Processo nº 5070954-30.2025.8.09.0051
ID: 316670751
Tribunal: TJGO
Órgão: 1ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5070954-30.2025.8.09.0051
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DEBORAH REGINA ASSIS DE ALMEIDA
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete do Desembargador William Costa Mello EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete do Desembargador William Costa Mello EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO COM DEFICIÊNCIA ELIMINADO COM BASE EM LAUDO GENÉRICO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.I. CASO EM EXAME1. Apelações cíveis interpostas contra sentença que declarou a nulidade do ato administrativo que eliminou candidato com deficiência auditiva na fase de avaliação médica de concurso público para o cargo de Policial Penal do Estado de Goiás, determinando sua continuidade no certame. A exclusão se deu sob alegação de inaptidão funcional, contrariando laudo multiprofissional anterior que o havia declarado apto.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é legítima a exclusão de candidato com deficiência em concurso público com base em laudo médico genérico e contraditório em relação à avaliação multiprofissional; e (ii) saber se a atuação do Poder Judiciário na anulação de ato administrativo de eliminação por inaptidão funcional configura indevida ingerência no mérito administrativo.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A eliminação de candidato com deficiência exige motivação concreta e individualizada, nos termos da Lei nº 9.784/1999, não podendo se basear em laudo genérico e sem considerar as possibilidades de adaptação razoável.4. A jurisprudência do STJ e de tribunais estaduais reconhece que a avaliação da compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo deve ocorrer durante o estágio probatório, mediante acompanhamento por equipe multiprofissional.5. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) consagra o direito ao trabalho em igualdade de condições, exigindo avaliação biopsicossocial e vedando discriminações baseadas em suposições abstratas.6. A exclusão do candidato, sem justificativa concreta quanto à sua incapacidade para o exercício do cargo e em contradição ao laudo multiprofissional anterior, viola os princípios da legalidade, motivação e isonomia material.7. A responsabilidade solidária da banca examinadora por atos administrativos do certame legitima sua permanência no polo passivo da demanda.IV. DISPOSITIVO E TESE8. Recursos conhecidos e desprovidos. Tese de julgamento: “1. A eliminação de candidato com deficiência em concurso público deve estar fundamentada em laudo técnico individualizado e concreto, sendo vedada a exclusão com base em avaliação genérica ou contraditória em relação à análise multiprofissional anterior. 2. A avaliação da compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo deve ser realizada durante o estágio probatório, respeitadas as garantias legais da pessoa com deficiência. 3. A atuação do Judiciário na anulação de ato administrativo desprovido de motivação idônea não configura ingerência indevida no mérito administrativo.”Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 37, caput e inc. II; Lei nº 9.784/1999, art. 50, caput e § 1º; Lei nº 13.146/2015, arts. 2º, 4º e 37; Decreto nº 3.298/1999, art. 43.Jurisprudência relevante citada: STJ, RMS 28105/RO, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 14.04.2015; STJ, RMS 26101/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, j. 10.09.2009; TJGO, Apelação 0004755-39.2010.8.09.0051, Rel. Des. Fábio Cristóvão, 3ª Câmara Cível, j. 27.05.2020; TJSP, Apelação 1001671-77.2019.8.26.0292, Rel. Des. Ricardo Dip, 11ª Câmara de Direito Público, j. 30.10.2019.
PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete do Desembargador William Costa Mello APELAÇÃO CÍVEL Nº 5070954-30.2025.8.09.0051 1ª CÂMARA CÍVELCOMARCA DE GOIÂNIARELATOR : DESEMBARGADOR WILLIAM COSTA MELLO1º APELANTE : ESTADO DE GOIÁS2º APELANTE : IBFC – INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃOAPELADO : MISAEL MACHADO DE AZEVEDO VOTO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA LIDE Conforme relatado, cuida-se de dupla apelação cível (movs. 26 e 33) interpostas, respectivamente, por ESTADO DE GOIÁS e IBFC – INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO em face da sentença (mov. 21) proferida pelo Juiz de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia, Dr. Everton Pereira Santos, nos autos da “ação declaratória de nulidade de ato administrativo”, movida por MISAEL MACHADO DE AZEVEDO, ora apelado. Na exordial, sustentou o autor que, inscrito no concurso público para o cargo de Policial Penal do Estado de Goiás, regido pelo Edital nº 02/2024, foi aprovado na avaliação multiprofissional destinada a candidatos com deficiência, mas, contraditoriamente, eliminado na avaliação médica subsequente, sob o fundamento de inaptidão funcional decorrente de limitação auditiva bilateral de 45 dB em 2 kHz. Asseverou que a eliminação não se baseou em laudo técnico individualizado, contrariando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia material, bem como o disposto na Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no Decreto nº 3.298/1999 e na nova Lei nº 14.768/2023. Requereu a nulidade do ato administrativo de eliminação e a continuidade no certame. O Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, com os seguintes termos: Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:1 - CONFIRMAR a tutela de urgência (evento 06); e2 - ANULAR definitivamente o ato administrativo que eliminou a parte requerente MISAEL MACHADO DE AZEVEDO na fase de avaliação médica do concurso público regido pelo Edital 02/2024, determinando sua continuidade no certame, participando de todas as fases subsequentes do concurso público para o cargo de Policial Penal do Estado de Goiás;CONDENO as partes requeridas em honorários sucumbenciais no valor total de R$3.000,00 (três mil reais) solidariamente, com fundamento no art. 85, § 8º, do CPC. (grifo no original) Em suas razões (mov. 26), o estado requerido, ora 1º apelante, sustenta, em apertada síntese, a existência de afronta ao princípio da isonomia, argumentando que os critérios de eliminação previstos no edital foram aplicados de maneira equânime a todos os candidatos, independentemente de sua condição. Alega, ainda, violação ao princípio da vinculação ao edital, porquanto a exclusão do recorrido se deu com base em critérios previamente fixados, os quais exigiam a necessária compatibilidade da deficiência com as atribuições inerentes ao cargo público pleiteado. Defende que não compete ao Poder Judiciário substituir a Banca Examinadora do certame, sob pena de manifesta usurpação das prerrogativas administrativas conferidas ao Poder Executivo, com consequente violação ao princípio da separação dos poderes, consagrado no art. 2º da Constituição da República. Verbera que a análise técnica das condições clínicas do candidato constitui atribuição exclusiva da Equipe Multiprofissional e da instância médica incumbida da avaliação pericial no âmbito do concurso público, conforme previsto no edital normativo. Argumenta que a eliminação do candidato ocorreu com fundamento em laudo técnico específico, que apontou acuidade visual sem correção de 20/100 no olho direito, bem como ângulos de Cobb de 45,7º e 50º na coluna lombar, características essas que, à luz do item 9.4.10 do edital, configurariam inaptidão para o exercício das funções exigidas pelo cargo. Aduz, por fim, que o deferimento judicial da permanência do recorrido no certame, antes de concluídas todas as etapas seletivas, violaria os ditames do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal e do artigo 78 da Lei Estadual nº 19.587/2017. Por derradeiro, assevera que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a aferição da compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo deve ocorrer no estágio probatório, não se aplicaria ao presente caso, diante da existência de legislação estadual específica sobre a matéria. Ao final, requer o provimento do recurso de apelação, com a reforma integral da sentença e a consequente exclusão do recorrido do certame, postulando, ainda, expressa manifestação sobre todas as teses jurídicas suscitadas, para fins de prequestionamento. A banca examinadora, ora 2ª apelante, por sua vez, também interpôs recurso de apelação cível (mov. 33), onde defende, em síntese, que o edital do certame constitui a norma regente do concurso público, de modo que, ao se inscrever, o candidato teria anuído de maneira expressa e inequívoca a todas as condições nele estabelecidas. Obtempera que a etapa de avaliação médica possui natureza eliminatória, conforme previsão expressa no item 9.4 do edital, sendo conduzida com base em critérios técnicos e objetivos estabelecidos pela junta médica da própria entidade organizadora. Aduz, ainda, que foi constatada no candidato limitação auditiva de 45 decibéis na frequência de 2kHz, quadro clínico este expressamente descrito como causa de inaptidão no item 9.4.10, grupo 2-a, do edital em referência. Ressalta que a exclusão do candidato do certame não constitui ato arbitrário, mas sim medida de segurança e de preservação da eficiência administrativa, compatível com as exigências específicas inerentes ao exercício do cargo de Policial Penal. Argumenta que a atuação do Poder Judiciário, no caso concreto, viola o princípio da separação dos poderes, pois implicaria ingerência indevida no mérito administrativo da decisão técnica proferida pela banca examinadora, circunstância vedada pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes citados e devidamente transcritos nos autos. Por fim, sustenta que o princípio da isonomia impõe que todos os candidatos estejam submetidos às mesmas regras estabelecidas no edital, sendo indevido conferir qualquer tipo de privilégio não expressamente previsto no instrumento convocatório. Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso, com a consequente reforma integral da sentença proferida, a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. 2. DA ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, notadamente de cabimento, legitimidade, tempestividade e preparo, conheço dos recursos de apelação cível. 3. DOS RECURSOS Em proêmio, convém esclarecer que, por questão de técnica processual, serão analisados conjuntamente ambos os apelos, ante a prejudicialidade identificada entre o eventual acolhimento das insurgências apresentadas pelas partes. Assim, por uma questão didática, considerando a interposição de apelo de ambas partes, doravante os litigantes serão denominados como autor e ré. 3.1. Tantum devolutum quantum appellatum Prefacialmente, destaco que a parte, ao recorrer, delimitará os capítulos que pretende sejam reexaminados pelo tribunal, ficando este adstrito àquilo que, voluntariamente, foi impugnado por meio da interposição do apelo (tantum devolutum quantum appellatum). A controvérsia devolvida a este Colegiado restringe-se a examinar a legalidade do ato administrativo que declarou inapto o recorrido, ora autor, para o cargo de Policial Penal, fundamentando-se na suposta incompatibilidade de sua deficiência auditiva com as atribuições do cargo, ato este lastreado em parecer médico genérico e, inclusive, contraditório em relação ao laudo multiprofissional que o havia declarado apto. 4. DO MÉRITO 4.1 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E DA (I)LEGALIDADE DA EXCLUSÃO DO PROCESSO SELETIVO Cumpre ressaltar, de plano, que a Constituição da República de 1988 consagra como princípios basilares da Administração Pública a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput), impondo aos atos administrativos não apenas conformidade com a lei, mas também motivação idônea, clara e suficiente, especialmente quando implique restrição de direitos fundamentais. No caso concreto, verifica-se flagrante violação ao disposto no art. 50, caput e § 1.º, da Lei n.º 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, aplicado subsidiariamente aos entes estaduais por força do princípio da simetria: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: (…)§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. É cediço que a eliminação de candidato com deficiência em concurso público, sob o fundamento de inaptidão funcional, demanda avaliação concreta, individualizada e fundamentada, vedada qualquer conclusão genérica ou hipotética. Portanto, a legislação federal privilegia o princípio da presunção de capacidade laboral, devendo a exclusão ocorrer apenas diante de evidências concretas de impossibilidade de desempenho das funções, o que não restou demonstrado nos autos. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento no sentido de que a exclusão de candidato PcD com base em laudo genérico configura violação aos princípios da razoabilidade e da motivação. Veja-se: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO . EXCLUSÃO DE CANDIDATO PORTADOR DE HEPATITE B. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. RECURSO PROVIDO . 1. A eliminação de candidato em concurso público por inaptidão constatada em exame médico pressupõe fundamentação adequada quanto à incompatibilidade de eventual patologia com as atribuições do cargo público almejado. Precedente: RMS 26.101/RO, Rel . Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 13/10/2009.2 (…) 5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido. (STJ - RMS: 28105 RO 2008/0239587-8, Relator.: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 14/04/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/04/2015) (grifo nosso) DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME MÉDICO . EXCLUSÃO DE CANDIDATO DE FORMA DESMOTIVADA. NÃO-CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1 . É incabível a eliminação de candidato considerado inapto em exame médico em concurso público por motivos de ordens abstrata e genérica, situadas no campo da probabilidade. Impõe-se que o laudo pericial discorra especificamente sobre a incompatibilidade da patologia constatada com as atribuições do cargo público pretendido. 2. Recurso ordinário provido . (STJ - RMS: 26101 RO 2008/0005517-2, Relator.: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 10/09/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 13/10/2009) (grifo nosso) No mesmo sentido, a jurisprudência recente tem reconhecido que a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, por meio de concurso público, deve observar a realização de avaliação quanto à compatibilidade com as atribuições do cargo durante o estágio probatório. Tal exame deve ser conduzido por equipe multiprofissional, assegurando-se as condições necessárias para o pleno exercício das atividades, respeitadas as limitações do candidato. Nesse contexto, destacam-se os seguintes precedentes que dão suporte à tese: CONCURSO PÚBLICO. INAPTIDÃO FÍSICA. VISÃO MONOCULAR. É incabível a eliminação de candidato em concurso público por motivos abstratos e genéricos, motivos hipotéticos recolhidos na órbita da mera possibilidade. Ainda que se trate de eliminação oriunda de conclusão na esfera médica, impõe-se que o laudo técnico se ancore singular e fundadamente em uma incompatibilidade concreta do diagnosticado quadro mórbido com as atribuições do cargo público pretendido (ver, nesse sentido, brevitatis causa, RMS 26.101 -STJ). Não provimento da remessa necessária e do recurso fazendário. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1001671-77.2019.8.26.0292; Relator (a): Ricardo Dip; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Jacareí - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/10/2019; Data de Registro: 30/10/2019) APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE FÍSICO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO NO EXAME MÉDICO. AVALIAÇÃO DE COMPATIBILIDADE ENTRE AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA DO CANDIDATO DEVE OCORRER DURANTE O ESTÁGIO PROBATÓRIO. DECRETO N 3.298/99. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. 1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, onde o impetrante busca ter garantido o seu alegado direito de ingressar como empregado da parte apelada, como pessoa portadora de necessidades especiais, por meio de concurso público, sendo denegada a segurança vindicada pela magistrada primeva, por entender que não foi demonstrado o direito líquido e certo do impetrante, ensejando a interposição do presente recurso. 2. A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso VIII, e a legislação infraconstitucional, pela lei 7.853/89, garantem a participação de deficientes físicos em concursos públicos, adotando, assim, ação afirmativa que visa conferir tratamento prioritário aos portadores de necessidades especiais, trazendo para a Administração a responsabilidade de promover a sua integração social. 3. No caso dos autos, o apelante, que é deficiente visual, inscreveu-se em concurso público, nas vagas asseguradas aos deficientes físicos, para concorrer ao cargo de fiscal de transporte público, sendo aprovado na prova objetiva e na redação. Após, foi submetido a avaliação médica, que concluiu pela incompatibilidade entre as funções a serem desenvolvidas e a sua deficiência visual, sendo excluído da seleção. 4. O exame acerca da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo deve ser realizado por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório, assegurando condições necessárias para que a pessoa com deficiência possa exercer as suas atividades em conformidade com as limitações que apresenta. 5. Por isso, o exame médico admissional que atestou a incompatibilidade do exercício da função pelo recorrente, sem observar os parâmetros estabelecidos no § 1º do art. 43 do Decreto 3.298/99, não atende à determinação legal. 6. Assim, necessário se faz dar provimento ao presente recurso, afastando o óbice apresentado pela impetrada, para assegurar a permanência do impetrante no concurso público, promovido pela Metrobus Transporte Coletivo, sem prejuízo da avaliação quanto à compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo durante o estágio probatório, por meio de equipe multidisciplinar, com amparo no § 2º do art. 43 do Decreto nº 3.298/99. 7. (…) APELO CONHECIDO E PROVIDO. (TJGO, Apelação (CPC) 0004755-39.2010.8.09.0051, Rel. Des(a). FÁBIO CRISTÓVÃO DE CAMPOS FARIA, 3ª Câmara Cível, julgado em 27/05/2020, DJe de 27/05/2020) Por esse motivo, o exame médico que concluiu pela incompatibilidade do apelado para o exercício do cargo, realizado na fase de avaliação multiprofissional, revela-se ilegal, devendo-lhe ser assegurada a continuidade nas demais etapas do concurso. Caso aprovado, a análise sobre a compatibilidade com as funções do cargo deverá ser realizada durante o estágio probatório. Outrossim, durante o estágio probatório, caberá ao recorrente demonstrar sua aptidão para o desempenho das atribuições do cargo, competindo ao órgão empregador avaliar requisitos como assiduidade, disciplina, iniciativa, produtividade e responsabilidade, conforme previsto em lei. Ademais, deve-se ter presente o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que em seus arts. 2.º, 4.º e 37, assegura o direito ao trabalho em igualdade de condições, garantindo adaptações razoáveis e ações afirmativas para a efetividade da inclusão: Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (Vigência) (Vide Decreto nº 11.063, de 2022)I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. § 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide Lei nº 13.846, de 2019) (Vide Lei nº 14.126, de 2021) (Vide Lei nº 14.768, de 2023)§ 3º O exame médico-pericial componente da avaliação biopsicossocial da deficiência de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizado com o uso de tecnologia de telemedicina ou por análise documental conforme situações e requisitos definidos em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.724, de 2023) (…)Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. § 2º A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa. (…)Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho. Parágrafo único. A colocação competitiva da pessoa com deficiência pode ocorrer por meio de trabalho com apoio, observadas as seguintes diretrizes: I - prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior dificuldade de inserção no campo de trabalho; II - provisão de suportes individualizados que atendam a necessidades específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de recursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no ambiente de trabalho; III - respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiência apoiada; IV - oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais; V - realização de avaliações periódicas; VI - articulação intersetorial das políticas públicas; VII - possibilidade de participação de organizações da sociedade civil. Verifica-se, assim, que a fundamentação invocada pela Administração Pública, traduzida em laudo médico genérico e desprovido de análise concreta das atribuições do cargo e das possibilidades de adaptação razoável, fere não apenas a legislação infraconstitucional, mas também o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/88) e o direito fundamental de igualdade substancial. Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva do IBFC, igualmente não prospera. É entendimento pacífico que a entidade organizadora de concurso público, quando responsável por etapas do certame e pela prática de atos administrativos relacionados à seleção, detém responsabilidade solidária pelos eventuais vícios, conforme preceitua a teoria da corresponsabilidade administrativa. A propósito: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE URGÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR NÍVEL III. 1. Legitimidade. Deve ser afastada a arguição referente a ilegitimidade passiva pelo Instituto Americano de Desenvolvimento IADES porquanto consoante item 1.1.1 do edital de abertura do certame, consta claramente que o IADES é pessoa jurídica responsável pela execução do concurso. 2. Tutela de urgência. Requisitos. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do NCPC), estando ausente o primeiro requisito, deve ser indeferida a liminar. 3. Cláusula de barreira. Validade. Segundo precedente do STF (RE 635739/AL), é válida a regra restritiva de edital do concurso público que, fundada em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritórios do candidato, impõe a seleção daqueles mais bem colocados para a fase subsequente, eliminando os demais. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5302875-91.2023.8.09.0051, Rel. Des(a). JERONYMO PEDRO VILLAS BOAS, 6ª Câmara Cível, julgado em 14/08/2023, DJe de 14/08/2023). (grifo nosso) O argumento do Estado de que a manutenção do candidato violaria o princípio da isonomia também não se sustenta. Ao revés, a isonomia deve ser interpretada sob a ótica da igualdade material, princípio estruturante do Estado Democrático de Direito. Assim, garantir ao autor a posse no cargo e o direito de exercer suas funções em condições de igualdade substancial representa não privilégio, mas sim respeito ao princípio da isonomia material e à inclusão social. Em consequência, constata-se que a sentença de primeiro grau, ao reconhecer a nulidade do ato administrativo que declarou a inaptidão do candidato sem motivação adequada, encontra-se em consonância com a Constituição Federal, a legislação de regência e a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, não merecendo qualquer reparo. 5. DOS HONORÁRIOS RECURSAIS Por fim, de acordo com Código de Processo Civil, o “tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” (art. 85, § 11, CPC). Na forma da jurisprudência do STJ, “é devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso” (STJ, AgInt nos EAREsp 762.075/MT, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Rel. p/ acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe de 07/03/2019). Dessa feita, em razão do desprovimento do recurso interposto pela apelante, majoro os honorários advocatícios, fixados na sentença em R$ 3.000,00 (três mil reais), para 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) solidariamente. 6. DISPOSITIVO Ante o exposto, já conhecido o recurso, NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Majoro os honorários advocatícios, fixados na sentença em R$ 3.000,00 (três mil reais), para 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) solidariamente. É como voto. 7. DISPOSIÇÕES FINAIS Anoto, por oportuno e em atenção aos artigos 9º e 10 do CPC, que a oposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios e com o objetivo de rediscussão da matéria ensejará a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC. Com o propósito de garantir o acesso aos Tribunais Superiores, relevante ponderar que nossa legislação consagra o princípio do livre convencimento motivado, dando ao julgador a plena liberdade de analisar as questões trazidas à sua apreciação, desde que fundamentado o seu posicionamento (TJGO. Apelação Cível (CPC) 5424492-28.2017.8.09.005, Rel. Des. REINALDO ALVES FERREIRA, 1ª Câmara Cível, DJ de 02/12/2020). Portanto, evitando-se a oposição de embargos de declaração única e exclusivamente voltados ao prequestionamento, tenho por expressamente prequestionada toda a matéria discutida nos autos. Em sendo manifestamente protelatórios, repita-se, aplicar-se-á a multa prevista no art. 1.026, §§ 2º e 3º, do CPC. Por fim, considerando que às partes é assegurado o direito de se manifestarem nos autos a qualquer tempo, independentemente da instância ou fase processual, determino à Secretaria da 1ª Câmara Cível que, decorrido o prazo para eventual interposição de embargos de declaração, promova a imediata remessa dos autos à instância de origem, com fundamento no art. 4º do Código de Processo Civil, que consagra o princípio da duração razoável do processo, procedendo-se, em seguida, à devida exclusão do feito do acervo deste Relator. (Datado e assinado digitalmente, conforme os artigos 10 e 24 da Resolução n. 59/2016 do TJGO). Desembargador William Costa MelloRelator APELAÇÃO CÍVEL Nº 5070954-30.2025.8.09.0051 1ª CÂMARA CÍVELCOMARCA DE GOIÂNIARELATOR : DESEMBARGADOR WILLIAM COSTA MELLO1º APELANTE : ESTADO DE GOIÁS2º APELANTE : IBFC – INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃOAPELADO : MISAEL MACHADO DE AZEVEDO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível nº. 5070954-30.2025.8.09.0051. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Primeira Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer da Apelação Cível mas negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Desembargadores José Proto de Oliveira e Héber Carlos de Oliveira. A sessão de julgamento foi presidida pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Átila Naves Amaral. Presente à sessão o Doutor Mozart Brum Silva, Procurador de Justiça. (Datado e assinado digitalmente, conforme os artigos 10 e 24 da Resolução n. 59/2016 do TJGO). Desembargador William Costa MelloRelator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear