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"1504747-08.2023.8.26.0229" - Resultados da Busca – Página 11 de 12

Maria Aparecida Scarpatti x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 309212701

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5000197-72.2023.8.08.0030

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

MARIA APARECIDA SCARPATTI

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ELIAS TAVARES

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5000197-72.2023.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: MARIA APARECIDA SCARPATTI REQUERIDO: SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A., FUNDACAO RENOVA, BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) AUTOR: ELIAS TAVARES - ES10705 Advogado do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO MARIA APARECIDA SCARPATTI ajuizou a presente ação de reparação civil por danos materiais e morais em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA, alegando que é pescadora informal desde 2010 e que o rompimento da barragem de Mariana/MG em 2015 inviabilizou sua atividade no Rio Doce e lagoas do município de Linhares/ES, comprometendo sua renda e subsistência. Para reforçar sua alegação, aponta como causa de pedir que a tragédia ambiental a impossibilitou de continuar sua atividade pesqueira, que era sua única fonte de subsistência. A Autora também fundamentou seu pedido na decisão da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte (processo nº 1024973-82.2020.4.01.3800), que criou um portal para acordos simplificados. Ao final, pediu a condenação solidária das Rés ao pagamento de R$420.000,00 a título de lucros cessantes e R$50.000,00 a título de danos morais, além da gratuidade de justiça e a inversão do ônus da prova. A petição inicial foi protocolizada sob ID 20589239, acompanhada de diversos documentos comprobatórios, dentre os quais se destacam: declaração de atividade pesqueira (ID 20589250), parecer técnico de avaliação de impacto (ID 20589252), comprovantes de residência anteriores ao desastre (IDs 20589246, 20589247, 20589248) e declaração de testemunhas (ID 20589251), além de documentos pessoais e autorizações diversas. A FUNDAÇÃO RENOVA apresentou contestação sob ID 36068655, arguindo, em síntese, sua ilegitimidade passiva, por atuar apenas como gestora do Programa de Indenização Mediada (PIM), e afirmando que a autora não comprovou tentativa válida de adesão ao referido programa. Além disso, contestou os danos alegados e a ausência de comprovação da atividade pesqueira. A VALE S.A. protocolou sua contestação aos 08/01/2024, sob ID 36068655, sustentando ilegitimidade passiva, ausência de nexo causal direto e inexistência de provas robustas que justifiquem a condenação, destacando seu papel de acionista indireta da Samarco, sem responsabilidade operacional direta. A BHP BILLITON BRASIL LTDA. apresentou defesa em 27/11/2023, sob ID 34523268, também sustentando ilegitimidade passiva e a ausência de provas efetivas dos prejuízos alegados pela autora, impugnando os valores pleiteados e requerendo, subsidiariamente, a produção de provas. Por sua vez, a SAMARCO MINERAÇÃO S.A., ré direta e operadora da barragem, apresentou contestação em 21/02/2024, sob ID 38344744, alegando que a autora não comprovou vínculo de habitualidade com a atividade pesqueira, nem demonstrou exclusividade de renda decorrente da pesca. Requereu a improcedência dos pedidos. Na decisão de ID 40018633, o juízo rejeitou todas as preliminares das rés, reconheceu a legitimidade da autora para pleitear indenização pelos danos alegados decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, declarou o feito saneado, fixou os pontos controvertidos (inclusive responsabilidade e nexo causal) e deferiu a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED para apuração de dados laborais da autora, intimando as partes para especificação de provas. Em atendimento à decisão de saneamento (ID 40018633), que facultou às partes a especificação de provas, MARIA APARECIDA SCARPATTI apresentou requerimento para produção de prova oral (ID 46544242), indicando duas testemunhas – Josiane da Silva Brito e Jéssica Barbosa Santos – com a finalidade de comprovar o exercício de atividade pesqueira até o rompimento da barragem de Fundão, fato central de sua demanda indenizatória. Por sua vez, a FUNDAÇÃO RENOVA, em manifestação tempestiva (ID 46238249), declarou desinteresse na produção de novas provas, afirmando que os elementos já constantes dos autos são suficientes para julgamento da causa e reiterando os termos de sua contestação. Posteriormente, a autora protocolizou pedido de suspensão do processo (ID 55424258), argumentando a existência de tratativas para adesão ao novo modelo de reparação administrativa estabelecido no Acordo de Repactuação homologado pelo STF, e fundamentando o pedido no art. 313, V, "a", do CPC. A SAMARCO, em resposta (ID 66370978), impugnou o pedido, sustentando que a existência de um Programa Indenizatório Definitivo (PID) não garante reparação automática, sendo indispensável a demonstração de elegibilidade conforme critérios do acordo. Alegou ainda que o pedido apenas postergaria indevidamente a resolução da lide. A BHP BILLITON BRASIL LTDA., em sua manifestação (ID 67393677), reforçou que a adesão ao programa é facultativa, e que o pedido de suspensão não encontra amparo legal, podendo violar os princípios da celeridade e economia processual. A VALE S.A. manifestou-se em igual sentido (ID 67347460), enfatizando que o PID prevê valor fixo de R$ 35.000,00 e critérios objetivos, sendo a via judicial distinta e não sujeita à suspensão em razão da simples existência do acordo. Requereu o indeferimento da suspensão e o prosseguimento do feito. É o que havia a relatar. Passo a decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO O objeto da presente ação consiste em apurar a responsabilidade civil das rés – SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA – por supostos danos materiais e morais sofridos pela autora MARIA APARECIDA SCARPATTI em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, no município de Mariana/MG. Alega a autora que exercia a atividade de pesca artesanal de forma informal desde 2010, tendo sua atividade totalmente inviabilizada após o desastre, o que teria afetado sua subsistência de forma direta e permanente. A controvérsia gira em torno de três pontos fundamentais: (a) a existência de nexo causal entre o rompimento da barragem e os danos alegados; (b) a configuração dos danos materiais e morais; e (c) a responsabilidade civil solidária das rés. II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). As partes foram devidamente intimadas para especificação de provas, conforme determinado na decisão de saneamento (ID 40018633), tendo a parte autora indicado a produção de prova oral, enquanto a Fundação Renova declarou desinteresse na produção de novas provas. Contudo, verifica-se que os elementos probatórios apresentados — incluindo documentos pessoais, declarações, parecer técnico e demais provas juntadas à inicial — permitem a análise do mérito da demanda, não havendo necessidade de dilação probatória adicional. Além disso, a matéria em discussão é predominantemente de direito e os fatos relevantes encontram-se suficientemente delineados, o que autoriza o julgamento imediato da causa, assegurando a celeridade e a economia processual. II.2 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.3 – DA CONDIÇÃO DE ATINGIDA E DA AUSÊNCIA DE PROVA DOS DANOS A autora fundamenta sua pretensão indenizatória na alegação de que exercia a atividade de pesca artesanal, de forma informal, nas águas do Rio Doce e das lagoas situadas no município de Linhares/ES, até que o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, inviabilizou completamente sua principal fonte de sustento. No entanto, a análise dos autos revela ausência de prova mínima da efetiva condição de pescadora à época do desastre, bem como da ocorrência concreta dos danos materiais e morais alegadamente sofridos. Ainda que se reconheça a gravidade do evento ocorrido em Mariana/MG e seus amplos impactos ambientais e sociais, é imprescindível distinguir o dano presumido do dano concreto, sobretudo quando se busca compensação financeira de caráter individual. O reconhecimento do direito à reparação exige, como premissa inafastável, a demonstração do nexo de causalidade entre o evento danoso e o prejuízo efetivamente sofrido pela parte autora, bem como a existência do próprio dano. Nesse sentido, conforme consolidado pela jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido.” (TJES – Apelação Cível n.º 5005123-16.2021.8.08.0047, j. 21/09/2023, Rel. Des. ROBSON LUIZ ALBANEZ) No caso concreto, a parte autora não apresentou qualquer documento oficial ou indício material minimamente idôneo que comprove o exercício habitual da pesca artesanal como meio de subsistência. Não há nos autos registro em colônia de pescadores, certidão da entidade representativa, protocolo de seguro-defeso, nota fiscal de comercialização, laudo socioeconômico, cadastro técnico ou qualquer outro elemento documental que indique vínculo com a atividade pesqueira de modo minimamente continuado. A única prova pretendida consiste em declarações unilaterais e a futura oitiva de testemunhas, o que, isoladamente, não supre a exigência de prova documental, como tem sido reiteradamente decidido pelas Cortes. Conforme outro precedente do TJES: “Não há como considerar que as declarações unilaterais colacionadas aos autos sejam capazes de configurar o apelante na condição de pescador, notadamente pela ausência de outras provas para corroborar as alegações.” (TJES – Apelação Cível n.º 5002246-08.2021.8.08.0014, j. 24/11/2022, Rel. Des. EWERTON SCHWAB PINTO JUNIOR) Esse entendimento é reforçado pela aplicação analógica da sistemática probatória adotada nas ações previdenciárias, especialmente no que se refere ao reconhecimento de tempo de serviço rural. Nessas hipóteses, a jurisprudência exige que a prova testemunhal seja complementar e confirmatória da prova material pré-constituída, jamais substitutiva. Essa diretriz é compatível com a boa técnica judicial de valoração da prova e com o art. 373, I, do CPC, que atribui à parte autora o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. No tocante aos alegados danos morais, igualmente inexiste qualquer documento ou elemento técnico que comprove sofrimento psíquico, perturbação à vida privada ou qualquer abalo à dignidade da autora. A jurisprudência somente admite o reconhecimento do dano moral in re ipsa em situações em que o dano é presumido pela natureza do fato – o que não se verifica no caso concreto, dada a inexistência de prova do fato gerador direto e pessoal do dano. Diante de todo o exposto, a ausência de prova mínima da condição de atingida e da existência de danos efetivos, materiais ou morais, compromete de forma incontornável a pretensão autoral, tornando inviável o acolhimento do pedido indenizatório. II.4 – DA INSUFICIÊNCIA DA PROVA ORAL No presente caso, observa-se que a parte autora não se desincumbiu do ônus de comprovar, de forma satisfatória, a efetiva prática da atividade econômica que alega ter sido impactada pelo rompimento da barragem de Fundão, tampouco os prejuízos materiais e morais daí decorrentes. A prova oral, por si só, não possui força autônoma suficiente para suprir a ausência de elementos documentais mínimos que corroborem o exercício da atividade laboral invocada. A autora limitou-se a apresentar declaração pessoal e indicou duas testemunhas para futura oitiva, com a finalidade de atestar o alegado exercício da pesca artesanal. No entanto, inexiste nos autos qualquer prova material contemporânea aos fatos que evidencie sua atuação como pescadora, como, por exemplo, registro em colônia de pescadores, carteira de pescador, comprovantes de comercialização de pescado, recibos, protocolos administrativos ou mesmo laudos de impacto individualizados. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo é firme ao exigir a conjugação de prova oral e documental, especialmente em demandas que versam sobre danos ambientais com reflexos patrimoniais individuais. Conforme elucidado em precedente recente: “Apesar de ser incontestável o dano ambiental e os prejuízos causados aos pescadores [...], o ressarcimento pretendido [...] demanda escorreita comprovação de que exercia a atividade pesqueira à época do desastre ambiental e que teve a sua subsistência prejudicada por ele, a fim de justificar o recebimento de indenização [...] Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações.” (TJES – Apelação Cível n.º 5003559-31.2023.8.08.0047, j. 18/12/2024, Rel. Des. ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA) Neste julgado, fica claro que a ausência de documentação mínima inviabiliza o reconhecimento do direito à reparação, mesmo diante de prova testemunhal. A ratio decidendi assenta-se na exigência de demonstração concreta do dano e do nexo causal, o que não se presume indiscriminadamente, mesmo em contextos de desastre ambiental. No caso em análise, sequer há indícios mínimos da afetação direta e pessoal da autora. Não se comprova que a autora atuava profissionalmente na pesca em áreas impactadas pelo desastre, tampouco que sua subsistência dependia desta atividade. A inexistência de qualquer vínculo formal ou material com a atividade alegada conduz, de forma inevitável, à conclusão de que a prova oral indicada não possui aptidão probatória suficiente para respaldar a tese de prejuízo indenizável. Assim, em conformidade com a orientação jurisprudencial consolidada e os princípios que regem a distribuição dinâmica do ônus da prova, reconhece-se a insuficiência da prova oral para comprovar o fato constitutivo do direito invocado, o que obsta o acolhimento da pretensão indenizatória deduzida nos autos. II.5 – DOS PROGRAMAS ADMINISTRATIVOS E DO PEDIDO DE SUSPENSÃO A autora requereu a suspensão do processo com fundamento no art. 313, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil (ID 55424258), sob o argumento de que há possibilidade de reparação extrajudicial por meio dos programas indenizatórios previstos no Acordo de Repactuação, homologado pelo Supremo Tribunal Federal em novembro de 2024. Alega que a suspensão seria medida adequada à luz dos princípios da economia processual e da razoável duração do processo, até que houvesse conclusão das tratativas na via administrativa. O pedido, contudo, não merece acolhimento. Conforme manifestação das rés nos autos, notadamente SAMARCO MINERAÇÃO S.A. (ID 66370978), VALE S.A. (ID 67347460) e BHP BILLITON BRASIL LTDA. (ID 67393677), o Programa Indenizatório Definitivo (PID) e os demais mecanismos previstos no Acordo de Repactuação possuem natureza facultativa, caráter extrajudicial e autonomia em relação ao trâmite das ações judiciais. A adesão a tais programas exige o preenchimento de critérios objetivos de elegibilidade e, uma vez celebrado acordo, a parte aderente deve renunciar às pretensões já ajuizadas. Nesse contexto, a simples existência de tratativas ou a eventual possibilidade de adesão a um programa administrativo não constitui causa legal de suspensão automática da demanda judicial, especialmente quando a parte não demonstra nos autos qualquer diligência concreta no sentido de efetivar sua habilitação no sistema indenizatório. Ademais, a suspensão processual pressupõe motivo justificado e vinculado à efetiva necessidade de aguardar desdobramento relevante que afete diretamente o mérito da causa, o que não se verifica no presente caso. A autora não demonstrou preenchimento dos critérios exigidos no PID e tampouco provou estar inserida nas categorias previstas como beneficiárias prioritárias do acordo (pescadores profissionais com registros, agricultores familiares, etc.). Portanto, diante da ausência de prova de adesão ou mesmo de tentativa efetiva de habilitação nos sistemas extrajudiciais e considerando o caráter alternativo e facultativo desses programas, o pedido de suspensão processual revela-se improcedente e incompatível com os princípios da celeridade e da duração razoável do processo, devendo ser indeferido para permitir o regular andamento do feito e julgamento de mérito. II.6 – DA INAPLICABILIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELA JUSTIÇA FEDERAL A autora faz referência, como fundamento jurídico de sua pretensão, à decisão proferida pela 12ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais no âmbito do processo nº 1024973-82.2020.4.01.3800, que teria instituído mecanismos administrativos para reparação simplificada de danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, inclusive com a criação de plataformas extrajudiciais de acordos. Contudo, tal fundamento não possui força vinculante perante esta jurisdição estadual, tampouco substitui o ônus probatório exigido para a procedência do pedido na presente demanda. A decisão federal mencionada refere-se à homologação judicial de acordos celebrados entre as empresas rés, o Ministério Público, a Defensoria Pública e entes da federação, com objetivo de estabelecer critérios e fluxos procedimentais para adesão voluntária a programas indenizatórios extrajudiciais. Trata-se, portanto, de mecanismo de natureza administrativa, cuja adesão é facultativa e alternativa à via judicial, conforme expressamente previsto no próprio texto do Acordo de Repactuação. Não se trata de decisão com eficácia erga omnes ou com caráter normativo, tampouco de sentença coletiva que estenda automaticamente efeitos a todos os atingidos. Pelo contrário, conforme consolidado na jurisprudência, decisões proferidas no bojo de ações coletivas ou acordos homologados na esfera federal têm aplicabilidade restrita aos limites subjetivos e objetivos definidos no próprio instrumento ou sentença, não dispensando a parte autora, na via individual, do cumprimento dos requisitos legais, especialmente o ônus da prova previsto no art. 373, I, do CPC. Em outras palavras, o reconhecimento da condição de atingido e o consequente direito à indenização no âmbito da Justiça Estadual exige a demonstração concreta dos fatos constitutivos do direito alegado, notadamente a comprovação da atividade exercida, do vínculo com a área atingida e do efetivo prejuízo experimentado. Assim, a invocação genérica de decisão da Justiça Federal não tem o condão de suprir a ausência de prova nos autos, tampouco serve de presunção de direito à reparação judicial. A vinculação a tais decisões exige adesão formal e expressa, mediante cumprimento dos critérios fixados nos respectivos programas indenizatórios, o que, conforme demonstrado, não foi realizado pela parte autora. Portanto, as decisões federais apontadas pela autora não possuem efeito vinculante nesta demanda individual e, por si sós, não autorizam o reconhecimento do direito à indenização, sendo imprescindível a comprovação autônoma e documental do direito invocado no presente processo. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por MARIA APARECIDA SCARPATTI em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA, uma vez que não restaram comprovadas a condição de atingida, a existência de danos materiais ou morais efetivos, tampouco o nexo de causalidade entre o rompimento da barragem de Fundão e o prejuízo alegado pela autora. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil. Todavia, tendo sido deferido à autora o benefício da justiça gratuita, a exigibilidade de tais verbas ficará suspensa, conforme o disposto no art. 98, § 3º, do CPC. No cálculo, deverão ser observadas as atualizações e orientações constantes dos índices da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo (CGJ/ES). Ficam as partes advertidas de que eventual oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais, ou com propósito meramente infringente, poderá ensejar aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, com as anotações e comunicações de praxe. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Dione Soares Campos x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 309212759

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5007947-62.2022.8.08.0030

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

DIONE SOARES CAMPOS

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A.

Sentença

Advogados:

CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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ROBERTO CARLOS DE FREITAS

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5007947-62.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: DIONE SOARES CAMPOS REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) REQUERENTE: ROBERTO CARLOS DE FREITAS - ES28678 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 SENTENÇA I - RELATÓRIO DIONE SOARES CAMPOS ajuizou, em 26 de julho de 2022, ação de indenização por danos materiais e morais, com pedido de justiça gratuita, em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e BHP BILLITON BRASIL LTDA., alegando que exercia atividade de pescador informal/artesanal/de fato no Rio Doce entre os anos de 2010 e 2015. Sustenta que, em razão do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em Mariana/MG em 05 de novembro de 2015, sua principal fonte de sustento foi comprometida. Afirma que a contaminação do rio inviabilizou a atividade pesqueira, causando-lhe prejuízos materiais e morais, motivo pelo qual postula a condenação das requeridas ao pagamento de R$ 94.585,00 a título de indenização. A petição inicial foi cadastrada sob ID 16288423, acompanhada de documentos pessoais (IDs 16288449, 16288445, 16288447), declaração de hipossuficiência (ID 16288803) e declaração de rendimentos (IDs 16288809, 16288812). Por meio de despacho proferido em 29/06/2023 (ID 27212616), o juízo deferiu o benefício da justiça gratuita e determinou a citação das rés, com orientação expressa para que as partes especificassem as provas pretendidas na contestação e réplica, sob pena de preclusão. A certidão de juntada do aviso de recebimento encontra-se sob IDs 22133999 e 22134758. A requerida FUNDAÇÃO RENOVA apresentou contestação (ID 32617746), na qual arguiu ausência de legitimidade ativa e de provas do exercício da atividade pesqueira, apontando que o autor apenas procurou a Fundação tardiamente, em 2021, e que não está vinculado a qualquer programa de reparação extrajudicial. No mérito, negou o nexo causal e impugnou os pedidos indenizatórios, requerendo a improcedência da demanda. A requerida BHP BILLITON BRASIL LTDA. contestou (ID 34423181), sustentando, em preliminar, a prescrição trienal da pretensão, bem como sua ilegitimidade passiva, por não operar a barragem de Fundão nem exercer atividade minerária na região afetada, sendo mera acionista da SAMARCO. No mérito, alegou ausência de comprovação da atividade econômica e da existência de dano indenizável, além de rechaçar a incidência do Código de Defesa do Consumidor. A requerida SAMARCO MINERAÇÃO S.A. também apresentou contestação (ID 34974731), arguindo ilegitimidade passiva, inépcia da inicial e ausência de prova do dano. Requereu a extinção do processo sem resolução de mérito ou, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos. Em 24/03/2025, foi proferida decisão de saneamento (ID 65554149), na qual o juízo rejeitou todas as preliminares suscitadas, inclusive a de prescrição, com base em renúncia expressa consignada em documentos firmados pelas rés perante o poder público. Foram fixados como pontos controvertidos: (i) a comprovação da atividade pesqueira e da renda complementar; (ii) a responsabilidade das rés; e (iii) o acesso ao cadastro integral e aos sistemas de indenização. A distribuição do ônus da prova seguiu o art. 373, I e II, do CPC. As partes foram intimadas para indicar as provas pretendidas. Em cumprimento à determinação judicial, a SAMARCO (ID 65915229) e a BHP (ID 67385937) requereram a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED para obtenção de dados funcionais e previdenciários do autor, visando demonstrar eventual exercício de outra atividade laboral ou percepção de benefícios incompatíveis com a alegação de dependência exclusiva da pesca. A FUNDAÇÃO RENOVA também apresentou manifestação (ID 66863027), reiterando argumentos da contestação e alegando ausência de documentos que comprovem a regularidade da atividade pesqueira. A FUNDAÇÃO RENOVA opôs embargos de declaração (ID 66863010), apontando omissão da decisão saneadora quanto à análise da preliminar de ilegitimidade ativa por ela suscitada na contestação. Requereu o suprimento da omissão, com pronunciamento explícito sobre a matéria. Paralelamente, a SAMARCO interpôs Agravo de Instrumento (ID 67304711), contra a decisão que rejeitou a prescrição, sob o argumento de que o prazo trienal já estaria consumado mesmo se considerada eventual interrupção decorrente de termos firmados em 2018. A pretensão foi de concessão de efeito suspensivo à decisão agravada. O recurso foi distribuído à 4ª Câmara Cível do TJES, sob relatoria do Des. ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA. Em decisão de 09/06/2025 (ID 14082784 – constante do malote digital ID 70819322), foi indeferido o pedido de efeito suspensivo, por ausência de demonstração do periculum in mora, sendo o agravo recebido apenas no efeito devolutivo. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO O ponto central da controvérsia consiste em averiguar se o autor DIONE SOARES CAMPOS demonstrou, por meio de elementos probatórios suficientes, o exercício da atividade de pesca informal com fins econômicos no Rio Doce, bem como se houve efetivo prejuízo decorrente do rompimento da barragem de Fundão, ensejando responsabilidade civil por parte das rés. De igual modo, deve-se analisar se a pretensão indenizatória encontra-se ou não fulminada pela prescrição. II.1 - DA PRESCRIÇÃO Inicialmente, afasta-se a alegação de prescrição da pretensão indenizatória. A decisão saneadora (ID 65554149) expressamente reconheceu a renúncia válida e eficaz à prescrição pelas rés, consubstanciada em documentos celebrados no âmbito dos compromissos públicos firmados com o Ministério Público e demais órgãos (TTAC, TAC GOV e aditivos), conforme reconhecido também pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que indeferiu pedido de efeito suspensivo no Agravo de Instrumento nº 5005634-19.2025.8.08.0000, justamente por ausência de periculum in mora e em razão da plausibilidade da fundamentação da decisão de origem. A jurisprudência pátria admite, com base no art. 191 do Código Civil, a renúncia à prescrição já consumada, sendo válida a renúncia expressa à prescrição ainda não consumada, quando manifestada por ato inequívoco, inclusive em documento público vinculado à reparação coletiva. Portanto, a rejeição da prejudicial de prescrição se mostra adequada e juridicamente fundada. II.2 - DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO (ID 66863010) A FUNDAÇÃO RENOVA opôs embargos de declaração em face da decisão saneadora (ID 65554149), alegando omissão quanto à análise de preliminar de ilegitimidade ativa suscitada em sua contestação (ID 32617746), no tocante à suposta impossibilidade jurídica de a parte autora pleitear indenização por danos ambientais individuais, os quais, segundo a embargante, somente poderiam ser reclamados por meio de ação coletiva ajuizada pelos legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85. Contudo, os embargos não merecem acolhimento. Nos termos do art. 1.022, II, do CPC, os embargos de declaração são cabíveis para suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual o juiz deveria se pronunciar de ofício ou a requerimento da parte. No caso concreto, a decisão saneadora enfrentou a questão de forma implícita e suficiente, ao rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa com base na possibilidade de cumulação de danos morais individuais com danos materiais, ambos decorrentes de fatos oriundos de evento ambiental, o que está claramente consignado no item 2.3 da decisão (ID 65554149). O raciocínio do juízo foi no sentido de que, embora o desastre de Mariana envolva dimensão coletiva, seus efeitos podem se manifestar individualmente, como alegado no caso em tela, sendo possível a reparação autônoma por ação individual, desde que observados os requisitos legais — em especial, a comprovação de dano concreto e nexo causal. A jurisprudência dominante admite essa possibilidade, inclusive para pescadores informais ou pequenos agricultores, desde que comprovada a repercussão direta do fato lesivo em sua esfera pessoal ou patrimonial, o que não significa reconhecimento automático do direito, mas apenas possibilidade processual de demandar. Logo, não há omissão na decisão, mas apenas discordância da embargante quanto ao entendimento adotado, o que não enseja embargos declaratórios, conforme pacífico entendimento jurisprudencial. Por fim, quanto ao pedido de regularização do nome do patrono para fins de intimação, formulado na mesma peça, verifica-se que já consta nos autos requerimento anterior com igual teor, o qual foi deferido tacitamente por meio do sistema eletrônico. Nada impede, contudo, que se proceda à atualização formal do cadastro no SAJ-PJe, o que será determinado nos despachos subsequentes. Diante do exposto, rejeitam-se os embargos de declaração, por inexistência de vício de omissão, obscuridade ou contradição. II.3 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo. Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No caso concreto, observa-se que o autor foi expressamente intimado, por meio da decisão saneadora (ID 65554149), a indicar as provas que pretendia produzir, tendo permanecido inerte, sem apresentar qualquer requerimento específico, tampouco justificação de pertinência probatória. A omissão em se manifestar, aliada à ausência de início de prova documental quanto ao exercício da atividade pesqueira e à dependência econômica dessa prática, autoriza o julgamento antecipado da lide, conforme art. 355, I, do CPC. O conjunto dos autos demonstra que o autor limitou-se a apresentar alegações genéricas, não amparadas por documentação mínima que indique sua qualificação como pescador informal, sua residência em área impactada ou a existência de qualquer prejuízo concreto. Diante desse cenário, e da desnecessidade de dilação probatória para formação do convencimento judicial, impõe-se o julgamento antecipado do mérito. II.4 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.5 – DA ATIVIDADE PESQUEIRA E DO ÔNUS DA PROVA No mérito, verifica-se que a parte autora não produziu qualquer prova documental mínima apta a demonstrar o efetivo exercício de atividade pesqueira no Rio Doce à época do rompimento da barragem, tampouco comprovou dependência econômica dessa suposta ocupação. A única peça constante dos autos que sugere o exercício da atividade — uma autodeclaração acostada sob ID 16288809 — não possui qualquer valor probatório autônomo e não é acompanhada de documentos oficiais, tais como Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), inscrição no Cadastro Técnico Federal (CTF/IBAMA), registro em colônia ou associação de pescadores, tampouco há comprovantes de comercialização de pescado, recibos, notas fiscais ou movimentação bancária condizente. A jurisprudência é clara no sentido de que a ausência de elementos mínimos inviabiliza a procedência do pedido. No caso paradigmático do TJES, entendeu-se que: “O recorrente alega que devido ao acidente ambiental causado pelas apeladas se viu privado de complementar a sua renda a partir da pesca. [...] Entretanto, não junta nenhuma prova cabal nos autos que ateste o efetivo exercício da atividade econômica (pescador informal) em local afetado pela lama de minério, tampouco o valor eventual ou periódico proporcionado por tal atividade” (TJES, Apelação Cível nº 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza). Na mesma linha: “A responsabilidade por dano ambiental exige a demonstração concreta do dano e do nexo causal [...] A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial [...]. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações” (TJ-ES, Apelação Cível nº 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira). Portanto, a produção exclusiva de prova oral, desacompanhada de qualquer elemento material, não supre o ônus probatório. Essa linha é reforçada por analogia à jurisprudência previdenciária consolidada (aposentadoria rural), segundo a qual a prova testemunhal serve apenas para corroborar e não substituir a documental. Cumpre lembrar que, segundo o art. 373, inciso I, do CPC, cabe à parte autora o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. A omissão na fase de especificação de provas (conforme certidão de inércia e ausência de pedido de oitiva) reforça a conclusão de que não se desincumbiu de seu ônus processual. Em linha com a jurisprudência dominante, destaca-se ainda: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido. [...] É imprescindível que esteja demonstrada a atividade pesqueira realizada ao longo do tempo, mormente quando do acidente” (TJES, Apelação Cível nº 5005123-16.2021.8.08.0047, Rel. Des. Robson Luiz Albanez). Assim, a ausência de qualquer início de prova material inviabiliza o reconhecimento da condição de pescador informal com fins comerciais e, por consequência, esvazia a narrativa de prejuízo decorrente do rompimento da barragem. II.6 – DO DANO MATERIAL E DO DANO MORAL Quanto ao dano material, a parte autora não apresentou qualquer prova da perda de receita ou de interrupção de sua suposta atividade pesqueira. Não há planilhas, cálculos, estimativas ou laudos que evidenciem lucros cessantes ou danos emergentes. Requereu, contudo, indenização no importe de R$ 84.585,00 por lucros cessantes e R$ 10.000,00 por danos morais — valores incompatíveis com a ausência total de substrato probatório. Segundo entendimento consolidado do STJ: “A indenização por lucros cessantes não é admitida sem sua efetiva comprovação, devendo ser rejeitados os lucros presumidos ou hipotéticos, dissociados da realidade efetivamente comprovada” (AgInt no AREsp 1730936/SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 18/03/2021). No tocante ao dano moral, é igualmente inaplicável sua configuração in re ipsa no presente caso. A jurisprudência tem afastado a presunção de sofrimento moral quando ausente prova de abalo à dignidade ou ofensa à personalidade individualizada, conforme esclarece: “A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear em danos sofridos pela coletividade” (TJES, Apelação Cível nº 0006097-63.2019.8.08.0030, Rel. Janete Vargas Simões). Acrescente-se que a mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce ou de alegar informalmente a perda de meio de subsistência não configura por si só dano moral indenizável, conforme sedimentado pelo TJMG: “O dano moral indenizável exige a violação de direitos da personalidade ou sofrimento intenso e profundo, não sendo suficiente a degradação ambiental de uso coletivo para sua caracterização” (TJES, Apelação Cível nº 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Robson Luiz Albanez). II.7 – DA INAPLICABILIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELA JUSTIÇA FEDERAL NO ÂMBITO DO SISTEMA INDENIZATÓRIO SIMPLIFICADO (NOVEL) A parte autora, em sua petição inicial (ID 16288423), fundamenta seus pedidos, ao menos em parte, em decisões proferidas pela Justiça Federal de Minas Gerais, notadamente pela 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais (atualmente 4ª Vara Federal Cível da SJMG), as quais deram origem à implementação do Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL), administrado pela Fundação Renova. Argumenta que os valores estabelecidos no âmbito desse sistema serviriam como parâmetro para a indenização postulada judicialmente, inclusive em juízo estadual. Contudo, tais decisões possuem eficácia limitada ao âmbito extrajudicial e coletivo em que foram proferidas, não sendo automaticamente extensíveis a ações judiciais individuais, como é o caso dos autos. O próprio juízo federal que proferiu as sentenças e decisões no bojo da Ação Civil Pública de origem delimitou, de forma clara e reiterada, que os critérios e parâmetros ali definidos aplicam-se exclusivamente aos requerimentos submetidos aos sistemas reparatórios extrajudiciais administrados pela Fundação Renova, a saber, o Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Sistema NOVEL, não vinculando o magistrado estadual na análise de pedidos individualizados. Portanto, não se pode presumir que os critérios fixados na via coletiva administrativa substituam a obrigação da parte autora de cumprir integralmente o ônus probatório previsto no art. 373, I, do CPC, no âmbito de sua ação individual. O que se reconhece, com efeito, é que os sistemas administrados pela Fundação Renova podem servir como meios céleres de reparação, mas não equivalem a títulos judiciais aptos a ensejar condenação automática ou padronizada em juízo, especialmente na ausência de comprovação dos requisitos individualizados (atividade impactada, nexo causal e dano). Ademais, a parte autora sequer comprovou ter aderido ou tentado aderir validamente ao sistema NOVEL ou ao PIM, tampouco juntou qualquer laudo ou decisão administrativa indeferitória que pudesse ensejar, em tese, a discussão judicial de eventual negativa arbitrária. Limitou-se a invocar os valores fixados judicialmente na esfera federal como se tivessem efeito vinculante universal e automático, o que não procede. Dessa forma, rejeita-se a pretensão de aplicação dos parâmetros do Sistema Indenizatório Simplificado da Justiça Federal ao presente feito, devendo a pretensão indenizatória ser analisada nos moldes da responsabilidade civil tradicional, com observância dos pressupostos legais e processuais, especialmente quanto ao ônus da prova e à demonstração do prejuízo concreto alegado. II.8 – CONCLUSÃO DA FUNDAMENTAÇÃO À luz do que se extrai dos autos, a pretensão indenizatória formulada pela parte autora não encontra amparo probatório mínimo necessário à sua procedência. Embora seja pública e notória a gravidade do rompimento da barragem de Fundão e seus efeitos socioambientais, o ordenamento jurídico brasileiro exige, para fins de responsabilização civil, a demonstração individualizada do dano, do nexo causal e da condição de vulnerabilidade direta da parte supostamente atingida. No presente caso, a parte autora permaneceu inerte quanto à especificação de provas, mesmo tendo sido oportunamente intimada para tanto (ID 65554149), e não apresentou qualquer documento idôneo que comprove o exercício habitual da atividade de pescador com finalidade econômica no Rio Doce, tampouco que demonstre prejuízo patrimonial ou moral diretamente decorrente do desastre ambiental. O conjunto documental é escasso e se limita a declarações unilaterais, sem lastro em registros oficiais, vínculos associativos, notas fiscais, comprovantes de renda, ou mesmo laudos técnicos, o que torna impossível o reconhecimento judicial do direito pretendido. Como bem assentado pela jurisprudência dos tribunais estaduais, especialmente do TJES, “a ausência de elementos probatórios mínimos inviabiliza o acolhimento do pedido, sendo insuficiente a mera alegação dissociada de provas concretas” (TJES, Apelação Cível nº 5002246-08.2021.8.08.0014, Rel. Des. Ewerton Schwab Pinto Júnior). Ademais, as decisões proferidas pela Justiça Federal, particularmente no âmbito do Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL), têm eficácia circunscrita ao contexto extrajudicial ali tratado e não se aplicam de forma automática às demandas individuais movidas perante a Justiça Estadual, sendo imprescindível a produção probatória adequada, o que também não foi observado. Com base no exame técnico, jurídico e probatório dos autos, fica evidenciado que a parte autora não se desincumbiu do ônus que lhe competia, razão pela qual a improcedência dos pedidos é medida que se impõe. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por DIONE SOARES CAMPOS em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e BHP BILLITON BRASIL LTDA. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do CPC. Contudo, considerando que foi concedido o benefício da justiça gratuita (ID 27212616), a exigibilidade de tais verbas ficará suspensa nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC, enquanto perdurar a situação de hipossuficiência. Advirto que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com intuito meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Iago Goncalves Zabin e outros x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 312121942

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5003311-19.2023.8.08.0030

Data de Disponibilização: 01/07/2025

Polo Ativo:

IAGO GONCALVES ZABIN I. G. Z. REGIANE GONCALVES DIAS

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

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RICARDO LOPES GODOY

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RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR

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VITOR PALHEIROS VIANA

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CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR

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VITOR PALHEIROS VIANA

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CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR

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VITOR PALHEIROS VIANA

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5003311-19.2023.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: REGIANE GONCALVES DIAS, IAGO GONCALVES ZABIN, I. G. Z. REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogados do(a) REQUERENTE: CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR - ES14277, VITOR PALHEIROS VIANA - ES32005 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogados do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288, RICARDO LOPES GODOY - MG77167 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO REGIANE GONÇALVES DIAS, em nome próprio e representando os menores IAGO GONÇALVES ZABIN SANTOS DA COSTA e IASMIN GONÇALVES ZABIN, propôs ação de indenização por danos morais, com pedido de justiça gratuita, em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA (em extinção), todos devidamente qualificados nos autos, alegando que, em razão do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, na cidade de Mariana/MG, teve sua vida pessoal e familiar afetada, como moradora do município de Linhares/ES. A parte autora sustenta que sofreu danos existenciais e morais em decorrência do impacto ambiental e social do desastre, notadamente a privação do uso recreativo e espiritual do Rio Doce, impossibilidade de consumo dos recursos naturais (água e peixes), medo de contaminação e comprometimento do lazer e da saúde familiar. Alega que, apesar da existência de programas extrajudiciais de reparação, não teve acesso adequado aos mecanismos compensatórios da Fundação Renova, motivo pelo qual ajuizou a presente ação. Na petição inicial protocolada sob ID 23372888, requereu: (i) a condenação solidária das rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada autor, decorrente da privação do abastecimento de água; (ii) indenização por danos morais existenciais no valor de R$ 30.520,00 (trinta mil, quinhentos e vinte reais) para cada autor, decorrente da privação de lazer e convívio comunitário com o Rio Doce; (iii) a concessão da justiça gratuita; (iv) a inversão do ônus da prova; e (v) condenação das rés ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Atribuiu-se à causa o valor de R$ 211.560,00. Juntou documentos pessoais, certidões dos filhos, comprovantes de residência e decisões análogas em ações semelhantes (IDs 23373354 a 23373378). A gratuidade da justiça foi deferida no ID 23386477. Citadas, as rés apresentaram contestações: A FUNDAÇÃO RENOVA, em sua contestação protocolada sob ID 25062733, suscitou preliminares de inépcia da inicial, ilegitimidade ativa, falta de interesse de agir, ilegitimidade passiva e defendeu, no mérito, a inexistência de danos indenizáveis, alegando que não houve qualquer demonstração de que os autores tenham sido efetivamente atingidos, bem como que não restou comprovado o suposto desabastecimento de água ou privação de lazer. Sustentou ainda que não se aplica ao caso a responsabilidade objetiva ambiental, por ausência de nexo causal. A VALE S.A., por sua vez, apresentou contestação registrada sob ID 37012127, igualmente suscitando preliminares de ilegitimidade passiva, por não ser responsável direta pelo rompimento da barragem, uma vez que atua apenas como acionista da Samarco, empresa responsável pela estrutura rompida. Defendeu, no mérito, que não há qualquer conduta comissiva ou omissiva atribuída à VALE, tampouco prova de vínculo causal com os danos alegados, requerendo a improcedência dos pedidos. A BHP BILLITON BRASIL LTDA., em sua peça de defesa sob ID 25062733, alinhou-se aos argumentos das demais rés, sustentando a ausência de legitimidade passiva, e refutando o cabimento de indenização por dano ambiental individual, uma vez que a pretensão se refere a direitos transindividuais, cuja titularidade é difusa. Alegou, ainda, ausência de comprovação dos danos e inexistência de prova documental do nexo de causalidade. A SAMARCO MINERAÇÃO S.A., já em recuperação judicial, protocolou contestação sob ID 50814219, também defendendo a inexistência de responsabilidade objetiva nos moldes sustentados pela parte autora, argumentando que o município de Linhares/ES não sofreu desabastecimento de água, pois o fornecimento é realizado a partir do Rio Pequeno, que não foi atingido pela pluma de rejeitos. Trouxe documentação técnica e citações jurisprudenciais para corroborar que a população local não foi afetada diretamente pelos efeitos do desastre da barragem. Realizada a fase de instrução postulatória, o processo foi saneado por decisão proferida sob ID 50153213, na qual foram rejeitadas todas as preliminares suscitadas pelas rés, inclusive as de ilegitimidade ativa e passiva, aplicando-se a teoria da asserção. O juízo reconheceu a presença das condições da ação e fixou como pontos controvertidos: (a) a responsabilidade civil das requeridas; (b) a existência e extensão dos danos alegados; (c) o impacto econômico/social do desastre sobre os autores; (d) o eventual direito a indenização com base em decisões da Justiça Federal; e (e) o quantum indenizatório. Quanto à distribuição do ônus da prova, determinou-se que caberia à parte autora demonstrar os fatos constitutivos do seu direito, nos termos do art. 373, I, do CPC, e às rés comprovar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado (art. 373, II, CPC). A autora, em atenção ao despacho saneador, ratificou seu interesse na produção de prova oral, conforme ID 51097503, reiterando o requerimento de depoimento pessoal dos representantes das rés e oitiva de testemunhas. Posteriormente, em nova manifestação sob ID 68877449, apresentou rol de testemunhas, indicando expressamente os nomes e dados de contato das seguintes pessoas: Deane de Jesus Alves e Cherliana Toneto Reinaldo, ambas residentes em Linhares/ES. A decisão de ID 57264570 indeferiu o pedido de oitiva dos representantes legais das rés, mas deferiu a prova testemunhal requerida pela parte autora, concedendo prazo para apresentação formal do rol. As rés FUNDAÇÃO RENOVA (ID 50621690), VALE S.A. (ID 51572463) e BHP BILLITON BRASIL LTDA. (ID 51450844) manifestaram desinteresse na produção de novas provas, requerendo o julgamento antecipado da lide, com base nos elementos já constantes dos autos. A parte autora, por sua vez, reiterou todos os pedidos formulados na inicial, afirmando que pretende comprovar sua condição de vítima e os danos sofridos por meio da prova oral requerida, demonstrando impacto direto sobre sua rotina e relações sociais em decorrência do rompimento da barragem. É o relatório. Passo a decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO A lide versa sobre pedido de indenização por danos morais, com fundamento no rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05/11/2015, no município de Mariana/MG, cuja lama tóxica atingiu a bacia do Rio Doce e, alegadamente, causou prejuízos diversos à autora e a seus filhos menores, moradores do município de Linhares/ES. Os danos alegados são de duas naturezas: (i) Danos morais por suposta interrupção do fornecimento de água potável, e (ii) Danos morais existenciais por restrição de uso do Rio Doce para lazer, convívio familiar e segurança socioambiental. As requeridas (SAMARCO, VALE, BHP e Fundação Renova) contestam os pedidos sob diversos fundamentos, destacando-se a ausência de comprovação dos danos, falta de nexo de causalidade, e ilegitimidade passiva, especialmente quanto às rés VALE e BHP. Alegam também que os supostos danos invocados são de natureza coletiva, sendo inviável sua postulação em sede individual. Superadas todas as preliminares na decisão de saneamento (ID 50153213), restaram como pontos controvertidos a responsabilidade civil das rés, a ocorrência e extensão dos danos, o nexo causal e a quantificação da indenização. II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). A parte autora, desde a petição inicial (ID 23372888), pleiteou a produção de todas as provas admitidas em direito, com destaque para a prova oral como forma de comprovação da condição de vítima do desastre ambiental, dos danos suportados e do nexo causal. Após a fase de contestação, o processo foi regularmente saneado por decisão proferida em 05/09/2024 (ID 50153213), na qual foram fixados os pontos controvertidos da demanda e determinada a distribuição do ônus da prova nos termos do art. 373 do CPC. O juízo conferiu às partes prazo para especificarem as provas que pretendiam produzir, oportunidade na qual foi determinada a manifestação fundamentada quanto à sua necessidade e utilidade. Em atenção ao despacho, a parte autora apresentou manifestação formal em 19/09/2024 (ID 51097503), reiterando o pedido de produção de prova oral, com oitiva de testemunhas e depoimento pessoal dos representantes das rés. Em 15/05/2025, a autora protocolou petição complementar (ID 68877449), indicando duas testemunhas com nome, CPF, telefone e endereço, a saber: Deane de Jesus Alves e Cherliana Toneto Reinaldo, residentes em Linhares/ES. A questão foi apreciada por este juízo em decisão de 10/01/2025 (ID 57264570), na qual foi indeferida a oitiva dos representantes das rés, por considerá-la desnecessária ao deslinde da causa, mas foi deferida a produção da prova testemunhal requerida pela autora, com a fixação de prazo de 15 dias para apresentação do rol, sob pena de preclusão. Oportunidade processual, portanto, foi garantida. A parte autora teve ciência e prazo para especificar e fundamentar suas provas, sendo deferida a que havia pertinência – a prova testemunhal. Ainda assim, a autora não produziu nenhuma prova material complementar que corroborasse os relatos esperados das testemunhas, nem apresentou qualquer documento novo apto a demonstrar residência em local afetado, interrupção no abastecimento de água, ou uso habitual do Rio Doce para lazer ou subsistência. Não há nos autos, por exemplo: Declarações de associação de moradores ou pescadores; Fotografias, vídeos ou relatos contemporâneos ao desastre; Cadastros em programas de reparação da Fundação Renova; Protocolos administrativos rejeitados; Documentos médicos, escolares ou sociais que demonstrem prejuízo concreto à rotina familiar ou ao bem-estar dos autores. Essa inexistência de indícios mínimos compromete a utilidade da prova testemunhal. Conforme reconhece a jurisprudência, a prova oral não pode ser produzida de forma autônoma e isolada, devendo servir como meio de confirmação ou consolidação daquilo que já se encontra indiciado nos autos. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo é firme ao entender que: “A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial, tais como registros de embarcação, carteira de pescador profissional, recibos de comercialização ou declaração de associação de pescadores. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações. 5) O depoimento pessoal da autora e a narrativa do informante revelam que sua pesca era predominantemente realizada em lagoas, e não em áreas diretamente impactadas pelo desastre de Mariana, afastando a presunção de prejuízo decorrente do evento. 6) A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização. 7) Apelação cível conhecida e desprovida”. (TJ-ES, Data: 18/Dec/2024, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Número: 5003559-31.2023.8.08.0047, Magistrado: ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA, Classe: APELAÇÃO CÍVEL, Assunto: Indenização por Dano Moral) Conclui-se, portanto, que a parte autora teve todas as oportunidades processuais para demonstrar seus direitos, não se desincumbindo do ônus que lhe competia. A prova testemunhal, ainda que deferida, não se presta a suprir ausência completa de suporte documental mínimo. Assim, a ausência de respaldo mínimo nos autos inviabiliza a continuidade da instrução e autoriza, com base nos artigos 355, I, e 370, parágrafo único, do CPC, o julgamento antecipado da lide, sem risco de cerceamento de defesa. II.2 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.3 - DO ÔNUS DA PROVA E DA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DANO CONCRETO – CPC, ART. 373, I Nos termos do art. 373, I, do CPC, incumbe à parte autora a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito. No caso concreto, não foi juntado aos autos qualquer documento que comprove: O efetivo abastecimento com água do Rio Doce na residência da autora à época do desastre; A interrupção no fornecimento de água potável em Linhares/ES; A realização de atividade recreativa ou econômica vinculada ao Rio Doce; A existência de laudos médicos, relatórios psicológicos, boletins de ocorrência, imagens, declarações públicas ou qualquer outra prova técnica que atestasse sofrimento, prejuízo pessoal ou transtorno psíquico. A mera alegação de abalo emocional ou de frustração não é suficiente para configurar dano moral indenizável. Conforme pacificado pelo TJES: “A ausência de comprovação pelo apelante de ser pescador não profissional esvazia a alegação de ofensa aos direitos da personalidade fundamentado em abalo psicológico sofrido. A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear, em danos sofridos pela coletividade” (TJES, Apelação Cível 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Sérgio Ricardo de Souza, julgado em 06/02/2024). II.4 - DA INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL O nexo causal entre os danos alegados e o rompimento da barragem não foi demonstrado. A parte autora reside em Linhares/ES, município em que, segundo laudos públicos constantes dos autos e documentos das rés, não houve desabastecimento de água, pois a captação é realizada a partir do Rio Pequeno, não atingido pela pluma de rejeitos. A jurisprudência tem reiteradamente afastado o nexo causal quando não comprovada a residência em área diretamente atingida, ou quando os danos invocados não se vinculam concretamente à vida do autor: “Para o exercício da atividade pesqueira, seja ela profissional ou amadora, é necessário registro junto ao órgão competente [...] No caso em exame, o recorrente não juntou provas documentais ou testemunhais aptas a comprovar, minimamente, suas alegações quanto ao exercício de atividade pesqueira [...] ou mesmo indicou de que modo estaria vinculado a um destes locais” (TJES, Apelação Cível 5005859-34.2021.8.08.0047, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza, julgado em 22/02/2024). II.5 - DA AUSÊNCIA DE DANO MORAL INDIVIDUALIZADO Embora seja fato notório a gravidade do desastre de Mariana, o dano moral, em sua dimensão jurídica, exige a comprovação de abalo à esfera da personalidade, concreto e individualizado. A jurisprudência estadual e nacional já consolidou que a privação genérica de lazer ou a impossibilidade abstrata de convívio com o rio, desacompanhada de provas específicas, não configura dano moral: “A mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce para pesca e lazer, sem comprovação de prejuízo individual concreto, não configura dano moral indenizável” (TJES, Apelação Cível 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, julgado em 07/04/2025). “A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear, em danos sofridos pela coletividade” (TJES, Apelação Cível 0006097-63.2019.8.08.0030, Rel. Des. Janete Vargas Simões, julgado em 28/03/2023). II.6 - DA JURISPRUDÊNCIA APLICÁVEL E CONSOLIDAÇÃO DO ENTENDIMENTO Os precedentes mais recentes, inclusive em ações decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, rejeitam pedidos de indenização quando a parte autora não comprova o dano concreto nem o nexo causal, aplicando com rigor os arts. 373, I e 944 do Código Civil, como no seguinte julgado: “A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização” (TJES, Apelação Cível 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, julgado em 18/12/2024). II.7 - DO EVENTUAL DIREITO À INDENIZAÇÃO COM BASE EM DECISÕES DA JUSTIÇA FEDERAL No despacho de saneamento (ID 50153213), foi expressamente delimitado como ponto controvertido a necessidade de se examinar se a parte autora faria jus à indenização com fundamento em decisões proferidas pela Justiça Federal, notadamente no âmbito de ações coletivas decorrentes do rompimento da barragem de Fundão ou dos programas de reparação extrajudicial por ela coordenados. De fato, como é notório e amplamente reconhecido, foram proferidas sentenças pela Justiça Federal — especialmente pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG — que fixaram parâmetros de indenização para grupos determinados de atingidos, no contexto de ações civis públicas movidas por entes públicos e coletivos organizados. Além disso, houve a criação e implementação de programas extrajudiciais de reparação, como o Sistema Indenizatório Simplificado (Novel) e o Programa de Indenização Mediada (PIM), sob responsabilidade da extinta Fundação Renova. Contudo, a mera existência desses sistemas ou decisões não basta, por si só, para reconhecer o direito subjetivo da parte autora à indenização, sendo indispensável a demonstração de que ela está inserida no escopo fático e subjetivo das sentenças proferidas pela Justiça Federal, ou que tenha aderido formalmente aos programas extrajudiciais regulados a partir dessas decisões. No caso concreto, a parte autora não trouxe aos autos qualquer documento que comprove a sua inclusão em base de dados dos programas Novel ou PIM, tampouco juntou comprovação de inscrição, adesão, protocolo, recusa, exclusão indevida ou mesmo qualquer manifestação administrativa relacionada. Também não demonstrou ser beneficiária de decisão judicial federal que lhe reconheça, de forma individualizada ou coletiva, o direito à reparação. Além disso, não há nos autos menção a número de processo, petição em ação coletiva, decisão proferida em seu nome ou qualquer outro elemento que estabeleça conexão direta entre a sua situação e os julgados proferidos pela Justiça Federal no âmbito da reparação coletiva decorrente do desastre de Mariana. Portanto, ainda que seja possível que determinados grupos de atingidos tenham obtido reconhecimento judicial de indenizações perante a Justiça Federal, no presente caso não há demonstração de que a parte autora esteja abrangida por tais decisões, tampouco que sua situação de fato guarde identidade com os fundamentos que deram origem àquelas condenações. Ressalte-se que as sentenças proferidas nas ações coletivas não têm eficácia automática nas ações individuais quando não houver comprovação da titularidade do direito por parte do autor, sendo imprescindível a demonstração do enquadramento no grupo beneficiário e a prova do dano concreto, conforme exigido pelas regras gerais da responsabilidade civil. Conclui-se, assim, que a parte autora não logrou comprovar eventual direito à indenização com base em decisões da Justiça Federal, não sendo possível estender-lhe, no caso concreto, os efeitos de sentenças coletivas cujo alcance subjetivo não abrange, por ausência de prova. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por REGIANE GONÇALVES DIAS, em nome próprio e como representante legal dos menores IAGO GONÇALVES ZABIN SANTOS DA COSTA e IASMIN GONÇALVES ZABIN, em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA (em extinção), pelos fundamentos expostos na fundamentação supra, que passa a integrar este dispositivo para todos os fins legais. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º do CPC. Contudo, considerando a concessão da gratuidade de justiça, a exigibilidade das verbas de sucumbência ficará suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do mesmo diploma legal. Ficam as partes advertidas de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais ou com intuito meramente infringente poderá ensejar aplicação de multa (CPC, art. 1.026, § 2º). Transitada em julgado, arquivem-se os autos com baixa. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Claudemir Bergamo x Fundacao Renova e outros

ID: 312121982

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5011186-74.2022.8.08.0030

Data de Disponibilização: 01/07/2025

Polo Ativo:

CLAUDEMIR BERGAMO

Polo Passivo:

FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A.

Sentença

Advogados:

THAINARA MARTINS TOMAZ

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EDER OLIVEIRA SALES

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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LAURO JOSE BRACARENSE FILHO

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EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5011186-74.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: CLAUDEMIR BERGAMO REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A. Advogados do(a) REQUERENTE: EDER OLIVEIRA SALES - ES37614, THAINARA MARTINS TOMAZ - ES39369 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461, LAURO JOSE BRACARENSE FILHO - MG69508 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 SENTENÇA I - RELATÓRIO CLAUDEMIR BERGAMO propôs a presente ação de indenização por danos morais e materiais em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., em recuperação judicial, e da FUNDAÇÃO RENOVA, em liquidação, aduzindo ter exercido a atividade de pescador informal/artesanal no município de Linhares/ES e que teria sido diretamente afetado pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05/11/2015, no município de Mariana/MG, evento de ampla repercussão ambiental e social. Alegou que, por conta do desastre, houve perda da qualidade da água e contaminação do pescado no Rio Doce, o que resultou na paralisação de sua atividade de pesca e consequente prejuízo econômico e moral. Requereu, inicialmente, a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça (ID 19003334), a citação das rés para, querendo, apresentarem contestação e, ao final, a condenação solidária ao pagamento de indenização no valor de R$ 94.585,00, abrangendo lucros cessantes, danos emergentes, compensação pela perda de fonte alimentar (proteína) e danos morais, conforme parâmetros adotados em decisões judiciais anteriores vinculadas ao chamado Sistema Novel. Juntou documentos diversos: autodeclaração com firma reconhecida, comprovante de residência à época do desastre, recibos e fotos de pescado e petrechos (IDs 19003341 a 19003352). Em despacho de ID 24694348, o juízo deixou de designar audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC, tendo em vista que o CEJUSC local não atende as Varas Cíveis residuais, e determinou a citação das rés, SAMARCO e FUNDAÇÃO RENOVA, para apresentação de contestação, além de ter deferido o pedido de justiça gratuita. A empresa SAMARCO MINERAÇÃO S.A. apresentou contestação (ID 29734026) arguindo, preliminarmente, (i) ilegitimidade passiva, sob o fundamento de que a Fundação Renova seria a responsável pela execução das medidas reparatórias; (ii) inépcia da inicial, por alegada ausência de causa de pedir clara e contraditoriedade interna; (iii) ilegitimidade ativa, sustentando que o autor não comprovou ser pescador profissional por ausência de documentos oficiais e registro no RGP; e (iv) impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que dano ambiental coletivo somente pode ser objeto de ação civil pública proposta pelos legitimados do art. 5º da Lei n.º 7.347/1985. No mérito, negou a existência de prova dos danos alegados e refutou a existência de nexo causal. Impugnou a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral, bem como a inversão do ônus da prova. A FUNDAÇÃO RENOVA não apresentou contestação no prazo legal, motivo pelo qual foi declarada revel por decisão no saneador (ID 47361380), com ressalva quanto aos efeitos da revelia, nos termos do art. 344, parágrafo único, do CPC. O autor apresentou réplica (ID 39643221), na qual refutou todas as preliminares suscitadas. Defendeu que sua condição de pescador informal está respaldada por documentação suficiente e por decisões judiciais da 12ª Vara Federal de MG, que reconhecem o direito à reparação mesmo para trabalhadores informais, desde que preenchidos critérios mínimos de comprovação. Alegou que o sistema indenizatório da Fundação Renova reconhece a categoria de pescadores informais/de fato e que a ausência de cadastro decorreu de omissão da ré, que não teria feito divulgação adequada ou comparecido à residência para cadastramento. Reforçou a aplicação da responsabilidade objetiva por risco integral e a necessidade de inversão do ônus da prova. Posteriormente, foi proferida decisão de saneamento do feito (ID 47361380), na qual a magistrada rejeitou todas as preliminares levantadas pela SAMARCO MINERAÇÃO S.A., reconhecendo a legitimidade ativa e passiva, a aptidão da inicial e a possibilidade de ação individual para pleitear indenização por dano moral e material em decorrência de evento ambiental coletivo. Foram fixados como pontos controvertidos: (a) responsabilidade civil dos réus; (b) prejuízos efetivos sofridos pelo autor; (c) impacto do rompimento da barragem sobre a atividade de pesca; (d) existência de direito indenizatório com base em decisão da Justiça Federal; (e) existência e extensão dos danos materiais e morais reclamados e seu quantum. Na mesma decisão, foi reafirmado o ônus da prova nos termos do art. 373 do CPC, e as partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir, justificando sua necessidade. Em atendimento ao despacho saneador: A FUNDAÇÃO RENOVA (ID 47967988) informou não ter interesse na produção de outras provas, entendendo suficientes as já constantes nos autos; A SAMARCO (ID 47968117) reiterou pedido de produção de provas documentais, requerendo expedição de ofício ao INSS (para verificação de vínculos e benefícios previdenciários do autor) e ao CAGED, a fim de averiguar se o autor mantinha vínculos empregatícios formais que pudessem contrariar a alegada dedicação exclusiva à pesca informal. Na fase subsequente, a parte autora, por meio da petição de ID 56210713, requereu a desistência da ação judicial, sob a alegação de que optaria por aderir ao Programa Indenizatório Definitivo (PID), previsto no novo Acordo de Repactuação da Bacia do Rio Doce, homologado pelo Supremo Tribunal Federal em 06/11/2024. Diante do pedido de desistência, o juízo, por meio do despacho ID 56367447, determinou a intimação das rés para manifestação, nos termos do art. 485, § 4º, do CPC. Em resposta, a SAMARCO e a FUNDAÇÃO RENOVA se manifestaram conjuntamente (ID 70064455), impugnando o pedido de desistência, sob o argumento de que o PID não constitui garantia de indenização e que sua adesão está condicionada à comprovação de requisitos objetivos, especialmente a demonstração da condição de pescador profissional ou informal, nos moldes estabelecidos no Anexo II do Acordo Judicial. Afirmaram que o autor não comprovou qualquer tentativa de habilitação na via administrativa, e que a desistência poderia ensejar reiteração do pedido judicial em caso de indeferimento administrativo, contrariando os princípios da celeridade e economia processual. Alegaram que a extinção do processo sem resolução do mérito só seria cabível se demonstrada a efetiva adesão e homologação de eventual acordo no PID. É o relatório. Passo a decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO A presente ação, proposta por CLAUDEMIR BERGAMO em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e FUNDAÇÃO RENOVA, tem por objeto a reparação por danos materiais e morais supostamente sofridos em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em Mariana/MG, no ano de 2015. O autor alega que exercia atividade de pesca de forma informal/artesanal e que teria sido diretamente afetado pelo desastre, o que teria comprometido sua fonte de renda e subsistência, além de ter-lhe causado abalo psíquico e prejuízo moral. II.1 – DA IMPOSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO DA DESISTÊNCIA DA AÇÃO A parte autora manifestou expressamente, por meio da petição de ID 56210713, a intenção de desistir da ação judicial, com o objetivo de buscar reparação por meio do Programa Indenizatório Definitivo (PID), implementado após o novo Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce, homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Nos termos do art. 485, § 4º, do CPC, a desistência da ação, após a apresentação de contestação, somente pode ser homologada com o consentimento do réu. No presente caso, a ré SAMARCO MINERAÇÃO S.A., na manifestação de ID 70064455, se opôs expressamente à homologação da desistência, argumentando que a adesão ao PID não constitui direito subjetivo líquido e certo à indenização, e que não foi demonstrado qualquer elemento que comprove a habilitação efetiva do autor no novo sistema. A impugnação não é meramente formal: as rés sustentam que a simples existência do programa não garante ao autor o reconhecimento de sua condição de atingido, uma vez que o PID exige comprovação documental mínima e objetiva, especialmente quanto à atividade exercida (pescador profissional ou informal de fato) e à contemporaneidade dos danos, nos termos da Cláusula 59, Capítulo VII, do Anexo II do Acordo Judicial (REPACTUAÇÃO). Logo, a desistência, desprovida de qualquer comprovação de que o autor ingressou ou foi admitido no PID, ou mesmo que tenha iniciado o processo administrativo de habilitação, poderia ensejar novo ajuizamento da mesma pretensão em caso de indeferimento administrativo, contrariando os princípios da economia e da segurança jurídica. Dessa forma, a homologação da desistência não pode ser acolhida neste momento. Exige-se, para tanto, demonstração mínima de que a via administrativa foi efetivamente iniciada e que há plausibilidade de êxito, evitando-se que o Judiciário funcione como etapa instrumental e dilatória da reparação. Rejeita-se, pois, a pretensão de extinção do feito sem julgamento de mérito com base em desistência unilateral, nos moldes do art. 485, § 4º do CPC. II.2 – DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, ART. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). O feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil. As partes foram devidamente intimadas para especificação de provas (ID 47361380), tendo a FUNDAÇÃO RENOVA manifestado desinteresse (ID 47967988) e a SAMARCO MINERAÇÃO requerido diligências documentais (ID 47968117) que, por sua natureza, não demandam dilação probatória complexa ou audiência de instrução. Por sua vez, o autor não indicou prova nova ou relevante que justificasse o prosseguimento da fase instrutória. Portanto, diante da suficiência dos elementos constantes dos autos, da inércia da parte autora quanto à especificação efetiva de provas e da ausência de substrato mínimo para permitir o prosseguimento da instrução, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, sem que tal decisão configure cerceamento de defesa ou violação ao contraditório, em conformidade com o art. 355, inciso I, do CPC e em respeito aos princípios da celeridade, economia e efetividade da jurisdição. II.3 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se da parte autora prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.4 – DO ÔNUS DA PROVA E DA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA Conforme o art. 373, I, do CPC, incumbe à parte autora provar os fatos constitutivos de seu direito. No caso dos autos, tal encargo não foi adequadamente cumprido. A documentação apresentada pelo autor – autodeclaração, declaração de terceiro comprador, fotografias genéricas e recibos avulsos – não demonstra, com o grau de certeza exigido, o exercício habitual e contemporâneo da atividade de pesca no período do desastre (novembro de 2015). Prevalece na jurisprudência, inclusive em ações análogas, que “a comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido” (TJES, Apelação Cível 5005123-16.2021.8.08.0047, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 21/09/2023). A fragilidade dos elementos apresentados pelo autor – desprovidos de qualquer comprovação de formalidade, habitualidade ou vínculo direto com local efetivamente atingido – é incompatível com o grau de exigência probatória para a configuração de danos materiais (lucros cessantes). Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente: “O recorrente [...] não junta nenhuma prova cabal nos autos que ateste o efetivo exercício da atividade econômica (pescador informal) em local afetado pela lama de minério, tampouco o valor eventual ou periódico proporcionado por tal atividade” (TJES, Apelação Cível 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza). No mesmo sentido, o TJMG já decidiu que “ausente a prova concreta de impactos do rompimento da barragem individualmente suportados pelo autor [...], correta a sentença que julga improcedentes os pedidos iniciais” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2022.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Castro, j. 20/05/2024). II.5 – DA INSUFICIÊNCIA DA PROVA ORAL COMO MEIO ÚNICO Ainda que o autor alegue possível produção de prova oral, a jurisprudência sedimenta que tal meio não é suficiente, isoladamente, para comprovar o exercício de atividades econômicas afetadas pelo desastre ambiental, exigindo-se documentação complementar mínima. O TJES tem sido enfático nesse ponto: “A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial [...]. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações” (TJES, Apelação Cível 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Junqueira, j. 18/12/2024). II.6 – DO NEXO CAUSAL E DOS DANOS Não bastasse a ausência de comprovação da atividade lesada, também não se verifica nos autos qualquer elemento que comprove o nexo causal entre o desastre de Mariana e a alegada perda da renda do autor. Trata-se, portanto, de dano hipotético, presumido subjetivamente, sem lastro em documentação robusta. A jurisprudência é clara no sentido de que o dano individual decorrente de fato coletivo, como um desastre ambiental, não se presume automaticamente. No precedente TJES 5005859-34.2021.8.08.0047: “Malgrado seja público e notório o ato ilícito imputado às apeladas, não cuidou o apelante de comprovar, minimamente, os alegados danos suportados [...], afastando, portanto, a responsabilidade daquelas em indenizar”. II.7 – DO DANO MORAL E SUA AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO AUTOMÁTICA A pretensão de indenização por dano moral também não encontra respaldo fático-jurídico nos autos. Alegações genéricas, tais como sofrimento pela perda de renda ou frustração pessoal, não configuram, por si só, ofensa aos direitos da personalidade. O TJES consolidou entendimento no seguinte julgado: “A mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce para pesca e lazer, sem comprovação de prejuízo individual concreto, não configura dano moral indenizável” (TJES, Apelação Cível 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 07/04/2025). II.8 – DA (IN)EXISTÊNCIA DE DIREITO INDENIZATÓRIO COM BASE EM DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL O autor fundamenta parte significativa de sua pretensão reparatória na decisão proferida pela 12ª Vara Federal Cível e Agrária da Seção Judiciária de Minas Gerais, nos autos da ação coletiva movida por Comissões de Atingidos, que culminou no reconhecimento judicial de categorias informais de trabalhadores – entre eles, o “pescador informal/artesanal/de fato” – como elegíveis para indenização no âmbito do Sistema Indenizatório Simplificado (Novel) e, posteriormente, no Programa Indenizatório Definitivo (PID), após o Acordo de Repactuação homologado pelo STF. Entretanto, impõe-se distinguir os efeitos jurídicos dessa decisão coletiva no âmbito da Justiça Federal e sua repercussão sobre ações individuais como a presente, especialmente quando não há prova de adesão ou de habilitação nos sistemas extrajudiciais. A sentença federal invocada pelo autor não constitui título executivo individual, tampouco vincula automaticamente os juízos estaduais ao reconhecimento do direito subjetivo de indenização, quando a parte autora não demonstra que preencheu, de fato, os requisitos fixados naquela decisão para a respectiva categoria. Conforme reconhecido pelo próprio autor em sua petição de desistência (ID 56210713) e pela ré SAMARCO na manifestação de impugnação (ID 70064455), o PID – ainda que decorra do acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal – não gera direito automático à reparação, sendo um procedimento administrativo de adesão facultativa e com critérios próprios de elegibilidade, nos termos da Cláusula 59, Capítulo VII, do Anexo II do Acordo Judicial. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo e de outros tribunais tem reiterado que a existência de decisões judiciais genéricas ou coletivas não exime o autor da prova individualizada do direito material que invoca. Nesse sentido: “O recorrente alega que devido ao acidente ambiental causado pelas apeladas se viu privado de complementar a sua renda a partir da pesca, em razão da poluição do Rio Doce. Entretanto, não junta nenhuma prova cabal nos autos que ateste o efetivo exercício da atividade econômica (pescador informal) em local afetado pela lama de minério, tampouco o valor eventual ou periódico proporcionado por tal atividade” (TJES, Apelação Cível 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza). Portanto, mesmo diante da relevante decisão da Justiça Federal e do reconhecimento da categoria de pescador informal nos sistemas Novel e PID, não se desobriga o autor de demonstrar, nos autos da ação individual, que preenche os requisitos fixados para aquela categoria, inclusive no que diz respeito ao elemento territorial, à habitualidade da atividade e à contemporaneidade dos danos. No presente caso, tal demonstração não foi realizada. Não há prova de que o autor tenha sido cadastrado, reconhecido ou ao menos tenha iniciado processo de habilitação no Novel ou no PID. A tentativa de extinguir a ação para buscar reparação pela via administrativa reforça, na verdade, a ausência de comprovação judicial contemporânea da condição de atingido, circunstância que compromete, por completo, o fundamento jurídico do pedido. Portanto, não há direito indenizatório subjetivo decorrente, de forma automática ou derivada, da decisão da Justiça Federal, e o ônus probatório recai integralmente sobre a parte autora, que não se desincumbiu de demonstrar os pressupostos materiais para a configuração do direito à reparação. II.9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS O autor teve a oportunidade de comprovar sua condição de atingido por meio de documentos contemporâneos, de comprovação de renda, vínculos associativos ou mesmo início de processo administrativo. Nada disso foi demonstrado. O pedido de desistência da ação, apresentado posteriormente (ID 56210713), sem qualquer comprovação de ingresso efetivo no PID, confirma a ausência de elementos mínimos de elegibilidade. Não se pode permitir que a jurisdição seja utilizada como tentativa de acesso subsidiário e especulativo à via administrativa, o que fere os princípios da boa-fé, da lealdade e da segurança jurídica. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 355, inciso I, e art. 487, inciso I, ambos do Código de Processo Civil, INDEFIRO o pedido de desistência da ação formulado por CLAUDEMIR BERGAMO, nos termos do art. 485, § 4º, do CPC, e JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, ante a ausência de comprovação dos fatos constitutivos do direito alegado, especialmente quanto à condição de pescador afetado pelo desastre da barragem de Fundão e à inexistência de prova concreta dos danos materiais e morais alegados. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC. Todavia, considerando que foi concedida a gratuidade da justiça, a exigibilidade da condenação ficará suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do mesmo código. Ficam as partes advertidas de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais, ou com caráter meramente infringente, poderá ensejar a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC. Transitada em julgado, arquivem-se os autos com as devidas anotações. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Andrea Freitas Do Carmo Pereira x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 307932514

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5006695-87.2023.8.08.0030

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

ANDREA FREITAS DO CARMO PEREIRA

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

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RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR

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VITOR PALHEIROS VIANA

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5006695-87.2023.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: ANDREA FREITAS DO CARMO PEREIRA REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogados do(a) REQUERENTE: CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR - ES14277, VITOR PALHEIROS VIANA - ES32005 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO ANDREA FREITAS DO CARMO PEREIRA propôs a presente ação de PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A. e BHP BILLITON BRASIL LTDA. , alegando ser vítima de danos materiais e morais decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015. Para reforçar sua alegação, aponta como causa de pedir o exercício da pesca informal/artesanal/de fato, inviabilizada pela contaminação do Rio Doce, o desabastecimento de água em sua residência em Linhares/ES e a privação de lazer. Ao final, pediu a condenação solidária das requeridas em R$ 94.585,00 por danos materiais e lucros cessantes da pesca, R$ 30.520,00 por danos morais pela privação de lazer, R$ 40.000,00 por danos morais pelo desabastecimento de água, e R$ 47.520,00 correspondentes a um salário mínimo mensal desde 01/07/2020, totalizando R$ 212.625,00. A autora requereu, ainda, a concessão da justiça gratuita e a inversão do ônus da prova. As requeridas apresentaram contestação. A FUNDAÇÃO RENOVA, em sua contestação (ID 29791132) , arguiu preliminares de ilegitimidade ativa por ausência de condição da ação, incompatibilidade do dano moral com a transindividualidade de direitos difusos e inépcia da inicial. Sustentou que a autora não comprovou o exercício da pesca para obtenção de renda, não possuindo autorização legal para praticar a atividade, e que a autodeclaração é um documento unilateral sem validade para comprovar os fatos alegados. Ademais, alegou que a autora não comprovou ter sofrido problemas no abastecimento de água potável em Linhares e que a região não ficou desabastecida. No mérito, defendeu a inexistência de dano material e moral, a inaplicabilidade da responsabilidade objetiva pela teoria do risco integral e a desnecessidade de inversão do ônus da prova. A VALE S.A. apresentou contestação (ID 29487914) , arguindo preliminares de ilegitimidade passiva e ausência de interesse de agir. No mérito, defendeu a impossibilidade de alcance de bens da acionista, a inaplicabilidade da responsabilidade objetiva, a ausência de nexo causal e a inexistência de danos morais e materiais. Requereu a produção de prova testemunhal e documental suplementar. A BHP BILLITON BRASIL LTDA. apresentou contestação (ID 29704792) , alegando prescrição , inépcia da inicial e ilegitimidade passiva. Defendeu a ausência de responsabilidade da BHP Brasil e a inaplicabilidade do regime próprio da legislação ambiental, bem como a inexistência de relação de consumo. Impugnou os documentos apresentados pela autora e defendeu a inexistência de dano material e moral indenizável. Requereu a expedição de ofícios ao INSS, CAGED, Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG) e Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE). A autora apresentou réplica às contestações (ID 32803351), reiterando seus pedidos e rebatendo os argumentos das requeridas. Defendeu a interrupção da prescrição por ações coletivas e a ocorrência de dano permanente. Argumentou a desnecessidade de suspensão do feito e a legitimidade passiva das requeridas, bem como a aplicação da teoria da asserção. Insistiu na legitimidade ativa e na inaplicabilidade dos critérios de indenização adotados pela FUNDAÇÃO RENOVA, reafirmando a responsabilidade solidária e objetiva das requeridas. Defendeu a aplicação da teoria da "justiça possível" para a comprovação dos danos. Reafirmou a necessidade de inversão do ônus da prova e a existência dos danos materiais e morais alegados. Em 23/11/2023, foi proferido despacho (ID 34401476) intimando as partes para especificar as provas que pretendiam produzir, sob pena de preclusão. Em resposta, a VALE S.A. (ID 35566489) e a FUNDAÇÃO RENOVA (ID 34834119) manifestaram desinteresse na produção de mais provas. A SAMARCO MINERAÇÃO S.A. (ID 34805390) e a BHP BILLITON BRASIL LTDA. (ID 35350646) requereram a expedição de ofícios para obtenção de informações. A autora (ID 34583858) manifestou interesse na produção de prova oral, através de depoimento dos representantes legais das requeridas e oitiva de testemunhas. Em 20/03/2024, foi proferida decisão de saneamento (ID 39998270). A decisão rejeitou as preliminares de ilegitimidade ativa (para pleitear danos difusos), ilegitimidade passiva (Samarco, Vale, BHP), inépcia da inicial e impugnação à gratuidade de justiça. Foram fixados como pontos controvertidos: a) responsabilidade civil dos requeridos; b) os supostos prejuízos sofridos pelo autor; c) o impacto na atividade econômica e no sustento do requerente; d) se há direito indenizatório com base em decisão proferida pela Justiça Federal; e) a existência e extensão dos danos materiais e morais reclamados e seu respectivo quantum. O ônus da prova foi distribuído, cabendo à autora provar os fatos constitutivos de seu direito e às requeridas os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Foi deferida a produção de prova pericial, a ser designada após a apresentação do rol de testemunhas. A decisão também deferiu a expedição de ofícios ao INSS e CAGED para informações sobre a autora. Após a decisão de saneamento, em 10/07/2024, foram expedidos ofícios ao CAGED (ID 46403910) e ao INSS (ID 46403909) solicitando informações sobre a autora. Em 23/07/2024, foi juntado Aviso de Recebimento positivo do CAGED (ID 47224014) e (ID 47224020). Em 30/07/2024, foram juntadas as respostas do INSS (IDs 47568960 , 47568962 , 47568964 e 47568965 ) aos ofícios (ID 47568352). Em 26/07/2024, a FUNDAÇÃO RENOVA opôs Embargos de Declaração (ID 47462195) contra a decisão de saneamento, alegando obscuridade/erro material no deferimento da prova pericial, sob o argumento de que a mesma não foi requerida por nenhuma das partes. Em 02/09/2024, foi certificada a tempestividade dos embargos (ID 47568998). Em 28/01/2025, a autora apresentou contrarrazões aos Embargos de Declaração (ID 62080975) , pugnando pela rejeição e a aplicação de multa por protelação. Em 06/06/2025, foi certificada a tempestividade das contrarrazões aos embargos de declaração (ID 70459606). Houve manifestações da FUNDAÇÃO RENOVA em 23/01/2025 (ID 61819558) , juntando documentos de representação atualizados , e em 20/09/2024 (ID 51117760) , requerendo que as intimações processuais fossem realizadas em nome do advogado Eduardo Paoliello Nicolau. Em 03/10/2024, Fernando Moreira Drummond Teixeira (advogado da FUNDAÇÃO RENOVA) peticionou (ID 51958627) requerendo seu descadastramento dos autos, em razão da rescisão de contrato com a Marcelo Tostes Advogados Associados, e a reserva de honorários advocatícios (ID 51958633). Em 20/09/2024, o mesmo advogado já havia peticionado (ID 51113269) pedindo a reserva de honorários em razão da rescisão do contrato. A Fundação Renova passou por processo de liquidação, com ata de reunião extraordinária do Conselho Curador realizada em 11/11/2024 (ID 61819566) , onde se deliberou pela sua dissolução e extinção, com a nomeação de um liquidante e um Conselho de Liquidação, e a transferência de suas obrigações para a Samarco Mineração S.A.. Em 16/04/2025, a FUNDAÇÃO RENOVA, em liquidação, requereu a juntada de procuração, substabelecimento e ata da reunião extraordinária do Conselho Curador (ID 67295748 e 67295749 ). É o que havia a relatar. Passo a decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) O presente feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que a prova documental já produzida nos autos é suficiente para o deslinde da controvérsia, mostrando-se desnecessária a produção de outras provas, inclusive a pericial e a oral, que foram objeto de discussão em sede de embargos de declaração. Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No presente caso, após oportunizada a especificação de provas (ID 34401476), a parte autora requereu apenas a produção de prova oral (ID 34805390), sem apresentar documentos adicionais capazes de dar suporte às suas alegações. As rés, por sua vez, requereram a expedição de ofícios a órgãos públicos (IDs 35350642, 35350646), não impugnando a viabilidade do julgamento com base no estado do processo. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo é clara quanto à insuficiência da prova exclusivamente oral desacompanhada de suporte documental mínimo, especialmente nas ações indenizatórias individuais derivadas do desastre ambiental de Mariana: “A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial, tais como registros de embarcação, carteira de pescador profissional, recibos de comercialização ou declaração de associação de pescadores. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações. A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização.” (TJES, Ap. Cív. 5003559-31.2023.8.08.0047, 4ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 18/12/2024) Dessa forma, estando o feito maduro para julgamento e ausente qualquer prova relevante a ser produzida, impõe-se o julgamento imediato, sem que disso decorra nulidade. II.2 - DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO A FUNDAÇÃO RENOVA opôs Embargos de Declaração (ID 47462195) contra a decisão de saneamento (ID 39998270), alegando a existência de erro material e obscuridade, especificamente no ponto em que teria sido deferida prova pericial sem que houvesse requerimento de qualquer das partes nesse sentido. Sustenta que tal determinação não corresponde ao que foi efetivamente postulado durante a fase de especificação de provas e que sua inclusão implicaria violação aos princípios da celeridade, da economia processual e da legalidade, sobretudo considerando que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita. A embargante pleiteia, portanto, o reconhecimento da existência de erro material e a retificação da decisão saneadora para que dela seja excluído o deferimento da prova técnica, entendida como indevida e desnecessária à luz do acervo processual e da postura processual das partes. A parte autora se manifestou por meio do ID 62080975, impugnando os embargos. Alegou que a decisão saneadora é clara e coerente, e que a insurgência da FUNDAÇÃO RENOVA possui caráter infringente, voltado à rediscussão de matéria já apreciada, sem que se verifique, de fato, a ocorrência de omissão, contradição ou erro material. Contudo, com a prolação da presente sentença de mérito, proferida sob os fundamentos constantes no capítulo anterior, o juízo decide pela adoção do julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, por considerar desnecessária a produção de novas provas, incluindo a prova pericial. Assim sendo, a superveniência do julgamento definitivo da causa torna prejudicada a análise dos embargos de declaração interpostos contra decisão interlocutória anterior, uma vez que o ponto impugnado perdeu sua eficácia jurídica com a resolução do mérito, estando superado pelo próprio teor da presente sentença. Diante do exposto, JULGO PREJUDICADOS os Embargos de Declaração interpostos pela FUNDAÇÃO RENOVA (ID 47462195), nos termos do art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC, por perda superveniente de objeto, em virtude da prolação desta sentença de mérito. II.3 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.4 – DA INEXISTÊNCIA DE PROVA DE ATIVIDADE ECONÔMICA IMPACTADA A parte autora afirma que exercia a atividade de pesca artesanal, de forma informal e não registrada, e que teria tido sua fonte de renda comprometida pelos efeitos do desastre. No entanto, não produziu qualquer documento que comprove minimamente o exercício dessa atividade, como registro no RGP, CTF, inscrição em colônia de pescadores, notas fiscais, recibos de venda ou declaração firmada perante autoridade pública. Ademais, nos autos não há sequer início de prova material que pudesse ser corroborado por eventual prova testemunhal. Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (por analogia a ações previdenciárias envolvendo segurados especiais), a prova exclusivamente oral é inidônea para comprovar atividade laborativa de natureza econômica. A jurisprudência do TJES é firme ao afirmar que não se pode reconhecer a condição de pescador com base apenas em declarações unilaterais, desprovidas de elementos comprobatórios complementares, mesmo quando se trate de pesca informal: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido” (TJES, Ap. Cív. 5005123-16.2021.8.08.0047, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 21/09/2023). “Não há como considerar que as declarações unilaterais colacionadas aos autos sejam capazes de configurar o apelante na condição de pescador, notadamente pela ausência de outras provas para corroborar as alegações” (TJES, Ap. Cív. 5002246-08.2021.8.08.0014, Rel. Des. Ewerton Schwab Pinto Junior, j. 24/11/2022). Nesse sentido, a ausência total de elementos materiais impede o reconhecimento do vínculo da autora com a atividade que alega ter exercido, e, por consequência, impossibilita o reconhecimento de qualquer abalo patrimonial ou reflexo existencial decorrente de suposta privação de sua ocupação profissional. II.5 – DA ALEGAÇÃO DE DESABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL A autora também fundamenta seu pedido na alegação de que teria sofrido com o desabastecimento de água potável em razão da contaminação do Rio Doce, na cidade de Linhares/ES. Contudo, não foram apresentados documentos que comprovem tal interrupção no fornecimento de água, como relatórios do SAAE, boletins da Defesa Civil, ofícios administrativos ou quaisquer registros oficiais. De acordo com os elementos constantes nos autos, inclusive pelas manifestações das rés, não há indícios técnicos de que tenha havido interrupção no abastecimento hídrico da localidade da autora em decorrência do evento danoso. Nesse contexto, a alegação se mostra desprovida de suporte probatório e insuficiente para caracterizar violação a direito da personalidade apta a ensejar dano moral. O TJES é claro ao afirmar que: “Para a configuração do dano moral in re ipsa decorrente da interrupção do fornecimento de água em razão de desastre ambiental, exige-se a comprovação da residência da parte em área afetada pela suspensão” (TJES, Apelação Cível 5012678-04.2022.8.08.0030, j. 13/02/2025, Rel. Des. Arthur José Neiva de Almeida). No presente caso, inexiste qualquer comprovação de que a autora tenha residido em área diretamente atingida por suspensão de abastecimento, o que esvazia a tese de dano moral presumido. II.6 – DO ALEGADO PREJUÍZO AO LAZER AQUÁTICO A autora sustenta ainda ter sido afetada pela impossibilidade de usufruir dos cursos d’água da região para fins recreativos, o que também qualificaria o abalo moral. Todavia, não há qualquer especificação acerca dos locais que frequentava, nem demonstração de que tenha havido proibição, interdição ou impacto ambiental em área efetivamente utilizada pela autora para lazer. Além disso, a jurisprudência majoritária tem reconhecido que, dada a geografia do município de Linhares/ES e a ampla disponibilidade de recursos hídricos na região, não é possível presumir dano moral coletivo ou recreativo sem prova concreta da sua ocorrência em relação à parte demandante. A jurisprudência consolidada do TJES e TJMG é firme ao distinguir o dano ambiental coletivo, passível de tutela difusa, do dano moral individual indenizável, que exige prova de prejuízo pessoal e concreto. “A degradação ambiental do Rio Doce, ainda que notória, não implica automaticamente a caracterização de danos morais individuais a todos os residentes da região. Cabe à parte autora o ônus de comprovar o dano alegado, não se admitindo presunção genérica de sofrimento moral” (TJES, Apelação Cível 5007979-33.2023.8.08.0030, j. 07/04/2025, Rel. Des. Robson Luiz Albanez). No caso dos autos, a autora não trouxe nenhum elemento hábil a demonstrar abalo à sua honra, imagem, vida familiar, saúde ou estabilidade emocional. Alegações abstratas de sofrimento por eventual restrição de lazer ou uso das águas não se sobrepõem à exigência legal de comprovação dos danos pessoais, como também reconhecido no seguinte julgado: “A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear, em danos sofridos pela coletividade” (TJES, Apelação Cível 0006097-63.2019.8.08.0030, j. 28/03/2023, Rel.ª Des.ª Janete Vargas Simões). Assim, a generalidade da alegação impede o reconhecimento de lesão indenizável, tratando-se de afirmação genérica, dissociada da realidade probatória do processo. II.7 – DA INAPLICABILIDADE AUTOMÁTICA DE SENTENÇAS PROFERIDAS NA JUSTIÇA FEDERAL A parte autora invoca como reforço argumentativo decisões proferidas pela 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, no bojo da Ação Civil Pública que originou o Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Sistema Novel de Reparação. No entanto, tais decisões não possuem eficácia vinculante perante este juízo estadual e não substituem a necessidade de demonstração concreta dos fatos constitutivos do direito da parte autora. Ainda que a autora afirme estar enquadrada nos critérios reconhecidos no Novel como “pescadora informal de fato”, não há comprovação de adesão ou tentativa de adesão a tais programas extrajudiciais, tampouco elementos suficientes que demonstrem o enquadramento efetivo da autora nas categorias reconhecidas pela Justiça Federal. Dessa forma, não é possível aplicar automaticamente os parâmetros indenizatórios fixados em outro juízo, especialmente na ausência de documentação mínima que permita a equiparação. II.8 – DA INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o dano moral não se presume automaticamente a partir da ocorrência de evento danoso de grande repercussão, exigindo-se a demonstração de que, no caso concreto, houve violação injusta à dignidade da pessoa humana, à sua integridade psíquica ou à sua esfera de direitos da personalidade. No presente caso, a autora não comprovou qualquer fato específico que revele abalo emocional concreto, sofrimento psíquico, estigmatização social, privação de acesso a direitos básicos ou ofensa à sua honra, imagem ou intimidade. Não houve apresentação de prontuários médicos, atendimento psicológico, relatos técnicos ou qualquer outro documento idôneo nesse sentido. A ausência de comprovação de atividade econômica impactada, de desabastecimento de água e de restrição real ao lazer inviabiliza o reconhecimento de qualquer forma de dano moral juridicamente relevante. II.9 – DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO E DA AUSÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇÃO Conforme analisado, todos os fundamentos de fato apresentados pela parte autora carecem de prova mínima. Embora o desastre de Mariana seja indubitavelmente um evento de grande repercussão ambiental e social, a responsabilização civil em ações individuais exige a demonstração concreta do dano e do nexo causal específico, o que não se verificou no presente caso. Não preenchidos os pressupostos legais dos arts. 186 e 927 do Código Civil, inviável o acolhimento da pretensão indenizatória. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ANDREA FREITAS DO CARMO PEREIRA em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A. e BHP BILLITON BRASIL LTDA.. JULGO PREJUDICADOS os Embargos de Declaração interpostos pela FUNDAÇÃO RENOVA (ID 47462195), nos termos do art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC, por perda superveniente de objeto, em virtude da prolação desta sentença de mérito. Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil. Considerando, contudo, que a autora litiga sob o amparo da gratuidade da justiça (ID 27434633), suspendo a exigibilidade dessas verbas, na forma do artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil, devendo tal suspensão perdurar enquanto não comprovada alteração da situação de insuficiência de recursos. No cálculo, devem ser observadas as orientações constantes dos índices da CGJ/ES. Ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará à imposição da multa prevista pelo art. 1.026, § 2º do CPC. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Aldequias Dos Santos Silva e outros x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 309213226

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5010364-85.2022.8.08.0030

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

ALDEQUIAS DOS SANTOS SILVA LINDAMARA PAGUNG

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

RICARDO LOPES GODOY

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ELIAS TAVARES

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

ELIAS TAVARES

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5010364-85.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: LINDAMARA PAGUNG, ALDEQUIAS DOS SANTOS SILVA REQUERIDO: SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A., FUNDACAO RENOVA, BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) REQUERENTE: ELIAS TAVARES - ES10705 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogados do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288, RICARDO LOPES GODOY - MG77167 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de ação de reparação por danos materiais e morais, ajuizada por LINDAMARA PAGUNG e ALDEQUIAS DOS SANTOS SILVA em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., FUNDAÇÃO RENOVA e BHP BILLITON BRASIL LTDA., com fundamento na responsabilidade civil pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, na cidade de Mariana/MG. Os autores alegam que exerciam a atividade de pesca artesanal informal no Rio Doce, na região de Linhares/ES, desde 2013, com renda mensal estimada em R$ 2.400,00, proveniente da comercialização de aproximadamente 200 kg de pescado por mês. Afirmam que tiveram suas atividades inviabilizadas pelo desastre ambiental, não tendo sido reconhecidos como atingidos para fins de indenização nos programas da Fundação Renova. Pleiteiam o pagamento de R$ 288.000,00 por lucros cessantes e R$ 50.000,00 por danos morais, além de honorários advocatícios e inversão do ônus da prova. A inicial foi recebida com o deferimento da justiça gratuita (ID 18434604) e determinada a citação das rés. Foram apresentadas contestações por todas as requeridas: A SAMARCO suscitou as preliminares de prescrição, ilegitimidade passiva, ilegitimidade ativa e inépcia da inicial. No mérito, alegou ausência de provas quanto ao exercício da pesca, nexo causal e inexistência de danos indenizáveis. A VALE defendeu sua ilegitimidade passiva sob o fundamento de ser apenas acionista da Samarco, sem ingerência na gestão da barragem, sustentando também a ausência de responsabilidade objetiva e nexo causal. A BHP BILLITON BRASIL LTDA. argumentou em sentido análogo, requerendo sua exclusão do polo passivo, e impugnando os pedidos quanto à ausência de comprovação da atividade alegada pelos autores. A FUNDAÇÃO RENOVA, por sua vez, além de alegar ilegitimidade passiva, impugnou expressamente a veracidade das alegações dos autores, anexando documentos extraídos de seu sistema interno que revelam: ausência de vínculo com programas indenizatórios (PIM, AFE, Novel), cadastro realizado tardiamente (em 2021), e divergência nas declarações prestadas à fundação pelos próprios autores. Foi apresentada réplica pelos autores, por meio da qual impugnaram todas as preliminares, defenderam a aplicação da teoria da asserção quanto à legitimidade processual e reiteraram os pedidos formulados na inicial, requerendo produção de prova oral e testemunhal. Sobreveio despacho de saneamento (ID 36478671), no qual foram rejeitadas todas as preliminares suscitadas pelas rés, inclusive a de prescrição. O juízo firmou entendimento no sentido de que o prazo aplicável é o quinquenal do art. 27 do CDC, considerando os autores como consumidores por equiparação, bem como reconheceu a existência de causa interruptiva da prescrição com base no Termo de Ajustamento de Conduta firmado em 26/10/2018. Na mesma decisão, o juízo fixou os seguintes pontos controvertidos: a) responsabilidade civil das requeridas; b) existência dos prejuízos alegados; c) impacto da tragédia na atividade econômica e sustento dos autores; d) aplicabilidade dos parâmetros indenizatórios da Justiça Federal (ACP nº 1024973-82.2020.4.01.3800); e) extensão e quantum dos danos materiais e morais pleiteados. Foi fixada a distribuição do ônus da prova nos moldes do art. 373, incisos I e II do CPC. Deferiu-se a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED para obtenção do CNIS e do histórico trabalhista dos autores, bem como a produção de prova oral após o retorno das diligências. No curso do feito, os autores requereram a suspensão do processo (ID 56602262), sob o argumento de que buscam adesão ao Acordo Judicial de Reparação Integral (Repactuação), homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Sustentaram que a possibilidade de obter a reparação na via administrativa justifica a suspensão processual com base no art. 313, V, “a”, do CPC. Todas as rés manifestaram-se contrariamente à suspensão. A SAMARCO, a VALE, a BHP e a FUNDAÇÃO RENOVA argumentaram que o Acordo de Repactuação possui natureza extrajudicial facultativa, que não gera direito automático à indenização e cuja adesão exige comprovação de requisitos específicos. Alegaram que a suspensão sem comprovação de diligência concreta na via administrativa resultaria em retardo indevido da prestação jurisdicional. Adicionalmente, a decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 5018308-63.2024.8.08.0000, originado deste processo, rejeitou o pedido de concessão de efeito suspensivo formulado pela SAMARCO, reiterando que o prazo prescricional é quinquenal e que foi validamente interrompido em 26/10/2018, nos termos do art. 202, VI, do CC, reforçando a tempestividade do ajuizamento da ação (protocolo em 03/10/2022). A fase instrutória foi organizada mediante requerimento de especificação de provas por todas as partes. A parte autora arrolou testemunhas e reiterou pedido de produção de prova oral. As rés requereram diligências documentais e reiteraram seus argumentos defensivos nos termos dos IDs 29825761, 30193295, 30122126, entre outros. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO O objeto da presente demanda consiste na análise da responsabilidade civil das rés pelos alegados danos materiais e morais sofridos pelos autores, os quais afirmam ter exercido atividade de pesca artesanal na região de Linhares/ES e que teriam sido atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, no município de Mariana/MG. II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No presente caso, impõe-se o julgamento antecipado do mérito diante da ausência de elementos mínimos que corroborem as alegações centrais da parte autora e da inidoneidade da prova testemunhal arrolada para suprir tal deficiência probatória. Os documentos constantes dos autos contradizem frontalmente a narrativa de exercício habitual e remunerado da atividade pesqueira. As declarações testemunhais apresentadas limitam-se a relatos genéricos, sem força probatória autônoma, desprovidas de lastro documental ou correlação direta com os critérios objetivos definidos nos acordos judiciais de reparação. Em se tratando de demanda indenizatória baseada em fato constitutivo de direito material (condição de atingido), incumbe ao autor apresentar prova minimamente robusta de sua condição e do dano efetivamente suportado, ônus do qual não se desincumbiu. Dessa forma, ausentes provas minimamente aptas a demonstrar a alegada atividade pesqueira ou o vínculo com área diretamente impactada, mostra-se despicienda a designação de audiência de instrução, não se verificando qualquer cerceamento de defesa, mas sim a correta aplicação do poder-dever instrutório do magistrado, na forma do art. 370, parágrafo único, c/c art. 355, inciso I, ambos do CPC. Assim, considerando que os elementos documentais já coligidos são suficientes para esclarecer os fatos essenciais da controvérsia, e diante da inexistência de conteúdo fático probatório controverso que justifique a dilação, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, em consonância com a melhor técnica processual e com a orientação dominante nos tribunais estaduais e superiores. II.2 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. A jurisprudência do TJES é clara nesse sentido: “A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental exige a demonstração concreta do dano e do nexo causal, ainda que presumível o impacto ambiental.” (TJES, Apelação Cível 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, julgado em 18/12/2024). II.3 – DA INEXISTÊNCIA DE PROVA DE PREJUÍZOS INDENIZÁVEIS A análise dos pontos controvertidos “b” e “c”, fixados na decisão de saneamento (ID 36478671), demanda a verificação da existência de danos materiais e morais efetivamente suportados pelos autores, bem como do impacto concreto do rompimento da barragem sobre sua atividade econômica e meios de subsistência. Conforme os elementos constantes dos autos, os autores fundamentam seus pedidos na alegação de que exerciam, de forma informal, a atividade de pesca artesanal no Rio Doce, na região de Linhares/ES, desde o ano de 2013, com renda estimada em R$ 2.400,00 mensais, e que tal atividade teria sido completamente inviabilizada a partir do desastre ocorrido em novembro de 2015. Pleiteiam, assim, o pagamento de lucros cessantes e danos morais com base na perda de renda e dignidade profissional. Todavia, após a instrução probatória documental e a análise dos elementos constantes dos autos, verifica-se que não foram reunidas provas mínimas e idôneas que corroborem as alegações fáticas dos requerentes. Como assentado pela jurisprudência do TJES, a configuração do dano material, na modalidade de lucros cessantes, exige demonstração objetiva da perda de renda habitual e sua correlação com o evento danoso, o que não foi feito no caso concreto (TJES, ApCiv 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza, j. 22/02/2024). Além disso, não há registros no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), nem no Cadastro Técnico Federal (CTF) que atestem o exercício da pesca comercial por qualquer dos autores. Tampouco foram apresentados documentos fiscais, comprovantes de comercialização, contrato de fornecimento de pescado ou declaração de associação profissional. Os únicos documentos apresentados são autodeclarações e depoimentos testemunhais unilaterais, sem respaldo em registros públicos ou comprovantes objetivos. Tais elementos, isoladamente, não são suficientes para comprovar a condição de pescador artesanal ou o exercício econômico da pesca, conforme reiteradamente decidido pelo TJES: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido” (TJES, ApCiv 5005123-16.2021.8.08.0047, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 21/09/2023). “Não há como considerar que declarações unilaterais colacionadas aos autos sejam capazes de configurar o apelante na condição de pescador, notadamente pela ausência de outras provas para corroborar as alegações” (TJES, ApCiv 5002246-08.2021.8.08.0014, Rel. Des. Ewerton Schwab Pinto Junior, j. 24/11/2022). No que tange ao dano moral, é certo que a mera existência de um dano ambiental coletivo não gera, por si só, o direito à indenização individual, sendo indispensável a demonstração de violação concreta a direitos da personalidade da parte autora, o que não restou evidenciado. A jurisprudência do TJES é firme ao exigir prova específica de sofrimento ou abalo psicológico diretamente decorrente do evento, afastando alegações genéricas: “A degradação ambiental do Rio Doce, ainda que notória, não implica automaticamente a caracterização de danos morais individuais a todos os residentes da região” (TJES, ApCiv 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 07/04/2025). Por fim, destaca-se que a condição de atingido não pode ser presumida, nem mesmo diante da informalidade social que caracteriza parte da população ribeirinha. O direito à indenização exige, no mínimo, prova indiciária sólida da atividade exercida e do impacto direto suportado, sob pena de transformar o sistema judicial de reparação em mecanismo meramente declaratório e desvinculado da prova dos autos. Assim, ausente comprovação suficiente dos danos materiais (lucros cessantes) e dos danos morais individualizados, os pedidos formulados pelos autores devem ser julgados improcedentes, conforme art. 373, inciso I, do CPC, e à luz dos precedentes que têm se consolidado tanto no TJES quanto no TJMG em ações desta natureza. II.4 – DA INAPLICABILIDADE AUTOMÁTICA DA DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL A parte autora fundamenta parte relevante de sua pretensão na alegada aplicação, ao caso concreto, dos efeitos da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 1024973-82.2020.4.01.3800, em trâmite na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, que instituiu o Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL) e reconheceu o direito à indenização de determinados grupos profissionais e econômicos afetados pelo desastre de Mariana, inclusive pescadores informais não registrados formalmente. Contudo, no presente processo, não há como aplicar automaticamente os efeitos daquela decisão coletiva federal, por razões de ordem técnica, jurídica e fática. Inicialmente, cumpre destacar que a referida ação coletiva foi proposta pelo Ministério Público Federal e culminou em decisão que instituiu um mecanismo alternativo de reparação administrativa, viabilizando o acesso à indenização para categorias definidas em decisão judicial, conforme critérios objetivos e cronologia processual. Trata-se, portanto, de instrumento de cumprimento parcial do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) e de acordos firmados entre as rés e entes públicos, com finalidade consensual e reparatória, não vinculante para ações individuais que não aderiram formalmente ao sistema NOVEL ou não comprovaram que se enquadravam nos critérios estabelecidos judicialmente. A jurisprudência tem sido clara ao não admitir a extensão automática dos efeitos daquela decisão a autores que não demonstraram sua inclusão no sistema ou que, mesmo alegando pertencer a categorias elegíveis, não preencheram os critérios exigidos, como cadastro válido até 30/04/2020, comprovação mínima da atividade alegada, e manifestação inequívoca de adesão ou tentativa de adesão formal. No caso dos autos, os autores: Não se inscreveram no Sistema Indenizatório Simplificado dentro do prazo fixado judicialmente; Realizaram cadastro extemporâneo apenas em 2021, e ainda assim, apenas no Programa de Indenização Mediada (PIM), sem resultado prático (IDs constantes da contestação da Fundação Renova – ID 54356685); Apresentaram declarações divergentes quanto à atividade exercida: a autora LINDAMARA informou que trabalhava com artesanato e o autor ALDEQUIAS declarou renda eventual de R$ 400,00 a R$ 500,00 oriunda de pesca esporádica; Jamais integraram qualquer lote de pagamento do sistema NOVEL, tampouco comprovaram terem sido indevidamente excluídos. É importante mencionar que não basta alegar que se enquadra nas categorias reconhecidas na decisão da 12ª Vara Federal, sendo indispensável comprovar o efetivo exercício da atividade alegada e o cumprimento dos requisitos objetivos fixados naquele feito. Além disso, a própria decisão da Justiça Federal — conforme reconhecido nas manifestações das rés nos presentes autos — possui caráter facultativo e autônomo, não afetando o curso de ações individuais nem gerando vinculação para o juízo estadual. Como assinalado pela FUNDAÇÃO RENOVA e corroborado pela jurisprudência, não há direito adquirido à indenização fora do sistema simplificado quando a parte não aderiu tempestivamente, nem comprovou inequivocamente seu enquadramento na matriz de danos validada judicialmente. Portanto, a existência da decisão proferida na ACP federal não implica, por si só, o reconhecimento do direito à reparação na via judicial individual. Sua eficácia encontra limites objetivos e subjetivos, e sua invocação pela parte requer prova complementar mínima, que neste caso não foi apresentada. Assim, não se reconhece aplicabilidade direta ou automática da ACP nº 1024973-82.2020.4.01.3800 à presente demanda, nem tampouco se extrai de seu conteúdo presunção de legitimidade ativa ou de dano indenizável em favor dos autores. II.5 – DA AUSÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL Os autores requerem o pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 50.000,00, sustentando que a interrupção da atividade de pesca artesanal, decorrente do desastre ambiental de Mariana/MG, teria comprometido não apenas sua subsistência, mas também sua dignidade, identidade profissional e equilíbrio emocional. Entretanto, como já demonstrado nas seções anteriores, não há prova concreta da efetiva dependência econômica da atividade de pesca, tampouco da afetação direta dos autores em razão do rompimento da barragem. A alegação genérica de prejuízo psíquico decorrente da condição de “atingido presumido” não se sustenta diante da ausência de comprovação do vínculo material com a área impactada e com a atividade econômica efetivamente prejudicada. O dano moral, para ser indenizável, exige a comprovação de violação concreta a direitos da personalidade (art. 5º, incisos V e X, CF/88), sendo insuficiente o simples fato de residir em região atingida por tragédia ambiental ou de alegar subjetivamente sofrimento ou indignação. A jurisprudência tem sido taxativa nesse sentido, especialmente nas ações decorrentes do desastre de Mariana: “O dano moral indenizável exige a violação de direitos da personalidade ou sofrimento intenso e profundo, não sendo suficiente a degradação ambiental de uso coletivo para sua caracterização.” (TJES, ApCiv 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 07/04/2025). No presente caso, os autores não demonstraram qualquer prejuízo concreto à sua integridade psíquica, honra, vida privada ou identidade social, tampouco apresentaram laudos psicológicos, documentos clínicos, relatos específicos ou impactos individualizados sobre sua rotina ou vida pessoal. As alegações se limitam a termos genéricos sobre “tristeza”, “sofrimento” e “frustração” pela perda da atividade pesqueira — que, conforme visto, não foi comprovadamente exercida como ofício habitual e remunerado. Acrescenta-se que a jurisprudência do STJ e dos tribunais estaduais vem repelindo a ideia de que o dano moral, em contextos de dano ambiental coletivo, possa ser presumido indiscriminadamente, exigindo, ao revés, demonstração da ocorrência de ofensa específica e direta ao indivíduo: “A mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce para pesca e lazer, sem comprovação de prejuízo individual concreto, não configura dano moral indenizável.” (TJES, ApCiv 5001631-45.2023.8.08.0047, Rel. Des. Fábio Clem de Oliveira, j. 06/11/2024). “A interrupção do uso de área afetada e a demora na concessão de benefício administrativo não configuram, por si só, dano moral indenizável.” (TJES, ApCiv 0009102-59.2020.8.08.0030, Rel. Des. Fernando Estevam Bravin Ruy, j. 12/12/2024). A partir desse contexto, é possível afirmar, com segurança, que a parte autora não se desincumbiu do ônus probatório que lhe incumbia nos termos do art. 373, inciso I, do CPC. A narrativa subjetiva, dissociada de elementos concretos e de documentos externos aptos a evidenciar impacto pessoal ou psicológico, não legitima o acolhimento do pedido indenizatório por danos morais. Em casos análogos envolvendo pescadores ou ribeirinhos sem comprovação de vínculo com a atividade afetada, o TJES vem mantendo a improcedência do pedido, inclusive assentando que “a ausência de prova da atividade pesqueira esvazia a alegação de ofensa aos direitos da personalidade” (TJES, ApCiv 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sergio Ricardo de Souza, j. 22/02/2024). Assim, não comprovado o exercício da atividade econômica afetada, tampouco qualquer abalo individualizado à esfera íntima dos autores, mostra-se juridicamente inviável o reconhecimento de dano moral indenizável na presente demanda. II.6 – DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO Os autores requereram, por meio da petição protocolada sob o ID 56602262, a suspensão da presente demanda, com fulcro no art. 313, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil, sob o argumento de que estariam em tratativas para adesão ao Acordo de Repactuação Judicial firmado entre as rés e diversos entes públicos, homologado pelo Supremo Tribunal Federal em novembro de 2024. Sustentaram que a via administrativa instituída no âmbito do novo acordo poderia representar meio mais célere e eficaz de obtenção da reparação pretendida, o que justificaria a paralisação temporária do processo judicial. Contudo, após a intimação das partes para se manifestarem sobre o pedido (ID 62058306), todas as rés – SAMARCO, VALE, BHP e FUNDAÇÃO RENOVA – apresentaram impugnações fundamentadas, afirmando, em síntese, que: O Programa Indenizatório Definitivo (PID), previsto no Acordo de Repactuação, possui caráter facultativo, com critérios técnicos objetivos de elegibilidade, não gerando direito automático à indenização; A adesão ao programa implica renúncia irrevogável a eventuais ações judiciais, nos termos expressos do Anexo II do acordo; Os autores não demonstraram qualquer diligência efetiva no sentido de buscar a habilitação administrativa, tampouco juntaram aos autos pedido formal de adesão, protocolo de requerimento ou manifestação da Renova quanto à elegibilidade; A suspensão pleiteada, fundada apenas na expectativa genérica de solução extrajudicial, configura medida protelatória e atentatória aos princípios da celeridade, da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica. De fato, o art. 313, inciso V, alínea “a”, do CPC exige, para a suspensão do processo, a existência de motivo jurídico devidamente comprovado que torne impossível o regular prosseguimento da demanda, o que não se verifica na hipótese dos autos. A jurisprudência dos tribunais estaduais, em casos semelhantes, tem afastado o acolhimento de pedidos de suspensão baseados em meras especulações ou iniciativas administrativas não formalizadas: No presente caso, além de não comprovada a adesão ou tentativa concreta de adesão ao sistema indenizatório extrajudicial, o pedido de suspensão foi formulado apenas após a apresentação de todas as contestações, da réplica, da definição dos pontos controvertidos e da fase de saneamento, configurando estratégia processual incompatível com o momento procedimental e com os princípios que regem o processo civil moderno. Ademais, a suspensão do processo, nesta fase, implicaria a frustração do devido andamento da marcha processual, sem qualquer contraprestação real ou benefício mensurável à parte autora. Ressalte-se, por fim, que a via judicial e a via administrativa de reparação não são excludentes em sua origem, mas tornam-se incompatíveis no momento da transação, pois a celebração de acordo indenizatório definitivo com as rés implica quitação plena e renúncia expressa à pretensão judicial, o que não ocorreu no presente caso. Dessa forma, ausentes os requisitos legais e fáticos para a suspensão, INDEFIRO o pedido formulado pelos autores para suspensão do processo. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por LINDAMARA PAGUNG e ALDEQUIAS DOS SANTOS SILVA em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., FUNDAÇÃO RENOVA e BHP BILLITON BRASIL LTDA. Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (R$ 338.000,00), nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade em razão da concessão do benefício da justiça gratuita, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. No cálculo da condenação, deverão ser observadas as orientações constantes dos índices da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo (CGJ/ES). Ficam as partes advertidas de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais ou com finalidade meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do CPC. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos com as anotações de praxe. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Adeilson Piana De Oliveira x Fundacao Renova e outros

ID: 282349340

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5009390-14.2023.8.08.0030

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA

Polo Passivo:

FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

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RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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FERNANDO MOREIRA DRUMMOND TEIXEIRA

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MARCOS AURELIO DE ALMEIDA

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5009390-14.2023.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A. Advogado do(a) REQUERENTE: MARCOS AURELIO DE ALMEIDA - ES15205 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA propôs a presente ação de indenização por danos morais e materiais em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e VALE S.A., alegando que exercia pesca artesanal/amadora embarcada há mais de 20 anos nas regiões afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão (2015), atividade inviabilizada pela contaminação ambiental. Na petição inicial (ID 31186129), sustenta que se cadastrou na Fundação Renova (protocolo ADJ 20220428-152770), mas teve o pedido indeferido, apesar de apresentar documentação e provas fotográficas. Requer a condenação solidária das rés ao pagamento de R$ 94.585,00 por dano material e R$ 25.000,00 por dano moral, além da concessão de justiça gratuita, inversão do ônus da prova e produção de todas as provas admitidas em direito. Juntou documentos comprobatórios como procuração (ID 31186139), pedido de assistência judiciária gratuita (ID 31186141), CNH (ID 31186142), comprovante de endereço (ID 31186150), documentação de pescador (ID 31186152, ID 31186853), documentação da embarcação (ID 31186855), protocolo de requerimento (ID 31186857), exigência e justificativa documental (ID 31186861 e ID 31186862), negativa do requerimento (ID 31186865), matriz de danos (ID 31186867) e CNPJs das requeridas (IDs 31186870, 31186872, 31186874). A FUNDAÇÃO RENOVA apresentou contestação (ID 33620129) sustentando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa de ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA, por ausência de prova do exercício da pesca comercial à época do rompimento da barragem de Fundão, e requereu a extinção do feito sem julgamento de mérito com base no art. 485, VI, do CPC. Alegou que o autor não juntou qualquer documento que comprove atividade econômica regular de pesca nem vínculo com a localidade impactada à época dos fatos, apresentando licenças e registros apenas posteriores (2019, 2021 e 2022). No mérito, argumenta inexistirem provas de danos materiais ou morais, afirmando que as fotos juntadas são descontextualizadas, e que não houve demonstração de renda ou prejuízo efetivo. Aduziu que a carteira apresentada permite apenas pesca amadora, e que qualquer exercício comercial seria irregular, portanto, ilícito. Contestou também o pedido de inversão do ônus da prova, alegando que não se aplica a relação de consumo e que o autor não demonstrou hipossuficiência probatória. Ao final, pediu a improcedência total dos pedidos, inclusive dos danos morais, ou, alternativamente, que sejam arbitrados com moderação. Requereu condenação do autor em custas e honorários, e o indeferimento da produção de prova testemunhal. Na contestação de ID 33990951, a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. alega, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, sustentando que a responsabilidade pelas indenizações é exclusiva da Fundação Renova, conforme previsto no TTAC. Defende a inépcia da petição inicial por ausência de clareza quanto à atividade exercida e contradições nas alegações, além da ilegitimidade ativa do autor por não comprovar a prática regular e autorizada da pesca à época dos fatos. Argumenta que o autor não possui inscrição válida no RGP ou CTF, e que não apresentou prova de danos materiais ou morais, tampouco de nexo causal com o rompimento da barragem. Sustenta que pedidos por danos ambientais coletivos devem ser veiculados por ação civil pública e que não se aplica a inversão do ônus da prova. No mérito, requer a improcedência da ação ou, alternativamente, sua extinção sem resolução de mérito. Na contestação (ID 35325011), a VALE S.A. sustenta sua ilegitimidade passiva, afirmando que não teve qualquer ingerência sobre a barragem rompida, operada exclusivamente pela Samarco, sua coligada. Alega que, mesmo se houvesse responsabilidade, ela seria apenas subsidiária, não solidária. Aponta também a ilegitimidade ativa do autor, por ausência de comprovação de que exercia pesca à época dos fatos, e ausência de interesse de agir quanto ao pedido de reparação ambiental, por se tratar de direito difuso. No mérito, nega nexo causal, contesta a aplicação da responsabilidade objetiva e afirma que o autor não comprovou danos materiais, morais ou lucros cessantes, nem que foi efetivamente impactado. Por fim, requer a improcedência total da ação ou, subsidiariamente, a fixação moderada de eventual indenização. Nas três réplicas apresentadas, o autor rebateu os argumentos das contestações de VALE S.A. (ID 41842732), SAMARCO MINERAÇÃO S.A. (ID 41842723) e FUNDAÇÃO RENOVA (ID 41842712). Reafirmou que exerce atividade de pesca informal, motivo pelo qual não possui documentação formal e se enquadra entre os atingidos com dano de difícil comprovação, conforme reconhecido pelo sistema NOVEL. Sustenta que a responsabilidade das rés é objetiva e solidária, nos termos do art. 927 do CC e art. 17 do CDC, e que todas atuaram diretamente ou por grupo econômico na cadeia de causação do desastre ambiental. Invoca jurisprudência do TJES e STJ para justificar a aplicação da inversão do ônus da prova, dada sua hipossuficiência e a caracterização de acidente de consumo ambiental. Reitera a existência de danos materiais, decorrentes da cessação da atividade de pesca, e danos morais, pela perda da fonte de renda e frustração no acesso à reparação extrajudicial. Ao final, requer a procedência total da ação, com indenização conforme os parâmetros da Fundação Renova. Na decisão de saneamento processual proferida em ID 45365060, o juízo afastou todas as preliminares suscitadas pelas rés VALE S.A., SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e FUNDAÇÃO RENOVA, reconhecendo a legitimidade ativa do autor ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA, bem como a legitimidade passiva das rés. Rejeitou a alegação de ilegitimidade por ausência de RGP, destacando que a informalidade da atividade de pesca permite a comprovação por outros meios. Rejeitou também a preliminar de inépcia da inicial, reconhecendo que os fatos foram descritos de forma suficiente. Quanto ao pedido de indenização por dano ambiental, reconheceu que o autor possui legitimidade para pleitear danos individuais reflexos, como danos morais. Fixou os pontos controvertidos e determinou a expedição de ofícios ao INSS e CAGED para juntada dos registros de vínculos e contribuições. Intimou as partes para especificarem provas, sob pena de preclusão. VALE S.A. (ID 52414053) informou não ter interesse na produção de novas provas, reiterando a inexistência de nexo de causalidade e de responsabilidade pelos danos alegados. Alegou que já há elementos suficientes nos autos para julgamento antecipado da lide, destacando jurisprudência que reconhece sua ilegitimidade passiva em casos semelhantes. ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA, autor da ação (ID 56302724), requereu expressamente a produção de prova testemunhal, para comprovar que realizava pesca amadora embarcada, indicando três testemunhas para oitiva. SAMARCO MINERAÇÃO S.A. (ID 56337306) reafirmou que o autor não apresentou provas da atividade de pesca profissional, alegando ausência de RGP, CTF ou documentos fiscais que comprovem renda ou atividade regular. Por isso, também pugnou pelo julgamento antecipado da lide e improcedência dos pedidos. FUNDAÇÃO RENOVA (ID 56600822) igualmente declarou não pretender produzir novas provas e requereu o julgamento antecipado da lide com base na alegada ausência de lastro probatório trazido pelo autor. É o que havia a relatar. Passo a decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No presente caso, a decisão de saneamento (ID 45365060) delimitou os pontos controvertidos e fixou a distribuição do ônus da prova, incumbindo à parte autora a demonstração do exercício da atividade pesqueira e do nexo causal com os danos alegados. Em resposta, o autor ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA requereu apenas a produção de prova testemunhal (ID 56302724), com o objetivo de comprovar sua condição de pescador informal e os supostos prejuízos materiais e morais suportados. Contudo, a análise detida dos autos revela que o autor não apresentou qualquer prova documental contemporânea ao desastre, ocorrido em novembro de 2015, nem mesmo indícios materiais mínimos que demonstrem o exercício da pesca à época. Os documentos acostados aos autos são manifestamente posteriores ao evento danoso: carteira de pescador emitida apenas em 2022 (ID 31186853), inscrição de embarcação em 2019 (ID 31186855) e boletim de habilitação de amador expedido em 2021. Há, ainda, nos autos uma licença para pesca amadora datada de 2010, com validade de 12 meses (ID 31186853). Embora esse documento possa constituir indício remoto da prática da atividade no passado, não é apto a comprovar a continuidade ou a vigência da atividade no ano de 2015, especialmente diante da ausência de qualquer renovação da licença ou outro documento que indique o exercício da pesca entre 2011 e o evento danoso. Também inexiste comprovação de renda, recibos de venda de pescado, notas fiscais, laudos, vínculos associativos ou qualquer outro meio material que evidencie impacto direto na subsistência do autor. Nenhum elemento nos autos demonstra que o autor teve sua atividade interrompida pelo desastre ou que sua situação tenha se alterado em decorrência dele. Em reforço, a jurisprudência do TJES tem reiterado que a prova exclusivamente testemunhal, quando desacompanhada de qualquer início de prova material, é insuficiente para fundamentar pedido indenizatório: APELAÇÃO CÍVEL. DESASTRE AMBIENTAL. BARRAGEM DE MARIANA/MG. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO. RECURSO DESPROVIDO. (...) Apesar de ser incontestável o dano ambiental e os prejuízos causados aos pescadores e comerciantes que dependiam economicamente do exercício de sua atividade nas áreas afetadas, o ressarcimento pretendido pela apelante demanda escorreita comprovação de que exercia a atividade pesqueira à época do desastre ambiental e que teve a sua subsistência prejudicada por ele, a fim de justificar o recebimento de indenização a ser paga pela responsável pelo evento danoso. (...) A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial, tais como registros de embarcação, carteira de pescador profissional, recibos de comercialização ou declaração de associação de pescadores. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações. (...) A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização. (TJES, Ap. Cív. 5003559-31.2023.8.08.0047, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 18/12/2024) Dessa forma, a ausência de prova documental relevante e a opção da parte autora por instrução baseada exclusivamente em prova oral revelam-se insuficientes à luz dos critérios jurídicos e probatórios exigidos em demandas indenizatórias de natureza individual, especialmente quando relacionadas ao desastre de Mariana. Impunha-se à parte autora demonstrar, com elementos minimamente objetivos, sua condição profissional à época do rompimento da barragem, o que não ocorreu, malgrado a oportunidade processual que lhe foi concedida. Ausente tal comprovação, não há como submeter o feito a instrução probatória inócua. Diante disso, considerando a suficiência dos elementos constantes dos autos, a ausência de prova documental essencial, e a jurisprudência pacífica que rechaça o reconhecimento de direito à indenização com base apenas em alegações e testemunhos desacompanhados de suporte material, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do CPC. Tal medida não configura cerceamento de defesa ou violação ao contraditório, mas sim aplicação técnica e proporcional dos princípios que regem o processo civil contemporâneo. II.2 - DO MÉRITO II.2.1 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.2.2 – DOS PREJUÍZOS ALEGADOS, DO IMPACTO ECONÔMICO E DA EXTENSÃO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS A presente demanda foi ajuizada sob o fundamento de que o autor, ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA, teria exercido atividade de pesca informal nas regiões do Rio Doce e litoral de Linhares/ES, vindo a sofrer prejuízos em decorrência da contaminação ambiental causada pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, no município de Mariana/MG. Cumpre, portanto, examinar se há nos autos comprovação minimamente idônea dos seguintes elementos essenciais à configuração do dever de indenizar: (i) o efetivo exercício da atividade pesqueira à época do evento; (ii) o impacto do desastre ambiental sobre tal atividade; (iii) os prejuízos econômicos e morais decorrentes; e (iv) a extensão e o valor do dano. O autor alega que exercia pesca amadora embarcada há mais de 20 anos, em locais supostamente atingidos pelo desastre. No entanto, não apresenta qualquer documento contemporâneo ao evento danoso que evidencie o exercício da atividade pesqueira no período relevante. A única licença apresentada refere-se a pesca amadora, emitida em 2010 com validade de 12 meses (ID 31186853). Tal documento, embora possa indicar a prática da pesca em passado remoto, não é apto, por si só, a comprovar a manutenção da atividade até o rompimento da barragem, ocorrido cinco anos após o vencimento do referido título. Os demais documentos juntados aos autos são manifestamente posteriores ao desastre: a carteira de pescador foi emitida em 2022 (ID 31186853), a inscrição da embarcação data de 2019 (ID 31186855) e o boletim de habilitação náutica é de 2021. Tais elementos não servem para comprovar a atividade à época do evento, nem permitem concluir que a pesca compunha a subsistência do autor em novembro de 2015. Não constam dos autos notas fiscais, recibos de comercialização, comprovantes de renda, laudos técnicos, filiação a colônias de pescadores, registros associativos ou qualquer outro elemento que evidencie o exercício contínuo da atividade no período do desastre, tampouco sua importância como meio de vida e de sustento. Dessa forma, não é possível afirmar, com base no acervo probatório, que a atividade exercida pelo autor — se exercida foi — tenha sido efetivamente impactada pelo rompimento da barragem de Fundão. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo tem se posicionado de forma rigorosa quanto à necessidade de prova específica do exercício da atividade no momento do desastre. Em caso diretamente correlato, assim decidiu a 3ª Câmara Cível: “No caso em exame, o recorrente não juntou provas documentais ou testemunhais aptas a comprovar, minimamente, suas alegações quanto ao exercício de atividade pesqueira, bem como de ter sido impedido de exercer atividade laborativa por conta do evento danoso descrito nos autos. [...] Malgrado seja público e notório o ato ilícito imputado às apeladas, não cuidou o apelante de comprovar, minimamente, os alegados danos suportados em decorrência do rompimento da barragem, afastando, portanto, a responsabilidade daquelas em indenizar os danos que o recorrente alega ter sofrido.” (TJES, Ap. Cív. 5005859-34.2021.8.08.0047, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza, j. 22/02/2024) No mesmo sentido, em julgamento de agravo de instrumento envolvendo pretensão semelhante de pescador não registrado, o TJES reafirmou que: “A parte autora postula como causa de pedir a reparação dos danos causados ao exercício da atividade de pesca profissional [...], devendo, assim, provar o exercício de tal atividade, a qual encontra-se, inclusive, condicionada à inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), nos termos da Lei nº 11.959/09, regulamentada pelo Decreto nº 8.425/15. [...] Na medida em que a prova documental apresentada não se mostra suficiente para atestar que à época do rompimento da barragem exercia atividade pesqueira, imperiosa a reforma da decisão objurgada.” (TJES, AI 5001733-77.2024.8.08.0000, Rel.ª Des.ª Débora Maria Ambos Correa da Silva, j. 09/09/2024) Sem essa comprovação, não se pode reconhecer prejuízo econômico algum, tampouco se cogita a condenação das rés ao pagamento de indenização por lucros cessantes, cuja configuração exige prova objetiva e segura do rendimento interrompido, nos termos do art. 402 do Código Civil. A responsabilidade civil, mesmo em se tratando de dano ambiental, exige a presença cumulativa de três elementos: conduta, dano e nexo de causalidade. Ainda que o desastre ocorrido em Mariana/MG seja fato notório e de reconhecida gravidade, é indispensável a demonstração, no plano individual, de que o autor exercia uma atividade diretamente atingida e que houve efetivo impacto sobre sua condição de vida. Não há nos autos comprovação de que o autor atuava em região de pesca diretamente impactada pela lama, tampouco que sua renda ou subsistência dependiam da referida atividade. A informalidade do ofício, por si só, não dispensa a apresentação de elementos mínimos de habitualidade, territorialidade e verossimilhança, especialmente em sede de ação individual indenizatória. Do mesmo modo, não se comprovou residência do autor em local sabidamente afetado pela contaminação hídrica ou por suspensão de abastecimento de água potável, tampouco consta recebimento de benefício típico da categoria, como o seguro-defeso. Na mesma linha, a ausência de comprovação da condição de pescador repercute igualmente na inviabilidade da indenização por danos morais. A jurisprudência do TJES é clara ao estabelecer que, para a configuração do dano moral, é imprescindível a prova do abalo concreto, pessoal e significativo à esfera de direitos da personalidade: “A ausência de comprovação pelo apelante de ser pescador não profissional esvazia a alegação de ofensa aos direitos da personalidade fundamentado em abalo psicológico sofrido.” (TJES, Ap. Cív. 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza, j. 06/03/2023) No caso concreto, o autor não apresentou qualquer documento médico, psicológico, social ou mesmo declaração de terceiros com qualificação técnica que indicasse sofrimento intenso, humilhação ou violação da dignidade. Tampouco demonstrou alteração significativa no modo de vida, exclusão social, exposição vexatória ou qualquer outro indicativo de abalo moral indenizável. A jurisprudência também já assentou que a frustração com programas indenizatórios extrajudiciais, como a negativa administrativa da Fundação Renova, não é suficiente para gerar, por si só, direito à compensação moral. É necessário que haja sofrimento concreto, real, e vinculado à violação individual de direitos da personalidade, o que não se verifica. “A mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce para pesca e lazer, sem comprovação de prejuízo individual concreto, não configura dano moral indenizável.” (TJES, Ap. Cív. 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 07/04/2025) Por fim, não havendo prova do fato constitutivo do direito, inviabiliza-se qualquer apreciação sobre quantum indenizatório, seja material, seja moral. A jurisprudência é firme em exigir parâmetros objetivos e elementos concretos que viabilizem o exercício fundamentado do poder de arbitramento judicial — o que não está presente na hipótese. Assim, diante da ausência de comprovação da atividade à época dos fatos, da inexistência de nexo causal entre o desastre e qualquer prejuízo específico, e da falta de prova de dano moral individualizado, não há suporte fático ou jurídico para acolhimento dos pedidos indenizatórios formulados. Adicionalmente, cumpre esclarecer que o fato de o autor alegar se enquadrar nas categorias indenizáveis reconhecidas em decisões da Justiça Federal, especialmente no âmbito do Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL), estruturado a partir da ACP nº 1050686-59.2020.4.01.3800, não gera, por si só, direito subjetivo à indenização no âmbito judicial individual. Conforme já pacificado pela jurisprudência do TJES, as decisões proferidas pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte e os parâmetros estabelecidos no sistema NOVEL vinculam exclusivamente o processo coletivo e a via extrajudicial, não tendo eficácia erga omnes automática para ações individuais. Nessa perspectiva, a adesão ao programa NOVEL é facultativa, e a negativa administrativa por ausência de comprovação documental não transfere à Justiça Estadual o dever de reconhecer, por presunção, os requisitos de elegibilidade negados na via técnica. Assim, em sede de ação individual, permanece íntegro o ônus do autor de demonstrar os fatos constitutivos do direito indenizatório alegado (CPC, art. 373, I), não sendo possível presumir, com base apenas em categorização geral do sistema NOVEL, o exercício da atividade pesqueira, o impacto e o dano concreto. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ADEILSON PIANA DE OLIVEIRA em face de FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A. e VALE S.A., nos termos da fundamentação supra, que integra esta parte dispositiva para todos os fins. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade, em razão da gratuidade da justiça deferida, conforme artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal. No cálculo, devem ser observadas as orientações constantes dos índices da CGJ/ES. Advirto que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com intuito meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Genilson Oliveira De Sousa x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 282349206

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5012680-71.2022.8.08.0030

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

GENILSON OLIVEIRA DE SOUSA

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

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RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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FERNANDO MOREIRA DRUMMOND TEIXEIRA

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CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

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CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5012680-71.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: GENILSON OLIVEIRA DE SOUSA REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) REQUERENTE: CARLOS GOMES MAGALHAES JUNIOR - ES14277 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO GENILSON OLIVEIRA DE SOUSA ajuizou a presente ação de indenização por danos materiais e morais em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA, aduzindo ter sido atingido pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, no município de Mariana/MG, evento este que teria causado a paralisação de suas atividades econômicas de pesca artesanal, bem como o comprometimento de suas condições de vida e da qualidade da água em sua localidade. Na inicial (ID 20294163) Sustenta que, apesar de reconhecer o recebimento parcial de valores no âmbito de programas extrajudiciais de reparação, não foi devidamente compensado por todos os danos sofridos, motivo pelo qual busca tutela jurisdicional para fins de complementação indenizatória. Fundamenta seu pedido na responsabilidade objetiva das rés, com base na Constituição Federal, Código Civil e Lei nº 6.938/81, invocando ainda decisões judiciais em ações coletivas e precedentes do STJ sobre o tema. Requer a condenação das rés ao pagamento de: (i) R$ 30.520,00 por privação de lazer; (ii) R$ 40.000,00 por ausência de água por 20 dias; (iii) R$ 35.148,00 a título de AFE retroativo desde 01/07/2020; (iv) valores mensais de 1 salário mínimo a título de AFE até a recomposição do meio ambiente; além de honorários advocatícios e justiça gratuita. Fundamenta seus pedidos também em laudos, notícias jornalísticas e decisões da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG, buscando, com a presente demanda, a reparação integral dos danos que entende ter sofrido. Com a inicial, vieram documentos, incluindo procuração (ID 20294172), declaração de hipossuficiência (ID 20294185), cópias de documentos pessoais (ID 20294191), comprovantes de residência (ID 20294653), tabela de danos (ID 20294672), além de decisões administrativas e julgados proferidos em outros processos (IDs 20294683, 20294702, 20295021, 20295026, 20295031, 20295034, 20295045). Na contestação (ID 29585140), a BHP Billiton Brasil Ltda. sustenta, preliminarmente, a prescrição do pedido de indenização por danos morais, a inépcia da petição inicial por ausência de fundamentação fática concreta e a sua ilegitimidade passiva, por não ser operadora da barragem de Fundão, mas apenas acionista da Samarco. No mérito, alega que não há prova de dano efetivo nem de nexo causal com os fatos narrados, impugna todos os documentos apresentados pela parte autora e defende que a responsabilidade civil no caso seria subjetiva, afastando a aplicação do risco integral. Requer, assim, a extinção do processo ou, subsidiariamente, a improcedência total dos pedidos. Na contestação (ID 29785541), a FUNDAÇÃO RENOVA afirma que o autor já foi indenizado pelo Programa NOVEL, recebendo R$ 80.477,54 com quitação plena e definitiva de todos os danos, inclusive o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). Alega, em preliminar, falta de interesse de agir, perda do objeto, ilegitimidade ativa e inépcia da inicial. No mérito, sustenta que não há provas de danos morais, materiais ou de dependência econômica, impugnando os pedidos de indenização por lazer, água e AFE. Requer a improcedência da ação e condenação da parte autora em custas e honorários. Na contestação (ID 29810684), a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. alega, preliminarmente, a existência de coisa julgada, pois o autor ajuizou ação anterior idêntica (proc. nº 0014503-78.2016.8.08.0030), com trânsito em julgado. Sustenta também a falta de interesse de agir, já que o autor aderiu ao sistema NOVEL com quitação integral. Aponta ainda ilegitimidade passiva, pois não gere o programa de indenizações. No mérito, afirma que a petição inicial é inepta e que o autor não comprovou danos nem atividade de pesca profissional, pleiteando, assim, a extinção do feito ou improcedência dos pedidos, com condenação por litigância de má-fé. Na contestação (ID 29857406), a VALE S.A. alega preliminarmente sua ilegitimidade passiva e a falta de interesse de agir do autor, afirmando que não operava a barragem rompida e que eventual responsabilidade seria apenas subsidiária. No mérito, sustenta que não há prova de nexo causal nem de dano moral, e que as alegações do autor são genéricas e não comprovadas. Rejeita a aplicação da responsabilidade objetiva e requer a improcedência da ação ou, alternativamente, que eventuais indenizações sigam os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Na réplica (ID 34022858), o autor Genilson Oliveira de Sousa refuta as preliminares das rés, reafirmando que Vale e BHP, como acionistas da Samarco, são solidariamente responsáveis pelos danos do rompimento da barragem. Sustenta sua legitimidade ativa, já que foi reconhecido como pescador de fato, e defende a validade da ação individual com base na teoria do risco integral e na jurisprudência do STJ. Requer a inversão do ônus da prova, a produção de prova testemunhal e o acolhimento integral dos pedidos iniciais. Na decisão de saneamento (ID 40018627), o juízo rejeitou todas as preliminares das rés (ilegitimidade ativa e passiva, inépcia da inicial, falta de interesse de agir e impugnação à justiça gratuita), reconhecendo a regularidade da petição inicial e a legitimidade do autor com base na teoria da asserção. O processo foi declarado saneado, com a fixação dos pontos controvertidos e deferida a produção de provas, incluindo a requisição de dados ao INSS e CAGED e a intimação das partes para especificar outras provas. GENILSON OLIVEIRA DE SOUSA solicitou a produção de prova oral, incluindo o depoimento pessoal dos representantes das rés e a oitiva de testemunhas, para comprovar sua condição de vítima do desastre, os danos por privação de lazer e desabastecimento de água, e a responsabilidade das requeridas. BHP Billiton Brasil Ltda. informou não ter mais provas a produzir, ratificando os documentos já anexados e solicitando habilitação de novo advogado. VALE S.A. também declarou não possuir novas provas a apresentar, reafirmando sua tese de ausência de responsabilidade e ilegitimidade passiva, e destacando precedentes jurisprudenciais que excluem a Vale do polo passivo em casos semelhantes. FUNDAÇÃO RENOVA manifestou-se no sentido de que não pretende produzir mais provas, considerando suficiente o acervo documental já constante dos autos. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No presente feito, após a prolação da decisão de saneamento (ID 40018627), que delimitou objetivamente os pontos controvertidos e distribuiu o ônus da prova nos moldes do art. 373 do CPC, a parte autora manifestou interesse na produção de prova oral (ID 46738398), requerendo a oitiva de testemunhas e o depoimento pessoal dos representantes das rés, com o objetivo de demonstrar sua condição de vítima do desastre, em especial no que se refere à privação de lazer, à interrupção no fornecimento de água e ao suposto impacto sobre a atividade pesqueira informal. Contudo, a despeito da gravidade dos fatos narrados e da notoriedade do desastre ambiental ocorrido em Mariana/MG, a parte autora não instruiu os autos com qualquer prova documental contemporânea aos eventos que indicasse, ainda que indiciariamente, o exercício de atividade econômica diretamente afetada pelo rompimento da barragem, tampouco demonstrou residência em localidade comprovadamente atingida pela suspensão de abastecimento de água, conforme exigido pela jurisprudência consolidada do TJES. Em vez de juntar elementos técnicos ou documentos públicos ou privados que reforçassem a verossimilhança das alegações iniciais, a parte autora limitou-se a reiterar a existência de indenização parcial recebida em razão do reconhecimento como pescador de fato, e a pleitear complementação com base em supostos danos morais genéricos e não individualizados. Não há, nos autos, qualquer documento médico, social ou pericial que comprove abalo psicológico concreto, dano patrimonial efetivo, ou privação de bens essenciais à dignidade humana, tais como acesso à água potável ou insumos alimentares básicos. Os elementos apresentados consistem em declarações unilaterais, alegações genéricas e recortes jornalísticos, que não demonstram de forma idônea o nexo causal individualizado entre o evento danoso e os prejuízos alegadamente suportados. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em linha com o Superior Tribunal de Justiça, é firme ao reconhecer que a mera menção à possibilidade de reparação administrativa futura ou a adesão parcial ao sistema NOVEL não substitui a demonstração do direito em juízo (cf. TJES, ApCiv 5006174-16.2021.8.08.0030 e ApCiv 5007979-33.2023.8.08.0030). Da mesma forma, a ausência de prova documental mínima inviabiliza o reconhecimento do dano moral ou material, sendo inadmissível a presunção de dano com base em generalidades extraídas de um evento coletivo, sem comprovação do impacto direto na esfera jurídica do demandante. Portanto, a inércia probatória da parte autora quanto aos elementos objetivos indispensáveis à configuração do dano e do nexo de causalidade impede o acolhimento dos pedidos, tornando dispensável a produção de prova oral para fatos cuja demonstração exige, antes, substrato mínimo documental ou técnico. Conforme reiterado pela jurisprudência, a prova oral, isoladamente considerada e desacompanhada de início de prova material, é insuficiente para comprovar o exercício de atividade econômica e o consequente prejuízo indenizável em ações individuais. Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado paradigmático, aplicável ao caso concreto: APELAÇÃO CÍVEL. DESASTRE AMBIENTAL. BARRAGEM DE MARIANA/MG. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO. RECURSO DESPROVIDO. (...) Apesar de ser incontestável o dano ambiental e os prejuízos causados aos pescadores e comerciantes que dependiam economicamente do exercício de sua atividade nas áreas afetadas, o ressarcimento pretendido pela apelante demanda escorreita comprovação de que exercia a atividade pesqueira à época do desastre ambiental e que teve a sua subsistência prejudicada por ele, a fim de justificar o recebimento de indenização a ser paga pela responsável pelo evento danoso. (...) A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial, tais como registros de embarcação, carteira de pescador profissional, recibos de comercialização ou declaração de associação de pescadores. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações. (...) A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização. (TJES, Ap. Cív. 5003559-31.2023.8.08.0047, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 18/12/2024) Diante da suficiência dos elementos constantes dos autos, da ausência de provas documentais relevantes, da opção da parte autora por não instruir adequadamente a demanda, e considerando que o julgamento do mérito prescinde da produção de provas adicionais, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC, sem que tal providência configure cerceamento de defesa ou violação ao contraditório. II.2 - DO MÉRITO II.2.1 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.2.2 – DOS PREJUÍZOS ALEGADOS, DO IMPACTO ECONÔMICO, DO NEXO CAUSAL E DA EXTENSÃO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS A parte autora, Genilson Oliveira de Sousa, fundamenta sua pretensão indenizatória na ocorrência do desastre ambiental provocado pelo rompimento da Barragem de Fundão, em 05 de novembro de 2015, na cidade de Mariana/MG, sustentando que tal evento teria ocasionado impactos diretos em sua subsistência, lazer e acesso à água potável. Dentre os prejuízos alegados, destacam-se a interrupção da atividade pesqueira informal, a privação do uso recreativo do rio e litoral e os transtornos relacionados ao desabastecimento de água na localidade de Regência, distrito de Linhares/ES, onde afirma residir. Contudo, a análise detida dos autos demonstra que tais alegações não foram minimamente comprovadas, nem sob o ponto de vista documental, tampouco sob perspectiva técnica ou pericial. O autor não juntou aos autos quaisquer elementos probatórios contemporâneos aos fatos — tais como registros no RGP, carteiras de pescador, recibos de comercialização de pescado, documentos de associações, fotos georreferenciadas, notas fiscais ou registros bancários — que evidenciassem, ainda que indiciariamente, o exercício regular ou mesmo esporádico da pesca com fins econômicos no período imediatamente anterior ou posterior ao evento danoso. Ademais, não há comprovação da residência do autor em área efetivamente afetada pelo desabastecimento de água ou por restrições diretas decorrentes da contaminação hídrica. Tampouco se verifica prova de que a atividade informal eventualmente exercida estivesse atrelada a áreas atingidas pela pluma de rejeitos. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo é firme ao exigir a comprovação do exercício da atividade econômica atingida, bem como da residência em local impactado, para fins de deferimento da reparação pretendida: “A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização.” (TJES, ApCiv 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Munhoz, julgado em 18/12/2024). No tocante aos danos materiais, estes foram pleiteados sob a forma de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), no valor retroativo de R$ 35.148,00, além de valores mensais até a recomposição ambiental. No entanto, o AFE pressupõe, conforme critérios fixados judicialmente, prova da dependência econômica da atividade impactada, além da ausência de outras fontes formais de renda, elementos esses completamente ausentes dos autos. Conforme reafirmado pelo TJES, a indenização por lucros cessantes não é admitida sem prova efetiva do exercício da atividade produtiva e da renda suprimida, não bastando alegações genéricas ou declarações unilaterais: “A indenização por lucros cessantes não é admitida sem sua efetiva comprovação, devendo ser rejeitados os lucros presumidos ou hipotéticos, dissociados da realidade efetivamente comprovada.” (TJES, ApCiv 0006097-63.2019.8.08.0030, Rel. Des. Janete Vargas Simões, julgado em 28/03/2023). Quanto aos danos morais, o autor os fundamenta em três vertentes: (i) privação do lazer, (ii) interrupção no fornecimento de água e (iii) abalo psíquico pelo comprometimento da subsistência. Porém, inexiste nos autos qualquer demonstração objetiva de sofrimento pessoal, lesão à honra, saúde ou dignidade. Tampouco foram acostados documentos médicos, psicológicos ou relatos técnicos que evidenciem abalo anímico significativo. A jurisprudência é clara ao diferenciar danos morais coletivos presumíveis — de tutela difusa e impróprios à ação individual — daqueles que exigem prova concreta e individualizada: “A degradação ambiental do Rio Doce, ainda que notória, não implica automaticamente a caracterização de danos morais individuais. Cabe à parte autora comprovar o dano alegado, nos termos do art. 373, § 2º, do CPC, não se admitindo presunção genérica de sofrimento moral.” (TJES, ApCiv 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, julgado em 07/04/2025). No tocante ao nexo causal, não restou demonstrado que os danos alegados decorrem de condutas atribuíveis às rés, individualmente consideradas. A ausência de vínculo documental entre o autor e o cenário fático narrado impede a aplicação da responsabilidade objetiva ambiental, fundada na teoria do risco integral (art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81), pois não há demonstração de que o autor se enquadre no grupo de atingidos de forma direta e pessoal, nos moldes exigidos pela jurisprudência dominante. Ainda que tenha havido indenização parcial em âmbito administrativo, reconhecendo a condição de pescador de fato, tal fato, isoladamente, não autoriza a presunção automática de outros danos compensáveis, como os decorrentes de privação de lazer ou de fornecimento de água, os quais dependem de comprovação autônoma e individual, como decidiu o TJES: “A interrupção do uso de área afetada e a demora na concessão de benefício administrativo não configuram, por si só, dano moral indenizável.” (TJES, ApCiv 0009102-59.2020.8.08.0030, Rel. Des. Fernando Estevam Bravin Ruy, julgado em 12/12/2024). Por todo o exposto, conclui-se que o autor não demonstrou os elementos essenciais da responsabilidade civil — fato, dano e nexo de causalidade — em relação aos danos materiais e morais pleiteados. A ausência de comprovação mínima e objetiva do impacto individual suportado, aliada à inexistência de demonstração de vínculo com atividade econômica atingida ou com área efetivamente impactada, impõe o indeferimento integral dos pedidos. II.2.3 – DA INEXISTÊNCIA DE DIREITO INDENIZATÓRIO AUTOMÁTICO COM BASE EM DECISÃO PROFERIDA PELA JUSTIÇA FEDERAL A parte autora sustenta que teria direito à percepção de indenização adicional com fundamento em decisões proferidas pela Justiça Federal, notadamente pela 12ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais, que, no contexto do desastre da Barragem de Fundão, proferiu decisões reconhecendo a criação e regulamentação do Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL), bem como deferiu sentenças homologatórias de acordos coletivos e individuais firmados com base nos parâmetros de danos presumidos para categorias impactadas. Todavia, a pretensão do autor — de se beneficiar automaticamente dos efeitos de decisões judiciais proferidas em ações coletivas na Justiça Federal — não se sustenta à luz do ordenamento jurídico e da jurisprudência consolidada, uma vez que: (a) Não há extensão automática dos efeitos da decisão coletiva para a esfera individual Embora o Sistema Indenizatório Simplificado tenha sido estabelecido judicialmente em ações civis públicas de abrangência coletiva, os seus efeitos são restritos às condições e categorias expressamente previstas no próprio sistema, dependendo de adesão voluntária do interessado e comprovação mínima de elegibilidade. A adesão ao sistema substitui a via judicial somente no que for expressamente acordado e, uma vez concluído com quitação ampla e irrestrita, obsta nova postulação com base nos mesmos fatos. Neste ponto, observa-se que a parte autora foi indenizada administrativamente, como pescador de fato, conforme confessado na própria petição inicial, e agora busca judicialmente a complementação de valores com base na alegação de que não recebeu reparação pelos danos relativos à privação de lazer, falta de água e ausência de AFE retroativo. Contudo, não há decisão judicial da Justiça Federal que estabeleça, de forma genérica, direito automático à indenização complementar em juízo, tampouco há determinação de estender os efeitos da sentença coletiva às ações individuais sem a devida comprovação fática. (b) A jurisprudência do TJES é firme em exigir comprovação individual do dano e do nexo causal A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo afasta expressamente a possibilidade de presumir danos individuais com base em decisões coletivas proferidas no âmbito federal, como se observa no precedente a seguir: “A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear em danos sofridos pela coletividade.” (TJES, ApCiv 0006097-63.2019.8.08.0030, Rel. Des. Janete Vargas Simões, julgado em 28/03/2023) Do mesmo modo, reconhece-se que a adesão ao sistema NOVEL — mesmo quando realizada — não gera direito adquirido à indenização judicial complementar, salvo se demonstrada a existência de danos adicionais não alcançados pela composição extrajudicial. No caso em tela, o autor não juntou qualquer documento que demonstre ter buscado administrativamente a reparação pelos demais danos ora alegados, o que afasta a invocação da sentença federal como suporte suficiente à sua pretensão judicial. (c) A sentença da Justiça Federal não substitui a comprovação dos requisitos da responsabilidade civil O fato de ter havido decisão coletiva reconhecendo categorias presumidamente atingidas não exime o autor do dever de demonstrar, no juízo cível estadual, os elementos específicos de sua situação individual, nos moldes dos artigos 186, 927 e 373, I, do CPC. Isso é reforçado pela ratio decidendi do acórdão abaixo: “O direito ao recebimento de indenização por danos decorrentes do desastre ambiental, mesmo em ações individuais, não decorre automaticamente da ocorrência do evento danoso, devendo a parte autora comprovar o impacto direto sobre sua esfera jurídica.” (TJES, ApCiv 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Sérgio Ricardo de Souza, julgado em 22/02/2024) (d) A adesão parcial ao sistema NOVEL não autoriza nova ação sobre o mesmo fato sem demonstração de fato novo A parte autora reconhece ter recebido valores em sede extrajudicial, mas não indica com precisão quais danos ficaram excluídos da composição, limitando-se a alegações vagas. Tal postura processual enfraquece a tese de “direito remanescente” não alcançado pela indenização prévia, especialmente na ausência de documentação que comprove prejuízo atual não reparado. Conforme destacado na decisão proferida no processo 5005859-34.2021.8.08.0047, “a desvinculação do apelante da qualidade de pescador informal ou vendedor de pescado é corroborada pelas informações constantes do CNIS e pela ausência de qualquer documento hábil que comprove, minimamente, a extensão dos danos alegados” (TJES, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza, 22/02/2024). III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Genilson Oliveira de Sousa, extinguindo o feito com resolução de mérito. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade, em razão da gratuidade da justiça deferida, conforme artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal. Advirto que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com intuito meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Marcia Dos Santos Jacobsen x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 282349235

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5004453-29.2021.8.08.0030

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

MARCIA DOS SANTOS JACOBSEN

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

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CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

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RICARDO LOPES GODOY

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FERNANDO MOREIRA DRUMMOND TEIXEIRA

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RODRIGO DE ALBUQUERQUE BENEVIDES MENDONCA

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RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

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ELIAS TAVARES

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5004453-29.2021.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: MARCIA DOS SANTOS JACOBSEN REQUERIDO: SAMARCO MINERACAO S.A., FUNDACAO RENOVA, VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) REQUERENTE: ELIAS TAVARES - ES10705 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogados do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288, RICARDO LOPES GODOY - MG77167 Advogados do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544, RODRIGO DE ALBUQUERQUE BENEVIDES MENDONCA - ES8545 SENTENÇA I - RELATÓRIO MÁRCIA DOS SANTOS JACOBSEN ajuizou a presente ação de indenização por danos materiais, lucros cessantes, danos morais e pensão mensal com pedido de tutela de urgência em desfavor de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA, em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, no Município de Mariana/MG. Na petição inicial (ID 8759968), alegou que exercia atividade de pesca artesanal há mais de dez anos nas águas do Rio Doce e lagoas da região de Linhares/ES, e que sua principal fonte de renda foi abruptamente interrompida em razão do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 05/11/2015. Afirmou que, embora não possuísse Registro Geral da Pesca, sua atuação era contínua e comprovável por testemunhas, sendo inclusive proprietária de embarcação e apetrechos de pesca, com rendimento bruto mensal estimado em R$ 10.000,00. Relatou que buscou cadastramento junto à Fundação Renova apenas em dezembro de 2020, tendo sido indeferido por suposto descumprimento dos critérios administrativos. Pleiteou, liminarmente, o pagamento de pensão mensal no valor de R$ 3.500,00, bem como, ao final, a condenação das requeridas ao pagamento de R$ 238.000,00 por lucros cessantes pretéritos, R$ 42.000,00 referentes a 12 meses de lucros cessantes futuros e R$ 50.000,00 por danos morais, além da inversão do ônus da prova, justiça gratuita, condenação solidária das rés e pagamento de honorários e custas. A inicial foi protocolada em 30/08/2021, acompanhada de documentos como declaração pessoal (ID 8759985), comprovantes de residência (IDs 8759975 e 8759979), declarações de Imposto de Renda (IDs 8759987, 8759990, 8759999), carteira de trabalho (ID 8759995), RG (ID 8760065) e procuração (ID 8760059). Também foi anexado documento intitulado “Minhas Manifestações” no Portal da Fundação Renova, relatando cadastro realizado em 29/01/2021 (ID 8760155), cujo indeferimento foi informado sob fundamento de ter sido protocolado após 30/04/2020, data-limite estabelecida para análise de casos indenizáveis no âmbito extrajudicial. Na contestação (ID 15504605), a VALE S.A. sustenta sua ilegitimidade passiva, alegando que não operava a barragem rompida em Mariana/MG, cuja gestão era exclusiva da SAMARCO, da qual é apenas acionista. Argumenta que inexiste nexo causal entre suas atividades e os danos alegados por MÁRCIA DOS SANTOS JACOBSEN, e que não há provas do exercício da pesca ou da extensão do prejuízo. Requer a extinção do feito sem julgamento de mérito ou, alternativamente, a improcedência total dos pedidos. Na contestação (ID 15595253), a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. alega sua ilegitimidade passiva e sustenta que a Fundação Renova é a responsável pelos programas de indenização. Aponta inépcia da petição inicial e ausência de prova documental do exercício da pesca pela autora, que não possui registro no RGP ou CTF. Defende a ilegitimidade da autora para pleitear dano ambiental coletivo e nega a existência de nexo causal entre o desastre e os danos alegados. Rechaça a aplicação do CDC, da inversão do ônus da prova e da responsabilidade objetiva por risco integral. Ao final, requer a improcedência total dos pedidos. Na contestação apresentada pela FUNDAÇÃO RENOVA (ID 15642467), a ré sustenta que a autora MÁRCIA DOS SANTOS JACOBSEN não comprovou o exercício da atividade pesqueira na época do rompimento da barragem de Fundão, nem apresentou qualquer prova documental de prejuízos materiais, lucros cessantes ou danos morais. Alega ausência de legitimidade ativa, ausência de condição da ação e inexistência de provas dos fatos constitutivos do direito alegado, além de impugnar a inversão do ônus da prova e o pedido de produção de prova testemunhal. Defende que a Fundação atua segundo critérios técnicos e objetivos fixados no TTAC, e que o deferimento de indenizações depende da demonstração concreta de elegibilidade, o que não ocorreu no caso. Requer a extinção do processo sem julgamento de mérito ou, subsidiariamente, a improcedência de todos os pedidos. Na contestação apresentada pela BHP Billiton Brasil Ltda. (ID 16272199), a empresa sustenta sua ilegitimidade passiva, alegando que não operava a barragem rompida em Mariana/MG, que não exerce atividade mineradora no Brasil e que sua condição de acionista da Samarco não gera responsabilidade civil solidária, nem direta nem indireta. Rejeita a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica e argumenta que não há prova de nexo causal entre sua conduta e os danos alegados pela autora. No mérito, impugna a existência de dano material, lucros cessantes e dano moral, ressaltando que a autora não comprovou formalmente o exercício da pesca, nem prejuízos econômicos, tampouco abalo psicológico indenizável. Também se opõe à concessão de tutela antecipada, à inversão do ônus da prova e à aplicação da responsabilidade objetiva ambiental. Ao final, requer a improcedência total dos pedidos e, alternativamente, a fixação de eventual indenização dentro de parâmetros moderados, respeitando o princípio da proporcionalidade. Na réplica apresentada por MÁRCIA DOS SANTOS JACOBSEN (ID 21334658), a autora rebate todas as preliminares e argumentos das defesas. Rejeita a alegação de inépcia da inicial e de ilegitimidade ativa por ausência de registro no RGP, sustentando que a informalidade do trabalho é realidade comum no Brasil e que o exercício da atividade pesqueira pode ser provado por outros meios, como testemunhas. Reafirma a aplicação da responsabilidade objetiva com base na teoria do risco integral e impugna as alegações genéricas das rés sobre má-fé e ausência de provas. Cita jurisprudência que admite prova testemunhal para comprovar a condição de pescador artesanal. Também rebate a tese de ilegitimidade passiva da BHP, defendendo a solidariedade entre os réus por vínculo jurídico com a Samarco. Contesta a impugnação da gratuidade de justiça, afirmando ausência de prova contrária, e requer expressamente a produção de prova testemunhal e o depoimento pessoal para confirmação das alegações. Ao final, pugna pela total procedência dos pedidos iniciais. Após a intimação para especificação de provas (ID 28247425), a parte autora manifestou expressamente interesse na produção de prova oral (ID 29504906), requerendo o depoimento pessoal das rés, sob pena de confissão, e a oitiva de testemunhas previamente arroladas, com a finalidade de comprovar sua condição de pescadora informal e os prejuízos decorrentes do rompimento da barragem. Reiterou ainda que a dinâmica dos fatos narrados na petição inicial pode ser ratificada por prova testemunhal, inclusive quanto à sua situação socioeconômica antes e depois do desastre. Por sua vez, a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. manifestou interesse na produção de prova documental suplementar, requerendo a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED, a fim de obter informações sobre vínculos empregatícios e benefícios previdenciários eventualmente percebidos pela autora (ID 29122037). As demais rés — VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA — informaram desinteresse na produção de novas provas. A VALE (ID 29178638) e a BHP (ID 29187279) destacaram que os documentos já acostados aos autos são suficientes para sustentar a ausência de responsabilidade e a ilegitimidade passiva. A FUNDAÇÃO RENOVA (ID 15642479) também afirmou que as provas documentais já apresentadas bastam para o julgamento do feito, reiterando os termos de sua contestação. Na decisão saneadora (ID 34550714), o juízo rejeitou todas as preliminares suscitadas pelas rés, incluindo ilegitimidade ativa da autora por ausência de registro de pesca, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva das rés, com fundamento na teoria da asserção. Indeferiu o pedido de tutela antecipada por ausência de urgência e de prova mínima dos rendimentos alegados. O processo foi declarado saneado, fixando-se como pontos controvertidos a responsabilidade civil das rés, o exercício da pesca pela autora, o impacto econômico decorrente do desastre, a existência de direito com base em decisões da Justiça Federal e a extensão dos danos materiais e morais. Determinou-se a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED e deferiu-se a produção de prova oral e o depoimento pessoal da autora, a ser realizado por videoconferência. Após a juntada das respostas dos ofícios expedidos ao INSS e ao CAGED, a parte autora reafirmou que exerce a pesca de forma informal há mais de dez anos e que, justamente por isso, não possui registros formais da atividade, como vínculos empregatícios ou cadastro para recebimento de seguro-defeso (ID 50463574). Sustentou que a informalidade é uma realidade comum entre pescadores ribeirinhos e que a ausência de registros não descaracteriza o exercício da atividade. Por outro lado, as rés VALE S.A. (ID 51085580), BHP Billiton Brasil Ltda. (ID 51559750) e SAMARCO Mineração S.A. (ID 50947407) se manifestaram contestando a versão da autora, alegando que as informações do INSS demonstram a inexistência de qualquer solicitação de registro como pescadora artesanal, bem como a ausência de recebimento de benefício previdenciário vinculado à pesca. No ID 56602267, a autora MÁRCIA DOS SANTOS JACOBSEN requereu a suspensão do processo com base na possibilidade de acordo na via administrativa, em razão dos programas de indenização firmados entre as rés e o Governo Federal. Alegou que essa via pode resultar em reparação mais célere e eficaz, evitando a continuidade de uma demanda judicial possivelmente desnecessária. Fundamentou o pedido no art. 313, V, "a", do CPC, e solicitou a intimação das rés para manifestação. As rés Fundação Renova (ID 66781726), Vale S.A. (ID 66549745), BHP Billiton Brasil Ltda. (ID 66424737) e Samarco Mineração S.A. (ID 65916318) manifestaram-se contrariamente ao pedido de suspensão do processo formulado pela autora (ID 56602267), com fundamento na possibilidade de acordo na via administrativa. Todas as rés argumentam que a eventual adesão ao Programa Indenizatório Definitivo (PID), previsto no Acordo de Repactuação homologado pelo STF, é facultativa e não suspende automaticamente o processo judicial, sendo necessário o cumprimento de requisitos específicos de elegibilidade e prova do efetivo enquadramento como atingida. É o que havia a relatar. Passo a decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.2 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No presente caso, após a prolação da decisão de saneamento (ID 34550714), que delimitou os pontos controvertidos e fixou a distribuição do ônus da prova nos moldes do art. 373 do CPC, a parte autora requereu a produção de prova oral (ID 29504906), buscando demonstrar, por meio de testemunhas, sua condição de pescadora ribeirinha informal e os alegados impactos econômicos e morais sofridos em razão do rompimento da barragem de Fundão. Entretanto, embora reconhecidamente grave o desastre ocorrido em Mariana/MG, os elementos constantes dos autos não revelam qualquer indício mínimo de prova documental ou técnica que demonstre vínculo da autora com atividade econômica formal ou informal diretamente atingida pelo evento. A autora não juntou documentos fiscais, registros associativos, laudos, fotografias, prontuários, atestados, recibos de comercialização, embarcação ou qualquer outro elemento material que sustente suas alegações. Tampouco comprovou residência em zona comprovadamente afetada por interrupção de abastecimento hídrico. As manifestações nos autos, inclusive da própria autora (ID 50463574), admitem a informalidade da suposta atividade de pesca, o que, por si só, não justifica a total ausência de documentação comprobatória. Por outro lado, os ofícios do INSS e CAGED (ID 41528437 e correlatos) confirmaram a inexistência de registro de vínculo como pescadora ou de percepção de seguro-defeso, benefício típico concedido à categoria. Ademais, as manifestações das rés (IDs 50947407, 51085580, 51559750) reiteram a inexistência de qualquer documento que comprove a condição profissional alegada. As declarações acostadas aos autos são unilaterais e genéricas, carecendo de verossimilhança suficiente para ensejar a inversão do ônus da prova ou admissão de presunção de dano. Conforme reiterado pela jurisprudência, a prova oral, isoladamente considerada e desacompanhada de início de prova material, é insuficiente para comprovar o exercício de atividade econômica e o consequente prejuízo indenizável em ações individuais. Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado paradigmático, aplicável ao caso concreto: APELAÇÃO CÍVEL. DESASTRE AMBIENTAL. BARRAGEM DE MARIANA/MG. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO. RECURSO DESPROVIDO. (...) Apesar de ser incontestável o dano ambiental e os prejuízos causados aos pescadores e comerciantes que dependiam economicamente do exercício de sua atividade nas áreas afetadas, o ressarcimento pretendido pela apelante demanda escorreita comprovação de que exercia a atividade pesqueira à época do desastre ambiental e que teve a sua subsistência prejudicada por ele, a fim de justificar o recebimento de indenização a ser paga pela responsável pelo evento danoso. (...) A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial, tais como registros de embarcação, carteira de pescador profissional, recibos de comercialização ou declaração de associação de pescadores. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações. (...) A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização. (TJES, Ap. Cív. 5003559-31.2023.8.08.0047, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 18/12/2024) Adicionalmente, a parte autora requereu a suspensão do processo (ID 56602267), alegando que estaria em tratativas para adesão ao Programa Indenizatório Definitivo (PID), decorrente do Acordo de Repactuação firmado entre as rés e o Poder Público. Entretanto, todas as rés — Fundação Renova (ID 66781726), Vale S.A. (ID 66549745), BHP Billiton Brasil Ltda. (ID 66424737) e Samarco Mineração S.A. (ID 65916318) — manifestaram-se contrariamente ao pedido, destacando que a mera possibilidade de habilitação futura não suspende o dever de a parte comprovar, no âmbito judicial, os fatos constitutivos de seu direito. O PID, como previsto no próprio acordo homologado pelo STF, é de adesão facultativa e não implica, por si só, suspensão automática de ações judiciais, tampouco exonera a parte autora de demonstrar a elegibilidade e o cumprimento dos critérios técnicos para obtenção da indenização extrajudicial. Além disso, a autora não comprovou qualquer diligência administrativa efetiva ou pendência de análise formal de seu pedido nos sistemas da repactuação, o que torna o requerimento genérico e especulativo, incompatível com o disposto no art. 313, V, “a”, do CPC. Diante disso, ausente justo motivo ou evidência concreta de prejuízo processual à parte autora, indeferido o pedido de suspensão do feito, devendo o processo seguir seu curso regular até julgamento de mérito. Diante da suficiência dos elementos constantes dos autos, da ausência de provas documentais relevantes, da opção da parte autora por não instruir adequadamente a demanda, e considerando que o julgamento do mérito prescinde da produção de provas adicionais, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC, sem que tal providência configure cerceamento de defesa ou violação ao contraditório. II.2 - DO MÉRITO II.2.1 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.2.2 – ANÁLISE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PESQUEIRA, DO IMPACTO ECONÔMICO E DOS DANOS RECLAMADOS A procedência de pedidos indenizatórios por danos materiais e morais decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, ainda que fundados em responsabilidade objetiva ambiental, exige a comprovação de três elementos essenciais: (i) a existência de atividade econômica impactada; (ii) o efetivo prejuízo suportado; e (iii) o nexo de causalidade entre o dano e o evento lesivo. No caso dos autos, a parte autora não se desincumbiu de demonstrar qualquer desses elementos. A autora sustenta ter exercido pesca artesanal por mais de dez anos no Rio Doce e que teria sido privada de sua principal fonte de renda após o desastre ambiental de novembro de 2015. No entanto, não juntou qualquer documento técnico ou oficial que comprove o vínculo com a atividade pesqueira, tampouco apresentou registros no RGP, no CTF, vínculos com associações de pescadores, laudos, fotografias ou comprovantes de comercialização do pescado. As informações prestadas pelo INSS (ID 41528437) demonstram a ausência de qualquer cadastro como pescadora ou de percepção de seguro-defeso, benefício típico da categoria. Tal ausência, embora não seja, por si só, impeditiva da reparação, demanda a apresentação de outras provas idôneas com força probante mínima. No entanto, o que se verifica no presente caso é a completa ausência de início de prova material. A jurisprudência do TJES, em diversos precedentes, já decidiu que a comprovação do exercício da atividade pesqueira é indispensável à configuração do direito à indenização: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido” (TJES, ApCiv 5005123-16.2021.8.08.0047, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 21/09/2023). “A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização” (TJES, ApCiv 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 18/12/2024). O pedido de indenização por lucros cessantes, no montante de R$ 238.000,00, não veio acompanhado de qualquer documento que comprove a renda mensal alegada de R$ 3.500,00 ou que demonstre atividade de pesca ativa e remunerada à época dos fatos. A jurisprudência é uníssona ao repudiar o deferimento de lucros cessantes com base em valores presumidos ou arbitrários: “A indenização por lucros cessantes não é admitida sem sua efetiva comprovação, devendo ser rejeitados os lucros presumidos ou hipotéticos, dissociados da realidade efetivamente comprovada” (STJ, AgInt no AREsp 1730936/SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 15/03/2021). “O apelante não se desincumbiu do seu ônus probatório, nos termos do art. 373, I, do CPC, o que impede a procedência da indenização vindicada” (TJES, ApCiv 0006097-63.2019.8.08.0030, Rel. Des. Janete Vargas Simões, j. 28/03/2023). Além disso, não há nos autos qualquer elemento concreto sobre a duração do impacto na atividade da autora, nem demonstração de busca por reparação administrativa contemporânea ao fato, o que enfraquece ainda mais a tese de prejuízo persistente e contínuo. O dano moral alegado, fixado de forma genérica no valor de R$ 50.000,00, não foi individualizado nem amparado por documentos, laudos, atestados, relatórios assistenciais ou quaisquer evidências de sofrimento psíquico concreto, como exige a jurisprudência. A privação genérica do uso do Rio Doce ou a alegada interrupção de lazer ou de pesca informal não é, por si, passível de reparação extrapatrimonial sem prova específica: “A mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce para pesca e lazer, sem comprovação de prejuízo individual concreto, não configura dano moral indenizável” (TJES, ApCiv 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 07/04/2025). “A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear, em danos sofridos pela coletividade” (TJES, ApCiv 0006097-63.2019.8.08.0030, j. 28/03/2023). “Alegações genéricas sobre uso de áreas afetadas para lazer, sem prova específica, não configuram dano moral” (TJES, ApCiv 5012678-04.2022.8.08.0030, Rel. Des. Arthur José Neiva de Almeida, j. 13/02/2025). A prova do dano moral deve estar ancorada na violação concreta de um direito da personalidade, o que não se verifica no presente caso. A autora sequer demonstrou residir em área comprovadamente afetada pela lama ou por suspensão de água, o que é exigido pela jurisprudência para admissão do dano in re ipsa: “Para a configuração do dano moral in re ipsa decorrente da interrupção do fornecimento de água em razão de desastre ambiental, exige-se a comprovação da residência da parte em área afetada pela suspensão” (TJES, ApCiv 5012678-04.2022.8.08.0030, j. 13/02/2025). Nos termos do art. 373, I, do CPC, incumbe à parte autora a prova dos fatos constitutivos do seu direito. A jurisprudência reforça a exigência de prova mínima do exercício da atividade pesqueira e da afetação concreta: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível. É imprescindível que esteja demonstrada a atividade pesqueira realizada ao longo do tempo, mormente quando do acidente” (TJES, ApCiv 5005123-16.2021.8.08.0047, j. 21/09/2023). “A parte autora não comprovou o exercício do ofício de pescador artesanal ao tempo do alegado dano ambiental. (...) As declarações unilaterais colacionadas aos autos não são suficientes” (TJES, ApCiv 5002246-08.2021.8.08.0014, j. 24/11/2022). Além disso, o julgado paradigmático do TJES reforça o afastamento do nexo causal: “O apelante não juntou provas documentais ou testemunhais aptas a comprovar, minimamente, suas alegações quanto ao exercício de atividade pesqueira, bem como de ter sido impedido de exercer atividade laborativa por conta do evento danoso descrito nos autos” (TJES, ApCiv 5005859-34.2021.8.08.0047, Rel. Des. Sergio Ricardo de Souza, j. 22/02/2024). A ausência de provas documentais mínimas, de laudos técnicos, de registros administrativos e de comprovação da afetação direta torna inviável o reconhecimento dos danos morais e materiais pleiteados. Não se trata de negar a gravidade do desastre, mas de reafirmar que, para cada pleito individual, o autor deve demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, sob pena de improcedência. Assim, diante da total ausência de comprovação do exercício da atividade pesqueira, da inexistência de impacto econômico comprovado e da fragilidade absoluta da tese de dano moral, impõe-se o julgamento integral de improcedência dos pedidos, nos termos do art. 373, I, do CPC. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Márcia dos Santos Jacobsen em face de Samarco Mineração S.A., Fundação Renova, Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade, em razão da gratuidade da justiça deferida, conforme artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal. No cálculo, devem ser observadas as orientações constantes dos índices da CGJ/ES. Advirto que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com intuito meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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Maria Vilanova Dos Santos x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

ID: 280170064

Tribunal: TJES Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5000479-13.2023.8.08.0030

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

MARIA VILANOVA DOS SANTOS

Polo Passivo:

BHP BILLITON BRASIL LTDA. FUNDACAO RENOVA SAMARCO MINERACAO S.A. VALE S.A.

Sentença

Advogados:

LAURO JOSE BRACARENSE FILHO

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EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

FERNANDO MOREIRA DRUMMOND TEIXEIRA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO

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IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

RICARDO LOPES GODOY

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ELIAS TAVARES

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5000479-13.2023.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: MARIA VILANOVA DOS SANTOS REQUERIDO: SAMARCO MINERACAO S.A., VALE S.A., FUNDACAO RENOVA, BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) REQUERENTE: ELIAS TAVARES - ES10705 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461, LAURO JOSE BRACARENSE FILHO - MG69508 Advogados do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288, RICARDO LOPES GODOY - MG77167 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO BERMUDES MEDINA GUIMARAES - ES8544 SENTENÇA I - RELATÓRIO MARIA VILANOVA DOS SANTOS propôs a presente ação de indenização por danos morais e materiais em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. E FUNDAÇÃO RENOVA, alegando que foi atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, em Mariana/MG, o que teria impactado negativamente sua vida e subsistência em Linhares/ES. Na inicial (ID 20774385), alegou ser pescadora informal desde 2013, exercendo a atividade no Rio Doce, na região de Linhares/ES, e que, com o rompimento da barragem de Fundão em 05/11/2015, ficou impedida de continuar suas atividades devido à contaminação da água e dos peixes, o que comprometeu seu sustento. Informou que a Fundação Renova criou um sistema de indenização simplificada, do qual não pôde participar por questões formais de prazo, embora atendesse aos requisitos materiais. Sustentou que essa exclusão viola o princípio da isonomia. Alegou auferir renda de R$ 1.400,00 com a venda de aproximadamente 140kg de pescado por mês e pleiteou R$ 168.000,00 por lucros cessantes (referentes a 10 anos de paralisação da atividade pesqueira) e R$ 50.000,00 por danos morais. Requereu também a inversão do ônus da prova com base no CDC e na Súmula 618 do STJ, bem como a concessão da gratuidade da justiça e a designação de audiência conciliatória, oferecendo proposta de acordo. Atribuiu à causa o valor de R$ 218.000,00, juntando documentos pessoais e declarações (IDs 20774386 - 20774395). O juízo proferiu decisão interlocutória (ID 20823663), na qual determinou a citação das rés para apresentação de contestação, advertiu quanto à revelia e fixou que os pedidos de produção de prova deveriam ser devidamente justificados sob pena de julgamento antecipado. Também deferiu o pedido de gratuidade da justiça formulado por MARIA VILANOVA DOS SANTOS. BHP BILLITON BRASIL LTDA. apresentou contestação (ID 27126085), alegando ilegitimidade passiva e ausência de responsabilidade pelos danos, por não exercer controle sobre a SAMARCO. Sustentou também a ilegitimidade ativa da autora, por não comprovar exercício da atividade pesqueira nem adesão ao sistema indenizatório da Fundação Renova. Requereu a improcedência da ação, ou, alternativamente, que eventual condenação observe os parâmetros do IRDR nº 40/2016 ou se limite a R$ 1.000,00. VALE S.A. apresentou contestação (ID 27642907), na qual alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, por não ter responsabilidade direta pelo rompimento da barragem, de operação exclusiva da SAMARCO, e a ilegitimidade ativa da autora, por ausência de prova de residência em área atingida e de exercício da atividade pesqueira. No mérito, defendeu a inexistência de nexo causal e de responsabilidade civil, rechaçando a aplicação da responsabilidade objetiva. Requereu a extinção do feito sem resolução de mérito ou, alternativamente, a improcedência dos pedidos indenizatórios. SAMARCO MINERAÇÃO S.A. apresentou contestação (ID 29314772), alegando ilegitimidade passiva, por não ser responsável pelos critérios de indenização, a cargo exclusivo da Fundação Renova. Sustentou a inépcia da inicial e a ilegitimidade ativa da autora, por ausência de prova do exercício da pesca profissional, da residência em Linhares na época dos fatos e de recebimento de seguro-defeso. Refutou a possibilidade de indenização por dano ambiental coletivo em ação individual, a aplicação do CDC e da teoria do risco integral. Afirmou que a autora não comprovou qualquer prejuízo concreto e que a qualidade da água já foi restabelecida. Requereu, ao final, a extinção do processo ou improcedência dos pedidos. FUNDAÇÃO RENOVA apresentou contestação (ID 29360546), na qual, preliminarmente, alegou a ilegitimidade ativa de MARIA VILANOVA DOS SANTOS, por ausência de comprovação de que exercia atividade pesqueira à época do desastre ou que sofrera qualquer prejuízo relacionado. No mérito, sustentou a inexistência de prova de danos materiais ou morais, ausência de documentação que comprove rendimento com a pesca, bem como a existência de registro empresarial ativo em nome da autora com atividade diversa da alegada (estética e beleza). Alegou que a autora não se cadastrou nos programas de indenização da Fundação dentro do prazo fixado judicialmente (30/04/2020), e que o deferimento do pedido exigiria demonstração de vínculo direto com a atividade impactada, o que não foi feito. Requereu a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, CPC) ou, alternativamente, a improcedência total dos pedidos de indenização, com indeferimento do pedido de inversão do ônus da prova e condenação da autora ao pagamento das custas e honorários. MARIA VILANOVA DOS SANTOS apresentou réplica às contestações (ID 35580116), na qual impugnou todas as preliminares e argumentos de mérito suscitados pelas rés. Afirmou que o rompimento da barragem de Fundão é fato notório e imprescritível, cujos efeitos persistem até hoje, com previsão de suspensão da pesca até 2025. Refutou as alegações de ilegitimidade passiva, destacando a atuação das rés como acionistas majoritárias e responsáveis diretas ou indiretas pelo desastre, além de seu envolvimento na Fundação Renova. Argumentou que a ausência de registro formal de pesca não exclui o direito à indenização, tendo em vista a informalidade comum da atividade. Defendeu a responsabilidade objetiva das rés com base na teoria do risco integral, invocando precedentes do STJ. Reforçou a existência de danos materiais e morais passíveis de comprovação por meio de prova testemunhal. Ao final, requereu a produção de prova oral para demonstrar o exercício da pesca e os prejuízos sofridos, e reiterou o pedido de procedência integral da ação. Proferida decisão de saneamento e organização do processo (ID 39062859), na qual rejeitou todas as preliminares suscitadas pelas rés — ilegitimidade ativa e passiva, inépcia da inicial e impugnação à gratuidade da justiça. Com base na teoria da asserção, reconheceu que a autora possui legitimidade ativa, ainda que não tenha registro formal como pescadora, e que as rés, por sua relação com o evento danoso, são legítimas para figurarem no polo passivo. Considerou ainda que a ausência de registro formal da atividade pesqueira não exclui, por si só, o direito à indenização, especialmente diante da informalidade comum da atividade. Declarou o feito saneado, fixando os pontos controvertidos relativos à responsabilidade civil das rés, existência e extensão dos danos e eventual vinculação a decisões da Justiça Federal. Distribuiu o ônus da prova conforme o art. 373 do CPC, deferiu a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED para obtenção de extratos do CNIS e histórico laboral da autora, e autorizou a produção de prova oral, determinando que a parte autora apresentasse seu rol de testemunhas em 15 dias. MARIA VILANOVA DOS SANTOS apresentou rol de testemunhas (ID 41828478), indicando dois nomes a serem intimados para audiência de instrução: Luciani Marotto, residente no Bairro Interlagos 2, Linhares/ES, e Rogério da Silva Figueredo, residente no Bairro Interlagos, Linhares/ES. Resposta do CAGED e do INSS juntada nos IDs 42852810 e 43218116. MARIA VILANOVA DOS SANTOS apresentou petição de manifestação sobre documentos (ID 53141471), na qual se manifestou acerca das respostas encaminhadas pelo INSS e CAGED, afirmando que sua atividade de pesca era exercida de forma informal entre 2013 e 2015, sem registro formal. Argumentou que os vínculos empregatícios registrados não invalidam o exercício da pesca, que era complementar à sua renda, e reiterou que os danos alegados decorreram diretamente do rompimento da barragem, que inviabilizou a continuidade da atividade. VALE S.A. (ID 52725142) alegou que os documentos do INSS e CAGED não comprovam que a autora dependia da pesca, nem demonstram prejuízo, reiterando pedido de extinção da ação. SAMARCO MINERAÇÃO S.A. (ID 53163092) destacou que a autora não tinha registro como pescadora nem recebeu seguro-defeso, reforçando a ausência de provas do exercício da atividade e de danos. FUNDAÇÃO RENOVA (ID 53425563) sustentou que a autora não comprovou atuar como pescadora e que não houve prejuízo econômico, reiterando pedido de improcedência. BHP BILLITON BRASIL LTDA. (ID 55581371) argumentou que a autora não possui registro exigido para pesca profissional e não comprovou danos, requerendo improcedência da ação. Em ID 55424289, a parte autora apresentou pedido de suspensão do processo, alegando a possibilidade de resolução administrativa da controvérsia por meio dos acordos firmados entre as rés e o Governo Federal, os quais visam à reparação dos danos do desastre de Mariana. Sustentou que a suspensão, com fundamento no art. 313, V, “a”, do CPC, seria medida de economia processual e evitaria a continuidade de uma ação que poderá se tornar desnecessária caso a autora seja indenizada pela via extrajudicial. Requereu a suspensão do processo até ulterior manifestação e a intimação das rés para se pronunciarem sobre o pedido. É o que havia a relatar. Passo a decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo.Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No presente feito, após a prolação da decisão de saneamento (ID 39062859), que delimitou objetivamente os pontos controvertidos e distribuiu o ônus da prova conforme o art. 373 do CPC, a parte autora apresentou rol de testemunhas (ID 41828478), requerendo a produção de prova oral com o objetivo de comprovar o exercício da pesca e os supostos prejuízos decorrentes do desastre. Contudo, não instruiu os autos com qualquer prova documental contemporânea aos fatos que evidenciasse, ainda que indiciariamente, a prática da atividade pesqueira ou de outra atividade econômica diretamente impactada. Em vez de requerer ou produzir provas técnicas ou documentais capazes de conferir robustez às alegações iniciais, a autora protocolou pedido de suspensão do processo (ID 55424289), sob o argumento de possível inclusão futura em programas administrativos de reparação decorrentes de acordos firmados entre as rés e o Governo Federal. Não há, nos autos, documentos que comprovem privação de água potável, abalo à saúde, dano moral concreto ou perda patrimonial efetiva. Os elementos apresentados consistem em declarações unilaterais ou genéricas, sem vínculo objetivo com os fatos narrados e desprovidas de qualquer respaldo técnico ou documental. A mera alegação de possibilidade de reparação extrajudicial não substitui a necessidade de demonstração do direito à indenização no processo judicial, tampouco autoriza presunção de dano. Conforme reiterado pela jurisprudência, a prova oral, isoladamente considerada e desacompanhada de início de prova material, é insuficiente para comprovar o exercício de atividade econômica e o consequente prejuízo indenizável em ações individuais. Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado paradigmático, aplicável ao caso concreto: APELAÇÃO CÍVEL. DESASTRE AMBIENTAL. BARRAGEM DE MARIANA/MG. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO. RECURSO DESPROVIDO. (...) Apesar de ser incontestável o dano ambiental e os prejuízos causados aos pescadores e comerciantes que dependiam economicamente do exercício de sua atividade nas áreas afetadas, o ressarcimento pretendido pela apelante demanda escorreita comprovação de que exercia a atividade pesqueira à época do desastre ambiental e que teve a sua subsistência prejudicada por ele, a fim de justificar o recebimento de indenização a ser paga pela responsável pelo evento danoso. (...) A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial, tais como registros de embarcação, carteira de pescador profissional, recibos de comercialização ou declaração de associação de pescadores. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações. (...) A ausência de elementos probatórios mínimos que confirmem a afetação da atividade econômica da autora impede o reconhecimento do direito à indenização. (TJES, Ap. Cív. 5003559-31.2023.8.08.0047, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 18/12/2024) Diante da suficiência dos elementos constantes dos autos, da ausência de provas documentais relevantes, da opção da parte autora por não instruir adequadamente a demanda, e considerando que o julgamento do mérito prescinde da produção de provas adicionais, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC, sem que tal providência configure cerceamento de defesa ou violação ao contraditório. II.2 - DO MÉRITO II.2.1 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.2.2 – DA APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO No caso em análise, a autora MARIA VILANOVA DOS SANTOS não se desincumbiu do ônus que lhe competia de demonstrar, com elementos minimamente idôneos, a efetiva existência de dano material e/ou moral, tampouco comprovou o exercício habitual da atividade de pesca à época do rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. Não foi juntado aos autos qualquer documento contemporâneo que comprove, ainda que indiciariamente, a condição de pescadora — tais como registro no RGP, carteira de pescadora artesanal, notas fiscais de comercialização de pescado, comprovantes de aquisição de insumos relacionados à pesca, declaração de associação ou colônia de pescadores, tampouco qualquer requerimento ou recebimento de benefício previdenciário como o seguro-defeso. Ao contrário, os documentos oficiais coligidos aos autos, especialmente os registros do INSS e do CAGED, revelam que a autora não exercia atividade relacionada à pesca no período e era cadastrada como contribuinte individual em área diversa, sem qualquer vinculação com a atividade econômica alegadamente impactada. Esse quadro se amolda integralmente à jurisprudência dominante do TJES, que, em casos semelhantes, tem reiteradamente decidido que a ausência de prova documental mínima do exercício da atividade pesqueira inviabiliza o deferimento de indenização, mesmo diante da gravidade reconhecida do desastre. Ilustra bem essa orientação o seguinte julgado: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido. [...] É imprescindível que esteja demonstrada a atividade pesqueira realizada ao longo do tempo, mormente quando do acidente, sob pena de impossibilitar a concessão de qualquer reparação.” (TJES, Ap. Cív. 5005123-16.2021.8.08.0047, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 21/09/2023) Ainda que se admita a possibilidade de outros meios de prova além do registro formal no RGP, a jurisprudência exige que tais meios sejam idôneos e dotados de força probatória concreta, o que não se verifica no presente caso. Sobre esse ponto, o TJES reafirmou que: “O apelante não juntou provas documentais ou testemunhais aptas a comprovar, minimamente, suas alegações quanto ao exercício de atividade pesqueira, bem como de ter sido impedido de exercer atividade laborativa por conta do evento danoso descrito nos autos.” (TJES, Ap. Cív. 5005859-34.2021.8.08.0047, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza, j. 22/02/2024) Além disso, não foi comprovado qualquer dano moral individualizado, psicológico ou existencial, decorrente da interrupção de atividade essencial ou da privação de recursos vitais, como fornecimento de água potável, alimentos ou acesso ao meio ambiente equilibrado. A jurisprudência consolidada desta Corte exige que o dano moral seja demonstrado de forma concreta, e não apenas alegado com base em presunções genéricas. Confira-se: “A mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce para pesca e lazer, sem comprovação de prejuízo individual concreto, não configura dano moral indenizável.” (TJES, Ap. Cív. 5007979-33.2023.8.08.0030, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, j. 07/04/2025) “A indenização por lucros cessantes não é admitida sem sua efetiva comprovação, devendo ser rejeitados os lucros presumidos ou hipotéticos, dissociados da realidade efetivamente comprovada.” (TJES, Ap. Cív. 0006097-63.2019.8.08.0030, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Janete Vargas Simões, j. 28/03/2023) Outros precedentes igualmente relevantes reforçam a necessidade de prova individualizada dos danos, inclusive para caracterização de eventual abalo moral: “A interrupção do uso de área afetada e a demora na concessão de benefício administrativo não configuram, por si só, dano moral indenizável.” (TJES, Ap. Cív. 0009102-59.2020.8.08.0030, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Fernando Estevam Bravin Ruy, j. 12/12/2024) “A comprovação de circunstância concreta que demonstre abalo psicológico significativo e direto” é indispensável para o deferimento de indenização por dano moral. (TJES, mesmo julgado supra) No caso em análise, tampouco houve demonstração de que a autora residia em área atingida por desabastecimento hídrico, nos termos exigidos pela jurisprudência para configuração do dano moral in re ipsa: “Para a configuração do dano moral in re ipsa decorrente da interrupção do fornecimento de água em razão de desastre ambiental, exige-se a comprovação da residência da parte em área afetada pela suspensão.” (TJES, Ap. Cív. 5012678-04.2022.8.08.0030, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Arthur José Neiva de Almeida, j. 13/02/2025) Por todo o exposto, inexistindo início de prova material, e sendo as alegações da parte autora baseadas exclusivamente em declarações unilaterais e expectativa de inclusão em programa de reparação extrajudicial — a qual, por si só, não gera presunção de dano nem substitui a via judicial — a improcedência dos pedidos é medida que se impõe. Trata-se de hipótese típica em que o ônus probatório não foi cumprido, conforme determina o art. 373, I, do CPC, inviabilizando qualquer condenação por ausência de demonstração dos elementos da responsabilidade civil: conduta, dano e nexo causal. II.2.3 – DOS PROGRAMAS ADMINISTRATIVOS E DO PEDIDO DE SUSPENSÃO A parte autora protocolou pedido de suspensão do processo (ID 55424289), sob a justificativa de que estaria em tratativas para obtenção de reparação por meio dos programas administrativos de indenização geridos pela FUNDAÇÃO RENOVA, no contexto dos acordos firmados entre as rés e o Governo Federal em decorrência do desastre de Mariana/MG. Sustenta, em síntese, que a solução administrativa poderia tornar desnecessária a continuidade da ação judicial, pleiteando a suspensão do feito nos termos do art. 313, inciso V, alínea “a”, do CPC, que autoriza a paralisação do processo diante de motivo relevante justificado. Todavia, não há, nos autos, qualquer comprovação objetiva de que a autora esteja formalmente incluída em programa ativo de indenização — seja no sistema Novel, seja por meio dos canais ordinários da Fundação Renova. Tampouco há documentação que demonstre pedido pendente de análise, indeferido, ou em trâmite. A alegação genérica de “possibilidade de enquadramento” não se reveste de certeza ou utilidade jurídica suficiente para justificar a suspensão do feito por tempo indefinido. O pedido se revela, portanto, meramente especulativo e dissociado de qualquer elemento concreto que demonstre o início ou iminência de composição extrajudicial efetiva. A jurisprudência é uníssona em reconhecer que a simples expectativa de eventual reparação administrativa não justifica a suspensão da marcha processual, especialmente quando não há nos autos nenhuma comprovação do início das tratativas nem da viabilidade jurídica de adesão em momento superveniente. Além disso, a autora permaneceu inerte por cerca de sete anos após o desastre, ingressando com a presente ação apenas em 2023, sem ter comprovado qualquer tentativa anterior de obtenção de reparação pela via extrajudicial. Trata-se de conduta que evidencia desinteresse na via administrativa enquanto vigente, e que não pode agora servir de fundamento para a paralisação da jurisdição estatal. A paralisação do feito com base em fundamento precário comprometeria os princípios da celeridade e da duração razoável do processo, previstos no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, além de esvaziar a função jurisdicional do Estado-juiz. Por tais razões, o pedido de suspensão do processo deve ser indeferido, mantendo-se o regular andamento do feito e o julgamento conforme o estado do processo. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por MARIA VILANOVA DOS SANTOS em face de SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. e FUNDAÇÃO RENOVA, por ausência de comprovação dos fatos constitutivos do direito alegado, nos termos do art. 373, inciso I, do CPC. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade, em razão da gratuidade da justiça deferida, conforme artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal. Advirto que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com intuito meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito

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