Randal Rudge Ramos e outros x Campseg Vigilancia E Seguranca Patrimonial Ltda e outros
ID: 277781887
Tribunal: TRT15
Órgão: 8ª Vara do Trabalho de Campinas
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
Nº Processo: 0010329-35.2023.5.15.0095
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Advogados:
AGOSTINHO ZECHIN PEREIRA
OAB/SP XXXXXX
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RAFAEL AUGUSTO SALOMAO
OAB/SP XXXXXX
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RICARDO JEREMIAS
OAB/SP XXXXXX
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ROBSON COUTO
OAB/SP XXXXXX
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MARIA DE FATIMA CHAVES GAY
OAB/SP XXXXXX
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ALIPIO MARIA JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 8ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS 0010329-35.2023.5.15.0095 : SALATIEL ROSENDO DE LIMA FILHO : CAMPSEG VIGILANCIA…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 8ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS 0010329-35.2023.5.15.0095 : SALATIEL ROSENDO DE LIMA FILHO : CAMPSEG VIGILANCIA E SEGURANCA PATRIMONIAL LTDA E OUTROS (1) INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID cc980ad proferida nos autos, cujo dispositivo consta a seguir: Autor: SALATIEL ROSENDO DE LIMA FILHO Réus: CAMPSEG VIGILÂNCIA E SEGURANÇA PATRIMONIAL LTDA e PETROBRÁS TRANSPORTE S.A - TRANSPETRO Processo: 0010329-35.2023.5.15.0095 8ª Vara do Trabalho de Campinas S E N T E N Ç A I. RELATÓRIO SALATIEL ROSENDO DE LIMA FILHO moveu reclamação trabalhista em face de CAMPSEG VIGILÂNCIA E SEGURANÇA PATRIMONIAL LTDA E PETROBRÁS TRANSPORTE S.A - TRANSPETRO, postulando, dentre outros direitos, horas extras, indenizações por danos morais, materiais e estéticos decorrentes de acidente ocorrido durante prestação de realização de labor em prol da reclamada, manutenção do convênio médico, honorários advocatícios, além da concessão dos benefícios da justiça gratuita e da responsabilização solidária ou subsidiária da segunda reclamada. Atribuiu à causa o valor de R$ 1.868.000,00, razão pela qual o feito tramitou pelo rito ordinário. Devidamente notificadas, as reclamadas compareceram à audiência, apresentando contestações escritas. Em razão do pleito de indenizações por danos decorrentes de acidente, foi determinada a realização de perícia médica. Após a vinda do laudo e esclarecimentos, foi realizada audiência de instrução, oportunidade em que foram colhidos os depoimentos pessoais do reclamante e da 1ª reclamada, e ouvida uma testemunha. Sem outras provas e com a concordância das partes, restou encerrada a instrução processual. Razões finais em memoriais. Propostas conciliatórias, todas, recusadas, em que pese o empenho envidado pelo Juízo no decorrer da tramitação do feito. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. DO DIREITO INTERTEMPORAL A princípio, consigno que o direito material a ser aplicado será o vigente à época em que se realizaram os atos quando do contrato de trabalho, à luz do princípio do tempus regit actum. Deste modo, a remissão aos artigos da CLT considerará a redação do dispositivo vigente à época do contrato, à luz da interpretação conforme a Carta Maior. Feitos tais esclarecimentos, passo à análise da demanda. 2. PRELIMINARES DA ILEGITIMIDADE DA 2ª RECLAMADA Segundo a moderna doutrina processual civil, as condições da ação são aferidas em abstrato (teoria da asserção). Deste modo, a mera indicação pelo autor do 2º reclamado na exordial se mostra suficiente para caracterizar a legitimidade do polo passivo da demanda, que, em razão da ordem jurídica material, eventualmente poderá sofrer os efeitos do provimento jurisdicional. Como a demanda busca a responsabilização da 2ª reclamada, é parte legítima, porque a pretensão se dirige também em face dela. Afasto a preliminar. DA INÉPCIA DA EXORDIAL No processo do trabalho, os requisitos da petição inicial são os elencados pelo artigo 840 da CLT, bastando que seja efetuada a mera exposição dos fatos e formulação do pedido, em atenção ao que preconizam os princípios da simplicidade, oralidade e informalidade. Analisando-se os autos, não se observa nenhuma das hipóteses para que a seja considerada inepta, sendo a prefacial inteligível e compreensível. Os termos da petição inicial permitem que a reclamada saiba qual tutela jurisdicional o reclamante pretende obter, oportunizando a ela o amplo exercício do direito de defesa e contraditório. 3. MÉRITO DAS HORAS EXTRAS Em face dos dizeres do reclamante em depoimento pessoal (“Que o depoente anotava corretamente sua jornada no aplicativo do ponto do banco”), presumo verdadeiros os horários consignados nos registros de ponto acostados aos autos. Considerando que a anotação do ponto era feita corretamente, competia ao autor o ônus de apontar diferenças entre o que efetivamente laborou em sobrelabor e os valores percebidos a título de horas extras em holerite, nos termos dos artigos 818, I da CLT e 373, I do CPC. Contudo, de seu encargo não se desvencilhou a contento, na medida em que não foram apontadas quaisquer diferenças, à luz dos documentos existentes. Improcedente, pois. DO ACIDENTE Versa a presente demanda, também, acerca de indenizações decorrentes da responsabilidade civil atribuível ao empregador fundamentada em pressupostos obrigatórios definidos através do dano, do ato ilícito, do nexo causal, da culpa, do prejuízo, da necessidade e do responsável pela reparação. O fato consubstancia-se em grave acidente de trânsito sofrido pelo reclamante em 08/03/2021 durante o expediente de trabalho, quando se deslocava em veículo da reclamada, conduzido por outro empregado desta, em retorno à região de Campinas. Consoante defesa apresentada, a 1ª reclamada presta serviços de vigilância à 2ª reclamada, “de modo a coibir furtos e saques em tubulações de gás/combustível” (fl. 320), atividade que demanda deslocamentos – tanto que a própria defesa reconhece que “é necessário estar próximo” (às dependências da tomadora de serviços, portanto). Alega a defesa que tais deslocamentos são curtos, o que afastaria a alegação de atividade de risco. Contudo, tal alegação não se sustenta. Isto porque, incontroverso que, no dia do fatídico acidente, o reclamante encontrava-se sendo conduzido em veículo da reclamada, em horário de expediente e em razão do labor, tendo o acidente ocorrido na Rodovia SP 330, na altura de Leme/SP (que se localiza a aproximadamente 100km da cidade de Campinas/SP), retornando de cidade ainda mais distante (Ribeirão Preto/SP, como descrito pelo reclamante; ou Rio Preto/SP, como descrito pela única testemunha ouvida, sr. Erick, que era quem conduzia o veículo em questão). Neste ponto, impende considerar que ambos (reclamante e testemunha) envolveram-se no acidente, que ocasionou graves sequelas físicas ao reclamante e, a toda evidência, também graves consequências de ordem emocional a ambos (perceptíveis quando da colheita dos depoimentos por esta magistrada, que se emocionou ao depor sobre o ocorrido), o que justifica, inclusive, a imprecisão das narrativas quanto à cidade de origem da viagem realizada naquele dia. De todo modo, resta evidente que os deslocamentos em razão do trabalho não se limitavam a curtas distâncias, como quis fazer parecer a ré – já que o próprio acidente em si ocorreu a aproximadamente 100km de Campinas. Outrossim, diante das atividades desenvolvidas pelo reclamante – segurança/vigilância em unidades da segunda reclamada – resta evidente que os deslocamentos se davam de forma habitual, em decorrência das atividades desempenhadas. Quanto ao acidente, vejamos. No dia dos fatos (madrugada de domingo para segunda-feira, já no dia 08/03/2021), o veículo em que o reclamante estava, que não era conduzido por ele, mas sim por outro empregado da ré, sr. Erick, envolveu-se em grave acidente, colidindo com a traseira de um caminhão, retratado no Boletim de Ocorrência colacionado com a inicial. O acidente feriu com mais gravidade o reclamante, que estava sentado no banco do passageiro, que ficou preso às ferragens e, portanto, demandou resgate especializado - que, ao que se inferiu das provas orais produzidas, sequer pode ser realizado pela equipe de socorro da concessionária daquela via, mas sim, foi realizado pelo corpo de Bombeiros (que tinha equipamento apropriado para abrir o carro e poder, finalmente, retirar o sr. Salatiel do veículo e prestar o socorro necessário). Em razão do acidente, sofreu as lesões descritas nos documentos e no laudo pericial produzido, quais sejam, fratura da coluna cervical com trauma raquimedular, que ocasionou tetraparesia e tetraplegia em definitivo (vide conclusão do laudo a fl. 922). Inconteste, portanto, a existência do infortúnio e o nexo entre as lesões e o acidente. Pontuo que, como foi possível identificar, o contrato de trabalho permanece vigente, estando o reclamante aposentado por invalidez em decorrência do infortúnio em questão. As questões relacionadas à incapacidade serão apreciadas oportunamente, em razão da ordem de prejudicialidade das matérias. Acerca da responsabilidade pelo evento danoso, a reclamada alega, em síntese: que a atividade não era de risco, não havendo se falar em responsabilidade objetiva; que não havia jornada extenuante, e que o veículo estava em excelentes condições; e que há culpa exclusiva do reclamante, visto que este não usava cinto de segurança e reclinou o assento para poder dormir, bem como viu que seu subordinado (sr. Erick, que dirigia o carro) estava cansado, mas o deixou dirigindo. Pois bem. A Constituição Federal guarda entre os seus fundamentos a promoção do bem estar da população, sem qualquer forma de discriminação, garantindo, ainda, o estabelecimento da dignidade humana, consoante art. 1º, inciso III. No mesmo sentido, seu art. 196 dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado por meio de políticas sociais e econômicas a redução do risco e de outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços voltados à promoção, proteção e recuperação daquela. A saúde é o bem maior que o trabalhador possui (pois através dela é que empreende a força de trabalho tão indispensável para garantir sua subsistência), sendo dever também do empregador por ela zelar durante o vínculo empregatício, já que assume os riscos do empreendimento que intenta. Assim, ao empregador se impõe como dever adotar medidas que reduzam os riscos inerentes ao labor, consoante determina o artigo 7º, XXII da CF. É notório que o descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho acarreta danos imensuráveis não só a saúde, mas também a esfera social do obreiro, porquanto - se acometido por acidente ou doença ocupacional – poderá trazer consigo sequelas tanto de ordem moral, material, estética, além de padecer de possível redução da capacidade laborativa. Ademais, a inobservância de referidas regras de ordem cogente contribui para encarecer os gastos da Seguridade Social, incluídos os do SUS e Previdência, que acabam sendo repassados para a sociedade de algum modo. A responsabilidade civil no âmbito laboral deve ser interpretada em diálogo com os direitos de segunda dimensão e princípios (sobretudo em função da força normativa adquirida por estes últimos com o advento do pós-positivismo), de forma a assegurar a concretização dos fundamentos republicanos consubstanciados na dignidade da pessoa humana, cidadania e valor social do trabalho (artigo 1º da CF/88), aliado à obtenção da função social da propriedade e do contrato, tudo com o empenho de garantir a máxima efetivação dos direitos constitucionais e busca pela implementação da plena Justiça Social. Segundo a teoria da responsabilidade, aquele que cometer ato ilícito (nos termos dos artigos 186 e 187 do CC) tem o dever de repará-lo, como preconiza o artigo 927 do CC. O ordenamento pátrio prevê como regra a forma subjetiva (em que se considera a culpa do agente), sendo a modalidade objetiva exceção, de acordo com o que se extrai do parágrafo único do diploma legal já citado (artigo 927). No caso dos autos, resta incontroverso que, por ordem de seu empregador, o reclamante habitualmente empreendia viagens às dependências do cliente da Campseg (in casu, segunda reclamada, Transpetro). Em razão da execução dos serviços a seu empregador, veio o reclamante a sofrer grave acidente de trânsito, quando retornava à Campinas, após levar um veículo da empresa para outra localidade. Como se verificou dos autos, no momento do acidente, o veículo estava sendo conduzido por outro empregado da ré, sr. Erick, que foi ouvido como testemunha. Destaco que o acidente não se deu no deslocamento habitual do empregado de sua residência ao local da prestação de serviços, mas sim, em viagem decorrente da prestação de ser/viços à empresa, a mando do empregador. Estava o reclamante sujeito aos perigos imanentes à execução do próprio ofício, mormente pela necessidade de viagens/deslocamentos ao cliente da empresa, com contato constante com o trânsito, se sujeitando aos maiores riscos. Repiso que sequer há se falar em deslocamentos de curta distância – o que, de todo modo, não alteraria a conclusão pela maior exposição aos riscos decorrentes do trânsito, que decorria diretamente do exercício de seus misteres em serviços de vigilância de unidades da 2ª reclamada. Logo, a responsabilidade aplicada é a objetiva. Considerando a responsabilidade objetiva, destaco que nenhuma prova foi realizada para demonstrar que o acidente se deu exclusivamente por culpa do empregado, que sequer estava na condução do veículo e sim como passageiro em regresso à localidade de Campinas. Destaco, assim, que não restou comprovado o cometimento de ato que se caracterizasse como de culpa EXCLUSIVA DA VÍTIMA capaz de afastar a responsabilidade da empresa. Sobre o tema, afirma a defesa que o reclamante não utilizava cinto de segurança, alegação que, não bastasse não ter sido comprovada pela reclamada, sequer se revela crível. Explico. Em audiência, a reclamada afirmou que “pelas próprias investigações do boletim de ocorrência apenas o motorista e o passageiro traseiro é que estavam utilizando o cinto e o reclamante não” e que “as informações que a empresa tem são decorrentes de relatos dos envolvidos no acidente também”. Porém, não há qualquer comprovação quanto aos alegados relatos dos envolvidos no acidente. Ao contrário, o sr. Erick, ouvido como testemunha, foi expresso ao afirmar que “todos estavam com cinto de segurança e o próprio reclamante cobrava o uso desse cinto”. Ao que transpareceu, a alegação de que o reclamante estava sem o cinto baseia-se unicamente na informação constante do boletim de ocorrência, que, no campo de informações complementares do qualificado, menciona quanto ao uso de cinto “Não Informado” (fl. 137). A simples menção de que o uso do cinto não foi informado, ao contrário do que equivocadamente entendeu a ré, não leva à conclusão de que o reclamante efetivamente não estivesse utilizando o cinto. Ora, a mesma menção a “não informado” quanto ao uso do cinto também consta do BO, com relação ao sr. Alecio (que estava no veículo, no banco traseiro): Segundo o equivocado raciocínio da reclamada, a menção constante do BO também levaria à conclusão que o sr. Alecio estaria sem cinto de segurança. No entanto, o preposto descreveu em depoimento que o passageiro traseiro utilizava o cinto, o que só reforça a impropriedade das alegações defensivas. Diante da ausência de comprovação do alegado, tenho que o reclamante estava utilizando do cinto de segurança, assim como os demais ocupantes do veículo (inclusive o sr. Alecio). E nem poderia ser diferente. A um, porque o acidente foi extremamente grave, com dano de grande monta ao veículo em que estavam (uma picape modelo Nissan Frontier), o que resta demonstrado pelas fotografias constantes do BO (fls. 143/144). Pela intensidade do acidente, não é desarrazoado concluir que mesmo o passageiro que estivesse sentado atrás, caso estivesse sem o cinto (caso se considerasse unicamente a menção a “não informado” descrito no BO), sofreria algum tipo de ferimento mais sério. No entanto, o sr. Alecio saiu ileso do acidente (como descrito no BO a fl. 137, acima mencionado). A dois, porque, em se tratando de veículo moderno, o próprio veículo acusaria, por meio de alarmes, a falta de uso de cinto por algum dos ocupantes, principalmente dos bancos da frente – como descreve a testemunha, que disse que “o veículo contava com sensor que aumentava quando não ficava com o cinto, aumentando o barulho sonoro ainda mais com o passar do tempo”. Pontuo que o veículo também era blindado, o que só reforça a existência de mecanismos de segurança (dentre eles, sinais sonoros para utilização do cinto) superiores aos hodiernamente encontrados em veículos populares. A três, porque sequer se revela plausível que o reclamante ou qualquer dos ocupantes do veículo estivesse sem cinto de segurança, até mesmo porque trafegavam em rodovia. A quatro, o reclamante foi socorrido desacordado, de tal sorte de que não tinha como dar qualquer declaração a quem o socorreu. Ademais, a única testemunha ouvida confirmou que todos estavam com cinto, incluindo o reclamante. Ora, não haveria de fato como a autoridade policial identificar qualquer questão relacionada ao uso de cinto, diante do grave cenário encontrado – sendo certo que o cinto foi aberto, ou mesmo rasgado/cortado, pelos próprios socorristas, tanto os que trabalham na concessionária e que primeiro tentaram fazer o resgate, como posteriormente os Bombeiros, que com equipamento próprio finalmente conseguiram retirar o sr. Salatiel das ferragens. Tal cenário justifica a menção a “não informado” quanto ao uso de cinto, descrito no boletim de ocorrência, aliado ao fato de que o obreiro foi socorrido desacordado e sem a menor condição de dar qualquer declaração. Como pontuado acima, o acidente foi gravíssimo, ensejando danos de grande monta no veículo, que ficou com a parte dianteira completamente destruída, como se observa das fotografias constantes do BO, além de de comprometer severamente a vida do reclamante de modo irreversível. É de supor que, num acidente de tal proporção, o uso de cinto de segurança e a existência de air bags amenizem as consequências, mas, por óbvio, não se mostram capazes de impedir todo e qualquer dano físico aos ocupantes. Em verdade, não fossem os equipamentos de segurança do veículo, as consequências do acidente poderiam ter sido ainda mais trágicas... Afasto, pois, a alegação de culpa exclusiva, relacionada a não utilização de cinto, já que não demonstrada pela reclamada, e destoante dos demais elementos de prova existentes. De igual modo, a reclamada não comprovou que o reclamante estivesse com o banco reclinado, tampouco que isto tenha sido causa dos ferimentos que experimentou. Também não há qualquer comprovação de que o reclamante atuou de modo negligente ou imprudente, ao permitir que seu subordinado, que estava cansado, prosseguisse na direção. Em sentido contrário, o próprio sr. Erick descreveu que laborava em escala 12x36 e que, embora tivesse laborado por três meses fazendo FTs por falta de efetivo, tinha ficado o sábado de folga. Disse ainda que “que naquele dia o chefe pediu para que entrassem mais cedo por volta de 12/13 horas, mas o depoente só aceitou ingressar uma hora antes do horário do expediente por se tratar de domingo”. Ressalto que a alegação constante na defesa, no sentido de que o reclamante, “por si próprio, relatou ao Sr. Munir que o condutor. Sr. ‘Leite’, estava sonolento, mas que deixaram para trocar a condução após o pedágio” (fl. 323) NÃO foi comprovada. Não há, pois, prova da existência de qualquer fator, claramente identificável pelo reclamante, que o permitisse concluir que o sr. Erick estivesse cansado e inapto a dirigir o veículo. Ao que o juízo conseguiu inferir, ambos (reclamante e testemunha Erick, que era o motorista do veículo na ocasião) atuavam em escala 12x36 noturna, e já se encontravam ao menos na metade da jornada daquele dia (considerando a escala noturna e o horário do acidente, às 00h30) e trabalhando em final de semana. Naquele dia faziam, pois, viagem cobrindo relevante distância, a mando do empregador – o que, até mesmo pelo cansaço da própria atividade de direção, no período noturno, pode ter levado à “cochilada” reportada pelo sr. Erick à autoridade policial, constante do BO a fl. 131. Nesse sentido, descreveu o sr. Erick em audiência que “Que acredita que tenha pescado no momento do acidente, Pois não viu o caminhão, mas se recordou do acidente da forma que relatou”. A situação acima, no entanto, NÃO afasta o nexo causal, nem exclui o dever de indenizar, respondendo o empregador por atos de terceiro, nos exatos termos dos artigos 932, III e 933 do CC: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - O EMPREGADOR OU COMITENTE, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; (...) Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.” Noutros termos, a obrigação de indenizar se impõe por ato cometido por preposto do empregador (in casu, empregado que atuava na condução do veículo), ainda que não haja culpa direta do empregador, consoante artigo 933 do CC . Assim, nos presentes autos (que trata unicamente das questões afetas à responsabilidade sobre o acidente, no tocante ao reclamante Salatiel), nem mesmo eventual culpa do sr. Erick pode ser aventada (como pretendeu a 2ª reclamada em sua defesa). Ademais, a atividade econômica da reclamada tinha por condão a exposição do obreiro às situações de riscos maiores de trânsito, como a que efetivamente o atingiu. O autor foi vítima de acidente de trânsito quando realizava deslocamento decorrente da prestação de serviços a mando do empregador, em veículo deste último. Diante de todo o exposto, presente o nexo causal, sendo patente a responsabilidade da reclamada. Analisemos as sequelas. De acordo com o laudo apresentado, o reclamante sofreu trauma raquimedular, com tetraparesia e tetraplegia definitiva, estando com seu estado de saúde física e mental comprometidos. Apresenta, pois, segundo a análise do perito, limitações para atividades laborais, mesmo as que, outrora, realizava na reclamada, concluindo pela incapacidade TOTAL, COM SEQUELAS IRREVERSÍVEIS: “O reclamante sofreu acidente automobilístico em 8/3/2021, enquanto estava trabalhando. Foi diagnosticado Fratura da Coluna Cervical com Trauma Raquimedular, foi submetido a tratamento cirúrgico em 11/3/2021. Apresenta tetraparesia e tetraplegia em definitivo. Existe nexo causal do trauma com a perda total de capacidade laboral e sequela definitiva irreversível para todas suas atividades diárias básicas.” Como se verifica do próprio laudo apresentado pelo sr. Perito, o reclamante necessita de tratamento fisioterápico constante, além de cuidados diários de uma equipe de enfermagem (resposta ao quesito nº 10, fl. 923) Ante todo o exposto, bem como pela inexistência de provas técnicas suficientes a permitir o afastamento da prova pericial, acolho a conclusão do laudo, no tocante ao nexo (que, ademais, é incontroverso) e quanto à incapacidade. Contudo, no que tange aos danos estéticos, o sr. Perito afirmou que estes inexistem (resposta ao quesito nº 17, fl. 925), conclusão que não pode prosperar. Ressalto que o juízo não se encontra adstrito ao laudo produzido, devendo considerar todo o conjunto probatório. Ora, é evidente que o reclamante sofreu dano físico de intensa monta, perdendo os movimentos (tetraplegia), por certo se locomovendo, quando necessário e possível, apenas com cadeira de rodas específica para sua condição, tendo ainda se submetido à cirurgia em sua coluna, além de estar em tratamento de escaras (lesões na pele), comuns em pessoas acamadas e/ou com restrição de movimentos, como é o caso do reclamante. Assim, por óbvio, apresenta danos à sua compleição física, decorrentes não apenas das cicatrizes do próprio acidente, da cirurgia em sua coluna e das escaras, como também da própria tetraplegia. Ante todo o exposto, presentes estão concomitantemente os pressupostos legais da responsabilidade, quais sejam: ato ilícito, nexo causal e dano. A partir da prova técnica, passo à análise dos pleitos formulados. DOS DANOS DECORRENTES DO ACIDENTE A) DOS DANOS MORAIS E ESTÉTICOS O dano moral, nesses casos de sequelas definitivas decorrentes de acidente do trabalho, é in re ipsa. Isto porque o trabalhador (que contava com plena saúde antes do evento) terá que conviver por toda a sua existência com a pecha de não ser mais pessoa plenamente sadia, que era até então, inclusive com a necessidade de se locomover por cadeira de rodas, persistindo sequelas motoras exuberantes – em razão da lesão cervical, da tetraplegia e todas suas consequências, necessitando de ajuda de terceiros para tarefas simples do cotidiano e demandando fisioterapia para o resto da vida. Resta claro que essas aflições persistem no tempo, sendo as sequelas irreversíveis, conforme já decidiu o STF: “O dano moral exsurge do fato de a autora ter que conviver com o defeito físico oriundo do acidente, sem possibilidade de recuperação, e impedida, igualmente, de desenvolver as costumeiras tarefas diárias, por mais singelas que sejam, necessitando de ajuda externa.” (STF, RECLAMANTE 431977/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ: 08.09.2004) Não há como olvidar que a situação do acidente vivenciado pelo autor provocou e provoca dor, desconforto e dificuldades, além de tê-lo afastado do trabalho e da prática de simples atividades rotineiras realizadas por quem ostenta autonomia e independência, situação ensejadora de abalos presumidos, como expendido. Além do mais, o acidente de trânsito em que se envolveu o autor (em que se feriu com muita gravidade, ficando inclusive preso nas ferragens), bem como a necessidade de passar por cirurgia e permanecer internado por um período), per si, é suficientemente prejudicial. Toda a situação vivenciada pelo obreiro consubstancia-se como contexto fático hábil a causar efetiva lesão, tanto à sua dignidade quanto ao direito de personalidade, da qual decorre o dever de indenizar o dano moral, nos termos do artigo 5º, X, da Constituição da República e dos artigos 186 e 927 do Código Civil. Como o dano moral experimentado guarda relação com o trabalho (pois foi em razão de viagem determinada pelo empregador para exercer seus misteres para a empresa, que o obreiro se feriu gravemente), resta inafastável a responsabilidade do reclamado pela indenização pleiteada. Quanto aos danos morais, a prova da dor, do sofrimento ou abalo psíquico é dispensável uma vez que decorre da natureza humana, podendo ser verificados pelo exame das regras da experiência e pela verificação do que normalmente ocorre na vida do “homem médio”, utilizando-se aqui de conceito jurídico já estabelecido. Não se pode negar que o obreiro, diante de todo o exposto, sofreu danos morais de grande monta (in re ipsa), os quais devem ser igualmente reparados. Neste ponto, convém ressaltar que a Constituição Federal assegura a reparação ampla e integral dos danos extrapatrimoniais (artigos 5º, incisos V e X), sendo que as disposições constantes dos artigos 223-G (mormente a tarifação constante de seu §1º) só podem ser interpretadas à luz dos dispositivos constitucionais mencionados, sob pena de ofenderem ao postulado da isonomia (artigo 3º, IV e 5º, caput da CF), criando distinção não justificada entre pessoas. A interpretação literal da CLT, nesse caso, não se aplica. A adoção do salário contratual como único parâmetro para cálculo da indenização por danos extrapatrimoniais fere de morte a Constituição Federal, ao estabelecer tratamento desigual aos trabalhadores, dimensionando a dor e a dignidade do ofendido a partir de critério meramente monetário, motivo pelo qual a norma infraconstitucional deve ser lida e interpretada sob o prisma constitucional. A capacidade econômica das partes é, sem dúvida, apenas um dos critérios a serem considerados para o arbitramento da indenização - não havendo se cogitar, entretanto, na limitação da indenização em razão do salário contratual do ofendido. Neste sentido foi a recente decisão proferida pelo STF nas ADIs nºs 6050, 6069 e 6082, in verbis: "Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu das ADIs 6.050, 6.069 e 6.082 e julgou parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 1) As redações conferidas aos arts. 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 2) Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber (Presidente), que julgavam procedente o pedido das ações. Plenário, Sessão Virtual de 16.6.2023 a 23.6.2023." (grifos meus). Ainda, importante trazer à baila os termos de Enunciado da Segunda Jornada de Direito Processual e Material do Trabalho, promovida pela Anamatra, entendimento ao qual me filio, e que assim dispõe: “DANO EXTRAPATRIMONIAL: EXCLUSIVIDADE DE CRITÉRIOS APLICAÇÃO EXCLUSIVA DOS NOVOS DISPOSITIVOS DO TÍTULO II-A DA CLT À REPARAÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DECORRENTES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: INCONSTITUCIONALIDADE. A esfera moral das pessoas humanas é conteúdo do valor dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB/88) e, como tal, não pode sofrer restrição à reparação ampla e integral quando violada, sendo dever do estado a respectiva tutela na ocorrência de ilicitudes causadoras de danos extrapatrimoniais nas relações laborais. Devem ser aplicadas todas as normas existentes no ordenamento jurídico que possam imprimir, no caso concreto, a máxima efetividade constitucional ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 5º, V e X, da CRFB/88). A interpretação literal do art. 223-A da CLT resultaria em tratamento discriminatório injusto às pessoas inseridas na relação laboral, com inconstitucionalidade por ofensa aos arts. 1º, III; 3º, IV; 5º, caput e incisos V e X e 7º, caput, todas da Constituição Federal. (Enunciado Aglutinado nº 5 da Comissão 2)” Assim, cabe ao julgador fixar a indenização, por arbitramento, a partir da extensão do dano, balizando-a com todos os elementos constantes do caso concreto. A jurisprudência tem evoluído no sentido de que o montante devido não pode ser pequeno a ponto de causar uma ofensa ainda maior ao autor. Afinal, o dano moral, em si, não pode ser revertido. Também deve se ter em mente, para a fixação da indenização, a capacidade econômica do agressor. A indenização arbitrada deve servir de desestímulo ao réu, para que ele nunca mais pratique a conduta tida como ofensiva e ilícita. Caso contrário, estaria o Judiciário estimulando tais condutas no seio da sociedade. Afinal, se a indenização não tiver, em seu bojo, um componente de coercibilidade, poderia o réu sentir-se estimulado a manter sua conduta, agredindo a sociedade e zombando do Judiciário, pois poderia com facilidade livrar-se das condenações. Enfim, a estimativa do quantum deve ser casuística. O professor Sebastião Geraldo de Oliveira, com maestria, no seu livro Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, cita alguns parâmetros a serem observados pelo julgador, com amparo na jurisprudência e doutrina – Editora LTR – pág 126: “Em síntese, entendemos que o legislador sabiamente não adotou parâmetros ou limites para a indenização por danos moral, deixando ao prudente arbítrio do juiz a sua fixação, diante de múltiplas especificidades do caso concreto. Todavia, alguns pressupostos assentados na doutrina e jurisprudência devem nortear a dosimetria dessa indenização: a) fixação do valor obedece duas finalidades básicas que devem ser ponderadas: compensar a dor, o constrangimento ou o sofrimento da vítima e combater a impunidade; b) é imprescindível aferir o grau de culpa do empregador e a gravidade dos efeitos do acidente; c) o valor não deve servir para enriquecimento da vítima nem para a ruína do empregador; d) a indenização deve ser arbitrada com prudência temperada com a necessidade coragem, fugindo dos extremos dos valores irrisórios ou dos montantes exagerados, que podem colocar em descrédito o Poder Judiciário e esse avançado instituto da ciência jurídica; e) a situação econômica das partes deve ser considerada, especialmente para que a penalidade tenha efeito prático e repercussão na política administrativa patronal; f) ainda que a vítima tenha suportado bem a ofensa, permanece a necessidade da condenação, pois a indenização pelo dano moral tem objetivo também de uma finalidade pedagógica, já que demonstra para a sociedade a punição exemplar para aquele que desrespeitou as regras básicas da convivência humana.” Tecidas tais considerações, julgo procedente o pedido de indenização por danos morais, e arbitro a título de condenação o montante de R$700.000,00, condizente com a capacidade econômica da empregadora e do empregado, a extensão do dano (acidente de trânsito que ensejou sequelas graves e permanentes ao obreiro, e o tornou dependente de terceiros para as atividades diárias), a culpa do reclamado no evento danoso, o caráter pedagógico da medida, bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ainda, o valor acima arbitrado considerou a conduta da reclamada após o acidente –na medida em que o reclamante teve alguma espécie de suporte pela reclamada (ainda que insuficientes para o custeio de todas as despesas), de forma espontânea. É devido também o dano estético no importe de R$450.000,00, tendo em vista que o obreiro teve alterada a sua constituição física em razão das graves lesões que sofreu. Apenas para que não se alegue omissão, destaco quanto à possibilidade de cumulação de indenizações por danos morais e estéticos decorrentes do mesmo fato, nos termos da Súmula 387 do STJ. Por fim, consigno que o Juízo não está adstrito aos valores de indenizações (danos morais, materiais e estéticos) descritos na exordial, por se tratarem de mera sugestão da parte, mas sim aos pleitos edificados. B) DOS DANOS MATERIAIS b.1) DA PENSÃO VITALÍCIA Com relação à pensão vitalícia, esta se destina a compensar eventual inabilitação ou depreciação sofrida pelo trabalhador em decorrência de lesão ou ofensa à saúde, quando resultar defeito que o impossibilite ou diminua a sua capacidade de trabalho. No caso em apreço, o laudo pericial (elaborado por perito de confiança do juízo) assegurou que o acidente sofrido pelo reclamante acarretou-lhe sequelas exuberantes e, por conseguinte, incapacidade permanente e total para o labor. Transcrevo as conclusões do laudo e respostas aos quesitos 7, 8 e 9 do juízo: “Apresenta tetraparesia e tetraplegia em definitivo. Existe nexo causal do trauma com a perda total de capacidade laboral e sequela definitiva irreversível para todas suas atividades diárias básicas.” (fl. 922) “7 – Quais as alterações e/ou comprometimentos que a doença acarreta na saúde do(a) reclamante, na sua capacidade de trabalho e na sua vida social? R: O reclamante está tetraplégico e tetraparésico. Necessita de ajuda para realizar todas suas atividades básicas. 8 – É possível mensurar a eventual incapacidade de trabalho do(a)reclamante, com fundamento, por analogia, nos critérios estabelecidos na tabela SUSEP e na tabela da Lei n.º 11.945/2009? R: Sim. 100%. 9 – Há possibilidade efetiva de reversão do quadro para recuperação da aptidão normal de trabalho? R: Não.” (fl. 923) Ante todo o exposto, considerando a incapacidade total para o exercício das tarefas outrora desempenhadas e a existência de sequelas definitivas; considerando, ainda, que o art. 950 do CC exige tão só a incapacidade para as tarefas anteriores, julgo procedente o pedido de danos materiais, para determinar o pagamento de pensão mensal, no importe de 100% da remuneração média outrora percebida (assim considerada a média dos doze meses anteriores ao acidente), a contar do dia do acidente e de forma vitalícia (até a data de seu falecimento). Não há como incluir na base de cálculo o adicional de periculosidade, por se tratar de salário condição. É devida, no entanto, a inclusão dos reflexos em 13º salários, 1/3 de férias de FGTS (8%), tudo a fim de que se assegure a restituição integral. Deverão ser observados os reajustes da categoria. A reclamada deverá implantar o pagamento em folha, no prazo de 8 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença, independentemente de nova intimação, sob pena de astreintes diárias de R$500,00 até efetivo cumprimento da obrigação de fazer. Ainda, determino a constituição de capital, prevista no artigo 533 do CPC, tratando-se de mecanismo destinado a garantir o adimplemento da obrigação pecuniária, no valor de R$2.000.000,00. Os valores devidos desde a dispensa até a implementação do pagamento em folha serão apurados em regular liquidação de sentença. Esclareço que, em que pese o parágrafo único do artigo 950 do Código Civil preveja a possibilidade de o obreiro postular o pagamento em parcela única, o diploma legal não retira do julgador a discricionariedade para decidir a forma de pagamento mais adequada para o caso concreto. Ponderando os valores envolvidos, bem como a idade do trabalhador, as lesões sofridas (as quais continuam sendo percebidas, sendo permanentes como verificou o sr. perito), a finalidade deste instituto, bem como o seu interesse social e a capacidade econômica da reclamada, o juízo reputou mais adequado que o autor percebesse o benefício nos moldes instituídos em sentença. Saliento que não se cuida de direito potestativo do autor eventual escolha, razão pela qual o juízo a ela não está limitada. Nesse sentido, inclusive, já havia se posicionado a SDI-1 do C. TST: “-RECURSO DE EMBARGOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. PENSÃO. PEDIDO DE PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 950 DO CÓDIGO CIVIL. PAGAMENTO ÚNICO OU EM PARCELAS MENSAIS. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ. Quanto ao pedido de pagamento de pensão, nos termos do artigo 950 do Código Civil, tem o Juiz margem razoável de discricionariedade para, analisando as circunstâncias dos autos, escolher o critério de maior equidade entre as partes, seja decidindo pelo pagamento em parcela única, seja em parcelas mensais, ainda que tenha pedido expresso para pagamento em uma única vez, nos termos do parágrafo único do referido dispositivo. A norma inscrita no parágrafo único do art. 950 do CC deve ser apreciada levando em consideração o princípio que norteia a fixação de capital, que é gerar a subsistência da parte lesada, sem que se verifique que a mera exigência de que o prejudicado pode exigir a indenização de uma só vez importe em dever legal imposto ao julgador, sem levar em consideração os demais princípios que regem a prestação jurisdicional, em especial aquele inscrito no art. 131 do CPC. Embargos conhecidos e desprovidos. (E-RR - 114800-62.2007.5.03.0042, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 24/6/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 6/8/2010)-“ Tal entendimento foi recentemente confirmado na tese jurídica fixada no IRR Nº 77 do Eg.TST (Processo 0000348-65.2022.5.09.0068), in verbis: “A definição da forma de pagamento da indenização por danos materiais prevista no art. 950 do Código Civil, em parcela única ou pensão mensal vitalícia, não configura direito subjetivo da parte, cabendo ao magistrado definir a questão de forma fundamentada, considerando as circunstâncias de cada caso concreto.” Relembro às partes que a pensão preconizada pelo artigo 950 do Código Civil decorre da incapacidade laboral, já o salário mensal advém da contraprestação de serviços efetuada, assim como o benefício previdenciário é decorrência de uma relação estabelecida entre o segurado e INSS. Logo, por ostentarem naturezas jurídicas diversas, nenhuma das 3 parcelas se confundem, tampouco se compensam entre si. O fato de o trabalhador auferir benefício de aposentadoria da Previdência não impede o deferimento da pensão mensal, já que uma é a relação do reclamante com a reclamada enquanto empregado, outra é a que na condição de segurado mantém com a Previdência Social. Quanto aos valores pagos pela reclamada, necessárias algumas ponderações. Ao que foi possível inferir da defesa, a empresa colocou um empregado (sr. Munir) para acompanhar o reclamante: “(...) acompanhou o reclamante e sua família integralmente durante cerca de 2 meses e, mesmo depois, continuou prestando toda a assistência” (fl. 328), não havendo, no entanto, demonstração de qual foi a efetiva assistência prestada. Descreveu ainda que os tíquetes-refeição continuam sendo mensalmente depositados; que a empresa pagou a ambulância (que não era coberta pelo plano) para remoção do reclamante para hospital particular, bem como que custeia o aluguel da cama/maca especial utilizada. Indefiro, pois, a compensação dos valores pagos pela reclamada, até a prolação desta sentença, com os valores devidos a título de pensão, porquanto as verbas têm natureza distintas. b.2) DO CONVÊNIO MÉDICO Considerando que o obreiro demanda de tratamento médico para tratar as sérias lesões que o acometem e que decorrem do labor, a empresa deverá fornecer o convênio de modo vitalício, nas mesmas condições em que atualmente fornecido (considerando que o pacto continua vigente), sem qualquer custo para o reclamante. Ressalto que a presente obrigação de fazer alcança tão somente o reclamante, e não eventuais dependentes (que podem ser incluídos ao plano caso o reclamante assim solicite, desde que o reclamante arque com a cota parte a eles relacionada). b.3) DO CUSTEIO DE DESPESAS (PRETÉRITAS E FUTURAS) Na inicial, o reclamante ainda faz a seguinte postulação, a título de danos materiais: “Além disso, é devido pela reclamada, em virtude do acidente de trabalho, é fato que o obreiro, diante dos danos físicos demanda cuidados especiais, como equipamentos, medicamentos, alimentos e outros, ao que se postula pelo ressarcimento pela reclamada.” (fl. 19) Defiro, pois, o ressarcimento das despesas pretéritas realizadas pelo reclamante em razão do acidente, conforme recibos acostados aos autos a fls. 163 e ss. Ainda, determino que a empresa permaneça custeando as despesas com tratamentos médicos, cirúrgicos e fisioterápicos ao obreiro, bem como outros que se apresentarem indispensáveis para a recuperação do trabalhador, sempre que este demonstrar as efetivas necessidades para tanto através de relatórios médicos e fisioterápicos. Deverá, ainda, permanecer custeando o aluguel da cama/maca especial automatizada, enquanto houver determinação médica para utilização do equipamento (a ser demonstrada pelo reclamante anualmente, diretamente à reclamada). Pontuo que as despesas com médicos, procedimentos e tratamentos (inclusive fisioterápicos) poderão ser cobertas através do convênio médico, acima deferido. Contudo, em caso de impossibilidade/restrição de utilização do convênio para realização de qualquer espécie de tratamento (inclusive fisioterápico), ou de prosseguimento de tratamento com o(s) médico(s) especialista(s) que já vinha(m) atendendo ao autor desde o acidente, determino que tais despesas sejam integralmente custeadas pela reclamada. Em caso de divergências entre os tratamentos determinados pelo médico do obreiro e os médicos da empresa, a questão deverá ser submetida ao CEREST, sendo o parecer do CEREST vinculante à empresa. Quanto aos medicamentos, deverá o reclamante proceder à apresentação, diretamente à reclamada, das requisições médicas dos remédios necessários ao seu tratamento. Com a apresentação da(s) requisição(ões) médica(s), a reclamada deverá providenciar o fornecimento dos medicamentos dentro do prazo máximo de 3 dias (prazo estabelecido para que o trabalhador não fique desguarnecido sem o medicamento, devendo a família se atentar quanto ao término da medicação com previsibilidade e antecedência mínima). Neste caso, as partes poderão se valer igualmente de empresa terceira conveniada para o fornecimento da medicação. Desde logo ressalto que cabe apenas ao(s) médico(s) que assiste(m) ao reclamante a indicação dos medicamentos necessários ao seu tratamento e a posologia. Destaco que as obrigações acima estipuladas deverão ser providenciadas DIRETAMENTE PELA RECLAMADA, não havendo se falar em indenização a ser paga diretamente ao reclamante para que este providencie a contratação de serviços e compra de medicamentos, diante de seu quadro de saúde. DA RESPONSABILIDADE DA SEGUNDA RECLAMADA Consta do conjunto probatório que o reclamante, sob a égide da pactuação existente entre a 1ª e a 2ª reclamadas, se ativava em “serviços de segurança privada com ênfase na proteção dos ativos, em áreas de válvulas e trechos das faixas de dutos” da TRANSPETRO, conforme contrato a fl. 616 e ss., aliado ao teor da defesa da 1ª reclamada: “Isso porque, Excelência, a 1ª reclamada presta serviços de vigilância para a segunda reclamada de modo a coibir furtos e saques em tubulações de gás/combustível.” (fl. 320) Outrossim, em depoimento pessoal, o reclamante confirmou que prestava serviços pela Campseg para a Transpetro na região de Paulínia a Pirassununga. No dia dos fatos, foi enviado para Ribeirão Preto para levar o carro da 1ª reclamada “com outro contrato que não guarda relação com a Transpetro”, mas que, no retorno, veio no veículo com a equipe da Campseg que prestava serviços para a Transpetro: “Que o depoente trabalhava normalmente prestando serviços pela campseg para a Transpetro na região de Paulínia e a Pirassununga; que o depoente foi enviado para Ribeirão para levar o carro da campseg com outro contrato que não guarda relação com a Transpetro; Que quem estava dirigindo veículo no retorno de Ribeirão para Campinas, quando aconteceu o acidente era a equipe da campseg que prestava serviços para Transpetro; “ Já a testemunha Erick esclareceu que os fatos relacionados à viagem de retorno (quando houve o acidente), descrevendo que durante a viagem realizaram um atendimento à Transpetro, antes de efetivamente retornarem à Campinas: “Que prestavam serviços para Transpetro; Que o acidente ocorreu antes de iniciarem a passagem dos postos da Transpetro; Que receberam o chamado para voltar para fazer um atendimento na região de Paulínia para Transpetro; que como estava em viagem, outra equipe foi atender um chamado de Paulínia e os integrantes do veículo foram designados para ir para uma outra área que tinha um monte de eucalipto perto inclusive se perderam; Que foram então atender o chamado próximo da área que estavam que continham esses eucaliptos e não havia área; Que esse atendimento para a transpetro foi feito antes do acidente no retorno para Campinas, pelo que se recorda;” Tenho, pois, que o reclamante habitualmente prestava serviços à Transpetro, realizando deslocamentos entre as unidades desta para realização dos serviços de segurança privada das tubulações; estando, no momento do acidente, retornando de um desses atendimentos (a despeito de o deslocamento de ida ter se referido à demanda de outro contrato). Pois bem. O teor do § 1 ° do art. 71 da Lei n° 8.666/93, Lei da Licitação, dispõe que a inadimplência do contratado no que concerne aos encargos trabalhistas não transfere à administração pública a responsabilidade por seu pagamento. Tal matéria foi apreciada pelo E.STF quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, que declarou constitucional o dispositivo acima citado, sob o fundamento de que “a previsão legal de impossibilidade de transferência da responsabilidade pelo pagamento de obrigações trabalhistas não adimplidas pelo contratado particular não contraria o princípio da responsabilidade do Estado, apenas disciplinando a relação entre a entidade da Administração Pública e seu contratado”. Outrossim, a Suprema Corte debateu a questão acerca da responsabilidade do ente público, sendo o voto condutor lavrado pelo Exmo. Ministro Cezar Peluso, no sentido de que o reconhecimento da constitucionalidade do dispositivo legal em comento não impediria que a Justiça do Trabalho reconhecesse, “com base em outras normas, em outros princípios e à luz dos fatos de cada causa”, a responsabilidade da Administração Pública (fl. 39), e que "o mero inadimplemento deveras não transfere, mas a inadimplência da obrigação da Administração é que lhe traz como consequência uma responsabilidade que a Justiça do Trabalho eventualmente pode reconhecer a despeito da constitucionalidade da lei" (fl. 45, grifos meus). Já a tese fixada quando do julgamento do Tema nº 246 de Repercussão Geral, nos autos do RE 760.931, menciona que "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". Resta claro que a regra contida no art. 71 da Lei 8666 não se incompatibiliza com o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do ente público; apenas não há se cogitar na transferência automática à Administração Pública da responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas decorrentes do contrato de prestação de serviços. Neste passo, a conduta omissiva da Administração Pública, quanto ao seu poder-dever de fiscalizar o fiel cumprimento das obrigações atribuídas à contratada, autoriza o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do ente público contratante. Pois bem. Tem-se que a Administração Pública (mesmo observando, quando da celebração do contrato, as disposições contidas em lei) encontra-se investida no poder-dever de fiscalizar as empresas contratadas (artigo 58, inciso III, da Lei 8666) com o escopo de garantir a qualidade dos serviços e, não cumprindo esse direito-dever, incorre em culpa in vigilando (até porque tem meios hábeis de coibir o descumprimento, inclusive, com a rescisão do contrato, nos termos dos artigos 58, inciso II, 78 e 79, inciso I, da Lei de Licitação). Ainda a respeito aos deveres de acompanhamento e fiscalização do contrato, o art. 67 da Lei 8666 dispõe que “A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição”. Acerca da responsabilização do ente público e da distribuição do ônus de prova quanto à fiscalização do contrato, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do C.TST assim decidiu, no bojo do processo nº TST-E-RR-925-07.2016.5.05.0281: RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITAÇÃO. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 760.931. TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. SÚMULA Nº 331, V, DO TST. RATIO DECIDENDI. ÔNUS DA PROVA. No julgamento do RE nº 760.931, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese, com repercussão geral: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". O exame da ratio decidendi da mencionada decisão revela, ainda, que a ausência sistemática de fiscalização, quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora, autoriza a responsabilização do Poder Público. Após o julgamento dos embargos de declaração e tendo sido expressamente rejeitada a proposta de que fossem parcialmente acolhidos para se esclarecer que o ônus da prova desse fato pertencia ao empregado, pode-se concluir que cabe a esta Corte Superior a definição da matéria, diante de sua natureza eminentemente infraconstitucional. Nessa linha, a remansosa e antiga jurisprudência daquele Tribunal: AI 405738 AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª T., julg. em 12/11/2002; ARE 701091 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª T., julg. em 11/09/2012; RE 783235 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., julg. em 24/06/2014; ARE 830441 AgR, Rel(a) Min. Rosa Weber, 1ª T., julg. em 02/12/2014; ARE 1224559 ED-AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julg. em 11/11/2019. Portanto, em sede de embargos de declaração, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que a matéria pertinente ao ônus da prova não foi por ele definida, ao fixar o alcance do Tema 246. Permitiu, por conseguinte que a responsabilidade subsidiária seja reconhecida, mas sempre de natureza subjetiva, ou seja, faz-se necessário verificar a existência de culpa in vigilando. Por esse fundamento e com base no dever ordinário de fiscalização da execução do contrato e de obrigações outras impostas à Administração Pública por diversos dispositivos da Lei nº 8.666/1993, a exemplo, especialmente, dos artigos 58, III; 67, caput e seu § 1º; e dos artigos 54, § 1º; 55, XIII; 58, III; 66; 67, § 1º; 77 e 78, é do Poder Público, tomador dos serviços, o ônus de demonstrar que fiscalizou de forma adequada o contrato de prestação de serviços. (...) Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR - 925-07.2016.5.05.0281. Data de Julgamento: 12/12/2019, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 22/05/2020 – grifos do original) Entendo que incumbe, pois, ao ente público o ônus de comprovar a efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de trabalho firmados entre a empresa contratada e seus empregados. Recentemente, no entanto, foi proferida decisão pelo E. STF no Recurso Extraordinário 1298647, com repercussão geral (Tema 1118), tratando especificamente da matéria atinente ao ônus de prova da fiscalização dos contratos pelo ente público, nos seguintes termos, a qual me curvo por disciplina judiciária: "1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. 2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo. 3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974. 4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior" No caso concreto, contudo, a presente demanda versa sobre indenizações fundamentadas na ocorrência de acidente de trabalho (decorrentes de responsabilidade civil), e não encargos trabalhistas propriamente ditos. Pontuo que o único pleito de natureza estritamente trabalhista postulado na inicial, relativo às horas extras, foi julgado improcedente, conforme decidido alhures. Assim, considerando que o presente caso trata de parcelas de natureza civil, e não verba trabalhista em sentido estrito, não guarda aderência com a decisão proferida pelo STF no Tema 1118 da repercussão geral, acima mencionado. Nesse sentido é o teor da seguinte ementa do C.TST: "AGRAVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DENEGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE PÚBLICO. ACIDENTE DE TRABALHO. APLICAÇÃO DO TEMA 880 DO EMENTÁRIO DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. DESPROVIMENTO. Nos presentes autos a responsabilidade do Ente Público, tomador dos serviços, decorre de acidente de trabalho típico - arts. 186 e 927, caput , e 942, todos do Código Civil-, não se enquadrando como verbas trabalhistas stricto sensu . Portanto, não tem aderência com os Temas 246 e 1118 de repercussão geral. Por outro lado, deve ser mantida a aplicação do Tema 880 do ementário de repercussão geral (ARE 94527), por meio do qual o Supremo Tribunal Federal afastou a repercussão geral da matéria, fixando a seguinte tese: " a questão do direito à indenização por dano moral decorrente de responsabilidade civil extracontratual tem natureza infraconstitucional, e a ela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009 ". A decisão agravada, portanto, foi proferida em estrita observância às normas processuais (arts. 1.030, I, “a”, e 1.035, § 8º, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido" (Ag-Ag-AIRR-20141-03.2021.5.04.0702, Órgão Especial, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 14/05/2025). Com relação ao acidente de trabalho, reconhece-se a responsabilidade solidária, pois além da responsabilidade por ato próprio (arts. 186 e 927 do Código Civil), estabelece a lei casos em que alguém deve suportar as consequências decorrentes do fato ou ato de terceiro, respondendo solidariamente. Nesses casos, todos aqueles que compõem a rede produtiva e de benefícios da atividade final devem responder solidariamente pelos prejuízos causados ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador, como decorre das disposições expressas dos artigos 932, inciso III, 933 e 942, parágrafo único do Código Civil, in verbis: “Artigo 932 – São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;” Prescreve o art. 933 do mesmo Código que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Finalmente, consta do art. 942 e § único do CC que: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932”. Deflui dos dispositivos legais mencionados que alguém, mesmo não tendo praticado diretamente ato danoso para outrem, pode ter que responder pelas consequências desse ato, praticado por um terceiro com quem mantenha alguma relação jurídica estabelecida por lei ou contratualmente, sendo esta responsabilidade de natureza objetiva (art. 933). Na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pela ANAMATRA e TST, em novembro de 2007, foi acolhida a responsabilidade solidária da empresa tomadora de serviços nos acidentes de trabalho, nos seguintes termos: ENUNCIADO 44: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO. SOLIDARIEDADE. Em caso de terceirização de serviços, o tomador e o prestador respondem solidariamente pelos danos causados à saúde dos trabalhadores. Inteligência dos artigos 932, III, 933 e 942, parágrafo único, do Código Civil e da Norma Regulamentadora 4 (Portaria 3.214/77 do Ministério do Trabalho e Emprego). Isto posto julgo procedente o pedido de responsabilidade solidária da segunda reclamada. DA JUSTIÇA GRATUITA Defiro à parte autora os benefícios da Justiça Gratuita (nos termos do artigo 5º, LXXIV, da CF/88 e artigo 790, § 4º da CLT), porquanto trouxe à baila declaração de pobreza que comprova, por si só, a impossibilidade de arcar com os ônus do processo sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, a despeito do seu efetivo ganho. Neste sentido é o teor do §3º do artigo 99 do CPC (“Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”), cuja aplicação se revela plenamente compatível a esta seara trabalhista. O fato de eventualmente perceber mais que 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, per si, não tem o condão de ensejar presunção de que tem condições de arcar com os gastos do processo. Ao contrário, a declaração de pobreza é que enseja a presunção juris tantum de que o ali asseverado é verdade, competindo à reclamada demonstrar que o ali declarado não condiz com a realidade financeira daquele que requer o benefício, ônus do qual não se desincumbiu a contento. Ainda que a recente decisão proferida pelo E. STF, adstrita ao objeto da ADI 5.766/DF, tenha julgado inconstitucional apenas os trechos “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo” do art. 791-A, § 4º, "ainda que beneficiária da justiça gratuita", constante do caput do art. 790-B, e da integralidade do § 4º do artigo 790-B, da CLT, permaneço entendendo pela inconstitucionalidade da integralidade do art. 791-A, §4º, da CLT. Desde já, esclareço que as inovações trazidas com o advento da Lei 13.467 de 2017 (artigos 790-B (caput e §4º), 791-A (§4º) e 844 (§2º) da CLT) devem ser interpretadas conforme a Constituição, norma maior de nosso ordenamento pátrio, para que subsistam ao controle de constitucionalidade. Deste modo, esclareço que a gratuidade, quando deferida, é concedida de modo pleno e integral, nos exatos termos do inciso LXXIV do artigo 5º da CF: “o Estado prestará assistência jurídica INTEGRAL E GRATUITA aos que comprovarem insuficiência de recursos;” Permitir que a verba de natureza alimentar seja violada para pagamento de custas e honorários (sejam periciais ou sucumbenciais) é medida que não encontra substrato constitucional, porquanto acarreta ínsitos detrimentos à sobrevivência daquele que litiga e de sua família. Assim, em sendo integral, não há que se cogitar no pagamento de quaisquer custas, honorários, despesas ou emolumentos judiciais, sob pena de ser violado o amplo acesso à Justiça, consagrado igualmente pelo artigo 5º, XXXV, da CF, pelo artigo 5º, XXXV, da CF assim como artigos 8 e 10 da Declaração de Direitos Humanos. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS Diante da procedência parcial, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em prol do patrono da parte autora. Assim, tendo em vista o preenchimento dos requisitos legais (artigo 791-A da CLT), defiro os honorários advocatícios sucumbenciais, no percentual de 5% sobre valor da liquidação, os quais reverterão em favor do patrono do(a) reclamante. O percentual arbitrado considerou: o grau de zelo profissional, o lugar de prestação de serviços, a natureza, a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para tanto. Quanto aos honorários advocatícios, esclareço que sua base de cálculo são os créditos brutos do exequente, conforme preconiza a OJ 348 da SDI-1. Ressalto que a expressão “líquido” utilizada pela orientação refere-se tão somente ao valor liquidado (ao quantum debeatur, portanto), o que se extrai quando analisado o todo o teor da orientação, que é claro ao dispor que incide sobre os valores sem a deduções previdências e fiscais: “OJ 348. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO. LEI Nº 1.060, DE 05.02.1950 (DJ 25.04.2007) Os honorários advocatícios, arbitrados nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, devem incidir sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, SEM A DEDUÇÃO DOS DESCONTOS FISCAIS E PREVIDENCIÁRIOS.” (grifos meus) Nada a deferir de honorários em prol do(s) patrono(s) da parte reclamada, em virtude da gratuidade deferida ao reclamante, aliada à inconstitucionalidade do artigo 791-A, §4º da CLT. Isto porque o instituto da gratuidade integral impede que o beneficiário arque com os ônus econômicos pela movimentação da inafastável atuação do Judiciário, sob pena de desrespeito ao amplo acesso à Justiça (consagrado pelo artigo 5º, XXXV, da CF, assim como artigos 8 e 10 da Declaração de Direitos Humanos). DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS O valor da condenação, parcela a parcela, deverá ser corrigido monetariamente desde a data do inadimplemento de cada verba até a data do efetivo pagamento dos valores devidos, independente da data em que a reclamada eventualmente venha a efetuar o depósito da condenação. Sendo assim, para efeito da correção monetária, regra geral, fixa-se o termo “a quo” na data do vencimento de cada obrigação, ou seja, a partir do momento em que cada prestação se torna exigível, mesmo porque só incorre em mora o devedor ao não efetuar o pagamento no tempo devido (artigo 397 do Código Civil e Súmula 381 do C. TST). A correção deverá ocorrer até a data do efetivo pagamento dos valores devidos, independente da data em que a reclamada eventualmente venha a efetuar o depósito da condenação. Diante da decisão do E. STF em sede das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 58 e 59 e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5867 e 6021, os débitos trabalhistas deverão ser corrigidos a partir do índice aplicável à época da liquidação, sendo, atualmente, IPCA-E até o ajuizamento da ação, bem como a SELIC do ajuizamento até o pagamento. Sendo assim, à luz do efeito vinculante da decisão do STF, na ADC 58, que alterou a correção monetária e os juros nesta Justiça Laboral, deverão ser observados os seguintes critérios: 1) FASE PRÉ-JUDICIAL - aplicação do IPCA-E, como índice de correção monetária, e dos juros, previstos no art. 39, caput, da Lei nº 8.177/91; 2) FASE JUDICIAL (iniciada com a distribuição da reclamação) - aplicação da taxa SELIC, que engloba os juros de mora e correção monetária. Em havendo condenação em danos morais, estes deverão tomar como marco inicial a data da publicação da sentença (do arbitramento, portanto), nos termos da S. 362 do C. STJ e da S. 439 do C.TST, ora destacada: “Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. OS JUROS INCIDEM DESDE O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 883 DA CLT”. A Súmula 439 acima, inclusive no tocante aos juros (tendo em vista a aplicação da taxa Selic, que já traz em seu bojo os juros e ante a impossibilidade de decomposição do que é juros e correção), deverá ser interpretada à luz do decidido pelo STF na ADC 58. Para que não pairem dúvidas, portanto, esclarece-se que a taxa Selic incide a partir do arbitramento (que traz ínsita a correção e os juros), sem prejuízo da apuração dos juros pré-processuais, que também devem incidir por força do artigo 883 da CLT. Ante a natureza indenizatória dos juros, sobre eles não haverá incidência de tributação (artigo 404 do CC e OJ 400 da SDI-1). Desde já, elucido que a correção monetária se faz devida, na medida em que visa apenas e tão somente recompor a moeda da desvalorização, correspondente a mera atualização do débito, não impondo qualquer gravame à reclamada. A fim de se evitar omissões, caso a reclamada seja ou venha a ser enquadrada em recuperação judicial, esclareço que o artigo 9º, II da Lei 11.101/2005 apenas estabelece os requisitos que deverão constar da habilitação de créditos apresentada pelo credor perante o administrador judicial, o que não importa em concluir pela impossibilidade de incidência de correção monetária após a data do pedido de recuperação judicial. Por fim, caso se trate de reclamada falida ou que venha a ser declarada falida no decorrer da ação, a correção segue intacta, que é para assegurar que o crédito não seja desvalorizado. Já os juros cessarão a partir da decretação da falência da reclamada, desde que não possua valores suficientes para satisfação dos créditos, consoante artigo 124 da Lei 11101 de 2005 (devendo tal condição ser aferida pelo juízo universal, no tempo oportuno). CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E IMPOSTO DE RENDA Por se tratar de verbas de natureza indenizatória, não se há falar em recolhimentos fiscais e previdenciários. DOS HONORÁRIOS PERICIAIS Honorários periciais definitivos a cargo das reclamadas pela perícia realizada, já que sucumbente no objeto dos pedidos, ora arbitrados em R$4.000,00, autorizado o abatimento de eventuais valores comprovadamente adiantados pela própria parte a título de prévios. DOS OFÍCIOS Considerando a Recomendação Conjunta n. 02/2011 GP.CGJT do TST, o Ofício Circular TST.GP n. 615/2012 de 18.05.2012, a Resolução n. 96/2012 do CSJT e a Portaria GP-CR nº 005/2023 do TRT15, proceda a Secretaria o encaminhamento da presente decisão, à Procuradoria Geral Federal, através do e-mail pgf.regressivas@agu.gov.br, com cópia para regressivas@tst.jus.br , após o trânsito em julgado. Ainda em razão do reconhecimento de acidente de trabalho, e considerando o teor da Resolução SS 63/2009 e o documento técnico expedido em 18/08/2022 pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde do Governo do Estado de São Paulo, denominado “Orientações para a Notificação das Doenças e Agravos Relacionados ao Trabalho (DART) pelos Serviços de Saúde e Segurança no Trabalho”, encaminhe-se a presente decisão ao CEREST de Campinas, para ciência, através do e-mail saude.cerest@campinas.sp.gov.br , após o trânsito em julgado. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, na ação proposta por SALATIEL ROSENDO DE LIMA FILHO em face de CAMPSEG VIGILÂNCIA E SEGURANÇA PATRIMONIAL LTDA e PETROBRÁS TRANSPORTE S.A - TRANSPETRO, decido: I – rejeitar as preliminares de mérito arguidas; II - no mérito, julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, a fim de condenar as reclamadas, SOLIDARIAMENTE, nas obrigações de fazer e pagar acima instituídas, nos exatos termos e limites estabelecidos na fundamentação, que passa a integrar o dispositivo. Defiro os benefícios da justiça gratuita à parte autora. Honorários advocatícios sucumbenciais na forma acima. Liquidação por cálculo. Atualização monetária e juros conforme fundamentação. As parcelas deferidas (inclusive os juros) possuem natureza indenizatória. Os valores referentes ao FGTS deverão ser depositados na conta vinculada do autor. Honorários periciais definitivos a cargo das reclamadas pela perícia realizada, já que sucumbente no objeto dos pedidos, ora arbitrados em R$4.000,00, autorizado o abatimento de eventuais valores comprovadamente adiantados pela própria parte a título de prévios. Considerando a Recomendação Conjunta n. 02/2011 GP.CGJT do TST, o Ofício Circular TST.GP n. 615/2012 de 18.05.2012, a Resolução n. 96/2012 do CSJT e a Portaria GP-CR nº 005/2023 do TRT15, proceda a Secretaria o encaminhamento da presente decisão, à Procuradoria Geral Federal, através do e-mail pgf.regressivas@agu.gov.br , com cópia para regressivas@tst.jus.br após o trânsito em julgado. Ainda, em razão do reconhecimento de acidente de trabalho, encaminhe-se a presente decisão ao CEREST de Campinas, para ciência, após o trânsito em julgado. Custas pelas reclamadas no importe de R$40.000,00, calculadas sobre a condenação que ora arbitro em R$2.000.000,00. Intimem-se as partes. Nada mais. BRUNA MÜLLER STRAVINSKI Juíza do Trabalho BRUNA MULLER STRAVINSKI Juíza do Trabalho Substituta
Intimado(s) / Citado(s)
- SALATIEL ROSENDO DE LIMA FILHO
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