Processo nº 1002561-82.2023.8.11.0004
ID: 323637086
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002561-82.2023.8.11.0004
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MILENA PIRAGINE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002561-82.2023.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários, Dever de …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002561-82.2023.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários, Dever de Informação] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [ADELICE GUIMARAES DE MORAES - CPF: 361.348.991-00 (APELADO), ANTONIO CARLOS REZENDE - CPF: 292.749.741-91 (ADVOGADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (APELANTE), EMERSON CASTRO CORREIA - CPF: 052.496.897-79 (ADVOGADO), MILENA PIRAGINE - CPF: 295.235.348-40 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): BANCO DO BRASIL S.A. APELADO(S): ADELICE GUIMARAES DE MORAES. EMENTA. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. GOLPE DA FALSA CENTRAL TELEFÔNICA. TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS REALIZADAS PELO PRÓPRIO CLIENTE. COMUNICAÇÃO POSTERIOR DA FRAUDE. FORTUITO EXTERNO E CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. RESPONSABILIDADE PARCIAL DO BANCO APÓS CIÊNCIA DO FATO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta pelo Banco do Brasil S.A. contra sentença que julgou procedente ação declaratória cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais ajuizada por Adelice Guimarães de Moraes, condenando a instituição financeira ao pagamento de R$ 151.537,89 por danos materiais e R$ 8.000,00 por danos morais, em razão de transferências bancárias realizadas por terceiros mediante fraude conhecida como "golpe da falsa central telefônica". II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se a instituição financeira pode ser responsabilizada por transações bancárias realizadas antes da comunicação formal da fraude; (ii) estabelecer se o banco responde pelas movimentações efetuadas após a ciência da ocorrência; e (iii) determinar se é cabível a condenação por danos morais em virtude da omissão da instituição financeira após a notificação do golpe. III. RAZÕES DE DECIDIR A culpa exclusiva da vítima afasta a responsabilidade da instituição financeira por transações realizadas voluntariamente com uso de credenciais legítimas, mesmo que sob indução de terceiros, caracterizando fortuito externo nos termos do art. 14, §3º, II, do CDC. A comunicação da fraude ao banco ocorreu às 16h17 do dia 22/12/2022, sendo que transações posteriores, realizadas às 18h52min e 18h54min do mesmo dia, evidenciam falha na prestação do serviço por omissão da instituição financeira em adotar medidas preventivas imediatas, ensejando responsabilidade objetiva. A omissão da instituição financeira após ser formalmente informada da fraude justifica a condenação por danos morais, pois a inércia da fornecedora de serviços bancários após ciência da fraude viola o dever de segurança e gera angústia e frustração legítimas ao consumidor. A responsabilidade do banco limita-se às transações realizadas após a comunicação da fraude, totalizando R$ 3.069,25, afastando-se a condenação pelo valor remanescente, diante da culpa exclusiva da autora pelas demais movimentações. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A instituição financeira não responde por transações bancárias realizadas antes da comunicação da fraude quando estas decorrerem de culpa exclusiva do consumidor, caracterizando fortuito externo. A responsabilidade do banco subsiste em relação às movimentações realizadas após a ciência da fraude, diante da omissão em adotar medidas preventivas. A inércia da instituição financeira após comunicação formal da fraude configura falha na prestação do serviço e enseja dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXIV; CDC, art. 14, caput e §3º, II; CC, art. 393, parágrafo único; CPC, arts. 85, §§2º, 11 e 14, 98, §3º, e 1.010, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1914255/AL, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 10.05.2021; TJMT, Apelação Cível 1010770-47.2024.8.11.0055, Rel. Des. Luiz Octávio O. Saboia Ribeiro, j. 08.06.2025; TJMT, Apelação Cível 1002298-09.2023.8.11.0050, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, j. 15.11.2024; TJMT, Apelação Cível 1000131-88.2022.8.11.0006, Rel. Des. Nilza Maria P. de Carvalho, j. 18.10.2022. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de APELAÇÃO CÍVEL, interposto por BANCO DO BRASIL S/A, contra sentença (ID. 293108864 – Autos de Origem nº 1002561-82.2023.8.11.0004), proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças-MT, que julgou procedentes os pedidos formulados por ADELICE GUIMARÃES DE MORAES em Ação Declaratória cumulada com Indenização por Danos Materiais e Morais, condenando o réu ao pagamento de R$ 151.537,89 a título de danos materiais e R$ 8.000,00 por danos morais, em razão de transferências bancárias indevidas realizadas por terceiros mediante fraude (golpe da falsa central telefônica), nos autos da Ação de Indenização, sob os seguintes fundamentos: [...] “(...) fica consubstanciada na fragilidade do sistema de segurança incapaz de detectar a flagrante atipicidade dos gastos em comparação com o perfil do cliente, possui o condão de ensejar à parte autora o direito à restituição dos valores debitados indevidamente em sua conta bancária. (...)53.Diante do exposto e de tudo mais que dos autos consta, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, CPC,JULGO PROCEDENTEa pretensão deduzida na inicial e, por conseguinte: a)CONDENOa requerida ao pagamento de indenização por danos materiais no valor deR$ 151.537,89 (cento e cinquenta e um mil, quinhentos e trinta e sete reais e oitenta e nove centavos), sendo queR$ 148.468,64 (cento e quarenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e oito reais e sessenta e quatro centavos)referem-se às transações (PIX e TED) realizadas no dia21/12/2022, enquanto osR$ 3.069,25 (três mil, sessenta e nove reais e vinte e cinco centavos)correspondem às movimentações ocorridas no dia22/12/2022. Sobre a quantia incidirão juros de mora de 1% ao mês a contar do evento danoso e correção monetária a partir da data do efetivo desembolso (21 e 22/12/2022), pelo IPCA; b)CONDENOa requerida no pagamento do valor deR$ 8.000,00 (oito mil reais)a título de indenização pelos danos morais sofridos pela autoraADELICE GUIMARÃES DE MORAES,devendo incidir juros de mora de 1% a.m. a contar da citação (02/05/2023) e correção monetária a partir da publicação desta sentença. 54.Em razão da sucumbência,CONDENOa parte requerida no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quaisFIXOem 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no art.85, §2º, CPC.” [...] (ID. 293108864) Em razões recursais (ID. 293108866), a parte apelante sustenta as seguintes teses: – Ausência de ato ilícito por parte do banco. – Excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima. – Ausência de nexo de causalidade entre o dano e a conduta do banco. – Existência de medidas preventivas disponibilizadas pelo banco (Guia de Segurança). – Impropriedade da condenação por danos morais e materiais. A parte apelada apresenta contrarrazões (ID. 293108871) nas quais sustenta preliminar de não conhecimento da apelação, por violação ao princípio da dialeticidade e no mérito, requer o não provimento do recurso, argumentando que a sentença se baseou em análise concreta das provas, demonstrando falha na prestação do serviço bancário. Dispensado o Parecer Ministerial em razão da matéria e por inexistir parte incapaz. Recurso tempestivo, conforme expedientes e preparo efetuado conforme certidão de ID nº 294222384. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): BANCO DO BRASIL S.A. APELADO(S): ADELICE GUIMARAES DE MORAES. VOTO Egrégia Câmara: Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço do presente recurso. Reitero que se trata de recurso de Apelação Cível interposto por Banco do Brasil S/A contra sentença prolatada pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças-MT, que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, cumulada com pedido de declaração de inexistência de débito, ajuizada por [nome da parte autora], julgou procedentes os pedidos formulados na exordial, condenando a instituição financeira ao pagamento de R$ 151.537,89 (cento e cinquenta e um mil, quinhentos e trinta e sete reais e oitenta e nove centavos), a título de danos materiais, bem como R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de compensação por danos morais, ao fundamento de que restou configurada falha na prestação dos serviços bancários contratados. Passo à análise das preliminares arguidas em contrarrazões, para, após, enfrentar o mérito propriamente dito. 1. Preliminar. 1.1. Da alegada ausência de dialeticidade (Art. 932, III, CPC). Nas contrarrazões, a parte apelada argui preliminar de ausência de dialeticidade, alegando que o recurso apresentado se limita à repetição de argumentos já expostos na contestação, sem impugnar de forma específica os fundamentos centrais da sentença. Contudo, não assiste razão à apelada. Nos termos do art. 1.010, II, do Código de Processo Civil, incumbe ao recorrente expor, de maneira clara e fundamentada, as razões do pedido de reforma. A dialeticidade exige, tão somente, que o recurso impugne de forma minimamente articulada os fundamentos da decisão recorrida, o que se verifica, no caso, de maneira satisfatória. A instituição apelante rebateu, de forma objetiva, os principais fundamentos adotados pelo juízo a quo, notadamente quanto à inexistência de ato ilícito, à culpa exclusiva da vítima, ao rompimento do nexo causal e à suposta inexistência de falha na prestação do serviço. Assim, rejeito a preliminar de ausência de dialeticidade arguida pela parte apelada. É como voto. 2. Mérito. 2.1. Da ausência de responsabilidade do banco pelas transações efetuadas antes da comunicação da fraude. No mérito, sustenta o banco apelante que não praticou qualquer ato ilícito, uma vez que as transações impugnadas foram realizadas mediante o uso de credenciais legítimas, previamente cadastradas pela própria consumidora, inexistindo falha nos mecanismos de segurança ou nos sistemas internos da instituição. Verifica-se, de fato, que a autora, induzida por terceiros mediante prática de engenharia social, realizou procedimentos bancários voluntários em terminal de autoatendimento, viabilizando o acesso de fraudadores à sua conta. A fraude, portanto, foi estruturada em ambiente externo, mediante ato exclusivo de terceiro e da própria vítima, o que caracteriza hipótese de fortuito externo, nos termos do art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido: DIREITO CIVIL E CONSUMERISTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRELIMINARES DE IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA E CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADAS. GOLPE DA FALSA CENTRAL DE ATENDIMENTO. TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS REALIZADAS PELA PRÓPRIA CORRENTISTA. INCONSISTÊNCIAS TEMPORAIS. FORTUITO EXTERNO. CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos materiais morais, fundamentada na inexistência de falha na prestação do serviço bancário e caracterização da culpa exclusiva da consumidora. A apelante alega ter sido vítima de golpe perpetrado por terceiros que, utilizando o número oficial do banco, induziram-na a realizar operações no caixa eletrônico sob o pretexto de bloquear transações suspeitas, quando na verdade estavam sendo efetivadas transferências fraudulentas para contas de terceiros, sustentando a ocorrência de falha na prestação do serviço bancário e invocando a responsabilidade objetiva da instituição financeira. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) saber se deve ser acolhida a impugnação à justiça gratuita formulada pelo banco apelado; (ii) saber se houve cerceamento de defesa pela supressão da fase instrutória; e (iii) saber se houve falha na prestação de serviço pelo banco apelado que justifique sua responsabilização pelos danos materiais e morais alegados, considerando as alegações de clonagem do número oficial da instituição, acesso indevido à conta via aplicativo e ausência de barreiras de verificação para transações atípicas. III. Razões de decidir 3. A impugnação à justiça gratuita não merece acolhimento, pois a hipossuficiência financeira foi devidamente comprovada quando do ajuizamento da ação, sendo que a parte apelada não trouxe elementos concretos que demonstrem a capacidade econômica da autora para arcar com as custas processuais, limitando-se a alegações genéricas, observando-se que a assistência por advogado particular não impede a concessão da gratuidade. 4. Inexiste cerceamento de defesa, pois o magistrado, como destinatário das provas, tem o poder-dever de valorar sua necessidade e utilidade à resolução da lide, com base nos princípios da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento motivado, tendo o juízo singular apreciado livremente as provas dos autos e fundamentado adequadamente sua decisão. 5. A análise do conjunto probatório revela inconsistência temporal significativa entre as ligações fraudulentas e as transações questionadas, com as chamadas ocorrendo entre 15h-16h e as operações sendo realizadas após as 17h do mesmo dia, fragilizando substancialmente a tese defensiva da apelante sobre a dinâmica do golpe narrada. 6. As transferências foram executadas de forma sequencial e espaçada, com intervalos temporais que permitiriam à consumidora perceber que realizava transferências efetivas e não meros bloqueios, conforme alegado, demonstrando ausência de nexo causal entre a conduta do banco e os danos sofridos. 7. Inexistem nos autos evidências concretas de clonagem do número oficial do banco ou invasão técnica da conta via aplicativo, sendo as transações realizadas pela própria correntista utilizando seus dispositivos de segurança pessoais, sem violação dos sistemas bancários. 8. A conduta da apelante, ao fornecer voluntariamente dados bancários e realizar transferências sob orientação de terceiros, caracteriza culpa exclusiva da consumidora, configurando fortuito externo que afasta a responsabilidade objetiva da instituição financeira, nos termos do art. 14, §3º, II, do CDC. IV. Dispositivo e tese 9. Preliminares rejeitadas. Recurso de apelação desprovido. Majoração dos honorários sucumbenciais para 15% sobre o valor atualizado da causa. Tese de julgamento: "1. Em casos de golpe da falsa central de atendimento, a responsabilidade da instituição financeira é afastada quando as transações são realizadas pela própria correntista mediante fornecimento voluntário de credenciais a terceiros, sem evidência de falha nos sistemas de segurança bancária, configurando culpa exclusiva da vítima e fortuito externo." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXIV; CC, art. 393, parágrafo único; CDC, art. 14, §3º, II; CPC, arts. 85, §11, 98, 99, §4º, 370 e 371. Jurisprudência relevante citada: Súmula 479/STJ; STJ, AgRg no AREsp 444634/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª Turma, j. 10.12.2013; TJMT, Apelação Cível 1010770-47.2024.8.11.0055, Rel. Des. Luiz Octávio Oliveira Saboia Ribeiro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 08.06.2025; TJMT, Apelação Cível 1002298-09.2023.8.11.0050, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 15.11.2024; TJMT, Apelação Cível 1002383-91.2023.8.11.0018, Rel. Des. Márcio Aparecido Guedes, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 12.06.2025. (N.U 1034627-04.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/07/2025, Publicado no DJE 03/07/2025).” “APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFERÊNCIA VIA PIX NÃO RECONHECIDA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação contra sentença que julgou improcedente pedido de devolução e indenização por danos morais, decorrente de transferência via PIX não reconhecida. O autor alegou falha na segurança bancária e omissão da instituição em acionar o Mecanismo Especial de Devolução (MED). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar a responsabilidade objetiva do banco pela transação não reconhecida; (ii) definir se a culpa exclusiva do consumidor afasta o dever de indenizar. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A responsabilidade objetiva da instituição financeira exige demonstração de falha na prestação do serviço, o que se afasta quando há culpa exclusiva do consumidor (CDC, art. 14, §3º, II). 4. A transação foi feita com login e senha do autor, não havendo prova de fraude externa ou falha sistêmica. 5. O autor não juntou extratos nem evidenciou desvio de padrão em sua movimentação. 6. O MED depende de solicitação formal e cooperação entre instituições, o que não foi comprovado. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: 1. A responsabilidade objetiva do banco por fraude eletrônica afasta-se quando comprovada a culpa exclusiva do consumidor. Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 14, §3º, II; CPC, art. 85, §§ 2º e 11; Resolução BCB nº 103/2021. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1633785/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 30/10/2017; TJMT, Apelação n. 1026560-84.2022.8.11.0041, j. 12/06/2024; TJMT, Apelação n. 1007192-63.2023.8.11.0006, j. 25/11/2024. (N.U 1024317-17.2023.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/07/2025, Publicado no DJE 05/07/2025)” Diante desse cenário, entendo que as transações realizadas até o momento da comunicação da fraude ao banco, registrada às 16h17 do dia 22/12/2022, não podem ser atribuídas à instituição financeira, eis que decorrentes de fato exclusivo de terceiro e da conduta da própria consumidora, que, embora na condição de vulnerável, agiu com imprudência ao fornecer dados bancários sensíveis por telefone. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado de que ofornecimento voluntário de senha pelo correntista a terceiros configura culpa exclusiva da vítima, vejamos: CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS . CONSUMIDOR QUE FORNECEU O CARTÃO BANCÁRIO E A SENHA A TERCEIRO MEDIANTE PRÁTICA DE ESTELIONATO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO ESTADUAL QUE DECIDIU COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ . DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC . 2. A eg. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, de que "as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" ( REsp 1 .197.929/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 12/9/2011). 3 . No caso, após acurada análise do conteúdo fático-probatório dos autos, o Tribunal estadual concluiu que o recorrente foi vítima de golpe perpetrado por estelionatário que se valeu da sua confiança para tomar posse do cartão de crédito e de sua senha, de uso pessoal e intransferível, para efetuar os saques, subsumindo a hipótese, portanto, à exceção prevista no § 3º do art. 14 do CDC, no sentido de que o fornecedor de serviços não será responsabilizado quando provar a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 4. A revisão do julgado com o consequente acolhimento da tese recursal a fim de reconhecer a existência de falha na prestação do serviço pelo recorrido, demandaria o revolvimento das premissas fáticas delineadas nos autos, o que não se admite em âmbito de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7 do STJ . 5. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos. 6. Agravo interno não provido . (STJ - AgInt no REsp: 1914255 AL 2020/0349002-9, Relator.: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 10/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2021) Assim, acolho parcialmente as razões recursais, reconhecendo a ausência de responsabilidade do banco com relação às movimentações efetuadas até 22/12/2022 às 16h17, afastando-se, por conseguinte, o dever de indenizar por tais valores. 2.2. Da responsabilidade pelas transações realizadas após a comunicação da ocorrência. Contudo, o mesmo raciocínio não se aplica às transações realizadas após a comunicação formal da ocorrência à instituição financeira, ocorrida, conforme já mencionado, às 16h17 do dia 22/12/2022. Consta dos autos que, mesmo após ciência da fraude, foram realizadas as seguintes operações: - PIX no valor de R$ 3.055,39, efetuado às 18h54min07s do dia 22/12/2022; - PIX no valor de R$ 13,86, efetuado às 18h52min49s do mesmo dia. Tais transações, totalizando R$ 3.069,25, ocorreram duas horas após a notificação da fraude, período mais do que razoável para que o banco, já devidamente informados da ocorrência, adotasse medidas preventivas eficazes, como o bloqueio da conta ou a suspensão de movimentações suspeitas, de modo a impedir novos prejuízos à consumidora. A jurisprudência reconhece que, uma vez comunicada a fraude à instituição financeira, a omissão na adoção de providências imediatas enseja responsabilidade objetiva por falha na prestação do serviço, nos termos do art. 14, caput, do CDC. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – FRAUDE – GOLPE DA VENDA DE VEÍCULO – TRANSFERÊNCIA VIA PIX CONTESTADA DE FORMA IMEDIATA JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – RESTITUIÇÃO DOS VALORES DEVIDA – DANO MORAL CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Nos termos do artigo 14, do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos materiais causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. No caso, embora a instituição financeira não possa ser responsabilizada pela transferência de valores realizada pelo autor para terceiro fraudador, o fato é que a inércia em adotar medidas após a comunicação da fraude, configura falha na prestação do serviço, apto a ensejar a reparação de danos materiais. A negativa injustificada de utilizar os mecanismos disponíveis para sustar a fraude têm o condão de ultrapassar a esfera patrimonial e ingressar nos direitos da personalidade, vez que traz angústia, transtornos ao consumidor, que se vê privado dos recursos financeiros, em muitos casos, verba alimentar. Respeitados os parâmetros estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência para a fixação do montante indenizatório, este deve ser fixado em valor condizente com as particularidades do caso, bem como atento aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. (N.U 1016935-81.2022.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/03/2025, Publicado no DJE 22/03/2025)” Assim, reconheço a responsabilidade do banco somente com relação às transações acima mencionadas, determinando a restituição do valor de R$ 3.069,25, a título de danos materiais. 3. Dos danos morais. A sentença também condenou o banco apelante ao pagamento de R$ 8.000,00 a título de danos morais. Tal condenação se sustenta no fato de que, mesmo cientificada da fraude, a instituição financeira permaneceu inerte, permitindo a continuidade dos prejuízos, situação que excede o mero dissabor cotidiano e viola o dever de segurança e confiança na relação contratual bancária. A jurisprudência reconhece que a omissão da instituição financeira, ao não agir prontamente após o aviso da fraude, configura causa autônoma de dano moral indenizável. “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANFERÊNCIA BANCÁRIA. GOLPE PIX PRATICADO POR TERCEIRO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA AO BANCO. INÉRCIA DO BANCO. APLICAÇÃO DO CDC. DEVER DE RESTITUIR VALORES E COMPENSAR O DANO MORAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Devidamente comunicada a instituição bancária a respeito do golpe praticado por terceiro, seu correntista, deveria tomar as providências para minimizar os danos e apurar os fatos. O Dano moral é puro. O prejuízo independe de demonstração. Decorre da falta de diligência do apelado que ao tomar conhecimento de uma fraude, nada fez para impedir danos maiores. (TJ-MT 10001318820228110006 MT, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 18/10/2022, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2022)” Diante da natureza da omissão e da extensão do abalo causado, o valor fixado na origem revela-se razoável e proporcional, não comportando redução. Assim, mantenho integralmente a condenação por danos morais no valor de R$ 8.000,00. Conclusão. Diante de todo o exposto, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para afastar a responsabilidade do banco com relação às transações ocorridas até as 16h17 do dia 22/12/2022, reconhecendo a culpa exclusiva da vítima; e reduzir o valor indenizatório, a título de danos materiais para o valor de R$ 3.069,25, a título de danos materiais, mantendo-se, quanto ao mais a r. sentença. Diante da sucumbência recíproca, cada parte arcará com 50% das custas processuais. Os honorários advocatícios serão devidos por cada parte ao advogado da parte contrária, fixados em 10% sobre o valor da sucumbência respectiva, sem compensação (CPC, art. 85, §14). Quanto à parte beneficiária da justiça gratuita, a exigibilidade da verba honorária fica suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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