Processo nº 5000048-09.2024.4.03.6111
ID: 261335390
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Marília
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5000048-09.2024.4.03.6111
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MAYARA LINDARTEVIZE
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 PODER JUDICIÁRIO 1ª Vara Federal de Marília Rua Amazonas, 527, Marília, Marília - SP - CEP: 17509-120 https://www.trf3.jus.br/balcao-virtual PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 50…
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 PODER JUDICIÁRIO 1ª Vara Federal de Marília Rua Amazonas, 527, Marília, Marília - SP - CEP: 17509-120 https://www.trf3.jus.br/balcao-virtual PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000048-09.2024.4.03.6111 AUTOR: JESSICA NOGUEIRA TEIXEIRA DA SILVA CURADOR ADVOGADO do(a) AUTOR: MAYARA LINDARTEVIZE - SP477206-S CURADOR do(a) AUTOR: ANDREIA APARECIDA NOGUEIRA REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA Vistos. I - RELATÓRIO: JESSICA NOGUEIRA TEIXEIRA DA SILVA, brasileira, absolutamente incapaz, é representada por sua curadora ANDREIA APARECIDA NOGUEIRA, e propõe ação contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) visando ao restabelecimento de benefício assistencial a pessoa com deficiência. A autora recebia o benefício de 20/06/2007 a 01/10/2021, quando foi suspenso em razão da apuração de renda familiar, embora a família enfrente situação de vulnerabilidade social e miserabilidade. Assevera-se que a autora possui deficiência que inviabiliza a realização de perícia médica convencional, e a suspensão do benefício é considerada indevida, pois a renda familiar não reflete a condição de vulnerabilidade. Argumenta-se pela flexibilização dos critérios de aferição de miserabilidade, considerando a realidade social atual. Os pedidos incluem a suspensão da cobrança de valores pelo INSS, o reconhecimento tácito da condição de deficiência da autora, a nomeação de Assistente Social do gênero feminino, o julgamento procedente para restabelecer o benefício assistencial e o pagamento das parcelas vencidas desde a suspensão, além do afastamento definitivo da cobrança de valores pelo INSS. Deferida a gratuidade, o pedido de tutela antecipada foi indeferido. Em sua contestação, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sustenta que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial, especialmente no que tange à comprovação da miserabilidade. Alega que a renda familiar per capita da autora é superior a ¼ do salário mínimo, o que a exclui do direito ao benefício, conforme estabelecido na Constituição Federal e na Lei 8.742/93. O INSS cita jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Regionais Federais que reforçam a legalidade do critério econômico utilizado para aferir a condição de vulnerabilidade social. Além disso, defende a legalidade da cessação do benefício, argumentando que a administração pública tem o dever de anular atos administrativos que estejam em desacordo com a lei, e que a devolução de valores pagos indevidamente é permitida, mesmo que se trate de verbas de natureza alimentar. O INSS requer, portanto, a improcedência do pedido da parte autora, a produção de provas documentais e periciais, a isenção de custas processuais e a fixação de honorários advocatícios em percentual não superior a 5% sobre o valor da causa, conforme a legislação aplicável. Em réplica, a demandante contesta a alegação do réu sobre a renda de R$ 3.924,30, uma vez que considera rendimentos de irmãos que não residiam com ela na época da avaliação. A demandante argumenta que a situação socioeconômica atual é distinta da que foi considerada no processo de revisão que resultou na cessação do benefício, e, para tanto, requer a realização de prova pericial para avaliação socioeconômica. Além disso, menciona que, após a cessação do benefício, formulou novo pedido administrativo, o qual foi indeferido, mas que traz informações relevantes, como o cadastro único atualizado em 04/11/2021, que demonstra que apenas ela e sua genitora constam como integrantes do grupo familiar. A demandante solicita, ainda, a designação de audiência de instrução e julgamento para a oitiva de testemunhas, a fim de comprovar que, na época do encerramento do benefício, o grupo familiar era composto apenas por ela e sua genitora. Por fim, requer a impugnação de todos os pedidos formulados na contestação e a reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER) para 04/11/2021 ou para a data que o juízo entender pertinente. Em perícia médica realizada, concluiu-se pela deficiência grave, com impedimentos de longo prazo. Na sequência, constatação foi realizada, acompanhada de registros fotográficos. É a síntese do necessário. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO: Julgo a lide no estado em que se encontra, tendo em vista que diante do contexto das provas já produzidas mostra-se desnecessária a realização de audiência de instrução. Embora se trate de matéria prejudicial ao mérito, deliberarei sobre a prescrição ao final, se necessário. O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o pagamento de um "salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei". Regulamentando o comando constitucional, dispunha o artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o seguinte: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia. (Incluído pela Lei nº 14.441, de 2022) § 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998) § 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998) § 9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) § 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) § 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) Anoto, nesse particular, que a redação conferida ao aludido dispositivo legal encontra-se harmônica com os termos do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003), que desde 1º de janeiro de 2004 já havia reduzido a idade mínima para a concessão do benefício assistencial para 65 (sessenta e cinco) anos. Com efeito, preceitua o artigo 34 da Lei 10.741/2003: Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. No caso de haver componente do grupo familiar, idoso ou deficiente, recebedor de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, deve ser aplicada a disposição do § 14, artigo 20, da Lei nº 8.742/93, sendo excluído este valor para efeito de apuração da renda familiar per capita: § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) Percebe-se, assim, que os pressupostos legais necessários à concessão do pretendido benefício são: ser pessoa com deficiência ou idoso (65 anos ou mais), e a comprovação de não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, ou seja, ser economicamente hipossuficiente. Por oportuno, cumpre observar que nos termos da Lei nº 13.981/2020, o critério passou a ser de 1/2 salário mínimo, porém a eficácia do dispositivo foi suspensa por meio de medida liminar na ADPF 662, enquanto não sobrevier a implementação de todas as condições previstas no art. 195, § 5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda do art. 114 da LDO, ou seja, a correspondente fonte de custeio total. Em seguida, o dispositivo foi novamente alterado pela Lei nº 13.982/2020, que também acrescentou o art. 20-A à Lei nº 8.742/93, o qual estabelecia que "Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo". Contudo, referido dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.176, de 22/06/2021, a qual incluiu o § 11-A no artigo 20, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2022, com a seguinte redação: § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (...) Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) I - o grau da deficiência; (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) III - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) De qualquer modo, referido critério de ampliação é vinculativo ao INSS no âmbito administrativo, eis que quando o Poder Judiciário analisa o critério de renda familiar, não se encontra vinculado ao critério de renda "per capita". Nesse sentido: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567985, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013 RTJ VOL-00236-01 PP-00113 - g.n.) Logo, esses parâmetros legais são apenas critérios objetivos a permitir análise do caso, podendo o Poder Judiciário valer-se de elementos de prova a considerar devido o benefício, ainda que não abrangido pelo parâmetro legal objetivo ou, ainda, que esse parâmetro dependa de regulamentação. O CASO DOS AUTOS Trata-se de ação em que a parte autora, JESSICA NOGUEIRA TEIXEIRA DA SILVA, busca o restabelecimento do benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, alegando ser portadora de deficiência e que sua família não possui condições para sua manutenção. A autora é representada por sua curadora, ANDREIA APARECIDA NOGUEIRA. Citado o INSS, este apresentou contestação, na qual argui a improcedência do pedido, sustentando que a renda familiar per capita da autora é superior ao limite legal estabelecido para a concessão do benefício assistencial, conforme previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93. No caso em análise, a parte autora alega possuir deficiência, tendo sido realizada perícia médica que confirmou a condição de deficiência, especificamente um Transtorno do Espectro do Autismo (CID10- F84), com nível III de suporte, conforme laudo pericial. A perita médica declarou que a autora é deficiente e incapaz parcialmente para exercer as atividades pertinentes à sua idade, necessitando de cuidados diretos para todos os atos da vida cotidiana. Logo, esse requisito está demonstrado. Entretanto, para fazer jus ao benefício assistencial, a parte autora deve comprovar também que sua família não tem meios de prover-lhe a manutenção. A análise da renda familiar revela que a mesma ultrapassa o limite estabelecido pela legislação, considerando os rendimentos da mãe, que é empregada, e de outros membros da família que contribuem para a renda familiar. Ainda que se exclua o valor da aposentadoria da avó da autora e se considere apenas o rendimento da representante da autora, o fato é que a renda per capita mostra-se superior ao um quarto de salário mínimo. Pois bem, a parte autora, em sua petição inicial, argumenta que a renda familiar não reflete a real situação de vulnerabilidade social, apresentando despesas com medicamentos e fraldas. Contudo, os documentos apresentados não comprovam de forma adequada tais gastos, uma vez que não identificam claramente os produtos e a quem se destinam. Além disso, a análise da situação da autora, em especial os registros fotográficos do id. 346107612, indicou que a família reside em imóvel, em condições de habitação digna, com móveis e eletrodomésticos em bom estado, e que a renda familiar é suficiente para garantir a subsistência da autora. A assistência social deve ser considerada subsidiária, ou seja, a responsabilidade primária de prover a subsistência da parte autora recai sobre sua família, que se mostra capaz de fazê-lo. Dessa forma, considerando que a parte autora não preencheu um dos requisitos necessários à percepção do benefício assistencial, a improcedência do pedido é medida que se impõe. Dessa forma, prejudicado o pedido de restabelecimento do benefício assistencial cessado. As circunstâncias, contudo, indicam a má interpretação da legislação pela representação da parte autora, não havendo indicativos de má-fé. Dessa forma, em consideração da natureza alimentar do benefício assistencial, reconheço a parcial procedência do pedido inicial para o fim de afastar a cobrança dos valores recebidos pela autora a título do benefício assistencial. Em sentido símile: E M E N T A DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTABELECIMENTO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. RECURSOS NÃO PROVIDOS. I. CASO EM EXAME Ação ajuizada com o objetivo de obter o restabelecimento do benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência (BPC/LOAS) e a declaração de inexigibilidade dos créditos constituídos pelo INSS para devolução dos valores recebidos. Sentença julgou parcialmente procedente o pedido, declarando inexigível a restituição das parcelas recebidas, mas negando o restabelecimento do benefício. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a parte autora preenche os requisitos socioeconômicos para o restabelecimento do benefício assistencial; e (ii) estabelecer se é devida a restituição dos valores recebidos a título de BPC/LOAS. III. RAZÕES DE DECIDIR O benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 8.742/93 exige o preenchimento de dois requisitos: impedimento de longo prazo que obstrua a participação plena e efetiva na sociedade e condição de hipossuficiência econômica. No caso concreto, o impedimento de longo prazo da parte autora é incontroverso, restando controvérsia apenas quanto ao requisito da hipossuficiência econômica. O estudo socioeconômico revelou que a autora reside com a mãe e a irmã menor em imóvel alugado, contando com renda proveniente do vínculo empregatício da genitora. O extrato do CNIS indicou remuneração variável, com valores superiores a R$ 2.400,00 mensais, evidenciando que a renda familiar é suficiente para cobrir as despesas básicas, afastando o critério de miserabilidade necessário à concessão do benefício. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça permite que a condição de miserabilidade seja aferida por outros meios de prova além do critério objetivo de ¼ do salário mínimo per capita. No caso, os elementos constantes dos autos indicam que a parte autora possui amparo familiar suficiente para sua manutenção. Quanto à exigibilidade da restituição dos valores recebidos, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 979, fixou a tese de que a devolução de valores previdenciários indevidos somente é cabível quando há prova de má-fé do beneficiário. No presente caso, não há indícios de que a parte autora tenha agido com má-fé, tampouco de que tenha contribuído para eventual erro administrativo na manutenção do benefício, motivo pelo qual não é devida a restituição das parcelas recebidas. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos desprovidos. Tese de julgamento: O benefício assistencial de prestação continuada exige a comprovação de impedimento de longo prazo e de hipossuficiência econômica, sendo este último aferível por diversos meios de prova. A exclusão de benefício previdenciário de um salário mínimo da composição da renda familiar não implica automaticamente no reconhecimento da condição de miserabilidade. A devolução de valores previdenciários recebidos indevidamente somente é exigível quando há prova de má-fé do beneficiário. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 203, V; Lei nº 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 3º; Lei nº 10.741/03, art. 34, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: STF, Reclamação nº 4374/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes; STJ, REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 25/02/2015; STJ, REsp nº 1381734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 10/03/2021 (Tema 979). (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000724-75.2021.4.03.6332, Rel. Desembargador Federal JEAN MARCOS FERREIRA, julgado em 07/04/2025, Intimação via sistema DATA: 15/04/2025) Portanto, inexigível a restituição no caso, declaro a inexistência do crédito da autarquia em relação a autora, por conta da concessão indevida do benefício assistencial. III - DISPOSITIVO:. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Não reconheço o direito ao benefício assistencial, contudo afasto a exigibilidade da restituição dos valores pagos a título do benefício assistencial, conforme fundamentação, declarando a inexistência do crédito da autarquia no caso. Custas abrangidas pela gratuidade. Condeno a parte autora, que decaiu da maior parte do pedido, no pagamento da verba honorária no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa em favor da autarquia, com as ressalvas da gratuidade na forma do artigo 98, §3º, CPC. Oportunamente, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe. Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. Marília, data da assinatura eletrônica. ALEXANDRE SORMANI Juiz Federal
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear