Processo nº 1023435-37.2024.8.11.0042
ID: 309922638
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1023435-37.2024.8.11.0042
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO BATISTELLA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1023435-37.2024.8.11.0042 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado, Violência Doméstica Con…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1023435-37.2024.8.11.0042 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado, Violência Doméstica Contra a Mulher] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), JEFFERSON DA SILVA QUINTERO - CPF: 040.088.781-90 (RECORRENTE), SERGIO BATISTELLA - CPF: 369.810.529-20 (ADVOGADO), DANIELLE FERREIRA DA SILVA - CPF: 029.532.041-99 (VÍTIMA), RAFAEL DIEGO TIMOTEO DOS SANTOS SILVA (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALDIADE EVIDENCIADOS. ALEGADO EXERCÍCIO DE LEGÍTIMA DEFESA. ANIMUS NECANDI. EXCLUSÃO DE ILICITUDE NÃO COMPROVADA. PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão que pronunciou o réu pela prática de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos II, III e IV, do CP), em que o recorrente pleiteia a absolvição ou, subsidiariamente, a despronúncia, alegando a ausência de dolo, bem como a presença de legítima defesa. II. Questão em discussão: A questão em discussão consiste em: (i) saber se há indícios suficientes de autoria e materialidade para sustentar a pronúncia por homicídio qualificado, (ii) se há elementos concretos que justifiquem a absolvição ou desclassificação do crime para legítima defesa. III. Razões de decidir: 1. A decisão de pronúncia, nos termos do artigo 413 do CPP, exige apenas a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade do crime. No caso, os elementos de prova, incluindo a perícia e os depoimentos, são suficientes para demonstrar o homicídio qualificado. 2. O reconhecimento da legítima defesa na fase de pronúncia exige prova inconteste da excludente de ilicitude, o que não se verifica nos autos, pois os elementos probatórios autorizam a submissão do acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri. 3. Os elementos probatórios indicam que o recorrente, ao que parece, ceifou a vida da vítima com vários golpes de faca. Demonstrados nos autos materialidade e indícios de autoria delitiva, não se vislumbra, de modo evidente, no caso, ausência de animus necandi, considerando a natureza das lesões e o contexto da ação criminosa. 4. A jurisprudência entende que, em sede de pronúncia, uma vez preenchidos os standards probatórios, deve o mérito da prova ser apreciado pelo Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. A absolvição sumária exige prova contundente, cabal e cristalina. Não sendo este o caso, deve ser mantida a sentença de pronúncia. 5. A argumentação de legítima defesa foi afastada, uma vez que os elementos demonstram que a reação do réu foi desproporcional, não configurando, portanto, a excludente de ilicitude. A quantidade de golpes desferidos e o local atingido indicam o animus necandi. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Decisão de pronúncia mantida. Tese de julgamento: “1. O standard probatório para a pronúncia exige que haja indícios suficientes de autoria e materialidade, ainda que sem a certeza plena exigida para a condenação. 2. Incabível a absolvição sumária quando não comprovada de forma incontestável a excludente de ilicitude. 3. O Tribunal do Júri é competente para decidir sobre a existência de animus necandi e a incidência de qualificadoras”. Dispositivos relevantes citados: Art. 121, § 2°, I e IV, c.c. art. 14, II, do CP; art. 413, do CPP. Jurisprudência relevante citada: STJ – REsp n. 2.091.647/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 26/09/2023. RHC n. 172.039/CE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 02/04/2024. AgRg no HC: 891631 SC 2024/0048297-3, Rel. Min. Messod Azulay Neto, T5 - Quinta Turma, j. em 20/05/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por JEFFERSON DA SILVA QUINTERO contra decisão prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Esp. de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá (MT), que o pronunciou a fim de que seja submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri pela suposta prática do crime previsto no art. 121, § 2º, incisos II, III e IV, do Código Penal (Id. 283371538 - p. 31-38). Em síntese, o recorrente postula em suas razões a reforma da decisão de pronúncia, sustentando que na hipótese dos autos está evidenciada a ocorrência de excludente de ilicitude (legítima defesa), por ter o recorrente apenas reagido a uma agressão da vítima, que agiu sem dolo de matar, e caso a pronúncia seja mantida, requer o reconhecimento da incompetência do Juízo, com a consequente redistribuição do feito para a vara especializada em homicídios (Id. 283371538 – p. 09-16). Contrarrazões pelo desprovimento do recurso, mantendo a decisão de pronúncia (Id. 283371547). Em sede de Juízo de retratação, a magistrada de primeiro grau manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (Id. 283371549). Insta a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do d. Procurador de Justiça José de Medeiros, opinou pelo desprovimento do recurso interposto (Id. 292403864). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: O recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, bem como o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingirem as finalidades colimadas, motivos pelos quais, estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO do recurso manejado pelo réu. No caso em análise, o recorrente se insurge quanto a sentença de pronúncia, requerendo a reforma da decisão para sua absolvição ou, alternativamente, a impronúncia, sob o argumento de que agiu em legítima defesa. Além disso, sustenta que não houve êxito na acusação quanto à autoria e materialidade do crime, não havendo, portanto, razão para ser submetido ao Tribunal do Júri. Para melhor compreensão da pretensão recursal, faz-se necessária a transcrição de parte do que consta na denúncia acerca dos fatos: (...). 02. Provam os autos de Inquérito Policial n° 6760-07.2010.811.0042, que sustenta a presente denúncia, que no dia 21 de fevereiro de 2010, por volta das 07:30 horas, no interior da residência da primeira vítima DANIELLE FERREIRA DA SILVA, conhecida como DANI, situada no bairro Porto, nesta urbe e Comarca, mediante golpes desferidos com uma faca com cabo de madeira, o Denunciado matou a segunda vítima RAFAEL DIEGO TIMÓTEO DOS SANTOS SILVA, de apenas 23 anos de idade e tentou matar a primeira vitima DANIELLE, de 20 anos de idade. 03 Desponta dos autos inquisitoriais que Acusado mantivera um relacionamento íntimo com a primeira vítima DANI, por aproximadamente 03 anos e desse relacionamento, nasceu a filha deles, EMILY, que contava com 02 anos de idade na data do delito (fis. 06/07, 66/69. 72, 85/99). 04. Ocorre que a primeira vítima DANI pôs fim ao relacionamento, especialmente porque o Denunciado praticara roubo, em prejuízo de outra vítima e porque o Acusado apenas registrara a pequena EMILI, ausentando-se da vida da sua filha. 05. Em seguida, a primeira vítima DANIELLE iniciou um namoro íntimo com o ofendido RAFAEL DIEGO. 06. A partir do momento que o Denunciado tomou conhecimento de que ambas as vítimas, DANIELE e RAFAEL DIEGO, estavam namorando entre si, passou a proferir contra elas, ameaças de morte, ora fazendo-o expressa e pessoalmente ora por telefonemas ou recados enviados por terceiros (fis. 12/23, 33/37 e 42/46). 07. Consta que na manhã de 21 de fevereiro de 2010, o Denunciado se dirigiu até a casa da primeira vítima DANI e sorrateiramente conseguiu entrar no local, quando ainda estavam dormindo aquela vítima e o ofendido RAFAEL DIEGO. 08. Dentro do imóvel e com a faca em punho, o Acusado, ao pé da cama se debruçou sobre a ofendida DANI e, pela última vez, os ameaçou de morte, ao lhes dizer "Prepare-se para morrer l" 09. Então, os ofendidos DANI e RAFAEL DIEGO acordaram - tomados de surpresa com a aparição repentina do Acusado no interior da casa - restando apenas ao ofendido RAFAEL DIEGO afirmar, em defesa da ofendida DANI: "Ela, não !" 10. Assim sendo o ofendido RAFAEL DIEGO teve reação de legítima defesa, em favor da primeira vitima DANI e em favor de sua própria vida, e entrou em luta corporal com Denunciado (fis. 12/16 e 42/46). 11. De nada adiantou essa reação legitima do ofendido RAFAEL DIEGO, porque a surpresa feita pelo Acusado dificultou a defesa do Ofendidos. 12. A vítima DANI saiu em desabalada carreira, para fora da casa, a pedir socorro para os vizinhos e populares e para evitar que fosse atingida pelo Denunciado, que ainda portava a malsinada faca. 13. Consequentemente, quanto à primeira vitima DANIELE, o homicídio somente não se consumou, por circunstâncias alheias à vontade do denunciado JEFFERSON 14. O Acusado agiu com inequívoca crueldade e causou intenso sofrimento para a vítima RAFAEL DIEGO, de modo que evidente a intenção de matá-la, porque lhe desferiu inúmeros golpes de faca, que resultaram em sua morte, no interior da mesma casa, por choque hemorrágico, conforme consta da certidão de óbito de fls. 72. 15. O Acusado também agiu por motivo torpe, porque imbuído do sentimento torpe de ciúme. 16. Os golpes desferidos pelo Denunciado atingiram as seguintes regiões do corpo da vítima fatal RAFAEL DIEGO: o pavilhão auricular direito (orelha): regiões hipotenar da mão direita; esternal direita; torácica medial, à direita; e região mesogástrica, como comprovam o laudo pericial de necrópsia, o mapa topográfico de lesões e o laudo pericial do local do crime com fotografias de fis. 53/59 e 85/99. 17. Após o delito vendo que a ofendida DANI escapara, o Denunciado se evadiu da casa, utilizando a motocicleta da vitima RAFAEL DIEGO, da marca honda, modelo biz, de cor vermelha, placas KAS-6067. 18. A motocicleta era registrada em nome do terceiro VILSON BENTO DE MORAIS e foi abandonada pelo Acusado numa via pública do bairro Cidade Alta, em Cuiabá (fis. 10/11 e 26/31). 19. A faca utilizada pelo Denunciado para consumar o homicídio foi submetida a perícia de constatação de sangue humano, com resultado positivo (fls. 66/69). 20. O exame pericial toxicológico sobre o cadáver da Vítima, não foi realizado, por falta de condições técnicas (fis. 63). 21. O Denunciado foi interrogado pela autoridade policial e confessou a autoria delitiva, contudo apresentou a ilusória versão de legítima defesa, sem conseguir explicar como e porque, naquele dia invadira a casa da ofendida DANIELLE para golpeá-la e ao ofendido RAFAEL DIEGO, que dormiam (fis. 42/47). 22. Há possibilidade jurídica do Acusado ser reincidente, o que será comprovado com as juntadas das certidões criminais abaixo especificadas. (...). d) a CONDENAÇÃO do Denunciado, nas penas do art. 121, § 2°, incisos I, Ill e IV (vitima RAFAEL DIEGO) c/c art. 121, § 2°. incisos incisos 1, Ill e IV e art. 14, inciso ll (vitima DANIELLE) c/c art. 69 (duas vítimas), todos do Código Penal c/c Lei n° 8.072/90. (...). (Id. 283371540 – p. 303-309). Após o regular trâmite processual, o recorrente foi pronunciado nos termos contidos na denúncia. Sabe-se que o processo do júri, utilizado para julgar crimes dolosos contra a vida e seus casos correlatos (conforme o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988), consiste em duas etapas distintas. A primeira delas, chamada de judicium accusationis, ocorre diante de um juiz singular e tem como objetivo analisar os fatos apresentados na acusação inicial para determinar se há justificativa para levar o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri. A sentença de pronúncia constitui uma avaliação preliminar da admissibilidade da acusação, levando em consideração a existência de um crime doloso contra a vida, não sendo discutido, nessa fase, o mérito do crime, mas sim se a acusação deve ser aceita ou rejeitada, havendo pronúncia em caso de existência de fundamento para o convencimento acerca da materialidade do fato e presentes indícios suficientes da autoria ou da participação do acusado no crime (artigo 413, do CPP). A acusação tem, após o recebimento da denúncia, a oportunidade de fortalecer os indícios colhidos durante a apuração indiciária com ganho de consistência probatória para que ao analisar os autos na primeira etapa do processo, possa o magistrado ter à sua disposição elementos que indiquem de maneira forte que o acusado participou ou seja o autor do crime. Estes indícios, a serem sopesados pelo magistrado que prolata uma decisão de submissão do acusado ao Júri Popular, devem fornecer um nível de certeza mais elevado que o necessário para o recebimento da denúncia, devendo não ser comprobatório de certeza, mas deve estar próximo desta. Sobre este aspecto ponderou o decano de nosso Tribunal, o Des. Orlando de Almeida Perri, em seu artigo “O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos!”: Assim, os indícios para a pronúncia devem ser vistos como aqueles que sejam necessários e suficientes para uma condenação, não em nível de certeza plena, mas de uma certeza aproximada. Esta, a mens legis que o juiz deve considerar, pois não se admite que o réu seja levado a júri sem que existam provas que despontem uma probabilidade elevada (não elevadíssima) de ser ele o autor do crime. (PERRI, Orlando de Almeida. O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos! #Elenão. Migalhas. Julho de 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/330397/o-standard-de-provas-na-decisao-de-pronuncia-e-as-informacoes-do-inquerito-policial--basta-de-juiz-pilatos---elenao. Acesso em: 02/06/2024). Nos termos do artigo 415, do CPP, o juiz poderá absolver o acusado sumariamente quando: (I) estiver comprovada a inexistência do delito; (II) estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (III) o fato não constituir infração penal; e, por fim, (IV) estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses absolutórias devem exsurgirincontestáveisnos autos, para que esteja preenchido o standard probatório necessário. Em que pese a divergência jurisprudencial e doutrinária sobre a existência ou não do princípio in dubio pro societate quanto à sentença de pronúncia, torna-se preferível que sejam utilizados os standards probatórios em seu lugar, que advém da previsão legal, e, portanto, menos influenciáveis por questões políticas e ideológicas, além daquelas inescapáveis à própria elaboração da lei pelos legisladores. Imperioso ressaltar o entendimento firmado no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, em que a Sexta Turma do STJ adotou o posicional de banir de seu léxico o in dubio pro societate, visando evitar que o juiz, na pronúncia, invoque o in dubio pro societate como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva (REsp n. 2.091.647/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023). Essa discussão de que o princípio da presunção de inocência e sua regra de julgamento in dubio pro reo, seria suplantado pelo in dubio pro societate na sentença de pronúncia, pode levar ao equívoco de que o juiz da primeira fase do procedimento especial dos crimes dolosos contra a vida seja mero expectador, que age como Pôncio Pilatos e simplesmente “lave as mãos”, mandando ao crivo do júri popular todo acusado sem distinção, já que nesta primeira fase, havendo sempre a versão do réu e a do Ministério Público, esta deveria prevalecer por estar supostamente representando a sociedade. A representação da sociedade se dá quando a justiça é feita, condenando aquele que praticou o crime, quando presentes os requisitos para isso, e absolvendo aquele que provado inocente ou quando não houver prova o suficiente para uma certeza apta à condenação. Encaminhar alguém para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri sem substrato probatório mínimo, ampliando a chance de erro judicial, de injustiças, não parece ser a vontade da sociedade (Se é que ela existe. Quem e como ela foi consultada?). Se um caso sob análise de um magistrado togado fosse por ele julgado e este se deparasse com uma dúvida acerca da autoria, imediatamente iria absolver o réu. Nesta quadra, em se deparando com idêntica situação, porém em um caso de crime doloso contra a vida, não é crível a submissão de alguém para ser analisado por quem desconhece a forma de se apreciar uma prova e de quem não se cobra tal técnica, podendo o réu correr o risco de ser condenado com base em qualquer prova ou em grau manifestamente insuficiente, sobretudo porque o julgamento é guiado pela íntima convicção e consciência dos jurados, sendo que deve ser considerado, ainda, que pode o júri ser formado por homens com a mesma envergadura moral daqueles que compuseram a multidão que condenou Jesus (Ibid, PERRI, Orlando). Não desconsiderando a importância, a origem e a força que as expressões contêm e carregam consigo, tampouco das consequências da adoção entre uma máxima ou outra, o uso dos standards probatórios soluciona a questão de maneira que me parece mais apropriada e técnica do que ficar atado ao conflito, ao meu sentir infrutífero, entre o uso ou não do in dubio pro societate. Quando falamos sobre os standards probatórios, “padrões mínimos” exigidos pela lei, a pergunta a ser feita é “o que é necessário”, em termos de prova (qualidade e credibilidade) para se prolatar uma decisão judicial? Mas afinal, o que é standard de prova? Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória, o “quanto” de prova é necessário para proferir uma decisão, o grau de confirmação da hipótese acusatória. É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão. O standard é preenchido, atingido, quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado. É um marco que determina “o grau mínimo de prova” exigido para considerar-se provado um fato. Suzan HAACK acrescenta ainda que standard probatório está relacionado com o “grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir”. E prossegue a autora explicando que standards de prova são graus de “aval”, confiabilidade, credibilidade, confiança (sempre subjetivo, portanto). Esses graus de “aval” não são probabilidades matemáticas. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed; São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 410 - 411). Evidente que isso depende de qual decisão judicial será prolatada. Para se prolatar uma sentença condenatória, necessário seria a demonstração da materialidade e da autoria do crime, isto é, que o conjunto probatório carreado aos autos evidenciasse, com segurança, que tal pessoa praticou aquele crime. Vale lembrar que no Processo Penal Brasileiro cabe à acusação o ônus de comprovar as imputações feitas, e somente assim estaria afastada a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, previstos na Constituição Federal, bem como a máxima "além da dúvida razoável" prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, para ao final da instrução processual ser possível emitir um juízo condenatório, contrariando, assim a hipótese de absolvição. Sobre o assunto o professor Aury Lopes Jr, assevera: E quais são os principais padrões probatórios (standard) adotados? Basicamente, a partir da matriz teórica mais bem elaborada, que é anglo-saxã, são estabelecidos os seguintes padrões: (...). Prova além de toda a dúvida razoável (beyond/any resonable doubt – BARD), (...). E no Brasil, existe um standard probatório? Podemos trabalhar com o “além de toda a dúvida razoável”? (...). O in dubio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o juiz, no sentido de que não só não incumbe ao réu nenhuma carga probatória, mas também no sentido de que para condená-lo é preciso prova robusta e que supere a dúvida razoável. Na dúvida, a absolvição se impõe. E essa opção também é fruto de determinada escolha no tema e da gestão do erro judiciário: na dúvida, preferimos absolver o responsável a condenar um inocente. Portanto, ao consagrar a presunção de inocência e seu subprincípio in dubio pro reo, a Constituição e a Convenção Americana sinalizam a possibilidade de adoção do standard probatório de “além de toda a dúvida razoável”, que somente preenchido autoriza um juízo condenatório (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ªed; São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 411 - 412). Já para o recebimento da denúncia e decretação de uma prisão preventiva, o standard probatório do BARD pode ser reduzido, bastando, por exemplo, haver justa causa, consistente na demonstração da existência e tipicidade do crime, não haver causa de extinção da punibilidade, ou, em que a inocência da pessoa fosse verificável de plano e sem dúvida, quando ausentes indícios de autoria ou materialidade do delito. Qual seria o standard probatório necessário para a sentença de pronúncia? Não poderia ser apenas o mesmo exigido para o recebimento da denúncia ou decretação de uma medida cautelar (indícios de autoria e materialidade), pois do contrário a primeira etapa do procedimento especial seria inútil. Portanto, deve ser algo entre o necessário para o início de uma ação penal e o necessário para se prolatar um decreto condenatório. É imprescindível que haja indícios suficientes de autoria e materialidade e que ao menos alguma destas provas tenha sido produzida em contraditório judicial na primeira etapa do procedimento especial. É isso que se extrai do Código de Processo Penal em uma interpretação sistemática, corroborado pela doutrina e jurisprudência abalizadas, conforme já mencionado alhures. Há que se considerar que na fase de pronúncia deve o magistrado, caso tenha certeza de que o acusado não tenha participado ou praticado o crime, absolvê-lo. Pode, ainda, realizar a desclassificação, caso haja elementos para tanto. Na dúvida quanto à autoria, deve o magistrado se ater no princípio in dubio pro reo, pois a presunção de inocência é princípio soberano na Constituição Federal, de maneira que neste caso, cabe a impronúncia do acusado. Nos termos do art. 413, caput, do CPP, a sentença de pronúncia será fundamentadamente prolatada pelo juiz quando convencido da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação e prova da materialidade dos fatos. No caso em apreço, o Juízo de origem entendeu que: (...). A materialidade do delito de homicídio, (CP, art. 121, § 2º, incisos I, III, e IV), em relação a vítima Rafael Diego Timóteo dos Santos Dias, encontra-se, quantum satis, demonstrada, nos autos, pela certidão de óbito acostada à fl. 90 do ID. 38260926, a qual certifica a morte da vítima em questão por choque hemorrágico, instrumento pérfuro cortante. Por sua vez, os indícios de autoria do referido delito, igualmente, restaram demonstrados pelo conjunto probatório coligido no bojo dos autos, sobretudo pelo depoimento da outra vítima, Danielle Ferreira da Silva, colhido em instrução judicial e pela confissão do réu. (...). No vertente caso, compulsando os autos, verifico a existência de indícios da caraterização da qualificadora disposta no art. 121, §2º, inciso II, do CP (motivo fútil), haja vista que a vítima, em fase investigativa, aduziu, em suma, que: “no mês de novembro, Jefferson ainda estava preso, quando a declarante recebeu só num dia, três ligações do mesmo, onde ele fez várias ameaças para a declarante dizendo que estava sabendo de tudo através dos amigos dele, sobre seu caso amoroso com Diego, que sabia inclusive o nome de Diego, que ele tinha um moto Biz vermelha (...) e, ainda, neste dia, Jefferson disse que iria sair da cadeia em janeiro e quando ganhasse sua liberdade, iria matar a declarante e Diego” (outro motivo torpe) – trecho do termo de depoimento da vítima Danielle Ferreira da Silva – fls. 28/32 do ID. 38260926. (...). Verifico, ainda, que também existem nos autos, indícios suficientes para a caraterização das qualificadoras, dispostas no art.121, §2º, incisos III e IV, do CP, a uma, porque o réu se utilizou de uma faca de cozinha para perfurar o réu por mais de uma vez (meio cruel – desferimento de várias facadas), conforme se verifica no Laudo Pericial n. 01-01.000138-01/2010 (fls. 70/77 do ID. 38260926) e, a duas, porque o Laudo Pericial n. 02-06-001010/2010 (fls. 109/123 do ID. 38260926), concluiu, em suma, que “Diante dos exames efetuados no local, analisado e transcritos no presente Laudo Pericial, concluo que a causa jurídica do fato se trata de um HOMICÍDIO provocado por instrumento perfuro cortante (arma branca) onde a vítima não teve condição de se defender”. Ademais, não bastassem os assentes fundamentos retro expendidos, a jurisprudência é no sentido de que as qualificadoras só devem ser afastadas, na pronúncia, quando manifestamente improcedentes, o que não se demonstrou in casu, vigorando, nesta fase processual, o princípio in dúbio por societate. Senão vejamos: RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. QUALIFICADORA. RECURSO QUE DIFICULTOU OU TORNOU IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. DÚVIDA. SOBERANIA DO JÚRI. 1.Esta Corte firmou entendimento de que só devem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes, sem amparo nos elementos dos autos, uma vez que não se deve usurpar do Tribunal do Júri o pleno exame dos fatos da causa. 2. Inexistindo prova plena que afaste, indubitavelmente, a procedência da qualificadora, mais prudente a manutenção daquela circunstância, nesta fase do procedimento, cabendo ao Conselho de Sentença deliberar se a vítima teve ou não chance de reagir enquanto era agredida. 3. Recurso especial provido para, cassando o acórdão recorrido, restaurar a qualificadora do recurso que impossibilitou/dificultou a defesa da vítima na decisão de pronúncia. (STJ - REsp: 1284811 PR 2011/0230213-1, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 20/06/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2013). Grifei. Desta forma, entendo de bom alvitre que sejam reconhecidas as qualificadoras acima citadas, a uma, pelos fundamentos e provas retro expendidas; a duas, em razão de não haver, nos autos, prova que afaste estreme de dúvidas a presença de tais qualificadoras, cabendo, portanto, ao Egrégio Tribunal Popular do Júri a decisão final sobre as referidas qualificadoras. Quanto à tese da defesa de que, no vertente caso, não houve crime de homicídio; (...) se não houver o entendimento de legítima defesa, o máximo seria o crime de lesão corporal seguida e morte, a mesma não merece acolhida, haja vista que não se extrai dos autos, extreme de dúvidas, que o fato foi praticado em legítima defesa e que não havia a intenção de matar, devendo o deslinde da celeuma se dar no plenário do Tribunal do Júri. Neste sentido é a jurisprudência do nosso Eg. TJMT, conforme se pode ilacionar do julgado que subsegue transcrito, in litteris: EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – IMPROCEDÊNCIA – TESE DE LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA DE PLANO – EXISTÊNCIA DE MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA – PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE – AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI – INIDONEIDADE – TESE NÃO DEMONSTRADA DE PLANO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A absolvição sumária pelo reconhecimento da legítima defesa somente é admitida quando a prova produzida durante a fase do sumário da culpa evidenciar, de forma cabal, que o réu agiu usando moderadamente os meios necessários para repelir injusta agressão da vítima. A decisão de pronúncia retrata mero juízo de admissibilidade do pleito acusatório, razão pela qual, comprovada a materialidade do crime, existindo indícios suficientes da autoria delitiva e não demonstrada de forma extreme de dúvidas a ocorrência da legítima defesa, torna-se imperiosa a manutenção da decisão recorrida. Somente quando o acervo probante revelar manifestamente indicativo de que o agente agiu com intenção lesiva, e não homicida, é permitido ao julgador subtrair a causa do julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, porquanto a desclassificação é medida excepcional e tem vez quando sua possibilidade for viabilizada de modo clarividente. (N.U 1001272-63.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 16/03/2022, Publicado no DJE 23/03/2022) Grifei.(...). Note-se que o juízo formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, conforme disposto no art. 155 do CPP. Com efeito, não tendo sido colhida qualquer prova, sob o crivo do contraditório, capaz de demonstrar algum indício da autoria do crime de feminicídio em sua forma tentada contra Danielle Ferreira da Silva, impõe-se a impronúncia do réu em relação a tal crime. Por outro lado, tendo restado à saciedade comprovada a materialidade do delito de homicídio consumado em detrimento da vítima Rafael Diego dos Santos Dias, assim como os indícios de autoria, impõe-se seja pronunciado o denunciado em relação a tal delito, remetendo-o a julgamento pelo júri popular. Dispositivo Posto isto, julgo parcialmente procedente o pedido confeccionado na peça inaugural pela acusação, e, por corolário: (...). § pronuncio o acusado Jefferson da Silva Quinteiro, vulgo pestinha, (...). como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II, III e IV, do CP, sujeitando-o a julgamento pelo Tribunal de Júri desta Comarca (...). (Id. 283371538 - p. 69-80). Da simples análise do conjunto probatório constante dos autos, verifica-se que o Juízo de primeiro grau agiu acertadamente ao pronunciar o acusado, pois devidamente preenchido o standard probatório necessário. Isso porque, os indícios suficientes de autoria e as provas da materialidade delitiva estão devidamente demonstrados por meio do boletim de ocorrência n. 1.1020106.2010.233 e n. 2.2020015.2010.2608 (Id. 283371540 – p. 324-325, 328-329), Termos de Depoimentos (Id. 283371540 – p. 330-341, 351-355), Termo de Qualificação Indireta (Id. 283371540 – p. 343), Termo de Apreensão (Id. 283371540 – p. 344-345), Auto de Qualificação, Vida Pregressa e Interrogatório (Id. 283371540 – p. 361-366), Termo de Declarações (Id. 283371540 – p. 367-368), Laudo Pericial necrópsia da vítima Rafael n. 01-01-000138-01/2010 (Id. 283371540 – p. 372-379), Laudo Pericial da faca n. 03-01-001119-2010 (Id. 283371540 – p. 386-389), Laudo Pericial Local do fato n. 02.06.001010/2010 (Id. 283371541 – p. 411-425), Antecedentes Criminais (Id. 283371541 – p. 497), relatório de mídias (Id. 283371538, 283371540 - p. 122, 133, 152, 217), e declarações juntadas nos autos. No que tange aos indícios de autoria, estes também estão devidamente comprovados. A vítima D. F. da S. afirmou em seu depoimento na delegacia que mantinha um relacionamento com Rafael Diego, entretanto, seu ex-namorado, o recorrente Jefferson, não aceitava essa nova união, passando a fazer ameaças de morte contra ambos. Vejamos: (...). Que a declarante conhecia a vítima desde que eram “pequenos”; Que a declarante foi namorada da pessoa de JEFFERSON por aproximadamente três anos, mas era o tipo de namoro “vai e vem”, até que a declarante ficou grávida de sua filha EMILY, agora com dois anos e desde então, seu namoro com JEFFERSON acabou; Que depois de três meses do nascimento de sua filha, JEFFERSON veio a registrar a menina, mas nunca se responsabilizou por ela, e sumiu; Que era de conhecimento da declarante que JEFFERSON “mexia com o mundo do crime, fazia coisas errada”, tendo sido por isso, o mesmo preso por crime de ROUBO, no mês de junho de 2009; Que no mês de agosto de 2009 a declarante a mãe de JEFFERSON, insistiu que a declarante levasse a filha dela com JEFFERSON para visitá-lo no Pascoal Ramos; Que a declarante terminou por ir ao presídio para visitar JEFFERSON e levou a filha de ambos (…).; Que lá, após brincar um pouco com a filha, JEFFERSON tentou convencer a declarante de voltar para ele, e disse que nunca tinha se conformado com o fim do relacionamento e tentou fazer sexo com a mesma, porém, como a mesma não aceitou voltar para JEFFERSON, o mesmo a acusou de estar namorando outro homem; Que a declarante não estava envolvida com ninguém, porém, JEFFERSON não acreditou e agrediu fisicamente a declarante, chegando a deixar marca na sua fronte; Que mesmo tendo sido agredida por JEFFERSON, a declarante foi embora do presídio mas não registrou nenhum boletim de ocorrência sobre a agressão sofrida; Que em meados do mês de setembro de 2009, a declarante começou a se relacionar amorosamente com DIEGO, sendo que a partir de então todas as noites o mesmo ia dormir com a declarante na casa de sua mãe com quem a declarante mora; Que no mês de novembro, JEFFERSON ainda estava preso, quando a declarante recebeu só num dia, três ligações do mesmo, onde ele fez várias ameaças para a declarante dizendo que estava sabendo de tudo através dos amigos dele, sobre seu caso amoroso com DIEGO, que sabia, inclusive, o nome de Diego, que ele tinha uma moto BIZ vermelha, que ele trabalhava no CG JOTA LANCHES, que sabia que ele trabalhava neste local de noite, sabia o endereço dele ou seja, que sabia tudo sobre a rotina da declarante e de DIEGO, e ainda neste dia JEFERSON disse para a declarante que iria sair da cadeia em janeiro e quando ganhasse sua liberdade, iria matar a declarante e DIEGO; QUE por conta destas três ligações a declarante chegou a mudar o CHIP de seu aparelho celular; QUE ainda no mês de novembro de 2009, a declarante encontrava-se juntamente com DIEGO, na Passagem da Conceição, quando a declarante recebeu um telefonema da sua amiga de nome ANA PAULA, que mora atrás da Igreja redonda, do bairro Jardim Independência (…)., a qual muito aflita disse para a declarante “SAI DAÍ AGORA QUE TEM DOIS CARAS AÍ QUE VÃO TE MATAR”; Que por conta disso e já temendo JEFFERSON, a declarante nem fez indagações a ANA PAULA, apenas saiu da Passagem da Conceição juntamente com DIEGO; QUE dois dias depois, recebeu nova ligação de ANA PAULA, a qual a chamou para ir até a casa dela porque queria conversar pessoalmente, tendo a declarante ido até a casa da mesma de moto, juntamente com DIEGO; QUE quando chegaram na casa de ANA PAULA, esta aconselhou a declarante a não se expor em lugares públicos com DIEGO, porque JEFERSON iria matar os dois e ainda, ela chegou até a falar que poderia acontecer de JEFERSON matar apenas DIEGO; QUE ao ouvir isso, DIEGO ficou muito nervoso; QUE em torno do dia 15 de janeiro de 2010, por volta das 19:30 horas, a declarante encontrava-se em sua residência; onde a declarante morava na época, sito AV. 08 de Abril, n.° 146 - Bairro Verdão, quando JEFERSON, sendo que na sala da casa encontrava-se apenas a declarante e sua filha com JEFERSON, EMILY quando a declarante foi surpreendida com a presença do mesmo que adentrou sua casa sem que fosse ouvido e após dar um beijo na menina, disse que se tivesse ‘pegado’ DIEGO junto com a declarante, que iria morrer os dois e sem dizer mais nada, o mesmo foi embora deixando a declarante em choque QUE em seguida a declarante o viu indo embora num carro FOX de cor prata; QUE no dia sete de fevereiro de 2010, com medo de que JEFERSON cumprisse as ameaças que estava fazendo conta sua vida e a de DIEGO, a declarante mudou-se para a Travessa Santa Maria nº 15, no Bairro Porto, sendo que por conta das ameaças leitas por JEFERSON DIEGO passou a ir na casa da declarante a casa dos pais dele; QUE antes de tudo isso, DIEGO sempre que chegava na casa da declarante tinha por hábito jogar as chaves da moto, documentos, capacete, e seus pertences pessoais, sobre o sofá da sala e depois guardava a moto dentro da casa da declarante; QUE depois quando a declarante mudou-se para o Bairro Porto, sempre que o DIEGO ia visitá-la a noite, deixava a moto estacionada em frente de sua casa, mas continuava com o hábito de deixar as chaves da moto documentos, em cima do sofá QUE na segunda-feira de carnaval DIEGO havia ido para a cidade de Rosário do Oeste, e a declarante foi assistir ao carnaval em companhia de sua mãe e do namorado desta; QUE lá os amigos de JEFERSON viram a declarante e disseram para ele sobre sua presença no local, sendo que logo em seguida, a declarante tomou conhecimento através de CAROL que mora no CPA Ill, cujo endereço não sabe, mas que a mesma mora perto do mercado Modelo, numa casa branca, de que JEFERSON estava ‘doidinho’ atrás da declarante, e temendo ele, esta resolveu ir embora da festa, tendo sido levada para casa juntamente com sua mãe, pelo namorado desta, de nome MARCELO, que mora no Bairro Verdão podendo ser encontrado pelo telefone 9986 6380; QUE no dia dos fatos, DIEGO por volta das 04:00 horas da madrugada, a declarante encontrava-se dormindo, quando DIEGO entrou no seu quarto e deitou-se na cama onde estava a declarante com sua filha EMILY, e em seguida ambos dormiram abraçados; QUE depois a declarante despertou e deparou- se com JEFERSON vestido com calça JEANS azul, camiseta vermelha e tênis a qual já em cima de sua cama debruçado sobre si e disse SE PREPARA PRA MORRER, e neste momento, DIEGO tentou defendeu a declarante e disse ela não e logo em seguida a declarante viu JEFERSON dando uma furada em DIEGO e após, o mesmo saiu correndo; QUE a declarante apavorada correu para rua e pedindo; QUE os vizinhos chamaram a polícia; QUE quando a declarante retomou para seu quarto, DIEGO a estava morto e pouco depois, chegou a SAMU; QUE DIEGO tinha conhecimento de todas as ameaças feitas por JEFERSON, tanto é que tanto a declarante quando DIEGO tomaram providências para tentar mudarem sua rotina; QUE após, quando estava dentro do carro da polícia, a declarante tomou conhecimento através desta de que a moto de DIEGO havia sido encontrada perto de um orelhão no Bairro Cidade Alta; QUE era hábito de DIEGO, como já dissera Chegar na casa da declarante e colocar a moto dentro de sua residência usando para isso uma rampa e após o mesmo tinha o hábito de jogar seu capacete, documentos e as chaves da moto em cima do sola de sua sala, mas que na ocasião dos fatos a declarante não sabe dizer onde o mesmo deixara a moto quando chegara em sua casa, haja vista que a declarante encontrava-se dormindo, e já despertou com DIEGO ao pé de sua cama, como já dissera antes; QUE quem abriu a porta de sua casa para DIEGO entrar na ocasião dos fatos, foi a irmã da declarante de nome MICHELE; QUE após a declarante ter mudado sua rotina com DIEGO, este deixou de guardar a sua moto dentro da casa da declarante, haja vista que o mesmo ia visitá-la e voltava para dormir na casa dos pais dele, isso já nos últimos dias, desde que a declarante mudou-se de endereço, mas que embora ele não guardasse mais a moto dentro de casa, ele tinha o mesmo hábito de jogar as chaves da moto sobre o sofá, juntamente com seus documentos e o capacete e os blusões que o mesmo usava, eram deixados dentro da baú da moto; QUE a declarante tem certeza de que quem pegou a moto de DIEGO e a abandonou no Bairro Cidade Alta, foi JEFERSON e que tem certeza de que ele pegou a moto para fugir e por isso a deixou no local mencionado; QUE a declarante tem certeza de que JEFERSON pegou a moto apenas para fugir e a intenção dele era matar a declarante e DIEGO; QUE JEFERSON só não matou a declarante porque DIEGO conseguiu impedi-lo; QUE JEFERSON entrou em sua casa pela porta da frente da casa, o qual quebrou um pedaço do vidro da porta e conseguiu abri-la com as chaves que estavam na fechadura; QUE sendo apresentada a declarante a faca utilizada para o crime, a declarante afirma que não é de sua casa; QUE sendo apresentada a declarante os objetos apreendidos nos autos, a mesma reconhece como sendo todos de propriedade de DIEGO, cujos objetos o mesmo estava sempre com eles; QUE a declarante nunca tomou conhecimento de que DIEGO possuísse arma de fogo, mas que pode afirmar que nunca o viu de posse de qualquer tipo de arma de fogo ou branca; QUE também nunca tomou conhecimento que DIEGO tivesse passagem pela polícia (…). (Id. 283371540 – p. 330-334) (grifos meus). No âmbito policial, a testemunha Benedito Rafael da Silva, pai da vítima Rafael Diego, declarou: (...). QUE o declarante é genitor da vítima nestes autos; QUE com relação aos fatos, o declarante tinha conhecimento de que seu filho estava envolvido amorosamente com a pessoa de DANIELLE e tinha também conhecimento de que a mesma tem uma filha, mas que criava a filha sozinha; QUE mais ou menos um mês de que seu filho estava sendo ameaçado de morte, e quem lhe falou foi o próprio DIEGO, o qual lhe disse inclusive, que DIEGO seu filho, tinha ‘flagrado’ DANIELE dentro da casa dela, junto com o mesmo ‘cara’ que o estava ameaçando de morte; QUE inclusive, na época o declarante chegou a perguntar pro filho o nome do tal cara, mas ele disse não saber, e segundo DIEGO lhe contou naquela oportunidade, ele teria ‘flagrado’ DANIELE com esse ‘cara’ na casa dela e neste momento DIEGO teria corrido atrás do cara para brigar, mas que o elemento correu de DIEGO e foi embora e nesta confusão DANIELE teria ficado ‘a favor’ do cara, que era também ex-presidiário; QUE ainda nesta conversa DIEGO disse para o declarante que DANIELE não era uma mulher honesta e que não a queria mais; QUE apesar de DIEGO afirmar que não mais queria DANIELE, esta não o deixava em paz e ficava todo o tempo telefonando para ele, enviando mensagens e de repente DIEGO sumia, mas depois que falou para o declarante sobre os fatos acima mencionados, ele nunca mais admitiu que continuava se relacionando com DANIELE, sempre negava isso; QUE no sábado, um dia antes dos fatos, após ter saído e ido comer uma pizza DIEGO retornou para casa e por das 22:00 horas, estava chovendo, momento em que DIEGO falou para o declarante que ‘ia ali’, tendo o declarante tentado dissuadir ele de sair na chuva, porém, DIEGO disse que iria com o conjunto protetor de chuva e saiu na moto dele, uma biz de cor vermelha e não mais voltou para casa; QUE após os fatos, o declarante tomou conhecimento de que quando DIEGO saiu de casa na hora da chuva, o mesmo foi para uma lanchonete, um bar no Bairro Cidade Alta, no que após, ainda segundo tomou conhecimento, DANIELE teria chegado no mencionado bar e lá ela teria dado um bafão porque DIEGO estava lá sendo que em seguida ela saiu, para retornar momentos depois ela retornou de novo e mais uma vez, ela ‘armou um barraco’ e para ela parar com aquilo DIEGO for com ela para a casa dela; QUE quem contou isso para o declarante foi um rapaz de apelido ‘NEGO’ que é vizinho do declarante o qual o declarante se compromete trazer nesta delegacia para prestar depoimento haja vista que o mesmo estava presente no mencionado bar quando ocorreu o acima relatado; QUE somente depois dos fatos, o declarante tomou conhecimento do nome da pessoa que matou DIEGO, sendo o mesmo homem com quem DANIELE tem uma filha, o mesmo que homem que foi surpreendido por DIEGO, na casa de DANIELE sendo o mesmo de nome JEFERSON e que ele matou seu filho por causa de DANIELE, e que esta estava tendo caso com os dois: QUE dormia com um numa noite e na seguinte, dormia com o outro; QUE com relação ao veículo motocicleta que era de propriedade de DIEGO, o declarante o adquiriu em negociação com um terreno, onde o declarante tinha um terreno e o vendeu para a pessoa de ELIO RODRIGUES CAMPOS, o qual deu como pagamento a moto BIZ vermelha, a que era de DIEGO, e que a mesmo entrou pelo valor de três mil reais, e mais a quantia de um mil reais, somando o valor total de quatro mil reais, conforme o constante da cópia de contrato firmado com ELIO, cuja cópia, o declarante neste ato, pede sua juntada neste procedimento; QUE no dia 18 de abril de 2009, o declarante deu a mencionada moto de presente para DIEGO, mas que os documentos desse veículo ainda não foram transferidos para o nome nem de DIEGO, nem do declarante, porém, já fez contato com VILSON BENTO DE MORAIS, constando como proprietário da moto, e ambos combinaram a transferência para o mês de março próximo; QUE o declarante esclarece, ainda com relação aos fatos que culminaram na morte de seu filho, de que este, no dia em que teve um entrevero com JEFERSON, na ocasião em que o mesmo ‘flagrou’ JEFERSON com DANIELE, e correu atrás dele, DIEGO encontrava-se de portando uma arma de fogo, sendo a mesma um revólver porém, desconhece o calibre mas que esta não era de propriedade de DIEGO; porém não sabe dizer a quem pertencia a mencionada arma de fogo, e que o declarante tomou conhecimento deste fato, através de sua esposa, para quem DIEGO teria dito que correra atrás de JEFERSON com uma arma; QUE inclusive quando DIEGO contou este fato para ANA MARIA, a esposa do declarante, esta exigiu que DIEGO se livrasse da referida arma, portanto, depois disso, DIEGO não mais portou arma nenhuma, pelo menos, não é de conhecimento do declarante (…). (Id. 283371540 – p. 351-355) (grifos meus). Em depoimento policial, a testemunha e amigo da vítima (Rafael), Mario Augusto da Costa, afirmou: (...). QUE conhecia a vítima destes autos pela alcunha de DIEGO, como é chamado pelos amigos: Que, naquela madrugada em que aconteceram os fatos aqui investigados, o declarante estava acompanhado de outros amigos num ‘pagode’ que estava sendo realizado na lanchonete ZERO GRAU, localizado no bairro Cidade Alta, nesta capital, onde chegou por volta das 02:00 horas e ali ficou até por volta das 05:00 horas: Que, quando a declarante chegou na lanchonete acima citada, a vítima destes autos ja se encontrava no local inclusive foi até a roda onde o declarante estava com os amigos; Que, por volta das 03:00 horas DANIELE chegou no local, sendo que a mesma estava acompanhada da mãe, de uma irmã, de algumas amigas e mais dois rapazes que o declarante não conhece. Que, quando DANIELE chegou no local já foi procurando a vítima, oportunidade em que ambos discutiram, houve um empurra e empurra, e depois ficaram juntos na mesma roda bebendo cervejas; Que quando já eram por volta de 04:30 ou 05,00 horas, a vítima saiu da lanchonete em sua motocicleta BIZ de cor vermelha, enquanto que DANIELA e seus acompanhantes iam a pé, sendo que a vítima foi acompanhando o mesmos com sua moto até por cerca de trinta metros, momento em que DANIELE montou na garupa da moto da vítima e foram na direção ao bairro Porto, enquanto que as companhias de DANIELE continuaram o seu percurso a pé, e na mesma direção de DANIELE; Que por volta das 10:00 horas o declarante ficou sabendo da morte da vítima (…). (Id. 283371540 – p. 367-368). Da sentença de pronúncia extraem-se dos depoimentos testemunhais que: A vítima D. F. da S. declarou em juízo, em suma, que: (...). que está morando com o réu; que no dia 21 de fevereiro o Jefferson, seu esposo, foi até sua casa para buscar sua filha; que ao chegar em sua casa, ele se deparou com um amigo seu, ai ele que abriu a porta (seu amigo), que então eles discutiram, foi tudo muito rápido, do nada eu já vi os dois brigando; que então vi esse meu colega indo para a cozinha; que ficou conversando com o Jefferson, pedindo para ele ter calma e parasse que a gente iria conversar, só que seu amigo foi para cima dele e, eles entraram em luta corporal; que logo depois ficou sabendo que ele morreu por arma branca; que neste dia estava muito nervosa, pois já tinha acontecido de terem falado que estava em outro relacionamento, mas em momento algum esteve em outro relacionamento; que sempre esteve com o Jefferson; que ele sempre foi seu marido, mas ele não aceitava as pessoas falando que teria um namorado e neste dia ele viu o rapaz na sua casa; que o rapaz também era abusado; que falava para ele não ir na sua casa; que os dois começaram a discutir e esse amigo seu foi para o fundo, para a cozinha, ai não sabe o que aconteceu, já estava no chão caído machucado; que pra mim é muito triste voltar nesse caso, pois mexe muito com meu psicológico; que eles brigaram e logo já saiu para fora, logo já correu; que a casa só tinha uma saída; que já saiu para fora, gritando e pedindo socorro; que quando saiu da casa os dois ainda estavam brigando; que não viu ninguém armado; que só viu que meu amigo desceu para o corredor e voltou, não sabe se foi ele quem pegou a faca, pois o Jefferson não iria para sua casa com uma faca no dia de buscar sua filha; que no que saiu para fora pediu muito socorro e ligaram para a polícia, ligaram para o SAMU; que saiu para fora e já viu o Jefferson saindo, ele fugiu de moto, até porque esse amigo seu havia deixado a moto na frente com a chave no contato; que não voltou mais para sua casa e foram morar em outro bairro; que não estava namorando o Diego, ele era apenas seu amigo; que o Diego era de costume ir na sua casa; que neste dia não abriu a porta para ele, já estava em sua casa; que acredita que alguém abriu a porta para o Diego entrar em sua casa; que no dia, estava na sua casa, ela, dormindo com sua filha, a sua irmã, do lado, na caminha dela e sua mãe, sua irmã na época tinha treze anos; que sua mãe também estava; que elas não viram o que aconteceram pois estavam dormindo; que apenas ela que ficou na sala; que o Jefferson foi buscar sua filha e o Diego foi quem abriu a porta para ele; (em algum momento o Jefferson falou: se prepara para morrer? – perguntada pelo MP); não, não falou isso; que estava com sua filha no colo e logo já saiu para fora; que se fosse para ele ter lhe matado ele já teria, pois ficou de frente com ele; que não é questão de estar diferente a versão é que no dia estava muito nervosa; que estava até passando mal, muito ruim e quem tomou o seu depoimento, o delegado Garcia, e mais um escrivão e falaram tanta coisa para mim na hora; que não estava namorando o Jefferson e o Diego ao mesmo tempo; que não deixou de visitar o Jefferson no presídio por estar namorando com o Diego, sempre visitou o Jefferson no presídio; que não ficou sabendo de nenhum briga entre o Jefferson e o Diego; que não ficou sabendo que o Jefferson estava ameaçando o Diego de morte e nem que o Diego estaria ameaçando o Jefferson de morte; que não se encontrou com o Diego no pagode na noite anterior; que não se encontrou com o Diego neste evento; que foi embora para sua casa com sua mãe, a pé; que depois ficou sabendo que o Diego havia ido para o carnaval em Rosário Oestes; que o Diego não estava com ela; que na realidade, depois que aconteceram esses fatos, muitos ficaram com raiva dela e fizeram de tudo para lhe prejudicar, então lá na hora, muitos iriam depor contra mim; que o Diego não dormiu na sua casa, não deitou, nem lhe abraçou; que o Diego dormiu no quarto no chão; que não conhece a faca utilizada no crime; que não chegou a ver a faca apreendida no crime; que não tinha discussão entre os dois, eles não se conheciam; que não comentou com o Jefferson da amizade que tinha com o Diego; que se houve ameaça ou não entre o Jefferson e o Diego não ficou sabendo; que em nenhum momento o Jefferson lhe atacou ou lhe fez alguma ameaça, que fizesse o Diego achar que ela tivesse corrente risco; que o Diego não estava lhe defendendo; que não estava sendo atacada pelo Jefferson; que o que disse na Delegacia estava nervosa e o depoimento que irá manter é o de hoje; que não está sendo pressionada pelo marido para falar; que já registrou depoimento contra seu marido em outra oportunidade”. (trecho retirado da sentença - Id. 283371538 - p. 69-80). A informante Michele Cristina Ferreira da Silva (irmã da vítima) declarou em juízo, em suma, que: (...). que em 2010 tinha treze para quatorze anos; que como tinha treze anos de idade não se lembra muito não, pois era criança; que é como está em seu depoimento ai; que não viu, que quando acordou viu só um vulto, mas não viu quem foi, como foi; que não foi ela quem abriu a porta para o Diego entrar na casa; que não sabe dizer como o Diego entrou na casa; assim o relacionamento ele não tinha, ele era apenas amigo, da sua casa; não era amigo de infância, era de conhecido mesmo; que o Jefferson sempre frequentou sua casa, pois ele sempre foi marido de sua irmã; que são família até hoje; que quando acordou sua irmã já não estava em sua casa; que acordou em pânico, como se estive em um filme; que o Diego estava machucado no chão, ele estava no corredor; que não viu faca; que não se lembra; que sua irmã não veio com o Diego de moto de um pagode, pois sua irmã estava dormindo.” (ID. 50840259, ao ID. 50840288 – nos minutos 00min50s/03min42s e 00min01s/03min42s de cada vídeo consecutivo). O informante Benedito Rafael da Silva (pai de Rafael Diego Timóteo dos Santos) declarou em juízo, em suma, que: “que seu filho foi assassinado com vinte e três anos; que acredita que o réu conhecia o seu filho; que a Danielle (vítima) era namorada de seu filho; que eles namoraram a média de uns seis meses; que ele frequentavam a casa da Danielle; que eles moravam em bairros distantes; que ele se locomovia com uma motocicleta, uma biz; que a motocicleta foi presa e depois resgatada; que não sabe onde a moto foi encontrada, mas sabe que não estava no local do crime; que seu filho foi morto com duas ou três facadas; que acredita que o Jefferson sabia que seu filho namorava com a Danielle; que seu filho comentou consigo que a Danielle tinha um namorado e que ele estava tentando “tirar o barco fora”; que não ficou sabendo como ocorreu no dia dos fatos; que seu filho morava em sua casa; que ele trabalhava e estudava faculdade de administração; que raramente ele dormia na casa da Danielle; que ele foi morto na casa da Danielle; que acredita que a Danielle fugiu; que não ficou sabendo se a Danielle estava se relacionando com o seu filho e o Jefferson ao mesmo tempo; (...). (trecho retirado da sentença - Id. 283371538 - p. 69-80). O réu, por sua vez, em interrogatório prestado em juízo, declarou, em suma, que: (...). foi num dia de domingo, ligou para Danielle, e disse que iria pegar sua filha para dar uma volta, mas jamais imaginou que o Diego estaria lá; que quando bateu na porta, quem abriu a porta foi ele (Diego); que então disse para ele, vim buscar minha filha; que ele disse, calma ai, vou lá chamar Danielle; que quando a Danielle veio para conversar com ele, o Diego já veio com a faca, que então segurou a mão dele, se defendendo, inclusive, foi atingido na barriga e foi se defendendo, não foi porque quis; que não foi lá com faca; que foi para lá de ônibus para pegar sua filha; que ele que estava meio embriagado e foi para cima, então só foi se defendendo com a faca; que não soube, na hora, que ele foi a óbito; que somente depois que ficou sabendo; que o intimaram na delegacia, foi lá e se apresentou; que pegou a moto e foi embora, depois abandonou a moto e foi para sua casa; (ao ser perguntado pelo magistrado, por qual razão a vítima sobrevivente teria dito que o mesmo tentou matá-la e matou o Diego e que teria surpreendido ambos dormindo) - o réu respondeu: que a vítima falou que os policiais nem deixaram ela depor, que os policiais que pegaram ela e fizeram ela falar coisas que nem; que nós estamos até hoje juntos; que não sabe explicar porque os policiais teriam induzido a vítima a mentir contra ele; que não se lembra da faca, pois estavam em luta corporal; que a faca não é sua, era uma faca da própria casa que ele pegou; que nesta época estava se relacionando com a Danielle; que ficou sabendo que a Danielle estava mantendo um relacionamento apenas consigo; que não conhecia o Diego, nunca tinha visto ele na vida; que aquela foi a primeira vez que o viu; que não estranhou quando o viu, pois a vítima tinha muitos primos e morava com a mãe, irmã e filha; que a vítima ia até o presídio lhe visitar e levava as crianças; que não ocorreu nenhuma briga no presídio; que não bateu na Danielle no presídio; que nunca ameaçou a Danielle se soubesse que ela tivesse se envolvendo com outra pessoa ou com o Diego; que nunca tinha ouvido falar que Danielle tinha um relacionamento com o Diego; que o Diego abriu a porta, não invadiu a casa; que a chave da moto estava na ignição da moto mesmo, junto com o capacete, em frente da casa; que em nenhum momento ameaçou a vítima Danielle; que um dia antes ligou para Danielle e avisou que iria buscar sua filha no outro dia cedo bem cedo; que uns três dias, uma semana, voltou a morar junto Danielle e estão juntos até hoje; que Danielle disse que não tinha nenhum relacionamento amoroso com o Diego; que não sabe porque o Diego lhe atacou no dia dos fatos; que não precisou de atendimento médico, pois foi só um gomo da barriga arranhado; que não se lembra de onde atingiu a vítima Diego; que não recebeu ameaças de Diego, como dito anteriormente na Delegacia; que os fatos ocorreram entre a sala e o quarto da casa, foi no interior da casa; que teve uma luta corporal, na parede, ele me dando soco, eu dando soco nele; que foi agressão mesmo; que chegaram de cair no chão, levantar, ai não se recorda de mais nada; que não se recorda como o réu estava vestido; que ficou ferido na barriga; que não ficou sujo com o sangue, por isso achou estranho, achou que não tinha acontecido nada; que a faca ficou lá na casa; que após começou a sair um monte de popular na rua, então pegou a moto dele, que estava com a chave e foi embora; que não viu as fotos, não tem coragem; que estava a irmã da Danielle, a mãe dela, que tentou apartar; que não teve discussão com o Diego quando ele abriu a porta. (...). (trecho retirado da sentença - Id. 283371538 - p. 69-80). Benedito Rafael da Silva (pai de Rafael Diego Timóteo dos Santos), prestado em juízo, o qual declarou, em suma: (...). “que acredita que o Jefferson sabia que seu filho namorava com a Danielle; que seu filho comentou consigo que a Danielle tinha um namorado e que ele estava tentando “tirar o barco fora”. (...). (trecho retirado da sentença - Id. 283371538 - p. 69-80). Nesse contexto, imprescindível ressaltar que para a configuração da excludente de ilicitude alegada, faz-se necessária a demonstração inequívoca de que o agente, utilizando-se de meios necessários e de forma moderada, reagiu a uma agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiros, o que não foi devidamente comprovado nos autos. No caso, o recorrente desferiu várias facadas, conforme Laudo Pericial necrópsia da vítima Rafael n. 01-01-000138-01/2010 (Id. 283371540 – p. 372-379): (…). - LESÕES EXTERNAS: Ferimento cortante, de 1,0 e 1,5 cm, localizados respectivamente no pavilhão auricular direito e hipotenar da mão direita (face ântero medial). Escoriações localizadas na região frontal e supra-orbitária direitas. Ferimentos pérfuro-cortantes (3=três), de 3,0 cm de extensão, localizados respectivamente nas regiões: esternal direita, torácica medial à direita e mesogástrica. - LESÕES INTERNAS: - CABEÇA: Ausência de lesão externa. Não foi aberta a calota craniana. - TÓRAX: Realizada abertura da cavidade torácica e constatamos = presença de hemotórax bilaterial volumoso. Ocorreu transfixação da 7ª costela da HTD elesão cortante do lobo inferior direito. Também ocorreu transfixação esternal elesão cortante do lobo superior esquerdo. Coração e vasos da base íntegros. - ABDÔMEN: Realizada abertura da cavidade abdominal e constatamos: presença de hemoperitônio volumoso. Extenso hematoma do mesentério intestinalinclusive com exteriorização para o meio exterior através do ferimento abdominal. Detectamos tambémperfuração e secção da artéria aorta abdominal e da veia renal esquerda. Demais órgãos intra e reto abdominais íntegros. (…). V – DISCUSSÃO OU COMENTÁRIO: A morte de Rafael Diego dos Santos Reis foi devido a choque hemorrágico por arma branca. Ocorreram lesões de órgãos nobres (mesentério, artéria aorta abdominal e veia renal esquerda) com sangramento acentuado consequente morte. VI – CONCLUSÃO: Diante dos dados colhidos durante a necrópsia e dos resultados, concluímos que a morte de: Rafael Diego dos Santos Reis deu-se por choque hemorrágico produzido por instrumento pérfurocontundente”. - RESPOSTAS DOS QUESITOS OFICIAIS: 01) HOUVE MORTE? Sim. 02) QUAL A SUA CAUSA? Choque hemorrágico. 03) QUAL O INSTRUMENTO OU MEIO QUE A PRODUZIU? Instrumento Pérfuro-Contundente. 04) FOI PRODUZIDO POR MEIO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA OU TORTURA, OU POR OUTRO MEIO INSIDIOSO OU CRUEL? (RESPOSTA ESPECIFICADA). Foi produzido por arma branca.(...). Conforme consta nos autos, a reação do recorrente aparenta ter sido desproporcional, o que impede a conclusão imediata de que houve um uso moderado da força para repelir a alegada agressão injusta da vítima, não sendo possível, neste momento, afastar a intenção de matar (animus necandi). Ademais, não há nos autos evidência de que a vítima tenha atacado o recorrente com gravidade suficiente para justificar uma resposta letal. Além disso, foi anexado o Laudo Pericial da faca n. 03-01-001119-2010 (Id. 283371540 – p. 386-389), referente a uma faca metálica de cor prateada, com cabo de madeira, que apresentou resultado positivo no exame preliminar para a presença de sangue humano. Também foi juntado o Laudo Pericial do local do fato n. 02.06.001010/2010 (Id. 283371541 – p. 411-425), no qual se concluiu, após os exames realizados no local e analisados no presente Laudo que Diante dos exames efetuados no local, analisado e transcritos no presente Laudo Pericial, concluo que a causa jurídica do fato se trata de um HOMICÍDIO provocado por instrumento perfuro cortante (arma branca) onde a vítima não teve condição de se defender. A reação do recorrente, ao que parece, foi desproporcional, pois desferiu vários golpes de faca, atingindo órgãos vitais da vítima, o que afasta, a princípio, qualquer alegação de moderação, pois a legítima defesa exige proporcionalidade e, a contrario sensu, o excesso desconfigura a excludente, de maneira que deve prevalecer a sentença de pronúncia, relegando a devida análise fática para o Conselho de Sentença. Questões dessa natureza devem ser endereçadas para o Tribunal do Júri, por isso também se mostra inviável o pleito de desclassificação. O mesmo rumo deve ser dado para o almejado decote das qualificadoras. A propósito, nesse mesmo sentido, já decidiu este Tribunal: PROCESSO PENAL. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. ART. 155 DO CPP. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO PARA REFORMA. VIA INADEQUADA. MESMA IMPOSSIBILIDADE QUANTO AO DECOTE DE QUALIFICADORA. SOBERANIA DO JÚRI. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. IDONEIDADE. I - Segundo atual entendimento predominante neste Superior Tribunal de Justiça admitem-se tão somente "indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413 do CPP), para a pronúncia perante o Tribunal do Júri. II - No caso, o contexto dos autos e das provas que formam o conjunto probatório (provas testemunhais produzidas em juízo e imagens de câmeras de monitoramento - prova não repetível) é apto à confirmação da sentença de pronúncia pelo crime de homicídio qualificado, porquanto, segundo as instâncias ordinárias, "o réu caminhou em direção da vítima Carlos Alexandre Soares com uma faca nas mãos, atingindo-a com um golpe nas costas e fugindo do local" (fl. 52). Apesar da afirmação defensiva de que o paciente não estava envolvido na briga que antecedeu o homicídio, a fundamentação expendida pelas instâncias de origem demonstra a existência de indícios suficientes da autoria do crime, de acordo com as provas orais e com as imagens de videomonitoramento. (...). Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 891631 SC 2024/0048297-3, Rel. Min. MESSOD AZULAY NETO, T5 - Quinta Turma, j. em 20/05/2024, Data de Publicação: DJe 24/05/2024) (grifos meus). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS E VILIPÊNDIO A CADÁVER. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é juízo de mera admissibilidade da acusação, prelibatório, competindo aos jurados o julgamento do mérito da causa, competência esta consagrada constitucionalmente. No caso, a decisão de pronúncia, corroborada quando do exame do recurso em sentido estrito, deixou assente a possibilidade de o agravante ser o autor dos delitos em comento diante do acervo probatório produzido, de modo que, amealhados indícios suficientes de autoria, não há reparos a fazer quanto à decisão de pronúncia, já que as provas conclusivas e os juízos de certeza e de verdade real revelam-se necessários apenas na formação do juízo condenatório, após o percurso de toda a marcha processual. [...] (STJ, AgRg no HC n. 894.353/MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA (ARTIGO 121, § 2°, INCISOS I E IV, DO CP) E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, §2º, DA LEI 12.850/2013) - PRETENDIDA A IMPRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA - RECURSO NÃO PROVIDO. A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. (N.U 1009667-26.2022.8.11.0006, Rel. Des. PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, j. em 21/05/2024, Publicado no DJE 24/05/2024) (grifos meus). Verifico que o conjunto probatório apresentado até o momento é mais que suficiente para justificar a submissão do recorrente ao julgamento pelo Tribunal do Júri, considerando-se que a motivação, em tese, para o cometimento do crime ultrapassa a tipificação penal básica, sem qualquer indício de inadmissibilidade que permita sua exclusão monocrática. Diante desse quadro, o pleito recursal não merece acolhimento, devendo o pronunciado ser submetido ao crivo do Tribunal Popular. Com essas considerações, em consonância com o parecer ministerial, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por Jefferson da Silva Quintero, mantendo incólume a sentença de pronúncia objurgada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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