Processo nº 5002345-52.2024.8.24.0070
ID: 329991318
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5002345-52.2024.8.24.0070
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
OSVALDO GUERRA ZOLET
OAB/SC XXXXXX
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CLEUNIR MATTEUCCI
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5002345-52.2024.8.24.0070/SC
APELANTE
: LILLI APARECIDA MAY (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: CLEUNIR MATTEUCCI (OAB SC026074)
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: OSVALDO GUERR…
Apelação Nº 5002345-52.2024.8.24.0070/SC
APELANTE
: LILLI APARECIDA MAY (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: CLEUNIR MATTEUCCI (OAB SC026074)
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: OSVALDO GUERRA ZOLET (OAB SC034641)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de
Apelações Cíveis
interpostas por
L. A. M.
e B. I. C. S.A., respectivamente autor e réu, contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da comarca de Modelo que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Contratual Cumulada Com Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais e Materiais, Com Pedido de Tutela de Urgência n. 50023455220248240070 ajuizada por
L. A. M.
em desfavor de B. I. C. S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 47 -
SENT1
- autos de origem):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na exordial, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para fins de:
a) DECLARAR inexigibilidade dos valores decorrentes dos termos de adesão indicados na petição inicial, e por consequência, determinar que a parte autora DEVOLVA à parte ré o valor do crédito recebido, devidamente atualizado pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, CC) a contar do recebimento e acrescidos de juros de mora na forma do art. 406, §1º, do CC, a contar do trânsito em julgado;
b) CONDENAR o réu à restituição, de forma dobrada (parágrafo único do art. 42 do CDC), dos valores descontados, a serem apurados em liquidação de sentença (que estará dispensado se verificação do valor for possível mediante mero cálculo aritmético - art. 509, § 2º, do CPC), atualizados monetariamente pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, CC) desde os respectivos descontos e acrescidos de juros moratórios na forma do art. 406, §1º, do CC, a partir da citação válida;
Diante da sucumbência recíproca (art. 86 do CPC), distribuo a sucumbência em 60% para a parte autora e 40% para a parte ré.
E, assim, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação (repetição do indébito), com fundamento no art. 85 do CPC. As verbas deverão ser pagas pelas partes no percentual acima fixado, na medida de sua sucumbência.
A exigibilidade dessas verbas, no entanto, resta suspensa em relação à parte autora, no caso de ter sido deferida a gratuidade de justiça (art. 98, § 3º, do CPC).
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.
Transitada em julgado e pagas eventuais custas, arquivem-se.
Em atenção ao princípio da celeridade processual e a fim de evitar tautologia, adota-se o relatório da sentença apelada (Evento 47 -
SENT1
- autos de origem):
Trata-se de "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL COMBINADA COM SUSPENSÃO DE VALOR, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS e MATERIAS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR" (
sic
), que
LILLI APARECIDA MAY
move em face de ITAU UNIBANCO S.A.. Alega a parte autora, em síntese, que a ré, mesmo sem contratação, passou a efetuar descontos a título de empréstimos consignados, em seu benefício previdenciário. Pede a declaração da inexistência da contratação, com o cancelamento do saldo devedor existente, bem como a condenação à devolução, em dobro, dos valores descontados, e ao pagamento de indenização por danos morais.
Citada, a parte ré apresentou contestação (
evento 22, DOC1
). Arguiu questões processuais. No mérito, afirmou em resumo, que a contratação está revestida da mais plena higidez, sendo o empréstimo questionado fora contratado pela parte autora. Requereu a improcedência dos pedidos.
Réplica apresentada no
evento 25, DOC1
.
A parte autora requereu a produção de prova pericial (
evento 32, DOC1
) e o requerido juntou documentos e requereu a expedição de ofício para a instituição financeira mantenedora do benefício da autora (
evento 33, DOC1
), que foram indeferidos no
evento 38, DOC1
, bem como anunciado o julgamento antecipado do feito.
É o relatório, no essencial.
O réu opôs embargos de declaração contra a sentença, os quais foram acolhidos em parte para sanar a omissão, incluindo-se no dispositivo da sentença do
evento 47, DOC1
o seguinte: Retifique-se a composição do polo passivo no cadastro do processo, para que conste BANCO ITAÚ CONSIGNADO S.A, excluindo-se ITAU UNIBANCO S.A. (evento 63 - autos de origem).
Inconformada, a
L. A. M.
apelou, pleiteando a reforma da sentença para que fosse reconhecido o direito à indenização por danos morais, sustentando que os descontos indevidos em seu benefício previdenciário, decorrentes de contratos não celebrados, causaram-lhe sofrimento, angústia e abalo à dignidade, especialmente por se tratar de pessoa idosa e hipervulnerável. Requereu, ainda, a inversão do ônus sucumbencial e, subsidiariamente, a realização de nova perícia grafotécnica (Evento 58 -
APELAÇÃO1
- autos de origem).
Incoformado, o réu B. I. C. S.A. também interpôs apelação, alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de prova documental (extratos bancários). No mérito, sustentou a regularidade das contratações, a ocorrência de
supressio, surrectio e venire contra factum proprium
, e a ausência de má-fé, requerendo a reforma da sentença para o reconhecimento da validade dos contratos e, subsidiariamente, o afastamento da repetição em dobro dos valores, com aplicação da modulação dos efeitos do EAREsp 676.608/RS (Evento 77 -
APELAÇÃO1
- autos de origem).
Houve contrarrazões (evento 76 e 82 - autos de origem).
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relatório.
Exame de admissibilidade
Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se dos recursos e passa-se à análise.
Nos termos do art. 932, inc. VIII, do Código de Processo Civil, incumbe ao relator
"exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal".
Por sua vez, o art. 132 do atual Regimento Interno deste Tribunal de Justiça passou a conter nos incisos XV e XVI, que compete ao relator, por decisão monocrática:
XV –
negar provimento a recurso
nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões,
dar provimento a recurso
nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
Também, a Súmula 568 do Superior Tribunal de Justiça prevê que "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça,
poderá dar ou negar provimento ao recurso
quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Assim, em primazia à celeridade processual, tem-se a possibilidade de julgamento monocrático do recurso de apelação interposto, porquanto a temática discutida nos autos possui entendimento dominante nesta Corte de Justiça.
Relação de Consumo
De plano, registra-se que ao caso aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, porquanto se trata de relação consumerista, estando de um lado o consumidor e de outro o fornecedor de serviços.
A defesa dos direitos básicos do consumidor deve ser resguardada e, em especial, o previsto no art. 6º, incisos VI, VIII e X, do CDC, que assim dispõe: "São direitos básicos do consumidor
a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais
, coletivos e difusos;
a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil
, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; e
a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral
".
Dessarte, o julgamento da presente demanda está adstrito às regras de proteção ao consumidor, notadamente a inversão do ônus da prova, pois ele é parte hipossuficiente e merece especial tratamento.
Preliminar de cerceamento de defesa
Quanto à preliminar de cerceamento de defesa, não merece acolhimento.
Isso porque, não obstante argumente a ré ter ocorrido o cerceamento de seu direito de defesa pelo julgamento antecipado a despeito da realização da prova documental por ela pretendida, fato é que a
causa de pedir da demanda está lastreada na cobrança de descontos decorrentes de operação não contratada, com retenção de valores pela instituição financeira ré.
Sobre a temática, recorda-se que o magistrado é o destinatário da prova, portanto, dar-se a ele a discricionariedade para indeferir provas/diligências que julgar desnecessárias para o deslinde do feito. Assim estabelece o Código de Processo Civil:
Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
E conforme
"jurisprudência pacífica desta Corte, cabe ao magistrado, destinatário da prova, valorar sua necessidade, conforme o princípio do livre convencimento motivado"
(STJ - AgInt no AREsp n. 2.369.326/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024).
A propósito, colhe-se também o seguinte julgado proferido pelo Tribunal da Cidadania:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA CONDENAÇÃO AO FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE COBERTURA. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 284/STF. NULIDADE DA SENTENÇA. DETERMINAÇÃO DE NOVA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO OU DA PERSUASÃO RACIONAL. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO DESTA CORTE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 83 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplicável o óbice da Súmula n. 284/STF, pois as razões delineadas no recurso especial estão dissociadas dos fundamentos do acórdão recorrido, no ponto relativo à alegada condenação sofrida pela parte agravante. 2. "O magistrado é o destinatário das provas, cabendo-lhe apreciar a necessidade da produção de provas, sendo soberano para formar seu convencimento e decidir fundamentadamente, em atenção ao princípio da persuasão racional [...] Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide sem a produção das provas requeridas pela parte consideradas desnecessárias pelo juízo, desde que devidamente fundamentado" (AgInt no AREsp n. 2.050.458/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 28/11/2022, DJe de 30/11/2022). Incidência da Súmula 83/STJ. 3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 4. O mero não conhecimento ou improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação na multa do artigo 1.021, § 4º, do CPC/2015, devendo ser comprovado o manifesto propósito protelatório, o que não ocorreu na espécie. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp n. 2.425.714/AM, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024.)
Nesse diapasão, considerando a natureza da presente ação, tem-se que a produção de provas adicionais seria protelatória e não alteraria o desfecho da demanda, uma vez que a prova documental constante nos autos mostra-se suficiente e satisfatória para o convencimento do juízo.
Colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL.
NULIDADE DE CONTRATOS BANCÁRIOS E DANOS MORAIS
. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo interno interposto por instituição financeira contra decisão monocrática que reconheceu a nulidade de contratos de empréstimo
consignado
, em razão da impugnação da assinatura da parte autora, e negou provimento ao pedido de indenização por danos morais, bem como ao pedido de aplicação do instituto da supressio.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há quatro questões em discussão: (i)
saber se houve
cerceamento
de
defesa
;
(ii) saber se os contratos de empréstimo
consignado
são válidos; (iii) saber se há ocorrência de dano moral; e (iv) saber se é aplicável o instituto da supressio ao caso.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3.
O
cerceamento
de
defesa
não se caracteriza, pois a documentação apresentada foi suficiente para a formação do convencimento do juízo.
4. A nulidade dos contratos é reconhecida em razão da impugnação da assinatura, cabendo à instituição financeira o ônus da
prova
da autenticidade.
5. Não há comprovação de dano moral, uma vez que não se demonstrou impacto significativo na vida financeira da parte autora.
6. O instituto da supressio não se aplica, pois a parte autora alegou a inexistência dos contratos, inviabilizando a preservação de efeitos de negócios jurídicos.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: "1. Não houve
cerceamento
de
defesa
. 2. A nulidade dos contratos de empréstimo
consignado
é mantida. 3. Não há ocorrência de dano moral. 4. O instituto da supressio não se aplica ao caso."
(TJSC, Apelação n. 5025194-28.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gladys Afonso, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 24-06-2025).
Portanto, não há falar em
cerceamento
de
defesa
.
Mérito
Da aplicação do instituto da
supressio
Assevera a ré que ao caso em questão deve ser aplicada a teoria da
supressio
para o fim de julgar improcedentes os pedidos inaugurais formulados pela parte autora.
À luz dessa teoria, poder-se-ia entender que o consumidor que se depara com depósito de valor desconhecido em sua conta corrente e, em seguida, com descontos mensais e sucessivos de parcelas em seu benefício previdenciário, não pode, após transcorridos lapso considerável de tempo, sem qualquer iniciativa de devolver a quantia recebida, buscar desfazer o vínculo contratual.
Ocorre que o instituto da
supressio
,
como corolário da boa-fé objetiva, não pode ser confundido com permissão ou convalidação de atos ilícitos - como acontece nos casos de serviço bancário não contratado - pois, do contrário, estar-se-ia a admitir a produção e conservação de ato jurídico nulo, o qual não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169, do CC/02). (TJSC, Apelação n. 5005749-04.2023.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 21-11-2023).
A propósito, assim já decidiu a Primeira Câmara de Direito Civil:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E PEDIDO DE DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. 1. PROPALADA A NULIDADE DA SENTENÇA, POR CERCEAMENTO DE DEFESA, EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE E DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. TESES ACOLHIDAS. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA 'SUPRESSIO' AO CASO. ADEMAIS, IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO DA HIGIDEZ DA ASSINATURA APOSTA NO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO RECLAMADO, A QUAL FOI IMPUGNADA PELA PARTE AUTORA. PROVA TÉCNICA IMPRESCINDÍVEL PARA DIRIMIR A CONTROVÉRSIA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADOS. ART. 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 2. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (...) (TJSC, Apelação n. 5001869-16.2023.8.24.0016, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Raulino Jacó Bruning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 27-03-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO PELO INSTITUTO DA SUPRESSIO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. PLEITO DE INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA E CONTRATAÇÃO MEDIANTE FRAUDE. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO NA ESPÉCIE. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO ORIUNDO DE ILÍCITO
. CERCEAMENTO DE DEFESA. ASSINATURAS IMPUGNADAS. PARTE RÉ NÃO INTIMADA PARA COMPROVAR A AUTENTICIDADE DO DOCUMENTO. TEMA 1061 DO STJ. CASSAÇÃO DA SENTENÇA PARA PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL E REGULAR TRÂMITE DO FEITO. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O instituto da supressio, como corolário da boa-fé objetiva, não pode ser confundido com permissão ou convalidação de atos ilícitos - como acontece nos casos de serviço bancário não contratado - pois, do contrário, estar-se-ia a admitir a produção e conservação de ato jurídico nulo, o qual não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169, do CC/02) (TJSC, Apelação n. 5005749-04.2023.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 21-11-2023). (TJSC, Apelação n. 5003763-46.2023.8.24.0042, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 16-05-2024).
No mesmo sentido, colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
INCONFORMISMO DA PARTE AUTORA. REJEIÇÃO DOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL COM BASE APENAS NA SUPRESSIO. DESCABIMENTO. INSTITUTO PARCELAR DA BOA-FÉ OBJETIVA QUE SE DESTINA A CONSERVAR OS EFEITOS PRODUZIDOS POR NEGÓCIOS JURÍDICOS EXISTENTES, APTOS A ALCANÇAR O PLANO DA EFICÁCIA. NÃO APLICAÇÃO AO CASO DOS AUTOS, EM QUE A PARTE AUTORA ALEGA A INEXISTÊNCIA DO CONTRATO.
(...) (TJSC, Apelação n. 5001229-90.2022.8.24.0034, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Fernanda Sell de Souto Goulart, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 27-02-2024).
E mais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DIANTE DO RECONHECIMENTO DA TEORIA DA SUPRESSIO. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. INCIDÊNCIA DO INSTITUTO DA SUPRESSIO AFASTADA. ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA, DIANTE DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUTORA QUE CONTESTOU A ASSINATURA SUBSCRITA NO CONTRATO E REQUEREU A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. PROVA PERICIAL NECESSÁRIA À ELUCIDAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5014513-76.2023.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Claudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 22-02-2024).
Por derradeiro:
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO JUNTADO PELO RÉU NA CONTESTAÇÃO. IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA NA RÉPLICA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE COM COMANDO DE IMPROCEDÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SUPRESSIO. CAUSA REGULADA PELO CDC. DIPLOMA PROTETIVO QUE AFASTA A CONCORDÂNCIA TÁCITA OU TARDIA DO CONSUMIDOR. DECISÃO, ADEMAIS, QUE SUBVERTE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO REGULADO PARA A ESPÉCIE. VIOLAÇÃO, OUTROSSIM, DO POSTULADO QUE PREDICA A IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE E DE ATO ILÍCITO. NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. TESE FIRMADA EM JULGAMENTO VINCULANTE SOB O REGIME DOS REPETITIVOS NO ÂMBITO DO STJ (RESP 1.846.649). ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5001636-62.2023.8.24.0034, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 02-04-2024).
Do corpo deste último acórdão, extrai-se esclarecedor excerto, o qual adota-se como razões de decidir:
(...)
Cuidando-se (
in status assertionis)
de alegação de negócio inexistente, por isso que absolutamente ineficaz e insuscetível de convalidação ou confirmação (STJ - Resp 1.582.388), não se aplica o instituto da
supressio
, conceituada como o "
não exercício de determinado direito, pelo seu titular, no curso da relação contratual, gerando para a outra parte, em virtude do princípio da boa fé objetiva, a legítima expectativa de que não mais se mostrava sujeita ao cumprimento da obrigação
"
(STJ - Resp 1803278, Rel. Min.Villas Boas Cuêva, sem destaque no original).
Ainda nos termos da jurisprudência do STJ, "
[o] instituto da supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa
" (STJ - AgInt no AREsp 1774713, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Nesses termos, ao se suscitar a
supressio
com base no tempo em que o autor permaneceu inerte recebendo descontos em seu beneficio sem reagir judicial ou extrajudicialmente, o campo dessa objeção não se situa na perda, por ele, de uma prerrogativa acessória esteada em negocio jurídico cuja existência é incontroversa (
supressio
), uma vez que, nos termos da asserção contida na inicial, inexistiria a própria relação jurídica base da qual irradiariam direitos e deveres anexos e laterais que poderiam deixar de ser exigidos pelo não uso durante considerável lapso temporal, embora mantida a obrigação principal.
De modo que, nesse cenário,
não há como cogitar de "
redução do conteúdo obrigacional
" se a própria existência da obrigação principal é recusada
. Em formulação conhecida, não há acessório sem o principal.
De sorte que, desejando tratar de
supressio
pelo tempo transcorrido entre a lesão ao direito e a respectiva reação (dentro ou fora do processo), a rigor se confundiu o instituto com aqueles relativos ao fenecimento, pelo decurso do tempo, do direito de ação processual ou de um direito potestativo, temas afeitos, respectivamente, aos campos da prescrição e da decadência, que possuem disciplina própria.
Como averba o STJ a propósito da diferença entre os institutos,
[a]
supressio consubstancia-se na impossibilidade de se exercer um direito por parte de seu titular em razão de seu não exercício por certo período variável de tempo e que, em razão desta omissão, gera da parte contrária uma expectativa legítima de que não seria mais exigível. Não se confunde, ademais, com a prescrição e com a decadência, institutos pelos quais se opera a extinção da pretensão ou do direito potestativo pela simples passagem do tempo
(REsp n. 1.717.144/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 28/2/2023).
Além disso, à alegação de inexistência de relação jurídica promovida pela parte autora corresponde uma ilicitude atribuída à ré, pois ilícita é a conduta de quem, sem contrato existente e válido, muitas vezes à míngua de prova da entrega do mútuo, cobra parcelas de empréstimo consignado em benefício previdenciário.
E, como é evidente, para além da impossibilidade de convalidação de ato inexistente, seja por qual fundamento for, também não há cogitar de convalidação de atos ilícitos, sob pena de distorção do princípio da boa fé objetiva, que constitui justamente a base axiológica em que erigida a doutrina da
supressio
.
Por último, mas não menos importante: a incidência do CDC à espécie também repele por si só a aplicação da
supressio
, pois "
nas relações regidas pelo código consumerista não são admitidas a concordância tácita ou posterior do consumidor, sendo necessária a sua adesão expressa e anterior a serviços bancários a si disponibilizados"
(TJSC - ACv 5002290-06.2023.8.24.0016, Rel. Des. Osmar Nunes Júnior).
Assim, considerando que a demanda envolve empréstimo bancário supostamente não contratado, não se tem por configurado o instituto da
supressio
, de modo que não merece provimento no ponto o recurso do banco.
Irregularidade Contratual e Responsabilidade Objetiva
A controvérsia dos autos refere-se à validade de contrato de empréstimo consignado, no qual a parte autora alega inexistência de relação jurídica, enquanto a parte ré sustenta a regularidade da contratação.
A parte ré apresentou cópia do contrato assinado e documento pessoal da parte autora, alegando que a contratação foi realizada de forma regular. Em réplica, a parte autora impugnou a autenticidade da assinatura e a validade do contrato.
Diante da alegação de fraude, o juízo de origem oportunizou às partes a especificação de provas. A parte autora requereu a produção de prova pericial, enquanto a parte ré limitou-se a requerer diligência documental.
Nos termos do art. 429, II, do CPC, incumbe à parte que produziu o documento impugnado comprovar sua autenticidade. Tal entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1061, que fixou a tese de que, em caso de impugnação da assinatura em contrato bancário, cabe à instituição financeira o ônus de provar sua veracidade.
No caso, a análise dos autos revela que a parte ré não adotou as cautelas necessárias para garantir a autenticidade da contratação, configurando-se a responsabilidade objetiva pela falha na prestação do serviço.
Na forma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor responde, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos na prestação do serviço ou por informações inadequadas. A responsabilidade objetiva nas relações de consumo exige apenas a demonstração do dano e do nexo causal, sendo afastada apenas em caso de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior – excludentes que não restaram comprovadas nos autos.
O entendimento é pacificado pelo STJ, conforme a Súmula 479:
“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Em situações semelhantes, esta Corte já reconheceu a responsabilidade da instituição financeira pela contratação indevida, diante da ausência de comprovação da autenticidade da assinatura e da falha na verificação da identidade do contratante. Vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS". SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DAS PARTES.
AUTENTICIDADE DA ASSINATURA QUE RECAI SOBRE A PARTE QUE PRODUZIU O DOCUMENTO. ARTIGO 429, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TEMA 1.061 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVADO LASTRO CONTRATUAL.
DEDUÇÃO DE DIMINUTA QUANTIA QUE, AUSENTE AFIRMAÇÃO E CONCLUSÃO EM SENTIDO INVERSO, MOSTRA-SE INCAPAZ DE CARACTERIZAR ABALO ANÍMICO PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA, QUANDO VALORES SUPERIORES FORAM DEPOSITADOS EM CONTA BANCÁRIA. PREJUÍZO AO "MÍNIMO EXISTENCIAL" QUE NÃO PODE SER PRESUMIDO, MENOS AINDA QUANDO SEQUER ASSEVERADO E DEPOSITADA QUANTIA EM CONTA. "NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO" (TEMA 25 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL). INDENIZAÇÃO DESCABIDA. IRREALIDADE DE CONTRATAÇÃO A AFASTAR A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DEVIDA NA FORMA SIMPLES. MAIORIA, PORÉM, QUE COMPREENDE INCIDENTE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARTIGO 42 DA LEI CONSUMERISTA QUE NÃO PREVÊ COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ COMO CONDIÇÃO À DEVOLUÇÃO DOBRADA. CIRCUNSTÂNCIA SUBJETIVA QUE, ADEMAIS, SERIA DE QUASE IMPOSSÍVEL COMPROVAÇÃO. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AFETADO PARA JULGAMENTO DE FORÇA REPETITIVA NO TEMA 929. DOBRA APLICÁVEL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(TJSC, Apelação n. 5008325-62.2024.8.24.0075, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-06-2025).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE PROVEU EM PARTE O RECURSO DO RÉU E DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. (ART. 932, IV E V, DO CPC C/C ART. 132, XV E XVI, DO R.I.T.J.SC). DEVOLUÇÃO DA MATÉRIA AO COLEGIADO. EVENTUAL NULIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA É SUPRIDA COM O JULGAMENTO COLEGIADO DO AGRAVO INTERNO. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NESTE PONTO. MÉRITO. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. INACOLHIMENTO.
CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DA CONSUMIDORA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SÚMULA 479 DO STJ. PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA (ART. 39, VI, DO CDC). ÔNUS PROBATÓRIO DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO QUE INCUMBE AO BANCO
. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. TESE DE INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. ADOÇÃO, NA HIPÓTESE, DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELOS DEMAIS MEMBROS DA CÂMARA E PELO VOTO DIVERGENTE LANÇADO NOS AUTOS DA APELAÇÃO CÍVEL N. 5053917-51.2021.8.24.0038 PARA O AFASTAMENTO DO DANO MORAL. IRDR. TEMA 25. APLICABILIDADE. PARCELAS MENSAIS DE R$ 42,37 DESCONTADAS QUE CORRESPONDEM A 3,85% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA (65 ANOS NA ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO). VALOR QUE NÃO IMPORTOU EM PREJUÍZO À SUA SUBSISTÊNCIA, TAMPOUCO COMPROMETEU A SUA ESFERA PATRIMONIAL OU OFENDEU OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE. MERO DISSABOR. AFASTAMENTO DO DANO MORAL. PEDIDO DE APLICAÇÃO EXCLUSIVA DA TAXA SELIC. REJEIÇÃO. CIRCULAR CGJ/SC N. 345/2024. REGIME DE DIREITO INTERTEMPORAL, COM INCIDÊNCIA DO INPC E JUROS DE 1% AO MÊS ATÉ 29/08/2024, E APLICAÇÃO DO IPCA E TAXA SELIC A PARTIR DE 30/08/2024. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno interposto por instituição financeira contra decisão monocrática que conheceu e deu parcial provimento ao recurso do réu e conheceu em parte e, nesta extensão, deu provimento ao recurso da parte autora. O agravante alegou impossibilidade de julgamento monocrático, aplicação do instituto da supressio, validade da contratação, que a repetição do indébito deve ser feita na forma simples, inexistência de dano moral e que a taxa SELIC deve ser aplicada durante todo o período.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há sete questões em discussão: (i) definir se a decisão monocrática poderia ser proferida com fundamento no art. 932 do CPC; (ii) analisar a aplicação do instituto da supressio; (iii) estabelecer a responsabilidade da instituição financeira pela contratação indevida de empréstimo consignado mediante fraude; (iv) verificar se a restituição dos valores deve ser feita na forma simples; (v) analisar se os valores recebidos pela autora devem ser compensados da condenação; (vi) determinar a existência de dano moral indenizável; (vii) avaliar a aplicação da taxa Selic sem condicionantes temporais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O julgamento monocrático é cabível quando houver entendimento dominante sobre o tema. Eventual nulidade é suprida com o julgamento do Agravo Interno pelo órgão colegiado.
4. A prova da ocorrência da supressio é insuficiente, uma vez que se observa apenas uma demora da parte autora a perceber os descontos, situação que não é suficiente para fundamentar sua derrogação com base na boa-fé objetiva.
5. Cabe à instituição financeira o ônus de comprovar a regularidade da contratação e a autorização expressa do consumidor, o que não ocorreu no caso concreto.
6. A ausência de prova inequívoca da anuência do consumidor torna nulo o contrato e configura prática abusiva nos termos do art. 39, VI, do CDC.
7. A responsabilidade objetiva das instituições financeiras está consolidada na Súmula 479 do STJ, que dispõe sobre danos gerados por fraudes em operações bancárias.
8. A devolução em dobro dos valores indevidos é prevista pelo CDC, não sendo necessária a comprovação de má-fé.
9. O pedido de compensação foi determinado na sentença, não havendo interesse recursal neste ponto.
10. Adota-se como razões de decidir excerto do voto divergente lançado pelo Desembargador Edir Josias Silveira Beck nos autos da Apelação Cível n. 5053917-51.2021.8.24.0038, no que diz respeito ao afastamento da condenação por dano moral. Na hipótese, a par de o percentual de desconto da renda da autora não comprometer a sua subsistência, tem-se que a situação não passa de mero dissabor capaz de justificar o pleito compensatório.
11. Com a entrada em vigor da Lei 14.905/2024, as atualizações monetárias e juros de mora devem observar o seguinte marco temporal: (i) até 29/08/2024, correção monetária pelo INPC e juros de 1% ao mês; e (ii) a partir de 30/08/2024, correção monetária pelo IPCA e juros de mora unificados pela Taxa Selic, deduzido o IPCA, conforme previsto nos arts. 389 e 406 do Código Civil.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, parcialmente provido, a fim de conhecer em parte e, nesta extensão, negar provimento ao recurso interposto pela parte autora. Distribuem-se as custas processuais em 25% para a parte autora e 75% para a parte ré. Arbitram-se os honorários advocatícios em 10% sobre o proveito econômico de cada um, sendo 7,5% em favor do procurador da parte autora, que deverá ser calculado sobre o valor da condenação, e 2,5% em favor do procurador da parte ré, calculado sobre o proveito econômico obtido (parte que a autora decaiu do pedido), com fulcro no art. 85, § 2º, c/c art. 86, caput, do CPC. Fixados os honorários recursais de 1% em favor do réu.
Tese de julgamento: 1. O relator pode proferir decisão monocrática com fundamento no art. 932, IV e V, "c", do CPC, quando houver entendimento dominante sobre o tema, sem que isso configure nulidade. 2. A demora da parte autora para perceber os descontos não é suficiente para fundamentar sua derrogação com base na boa-fé objetiva.
3. É ônus da instituição financeira comprovar a regularidade da contratação e a autorização expressa do consumidor. 4. Segundo a tese firmada no Tema Repetitivo nº 1.061 do STJ: "Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)". 5. A instituição financeira não demonstrou interesse em realizar a produção de prova pericial, mesmo considerando o estabelecido no art. 429, II, do CPC e o entendimento consolidado no tema 1061 do STJ. Assim, não se isentou da responsabilidade de comprovar a autenticidade do contrato.
6. A restituição em dobro independe da comprovação de má-fé, sendo suficiente a demonstração da irregularidade da contratação, nos moldes do art. 42, parágrafo único, do CDC. 7. A caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. Situação que, apesar de desagradável, não é capaz de gerar abalo moral in re ipsa. 8. Com a entrada em vigor da Lei 14.905/2024, até 29/08/2024, a correção monetária será pelo INPC e juros de 1% ao mês; a partir de 30/08/2024, será pelo IPCA e juros pela Taxa Selic, deduzido o IPCA.
Dispositivos Relevantes: CPC, arts. 373, II, 428, I, 429, II e 1.021. [...]
(TJSC, Apelação n. 5002158-48.2023.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-06-2025).
Assim, correta a sentença que declarou nulos os contratos em debate.
Repetição de Indébito em Dobro
A parte recorrente insurge-se contra a condenação à repetição do indébito em dobro, sob o argumento de que não restou comprovada a má-fé da instituição financeira.
Contudo, o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a devolução em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor,
independe da demonstração de dolo ou culpa
, sendo suficiente a constatação de cobrança indevida em violação à boa-fé objetiva.
Nesse sentido, nos Embargos de Divergência no REsp n. 676.608/RS, de relatoria do Ministro Og Fernandes, o STJ fixou a seguinte tese:
“A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.”
Tal entendimento vem sendo reiteradamente aplicado em casos de
descontos indevidos em benefícios previdenciários
, especialmente quando não há comprovação de contratação válida ou autorização do consumidor. Como exemplo, destaca-se:
“A promoção de descontos em benefício previdenciário, a título de prestações de mútuo e sem a autorização do consumidor, viola a boa-fé objetiva e, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC, enseja a repetição do indébito em dobro.”
(STJ, AgInt no AREsp n. 1.907.091/PB, rel. Min. Raul Araújo, j. 20/03/2023)
Quanto à modulação dos efeitos estabelecida no EAREsp n. 676.608/RS, cumpre destacar que a Primeira Câmara de Direito Civil desta Corte tem adotado entendimento uniforme no sentido de que é cabível a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, independentemente do marco temporal da cobrança, desde que ausente prova de erro justificável por parte do fornecedor, em consonância com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. RECURSO DO BANCO. INSISTÊNCIA COM A IDONEIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. ASSINATURA IMPUGNADA PELA PARTE AUTORA. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA IMPRESCINDÍVEL PARA SOLUÇÃO DA LIDE. DISPENSA DA PROVA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (STJ, TEMA 1.061) QUE CONDUZ AO RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. SENTENÇA CONFIRMADA NO PONTO. 2.
PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES SOB O ARGUMENTO DE QUE NÃO HOUVE MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CASA BANCÁRIA. FORTUITO INTERNO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO (CDC, ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO).
3. PRETENSÃO AO AFASTAMENTO DO DANO MORAL. ACOLHIMENTO. TESE FIRMADA EM IRDR NO TJSC, TEMA N.º 25: NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO. DESCONTOS MENSAIS DE APROXIMADAMENTE 1,87% DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. DEPENDENTE NÃO IDOSO. AUSÊNCIA DE RESTITUIÇÃO DO CRÉDITO INDEVIDAMENTE DEPOSITADO NA CONTA. MANUTENÇÃO DA POSSE DE QUANTIA SUPERIOR AOS DESCONTOS. POTENCIAL PREJUIZO À SUBSISTÊNCIA INEXISTENTE. SILÊNCIO QUANTO A PREJUÍZO ESPECÍFICO. ABALO ANÍMICO NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SEM HONORÁRIOS RECURSAIS.
(TJSC, Apelação n. 5019901-57.2023.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gustavo Henrique Aracheski, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 08-05-2025).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AOS RECURSOS INTERPOSTOS PELAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E DEU PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO B. PAN S.A. EXAME DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. PLEITO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. PROVIDÊNCIA CONCEDIDA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. TESE DE OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL APLICÁVEL À HIPÓTESE. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. PRECEDENTES DESTA CORTE. MÉRITO. DEFENDIDA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. AUTENTICIDADE DA SUPOSTA ASSINATURA DO AUTOR NO DOCUMENTO DE AUTORIZAÇÃO DO EMPRÉSTIMO QUE NÃO FOI COMPROVADA, NOS TERMOS EXIGIDOS PELO ARTIGO 429, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA.
DEFENDIDA A INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. ADOÇÃO, NA HIPÓTESE, DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELOS DEMAIS MEMBROS DA CÂMARA E PELO VOTO DIVERGENTE PARA O AFASTAMENTO DO DANO MORAL. IRDR. TEMA 25. APLICABILIDADE. NADA OBSTANTE TRATAR-SE DE PESSOA IDOSA (74 ANOS À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO) E PARCELAS MENSAIS DESCONTADAS QUE CORRESPONDEM A 1,99% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR, TEM-SE QUE O VALOR NÃO IMPORTOU EM PREJUÍZO À SUA SUBSISTÊNCIA, TAMPOUCO COMPROMETEU A SUA ESFERA PATRIMONIAL OU OFENDEU OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE. MERO DISSABOR. DANO MORAL AFASTADO TÃO SOMENTE EM RELAÇÃO AO B. PAN S.A, PORQUANTO INEXISTENTE INSURGÊNCIA RECURSAL POR PARTE DO DA OUTRA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA (B. B. S.A.). PRECLUSÃO CONSUMATIVA. DECISÃO UNIPESSOAL MANTIDA EM RELAÇÃO AO B. B. S.A. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM DANO MORAL IMPOSTA AO AGRAVANTE.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno interposto por B. PAN S.A. contra decisão monocrática que conheceu e negou provimento aos recursos interpostos pelas instituições bancárias e deu provimento ao recurso do autor, a fim de condenar os réus à restituição em dobro dos valores descontados do benefício previdenciário, os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desconto indevido, por constituírem micro lesões decorrentes do evento danoso e fixar os danos morais, para cada um dos réus, em R$ 10.000,00. A parte agravante, aventou, em preliminar, a ocorrência da prescrição da pretensão autoral. No mérito, defendeu a regularidade contratual e que a repetição de indébito em dobro seria incabível, diante da ausência de má-fé. Argumentou, também, que não haveria fundamento para a condenação por dano moral, ante a ausência de prejuízo concreto e de que tal dano não pode ser presumido. Subsidiariamente, postulou pela redução do quantum indenizatório, caso a condenação seja mantida. Por fim, requereu a compensação dos valores.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há sete questões em discussão: (i) verificar a ocorrência de prescrição; (ii) analisar a regularidade do contrato; (iii) estabelecer se a repetição do indébito em dobro exige a comprovação de má-fé do fornecedor do serviço; (iv) determinar a existência de dano moral indenizável; (v) avaliar a adequação do quantum indenizatório; (vi) analisar o cabimento da compensação de valores.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. As pretensões de declaração de inexistência de negócio jurídico, de restituição em dobro de valores e de reparação por danos morais, fundadas em descontos indevidos sobre os proventos do autor, não estão sujeitas à decadência prevista no art. 178, da Lei Substantiva Civil, mas à prescrição delineada no art. 27, do Código de Defesa do Consumidor (típica relação de consumo), cujo termo inicial corresponde à data da última retenção questionada.
4. A instituição financeira responde objetivamente pelos danos decorrentes de fraude em empréstimo consignado, conforme a Súmula 479 do STJ, cabendo-lhe o ônus de comprovar a regularidade da contratação e a autorização expressa do consumidor, o que não ocorreu no caso concreto.
6. A repetição do indébito em dobro não exige a comprovação de má-fé subjetiva, bastando que a cobrança indevida configure violação à boa-fé objetiva, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC e da jurisprudência do STJ.
7. Afasta-se o dano moral, adotando-se, in casu, os critérios utilizados pelos demais membros da Câmara e pelo voto divergente lançado pelo Desembargador Flavio Andre Paz de Brum. Na hipótese, a par de o percentual de desconto da renda do autor não comprometer a sua subsistência, tem-se que a situação não passa de mero dissabor capaz de justificar o pleito compensatório.
8. O julgamento baseou-se na tese firmada no IRDR n. 25 do Grupo de Câmaras de Direito Civil do TJSC, que afasta a presunção de dano moral em casos de desconto indevido decorrente de contrato inexistente, mas não impede sua configuração caso demonstrado o abalo ao consumidor.
9. Relativamente aos contratos nsº 802769364 e 802769475 firmados com o B. B. S.A., tem-se que não se pode afastar o dano moral reconhecido na decisão unipessoal, porquanto não houve insurgência recursal por parte do B. B. S.A, de modo que o decisum combatido em relação ao B. B. S.A. foi atingido pela preclusão consumativa.
IV. DISPOSITIVO E TESE
11. Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, parcialmente provido para afastar a condenação em danos morais imposta tão somente em relação ao agravante.
Tese de julgamento: 1. A prescrição quinquenal expressa no art. 27 do CDC, tem como termo inicial de contagem, por se tratar de relação jurídica de trato sucessivo, a data do desconto da última parcela questionada. 2.
Instituições financeiras respondem objetivamente por fraudes em empréstimos consignados, caracterizando fortuito interno, nos termos da Súmula 479 do STJ. 3. A repetição do indébito em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, não exige a comprovação de má-fé subjetiva do fornecedor, bastando a violação à boa-fé objetiva.
4. A caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. Situação que, apesar de desagradável, não é capaz de gerar abalo moral in re ipsa. [...]
(TJSC, Apelação n. 5000136-65.2024.8.24.0085, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 10-04-2025).
Portanto, considerando o entendimento da contratação mediante fraude e ausente a prova do engano justificável, não há falar em repetição na forma simples.
Logo, o recurso da parte ré não comporta acolhimento.
Do recurso da parte autora
Dano Moral
Sobre o assunto, o Grupo de Câmaras de Direito Civil desta Corte de Justiça, no julgamento do IRDR n. 5011469- 46.2022.8.24.0000 (Tema 25), de relatoria do Des. Marcos Fey Probst, dirimiu a controvérsia acerca da presunção do dano moral em descontos indevidos em benefício previdenciário, fixando a seguinte tese jurídica:
"Não é presumido o dano moral quando o desconto indevido em benefício previdenciário decorrer de contrato de empréstimo consignado declarado inexistente pelo poder judiciário".
Do voto exarado pelo relator Des. Marcos Fey Probst extrai-se que "para o sucesso da pretensão indenizatória, o ofendido deve provar afetação concreta da dignidade da pessoa humana ou de um dos elementos da personalidade,
a exemplo do efetivo comprometimento da renda pelos descontos indevidos
, da eventual negativação creditícia ou do atingimento de determinado percentual da margem consignável, decorrentes da manifesta e comprovada fraude na contratação que dá ensejo aos descontos indevidos, a ser analisado caso a caso", conferindo, desse modo, ao magistrado aferir no caso concreto o preenchimento dos requisitos para a concessão do dano moral.
Nesse sentido, registra-se que a Primeira Câmara de Direito Civil vem aplicando o entendimento quanto ao dano moral
in concreto
, analisando as particularidades de cada caso, em consonância ao fixado no Tema 25 do Grupo de Câmaras de Direito Civil.
O dano moral consiste no prejuízo de natureza não patrimonial que afeta o estado anímico da vítima, seja relacionado à honra, à paz interior, à liberdade, à imagem, à intimidade, à vida ou à incolumidade física e psíquica.
De acordo com o art. 186 do Código Civil: "
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito
".
Outrossim, cumpre ressaltar que os danos morais não servem única e exclusivamente para compensar a vítima de um injusto, mas também para desestimular o ofensor na conduta reiterada de ações contra demais consumidores.
Nesse sentido, ensina a doutrina:
Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e
função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes;
b) compensar a vitima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostra irreparável, ou pela dor ou humilhação impostas. (STOCO, Rui, Tratado de responsabilidade civil. São Paulo. RT. 2004. p. 1709).
In casu,
a situação narrada nos autos foge do aborrecimento cotidiano, diante da contratação de empréstimo por meio comprovadamente fraudulento, ocasionando descontos indevidos no benefício previdenciário, que é fonte de sustento da parte autora, caracterizando a negligência pela instituição financeira que não fez a conferência dos documentos pessoais do contratante,
ultrapassando o estado de simples desconforto e gerando o sentimento de insegurança ao consumidor, que teve cerca de 13,20% dos seus proventos mensais comprometidos de forma indevida durante mais de 5 anos.
Ainda, extrai-se que a parte autora sofreu decréscimo financeiro, uma vez que foram descontados indevidamente R$ 15.480,00, enquanto a instituição bancária depositou o valor de R$ 11.449,94.
Em hipóteses semelhantes, a Primeira Câmara de Direito Civil já decidiu pelo reconhecimento dos danos morais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA EMPRESA REQUERIDA. 1. PROPALADA A INOCORRÊNCIA DE ABALO ANÍMICO. INSUBSISTÊNCIA.
DESCONTO INDEVIDO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA DECORRENTE DE NEGÓCIO JURÍDICO NÃO FIRMADO PELA REQUERENTE. DANO MORAL EVIDENCIADO. PRECEDENTES. 2. SENTENÇA MANTIDA. 3. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS, NA FORMA DO ART. 85, §§1º E 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4. RECURSO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5000968-21.2019.8.24.0135, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Raulino Jacó Bruning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2023).
E:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/CANCELAMENTO DE CONTRATO BANCÁRIO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO AUTOR.
DESCONTOS PROCEDIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
. CONTRATAÇÃO DE DOIS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS REJEITADA PELO CONSUMIDOR.
INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA INCONTROVERSA. CONFIGURAÇÃO DE ABALO ANÍMICO. ACOLHIMENTO. OFENDIDO PESSOA HIPOSSUFICIENTE. ATO ILÍCITO QUE ULTRAPASSOU A ESFERA DO MERO ABORRECIMENTO. DEVER DE REPARAR. DECISUM MODIFICADO NO PONTO
. (...) (TJSC, Apelação n. 5000419-18.2022.8.24.0034, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 13-04-2023).
Nesse vértice, comprovada a fraude na contratação do empréstimo consignado; vulnerabilidade da parte autora e comprometimento da renda, exsurge o direito de compensação, razão pela qual o réu tem a incumbência de reparar o dano suportado pela parte autora.
Quantum
Compensatório
O valor a ser fixado a título de danos morais deve atender ao binômio punição/reparação, cuja importância deve ser expressiva o suficiente para desestimular o responsável a reincidir na conduta repreendida e reparar o dano ao patrimônio moral da vítima sem, contudo, ser tão elevado a ponto de constituir enriquecimento sem causa.
Como parâmetro, a doutrina e a jurisprudência sedimentaram que devem ser considerados fatores como a intensidade e duração do dano, a gravidade do fato que causou o dano, a condição pessoal e social das partes e o grau de culpa do lesante, bem como o valor do negócio.
Na hipótese, considerando a capacidade econômica das partes, já que o réu é instituição financeira de grande porte; a parte autora é
pensionista e aposentada que aufere renda mensal de R$ 2.090,00 (à época da contratação)
;
os descontos de cerca de
13,20% dos seus proventos mensais e, por último,
o valor total dos descontos efetuados de
R$ 15.480,00 em comparação ao valor liberado de R$
11.449,94
,
tem-se que a quantia de
R$ 10.000,00
é perfeitamente adequada, levando em consideração também o cunho pedagógico.
Registra-se que tal quantia está em consonância com os valores fixados pela Primeira Câmara de Direito Civil, em demandas envolvendo a contratação de empréstimo, conforme julgados:
(TJSC, Apelação n. 5000955-50.2022.8.24.0124, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 22-02-2024).
(TJSC, Apelação n. 0302502-34.2018.8.24.0139, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 13-10-2022).
(TJSC, Apelação n. 5012865-32.2021.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 11-08-2022).
Assim, diante das particularidades que cercam o caso concreto, o recurso deve ser provido nesse ponto para condenar o réu
à compensação pelo dano moral, com correção monetária pelo IPCA a partir deste arbitramento (Súmula 362 do STJ), acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), aplicável até 29/8/2024, e a partir de 30/8/2024
, com base na taxa legal, que corresponde à taxa referencial Selic, deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único e art. 406, § 1º, do CC).
Dos ônus sucumbenciais
Com a procedência dos pedidos formulados na exordial, impõe-se a adequação dos encargos sucumbenciais, nos termos do art. 85 do CPC, condenando-se a parte ré ao pagamento integral das despesas processuais e honorários advocatícios.
In casu
, ante os critérios de complexidade da demanda, do lugar de prestação dos serviços, além do trabalho desenvolvido pelo profissional, mantém-se os honorários advocatícios fixados no percentual de 10% do valor da condenação, a serem pagos em favor do patrono da parte autora, com base no art. 85, § 2º, do CPC.
Honorários Recursais
Por fim, passa-se à análise da incidência, ou não, da fixação da verba honorária recursal estatuída no art. 85, §§ 1º e 11, do CPC.
De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido nos autos do Recurso Especial n. 1.573.573, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, definiu-se os requisitos para o arbitramento da verba honorária prevista no § 11 do art. 85 do CPC:
(...)
2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente;
3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;
(...)
Tendo por norte tais premissas, portanto, autorizado o arbitramento dos honorários recursais em favor da parte autora, porque configurados os supramencionados pressupostos autorizadores, devendo a verba honorária ser majorada em 2% (dois por cento).
Prequestionamento: requisito satisfeito
Na baliza do entendimento sedimentado pelo STJ, conforme Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1258645, rel. Min. Marco Buzzi, j. 18-5-2017, é desnecessária a referência numérica de dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido debatida e decidida pelo Tribunal, para que se considere questionadas as matérias objeto do acórdão para fins de prequestionamento, dispensando-se os aclaratórios para tal finalidade.
Ademais:
O que é certo é que se, para a
Súmula n° 211 do Superior Tribunal de Justiça,
prequestionamento parece ser o
conteúdo
da decisão da qual se recorre, para a Súmula n° 356 do Supremo Tribunal Federal, prequestionamento pretende ser mais material impugnado (ou questionado) pelo recorrente (daí a referência aos embargos de declaração) do que, propriamente, o que foi efetivamente decidido pela decisão recorrida. Para o enunciado do Superior Tribunal de Justiça é indiferente a iniciativa do recorrente quanto à tentativa de fazer com que a instância a quo decida sobre uma questão por ele levantada. Indispensável, para ele, não a iniciativa da parte, mas o que efetivamente foi decidido e, nestas condições, está apto para ser contrastado pela Corte Superior. Se assim é, ao contrário do que usualmente se verifica no foro,
nem sempre os embargos de declaração são necessários para acesso ao Superior Tribunal de Justiça. Suficiente, para tanto, a análise do conteúdo da decisão da qual se recorre, dado objetivo e que afasta qualquer outra preocupação relativa à configuração do prequestionamento
(BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo de prequestionamento?. Revista dialética de direito processual, vol. 1. São Paulo: Dialética, 2003, p. 28-29).
Registra-se que efetuado unicamente com o fito de evidenciar a desnecessidade de oposição de embargos de declaração com fins meramente prequestionatórios, situação que caracteriza, em tese, a natureza procrastinatória dos embargos.
Parte dispositiva
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, inciso VIII, do CPC c/c art. 132, inciso XV, do RITJSC,
conhece-se do recurso da parte ré e nega-se-lhe provimento
, majorando-se os honorários sucumbenciais em 2% sobre o valor da condenação a título de honorários recursais, a teor do art. 85, § 11, do CPC e
conhece-se do recurso da parte autora e
dá-se-lhe provimento parcial
a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais em
R$ 10.000,00,
com correção monetária pelo IPCA a partir deste arbitramento (Súmula 362 do STJ), acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), aplicável até 29/8/2024, e a partir de 30/8/2024
, com base na taxa legal, que corresponde à taxa referencial Selic, deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único e art. 406, § 1º, do CC)
. Adequa-se o ônus sucumbencial para condenar a parte ré ao pagamento integral dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, a teor do art. 85, § 2º, do CPC, em prol do procurador da parte autora.
Intimem-se.
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