Processo nº 5000569-12.2023.4.03.6006
ID: 314747166
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Naviraí
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5000569-12.2023.4.03.6006
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL MELLO DOS SANTOS
OAB/MT XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000569-12.2023.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MARIA APARECIDA CORREA Advogado do(a) AUTOR: DANIEL MELLO DOS SANTOS - MT11386/O REU: CAIXA ECONOMICA FED…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000569-12.2023.4.03.6006 / 1ª Vara Federal de Naviraí AUTOR: MARIA APARECIDA CORREA Advogado do(a) AUTOR: DANIEL MELLO DOS SANTOS - MT11386/O REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Advogado do(a) REU: LEONARDO FALCAO RIBEIRO - RO5408 S E N T E N Ç A I– RELATÓRIO Trata-se de ação de procedimento comum cível versando sobre vícios de construção. Alega a parte autora em sede de petição inicial que é beneficiária do Programa Minha Casa, Minha Vida, por intermédio do qual celebrou contrato de financiamento para a aquisição de imóvel. Narra que, com o transcurso do tempo e o uso regular do bem, constatou a existência de vícios construtivos de natureza oculta, motivo pelo qual postula suas reparações pela presente ação (ID. 288241911). A Caixa Econômica Federal, devidamente citada, apresentou contestação (ID. 330088917) alegando preliminares e, no mérito, a improcedência dos pedidos formulados. Foi determinada a realização de perícia técnica (ID. 328751195). A parte autora apresentou quesitos para a realização de perícia (ID. 329654766). A ré anexou comprovantes de pagamentos do perito judicial (ID. 334960704 e ID 335018934). O perito judicial apresentou laudo pericial (ID. 352969676). As partes apresentaram impugnação ao laudo (ID. 358664569 e ID. 360489816). Vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO Considerando que a prova pericial produzida é suficiente para a formação da convicção deste juízo, sendo desnecessária a intimação do perito para complementar quesitos, passo ao julgamento do processo no estado em que se encontra, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil. Passo ao exame das preliminares arguidas pela ré Caixa Econômica Federal. 1. Preliminares 1.1 Da desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário com a construtora e de denunciação da lide. Prevê o Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade solidária de todas as empresas que formam a cadeia de fornecedores pelos defeitos na prestação do serviço, por força de seu artigo 14. A jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região é no sentido de que, em tais casos, a responsabilidade é solidária, podendo a parte ingressar em juízo contra a Caixa Econômica Federal e contra a construtora, em litisconsórcio, ou apenas contra uma delas, não se tratando, portanto, de litisconsórcio necessário (TRF-3 - AI: 50260439720194030000 MS, Relator.: Juiz Federal Convocado NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 26/03/2020, 1ª Turma, Data de Publicação: e - DJF3 Judicial 1 DATA: 31/03/2020). Do mesmo modo, rejeito a necessidade de promover à denunciação da lide à construtora, tendo em vista que, a CEF tem legitimidade passiva para responder pelos vícios de construção em imóvel, sem necessidade de denunciação da lide perante a construtora, sobretudo quando atua como administradora de programa social instituído pelo Governo Federal. No mais a CAIXA poderá fazer uso de seu direito de regresso contra a construtora, daí porque desnecessária a denunciação da lide. Logo, rejeito a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário entre a CEF e a construtora do imóvel bem como a denunciação da lide. 1.2 Da inépcia da petição inicial A parte ré suscita preliminar de inépcia da petição inicial, aduzindo, em síntese, que a petição inicial apresenta descrição genérica e não individualizada dos supostos vícios construtivos, o que obstaria a exata compreensão da controvérsia e prejudicaria o exercício do contraditório e da ampla defesa. Invoca, para tanto, os arts. 319, III, e 330, I, § 1º, I e II, do Código de Processo Civil (CPC), pleiteando a extinção do feito (art. 485, I, CPC). É certo que a petição inicial deve conter a exposição dos fatos e dos fundamentos jurídicos do pedido (art. 319, III, CPC), de modo a permitir à parte contrária o pleno exercício de sua defesa e ao Juízo a delimitação da atividade jurisdicional. A inépcia, como causa de extinção prematura do processo, somente se caracteriza, nos termos do art. 330, § 1º, do CPC, quando o vício da peça é de tal ordem que impossibilita o julgamento de mérito, por ausência ou ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido, incompatibilidade entre pedidos ou por veicular pedido juridicamente impossível. No contexto dos Juizados Especiais Federais (JEF), a interpretação de tais requisitos deve se harmonizar com os princípios da simplicidade e da celeridade que informam este microssistema (Lei n. 10.259/2001). Examinando-se o padrão das petições iniciais apresentadas em demandas desta natureza – versando sobre vícios construtivos em imóveis vinculados a programas habitacionais –, verifica-se que contém: a) A qualificação das partes e a individualização do imóvel; b) A contextualização fática (v.g., aquisição via PMCMV/FAR); c) A indicação, ainda que em linguagem comum, dos problemas construtivos alegados (infiltrações, fissuras, problemas em instalações, etc.); d) A atribuição de responsabilidade à parte ré; e) A fundamentação jurídica pertinente (responsabilidade civil, normas consumeristas, etc.); f) Os pedidos correspondentes (obrigação de fazer, indenização material e/ou moral). Tal estrutura, conquanto possa não esgotar todas as especificidades técnicas de cada vício – o que, de fato, demandaria conhecimento especializado de engenharia, não exigível do advogado na fase postulatória –, atende satisfatoriamente ao disposto no art. 319 do CPC. A inicial permite identificar com clareza a causa petendi (alegados defeitos construtivos no imóvel X, imputados à responsabilidade da ré) e os pedidos dela decorrentes. Não há que se falar em pedido "genérico" no sentido técnico-processual que invalida a peça. A descrição dos problemas, mesmo que não detalhada sob o prisma da engenharia, é suficiente para que a parte ré compreenda os fatos que lhe são imputados e possa apresentar sua contestação, negando os vícios, apontando outras causas (mau uso, falta de manutenção), discutindo prazos de garantia ou sua responsabilidade. O contraditório e a ampla defesa restam, assim, assegurados. A função da petição inicial não é exaurir a prova técnica, mas sim delimitar o objeto litigioso e indicar os fatos que serão objeto de instrução. A precisa caracterização técnica, a quantificação dos danos e a análise do nexo causal são questões próprias da fase instrutória, a serem elucidadas, primordialmente, por meio do exame técnico ou perícia judicial, cuja realização é, inclusive, frequentemente requerida pela própria parte autora em sua inicial. O indeferimento da inicial, no caso, representaria formalismo excessivo, incompatível com a instrumentalidade do processo e os princípios norteadores dos Juizados Especiais Federais, mormente quando a peça permitiu a compreensão da controvérsia e o exercício do direito de defesa. Ademais, cumpre ressaltar a impropriedade de arguir a inépcia da inicial como fundamento para a extinção do processo em sede de sentença. Eventuais vícios na petição inicial configuram matéria sujeita à análise em momento processual pretérito, tipicamente quando do recebimento da inicial ou por ocasião da resposta do réu, operando-se a preclusão se não suscitados oportunamente ou se, suscitados, foram rejeitados ou superados pelo prosseguimento do feito com a realização da instrução probatória. Permitir que o processo tramite por toda a fase cognitiva, com produção de provas, para só então, ao final, cogitar-se de extingui-lo por um suposto vício formal inicial que não impediu o seu desenvolvimento, atenta contra os princípios da economia processual, da estabilidade da demanda e da boa-fé objetiva. Ante o exposto, rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial. 1.3 Da alegação de litigância de má-fé por uso de petições e laudos padronizados A parte ré sustenta, em sede preliminar, a ocorrência de litigância de má-fé, sob o argumento de que a presente demanda integraria um suposto movimento de “advocacia predatória”, baseado no ajuizamento massificado de ações com petições padronizadas e laudos genéricos, desprovidos de correspondência com o caso concreto. Não merece prosperar tal alegação. Em primeiro lugar, a litigância de má-fé, nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil, pressupõe dolo processual inequívoco, ou seja, a adoção de comportamento intencionalmente desleal, desonesto ou temerário com o objetivo de obter vantagem indevida, alterar a verdade dos fatos, ou abusar dos meios processuais. Trata-se de medida de caráter excepcional, cuja configuração exige prova inequívoca da má-fé, e não mera suposição fundada na repetição de teses ou estrutura argumentativa similar entre ações de mesmo objeto. Ora, a existência de padronização na redação das iniciais em demandas que versam sobre vícios construtivos em imóveis populares vinculados ao PMCMV/FAR não configura, por si só, má-fé processual. Trata-se de efeito natural da similitude fática e jurídica existente entre as diversas unidades habitacionais de empreendimentos construídos em série, com projeto arquitetônico e materiais padronizados, frequentemente executados pela mesma construtora. A semelhança dos vícios relatados decorre, justamente, da homogeneidade da cadeia de produção dos imóveis, não de qualquer tentativa de ludibriar o juízo. Do mesmo modo, a apresentação de laudo técnico com elementos recorrentes não traduz tentativa de induzir o juízo a erro, mas reflete a constatação de falhas construtivas que se repetem nas unidades habitacionais analisadas. O fato de o documento técnico abranger vícios comuns não o torna inverídico, tampouco descaracteriza a sua utilidade como início de prova técnica. Cabe destacar que o ajuizamento de ações em volume elevado não constitui, por si só, abuso do direito de ação. A tutela jurisdicional é direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXXV, CF/88), e a repetição de demandas revela, muitas vezes, um problema estrutural no cumprimento de normas técnicas de construção, e não atuação predatória da parte autora ou de seu patrono. No presente caso, a petição inicial individualiza o imóvel, contextualiza a sua aquisição no âmbito do PMCMV/FAR, descreve os vícios construtivos identificados, e indica a responsabilidade dos envolvidos, com base em fundamentos jurídicos pertinentes. Ademais, foi anexado laudo técnico, ainda que simples, suficiente para instruir o feito e permitir o exercício do contraditório. Não se pode exigir, nesta fase processual, a produção de prova exauriente, tampouco a apresentação de documentos complexos, de elaboração onerosa, que seriam próprios da fase instrutória. A invocação genérica de “advocacia predatória”, dissociada de qualquer elemento objetivo do caso concreto que evidencie dolo ou má-fé da parte autora, não pode justificar a imputação de penalidades processuais. A alegação da parte ré não aponta falsidade documental, fraude, alteração da verdade dos fatos ou reiteração infundada de pedidos julgados improcedentes — elementos típicos da litigância de má-fé. Por fim, a jurisprudência pátria adota posição cautelosa e restritiva quanto à aplicação das sanções do art. 81 do CPC, exigindo prova clara e cabal da conduta dolosa, a qual manifestamente não se verifica nos autos. Diante do exposto, rejeito a preliminar de litigância de má-fé. 2. Da prejudicial de mérito – Prescrição Tratando-se de ação de indenização que tem como causa a existência de vícios na construção de unidade habitacional, é certo que não se aplica ao caso o art. 26, II do CDC (que trata da decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação), tampouco o art. 27, caput, daquele Estatuto legal, que dispõe sobre a prescrição em razão de fato do produto ou do serviço, mas sim o art. 205 do Código Civil, que prevê o prazo prescricional de 10 (dez) anos para se requerer a reparação dos danos experimentados, a contar da ciência inequívoca da inadimplência da parte adversa. Nesse sentido, é a jurisprudência do E. STJ, vejamos: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. SÚMULA 194/STJ. ART. 618 DO CC/2002. PRAZO DE GARANTIA. 5 ANOS. INAPLICABILIDADE EM RELAÇÃO DE CONSUMO. VÍCIO OCULTO. POSSIBILIDADE DE RECLAMAR AO FORNECEDOR A PARTIR DO MOMENTO EM QUE FICAR EVIDENCIADO O DANO. PRAZO PRESCRICIONAL. 10 ANOS À FALTA DA PREVISÃO ESPECÍFICA. TERMO INICIAL. SÚMULA 568/STJ. DECISÃO MANTIDA. 4. Consoante o entendimento firmado pela e. Terceira Turma, a pretensão do consumidor de ser indenizado pelo prejuízo decorrente da entrega de imóvel com vícios de construção não se sujeita a prazo decadencial, quer previsto no Código Civil, quer previsto no CDC. 5. O prazo de 5 anos previsto no caput do art. 618 do CC/2002 é de garantia. Não se trata, pois, de prazo prescricional ou decadencial. 6. Quanto ao prazo prescricional para pleitear a indenização correspondente, sendo o art. 27 do CDC exclusivo para as hipóteses de fato do produto ou serviço, à falta de prazo específico no CDC que regule a hipótese de inadimplemento contratual, aplica-se o prazo geral de 10 anos previsto no art. 205 do CC/2002, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada na vigência do art. 177 do CC/1916. 7. Hipótese em que foi reconhecida a relação de consumo, de modo que a responsabilidade por vícios construtivos não fica limitada ao prazo de garantia de 5 anos, previsto no art. 618 do CC/2002. Ademais, os defeitos foram constatados a partir de março de 2015 e a ação indenizatória foi ajuizada em 29/10/2015, de modo que não está caracterizada a prescrição decenal. 8. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 2092461 SP 2022/0083366-9, Relator.: NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/06/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2023). No caso, não transcorrido o prazo prescricional de 10 anos, afasto a prejudicial de mérito arguida pela parte ré e passo a análise do mérito propriamente dito. 3. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça é pacífica na aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo bancário (Súmula nº 297) e na relação jurídica de direito material estabelecida entre o mutuário e o agente financeiros nos contratos de mútuo para aquisição de unidade habitacional (REsp 615553/BA, Primeira Turma, Min. Luiz Fux, DJ 28/02/2005 e REsp 1.352.227/RN, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 02/03/2015). Nessa linha, repiso que o Colendo Superior Tribunal de Justiça também reconhece a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial - PAR, que tem como objetivo justamente o atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, situação análoga aos contratos no âmbito do PMCMV (REsp 1.352.227/RN, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, DJe 2/3/2015). Portanto, as regras do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se aos contratos de financiamento vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação. 4. Mérito 4.1 Danos materiais A Lei nº 11.977/2009 instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, iniciativa do governo federal que tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, abrangendo o Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU e o Programa Nacional de Habitação Rural - PNHR. Nos termos do artigo 9º da citada Lei, a Caixa Econômica Federal qualifica-se como gestora de recursos do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU), do Programa "Minha Casa, Minha Vida" (PMCMV). É sabido que, quando se trata de simples contrato de mútuo, não incluído no âmbito de programas governamentais, o papel da Caixa Econômica Federal restringe-se à condição de mera credora fiduciária, ao fornecer os valores necessários para saldar o pagamento do imóvel, sendo irresponsável pela integridade do imóvel e por eventuais vícios existentes na construção, uma vez que não participa da construção e nem se compromete a garantir a solidez e qualidade da obra. Todavia, não é este o caso dos autos. Nos contratos de financiamento de imóveis incluídos no Programa Minha Casa, Minha Vida preveem a obrigatoriedade da CEF em entregar o imóvel em perfeitas condições de uso e conservação e, verificado vício, tem ela a obrigação de custear os devidos reparos. A responsabilidade civil da CEF dependerá das circunstâncias em que se verifica sua intervenção no caso concreto: a) inexistirá responsabilidade da CEF, quando ela atuar como agente financeiro em sentido estrito; e b) existirá responsabilidade da CEF, quando ela como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, isto é, nas hipóteses em que tenha atuado, de algum modo, na elaboração do projeto, na escolha do terreno, na execução das obras (construção) ou na fiscalização das obras do empreendimento. Desse modo, a responsabilidade solidária da CEF pelos vícios na construção e pela respectiva solidez e segurança do imóvel se restringe aos casos em que ela também desempenhar o papel de executora de políticas federais de promoção de moradia, casos em que assume responsabilidades próprias, definidas em lei, regulamentação infralegal e no contrato celebrado com os mutuários. Os papéis desenvolvidos em parceria pela construtora e pelo agente financeiro poderão levar à vinculação de ambos ao negócio jurídico, acarretando na responsabilidade solidária. Nesse sentido: STJ: AgRg no REsp 1522725/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 22/02/2016: TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2213692 - 0003515-76.2013.4.03.6108, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 29/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/06/2018. Em casos em que se vindica indenização decorrente de fato danoso ocorrido em relação consumerista, entretanto, a responsabilidade é objetiva do prestador do serviço, relevando-se, assim, a inexigência do requisito da culpa. É o quanto prevê o artigo 3º, § 2º, da Lei n.º 8.078/1990, Código de Defesa do Consumidor, bem como seu artigo 14, segundo o qual “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos”. Além disso, o Código Civil dispõe nos artigos 186, 927, 931 e 942 que: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. A obrigação de indenizar nasce a partir da prática de um ato ilícito, cujos requisitos mínimos são: 1) a conduta (ação ou omissão); 2) o dano patrimonial ou moral (extrapatrimonial); 3) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Em resumo, quando a CEF atuar como agente fiscalizador de prazos e qualidade da obra, gerindo os recursos financeiros e técnicos juntamente com a construtora/incorporadora, interferindo diretamente na execução do projeto, deve responder, objetiva e solidariamente, com a construtora pela reparação dos danos causados em decorrência do exercício de sua atividade. No caso dos autos, a questão consiste em examinar a responsabilidade da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) por danos materiais e morais em razão de diversos problemas advindos à residência adquirida pela parte autora através do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, na forma da Lei nº 11.977/09. A parte autora adquiriu imóvel residencial localizado na Rua Irides de Almeida Toni LOTE 08 QD 05 CASA 1079, RESIDENCIAL BELO HORIZONTE, NAVIRAÍ/MS, através de financiamento habitacional, por meio de programa nacional de habitação urbana, com recursos do programa Minha Casa Minha Vida, efetuado com a ré CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), obra que foi construída pela VBC ENGENHARIA LTDA., relatando que, após a ocupação do imóvel, iniciaram-se inúmeros problemas relacionados a vícios de construção. O laudo pericial elaborado pelo perito judicial constatou a existência de vícios ocultos (não detectáveis na entrega do imóvel) de projeto e construção no imóvel financiado (id. 352969676). Destacam-se: INFILTRAÇÃO EM PAREDE EXTERNA QUE DIVIDEM ÁREAS MOLHADAS COM ÁREA SECA (VÍCIO OCULTO) Causas: Falha ou inexistência de impermeabilização em paredes/pisos de áreas molhadas, úmidas que possam garantir a estanqueidade do ambiente (áreas molhadas protegidas da ação da água por percolação nos elementos construtivos de acordo com a ABNT NBR 9575 2010/2003), tubulação provavelmente com problemas na parede. Localização: Paredes externas. INFILTRAÇÃO EM PAREDES PROVOCADAS POR VAZAMENTOS EM TUBULAÇÃO E CONEXÕES (VÍCIO OCULTO) Causas: Vazamento de tubulação e conexões que promovem a infiltração de água dentro da parede. Localização: Paredes internas e externas. REDE ELÉTRICA DE DISTRIBUIÇÃO INSTALADA DE FORMA INADEQUADA EM CIMA DO FORRO (FALHA CONSTRUTIVA) Causas: Execução irregular segundo a ABNT NBR 5410, item 6.2.1.1, onde a seleção e instalação de linhas elétricas devem levar em conta os princípios fundamentais aplicáveis aos condutores, suas terminações e emendas, aos suportes e suspensões a eles associados e aos seus invólucros ou métodos de proteção contra "influencias externas". No caso, o telhado não oferece completa vedação, e os condutores não atendem a esse critério. Localização: Rede de condutores em cima de forro. FORRO DE PVC MAL INSTALADO E EMBAULADO (VÍCIO OCULTO) Causas: Forro mal instalado. Localização: Forro. Em relação aos custos dos danos por etapa construtiva, o Sr. Perito concluiu que o custo de recuperação está estimado em R$ 12.739,58 (doze mil, setecentos e trinta e nove reais e cinquenta e oito centavos), com adicional de locação temporária durante o período de 20 dias para realização dos reparos, estimada em R$ 1.542,22 (mil quinhentos e quarenta e dois reais e vinte e dois centavos), perfazendo um total de R$ 14.281,80 (Quatorze mil, duzentos e oitenta e um reais e oitenta centavos). Assim, entendo que as considerações constantes do laudo pericial são suficientes para esclarecer as razões de conclusão do perito. Qualquer discordância, neste ponto, possui relação com o mérito da questão técnica debatida e não com a falta de fundamentação ou clareza do laudo pericial, não se revelando, portanto, útil e pertinente nova intimação do profissional sobre os questionamentos já submetidos ao seu exame. Cabe, assim, ao julgador, neste estágio do processo, avaliar as divergências técnicas entre o laudo pericial e as manifestações das partes, decidindo qual deve prevalecer, pois, como é cediço, não está ele adstrito à prova pericial, podendo dela discordar para formar a sua convicção. Dito isso, entendo que as conclusões do laudo pericial elaborado devem predominar. Note, a forma de cálculo do perito evidencia que os fatores necessários à reparação do dano foram considerados, inclusive custos adicionais para isso. Além disso, alguns problemas verificados foram excluídos da responsabilidade da construtora por serem atribuídos a mau uso ou falta de manutenção pelo proprietário. Esses vícios não foram incluídos no cálculo dos custos de reparação. Logo, suficientemente provados os danos e as causas verificadas no imóvel, de sorte que a reparação é medida imperiosa, no valor estimado pelo perito. 4.2 Danos morais O dano juridicamente reparável nem sempre pressupõe um dano patrimonial ou econômico, podendo ocorrer única e exclusivamente um dano moral, cabendo ao magistrado verificar se a conduta violou a intimidade, vida privada, honra (objetiva e subjetiva) ou imagem do lesado. Não é qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. O STJ já pacificou o entendimento no sentido de que o mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral. Assim, somente deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, de forma anormal e grave, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, atingindo a sua honra subjetiva, bem como nos reflexos causados perante a sociedade, quando atingida a sua honra objetiva. Com efeito, o mero inadimplemento contratual não configura, por si só, o dano moral, sendo necessária a comprovação de angústia e sofrimento da parte autora e de seus familiares em razão das condições de habitabilidade do imóvel e da ausência de reparos ou de intervenções ineficazes pela construtora, impedindo a utilização integral da moradia. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem decidido, nas ações que tratam de vícios de construção, que o dano moral não pode ser presumido (in re ipsa), "configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" ( AgInt no REsp 1955291/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 14/02/2022, DJe 02/03/2022). No caso dos autos, os vícios de construção identificados no imóvel, em razão de sua quantidade e sua natureza, não configuram qualquer situação excepcional de violação a direitos da personalidade, mas sim mero dissabor ou aborrecimento à parte autora, sendo incabível, portanto, indenização por danos morais. Nesse diapasão, tem-se que os danos constatados no imóvel não são capazes de causar perturbação à paz da parte autora e de seus familiares, ensejando abalo em seu psiquismo digno de reparação por danos morais. Por tais fundamentos, com relação aos danos materiais, entendo haver responsabilidade da parte ré (CEF), porquanto responsável pela vistoria e liberação do valor da aquisição, assim como pela fiscalização da construção da obra e pela necessidade dos reparos causadores do dever de indenizar, nos termos do Código de Defesa do Consumidor e dos artigos 186, 927 e 942 do Código Civil. 4.3 Dos honorários assistenciais Considerando que a parte autora não apresentou nos autos contrato ou comprovante de pagamento do assistente técnico nomeado por ela, e que o laudo pericial indica que não houve acompanhamento deste na realização da perícia, indefiro o pedido postulado na inicial quanto à condenação do réu ao pagamento dos honorários assistenciais. 4.4 Do pedido subsidiário Quanto ao pedido subsidiário formulado pela Caixa Econômica Federal – CEF em sua contestação (ID. 330088917), para condenação da parte autora ao pagamento das parcelas vencidas do financiamento do imóvel objeto da lide, este não merece acolhimento. A ré deixou de apresentar qualquer documentação comprobatória da dívida, ônus que lhe competia, e elegeu via processual inadequada. A pretensão de natureza condenatória em face da parte autora deveria ter sido veiculada em sede de reconvenção, nos termos do art. 343 do Código de Processo Civil, e não como mero pedido subsidiário em contestação. Tal proceder, caso admitido, configuraria a instauração de uma nova lide nos mesmos autos sem a devida propositura de ação autônoma e o recolhimento das custas processuais pertinentes. Assim, rejeito o pleito subsidiário. III. DISPOSITIVO Ante todo o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES, com resolução do mérito, os pedidos formulados pela parte autora para: I) Condenar a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), a pagar à parte autora indenização pelos danos materiais comprovados, no montante estimado de R$ 12.739,58 (doze mil, setecentos e trinta e nove reais e cinquenta e oito centavos), com adicional de locação temporária durante o período de 20 dias para realização dos reparos, estimada em R$ 1.542,22 (mil quinhentos e quarenta e dois reais e vinte e dois centavos), perfazendo um total de R$ 14.281,80 (Quatorze mil, duzentos e oitenta e um reais e oitenta centavos). , sobre o qual incidirá juros de mora a partir da data da citação e correção monetária a partir da data de juntada do laudo técnico, na forma e nos índices constantes do Manual de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal vigente à época da execução; Defiro/mantenho a gratuidade processual. Por consequência da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios que fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do § 2º do art. 85 do CPC. Havendo interposição tempestiva de recurso, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo legal e, após, com ou sem apresentação destas, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com as formalidades de praxe. Por fim, determino o levantamento, pelo perito nomeado nos autos, dos honorários periciais depositados pelo réu. Cópia desta sentença serve como ofício de levantamento em favor do perito ROGÉRIO MARTINS VIEIRA, engenheiro civil designado para a elaboração do laudo pericial nos autos. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Naviraí, na data da assinatura eletrônica.
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