Processo nº 1010881-18.2023.8.11.0006
ID: 319686060
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1010881-18.2023.8.11.0006
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SANDRO LUIZ CARDOSO
OAB/SC XXXXXX
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CARLOS EDUARDO VILARINS GUEDES
OAB/RO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL NÚMERO ÚNICO: 1010881-18.2023.8.11.0006 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) ASSUNTO: [TRÁFICO DE DROGAS E CONDUTAS AFINS, ASSOCIAÇÃO PARA A …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL NÚMERO ÚNICO: 1010881-18.2023.8.11.0006 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) ASSUNTO: [TRÁFICO DE DROGAS E CONDUTAS AFINS, ASSOCIAÇÃO PARA A PRODUÇÃO E TRÁFICO E CONDUTAS AFINS] RELATOR: DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA] Parte(s): [JOSE PEDRO DE SOUZA RAMOS - CPF: 641.404.402-44 (APELANTE), CARLOS EDUARDO VILARINS GUEDES - CPF: 940.717.212-00 (ADVOGADO), SANDRO LUIZ CARDOSO - CPF: 605.151.399-04 (ADVOGADO), ALEXANDRE FRANCISCO - CPF: 351.075.372-00 (APELANTE), ANA LIDIA DA SILVA - CPF: 753.694.002-53 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D à O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO DOUTO REVISOR, DESEMBARGADOR JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, ACOMPANHADO PELO DOUTO VOGAL, DESEMBARGADOR PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA. VENCIDO O EMINENTE RELATOR, DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO QUE DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS INTERESTADUAL E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO INTERESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTE. PRETENSA ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. PROVA INSUFICIENTE. PENA READEQUADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Caso em exame: Apelação criminal interposta contra sentença que condenou os réus pela prática dos crimes de tráfico de drogas interestadual e associação para o tráfico. A defesa requereu a absolvição quanto ao crime de associação, sob o fundamento de ausência de provas da estabilidade e permanência da associação entre os agentes. Questão em discussão: 2. A questão em discussão consiste em saber: (I) se as provas produzidas nos autos são suficientes para a condenação pelo crime de associação para o tráfico, nos termos do art. 35 da Lei n. 11.343/2006; (II) se está demonstrada a estabilidade e permanência da união entre os réus para fins de cometimento de tráfico de entorpecentes. Razões de decidir: 3. A autoria e materialidade do tráfico interestadual restaram comprovadas pelo flagrante, laudos periciais, depoimentos dos policiais e demais elementos probatórios. 4. No entanto, para a configuração do crime de associação para o tráfico, exige-se a comprovação da estabilidade e permanência da associação criminosa, o que não se verificou nos autos. 5. As provas apontam para uma associação episódica, com início apenas três dias antes da prisão em flagrante, sem demonstração de vínculo duradouro. 6. A ausência de elementos que comprovem a perenidade do liame associativo impõe a absolvição com base no art. 386, VII, do CPP. 7. Readequada a dosimetria da pena, mantendo-se a condenação pelo tráfico interestadual, com exclusão do crime de associação para o tráfico. IV. Dispositivo e tese: 5. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Teses de julgamento: "1. Para a configuração do crime de associação para o tráfico, exige-se a demonstração de vínculo estável e permanente entre os agentes, não sendo suficiente a atuação ocasional ou episódica." "2. A insuficiência de provas da estabilidade e permanência do vínculo associativo impõe a absolvição nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal." "3. Comprovada a autoria e materialidade do tráfico interestadual, deve ser mantida a condenação nesse ponto." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 386, VII. Lei n. 11.343/2006, arts. 33, caput, c/c art. 40, V, e art. 35. Jurisprudências relevantes citadas: STJ - AgRg no HC 537763/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 09.06.2020, DJe 18.06.2020. STJ - AgRg no HC 814817/RJ, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, j. 16.10.2024, DJe 04.11.2024. TJMT, NU 1002278-87.2022.8.11.0006, Rel. Des. Luiz Ferreira da Silva, 3ª Câmara Criminal, j. 30.11.2023. TJMT, NU 1001926-45.2025.8.11.0000, Rel. Des. Hélio Nishiyama, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, j. 03.04.2025, DJE 11.04.2025. STF - ARE 1483822/MG, Rel. Presidente, j. 14.06.2024, DJe 18.06.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (RELATOR): Egrégia Câmara: Cuida-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por Alexandre Francisco e José Pedro De Souza Ramos, pretendendo a reforma da sentença proferida pelo Juiz de Direito da Quarta Vara Criminal da Comarca de Cáceres/MT, que os condenou (id. 229474253), nos seguintes termos: a) CONDENO o acusado José Pedro de Souza Ramos, como incurso nas sanções previstas no artigo 33, caput e artigo 35, caput, c/c artigo 40, inciso V, todos da Lei Federal nº 11.343/06, na forma do artigo 69 do Código Penal, as penas de 15 (quinze) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, assim como 1.967 (um mil, novecentos e sessenta e sete) dias-multa, em regime inicial fechado. b) CONDENO o acusado Alexandre Francisco, como incurso nas sanções previstas no artigo 33, caput e artigo 35, caput, c/c artigo 40, inciso V, todos da Lei Federal nº 11.343/06, na forma do artigo 69 do Código Penal, as penas de 15 (quinze) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, assim como 1.967 (um mil, novecentos e sessenta e sete) dias-multa, em regime inicial fechado. Inconformados Alexandre Francisco e José Pedro De Souza Ramos interpuseram recurso de apelação criminal (id. 229474258 e 229474268). Nas razões recursais, suscitaram às seguintes preliminares: a) O reconhecimento e declaração de AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – FUNDADA SUSPEITA para abordagem, busca pessoal e veicular, em face de que toda a prova produzida pelo reitor da portal acusatória se ESTRIBADA EM NERVOSIMO e CONTRADIÇÕES dos suspeitos; a.1.) Reconhecer e declarar a violação dos limites de jurisdição da PRF e sua ilegitimidade de atuação no perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos-MT em face de que não houve perseguição e ausentes os fundamentos da prisão em flagrante pelos componentes da GUPRF; a.2.) Reconhecer e declarar que GUPRF e seus integrantes SÃO SUSPEITOS (e declarar a ilicitude desta prova) em face de que inventaram uma fuga dos Recorrentes e consequente perseguição; tendo omitido a “prisão” de Paulo Racine Farias de Assunção que conduzia o Corola OAN 9G13 e potencial alvo dos heróis das estradas; a.3.) Reconhecer e declarar o prejuízo à defesa causado pela omissão do fato que PAULO RACINE FARIAS DE ASSUNÇÃO foi abordado e retido no Posto PRF e depois noutros lugares; em clara PERDA DE UMA CHANCE PROBATÓRIA; b) o Reconhecimento e declaração das NULIDADES apontadas e afetas à VIOLAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA dos telefones e dos pacotes apreendidos e apresentados na sede da Polícia Federal, e, b.1.) o desentranhamento do AUTO DE EXTRAÇÃO DE DADOS E ANÁLISE DE TELEFONES APREENDIDOS, declarando a imprestabilidade da “prova” nele consignada e a vedação de uso da mesma para fundamentar a decisão haja vista que a extração não ocorreu em respeito à ISO 27037 que estabelece normas técnicas para extração de dados; b.1.1.) Reconhecer e declarar o cerceamento de defesa decorre da supressão da INTEGRALIDADE DO CONTEÚDO supostamente existente nos acessos moveis examinados; bem como, o USO SELETIVO E PARCIAL de conteúdo de interesse da acusação sem disponibilizar os “áudios transcritos” usados para a defesa sobre eles se pronunciar; determinando o desentranhamento do AUTO DE EXAME DE CELULAR e DADOS dos Autos Processuais e tornando imprestável seu conteúdo como meio de prova da autoria. b.1.2) Reconhecer e declarar a imprestabilidade da prova supostamente extraída dos acessos moveis apreendidos em decorrência que os mesmos foram invadidos pela GUPRF entre o período do desapossamento (19h dia 23.10) até apresentação na sede da Policia Federal por volta da 07h do dia 20.10.2023; período este em que os equipamentos eletrônicos foram manipulados pelos policiais sem observância das disposições de tratamento das evidencias com observância da cadeia de custódio com registro de todas as suas etapas; b.2.) o desentranhamento dos LAUDOS DE CONSTAÇÃO PRELIMINAR E LAUDO QUIMICO DEFINITIVO, em face de que os pacotes apresentados para perícias NÃO ERAM OS MESMOS que FORAM APRESENTADOS NAS IMAGENS GRAVADAS PELOS PRFs por ocasião da abordagem; b.2.1) Reconhecer e declarar a imprestabilidade dos laudos, eis que NULO, diante de que o ato foi praticado em desrespeito a formalidades legais referente ao tamanho da amostra a ser periciada para fins de assegurar confiança no seu resultado. (NÃO DESCREVE O PROCEDIMENTO PELO QUAL CHEGOU AO RESULTADO, apenas indica que exames foram realizados). No mérito, requereram: c) ABSOLVIÇÃO referente à acusação de TRÁFICO DE ENTORPECENTES em face de que NÃO RESTOU COMPROVADA A MATERIALIDADE, eis que, a NORMA TÉCNICA que regula o procedimento pericial não foi observada e a amostra ínfima utilizada não se presta a produzir certeza da existência da substância proscrita em todos os pacotes apresentados; c.1.) Acaso não seja o entendimento desta Câmara Criminal pela ABSOLVIÇÃO, requer se o reconhecimento da presença dos requisitos para aplicação das disposições legais afetas ao Artigo 33, § 4ºš da Lei 11.340/2006 (tráfico privilegiado) e aplicação do redutor em 2/3 (dois terços) da pena cominada ao crime de tráfico; d) Afastamento da causa de aumento prevista no artigo 40, V da lei que trata sobre crimes afetos aos entorpecentes em face de que, “ad argumentandum tantum” a GUPRF, com a omissão de informar a existência de outras pessoas suspeitas e, sendo certo que Paulinho Assunção ingressou com seus pertences no veículo, já no estado do Mato Grosso, não há como se imputar essa causa afeta ao trafico interestadual, haja vista a PERDA DA CHANCE PROBATÓRIA COM LIBERAÇÃO DOS IRMÃOS ASSUNÇÃO, os quais poderiam esclarecer os fatos; e) ABSOLVIÇÃO dos Recorrentes em relação à condenação pelo crime de associação para o tráfico em face de que o Estado não desincumbiu se do ônus de provar a estabilidade e permanência dos mesmos na senda criminosa e a sentença afronta a jurisprudência consolidada deste E. Tribunal e Cortes Superiores. f) Em caso de manutenção da condenação, no todo ou em parte, requer se o acolhimento das razões afetas à dosimetria das penas; bem como, aquelas afetas à pena pecuniária. g) A revogação da prisão preventiva mantida em sentença sem apontamento de motivos atuais e necessidade; Em contrarrazões o Ministério Público requereu o improvimento do recurso, pugnando pela manutenção da sentença invectivada (id. 244779160). A douta Procuradoria Geral de Justiça, através da eminente Procuradora de Justiça Rosana Marra, manifestou pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso interposto, de forma a manter-se incólume a sentença proferida pelo Juízo a quo (id. 254175672), sintetizando com a seguinte ementa: “Recurso de apelação criminal. Sentença condenatória. Crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico (art. 33, caput e 35, caput c/c art. 40, V, todos da Lei nº 11.343/2006). Insurgência defensiva: Preliminares: 1. Suscita a nulidade da busca veicular ante a ausência de justa causa e a violação, pela PRF, de sua área de jurisdição. Improcedência. A abordagem policial e a busca veicular foram justificadas pela conduta dos Apelantes, que além de trafegarem em alta velocidade, se mostraram bastante nervosos com a abordagem e não souberam responder perguntas simples feitas pelos agentes policiais. 2. Reclama da quebra da cadeia de custódia dos telefones celulares e dos pacotes de drogas apreendidos, dizendo que os pacotes entregues à PF não são os mesmos apresentados na gravação da PRF. Improcedência. O reconhecimento da imprestabilidade ou inutilidade da prova em razão da quebra da cadeia de custódia requer prova segura dessa situação e, no caso, o que se tem são meras conjecturas, destituídas de qualquer elemento de prova a respaldar a alegação; não se vislumbra nenhuma ruptura dos procedimentos legais de manutenção e documentação da história cronológica das provas. 3. Suscita também cerceamento de defesa, em razão da supressão da integralidade dos conteúdos extraídos dos celulares. Improcedência. Foram feitas as degravações de áudios encontrados na busca exploratória do aparelho celular apreendido e relacionados ao caso investigado, sendo desnecessária a degravação de conversas aleatórias que em nada elucidam o caso. 4. Suscita ainda a perda de uma chance probatória pela negativa de oitiva da testemunha Paulo Racine Farias de Assunção. Improcedência. A prova requerida pela defesa durante audiência foi deferida pelo juízo, porém, a própria defesa desistiu de sua produção; se houve perda de uma chance probatória, ela se deu por ato da própria defesa e não por responsabilidade do Juízo. 5. Reclama também que o flagrante foi forjado pelos PRFs. Não conhecimento. Referida tese não foi submetida ao juízo singular, o que inviabiliza sua apreciação pela instância revisora, sob pena de supressão de instância; porém, não sendo esse o entendimento, o que se colhe dos autos é que não houve indução ao flagrante por parte dos policiais, pois o crime de tráfico já estava consumado quando a polícia encontrou as substâncias ilícitas. Parecer pela rejeição das preliminares. No Mérito, a defesa dos Apelantes sustenta: 1. tese absolutória por negativa de autoria, tendo por fundamento a fragilidade do conjunto probatório. Improcedência. Tanto a autoria, quanto a materialidade dos crimes imputados aos apelantes estão devidamente comprovadas pelos testemunhos judiciais e pelos relatórios produzidos durante a persecução penal; condenação que encontra respaldo no conjunto probatório dos autos. 2. Subsidiariamente, questiona a dosimetria da pena-base, pedindo a redução da fração de aumento pela negativação das circunstâncias judiciais. Improcedência. A fração de aumento adotada pelo Juízo a quo é proporcional e está alinhada ao entendimento do c. STJ. 3. Requer a aplicação da minorante do tráfico privilegiado. Improcedência. Os Apelantes foram condenados também pelo crime de associação para o tráfico, o que evidencia a dedicação habitual ao crime, um óbice claro à aplicação da minorante postulada. 4. Pugna também pelo afastamento da majorante da interestadualidade do tráfico. Improcedência. As provas existentes nos autos evidenciam que os apelantes transportavam substâncias ilícitas do estado de Rondônia para o estado de Mato Grosso. 5. Por fim, postula a revogação da prisão preventiva dos apelantes. Improcedência. Após a prolação da sentença condenatória, a defesa impetrou o Habeas Corpus nº 1016978-18.2024.8.11.0000 questionando a legalidade da prisão preventiva dos apelantes e, na oportunidade, este e. Tribunal denegou a ordem; assim, não havendo fato novo, se torna inviável a revogação da prisão preventiva dos Apelantes. Parecer pelo desprovimento do recurso.” É o relatório. PARECER ORAL EXMO. SR. DR. ANTÔNIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE (PROCURADOR DE JUSTIÇA): Ratifico, na íntegra, o parecer escrito. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO SANDRO LUIZ CARDOSO, OABSC 11937. V O T O EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Preliminarmente, os apelantes pugnaram pelo reconhecimento da ilicitude das provas obtidas por meio da abordagem pessoal e da busca veicular, sob alegação de ausência de justa causa e a violação, pela Polícia Rodoviária Federal, de sua área de jurisdição. Narrou a exordial acusatória que: “Imputando-lhes a prática da conduta delituosa a seguir detalhada: FATO I – TRÁFICO DE DROGAS INTERESTADUAL: No dia 19/10/2023, por volta das 13h30(MT), em via pública, na Avenida São Paulo, neste município de São José dos Quatro Marcos, os denunciados José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco com a vontade livre e consciente de sua conduta, transportaram a quantia de 10,255 (dez vírgula e duzentos e cinquenta e cinco) kilogramas de pasta base de cocaína, e 189,95 (cento e oitenta e nove vírgula e noventa e cinco) kilogramas de maconha para fins de comercialização, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, com destino a outro Estado da Federação (Rondônia a Mato Grosso), conforme o Laudo Preliminar de Constatação IPL N° 2023.0088213 – DPF/CAE/MT(Págs. 45-51), e Laudo de Perícia Criminal Federal Nº 836/2023.SETEC/SR/PF/MT (Págs.108-119), e Termo de Apreensão n.º 4279859/2023-DPF/CAE/MT. FATO II – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS: Consta do inquérito policial em epígrafe que nas mesmas condições de tempo e local do fato anterior, os denunciados José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco em conluio e união de esforços, conscientemente e dolosamente, associaram-se para o fim de praticarem crimes de tráfico de drogas entre Estados da Federação, sendo Estados de Rondônia e Estado de Mato Grosso. III. HISTÓRICO DOS FATOS: Nas circunstâncias acima mencionadas, a equipe Policial Rodoviária Federal realizava fiscalização de rotina em frente a sua unidade operacional (BR-174, KM 294 em Pontes e Lacerda-MT), ocasião em que o denunciado José Pedro de Souza Ramos conduzindo veículo automotor TOYOTA HILUX CDSR A4FD, de cor cinza, Placa: QT11A26A, tendo como passageiro o denunciado Alexandre Francisco, passou em alta velocidade por aquela unidade policial, ocasião em que os agentes públicos iniciaram um acompanhamento tático, no entanto, os denunciados não obedeceram à ordem e empreenderam fuga em alta velocidade. Por conseguinte, os agentes públicos continuaram as perseguições, todavia, os perderam de vista. Nesse meio tempo, obtiveram informações de que o veículo automotor em que os denunciados empreenderam fuga estava nesta urbe, com isso lograram êxito em detê-los nesse município de São José dos Quatro Marcos-MT. Durante o procedimento de abordagem, os denunciados não souberam explicar aos policiais o motivo da viagem, se mostraram nervosos e prestaram informações desconexas, razão pela qual foi efetuada vistoria minuciosamente no interior do veículo, oportunidade em que localizou uma quantidade exorbitante de 189 (cento e oitenta e nove) tabletes de drogas escondidas em 03 (três) caixas de isopor e 2 (duas) malas, os entorpecentes estavam embalados em sacos de plásticos, perfazendo em 200,205 (duzentos vírgula e duzentos e cinco) kilogramas de entorpecentes[1]. Diante da flagrante situação de tráfico de drogas, foi dada voz de prisão aos denunciados, os quais foram conduzidos para Delegacia de Polícia Civil, com todo material apreendido no veículo vinculado. Dias anteriores ao início da jornada criminosa, que seria o transporte interestadual dos entorpecentes, eles começaram os preparativos para a viagem. Ambos foram ao médico solicitar atestados, com intuito de serem dispensados do serviço nos dias seguintes, os quais estariam realizando o deslocamento com a droga. Além disso, alugaram um veículo semelhante às viaturas descaracterizadas da frota da Polícia Civil do Rondônia, com intuito de utilizarem história de cobertura em possíveis barreiras policiais nas rodovias, de tal modo que levaram inúmeros documentos internos da polícia civil para corroborar a narrativa criada. No mais, utilizavam-se de equipamentos ostensivos da Polícia Civil para que visualmente aparentassem estar em uma missão oficial da corporação, pois, no momento da prisão em flagrante, ambos se apresentavam fardados, inclusive, utilizando colete balística com brasão da PC/RO, além de equipamento luminoso (sirene). Ademais, é mister citar que os denunciados eram policiais civis e foram aplicados diversos conhecimentos técnicos-policiais pela dupla presa. Destaca-se que tais conhecimentos foram utilizados de forma totalmente contrária a finalidade que foram criados, já que o conhecimento policial foi aplicado por “policiais” contra a própria polícia. À guisa de arremate, a materialidade do crime encontra-se sobejamente demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID n.º134539098), Boletim de Ocorrência da Polícia Rodoviária Federal (ID n.º 134539089), Termo de Apreensão n.º 4279859/2023-DPF/CAE/MT, Laudo Preliminar de Constatação IPL N.º 2023.0088213 – DPF/CAE/MT (ID n.º 134539089), pelos Depoimentos dos Policiais Rodoviários Federais (Págs. 11-15), Termo de Interrogatório dos Réus, e de Audiência de Custódia, Laudo de Perícia Criminal Federal (ID n.º 134539089 -Págs. 111- 122), Laudo Pericial Criminal Federal (BALÍSTICA) – Págs. 167-183, Relatório de Extração de Dados Nº 22/2003 – Págs. 184-189, Relatório de Informação de Polícia Judiciária Federal – Págs. 197-222, Relatório Final Nº5056483/2023/2023.0088213 – DPF/CAE/MT. Há indícios suficientes de autoria que autorizam a propositura da ação penal, tendo em vista as provas angariadas nos autos[2]. Portanto, resta incontroverso, que dos elementos produzidos no inquérito policial, especialmente apreensão do material entorpecente, com as circunstâncias do flagrante delito comprovam a materialidade e autoria do crime objeto desta exordial acusatória. Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por sua agente signatária, oferece DENÚNCIA em desfavor de JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS e ALEXANDRE FRANCISCO como incurso nas sanções do artigo 33, caput, e art.35, c/c art. 40, inciso V, todos da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), nos termos do artigo 69 do Código Penal (concurso material) ...” (id. 229470230). Pois bem. Emerge doas autos que no dia 19 de outubro de 2023, por volta das 13h30min., na Avenida São Paulo, em São José dos Quatro Marcos/MT, os Apelantes transportavam 10,255kg de pasta base de cocaína, e 189,95kg de maconha, bem como se associaram para o fim de praticar crimes de tráfico de drogas na região. Consta dos depoimentos dos policiais rodoviários federais Iago Vicente Araújo e Silva e Bruno Ribeiro de Araújo, a seguinte dinâmica da abordagem (id. 229474254): (…) estavam em fiscalização de rotina e enquanto realizavam algumas abordagens o veículo HILUX passou numa velocidade não considerada compatível com a segurança de todos que estão no local. Assim, quando terminaram de realizar a abordagem, pegaram a viatura e deslocaram para tentaram acompanhar o veículo, contudo, não conseguiram, não mais o avistou, razão pela qual solicitaram ao posto da PRF de Cáceres para que realizasse a abordagem do veículo. Decorrido a média de tempo de deslocamento entre um posto e outro, foram avisados que o veículo não passou, o que elevou a suspeita da equipe. (…) que a partir da notícia, iniciaram as rondas entorno da região para ver se conseguia avistar o veículo e prosseguir com a abordagem e foi só em São José dos Quatro Marcos que a equipe conseguiu fazer a abordagem. E, logo que abordaram os suspeitos, estes se identificaram como Policiais Civis do Estado de Rondônia, o que causou estranheza na equipe devido à distância entre Estados, então aqueles disseram que iriam à festa do queijo que teria na região, porém não sabia os detalhes do evento, se apresentavam extremamente nervosos com a abordagem, desconfortáveis. Ato seguinte, foi pedido para que abrissem a parte de trás da HILUX para verificação, momento em que foram avistadas as caixas de isopor e bolsas e, perguntado o que tinha dentro das bolsas, não souberam responder, razão pela qual a equipe procedeu com a busca no veículo, sendo encontrados alguns invólucros de substância análoga a Skank na mala. (…).” Portanto, a busca veicular foi realizada em face da atitude suspeita dos Apelantes, ocasião em que passaram pelos agentes públicos em velocidade superior à permitida para o local, bem como conforme declarações dos policiais estavam bastante nervosos e não souberam responder perguntas simples feitas pelos agentes, de modo que a ação não se deu de maneira infundada. Naquilo que concerne à revista pessoal, é importante registrar que de acordo com o artigo 240, §2º, do Código de Processo Penal, “proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior”. Assim sendo, a busca pessoal poderá ser realizada para, dentre outros objetivos, descoberta de objetos necessários à comprovação de prática delitiva ou de qualquer elemento de convicção. Acrescente-se a este ponto a disposição do artigo 244 da Lei Processual Penal: “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”. Atentos aos vários pontos trazidos neste recurso entendem necessário destacar brilhante posicionamento doutrinário acerca das motivações aptas a autorizarem a busca pessoal, pois “há que se pontuar, também, a necessidade de se conter atuações seletivas (escolhas arbitrárias de determinadas pessoas) do aparelho estatal, muitas vezes acobertadas por juízos discriminatórios e inconfessáveis. É dizer: deve a autoridade policial se encontrar apta a justificar a sua atuação, no âmbito de sua corporação, e ao nível do estrito cumprimento do dever legal” (FISCHER, Douglas; PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. Disponível em: Grupo GEN, (12th edição). Grupo GEN, 2020, p. 611). O Superior Tribunal de Justiça entende que “A busca veicular não necessita de mandado judicial, sendo válida desde que realizada com fundada suspeita” (AgRg no HC n. 884.607/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas). Neste sentido: Direito processual penal. Habeas corpus. Conversão de prisão em flagrante em preventiva. Pretendida a concessão de liberdade aos pacientes, com arguição de nulidade da busca veicular que precedeu a prisão em flagrante. Parcial inadmissão do writ. No mérito, improcedência. Ordem parcialmente extinta sem análise do mérito e, na extensão admitida, denegada. I. Caso em exame 1. Impetração de habeas corpus contra decisão que converteu em preventiva a prisão em flagrante dos pacientes, à custa da suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação ao narcotráfico, com arguição de nulidade da prisão em flagrante e de todas as provas dela decorrentes, dada alardeada ilegalidade contida na atuação policial. II. Questão em discussão 2. São duas as questões em discussão: (i) conferir a idoneidade da prisão em flagrante dos pacientes; e (ii) verificar a legalidade da prisão preventiva posteriormente imposta. III. Razões de decidir […] 5. Ressalvadas as hipóteses em que o automóvel é utilizado para fins de habitação, equipara-se a busca veicular à busca pessoal, sem exigência de mandado judicial, sendo suficiente a presença de fundada suspeita de crime. 6. Além disso, com a homologação da prisão em flagrante e sua conversão em custódia preventiva, restam superadas eventuais nulidades ocorridas no flagrante, eis que há novo título para justificar a segregação cautelar. IV. Dispositivo e tese 7. Habeas corpus parcialmente extinto sem exame do mérito e, na extensão admitida, denegada ordem. Tese de julgamento: “Inadmitido parcialmente o habeas corpus, sob pena de ofensa à autoridade da coisa julgada, uma vez que já ratificada por esta eg. Corte de Justiça a idoneidade da prisão preventiva imposta aos custodiados, a análise de sua extensão remanescente, na qual se pretende ver aprofundada a discussão concernente à autoria delitiva, bem como reconhecida a alardeada nulidade da prisão em flagrante dos pacientes, conduz à denegação da ordem, atendidos os limites cognitivos do remédio heroico e constatada a inexistência de qualquer flagrante ilegalidade a ser reconhecida in casu.” […] (N.U 1027999-88.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 30/10/2024, Publicado no DJE 04/11/2024). Lado outro, ressalta-se que a Polícia Rodoviária Federal possui atribuição constitucional para realizar o patrulhamento ostensivo, executar operações relacionadas à segurança pública, objetivando a preservação da ordem, incolumidade das pessoas, razão pela qual podem/devem realizar abordagem de rotina em qualquer condutor, em via pública, levando a possível busca pessoal e veicular, assim como se deu no caso em análise. No tocante ao argumento de que a Polícia Rodoviária Federal violou sua área de jurisdição, tem-se que a Polícia Rodoviária Federal tem sob sua responsabilidade a segurança viária, a prevenção e a repressão qualificada de crimes em rodovias e estradas federais, em todos os estados brasileiros, e nas áreas de interesse da União. Contudo, verifica-se dos autos que a atuação da Polícia Rodoviária Federal no presente caso iniciou-se no km 294 da BR 174, onde o veículo com os Apelantes passou pela unidade policial em alta velocidade, sendo possível a abordagem apenas no perímetro urbano da cidade de São José dos Quatro Marcos/MT, depois de perseguirem o veículo dos apelantes. Nesse contexto, como esclarecido na sentença, a atuação policial foi atípica, “uma vez que a Polícia Rodoviária Federal deu início às diligências após entender suspeita e temerosa a direção do veículo dos denunciados em rodovia federal, vislumbrando possível caso de violação administrativa de trânsito ou de ilícito penal, e sua atuação apenas se estendeu até a área urbana por estarem no encalço do veículo investigado.” Frisa-se que o policiamento preventivo e ostensivo, “a fim de salvaguardar a segurança pública, é dever constitucional” (STF, Ag. Reg. no RHC nº 229514/PE – Relator: Min. Gilmar Mendes – 2.10.2023). Ademais, não há nos autos qualquer motivo para se duvidar do depoimento dos policiais, haja vista que não há qualquer indício que possa indicar que tivessem interesse em alterar a verdade dos fatos, ausente razão para que buscassem deliberadamente prejudicar os apelantes. Portanto, não há que se falar em ilegalidade na busca veicular, conquanto existiam fundadas suspeitas que autorizavam a revista veicular. Como se pode perceber, em atenção ao teor dos depoimentos apresentados, nota-se que havia fundadas razões que justificaram a busca veicular. Neste sentido, recente julgado Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante: “PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. BUSCA PESSOAL/VEICULAR. BUSCA DOMICILIAR. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA ANÔNIMA ESPECIFICADA. EXERCÍCIO REGULAR DA ATIVIDADE INVESTIGATIVA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEVADA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A prolação de decisão unipessoal pelo Ministro Relator não representa violação do princípio da colegialidade, pois está autorizada pelo art. 34, inciso XX, do Regimento Interno desta Corte em entendimento consolidado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça por meio do enunciado n. 568 de sua Súmula. 2. A teor do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. A busca pessoal/veicular é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto. 3. No caso, a ação policial se baseou em informações concretas e precisas acerca da prática do crime de tráfico pelo paciente, contando inclusive com o endereço onde eram guardados os entorpecentes, a partir do que a diligência levada a termo culminou na apreensão, com o paciente, de uma porção de cocaína. No veículo, foi localizada uma conta de água e chaves, relativas ao endereço mencionado na denúncia anônima. Por sua vez, no imóvel indicado, foram encontrados 10 tijolos de maconha (8 inteiros e duas metades), 1 tijolo de cocaína e mais 03 porções da mesma droga, bem como balança, peneira, facas, assadeira e uma quantidade considerável de munições (49 quarenta e nove) de calibre 12. 4. De tal modo a denúncia anônima foi minimamente confirmada, sendo que a busca pessoal/veicular (revista) e a busca domiciliar traduziram em exercício regular da atividade investigativa promovida pela autoridade policial, o que justificou a abordagem após a confirmação das informações relatadas na denúncia apócrifa. 5. Por fim, Afastada qualquer flagrante ilegalidade, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático/probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal (HC 693.758/MT, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 15/12/2021). 6. Agravo regimental improvido.” (STJ - AgRg no HC: 831827 SP 2023/0208451-7, Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 27/06/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/06/2023). Não se pode olvidar, ademais, que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, nos termos do artigo 303 do Código de Processo Penal. Vejamos jurisprudências aplicáveis em casos tais: “APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGA – TRÊS ACUSADOS – DOIS ACUSADOS CONDENADOS E OUTRO ABSOLVIDO – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL E DEFENSIVA –1. PRELIMINAR DEFENSIVA DE UM APELANTE – NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS ATRAVÉS DE BUSCA DOMICILIAR – INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO – DESCABIMENTO – DILIGÊNCIA POLICIAL – PRESENÇA DE JUSTA CAUSA – ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – SERENDIPICIDADE – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO – 2. (...) CONDENAÇÃO MANTIDA – PRELIMINAR REJEITADA E, NO MÉRITO, RECURSO MINISTERIAL PROVIDO E RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO, DE ACORDO COM O PARECER DA D. PGJ. 1. Válida a busca domiciliar, ante a existência de justa causa advinda de perseguição de pessoa em fuga, o qual estava se homiziado na residência da Apelante, não podendo ser em casos tais, consideradas ilícitas as provas do crime de tráfico de drogas no local encontradas fortuitamente, em respeito ao fenômeno da serendipicidade. 2. (...) (N.U 1002234-72.2022.8.11.0037, Câmaras Isoladas Criminais, Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 15/02/2023, Publicado no DJE 07/03/2023). "RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL –TRÁFICODEDROGAS – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – NULIDADE DABUSCAPESSOALREALIZADA E DEMAIS ATOS POSTERIORES – ABSOLVIÇÃO COM FULCRO NO ARTIGO 386, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – 1. LEGALIDADE DASBUSCASPESSOALE DOMICILIAR – PROCEDÊNCIA – AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL À INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE – EXISTÊNCIA DEFUNDADASSUSPEITASQUE AUTORIZARAM A REVISTAPESSOALE POSTERIOR INGRESSO NO IMÓVEL – IMPERIOSA REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA ANÁLISE DO MÉRITO PROCESSUAL – 2. PREQUESTIONAMENTO NAS CONTRARRAZÕES RECURSAIS – APELO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Afasta-se a declarada nulidade da abordagem e busca pessoal, uma vez que esta foi feita nos moldes dos artigos 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal, por haver fundadas suspeitas de que o apelado estaria comercializando drogas, revelada pela denúncia prévia, sendo declinado o endereço que estava ocorrendo a mercancia de entorpecentes, e, constatada a mesma situação apontada ao localizar o réu em frente à residência, o qual empreendeu fuga para o interior daquela quitinete com a aproximação da equipe policial, ocasião em que foi realizado seu acompanhamento e apreendidas porções de cocaína e maconha, além de apetrechos comumente utilizados no comércio malsão [balança de precisão, rolos de filme plástico, recipiente com resquícios de drogas, numerário]; (...) (N.U 0034956-69.2019.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Não Informado, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 06/03/2024, Publicado no DJE 10/03/2024). Portanto, considerando que no caso concreto havia justa causa para a abordagem e busca veicular, deve-se levar em consideração a perpetuidade do estado de flagrância dos delitos de tráfico de entorpecentes, bem como a desnecessidade de mandado de busca e apreensão. Por tais fundamentos, REJEITO a preliminar suscitada, por não vislumbrar situação de ilegalidade apta a tornar ilícitas as provas obtidas com a busca veicular realizada pelos agentes. PRELIMINAR – DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA Os Apelantes reclamam também de quebra da cadeia de custódia dos telefones e dos pacotes de drogas apreendidos, uma vez que os pacotes entregues na Polícia Federal supostamente não são os mesmos apresentados na gravação feita pela Polícia Rodoviária Federal. A tese sustentada pelos Apelantes não merece provimento. Explico. O artigo 158-A, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, assim estabelece: “Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.” Quanto aos entorpecentes, não há nenhum indício de desvio ou adulteração dos pacotes entregues à PF, porquanto, desde o momento da apreensão, eles foram devidamente discriminados no Boletim de Ocorrência (ID 229470218), como ilustra as imagens: Consta dos autos que foram apreendidos um total de 189 (cento e oitenta e nove) tabletes e todos foram encaminhados à delegacia da Polícia Federal de Cáceres para confecção do Laudo Preliminar de Constatação (id. 229470218). Referido laudo fez constar que todos os 189 tabletes foram divididos, conforme suas características, em 10 (dez) sacos plásticos, após a realização dos procedimentos preliminares descritos no laudo, ou seja, a mesma quantidade de substâncias ilícitas apreendidas em poder dos Apelantes. Foram apresentadas as seguintes imagens dos tabletes: Observa-se que é possível verificar que se trata dos mesmos tabletes de drogas apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal, apresentando as mesmas cores e tamanhos. Consta, ainda, dos autos que o momento da verificação do conteúdo das malas e isopores foi acompanhado pelos Policiais Militares atuantes na cidade de São José dos Quatro Marcos/MT, que fizeram o acompanhamento dos flagranteados e seus ilícitos até a unidade da Policial Rodoviária Federal em Cáceres/MT, não havendo qualquer indício de mácula na apreensão e manuseio do entorpecente. No tocante à suposta adulteração das informações contidas nos aparelhos móveis, como salientado na sentença, “não há qualquer demonstração idônea das alegações defensivas acerca da existência e uso do referido ‘aplicativo espião;’ ou da manipulação indevida das informações extraídas dos aparelhos celulares.” Ainda, verifica-se do termo de apreensão colacionado no id. 229470218, que foram apreendidos dois aparelhos celulares que foram devidamente lacrados, não tendo que se falar em qualquer manipulação de provas decorrentes da extração dos celulares. Por outro lado, para que se reconheça a imprestabilidade ou inutilidade da prova em razão da quebra da cadeia de custódia, não basta a simples alegação desacompanhada de provas aptas a respaldá-la, de que houve a ruptura dos procedimentos a serem observados na manutenção e documentação da história cronológica do vestígio. Assim, não havendo comprovação de adulteração ou desvio no caso em análise, inviável o reconhecimento da quebra da cadeia de custódia. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. 1. PRIMEIRA PRELIMINAR. NULIDADE DESTE PROCESSO POR INVASÃO DO DOMICÍLIO DA APELANTE SEM JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES DA PRÁTICA ILÍCITA. CRIME PERMANENTE. EXCEÇÃO À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. FUNDADAS RAZÕES DE FLAGRÂNCIA. REJEIÇÃO. 2. SEGUNDA PRELIMINAR. NULIDADE DA PROVA POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. ILICITUDE NÃO CARACTERIZADA. INTEGRIDADE DA PROVA. REJEIÇÃO. 3. TERCEIRA PRELIMINAR: TEORIA DA PERDA DA CHANCE PROBATÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. EXAME PRELIMINAR. COMPROVAÇÃO DA NATUREZA DAS DROGAS. LAUDO DEFINITIVO JUNTADO POSTERIORMENTE. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. 4. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO DOS APELANTES POR AUSÊNCIA DE PROVAS. INVIABILIDADE. COMPROVAÇÃO DO TRÁFICO. DEPOIMENTOS COERENTES DOS POLICIAIS. APREENSÃO DE VARIEDADE DE DROGAS E DINHEIRO TROCADO. CONDIÇÃO DE USUÁRIO DO APELANTE NÃO EXCLUI A TRAFICÂNCIA. 5. DOSIMETRIA. ALTERAÇÃO DAS PENAS INICIAIS DE FORMA PROPORCIONAL. VARIEDADE DAS DROGAS UTILIZADA NA TERCEIRA FASE. BIS IN IDEM. 6. NÃO INCIDÊNCIA DA MINORANTE DE TRÁFICO PRIVILEGIADO. PRÁTICA HABITUAL DO TRÁFICO. 7. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Demonstrado que houve denúncia anônima de tráfico, aliado a diligências preliminares, subsiste a justa causa para buscas pessoal e domiciliar realizadas, porquanto excepcionada nesses casos a inviolabilidade de ingresso nos bens particulares, para fazer cessar a situação de flagrância e a continuidade do cometimento de ilicitudes. 2. Se é possível concluir, do exame da prova, que ela permaneceu íntegra e confiável, não há que se reconhecer a nulidade decorrente da quebra da cadeia de custódia, tampouco a inexistência de materialidade delitiva. […] 7. Recurso parcialmente provido. (N.U 1001479-26.2022.8.11.0012, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 31/01/2024, Publicado no DJE 05/02/2024). Por fim, sabe-se que para a declaração de nulidade, se exige a comprovação do efetivo prejuízo sofrido pela defesa, em consonância com o princípio pas de nullite sans grief, consagrado no artigo 563 do Código de Processo Penal e no enunciado da Súmula n.º 523 do Supremo Tribunal Federal, o que não se demonstrou nos autos. Portanto, não há que se falar em quebra de cadeia de custódia; rejeito a preliminar arguida. PRELIMINAR – SUPRESSÃO DA INTEGRALIDADE DOS CONTEÚDOS EXTRAÍDOS DOS CELULARES Os apelantes preliminarmente, ainda, arguiram o cerceamento de defesa em razão da supressão da integralidade dos conteúdos extraídos dos celulares e violação da norma técnica para extração de dados. Entretanto, as degravações foram realizadas apenas dos áudios relacionados ao caso investigado no processo, por ser desnecessária a degravação da integralidade das conversas encontradas e que em nada contribuem para a elucidação do caso. Ademais, é sabido que, do universo de informações que se extrai de um aparelho telefônico, só é trazido aos autos o que se tem por pertinente e interessante para a investigação criminal, para não causar tumulto documental e preservar a intimidade do investigado; em momento algum foi negado à defesa o acesso ao inteiro teor dos dados extraídos dos aparelhos telefônicos dos acusados, que estão disponíveis na íntegra. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO – RECURSO DEFENSIVO – PRELIMINAR – NULIDADE DA BUSCA PESSOAL – INOCORRÊNCIA – FUNDADAS SUSPEITAS – LEGITIMIDADE DA AÇÃO POLICIAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – NEGATIVA DE ACESSO À INTEGRALIDADE DOS ÁUDIOS OBTIDOS NO CELULAR DO RÉU – INOCORRÊNCIA – PRELIMINARES REJEITADAS – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO – ATIPICIDADE DA CONDUTA – INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – DESCABIMENTO – MUNIÇÃO ENCONTRADA EM CONTEXTO DE TRAFICÂNCIA DE DROGAS – ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA – APLICAÇÃO DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – DESCABIMENTO – REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS – DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA – RECURSO DESPROVIDO. Não há falar em ilicitude da prova obtida por meio de busca pessoal quando baseada em juízo de probabilidade, com dados indicativos de que o réu estava na posse de drogas e realizava a venda do produto em uma boate, notadamente diante da existência de prévias informações do seu envolvimento com a traficância de entorpecentes. Inviável a declaração da nulidade das provas decorrentes dos áudios degravados no relatório policial, seja porque não houve interceptação telefônica no caso, mas apenas busca exploratória no celular apreendido em posse do réu, com autorização judicial, como porque o aparelho esteve à disposição da defesa, que não manifestou impossibilidade de acesso durante a instrução probatória. […] (N.U 1002735-21.2021.8.11.0050, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 01/10/2024, Publicado no DJE 04/10/2024). Dessa forma, rejeito a preliminar aduzida. PRELIMINAR – DA PERDA DE UMA CHANCE PROBATÓRIA Os apelantes sustentam, também, que houve a perda de uma chance probatória pela negativa em ouvir a testemunha Paulo Racine Farias de Assunção, que foi abordado e retido no Posto Polícia Rodoviária Federal e depois noutros lugares. A Defesa se refere à abordagem de outro suspeito e que a omissão de tal fato no boletim de ocorrência prejudicou os Apelantes. Contudo, conforme se extrai do termo da audiência de instrução (id. 229474238), a defesa dos Apelantes formulou, entre outros pedidos, a oitiva dessa testemunha; o respectivo pleito foi deferido pelo juízo, consignando que caberia à defesa fornecer, em prazo razoável, os dados da empresa locadora da Hilux, a qualificação e o endereço da testemunha referida, e aos dados (placa) do veículo Corolla de cor preta, para possibilitar a expedição dos ofícios. Não obstante, ainda durante a audiência, a defesa técnica desistiu das diligências requeridas e pugnou pelo encerramento da instrução, in verbis: “OCORRÊNCIAS Feito o pregão, a defesa concordou expressamente com o início da oitiva das testemunhas sem a presença dos acusados na sala virtual, devido ao atraso na apresentação dos presos para a audiência. Nos termos do artigo 521, VI, da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria do Tribunal de Justiça deste Estado ficam todos cientes de que os arquivos gravados desta audiência em, devem ser utilizados apenas para o presente feito e, ainda, da advertência acerca da vedação de divulgação não autorizada dos registros audiovisuais a pessoas estranhas ao processo. Antes da oitiva das testemunhas Policiais Rodoviários Federais, a defesa contraditou os referidos policiais, consoante manifestação gravada em áudio e vídeo. Foi colhida manifestação do Ministério Público e, nos termos do art. 214 do Código de Processo Penal, conforme decisão oral gravada em áudio e vídeo, foi consignada a contradita, mas tomado o compromisso dos PRFs, os quais foram ouvidos como testemunhas. Foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público: DPF Dr. Romero Ribeiro Raposo Filho; 3º Sgt PM Angelo Carvalho de Faria; Sgt PM Paulo do Carmo Lima; PRF Iago Vicente Pimentel e Silva; PRF Bruno Ribeiro de Araújo. A defesa desistiu das testemunhas Andrea de Souza Lima, Lanekerlyfe Reis Souza, Jussara de Sena Pinheiro, Mayre Medeiros da Silva Nascimento e Joaquim Costa de Oliveira. Foi oportunizado à defesa entrevista reservada com os réus, o que foi dispensado pelo advogado. Foram interrogados os réus Jose Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco. Após o interrogatório, o Ministério Público afirmou que não tem mais provas a produzir e pediu prazo para alegações finais escritas. A defesa requereu a produção das seguintes provas: 1) Requisição do histórico do GPS da Hilux placa QTI1A26; 2) Oitiva das testemunhas referidas “Paulo Assunção” e “Paulinho Assunção”; 3) A expedição de ofício à PRF para informar se na listagem informada há um veículo Corolla de cor preta. Pelo Magistrado foi informado que os pedidos seriam deferidos, mas que caberia à defesa fornecer, em prazo razoável, os dados da empresa locadora da Hilux, a qualificação e endereço das testemunhas referidas, e aos dados (placa) do veículo Corolla de cor preta, para possibilitar a expedição dos ofícios. A defesa pediu a palavra e formulou pedido de liberdade provisória dos acusados, gravado em áudio e vídeo, tendo o Ministério Público se manifestado contrário ao pedido; e o pedido foi indeferido pelo Magistrado. Logo após, a defesa pediu a palavra e desistiu dos pedidos formulados anteriormente, para que se encerre a instrução, e o Magistrado homologou a desistência, encerrando a instrução e concedendo prazo sucessivo às partes para alegações finais. A audiência foi encerrada às 18h31min. DELIBERAÇÕES Homologo a desistência das testemunhas Andrea de Souza Lima, Lanekerlyfe Reis Souza, Jussara de Sena Pinheiro, Mayre Medeiros da Silva Nascimento e Joaquim Costa de Oliveira. Quanto ao pedido de liberdade provisória formulado pela defesa, verifico que desde que foi proferida a decisão que decretou a prisão preventiva não houve qualquer alteração fático-jurídica processual que enseje a perda dos requisitos legais previstos no art. 312 e 313 do Código de Processo Penal e externados na referida decisão. Ademais, apesar dos predicados pessoais favoráveis dos acusados, “a expressiva quantidade e/ou variedade de drogas ensejam garantia da ordem pública para decretação ou manutenção de prisão preventiva”, consoante Enunciado 25 do TJMT e “encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”, consoante Súmula 52 do STJ, e no caso dos autos a acusação não tem mais provas a produzir, pendentes apenas as provas requeridas pela própria defesa nesta audiência, notadamente a oitiva de duas testemunhas referidas, mas que já eram do conhecimento da própria defesa desde a fase do flagrante. Portanto, pelos fundamentos já expostos na decisão que decretou a prisão preventiva, MANTENHO a prisão preventiva decretada nos autos. Com relação aos pedidos de prova formulados pela defesa após os interrogatórios, homologo a desistência superveniente. Declaro encerrada a instrução. Dê-se vista sucessiva ao Ministério Público e à Defesa para apresentar alegações finais por escrito, no prazo legal. Por fim, voltem os autos conclusos para prolação da sentença...” (id. 229474238). Logo, tal prova só não foi produzida em razão da própria defesa técnica ter desistido da sua produção. Ademais, “Uma vez existindo na ação penal elementos que demonstram a dinâmica dos fatos, é inviável o acolhimento da ‘Teoria da perda de uma chance’, pois não é necessário que a acusação produza todas as provas possíveis para que ocorra uma eventual condenação, mas aquelas suficientes para que o julgador, no caso, o Tribunal do Júri, possa se convencer da materialidade e autoria delitivas.” (N.U 0000020-45.2011.8.11.0059, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 15/05/2024, Publicado no DJE 16/05/2024). Assim, a preliminar deve ser rejeitada. PRELIMINAR – DO SUPOSTO FLAGRANTE FORJADO Ainda, em preliminar, os apelantes aduziram que o flagrante foi forjado pelos Policiais Rodoviários Federais. Salienta-se que tal tese não foi submetida ao juízo singular, o que inviabiliza sua apreciação pela instância revisora sob pena de supressão de instância. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. 1. PRELIMINARES DE NULIDADE: 1.1. INVERSÃO DA ORDEM DAS ALEGAÇÕES FINAIS. INVIABILIDADE. MATÉRIA NÃO ARGUÍDA DURANTE A INTRUÇÃO DO FEITO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO ALEGADO. DEFESA QUE DEU CAUSA À INVERSÃO. PRECLUSÃO. 1.2. INOBSERVÂNCIA AO ARTIGO 384 DO CPP. IMPROCEDÊNCIA. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI (ART. 383, CAPUT, DO CPP). PRECLUSÃO. MATÉRIA ALEGADA APENAS NAS RAZÕES DO APELO. 1.3. NULIDADE DA PROVA. ACESSO DE DADOS TELEFÔNICOS REALIZADOS PELOS POLICIAIS MILITARES. REJEIÇÃO. VISUALIZAÇÃO DE NOTIFICAÇÕES NO VISOR DO CELULAR DO CORRÉU, NO MOMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. DECISÃO JUDICIAL CONFERINDO AUTORIZAÇÃO PARA ELABORAÇÃO DE LAUDO PERICIAL DO CONTEÚDO DO TELEFONE. PRELIMINARES REJEITADAS. 2. MÉRITO: ABSOLVIÇÃO DO TRÁFICO E DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPROCEDÊNCIA. PROVA ROBUSTA EVIDENCIANDO O COMÉRCIO DE DROGAS. DEPOIMENTOS POLICIAIS E DADOS EXTRAÍDOS DO CELULAR CONVINCENTES DA AUTORIA DO TRÁFICO. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTABILIDADE, DIVISÃO DE TAREFAS E PERMANÊNCIA DEMONSTRADOS QUANTO À ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. 3. PENA BASILAR NO MÍNIMO LEGAL. INVIABILIDADE. 3.1. PENA BASILAR DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS: VARIEDADE, NOCIVIDADE E FORNECIMENTO DE LSD E DE GRANDE QUANTIDADE DE ECSTASY. 100 COMPRIMIDOS. DROGAS ALTAMENTE ALUCINÓNEGAS. 3.2. CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO: FALTA DE INTERESSE RECURSAL. PENA BASILAR JÁ FIXADA NO MÍNIMO LEGAL PREVISTO NO TIPO PENAL. PRELIMINARES REJEITADAS, E NO MÉRITO, RECURSO DESPROVIDO, EM SINTONIA COM O PARECER MINISTERIAL. 1.1. A inversão da ordem procedimental constitui nulidade relativa, exigindo a comprovação de efetivo prejuízo, conforme o princípio da instrumentalidade das formas previsto no artigo 563, CPP, o que não ocorreu na hipótese. 1.2. Segundo a norma prevista no art. 383 do CPP, que consagra o instituto da emendatio libelli, o julgador, sem modificar a descrição fática contida na inicial acusatória, pode atribuir capitulação diversa daquela constante na denúncia, ainda que ela preveja pena mais grave, sem que isso implique ofensa ao sistema acusatório. - Matéria preliminar arguida pela Defesa apenas em sede recursal, sem ter sido apresentada à juíza singular impede a deliberação nesta via revisora, sob pena de indevida supressão de instância. Assim, as teses 1.1. e 1.2 encontram-se preclusas, vez que não foram levadas ao conhecimento da juíza a quo. […]. (N.U 1000300-24.2023.8.11.0044, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 25/09/2024, Publicado no DJE 26/09/2024. Entretanto, in casu, os Apelantes foram presos após apresentarem conduta suspeita, consistente na alta velocidade empregada, nervosismo no momento da abordagem, e lacunas nas simples indagações feitas pelos agentes, demonstrando que não sabiam responder as perguntas formuladas. Assim, não houve indução por parte dos policiais. O crime de tráfico já estava consumado quando a polícia encontrou as substâncias ilícitas no veículo, razão pela qual não há que se falar em flagrante forjado. Nesse sentido, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADES. SENTENÇA CARENTE DE MOTIVAÇÃO. TESE NÃO ANALISADA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FLAGRANTE FORJADO. NÃO OCORRÊNCIA. QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA. ALEGAÇÃO GENÉRICA. LAUDO DEFINITIVO FEITO POR AMOSTRAGEM. LEGALIDADE. PENABASE. AUMENTO PROPORCIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A tese de invalidade da sentença proferida oralmente - sem a devida fundamentação - não foi objeto de exame no acórdão impugnado, o que impede o enfrentamento do tema diretamente por esta Corte de Justiça, sob pena de indevida supressão de um grau de jurisdição. 2. Não houve qualquer agente indutor ou provocador da prática do tráfico de drogas. O delito já estava consumado quando foram localizadas as drogas escondidas no colchão do réu pelos cães farejadores - a conduta do paciente se enquadra nos núcleos verbais de "guarda ou armazenamento de entorpecentes", para fins de mercancia. Logo, inexistiu flagrante forjado ou preparado pela polícia. 3. A defesa não se desincumbiu do ônus de indicar qualquer circunstância concreta - manipulação indevida; interferência dos agentes policiais etc. - apta a configurar a quebra da cadeia de custódia, limitando-se em sustentar, de forma especulativa, de que "não houve a especificação do trajeto cronológico da cadeia de custódia". Por sua vez, a confecção do laudo definitivo por amostragem, diante da incineração do restante da droga, é suficiente para a comprovação da materialidade delitiva. 4. Não há ilegalidade no aumento da pena-base em 2 anos e 10 meses tendo como fundamento a multireincidência do réu e a quantidade de droga apreendida, constante autoriza o art. 42 da Lei n. 11.434/2006. 5. Recurso não provido. (AgRg no HC n. 858.508/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 13/6/2024.) - grifo nosso. Por todo exposto, rejeito a preliminar arguida. MÉRITO Como relatado, os apelantes objetivam a absolvição dos delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas. Emerge dos autos, que os apelantes foram processados e, ao final, condenados pela prática dos delitos previstos no artigo 33, caput, e artigo 35, caput, c/c artigo 40, inciso V, todos da Lei n. 11.343/2006. A materialidade dos delitos restou devidamente comprovada pelo auto de prisão em flagrante; pelo termo de exibição e apreensão; pelo laudo pericial; relatório de extração de dados n.º 22/2003; Informações de Polícia Judiciária - IPJ n.º 68.2023; e, pelas declarações das testemunhas, interrogatório dos réus em sede policial e judicial e demais documentos acostados ao feito. No tocante à autoria delitiva em relação aos crimes imputados aos apelantes, as testemunhas Policiais Rodoviários Federais Iago Vicente Araújo e Silva e Bruno Ribeiro de Araújo informaram que estavam em fiscalização de rotina e enquanto realizavam algumas abordagens o veículo HILUX passou numa velocidade não considerada compatível com a segurança de todos que estão no local. Assim, quando terminaram de realizar a abordagem, pegaram a viatura e deslocaram para tentaram acompanhar o veículo, contudo, não conseguiram, não mais o avistou, razão pela qual solicitaram ao posto da Polícia Rodoviária Federal de Cáceres para que realizasse a abordagem do veículo. Decorrido a média de tempo de deslocamento entre um posto e outro, foram avisados que o veículo não passou, o que elevou a suspeita da equipe. Ainda, relataram que a partir da notícia, iniciaram as rondas entorno da região para ver se conseguia avistar o veículo e prosseguir com a abordagem e foi só em São José dos Quatro Marcos que a equipe conseguiu fazer a abordagem. E, logo que abordaram os suspeitos, estes se identificaram como Policiais Civis do Estado de Rondônia, o que causou estranheza na equipe devido à distância entre Estados, então aqueles disseram que iriam à festa do queijo que teria na região, porém não sabia os detalhes do evento, se apresentavam extremamente nervosos com a abordagem, desconfortáveis. Ato seguinte, foi pedido para que abrissem a parte de trás da HILUX para verificação, momento em que foram avistadas as caixas de isopor e bolsas e, perguntado o que tinha dentro das bolsas, não souberam responder, razão pela qual a equipe procedeu com a busca no veículo, sendo encontrados alguns invólucros de substância análoga a Skank na mala. Prosseguiram afirmando que, enquanto faziam a abordagem dos acusados, passou uma viatura da Polícia Militar e pediram apoio, pois a viatura da Polícia Rodoviária Federal não tinha compartimento para transporte de presos; então, levaram os presos para a base da Polícia Militar local, onde terminaram de ver o que havia no veículo, malas e isopores, e em seguida os encaminharam para a base da PRF de Cáceres, onde fizeram a contagem oficial do entorpecente e confeccionaram o boletim de ocorrência. A testemunha Iago acrescentou que, em entrevista com os suspeitos, não lembrando os nomes, um deles disse que o destino seria a região de Goiás, mas que o motorista quem saberia dizer o destino correto, entretanto o motorista estava na viatura da Polícia Militar. Os Policiais Militares Paulo do Carmo Lima e Angelo Carvalho de Faria narraram que chegaram no local da ocorrência e os agentes da Polícia Rodoviária Federal já havia iniciado a abordagem, mas acompanharam os policiais rodoviários federais na autuação em flagrante, viram o momento em que foi retirada a mala contendo objetos suspeitos do veículo, tendo os levado até o batalhão da PM local para continuar a ocorrência, por medida de segurança, bem como os acompanharam até a base da Polícia Rodoviária Federal de Cáceres, onde foram deixados os acusados com a integridade física incólume e o entorpecente localizado no veículo. Por sua vez, os apelantes tanto no interrogatório policial quanto no interrogatório judicial negaram a traficância e afirmaram que a droga apreendida em sua posse seria de terceiros, que os contrataram para fazer segurança numa transação que aconteceria em local que ainda não sabiam, e que os acusados suspeitam que envolveria comércio de ouro, que estaria sendo transportado por estes terceiros em outro veículo Corolla que trafegava junto com a Hilux. Contudo, suas versões são completamente isoladas nos autos, sem qualquer prova eu as corroborassem. Vale ressaltar que a mera condição das testemunhas de agentes públicos não pode acarretar a inidoneidade de seus depoimentos, especialmente, quando suas declarações harmônicas com as demais provas, são tomadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa e gozam de fé pública. Nesse sentido, consigno, valendo-me do entendimento exarado pelo Ministro Celso de Mello, quando do julgamento do HC nº. 73518/SP que “O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal”. No tocante ao tema, a jurisprudência e a doutrina pátria são uníssonas em admitir o testemunho de policiais, que atuaram na prisão ou no inquérito, como prova idônea e de valor probatório para a condenação, especialmente quando prestados em juízo sob a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, não sendo admissível, pela só condição profissional deles, desqualificá-lo, especialmente quando harmônico com as demais provas colhidas nos autos, como se vê nos seguintes arestos: STJ: “PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E PORTE DE ARMA. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. CONDENAÇÃO. DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO DE PROVA IDÔNEO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A Corte de origem, soberana na apreciação da matéria fático-probatória, concluiu pela existência de provas suficientes para a condenação pelo delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, notadamente em razão dos depoimentos de policiais, colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual a revisão do julgado encontra óbice na Súmula 7/STJ. 2. O depoimento policial prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a respaldar a condenação, notadamente quando ausente dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova. 3. Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp 597.972/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 17/11/2016). TJMT: “... Os depoimentos coerentes e harmônicos dos policiais que efetuaram a prisão e a apreensão da substância entorpecente, colhidos sob o crivo do contraditório, aliados à confissão dos réus, constituem meios de provas idôneos a embasar o édito condenatório pelo crime de tráfico ilícito de substância entorpecente...” (Ap 81472/2018, DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 27/11/2018, Publicado no DJE 30/11/2018). Ressalte-se, por ser importante, que o fato de as testemunhas serem os agentes policiais que conduziram o flagrante do acusado não afasta a credibilidade e, tampouco, a idoneidade de suas declarações, notadamente quando as narrativas são consentâneas às demais provas jungidas aos autos, como na espécie, conforme Enunciado Orientativo n.º 08-TJ/MT, a seguir transcrito: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. Outrossim, embora os apelantes tenham sustentado o desconhecimento da existência de ilícito no veículo e que não tentaram se utilizar do cargo ocupado para se esquivar de possível flagrante, vê-se do teor dos dados extraídos dos aparelhos telefônicos que não só tinham o conhecimento, como elaboraram todo um plano para se ausentar do trabalho de forma “justificada” e fizeram o preparo do veículo locado de forma meticulosa para que não levantassem suspeitas nos postos da Policia Rodoviária Federal existentes no trajeto. Ainda, durante a parada na cidade de São José dos Quatro Marcos/MT planejavam nova forma de ludibriar a polícia com a locação de um outro veículo para prosseguir com a transferência do entorpecente até a cidade de Cuiabá/MT. Ainda, corroborando as provas da atuação dos apelantes, extraiu-se conversas entre o apelante JOSÉ PEDRO e sua esposa Marta, travadas nos dias antes e durante os fatos, nas quais o acusado informa à esposa a dinâmica da viagem, o valor do transporte, bem como o total de entorpecente que levariam no veículo, sendo registrado, ainda, o apoio dado por essa, que a todo o momento dá diversas recomendações para que o marido obtivesse êxito na ocorrência. Vejamos: Além do mais, deve ser salientado que para configurar o delito do artigo 33, da Lei n. 11.343/06, não se faz necessário que o infrator seja flagrado no ato da mercancia, porque a posse, a guarda ou transporte da substância, mesmo que em pequena quantidade, cuja destinação comercial seja comprovada por indícios seguros e circunstâncias dos autos, é o que basta para a tipificação do narcotráfico, tal como reza o Enunciado n. 7 aprovado pela Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça, assim redigido: “O delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, é classificado como de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas.” Consigne-se aqui, que, no âmbito do processo penal, o ônus probatório é da acusação, pois, o acusado não é obrigado a fazer provas contra si. Todavia, não se pode deixar de considerar que compete à defesa demonstrar os fatos sustentados em favor do réu, o que não ocorreu no caso em apreço. Aliás, acerca do tema, o artigo 156 do Código de Processo Penal dispõe que “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. Nesse sentido: “(...) O artigo 156 do Código de Processo Penal determina que a prova da alegação incumbirá a quem fizer, sendo, inclusive, oportunizado ao réu a indicação de provas para confirmar a versão apresentada, o que não ocorreu in casu, motivo pelo qual a tese defensiva não encontra amparo. (...)” (N.U 0005285-26.2013.8.11.0037, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 02/07/2019, Publicado no DJE 02/07/2019) Diante de todo esse contexto, entendo que é possível extrair a certeza necessária para a condenação dos apelantes como autores do crime de tráfico de drogas. Como destacado acima, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (CPP, art. 156), tendo a Defesa se limitado a negar a autoria do delito, sem produzir, em contrapartida, qualquer prova convincente apta a desconstituir o conjunto probatório e harmônico dos autos. Assim, estando comprovada a existência do crime e sua autoria e consolidada a versão dos fatos pelos depoimentos prestados, impõe-se manter a condenação dos apelantes pelo crime de tráfico de entorpecentes. Dessa forma, é imperativo concluir que o magistrado de primeiro grau concatenou de forma perfeita todos os elementos de provas colhidos durante a persecução penal, não havendo dúvidas acerca da autoria delitiva atribuída ao sentenciado; e ao contrário do que aduziu sua defesa, não há que se falar, na absolvição. No mesmo sentido, não cabe qualquer pretensão de desclassificação do delito de tráfico de drogas para o crime de posse de droga para uso próprio, ante a quantidade da substância entorpecente encontrada em poder do acusado, bem como o depoimento das testemunhas, evidenciam a prática do tráfico de drogas. Diante desse quadro fático, é forçoso reconhecer que há prova cabal no sentido de que os apelantes estavam transportando substâncias entorpecentes, de uso proscrito no Brasil, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, o que caracteriza, sem dúvida, o envolvimento com a prática do narcotráfico, restando evidenciado, portanto, que a droga apreendida destinava-se à mercancia, daí por que, não restam dúvidas, que ele cometeu o ato ilícito tipificado no artigo 33, da Lei n. 11.343/06, impondo-se, pois, a manutenção de suas condenações pela prática dessa conduta. Ainda nessa linha intelectiva, a prova dos autos é no sentido de que ambos os apelantes estavam, já há um tempo, mancomunados para o transporte do entorpecente, objetivando obter vantagem financeira. Associaram-se de forma perene e estável para a prática do tráfico de drogas, alugaram veículos (decidindo até mesmo modelo e cor), compraram uma sirene, avisaram à esposa, pediram folga do trabalho. Assim, presentes os requisitos legais e jurisprudenciais da estabilidade e permanência, necessários para a configuração do delito. Ainda, demonstrando o animus associativo dos apelantes está os diálogos supratranscritos em que mencionam acompanhando de reportagem de apreensões de drogas no Estado de Mato Grosso, inclusive destacando que a PRF tem um sistema de monitoramento que acompanha pelas placas dos veículos associados, ou seja, que andaram juntos. Assim, procuraram locar um veículo diverso para não chamar a atenção do sistema utilizado pela PRF, conforme se pode observar da conversa acima. Ainda, comentaram que uma carga de substância entorpecente havia sido presa no Estado de Mato Grosso que “esse pessoal dono da mercadoria, com certeza, são da mesma organização ou são amigos...” e continuam “acho que está demorando um pouco porque eles tão vendo isso também...”. Neste contexto, verifica-se o animus dos apelantes inclusive com terceiras pessoas ao comentarem da substância entorpecente que havia sido presa anteriormente, se pertencia à mesma organização ou aos amigos, além disso, achavam que estava demorando deles realizarem a viagem, pois “... eles tão vendo isso também...”. Dessa forma, resta evidente o envolvimento dos acusados na prática do tráfico de drogas, os quais estavam associados agindo em unidades de desígnios na empreitada criminosa, não sendo crível que não se conheciam e/ou que não tinham conhecimento da substância entorpecente que transportavam. Como salientado na sentença, comprovou-se que “ambos os acusados estavam, já há um tempo, mancomunados para o transporte do entorpecente, objetivando obter vantagem financeira. Associaram-se de forma perene e estável para a prática do tráfico de drogas, alugaram veículos (decidindo até mesmo modelo e cor), compraram uma sirene, avisaram à esposa, pediram folga do trabalho. Assim, presentes os requisitos legais e jurisprudenciais da estabilidade e permanência necessários para a configuração do delito.” Portanto, uma vez que há nos autos elementos probatórios suficientemente capazes de comprovar com segurança que a associação para o tráfico de drogas não era ocasional, mas sim um esquema organizado, envolvendo funções definidas e uma cadeia de comando, na qual os recorrentes desempenhavam um papel ativo e consciente. DO REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE Subsidiariamente, os apelantes requereram a reforma da dosimetria da primeira fase da pena. A autoridade judicial exasperou as penas-base de ambos os Apelantes sob a mesma fundamentação, in verbis: “IV – DOSIMETRIA DA PENA 35. Em observância ao disposto no art. 68 do Código Penal e art. 42 da Lei 11.343/2006 e, levando-se em consideração o critério trifásico de composição da pena, passo a individualizá-la nos seguintes termos. 36. Critério de fixação da pena-base: Enunciado 39 TJMT: “Inexiste critério estritamente aritmético aplicável para fixação da pena-base, de modo que cada circunstância judicial pode ser valorada e quantificada de maneira distinta, por meio de juízo de discricionariedade, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. Os crimes da Lei de Drogas preveem penas com amplos intervalos entre o máximo e o mínimo, de forma a possibilitar a dosimetria mais justa frente à miríade de diferentes condutas possíveis para prática dos crimes ali previstos. Em razão disso, entendo mais prudente a adoção da fração de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima para elevação da penabase para cada circunstância judicial comum do art. 59 do Código Penal que seja considerada negativa. No que concerne à circunstância judicial preponderante (art. 42 da Lei 11.343/06), a elevação pode se dar de forma igual ou mais expressiva, conforme a quantidade e natureza da droga apreendida no caso concreto. IV.1 – DO RÉU JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS IV.1.1 DOSIMETRIA CONJUNTA DE AMBOS OS CRIMES 37. Primeira fase: circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e art 42 da Lei 11.343/2006: a) Culpabilidade: a “culpabilidade, entendida como circunstância judicial, refere-se à reprovação social da conduta, não ao conceito da estrutura analítica do crime” (STJ, HC 178660/GO, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011). No caso dos autos, verifica-se que o grau de reprovabilidade da conduta é mais elevado, porque o acusado é policial civil, tendo agido em absoluta desconformidade com sua função pública. “DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. O FATO DE O AGENTE SER POLICIAL CIVIL EVIDENCIA A MAIOR GRAVIDADE DA CONDUTA DELITUOSA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. (...) 1. O fato de o Agente ser policial civil efetivamente demonstra a maior gravidade da conduta delituosa”. (AgRg no HC n. 841.061/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 20/10/2023.). Valoro de forma negativa esta circunstância. Aumento a pena-base em 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima. b) Antecedentes: não há condenação criminal passada em julgado anterior ao fato, razão pela qual deixo de valorar negativamente neste ponto. c) Conduta social: a conduta social deve ser valorada sob o enfoque da atuação do acusado “nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, tais como suas atividades relativas ao trabalho e à vida familiar, dentre outros, não se confundindo com os antecedentes criminais, mas como verdadeiros antecedentes sociais do condenado” (STJ, HC 107795/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Sexta Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 02/03/2009). No caso dos autos, inexistem elementos a serem valorados negativamente. d) Personalidade do agente: a personalidade deve ser avaliada sob o prisma das “qualidades morais do agente, a sua boa ou a má índole, o sentido moral do criminoso, bem como sua agressividade e o antagonismo em relação à ordem social e seu temperamento, também não devendo ser desprezadas as oportunidades que teve ao longo de sua vida e consideradas em seu favor uma vida miserável, reduzida instrução e deficiências pessoais que tenham impedido o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade” (STJ, HC 107795/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Sexta Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 02/03/2009). No caso dos autos, a ação penal não reúne elementos de convicção que permitam realizar um juízo valorativo negativo em face do condenado. e) Motivos do crime: acerca da motivação determinante da conduta, assentou-se que “os motivos do crime quando inerentes ao próprio tipo penal violado não autorizam a exasperação da reprimenda na primeira etapa da dosimetria, porquanto já considerados pelo legislador quando da fixação da pena abstratamente cominada ao delito” (STJ, HC 183.684/ES, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 03/11/2011, DJe 28/11/2011). No caso dos autos, há que se reconhecer que a motivação do crime é elementar do tipo. f) Circunstâncias do crime: a valoração das circunstâncias do crime prende-se a análise do “modus operandi” empregado em seu cometimento, com identificação de elementos concretos circundantes da conduta criminosa que notoriamente extrapolam aqueles normais à espécie (STJ, HC 194.318/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18/08/2011, DJe 01/09/2011). No caso dos autos, nada há de relevante nos autos. g) Consequências do crime: ressalvado o resultado naturalístico da conduta, as consequências do crime exigem análise da gravidade da lesão para as vítimas e para a sociedade. No caso dos autos, não há nenhuma circunstância a ser valorada negativamente. h) Comportamento da vítima: dificilmente a vítima contribui para a conduta delitiva e, caso isso ocorra, sua conduta deverá ser ponderada para amenizar a reprimenda do agente. A propósito, “a simples referência à conduta da vítima não ter influenciado no delito não basta para majorar a reprimenda”. (STJ, REsp 1266758/PE, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011). No caso dos autos, não verifico nenhum elemento a ser valorado negativamente. i) Natureza e quantidade da substância: Foram apreendidos 10,255kg (dez quilos e duzentos e cinquenta e cinco gramas) de pasta base de cocaína, e 189,950kg (cento e oitenta e nove quilos e novecentos e cinquenta gramas) de maconha (skank). Trata-se de enorme quantidade de entorpecente. Assim, esta circunstância deve ser considerada negativa, com preponderância, consoante art. 42 da Lei 11.343/2006, também em virtude da natureza nociva da substância. Aumento a pena-base em 1/5 (um quinto) do intervalo entre as penas mínima e máxima, em razão da grande quantidade de entorpecente e por se tratar de circunstância preponderante. 38. Pena-base: tendo em vista que DUAS circunstâncias judiciais foram consideradas negativas, sendo uma delas PREPONDERANTE (art. 42 da Lei 11.343/2006), fixo a pena-base em: - 08 anos e 03 meses de reclusão e 825 dias-multa para o crime do art. 33, caput, da Lei 11.343/06 - 05 anos, 03 meses e 09 dias de reclusão e 862 dias-multa para o crime do art. 35, caput, da Lei 11.343/06 39. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes ou atenuantes. Assim, mantenho a pena intermediária de: - 08 anos e 03 meses de reclusão e 825 dias-multa para o crime do art. 33, caput, da Lei 11.343/06 - 05 anos, 03 meses e 09 dias de reclusão e 862 dias-multa para o crime do art. 35, caput, da Lei 11.343/06 40. Na terceira fase: não há causa de diminuição da pena. Reconheço a causa de aumento do art. 40, V, da Lei 11.343/06 e aumento a pena em 1/6 (um terço), nos termos da fundamentação, e encontro a pena final de: - 09 anos, 07 meses e 15 dias de reclusão e 962 dias-multa para o crime do art. 33, caput, da Lei 11.343/06 - 06 anos, 01 mês e 25 dias de reclusão e 1.005 dias-multa para o crime do art. 35, caput, da Lei 11.343/06 41. A aplicação da regra prevista no art. 69 do Código Penal resulta na somatória das penas acima fixadas e, como tal, totaliza uma PENA FINAL DE 15 (QUINZE) ANOS, 09 (NOVE) MESES E 10 (DEZ) DIAS DE RECLUSÃO E 1.967 (UM MIL, NOVECENTOS E SESSENTA E SETE) DIAS-MULTA para o réu JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS. 42. Sopesando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal acima explicitadas, considerando as informações constantes dos autos acerca das condições econômicas do réu, fixo o dia-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. 43. Detração penal: a aplicação do disposto no art. 387, § 2º do CPP não trará nenhum resultado prático na atual fase processual, já que não irá alterar o regime inicial de cumprimento da pena. 44. Regime de pena: diante do quantum de pena aplicada e a presença de circunstâncias negativas na primeira fase da dosimetria de pena, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, estabeleço o regime inicial FECHADO para o cumprimento da pena. 45. Substituição da pena: Incabível a substituição, pois a pena excede quatro anos (art. 44, I, do CP). 46. Suspensão da pena: Incabível a suspensão, pois a pena excede a dois anos (art. 77, I, do CP). 47. Da prisão preventiva: No que se refere ao disposto no art. 387, § 1º do CPP, verifico que ainda estão presentes os fundamentos para a manutenção da prisão cautelar para necessidade da garantia da ordem pública, nos termos da fundamentação da decisão que a decretou, pois não vislumbro nenhuma alteração fática que afaste o risco que o acusado representa à ordem pública. Assim, MANTENHO A PRISÃO PREVENTIVA e NÃO CONCEDO ao réu JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS o direito de RECORRER EM LIBERDADE...” (id. 229474253). Neste sentido, a valoração negativa da culpabilidade dos apelantes José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco, no delito de tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico de drogas, pelo fato “verifica-se que o grau de reprovabilidade da conduta é mais elevado, porque o acusado é policial civil, tendo agido em absoluta desconformidade com sua função pública”, encontra consonância com jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, não há ilegalidade na exasperação da pena-base, isso porque o fato de o Agente ser policial civil efetivamente demonstra a maior gravidade da conduta delituosa, considerando que ele agiu em absoluta desconformidade com sua função pública e se utilizou do aparato estatal para auferir ilicitamente vantagens pecuniárias. Neste sentido: "2. O fato de os réus serem policiais justifica a maior reprovabilidade da conduta (culpabilidade) e, por conseguinte, a majoração da pena-base, uma vez que o comportamento deles esperado seria exatamente o de evitar a prática de crimes (ut, (AgRg no REsp 1257294/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 08/09/2015)" (AgRg no REsp n. 1.873.509/RS, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 4/8/2020, DJe de 13/8/2020.) "[...] 2. As instâncias ordinárias não se utilizaram de dados genéricos e vagos para realizar a exasperação da pena-base, uma vez que o fato de os acusados serem policiais militares, que tinham por dever garantir a segurança pública e reprimir a criminalidade, mas, ao contrário, praticaram conduta que deveriam reprimir, utilizando, inclusive, o pretexto de 'ajudar a vítima' para, mediante pagamento, recuperar o veículo subtraído desta, justifica a referida majoração, pois aponta para maior reprovabilidade das condutas. Ademais, foi concretamente fundamentada a desfavorabilidade das circunstâncias do crime, uma vez que os acusados utilizaram do sistema de segurança pública, para locupletar-se à custa de vítima de um crime de furto, uma vez que o recebimento da vantagem não ocorreu num contexto burocrático, mas sim dentro de uma operação policial, em que os envolvidos não tinham sequer atribuição para apuração do delito, que seria de competência da autoridade policial de outro município, o que demonstra maior ousadia, motivo pelo qual tal circunstância pode ser sopesada." (AgRg no REsp n. 1.726.444/TO, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 11/9/2018, DJe de 21/9/2018.) No tocante a fundamentação para a exasperação da pena quanto a quantidade da substância apreendida com os apelantes - 10,255kg (dez quilos e duzentos e cinquenta e cinco gramas) de pasta base de cocaína, e 189,950kg (cento e oitenta e nove quilos e novecentos e cinquenta gramas) de maconha (skank) -, não há ilegalidade na exasperação da pena-base acima do mínimo legal com fulcro no artigo 42 da Lei n. 11.343/2006, uma vez que a quantidade e a natureza da droga apreendida é fundamento idôneo para exasperar a pena-base e deve preponderar sobre as demais circunstâncias judiciais, nos exatos termos do artigo 42 da Lei n. 11.343/2006. Por outro lado, quanto à fração de aumento da pena-base, no silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por cada circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 (um sexto) da mínima estipulada e outro de 1/8 (um oitavo), a incidir sobre o intervalo de apenamento previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador, ressalvadas as hipóteses em que haja fundamentação idônea e bastante que justifique aumento superior às frações acima mencionadas. Diante disso, a exasperação superior às referidas frações, para cada circunstância, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial. No ponto, ressalta-se que o réu não tem direito subjetivo à utilização das referidas frações, não sendo tais parâmetros obrigatórios, porque o que se exige das instâncias ordinárias é a fundamentação adequada e a proporcionalidade na exasperação da pena. In casu, encontra-se justificado o aumento da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses no tocante ao delito de tráfico de drogas e 02 (dois) anos, 03 (três) meses e 09 (nove) dias quanto ao delito de associação para o tráfico de drogas, não se constatando ilegalidade na dosimetria então fixada, tendo em vista o modo em que as drogas encontravam-se escondidas, bem como as circunstâncias que o delito ocorreu, e, ainda, a elevada quantidade e natureza das drogas apreendidas – 10,255kg (dez quilos e duzentos e cinquenta e cinco gramas) de pasta base de cocaína, e 189,950kg (cento e oitenta e nove quilos e novecentos e cinquenta gramas) de maconha (skank) –, em observância ao disposto no artigo 42 da Lei n.11.343/2006, o qual prevê a preponderância de tais circunstâncias em relação às demais previstas no artigo 59, do Código Penal. Sendo assim, não é possível desconsiderar a valoração negativa dos referidos vetores ou mesmo reduzir o quantum de aumento, como pretende a defesa. A propósito, colaciono recentes julgados da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE. GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS APREENDIDAS. PROPORCIONALIDADE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. ENGENDRADO ESQUEMA DE TRASPORTE INTERESTADUAL DE DROGAS. PARTICIPAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DEDICAÇÃO DO PACIENTE À ATIVIDADES CRIMINOSAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. a dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério trifásico descrito no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal - CP, cabendo ao Magistrado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico. 2. Sendo assim, é certo que o refazimento da dosimetria da pena em habeas corpus tem caráter excepcional, somente sendo admitido quando se verificar de plano e sem a necessidade de incursão probatória, a existência de manifesta ilegalidade ou abuso de poder. 3. Ressalte-se que não há critério matemático balizador de aumento da pena-base por cada circunstância judicial considerada negativa, e sim um controle de legalidade para averiguar se houve fundamentação concreta para o incremento. 4. No caso, encontra-se justificado o aumento em 4 anos, não se constatando ilegalidade na dosimetria então fixada, tendo em vista a elevada quantidade das drogas apreendidas - 786kg maconha - durante o transporte interestadual, em observância ao disposto no art. 42 da Lei n.11.343/2006, o qual prevê a preponderância de tais circunstâncias em relação às demais previstas no art. 59, do CP. 5. O § 4º do art. 33 da Lei de Drogas disciplina a incidência de causa especial de redução da pena, hipótese denominada pela doutrina como "tráfico de drogas privilegiado". Sendo assim, para que o réu possa ter o benefício da diminuição, deverá cumprir, cumulativamente, quatro requisitos, quais sejam: (a) ser primário; (b) possuir bons antecedentes; (c) não se dedicar às atividades criminosas; (d) não integrar organização criminosa. 6. No caso em análise, as instâncias ordinárias afirmaram a dedicação do paciente à atividade criminosa a partir de circunstâncias concretas evidenciadas nos autos. No ponto, destacou-se que o paciente participava de sofisticado esquema de transporte dissimulado de grandes cargas de entorpecentes entre estados da federação com auxílio de organização criminosa, o que demonstra a dedicação do paciente à atividades criminosas. 7. Cabe destacar que a reforma das conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias constitui matéria que refoge ao restrito escopo do habeas corpus, porquanto demanda percuciente reexame de fatos e provas, inviável no rito eleito. 8. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no HC n. 901.334/MS, Quinta Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 30/8/2024.) Portanto, estando a r. sentença em conformidade com a orientação firmada pelo Tribunal Superior, não se vislumbra qualquer irregularidade. DO TRÁFICO PRIVILEGIADO Na terceira fase da dosimetria da pena, a defesa postula a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, prevista no artigo 33, §4º da Lei nº 11.343/2006. De início, é certo que o § 4º do artigo 33 da Lei de Drogas disciplina a incidência de causa especial de redução da pena, hipótese denominada pela doutrina como "tráfico privilegiado". O dispositivo contém a seguinte redação: "Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa." Sendo assim, para que o réu possa ter o benefício da diminuição, deverá cumprir, cumulativamente, 04 requisitos, quais sejam: (a) ser primário; (b) possuir bons antecedentes; (c) não se dedicar às atividades criminosas; (d) não integrar organização criminosa. Os dois pressupostos iniciais são de avaliação estritamente objetiva, basta verificar a certidão de antecedentes criminais do agente para chegar à conclusão se ele preenche ou não esses requisitos. Quanto às duas últimas condições, a análise envolve apreciação subjetiva do Magistrado processante, a partir dos elementos de convicção existentes nos autos, para aferir se o apenado se dedica às atividades criminosas ou integra organização criminosa. Ademais, a benesse deve ser concedida ao traficante eventual, ou seja, aquele que praticou o ato de comércio de drogas de maneira isolada, o que não é o caso dos autos. No presente caso, os Apelantes foram condenados também pelo crime de associação para o tráfico de drogas, o que evidencia a dedicação a atividades criminosas e obsta a aplicação da minorante. Neste sentido: "A condenação pelo crime de associação para o tráfico, por si só, já tem o condão de inviabilizar a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei Antidrogas, pois essa circunstância impede que o agente preencha os requisitos legais para a aplicação da minorante." (AgRg no HC 338.964/MG, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 6/6/2016). "A condenação concomitante por associação para o tráfico de entorpecentes obsta a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas." (STJ, AgRg no HC n. 737.933/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 23/5/2022). Essa é a orientação firmada no AgRg no HC n. 799.541/RJ, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 27/2/2023. Portanto, tendo em vista a condenação dos recorrentes ao crime de associação para o tráfico, não há falar em violação ao artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. DA MAJORANTE DO TRÁFICO INTERESTADUAL Ainda na terceira fase dosimétrica, os apelantes postulam o afastamento da majorante do tráfico interestadual, prevista no artigo 40, inciso V da Lei de Drogas. Entretanto, como já demonstrado, os depoimentos colacionados nos autos, bem como o relatório de informações, evidenciam que os Apelantes transportaram as substâncias ilícitas do estado de Rondônia para Mato Grosso. Neste sentido: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO TRÁFICO INTERESTADUAL – DESCABIMENTO – PROVAS QUE COMPROVAM QUE A DROGA ERA DESTINADA PARA OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO – MODIFICAÇÃO DA FRAÇÃO ATINENTE À CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – 1.070KG (UM QUILO E SETENTA GRAMAS) DE PASTA-BASE DE COCAÍNA – VIABILIDADE – READEQUAÇÃO DO PATAMAR DE 1/6 (UM SEXTO) PARA 1/2 (METADE) – QUANTUM FINAL DA PENA REAJUSTADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, EM DISSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. Estando comprovado o tráfico interestadual pelos depoimentos testemunhais e pela confissão da acusada nas duas fases procedimentais, não há se falar na exclusão da causa de aumento prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/2006. A apreensão de 1.070kg (um quilograma e setenta centigramas) de pasta base de cocaína, quando não utilizada para recrudescer a pena-base, nos termos do artigo 42, da Lei n. 11.343/2006, serve para modular a fração da causa de diminuição do tráfico privilegiado na terceira fase dosimétrica; entretanto, não se justifica a redução mínima de 1/6 (um sexto), unicamente em razão da quantidade de entorpecente apreendido. (N.U 1010789-63.2022.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 09/07/2024, Publicado no DJE 12/07/2024). Desse modo, descabe o almejado afastamento da majorante. DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA Por fim, a defesa postula a revogação da prisão preventiva dos Apelantes. Emerge do trecho da sentença transcrito acima que a prisão preventiva dos Apelantes foi mantida pelos próprios fundamentos dispostos na r. decisão que decretou o claustro cautelar. Entretanto, após a prolação da sentença, os apelantes impetraram o Habeas Corpus nº 1016978-18.2024.8.11.0000, oportunidade em que esta Câmara denegou a ordem. Vejamos: “HABEAS CORPUS – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ART. 33, ‘CAPUT’, DA LEI 11.343/06 E ART. 35, “CAPUT”, C/C. ART. 40, INCISO V, DA LEI Nº 11.343/2006, NA FORMA DO ART. 69, “CAPUT”, DO CP – PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA – INSURGÊNCIA DA DEFESA – 1. REVOGAÇÃO POR INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA DA CAUTELAR EXTREMA – IMPOSSIBILIDADE – PRIMEIRO PACIENTE – MATÉRIA ENFRENTADA NO HABEAS CORPUS PRECEDENTES Nº. 1025478-10.2023.8.11.0000, DENEGADO EM 04.12.2023 E Nº. 1031048-74.2023.8.11.0000, DENEGADO EM 12.3.2024 – SEGUNDO BENEFICIÁRIO – ANÁLISE NO HC PRECEDENTE Nº. 1029608-43.2023.8.11.0000, DENEGADO EM 08.5.2024 – REITERAÇÃO DE PEDIDOS – INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO FÁTICA E INADMISSÃO DE UTILIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PRÓPRIO – PRECEDENTE [EDIÇÃO 36, ITEM 1, da JURISPRUDÊNCIA EM TESES DO STJ] – NÃO CONHECIDO – TESE SUPERVENIENTE – 2. RECORREREM EM LIBERDADE – INVIABILIDADE – REALIDADE FÁTICA – BENEFICIÁRIOS POLICIAIS CIVIS FLAGRADOS PELA PRF NO TRANSPORTE DE 10,255KG (DEZ QUILOS E DUZENTOS E CINQUENTA E CINCO GRAMAS) DE PASTA BASE DE COCAÍNA, E 189,950KG (CENTO E OITENTA E NOVE QUILOS E NOVECENTOS E CINQUENTA GRAMAS) DE MACONHA (SKANK) – PACIENTES QUE PERMANECERAM PRESOS DURANTE O TRÂMITE DO PROCESSO – PRISÃO NECESSÁRIA PARA SALVAGUARDAR A ORDEM PÚBLICA – ANACRONISMO NA SOLTURA APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA – PRECEDENTES DO STF [RHC 120319], DO STJ [HC Nº.648008] E TJMT Nº1020541-40.2021.811.0000 – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO – ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. Não deve ser conhecida a ordem de habeas corpus quando se cuidar de mera reiteração de matéria já analisada em anterior impetração, configurando simples repetição de argumentos já examinados. A pretensão deduzida em favor do paciente já fora suficientemente enfrentada em impetração anterior, já existindo prestação jurisdicional quanto ao feito, restando inviabilizada a apreciação das questões aduzidas no presente writ. A Edição n. 36 –, da Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, dispõe:1) O STJ não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade da paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.” Não havendo alteração fática nos requisitos que determinaram a prisão cautelar, é inviável conceder o direito de recorrer em liberdade. “(...) “Não há sentido lógico permitir que o réu, preso preventivamente durante toda a instrução criminal, possa aguardar o julgamento da apelação em liberdade” (HC 89.089, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 01.06.07). (...)” (HC 120319, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 08-08-2014 PUBLIC 12-08-2014). Os apelantes interpuseram recurso ordinário em habeas corpus n. 205.373-MT, no Superior Tribunal de Justiça, sendo que a liminar foi indeferida pelo Ministro Messod Azulay Neto, e no mérito foi negado provimento ao recurso, pois “a prisão cautelar encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte sobre o tema, uma vez que fundamentadas em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam a necessidade de garantia da ordem pública, notadamente em razão da quantidade de droga apreendida, a saber, "189.1 kg de substância a análoga à skank e 10,15 kg de substância análoga a cloridato de cocaína" - fl. 52, circunstâncias que indicam a periculosidade concreta dos agentes e revelam a indispensabilidade da imposição da segregação cautelar.” Portanto, não havendo fato novo a modificar a situação que justificou o decreto da prisão preventiva dos apelantes, inviável a sua revogação pelo simples fato do advento da condenação. Por todo o exposto, em consonância com o parecer ministerial, improvejo aos recursos interpostos por Alexandre Francisco e José Pedro de Souza Ramos, mantendo intacta a r. sentença condenatória, prolatada nos autos da ação penal n.º 1010881-18.2023.8.11.0006 que tramitou pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Cáceres/MT. É como voto. ________________________________________________ [1] 10,255 (dez vírgula e duzentos e cinquenta e cinco) quilogramas de pasta base de cocaína, e 189,95 (cento e oitenta e nove vírgula e noventa e cinco) quilogramas de maconha, conforme Laudo de Perícia Criminal Federal Nº 836/2023.SETEC/SR/PF/MT (Págs.108-119), e Termo de Apreensão n.º 4279859/2023-DPF/CAE/MT. [2] (…) A prisão em flagrante possui presunção relativa de autoria, cabendo ao flagrado o ônus de afastá-la, a teor do art. 156 do CPP.” (TRF4, ACR 5005923-30.2011.404.7002, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, juntado aos autos em 07/04/2014) V O T O EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (REVISOR): Senhor Presidente, Vossa Excelência me enviou o voto, contudo, persistem dúvidas quanto à estabilidade e permanência. Ademais, um ponto que me chamou bastante atenção foi a parca fundamentação apresentada pelo juízo singular. O magistrado limitou-se a dizer o seguinte: “Ambos os acusados estavam já há algum tempo mancomunados para o transporte do entorpecente, objetivando obter vantagem financeira. Associaram-se de forma perene estável para a prática do tráfico de drogas, alugaram veículos, decidindo mesmo até a cor, compraram uma sirene, avisaram à esposa, pediram folga do trabalho. Assim, presente os requisitos legais e jurisprudenciais da estabilidade e permanência necessária para a configuração de delito.” Todavia, a partir do que consta na sentença, não consigo inferir a prova da estabilidade e da permanência. Essa fundamentação é, a meu ver, muito parca, razão pela qual desejo analisar a situação mais profundamente. Por essas razões, peço vista dos autos para, se possível, elaborar um voto mais substancioso, no sentido de caracterizar a estabilidade e permanência, na medida em que, parece-me que o que foi relatado pelo juízo de primeiro grau se trata de meros atos preparatórios. É evidente que a grande quantidade de droga apreendida, em princípio, leva a crer que ninguém é de "primeira viagem". O transporte de grande vulto de entorpecentes sugere experiência. Todavia, ainda assim, pode ser um lance único. Entendo que a estabilidade e a permanência devem ser inferidas de uma repetição. Deve haver algo a mais, um "plus", para que possamos inferir que há estabilidade e permanência. Assim, com toda a vênia, Desembargador Rui, peço vista dos autos para examinar melhor essa questão. V O T O EXMO. SR. DES. PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA (VOGAL): Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 28 MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (REVISOR): Egrégia Câmara: Peço vênia ao eminente Relator para, respeitosamente, encaminhar minha divergência. Adoto o relatório, para evitar tautologia. A denúncia apresentou a seguinte narrativa dos fatos: “FATO I – TRÁFICO DE DROGAS INTERESTADUAL: No dia 19/10/2023, por volta das 13h30(MT), em via pública, na Avenida São Paulo, neste município de São José dos Quatro Marcos, os denunciados José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco com a vontade livre e consciente de sua conduta, transportaram a quantia de 10,255 (dez vírgula e duzentos e cinquenta e cinco) quilogramas de pasta base de cocaína, e 189,95 (cento e oitenta e nove vírgula e noventa e cinco) quilogramas de maconha para fins de comercialização, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, com destino a outro Estado da Federação (Rondônia a Mato Grosso), conforme o Laudo Preliminar de Constatação IPL N° 2023.0088213 – DPF/CAE/MT(Págs. 45-51), e Laudo de Perícia Criminal Federal Nº 836/2023.SETEC/SR/PF/MT (Págs.108-119), e Termo de Apreensão n.º 4279859/2023-DPF/CAE/MT. FATO II – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS: Consta do inquérito policial em epígrafe que nas mesmas condições de tempo e local do fato anterior, os denunciados José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco em conluio e união de esforços, conscientemente e dolosamente, associaram-se para o fim de praticarem crime. III. HISTÓRICO DOS FATOS: Nas circunstâncias acima mencionadas, a equipe Policial Rodoviária Federal realizava fiscalização de rotina em frente a sua unidade operacional (BR-174, KM 294 em Pontes e Lacerda-MT), ocasião em que o denunciado José Pedro de Souza Ramos conduzindo veículo automotor TOYOTA HILUX CDSR A4FD, de cor cinza, Placa: QT11A26A, tendo como passageiro o denunciado Alexandre Francisco, passou em alta velocidade por aquela unidade policial, ocasião em que os agentes públicos iniciaram um acompanhamento tático, no entanto, os denunciados não obedeceram à ordem e empreenderam fuga em alta velocidade. Por conseguinte, os agentes públicos continuaram as perseguições, todavia, os perderam de vista. Nesse meio tempo, obtiveram informações de que o veículo automotor em que os denunciados empreenderam fuga estava nesta urbe, com isso lograram êxito em detê-los nesse município de São José dos Quatro Marcos-MT. Durante o procedimento de abordagem, os denunciados não souberam explicar aos policiais o motivo da viagem, se mostraram nervosos e prestaram informações desconexas, razão pela qual foi efetuada vistoria minuciosamente no interior do veículo, oportunidade em que localizou uma quantidade exorbitante de 189 (cento e oitenta e nove) tabletes de drogas escondidas em 03 (três) caixas de isopor e 2 (duas) malas, os entorpecentes estavam embalados em sacos de plásticos, perfazendo em 200,205 (duzentos vírgula e duzentos e cinco) quilogramas de entorpecentes1. Diante da flagrante situação de tráfico de drogas, foi dada voz de prisão aos denunciados, os quais foram conduzidos para Delegacia de Polícia Civil, com todo material apreendido no veículo vinculado. Dias anteriores ao início da jornada criminosa, que seria o transporte interestadual dos entorpecentes, eles começaram os preparativos para a viagem. Ambos foram ao médico solicitar atestados, com intuito de serem dispensados do serviço nos dias seguintes, os quais estariam realizando o deslocamento com a droga. Além disso, alugaram um veículo semelhante às viaturas descaracterizadas da frota da Polícia Civil do Rondônia, com intuito de utilizarem história de cobertura em possíveis barreiras policiais nas rodovias, de tal modo que levaram inúmeros documentos internos da polícia civil para corroborar a narrativa criada. No mais, utilizavam-se de equipamentos ostensivos da Polícia Civil para que visualmente aparentassem estar em uma missão oficial da corporação, pois, no momento da prisão em flagrante, ambos se apresentavam fardado. Ademais, é mister citar que os denunciados eram policiais civis e foram aplicados diversos conhecimentos técnicos-policiais pela dupla presa. Destaca-se que tais conhecimentos foram utilizados de forma totalmente contrária a finalidade que foram criados, já que o conhecimento policial foi aplicado por “policiais” contra a própria polícia. À guisa de arremate, a materialidade do crime encontra-se sobejamente demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID n.º134539098), Boletim de Ocorrência da Polícia Rodoviária Federal (ID n.º 134539089), Termo de Apreensão n.º 4279859/2023-DPF/CAE/MT, Laudo Preliminar de Constatação IPL N.º 2023.0088213 – DPF/CAE/MT (ID n.º 134539089), pelos Depoimentos dos Policiais Rodoviários Federais (Págs. 11-15), Termo de Interrogatório dos Réus, e de Audiência de Custódia, Laudo de Perícia Criminal Federal (ID n.º 134539089 -Págs. 111- 122), Laudo Pericial Criminal Federal (BALÍSTICA) – Págs. 167-183, Relatório de Extração de Dados Nº 22/2003 – Págs. 184-189, Relatório de Informação de Polícia Judiciária Federal – Págs. 197-222, Relatório Final Nº5056483/2023/2023.0088213 – DPF/CAE/MT. Há indícios suficientes de autoria que autorizam a propositura da ação penal, tendo em vista as provas angariadas nos autos2. Portanto, resta incontroverso, que dos elementos produzidos no inquérito policial, especialmente apreensão do material entorpecente, com as circunstâncias do flagrante delito comprovam a materialidade e autoria do crime objeto desta exordial acusatória. Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por sua agente signatária, oferece DENÚNCIA em desfavor de JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS e ALEXANDRE FRANCISCO como incurso nas sanções do artigo 33, caput, e art.35, c/c art. 40, inciso V, todos da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), nos termos do artigo 69 do Código Penal (concurso material). Requer, que, antes de seu recebimento, sejam os denunciados notificados para, nos termos do artigo 55 da Lei n.º 11.343/2006, oferta defesa prévia, adotando-se o rito especial da Lei de Drogas (art. 55 e seguintes), para no final ser julgados e condenados...”. (Denúncia – id. 229470230). Ao fim da instrução, o douto julgador condenou os apelantes pela prática do delito de tráfico de entorpecentes, com a causa de aumento por ser entre Estados da Federação, bem como, pelo delito de associação para o tráfico. De proêmio, prezando pela objetividade, adianto que não existe, em relação ao posicionamento do douto Relator, acompanhado pelo preclaro Revisor, qualquer divergência em relação à questão do delito de tráfico de entorpecentes. Todavia, em relação ao delito de associação para o tráfico, a Defesa dos apelantes pleiteia a absolvição de ambos, argumentando a ausência de estabilidade e permanência entre os recorrentes e, cotejando as provas constantes nos autos, tenho que assiste razão aos recorrentes. Verifica-se dos autos, que tanto José Pedro de Souza, como Alexandre Francisco, na fase policial, manifestaram o desejo de permanecer em silêncio para posteriormente, realizar uma delação ou colaboração premiada. Na fase judicial, ambos os acusados negaram a autoria do crime de tráfico e associação para o tráfico, apresentando suas próprias versões dos eventos e questionando a forma como a abordagem e a apreensão foram conduzidas. O réu José Pedro de Souza Ramos também foi questionado se os fatos na denúncia eram verdadeiros, ele começou sua resposta descrevendo o motivo da viagem como sendo contratado por Paulo para segurança em uma situação em que ele receberia dinheiro (relacionado a ouro). Vejamos: “...É o seguinte, Excelência, nós fomos contratado pelo Paulo porque ele recebeu um dinheiro em Várzea Grande. Aí a gente saiu de Porto Velho com a missão de fazer isso. E, num posto da PRF, como os PRF estão falando que houve fuga, sempre tem um radar, se a gente tivesse empreendido fuga lá, teria um radar que teria autuado o carro, e não houve isso. Com certeza não houve nenhuma autuação. Se eles estão falando que a gente fugiu, se a gente estivesse carregando uma quantidade dessa de droga, porque a gente ia passar rápido para chamar a atenção dos PRF; então, a gente foi, então, a nossa missão, a gente tava indo para fazer umas segurança, o rapaz ia receber o dinheiro, ele mexe com ouro...”. (Fase Judicial – Apelante José Pedro de Souza Ramos) Por sua vez, o réu Alexandre Francisco, na tentativa de se eximir de sua responsabilidade, também negou a autoria dos delitos “Esses fatos não são verdadeiros, Excelência”. Na sequência ele alegou que ambos foram contratados por um rapaz chamado Paulo para fornecer segurança em uma negociação relacionada a ouro. Ele negou saber da existência da droga no veículo, sugerindo que ela pode ter sido colocada por Paulinho, irmão de Paulo, sem o conhecimento deles. Ele também questionou a narrativa e a conduta da polícia. Ele admitiu que aceitou a proposta por questão financeira (de fazer a segurança em negociação de ouro por um pagamento). Já, o Policial Militar Sargento Paulo Carmo Lima e os Policiais Rodoviários Federais Iago Vicente Pimentel Silva e Bruno Ribeiro de Araújo detalharam a abordagem, a localização da droga, o apoio dado pela Polícia Militar e a condução dos acusados e do material apreendido, mas não forneceram informações sobre a organização ou associação dos acusados para o tráfico (relatório de mídias 229474241). Neste mesmo sentido, também foram as declarações extrajudiciais do condutor Iago Vicente Pimentel e Silva, Policial Rodoviário Federal: “A equipe do Grupo de Patrulhamento Tático estava realizando fiscalização na área da Unidade Operacional da PRF, em Pontes e Lacerda/MT, quando um veículo TOYOTA HILUX, cor CINZA e placa QTI1A26, passou em velocidade incompatível pela unidade policial. O comportamento levantou suspeita da equipe que iniciou deslocamento para realizar a abordagem. Afirma que ao tentarem se aproximar do veículo, esse empreendeu alta velocidade, impossibilitando o acompanhamento da equipe, ocorrendo a perder do visual. Apesar disso, a equipe manteve o deslocamento passando pelas cidades de Adrianópolis, Posto Pedro Neca até o Glória D'Oeste quando foi informada que um veículo Hilux de cor cinza seguiu em direção ao município de São José dos Quatro Marcos. Ao chegar na cidade, conseguiram êxito em localizar o veículo em questão. Iniciada a abordagem com apoio da Polícia Militar de São José dos Quatro Marcos que passava no local no momento, na pessoa do 3º SGT ANGELO e 2º SGT DO CARMO, verificou-se que o motorista era José Pedro de Souza Ramos, tendo como passageiro Alexandre Francisco. Ambos se identificaram como policiais civis do Estado de Rondônia e alegaram estarem armados. Solicitou-se que desembarcassem do veículo e viessem para o fundo. O condutor e o passageiro demonstraram nervosismo e se contradisseram ao serem perguntados sobre o motivo da viagem e o que tinham na caçamba do veículo. Então os policiais realizaram a verificação da carga e encontraram 3 caixas de isopor e duas malas e ao abrirem localizaram vários tabletes característicos de entorpecentes. Ainda, foi encontrado no bolso da calça de José uma pequena embalagem contendo substância análoga a cloridrato de cocaína. Todos foram conduzidos para a Unidade Operacional da PRF de Cáceres, a fim de realizar os procedimentos administrativos e contagem não oficial do entorpecente, que constatou 189,1 kg de substância análoga a Skank e 10,15 kg de substância análoga a cloridrato de cocaína. Após, os abordados foram conduzidos à Polícia Federal de Cáceres/MT, ilesos e com uso de algemas...”. (Fase Policial – testemunha Iago Vicente Pimentel e Silva) No mesmo diapasão, também foram as declarações de Bruno Ribeiro de Araújo, na fase policial. Vejamos: “...Que participava de fiscalização de combate à criminalidade no km 294 da BR 174, no município de Pontes e Lacerda/MT, realizada pelo Grupo de Patrulhamento Tático da PRF e que por volta das 13 horas e 30 minutos do dia 19/10/2023, o veículo TOYOTA HILUX, cor CINZA e placa QTI1A26A, passou velocidade incompatível pela unidade policial de Pontes e Lacerda/MT. Foi iniciado deslocamento para efetuar a abordagem veicular, entretanto, o veículo empreendeu alta velocidade, ocasionando a perda de visual. A equipe policial prosseguiu com o deslocamento, passando por Adrianópolis até o Glória D'Oeste, quando obteve informações de que o referido veículo estaria no município de São José dos Quatro Marcos/MT. Ao chegar na cidade foi localizado o veículo, sendo que a guarnição do 3º SGT ANGELO e do 2º SGT DO CARMO, da PMMT de São José dos Quatro Marcos, prestou apoio à equipe policial da PRF para realizar a abordagem do veículo. Tanto o motorista, José Pedro de Souza Ramos, quanto o passageiro, Alexandre Francisco, se identificaram como policiais civis de Rondônia e informaram estavam armados. Quando questionado o motivo da viagem, os ocupantes do veículo prestaram informações desencontradas, além de demonstrarem claro nervosismo. Ante o fato, iniciou-se a vistoria do veículo, sendo localizadas três caixas de isopor e duas malas na caçamba. Nelas estavam escondidos os tabletes de substância entorpecente. Realizou-se, também, a revista pessoal dos abordados, sendo encontrada uma pequena quantidade de substância análoga à cloridrato de cocaína no bolso da bermuda de José. A equipe deu voz de prisão a JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS e ALEXANDRE FRANCISCO sendo encaminhados à Unidade Operacional da PRF de Cáceres para procedimentos administrativos e pesagem do entorpecente, após realizou-se a condução dos flagranteados à Delegacia de Polícia Federal em Cáceres/MT...”. (Fase Policial – Testemunha Bruno Ribeiro de Araújo). Por sua vez, o Dr. Romero Ribeiro Paposo Filho afirmou que, com base na análise dos celulares, foram constatados atos preparatórios relacionados ao incidente que culminou na situação flagrância. Ele mencionou que um dos acusados talvez tenha forjado uma licença na Polícia Civil para ter folga na época do flagrante. Vejamos: “... pelo que eu lembro, na no relatório de análise foi constatado que os atos preparatórios, né, relacionados a esse incidente que ocorreu a situação flagrancial e salvo engano, até um deles tinha preparado, acho que forjado um uma licença na Polícia Civil para que pudesse ter folga, (...) então houve toda uma, não foi uma coisa assim, aleatória, né, eventual, houve toda uma preparação, uma organização para poder ser feita esse transporte (...) Sim, eu realmente não lembro se ficou constatada a habitualidade e permanência, né, certo? No caso, se ficou constada associação, não lembro se eu indiciei em relação a isso, mas o tráfico ficou evidente...” (Fase Judicial – Testemunha Romero Ribeiro Paposo Filho – relatório de mídias 229474241) Como se vê, em que pese tenha mencionado que houve uma associação entre os apelantes, o Delegado não trouxe nenhum adminículo de prova em relação a presença dos requisitos legais de estabilidade e permanência para o crime de "associação", o que ele confirmou foi a existência de preparação e organização para o transporte da droga. É importante observar, que o próprio Delegado mencionou que não se lembrava se teria ficado constatada a estabilidade e permanência, tanto que não tinha certeza se havia indiciado os apelantes pelo delito de associação e, ao verificar o relatório apresentado por ele, observa-se que realmente não os indiciou por tal delito, conforme se vê abaixo: “DO INDICIAMENTO A materialidade e autoria do crime decorrem diretamente do Auto de Prisão em Flagrante, do depoimento dos policiais responsáveis pela prisão-captura e das circunstâncias da prisão, condutas que se amoldam ao tipo penal já citados. No auto de apreensão ficou constatado a quantidade dos pacotes encontrados escondidos em caixas de isopor e malas não veículo dirigido por JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS, acompanhado por ALEXANDRE FRANCISCO, além da pequena quantidade de substância análoga à cloridrato de cocaína, encontrada em posse de JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS, totalizando: 10,15 kg (dez quilos e cento e cinquenta gramas) em 10 invólucros de saco plástico amarelo, 105 g (cento e cinco gramas) de cloridrato de cocaína em 01 (um) saco pequeno (trouxinha) e 189,95 kg (cento e oitenta e nove quilos e novecentos e cinquenta gramas) em 179 (cento e setenta e nove) invólucros de saco plástico, conforme laudo preliminar. A autoria delitiva dos crimes dos arts. 33 c/c a causa de aumento de pena do art. 40, V, da Lei 11.343/2006 está demonstrada pelos depoimentos do condutor, da testemunha, bem como das circunstâncias descritas no momento das abordagens, sendo flagrados os autuados agindo com livre vontade e consciência no transporte interestadual (Rondônia/Mato Grosso) de substâncias análogas à cloridrato de cocaína e a Skank (Cannabis com teor superior de THC). Logo: INDICIO JOSÉ PEDRO DE SOUZA RAMOS como autor do crime de tráfico de drogas com causa de aumento de pena da interestadualidade do delito, previsto no artigo 33, caput, c/c art. 40, V, da Lei 11.343/06. INDICIO ALEXANDRE FRANCISCO como autor do crime de tráfico de drogas com causa de aumento de pena da interestadualidade do delito, previsto no artigo 33, caput, c/c art. 40, V, da Lei 11.343/06...” (DESPACHO N° 4280052/2023 2023.0088213-DPF/CAE/MT – id. Num. 229470218) Ademais, o fato de os acusados terem alugado um veículo, comprado uma sirene, avisarem à esposa, pedirem folga do trabalho, não comprovam que os acusados “estavam, já há um tempo, mancomunados”, na forma colocada pelo juízo sentenciante (Num. 229474245), mas sim, indicam um planejamento e utilização de meios para facilitar e encobrir a atividade de tráfico. Com efeito, restou comprovado que ambos os acusados engendraram toda ação criminosa e se organizaram previamente para cometer o delito de tráfico de drogas, mas não restou demonstrada a estabilidade e permanência, necessária para a caracterização do delito de associação para o tráfico. Pelo contrário, ressai dos documentos dos autos, que tudo ocorreu num curto espaço de tempo, conforme relatório da análise dos aparelhos celulares apreendidos (id. 229470224, pg. 69), nos quais consta que as tratativas se iniciaram três dias antes das prisões dos apelantes: “No dia 16 de outubro de 2023, três dias anteriores às prisões de ALEXANDRE e PEDRO, iniciaram-se as tratativas para o transporte do entorpecente. ALEXANDRE pergunta a PEDRO se havia alguma novidade, provavelmente, sobre a logística da droga que eles estavam em iminência de transportarem de Rondônia para o Mato Grosso. ALEXANDRE responde que não havia novidades, mas também comenta de uma operação realizada sobre uma organização criminosa que transportava drogas do estado de Rondônia. Salienta-se que eles analisam a situação, com o conhecimento técnico-policial de polícia judiciária, adquiridos por eles durante a carreira de Policial Civil, para que não cometam os mesmos erros dos alvos da respectiva operação. Além do mais, PEDRO, com receio, alerta ALEXANDRE sobre possíveis mandados na cidade de Porto Velho. (...) No mesmo dia, ALEXANDRE e PEDRO se reuniram para planejarem como seria feito o transporte do entorpecente...”. (Informação da Polícia Judiciária – id. 229470224, pg. 63/ 88) Outrossim, consta também deste mesmo relatório, o seguinte: “Após aproximadamente uma hora, ALEXANDRE envia nova mensagem para PEDRO dizendo que haveria novidades sobre a empreitada criminosa que estavam a realizar. Pelo contexto, percebe-se que a “novidade” seria a confirmação por outros membros do grupo criminoso que a droga e a logística estavam prontas para que eles realizassem o transporte do material. Dessa forma, eles iniciariam os preparativos”. Contudo, ao verificar a transcrição efetuada, tenho que não ficou evidente que se tratava de confirmação por outros membros do grupo criminoso que a droga e a logística estavam prontas para que eles realizassem o transporte do material, conforme se vê a seguir: “E aí, XANDÃO, bom dia. Sem novidades, XANDÃO, por enquanto.” (...) Ei, XANDÃO, tu viu aquela reportagem que eu te mandei. É o seguinte, não foi em relação as contas, a movimentação de dinheiro não, como você imaginava. Foi o seguinte: no mês de agosto foi preso um pessoal levando mercadoria. Ai beleza. A PRF ela tem um sistema de monitoramento que até a gente vai implantar em porto velho, que até nós da polícia civil vamos ter acesso. Eles colocam a placa de um veículo, por exemplo, um veículo x foi preso com substância entorpecente. Ai beleza. Durante a investigação, depois, a PRF pela a placa, joga no sistema e pede placas associadas, aí pega todos os caras que andaram juntos com aquela placa. Ai o que acontece, essa operação se deu, porque teve essa apreensão de droga, e foi feito esse levantamento, e essas placas deram nos endereços desses alvos, que foram cumpridos mandados de busca e apreensão. Teve dois mandados de apreensão e dois de busca apreensão. Funciona basicamente assim. Ai esse pessoal dono da mercadoria, com certeza, são da mesma organização ou são amigos. Acho que tá demorando um pouco porque eles tão vendo isso também. Com certeza tem uma investigação da PF em andamento, inclusive, a gente tem que ficar espertos, pra ver se não tem futuros mandados de busca e apreensão aqui em porto velho. E a reportagem é bem clara: a mercadoria saiu aqui de Porto Velho. Mas é claro que não saiu, assim, veio de outro de outro lugar, né. Porto velho não produz nada. Ou veio da Bolívia, de Guajará mirim, ou veio do acre, que eu to achando que veio do acre essa mercadoria.”. O que se percebe do comentário acima, é que os apelantes fazem referência a uma organização criminosa que fora objeto de uma operação, porquanto extrai-se que a referência visava tão-somente evitar os erros que tal Orcrim cometera. Acresça-se ainda, que, inclusive, a locação do veículo foi realizada no dia 18/10/2023 (id. 229470224, pg. 04/6) e foi apreendido no dia seguinte. Outrossim, o fato de estar sendo transportada umagrande quantidade de drogas, incluindo maconha (ou "SCAN") e pasta base, cerca de 200kg, acondicionada em bolsas e caixas de isopor, embora o juízo singular tenha utilizado tal circunstância para fundamentar a sua decisão, por si só, não é suficiente para caracterizar o delito de associação se não há outros elementos nos autos a indicar a estabilidade e permanência necessárias. “Ademais, não pode passar despercebido que a quantidade de entorpecentes apreendidas, mais de 200Kg (duzentos quilos), equivalente a valores na monta de milhões de reais, além de ter demandado maior organização e esforço por parte dos envolvidos, não pode ser interpretado como mero tráfico ocasional...”. (Sentença - Num. 229474245) O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a quantidade de droga por si mesma não configuraria o delito de associação se ausente prova do vínculo associativo estável e permanente, conforme se vê da jurisprudência a seguir transcrita: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE APLICOU A REDUTORA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO NA FRAÇÃO DE 1/6. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. NEGATIVA DE APLICAÇÃO COM BASE APENAS NA QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. AGENTE QUE ATUOU COMO MULA DO TRÁFICO. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS INDICATIVOS DA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. FUNDAMENTO INIDÔNEO. APLICAÇÃO DO REDUTOR. PENA REDIMENSIONADA. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. (...) 4. Embora a quantidade dos entorpecentes apreendidos seja parâmetro idôneo para modular a fração da redutora do tráfico privilegiado, esta Corte vem decidindo que tal circunstância, isoladamente, não legitima o afastamento da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11 .343/2006, se dissociada de outros elementos de prova para atestar a dedicação do apenado a atividades criminosa ou o fato de que ele integraria organização criminosa. 5. No mesmo sentido, são os precedentes do Supremo Tribunal Federal, que firmam a possibilidade, em tese, de concessão do benefício do tráfico privilegiado, a despeito da apreensão de grande quantidade de droga, quando estiver caracterizada a condição de mula do tráfico. 6. Em verdade, o STF vem entendendo que a atuação no transporte de entorpecente, ainda que em grande quantidade, não patenteia, de modo automático, a adesão estável e permanente do apenado à estrutura de organização criminosa ou a sua dedicação à atividade delitiva. Precedentes. 7. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 537763 MS 2019/0299416-6, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 09/06/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2020) Para o reconhecimento da associação para o tráfico pressupõe: 1) o cometimento de tráfico por duas ou mais pessoas; 2) a comprovação do liame subjetivo para fins da traficância; 3) a conjugação de vontades; 4) estabilidade e permanência do agrupamento. Em outras palavras,“impõe-se a comprovação inequívoca da estabilidade e perenidade do ânimo associativo, sendo prescindível, contudo, a efetiva prática da traficância”. Sobre o incremento de todas as elementares do tipo há que se ter certeza e não mera possibilidade, conforme já sedimentado na jurisprudência deste E. Tribunal, consolidada no enunciado nº 05: “Para a configuração do crime de associação para o tráfico de drogas, impõe-se a comprovação inequívoca da estabilidade e perenidade do ânimo associativo, sendo prescindível, contudo, a efetiva prática da traficância.” A responsabilização penal somente deve ser imposta quando houver, no conjunto probatório, juízo de certeza quanto à materialidade e autoria do crime (TJMT, AP NU 0011162-58.2011.8.11.0055). Nessa linha, anota-se aresto deste e. Tribunal: “O delito deassociaçãopara otráficode drogas, previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, exige, para a sua caracterização, aassociaçãoestável e permanente de dois ou mais agentes, agrupados com a finalidade de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts.33, caput e § 1º, e 34 do referido diploma legal, de modo que não havendo provas do animus associativo, de caráter estável e duradouro, procedem os pleitosabsolutóriosdos segundos, terceiro e quarto apelantes quanto ao referido delito.” (TJMT, NU 1002278-87.2022.8.11.0006 – Relator: Des. Luiz Ferreira da Silva -Terceira Câmara Criminal- 30.11.2023) Portanto, temos que as provas constantes dos autos não são suficientes para demonstrar o vínculo estável e permanente entre os apelantes. Pelo contrário, as testemunhas não comprovaram tal fato e o relatório da quebra de sigilo de dados telefônicos indica que tudo ocorreu num curto espaço de tempo (cerca de três dias) e as referências sobre determinada Orcrim que teria sido objeto de operação policial mais se parece, com objetivo de impedir cometer os mesmos erros, do que efetiva participação com tal organização. Já está assente na jurisprudência, que na dúvida, impõe-se a absolvição dos réus: “APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DEFENSIVO. (...) RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIMES DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E LAVAGEM DE DINHEIRO. CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVAS INSUFICIENTES. (...) 6. Não se verificando os requisitos configuradores do delito de associação para tráfico, dentre os quais a estabilidade e a permanência, deve ser mantida a absolvição deste delito. (...) (STF - ARE: 1483822 MG, Relator.: PRESIDENTE, Data de Julgamento: 14/06/2024, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17/06/2024 PUBLIC 18/06/2024). “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUSÊNCIA DE PROVAS DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. INSUFICIÊNCIA DE INDÍCIOS PARA CONFIGURAÇÃO DO DELITO ASSOCIATIVO. (..) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR3. A condenação pelo crime de associação para o tráfico exige prova do dolo associativo, bem como a demonstração de estabilidade e permanência na associação criminosa, o que não foi suficientemente comprovado nos autos. A reunião eventual de pessoas para a prática do tráfico não configura, por si só, o delito de associação. 4. As provas apresentadas são insuficientes para sustentar a condenação pelo art. 35 da Lei de Drogas, pois a coautoria no tráfico não prova a existência de uma organização criminosa estável. 5. Diante da ausência de elementos concretos que demonstrem o vínculo associativo, é necessária a absolvição dos pacientes quanto ao delito de associação para o tráfico, aplicando-se o princípio do "in dubio pro reo". 6. (...) IV. DISPOSITIVO. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 814817 RJ 2023/0116334-9, Relator.: Ministra Daniela Teixeira, Data de Julgamento: 16/10/2024, T5 - Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 04/11/2024) “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. (...). ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. DOSIMETRIA DA PENA. ILEGALIDADE OU ERRO TÉCNICO NÃO IDENTIFICADO. PENA PRESERVADA. REVISÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. I. CASO EM EXAME 1. Revisão criminal ajuizada com fundamento no art. 621, inciso I, do Código de Processo Penal, contra sentença que condenou o requerente pelo crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/06, art. 33, caput, c/c art. 40, VI) e associação para o tráfico (Lei 11.343/06, art. 35 c/c art. 40, VI), à pena total de 10 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, além de 1.633 dias-multa. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR (...) 8. A absolvição do crime de associação para o tráfico de drogas é medida impositiva quando a condenação se fundamenta em presunções, sem suporte probatório concreto que comprove a estabilidade e permanência do vínculo entre os agentes. (...)” (N.U 1001926-45.2025.8.11.0000, Câmaras Criminais Reunidas, Helio Nishiyama, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 03/04/2025, Publicado no DJE 11/04/2025) Diante do exposto, considerando a ausência de prova da estabilidade e permanência, o voto é no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso defensivo, para absolver os acusados Alexandre Francisco e José Pedro de Souza do delito de associação para o tráfico, por insuficiência de provas (CPP, art. 386, VII), resultando a pena 09 anos, 07 meses e 15 dias de reclusão e 962 dias-multa pela prática do delito de tráfico de entorpecentes (art. 33, caput, c/c art. 40, inciso V, da Lei 11.343/06), para cada um dos apelantes, mantendo-se os demais termos da sentença condenatória na forma proferida pelo juízo a quo. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA (VOGAL): Presidente, tive acesso ao voto do Desembargador Jorge Tadeu ontem, no final do expediente. Apesar de estar inclinado a acompanhá-lo, em razão da divergência, peço vista dos autos para melhor análise da matéria. SESSÃO DE 02 DE JULHO 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA (VOGAL): Egrégia Câmara: Como relatado, trata-se de apelação interposta por José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco contra sentença que os condenou pelos delitos de tráfico de drogas majorado e associação para o tráfico majorada, tipificados nos artigos 33, caput, e 35, caput, combinados com o art. 40, inciso V, da Lei n. 11.343/2006. A denúncia narra, em síntese, que os apelantes, ambos policiais civis, foram flagrados por policiais militares e rodoviários federais no Município de São José dos Quatro Marcos transportando mais de 200 kg (duzentos quilogramas) de substâncias entorpecentes de Rondônia a Mato Grosso, utilizando uma caminhonete Toyota Hilux semelhante às da Polícia Civil daquele Estado e equipamentos ostensivos da corporação para encobrir suas ações criminosas (Id. n. 229470230). O eminente relator, Desembargador Rui Ramos Ribeiro, votou pelo desprovimento do recurso, rejeitando as preliminares arguidas e mantendo as condenações dos apelantes. Por sua vez, o douto revisor, Des. Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, inaugurou divergência parcial, tão somente para absolver os recorrentes em relação ao delito de associação para o tráfico. Por essa razão, pedi vista dos autos. De plano, registro que acompanho o Excelentíssimo Des. Rui na rejeição das preliminares e na manutenção das condenações dos apelantes pelo crime de tráfico de drogas, pelos fundamentos já expostos no substancioso voto proferido por Sua Excelência. Contudo, no que diz respeito ao delito capitulado no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, peço vênia ao insigne relator para acompanhar o Exmo. Des. Jorge Luiz. Embora a peça acusatória indique que os recorrentes “associaram-se para o fim de praticarem crimes de tráfico de drogas entre Estados da Federação”, não há na denúncia, tampouco no acervo probatório, demonstração que o ajuste entre os apelantes tenha ultrapassado ou pretendesse ultrapassar o delito em relação ao qual foram presos em flagrante, qual seja, o transporte de substâncias entorpecentes de Rondônia a Mato Grosso, em 19 de outubro de 2023. Não por acaso, como bem pontuado pelo ilustre revisor, o próprio Delegado de Polícia Federal Romero Ribeiro Raposo Filho, que presidiu as investigações, não indiciou os recorrentes pelo crime de associação para o tráfico em seu relatório conclusivo do inquérito, mas apenas pelo delito de tráfico de drogas (Id. n. 229470224, pp. 91-102), e, ao ser ouvido em juízo, na condição de testemunha, afirmou não se lembrar se ficara constatada a “habitualidade e permanência” do vínculo entre os apelantes (Id. n. 229474241). Com efeito, depreende-se do documento intitulado “Informação de Polícia Judiciária n. 68.2023”, elaborado com base nos dados encontrados em um dos aparelhos celulares apreendidos com os recorrentes, que os diálogos travados entre eles acerca da prática ilícita em questão se iniciaram em 16 de outubro de 2023, ou seja, três dias antes de suas prisões em flagrante, e tiveram por objeto unicamente os arranjos necessários à consecução do transporte da carga ilícita de Rondônia a Mato Grosso naquela ocasião específica (Id. n. 229470224, pp. 62-87). Não se descortinou nenhuma conversa referente a crimes anteriores, tampouco concernente ao planejamento de delitos a serem eventualmente perpetrados após o episódio narrado na exordial acusatória. É verdade que o caput do art. 35 da Lei n. 11.343/2006 dispõe que a associação ali incriminada pode se caracterizar com a prática “reiterada ou não” dos delitos tipificados nos artigos 33, caput e § 1º, e 34, da mesma Lei. Todavia, mesmo que seja única a infração cometida – ou mesmo que esta nem chegue a se concretizar –, exige-se, ao meu sentir, para configuração do tipo penal ora discutido, que os agentes estabeleçam entre si um vínculo estável e duradouro, apto a distinguir tal conduta do mero concurso de pessoas, o qual se satisfaz com a unidade de desígnios e a comunhão de esforços dos autores de determinada conduta. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça firmou, há muito, o entendimento de que, “para a caracterização do crime de associação para o tráfico é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006” (STJ, Habeas Corpus n. 137.471/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma; data do julgamento: 2 de setembro de 2010; data da publicação: 8 de novembro de 2010). Nesse contexto, com a devida vênia, no caso dos autos, não há de se falar em crime autônomo de associação para o tráfico, mas em simples delito de tráfico de drogas praticado em concurso de agentes, na forma do art. 29, caput, do Código Penal, porquanto, malgrado seja possível que os apelantes já estivessem mancomunados há mais tempo e tenham cometido ou tencionassem cometer novos crimes, não se produziu prova categórica apta a corroborar essa imputação. Defrontando-se com casos semelhantes, este Tribunal de Justiça tem assim decidido: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECEPTAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. NULIDADE PROBATÓRIA POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DAS CONDENAÇÕES POR TRÁFICO DE DROGAS, RECEPTAÇÃO E PORTE ILEGAL DE ARMAS. ABSOLVIÇÃO PELO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. [...] Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é necessária a comprovação de estabilidade e permanência do vínculo criminoso, não bastando meras reuniões eventuais entre os agentes” (TJMT, Apelação n. 1013701-91.2022.8.11.0055, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal; data do julgamento: 9 de abril de 2025; data da publicação: 11 de abril de 2025). “DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. REINCIDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO PARCIAL. REDUÇÃO DE PENA. PARCIAL PROVIMENTO. [...] A associação para o tráfico demanda a prova de vínculo estável e permanente entre os agentes, não se confundindo com o mero concurso de pessoas” (TJMT, Apelação n. 0015896-94.2019.8.11.0015, Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva, Quarta Câmara Criminal; data do julgamento: 1º de abril de 2025; data da publicação: 4 de abril de 2025). “APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – CONDENAÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – ABSOLVIÇÃO – VIABILIDADE APENAS EM RELAÇÃO AO DELITO TIPIFICADO NO ARTIGO 35, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006 – ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR O TRANSPORTE ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES PELOS AGENTES, MAS NÃO A PERMANÊNCIA E A ESTABILIDADE DO VÍNCULO ENTRE ELES – PEDIDO SUBSIDIÁRIO – REDUÇÃO DAS PENAS IMPOSTAS – AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO DESFAVORÁVEL DOS MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME – REFERÊNCIA A CIRCUNSTÂNCIAS INERENTES AO TIPO PENAL – MANUTENÇÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA QUANTIDADE DA DROGA – FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PERTINÊNCIA – DEFENSOR DATIVO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] A condenação pelo delito de associação para o tráfico exige demonstração cabal da estabilidade e permanência do vínculo entre os agentes. Caso contrário, deve ser reconhecido o mero concurso eventual de pessoas, com fundamento no princípio do in dubio pro reo” (TJMT, Apelação n. 0001359-24.2020.8.11.0059, Rel. Des. Pedro Sakamoto, Segunda Câmara Criminal; data do julgamento: 8 de junho de 2022; data da publicação: 13 de junho de 2022). Diante do exposto, em parcial consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, dou parcial provimento ao apelo para absolver José Pedro de Souza Ramos e Alexandre Francisco em relação ao crime de associação para o tráfico, tipificado no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025 Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025
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