Processo nº 1013340-40.2025.8.11.0000
ID: 326439215
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1013340-40.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LAISER RIBEIRO DUARTE PORTILHO
OAB/GO XXXXXX
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CESAR JAIR LILL JUNIOR
OAB/GO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013340-40.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Servidão] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO O…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013340-40.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Servidão] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [CESAR JAIR LILL JUNIOR - CPF: 052.640.861-84 (ADVOGADO), WAGNER DELFINO MUNIZ - CPF: 287.691.041-15 (AGRAVANTE), DOROTHEIA PACHECO GUIMARAES - CPF: 430.367.401-04 (AGRAVANTE), CESAR NATAL MAGRINI - CPF: 175.451.299-20 (AGRAVADO), LAISER RIBEIRO DUARTE PORTILHO - CPF: 703.860.311-69 (ADVOGADO), ARIDAQUE LUIZ NETO - CPF: 255.859.671-34 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. TUTELA DE URGÊNCIA POSSESSÓRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE POSSE QUALIFICADA. EXISTÊNCIA DE ACESSO ALTERNATIVO VIÁVEL. MERA TOLERÂNCIA CARACTERIZADA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu tutela de urgência possessória em ação de reintegração de posse de servidão de passagem, determinando a retirada de corrente com cadeado que obstruiu porteira de acesso à Fazenda Renascença, com autorização para uso de reforço policial e arrombamento. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram demonstrados, em juízo de cognição sumária, os requisitos ensejadores da proteção possessória relativamente à alegada servidão de passagem, notadamente a existência de posse qualificada sobre a via de trânsito e a configuração de esbulho pelos agravantes. III. Razões de decidir 3. A declaração municipal originariamente invocada como fundamento da decisão agravada foi posteriormente retificada pela própria Secretaria Municipal de Educação, esclarecendo que a estrada não integra a malha viária oficial, tratando-se de acesso privado situado integralmente na propriedade dos agravantes. 4. As provas colacionadas pelo agravado revelam fragilidades probatórias substanciais, baseando-se preponderantemente em declarações unilaterais de interessados e alegações temporais desprovidas de adequada comprovação documental, sendo insuficientes para demonstrar a verossimilhança da posse qualificada sobre a servidão alegada. 5. A existência comprovada de acesso alternativo pela estrada vicinal MT-260, via pública adequada que atende às necessidades de circulação rural, afasta categoricamente qualquer configuração de encravamento da propriedade do agravado, revelando que a utilização da passagem controvertida decorria de mera comodidade. 6. A utilização tolerada da passagem, desprovida de formalização e baseada em cortesia entre vizinhos, não induz posse nos termos do art. 1.208 do Código Civil, caracterizando mera permissão revogável que não enseja proteção possessória. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo de instrumento conhecido e provido, com revogação da tutela de urgência concedida em primeiro grau. Tese de julgamento: "A utilização de passagem em propriedade alheia por mera tolerância, sem formalização e na existência de acesso alternativo viável, não configura servidão aparente suscetível de proteção possessória, caracterizando-se como permissão precária e revogável que não induz posse qualificada." Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 1.208, 1.378, 1.379 e 1.387; CPC, arts. 560, 561 e 562. Jurisprudência relevante citada: Súmula 415/STF; TJMG, AI 10000210952461001, Rel. Des. Rogério Medeiros, j. 23.09.2021; TJGO, AI 5235947-93.2020.8.09.0139, Rel. Des. Roberto Horácio de Rezende, j. 08.02.2021. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (Relator) Egrégia Câmara: Cuida-se de agravo de instrumento apresentado por WAGNER DELFINO MUNIZ e DOROTHEIA PACHECO GUIMARÃES contra CESAR NATAL MAGRINI, com o objetivo de reformar a decisão que deferiu tutela de urgência possessória em razão da decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças no bojo da Ação de Reintegração de Posse de Servidão de Passagem nº 1001713-27.2025.8.11.0004, que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência, determinando a retirada de corrente com cadeado que trancou a porteira de acesso à Fazenda Renascença, no prazo de 05 (cinco) dias e autorizando o uso de reforço policial e arrombamento. Alegam os recorrentes (id. 283055892) que mantinham relação de boa vizinhança com o Agravado, proprietário da Fazenda Renascença, localizada nos arredores. Em razão dessa cordialidade, e por conveniência local, permitiram, de forma gratuita, tolerada e sem qualquer formalização, que o Agravado transitasse por um trecho interno de sua fazenda, utilizando o carreador da lavoura que, por sua rota, oferecia acesso à propriedade vizinha. Durante esse período de tolerância, foi entregue ao Agravado uma chave do cadeado instalado na porteira da fazenda, como gesto de cordialidade, sem qualquer intenção de reconhecimento de direito de servidão ou posse qualificada. A propriedade e o controle do acesso permaneceram sempre sob domínio dos Agravantes. Sustentam, entretanto, que foram surpreendidos com a construção indevida de um mata-burro e com o desvirtuamento da finalidade da chave entregue, que passou a ser utilizada como se desse acesso permanente e autônomo ao Agravado, o que jamais foi acordado ou consentido. Essa apropriação indevida motivou os Agravantes a revogarem a autorização antes concedida, exercendo seu direito de proteção e defesa da propriedade, com a troca das chaves do cadeado. Argumentam quanto à ausência de perigo de dano ao Agravado, irreversibilidade da liminar e superação da fundamentação fática, destacando que a própria Secretaria Municipal de Educação de Pontal do Araguaia apresentou declaração datada de 10/04/2025, retificando expressamente o conteúdo da declaração anteriormente emitida (id. n° 190339228), esclarecendo que: "a referida estrada não integra a malha viária municipal oficial, tampouco consta na Lei Municipal nº 894/2018 [...], tratando-se, portanto, de acesso privado, situado integralmente dentro da propriedade particular do Sr. Wagner Delfino Muniz". Alegam a ausência de encravamento da fazenda do Agravado, apresentando mapa da área e documentação técnica que o Agravado possui perfeitamente acesso à sua fazenda por intermédio de estrada vicinal, de modo que pretende a passagem pela fazenda dos Agravantes por mero capricho e comodidade. Apresentam mapa com delimitação das estradas e rota de chegada à Fazenda Renascença, disponível em link do Google Maps, bem como filmagens da área demonstrando a pré-existência da porteira da Fazenda Princesa e a estrada vicinal alternativa. Quanto à inexistência de servidão, alegam que ainda que o Agravado alegue uso contínuo da estrada, não há comprovação dos elementos indispensáveis à usucapião de servidão. Nos termos do art. 1.379, parágrafo único, do Código Civil, na ausência de um justo título, a servidão de passagem precisa respeitar o prazo legal de 20 (vinte) anos, sendo que consoante documentos apresentados, constata-se que nem de longe esse prazo restou preenchido, sendo que a passagem foi concedida há pouco tempo, apenas, como cordialidade entre vizinhos. Arguem a inexistência de posse legítima pelo Agravado e da ausência dos requisitos do artigo 561 do CPC, sustentando que o Agravado jamais exerceu posse legítima sobre o imóvel em litígio, tendo se valido apenas de permissão precária e revogável, concedida por mera liberalidade do proprietário. O fornecimento da chave à época foi mera cortesia, sem qualquer intenção de constituir direito ou reconhecimento de servidão. Pleitearam a concessão de efeito suspensivo ao recurso, sustentando que o perigo de dano se evidencia uma vez que foi determinada a retirada do cadeado da fazenda, o que indica que a fazenda está com porteira aberta, de livre acesso a qualquer pessoa, o que certamente coloca em risco os proprietários e demais pessoas que circulam na fazenda. Destacam que possuem em vigor contrato de arrendamento rural da Fazenda Princesa, destinado à exploração agrícola por terceiro, sendo que a imposição judicial de retirada do cadeado, sem qualquer controle de acesso, afeta diretamente a segurança da área arrendada, expondo trabalhadores, insumos, maquinários e lavouras a riscos diversos. Apresentam boletins de ocorrência registrando práticas de furto no interior da Fazenda Princesa, que evidenciariam o cenário de vulnerabilidade que se agrava com a liminar deferida. Restou indeferido o pedido de tutela de urgência recursal (id. 283299366) para concessão de efeito suspensivo ao agravo. Em contrarrazões, a parte recorrida CESAR NATAL MAGRINI alegou (id. 288466859) preliminarmente a ausência dos requisitos para concessão de efeito suspensivo, sustentando que o perigo de dano reverso é evidente e muito mais grave, pois a manutenção da obstrução da passagem impede o Agravado de acessar sua propriedade com veículos essenciais para o desenvolvimento de sua atividade econômica, especialmente no período de colheita da safra. Argumenta que a decisão agravada não determinou a remoção da porteira, mas apenas a retirada do cadeado, o que não impede que os Agravantes exerçam controle sobre quem acessa sua propriedade, apenas veda a obstrução completa da passagem que há décadas é utilizada pelo Agravado. No mérito, sustenta a comprovação da posse e do esbulho, alegando que o Agravado demonstrou, por meio de documentos e declarações, que utiliza a passagem há mais de 29 anos, sendo esta a única via adequada para acesso de veículos pesados, equipamentos agrícolas e transporte escolar à sua propriedade. Defende que ficou comprovado que os Agravantes, entre o final de 2024 e janeiro de 2025, obstruíram a passagem, colocando corrente com cadeado na porteira de acesso. Quanto à caracterização da servidão de passagem aparente, invoca a Súmula 415 do STF e insiste que a servidão de passagem é aparente, pois materializada por estrada visível, com porteira e mata-burro, sendo utilizada há mais de 29 anos pelo Agravado e seus antecessores. Alega a existência de encravamento e da necessidade da passagem, argumentando que embora os Agravantes tenham apresentado uma declaração retificadora da Prefeitura Municipal, esta apenas esclarece que a estrada não integra a malha viária municipal oficial, o que não afasta o fato de que a passagem é utilizada há décadas pelo Agravado e é essencial para o acesso à sua propriedade. Sustenta a irrelevância da alegação de mera tolerância, argumentando que o uso contínuo, ininterrupto e público da passagem por quase três décadas, aliado à realização de obras de infraestrutura, como a construção de estrada, porteira e mata-burro, demonstra inequivocamente a intenção dos Agravados de exercerem a posse sobre a servidão de passagem, descaracterizando a alegação de mera tolerância.Por fim, requer que seja NEGADO PROVIMENTO ao presente Agravo Interno, mantendo-se integralmente a respeitável decisão monocrática que indeferiu o pedido de efeito suspensivo e ao final, o desprovimento do recurso, confirmando-se a decisão agravada que determinou a retirada da corrente com cadeado da porteira de acesso à Fazenda Renascença. Houve (id. 293320364) manifestação da Procuradoria de Justiça declinando da manifestação de mérito. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (Relator) Egrégia Câmara: Cuida-se de agravo de instrumento apresentado por WAGNER DELFINO MUNIZ e DOROTHEIA PACHECO GUIMARÃES contra CESAR NATAL MAGRINI, com o objetivo de reformar a decisão que deferiu tutela de urgência possessória em razão da decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças no bojo da Ação de Reintegração de Posse de Servidão de Passagem nº 1001713-27.2025.8.11.0004, que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência, determinando a retirada de corrente com cadeado que trancou a porteira de acesso à Fazenda Renascença, no prazo de 05 (cinco) dias e autorizando o uso de reforço policial e arrombamento. Inicialmente ressalvo que o agravo de instrumento é recurso secundum eventum litis, a limitar-se ao exame do acerto ou desacerto do que ficou decidido na instância singular, não podendo extrapolar seu âmbito para matéria estranha ao ato judicial agravado, sob pena de supressão de instância e consequente violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. A decisão agravada (id. 188438816), proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças, deferiu o pedido de tutela de urgência sob os seguintes fundamentos: "(...) 11. Ao analisar os documentos que instruem os autos, verifica-se que o pedido liminar de reintegração de posse merece acolhimento. No caso em exame, os documentos constantes dos autos indicam a verossimilhança das alegações do autor, que, em tese, detinha a posse indireta da estrada vicinal objeto da lide, usada como única via de acesso à sua fazenda. 12. A declaração da Secretaria Municipal de Educação anexada aos autos (id nº 187071960) demonstra que a estrada serve como trajeto regular de ônibus escolar e que a obstrução vem gerando transtornos, exigindo que moradores andem longos trajetos para levar seus filhos e abram e fechem a porteira diariamente para permitir o transporte de crianças. Além disso, a declaração do engenheiro agrônomo Gabriel Rezende Paniago, atestando o uso contínuo da estrada, sua importância ao escoamento da produção e o recente bloqueio com porteira e cadeado, instalados pelos requeridos, também evidencia a dificuldade perpassada. 13. O perigo de dano irreparável encontra-se configurado tanto pelo prejuízo à atividade econômica essencial exercida pelo autor — a exploração agrícola — quanto pela restrição ao acesso a serviços públicos essenciais, como a educação, o que atinge não apenas o autor, mas a coletividade, prejudicando o direito de ir e vir. Além disso, observa-se que o esbulho é recente, ocorrido no final do ano de 2024, conforme registrado no boletim de ocorrência. 14. Diante disso, verificados os pressupostos legais — probabilidade do direito, perigo de dano e urgência da medida —, revela-se cabível o deferimento da tutela de urgência possessória, com o objetivo de restabelecer provisoriamente a situação de fato anterior ao esbulho, garantindo ao autor e aos demais usuários o livre acesso pela estrada em litígio até o julgamento definitivo da causa. 15. DEFIRO o pedido de tutela de urgência, nos termos do art. 300, do CPC, para determinar a retirada de corrente com cadeado que trancou a porteira de acesso a Fazenda Renascença, no prazo de 05 dias. 16. AUTORIZO o uso de reforço policial e arrombamento, se necessário." A controvérsia da demanda consiste na aferição da caracterização/existência de servidão de passagem (trânsito) consubstanciada em estrada vicinal que corta propriedade privada do agravante, bem como na análise do preenchimento dos requisitos legais para que a servidão seja mantida e, por conseguinte, utilizada pelo agravado, com a consequente determinação de desobstrução do acesso fechado pelo recorrente. De início, importante destacar que o juízo de origem, ao deferir a medida liminar, fundamentou sua decisão na existência de elementos que demonstram, ao menos em juízo de cognição sumária, a verossimilhança das alegações do agravado no tocante ao exercício pretérito e contínuo da posse sobre a via de passagem. Primeiramente, insta esclarecer o CPC em vigor trata dos requisitos das ações possessórias da mesma forma como o tratava o CPC de 1973 em seu artigo 927: “Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho. Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.” Depreende-se, pois, que de acordo com o artigo supratranscrito, para que o autor da ação possessória obtenha o deferimento do pleito, imperioso que se evidenciem os requisitos dos incisos I, II, II e IV. Extrai-se do regramento supratranscrito que a concessão de liminar possessória pressupõe uma situação anterior de poder fático sobre o bem, decorrente de um ato, direito, ou obrigação. Tratando da liminar possessória, os processualistas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery assim elucidam: “Tem caráter de adiantamento do resultado do pedido de proteção possessória. A concessão de liminar funciona como se o juiz tivesse julgado procedente o pedido liminar, antecipada e provisoriamente, até que seja feita a instrução e sobrevenha a sentença. A única semelhança com a cautelar é o atributo da provisoriedade, já que o juiz pode revogar a liminar e concedê-la, novamente, se for o caso, ou propósito do juízo de retratação, se for interposto agravo de instrumento (…).” (In Processo Civil Comentado, RT, 10ª Edição, p. 1178). Certo é que não se pode exigir, num primeiro momento, a prova cabal e definitiva do preenchimento dos requisitos, porquanto suficiente a plausibilidade de que os fatos tenham ocorrido tal como descritos na inicial. Por outro lado, não se trata de um juízo de mera possibilidade, mas de verdadeira plausibilidade, o que não se verifica na hipótese em análise. Em análise detida dos argumentos trazidos pelo autor, ora agravado, averiguo que este afirmou que a passagem em discussão se trata de servidão, a qual utiliza muito antes da posse e propriedade do agravante, que a adquiriu por herança, somente no ano de 2020, vindo a construir a cerca de obstrução. No que tange à servidão, assim dispõem aos artigos 1.378 e seguintes do Código Civil: “Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis. Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião. Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos. Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada.” A Súmula 415 do STF estabelece que: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”. Como se vê, a servidão, intitulada ou tornada aparente, é suscetível de proteção possessória, sendo, portanto, aplicável o instituto da proteção possessória. A servidão não é presumível, de modo que se exige comprovação de sua existência, seja por meio de testamento ou contrato, ambos devendo ser registrados em Cartório de Registro de Imóveis, conforme preconizado no artigo 1.378 do Código Civil. No caso em apreço, do cotejo dos documentos que instruem a petição inicial da ação originária, nota-se que a pretensão de comprovar a existência de posse anterior, a configurar a servidão aparente, foi estribada em documentos cuja análise efetuo nesta ocasião. Ab initio, é necessário consignar que a declaração da prefeitura, sobre a qual o magistrado de origem, se baseou para conceder a tutela de urgência restou retificada. A retificação, inclusive é confirmada pelo Ministério Público, pois embora tenha suscitado a ausência de interesse público, destacou que em consulta aos autos originários, verificou-se que a Secretaria Municipal de Educação de Pontal do Araguaia informou que "(...) a referida estrada não integra a malha viária municipal oficial, tampouco consta na Lei Municipal nº 894/2018, que "Dispõe sobre a nominação das vias do sistema viário rural do município de Pontal do Araguaia – MT e dá outras providências", tratando-se, portanto, de acesso privado, situado integralmente dentro da propriedade particular do Sr. Wagner Delfino Muniz". A declaração retificadora emitida pela Secretaria Municipal de Educação de Pontal do Araguaia, constante do Id. 190339228 dos autos originários, representa elemento probatório de significância ímpar para o deslinde da controvérsia nesta fase de cognição sumária, na medida em que, de forma categórica e inequívoca, confirma que a estrada objeto da discussão não integra a malha viária oficial do município, encontrando-se integralmente situada dentro da propriedade particular dos ora agravantes. Este esclarecimento oficial, emanado do próprio órgão que havia fornecido informações anteriores, afasta definitivamente qualquer alegação de caráter público ou de necessidade coletiva da via em questão, corroborando a tese sustentada pelos agravantes de que se trata de corredor privado localizado no interior da Fazenda Princesa. Paralelamente, o exame crítico das provas colacionadas pelo agravado revela fragilidades probatórias que comprometem substancialmente a verossimilhança das alegações, nesta fase de cognição sumária, senão vejamos. As partes apresentaram mapas cartográficos, de onde se extrai que o agravado possui acesso a seu imóvel pela MT-260 (Estrada vicinal oficial estadual), conectada diretamente à rede viária principal, que, por óbvio, é suficiente para tráfego de veículos comuns. Os mapas apresentados pelas partes apontam que a MT-260 contorna a Fazenda Princesa, existindo acesso direto à Fazenda Renascença pela extremidade da propriedade, indicando, ainda, que a distância adicional é geograficamente insignificante e inexistem obstáculos topográficos impeditivos. As demais provas apresentadas não convencem este magistrado, nesta fase de cognição sumária, pois se tratam de manifestação do engenheiro agrônomo Gabriel Rezende Paniago, cujo vínculo com o agravado permanece obscuro nos autos, bem como de depoimentos de funcionários que, pela evidente subordinação econômica, carecem da imparcialidade necessária para conferir credibilidade às assertivas. Evidente, portanto, a existência de fragilidade das alegações dos agravados, na medida em que existe comprovada possibilidade de acesso alternativo pela estrada vicinal MT-260, via pública adequada e regular que atende às necessidades de circulação rural, afastando qualquer configuração, por exemplo, de encravamento real da propriedade do agravado. O Cadastro Ambiental Rural da Fazenda Princesa, registrado sob o número MT46153/2020, que documenta propriedade de 493,43 hectares em situação ativa e regular, pertencente a Wagner Delfino Muniz, com área consolidada de 485,18 hectares, confirma não apenas a regularidade dominial dos agravantes, mas também a dimensão significativa da propriedade, elemento relevante para compreensão da dinâmica do conflito possessório e que justifica a arguição de mera tolerância de utilização da passagem pelo agravado, até a realização de “mata burro” em completo desacordo com autorização anterior. Noutro giro, existe o contrato de arrendamento rural vigente sobre a Fazenda Princesa introduz complexidade adicional à questão, posto que a exploração agrícola por terceiro gera responsabilidades contratuais específicas para os proprietários, notadamente o dever de garantir o uso pacífico do imóvel e a segurança das atividades desenvolvidas. A abertura descontrolada da propriedade, decorrente da liminar concedida, expõe os agravantes ao risco concreto de rescisão contratual por inadimplemento de obrigações essenciais, configurando dano patrimonial de difícil quantificação e reparação. Os boletins de ocorrência registrados entre 2015 e 2024, evidenciam padrão preocupante de furtos na propriedade, incluindo equipamentos eletrônicos (B.O. 2015.86768), máquinas agrícolas (B.O. 2018.34961), carretinha e ração (B.O. 2022.247055), culminando com o abate criminoso de gado (B.O. 2024.71558). Esta progressão delitiva constitui evidência concreta da vulnerabilidade patrimonial da Fazenda Princesa, demonstrando que a abertura irrestrita do acesso potencializa exponencialmente os riscos à segurança e à integridade do patrimônio rural. Não há dúvidas de que o mérito da questão deverá ser esclarecido de modo adequado, em sede de cognição exauriente, após ampla instrução probatória. Contudo, a síntese analítica do conjunto probatório, nesta fase de cognição, revela que a prova apresentada é frágil com relação a posse alegada pelo agravado, existindo, ainda, acesso alternativo viável, regular e adequado pela MT-260. A alegação genérica do agravado acerca das supostas dificuldades enfrentadas no período chuvoso para utilização da estrada vicinal MT-260 desta via, encontra ausência de comprovação, principalmente quando se verifica que se trata de estrada oficial estadual, que por óbvio deve estar submetida à manutenção regular pelo Departamento de Estradas e Rodagem de Mato Grosso (DER-MT), apresentando padrão técnico manifestamente superior às vias particulares, com sistematização adequada de drenagem e programas de conservação sistemática que asseguram sua trafegabilidade durante todo o ano. A comparação técnica entre as alternativas viárias disponíveis revela disparidade qualitativa significativa em favor da via oficial. Enquanto a MT-260 deve ser beneficiar de sistematização de drenagem projetada conforme normas técnicas, manutenção periódica executada pelo órgão rodoviário estadual, controle sistemático de erosão e sinalização adequada às normas de segurança viária, o corredor objeto da disputa depende de manutenção exclusivamente particular, carecendo de sistematização adequada, mostrando-se naturalmente vulnerável às intempéries e desprovido de qualquer garantia de conservação permanente. A adequação comprovada da MT-260 para suporte de tráfego pesado é extraída de sua classificação técnica como estrada vicinal estadual, uso documentado para transporte escolar, a conexão direta ao sistema rodoviário principal do Estado e, fundamentalmente, a ausência de quaisquer restrições documentadas quanto ao peso, gabarito ou tipologia de veículos autorizados a trafegar pela via. Este conjunto probatório indica que a inadequação da via oficial constitui assertiva desprovida de lastro documental e científico, revelando-se antes estratégia processual tendente a justificar artificialmente a pretensão de imposição de servidão sobre propriedade alheia. Com efeito, “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. SERVIDÃO DE PASSAGEM. REVOGAÇÃO DA LIMINAR. POSSIBILIDADE. SERVIDÃO NÃO COMPROVADA. IMÓVEL NÃO ENCRAVADO. RECURSO PROVIDO. Nos termos do artigo 1.378 do Código Civil, somente configura-se a servidão de passagem por meio de declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis. Inexistindo provas demonstrando os requisitos do artigo aludido, inviável a manutenção da liminar de reintegração de posse a quem não comprovou a servidão de passagem. Segundo artigo 1.028 do Código Civil "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância", sendo assim, uma vez que o imóvel do recorrido encontra-se desencravado, o uso da estrada em discussão, dá-se por mera comodidade, não sendo possível reconhecer a servidão. Decorrente a servidão de mera liberalidade e não se tratando de imóvel encravado, coerente a revogação da liminar.” (TJ-MG - AI: 10000210952461001 MG, Relator.: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 23/09/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/09/2021) “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. LIMINAR INDEFERIDA. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. Para a concessão da medida antecipatória de reintegração de posse, necessária a comprovação, de plano, da prova da posse anterior, do esbulho e da respectiva data, e perda da posse (art. 561 e 562, CPC). Todavia, tais requisitos não restaram devidamente comprovados nos autos, razão pela qual deve ser mantida a decisão que indeferiu a liminar pleiteada. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E IMPROVIDO.” (TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5235947-93.2020.8.09.0139 , Rel. Des (a). ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 1ª Câmara Cível, julgado em 08/02/2021, DJe de 08/02/2021). “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE ESTRADA CUMULADA COM PEDIDO LIMINAR. SERVIDÃO DE PASSAGEM. TUTELA ANTECIPADA INDEFERIDA. 1. O Agravo de Instrumento é recurso secundum eventum litis e deve limitar-se ao exame do acerto ou desacerto do que ficou soberanamente decidido pelo juízo singular, não podendo extrapolar o âmbito para matéria estranha ao ato judicial vergastado, não sendo lícito ao juízo ad quem antecipar-se sobre o julgamento do mérito da demanda, sob pena de suprimir um grau de jurisdição. 2. O pedido liminar de reintegração de posse com base no procedimento especial, impõe a presença dos requisitos autorizadores da proteção possessória previstos no artigo 561 do CPC, a qual, inclusive, pode ser aplicada à servidão de passagem, seja titulada ou aparente, desde que observados os regramentos contidos nos artigos 1.378 e seguintes do Código Civil e na Súmula nº 415 do Supremo Tribunal Federal. 3. Na hipótese, à míngua de elementos de prova suficientes para demonstrar a probabilidade do direito invocado, merece ser reformada a decisão que deferiu o pedido de concessão de tutela de urgência. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.” (TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5037269-64.2020.8.09.0000 , Rel. Des (a). JEOVA SARDINHA DE MORAES, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, julgado em 04/05/2020, DJe de 04/05/2020). No que tange à qualidade probatória, as evidências apresentadas pelo agravado mostram-se manifestamente insuficientes, baseando-se preponderantemente em declarações unilaterais de interessados, documentação municipal posteriormente retificada e alegações temporais desprovidas de comprovação documental adequada. Finalmente, a análise do risco de dano revela-se desproporcional quando se cotejam os interesses em conflito, posto que o risco aos agravantes - englobando aspectos de segurança, responsabilidade contratual e proteção da propriedade - supera significativamente o alegado prejuízo do agravado, especialmente quando considerada a disponibilidade comprovada de acesso alternativo pela via oficial. A questão temporal emerge como elemento particularmente controvertido e revelador das inconsistências probatórias. Embora o agravado alegue na petição inicial a utilização da passagem há 29 anos, a documentação efetivamente carreada aos autos comprova apenas 5 anos de uso, conforme declaração do próprio engenheiro e da manifestação municipal original. Esta lacuna documental de 24 anos representa aspecto que necessitará ser dirimida em sede de instrução probatória. Destarte, embora a servidão de passagem, ainda que não titulada, pode ser objeto de proteção possessória (Súmula nº 415 do STF), a servidão de passagem não restou devidamente comprovada nesta fase de cognição sumária, ressalvando-se, ainda, que a conveniência geográfica jamais se confunde com necessidade jurídica, sendo certo que o acesso pela MT-260, embora ligeiramente mais extenso, atende plenamente às necessidades de trânsito rural sem impor ônus desproporcional ao agravado. Nesse sentido, “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. MERA PERMISSÃO CARACTERIZADA. IMÓVEL NÃO ENCRAVADO. COMODIDADE. REQUISITOS AÇÃO POSSESSÓRIA. AUSENTES. DECISÃO MANTIDA. 1. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância [...]" (art. 1.208 do CC/2002), razão pela qual, a simples passagem pela propriedade de outrem não configura servidão de passagem, independentemente do tempo transcorrido. 2. A servidão decorre da necessidade de passagem, e não, da maior comodidade do usuário, não sendo admitida a presunção da existência de servidão, como se infere do art. 1.378 do Código Civil, devendo haver prova cabal da sua existência. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.165358-3/002, Relator (a): Des.(a) Pedro Aleixo, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/08/2021, publicação da sumula em 12/08/2021) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO DE PASSAGEM - ACESSO POR OUTRA ESTRADA - MERA COMODIDADE - INDEFERIMENTO DA LIMINAR - DECISÃO REFORMADA. - A servidão deflui da necessidade de passagem, e não da comodidade do seu usuário, constituindo mera tolerância de passagem se existe outra forma de acesso ao imóvel. - Existindo outra saída para o imóvel dos agravantes, não encontrando o bem encravado, não pode prevalecer o interesse voltado à existência de servidão de passagem, visto se tratar de simples comodidade. - Na fase de cognição sumária, não sendo possível aferir, desde logo, a probabilidade do direito, tendo em vista os documentos dos autos não bastarem à segura conclusão da configuração da posse do autor, deve ser indeferida a liminar possessória. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.555147-6/001, Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/03/2021, publicação da sumula em 23/03/2021) Em complemento, saliento que na hipótese em julgamento inexiste nos autos declaração expressa do proprietário que construiu a cerca ou testamento com subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis atestando a servidão de passagem, sequer há outro documento que aponte que o requerente e o requerido tenham entabulado acordo registrado em cartório declarando a servidão e o direito de passagem demandado. A respeito da matéria: “Não se confundem servidão e direito de vizinhança. A distinção é tão mais necessária que parte da doutrina classifica os direitos de vizinhança como servidões legais. Os direitos de vizinhança são limitações ao direito de propriedade impostas em lei a todos os prédios em razão de sua proximidade. São direitos recíprocos, que não supõem, portanto, diminuição de um prédio em favor de outro. As servidões privam o prédio serviente de certas utilidades, importando desvalorização patrimonial. Os direitos de vizinhança são limitados; as servidões, ilimitadas. Importante também, do ponto de vista prático, é a distinção entre as servidões e os atos de tolerância. Não raro, o proprietário de um prédio permite que o vizinho pratique nele determinados atos sem ter, porém, a intenção de constituir em seu favor um direito. Esses atos de tolerância são eminentemente precários. Sua repetição não enseja servidão. A todo tempo podem ser proibidos. Jamais constituirão objeto de um direito, mesmo quando, aparentemente, possam dar a impressão de que se trata de uma servidão, como é, por exemplo, o caso do trânsito tolerado por simples cortesia. (Direitos Reais. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 321). Infere-se, portanto, nesta fase de cognição sumária, que a utilização do acesso em discussão decorria de mera liberalidade, não ensejando, assim, a proteção possessória pretendida. Ante todo o exposto, CONHEÇO o recurso e lhe DOU PROVIMENTO para reformar a decisão recorrida e revogar a tutela de urgência concedida em primeiro grau. É como voto. V O T O S V O G A I S EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (Relator) Egrégia Câmara: Cuida-se de agravo de instrumento apresentado por WAGNER DELFINO MUNIZ e DOROTHEIA PACHECO GUIMARÃES contra CESAR NATAL MAGRINI, com o objetivo de reformar a decisão que deferiu tutela de urgência possessória em razão da decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças no bojo da Ação de Reintegração de Posse de Servidão de Passagem nº 1001713-27.2025.8.11.0004, que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência, determinando a retirada de corrente com cadeado que trancou a porteira de acesso à Fazenda Renascença, no prazo de 05 (cinco) dias e autorizando o uso de reforço policial e arrombamento. Inicialmente ressalvo que o agravo de instrumento é recurso secundum eventum litis, a limitar-se ao exame do acerto ou desacerto do que ficou decidido na instância singular, não podendo extrapolar seu âmbito para matéria estranha ao ato judicial agravado, sob pena de supressão de instância e consequente violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. A decisão agravada (id. 188438816), proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças, deferiu o pedido de tutela de urgência sob os seguintes fundamentos: "(...) 11. Ao analisar os documentos que instruem os autos, verifica-se que o pedido liminar de reintegração de posse merece acolhimento. No caso em exame, os documentos constantes dos autos indicam a verossimilhança das alegações do autor, que, em tese, detinha a posse indireta da estrada vicinal objeto da lide, usada como única via de acesso à sua fazenda. 12. A declaração da Secretaria Municipal de Educação anexada aos autos (id nº 187071960) demonstra que a estrada serve como trajeto regular de ônibus escolar e que a obstrução vem gerando transtornos, exigindo que moradores andem longos trajetos para levar seus filhos e abram e fechem a porteira diariamente para permitir o transporte de crianças. Além disso, a declaração do engenheiro agrônomo Gabriel Rezende Paniago, atestando o uso contínuo da estrada, sua importância ao escoamento da produção e o recente bloqueio com porteira e cadeado, instalados pelos requeridos, também evidencia a dificuldade perpassada. 13. O perigo de dano irreparável encontra-se configurado tanto pelo prejuízo à atividade econômica essencial exercida pelo autor — a exploração agrícola — quanto pela restrição ao acesso a serviços públicos essenciais, como a educação, o que atinge não apenas o autor, mas a coletividade, prejudicando o direito de ir e vir. Além disso, observa-se que o esbulho é recente, ocorrido no final do ano de 2024, conforme registrado no boletim de ocorrência. 14. Diante disso, verificados os pressupostos legais — probabilidade do direito, perigo de dano e urgência da medida —, revela-se cabível o deferimento da tutela de urgência possessória, com o objetivo de restabelecer provisoriamente a situação de fato anterior ao esbulho, garantindo ao autor e aos demais usuários o livre acesso pela estrada em litígio até o julgamento definitivo da causa. 15. DEFIRO o pedido de tutela de urgência, nos termos do art. 300, do CPC, para determinar a retirada de corrente com cadeado que trancou a porteira de acesso a Fazenda Renascença, no prazo de 05 dias. 16. AUTORIZO o uso de reforço policial e arrombamento, se necessário." A controvérsia da demanda consiste na aferição da caracterização/existência de servidão de passagem (trânsito) consubstanciada em estrada vicinal que corta propriedade privada do agravante, bem como na análise do preenchimento dos requisitos legais para que a servidão seja mantida e, por conseguinte, utilizada pelo agravado, com a consequente determinação de desobstrução do acesso fechado pelo recorrente. De início, importante destacar que o juízo de origem, ao deferir a medida liminar, fundamentou sua decisão na existência de elementos que demonstram, ao menos em juízo de cognição sumária, a verossimilhança das alegações do agravado no tocante ao exercício pretérito e contínuo da posse sobre a via de passagem. Primeiramente, insta esclarecer o CPC em vigor trata dos requisitos das ações possessórias da mesma forma como o tratava o CPC de 1973 em seu artigo 927: “Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho. Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.” Depreende-se, pois, que de acordo com o artigo supratranscrito, para que o autor da ação possessória obtenha o deferimento do pleito, imperioso que se evidenciem os requisitos dos incisos I, II, II e IV. Extrai-se do regramento supratranscrito que a concessão de liminar possessória pressupõe uma situação anterior de poder fático sobre o bem, decorrente de um ato, direito, ou obrigação. Tratando da liminar possessória, os processualistas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery assim elucidam: “Tem caráter de adiantamento do resultado do pedido de proteção possessória. A concessão de liminar funciona como se o juiz tivesse julgado procedente o pedido liminar, antecipada e provisoriamente, até que seja feita a instrução e sobrevenha a sentença. A única semelhança com a cautelar é o atributo da provisoriedade, já que o juiz pode revogar a liminar e concedê-la, novamente, se for o caso, ou propósito do juízo de retratação, se for interposto agravo de instrumento (…).” (In Processo Civil Comentado, RT, 10ª Edição, p. 1178). Certo é que não se pode exigir, num primeiro momento, a prova cabal e definitiva do preenchimento dos requisitos, porquanto suficiente a plausibilidade de que os fatos tenham ocorrido tal como descritos na inicial. Por outro lado, não se trata de um juízo de mera possibilidade, mas de verdadeira plausibilidade, o que não se verifica na hipótese em análise. Em análise detida dos argumentos trazidos pelo autor, ora agravado, averiguo que este afirmou que a passagem em discussão se trata de servidão, a qual utiliza muito antes da posse e propriedade do agravante, que a adquiriu por herança, somente no ano de 2020, vindo a construir a cerca de obstrução. No que tange à servidão, assim dispõem aos artigos 1.378 e seguintes do Código Civil: “Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis. Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião. Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos. Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada.” A Súmula 415 do STF estabelece que: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”. Como se vê, a servidão, intitulada ou tornada aparente, é suscetível de proteção possessória, sendo, portanto, aplicável o instituto da proteção possessória. A servidão não é presumível, de modo que se exige comprovação de sua existência, seja por meio de testamento ou contrato, ambos devendo ser registrados em Cartório de Registro de Imóveis, conforme preconizado no artigo 1.378 do Código Civil. No caso em apreço, do cotejo dos documentos que instruem a petição inicial da ação originária, nota-se que a pretensão de comprovar a existência de posse anterior, a configurar a servidão aparente, foi estribada em documentos cuja análise efetuo nesta ocasião. Ab initio, é necessário consignar que a declaração da prefeitura, sobre a qual o magistrado de origem, se baseou para conceder a tutela de urgência restou retificada. A retificação, inclusive é confirmada pelo Ministério Público, pois embora tenha suscitado a ausência de interesse público, destacou que em consulta aos autos originários, verificou-se que a Secretaria Municipal de Educação de Pontal do Araguaia informou que "(...) a referida estrada não integra a malha viária municipal oficial, tampouco consta na Lei Municipal nº 894/2018, que "Dispõe sobre a nominação das vias do sistema viário rural do município de Pontal do Araguaia – MT e dá outras providências", tratando-se, portanto, de acesso privado, situado integralmente dentro da propriedade particular do Sr. Wagner Delfino Muniz". A declaração retificadora emitida pela Secretaria Municipal de Educação de Pontal do Araguaia, constante do Id. 190339228 dos autos originários, representa elemento probatório de significância ímpar para o deslinde da controvérsia nesta fase de cognição sumária, na medida em que, de forma categórica e inequívoca, confirma que a estrada objeto da discussão não integra a malha viária oficial do município, encontrando-se integralmente situada dentro da propriedade particular dos ora agravantes. Este esclarecimento oficial, emanado do próprio órgão que havia fornecido informações anteriores, afasta definitivamente qualquer alegação de caráter público ou de necessidade coletiva da via em questão, corroborando a tese sustentada pelos agravantes de que se trata de corredor privado localizado no interior da Fazenda Princesa. Paralelamente, o exame crítico das provas colacionadas pelo agravado revela fragilidades probatórias que comprometem substancialmente a verossimilhança das alegações, nesta fase de cognição sumária, senão vejamos. As partes apresentaram mapas cartográficos, de onde se extrai que o agravado possui acesso a seu imóvel pela MT-260 (Estrada vicinal oficial estadual), conectada diretamente à rede viária principal, que, por óbvio, é suficiente para tráfego de veículos comuns. Os mapas apresentados pelas partes apontam que a MT-260 contorna a Fazenda Princesa, existindo acesso direto à Fazenda Renascença pela extremidade da propriedade, indicando, ainda, que a distância adicional é geograficamente insignificante e inexistem obstáculos topográficos impeditivos. As demais provas apresentadas não convencem este magistrado, nesta fase de cognição sumária, pois se tratam de manifestação do engenheiro agrônomo Gabriel Rezende Paniago, cujo vínculo com o agravado permanece obscuro nos autos, bem como de depoimentos de funcionários que, pela evidente subordinação econômica, carecem da imparcialidade necessária para conferir credibilidade às assertivas. Evidente, portanto, a existência de fragilidade das alegações dos agravados, na medida em que existe comprovada possibilidade de acesso alternativo pela estrada vicinal MT-260, via pública adequada e regular que atende às necessidades de circulação rural, afastando qualquer configuração, por exemplo, de encravamento real da propriedade do agravado. O Cadastro Ambiental Rural da Fazenda Princesa, registrado sob o número MT46153/2020, que documenta propriedade de 493,43 hectares em situação ativa e regular, pertencente a Wagner Delfino Muniz, com área consolidada de 485,18 hectares, confirma não apenas a regularidade dominial dos agravantes, mas também a dimensão significativa da propriedade, elemento relevante para compreensão da dinâmica do conflito possessório e que justifica a arguição de mera tolerância de utilização da passagem pelo agravado, até a realização de “mata burro” em completo desacordo com autorização anterior. Noutro giro, existe o contrato de arrendamento rural vigente sobre a Fazenda Princesa introduz complexidade adicional à questão, posto que a exploração agrícola por terceiro gera responsabilidades contratuais específicas para os proprietários, notadamente o dever de garantir o uso pacífico do imóvel e a segurança das atividades desenvolvidas. A abertura descontrolada da propriedade, decorrente da liminar concedida, expõe os agravantes ao risco concreto de rescisão contratual por inadimplemento de obrigações essenciais, configurando dano patrimonial de difícil quantificação e reparação. Os boletins de ocorrência registrados entre 2015 e 2024, evidenciam padrão preocupante de furtos na propriedade, incluindo equipamentos eletrônicos (B.O. 2015.86768), máquinas agrícolas (B.O. 2018.34961), carretinha e ração (B.O. 2022.247055), culminando com o abate criminoso de gado (B.O. 2024.71558). Esta progressão delitiva constitui evidência concreta da vulnerabilidade patrimonial da Fazenda Princesa, demonstrando que a abertura irrestrita do acesso potencializa exponencialmente os riscos à segurança e à integridade do patrimônio rural. Não há dúvidas de que o mérito da questão deverá ser esclarecido de modo adequado, em sede de cognição exauriente, após ampla instrução probatória. Contudo, a síntese analítica do conjunto probatório, nesta fase de cognição, revela que a prova apresentada é frágil com relação a posse alegada pelo agravado, existindo, ainda, acesso alternativo viável, regular e adequado pela MT-260. A alegação genérica do agravado acerca das supostas dificuldades enfrentadas no período chuvoso para utilização da estrada vicinal MT-260 desta via, encontra ausência de comprovação, principalmente quando se verifica que se trata de estrada oficial estadual, que por óbvio deve estar submetida à manutenção regular pelo Departamento de Estradas e Rodagem de Mato Grosso (DER-MT), apresentando padrão técnico manifestamente superior às vias particulares, com sistematização adequada de drenagem e programas de conservação sistemática que asseguram sua trafegabilidade durante todo o ano. A comparação técnica entre as alternativas viárias disponíveis revela disparidade qualitativa significativa em favor da via oficial. Enquanto a MT-260 deve ser beneficiar de sistematização de drenagem projetada conforme normas técnicas, manutenção periódica executada pelo órgão rodoviário estadual, controle sistemático de erosão e sinalização adequada às normas de segurança viária, o corredor objeto da disputa depende de manutenção exclusivamente particular, carecendo de sistematização adequada, mostrando-se naturalmente vulnerável às intempéries e desprovido de qualquer garantia de conservação permanente. A adequação comprovada da MT-260 para suporte de tráfego pesado é extraída de sua classificação técnica como estrada vicinal estadual, uso documentado para transporte escolar, a conexão direta ao sistema rodoviário principal do Estado e, fundamentalmente, a ausência de quaisquer restrições documentadas quanto ao peso, gabarito ou tipologia de veículos autorizados a trafegar pela via. Este conjunto probatório indica que a inadequação da via oficial constitui assertiva desprovida de lastro documental e científico, revelando-se antes estratégia processual tendente a justificar artificialmente a pretensão de imposição de servidão sobre propriedade alheia. Com efeito, “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. SERVIDÃO DE PASSAGEM. REVOGAÇÃO DA LIMINAR. POSSIBILIDADE. SERVIDÃO NÃO COMPROVADA. IMÓVEL NÃO ENCRAVADO. RECURSO PROVIDO. Nos termos do artigo 1.378 do Código Civil, somente configura-se a servidão de passagem por meio de declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis. Inexistindo provas demonstrando os requisitos do artigo aludido, inviável a manutenção da liminar de reintegração de posse a quem não comprovou a servidão de passagem. Segundo artigo 1.028 do Código Civil "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância", sendo assim, uma vez que o imóvel do recorrido encontra-se desencravado, o uso da estrada em discussão, dá-se por mera comodidade, não sendo possível reconhecer a servidão. Decorrente a servidão de mera liberalidade e não se tratando de imóvel encravado, coerente a revogação da liminar.” (TJ-MG - AI: 10000210952461001 MG, Relator.: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 23/09/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/09/2021) “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. LIMINAR INDEFERIDA. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. Para a concessão da medida antecipatória de reintegração de posse, necessária a comprovação, de plano, da prova da posse anterior, do esbulho e da respectiva data, e perda da posse (art. 561 e 562, CPC). Todavia, tais requisitos não restaram devidamente comprovados nos autos, razão pela qual deve ser mantida a decisão que indeferiu a liminar pleiteada. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E IMPROVIDO.” (TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5235947-93.2020.8.09.0139 , Rel. Des (a). ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 1ª Câmara Cível, julgado em 08/02/2021, DJe de 08/02/2021). “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE ESTRADA CUMULADA COM PEDIDO LIMINAR. SERVIDÃO DE PASSAGEM. TUTELA ANTECIPADA INDEFERIDA. 1. O Agravo de Instrumento é recurso secundum eventum litis e deve limitar-se ao exame do acerto ou desacerto do que ficou soberanamente decidido pelo juízo singular, não podendo extrapolar o âmbito para matéria estranha ao ato judicial vergastado, não sendo lícito ao juízo ad quem antecipar-se sobre o julgamento do mérito da demanda, sob pena de suprimir um grau de jurisdição. 2. O pedido liminar de reintegração de posse com base no procedimento especial, impõe a presença dos requisitos autorizadores da proteção possessória previstos no artigo 561 do CPC, a qual, inclusive, pode ser aplicada à servidão de passagem, seja titulada ou aparente, desde que observados os regramentos contidos nos artigos 1.378 e seguintes do Código Civil e na Súmula nº 415 do Supremo Tribunal Federal. 3. Na hipótese, à míngua de elementos de prova suficientes para demonstrar a probabilidade do direito invocado, merece ser reformada a decisão que deferiu o pedido de concessão de tutela de urgência. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.” (TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5037269-64.2020.8.09.0000 , Rel. Des (a). JEOVA SARDINHA DE MORAES, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, julgado em 04/05/2020, DJe de 04/05/2020). No que tange à qualidade probatória, as evidências apresentadas pelo agravado mostram-se manifestamente insuficientes, baseando-se preponderantemente em declarações unilaterais de interessados, documentação municipal posteriormente retificada e alegações temporais desprovidas de comprovação documental adequada. Finalmente, a análise do risco de dano revela-se desproporcional quando se cotejam os interesses em conflito, posto que o risco aos agravantes - englobando aspectos de segurança, responsabilidade contratual e proteção da propriedade - supera significativamente o alegado prejuízo do agravado, especialmente quando considerada a disponibilidade comprovada de acesso alternativo pela via oficial. A questão temporal emerge como elemento particularmente controvertido e revelador das inconsistências probatórias. Embora o agravado alegue na petição inicial a utilização da passagem há 29 anos, a documentação efetivamente carreada aos autos comprova apenas 5 anos de uso, conforme declaração do próprio engenheiro e da manifestação municipal original. Esta lacuna documental de 24 anos representa aspecto que necessitará ser dirimida em sede de instrução probatória. Destarte, embora a servidão de passagem, ainda que não titulada, pode ser objeto de proteção possessória (Súmula nº 415 do STF), a servidão de passagem não restou devidamente comprovada nesta fase de cognição sumária, ressalvando-se, ainda, que a conveniência geográfica jamais se confunde com necessidade jurídica, sendo certo que o acesso pela MT-260, embora ligeiramente mais extenso, atende plenamente às necessidades de trânsito rural sem impor ônus desproporcional ao agravado. Nesse sentido, “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. MERA PERMISSÃO CARACTERIZADA. IMÓVEL NÃO ENCRAVADO. COMODIDADE. REQUISITOS AÇÃO POSSESSÓRIA. AUSENTES. DECISÃO MANTIDA. 1. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância [...]" (art. 1.208 do CC/2002), razão pela qual, a simples passagem pela propriedade de outrem não configura servidão de passagem, independentemente do tempo transcorrido. 2. A servidão decorre da necessidade de passagem, e não, da maior comodidade do usuário, não sendo admitida a presunção da existência de servidão, como se infere do art. 1.378 do Código Civil, devendo haver prova cabal da sua existência. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.165358-3/002, Relator (a): Des.(a) Pedro Aleixo, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/08/2021, publicação da sumula em 12/08/2021) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO DE PASSAGEM - ACESSO POR OUTRA ESTRADA - MERA COMODIDADE - INDEFERIMENTO DA LIMINAR - DECISÃO REFORMADA. - A servidão deflui da necessidade de passagem, e não da comodidade do seu usuário, constituindo mera tolerância de passagem se existe outra forma de acesso ao imóvel. - Existindo outra saída para o imóvel dos agravantes, não encontrando o bem encravado, não pode prevalecer o interesse voltado à existência de servidão de passagem, visto se tratar de simples comodidade. - Na fase de cognição sumária, não sendo possível aferir, desde logo, a probabilidade do direito, tendo em vista os documentos dos autos não bastarem à segura conclusão da configuração da posse do autor, deve ser indeferida a liminar possessória. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.555147-6/001, Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/03/2021, publicação da sumula em 23/03/2021) Em complemento, saliento que na hipótese em julgamento inexiste nos autos declaração expressa do proprietário que construiu a cerca ou testamento com subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis atestando a servidão de passagem, sequer há outro documento que aponte que o requerente e o requerido tenham entabulado acordo registrado em cartório declarando a servidão e o direito de passagem demandado. A respeito da matéria: “Não se confundem servidão e direito de vizinhança. A distinção é tão mais necessária que parte da doutrina classifica os direitos de vizinhança como servidões legais. Os direitos de vizinhança são limitações ao direito de propriedade impostas em lei a todos os prédios em razão de sua proximidade. São direitos recíprocos, que não supõem, portanto, diminuição de um prédio em favor de outro. As servidões privam o prédio serviente de certas utilidades, importando desvalorização patrimonial. Os direitos de vizinhança são limitados; as servidões, ilimitadas. Importante também, do ponto de vista prático, é a distinção entre as servidões e os atos de tolerância. Não raro, o proprietário de um prédio permite que o vizinho pratique nele determinados atos sem ter, porém, a intenção de constituir em seu favor um direito. Esses atos de tolerância são eminentemente precários. Sua repetição não enseja servidão. A todo tempo podem ser proibidos. Jamais constituirão objeto de um direito, mesmo quando, aparentemente, possam dar a impressão de que se trata de uma servidão, como é, por exemplo, o caso do trânsito tolerado por simples cortesia. (Direitos Reais. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 321). Infere-se, portanto, nesta fase de cognição sumária, que a utilização do acesso em discussão decorria de mera liberalidade, não ensejando, assim, a proteção possessória pretendida. Ante todo o exposto, CONHEÇO o recurso e lhe DOU PROVIMENTO para reformar a decisão recorrida e revogar a tutela de urgência concedida em primeiro grau. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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