quaisquer adoecimentos laborais ou acidentes típicos. A prática sonegatória de direitos sociais eventualmente adotada por plataformas eletrônicas é notoriamente ofensiva à Constituição de 1988 (artigos 1º, incisos III e IV; 6º, 7º, 8º, 9º e 170) e à CLT (artigos 3º e 442). De igual maneira, a ausência de formalização do contrato de trabalho mantido entre as partes viola o Direito Internacional do Trabalho incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro (CRFB, artigo 5º, §2º e §3º; caput do artigo 7º; CLT, artigo 8º), tanto por tratados e normas internacionais ratificados pelo Brasil, quanto pelo uso do Direito Comparado, naquilo que não tenha sido objeto de ratificação expressa. As Convenções da OIT - Organização Internacional do Trabalho, como expressão da mais elevada representatividade atinente à incorporação de normas internacionais de proteção ao trabalho humano ao ordenamento jurídico brasileiro, em semelhante perspectiva à Constituição brasileira de 1988, têm como ponto fulcral de sua atividade, a partir da observância do caráter tripartite de seus atos decisórios - patrões, classe trabalhadora e Estados, o respeito ao trabalho regulado e formal. Não por acaso, o objeto central da atuação da OIT é assegurar o exercício de direitos sociais pela classe trabalhadora, entre tantos outros não nomeados aqui, os seguintes: a Abolição do Trabalho Forçado (Convenção nº 29); a Organização do Serviço de Emprego (Convenção nº 88); a proteção ao Trabalho Noturno das Mulheres na Indústria (Convenção nº 89); a Proteção do Salário (Convenção nº 95); o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva (Convenção nº 98); o Salário Igual para Trabalho de Igual Valor entre o Homem e a Mulher (Convenção nº 100); o Amparo à Maternidade (Convenção nº 103); a Abolição das Sanções Penais no Trabalho Indígena (Convenção nº 104); a Abolição do Trabalho Forçado (Convenção nº 105); o Repouso Semanal no Comércio e nos Escritórios (Convenção nº 106); a vedação à Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (Convenção nº 111); a Proteção Contra as Radiações (Convenção nº 115); a Política de Emprego (Convenção nº 115); a Fixação de Salários Mínimos, Especialmente nos Países em Desenvolvimento (Convenção nº 131); as Férias Anuais Remuneradas (Convenção nº 132); a Idade Mínima para Admissão no Emprego (Convenção nº 138); a Licença Remunerada para Estudos (Convenção nº 140); a Segurança e Saúde na Construção (Convenção nº 167); a Promoção do Emprego e Proteção Contra o Desemprego (Convenção nº 168) e o Trabalho Noturno (Convenção nº 171). Quase todas as Convenções da OIT foram ratificadas pelo Brasil, sendo consideradas como as principais não ratificadas apenas as seguintes: 87, 90, 102, 128, 150, 151, 157, 158 e 1738. Para além da proteção ao trabalho regulado assegurador do exercício de direitos sociais pela classe trabalhadora, frente aos seus empregadores e tomadores de serviço, incluindo a proteção do emprego, a garantia de salário-mínimo, a não-discriminação entre homens e mulheres, a adoção de medidas para o afastamento dos acidentes de trabalho, a proibição de trabalho forçado, o veto ao trabalho infantil, as férias anuais remuneradas, a política de emprego e contra o desemprego, entre tantos outros limites civilizatórios a serem observados nas relações de trabalho, a Organização Internacional do Trabalho exige o trabalho decente em quaisquer atividades humanas, modalidade que não se compactua com nenhuma opressão ao trabalho humano e a sua forma de organização coletiva, muito menos com a supressão dos patamares mínimos estabelecidos em algumas de suas Convenções. Sobre o trabalho decente como princípio estabelecido pela OIT, Crivelli compreende que esta "É uma ideia-chave que articula, ao mesmo tempo, a noção do direito do trabalho, a proteção de direitos básicos, a equidade no trabalho, segurança social, uma representação dos interesses dos trabalhadores e, ainda, que o trabalho esteja envolto num ambiente social e político adequado à noção de liberdade e dignidade humana. Segundo a proposta implícita ao relatório de 1999, posteriormente acatada pela conferência e pelo Conselho de Administração, a promoção do trabalho decente no mundo - observados os objetivos estratégicos e as condições de sua realização - passou a ser a proposta central da OIT e a ela devem se adequar todos os seus programas de cooperação técnica, a política normativa e até mesmo o seu sistema de controle de normas"9. Ofendendo a Constituição da República, as normas internacionais e o primado do trabalho decente estabelecido pela OIT para quaisquer relações de trabalho, desafiando, ainda, a dignidade humana laboral, é negável que qualquer método de trabalho contrário ao mais remoto direito de natureza trabalhista a ser desfrutado pela parte obreira, constitui-se em flagrante instrumento de corrosão social e de inegável aprofundamento da miséria decorrente das desigualdades brasileiras, contra o ordenamento jurídico nacional e internacional, reitere-se. Do ponto de vista do Direito Constitucional do Trabalho e do Direito Internacional do Trabalho, a regulação com a proteção social dos direitos do trabalho no Brasil constitui-se no padrão jurídico a ser observado nas relações laborais entre os agentes econômicos e os trabalhadores que lhes prestam serviços. Uma relação cujo trabalho é prestado de forma pessoal em atividade econômica permanente, de modo não eventual, mediante subordinação e remuneração, porém, sem o reconhecimento de quaisquer direitos sociais a trabalhadoras e trabalhadores, é notoriamente ofensiva à Constituição da República de 1988 (artigos 1º, incisos III e IV; 6º, 7º, 8º, 9º e 170) e às normas internacionais do trabalho ratificadas pelo Brasil (CRFB, artigo 5º, §2º e §3º; caput do artigo 7º; CLT, artigo 8º; Convenções da OIT 29, 88, 89, 95, 98, 100, 103 104, 106, 111, 115, 131, 132, 138, 140, 167 E 168, entre outras). 2.1.4. PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. CLT A legislação infraconstitucional brasileira cuida de explicitar os supostos da relação de emprego, mais especificamente no artigo 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao exigir para a sua configuração os requisitos da prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade (intuitu personae), em caráter não eventual, sob a dependência (subordinação) do sujeito tomador qualificado na lei como empregador e por meio oneroso, com o pagamento de salário, portanto. O primeiro requisito da relação de emprego consiste na necessidade de o trabalho ser desenvolvido por pessoa física (pessoa natural). Surgiu o Direito do Trabalho para regular e proteger a pessoa trabalhadora em sua relação desenvolvida com quem adquire o direito, pelas leis do mercado capitalista, de usufruir dessa prestação laboral em seu proveito. Quem contrata a parte trabalhadora para a execução de atividades diversas não está locando um serviço senão adquirindo mão de obra de uma determinada pessoa natural. É inviável cogitar da existência de relação de trabalho, muito menos de emprego, entre empresas as quais comercializam os seus produtos como fornecedoras e revendedoras. Relação de trabalho como gênero, da qual a relação de emprego é espécie, demanda necessariamente a presença de pessoa física prestando serviços em favor de outrem. Por outro lado, sempre que houver prestação laboral por pessoa física haverá, inegavelmente, uma relação de trabalho, que pode ser relação de emprego ou não. Na forma sintetizada por Maurício Godinho Delgado, "a própria palavra trabalho já denota, necessariamente, atividade realizada por pessoa natural, ao passo que o verbete serviços abrange obrigação de fazer realizada por pessoa física, quer pela jurídica"10. Sempre que alguém, pessoa física, prestar serviço a outrem, dispendendo a sua energia física e mental em prol de quem o contratou para executar determinado serviço, haverá inafastável relação de trabalho entre as partes. Seja qual for nomenclatura atribuída ao contrato celebrado entre pessoa física prestadora de serviços e a respectiva tomadora, existirá, em tal hipótese, inescondível relação de trabalho, tanto do ponto de vista sociológico em torno do que vem a ser trabalho humano, quanto da perspectiva estritamente jurídica. Este é o primeiro suposto também para a relação de emprego: trabalho prestado por pessoa física para outrem. Além do trabalho prestado por pessoa física, deve haver pessoalidade, o caráter intuitu personae, de modo que a pessoa contratada não realize ela própria a contratação de outras pessoas para a execução das tarefas. Não desnatura, contudo, o requisito da pessoalidade as substituições ocasionais da parte trabalhadora regularmente admitidas pela tomadora de serviços. O caráter personalíssimo da relação de emprego, em relação à pessoa trabalhadora, é um dos seus traços mais marcantes. Citado por Amauri Mascaro Nascimento, Manuel Alonso Olea, pontifica o seguinte: "A prestação do trabalhador é estritamente personalíssima, e o é em duplo sentido. Primeiramente, porque pelo seu trabalho compromete o trabalhador sua própria pessoa, enquanto destina parte das energias físicas e mentais que dele emanam e que são constitutivas de sua personalidade à execução do contrato, isto é, ao cumprimento da obrigação que assumiu contratualmente. Em segundo lugar, sendo cada pessoa um indivíduo distinto dos demais, cada trabalhador difere de outro qualquer, diferindo também as prestações de cada um deles, enquanto expressão de cada personalidade em singular. Em vista disso, o contrato de trabalho não conserva sua identidade se ocorrer qualquer alteração na pessoa do trabalhador. A substituição deste implica um novo e diferente contrato com o substituto".11 Para além das substituições perceptíveis no âmbito de determinada relação jurídica, há outras formas de trabalho, notadamente quando o labor é prestado à distância ou na residência da parte obreira, cuja delegação de atividades não é forte o suficiente para desmoronar por completo o requisito da pessoalidade. Nos dizeres de Mozart Victor Russomano, "quanto ao trabalhador, porém, sempre, a relação de emprego é personalíssima. Por mais humilde que seja a função de trabalhador, o empregador o admite tendo em vista suas qualidades pessoais[...] . O caráter personalíssimo da relação de emprego, no tocante ao trabalhador, impede que se faça substituir na execução do serviço. O trabalhador tem a obrigação de executar o trabalhador deve fazê-lo nas condições ajustadas.[...]. Não pode,portanto, o empregador saber quem, realmente, executou a peça ou tarefa. Nem isso lhe importa. Interessa-lhe, sim, a produtividade desejada do trabalhador a domicílio, esteja ele, coadjuvado por terceiros. A pessoalidade reduz-se, portanto; mas, insistimos, não desaparece, porque o empregador sempre tem em vista as qualidades e identidade pessoal daquele que é admitido como trabalhador a domicílio e faz a entrega das peças confeccionadas ou do serviço feito, assumindo a responsabilidade direta do trabalho realizado"12. Tratando do caráter da infungibilidade, no que tange ao trabalhador, Maurício Godinho Delgado aponta situações excepcionais de substituições realizadas a partir do consentimento do empregador e que não descaracterizam a pessoalidade como requisito do contrato de trabalho, entre outras, as substituições consentidas pelo tomador de serviços, aquelas decorrentes de férias, licença gestante ou para o exercício de mandato sindical13. Quando a empresa contrata determinada parte trabalhadora para o desempenho de atividades diversas o faz tendo em conta o conjunto de atributos profissionais apresentados, cuja delegação meramente eventual ou circunstancial de parte dessas atividades laborativas para um terceiro nem sempre é suficiente para abolir o caráter intuitu personae da relação. De igual maneira, as substituições autorizadas pela tomadora nem de longe colocam em xeque a pessoalidade. Em outra perspectiva, fratura o critério da pessoalidade a subcontratação permanente de mão de obra, pela pessoa física contratada, para executar as tarefas que deveriam ser suas, salvo quando esta figura humana funciona como verdadeiro preposto ou encarregado da empresa principal contratante. Estando presente o quadro último delineado, é relevante aferir a verdadeira qualidade da pessoa física contratada, ou seja, se ela é parte trabalhadora responsável pelo supervisionamento de outros trabalhadores, atuando, assim, como encarregado ou preposto de outrem, contexto fático-jurídico que não desnatura a pessoalidade, ou, por outro lado, se exerce ela verdadeira atividade empresarial por conta própria, com todos os beneplácitos e riscos daí inerentes. Não por outra razão o suposto da pessoalidade precisa ser investigado sempre que a tomadora o refute de modo peremptório. O terceiro requisito da relação de emprego é a natureza não eventual da prestação de serviços. É necessário que o trabalho seja executado com um razoável caráter de permanência e não de maneira absolutamente ocasional ou esporádica. Em outros termos, eventual é o trabalho prestado uma vez ou outra, sem caráter de permanência, com longas pausas entre um dia e outro de serviço, na maioria das vezes, registre-se, trabalho este executado muito distante da razão de ser (atividade permanente e finalística) de determinado negócio capitalista. A espécie sob o manto de labor eventual não se coaduna com as atividades obreiras desenvolvidas de forma rotineira, inclusive na atividade finalística da empresa contratante. Não obstante a enorme controvérsia que paira na literatura especializada em torno do que venha a ser, para fins jurídicos, trabalho prestado de forma eventual, "difícil será configurar-se a eventualidade do trabalho pactuado se a atuação do trabalhador contratado inserir-se na dinâmica normal da empresa - ainda que excepcionalmente ampliada essa dinâmica"14. Considerado o requisito mais marcante da relação de emprego, sobre a subordinação jurídica recai também a maior controvérsia em torno de sua configuração nos debates judiciais realizados. Sempre que há discussão a respeito da existência ou não do vínculo empregatício entre as partes, a presença de subordinação ou autonomia da prestação laboral domina o embate. Grosso modo e de maneira sintética, a subordinação jurídica é configurada a partir do controle empresarial, direto ou indireto, das atividades desenvolvidas pela parte trabalhadora. O obreiro aliena o seu labor em prol da pessoa física ou jurídica responsável pelo estabelecimento das diretrizes a serem observadas durante o curso da relação. Para além de dirigir todas as atividades obreiras a serem desempenhadas, a empresa tomadora do trabalho de pessoa física adquire o direito de dispor de determinada mão de obra conforme cenário por ela projetado, determinado e executado, reforçando-se, assim, o seu poder hierárquico sobre a figura do sujeito trabalhador. Há uma notória relação de assimetria entre as partes do contrato de trabalho: a empresa adquire a mão de obra para ser utilizada conforme os seus interesses, cabendo à parte trabalhadora cumprir as tarefas determinadas sem autonomia alguma, salvo naquelas hipóteses cujo conhecimento técnico obreiro elevado atrai uma maior liberdade na execução do serviço, contexto o qual não é suficiente para afastar a figura da subordinação jurídica. Segundo EVARISTO DE MORAES FILHO e ORLANDO GOMES, "por subordinação jurídica entende-se um estado de dependência real criado por um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente do empregado de se submeter a essas ordens. ... Trata-se, aqui, ao contrário, do direito completamente geral de superintender a atividade de outrem, de interrompê-la ou suscitá-la à vontade, de fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são os dois pólos de subordinação jurídica" .15 A subordinação de que trata o art. 3º da CLT é "(...) aquela em que o trabalhador deve ser curvar aos critérios diretivos do empregador, suas disposições quanto ao tempo, modo e lugar da prestação, suas determinações quanto aos métodos de execução, usos e modalidade próprios da empresa, da indústria ou do comércio"16. A subordinação também identificada a partir do fenômeno do trabalho por conta alheia (MANUEL ALONSO OLEA), na alienação do trabalho alheio em proveito de outrem, parece-me ser um conceito clássico do mais destacado suposto da relação de emprego. A apropriação do trabalho alheio em proveito próprio encontra-se necessariamente revestida de subordinação jurídica, mas, segundo legislação infraconstitucional brasileira, faz-se imprescindível que também estejam presentes, para a configuração do vínculo empregatício, os supostos da prestação laboral por pessoa física, com pessoalidade (intuitu personae), em caráter não eventual e mediante onerosidade (retribuição salarial). Para além da subordinação jurídica clássica, em tempos de acelerada revolução tecnológica, época da Indústria 4.0, do predomínio da robótica e dos instrumentos da microeletrônica, da crescente intelectualização do trabalho humano, cujo controle do processo, em muitas atividades econômicas, não se dá mais pelo método presencial exercido antes pelos patrões e seus prepostos, vez que é possível fazê-lo de forma ainda mais contundente mediante o uso de recursos eletrônicos, devemos examinar o requisito jurídico da subordinação tendo em conta mudanças de forma as quais não mitigam o conteúdo do extremo domínio dos proprietários dos meios de produção sobre os donos da força de trabalho. Manifestações outras de subordinação no encontro do capital com o trabalho, habilmente escamoteadas na era da revolução da cibernética, quando rasgadas as aparências da forma, apenas reforçam a presença do mais destacado pressuposto para a configuração da relação de emprego entre proprietários dos bens e serviços (meios de produção) e os trabalhadores por eles contratados. Em magnífica obra clássica de Direito do Trabalho, verificando o desenvolvimento de teorias jurídicas originárias da Itália, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena percebia, nos anos 1970, que o capital, a tecnicidade, o crescimento do trabalho intelectual e a revolução tecnológica muito embrionária quando comparada com a robótica dos dias de hoje, estavam alterando a forma de controle empresarial do trabalho humano, saindo do passo a passo físico, do controle presencial de jornada ou de outras ordens a serem cumpridas pelos empregados, para novas maneiras de fiscalização com o intuito de mascarar a relação de emprego. Por isso mesmo, compreendeu o juslaboralista mineiro que a subordinação não estava desaparecendo das relações de trabalho, mas precisava ser olhada também a partir de novas lentes, conforme trecho escolhido para ser aqui destacado: "Abertura de vivas consequências traz De Ferrari, quando sustenta que devemos defender-nos de outro(conceito) que confunde a subordinação com o cumprimento de horário e convivência de empregado e empregador, porque este modo de ver concederia a uma das partes a possibilidade material de dar ordenas e controlar diretamente seu cumprimento, o que a rigor, não tem importância. Na dinâmica e na estrutura da empresa, que pressupõe integração e coordenação de atividades. A exteriorização da subordinação em atos de comando é fenômeno de ocorrência irregular, variável, muitas vezes imperceptível e esses atos sofrem um processo de diluição, até quase desaparecem, à medida em que o trabalho se tecniciza e se intelectualiza. A pesquisa jurídica incumbe vencer, tanto quanto possível, a barreira do aleatório, do aparente, e localizar um ponto de intersecção, a partir do qual se pode afirmar, com um mínimo de arbítrio, a existência de subordinação. Muito feliz a expressão de Ferrari, ao aludir à subordinação como poder cujo exercício é contingente". 17 Independente da nomenclatura conferida à subordinação, integrativa ou estrutural como aquela "que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento"18, o fato é que qualquer atividade laboral submetida às diretrizes traçadas para a consecução dos objetivos da empresa, por si só, configura trabalho subordinado, independentemente do seu desenvolvimento à distância ou por qualquer meio telemático. Na subordinação integrativa ou estrutural não se exige que o empregador, ou seus prepostos, emitam ordens diretas à figura do trabalhador. O controle se realiza mediante o resultado do trabalho, rompendo-se assim, com o conceito clássico de hierarquia funcional. Aliás, no particular, a CLT não realiza qualquer distinção entre o controle presencial das atividades obreiras e o realizado pelos meios telemáticos, para fins de configuração da subordinação e dos limites da jornada de trabalho (artigo 6º, parágrafo único). Trabalho prestado por pessoa física, de maneira pessoal, mediante assalariamento, em caráter não eventual e com subordinação jurídica clássica ou integrativa/estrutural compõem a realidade das relações de trabalho desenvolvidas no âmbito das plataformas digitais, daí ressaindo a conclusão de que as práticas uberistas sonegadoras de direitos trabalhistas, depois de violarem a Constituição da República e o Direito Internacional do Trabalho, também desafiam o Direito infraconstitucional brasileiro. Considerando, contudo, que esta 1ª Turma do TRT 10, por maioria de votos, ainda exige a presença da subordinação jurídica clássica, com algumas objeções à aplicação isolada da subordinação estrutural ou integrativa, o caso concreto será analisado pela lente primeira, qual seja, a da subordinação jurídica tradicional. Quanto ao quinto critério, o da onerosidade ou da percepção de salário como retribuição pelos serviços obreiros prestados, o fato é que toda vez que não houver trabalho verdadeiramente voluntário existirá a necessidade de pagamento de remuneração à parte trabalhadora. É uma decorrência natural da compra da força de trabalho por pessoa jurídica ou pessoa física: o trabalhador cede a sua mão de obra em prol de determinada atividade e o tomador, em contrapartida, o remunera conforme pactuado pelas partes, daí ressaindo o caráter bilateral mais expressivo desta relação jurídica. Algumas vezes, ao final, registre-se, a retribuição oferecida pelo tomador de serviços pode ser reconhecida como modalidade distinta daquela salarial stricto sensu devida a empregadas e empregados, desde que os outros supostos da relação de emprego não estejam presentes. Resumindo: em harmonia com o texto da Constituição da República e com as normas internacionais do trabalho, a legislação infraconstitucional brasileira, na concreta perspectiva de valorização do trabalho formal por ela regulado, exige, para a caracterização da relação de emprego, o labor prestado por pessoa física em prol de outrem, em caráter pessoal ou personalíssimo (intuitu personae), de forma não eventual, com subordinação jurídica e onerosidade (salário). Reunidos esses supostos, o vínculo empregatício entre as partes estará irremediavelmente configurado, com todos os consectários daí decorrentes, a começar pela necessidade de registro do contrato de trabalho na CTPS obreira desde o primeiro dia de labor. Em síntese, quando estiverem presentes todas as condições e todos os requisitos antes expostos, os titulares das plataformas digitais estão obrigados a cumprir a Constituição da República e a CLT, devendo, por isso mesmo, respeitar as condições dignas de labor, anotar as carteiras de trabalho das pessoas que lhes prestam serviços, pagando a elas as verbas próprias de empregadas, desde o primeiro dia da prestação laboral. 2.1.5. ENTREGADOR DE APLICATIVO (PLATAFORMA IFOOD). MOTOBOY. SUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO NO CASO CONCRETO DOS AUTOS. PLATAFORMA DIGITAL. INTERMEDIAÇÃO POR EMPRESA INTERPOSTA. PROVA. ANÁLISE. EFEITOS. TRABALHO POR APLICATIVOS ELETRÔNICOS. RELAÇÃO DE EMPREGO RECONHECIDA PELO DIREITO COMPARADO. JURISPRUDÊNCIA DE TRIBUNAIS SUPERIORES DE PAÍSES DIVERSOS Inicialmente, consigno que é irrelevante a mera denominação ou anotação de uma suposta relação autônoma. Isto porque, no Direito do Trabalho, mais do que em qualquer outro ramo do ordenamento jurídico, vigora o princípio da primazia da realidade, pouco importando o nome jurídico ou a qualificação formal atribuída a determinado documento quando, na verdade, os fatos desafiarem as artificiais formalidades. De um modo geral, relembre-se, as plataformas digitais, segundo pesquisas sociológicas realizadas pelos Professores Ricardo Antunes (Unicamp) e Vítor Filgueiras (UFBA), controlam de maneira rigorosa todas as atividades desempenhadas por motoristas e outros profissionais os quais laboram a partir do acionamento de aplicativos eletrônicos, com as seguintes cláusulas contratuais (escritas e não escritas) entre as mais destacadas: I) os proprietários dos aplicativos eletrônicos selecionam quem está apto a trabalhar; II) delimitam de modo exaustivo o que pode ser feito ou não pelo contratado no exercício de suas atividades laborais, fixando as suas tarefas, obrigações e responsabilidades; III) impedem a captação de cliente pelo trabalhador contratado, prerrogativa exclusiva da empresa; IV) descrevem de forma pormenorizada todas as atividades do contratado; V) fixam o prazo máximo a ser executado, quanto à entrega do serviço oferecido ao cliente; VII) estabelecem de forma unilateral os valores a serem recebidos; aplicam promoções e sanções aos trabalhadores, por força do uso do algoritmo; VIII) impõem regras de convivência entre os trabalhadores e clientes e entre aqueles e as suas gerências; exigem assiduidade laboral; IX) pressionam os trabalhadores pelo aumento da jornada; realizam ameaças aos seus trabalhadores contratados e promovem dispensas sem quaisquer justificativas19. Para o caso concreto, ou seja, de forma particular, vale rememorar as principais condições de trabalho vistas na relação mantida entre a plataforma pertencente à segunda reclamada (Ifood) e os entregadores motociclistas cadastrados em seu aplicativo eletrônico, por intermédio da primeira reclamada, segundo se extrai das provas colhidas, são as seguintes: 1) contratação ou o cadastramento de motociclistas na Plataforma Ifood era realizada por meio eletrônico, por intermédio da primeira reclamada; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos entregadores; 3) cancelamento de entregas resulta em cobrança e necessidade de esclarecimentos; 4) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 5) o preço de qualquer entrega é definido unilateralmente pela segunda reclamada; 6) as reclamadas aplicam aos seus entregadores punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 7) os entregadores podem ser expulsos da plataforma; 8)a primeira reclamada elabora escala a ser cumprida pelos entregadores; 9) o motociclista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao cliente; 10) as reclamadas não assumem quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de entregas e transportes. Como vimos antes, a partir das características gerais do modo de contratação, organização e direção das atividades empreendidas pelos trabalhadores guiados por plataformas digitais programadas mediante a ação humana, com especial ênfase para os depoimentos prestados nos presentes autos, somente pessoas físicas podem ser selecionadas para cumprir as tarefas indelegáveis afetas ao atendimento de clientes das tais empresas de aplicativos eletrônicos, reunindo-se, assim, os requisitos iniciais do contrato de trabalho, quais sejam, o labor executado por pessoa física e com pessoalidade (intuitu personae) aferida rigorosamente no ato de cada admissão e intransferível para outrem, segundo as normas empresariais de dinâmica produtiva. Cada trabalhador, no ato da contratação e no curso da execução de suas tarefas, do cadastramento na plataforma digital, é considerado individualmente para ser admitido e continuar laborando, a partir de um perfil extenso avaliado/aceito pelas reclamadas, sem prejuízo de outras exigências empresariais, incluindo a posse de veículo (motocicleta) para ser guiado pelo reclamante. Se não bastasse, nenhum motociclista pode delegar ou subcontratar outra pessoa para substituí-la, daí reforçando não apenas o trabalho prestado por pessoa física, senão o seu caráter personalíssimo, em relação à figura do trabalhador contratado na qualidade de motorista. A não eventualidade da prestação laboral decorre do próprio caráter permanente da atividade central das plataformas digitais, não se admitindo, por exemplo, que um trabalhador da Plataforma Ifood, contactado por meio de empresa interposta, acione o sistema eletrônico uma ou duas vezes por ano. E, no caso concreto, é incontroverso que o reclamante trabalhou para a primeira reclamada, em benefício da plataforma digital qualificada na condição de segunda reclamada, durante razoável espaço de tempo, diariamente, cumprindo longa jornada de trabalho. Aliás, o trabalho é contratado para a execução de uma atividade permanente e jamais enxertado como mero labor de natureza eventual, cuja política empresarial é focada na valorização desse vínculo estabelecido por fração da classe trabalhadora que o tem como único meio de subsistência familiar, apesar de envolto pela mais rasgada precariedade das condições de trabalho, quando não muito próximo o referido regime daquele análogo à de escravo, assim tipificado na condição de crime pela legislação penal brasileira (CP, artigo 149), dada a absoluta ausência de concessão de quaisquer direitos trabalhistas a esse grupo de pessoas trabalhadoras. Eventual é o trabalho prestado uma vez ou outra, sem caráter de permanência ou habitualidade, com longas pausas entre um dia e outro de serviço, na maioria das vezes, frise-se, trabalho executado muito distante da razão de ser de determinado negócio capitalista. A espécie sob o manto de labor eventual não se coaduna com as atividades obreiras desenvolvidas nas plataformas digitais voltadas ao atendimento de clientes das empresas do ramo cibernético, reitere-se. O assalariamento (onerosidade) encontra-se presente na forma de retribuição monetária satisfeita segundo critério do proprietário da plataforma digital pelo labor desenvolvido, a título de comissões (comissionista puro) extraídas percentualmente dos valores satisfeitos por seus clientes, não desnaturando o caráter salarial o fato de a maior parte do pagamento feito pela cliente do aplicativo eletrônico ser repassada depois à parte trabalhadora. Ora, o dono da plataforma digital ingressa na relação jurídico-laboral com o seu capital cibernético acumulado, com rígidos e inflexíveis métodos de trabalho a serem respeitados pelo conjunto de seus trabalhadores, sem dispender valor algum para a aquisição e manutenção dos meios e instrumentos de trabalho utilizados, não arcando, portanto, com o ônus próprio de qualquer empreendimento capitalista para o desenvolvimento de sua atividade econômica. Trata-se de deslocamento indevido dos riscos do negócio capitalista à parte trabalhadora, a ponto de a aquisição ou aluguel do carro, o combustível utilizado, os reparos, a manutenção do automóvel, tudo isso permanecer sob a responsabilidade da parte obreira, ao menos até o Poder Judiciário emitir pronunciamento a respeito do litígio submetido à sua apreciação. Seja qual for o percentual alcançado pela empresa ao final da operação, em um serviço oferecido a custo baixo para atrair clientes e criar embaraços à vida financeira do trabalhador, a única pessoa vitoriosa na relação é a proprietária da plataforma digital, que expandiu os seus negócios, ampliou a sua margem de lucros sem a necessidade de aportar diretamente capital algum para iniciar e realizar cada nova empreitada decorrente da contratação de mão de obra humana para a consecução de seus objetivos. O percentual que permanece com o reclamante é irrelevante para reconhecer a ausência de assalariamento na relação mantida entre as partes. Na verdade, a reclamada Ifood, empresa capitalista, com o uso generalizado do aplicativo de transportes, fica com um percentual considerável de centenas de milhares de motoristas, sem arcar com os riscos do negócio, como é a sua obrigação legal, sem grande investimento, pois o único realizado foi aquele inicial para estruturar um sistema eletrônico. O interessante é que a reclamada Plataforma Digital, nesse sistema, é tida como "parceira" dos resultados do trabalho de cada um dos profissionais motoristas, motociclistas e ciclistas (apropria-se de um percentual do valor cobrado de cada cliente, como qualquer empresa faz), mas sem idêntica solidariedade entre todos os seus "parceiros", isto é, os frutos do trabalho do conjunto dos motoristas não são repartidos em qualquer fração entre eles, pois esta é uma prerrogativa dada apenas aos donos do aplicativo. No caso concreto dos autos, a utilização de empresa interposta não altera essa realidade fática. Pelo contrário, a plataforma digital busca, na prática, mascarar uma verdadeira relação empregatícia direta. Todavia, a empresa Ifood foi incluída no polo passivo para fins de responsabilização subsidiária. Logo, os limites da lide serão observados. Também não é caso de arrendamento de espaço ou marca comercial. A reclamada plataforma digital é uma empresa que paga comissões sobre o resultado do trabalho desempenhado por profissionais os quais laboram em seu favor. E poderia ser ainda maior o percentual de comissões, devo dizer, que mesmo assim o contexto não seria alterado. Estamos tratando de quem comanda, de quem tem o dever legal de assumir os riscos do negócio, embora não o faça a partir de manobras jurídicas, de quem paga e, do outro lado, de quem recebe pagamento mensal e está subordinado à empresa. Em outras palavras, estamos a falar de quem extrai vantagem com o resultado do trabalho alheio, o que seria suficiente para demonstrar a existência de subordinação jurídica, na melhor concepção da literatura especializada. Reitere-se que no caso concreto a manobra jurídica foi realizada por meio de empresa interposta, porém a plataforma era a beneficiária direta dos serviços prestados pelo reclamante. É sabido ainda que mesmo em cidades com centenas de motoristas, a segunda reclamada possui pouquíssimos empregados formais para cuidar de questões meramente administrativas. O percentual mais elevado que cabe ao motorista da plataforma sequer é suficiente muitas vezes para cobrir todas as despesas por ele suportadas com a compra ou aluguel do veículo, o abastecimento os reparos e a manutenção exigidos do automóvel utilizado como meio de trabalho imprescindível. Para a plataforma digital, ainda que aparentemente o percentual recebido seja reduzido, é necessário relembrar que o serviço eletrônico oferecido alcança milhares de trabalhadores, todos eles despendendo igual percentual em prol da empresa, que tem custos reduzidíssimos em toda a operação. Em outras palavras, a plataforma digital é o agente capitalista nessa operação ocasionadora de mais-valor e lucro, enquanto o motorista é o trabalhador assalariado pela empresa de aplicativo de transportes. Percentuais distribuídos a um e outro, fruto do pagamento realizado pela clientela da plataforma, dizem muito pouco sobre a natureza da relação jurídica e, por isso mesmo, precisam ser averiguados pelo recorte que divide as partes desta relação entre os proprietários do capital, neste caso, capital cibernético, e os sujeitos detentores da força de trabalho vendida aos primeiros. As plataformas digitais, além da relação assalariada com os motoristas, alienam o trabalho por eles prestado por intermédio do acionamento do aplicativo eletrônico, traço esse da subordinação jurídica. E quanto ao reforço da tese da subordinação jurídica, o relato inicial sobre as condições de trabalho no sistema atesta que apesar da aparência de autonomia do trabalhador no desenvolvimento de suas atividades, os recursos da robótica rasgam o véu da falta de liberdade individual obreira, expondo o mais absoluto e rigoroso controle de sua vida profissional. Somente para realçar a total ingerência empresarial na organização do trabalho, conforme prova dos autos, as reclamadas (empresa interposta e beneficiária direta) estabelecem previamente à contratação obreira todas as condições de labor, fiscalizando-as pelos sistemas eletrônicos; definem unilateralmente a forma de remuneração; aplicam punições diversas, incluindo suspensões e descadastramento (dispensa imotivada), aos descumpridores do seu código ou manual de trabalho; promovem aqueles membros da equipe atenciosos com os clientes, assim como é contemplado com o benefício quem não hesita em prolongar a jornada de trabalho; controlam a subjetividade obreira e dispensam sumariamente, sem possibilidade de reversão do ato, todas as pessoas que não se encaixam no padrão fixado. Trata-se do controle mais sistemático da vida profissional e pessoal, do controle que alcança o corpo e alma do trabalhador, infinitamente mais elevado do que o quadro visto na era fordista-taylorista, que o fazia em menor extensão ou profundidade, sem o encobrimento sofisticado dos recursos da microeletrônica. Nas plataformas eletrônicas, portanto, há uma subordinação jurídica clássica por demais evidente, formatada sob matriz jurídica do juslaboralismo, com todo o processo de trabalho fixado, fiscalizado e cobrado de maneira rigorosa por quem é detentora dos recursos tecnológicos mais avançados da indústria 4.0. A subordinação dos motociclistas, no âmbito da empresa interposta e da beneficiária dos serviços (Ifood), é escancarada a partir das seguintes exigências empresariais, sem prejuízo de outras, conforme prova produzida nos autos e referenciada de modo detalhado em outros tópicos do presente voto: 1) contratação ou o cadastramento de motociclistas na Plataforma Ifood era realizada por meio eletrônico, por intermédio da primeira reclamada; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos entregadores; 3) cancelamento de entregas resulta em cobrança e necessidade de esclarecimentos; 4) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 5) o preço de qualquer entrega é definido unilateralmente pela segunda reclamada; 6) as reclamadas aplicam aos seus entregadores punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 7) os entregadores podem ser expulsos da plataforma; 8) a primeira reclamada elabora escala a ser cumprida pelos entregadores; 9) o motociclista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao cliente; 10) as reclamadas não assumem quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de entregas e transportes, além de tantas outras condições configuradoras da relação radicalmente hierarquizada entre a reclamada e o reclamante. Não há nenhuma autonomia obreira na prestação laboral executada no âmbito das plataformas digitais, mas uma evidente subordinação jurídica. Segundo analisam os juslaboralistas e pesquisadores acadêmicos Rodrigo de Lacerda Carelli e Murilo Carvalho Sampaio Oliveira, "Não pode alguém ser considerado trabalhador autônomo quando a fixação de preços é realizada por terceiros, como acontece em algumas plataformas digitais. Da mesma forma, a remuneração pela prestação de serviços, ou seja, a definição da parte do preço que ficará com o trabalhador, não pode de forma alguma ficar a cargo da empresa plataforma, sob pena de descaracterizar completamente autonomia. Ainda mais evidente fica a ausência de autonomia quando a forma de cálculo da remuneração é realizada de forma opaca pela empresa. Da mesma forma, quando há exigências ou padronização dos meios de realização da atividade econômica(por exemplo, as condições do automóvel, nos casos de plataforma de transporte de pessoas, ou uniforme em relação a plataforma de transporte de mercadorias ou comida)".20 É quase impossível encontrar outras relações de trabalho, ao menos entre aquelas que tentam fugir da formalidade, tão permeadas por subordinação da pessoa física trabalhadora, além de pessoalidade, onerosidade e não eventualidade, quanto ao quadro evidente assim vislumbrado no desenvolvimento do labor humano por intermédio de plataformas eletrônicas. Em magnífica pesquisa acadêmica de campo, com trabalhadores de aplicativos, após ricas entrevistas constantes do anexo de sua obra mais recente e, a partir do uso de denso marco teórico capaz de oferecer respostas críticas à lógica neoliberal de desregulação total das relações de trabalho, a Professora Daniele Barbosa demonstra a presença de subordinação jurídica e de todos os demais requisitos do vínculo de emprego nas relações jurídicas mantidas entre os trabalhadores por aplicativos e as respectivas plataformas eletrônicas. A pesquisadora carioca chega a afirmar que, "Dentro do quadro laboral, delineado pelos relatos de motoristas em plataformas digitais, pode até haver uma certa possibilidade de escolha entre os dias da semana, os horários ou turnos de execução dessa atividade. Isso, por si só, não representa nenhum óbice à clássica relação de exploração do trabalho, já que a extração de mais-valia, nesse caso, pode ocorrer, e ocorre, em qualquer horário do dia, em função de a atividade de transporte demandar trabalho em qualquer hora. Essa variação de horários, também pode ser experimentada nas tradicionais relações de emprego, como é o caso, por exemplo, daqueles trabalhadores que laboram em turnos ininterruptos de revezamento ou que variam, durante a semana, em diferentes horários ou turnos de trabalho, sem que isso signifique, necessariamente, uma abolição da subordinação jurídica ou da habitualidade dos serviços21. Estão presentes, portanto, todos os requisitos do contrato de trabalho regulado pela CLT (artigos 3º, 442 e seguintes). Do ponto de vista do direito comparado, cabe mencionar que Tribunais Superiores e outras Cortes de diversas nações têm reconhecido a existência da relação de emprego protegida pelo sistema jurídico entre plataformas digitais e os trabalhadores que lhes prestam serviços por intermédio do acionamento de aplicativos eletrônicos, com destaque para a categoria profissional dos motoristas. Os professores de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho Cláudio Jannotti da Rocha (UFES) e Edilton Meireles (UFBA), em recentíssima obra publicada pela Editora Conhecimento (BH), catalogaram e analisaram decisões judiciais proferidas por Cortes de vários países reconhecendo a existência de vínculo empregatício entre as plataformas digitais e profissionais os quais executam tarefas laborais a partir de comandos eletrônicos, com destaque para os motoristas de aplicativos. Com base exclusiva na relevante pesquisa acadêmica empreendida pelos juslaboralistas antes nominados, descreve-se aqui, de modo sintético, tão somente os resultados finais de alguns dos principais julgados mundo afora a respeito da matéria, a seguir: I) Alemanha: a 9ª Turma do Tribunal Federal de dezembro de 2020, reconheceu o vínculo empregatício entre trabalhador e empresa holandesa que oferece serviços informacionais de aplicativos; II) Espanha: o Tribunal Supremo da Espanha (Tribunal Supremo), no dia 25 de setembro de 2020, "julgando Recurso de Cassação para Uniformização da Doutrina(Recurso de Casación para la Unificación de Doctrina)", nos autos nº 805/2020, Acórdão nº 4746/2019, declarou existir vínculo empregatício entre trabalhador de entrega e a plataforma digital GlovoApp(Glovo); III) França: em segunda decisão na mesma linha, a Câmara Social do Tribunal de Cassação (Cour de Cassation- chambre Sociale), reconheceu a existência de subordinação e da relação de emprego entre entregador e a plataforma digital UBER, conforme julgamento realizado no dia 4 de março de 2020, Acórdão nº 374(19-13.316). Os autores Jannotti e Meireles destacam que "a Corte de Cassação da França(Cour de Cassation), localizada em Paris, corresponde ao Supremo Tribunal Federal(STF) aqui no Brasil"; IV) Holanda: no dia 16 de fevereiro de 2021, o Tribunal de Apelação de Amsterdã (Gerechtsh of Amsterdam), ao apreciar o recurso de Apelação em demanda de natureza coletiva(autos nº 200.261.051/01),reconheceu o vínculo empregatício entre os entregadores de aplicativos e a Plataforma Digital Deliveroo Nethherlands B.V Amsterdam(Deliveroo); V) Itália: "em 14/11/2020, a Corte de Cassação da Itália(Corte di Cassazione Civile, Sesta Sezione) julgou o Recurso de Cassação (Ricorso per Cassazione), recurso nº 11629-2019, autos nº 1663/2020, e nele reconheceu o vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa Foodinho SRL (que recentemente foi adquirida pela empresa Glovo)"; VI) Reino Unido: "Em 19 de fevereiro de 2021, a Suprema Corte do Reino Unido (The Supreme Court of the United Kingdom), julgou o recurso nos autos UKSC 2019/0029, e nele reconheceu que os motoristas são trabalhadores da empresa Uber BV"22. Como se percebe, Tribunais de várias nações começam a se debruçar sobre os aspectos que envolvem a relação jurídica existente entre as plataformas digitais e os trabalhadores acionados por aplicativos eletrônicos, com o reiterado reconhecimento jurisprudencial da presença de subordinação hierárquica entre as partes, sendo, por isso mesmo, além de observados outros supostos, as empresas(plataformas)inegáveis empregadoras do pessoal que lhe presta serviços pela modalidade antes descrita. Retornando ao caso concreto, em razão da sua especificidade (prestação de serviços à plataforma digital por meio de empresa interposta), há evidente subordinação direta com a segunda reclamada (Ifood), porém, conforme já mencionado, a petição inicial limita-se a pleitear a responsabilidade subsidiária da tomadora. Assim, os limites da lide devem ser considerados. É certo que demonstrados os supostos da relação de emprego entre as reclamadas, empresa interposta e plataforma digital, e o trabalhador motociclista (motoboy) reclamante, cujos serviços foram prestados por pessoa física, com intuitu personae, em caráter não eventual, mediante onerosidade (assalariamento a título de comissões - comissionista puro) e subordinação jurídica, nos exatos moldes definidos pelo artigo 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, impõe-se reconhecer a existência do contrato de trabalho informal, que deverá, por força da decisão judicial proferida nestes autos, ser formalizado desde o primeiro dia da prestação laboral, a começar pela anotação da CTPS obreira, com todos os efeitos jurídicos retroativos daí decorrentes. Recurso obreiro provido para reconhecer a relação de emprego entre o reclamante e a primeira reclamada no período de 14/01/2021 e 03/12/2021, na função de motociclista, e remuneração mensal de R$ 4.000,00(quatro mil reais). 2.2. ANOTAÇÃO EM CTPS. RESCISÃO INDIRETA. OUTRAS OBRIGAÇÕES DECORRENTES O reclamante postula a rescisão indireta do pacto laboral. A rescisão indireta consiste no ato pelo qual o empregado rescinde unilateralmente o contrato de trabalho, quando adotada pelo empregador alguma das práticas abusivas previstas no artigo 483 da CLT. Assim, comprovado nos autos que as reclamadas deixaram de honrar obrigações do contrato de trabalho, o empregado está autorizado a adotar medida capaz de rompê-lo de forma indireta, como preconizado pelo artigo 483, alínea "d", da CLT, com todas as repercussões daí decorrentes. No caso em apreço, o empregador deixou de cumprir diversas obrigações contratuais, tais como o devido registro em CTPS, recolhimentos de FGTS, dentre outros. Logo, impõe-se o reconhecimento da rescisão indireta do pacto laboral. Por consequência, defiro o pleito de pagamento das parcelas devidas durante vínculo de emprego quais sejam: aviso prévio, férias com 1/3, 13ºs salários, multa do art. 477 da CLT (Verbete nº 61/2017 do TRT da 10ª Região), FGTS e multa de 40%. A primeira reclamada deverá promover as anotações na CTPS obreira e fornecer as guias TRCT e CD/SD. A controvérsia dos autos afasta a aplicação da multa do art. 467 da CLT. Indefiro. 2.3. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE O reclamante afirmou, na petição inicial, que exerceu as suas atividades utilizando motocicleta, motivo pelo qual formulou o pedido de pagamento de adicional de periculosidade. À análise. A Lei n.º 12.997/2014 alterou o artigo 193 da CLT para nele inserir o § 4º, o qual dispõe: "São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta", alargando, dessa forma, o rol dos trabalhadores destinatários do adicional de periculosidade. É incontroverso que o reclamante efetivamente utilizava motocicleta no desempenho de suas atividades laborais, para atender os interesses do empregador. Dessa forma, faz jus ao adicional pretendido. Nesse sentido, o entendimento do colendo TST, conforme abaixo transcrito: "AGRAVO. RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/14 E 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.USO DE MOTOCICLETA. LEI Nº 12.997/2014 REGULAMENTADA PELA PORTARIA 1.565/2014 DO MT. ANEXO 5 DA NR 16. Conforme o disposto no art. 193, § 4º, da CLT, com redação dada pela Lei nº 12.997/2014, publicada em 20.06.14 no Diário Oficial da União, o trabalho com uso de motocicleta expõe o obreiro a riscos, sendo devido o pagamento de adicional de periculosidade. O referido dispositivo legal foi regulamentado pela Portaria 1.565/2014 (14.10.2014) que inseriu tal atividade na NR16. Na hipótese, a Autora, promotora de vendas, utilizava motocicleta para deslocamento até os locais de prestação de serviço, vale dizer, tal meio de transporte era empregado em prol da execução laboral - em benefício das funções que exercia para a Reclamada. Ademais, o fato de o uso da motocicleta não ter sido exigência da Reclamada, visto que houve a anuência da empresa com este tipo de deslocamento, beneficiando-se, inclusive, com a agilidade que este meio de transporte oferece, não afasta o direito da Obreira ao recebimento do adicional de periculosidade. Registre-se ainda que a Reclamante foi admitida em 01/10/2020, após a publicação da Portaria nº 1.565/2014 (14.10.2014), fazendo jus, portanto, ao adicional pleiteado durante toda a contratualidade. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput, do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido" (Ag-ED-RRAg-961-33.2021.5.12.0005, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 12/05/2023, grifei). "ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. UTILIZAÇÃO DE MOTOCICLETA PARA DESEMPENHO DE ATIVIDADES LABORAIS. USO OPCIONAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 193, § 4º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. UTILIZAÇÃO DE MOTOCICLETA PARA DESEMPENHO DE ATIVIDADES LABORAIS. USO OPCIONAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O e. TRT registrou que a reclamante "trabalhou de moto até agosto de 2017" e que "a utilização da motocicleta não era obrigatória, constituindo, ao contrário, opção da empregada para realizar suas atividades laborativas com maior rapidez", razão pela qual concluiu que a autora não faz jus ao adicional de periculosidade. A Corte local, ao concluir que a ausência de obrigatoriedade na utilização da motocicleta, obsta a percepção ao pagamento de adicional de periculosidade, decidiu em desarmonia com a Jurisprudência consolidada deste Tribunal, que é firme no sentido de que o empregado que faz uso de motocicleta no desempenho de suas atividades tem direito ao referido adicional, nos termos do art. 193, § 4º, da CLT, ainda que a utilização deste veículo não seja obrigatória , tendo em vista a maior exposição a risco nas vias públicas. Recurso de revista conhecido e provido" (RRAg-1001597-06.2019.5.02.0045, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 17/11/2023, grifei). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. USO DE MOTOCICLETA. FERRAMENTA DE TRABALHO. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 193, §4º, DA CLT. PRECEDENTES. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 193, § 4º, da CLT. RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. USO DE MOTOCICLETA. FERRAMENTA DE TRABALHO. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 193, §4º, DA CLT. PRECEDENTES. Da interpretação do artigo 193, §4º, da CLT, depreende-se que o uso da motocicleta pelo empregado enseja o pagamento de adicional de periculosidade pelo empregador quando o referido veículo é fundamental ao desempenho das atividades laborais. Na hipótese, embora o Tribunal Regional tenha afirmado que o autor não utilizava a motocicleta na integralidade da prestação de seu serviço, consignou que "(...) utilizava a sua motocicleta para o deslocamento até o local onde era executada a fiscalização e operação". Nesse contexto, conclui-se que o uso da motocicleta era frequente para a realização de seu trabalho. Necessário, portanto, o reconhecimento do direito do empregado à percepção do adicional de periculosidade, por força do dispositivo consolidado em epígrafe. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-12709-67.2015.5.15.0012, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 18/02/2022). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. A Corte de origem, última instância apta para o exame dos fatos e provas, consignou que o reclamante utilizava motocicleta em sua prestação laboral rotineira, razão pela qual era devido o pagamento do adicional de periculosidade. Portanto, se a reclamada não obrigava ou exigia o uso da motocicleta, era permissiva quanto ao uso do referido veículo para o trabalho do reclamante. Diante desse contexto, não há como vislumbrar a indicada afronta literal ao artigo 193, § 4º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido " (AIRR-1149-60.2016.5.10.0812, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 21/09/2018). Portanto, sendo incontroversa a utilização da motocicleta nas atividades laborais, independentemente da exigência de seu uso pelo empregador, impõe-se concluir que é devido o adicional de periculosidade, preconizado no artigo 193, § 4º, da CLT, cujo intento foi conceder um plus salarial àqueles empregados que laborem em atividades ou operações perigosas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado ao trabalhador. Não se olvida que a Portaria n.º 1.565 do MTE foi anulada por decisão judicial. Contudo, o art. 193, § 4º, da CLT, parágrafo acrescido pela Lei n.º 12.997/2014, possui eficácia plena e não depende de legislação inferior para conferir-lhe aplicabilidade. Com efeito, as normas de segurança e medicina do trabalho possuem natureza de direito fundamental (CF, art. 7º, XXII), impondo-se a sua aplicação imediata (CF, art. 5º, 1º), à luz do princípio da máxima efetividade. Nesse sentido, aliás, é o entendimento deste egr. Regional, conforme ementas de julgados a seguir transcritas: RECURSO DO RECLAMANTE. 1. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. USO DE MOTOCICLETA. PAGAMENTO DEVIDO. Incontroverso que o autor utilizava motocicleta em seus deslocamentos até os clientes, conclui-se ter direito ao adicional de periculosidade, porque exposto aos riscos do trânsito. A Lei 12.997/2014, que incluiu o § 4.º ao art. 193 da CLT, é norma autoaplicável, sendo irrelevante para a solução da demanda o fato de a Portaria 1.565/2014 ter sido anulada por decisão judicial. Reforma-se, portanto, a sentença, para condenar a reclamada ao pagamento do adicional com reflexos. Precedentes. (RO 0001054-31.2023.5.10.0021. 3ª Turma. Relator: Desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, Julgado em 11/12/2024) 1. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTOCICLETA. Uma vez que o reclamante utilizava motocicleta para desempenho de suas atribuições laborais, faz jus ao adicional de periculosidade, na forma do art. 193, § 4°, da CLT, norma autoaplicável que prescinde de regulamentação para sua aplicação imediata. Sentença reformada. (RO 0000736-53.2024.5.10.0105. 2ª Turma. Relator: Juiz Convocado Antonio Umberto de Souza Júnior, Julgado em 13/11/2024) 3. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. USO DE MOTOCICLETA. ART. 193, § 4º, DA CLT. A Lei nº 12.997/2014 acrescentou ao artigo 193, o § 4º, por meio do qual passou a prever que "São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta". Com efeito, comprovada a obrigatoriedade de uso da motocicleta para a prestação dos serviços e, constituindo-se tal prática uma atividade considerada perigos pela lei, devido o pagamento do adicional ao trabalhador. (RO 0000861-05.2021.5.10.0015, 1ª Turma. Relatora: Desembargadora Flávia Simões Falcão. Julgado em 14/08/2024) Se para o labor na atividade exercida havia necessidade de utilização de veículo e considerando que o reclamante deslocava-se por meio de motocicleta para executar sua atividade laboral, de forma habitual, é impositivo afirmar que é devido o adicional correspondente, previsto no artigo 193, § 4º, da CLT. Registre-se que o adicional é devido pela mera utilização desse tipo de veículo, cabendo à reclamada, se for o caso, coibir o deslocamento em motocicleta, o que não restou evidenciado nos autos. Ante o exposto, laborando em condições geradoras da periculosidade, deve o empregado receber o adicional respectivo previsto em lei. Dou provimento ao recurso do reclamante para deferir o pagamento de adicional de periculosidade, durante o período do reconhecimento do vínculo empregatício, correspondente a 30% (trinta por cento) do salário, com a incidência de reflexos em aviso prévio, férias acrescidas de 1/3, 13ºs salários, FGTS e multa de 40% (quarenta por cento). 2.4. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. ADICIONAL NOTURNO. Na inicial o reclamante postulou o pagamento de 37h54min de horas extras semanais, bem como feriados trabalhados em dobro e também descanso semanal em dobro. A defesa patronal invoca a tese de labor externo, sem controle de jornada, bem como refuta a jornada declinada na inicial. À análise. Ao basear sua defesa na ausência do controle de jornada pela condição de trabalhador externo conferida ao reclamante (artigo 62, I, CLT), a parte reclamada invocou fato impeditivo do direito pleiteado (CLT, artigos 769 e 818; CPC/2015, artigo 373, II), atraindo para si o ônus de prova respectivo. O comando descrito no art. 62 da CLT disciplina situações excepcionais, nas quais torna-se impossível ou impraticável a submissão do empregado ao regime da duração do trabalho por duas razões. A primeira delas (inciso I), leva em conta o desenvolvimento de atividades fora das instalações da empresa, havendo incompatibilidade com a fixação e controle da jornada laboral. Já o inciso II refere-se à relevância da função desenvolvida, grau de confiança, padrão salarial e amplo poder de gestão em nome da empresa. A situação ordinária é o controle da jornada de trabalho pela empregadora. Portanto, a situação excepcional deve ser comprovada por quem alega (CPC, art. 373, II). O fato de existir labor em caráter externo, por si só, não é suficiente para afastar o cumprimento de jornada, pelo empregado. Deve haver uma incompatibilidade, no dizer do legislador, com a fixação do horário de trabalho. Assim, somente se insere na exceção capitulada no art. 62, I, da CLT, o trabalho em caráter externo que impossibilita o controle pela empregadora. No caso em apreço, é certo que o reclamante era monitorado por GPS e pelos supervisores da primeira reclamada, Guilherme e Igor. Nota-se, assim, que a reclamada detinha o efetivo controle da atuação dos entregadores, por meio da prévia definição de escalas e monitoramento por intermédio da plataforma. Assim sendo, o reclamante, estava submetido a efetivo controle de jornada, sendo-lhe inaplicável o art. 62, I, da CLT. À análise do horário de trabalho do obreiro. Nos estabelecimentos com mais de 20 empregados, é obrigatória a anotação dos cartões de ponto, devendo haver pré-assinalação do período de repouso (CLT, art. 74, § 2º - Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019). A falta de juntada dos cartões ou apresentação com horários britânicos geram presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho indicada na exordial, salvo se elidida por prova em contrário (TST, Súmula 338). No caso vertente, não houve apresentação de cartões de ponto. Frise-se, ainda, que havia monitoramento integral do labor do reclamante, via plataforma digital. Contudo, esses controles não vieram os autos. Na inicial, o reclamante aduziu que laborava 37h54min horas extras semanais, sem folga semanal. Mas a prova oral evidenciou a concessão de uma folga semanal. Dou provimento parcial ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de 37 horas e 54 minutosde horas extras semanais, acrescidas do adicional de 50% e reflexos em repousos semanais remunerados, aviso prévio, férias com 1/3, 13ºs salários, FGTS e multa de 40%. Determino ainda o pagamento em dobro dos feriados laborados, listados na inicial. 2.5. RESPONSABILIDADE DA TOMADORA DE SERVIÇOS O reclamante pretende a responsabilização subsidiária da segunda reclamada (Ifood). No caso vertente, restou demonstrado que o reclamante prestava serviços em favor da segunda reclamada (Ifood), por meio da empresa interposta qualificada na condição de primeira reclamada. Trata-se, portanto, de situação fática que atrai a incidência da Súmula 331, IV, do col. TST. Assim, havendo inadimplemento das verbas trabalhistas, o empregador responderá em primeiro lugar, sendo subsidiária a responsabilidade da contratante. Sinale-se que, ao atribuir-se ao tomador de serviços a responsabilidade subsidiária, está-se fixando comando relevante para assegurar a percepção de verbas pelo trabalhador. Nesse contexto, ao negar a prestação de serviços em seu benefício, mas confirmando a celebração de "contratos de intermediação de NEGÓCIOS" com a empregadora, a segunda reclamada atraiu para si o ônus de comprovar que o empregado não lhe prestou serviços ou que o fez de forma apenas esporádica ou eventual. À míngua de tal prova, restou inequivocamente demonstrado que a segunda demandada se beneficiou da prestação de serviços do reclamante ao longo de todo o período alegado na inicial. Sendo a tomadora empresa privada, a responsabilidade será objetiva, bastando o mero inadimplemento do empregador. Com efeito, a culpa in vigilando somente será examinada quando se tratar de ente da administração pública. Demonstrada a qualidade de tomadora de serviços da segunda recorrente, deve ela responder subsidiariamente pelo adimplemento das verbas devidas ao empregado que lhe prestou serviços, segundo interpretação jurisprudencial contida na Súmula nº 331, do TST, aqui transcrita no aspecto adequado ao caso concreto: "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011(...). IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial". Conforme já fundamentado no item relacionado aos requisitos da relação empregatícia, a plataforma Ifood terceirizou sua atividade fim para a primeira reclamada. De qualquer ângulo que se observe, flagrante a responsabilidade subsidiária da segunda recorrente pelas verbas devidas ao reclamante ao longo de todo o contrato de trabalho. Registre-se que a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços é ilimitada, salvo quanto às obrigações de fazer de natureza personalíssima da prestadora, as quais não podem ser convertidas em pagamento ou recolhimento. Portanto, nada fazendo para o integral cumprimento das obrigações trabalhistas, resta ao tomador de serviços assumir todas e quaisquer dívidas de cunho pecuniário inadimplidas pela sua contratada. Dou provimento ao recurso do reclamante para reconhecer a responsabilidade subsidiária da reclamada IFOOD.COM AGÊNCIA DE RESTAURANTES ONLINE S.A." TODAVIA, apresentei proposta divergente, acompanhada pela maioria dos Integrantes da e. Primeira Turma, restando o feito decidido nos seguintes termos: OUSO DIVERGIR DO NOBRE RELATOR PARA MANTER OS FUNDAMENTOS LANÇADOS NA R. SENTENÇA RECORRIDA VAZADA NOS SEGUINTES TERMOS: "MOTOBOY - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - HIPÓTESE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO AUTÔNOMO O Reclamante conta na inicial que foi contratado para laborar na função de motoboy no dia 14/1/2021, mediante salário mensal de R$ 4.000,00 (R$ 2.000,00 por quinzena laborada). Aduz que o contrato foi rescindido na modalidade indireta, no dia 3/12/2021, e que não houve o recebimento das verbas rescisórias e demais haveres trabalhistas (liberação das guias SD/CD). Assevera, ainda, que não houve registro do contrato de trabalho na CTPS. Pede o reconhecimento do vínculo empregatício com a primeira Reclamada e consectários, com a responsabilização subsidiária da segunda Reclamada, tendo em vista o aproveitamento econômico da mão-de-obra do Reclamante. A primeira Reclamada, em síntese, negou a existência de contratualidade empregatícia ao passo que a segunda Reclamada, a seu turno, rechaçou qualquer hipótese de responsabilização oriunda do modelo de negócios objeto da presente demanda. Passo ao exame da questão. Sabe-se que para a configuração do vínculo empregatício é necessária a conjugação cumulativa dos requisitos essenciais previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam, a pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação jurídica e alteridade. Admitida a prestação de serviços, mas contestado o vínculo empregatício, é das Reclamadas o ônus da prova, por tratar-se de fato impeditivo do direito do Reclamante (art. 818, II, da CLT), ônus do qual se desincumbiram. Em seu depoimento, o Reclamante afirmou que realizava as atividades utilizando motocicleta própria. Em outro trecho, declarou ainda que somente recebia valores se efetuasse as entregas pelo aplicativo, possuindo autonomia quanto à aceitação ou recusa da entrega. Afirmou ainda que, caso ficasse doente, não precisaria apresentar licença médica. Admitiu ainda que poderia escolher se trabalharia ou não nos feriados. Colaciono abaixo o depoimento, com destaque para os excertos mencionados acima (fls. 1176/1177): 'que trabalhou na 1ª reclamada por 1 ano, no ano de 2021; que o depoente trabalhava no sistema de "nuvem", antes de trabalhar no sistema de "OL"; que, na OL, o pagamento era feito por entrega; que caso o reclamante não fizesse entregas, não recebia nenhum valor; que o depoente fazia, em média 20 entregas, por dia, quando trabalhava nos 3 turnos; que o depoente esclarece que sempre fazia 3 turnos no dia; que as entregas eram realizadas das 10h às 22h; que somente a bolsa de entrega era do IFOOD, mas a motocicleta era do depoente; que o depoente não tinha intervalo por turno; que esclarece que havia pausa de 15 minutos (por turno), mas muitas vezes não a tirava; que no aplicativo do IFOOD existe a opção de pausa, mas só quando trabalha para "OL"; que os dias de folga do reclamante eram pedidos pelo depoente e nem sempre eram atendidos no dia em que ele desejava; queo depoente não poderia logar e deslogar do aplicativo do IFOOD quando quisesse, pois havia um tempo de turnos definidos pela 1ª reclamada; que havia um sistema de marcação de turno, que depoente marcava o turno que queria, através do telegram da 1ª reclamada; que o depoente conhece o sistema "formes" em que poderia escolher a escala, mas nem sempre era acatado; que não tem ciência de que as vagas ofertas pelo "formes" são limitadas e preenchidas automaticamente caso ele fizesse preenchimento no sistema; que caso o reclamante não pudesse realizar as entregas, não poderia se fazer substituir, e caso o fizesse, era punido; que trabalhava em feriados; que a decisão para trabalhar nos feriados era decisão ou do reclamante ou da 1ª reclamada (a pedido), mas se tivesse disponibilidade poderia aceitar; que o depoente poderia recusar também, mas poderia ser punido caso fizesse, pois não era colocado no turno quisesse; que o reclamante não poderia recusar entregas, pois caso fizesse era punido não sendo colocado na escala ou não tendo permissão para trabalhar; que no aplicativo do IFOOD existia a opção de recusar entregas; que o depoente tinha cadastro em outros aplicativos de entrega, mas só trabalhava dentro do aplicativo do IFOOD; que caso o depoente ficasse doente, não era necessário apresentar atestado médico; que durante as entregas do reclamante, poderia ser supervisionado, pois quando recusava entregas, a 1ª reclamada ligava para o depoente e perguntava o motivo da recusa; que o depoente deveria ir uma vez por mês na base da 1ª reclamada; que o depoente fez o cadastro no IFOOD, como qualquer outra pessoa interessada, porém para adentrar no sistema da "OL" é diferente, devendo entregar documentos; que o depoente não esteve vinculado a outros "OLs"; que era a 1ª reclamada a responsável pela remuneração do reclamante; que o depoente recebia, por mês, de R$ 4.000,00 a R$ 6.000,00; que esses valores eram transferidos a cada 8 dias, ou melhor, semanalmente; que, por semana, recebia, em média, de R$ 1.300,00 a R$ 1.500,00; que cada entrega era realizada, em média, de 20 a 30 minutos; que o depoente não poderia realizar atividades particulares durante as entregas, inclusive não podendo sair das áreas de entrega designada; que os intervalos de 15 minutos em que o reclamante não tirava, era de opção dele não tirar.' (grifo nosso). De acordo com as informações apresentadas no depoimento acima, é possível destacar os seguintes pontos: a) o Reclamante ativava-se no modelo de negócios/entregas como "operador logístico", tendo realizado cadastro por conta própria na plataforma e utilizando veículo próprio; b) havia um grupo no Telegram para organização das escalas entre os entregadores habilitados na plataforma, sendo que o Reclamante poderia pré-selecionar os turnos de sua preferência; c) o Reclamante poderia, com alguma autonomia, se fazer substituir por outra pessoa e trabalhar aos feriados; d) o Reclamante só recebia algum valor se realizasse entregas; e) a punição mencionada ao longo do depoimento diz respeito à sua exclusão do rodízio/escalas de entregas, a partir de uma "desativação" temporária dos serviços do Reclamante. f) o Reclamante não precisava de entregar atestado médico em caso de doença. Relativamente à prova emprestada, consoante indicado pelo Reclamante, colaciono abaixo, inicialmente, o depoimento da testemunha Gleison Rodrigo Nascimento nos autos do processo nº 0000276-53.2021.5.10.0014 (fls. 1182 /1183) foi o seguinte: 'que a profissão do depoente é motoboy; que o depoente trabalhou para a primeira reclamada, esta como operador logistico, no periodo de novembro de 2020 a fevereiro de 2021, realizando entregas de comida do IFOOD; que foi o depoente quem se cadastrou diretamente na plataforma IFOOD, tendo se vinculado à primeira reclamada, para em enviou os dados bancários, a CNH e o documento do veículo do depoente; que as escalas dos motoboys eram feitas pelo operador logistico, de acordo com a necessidade de tal operador logisticos; que o motoboy poderia informar os dias e horarios de sua disponibilidade, mas quem decidia era o operador logistico, sendo que se o motoboy não pudesse trabalhar determinado dia ou horário, era retirado da escala e sofria desconto, no valor médio de R$45,00 por turno não trabalhado; que nos turnos nos quais o depoente não estava escalado pela primeira reclamada, poderia trabalhar para outras plataformas digitais; que o depoente não sabe informar o motivo de o reclamante ter saido da primeira reclamada; que o reclamante prestava serviço de acordo com a escala fixada pela primeira reclamada, sendo que o reclamante geralmente laborava nos nos tres turnos das 10h00 às 15h00, das 15h00 às 18h00 e das 18h00 às 22h30; que o aplicativo IFOOD disponibilizava opção de pausa de 20 minutos para os motoboys, sendo que normalmente como havia alta demanda, o motoboy não conseguia acionar tal pausa no aplicativo, sendo que tal pausa não estava disponivel no turno das 10h30 às 15h00, mas apenas nos outros turnos; que a primeira reclamada não fiscalizava ou gerenciava os motoboys, salvo o acompanhamento da localização por GPS pelo aplicativo, sendo que também conseguia logar e retirar o login dos motoboys no aplicativo; que a primeira reclamada contactava os motoboys por meio de mensagem no TELEGRAN, onde enviava as escalas e postava alguma reclamação dirigida ao motoboy; que o motoboy precisava ter moto propria para prestar serviços para a primeira reclamada; que o reclamante e o depoente laboravam em todos os feriados; que o depoente e o reclamante usufruiam de uma folga semanal, que não era gozada nos sábados e domingos; que a remuneração dos motoboys era calculada por entregas realizadas, sendo paga semanalmente pela primeira reclamada, que recebia o repasse do valor das entregas pelo IFOOD; que se o motoboy estivesse com dificuldade de logar no aplicativo no turno escalado, a primeira reclamada tentava resolver o problema, sendo que caso não fosse resolvido o problema, resultava na retirada do motoboy daquela escala; que depoente e reclamante realizavam cada um de 15 a 25 entregas por dia; que um motoboy rodava no mínimo 150 km por dia e no máximo 200/250 km por dia, variando mas acordo com a demanda do aplicativo; que não era permitido ao motoboy recusar entrega nem desligar o aplicativo; que no ato do cadastramento no aplicativo, o motoboy poderia escolher o Estado e a cidade de atuação, mas não poderia escolher a região de sua preferência, sendo que no caso do DF a única cidade disponivel é BRASILIA; que o reclamante prestava serviços mais em AGUAS CLARAS e TAGUATINGA; que no inicio, a primeira reclamada mantinha o depoente em escala em todos os turnos do dia, mas posteriormente o depoente passou a ser escalado apenas de quarta a domingo, sem justificativa' (grifo nosso) Ainda, como prova emprestada, o Reclamante elegeu ainda o depoimento do preposto da primeira Reclamada, Rodrigo Ribeiro dos Santos, nos autos do processo 0001133-16.2023.5.10.0019, que colaciono abaixo (fls. 1186/1187): 'que os entregadores entram em contato com a OL; que então a OL solicita ao interessado cópia do documento RG e da CNH; que então a OL envia os dados para o IFOOD; que é necessária a aprovação do IFOOD, então o motoboy fica disponível para realizar entregas; que antes mesmo de procurar a OL, o motoboy baixa o aplicativo IFOOD e faz o seu cadastro; que em alguns casos o próprio IFOOD já autoriza e em outros o motoboy fica em uma lista de espera; que depois desse cadastro o motoboy procura a OL; que as chamadas/entregas chegam através do referido aplicativo, que o motoboy já baixou; que o motoboy tem a opção de rodar via nuvem ou através de OL; que à época do reclamante, ele poderia passar seu cadastro para um terceiro rodar, isso porque ainda não era exigida a selfie, mas essa conduta seria de total responsabilidade do motoboy; que o mesmo poderia ocorrer no modo nuvem; que o diferencial das entregas via OL é que o operador logístico faz a gestão das entregas, com isso haverá um volume maior de entregas para o motoboy e a organização das entregas; que o depoente não sabe informar se o motoboy poderia se cadastrar em mais de uma OL; que se o motoboy não estiver online (no turno) ele não recebe pedidos; que o IFOOD exige que as vagas disponibilizadas para cada turno sejam preenchidas; que o IFOOD não exige metas de entrega; que se OL não cumrpir as exigências do IFOOD, não recebe; que o entregador pode optar por ficar dedicado ou regular, no caso do dedicado, o motoboy fica "dedicado em uma área", recebe principalmente pedidos daquela área, mas se foi à outra região fazer uma entrega e aparece um pedido, ele pode fazer a entrega para outra região, que o regular não fica dedicado em determinada área, escolhe onde vai ficar; que o reclamante fazia referida escolha semanalmente, mas tinha opção por dedicado; que a OL tinha como saber onde o reclamante estava, pois o próprio cliente tinha como saber, a tecnologia possibilitou isso; que se o reclamante estivesse fora da área do dedicado, a reclamada entraria em contato com ele e o informaria que ele estava fora da área escolhida, que então não chegariam os pedidos e oportunizaria ao reclamante mudar para regular; que o reclamante podia fazer entregas para outros aplicativos ou restaurantes durante o turno em que estivesse rodando pela OL; que o preenchimento do formulário pelo motoboy não garantia, por si só, que o motoboy rodaria nos turnos assinalados, dependia também da disponibilidade de vagas; que no caso de número maior de candidatos do que de vagas, seria dada prioridade aos que preencheram o formulário primeiramente; que a própria OL definiu esse critério; que a própria OL fazia o repasse ao reclamante do pagamento das entregas realizadas.' Finalmente, elegeu ainda o Reclamante o depoimento da preposta da segunda Reclamada, Nathany Pereira dos Santos, nos autos do processo 0101014-30.2021.5.01.0069, in verbis: 'que o entregador pode prestar serviço para a empresa no sistema "nuvem" ou no sistema de vinculação à uma OL; que o entregador, quando tem problema de pagamento ou relativo às entregas, trata diretamente com a OL, já que a empresa não interfere nesse trabalho; que a primeira ré teve contrato de OL com a empresa; que a empresa, ao receber a requisição da entrega, repassa o dado para a OL; que se a OL aceitar a entrega, a empresa repassa para a OL os dados completos para permitir a entrega; que então a OL repassa esses dados a um dos entregadores a ela vinculados; que confrontada com o documento de id 6bead1a, folha 848, disse que o TEMPO ONLINE PARA COMPARTILHAMENTO DE ENTREGAS é o período que a OL fica disponível para receber encomendas da empresa; que no mesmo documento a TAXA DE ACEITAÇÃO NO COMPARTILHAMENTO DE ENTREGAS corresponde ao percentual de encomendas aceitas pela OL; que no mesmo documento a TAXA DE CONCLUSÃO NO COMPARTILHAMENTO DE ENTREGAS corresponde ao total de entregas efetivamente realizadas; que os entregadores da OL se cadastram no Ifood, mas vinculados à OL; que a ausência de entregadores ou a sua substituição é matéria que toca a OL; que o Ifood exige da OL um determinado nível de positivação das entregas; que os valores devidos pela entrega, que são calculados pela distância percorrida, são fixados pela empresa e entregues à OL' Pois bem, a partir do exame das declarações acima, é possível concluir pela falta de subordinação jurídica e a possibilidade de prestação de serviços em caráter eventual porquanto o Reclamante tinha possibilidades reais de (i) indicar as escalas/horários em que pretende se ativar; (ii) não laborar aos feriados, conforme juízo próprio de escolha; e (iii) poderia deixar de fazer entrega ou se deixar substituir por outra pessoa, ainda que isso lhe custasse a retirada da escala; e (iv) não precisaria apresentar atestado médico nas ausências por problemas de saúde. Ora, tal regime mostra-se incompatível com os requisitos previstos na atual legislação para configuração do vínculo empregatício. O depoimento da testemunha Gleison Rodrigo Nascimento de Freitas não trouxe outro convencimento, sequer foi capaz de gerar alguma dúvida sobre a prestação dos serviços. O depoimento do preposto da primeira Reclamada (prova emprestada) visto acima revela que o "OL - operador logístico", na realidade, possui mais autonomia sobre as entregas, podendo geri-las da forma que melhor lhe aprouver, com possibilidade de captação de um volume maior de serviço. Finalmente, o depoimento do preposto da segunda Reclamada (prova emprestada) trouxe esclarecimentos quanto ao modelo de negócios construído pelo iFood, permitindo que os prestadores de serviço possam se ativar como simples entregadores ou, ainda, como operadores logísticos, hipótese em que detém mais autonomia e capacidade de articulação do volume de entregas a ser efetivado, intermediando a oferta de serviços e entrega de produtos com a plataforma digital. Mais adiante, passo à análise das provas emprestadas indicadas pelas Reclamadas. O depoimento da testemunha Edgar Vieira Bueno, nos autos do processo 0000689-93.2021.5.10.0005, foi o seguinte: 'que presta serviços às reclamadas como motoboy; que presta serviços vinculado à primeira reclamada desde fevereiro de 2022, mas presta serviços ao Ifood há cerca de 5 anos, sempre vinculado a outras operadoras logísticas; que já viu o reclamante, não se recorda o local; que, com relação às escalas de trabalho, funciona da seguinte forma: toda sexta-feira, o depoente preenche uma escala da semana seguinte, informando os dias e turnos nos quais trabalhará, de acordo com a sua disponibilidade, sendo que todos os dias a reclamada informa sua área de atuação no dia, de acordo com os turnos escolhidos; que o depoente tem trabalhado todos os dias porque atualmente é a sua única fonte de renda, mas em caso de não ter disponibilidade em determinados dias, por motivos particulares, basta informar que a primeira reclamada providencia outra pessoa para a escala; que em caso de problema de saúde, não há necessidade de apresentar atestado médico; que o pagamento é feito de acordo com a quilometragem percorrida, sendo que o cálculo é feito pela própria plataforma Ifood e o valor é repassado ao entregador pela primeira reclamada; que a remuneração não é feita por taxa de entrega, mas sim por quilometragem rodada, até porque existem entregas grátis na plataforma, mas os entregadores não trabalharam de forma gratuita; que o cadastro na plataforma é feito pelo próprio entregador, na modalidade "nuvem", mas quando opta por trabalhar pela OL, o entregador migra para a a empresa, sendo que não pode atuar das duas formas, mas pode voltar a atuar "nuvem" quando se desvincula da OL; esclarece que isso ocorreu no caso do depoente, que já era cadastrado como "nuvem', pois atualmente os entregadores estão fazendo o cadastro por meio da OL, já que o cadastro como "nuvem" na plataforma do Ifood está demorando muito, já que esta se encontra sobrecarregada; que é o entregador que escolhe quantos turnos vai trabalhar no dia, podendo haver variação quanto ao número de turnos de acordo com o dia; que existem 3 turnos: almoço, de 10h30 às 14h, lanche, de 14h às 18h, e jantar, de 18h às 22h; que existe contratoperguntas do(a) procurador(a) primeira da reclamada: escrito entre o entregador e a OL; que em cada turno existe um intervalor de 20 minutos, que o entregador usa da forma como quiser, denominados "pausas"; que o APP dá opções de períodos para a pausa, e o entregador escolhe, sendo que no período escolhido, a plataforma o coloca como "indisponível"; que existe a opção de pausa ao término do turno, para ser liberado mais cedo; que a OL dá o suporte ao entregador quando ocorre algum problema, seja com o veículo,s eja com o pedido, sendo que isso se dá no próprio APP do Ifood; que caso o entregador esteja fora da área de atuação, recebe uma mensagem da OL para que este informe o que está acontecendo; que em caso o entregador pare de atuar durante o turno, ou saia da área deliberadamente, não sabe exatamente a consequência porque nunca agiu dessa forma; que o entregador pode logar em qualquer momento e em qualquer local, mas é a OL que libera para receber pedidos; que é possível rejeitar a entrega, todavia o depoente não trabalha dessa forma; perguntas do(a) procurador(a) da sem perguntas;segunda reclamada: perguntas s do(a) procurador(a) da reclamante: que não sabe se existe um número de vagas estabelecido para cada área; que os ajustes sobre turnos de trabalho e outros são feitos no grupo de Telegram da primeira reclamada; que a escala do depoente é feita de forma individual, assim, o depoente não tem conhecimento sobre as demais escalas dos outros entregadores, sendo que não são divulgadas aos demais participantes do grupo; que se o entregador sai da área de atuação, fica bloqueado; esclarece que a área de atuação pode ser determinada zona ou pode ser "livre", quando o entregador fica disponível para toda cidade de Brasília; que é a OL quem estabelece a zona de atuação, conforme já informado, podendo ser "livre" ou não, o que é informado diariamente ao entregador; que quando está na escala "livre", não há bloqueio porque não há zona específica de atuação; que para ser um entregador, é exigido veículo, seja moto ou bicicleta; que no cadastro do Ifood, seja direto pelo entregador, seja intermediado pela OL, é preciso registrar se o veículo é moto ou bicicleta e no primeiro caso, tem que apresentar o documento; que a OL tem conhecimento se o entregador está online ou offline na plataforma; que o depoente nunca teve problemas relacionados a pagamento, mas se os tiver, tratará com a OL, esclarecendo que no próprio extrato do Ifood consta os valores que lhe são devidos; que o tempo da entrega é estabelecido na plataforma Ifood, sendo inclusive maior que o necessário, mas se for excedido não há problema; que se ocorrer algum acidente, o próprio depoente informa à OL, e se tiver algum problema com a moto, ele tenta primeiro resolver com algum entregador que esteja próximo.' (grifo nosso) Já o depoimento da testemunha Henrique Vieira Santos, nos autos do processo 0000122-89.2020.5.12.0054, foi o seguinte (fl. 1032): 'o depoente trabalha para a 2ª ré desde 2015 na área de logística, apurando resultados de logística, angariando restaurantes, SLA de atendimento; o contrato existente entre a 2ª ré e os operadores logísticos são contratos de intermediação de negócios; operador logístico é uma empresa especializada de delivery que firma esse contrato com a 2ª ré para realizar as entregas dos restaurantes; a 2ª ré não aplica multas aos entregadores ou aos operadores logísticos; se determinado entregador não realiza a entrega, não recebe o valor correspondente e para a 2ª ré não faz muita diferença, pois é designado um outro entregador; o cadastro do entregador é feito mediante o download do aplicativo Ifood para entregadores, inserção de dados e de foto e a aceitação dos termos de uso; depois disso o próprio sistema faz a verificação dos dados e a validação e o entregador já está habilitado para as entregas; esclarece que é feita uma validação pelo próprio sistema e depois o operador logístico ativa a operação pelo aplicativo; questionado se há diferença entre os cadastros de um entregador que atua por meio de uma empresa e de um entregador que trabalha sozinho, disse que a única diferença é que no caso de entregador de operador logístico é feita essa ativação pelo operador, e no caso do entregador nuvem basta a validação pelo sistema; no caso da existência do operador logístico, o pagamento é feito pela 2ª ré ao operador, e não diretamente ao entregador; o entregador sabe que é vinculado a um operador logístico, tanto que isso aparece no aplicativo dele; a 2ª ré não fornece mochilas térmicas; as mochilas que os entregadores usam são compradas pelos operadores ou pelos próprios entregadores; a 2ª ré não exige o uso da mochila com o seu logotipo, podendo o entregador usar uma mochila genérica ou até de outra empresa; a fonte de lucro da 2ª ré é a mensalidade que os restaurante pagam pelo uso da plataforma e a comissão que eles pagam por cada item vendido por meio da plataforma; a 2ª ré não tem relatório de entregas de cada entregador; é o operador logístico que faz os pagamentos aos seus entregadores; o autor não recebia ordens da 2ª ré; o login no aplicativo é feito por email e senha; a 2ª ré está sediada em Osasco; o aplicativo funciona 24h; caso existam escalas de trabalho dos entregadores, acredita que sejam elaboradas pelos operadores logísticos; a 2ª ré não interfere nessas escalas; a 2ª ré só efetua bloqueio de entregadores em exceções extremas, relacionadas ao descumprimento dos termos de uso do aplicativo, como por exemplo se comete uma fraude ou uma agressão a cliente ou a empregado de restaurante; o autor não era monitorado pela 2ª ré; o autor poderia recusar entregas; não havia penalidade se o autor não se logasse no aplicativo, ressalvando que não receberia entregas; o autor poderia se logar concomitantemente em outros aplicativos de entrega; conhece a 1ª ré, que tinha contrato de intermediação de negócios com a 2ª ré, mas não sabe detalhar as cláusulas desse contrato; não considera que o contrato seja de terceirização; a principal obrigação que o operador logístico tem por força desse contrato é realizar as entregas do restaurantes; os pagamentos ao operador logístico são feitos pela 2ª ré quinzenalmente e consistem em um comissionamento com base no valor das entregas; questionado se existe um relatório com o valor devido a cada operador logístico, disse que consegue visualizar no banco de dados o valor devido, e não um detalhamento de todas as entregas por ele efetuadas; a 1ª ré não é a única operadora logística que tem contrato com a ré na grande Florianópolis, estimando que existam 8 na região; não lembra os nomes dessas outras empresas.' (grifo nosso). Por fim, registro ainda o depoimento da testemunha Wagner Silva Figueiredo nos autos do processo 1000263-28.2022.5.02.0401 (fl. 1038): 'que trabalha no Ifood desde junho de 2019; que exerce a função de consultor de operações logísticas; que atua como ponto focal das empresas OL's; que qualquer problema que as empresas OL's têm, o depoente procura alguém dentro do Ifood para resolver; que as empresas OL (operadores logísticos) fazem a gestão das frotas e entregadores que eles possuem; que as empresas OL podem fazer entregas para outros aplicativos, mas não sabe dizer se elas de fato fazem ou não; que o Ifood possui contrato de intermediação de negócios com a THL; que a empresa THL recebe o valor estipulado no contrato para intermediar os negócios do Ifood; que o entregador "nuvem" é o entregador autônomo; que o entregador "OL" é vinculado a um operador logístico; que o entregador somente é bloqueado pelo aplicativo se descumprir os termos de uso do mesmo; que o aplicativo possui botão de pausa para que o entregador faça uma pausa entre os turnos de entrega; que a pausa é de 15 minutos; que o entregador é que faz a pausa no aplicativo' Concluo que as provas orais e documentais (emprestadas), devidamente valoradas, não se coadunam com a hipótese de relação empregatícia. Ao contrário, é possível entrever que o Reclamante era trabalhador autônomo, com a utilização de veículo e aparelho celular próprios, sem existência de alteridade com relação ao empreendimento empresarial, e com capacidade de autonomia e gestão das entregas pelas quais era responsável, sendo certo que, caso não se ativasse nos serviços, não seria remunerado, assumindo ainda o risco de eventual falta de escala. Pontuo que a existência de alguma coordenação no tocante à escala de trabalho por parte da primeira Reclamada, seja diretamente ou por intermédio do aplicativo do iFood, por si só, não é capaz de afetar a autonomia do Reclamante. Isso porque o estabelecimento empresarial indubitavelmente necessita ter o mínimo de concertamento quanto às pessoas que realizam as tarefas de entrega dos produtos aos clientes, e aos períodos e horários respectivos, sem que isto necessariamente configure uma subordinação jurídica propriamente dita. A coordenação de turnos torna-se ainda mais legítima e necessária considerando que o serviço de entrega de produtos produzidos pelo estabelecimento ao consumidor, com qualidade e eficiência, é elementar para a manutenção e sobrevivência do empreendimento no mercado. Outro fator de convencimento no tocante à realização de prestação de serviço autônomo, com inexistência de alteridade, é a utilização de veículo e aparelho celular próprios, conforme já assinalado anteriormente. Outras provas colacionadas não possuem aptidão ou valor probatório suficiente para se concluir de modo diverso. Por tudo que fora pontuado, não havendo revelação inequívoca dos elementos aptos à configuração da relação empregatícia que, aliás, despontou para a existência de um trabalho autônomo exercido pelo Reclamante, julgo improcedente o pedido." A par dessa fundamentação exauriente, não vislumbro meios de reforma da sentença recorrida, cuja fundamentação adoto, para não reconhecer o vínculo empregatício alegado. Prejudicados os demais itens recursais. Nego provimento ao recurso ordinário. CONCLUSÃO Em face do exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação. ACÓRDÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os integrantes da egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, conforme certidão de julgamento, por unanimidade, aprovar o relatório, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria, vencido o Des. Relator, negar-lhe provimento. Tudo nos termos do voto do Juiz Convocado Luiz Henrique Marques da Rocha, que fica designado Redator do acórdão. Ementa aprovada. Brasília, 26 de março de 2025(data do julgamento). Assinado digitalmente. JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA Redator designado BRASILIA/DF, 28 de abril de 2025. ERIVELTO ANTONIO D ANUNCIACAO, Diretor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- SMART DELIVERY SERVICOS DE ENTREGA RAPIDA LTDA
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