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"1001217-07.2023.5.02.0703" - Resultados da Busca – Página 108 de 111

Processo nº 0005082-24.2017.4.01.3307

ID: 317308902

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0005082-24.2017.4.01.3307

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA - EPP EDILSON ALMEIDA COSTA GUILHERME MENEZES DE ANDRADE

Acórdão

Advogados:

ANA MARIA FERRAZ CARDOSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

DANILO GONCALVES NOVAES

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

LUIZ ANTONIO NOVAES

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

RAISA ANDRADE SILVA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005082-24.2017.4.01.3307 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005082-24.2017.4.01.3307 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005082-24.2017.4.01.3307 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005082-24.2017.4.01.3307 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RAISA ANDRADE SILVA - BA39376-A, JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA - BA18763-A, LUIZ ANTONIO NOVAES - SP146448-A, RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS - BA3619-A, DANILO GONCALVES NOVAES - BA32910-A e ANA MARIA FERRAZ CARDOSO - BA36443-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal - MPF, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Vitória da Conquista/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em desfavor de Guilherme Menezes Andrade, Coriolano Ferreira de Morais Neto, Dacosta e Chiara Assessoria e Tecnologia Ltda. e Edilson Almeida Costa, julgou improcedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput e inciso XII, e 11, caput, da Lei 8.429/1992 (ID. 144128119). O apelante sustenta que restou comprovada a prática de conduta culposa dos agentes públicos e dos contratados, consubstanciada na contratação e implementação de projeto sem o planejamento mínimo exigido, bem como a atuação dolosa dos mesmos em razão do aditamento contratual que ensejou pagamento indevido à pessoa jurídica contratada, acarretando dano ao erário e violando os princípios da legalidade, moralidade e eficiência administrativa. Alega que a suposta simplicidade do projeto não corresponde à realidade, uma vez que o programa envolvia a readequação de prédios escolares, a prestação de serviços de tecnologia e apresentava alto custo contratual. Argumenta que o projeto esteve em funcionamento apenas de março a setembro de 2012, sendo encerrado informalmente até dezembro do mesmo ano, sem resultados concretos e com prejuízo ao erário, o que atrairia a responsabilidade objetiva dos agentes envolvidos. Afirma que o aditamento contratual foi indevido, tendo em vista as dificuldades apresentadas pela pessoa jurídica na execução do projeto, as quais eram semelhantes aos problemas relatados pelos diretores escolares durante todo o período de vigência. Aduz que a ilegalidade do aditamento se revela pelo fato de ter sido formalizado no período de encerramento do ano letivo, quando já era consenso entre os diretores que os serviços seriam interrompidos. Ademais, o aditamento foi firmado por valor superior ao inicialmente contratado e sem comprovação de liquidação da despesa, o que teria permitido o enriquecimento ilícito de particulares. Argumenta, ainda, que o exíguo prazo de dezenove dias seria insuficiente para a pessoa jurídica emitir quantidade de mensagens que justificasse a vultosa despesa de R$ 241.700,00 (duzentos e quarenta e um mil e setecentos reais), montante que representa quase 20% (vinte por cento) do valor total do contrato pactuado para vigorar durante um ano letivo completo. Sustenta que as alegações foram devidamente comprovadas, conforme demonstram as provas documentais e testemunhais constantes dos autos, com destaque para os depoimentos de mais de 25 diretores escolares, além de servidores públicos municipais e do gerente de informática da Secretaria de Educação. Por fim, requer a reforma da sentença, com a consequente condenação dos apelados às sanções previstas no art. 12 da LIA (ID. 144128126). Contrarrazões (IDs. 144128135 e 144128137). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo provimento da apelação (ID. 165054551). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que o Município de Vitória da Conquista/BA contratou, sem licitação prévia, a pessoa jurídica ré para implementar o “Projeto Uniforme Inteligente”, que consistia em sistema de identificação de estudantes por meio de etiquetas inseridas em uniformes, com o objetivo de controlar a entrada e saída dos alunos e enviar mensagens de texto aos pais para monitoramento da frequência escolar. Segundo o autor, a contratação ocorreu sem a realização de estudo prévio, o que teria ocasionado o funcionamento irregular do projeto e dificultado a fiscalização adequada, resultando na frustração de seus objetivos e no abandono da iniciativa. Ainda assim, foi realizado um aditamento contratual que, conforme alegado, causou dano ao erário, tanto pelo descumprimento da finalidade do projeto quanto pelo valor contratado, que foi proporcionalmente superior ao inicialmente pactuado, ensejando o enriquecimento ilícito dos contratados. Na sentença, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, pelos seguintes fundamentos: (...) 1. Da contratação imprudente da empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA (...) Pelo que se analisou até aqui, após apresentação do projeto, os requeridos lograram demonstrar que houve um prévio estudo da tecnologia a ser implementada. Esclarecem que aludido estudo não se confunde com o projeto executivo defendido pelo Parquet, uma vez que para exequibilidade do projeto, “o equipamento simplesmente era instalado em uma das portas de acesso de cada escola, não demandando obras ou projeto complexo. O “portal” era algo mais simples que o equipamento de controle e saída (Raio-X) de pessoas que há na sala de acesso do Fórum da Justiça Federal, Subseção de Vitória da Conquista. Bastou esse ser instalado”. (...) Mais que isso, tem-se, ainda, que após apresentação do projeto, diversas medidas foram adotadas antes da celebração do acordo, tanto que o sobredito projeto fora apresentado, a época, ao juiz da Vara da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, Juvino Henrique Brito, e ao promotor, Marcos Coelho. Nesse sentido notícia veiculada em id 377601371 - Pág. 67, onde consta: (...) Outro ponto relatado em sede de oitivas e que restou comprovado documentalmente nos autos foi de que o serviço de telefonia foi substancialmente alterado na cidade de Vitória da Conquista no ano de 2012, a ponto de alterar a prestação de serviço. Senão vejamos. (...) Pois bem. Por todo este contexto probatório, convencida estou de que não houve ato ímprobo por parte dos requeridos na contratação e consequente implantação do projeto uniforme inteligente. Descabida, pois, a classificação da conduta dos réus no âmbito da improbidade administrativa. (...) No caso dos autos, cabalmente demonstrado que houve preocupação por parte do alcaide e do secretário de educação na implementação de um projeto novo e com poucas referências anteriores. Tanto existiu essa preocupação que o projeto foi amplamente debatido com a sociedade – aqui representada pelo Judiciário, Ministério Público e com os próprios diretores das escolas. De fato, restou inconteste que durante a execução do projeto houveram falhas, todavia, longe de serem atribuídas aos requeridos, tenho que decorreram de fatores externos, tal como a má prestação do serviço de telefonia que gerou prejuízo no envio das mensagens aos pais. Não se manifesta na conduta dos agentes a tipologia derivada da culpa pela negligência, imperícia ou imprudência que tenham afetado com esse menoscabo à suas funções, a preservação do patrimônio da Administração Pública. Ao contrário, o que se tem nos autos é a comprovação de que tanto o gestor municipal e secretário de educação eram pessoas sérias e imbuídas de boas ideias na implementação de políticas públicas. Do contexto aqui analisado, tem-se que as condutas dos agentes públicos estavam dentro das conformações legais em relação a suas atribuições, não sendo jurídico nem razoável exigir-se deles conduta diversa. E mais, não há qualquer indicativo probatório de que a empresa fornecedora do serviço e seu sócio auferiram vantagem consistente em sobrepreço do serviço. (...) Ressalto que, no entender desta magistrada, a única falha na implementação do projeto fora na escolha de 25 escolas – que corresponderiam a 17.000 mil alunos. Por ser um projeto inovador poderiam ter sido escolhidas menos escolas, a fim de averiguar, num primeiro momento, a funcionalidade do projeto. Entrementes, a despeito da ressalva acima tenho que esta conduta, por si só, não se alça ao plano das improbidades. Isso porque, conforme destacado acima, não se observou o intuito de agir com desonestidade, malícia ou dolo. Ao revés, os requeridos estavam imbuídos na busca de uma solução para minimizar os problemas de evasão escolar. 1, Do aditamento do contrato com intuito e favorecer indevidamente a empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA e seu sócio administrador Edilson Almeida Costa (...) De acordo com o ofício de id 377601371 - Pág. 62 restou autorizada a elaboração do termo aditivo de valor de 25% ao contrato n. 085/2012, tendo em vista aumento do número de mensagens enviadas por dia, que no contrato previa o envio de uma mensagem para cada aluno, e os mesmos passaram a receber duas, na entrada e saída da escola. Quando questionado sobre o aditamento, o requerido CORIOLANO FERREIRA DE MORAIS NETO afirmou que o pagamento se deu para garantir o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, pois a contratada questionou o pagamento por apenas uma mensagem, a despeito de a execução envolver o envio de duas, a da entrada e a da saída. Ressaltou que o motivo do aditivo foi ressarcimento das mensagens enviadas ao longo do ano letivo. A mesma versão está presente nas manifestações da DACOSTA & CHIARA, que ainda ressaltou que outros gastos foram feitos e sequer repassados a municipalidade (id 393601986). (...) O serviço oferecido e implementado no município envolvia o envio de mensagens aos pais assegurando que os seus filhos tinham ingressado na escola. Posteriormente entendeu-se que seriam necessárias duas mensagens: uma de entrada e outra de saída. Ou seja, a liquidação da despesa consistiria na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Neste ponto, o MPF não alegou em momento algum a ausência de prestação do serviço – esta não foi sequer objeto dos autos – o que se discutiu foi a possível má prestação dos serviços. No aludido dispositivo não se encontra qualquer impeditivo ao pagamento por serviço prestado anteriormente. Em verdade, essa é a regra no serviço público, presta-se o serviço e depois este é pago, seguindo-se os trâmites administrativos. E mais, a tese autoral envolvia comprovação de que o ato de aditamento fora dolosamente direcionado para a empresa requerida e seu sócio. Nenhuma prova fora produzida nesse sentido, tampouco eventual enriquecimento ilícito. (...) Diante deste contexto, há de se ressaltar que mesmo considerando o montante adicionado com o aditamento, o valor pago pelo município de Vitória da Conquista corresponderia a R$ 78, 92 por aluno. Ainda assim, não se observa discrepância de valor, não me levando a concluir – tão somente por isso - pelo enriquecimento ilícito da empresa contratante. Concluo, no ponto, que não restou comprovado que o ato de aditamento fora dolosamente direcionado para a empresa requerida e seu sócio, tampouco que houve enriquecimento ilícito da empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA e seu sócio Edilson Almeida Costa. (...). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. O parquet visa a condenação dos apelados pela prática das condutas previstas no art. 10, caput e inciso XII, da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...). Conforme consolidada jurisprudência desta Corte, para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação ou o indevido fracionamento do objeto deve acarretar perda patrimonial efetiva, não sendo mais admitida a configuração de dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01.3600. De igual modo, está pacificado o entendimento de que a simples inobservância dos requisitos legais para a contratação pública, conquanto reprovável sob o prisma da legalidade estrita, não autoriza, isoladamente, a imposição das sanções previstas na Lei 8.429/1992. No caso em exame, quanto às irregularidades na contratação, a imputação se limitou a atribuir aos agentes uma atuação culposa, diante da imprudência na celebração do ajuste, o que deu ensejo à frustração do projeto. Ocorre que, conforme já apontado, não é mais admissível a condenação por ato de improbidade fundado exclusivamente em conduta culposa. Além disso, consoante ponderado pelo Juízo sentenciante, restou demonstrado que a contratação foi precedida de avaliação prévia, com a participação de múltiplos atores institucionais – inclusive com parecer jurídico da Procuradoria Municipal validando a inexigibilidade de licitação –, além de manifestações favoráveis de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público local. Ademais, ficou comprovado que houve implementação do projeto, com efetiva prestação dos serviços, ainda que os resultados tenham sido comprometidos por falhas na infraestrutura de telecomunicações da localidade, fato corroborado por documentos e depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório. No tocante ao aditamento contratual, igualmente não se evidenciou qualquer direcionamento com o intuito de beneficiar indevidamente a contratada ou seu representante legal. O acréscimo pactuado revelou-se compatível com a ampliação do objeto contratual e com a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro da avença. Importa frisar que, mesmo após as alterações promovidas, o valor final por aluno permaneceu compatível com os preços de mercado para projetos de natureza semelhante, conforme reconhecido pelo órgão de controle externo, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, em comparação com contratos firmados por outras administrações. Diante desse quadro, e nos termos da sentença recorrida, não vislumbro a comprovação de efetivo dano ao erário, uma vez que os serviços foram prestados, ainda que com falhas que comprometeram seus objetivos. Outrossim, não restou comprovado o dolo específico dos agentes em causar prejuízo ao erário, sobretudo diante das justificativas apresentadas tanto para a contratação quanto para o aditamento realizado. Deste modo, nos termos da sentença combatida, verifico que os serviços contratados foram executados, não havendo indícios de superfaturamento ou sobrepreço. A ausência de elementos que evidenciem má-fé, desonestidade ou dano concreto ao erário inviabiliza o reconhecimento de ato de improbidade. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024). Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Dessa forma, a inexistência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de ato doloso voltado a causar dano ao erário, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. O apelante também pleiteia a condenação dos apelados pela prática dos atos previstos no art. 11, caput, da LIA, que, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...). Com a nova redação, o mencionado dispositivo ficou assim redigido: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, também é incabível a condenação com base no art. 11, caput, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) APELADO: EDILSON ALMEIDA COSTA, GUILHERME MENEZES DE ANDRADE, CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO, DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA - EPP Advogados do(a) APELADO: DANILO GONCALVES NOVAES - BA32910-A, RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS - BA3619-A Advogados do(a) APELADO: ANA MARIA FERRAZ CARDOSO - BA36443-A, JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA - BA18763-A, RAISA ANDRADE SILVA - BA39376-A Advogado do(a) APELADO: LUIZ ANTONIO NOVAES - SP146448-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA. IMPRUDÊNCIA. FRUSTRAÇÃO DOS OBJETIVOS DO PROJETO. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. DANO PRESUMIDO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta pelo MPF contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos art. 10, caput e inciso XII e 11, caput, da LIA, em razão da implementação do “Projeto Uniforme Inteligente” no Município de Vitória da Conquista/BA, mediante contratação direta, sem licitação prévia. A acusação baseou-se na alegação de ausência de estudos prévios adequados, funcionamento irregular do projeto, aditamento contratual desproporcional e suposto dano ao erário decorrente do descumprimento do objeto e possível enriquecimento ilícito da contratada. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) apurar a ocorrência de dano efetivo ao erário e dolo específico na conduta dos apelados, nos termos do art. 10 da LIA e (ii) determinar se houve a prática de atos dolosos atentatórios aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, caput, da LIA. 3. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 4. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 5. No caso concreto, comprovou-se a efetiva execução do projeto e a prestação dos serviços, embora os resultados tenham sido comprometidos por fatores externos, como falhas de infraestrutura de telecomunicações, devidamente demonstradas nos autos. O aditamento contratual atendeu à ampliação do objeto e visou à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, com valores finais compatíveis com os praticados no mercado. Não há provas de superfaturamento, direcionamento da contratação ou má-fé, inexistindo os elementos objetivos e subjetivos exigidos para a caracterização do ato ímprobo. 6. Não comprovada a ocorrência de dano ao erário, tampouco o dolo específico, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 7. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 8. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 9. Apelação não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 17/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0005082-24.2017.4.01.3307

ID: 317308907

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0005082-24.2017.4.01.3307

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA - EPP EDILSON ALMEIDA COSTA GUILHERME MENEZES DE ANDRADE

Acórdão

Advogados:

ANA MARIA FERRAZ CARDOSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

DANILO GONCALVES NOVAES

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

LUIZ ANTONIO NOVAES

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

RAISA ANDRADE SILVA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005082-24.2017.4.01.3307 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005082-24.2017.4.01.3307 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005082-24.2017.4.01.3307 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005082-24.2017.4.01.3307 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RAISA ANDRADE SILVA - BA39376-A, JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA - BA18763-A, LUIZ ANTONIO NOVAES - SP146448-A, RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS - BA3619-A, DANILO GONCALVES NOVAES - BA32910-A e ANA MARIA FERRAZ CARDOSO - BA36443-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal - MPF, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Vitória da Conquista/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em desfavor de Guilherme Menezes Andrade, Coriolano Ferreira de Morais Neto, Dacosta e Chiara Assessoria e Tecnologia Ltda. e Edilson Almeida Costa, julgou improcedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput e inciso XII, e 11, caput, da Lei 8.429/1992 (ID. 144128119). O apelante sustenta que restou comprovada a prática de conduta culposa dos agentes públicos e dos contratados, consubstanciada na contratação e implementação de projeto sem o planejamento mínimo exigido, bem como a atuação dolosa dos mesmos em razão do aditamento contratual que ensejou pagamento indevido à pessoa jurídica contratada, acarretando dano ao erário e violando os princípios da legalidade, moralidade e eficiência administrativa. Alega que a suposta simplicidade do projeto não corresponde à realidade, uma vez que o programa envolvia a readequação de prédios escolares, a prestação de serviços de tecnologia e apresentava alto custo contratual. Argumenta que o projeto esteve em funcionamento apenas de março a setembro de 2012, sendo encerrado informalmente até dezembro do mesmo ano, sem resultados concretos e com prejuízo ao erário, o que atrairia a responsabilidade objetiva dos agentes envolvidos. Afirma que o aditamento contratual foi indevido, tendo em vista as dificuldades apresentadas pela pessoa jurídica na execução do projeto, as quais eram semelhantes aos problemas relatados pelos diretores escolares durante todo o período de vigência. Aduz que a ilegalidade do aditamento se revela pelo fato de ter sido formalizado no período de encerramento do ano letivo, quando já era consenso entre os diretores que os serviços seriam interrompidos. Ademais, o aditamento foi firmado por valor superior ao inicialmente contratado e sem comprovação de liquidação da despesa, o que teria permitido o enriquecimento ilícito de particulares. Argumenta, ainda, que o exíguo prazo de dezenove dias seria insuficiente para a pessoa jurídica emitir quantidade de mensagens que justificasse a vultosa despesa de R$ 241.700,00 (duzentos e quarenta e um mil e setecentos reais), montante que representa quase 20% (vinte por cento) do valor total do contrato pactuado para vigorar durante um ano letivo completo. Sustenta que as alegações foram devidamente comprovadas, conforme demonstram as provas documentais e testemunhais constantes dos autos, com destaque para os depoimentos de mais de 25 diretores escolares, além de servidores públicos municipais e do gerente de informática da Secretaria de Educação. Por fim, requer a reforma da sentença, com a consequente condenação dos apelados às sanções previstas no art. 12 da LIA (ID. 144128126). Contrarrazões (IDs. 144128135 e 144128137). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo provimento da apelação (ID. 165054551). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que o Município de Vitória da Conquista/BA contratou, sem licitação prévia, a pessoa jurídica ré para implementar o “Projeto Uniforme Inteligente”, que consistia em sistema de identificação de estudantes por meio de etiquetas inseridas em uniformes, com o objetivo de controlar a entrada e saída dos alunos e enviar mensagens de texto aos pais para monitoramento da frequência escolar. Segundo o autor, a contratação ocorreu sem a realização de estudo prévio, o que teria ocasionado o funcionamento irregular do projeto e dificultado a fiscalização adequada, resultando na frustração de seus objetivos e no abandono da iniciativa. Ainda assim, foi realizado um aditamento contratual que, conforme alegado, causou dano ao erário, tanto pelo descumprimento da finalidade do projeto quanto pelo valor contratado, que foi proporcionalmente superior ao inicialmente pactuado, ensejando o enriquecimento ilícito dos contratados. Na sentença, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, pelos seguintes fundamentos: (...) 1. Da contratação imprudente da empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA (...) Pelo que se analisou até aqui, após apresentação do projeto, os requeridos lograram demonstrar que houve um prévio estudo da tecnologia a ser implementada. Esclarecem que aludido estudo não se confunde com o projeto executivo defendido pelo Parquet, uma vez que para exequibilidade do projeto, “o equipamento simplesmente era instalado em uma das portas de acesso de cada escola, não demandando obras ou projeto complexo. O “portal” era algo mais simples que o equipamento de controle e saída (Raio-X) de pessoas que há na sala de acesso do Fórum da Justiça Federal, Subseção de Vitória da Conquista. Bastou esse ser instalado”. (...) Mais que isso, tem-se, ainda, que após apresentação do projeto, diversas medidas foram adotadas antes da celebração do acordo, tanto que o sobredito projeto fora apresentado, a época, ao juiz da Vara da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, Juvino Henrique Brito, e ao promotor, Marcos Coelho. Nesse sentido notícia veiculada em id 377601371 - Pág. 67, onde consta: (...) Outro ponto relatado em sede de oitivas e que restou comprovado documentalmente nos autos foi de que o serviço de telefonia foi substancialmente alterado na cidade de Vitória da Conquista no ano de 2012, a ponto de alterar a prestação de serviço. Senão vejamos. (...) Pois bem. Por todo este contexto probatório, convencida estou de que não houve ato ímprobo por parte dos requeridos na contratação e consequente implantação do projeto uniforme inteligente. Descabida, pois, a classificação da conduta dos réus no âmbito da improbidade administrativa. (...) No caso dos autos, cabalmente demonstrado que houve preocupação por parte do alcaide e do secretário de educação na implementação de um projeto novo e com poucas referências anteriores. Tanto existiu essa preocupação que o projeto foi amplamente debatido com a sociedade – aqui representada pelo Judiciário, Ministério Público e com os próprios diretores das escolas. De fato, restou inconteste que durante a execução do projeto houveram falhas, todavia, longe de serem atribuídas aos requeridos, tenho que decorreram de fatores externos, tal como a má prestação do serviço de telefonia que gerou prejuízo no envio das mensagens aos pais. Não se manifesta na conduta dos agentes a tipologia derivada da culpa pela negligência, imperícia ou imprudência que tenham afetado com esse menoscabo à suas funções, a preservação do patrimônio da Administração Pública. Ao contrário, o que se tem nos autos é a comprovação de que tanto o gestor municipal e secretário de educação eram pessoas sérias e imbuídas de boas ideias na implementação de políticas públicas. Do contexto aqui analisado, tem-se que as condutas dos agentes públicos estavam dentro das conformações legais em relação a suas atribuições, não sendo jurídico nem razoável exigir-se deles conduta diversa. E mais, não há qualquer indicativo probatório de que a empresa fornecedora do serviço e seu sócio auferiram vantagem consistente em sobrepreço do serviço. (...) Ressalto que, no entender desta magistrada, a única falha na implementação do projeto fora na escolha de 25 escolas – que corresponderiam a 17.000 mil alunos. Por ser um projeto inovador poderiam ter sido escolhidas menos escolas, a fim de averiguar, num primeiro momento, a funcionalidade do projeto. Entrementes, a despeito da ressalva acima tenho que esta conduta, por si só, não se alça ao plano das improbidades. Isso porque, conforme destacado acima, não se observou o intuito de agir com desonestidade, malícia ou dolo. Ao revés, os requeridos estavam imbuídos na busca de uma solução para minimizar os problemas de evasão escolar. 1, Do aditamento do contrato com intuito e favorecer indevidamente a empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA e seu sócio administrador Edilson Almeida Costa (...) De acordo com o ofício de id 377601371 - Pág. 62 restou autorizada a elaboração do termo aditivo de valor de 25% ao contrato n. 085/2012, tendo em vista aumento do número de mensagens enviadas por dia, que no contrato previa o envio de uma mensagem para cada aluno, e os mesmos passaram a receber duas, na entrada e saída da escola. Quando questionado sobre o aditamento, o requerido CORIOLANO FERREIRA DE MORAIS NETO afirmou que o pagamento se deu para garantir o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, pois a contratada questionou o pagamento por apenas uma mensagem, a despeito de a execução envolver o envio de duas, a da entrada e a da saída. Ressaltou que o motivo do aditivo foi ressarcimento das mensagens enviadas ao longo do ano letivo. A mesma versão está presente nas manifestações da DACOSTA & CHIARA, que ainda ressaltou que outros gastos foram feitos e sequer repassados a municipalidade (id 393601986). (...) O serviço oferecido e implementado no município envolvia o envio de mensagens aos pais assegurando que os seus filhos tinham ingressado na escola. Posteriormente entendeu-se que seriam necessárias duas mensagens: uma de entrada e outra de saída. Ou seja, a liquidação da despesa consistiria na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Neste ponto, o MPF não alegou em momento algum a ausência de prestação do serviço – esta não foi sequer objeto dos autos – o que se discutiu foi a possível má prestação dos serviços. No aludido dispositivo não se encontra qualquer impeditivo ao pagamento por serviço prestado anteriormente. Em verdade, essa é a regra no serviço público, presta-se o serviço e depois este é pago, seguindo-se os trâmites administrativos. E mais, a tese autoral envolvia comprovação de que o ato de aditamento fora dolosamente direcionado para a empresa requerida e seu sócio. Nenhuma prova fora produzida nesse sentido, tampouco eventual enriquecimento ilícito. (...) Diante deste contexto, há de se ressaltar que mesmo considerando o montante adicionado com o aditamento, o valor pago pelo município de Vitória da Conquista corresponderia a R$ 78, 92 por aluno. Ainda assim, não se observa discrepância de valor, não me levando a concluir – tão somente por isso - pelo enriquecimento ilícito da empresa contratante. Concluo, no ponto, que não restou comprovado que o ato de aditamento fora dolosamente direcionado para a empresa requerida e seu sócio, tampouco que houve enriquecimento ilícito da empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA e seu sócio Edilson Almeida Costa. (...). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. O parquet visa a condenação dos apelados pela prática das condutas previstas no art. 10, caput e inciso XII, da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...). Conforme consolidada jurisprudência desta Corte, para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação ou o indevido fracionamento do objeto deve acarretar perda patrimonial efetiva, não sendo mais admitida a configuração de dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01.3600. De igual modo, está pacificado o entendimento de que a simples inobservância dos requisitos legais para a contratação pública, conquanto reprovável sob o prisma da legalidade estrita, não autoriza, isoladamente, a imposição das sanções previstas na Lei 8.429/1992. No caso em exame, quanto às irregularidades na contratação, a imputação se limitou a atribuir aos agentes uma atuação culposa, diante da imprudência na celebração do ajuste, o que deu ensejo à frustração do projeto. Ocorre que, conforme já apontado, não é mais admissível a condenação por ato de improbidade fundado exclusivamente em conduta culposa. Além disso, consoante ponderado pelo Juízo sentenciante, restou demonstrado que a contratação foi precedida de avaliação prévia, com a participação de múltiplos atores institucionais – inclusive com parecer jurídico da Procuradoria Municipal validando a inexigibilidade de licitação –, além de manifestações favoráveis de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público local. Ademais, ficou comprovado que houve implementação do projeto, com efetiva prestação dos serviços, ainda que os resultados tenham sido comprometidos por falhas na infraestrutura de telecomunicações da localidade, fato corroborado por documentos e depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório. No tocante ao aditamento contratual, igualmente não se evidenciou qualquer direcionamento com o intuito de beneficiar indevidamente a contratada ou seu representante legal. O acréscimo pactuado revelou-se compatível com a ampliação do objeto contratual e com a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro da avença. Importa frisar que, mesmo após as alterações promovidas, o valor final por aluno permaneceu compatível com os preços de mercado para projetos de natureza semelhante, conforme reconhecido pelo órgão de controle externo, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, em comparação com contratos firmados por outras administrações. Diante desse quadro, e nos termos da sentença recorrida, não vislumbro a comprovação de efetivo dano ao erário, uma vez que os serviços foram prestados, ainda que com falhas que comprometeram seus objetivos. Outrossim, não restou comprovado o dolo específico dos agentes em causar prejuízo ao erário, sobretudo diante das justificativas apresentadas tanto para a contratação quanto para o aditamento realizado. Deste modo, nos termos da sentença combatida, verifico que os serviços contratados foram executados, não havendo indícios de superfaturamento ou sobrepreço. A ausência de elementos que evidenciem má-fé, desonestidade ou dano concreto ao erário inviabiliza o reconhecimento de ato de improbidade. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024). Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Dessa forma, a inexistência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de ato doloso voltado a causar dano ao erário, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. O apelante também pleiteia a condenação dos apelados pela prática dos atos previstos no art. 11, caput, da LIA, que, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...). Com a nova redação, o mencionado dispositivo ficou assim redigido: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, também é incabível a condenação com base no art. 11, caput, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) APELADO: EDILSON ALMEIDA COSTA, GUILHERME MENEZES DE ANDRADE, CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO, DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA - EPP Advogados do(a) APELADO: DANILO GONCALVES NOVAES - BA32910-A, RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS - BA3619-A Advogados do(a) APELADO: ANA MARIA FERRAZ CARDOSO - BA36443-A, JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA - BA18763-A, RAISA ANDRADE SILVA - BA39376-A Advogado do(a) APELADO: LUIZ ANTONIO NOVAES - SP146448-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA. IMPRUDÊNCIA. FRUSTRAÇÃO DOS OBJETIVOS DO PROJETO. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. DANO PRESUMIDO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta pelo MPF contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos art. 10, caput e inciso XII e 11, caput, da LIA, em razão da implementação do “Projeto Uniforme Inteligente” no Município de Vitória da Conquista/BA, mediante contratação direta, sem licitação prévia. A acusação baseou-se na alegação de ausência de estudos prévios adequados, funcionamento irregular do projeto, aditamento contratual desproporcional e suposto dano ao erário decorrente do descumprimento do objeto e possível enriquecimento ilícito da contratada. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) apurar a ocorrência de dano efetivo ao erário e dolo específico na conduta dos apelados, nos termos do art. 10 da LIA e (ii) determinar se houve a prática de atos dolosos atentatórios aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, caput, da LIA. 3. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 4. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 5. No caso concreto, comprovou-se a efetiva execução do projeto e a prestação dos serviços, embora os resultados tenham sido comprometidos por fatores externos, como falhas de infraestrutura de telecomunicações, devidamente demonstradas nos autos. O aditamento contratual atendeu à ampliação do objeto e visou à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, com valores finais compatíveis com os praticados no mercado. Não há provas de superfaturamento, direcionamento da contratação ou má-fé, inexistindo os elementos objetivos e subjetivos exigidos para a caracterização do ato ímprobo. 6. Não comprovada a ocorrência de dano ao erário, tampouco o dolo específico, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 7. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 8. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 9. Apelação não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 17/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0005082-24.2017.4.01.3307

ID: 317308911

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0005082-24.2017.4.01.3307

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA - EPP EDILSON ALMEIDA COSTA GUILHERME MENEZES DE ANDRADE

Acórdão

Advogados:

ANA MARIA FERRAZ CARDOSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

DANILO GONCALVES NOVAES

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RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

LUIZ ANTONIO NOVAES

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

RAISA ANDRADE SILVA

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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005082-24.2017.4.01.3307 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005082-24.2017.4.01.3307 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005082-24.2017.4.01.3307 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005082-24.2017.4.01.3307 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RAISA ANDRADE SILVA - BA39376-A, JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA - BA18763-A, LUIZ ANTONIO NOVAES - SP146448-A, RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS - BA3619-A, DANILO GONCALVES NOVAES - BA32910-A e ANA MARIA FERRAZ CARDOSO - BA36443-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal - MPF, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Vitória da Conquista/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em desfavor de Guilherme Menezes Andrade, Coriolano Ferreira de Morais Neto, Dacosta e Chiara Assessoria e Tecnologia Ltda. e Edilson Almeida Costa, julgou improcedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput e inciso XII, e 11, caput, da Lei 8.429/1992 (ID. 144128119). O apelante sustenta que restou comprovada a prática de conduta culposa dos agentes públicos e dos contratados, consubstanciada na contratação e implementação de projeto sem o planejamento mínimo exigido, bem como a atuação dolosa dos mesmos em razão do aditamento contratual que ensejou pagamento indevido à pessoa jurídica contratada, acarretando dano ao erário e violando os princípios da legalidade, moralidade e eficiência administrativa. Alega que a suposta simplicidade do projeto não corresponde à realidade, uma vez que o programa envolvia a readequação de prédios escolares, a prestação de serviços de tecnologia e apresentava alto custo contratual. Argumenta que o projeto esteve em funcionamento apenas de março a setembro de 2012, sendo encerrado informalmente até dezembro do mesmo ano, sem resultados concretos e com prejuízo ao erário, o que atrairia a responsabilidade objetiva dos agentes envolvidos. Afirma que o aditamento contratual foi indevido, tendo em vista as dificuldades apresentadas pela pessoa jurídica na execução do projeto, as quais eram semelhantes aos problemas relatados pelos diretores escolares durante todo o período de vigência. Aduz que a ilegalidade do aditamento se revela pelo fato de ter sido formalizado no período de encerramento do ano letivo, quando já era consenso entre os diretores que os serviços seriam interrompidos. Ademais, o aditamento foi firmado por valor superior ao inicialmente contratado e sem comprovação de liquidação da despesa, o que teria permitido o enriquecimento ilícito de particulares. Argumenta, ainda, que o exíguo prazo de dezenove dias seria insuficiente para a pessoa jurídica emitir quantidade de mensagens que justificasse a vultosa despesa de R$ 241.700,00 (duzentos e quarenta e um mil e setecentos reais), montante que representa quase 20% (vinte por cento) do valor total do contrato pactuado para vigorar durante um ano letivo completo. Sustenta que as alegações foram devidamente comprovadas, conforme demonstram as provas documentais e testemunhais constantes dos autos, com destaque para os depoimentos de mais de 25 diretores escolares, além de servidores públicos municipais e do gerente de informática da Secretaria de Educação. Por fim, requer a reforma da sentença, com a consequente condenação dos apelados às sanções previstas no art. 12 da LIA (ID. 144128126). Contrarrazões (IDs. 144128135 e 144128137). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo provimento da apelação (ID. 165054551). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que o Município de Vitória da Conquista/BA contratou, sem licitação prévia, a pessoa jurídica ré para implementar o “Projeto Uniforme Inteligente”, que consistia em sistema de identificação de estudantes por meio de etiquetas inseridas em uniformes, com o objetivo de controlar a entrada e saída dos alunos e enviar mensagens de texto aos pais para monitoramento da frequência escolar. Segundo o autor, a contratação ocorreu sem a realização de estudo prévio, o que teria ocasionado o funcionamento irregular do projeto e dificultado a fiscalização adequada, resultando na frustração de seus objetivos e no abandono da iniciativa. Ainda assim, foi realizado um aditamento contratual que, conforme alegado, causou dano ao erário, tanto pelo descumprimento da finalidade do projeto quanto pelo valor contratado, que foi proporcionalmente superior ao inicialmente pactuado, ensejando o enriquecimento ilícito dos contratados. Na sentença, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, pelos seguintes fundamentos: (...) 1. Da contratação imprudente da empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA (...) Pelo que se analisou até aqui, após apresentação do projeto, os requeridos lograram demonstrar que houve um prévio estudo da tecnologia a ser implementada. Esclarecem que aludido estudo não se confunde com o projeto executivo defendido pelo Parquet, uma vez que para exequibilidade do projeto, “o equipamento simplesmente era instalado em uma das portas de acesso de cada escola, não demandando obras ou projeto complexo. O “portal” era algo mais simples que o equipamento de controle e saída (Raio-X) de pessoas que há na sala de acesso do Fórum da Justiça Federal, Subseção de Vitória da Conquista. Bastou esse ser instalado”. (...) Mais que isso, tem-se, ainda, que após apresentação do projeto, diversas medidas foram adotadas antes da celebração do acordo, tanto que o sobredito projeto fora apresentado, a época, ao juiz da Vara da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, Juvino Henrique Brito, e ao promotor, Marcos Coelho. Nesse sentido notícia veiculada em id 377601371 - Pág. 67, onde consta: (...) Outro ponto relatado em sede de oitivas e que restou comprovado documentalmente nos autos foi de que o serviço de telefonia foi substancialmente alterado na cidade de Vitória da Conquista no ano de 2012, a ponto de alterar a prestação de serviço. Senão vejamos. (...) Pois bem. Por todo este contexto probatório, convencida estou de que não houve ato ímprobo por parte dos requeridos na contratação e consequente implantação do projeto uniforme inteligente. Descabida, pois, a classificação da conduta dos réus no âmbito da improbidade administrativa. (...) No caso dos autos, cabalmente demonstrado que houve preocupação por parte do alcaide e do secretário de educação na implementação de um projeto novo e com poucas referências anteriores. Tanto existiu essa preocupação que o projeto foi amplamente debatido com a sociedade – aqui representada pelo Judiciário, Ministério Público e com os próprios diretores das escolas. De fato, restou inconteste que durante a execução do projeto houveram falhas, todavia, longe de serem atribuídas aos requeridos, tenho que decorreram de fatores externos, tal como a má prestação do serviço de telefonia que gerou prejuízo no envio das mensagens aos pais. Não se manifesta na conduta dos agentes a tipologia derivada da culpa pela negligência, imperícia ou imprudência que tenham afetado com esse menoscabo à suas funções, a preservação do patrimônio da Administração Pública. Ao contrário, o que se tem nos autos é a comprovação de que tanto o gestor municipal e secretário de educação eram pessoas sérias e imbuídas de boas ideias na implementação de políticas públicas. Do contexto aqui analisado, tem-se que as condutas dos agentes públicos estavam dentro das conformações legais em relação a suas atribuições, não sendo jurídico nem razoável exigir-se deles conduta diversa. E mais, não há qualquer indicativo probatório de que a empresa fornecedora do serviço e seu sócio auferiram vantagem consistente em sobrepreço do serviço. (...) Ressalto que, no entender desta magistrada, a única falha na implementação do projeto fora na escolha de 25 escolas – que corresponderiam a 17.000 mil alunos. Por ser um projeto inovador poderiam ter sido escolhidas menos escolas, a fim de averiguar, num primeiro momento, a funcionalidade do projeto. Entrementes, a despeito da ressalva acima tenho que esta conduta, por si só, não se alça ao plano das improbidades. Isso porque, conforme destacado acima, não se observou o intuito de agir com desonestidade, malícia ou dolo. Ao revés, os requeridos estavam imbuídos na busca de uma solução para minimizar os problemas de evasão escolar. 1, Do aditamento do contrato com intuito e favorecer indevidamente a empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA e seu sócio administrador Edilson Almeida Costa (...) De acordo com o ofício de id 377601371 - Pág. 62 restou autorizada a elaboração do termo aditivo de valor de 25% ao contrato n. 085/2012, tendo em vista aumento do número de mensagens enviadas por dia, que no contrato previa o envio de uma mensagem para cada aluno, e os mesmos passaram a receber duas, na entrada e saída da escola. Quando questionado sobre o aditamento, o requerido CORIOLANO FERREIRA DE MORAIS NETO afirmou que o pagamento se deu para garantir o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, pois a contratada questionou o pagamento por apenas uma mensagem, a despeito de a execução envolver o envio de duas, a da entrada e a da saída. Ressaltou que o motivo do aditivo foi ressarcimento das mensagens enviadas ao longo do ano letivo. A mesma versão está presente nas manifestações da DACOSTA & CHIARA, que ainda ressaltou que outros gastos foram feitos e sequer repassados a municipalidade (id 393601986). (...) O serviço oferecido e implementado no município envolvia o envio de mensagens aos pais assegurando que os seus filhos tinham ingressado na escola. Posteriormente entendeu-se que seriam necessárias duas mensagens: uma de entrada e outra de saída. Ou seja, a liquidação da despesa consistiria na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Neste ponto, o MPF não alegou em momento algum a ausência de prestação do serviço – esta não foi sequer objeto dos autos – o que se discutiu foi a possível má prestação dos serviços. No aludido dispositivo não se encontra qualquer impeditivo ao pagamento por serviço prestado anteriormente. Em verdade, essa é a regra no serviço público, presta-se o serviço e depois este é pago, seguindo-se os trâmites administrativos. E mais, a tese autoral envolvia comprovação de que o ato de aditamento fora dolosamente direcionado para a empresa requerida e seu sócio. Nenhuma prova fora produzida nesse sentido, tampouco eventual enriquecimento ilícito. (...) Diante deste contexto, há de se ressaltar que mesmo considerando o montante adicionado com o aditamento, o valor pago pelo município de Vitória da Conquista corresponderia a R$ 78, 92 por aluno. Ainda assim, não se observa discrepância de valor, não me levando a concluir – tão somente por isso - pelo enriquecimento ilícito da empresa contratante. Concluo, no ponto, que não restou comprovado que o ato de aditamento fora dolosamente direcionado para a empresa requerida e seu sócio, tampouco que houve enriquecimento ilícito da empresa DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA e seu sócio Edilson Almeida Costa. (...). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. O parquet visa a condenação dos apelados pela prática das condutas previstas no art. 10, caput e inciso XII, da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...). Conforme consolidada jurisprudência desta Corte, para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação ou o indevido fracionamento do objeto deve acarretar perda patrimonial efetiva, não sendo mais admitida a configuração de dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01.3600. De igual modo, está pacificado o entendimento de que a simples inobservância dos requisitos legais para a contratação pública, conquanto reprovável sob o prisma da legalidade estrita, não autoriza, isoladamente, a imposição das sanções previstas na Lei 8.429/1992. No caso em exame, quanto às irregularidades na contratação, a imputação se limitou a atribuir aos agentes uma atuação culposa, diante da imprudência na celebração do ajuste, o que deu ensejo à frustração do projeto. Ocorre que, conforme já apontado, não é mais admissível a condenação por ato de improbidade fundado exclusivamente em conduta culposa. Além disso, consoante ponderado pelo Juízo sentenciante, restou demonstrado que a contratação foi precedida de avaliação prévia, com a participação de múltiplos atores institucionais – inclusive com parecer jurídico da Procuradoria Municipal validando a inexigibilidade de licitação –, além de manifestações favoráveis de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público local. Ademais, ficou comprovado que houve implementação do projeto, com efetiva prestação dos serviços, ainda que os resultados tenham sido comprometidos por falhas na infraestrutura de telecomunicações da localidade, fato corroborado por documentos e depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório. No tocante ao aditamento contratual, igualmente não se evidenciou qualquer direcionamento com o intuito de beneficiar indevidamente a contratada ou seu representante legal. O acréscimo pactuado revelou-se compatível com a ampliação do objeto contratual e com a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro da avença. Importa frisar que, mesmo após as alterações promovidas, o valor final por aluno permaneceu compatível com os preços de mercado para projetos de natureza semelhante, conforme reconhecido pelo órgão de controle externo, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, em comparação com contratos firmados por outras administrações. Diante desse quadro, e nos termos da sentença recorrida, não vislumbro a comprovação de efetivo dano ao erário, uma vez que os serviços foram prestados, ainda que com falhas que comprometeram seus objetivos. Outrossim, não restou comprovado o dolo específico dos agentes em causar prejuízo ao erário, sobretudo diante das justificativas apresentadas tanto para a contratação quanto para o aditamento realizado. Deste modo, nos termos da sentença combatida, verifico que os serviços contratados foram executados, não havendo indícios de superfaturamento ou sobrepreço. A ausência de elementos que evidenciem má-fé, desonestidade ou dano concreto ao erário inviabiliza o reconhecimento de ato de improbidade. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024). Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Dessa forma, a inexistência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de ato doloso voltado a causar dano ao erário, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. O apelante também pleiteia a condenação dos apelados pela prática dos atos previstos no art. 11, caput, da LIA, que, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...). Com a nova redação, o mencionado dispositivo ficou assim redigido: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, também é incabível a condenação com base no art. 11, caput, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0005082-24.2017.4.01.3307 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) APELADO: EDILSON ALMEIDA COSTA, GUILHERME MENEZES DE ANDRADE, CORIOLANO FERREIRA DE MORAES NETO, DACOSTA & CHIARA ASSESSORIA E TECNOLOGIA LTDA - EPP Advogados do(a) APELADO: DANILO GONCALVES NOVAES - BA32910-A, RUY HERMANN ARAUJO MEDEIROS - BA3619-A Advogados do(a) APELADO: ANA MARIA FERRAZ CARDOSO - BA36443-A, JOSE CARLOS MELO MIRANDA DE OLIVEIRA - BA18763-A, RAISA ANDRADE SILVA - BA39376-A Advogado do(a) APELADO: LUIZ ANTONIO NOVAES - SP146448-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA. IMPRUDÊNCIA. FRUSTRAÇÃO DOS OBJETIVOS DO PROJETO. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. DANO PRESUMIDO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta pelo MPF contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos art. 10, caput e inciso XII e 11, caput, da LIA, em razão da implementação do “Projeto Uniforme Inteligente” no Município de Vitória da Conquista/BA, mediante contratação direta, sem licitação prévia. A acusação baseou-se na alegação de ausência de estudos prévios adequados, funcionamento irregular do projeto, aditamento contratual desproporcional e suposto dano ao erário decorrente do descumprimento do objeto e possível enriquecimento ilícito da contratada. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) apurar a ocorrência de dano efetivo ao erário e dolo específico na conduta dos apelados, nos termos do art. 10 da LIA e (ii) determinar se houve a prática de atos dolosos atentatórios aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, caput, da LIA. 3. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 4. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 5. No caso concreto, comprovou-se a efetiva execução do projeto e a prestação dos serviços, embora os resultados tenham sido comprometidos por fatores externos, como falhas de infraestrutura de telecomunicações, devidamente demonstradas nos autos. O aditamento contratual atendeu à ampliação do objeto e visou à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, com valores finais compatíveis com os praticados no mercado. Não há provas de superfaturamento, direcionamento da contratação ou má-fé, inexistindo os elementos objetivos e subjetivos exigidos para a caracterização do ato ímprobo. 6. Não comprovada a ocorrência de dano ao erário, tampouco o dolo específico, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 7. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 8. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 9. Apelação não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 17/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0002230-49.2011.4.01.3303

ID: 318879149

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0002230-49.2011.4.01.3303

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS CARAIBAS DE SOUSA CLEIDSON FERREIRA ROCHA ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO GLAUCO ANDRE MACHADO WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MIUCHA PEREIRA BORDONI

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE S… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A, ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A e AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira, Estevam Pereira dos Santos e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em face dos apelantes e de Glauco Andre Machado, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação dos apelantes pela prática do ato previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 84803694, fls. 364/382). Os apelantes sustentam, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, requerendo, por conseguinte, a anulação da sentença que julgou antecipadamente o feito. No tocante ao mérito, alegam que a Comissão Permanente de Licitação conduziu processo de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços médicos destinados à atuação no Programa Saúde da Família - PSF, em virtude da escassez de profissionais dispostos a trabalhar na zona rural e nos distritos do Município de Serra do Ramalho/BA. Afirmam que o equívoco ocorrido no referido procedimento decorreu da ausência de conhecimento técnico por parte dos membros da comissão, uma vez que foi realizada inexigibilidade de licitação com base em notória especialização, quando o correto seria o enquadramento como contratação temporária, em razão da carência de profissionais disponíveis para a prestação dos serviços. Aduzem que o erro decorreu da falta de qualificação técnica, bem como da necessidade emergencial e do interesse público que se buscava atender, não sendo possível identificar má-fé na conduta dos apelantes. Defendem que a remuneração paga ao profissional contratado era compatível com a média praticada, inexistindo favorecimento ilícito. Alegam ser improcedente a acusação de descumprimento da carga horária pelo profissional contratado, visto que os serviços foram regularmente prestados, não havendo como afirmar que os pagamentos foram indevidos unicamente pela ausência de comprovação da carga horária. Argumentam que os pagamentos somente eram realizados após a coordenação da atenção básica do Município atestar o cumprimento da carga horária, o que teria ocorrido no caso do profissional Glauco. Aduzem inexistirem registros de reclamações quanto à prestação dos serviços pelo referido médico, sendo que o Município atestou sua atuação, bem como os pacientes atendidos confirmaram a efetiva prestação dos serviços contratados, não havendo prova de que esses serviços tenham deixado de ser realizados adequadamente. Ressaltam que a metodologia empregada pela CGU é imprestável e incoerente por diversos motivos, tais como a inexistência, nos autos, dos mapas de atendimento mencionados, a análise restrita a apenas dois meses do exercício de 2009 e a ausência de informações sobre a frequência dos profissionais de saúde. Sustentam que os referidos mapas referem-se aos atendimentos do PSF em geral, sem individualização por profissional, ao contrário do que sugere, de forma equivocada, o relatório. Afirmam, ainda, que os relatórios não trazem provas de que tenham sido colhidas declarações de funcionários dos postos de saúde ou de membros da comunidade que pudessem confirmar as alegações da auditoria. Assim, entendem que a União não se desincumbiu do ônus de comprovar as irregularidades apontadas no relatório da CGU, tampouco demonstrou a existência de culpa grave ou dolo que configure a prática de ato de improbidade administrativa. Pleiteiam a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença diante da ausência de fundamentação individualizada para a imposição das sanções, uma vez que, embora o juízo sentenciante tenha reconhecido a conduta dos apelantes como culposa, aplicou as penalidades mais severas previstas na LIA. Alternativamente, requerem a reforma da sentença para a exclusão das sanções mais gravosas aplicadas (ID. 84803695, fls. 4/54). A União, por sua vez, pleiteia a condenação de Glauco André Machado, sustentando que as provas constantes dos autos confirmam a prática de ato ímprobo por parte do referido réu. Afirma que, ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo a quo, a prática do ato lhe é imputável, em razão do dever de cumprir a carga horária estabelecida no contrato, considerando a contraprestação pecuniária recebida, ainda que não lhe competisse a fiscalização de sua própria jornada de trabalho. Argumenta que, independentemente da eventual negligência dos gestores públicos, o réu tinha pleno conhecimento de suas obrigações funcionais, não restando dúvidas quanto ao dolo em se beneficiar indevidamente de recursos públicos. Ressalta, inclusive, que o descumprimento dessas obrigações motivou o distrato, tendo em vista os prejuízos causados à população pela prestação deficiente do serviço. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido também em relação ao réu Glauco (ID. 84803695, fls. 63/65). Contrarrazões (ID. 84803695, fls. 66/67 e 74/91). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo parcial provimento do recurso dos réus e pelo não provimento da apelação da União (ID. 436789274). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: PRELIMINAR Preliminarmente, os apelantes alegam a nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa decorrente do indeferimento das provas requeridas. Sucede que, ao magistrado é facultado o indeferimento da produção de provas que julgar inúteis ou protelatórias (art. 370 do CPC). Em que pese os argumentos trazidos pelos recorrentes, entendo que a sentença recorrida não merece reparos, dado que os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação das provas permitem ao órgão julgador examinar e valorar livremente as provas constantes dos autos e, assim, formar a sua convicção. Ante tais considerações, conclui-se que não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar, conforme já dito, a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. Assim, deve ser rejeitada a preliminar. MÉRITO Consta, em síntese, que a CGU constatou que, no Município de Serra do Ramalho/BA, no âmbito do Programa de Atenção Básica à Saúde, houve a contratação direta de médico para atuação em PSF, sem que ficasse comprovada a notória especialização alegada como fundamento para a dispensa de licitação. Além disso, apurou-se a ausência de comprovação do cumprimento integral da carga horária exigida, embora o profissional tenha recebido a respectiva contraprestação pecuniária. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Deflui do relatório da CGU, fls. 14-33, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 44-47), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que o profissional contratado teria experiência profissional por longos anos na Administração Pública Municipal. (…) Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. (…) Diante desse viés, os requeridos, em sua peça de defesa, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação do profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. (…) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve realização de fiscalização pela Controladoria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos ao profissional GLAUCO ANDRE MACHADO. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que o médico fora cotratado para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$10.869,72 (dez mil, oitocentos e sessenta e nove reais e setenta e dois centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com o profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 537, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa registrar contradição na declaração quanto ao cumprimento integral da jornada de trabalho estabelecida entre o ente municipal e o contratado (fls. 531 e 532). Isso porque à fl. 531, os réus reconhecem a prestação de serviço deficiente, baseado em relatos dos munícipes, tanto que o distrato do contrato administrativo foi efetuado em abril de 2009. Logo em seguida, à fl. 532, vem a afirmação de que "(...) não há notícia de reclamações dos munícipes por falta de atendimento, a Secretaria Municipal de Saúde confirma ter havido a prestação dos serviços, bem como todos os pacientes atendidos pelo profissional contratado, fato que confirma a realização do serviço contratado, não sendo legítimo se presumir pela não prestação de serviço sob a alegação de ausência de prova "de cumprimento da carga horária". Dessa forma, ao contestar esse ponto indicado no relatório da CGU, sem que trouxesse aos autos elementos probatórios a fim de afastar essa alegação, os réus atraem para si o ônus probandi, de forma que se presume que a prestação de serviço não foi fiscalizada. Decerto, malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova do fato desconstitutivo do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, restando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de testemunhas em Juízo, conforme requerido pelos réus, a defender o controle da jornada de trabalho do médico, sem qualquer elemento material a corroborar as declarações, soa-me não fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. (…) De mais a mais, conquanto o requerido, GLAUCO ANDRE MACHADO, tenha sido contratado para laborar no Posto de Saúde do Povoado da Agrovila 22, com carga horária de 40 horas semanais, a fiscalização da CGU somente apurou o labor de 8 horas. Não obstante o médico tenha se beneficiado com a contratação direta, desprovida de procedimento licitatório, entendo razoável afastar a sua responsabilidade, tendo em vista a fragilidade das provas aqui constantes. Em que pese exista a declaração nos autos acerca das reclamações em relação aos serviços prestados pelo profissional contratado, inclusive, cópia do distrato, sem menção às razões de fato (fl. 547), seria medida excessiva atribuir o ônus da fiscalização da jornada de trabalho à pessoa contratada. Logo, impõe-se agregar a esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. (…) Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a soma total de R$17,672,11 (dezessete mil, seiscentos e setenta e dois reais e onze centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicados acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado — com vistas a não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos — que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10 da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). No caso em exame, a imputação da vantagem patrimonial indevida fundamenta-se no recebimento da remuneração integral, a despeito do descumprimento da carga horária semanal de trabalho estabelecida para o cargo público ocupado. A sentença considerou, a partir do conjunto probatório, que houve deficiências na fiscalização da jornada de trabalho do médico contratado, configurada a conduta culposa dos gestores responsáveis. O Juízo reconheceu que a prova dos autos, embora não robusta, indicava falhas no controle administrativo, o que, associado à inexistência de documentação idônea que atestasse o efetivo cumprimento das 40 horas semanais, conduziu ao reconhecimento de prejuízo ao erário, valor este a ser ressarcido pelos agentes públicos envolvidos. Sucede que, nos termos da sentença, corroborada pelo parecer da PRR1, é patente a ausência do elemento subjetivo exigido, tendo os apelantes sido condenados em razão da negligência, ou seja, por atuação culposa, o que não mais se admite. Assim sendo, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos apelantes, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. No que concerne ao dano, as contradições nas declarações prestadas pelo próprio ente municipal - ora reconhecendo deficiência na prestação do serviço, ora negando a existência de reclamações - fragilizam a consistência da tese de dano efetivo. Isso se agrava pelo fato de que os mapas de atendimento utilizados para quantificar o prejuízo referem-se apenas a dois meses do período contratual, sem lastro probatório consistente que permita aferir, com segurança, o efetivo descumprimento da carga horária. Diante da ausência de comprovação cabal do dano efetivo ao erário, bem como da fragilidade das provas quanto ao descumprimento sistemático da jornada contratual, impõe-se o afastamento da tipificação do ato de improbidade. A ausência de dolo e a precariedade dos elementos objetivos exigem a prevalência dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, não sendo admissível a imposição de penalidades gravosas com base em presunções. Assim, concluo que os elementos coligidos aos autos são insuficientes para a configuração de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, devendo ser reconhecida a improcedência da demanda, nos termos do que já vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte. É preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei 8.429/1992, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Dessa forma, a atuação culposa, aliada à ausência de elementos probatórios consistentes, afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Diante da ausência de demonstração concreta e inequívoca do prejuízo material ao erário, revela-se juridicamente incabível a pretensão de conversão da presente ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento, conforme pleiteado pela PRR1 em seu parecer. A jurisprudência pacífica dos tribunais superiores exige, para a propositura e eventual procedência de ação de ressarcimento fundada em ato ilícito, a comprovação de que o dano de fato ocorreu, além do nexo de causalidade entre a conduta imputada e o prejuízo suportado pela Administração Pública. A transformação automática da ação de improbidade em demanda ressarcitória, sem a adequada comprovação dos pressupostos fáticos e jurídicos do dever de indenizar, afronta os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. A responsabilidade civil do agente público exige prova objetiva do dano, o que, como se demonstrou, não restou caracterizado nos autos de forma suficiente, tendo em vista a inconsistência dos registros de frequência, as contradições nas declarações municipais e a fragilidade dos demais elementos probatórios produzidos na fase de instrução. Ante o exposto, rejeito a preliminar; dou provimento à apelação de Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira e Estevam Pereira dos Santos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento ao recurso de apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, CLEIDSON FERREIRA ROCHA, ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A Advogados do(a) APELANTE: ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A, AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A APELADO: UNIÃO FEDERAL LITISCONSORTE: GLAUCO ANDRE MACHADO Advogado do(a) LITISCONSORTE: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE EM AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NO PRESENTE CASO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da LIA, em razão de contratação direta de médico para atuação em Programa de Saúde da Família - PSF, no Município de Serra do Ramalho/BA, sob alegação de notória especialização não comprovada. A CGU apontou falhas no controle da jornada de trabalho e pagamento integral da remuneração, sem comprovação do cumprimento das 40 horas semanais exigidas. 2. Há três questões centrais em discussão: (i) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas;(ii) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (iii) determinar se é juridicamente possível converter a ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento ao erário. 3. Não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. No caso concreto, a prova dos autos revela deficiência no controle da jornada de trabalho do médico contratado, mas não evidencia a intenção deliberada dos agentes de causar prejuízo ao erário, ausente o dolo específico necessário à caracterização do ilícito. Os elementos objetivos apresentados, como os registros de frequência e mapas de atendimento, são parciais, inconsistentes e referem-se apenas a dois meses do período contratual, inviabilizando a constatação segura de dano material efetivo ao patrimônio público. 7. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de comprovação de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. A responsabilização civil por ressarcimento ao erário, mesmo em caso de conversão da ação, demanda prova concreta e inequívoca do dano, o que não se verifica no presente caso, tornando juridicamente incabível a pretensão de conversão da ação de improbidade em demanda ressarcitória. 9. Preliminar rejeitada. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento ao recurso de apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0002230-49.2011.4.01.3303

ID: 318879155

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0002230-49.2011.4.01.3303

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS CARAIBAS DE SOUSA CLEIDSON FERREIRA ROCHA ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO GLAUCO ANDRE MACHADO WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MIUCHA PEREIRA BORDONI

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE S… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A, ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A e AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira, Estevam Pereira dos Santos e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em face dos apelantes e de Glauco Andre Machado, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação dos apelantes pela prática do ato previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 84803694, fls. 364/382). Os apelantes sustentam, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, requerendo, por conseguinte, a anulação da sentença que julgou antecipadamente o feito. No tocante ao mérito, alegam que a Comissão Permanente de Licitação conduziu processo de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços médicos destinados à atuação no Programa Saúde da Família - PSF, em virtude da escassez de profissionais dispostos a trabalhar na zona rural e nos distritos do Município de Serra do Ramalho/BA. Afirmam que o equívoco ocorrido no referido procedimento decorreu da ausência de conhecimento técnico por parte dos membros da comissão, uma vez que foi realizada inexigibilidade de licitação com base em notória especialização, quando o correto seria o enquadramento como contratação temporária, em razão da carência de profissionais disponíveis para a prestação dos serviços. Aduzem que o erro decorreu da falta de qualificação técnica, bem como da necessidade emergencial e do interesse público que se buscava atender, não sendo possível identificar má-fé na conduta dos apelantes. Defendem que a remuneração paga ao profissional contratado era compatível com a média praticada, inexistindo favorecimento ilícito. Alegam ser improcedente a acusação de descumprimento da carga horária pelo profissional contratado, visto que os serviços foram regularmente prestados, não havendo como afirmar que os pagamentos foram indevidos unicamente pela ausência de comprovação da carga horária. Argumentam que os pagamentos somente eram realizados após a coordenação da atenção básica do Município atestar o cumprimento da carga horária, o que teria ocorrido no caso do profissional Glauco. Aduzem inexistirem registros de reclamações quanto à prestação dos serviços pelo referido médico, sendo que o Município atestou sua atuação, bem como os pacientes atendidos confirmaram a efetiva prestação dos serviços contratados, não havendo prova de que esses serviços tenham deixado de ser realizados adequadamente. Ressaltam que a metodologia empregada pela CGU é imprestável e incoerente por diversos motivos, tais como a inexistência, nos autos, dos mapas de atendimento mencionados, a análise restrita a apenas dois meses do exercício de 2009 e a ausência de informações sobre a frequência dos profissionais de saúde. Sustentam que os referidos mapas referem-se aos atendimentos do PSF em geral, sem individualização por profissional, ao contrário do que sugere, de forma equivocada, o relatório. Afirmam, ainda, que os relatórios não trazem provas de que tenham sido colhidas declarações de funcionários dos postos de saúde ou de membros da comunidade que pudessem confirmar as alegações da auditoria. Assim, entendem que a União não se desincumbiu do ônus de comprovar as irregularidades apontadas no relatório da CGU, tampouco demonstrou a existência de culpa grave ou dolo que configure a prática de ato de improbidade administrativa. Pleiteiam a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença diante da ausência de fundamentação individualizada para a imposição das sanções, uma vez que, embora o juízo sentenciante tenha reconhecido a conduta dos apelantes como culposa, aplicou as penalidades mais severas previstas na LIA. Alternativamente, requerem a reforma da sentença para a exclusão das sanções mais gravosas aplicadas (ID. 84803695, fls. 4/54). A União, por sua vez, pleiteia a condenação de Glauco André Machado, sustentando que as provas constantes dos autos confirmam a prática de ato ímprobo por parte do referido réu. Afirma que, ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo a quo, a prática do ato lhe é imputável, em razão do dever de cumprir a carga horária estabelecida no contrato, considerando a contraprestação pecuniária recebida, ainda que não lhe competisse a fiscalização de sua própria jornada de trabalho. Argumenta que, independentemente da eventual negligência dos gestores públicos, o réu tinha pleno conhecimento de suas obrigações funcionais, não restando dúvidas quanto ao dolo em se beneficiar indevidamente de recursos públicos. Ressalta, inclusive, que o descumprimento dessas obrigações motivou o distrato, tendo em vista os prejuízos causados à população pela prestação deficiente do serviço. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido também em relação ao réu Glauco (ID. 84803695, fls. 63/65). Contrarrazões (ID. 84803695, fls. 66/67 e 74/91). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo parcial provimento do recurso dos réus e pelo não provimento da apelação da União (ID. 436789274). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: PRELIMINAR Preliminarmente, os apelantes alegam a nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa decorrente do indeferimento das provas requeridas. Sucede que, ao magistrado é facultado o indeferimento da produção de provas que julgar inúteis ou protelatórias (art. 370 do CPC). Em que pese os argumentos trazidos pelos recorrentes, entendo que a sentença recorrida não merece reparos, dado que os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação das provas permitem ao órgão julgador examinar e valorar livremente as provas constantes dos autos e, assim, formar a sua convicção. Ante tais considerações, conclui-se que não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar, conforme já dito, a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. Assim, deve ser rejeitada a preliminar. MÉRITO Consta, em síntese, que a CGU constatou que, no Município de Serra do Ramalho/BA, no âmbito do Programa de Atenção Básica à Saúde, houve a contratação direta de médico para atuação em PSF, sem que ficasse comprovada a notória especialização alegada como fundamento para a dispensa de licitação. Além disso, apurou-se a ausência de comprovação do cumprimento integral da carga horária exigida, embora o profissional tenha recebido a respectiva contraprestação pecuniária. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Deflui do relatório da CGU, fls. 14-33, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 44-47), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que o profissional contratado teria experiência profissional por longos anos na Administração Pública Municipal. (…) Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. (…) Diante desse viés, os requeridos, em sua peça de defesa, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação do profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. (…) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve realização de fiscalização pela Controladoria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos ao profissional GLAUCO ANDRE MACHADO. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que o médico fora cotratado para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$10.869,72 (dez mil, oitocentos e sessenta e nove reais e setenta e dois centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com o profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 537, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa registrar contradição na declaração quanto ao cumprimento integral da jornada de trabalho estabelecida entre o ente municipal e o contratado (fls. 531 e 532). Isso porque à fl. 531, os réus reconhecem a prestação de serviço deficiente, baseado em relatos dos munícipes, tanto que o distrato do contrato administrativo foi efetuado em abril de 2009. Logo em seguida, à fl. 532, vem a afirmação de que "(...) não há notícia de reclamações dos munícipes por falta de atendimento, a Secretaria Municipal de Saúde confirma ter havido a prestação dos serviços, bem como todos os pacientes atendidos pelo profissional contratado, fato que confirma a realização do serviço contratado, não sendo legítimo se presumir pela não prestação de serviço sob a alegação de ausência de prova "de cumprimento da carga horária". Dessa forma, ao contestar esse ponto indicado no relatório da CGU, sem que trouxesse aos autos elementos probatórios a fim de afastar essa alegação, os réus atraem para si o ônus probandi, de forma que se presume que a prestação de serviço não foi fiscalizada. Decerto, malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova do fato desconstitutivo do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, restando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de testemunhas em Juízo, conforme requerido pelos réus, a defender o controle da jornada de trabalho do médico, sem qualquer elemento material a corroborar as declarações, soa-me não fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. (…) De mais a mais, conquanto o requerido, GLAUCO ANDRE MACHADO, tenha sido contratado para laborar no Posto de Saúde do Povoado da Agrovila 22, com carga horária de 40 horas semanais, a fiscalização da CGU somente apurou o labor de 8 horas. Não obstante o médico tenha se beneficiado com a contratação direta, desprovida de procedimento licitatório, entendo razoável afastar a sua responsabilidade, tendo em vista a fragilidade das provas aqui constantes. Em que pese exista a declaração nos autos acerca das reclamações em relação aos serviços prestados pelo profissional contratado, inclusive, cópia do distrato, sem menção às razões de fato (fl. 547), seria medida excessiva atribuir o ônus da fiscalização da jornada de trabalho à pessoa contratada. Logo, impõe-se agregar a esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. (…) Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a soma total de R$17,672,11 (dezessete mil, seiscentos e setenta e dois reais e onze centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicados acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado — com vistas a não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos — que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10 da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). No caso em exame, a imputação da vantagem patrimonial indevida fundamenta-se no recebimento da remuneração integral, a despeito do descumprimento da carga horária semanal de trabalho estabelecida para o cargo público ocupado. A sentença considerou, a partir do conjunto probatório, que houve deficiências na fiscalização da jornada de trabalho do médico contratado, configurada a conduta culposa dos gestores responsáveis. O Juízo reconheceu que a prova dos autos, embora não robusta, indicava falhas no controle administrativo, o que, associado à inexistência de documentação idônea que atestasse o efetivo cumprimento das 40 horas semanais, conduziu ao reconhecimento de prejuízo ao erário, valor este a ser ressarcido pelos agentes públicos envolvidos. Sucede que, nos termos da sentença, corroborada pelo parecer da PRR1, é patente a ausência do elemento subjetivo exigido, tendo os apelantes sido condenados em razão da negligência, ou seja, por atuação culposa, o que não mais se admite. Assim sendo, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos apelantes, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. No que concerne ao dano, as contradições nas declarações prestadas pelo próprio ente municipal - ora reconhecendo deficiência na prestação do serviço, ora negando a existência de reclamações - fragilizam a consistência da tese de dano efetivo. Isso se agrava pelo fato de que os mapas de atendimento utilizados para quantificar o prejuízo referem-se apenas a dois meses do período contratual, sem lastro probatório consistente que permita aferir, com segurança, o efetivo descumprimento da carga horária. Diante da ausência de comprovação cabal do dano efetivo ao erário, bem como da fragilidade das provas quanto ao descumprimento sistemático da jornada contratual, impõe-se o afastamento da tipificação do ato de improbidade. A ausência de dolo e a precariedade dos elementos objetivos exigem a prevalência dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, não sendo admissível a imposição de penalidades gravosas com base em presunções. Assim, concluo que os elementos coligidos aos autos são insuficientes para a configuração de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, devendo ser reconhecida a improcedência da demanda, nos termos do que já vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte. É preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei 8.429/1992, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Dessa forma, a atuação culposa, aliada à ausência de elementos probatórios consistentes, afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Diante da ausência de demonstração concreta e inequívoca do prejuízo material ao erário, revela-se juridicamente incabível a pretensão de conversão da presente ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento, conforme pleiteado pela PRR1 em seu parecer. A jurisprudência pacífica dos tribunais superiores exige, para a propositura e eventual procedência de ação de ressarcimento fundada em ato ilícito, a comprovação de que o dano de fato ocorreu, além do nexo de causalidade entre a conduta imputada e o prejuízo suportado pela Administração Pública. A transformação automática da ação de improbidade em demanda ressarcitória, sem a adequada comprovação dos pressupostos fáticos e jurídicos do dever de indenizar, afronta os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. A responsabilidade civil do agente público exige prova objetiva do dano, o que, como se demonstrou, não restou caracterizado nos autos de forma suficiente, tendo em vista a inconsistência dos registros de frequência, as contradições nas declarações municipais e a fragilidade dos demais elementos probatórios produzidos na fase de instrução. Ante o exposto, rejeito a preliminar; dou provimento à apelação de Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira e Estevam Pereira dos Santos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento ao recurso de apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, CLEIDSON FERREIRA ROCHA, ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A Advogados do(a) APELANTE: ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A, AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A APELADO: UNIÃO FEDERAL LITISCONSORTE: GLAUCO ANDRE MACHADO Advogado do(a) LITISCONSORTE: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE EM AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NO PRESENTE CASO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da LIA, em razão de contratação direta de médico para atuação em Programa de Saúde da Família - PSF, no Município de Serra do Ramalho/BA, sob alegação de notória especialização não comprovada. A CGU apontou falhas no controle da jornada de trabalho e pagamento integral da remuneração, sem comprovação do cumprimento das 40 horas semanais exigidas. 2. Há três questões centrais em discussão: (i) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas;(ii) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (iii) determinar se é juridicamente possível converter a ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento ao erário. 3. Não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. No caso concreto, a prova dos autos revela deficiência no controle da jornada de trabalho do médico contratado, mas não evidencia a intenção deliberada dos agentes de causar prejuízo ao erário, ausente o dolo específico necessário à caracterização do ilícito. Os elementos objetivos apresentados, como os registros de frequência e mapas de atendimento, são parciais, inconsistentes e referem-se apenas a dois meses do período contratual, inviabilizando a constatação segura de dano material efetivo ao patrimônio público. 7. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de comprovação de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. A responsabilização civil por ressarcimento ao erário, mesmo em caso de conversão da ação, demanda prova concreta e inequívoca do dano, o que não se verifica no presente caso, tornando juridicamente incabível a pretensão de conversão da ação de improbidade em demanda ressarcitória. 9. Preliminar rejeitada. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento ao recurso de apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0002230-49.2011.4.01.3303

ID: 318879165

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0002230-49.2011.4.01.3303

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS CARAIBAS DE SOUSA CLEIDSON FERREIRA ROCHA ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO GLAUCO ANDRE MACHADO WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MIUCHA PEREIRA BORDONI

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE S… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A, ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A e AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira, Estevam Pereira dos Santos e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em face dos apelantes e de Glauco Andre Machado, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação dos apelantes pela prática do ato previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 84803694, fls. 364/382). Os apelantes sustentam, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, requerendo, por conseguinte, a anulação da sentença que julgou antecipadamente o feito. No tocante ao mérito, alegam que a Comissão Permanente de Licitação conduziu processo de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços médicos destinados à atuação no Programa Saúde da Família - PSF, em virtude da escassez de profissionais dispostos a trabalhar na zona rural e nos distritos do Município de Serra do Ramalho/BA. Afirmam que o equívoco ocorrido no referido procedimento decorreu da ausência de conhecimento técnico por parte dos membros da comissão, uma vez que foi realizada inexigibilidade de licitação com base em notória especialização, quando o correto seria o enquadramento como contratação temporária, em razão da carência de profissionais disponíveis para a prestação dos serviços. Aduzem que o erro decorreu da falta de qualificação técnica, bem como da necessidade emergencial e do interesse público que se buscava atender, não sendo possível identificar má-fé na conduta dos apelantes. Defendem que a remuneração paga ao profissional contratado era compatível com a média praticada, inexistindo favorecimento ilícito. Alegam ser improcedente a acusação de descumprimento da carga horária pelo profissional contratado, visto que os serviços foram regularmente prestados, não havendo como afirmar que os pagamentos foram indevidos unicamente pela ausência de comprovação da carga horária. Argumentam que os pagamentos somente eram realizados após a coordenação da atenção básica do Município atestar o cumprimento da carga horária, o que teria ocorrido no caso do profissional Glauco. Aduzem inexistirem registros de reclamações quanto à prestação dos serviços pelo referido médico, sendo que o Município atestou sua atuação, bem como os pacientes atendidos confirmaram a efetiva prestação dos serviços contratados, não havendo prova de que esses serviços tenham deixado de ser realizados adequadamente. Ressaltam que a metodologia empregada pela CGU é imprestável e incoerente por diversos motivos, tais como a inexistência, nos autos, dos mapas de atendimento mencionados, a análise restrita a apenas dois meses do exercício de 2009 e a ausência de informações sobre a frequência dos profissionais de saúde. Sustentam que os referidos mapas referem-se aos atendimentos do PSF em geral, sem individualização por profissional, ao contrário do que sugere, de forma equivocada, o relatório. Afirmam, ainda, que os relatórios não trazem provas de que tenham sido colhidas declarações de funcionários dos postos de saúde ou de membros da comunidade que pudessem confirmar as alegações da auditoria. Assim, entendem que a União não se desincumbiu do ônus de comprovar as irregularidades apontadas no relatório da CGU, tampouco demonstrou a existência de culpa grave ou dolo que configure a prática de ato de improbidade administrativa. Pleiteiam a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença diante da ausência de fundamentação individualizada para a imposição das sanções, uma vez que, embora o juízo sentenciante tenha reconhecido a conduta dos apelantes como culposa, aplicou as penalidades mais severas previstas na LIA. Alternativamente, requerem a reforma da sentença para a exclusão das sanções mais gravosas aplicadas (ID. 84803695, fls. 4/54). A União, por sua vez, pleiteia a condenação de Glauco André Machado, sustentando que as provas constantes dos autos confirmam a prática de ato ímprobo por parte do referido réu. Afirma que, ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo a quo, a prática do ato lhe é imputável, em razão do dever de cumprir a carga horária estabelecida no contrato, considerando a contraprestação pecuniária recebida, ainda que não lhe competisse a fiscalização de sua própria jornada de trabalho. Argumenta que, independentemente da eventual negligência dos gestores públicos, o réu tinha pleno conhecimento de suas obrigações funcionais, não restando dúvidas quanto ao dolo em se beneficiar indevidamente de recursos públicos. Ressalta, inclusive, que o descumprimento dessas obrigações motivou o distrato, tendo em vista os prejuízos causados à população pela prestação deficiente do serviço. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido também em relação ao réu Glauco (ID. 84803695, fls. 63/65). Contrarrazões (ID. 84803695, fls. 66/67 e 74/91). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo parcial provimento do recurso dos réus e pelo não provimento da apelação da União (ID. 436789274). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: PRELIMINAR Preliminarmente, os apelantes alegam a nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa decorrente do indeferimento das provas requeridas. Sucede que, ao magistrado é facultado o indeferimento da produção de provas que julgar inúteis ou protelatórias (art. 370 do CPC). Em que pese os argumentos trazidos pelos recorrentes, entendo que a sentença recorrida não merece reparos, dado que os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação das provas permitem ao órgão julgador examinar e valorar livremente as provas constantes dos autos e, assim, formar a sua convicção. Ante tais considerações, conclui-se que não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar, conforme já dito, a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. Assim, deve ser rejeitada a preliminar. MÉRITO Consta, em síntese, que a CGU constatou que, no Município de Serra do Ramalho/BA, no âmbito do Programa de Atenção Básica à Saúde, houve a contratação direta de médico para atuação em PSF, sem que ficasse comprovada a notória especialização alegada como fundamento para a dispensa de licitação. Além disso, apurou-se a ausência de comprovação do cumprimento integral da carga horária exigida, embora o profissional tenha recebido a respectiva contraprestação pecuniária. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Deflui do relatório da CGU, fls. 14-33, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 44-47), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que o profissional contratado teria experiência profissional por longos anos na Administração Pública Municipal. (…) Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. (…) Diante desse viés, os requeridos, em sua peça de defesa, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação do profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. (…) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve realização de fiscalização pela Controladoria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos ao profissional GLAUCO ANDRE MACHADO. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que o médico fora cotratado para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$10.869,72 (dez mil, oitocentos e sessenta e nove reais e setenta e dois centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com o profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 537, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa registrar contradição na declaração quanto ao cumprimento integral da jornada de trabalho estabelecida entre o ente municipal e o contratado (fls. 531 e 532). Isso porque à fl. 531, os réus reconhecem a prestação de serviço deficiente, baseado em relatos dos munícipes, tanto que o distrato do contrato administrativo foi efetuado em abril de 2009. Logo em seguida, à fl. 532, vem a afirmação de que "(...) não há notícia de reclamações dos munícipes por falta de atendimento, a Secretaria Municipal de Saúde confirma ter havido a prestação dos serviços, bem como todos os pacientes atendidos pelo profissional contratado, fato que confirma a realização do serviço contratado, não sendo legítimo se presumir pela não prestação de serviço sob a alegação de ausência de prova "de cumprimento da carga horária". Dessa forma, ao contestar esse ponto indicado no relatório da CGU, sem que trouxesse aos autos elementos probatórios a fim de afastar essa alegação, os réus atraem para si o ônus probandi, de forma que se presume que a prestação de serviço não foi fiscalizada. Decerto, malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova do fato desconstitutivo do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, restando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de testemunhas em Juízo, conforme requerido pelos réus, a defender o controle da jornada de trabalho do médico, sem qualquer elemento material a corroborar as declarações, soa-me não fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. (…) De mais a mais, conquanto o requerido, GLAUCO ANDRE MACHADO, tenha sido contratado para laborar no Posto de Saúde do Povoado da Agrovila 22, com carga horária de 40 horas semanais, a fiscalização da CGU somente apurou o labor de 8 horas. Não obstante o médico tenha se beneficiado com a contratação direta, desprovida de procedimento licitatório, entendo razoável afastar a sua responsabilidade, tendo em vista a fragilidade das provas aqui constantes. Em que pese exista a declaração nos autos acerca das reclamações em relação aos serviços prestados pelo profissional contratado, inclusive, cópia do distrato, sem menção às razões de fato (fl. 547), seria medida excessiva atribuir o ônus da fiscalização da jornada de trabalho à pessoa contratada. Logo, impõe-se agregar a esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. (…) Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a soma total de R$17,672,11 (dezessete mil, seiscentos e setenta e dois reais e onze centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicados acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado — com vistas a não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos — que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10 da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). No caso em exame, a imputação da vantagem patrimonial indevida fundamenta-se no recebimento da remuneração integral, a despeito do descumprimento da carga horária semanal de trabalho estabelecida para o cargo público ocupado. A sentença considerou, a partir do conjunto probatório, que houve deficiências na fiscalização da jornada de trabalho do médico contratado, configurada a conduta culposa dos gestores responsáveis. O Juízo reconheceu que a prova dos autos, embora não robusta, indicava falhas no controle administrativo, o que, associado à inexistência de documentação idônea que atestasse o efetivo cumprimento das 40 horas semanais, conduziu ao reconhecimento de prejuízo ao erário, valor este a ser ressarcido pelos agentes públicos envolvidos. Sucede que, nos termos da sentença, corroborada pelo parecer da PRR1, é patente a ausência do elemento subjetivo exigido, tendo os apelantes sido condenados em razão da negligência, ou seja, por atuação culposa, o que não mais se admite. Assim sendo, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos apelantes, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. No que concerne ao dano, as contradições nas declarações prestadas pelo próprio ente municipal - ora reconhecendo deficiência na prestação do serviço, ora negando a existência de reclamações - fragilizam a consistência da tese de dano efetivo. Isso se agrava pelo fato de que os mapas de atendimento utilizados para quantificar o prejuízo referem-se apenas a dois meses do período contratual, sem lastro probatório consistente que permita aferir, com segurança, o efetivo descumprimento da carga horária. Diante da ausência de comprovação cabal do dano efetivo ao erário, bem como da fragilidade das provas quanto ao descumprimento sistemático da jornada contratual, impõe-se o afastamento da tipificação do ato de improbidade. A ausência de dolo e a precariedade dos elementos objetivos exigem a prevalência dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, não sendo admissível a imposição de penalidades gravosas com base em presunções. Assim, concluo que os elementos coligidos aos autos são insuficientes para a configuração de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, devendo ser reconhecida a improcedência da demanda, nos termos do que já vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte. É preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei 8.429/1992, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Dessa forma, a atuação culposa, aliada à ausência de elementos probatórios consistentes, afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Diante da ausência de demonstração concreta e inequívoca do prejuízo material ao erário, revela-se juridicamente incabível a pretensão de conversão da presente ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento, conforme pleiteado pela PRR1 em seu parecer. A jurisprudência pacífica dos tribunais superiores exige, para a propositura e eventual procedência de ação de ressarcimento fundada em ato ilícito, a comprovação de que o dano de fato ocorreu, além do nexo de causalidade entre a conduta imputada e o prejuízo suportado pela Administração Pública. A transformação automática da ação de improbidade em demanda ressarcitória, sem a adequada comprovação dos pressupostos fáticos e jurídicos do dever de indenizar, afronta os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. A responsabilidade civil do agente público exige prova objetiva do dano, o que, como se demonstrou, não restou caracterizado nos autos de forma suficiente, tendo em vista a inconsistência dos registros de frequência, as contradições nas declarações municipais e a fragilidade dos demais elementos probatórios produzidos na fase de instrução. Ante o exposto, rejeito a preliminar; dou provimento à apelação de Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira e Estevam Pereira dos Santos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento ao recurso de apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, CLEIDSON FERREIRA ROCHA, ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A Advogados do(a) APELANTE: ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A, AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A APELADO: UNIÃO FEDERAL LITISCONSORTE: GLAUCO ANDRE MACHADO Advogado do(a) LITISCONSORTE: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE EM AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NO PRESENTE CASO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da LIA, em razão de contratação direta de médico para atuação em Programa de Saúde da Família - PSF, no Município de Serra do Ramalho/BA, sob alegação de notória especialização não comprovada. A CGU apontou falhas no controle da jornada de trabalho e pagamento integral da remuneração, sem comprovação do cumprimento das 40 horas semanais exigidas. 2. Há três questões centrais em discussão: (i) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas;(ii) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (iii) determinar se é juridicamente possível converter a ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento ao erário. 3. Não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. No caso concreto, a prova dos autos revela deficiência no controle da jornada de trabalho do médico contratado, mas não evidencia a intenção deliberada dos agentes de causar prejuízo ao erário, ausente o dolo específico necessário à caracterização do ilícito. Os elementos objetivos apresentados, como os registros de frequência e mapas de atendimento, são parciais, inconsistentes e referem-se apenas a dois meses do período contratual, inviabilizando a constatação segura de dano material efetivo ao patrimônio público. 7. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de comprovação de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. A responsabilização civil por ressarcimento ao erário, mesmo em caso de conversão da ação, demanda prova concreta e inequívoca do dano, o que não se verifica no presente caso, tornando juridicamente incabível a pretensão de conversão da ação de improbidade em demanda ressarcitória. 9. Preliminar rejeitada. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento ao recurso de apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0002230-49.2011.4.01.3303

ID: 318879171

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0002230-49.2011.4.01.3303

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS CARAIBAS DE SOUSA CLEIDSON FERREIRA ROCHA ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO GLAUCO ANDRE MACHADO WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MIUCHA PEREIRA BORDONI

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE S… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A, ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A e AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira, Estevam Pereira dos Santos e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em face dos apelantes e de Glauco Andre Machado, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação dos apelantes pela prática do ato previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 84803694, fls. 364/382). Os apelantes sustentam, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, requerendo, por conseguinte, a anulação da sentença que julgou antecipadamente o feito. No tocante ao mérito, alegam que a Comissão Permanente de Licitação conduziu processo de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços médicos destinados à atuação no Programa Saúde da Família - PSF, em virtude da escassez de profissionais dispostos a trabalhar na zona rural e nos distritos do Município de Serra do Ramalho/BA. Afirmam que o equívoco ocorrido no referido procedimento decorreu da ausência de conhecimento técnico por parte dos membros da comissão, uma vez que foi realizada inexigibilidade de licitação com base em notória especialização, quando o correto seria o enquadramento como contratação temporária, em razão da carência de profissionais disponíveis para a prestação dos serviços. Aduzem que o erro decorreu da falta de qualificação técnica, bem como da necessidade emergencial e do interesse público que se buscava atender, não sendo possível identificar má-fé na conduta dos apelantes. Defendem que a remuneração paga ao profissional contratado era compatível com a média praticada, inexistindo favorecimento ilícito. Alegam ser improcedente a acusação de descumprimento da carga horária pelo profissional contratado, visto que os serviços foram regularmente prestados, não havendo como afirmar que os pagamentos foram indevidos unicamente pela ausência de comprovação da carga horária. Argumentam que os pagamentos somente eram realizados após a coordenação da atenção básica do Município atestar o cumprimento da carga horária, o que teria ocorrido no caso do profissional Glauco. Aduzem inexistirem registros de reclamações quanto à prestação dos serviços pelo referido médico, sendo que o Município atestou sua atuação, bem como os pacientes atendidos confirmaram a efetiva prestação dos serviços contratados, não havendo prova de que esses serviços tenham deixado de ser realizados adequadamente. Ressaltam que a metodologia empregada pela CGU é imprestável e incoerente por diversos motivos, tais como a inexistência, nos autos, dos mapas de atendimento mencionados, a análise restrita a apenas dois meses do exercício de 2009 e a ausência de informações sobre a frequência dos profissionais de saúde. Sustentam que os referidos mapas referem-se aos atendimentos do PSF em geral, sem individualização por profissional, ao contrário do que sugere, de forma equivocada, o relatório. Afirmam, ainda, que os relatórios não trazem provas de que tenham sido colhidas declarações de funcionários dos postos de saúde ou de membros da comunidade que pudessem confirmar as alegações da auditoria. Assim, entendem que a União não se desincumbiu do ônus de comprovar as irregularidades apontadas no relatório da CGU, tampouco demonstrou a existência de culpa grave ou dolo que configure a prática de ato de improbidade administrativa. Pleiteiam a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença diante da ausência de fundamentação individualizada para a imposição das sanções, uma vez que, embora o juízo sentenciante tenha reconhecido a conduta dos apelantes como culposa, aplicou as penalidades mais severas previstas na LIA. Alternativamente, requerem a reforma da sentença para a exclusão das sanções mais gravosas aplicadas (ID. 84803695, fls. 4/54). A União, por sua vez, pleiteia a condenação de Glauco André Machado, sustentando que as provas constantes dos autos confirmam a prática de ato ímprobo por parte do referido réu. Afirma que, ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo a quo, a prática do ato lhe é imputável, em razão do dever de cumprir a carga horária estabelecida no contrato, considerando a contraprestação pecuniária recebida, ainda que não lhe competisse a fiscalização de sua própria jornada de trabalho. Argumenta que, independentemente da eventual negligência dos gestores públicos, o réu tinha pleno conhecimento de suas obrigações funcionais, não restando dúvidas quanto ao dolo em se beneficiar indevidamente de recursos públicos. Ressalta, inclusive, que o descumprimento dessas obrigações motivou o distrato, tendo em vista os prejuízos causados à população pela prestação deficiente do serviço. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido também em relação ao réu Glauco (ID. 84803695, fls. 63/65). Contrarrazões (ID. 84803695, fls. 66/67 e 74/91). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo parcial provimento do recurso dos réus e pelo não provimento da apelação da União (ID. 436789274). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: PRELIMINAR Preliminarmente, os apelantes alegam a nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa decorrente do indeferimento das provas requeridas. Sucede que, ao magistrado é facultado o indeferimento da produção de provas que julgar inúteis ou protelatórias (art. 370 do CPC). Em que pese os argumentos trazidos pelos recorrentes, entendo que a sentença recorrida não merece reparos, dado que os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação das provas permitem ao órgão julgador examinar e valorar livremente as provas constantes dos autos e, assim, formar a sua convicção. Ante tais considerações, conclui-se que não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar, conforme já dito, a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. Assim, deve ser rejeitada a preliminar. MÉRITO Consta, em síntese, que a CGU constatou que, no Município de Serra do Ramalho/BA, no âmbito do Programa de Atenção Básica à Saúde, houve a contratação direta de médico para atuação em PSF, sem que ficasse comprovada a notória especialização alegada como fundamento para a dispensa de licitação. Além disso, apurou-se a ausência de comprovação do cumprimento integral da carga horária exigida, embora o profissional tenha recebido a respectiva contraprestação pecuniária. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Deflui do relatório da CGU, fls. 14-33, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 44-47), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que o profissional contratado teria experiência profissional por longos anos na Administração Pública Municipal. (…) Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. (…) Diante desse viés, os requeridos, em sua peça de defesa, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação do profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. (…) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve realização de fiscalização pela Controladoria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos ao profissional GLAUCO ANDRE MACHADO. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que o médico fora cotratado para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$10.869,72 (dez mil, oitocentos e sessenta e nove reais e setenta e dois centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com o profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 537, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa registrar contradição na declaração quanto ao cumprimento integral da jornada de trabalho estabelecida entre o ente municipal e o contratado (fls. 531 e 532). Isso porque à fl. 531, os réus reconhecem a prestação de serviço deficiente, baseado em relatos dos munícipes, tanto que o distrato do contrato administrativo foi efetuado em abril de 2009. Logo em seguida, à fl. 532, vem a afirmação de que "(...) não há notícia de reclamações dos munícipes por falta de atendimento, a Secretaria Municipal de Saúde confirma ter havido a prestação dos serviços, bem como todos os pacientes atendidos pelo profissional contratado, fato que confirma a realização do serviço contratado, não sendo legítimo se presumir pela não prestação de serviço sob a alegação de ausência de prova "de cumprimento da carga horária". Dessa forma, ao contestar esse ponto indicado no relatório da CGU, sem que trouxesse aos autos elementos probatórios a fim de afastar essa alegação, os réus atraem para si o ônus probandi, de forma que se presume que a prestação de serviço não foi fiscalizada. Decerto, malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova do fato desconstitutivo do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, restando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de testemunhas em Juízo, conforme requerido pelos réus, a defender o controle da jornada de trabalho do médico, sem qualquer elemento material a corroborar as declarações, soa-me não fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. (…) De mais a mais, conquanto o requerido, GLAUCO ANDRE MACHADO, tenha sido contratado para laborar no Posto de Saúde do Povoado da Agrovila 22, com carga horária de 40 horas semanais, a fiscalização da CGU somente apurou o labor de 8 horas. Não obstante o médico tenha se beneficiado com a contratação direta, desprovida de procedimento licitatório, entendo razoável afastar a sua responsabilidade, tendo em vista a fragilidade das provas aqui constantes. Em que pese exista a declaração nos autos acerca das reclamações em relação aos serviços prestados pelo profissional contratado, inclusive, cópia do distrato, sem menção às razões de fato (fl. 547), seria medida excessiva atribuir o ônus da fiscalização da jornada de trabalho à pessoa contratada. Logo, impõe-se agregar a esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. (…) Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a soma total de R$17,672,11 (dezessete mil, seiscentos e setenta e dois reais e onze centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicados acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado — com vistas a não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos — que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10 da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). No caso em exame, a imputação da vantagem patrimonial indevida fundamenta-se no recebimento da remuneração integral, a despeito do descumprimento da carga horária semanal de trabalho estabelecida para o cargo público ocupado. A sentença considerou, a partir do conjunto probatório, que houve deficiências na fiscalização da jornada de trabalho do médico contratado, configurada a conduta culposa dos gestores responsáveis. O Juízo reconheceu que a prova dos autos, embora não robusta, indicava falhas no controle administrativo, o que, associado à inexistência de documentação idônea que atestasse o efetivo cumprimento das 40 horas semanais, conduziu ao reconhecimento de prejuízo ao erário, valor este a ser ressarcido pelos agentes públicos envolvidos. Sucede que, nos termos da sentença, corroborada pelo parecer da PRR1, é patente a ausência do elemento subjetivo exigido, tendo os apelantes sido condenados em razão da negligência, ou seja, por atuação culposa, o que não mais se admite. Assim sendo, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos apelantes, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. No que concerne ao dano, as contradições nas declarações prestadas pelo próprio ente municipal - ora reconhecendo deficiência na prestação do serviço, ora negando a existência de reclamações - fragilizam a consistência da tese de dano efetivo. Isso se agrava pelo fato de que os mapas de atendimento utilizados para quantificar o prejuízo referem-se apenas a dois meses do período contratual, sem lastro probatório consistente que permita aferir, com segurança, o efetivo descumprimento da carga horária. Diante da ausência de comprovação cabal do dano efetivo ao erário, bem como da fragilidade das provas quanto ao descumprimento sistemático da jornada contratual, impõe-se o afastamento da tipificação do ato de improbidade. A ausência de dolo e a precariedade dos elementos objetivos exigem a prevalência dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, não sendo admissível a imposição de penalidades gravosas com base em presunções. Assim, concluo que os elementos coligidos aos autos são insuficientes para a configuração de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, devendo ser reconhecida a improcedência da demanda, nos termos do que já vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte. É preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei 8.429/1992, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Dessa forma, a atuação culposa, aliada à ausência de elementos probatórios consistentes, afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Diante da ausência de demonstração concreta e inequívoca do prejuízo material ao erário, revela-se juridicamente incabível a pretensão de conversão da presente ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento, conforme pleiteado pela PRR1 em seu parecer. A jurisprudência pacífica dos tribunais superiores exige, para a propositura e eventual procedência de ação de ressarcimento fundada em ato ilícito, a comprovação de que o dano de fato ocorreu, além do nexo de causalidade entre a conduta imputada e o prejuízo suportado pela Administração Pública. A transformação automática da ação de improbidade em demanda ressarcitória, sem a adequada comprovação dos pressupostos fáticos e jurídicos do dever de indenizar, afronta os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. A responsabilidade civil do agente público exige prova objetiva do dano, o que, como se demonstrou, não restou caracterizado nos autos de forma suficiente, tendo em vista a inconsistência dos registros de frequência, as contradições nas declarações municipais e a fragilidade dos demais elementos probatórios produzidos na fase de instrução. Ante o exposto, rejeito a preliminar; dou provimento à apelação de Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira e Estevam Pereira dos Santos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento ao recurso de apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, CLEIDSON FERREIRA ROCHA, ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A Advogados do(a) APELANTE: ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A, AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A APELADO: UNIÃO FEDERAL LITISCONSORTE: GLAUCO ANDRE MACHADO Advogado do(a) LITISCONSORTE: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE EM AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NO PRESENTE CASO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da LIA, em razão de contratação direta de médico para atuação em Programa de Saúde da Família - PSF, no Município de Serra do Ramalho/BA, sob alegação de notória especialização não comprovada. A CGU apontou falhas no controle da jornada de trabalho e pagamento integral da remuneração, sem comprovação do cumprimento das 40 horas semanais exigidas. 2. Há três questões centrais em discussão: (i) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas;(ii) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (iii) determinar se é juridicamente possível converter a ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento ao erário. 3. Não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. No caso concreto, a prova dos autos revela deficiência no controle da jornada de trabalho do médico contratado, mas não evidencia a intenção deliberada dos agentes de causar prejuízo ao erário, ausente o dolo específico necessário à caracterização do ilícito. Os elementos objetivos apresentados, como os registros de frequência e mapas de atendimento, são parciais, inconsistentes e referem-se apenas a dois meses do período contratual, inviabilizando a constatação segura de dano material efetivo ao patrimônio público. 7. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de comprovação de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. A responsabilização civil por ressarcimento ao erário, mesmo em caso de conversão da ação, demanda prova concreta e inequívoca do dano, o que não se verifica no presente caso, tornando juridicamente incabível a pretensão de conversão da ação de improbidade em demanda ressarcitória. 9. Preliminar rejeitada. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento ao recurso de apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0002230-49.2011.4.01.3303

ID: 318879178

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0002230-49.2011.4.01.3303

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS CARAIBAS DE SOUSA CLEIDSON FERREIRA ROCHA ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO GLAUCO ANDRE MACHADO WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MIUCHA PEREIRA BORDONI

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE S… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A, ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A e AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira, Estevam Pereira dos Santos e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em face dos apelantes e de Glauco Andre Machado, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação dos apelantes pela prática do ato previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 84803694, fls. 364/382). Os apelantes sustentam, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, requerendo, por conseguinte, a anulação da sentença que julgou antecipadamente o feito. No tocante ao mérito, alegam que a Comissão Permanente de Licitação conduziu processo de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços médicos destinados à atuação no Programa Saúde da Família - PSF, em virtude da escassez de profissionais dispostos a trabalhar na zona rural e nos distritos do Município de Serra do Ramalho/BA. Afirmam que o equívoco ocorrido no referido procedimento decorreu da ausência de conhecimento técnico por parte dos membros da comissão, uma vez que foi realizada inexigibilidade de licitação com base em notória especialização, quando o correto seria o enquadramento como contratação temporária, em razão da carência de profissionais disponíveis para a prestação dos serviços. Aduzem que o erro decorreu da falta de qualificação técnica, bem como da necessidade emergencial e do interesse público que se buscava atender, não sendo possível identificar má-fé na conduta dos apelantes. Defendem que a remuneração paga ao profissional contratado era compatível com a média praticada, inexistindo favorecimento ilícito. Alegam ser improcedente a acusação de descumprimento da carga horária pelo profissional contratado, visto que os serviços foram regularmente prestados, não havendo como afirmar que os pagamentos foram indevidos unicamente pela ausência de comprovação da carga horária. Argumentam que os pagamentos somente eram realizados após a coordenação da atenção básica do Município atestar o cumprimento da carga horária, o que teria ocorrido no caso do profissional Glauco. Aduzem inexistirem registros de reclamações quanto à prestação dos serviços pelo referido médico, sendo que o Município atestou sua atuação, bem como os pacientes atendidos confirmaram a efetiva prestação dos serviços contratados, não havendo prova de que esses serviços tenham deixado de ser realizados adequadamente. Ressaltam que a metodologia empregada pela CGU é imprestável e incoerente por diversos motivos, tais como a inexistência, nos autos, dos mapas de atendimento mencionados, a análise restrita a apenas dois meses do exercício de 2009 e a ausência de informações sobre a frequência dos profissionais de saúde. Sustentam que os referidos mapas referem-se aos atendimentos do PSF em geral, sem individualização por profissional, ao contrário do que sugere, de forma equivocada, o relatório. Afirmam, ainda, que os relatórios não trazem provas de que tenham sido colhidas declarações de funcionários dos postos de saúde ou de membros da comunidade que pudessem confirmar as alegações da auditoria. Assim, entendem que a União não se desincumbiu do ônus de comprovar as irregularidades apontadas no relatório da CGU, tampouco demonstrou a existência de culpa grave ou dolo que configure a prática de ato de improbidade administrativa. Pleiteiam a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença diante da ausência de fundamentação individualizada para a imposição das sanções, uma vez que, embora o juízo sentenciante tenha reconhecido a conduta dos apelantes como culposa, aplicou as penalidades mais severas previstas na LIA. Alternativamente, requerem a reforma da sentença para a exclusão das sanções mais gravosas aplicadas (ID. 84803695, fls. 4/54). A União, por sua vez, pleiteia a condenação de Glauco André Machado, sustentando que as provas constantes dos autos confirmam a prática de ato ímprobo por parte do referido réu. Afirma que, ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo a quo, a prática do ato lhe é imputável, em razão do dever de cumprir a carga horária estabelecida no contrato, considerando a contraprestação pecuniária recebida, ainda que não lhe competisse a fiscalização de sua própria jornada de trabalho. Argumenta que, independentemente da eventual negligência dos gestores públicos, o réu tinha pleno conhecimento de suas obrigações funcionais, não restando dúvidas quanto ao dolo em se beneficiar indevidamente de recursos públicos. Ressalta, inclusive, que o descumprimento dessas obrigações motivou o distrato, tendo em vista os prejuízos causados à população pela prestação deficiente do serviço. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido também em relação ao réu Glauco (ID. 84803695, fls. 63/65). Contrarrazões (ID. 84803695, fls. 66/67 e 74/91). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo parcial provimento do recurso dos réus e pelo não provimento da apelação da União (ID. 436789274). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: PRELIMINAR Preliminarmente, os apelantes alegam a nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa decorrente do indeferimento das provas requeridas. Sucede que, ao magistrado é facultado o indeferimento da produção de provas que julgar inúteis ou protelatórias (art. 370 do CPC). Em que pese os argumentos trazidos pelos recorrentes, entendo que a sentença recorrida não merece reparos, dado que os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação das provas permitem ao órgão julgador examinar e valorar livremente as provas constantes dos autos e, assim, formar a sua convicção. Ante tais considerações, conclui-se que não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar, conforme já dito, a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. Assim, deve ser rejeitada a preliminar. MÉRITO Consta, em síntese, que a CGU constatou que, no Município de Serra do Ramalho/BA, no âmbito do Programa de Atenção Básica à Saúde, houve a contratação direta de médico para atuação em PSF, sem que ficasse comprovada a notória especialização alegada como fundamento para a dispensa de licitação. Além disso, apurou-se a ausência de comprovação do cumprimento integral da carga horária exigida, embora o profissional tenha recebido a respectiva contraprestação pecuniária. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Deflui do relatório da CGU, fls. 14-33, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 44-47), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que o profissional contratado teria experiência profissional por longos anos na Administração Pública Municipal. (…) Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. (…) Diante desse viés, os requeridos, em sua peça de defesa, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação do profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. (…) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve realização de fiscalização pela Controladoria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos ao profissional GLAUCO ANDRE MACHADO. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que o médico fora cotratado para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$10.869,72 (dez mil, oitocentos e sessenta e nove reais e setenta e dois centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com o profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 537, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa registrar contradição na declaração quanto ao cumprimento integral da jornada de trabalho estabelecida entre o ente municipal e o contratado (fls. 531 e 532). Isso porque à fl. 531, os réus reconhecem a prestação de serviço deficiente, baseado em relatos dos munícipes, tanto que o distrato do contrato administrativo foi efetuado em abril de 2009. Logo em seguida, à fl. 532, vem a afirmação de que "(...) não há notícia de reclamações dos munícipes por falta de atendimento, a Secretaria Municipal de Saúde confirma ter havido a prestação dos serviços, bem como todos os pacientes atendidos pelo profissional contratado, fato que confirma a realização do serviço contratado, não sendo legítimo se presumir pela não prestação de serviço sob a alegação de ausência de prova "de cumprimento da carga horária". Dessa forma, ao contestar esse ponto indicado no relatório da CGU, sem que trouxesse aos autos elementos probatórios a fim de afastar essa alegação, os réus atraem para si o ônus probandi, de forma que se presume que a prestação de serviço não foi fiscalizada. Decerto, malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova do fato desconstitutivo do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, restando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de testemunhas em Juízo, conforme requerido pelos réus, a defender o controle da jornada de trabalho do médico, sem qualquer elemento material a corroborar as declarações, soa-me não fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. (…) De mais a mais, conquanto o requerido, GLAUCO ANDRE MACHADO, tenha sido contratado para laborar no Posto de Saúde do Povoado da Agrovila 22, com carga horária de 40 horas semanais, a fiscalização da CGU somente apurou o labor de 8 horas. Não obstante o médico tenha se beneficiado com a contratação direta, desprovida de procedimento licitatório, entendo razoável afastar a sua responsabilidade, tendo em vista a fragilidade das provas aqui constantes. Em que pese exista a declaração nos autos acerca das reclamações em relação aos serviços prestados pelo profissional contratado, inclusive, cópia do distrato, sem menção às razões de fato (fl. 547), seria medida excessiva atribuir o ônus da fiscalização da jornada de trabalho à pessoa contratada. Logo, impõe-se agregar a esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. (…) Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a soma total de R$17,672,11 (dezessete mil, seiscentos e setenta e dois reais e onze centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicados acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado — com vistas a não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos — que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10 da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). No caso em exame, a imputação da vantagem patrimonial indevida fundamenta-se no recebimento da remuneração integral, a despeito do descumprimento da carga horária semanal de trabalho estabelecida para o cargo público ocupado. A sentença considerou, a partir do conjunto probatório, que houve deficiências na fiscalização da jornada de trabalho do médico contratado, configurada a conduta culposa dos gestores responsáveis. O Juízo reconheceu que a prova dos autos, embora não robusta, indicava falhas no controle administrativo, o que, associado à inexistência de documentação idônea que atestasse o efetivo cumprimento das 40 horas semanais, conduziu ao reconhecimento de prejuízo ao erário, valor este a ser ressarcido pelos agentes públicos envolvidos. Sucede que, nos termos da sentença, corroborada pelo parecer da PRR1, é patente a ausência do elemento subjetivo exigido, tendo os apelantes sido condenados em razão da negligência, ou seja, por atuação culposa, o que não mais se admite. Assim sendo, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos apelantes, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. No que concerne ao dano, as contradições nas declarações prestadas pelo próprio ente municipal - ora reconhecendo deficiência na prestação do serviço, ora negando a existência de reclamações - fragilizam a consistência da tese de dano efetivo. Isso se agrava pelo fato de que os mapas de atendimento utilizados para quantificar o prejuízo referem-se apenas a dois meses do período contratual, sem lastro probatório consistente que permita aferir, com segurança, o efetivo descumprimento da carga horária. Diante da ausência de comprovação cabal do dano efetivo ao erário, bem como da fragilidade das provas quanto ao descumprimento sistemático da jornada contratual, impõe-se o afastamento da tipificação do ato de improbidade. A ausência de dolo e a precariedade dos elementos objetivos exigem a prevalência dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, não sendo admissível a imposição de penalidades gravosas com base em presunções. Assim, concluo que os elementos coligidos aos autos são insuficientes para a configuração de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, devendo ser reconhecida a improcedência da demanda, nos termos do que já vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte. É preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei 8.429/1992, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Dessa forma, a atuação culposa, aliada à ausência de elementos probatórios consistentes, afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Diante da ausência de demonstração concreta e inequívoca do prejuízo material ao erário, revela-se juridicamente incabível a pretensão de conversão da presente ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento, conforme pleiteado pela PRR1 em seu parecer. A jurisprudência pacífica dos tribunais superiores exige, para a propositura e eventual procedência de ação de ressarcimento fundada em ato ilícito, a comprovação de que o dano de fato ocorreu, além do nexo de causalidade entre a conduta imputada e o prejuízo suportado pela Administração Pública. A transformação automática da ação de improbidade em demanda ressarcitória, sem a adequada comprovação dos pressupostos fáticos e jurídicos do dever de indenizar, afronta os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. A responsabilidade civil do agente público exige prova objetiva do dano, o que, como se demonstrou, não restou caracterizado nos autos de forma suficiente, tendo em vista a inconsistência dos registros de frequência, as contradições nas declarações municipais e a fragilidade dos demais elementos probatórios produzidos na fase de instrução. Ante o exposto, rejeito a preliminar; dou provimento à apelação de Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira e Estevam Pereira dos Santos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento ao recurso de apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, CLEIDSON FERREIRA ROCHA, ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A Advogados do(a) APELANTE: ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A, AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A APELADO: UNIÃO FEDERAL LITISCONSORTE: GLAUCO ANDRE MACHADO Advogado do(a) LITISCONSORTE: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE EM AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NO PRESENTE CASO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da LIA, em razão de contratação direta de médico para atuação em Programa de Saúde da Família - PSF, no Município de Serra do Ramalho/BA, sob alegação de notória especialização não comprovada. A CGU apontou falhas no controle da jornada de trabalho e pagamento integral da remuneração, sem comprovação do cumprimento das 40 horas semanais exigidas. 2. Há três questões centrais em discussão: (i) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas;(ii) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (iii) determinar se é juridicamente possível converter a ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento ao erário. 3. Não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. No caso concreto, a prova dos autos revela deficiência no controle da jornada de trabalho do médico contratado, mas não evidencia a intenção deliberada dos agentes de causar prejuízo ao erário, ausente o dolo específico necessário à caracterização do ilícito. Os elementos objetivos apresentados, como os registros de frequência e mapas de atendimento, são parciais, inconsistentes e referem-se apenas a dois meses do período contratual, inviabilizando a constatação segura de dano material efetivo ao patrimônio público. 7. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de comprovação de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. A responsabilização civil por ressarcimento ao erário, mesmo em caso de conversão da ação, demanda prova concreta e inequívoca do dano, o que não se verifica no presente caso, tornando juridicamente incabível a pretensão de conversão da ação de improbidade em demanda ressarcitória. 9. Preliminar rejeitada. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento ao recurso de apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0002230-49.2011.4.01.3303

ID: 318879182

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0002230-49.2011.4.01.3303

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS CARAIBAS DE SOUSA CLEIDSON FERREIRA ROCHA ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO GLAUCO ANDRE MACHADO WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MIUCHA PEREIRA BORDONI

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE S… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0002230-49.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0002230-49.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A, ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A e AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira, Estevam Pereira dos Santos e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em face dos apelantes e de Glauco Andre Machado, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação dos apelantes pela prática do ato previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 84803694, fls. 364/382). Os apelantes sustentam, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, requerendo, por conseguinte, a anulação da sentença que julgou antecipadamente o feito. No tocante ao mérito, alegam que a Comissão Permanente de Licitação conduziu processo de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços médicos destinados à atuação no Programa Saúde da Família - PSF, em virtude da escassez de profissionais dispostos a trabalhar na zona rural e nos distritos do Município de Serra do Ramalho/BA. Afirmam que o equívoco ocorrido no referido procedimento decorreu da ausência de conhecimento técnico por parte dos membros da comissão, uma vez que foi realizada inexigibilidade de licitação com base em notória especialização, quando o correto seria o enquadramento como contratação temporária, em razão da carência de profissionais disponíveis para a prestação dos serviços. Aduzem que o erro decorreu da falta de qualificação técnica, bem como da necessidade emergencial e do interesse público que se buscava atender, não sendo possível identificar má-fé na conduta dos apelantes. Defendem que a remuneração paga ao profissional contratado era compatível com a média praticada, inexistindo favorecimento ilícito. Alegam ser improcedente a acusação de descumprimento da carga horária pelo profissional contratado, visto que os serviços foram regularmente prestados, não havendo como afirmar que os pagamentos foram indevidos unicamente pela ausência de comprovação da carga horária. Argumentam que os pagamentos somente eram realizados após a coordenação da atenção básica do Município atestar o cumprimento da carga horária, o que teria ocorrido no caso do profissional Glauco. Aduzem inexistirem registros de reclamações quanto à prestação dos serviços pelo referido médico, sendo que o Município atestou sua atuação, bem como os pacientes atendidos confirmaram a efetiva prestação dos serviços contratados, não havendo prova de que esses serviços tenham deixado de ser realizados adequadamente. Ressaltam que a metodologia empregada pela CGU é imprestável e incoerente por diversos motivos, tais como a inexistência, nos autos, dos mapas de atendimento mencionados, a análise restrita a apenas dois meses do exercício de 2009 e a ausência de informações sobre a frequência dos profissionais de saúde. Sustentam que os referidos mapas referem-se aos atendimentos do PSF em geral, sem individualização por profissional, ao contrário do que sugere, de forma equivocada, o relatório. Afirmam, ainda, que os relatórios não trazem provas de que tenham sido colhidas declarações de funcionários dos postos de saúde ou de membros da comunidade que pudessem confirmar as alegações da auditoria. Assim, entendem que a União não se desincumbiu do ônus de comprovar as irregularidades apontadas no relatório da CGU, tampouco demonstrou a existência de culpa grave ou dolo que configure a prática de ato de improbidade administrativa. Pleiteiam a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença diante da ausência de fundamentação individualizada para a imposição das sanções, uma vez que, embora o juízo sentenciante tenha reconhecido a conduta dos apelantes como culposa, aplicou as penalidades mais severas previstas na LIA. Alternativamente, requerem a reforma da sentença para a exclusão das sanções mais gravosas aplicadas (ID. 84803695, fls. 4/54). A União, por sua vez, pleiteia a condenação de Glauco André Machado, sustentando que as provas constantes dos autos confirmam a prática de ato ímprobo por parte do referido réu. Afirma que, ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo a quo, a prática do ato lhe é imputável, em razão do dever de cumprir a carga horária estabelecida no contrato, considerando a contraprestação pecuniária recebida, ainda que não lhe competisse a fiscalização de sua própria jornada de trabalho. Argumenta que, independentemente da eventual negligência dos gestores públicos, o réu tinha pleno conhecimento de suas obrigações funcionais, não restando dúvidas quanto ao dolo em se beneficiar indevidamente de recursos públicos. Ressalta, inclusive, que o descumprimento dessas obrigações motivou o distrato, tendo em vista os prejuízos causados à população pela prestação deficiente do serviço. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido também em relação ao réu Glauco (ID. 84803695, fls. 63/65). Contrarrazões (ID. 84803695, fls. 66/67 e 74/91). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo parcial provimento do recurso dos réus e pelo não provimento da apelação da União (ID. 436789274). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: PRELIMINAR Preliminarmente, os apelantes alegam a nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa decorrente do indeferimento das provas requeridas. Sucede que, ao magistrado é facultado o indeferimento da produção de provas que julgar inúteis ou protelatórias (art. 370 do CPC). Em que pese os argumentos trazidos pelos recorrentes, entendo que a sentença recorrida não merece reparos, dado que os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação das provas permitem ao órgão julgador examinar e valorar livremente as provas constantes dos autos e, assim, formar a sua convicção. Ante tais considerações, conclui-se que não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar, conforme já dito, a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. Assim, deve ser rejeitada a preliminar. MÉRITO Consta, em síntese, que a CGU constatou que, no Município de Serra do Ramalho/BA, no âmbito do Programa de Atenção Básica à Saúde, houve a contratação direta de médico para atuação em PSF, sem que ficasse comprovada a notória especialização alegada como fundamento para a dispensa de licitação. Além disso, apurou-se a ausência de comprovação do cumprimento integral da carga horária exigida, embora o profissional tenha recebido a respectiva contraprestação pecuniária. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Deflui do relatório da CGU, fls. 14-33, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 44-47), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que o profissional contratado teria experiência profissional por longos anos na Administração Pública Municipal. (…) Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. (…) Diante desse viés, os requeridos, em sua peça de defesa, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação do profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. (…) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve realização de fiscalização pela Controladoria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos ao profissional GLAUCO ANDRE MACHADO. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que o médico fora cotratado para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$10.869,72 (dez mil, oitocentos e sessenta e nove reais e setenta e dois centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com o profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 537, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa registrar contradição na declaração quanto ao cumprimento integral da jornada de trabalho estabelecida entre o ente municipal e o contratado (fls. 531 e 532). Isso porque à fl. 531, os réus reconhecem a prestação de serviço deficiente, baseado em relatos dos munícipes, tanto que o distrato do contrato administrativo foi efetuado em abril de 2009. Logo em seguida, à fl. 532, vem a afirmação de que "(...) não há notícia de reclamações dos munícipes por falta de atendimento, a Secretaria Municipal de Saúde confirma ter havido a prestação dos serviços, bem como todos os pacientes atendidos pelo profissional contratado, fato que confirma a realização do serviço contratado, não sendo legítimo se presumir pela não prestação de serviço sob a alegação de ausência de prova "de cumprimento da carga horária". Dessa forma, ao contestar esse ponto indicado no relatório da CGU, sem que trouxesse aos autos elementos probatórios a fim de afastar essa alegação, os réus atraem para si o ônus probandi, de forma que se presume que a prestação de serviço não foi fiscalizada. Decerto, malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova do fato desconstitutivo do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, restando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de testemunhas em Juízo, conforme requerido pelos réus, a defender o controle da jornada de trabalho do médico, sem qualquer elemento material a corroborar as declarações, soa-me não fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. (…) De mais a mais, conquanto o requerido, GLAUCO ANDRE MACHADO, tenha sido contratado para laborar no Posto de Saúde do Povoado da Agrovila 22, com carga horária de 40 horas semanais, a fiscalização da CGU somente apurou o labor de 8 horas. Não obstante o médico tenha se beneficiado com a contratação direta, desprovida de procedimento licitatório, entendo razoável afastar a sua responsabilidade, tendo em vista a fragilidade das provas aqui constantes. Em que pese exista a declaração nos autos acerca das reclamações em relação aos serviços prestados pelo profissional contratado, inclusive, cópia do distrato, sem menção às razões de fato (fl. 547), seria medida excessiva atribuir o ônus da fiscalização da jornada de trabalho à pessoa contratada. Logo, impõe-se agregar a esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. (…) Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a soma total de R$17,672,11 (dezessete mil, seiscentos e setenta e dois reais e onze centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicados acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado — com vistas a não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos — que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10 da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). No caso em exame, a imputação da vantagem patrimonial indevida fundamenta-se no recebimento da remuneração integral, a despeito do descumprimento da carga horária semanal de trabalho estabelecida para o cargo público ocupado. A sentença considerou, a partir do conjunto probatório, que houve deficiências na fiscalização da jornada de trabalho do médico contratado, configurada a conduta culposa dos gestores responsáveis. O Juízo reconheceu que a prova dos autos, embora não robusta, indicava falhas no controle administrativo, o que, associado à inexistência de documentação idônea que atestasse o efetivo cumprimento das 40 horas semanais, conduziu ao reconhecimento de prejuízo ao erário, valor este a ser ressarcido pelos agentes públicos envolvidos. Sucede que, nos termos da sentença, corroborada pelo parecer da PRR1, é patente a ausência do elemento subjetivo exigido, tendo os apelantes sido condenados em razão da negligência, ou seja, por atuação culposa, o que não mais se admite. Assim sendo, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos apelantes, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. No que concerne ao dano, as contradições nas declarações prestadas pelo próprio ente municipal - ora reconhecendo deficiência na prestação do serviço, ora negando a existência de reclamações - fragilizam a consistência da tese de dano efetivo. Isso se agrava pelo fato de que os mapas de atendimento utilizados para quantificar o prejuízo referem-se apenas a dois meses do período contratual, sem lastro probatório consistente que permita aferir, com segurança, o efetivo descumprimento da carga horária. Diante da ausência de comprovação cabal do dano efetivo ao erário, bem como da fragilidade das provas quanto ao descumprimento sistemático da jornada contratual, impõe-se o afastamento da tipificação do ato de improbidade. A ausência de dolo e a precariedade dos elementos objetivos exigem a prevalência dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, não sendo admissível a imposição de penalidades gravosas com base em presunções. Assim, concluo que os elementos coligidos aos autos são insuficientes para a configuração de ato de improbidade administrativa causador de lesão ao erário, devendo ser reconhecida a improcedência da demanda, nos termos do que já vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte. É preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei 8.429/1992, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Dessa forma, a atuação culposa, aliada à ausência de elementos probatórios consistentes, afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovado o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Diante da ausência de demonstração concreta e inequívoca do prejuízo material ao erário, revela-se juridicamente incabível a pretensão de conversão da presente ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento, conforme pleiteado pela PRR1 em seu parecer. A jurisprudência pacífica dos tribunais superiores exige, para a propositura e eventual procedência de ação de ressarcimento fundada em ato ilícito, a comprovação de que o dano de fato ocorreu, além do nexo de causalidade entre a conduta imputada e o prejuízo suportado pela Administração Pública. A transformação automática da ação de improbidade em demanda ressarcitória, sem a adequada comprovação dos pressupostos fáticos e jurídicos do dever de indenizar, afronta os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. A responsabilidade civil do agente público exige prova objetiva do dano, o que, como se demonstrou, não restou caracterizado nos autos de forma suficiente, tendo em vista a inconsistência dos registros de frequência, as contradições nas declarações municipais e a fragilidade dos demais elementos probatórios produzidos na fase de instrução. Ante o exposto, rejeito a preliminar; dou provimento à apelação de Carlos Caraíbas de Souza, Florisvaldo Ferreira de Souza Filho, Cleidson Ferreira Rocha, Washington Luiz Costa de Oliveira e Estevam Pereira dos Santos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento ao recurso de apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0002230-49.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, WASHINGTON LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, CLEIDSON FERREIRA ROCHA, ESTEVAM PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, MIUCHA PEREIRA BORDONI - BA25538-A Advogados do(a) APELANTE: ALINE DANTAS MOREIRA PEDROSO - BA18675-A, AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A, ERICA MELISSA TANAJURA PINTO DA ROCHA DE FIGUEIREDO RODRIGUE - BA18750-A APELADO: UNIÃO FEDERAL LITISCONSORTE: GLAUCO ANDRE MACHADO Advogado do(a) LITISCONSORTE: CRISTIANO RODRIGUES BRANDAO - DF36859-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE EM AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NO PRESENTE CASO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da LIA, em razão de contratação direta de médico para atuação em Programa de Saúde da Família - PSF, no Município de Serra do Ramalho/BA, sob alegação de notória especialização não comprovada. A CGU apontou falhas no controle da jornada de trabalho e pagamento integral da remuneração, sem comprovação do cumprimento das 40 horas semanais exigidas. 2. Há três questões centrais em discussão: (i) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas;(ii) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (iii) determinar se é juridicamente possível converter a ação de improbidade administrativa em ação de ressarcimento ao erário. 3. Não há cerceamento de defesa quando a sentença está devidamente fundamentada, pois cabe ao julgador avaliar a necessidade de produção de provas, para o fim de formar o seu convencimento. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. No caso concreto, a prova dos autos revela deficiência no controle da jornada de trabalho do médico contratado, mas não evidencia a intenção deliberada dos agentes de causar prejuízo ao erário, ausente o dolo específico necessário à caracterização do ilícito. Os elementos objetivos apresentados, como os registros de frequência e mapas de atendimento, são parciais, inconsistentes e referem-se apenas a dois meses do período contratual, inviabilizando a constatação segura de dano material efetivo ao patrimônio público. 7. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de comprovação de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. A responsabilização civil por ressarcimento ao erário, mesmo em caso de conversão da ação, demanda prova concreta e inequívoca do dano, o que não se verifica no presente caso, tornando juridicamente incabível a pretensão de conversão da ação de improbidade em demanda ressarcitória. 9. Preliminar rejeitada. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento ao recurso de apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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Processo nº 0008764-40.2015.4.01.3700

ID: 318824610

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0008764-40.2015.4.01.3700

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

MILTON DA SILVA LEMOS

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

PAULO HUMBERTO FREIRE CASTELO BRANCO

OAB/MA XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0008764-40.2015.4.01.3700 PROCESSO REFERÊNCIA: 0008764-40.2015.4.01.3700 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MILTON DA SILVA LEMO… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0008764-40.2015.4.01.3700 PROCESSO REFERÊNCIA: 0008764-40.2015.4.01.3700 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MILTON DA SILVA LEMOS REPRESENTANTES POLO ATIVO: PAULO HUMBERTO FREIRE CASTELO BRANCO - MA7488-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0008764-40.2015.4.01.3700 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto por Milton da Silva Lemos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Maranhão que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal - MPF em face do apelante e de Edson Correa Costa, julgou parcialmente procedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput e incisos VI e XI e 11, caput, da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da LIA (ID. 165662688). O apelante sustenta a inexistência de dolo ou má-fé na sua conduta, bem como a ausência de prejuízo ao erário e de qualquer forma de enriquecimento ilícito. Argumenta que foram apresentados documentos e dados contábeis relativos à prestação de contas à época dos fatos, e que eventuais irregularidades apontadas pelo TCU seriam meramente formais ou sanáveis, não havendo prova de desfalque, desvio ou prejuízo efetivo ao erário. Afirma, ainda, que a inexistência de agência bancária no município dificultava a operacionalização dos pagamentos, e que os produtos adquiridos foram efetivamente entregues e pagos de forma idônea, dentro dos valores de mercado. Alega, também, que a sentença se baseou em conceitos genéricos, sem a devida individualização de sua conduta nem demonstração de dolo ou dano, razão pela qual requer a reforma da sentença e a improcedência do pedido (ID. 165662693). Contrarrazões (ID. 165662697). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo não provimento da apelação (ID. 206953517). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0008764-40.2015.4.01.3700 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que o TCU julgou irregular a prestação de contas apresentada pelo apelante, na qualidade de prefeito, dos recursos repassados ao Município de Amapá do Maranhão/MA pelo Fundo Nacional de Assistência Social, no âmbito dos programas Serviço de Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE), durante o exercício de 2007, diante das irregularidades constatadas, consistentes na emissão de cheques “ao emitente”, com posterior saque dos recursos públicos diretamente na “boca do caixa”; na ausência de correspondência entre o valor dos cheques emitidos e os valores de algumas despesas informadas como pagas; na inexistência de procedimento licitatório ou de dispensa formal de licitação para a realização dos gastos; bem como na juntada de notas fiscais falsas com o objetivo de comprovar supostos gastos. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Do conjunto probatório dos autos, verifica-se que o Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 4854/2013-TCU – 1ª Câmara, julgou irregulares as contas dos Réus, condenando-os solidariamente, ao pagamento das dívidas aos cofres do Fundo Nacional de Assistência Social(FNAS) e multa. O Laudo nº 019/2014 – CEGAT-AIDF expedida pela Secretaria de Estado da Fazenda/MA, informa que a Nota Fiscal emitida pela empresa E. Cunha Dias ME é inidônea, informando que a autorização para impressão de documentos fiscais - AIDF, é da empresa José Arimatéia Santos - ME(fls.68/75). No Apenso I, Vol. I, verifica-se a juntada de cópias de cheques “ao emitente”, com a assinatura de endosso dos Réus. Diante dos elementos comprobatórios trazidos aos autos, analiso as condutas supostamente ímprobas indicadas pelo Ministério Público Federal como sendo de autoria dos Réus. O dolo está demonstrado. Com efeito, na condição de Prefeito Municipal e Tesoureiro, os Réus detinham plenos poderes para conduzir a gestão administrativa municipal e fiscalizar a aplicação dos recursos recebidos pelo Município. Nos termos da inicial, tem-se que da análise da movimentação financeira, constatou-se a ocorrência de cheques emitidos nominalmente ao portado ou “ao emitente” e saques diretos do caixa, sem a correlação com as despesas que estariam sendo efetivamente pagas. Também não havia correspondência entre os valores das ordens de pagamento e os cheques emitidos. (…) Portanto, no momento em que foram emitidos cheques sem a devida comprovação das despesas, os Réus liberaram verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes (art. 10, XI, da Lei 8.429/1992), bem como se realizou operação financeira sem observância das normas legais e regulamentas (art. 10, VI, da Lei 8.429/1992) e, por conseguinte, agindo de forma desidiosa na gestão da coisa pública, devem ser condenada por ter agido livremente e com consciência da ilicitude de seus atos, caracterizando, dessa forma, a conduta dolosa. (…) Importa destacar que os Requeridos também incorreram na realização de atos que atentam contra os Princípios da Administração Pública, no momento em que realizaram despesas sem o devido procedimento licitatório, estando configurada também a conduta dolosa, vez que como Gestores tinham conhecimento da obrigação de promover procedimento licitatório prévio, bem como dos transtornos que esta omissão poderia causar ao Município. O ressarcimento dos valores desviados é medida que se impõe aos casos de dano ao erário, como no presente feito. Nesse contexto, as condutas praticadas pelos Réus não configuram hipóteses de simples ilegalidade ou irregularidade. Tendo em vista a gravidade dos fatos, as alegações apresentadas pelas partes e o acervo probatório dos autos, concluo pela responsabilização dos Réus por ato de improbidade administrativa. (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. 1. ATO ÍMPROBO PREVISTO NO ART. 10 DA LIA O apelante foi condenado pela prática das condutas previstas no art. 10, caput e incisos VI e XI, da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…) VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). No caso sob exame, a imputação de ato de improbidade administrativa fundamenta-se na alegação de prejuízo ao erário decorrente do saque dos recursos públicos repassados ao município, sem a devida comprovação das despesas realizadas. Embora se reconheça a existência de falhas formais na execução financeira dos programas, especialmente no que se refere à emissão de cheques nominais aos próprios gestores ou ao portador, bem como à ausência de licitação ou procedimento formal de dispensa, tais irregularidades não se mostram suficientes, por si sós, para caracterizar o dano ao erário. A existência de notas fiscais, ainda que emitidas por empresas com pendências junto ao fisco ou com inconsistências cadastrais, não autoriza, por si só, a conclusão de que não houve entrega de bens ou prestação de serviços. Na prestação de contas apresentada as despesas foram detalhadas e justificadas pelo gestor, sem que o autor tenha logrado êxito em demonstrar a inexistência de contrapartida real aos valores despendidos. É relevante observar que o próprio TCU, em sua análise (ID. 165662679, fls. 19/29), embora tenha apontado irregularidades formais na execução dos recursos, não afastou expressamente a possibilidade de que os bens tenham sido efetivamente entregues e os serviços prestados. A emissão de cheques ao portador, conquanto irregular sob a ótica das normas de execução financeira, não constitui, por si só, elemento revelador de desvio de finalidade ou apropriação indevida, especialmente quando não se comprova que os recursos foram utilizados para fins diversos daqueles previstos no objeto dos programas. A ausência de correspondência exata entre valores sacados e despesas específicas também não autoriza a presunção de dano, dada a prática comum de agrupamento de pagamentos em localidades de difícil acesso bancário — como é o caso do Município em questão, que à época não dispunha de agência ou posto bancário local. Ademais, a conduta dos réus, conforme narrado, foi voltada à execução dos programas de assistência social, tendo sido apresentadas notas, recibos e especificações de bens e serviços. Não se constatou qualquer indício de que não tenham sido executados em conformidade com as especificações dos programas. Por fim, é preciso enfatizar que o direito sancionador, mesmo na esfera civil, exige prova robusta e inequívoca dos elementos subjetivos e objetivos do tipo, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. A responsabilização por improbidade administrativa não pode se fundar em presunções ou meras irregularidades formais, sob pena de banalização do instituto. De tudo o que consta nos autos, não se comprovou o dano efetivo ao erário, já que especificados os bens e serviços adquiridos com os recursos não há sequer indícios de que os objetivos dos programas não tenham sido cumpridos, ou a deficiência em sua execução. Tampouco que a aquisição tenha se dado com sobrepreço ou superfaturamento. As irregularidades apontadas, não configuram ato de improbidade administrativa, pois desprovida da efetiva prova do dano e do dolo específico dos gestores. Neste sentido, cito precedentes deste Tribunal: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DO PIAUÍ/PI. RECURSOS REPASSADOS PELA FUNASA. CONVÊNIO 1283/2001 E 290/2001. EXECUÇÃO DE MELHORIAS HABITACIONAIS PARA O CONTROLE DA DOENÇA DE CHAGAS E DE 171 MÓDULOS SANITÁRIOS. PRESTAÇÃO DE CONTAS EXTEMPORÂNEA. SAQUES NA "BOCA DO CAIXA". INEXECUÇÃO PARCIAL DO OBJETO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO E/OU VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (...) 16. Pequenas divergências entre a execução física e o plano básico do objeto do convênio, sem a demonstração efetiva de má-fé do administrador, não são suficientes para a imputação dolosa de improbidade, por ação ou omissão. Como proclamam os precedentes, a eventual inabilidade não é causa suficiente para punição por improbidade. (...) (AC 0000214-05.2010.4.01.4000, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 03/04/2023.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. ALTERAÇÕES PELA LEI 14.230/2021. TEMA 1199 DO STF. ART. 9º, CAPUT, DA LIA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO COMPROVADO. COMPROVAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE MATERIAL COM RECURSOS DO FNDE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÕES PROVIDAS. (...) 5. Existem provas nos autos da regular destinação dos recursos do FNDE, em especial dos R$ 8.207,20 (oito mil duzentos e sete reais e vinte centavos). O recibo e a nota fiscal juntados aos autos referem-se à despesa com aquisição de materiais diversos junto à empresária PANIFICADORA E CONFEITARIA CASA DO PÃO, no valor de R$ 8.207,20 (oito mil duzentos e sete reais e vinte centavos), em 26 de abril de 2006. 6. O cheque que os apelantes foram acusados de terem sacado, em espécie, na "boca do caixa" e incorporado ao patrimônio pessoal, na verdade, serviu para o pagamento dos materiais adquiridos pela administração municipal, conforme nota fiscal juntada aos autos. 7. Na hipótese, não há prova de que os apelantes incorporaram ao patrimônio pessoal recurso do FNDE por meio de saque em espécie na "boca do caixa"; tampouco restou demonstrada a existência de dolo e justa causa com o fim de imputar aos réus/apelantes a conduta prevista no art. 9º, caput, da Lei 8.429/1992. 8. Recursos de apelação providos para reformar a sentença e absolver os apelantes. (AC 0010153-13.2012.4.01.3200, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 16/08/2024.) Dessa forma, a ausência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de dano material efetivo, pressuposto indispensável à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Ademais, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte do apelante, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável sob a ótica da legalidade administrativa, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o Parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, ausente a demonstração inequívoca da ocorrência de dano ao erário, bem como não comprovado o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. 2. ATO ÍMPROBO PREVISTO NO ART. 11 DA LIA Os réus também foram condenados pela prática dos atos previstos no art. 11, I, da LIA, que, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...). Com a nova redação, o mencionado dispositivo ficou assim redigido: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, deve ser afastada a condenação com base no art. 11, caput, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. 3. EXTENSÃO DO EFEITOS AO CORRÉU Nos termos da sentença, também foi condenado, com base nos mesmos tipos ímprobos, e não recorreu o réu Edson Correa Costa. É necessária a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido com relação também àquele que não recorreu, diante da manifesta inexistência dos atos de improbidade imputados. Assim sendo, com base no efeito extensivo previsto no art. 1.005 do CPC e no art. 17, § 11º, da Lei 8.249/1992, deve, de ofício, ser afastada a condenação também com relação ao não recorrente. Ante o exposto, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido. Julgo, de ofício, por extensão, também improcedente o pedido em relação ao corréu Edson Correa Costa. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0008764-40.2015.4.01.3700 APELANTE: MILTON DA SILVA LEMOS Advogado do(a) APELANTE: PAULO HUMBERTO FREIRE CASTELO BRANCO - MA7488-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. RECURSOS FEDERAIS REPASSADOS A MUNICÍPIO. EXECUÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS. SAQUE NA “BOCA DO CAIXA”. ART. 10 DA LIA. EFETIVO DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. DANO PRESUMIDO. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. ART. 1.005 DO CPC E ART. 17, § 11º, DA LEI 8.249/1992. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE, DE OFÍCIO, EM RELAÇÃO AO CORRÉU. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido e condenou os réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 10, caput e incisos VI e XI, e 11, caput, da LIA, fundada em supostas irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Nacional de Assistência Social, repassados ao Município de Amapá do Maranhão/MA para execução dos programas Serviço de Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE) no exercício de 2007. O TCU julgou irregulares as contas prestadas pelo então prefeito municipal, notadamente pela emissão de cheques ao portador com saques diretos em espécie, ausência de licitação, inconsistências nas notas fiscais e não comprovação documental suficiente das despesas. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e (ii) analisar a subsistência da condenação com base no art. 11, caput, da LIA após as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021. 3. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 4. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 5. As irregularidades formais consistentes na emissão de cheques ao portador, ausência de licitação ou inconsistência nas notas fiscais não são suficientes para configurar improbidade se não demonstrado o desvio de recursos, a ausência de entrega de bens ou prestação de serviços, ou ainda o sobrepreço ou superfaturamento. Ademais, a ausência de correspondência exata entre saques e despesas específicas não gera presunção de dano ao erário em municípios sem estrutura bancária, onde é comum o agrupamento de pagamentos por meio de saques únicos. 6. No presente caso, a prova constante nos autos é insuficiente para demonstrar a existência de dano patrimonial efetivo, tampouco há comprovação da não prestação dos serviços ou da entrega dos bens adquiridos, superfaturamento, sobrepreço ou desvio de verbas públicas. 7. A inexistência de prova robusta do dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de demonstração de prejuízo material, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA, já que a negligência administrativa, por si só, não autoriza a imposição das sanções da referida lei. 8. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 9. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 10. É necessária a reforma da sentença com relação àqueles que não recorreram, diante da manifesta inexistência de ato de improbidade, como no caso dos autos. Assim sendo, com base no efeito extensivo previsto no art. 1.005 do CPC e no art. 17, § 11º, da Lei 8.249/1992, deve, de ofício, ser afastada a condenação, com relação ao não recorrente. 11. Apelação provida. Pedido julgado improcedente, de ofício, também em relação ao corréu que não recorreu. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação e julgar, de ofício, por extensão, improcedente o pedido também com relação a Edson Correa Costa. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 17/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator

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