Processo nº 0050178-21.2021.8.06.0083
ID: 300055568
Tribunal: TJCE
Órgão: 3º Gabinete da 1ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0050178-21.2021.8.06.0083
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO ARTUR DE SOUZA MUNHOZ
OAB/CE XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO PROCESSO: 0050178-21.2021.8.06.0083 - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL (198) EMBARGANTE/APELANTE…
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO PROCESSO: 0050178-21.2021.8.06.0083 - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL (198) EMBARGANTE/APELANTE: SINDICATO DOS TRABALHADORES NO SERVICO PUBLICO MUNICIPAL DE GUAIUBA EMBARGADO/APELADO: MUNICIPIO DE GUAIUBAREPRESENTANTE: PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE GUAIUBA .. EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÃO NA ANÁLISE DA REMESSA NECESSÁRIA. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE SANEAMENTO DO PROCESSO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. I. CASO EM EXAME: 1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que julgou apelação cível interposta em face de sentença que julgou improcedente ação civil coletiva ajuizada por sindicato de servidores municipais. 2. Verificação, de ofício, que não houve enfrentamento do reexame obrigatório da sentença de primeiro grau. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: 3. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve omissão quanto à análise da remessa necessária imposta por força de sentença de improcedência em ação civil coletiva; e (ii) saber se a ausência de decisão de saneamento e fixação dos pontos controvertidos configura nulidade por cerceamento de defesa, diante de pedido subsidiário de produção de prova pericial. III. RAZÕES DE DECIDIR: 4. O acórdão embargado deixou de apreciar a remessa necessária, mesmo diante de sua obrigatoriedade legal prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/1965, o que configura omissão relevante. 5. A ausência de decisão de saneamento e fixação de pontos controvertidos viola o disposto no art. 357 do CPC, especialmente em hipótese que envolve a análise fática acerca do grau de insalubridade de servidores. 6. A sentença foi proferida sem a devida delimitação das questões de fato e de direito relevantes, impossibilitando o exercício adequado do contraditório e da ampla defesa. IV. DISPOSITIVO E TESE: 7. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes, para reconhecer a omissão na análise da remessa necessária, declarando a nulidade da sentença e determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para regular saneamento e processamento do feito. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 357, 1.022 e 1.023; Lei nº 4.717/1965, art. 19; Lei nº 286/2002, arts. 77 e 80. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2084813/MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, j. 18.12.2023; TJCE, Apelação Cível 0200855-94.2022.8.06.0029, Rel. Des. José Tarcílio Souza da Silva, 1ª Câmara de Direito Público, j. 17.12.2024; TJCE, Apelação Cível 0014912-88.2019.8.06.0035, Rel. Des. Inácio de Alencar Cortez Neto, 1ª Câmara de Direito Público, j. 11.03.2025. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em votação unânime, pelo conhecimento e provimento dos embargos de declaração, tudo em conformidade com os termos do voto do e. Desembargador Relator. Fortaleza/CE, data registrada no sistema DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO Relator RELATÓRIO Trata-se de embargos de declaração opostos ante o v. Acórdão proferido em sede de Apelação Cível, que solidificou a seguinte redação de ementa: EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE EM GRAU MÁXIMO. PANDEMIA DE COVID-19. NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Guaiúba interpõe apelação contra sentença que julgou improcedente a pretensão de majoração do adicional de insalubridade ao grau máximo (25%) para os servidores da saúde do município durante a pandemia de Covid-19. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se a norma municipal que prevê a concessão do adicional de insalubridade permite o pagamento imediato no grau máximo, sem a realização de laudo pericial individualizado. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Lei Municipal nº 286/2002 exige averiguação por junta médica para a concessão e majoração do adicional, inexistindo norma específica que dispense tal requisito em situações excepcionais, como a pandemia de Covid-19. Precedentes deste Tribunal e de outros Tribunais Pátrios confirmam a imprescindibilidade de perícia para determinar o grau da insalubridade. IV. DISPOSITIVO E TESE 4. Apelação cível conhecida e desprovida. ---------------------------------------------------------------------------- Dispositivos relevantes citados: Lei Municipal nº 286/2002, arts. 77 e 80. Jurisprudência relevante citada: TJ-CE, AC 00501753320208060170, Rel. Des. Washington Luís Bezerra de Araújo, 3ª Câmara de Direito Público, j. 10.10.2022; TJ-CE, AI 06371667720208060000, Rel. Des. Tereze Neumann Duarte Chaves, 2ª Câmara de Direito Público, j. 16.02.2022; TJ-SP, AC 1001547-19.2021.8.26.0553, Rel. Des. Ricardo Dip, 11ª Câmara de Direito Público, j. 08.02.2023. O SINDICATO DOS TRABALHADORES NO SERVICO PUBLICO MUNICIPAL DE GUAIUBA, opôs embargos de declaração aduzindo em suas razões que o v. acórdão padece de omissão quanto: i) a análise do pedido de perícia; ii) o enfrentamento do art. 464, §1º, incs. I e II, do CPC, no que pertine ao indeferimento da perícia; iii) a Norma Regulamentadora nº 15, em seu Anexo 14 do Ministério do Trabalho, que somada à NR 32, garantem o deferimento do adicional de insalubridade, de acordo com a probabilidade de exposição do risco biológico; e. iv) o art. 80, §6º da Lei Municipal nº 286/2002. Alega, ainda, contradição no voto divergente proferido oralmente pela e. Desembargadora Lisete de Sousa Gadelha, que entendeu por acompanhar o voto do relator consignando que é imprescindível a perícia quando o pedido de adicional de insalubridade é para beneficiar indistintamente todos os servidores, quando o Sindicato autor requereu o benefício apenas para os servidores municipais da Secretaria de Saúde que estavam na linha de frente do combate ao covid-19. Requer, finalmente, seja o provimento dos aclaratórios, sanando a omissão apontada. Contrarrazões não apresentadas, embora a parte tenha sido regularmente intimada. É o relatório. VOTO De início, esclareço que os Embargos de Declaração, recurso independente de preparo, foram interpostos tempestivamente, apontando omissão e contradição no julgamento do recurso, preenchendo, assim, os pressupostos de admissibilidade do feito, consoante art. 1.023 do Código de Processo Civil, razão pela qual conheço dos aclaratórios e passo à sua análise. O recurso de Embargos de Declaração está previsto na codificação processual civil, em seu art. 1.022, o qual estabelece acerca do seu cabimento: Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º . In casu, os presentes aclaratórios apontam vício de omissão quanto: i) a análise do pedido de perícia; ii) o enfrentamento do art. 464, §1º, incs. I e II, do CPC, no que pertine ao indeferimento da perícia; iii) a Norma Regulamentadora nº 15, em seu Anexo 14 do Ministério do Trabalho, que SOMADA à NR 32, garantem o deferimento do adicional de insalubridade, de acordo com a probabilidade de exposição do risco biológico; e. iv) o art. 80, §6º da Lei Municipal nº 286/2002. Aduz, ainda, contradição nas razões de decidir da e. Desembargadora Lisete de Sousa Gadelha, que afirmou ser imprescindível a perícia quando o pedido de adicional de insalubridade é para beneficiar indistintamente todos os servidores, quando o Sindicato autor requereu o benefício apenas para os servidores municipais da Secretaria de Saúde que estavam na linha de frente do combate ao covid-19. Antes de adentrar aos argumentos lançados pela parte embargante, vislumbro que há uma questão prejudicial, que trata da ausência de análise da remessa necessária, determinada pela r. sentença de id. 14611147. Pois bem. Tratando-se de Ação Civil Coletiva, que ao final restou julgada improcedente, aplica-se o disposto no art. 19 da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), o qual determina que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo." Esse, aliás, é o caminho adotado por esta Corte Cearense de Justiça, consoante se vê dos seguintes julgados: Apelação / Remessa Necessária - 0050096-02.2021.8.06.0176, Rel. Desembargador(a) LISETE DE SOUSA GADELHA; Remessa Necessária Cível - 0143582-52.2019.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA. Desse modo, conheço da Remessa Necessária e passo de logo a enfrentá-la. A ação exordial remonta ao pedido do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Guaiuba em face do Município de Guaiuba, aduzindo que os servidores da pasta da saúde trabalharam na linha de frente no período da pandemia de Covid-19, não foram enquadrados no grau máximo de insalubridade, requerendo a condenação do ente público demandado ao pagamento do Adicional de Insalubridade no percentual máximo previsto na lei municipal para os servidores da saúde que estiveram e estão na linha de frente no combate a pandemia, enquanto essa perdurar. Após a apresentação de contestação e réplica, foi prolatado o despacho de id. 14611129, nos seguintes termos: "Intimem-se as partes litigantes, por seus patronos, para se manifestar sobre os documentos constantes nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, devendo, na mesma oportunidade, manifestar se desejam produzir provas em audiência, além daquelas já apresentadas, bem como apresentar documentos complementares. Apresentado algum documento complementar, intime-se a parte contrária para se manifestar em 10 (dez) dias. Existindo requerimento de produção de prova oral e/ou testemunhal, proceda-se esta Secretaria de Unidade com o aprazamento da audiência de instrução, intimando-se as partes para compareceram ao ato. Não havendo requerimento de produção de prova oral, voltem-me conclusos os autos. Expedientes necessários." Nesse espeque, a parte autora apresentou petitório de id. 14611137, no qual afirma que a questão é eminentemente de direito, manifestando-se pela "desnecessidade de produção de novas provas, especificamente da prova pericial, haja vista que todos os servidores substituídos que poderão gozar dos efeitos da decisão judicial a ser proferida na presente ação judicial já foram periciados e tiveram atestado o exercício do labor em ambiente insalubre." Assentou no petitório que, "caso assim não entenda", que seja realizada a prova pericial. Manifestação do Município de Guaiuba no id. 14611137, acerca da ausência de regulamentação municipal para o deferimento do pedido, informando não haver provas a produzir. Decisão de id. 14611139, declarando encerrada a instrução processual e determinando a intimação das partes para memorais. Memoriais apresentados somente pelo Município de Guaiuba, no id. 14611145, sobrevindo a r. sentença de id. 14611147 que julgou improcedente a lide, consoante trecho que transcrevo: "É de conhecimento geral que a pandemia exigiu alterações substanciais nos serviços básicos da sociedade brasileira, especialmente no setor da saúde, do qual foi exigido empenho diferenciado tendo em vista a superlotação dos leitos nas unidades de saúde. Desse modo, é inegável que os profissionais da saúde, principalmente aqueles que atuam na "linha de frente", permaneceram expostos ao agente biológico infectocontagioso de forma mais intensa durante a pandemia, sendo esse o argumento que justificaria a majoração do percentual que lhes são pagos a título de insalubridade. Contudo, é inafastável a regra constitucional que prevê a necessidade de lei, em sentido estrito, para a concessão ou alteração da remuneração dos servidores públicos. Nesses termos também a previsão sumulada, mutatis mutandis: "Sumula Vinculante nº 37- Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia". Não é, portanto, atribuição do Poder Judiciário a concessão de aumentos salariais a servidores públicos. Vale dizer, outrossim, que servidores, tais como enfermeiros, assistentes, auxiliares e técnicos e demais trabalhadores lotados em hospitais ou postos de saúde já possuem dentre suas funções normais, rotineiras, cotidianas, o dever de combate à diversos agentes patogênicos, incluindo variados organismos virais. Ademais, verifica-se que os servidores públicos municipais que se enquadram em situação de risco biológico já recebem adicional cabível em decorrência da exposição, de modo que, pela via eleita nestes autos, não é possível ao Poder Judiciário instituir adicional majorado. Isso porque a matéria é de competência legislativa, demandando estudo técnico aprofundado, e não simples perícia para aferição, tal como requerido pela parte autora. Portanto, compete às autoridades sanitárias competentes o aprofundamento do tema, com as medidas pertinentes, não cabendo ao Poder Judiciário legislar sobre o tema em ação ordinária. (…) É induvidosa a gravidade da situação atual do Brasil e do mundo, porém, sem minorar tal gravidade, a COVID-19 é apenas mais uma das diversas doenças infectocontagiosas a que todos os indivíduos e, sobretudo os profissionais da saúde e seus respectivos assistentes, têm de enfrentar diariamente. (…) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, na forma do art.487, inciso i, do CPC/15. Sem custas processuais e honorários advocatícios (art. 18 da Lei n.7.347/85). Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório (Lei 4.717/65, art.19, por analogia - STJ, AgInt no REsp. 1.264.666/SC; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ; AgInt no REsp: 1547569). Publique-se. Registre-se. Intime-se. Com o trânsito em julgado, ao arquivo com as cautelas devidas." (id. 14611147) Adianto que o reexame obrigatório merece ser provido. Isso porque, a Lei Municipal nº 286/2022, prevê na Subseção IV, a possibilidade de pagamento de adicionais para o exercício de atividades insalubre ou perigosas ao servidor que "trabalhar, com habitualidade, em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida" (art. 77). Determina, ainda, a Lei Municipal nº 286/2022: Art. 80 - Na concessão dos adicionais de atividades insalubres ou perigosas serão observadas as situações concretas que serão avaliadas e enquadras nos seguintes níveis. I - Atividade insalubre de grau: a) mínimo; b) médio; c) máximo; II - (omissis): §1º - Os adicionais de atividades insalubres e perigosas, serão concedias de acordo com os seguintes percentuais: I - 15 % (quinze por cento) do vencimento básico do servidor publico municipal para atividade de grau mínimo; III - 20% (vinte por cento) do vencimento básico do servidor publico municipal para atividade de grau médio; III - 25 (vinte e cinco por cento) do vencimento básico do servidor público municipal para atividade de grau máximo. (id. 14611093) É dizer, ao contrário da fundamentação exposta na r. sentença em reexame, o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaiuba prevê expressamente a possibilidade de pagamento de adicional de insalubridade, em graus mínimo, médio e máximo. Inclusive, os profissionais a que se refere o presente pleito, já recebem o referido adicional em grau médio, segundo informação do autor no id. 14611127, fls. 02, tratando-se o pleito apenas de requerer o pagamento da insalubridade em grau máximo aos servidores que estão na linha de frente no combate ao Covid-19. Nesse espeque, ressoa a norma municipal, em seu art. 80, §5º, que "os adicionais a se refere este artigo serão concedidos após averiguação feita por junta médica, verificados os parâmetros referidos pelo §6º deste artigo." Dito isto, tenho que a r. sentença de primeiro se encontra nula de pleno direito, pois proferida ao arrepio do artigo 357 do Código de Processo Civil, uma vez que o d. magistrado de primeiro grau deixou de fixar pontos controvertidos da demanda, sem pronunciamento acerca do saneamento e organização do processo. Impende frisar que a decisão saneadora é de extrema importância para o processo, afinal, é o momento em que saneia e organiza o feito, resolvendo, caso existam, questões processuais pendentes, delimitando questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos definindo a distribuição do ônus da prova, em consonância com o art. 373 do CPC, além de delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito e, se necessário, designar audiência de instrução e julgamento. Vejamos o texto legal: Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. A necessidade de se observar o disposto no mencionado artigo pretende assegurar a razoável duração do processo assim como consagrar o princípio do contraditório, garantindo seu desenvolvimento sem vícios. No caso em apreço, por todo o arrazoado já acima indicado, o despacho de saneamento e organização do processo se revela de suma importância, especialmente ante a fixação dos pontos controvertidos, uma vez que a parte autora, embora tenha delineado toda a sua tese jurídica acerca da existência de norma regulamentadora da percepção do adicional de insalubridade em grau máximo, em todas as suas manifestações indicou que "caso assim não entenda", que seja realizada a prova pericial. Nesse contexto, o desatendimento ao comando legal de saneamento do processo, fixando os pontos controvertidos da demanda, causa evidente prejuízo ao autor, o que inquina de nulidade a sentença proferida, pois a questão não é exclusivamente de direito e depende do exame dos fatos narrados na inicial. Sobre o tema, confira-se entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ÔNUS DA PROVA. CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA . OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. DESNECESSIDADE. 1 . Não há necessidade de incursionar no acervo fático-probatório para constatar que as instâncias ordinárias, ao julgar antecipadamente a lide, sem expedição de despacho saneador que oportunizasse às partes indicarem a provas que pretendiam produzir e, mesmo assim, resolver o mérito com fundamento na regra do ônus da prova, cercearam o direito de defesa da parte, bastando, para tanto, a simples leitura do contexto descrito no acórdão e na sentença. 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 2084813 MG 2023/0239759-2, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 18/12/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/12/2023) E deste Sodalício: PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS . EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE DESPACHO SANEADOR DO PROCESSO E DO ANÚNCIO DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO CONFIGURADO . PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM . 1- Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Antônio Nicolau visando à reforma da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Acopiara/CE, que julgou improcedente a Ação Declaratória de Nulidade/Inexistência Contratual c/c Pedido de Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais ajuizada pelo apelante em desfavor de Banco Itaú Consignado S/A. 2- A parte apelante alega, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, eis que o magistrado singular não oportunizou à parte a produção de provas sobre os dados apresentados pelo promovido na contestação, requerendo o retorno dos autos à origem. No mérito, defende, em suma, a invalidade do negócio jurídico e requer o provimento do recurso, para reformar a sentença, acolhendo os pedidos autorais. 3- Em análise detida dos autos, observa-se a ausência de despacho saneador do processo (art . 357, CPC), para que fosse oportunizada às partes a especificação de outras provas que gostariam de produzir, bem como do devido anúncio do julgamento antecipado da lide (art. 355, CPC). Assim, resta caracterizado o cerceamento de defesa alegado. Precedentes . 4- Apelação conhecida e provida. Sentença anulada. Retorno dos autos à origem. (TJ-CE - Apelação Cível: 0036915-89 .2018.8.06.0029 Acopiara, Relator.: INACIO DE ALENCAR CORTEZ NETO, Data de Julgamento: 21/02/2024, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2024) PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA EM APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO . PRÉVIO PEDIDO DE FIXAÇÃO DOS PONTOS CONTROVERTIDOS. AUSÊNCIA DE DESPACHO SANEADOR. PREJUÍZO DEMONSTRADO. CERCEAMENTO DE DEFESA . CONFIGURAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. 1 . Caso em exame: Trata-se de agravo interno interposto pelo BANCO DO BRASIL S.A., objetivando a reforma de decisão monocrática proferida pelo eminente Des. ANDRÉ LUIZ DE SOUZA COSTA em apelação que acolheu a preliminar de cerceamento de defesa, anulando a sentença recorrida e determinando o retorno dos autos ao juízo da primeira instância para o regular processamento do feito com a adequada instrução probatória . 2. Questão em discussão: Cinge-se a controvérsia recursal em verificar se, realmente, houve cerceamento de defesa diante da ausência de despacho saneador, embora a parte autora (agravada) tenha previamente solicitado ao juiz a fixação dos pontos controvertidos. 3. Razões de decidir . No caso dos autos, o juiz a quo intimou as partes para especificação de provas no prazo de 5 (cinco) dias (vide decisão à fl. 134), oportunidade em que os embargantes, ora agravados, peticionaram requerendo que, antes do julgamento do feito, fosse realizado o saneamento e organização do processo, com a fixação dos pontos controvertidos. (vide petição às fls. 137/138) . Ato seguinte, o juiz primevo julgou antecipadamente o processo, prolatando sentença de improcedência dos pedidos iniciais. 4. Verificada a prolação de sentença sem que tenha sido tomada a providência saneadora, resultando em julgamento que deixa de analisar questões de fato e de direito alegadas pelas partes, deve ser declarada a nulidade do processado e determinado o retorno dos autos à fase de saneamento e organização do processo. 5 . Constatado o prejuízo decorrente da não prolação do despacho saneador, em razão da não delimitação dos pontos controvertidos da lide, é de rigor a nulidade da sentença e o retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento. 6. Dispositivo: Agravo interno conhecido e desprovido. Decisão monocrática mantida . (TJ-CE - Agravo Interno Cível: 01840234620178060001 Fortaleza, Relator.: CLEIDE ALVES DE AGUIAR, Data de Julgamento: 23/10/2024, 3ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 23/10/2024) E desta 1ª Câmara de Direito Público: EMENTA: PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE LIMINAR C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO. AUSÊNCIA DE DESPACHO DE ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS E DE ANÚNCIO DO JULGAMENTO ANTECIPADO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. ERROR IN PROCEDENDO. MATÉRIA QUE NÃO É EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA ANULADA, COM DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO. CASO EM EXAME Apelação interposta por menor impúbere, representado por sua genitora, em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação de obrigação de fazer com pedido de liminar c/c indenização por danos morais ajuizada pelo autor em desfavor do Município de Acopiara e do Estado do Ceará. No caso, consta na inicial que o autor, que contava 03 (três) anos de idade à época do ajuizamento da ação, nasceu com uma comorbidade denominada pé torto congênito bilateral (CID 10 Q668). Relata que, desde o nascimento do autor, há a indicação para a realização de cirurgia e de acompanhamento clínico com médico ortopedista pediátrico. Prossegue aduzindo que a genitora da criança diligenciou junto ao Município demandado logo após o nascimento do infante para que este recebesse a assistência necessária, contudo a Administração Pública levou 06 (seis) meses apenas para cadastrar o autor na Central de Regulação. Assevera que, apesar de estar cadastrado na Central, nenhum outro procedimento foi adotado, já tendo decorrido, à época da propositura da ação, mais de 02 (dois) anos sem que o autor tivesse sido submetido à cirurgia, nem mesmo a uma consulta. Alega ainda que a criança vem sofrendo bullying em decorrência de seus pés tortos. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em verificar se há, ou não, nulidade na sentença de primeiro grau, por cerceamento de defesa, em razão de ter sido realizado julgamento antecipado em causa que não é unicamente de direito, sem que tivesse havido despacho de especificação de provas ou anúncio do julgamento antecipado. RAZÕES DE DECIDIR No caso, em que pese já tenha sido satisfeita a obrigação de fazer (realização da cirurgia do autor, em cumprimento de decisão de antecipação de tutela), a matéria relacionada a possíveis danos morais sofridos pelo autor (menor impúbere), em decorrência da suposta demora no tratamento médico e na realização da cirurgia. não é exclusivamente de direito. Em que pese o autor não tenha pugnado expressamente pela produção de provas, pode-se inferir da leitura da inicial, conforme vislumbrou o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, que o autor pretendia produzir prova pericial. Por outro lado, o art. 370 do CPC possibilita ao juiz determinar, de ofício, as provas necessárias ao julgamento. "O juiz que promove julgamento antecipado do mérito por desnecessidade de outras provas não pode proferir sentença de improcedência por insuficiência de provas". Precedentes do TJCE. Tendo em vista a existência de prejuízo à parte autora, impende que seja provido o recurso, declarando-se a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa (error in procedendo), e determinando-se o retorno dos autos à primeira instância, para que seja realizada a instrução processual. DISPOSITIVO Apelação conhecida e provida. Sentença anulada, com determinação de remessa dos autos ao Juízo de origem, para regular processamento do feito. (APELAÇÃO CÍVEL - 02008559420228060029, Relator(a): JOSE TARCILIO SOUZA DA SILVA, 1ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 17/12/2024) Ementa: PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. AUSENTE DESPACHO DE SANEAMENTO. CONFIGURAÇÃO DE DECISÃO SURPRESA. ERRO DE PROCEDIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta pelo exequente, em face da sentença que extinguiu, sem resolução do mérito, a ação de execução fiscal, por ausência de interesse de agir, nos termos do art. 485, VI, do CPC. II. Questão em discussão 2. Analisar se correta a extinção da presente execução fiscal por ausência de interesse de agir. III. Razões de decidir 3. A prolação da sentença sem o devido despacho saneador, previsto no art. 357 do CPC, configura decisão surpresa, vedada pelo ordenamento jurídico (arts. 9º e 10 do CPC), em afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes. 4. Diante do erro de procedimento observado, a sentença de primeiro grau deve ser anulada. IV. Dispositivo 5. Apelação conhecida e provida. Sentença anulada. Retorno dos autos à origem, para prosseguimento da execução fiscal. (APELAÇÃO CÍVEL - 00149128820198060035, Relator(a): INACIO DE ALENCAR CORTEZ NETO, 1ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 11/03/2025) Nessa esteia, promovendo-se o reexame obrigatório da matéria posta em deslinde, é o caso de reconhecer a existência de malferimento das normas processuais, com relevo o art. 357 do CPC, em matéria que exige a produção de provas para a prolação de decisão meritória da lide, restando evidenciada a nulidade do feito. O provimento da remessa necessária torna prejudicado o recurso de apelação manejado pela parte então sucumbente, bem como o mérito dos embargos de declaração. Ante aos fundamentos fáticos e jurídicos apresentados, CONHEÇO dos Embargos de Declaração sub examine, para, de ofício, reconhecer omissão quanto a análise da Remessa Necessária, sanando o referido vício detectado, com efeitos infringentes, para declarar a nulidade da sentença de origem, determinando o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, para o regular processamento do feito, dando por prejudicada a apelação e o mérito dos aclaratórios. É como voto. DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO Relator
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