Processo nº 1001802-72.2024.8.11.0008
ID: 298166931
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE BARRA DO BUGRES
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1001802-72.2024.8.11.0008
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE BARRA DO BUGRES SENTENÇA Processo: 1001802-72.2024.8.11.0008. AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ESPÓLIO: GELSON LIBERATO TESCHKE …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE BARRA DO BUGRES SENTENÇA Processo: 1001802-72.2024.8.11.0008. AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ESPÓLIO: GELSON LIBERATO TESCHKE HERDEIRO: ROSANA DA SILVA DOURADO, JHONATHAN DOURADO TESCHKE, A. D. T. Vistos, 1. Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face do ESPÓLIO DE GELSON LIBERATO TESCHIKE (qualificados nos autos). 2. Relata, em síntese, que o imóvel FAZENDA SÃO GONÇALO, de responsabilidade da parte requerida, sofreu degradações ambientais consistentes no desmatamento a corte raso de 218,0827 has. Menciona que o referido procedimento foi instaurado em razão do recebimento do Auto de Infração n° 22203393, lavrado pela Polícia Militar de Proteção Ambiental noticiando a ocorrência de desmatamento ilegal, a corte raso, em 218,0827 hectares de vegetação nativa na tipologia de floresta primária na Amazônia Legal. A área desmatada ilegalmente foi objeto de embargo/interdição n. 1087072524.2024. Elenca que a SEMA elaborou o Relatório Técnico n. 271/1ªCIAPMPA/BPMPA/2022 onde noticiou que a degradação não foi precedida de autorização, motivo pelo qual o órgão ambiental determinou a paralisação imediata da intervenção. Assim, ajuizou a presente ação, requerendo a reparação pelos danos ambientais causados. 3. Com a inicial, colacionou documentos. 4. Ao ID n. 158035809, a inicial foi devidamente recebida, bem como ordenada a citação do demandado para, querendo, apresentar resposta no prazo legal. 5. Tentada a citação da parte ré, fora informado seu falecimento (ID n. 160072618), razão pela qual o Parquet promoveu com a sucessão processual (ID n. 174044572). 6. A parte requerida, devidamente citada (ID n. 186996117), deixou transcorrer in albis o prazo sem apresentar contestação. 7. Vieram-me os autos conclusos. É o Relatório. Fundamento e Decido. 8. Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face do ESPÓLIO DE GELSON LIBERATO TESCHIKE (qualificados nos autos). 9. De início, registre-se que as partes são legítimas e estão bem representadas, assim como inexistem nulidades ou irregularidades pendentes de solução. Anoto, ademais, que não foram invocadas questões isagógicas, portanto, cabível à espécie o julgamento antecipado da lide, ex vi do art. 330, do Código de Processo Civil, eis que toda a prova necessária ao julgamento do feito já se encontra nos autos, inocorrendo a necessidade de dilação probatória. Ademais, em tais casos, diz a jurisprudência: “Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder”. (REsp 2.832-RJ, STJ, 4ª. Turma, DJU de 17.09.90) “Processo civil - Cerceamento de defesa - Julgamento antecipado da lide. Inexiste cerceamento se os fatos alegados haveriam de ser provados por documentos, não se justificando a designação de audiência.” (REsp 1.344-RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 4.12.89) 10. A pretensão que se funda a presente actio, baseia-se na reparação de desmatamento ocorrido no imóvel rural denominado FAZENDA SÃO GONÇALO, localizado do Município de Barra do Bugres-MT de propriedade da parte requerida, identificando o desmate de 218,0827 hectares a corte raso de floresta primária na Amazônia Legal, sendo lavrado Auto de Infração n° 22203393, Relatório Técnico PRODES_081-2022 e Relatório Técnico nº 271/1ªCIAPMPA/BPMPA/2022. 11. De proêmio, a definição legal do meio ambiente se encontra insculpida no artigo 3.º, I, da Lei 6.938/1981, que pontifica que o meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. 12. Aliás, o próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA nos trouxe um conceito de meio ambiente mais completo do que o posto na Lei 6.938/1981, englobando o patrimônio cultural e artificial, o definindo como o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. 13. Registre-se que desde a “Declaração do Meio Ambiente” (ONU/UNESCO, Estocolmo, 1972, artigo 1º), a proteção jurídica do ambiente passou a ser uma realidade: “Todo o ser humano tem direito a um ambiente sadio em que possa viver”. 14. A Constituição Federal, em seu artigo 225, prevê a efetiva garantia: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 15. Na medida em que cresce a degradação irracional ao meio ambiente, em especial o natural, afetando negativamente a qualidade de vida das pessoas e colocando em risco as futuras gerações, torna-se curial a maior e eficaz tutela dos recursos ambientais pelo Poder Público e por toda a coletividade. 16. Nessa esteira, será preciso que o Poder Público intensifique as suas políticas públicas ambientais, que normalmente são de três naturezas: as regulatórias, consistentes na elaboração de normas jurídicas que regulam a utilização dos recursos naturais, bem como as instituições responsáveis pela fiel execução das leis ambientais; as estruturadoras, realizadas mediante a intervenção estatal direta na proteção ambiental, como a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelos entes políticos; as indutoras, em que o Poder Público adota medidas para fomentar condutas em prol do equilíbrio ambiental, com a utilização de instrumentos econômicos como a tributação ambiental, que visa estimular condutas com um tratamento privilegiado em favor daqueles que reduzem a sua poluição, por meio da extrafiscalidade. 17. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é formalmente e materialmente fundamental, pois além de estar previsto na Lei Maior (aspecto formal), é condição indispensável para a realização da dignidade da pessoa humana (aspecto material), fonte da qual provêm todos os direitos fundamentais. 18. Portanto, as pessoas têm direito a um mínimo existencial ecológico para gozar de uma vida digna, pois sem uma água limpa para beber, um ar puro para respirar e um alimento sem agrotóxicos ou outros males todos os demais direitos fundamentais ficarão prejudicados, em especial o direito à saúde. 19. Insta regitrar que o caput do artigo 225 instituiu o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, criando um dever genérico para o Poder Público e para a coletividade em defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, que se realizará com ações comissivas (a exemplo da recuperação de áreas degradadas) e omissivas (como a obrigação de não degradar fora dos permissivos legais, ou seja, dentro dos padrões de poluição, após regular licenciamento ambiental). 20. Os §§ 2.º e 3.º do artigo 225, há a previsão constitucional de deveres específicos ao Poder Público e à coletividade, consistentes na obrigação de recuperar a área degredada pela mineração, assim como na imposição de responsabilidade civil, administrativa e criminal pela consumação de condutas lesivas ao meio ambiente, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. 21. Dessa forma, é justo destacar a posição adotada pelo STJ na defesa do meio ambiente, vez que esta Corte vem dando enormes contribuições para a preservação ambiental e a implantação do desenvolvimento sustentável, por meio da tomada de decisões vanguarda. 22. De acordo com o Ministro Humberto Martins, “a interpretação das normas que tutelam o meio ambiente não comporta apenas, e tão somente, a utilização de instrumentos estritamente jurídicos, pois é fato que as ciências relacionadas ao estudo do solo, ao estudo da vida, ao estudo da química, ao estudo da física devem auxiliar o jurista na sua atividade cotidiana de entender o fato lesivo ao Direito Ambiental” (Passagem de voto no AgRg nos EDcl no Recurso Especial 1.094.873 – SP). 23. Ainda, de acordo com o STJ, “as normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura” (REsp 1.367.923, de 27.08.2013). 24. Nesse caminho, vale transcrever o posicionamento de JOSÉ RUBENS MORATO LEITE e de GERMANA BELCHIOR, fundado da doutrina do mestre Canotilho: “É viável a utilização do in dubio pro ambiente ou interpretação mais amiga do ambiente, expressão esta utilizada por Canotilho, o que não acarreta em uma visão radical na defesa do meio ambiente. Aponta o doutrinador lusitano que o princípio da interpretação mais amiga do ambiente, ‘como expresso ou ratio da maioria das normas jurídicas aplicáveis ao caso, é inatacável, não goza, em termos apriorísticos e abstractos, de uma prevalência absoluta”. (Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque na hermenêutica jurídica. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, v. 56, 2009). 25. No caso em apreço, verifica-se que a Polícia Militar Ambiental autuou a parte requerida por ter desmatado 218,0827 hectares a corte raso de floresta primária na Amazônia Legal, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente, localizada no imóvel rural denominado Fazenda São Gonçalo, localizado do Município de Barra do Bugres-MT conforme pode se observar pelo auto de inspeção nº 1087072424.2024 (ID n. 157321886 - Pág. 21/22). 26. Ademais, apesar de devidamente citada e notificada, verifica-se que a parte requerida não cumpriu as exigências aduzidas na exordial, tampouco, aportou aos autos documentos que demonstrem fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil (ID n. 186996117). 27. Diante dos documentos acostados ao feito, verifica-se que a parte demandada é parte legítima para responder pelos danos ambientais existentes em sua propriedade. 28. Nesse sentido, os Tribunais Superiores já se posicionaram: RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL E DANO MORAL COLETIVO – PRELIMINAR – ILEGITIMIDADE PASSIVA – PARTE QUE NÃO É PROPRIETÁRIO DA ÁREA DEGRADADA – IRRELEVÂNCIA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - ARTS. 3º C/C 14, §1º, DA LEI 6.938/81 – CERCEAMENTO DE DEFESA – FEITO JULGADO ANTECIPADAMENTE POR DESNECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA – PROVAS DOS AUTOS – SUFICIÊNCIA – AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL – PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE – DANO AMBIENTAL CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1 - O julgamento antecipado da lide não importa em cerceamento de defesa quando a produção de provas se revela desnecessária para o deslinde do feito. 2 - A tutela ambiental é de natureza fungível, portanto, a área objeto da agressão ao meio ambiente pode ser de extensão maior do que a referida na inicial e, uma vez assim aferida pelo conjunto probatório, não importa em julgamento ultra ou extra petita. 3 - A responsabilidade por danos ambientais é objetiva, bastando, para a sua configuração, a demonstração de nexo causal entre a ação ou omissão e o dano ambiental causado, pouco importando tenha ou não culpa o infrator. 4 – Ausente comprovação de qualquer irregularidade na fiscalização do IBAMA, que atuou nos limites do poder de polícia, adotando medidas legais cabíveis para coibir danos ao meio ambiente, é de reconhecer a sua legalidade e veracidade. 5 – Sendo as provas dos autos suficientes para se reconhecer a responsabilidade do apelante pelo dano ambiental, decorrente do desmatamento sem autorização legal, correta a sentença que o condenou à reparação, dentre outras medidas de proteção ao meio ambiente. (N.U 0001194-68.2017.8.11.0095, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/10/2022, Publicado no DJE 24/10/2022) – grifo nosso. 29. Destaque-se que todas as entidades políticas, diretamente ou por meio de seus entes integrantes da Administração Pública Indireta, possuem o dever constitucional de exercer o poder de polícia ambiental, por se tratarem de competências materiais comuns a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, ex vi do artigo 23, VI, da Constituição Federal. 30. Tradicionalmente, no Direito Administrativo, afirma-se que o exercício do poder de polícia é uma faculdade da Administração Pública, tendo natureza discricionária, em regra. Contudo, com espeque no neoconstitucionalismo, em que a amplitude das normas constitucionais adquire eficácia máxima e o controle judicial da legitimidade dos atos administrativos cresce exponencialmente, entende-se que se encontra superado esse entendimento, máxime em termos do Direito Ambiental, que possui contornos próprios. 31. Com efeito, a princípio, crê-se que o exercício do poder de polícia não é mera faculdade do Poder Público, e sim dever de ofício, pois é preciso evitar o abuso dos direitos individuais em prol da coletividade, tendo em conta a transição do Estado Liberal ao Social, em que a inércia da Administração Pública foi substituída por uma atuação positiva, em especial na efetivação dos direitos fundamentais sociais (2.ª dimensão) e coletivos (3.ª dimensão), de índole prestacional e transindividual, respectivamente. 32. Assim sendo, considerando que é vasta a legislação que rege o poder de polícia ambiental, é indene de dúvidas a sua natureza vinculada, em regra, normalmente inexistindo conveniência e oportunidade na sua exteriorização, mesmo porque é dever do Poder Público promover a conservação do meio ambiente, à luz do Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental. 33. Não poderia ser outra a posição de ÉDIS MILARÉ (2005, p. 188), ao comentar o artigo 225 da CRFB: “Em quarto lugar, cria-se para o Poder Público um dever constitucional, geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, de zelar pela defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente. Não mais tem o Poder Público uma mera faculdade, mas está atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de defesa e preservação, sua atuação transforma-se de discricionária em vinculada. Sai da esfera da conveniência e oportunidade para se ingressar num campo estritamente delimitado, o da imposição, onde só cabe um único e nada mais que único comportamento: defender e proteger o meio ambiente”. 34. Ressalte-se que mais do que impor obrigações de não fazer, o poder de polícia ambiental também deverá compelir os administrados a cumprir deveres positivos, a exemplo da obrigatoriedade da realização dos condicionantes de uma licença ambiental, restando superada a visão liberal de que o poder de polícia apenas poderá instituir obrigações negativas. É muito importante salientar que a competência para o licenciamento ambiental não se confunde com a atribuição para exercer a fiscalização ambiental, podendo ser exercidos por diferentes esferas. 35. Dito isso, conforme se verifica pelo Relatório Técnico n. 8732386/DUDTANGARÁ/SGDD/2021 “a Secretaria de Estado de Meio Ambiente através da Diretoria Regional de Tangará da Serra e a Polícia Militar realizaram operação de fiscalização com base nos alertas de desmatamento de plataforma Planet, que apontava a supressão de vegetação nativa sem autorização de órgão ambiental, no Município de Barra do Bugres-MT”, demonstrando, portanto, o cometimento de dano ambiental pela parte requerida. 36. Outrossim, é preciso frisar também que, quando se está diante do bem ambiental, as regras processuais devem ser adaptadas ao objeto protegido pelo processo; isto é, no que se refere a Ação Civil Pública em que se veicula a proteção do meio ambiente, há de se ter em mente a natureza do bem tutelado e todos os seus contornos, de forma a se interpretar e aplicar a lei processual tendo sempre em conta a maior proteção deste bem de natureza difusa (o meio ambiente ecologicamente equilibrado e livre de poluição sonora, garantindo-se a qualidade da vida humana). 37. De acordo com o STJ, “pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos ‘processos ecológicos essenciais’ e da ‘diversidade biológica’. Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade” (REsp 1.240.122, de 28.06.201. 38. Com efeito, a reserva legal busca a preservação ambiental como um todo, não só do imóvel que nesta se situa. Nesse sentido, o magistério de LUÍS CARLOS SILVA DE MORAES (2002, p. 30): A reserva legal não possui função vinculada ao imóvel especificamente, sendo limitação de nível macro, ou seja, mais preocupada com a melhoria regional da biodiversidade, do que propriamente com o ecossistema interno da propriedade 39. Ao contrário das áreas de preservação permanente, as de reserva legal já têm percentuais mínimos definidos no artigo 12, do novo CFlo, a depender da vegetação e da localização, bem como apenas incidem em áreas rurais. São os seguintes os percentuais mínimos de reserva legal: 80%, nas áreas rurais de floresta situadas na Amazônia Legal; 35%, nas áreas rurais de cerrado situadas na Amazônia Legal; 20% nas áreas rurais de floresta ou vegetação nativa situadas em área de campos gerais na Amazônia Legal e em outras regiões do Brasil. 40. Em relação à responsabilidade civil por danos ambientais trago os seguintes arestos do E. Tribunais Superiores: “A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3.º, da CF e do art. 14, § 1.º, da Lei 6.938/1981), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador” (REsp 1.114.398). “Danos ambientais. Responsabilidade solidária. A questão em causa diz respeito à responsabilização do Estado por danos ambientais causados pela invasão e construção, por particular, em unidade de conservação (parque estadual). A Turma entendeu haver responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou atua de forma deficiente. A responsabilização decorre da omissão ilícita, a exemplo da falta de fiscalização e de adoção de outras medidas preventivas inerentes ao poder de polícia, as quais, ao menos indiretamente, contribuem para provocar o dano, até porque o poder de polícia ambiental não se exaure com o embargo à obra, como ocorreu no caso. Há que ponderar, entretanto, que essa cláusula de solidariedade não pode implicar benefício para o particular que causou a degradação ambiental com sua ação, em detrimento do erário. Assim, sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado – que não provocou diretamente o dano nem obteve proveito com sua omissão – buscar o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com isso, injusta oneração da sociedade. Com esses fundamentos, deu-se provimento ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag 973.577-SP, DJ 19.12.2008; REsp 604.725-PR, DJ 22.08.2005; AgRg no Ag 822.764-MG, DJ 02.08.2007, e REsp 647.493-SC, DJ 22.10.2007. REsp 1.071.741-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/3/2009”. 41. De maneira inovadora, há precedente do STJ que expressamente admitiu excepcionalmente a responsabilidade civil ambiental independente de nexo de causalidade: “Processual civil e ambiental. Ação civil pública. Dano ambiental. Construção de hidrelétrica. Responsabilidade objetiva e solidária. Artigos 3.º, inc. IV, e 14, § 1.º, da Lei 6.398/1981. Irretroatividade da lei. Prequestionamento ausente: Súmula 282/STF. Prescrição. Deficiência na fundamentação: Súmula 284/STF. Inadmissibilidade. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos artigos 3.º, inc. IV, e 14, § 1.º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado. 5. Comprovado que a empresa Furnas foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade de outra pessoa jurídica. 6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de origem, pela ausência de prequestionamento. 7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido” (REsp 1.056.540, de 25.08.2009). 42. Ainda de acordo com o STJ, “para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”.(REsp 650.728, de 23.10.2007). 43. Aliás, frise-se que a pretensão reparatória ambiental imaterial é perpétua, porquanto não sujeita a prazo prescricional, conforme já decidido pelo STJ, no julgamento do REsp 1.112.117, de 10.11.2009: Administrativo e processo civil. Direito ambiental. Ação civil pública. Competência da Justiça Federal. Imprescritibilidade da reparação do dano ambiental. Pedido genérico. Arbitramento do quantum debeatur na sentença: revisão, possibilidade. Súmulas 284/STF e 7/STJ. 1. É da competência da Justiça Federal o processo e julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar a comunidade indígena Ashaninka-Kampa do rio Amônia. 2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se de competência territorial e funcional, eis que o dano ambiental não integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente espraiando-se por todo o território do Estado, dentro da esfera de competência do Juiz Federal. 3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena. 4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação. 8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. 9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ. 10. Inviável, no presente recurso especial modificar o entendimento adotado pela instância ordinária, no que tange aos valores arbitrados a título de indenização, por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.” 44. Insta frisar que a responsabilidade civil ambiental objetiva ainda é prevista especificamente nos artigos 4.º da Lei 6.453/19777 (atividades nucleares) e 20 da Lei 11.105/20058 (biossegurança). 45. Assim, uma vez impossibilitada à reparação (ou restauração) em espécie, que é prioritária, dever-se-á partir para uma compensação ambiental ou, em último caso, para a indenização em pecúnia. 46. Esse também é o posicionamento de JOSÉ RUBENS MORATO LEITE e PATRYCK DE ARAÚJO AYALA (2010, p. 215), em aprofundado estudo sobre o tema, que sustentam que “não sendo possível a reparação natural, como instrumento subsidiário de reparação, deve-se cogitar da utilização da compensação ecológica”. 47. Portanto, o dano ambiental é peculiar, exigindo o desenvolvimento de uma teoria geral de responsabilização específica para atender a suas características. Isso porque se trata de uma lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, que possui natureza coletiva, sendo ainda incorpóreo, autônomo, indivisível e imprescritível, não sendo possível, via de regra, a restauração total do ecossistema degradado. 48. É plenamente possível a cominação de obrigação de reparação com a indenização pecuniária cumulativamente, até que haja a recuperação total do dano, se possível. Nesse sentido, o entendimento do STJ, divulgado pelo Informativo 427: Meio ambiente. Reparação. Indenização. O princípio da reparação in integrum aplica-se ao dano ambiental. Com isso, a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado é compatível com a indenização pecuniária por eventuais prejuízos, até sua restauração plena. Contudo, se quem degradou promoveu a restauração imediata e completa do bem lesado ao status quo ante, em regra, não se fala em indenização. Já os benefícios econômicos que aquele auferiu com a exploração ilegal do meio ambiente (bem de uso comum do povo, conforme o artigo 225, caput, da CF/1988) devem reverter à coletividade, tal qual no caso, em que se explorou garimpo ilegal de ouro em área de preservação permanente sem qualquer licença ambiental de funcionamento ou autorização para desmatamento. Com esse entendimento, a Turma deu parcial provimento ao recurso para reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária e obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, o que impõe a devolução dos autos ao tribunal de origem para que verifique existir dano indenizável e seu eventual quantum debeatur. Precedente citado: REsp 1.120.117-AC, DJe 19.11.2009” (REsp 1.114.893-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.03.2010). 49. De acordo com o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.198.727, de 14.08.2012, “ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer)”. 50. A análise da situação retratada nos autos, em especial o auto de inspeção nº 1087072424 lavrado pelo órgão ambiental competente atestando que o requerido desmatou 15,94 de vegetação nativa de tipologia de cerrado sem autorização do órgão ambiental competente, conforme relatório técnico nº 0000012055.2024, tenho que a procedência do pedido formulado na exordial é medida que se impõe, uma vez que a conduta perpetrada pela requerida fora realizada de forma contrária ao que dispõe a legislação ambiental, afetando de modo negativo o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por consequência, atinge, também de modo negativo, todas as pessoas, de maneira direta ou indireta. 51. No que se refere ao dano moral coletivo, tenho que estão preenchidos os seus requisitos. 52. A possibilidade de condenação judicial por dano moral coletivo tem fundamento no artigo 1º, caput e inciso I, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I- ao meio-ambiente; II- ao consumidor; (...)". [g.n.]. 53. A possibilidade legal é cristalina. Não olvido da discussão doutrinária e até mesmo jurisprudencial sobre a possibilidade ou não de existência de danos morais coletivos. Filio-me à corrente que vê na sociedade um corpo como consciência de valores próprios da coletividade, na senda do que era a cidade antiga para os povos itálicos e gregos (Cf. Fustel de Coulanges, A cidade antiga), afastada a questão da religiosidade. "A coletividade é titular de valores materiais e imateriais protegidos pelo sistema jurídico, mas que não se confundem com o patrimônio material ou moral dos indivíduos que a compõem. Existem valores próprios da coletividade, tais como a dignidade, honra, bom nome, reputação, tradição, paz, tranqüilidade, liberdade, dentre outros aspectos relacionados aos direitos da personalidade." (Héctor Valverde Santana, in Dano moral no direito do consumidor, biblioteca de Direito do Consumidor- 38, Coord. Antônio Herman V. Benjamin e Claudia Lima Marques, Ed. Revista dos Tribunais, p. 170). 54. A Constituição da República protege direitos transindividuais, intergeracionais até, o que nos leva a creditar a tese de abalo moral praticado contra a coletividade, atingida de modo difuso nos valores e princípios que a governam; do que é exemplo maior a corrupção e a impunidade. Quem não se indigna com as notícias de corrupção diuturnas, que tornam os homens de bem descrentes da Justiça e da moral, vendo triunfar a bandalheira enquanto a Justiça, personificada na Deusa Thêmis (Grega) ou Iustitia (Romada), resta prostrada no chão, abatida pela incúria, pela cupidez, pela vilania. "Importante é, também, destacar que esse grupo não corresponde a uma pessoa de existência ideal. O titular do direito atingido nem é uma pessoa individual, ou mesmo uma pluralidade de indivíduos, nem é uma pessoa coletiva ou jurídica, mas um grupo ou categoria que, coletivamente e por uma mesma causa global, foi atingido nos seus interesses juridicamente tutelados." (Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação dos danos morais, Ed. Saraiva, 2000, p. 90). 55. Dispensa-se até mesmo a prova direta do dano moral coletivo, porquanto não se configura apenas com a verificação da “dor” da coletividade, mas presume-se em razão da demonstração do fato violador dos valores Coletivos ‘damnum in re ipsa’ (Carlos Alberto Bittar Filho, Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, out./dez. 1994, p. 55). 56. No que toca ao dever de indenizar resultante da atividade degradante ao meio ambiente promovida pela ré, anota-se que a questão da responsabilidade do dano moral coletivo é objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência. E parte das razões desse desencontro e conflito de entendimentos resulta da circunstância que se avalia o dano moral coletivo com os mesmos critérios que se examina a ocorrência do dano moral no ser humano. 57. Na avaliação do dano moral coletivo não podem ser considerados elementos da subjetividade individual, do psiquismo das pessoas enquanto seres biológicos. Na apreciação do chamado dano moral coletivo não se indaga sobre o “sofrimento”, a “dor”, o “padecimento”, o transtorno mental, o abatimento dos sentimentos. Não se procede a esses tipos de questionamentos porque a coletividade, a sociedade não são entes biológicos. 58. Sociedade, agrupamento social, coletividade são conceitos da Antropologia e da Sociologia. São, antes de tudo, realidades históricas e sociais. Mas as coletividades os grupos sociais para se desenvolverem, para subsistirem no tempo e no espaço, precisam adotar certas regras de conduta e valores. Os agrupamentos humanos, que o Direito denomina de “coletividade” desenvolvem valores, concepção de decência e patrimônio ideal que devem ser protegidos. Por isso, a consideração jurídica transindividual da tutela dos interesses difusos e coletivos, inclusive quanto ao dano moral, não tem como parâmetro sofrimento psíquico do indivíduo, mas uma violação a valores e direitos objetivamente considerados. 59. Examina-se o dano moral coletivo no seu aspecto objetivo relativamente a ofensa a valores e/ou interesses coletivos, a gravidade da lesão objetivamente considerada para o grupo social. O dano esta in re ipsa. Após, examina-se a existência do dano e suas consequências sob o aspecto subjetivo do ofensor: a responsabilidade de sua conduta; a intenção de causar dano; o conhecimento das consequências nefastas de sua conduta lesiva. 60. Procedendo à convergência dos caracteres consubstanciadores da reparação pelo dano moral, quais sejam: i) punitivo e profilático, para que as causadoras do dano, pelo fato da condenação, vejam-se castigadas pela ofensa perpetrada, bem assim intimidadas a se conduzirem de forma diligente no exercício de seu mister; e ii) compensatório, para que a(s) vítima(s) receba(m) uma soma de dinheiro que lhe proporcione prazeres como contrapartida pelo mal sofrido. 61. Quanto ao pedido de danos materiais difusos residuais, importante salientar que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente consagra como um de seus objetivos a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de reparar os danos causados (art. 4º, VII da Lei 6.938, de 31-08-81). Além disso, possibilita o reconhecimento da responsabilidade do poluidor em indenizar e/ou reparar os danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa (art. 14, § 1º, da lei referida). 62. Nesse sentido: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Tapiraí. Abertura de estrada. Supressão de vegetação em área de preservação permanente e extração de vegetação arbórea em estágio avançado de regeneração sem autorização do órgão ambiental. Infração aos art. 2º, 'a', item 1 e art. 19 da LF nº 4.771/65 e os art. 1º e 4º do DE nº 750/93. Obrigação de fazer. Recuperação ambiental. Cerceamento de defesa. 1. Cerceamento de defesa. A prova oral pretendida pelo réu era desnecessária para comprovar que a estrada aberta irregularmente pertence ao Município. Ademais, os documentos trazidos aos autos demonstram que a estrada pertence ao réu. Desnecessidade de outras provas para julgamento da lide. Ausência de cerceamento de defesa. Preliminar afastada. 2. Recuperação ambiental. O réu abriu estradas particulares para escoar sua produção de banana. Suprimiu vegetação protegida e de porte arbóreo sem autorização dos órgãos ambientais. Dever de recuperar integralmente a área degrada. Procedência parcial. Recurso do réu desprovido.” (TJ-SP - APL: 00043615120078260443 SP 0004361-51.2007.8.26.0443, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 24/05/2013, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 29/05/2013). 63. Outrossim, impende ressaltar que quando se trata de danos ambientais há incidência da teoria do risco integral, amparada na responsabilidade civil objetiva, que possui previsão constitucional (art. 225, parágrafo 3º, da CF) e legal (art. 14, parágrafo 1º, da Lei n. 6.938/1981), de modo que não existe a possibilidade de se alegar excludentes de responsabilidade, servindo, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao meio ambiente, oriundo de ação ou omissão de outrem. 64. Nesse sentido é o entendimento de Annelise Monteiro Steigleder: “A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, conforme previsto no art. 14, parágrafo 1º, da Lei n. 6.938/81, recepcionado pelo art. 225, parágrafo 2º e 3º, da CF/88, e tem como pressuposto a existência de uma atividade que implique em riscos para a saúde e para o meio ambiente, impondo-se ao empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internizá-los em seu processo produtivo (princípio do poluidor-pagar). Pressupõe, ainda, o dano ou risco de dano e o nexo de causalidade entre a atividade e o resultado, efetivo ou potencial. O nexo de causalidade é o fato aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato que é fonte de obrigação de indenizar. É um elemento objetivo, pois alude a um vínculo externo entre o dano e o fato da pessoa ou da coisa. Enquanto que na responsabilidade civil subjetiva a imputação do dano irá ligar-se à ideia de previsibilidade, na responsabilidade objetiva, o requisito da previsibilidade não existe, sendo que o critério de imputação do dano ao agente se amplia, quase aproximando-se de um enfoque puramente material, de tal modo que, com a prova de que a ação ou omissão foi a causa do dano, a imputação é quase automática. O ordenamento supõe que todo aquele que se entrega a atividades gravadas com responsabilidade objetiva deve fazer um juízo de previsão pelo simples fato de dedicar-se a elas, aceitando com isso as consequências danosas que lhe são inerentes. O explorador da atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela. Não se investiga conduta do poluidor predador, pois o risco a ela substitui-se. O nexo de causalidade é o pressuposto onde se concentram os maiores problemas relativos à responsabilização civil pelo dano ambiental, pois o dano pode ser resultado de várias causa concorrentes, simultâneas e sucessivas, dificilmente tendo uma única e linear fonte. […] A teoria do risco integral originalmente legitimou a responsabilidade objetiva e proclama a reparação do dano mesmo involuntário, responsabilizando-se o agente por todo ato do qual fosse a causa material, excetuando-se apenas os fatos exteriores ao homem. Trata-se nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, “de uma tese puramente negativista. Não cogita de indagar como ou porque ocorreu o dano. É suficiente apurar se houve o dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar à vítima uma indenização”. Comentando esta teoria, Lucarelli refere que “a indenização é devida somente pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo, independentemente da análise da subjetividade do agente, sendo possível responsabilizar todos aqueles aos quais possa, de alguma maneira, ser imputado o prejuízo. Esse posicionamento não admite excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito, a força maior, a ação de terceiros ou da própria vítima”, posto que tais acontecimentos são “condições” do evento. A adoção desta teoria é justificada pelo âmbito de proteção outorgado pelo art. 225, caput, da CF de 1988, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, podendo-se vislumbrar a instituição de uma verdadeira obrigação de incolumidade sobre os bens ambientais. Trata-se de entendimento defendido por Ântonio Herman Benjamin, Jorge Nunes Athias, Sério Cavalieri Filho, Édis Milaré, Nelson Nery Jr., José Afonso da Silva, Sérgio Ferraz” (STEIGLEDER, Annelise Monteiro, MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Orgs.). Doutrinas essenciais de direito ambiental: responsabilidade em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. v, 2011, p. 43-48). 65. Dessa forma, para a responsabilização civil ambiental é preciso constatar a presença de dois elementos, quais sejam: dano e nexo de causalidade. 66. Dito isso, tendo por base a prova documental produzida, o dano é consequência natural ao processo de incorporação à degradação ambiental ao meio ambiente em que ocorreram os fatos. 67. O nexo de causalidade é facilmente constatável pelas ações do requerido, o qual procedeu com o corte das árvores sem autorização legal. 68. Restando demonstrado, portanto, o dano e o nexo de causalidade, passa-se, a quantificar o valor a ser arbitrado a título de danos materiais residuais. 69. O Decreto Lei nº 1313 DE 11/03/2022 do Estado de Mato Grosso estabelece que a reposição florestal será calculada considerando o volume da matéria-prima suprimida ou consumida da área desmatada ilegalmente, vejamos: Art. 83. A reposição florestal é calculada considerando o volume da matéria-prima suprimida ou consumida ou da área desmatada ilegalmente, e é cumprida mediante as seguintes modalidades: I - plantio com recursos próprios de novas áreas, em terras próprias ou pertencentes a terceiros; II - participação societária em projetos de reflorestamento implantados através de associações ou cooperativas de consumidores, cujos direitos dos participantes serão especificados em cotas percentuais; III - aquisição de créditos de reposição florestal, garantidos por plantios florestais, devidamente cadastrados no órgão ambiental e com projeto de reflorestamento aprovado pela SEMA; e IV - pagamento da taxa de reposição florestal referente ao consumo utilizado e/ou à supressão realizada. Parágrafo único. A reposição florestal deverá ser efetuada com espécies adequadas e técnicas silviculturais que garantam o objetivo do empreendimento, cuja produção seja, no mínimo, equivalente à área suprimida ou ao volume consumido, por meio da execução do projeto técnico aprovado pela SEMA. 70. Insta salientar, ainda, que o pagamento de indenização pelos danos materiais se refere à compensação in pecunia pelos danos ambientais não passíveis de recuperação, vez que, não obstante todos os esforços de restauração ao status quo, sempre haverá dano residual ou permanente, como por exemplo, a morte de animais, a perda ou redução da flora e dos serviços ecossistêmicos. 71. Para verificarmos o quantum podemos utilizar como metodologia para quantificar o dano ambiental as diretrizes elencadas na ABNT NBR 14.653-6[1], vejamos: 8.6.1 Custos de reposição Estima os gastos necessários para restaurar a capacidade produtiva e as funções ecossistêmicas de um recurso ambiental degradado. Estima que as perdas de bens e serviços ambientais serão corrigidas com reposição da qualidade ambiental. Assim, estimam-se os custos de reposição do ambiente degradado (gastos de engenharia, implementação e monitoramento) para esta reposição, incluindo a perda econômica relativa ao período entre o tempo inicial da degradação e o tempo da total recuperação. Este valor de perda anterior à total recuperação seria equivalente ao custo de reposição multiplicado por uma taxa social de retorno do capital, aplicada ao longo do tempo de reposição. Exemplos: custos de recuperação da fertilidade em solos degradados até garantir o nível original de produtividade agrícola (custos de reposição); custos de construção de piscinas públicas para garantir as atividades de recreação balneária quando as praias estão poluídas (custos de substituição) ou a recuperação de uma mata ou manguezal através de reflorestamento e revegetação. 72. Dessa forma, em análise aos documentos acostados ao feito, verifica-se que resta demonstrado que o demandado degradou o meio ambiente, evidenciando-se sua responsabilidade por dano ambiental, de modo a reparar os danos ambientais causados. 73. Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido para: a) CONDENAR a ré em se abster, de imediato, de praticar qualquer atividade na área degradada, salvo para o fim de recuperá-la, bem como se abstenha de realizar novas degradações ou desmatamentos naquele espaço, devendo este protocolar, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, junto a SEMA, o plano de o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRADE), a fim de recompor o ambiente degradado, objeto da presente actio, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). b) CONDENAR a parte requerida a pagar indenização pelos danos materiais ambientais residuais, ao fundo de que trata o artigo 13, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, no valor de R$697.209,15 (seiscentos e noventa e sete mil, duzentos e nove reais e quinze centavos), a partir do ajuizamento da ação, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês até o efetivo pagamento (art. 406, CC c/c art. 161, §1º, CTN), ao Fundo Municipal do Meio Ambiente – FMA. A comprovação do adimplemento da obrigação em apreço se dará mediante a apresentação nos autos e na Promotoria de Justiça de Barra do Bugres-MT e, c) CONDENAR a ré, a pagar indenização por danos morais coletivos, ao fundo de que trata o artigo 13, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), a partir da sentença (Súmula 362, STJ), acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês até o efetivo pagamento (art. 406, CC c/c art. 161, §1º, CTN e Súmula 362 do STJ), ao Fundo Municipal do Meio Ambiente – FMA. A comprovação do adimplemento da obrigação em apreço se dará mediante a apresentação nos autos e na Promotoria de Justiça de Barra do Bugres-MT, do comprovante de depósito identificado. 74. Condeno a parte ré nas custas e despesas processuais, e o isento de honorário, vez que incabíveis. 75. Transitada em julgado, dê-se vistas ao Ministério Público para que promova a execução judicial em caso de descumprimento. P. I. Cumpra-se. Barra do Bugres-MT, 09 de junho de 2025. Arom Olímpio Pereira Juiz de Direito [1] https://www.normas.com.br/docviewer/?sig=U1IxWVNZVHZ0em8yb0RZY2M0QnJaM3FQZUJPdGZGWlZCK20rUWszQzg0RThrZkg4U2JpOTJiMG9yYUFacktYNWxwSnNpNkpyMnREdTJRTHQvUjBtK1VpRkxDNFhQS3h5UVNHNTB4ekR1dUNGRWVXTFRubjNUbHdMUFF4clFGV0RwU1NaT2VKS3VaVDZqaVRLMUphUU8xSDUzRFdtYnpNN052MW5HOXpZdmRKb3VaNSsxVWJJdW1NdzhWRUdUNEpXSmppb2FxbkxIaGNkbHJTNW15V3p0Q2ZQMUJ4bXo3R0wrMGJJVWh4Tk1lS2loZWVoUnVUc3NhWDFoM2U5dS9URnBzcTJaY1pLNncrek9FTXExVFlINS9tQUZxTXpKTzJUemJiemF4TE1oN1U9&L=QTk4NzUzMUQtNkUyQi00NkVDLUIxMUQtNUU0Q0UwRTU1MjU3
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