Charles Vasconcelos Nascimento x 99 Tecnologia Ltda
ID: 281125910
Tribunal: TRT13
Órgão: Gabinete da Vice Presidência
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000112-04.2025.5.13.0002
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSEANE DIAS MOREIRA
OAB/PB XXXXXX
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RICARDO ANDRE ZAMBO
OAB/SP XXXXXX
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FABIO RIVELLI
OAB/SP XXXXXX
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relator: WOLNEY DE MACEDO CORDEIRO RORSum 0000112-04.2025.5.13.0002 RECORRENTE: CHARLES VASCONCELOS NASCIMENTO RECORRIDO: 99…
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relator: WOLNEY DE MACEDO CORDEIRO RORSum 0000112-04.2025.5.13.0002 RECORRENTE: CHARLES VASCONCELOS NASCIMENTO RECORRIDO: 99 TECNOLOGIA LTDA INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID 9c84786 proferida nos autos. RORSum 0000112-04.2025.5.13.0002 - 2ª Turma Recorrente: Advogado(s): 1. 99 TECNOLOGIA LTDA FABIO RIVELLI (SP297608) RICARDO ANDRE ZAMBO (SP138476) Recorrido: Advogado(s): CHARLES VASCONCELOS NASCIMENTO JOSEANE DIAS MOREIRA (PB21611) RECURSO DE: 99 TECNOLOGIA LTDA PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 13/05/2025 - Id 32387a3; recurso apresentado em 23/05/2025 - Id 2cf5afb). Representação processual regular (Id a9f6485). Preparo satisfeito (Id 34d08ea, Id 34d08ea, Id 5952c9b). PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Nos termos do artigo 896-A, § 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. 1.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (8828) / COMPETÊNCIA Alegação(ões): - divergência jurisprudencial. - violação ao inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. - violação à Lei n º 12965/2014 e à Lei nº 11442/2007. A parte recorrente discute a competência da Justiça do Trabalho para julgar a presente lide. Eis o trecho do acórdão pertinente: Concordando com o posicionamento adotado pelo i. relator, peço vênia para usar, como razões de decidir, os fundamentos por ele lançados quanto à temática, aspeando-os. "Em suas contrarrazões, a reclamada renova a alegação de incompetência material desta Justiça Especializada para apreciar a demanda, sob o argumento de que a relação jurídica entre as partes é puramente comercial, assumindo um caráter civil (ID. 3753548). Não lhe assiste razão. De acordo com a reelaborada teoria abstrata do direito de agir, adotada pela jurisprudência dominante, a competência material do juízo deve ser aferida mediante análise da causa de pedir e do pedido, conforme postos na inicial. Portanto, se a parte autora alega a existência de uma relação de emprego e formula pedidos de natureza exclusivamente trabalhista, cabe à Justiça do Trabalho dirimir a questão. Isto porque somente a este ramo especializado do Judiciário compete decidir sobre a existência ou inexistência de uma relação calcada na CLT, bem como sobre suas consequências jurídicas. Diferentemente, se a causa de pedir, considerada em abstrato (conforme alegada na inicial), assenta-se numa relação de cunho administrativo ou comercial, a pretensão desborda para a esfera da jurisdição comum. No caso sob exame, a narrativa inicial sustenta que havia um contrato de trabalho entre as partes, em razão do que seriam devidas as verbas trabalhistas postuladas, atraindo, portanto, a competência da Justiça do Trabalho. Se a parte recorrida se contrapõe ao reconhecimento do vínculo empregatício, aduzindo uma relação de natureza não trabalhista, o eventual acolhimento de tal alegação resultará apenas no indeferimento da pretensão do autor, sem que isso implique deslocamento de competência. Afinal, se o julgador concluir pela inexistência do contrato de trabalho que dá suporte aos pedidos de natureza trabalhista, nada mais restará a ser decidido na Justiça Comum. Assim, não tem razão a reclamada ao pugnar pela declaração de incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a presente demanda. Pretensão rejeitada." Verifica-se que o entendimento adotado no acórdão recorrido encontra-se alinhado ao posicionamento jurisprudencial iterativo, notório e atual do Tribunal Superior do Trabalho, conforme a seguir exposto: "RECURSO DE REVISTA. UBER. MOTORISTA DE APLICATIVO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, I, DA CLT. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. O STF tem entendimento sólido de que "a competência é definida ante as causas de pedir e o pedido da ação proposta" (STF, HC 110038, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe-219, PUBLIC 07-11-2014). Dessa maneira, "tendo como causa de pedir relação jurídica regida pela Consolidação das Leis do Trabalho e pleito de reconhecimento do direito a verbas nela previstas, cabe à Justiça do Trabalho julgá-la" (STF, CC 7950, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe-168 PUBLIC 01-08-2017). 2. O entendimento coaduna-se com a "teoria da asserção", muito bem sintetizada por DINAMARCO: "Define-se a competência do órgão jurisdicional de acordo com a situação (hipotética) proposta pelo autor. Não importa, por isso, "se o demandante postulou adequadamente ou não, se indicou para figurar como réu a pessoa adequada ou não (parte legítima ou ilegítima), se poderia ou deveria ter pedido coisa diferente da que pediu, etc. Questões como esta não influenciam na determinação da competência e, se algum erro dessa ordem houver sido cometido, a consequência jurídica será outra e não a incompetência. Esta afere-se invariavelmente pela natureza do processo concretamente instaurado e pelos elementos da demanda proposta, in status assertionis" (Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. I, p. 417-8). 3. Não é demais, também, lembrar a antiga, mas sempre atual, lição de que a competência é definida a partir da especialização, uma vez que a Justiça Comum possui competência residual. 4. É difícil conceber a existência de uma Justiça Especializada quase que exclusivamente em um tipo de contrato, mas que não tem competência nem sequer para dizer quando é que se está na presença de tal contrato.5. Na hipótese, o autor pleiteou o reconhecimento do vínculo empregatício com a parte ré, motivo pelo qual é da Justiça do Trabalho a competência para acolher ou rejeitar a pretensão. Se a pretensão for rejeitada o resultado será a improcedência da ação e não a declaração de incompetência material. Logo, não é possível encaminhar os autos para a Justiça comum apreciar o pedido que envolve exclusivamente verbas de natureza trabalhista. Recurso de revista não conhecido, no tema.[...]". (RR-0021008-14.2021.5.04.0405, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior, DEJT 24/09/2024) "A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. RITO SUMARÍSSIMO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. Hipótese em que a Corte Regional declarou de ofício a incompetência da justiça do trabalho para apreciar a matéria relativa ao reconhecimento de vínculo de emprego entre a plataforma digital UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA e o Reclamante. II. Demonstrada transcendência jurídica da causa e violação do art. 114, I, da Constituição Federal. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. RITO SUMARÍSSIMO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. No caso, a Corte Regional declarou de ofício a incompetência da justiça do trabalho para apreciar a matéria relativa ao reconhecimento de vínculo de emprego entre a plataforma digital UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA e o Reclamante. II. Sobre a competência da Justiça do Trabalho, após a entrada em vigor da EC nº 45/05 houve uma ampliação da competência desta Justiça Especializada, passando a haver previsão expressa no sentido de que a esta compete processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho (art. 114, I, da CF/88). Conforme se observa do atual texto constitucional, o art. 114, I, da CF/88 não faz alusão apenas à relação de emprego (relação entre empregado e empregador), dizendo respeito à "relação de trabalho", que de acordo com a doutrina trata-se de conceito mais abrangente do que o primeiro. No que toca à relação jurídica existente entre trabalhadores e plataformas digitais, tais como Deliveroo, Glovo, Jumia Food, Rappi, iFood, Uber Eats, Zomato, tem se discutido no âmbito da Justiça do Trabalho a existência de relação de emprego entre tais empresas e os trabalhadores que se utilizam dessas plataformas digitais para a prestação de serviço. Tendo em vista que a competência é definida em razão da causa de pedir e do pedido, nas ações em que se discute a relação de emprego entre as plataformas digitais e o trabalhar, uma vez que se trata de causa oriunda de relação de trabalho, a competência para conhecimento e julgamento da causa é desta Especializada, nos moldes do art. 114, I, da Constituição Federal. III. Ao declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente causa em que se discute a existência de relação de emprego entre a plataforma digital UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA e o trabalhador, a Corte Regional ofendeu o disposto no art. 114, I, da Constituição Federal. IV. Recurso de revista de que se conhece, por violação do art. 114, I, da Constituição Federal, e a que se dá provimento". (RR-1069-05.2023.5.19.0003, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 07/03/2025) "RECURSO DE REVISTA . ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Constata-se, no caso, que a pretensão do autor, consistente na reativação de sua conta no aplicativo 99POP, bem como a condenação da empresa ao pagamento de lucros cessantes pelo suposto descredenciamento indevido, está relacionada à relação de parceria laboral travada com o aplicativo de ativação por demanda de usuários, pelo que emerge a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia em torno dos danos decorrentes da cessação do contrato de parceria firmado com a empresa prestadora dos serviços de transporte de particulares. É importante compreender essa relação de intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços no contexto das novas relações de trabalho, que emergem como consequência do desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0. As relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnológicos, à parte de não configurarem em essência a relação jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam da premissa laboral do retorno financeiro guiado pela parceria de trabalho entre agente de mercado e agente de labor, o que no caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado se desenvolvem por um princípio geral de distribuição equitativa de lucros, incompatível com a relação tradicional de emprego, mas plenamente classificável como relação autônoma de parceria laboral, intermediada por meios digitais próprios das novas formas de oferecimento da mão de obra dinâmica dos trabalhadores não enquadrados no modelo nine-to-five (das nove às cinco), cujo crepúsculo coincide com a emergência das novas demandas de mercado que a citada revolução 4.0 fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo. O alvorecer de uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na inventividade atrelada aos novos meios de trabalho, aponta para um progresso dignitário cuja inspiração se encontra atrelada à agenda de sustentabilidade socioambiental e aos modelos ESG ( Enviromental, Social and Governence ) de gestão, os quais tangenciam as boas práticas de mercado e, por conseguinte, refletem-se em novas práticas laborais. Focadas em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno), essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na função social que rege a capitalização das oportunidades pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos valorativos da norma estão intimamente imbricados à noção sistêmica de relação laboral. Desse modo, o enquadramento jurídico das novas relações de trabalho na seara da Justiça do Trabalho atende, a um só tempo, à premissa histórico-efeitual da autoridade dos direitos sociais, cuja defesa é sediada na Justiça do Trabalho, assim como ao argumento de vanguarda política que impulsiona uma ressignificação necessária dos esforços de trabalhadores em regimes de parceria disruptiva mais livres e descentralizadas de poderes diretivos mais imediatos da força de trabalho. Assim é que se conclui que, em que pese tais relações de trabalho inovadoras já não pertençam ao modelo de produção típico do século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais, de modo que a sindicabilidade de direitos constitucionais, entre eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro laboral, está imediatamente ligado à história institucional da narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva dialeticamente aberta e nova, que rejeita a simples redução do trabalho ao modelo empírico do emprego. É bem verdade que o engajamento em plataformas de ativação por demanda de usuários está longe de reproduzir todas as dimensões inovadoras do chamado "trabalho 5.0", até porque a função de motorista encontra-se dentro dos critérios de obsolescência programada das atividades monológicas de trabalho. Mas, até por isso, deve ser reforçada a competência jurisdicional desse ramo laboral da Justiça para o exame de tais relações descentralizadas, mas igualmente focadas na matéria-prima labor como condicionante central do objeto contratual firmado entre as partes. Ora, se até mesmo em relações mais sofisticadas de parceria laboral é essencial reconhecer a competência desta Justiça especializada para o processamento de ações entre parceiros e agentes de mercado, com maior razão enxerga-se nessa nova forma de aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu , cuja competência para o exame decorre do critério fixado pelo inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, o qual dispõe ser competência desta Justiça especializada o exame de causas que versem sobre "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei" . Sendo a relação de intermediação entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal fornecido a terceiros, não há como excluir da competência da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva a hipótese de ruptura do contrato de parceira laboral, bem como os danos emergentes da cessação unilateral desse instrumento individual de contrato firmado com a empresa. Em termos simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu , o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer controvérsias que se travem em torno da relação de parceria do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e a plataforma de serviços. Fixada a competência deste ramo trabalhista o exame da presente causa judicial, merece reforma a decisão do Regional, a fim de que os autos sejam remetidos à Vara do Trabalho para regular processamento e julgamento do feito, como se entender de direito. Recurso de revista conhecido e provido". (RR-443-06.2021.5.21.0001, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/12/2022) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. SUMARÍSSIMO. RECLAMADA TRANSCENDÊNCIA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. VÍNCULO DE EMPREGO DECORRENTE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INTERMEDIADA POR PLATAFORMA DIGITAL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS VIA APLICATIVO. 1 - Há transcendência jurídica quando se constata em exame preliminar discussão a respeito de questão nova, ou em vias de construção jurisprudencial, na interpretação da legislação trabalhista. 2 - A controvérsia cinge-se sobre a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o feito. A reclamada alega que não se trata de relação de emprego ou de trabalho, de modo que a Justiça Especializada não possui competência material, devendo a ação ser remetida à Justiça Comum. Para o TRT, contudo, esta ação é oriunda de relação de trabalho (art. 114, I, Constituição Federal), tal como todas as demais ações em que haja postulação de declaração de existência de vínculo de emprego acompanhada dos pedidos condenatórios decorrentes dessa relação jurídica. 3 - À Justiça do Trabalho compete processar e julgar ações oriundas das relações de trabalho (art. 114, I, da Constituição Federal), o que compreende, não exclusivamente, mas com maior frequência, as relações de emprego. É patente que o pedido e a causa de pedir expõem, como ponto de partida, pretensão declaratória (art. 19, I, do CPC), à qual se subordinam pretensões condenatórias típicas das relações de emprego. Logo, como a competência para processar e julgar causas em que se pretenda a declaração de existência de vínculo de emprego pertence à Justiça do Trabalho, é este ramo do Poder Judiciário o competente para analisar se, no caso concreto, existe, ou não, relação empregatícia gravada pelos requisitos do art. 3° da CLT, ou elementos que atraiam a aplicação do art. 9° da CLT. 4 - Registre-se que não é possível atrair ao debate sobre a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação os precedentes que tratam de definição de competência criados para tratar de relações de trabalho distintas, como a do Transportador Autônomo de Cargas, regido pela Lei n. 11.442/2007, a exemplo de quaisquer outras. Afinal, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante dos precedentes firmados em controle concentrado de constitucionalidade restringem-se ao dispositivo (art. 28 da Lei n. 9.868/1999), não se estendendo à fundamentação da respectiva ação, já que o ordenamento jurídico brasileiro não suporta a teoria de matriz alemã da transcendência dos motivos determinantes (tragende gründe). Ainda que tal teoria fosse aplicável, não existe, atualmente, precedente de eficácia erga omnes e efeito vinculante que contemple as razões de decidir indispensáveis ao exame da existência de vínculo de emprego entre motorista de aplicativos e empresa que gerencie, mediante algoritmos, plataforma digital de transportes. 5 - Nesses termos, considerando que a ação trata de pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, correto o acórdão do TRT que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho. 6 - Agravo de instrumento a que se nega provimento". (AIRR-10479-76.2022.5.15.0151, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 14/08/2023) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A controvérsia diz respeito à competência da Justiça do Trabalho para julgar demanda relacionada ao funcionamento do aplicativo Uber que, por meio do seu sistema de inteligência artificial, impõe certas restrições territoriais aos motoristas parceiros. Há transcendência jurídica da causa, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, por se tratar de questão nova acerca da competência da Justiça Especializada para decidir sobre obrigação de fazer concernente a limitações no sistema de direcionamento de viagens do aplicativo Uber. Diante da potencial ofensa ao art. 114, I, da Constituição Federal, o agravo de instrumento merece provimento para processar o recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, rompendo a antiga ideia de que apenas as lides envolvendo relação de emprego, nos estritos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, seriam dirimidas por esta Justiça Especializada. No caso, o demandante, que trabalha como motorista para a Uber, afirma que a empresa tem restringido o livre exercício de seu ofício, bem como seu direito de escolher o local em que prefere praticar sua atividade laborativa, diminuindo, com isso, sua receita. Em que pese o reclamante não ter pleiteado o reconhecimento do vínculo empregatício, mas, somente, que a parte reclamada seja compelida a suspender os bloqueios territoriais impostos pelo aplicativo, em especial quanto ao acesso ao Aeroporto Internacional de Confins-MG, verifica-se tratar de demanda que decorre de relação de trabalho, ainda que autônomo. A obrigação de fazer pretendida, concernente ao acesso irrestrito ao aplicativo, cuja última finalidade é o incremento da remuneração, está diretamente relacionada às condições de trabalho oferecidas pela Uber aos motoristas parceiros da marca , por meio de seu aplicativo, sobressaindo, assim, a competência desta Justiça para apreciá-la, à luz do inciso I do art. 114 da CF/88. Transcendência jurídica reconhecida. Recurso de revista conhecido e provido". (RR-10141-93.2021.5.03.0144, 8ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 26/08/2022). (grifos acrescidos). Diante disso, o seguimento do recurso resulta obstado sob quaisquer alegações, consoante a disposição do art. 896, § 7º da CLT e entendimento cristalizado na Súmula n. 333 do TST, em razão dos quais não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. À vista do exposto, denego seguimento ao apelo. 2.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (13707) / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO (13722) / TRABALHO SOB APLICATIVOS E/OU PLATAFORMAS DIGITAIS Alegação(ões): - divergência jurisprudencial. -afronta aos artigos 1º, IV; 5º, II, XIII; LIV; LV; 170, II, IV, parágrafo único da Constituição Federal. -violação à ADC 48; ADPF 324, 449 e 4492; Tema 725 de Repercussão Geral; Tema 1291 de Repercussão Geral; Conflito de Competência 164.544/MG; Reclamação Constitucional 59.795/MG. -violação aos artigos 2º; 3º; 452-A da CLT. -violação à Lei 12.965/14; Lei 13.709/18; Lei 13.640/18; Lei 12.587/12; Lei 13.640/18; lEI 11.442/07; Decreto 8.771/16. -violação ao artigo 341, III do CPC. Insurge-se contra a decisão regional que reconheceu a existência de vínculo de emprego. Alega ser uma empresa de tecnologia, inexistindo os elementos configuradores do vínculo. Afirma que "não restou configurado os requisitos do vínculo de emprego, seja na modalidade ordinária, seja na modalidade intermitente". Ressalta que "É inviável a utilização de jurisprudência estrangeira como fundamento para a condenação da Reclamada, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro possui princípios próprios e jurisprudência consolidada sobre a matéria, inclusive por sua mais alta Corte, o Supremo Tribunal Federal (STF), conforme já mencionado anteriormente no presente recurso O Órgão julgador, acerca do tema, assim decidiu:: A hipótese dos autos envolve tema há muito debatido em nossos tribunais trabalhistas, no entanto, ainda pendente de uma conclusão definitiva. Busca-se estabelecer a verdadeira natureza jurídica do liame envolvendo o prestador de serviços e as plataformas de transporte, como é o caso dos autos. A matriz normativa do direito do trabalho brasileiro adota uma posição binária no que concerne ao reconhecimento do vínculo empregatício, nos termos da CLT, art. 3º. Isso significa dizer que a prestação pessoal do trabalho pode ser enquadrada no referencial legislativo e, por consequência, atrair a aplicação de todo o arcabouço normativo, ou acomoda-se fora de tais limites normativos e afasta qualquer tipo de proteção social. No caso tratado nos presentes autos, a solução do litígio perpassa pela verificação de conformidade dos requisitos legais preconizados pela diretriz normativa brasileira (CLT, art. 3º), quais sejam: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica. É a única forma reconhecida em nossa estrutura normativa para nortear a solução do litígio derivado das dúvidas provenientes da existência de uma relação laboral. Esse modelo deverá ser aplicado, inclusive nas relações de trabalho originárias das tecnologias disruptivas, como é o caso das plataformas de transportes. Nessa perspectiva, é complexa a tarefa de aferir a tessitura jurídica a partir de elementos tradicionais, originados de modelos de relação de emprego não mais prevalentes em nossa sociedade. Não é tarefa simples investigar a natureza jurídica da relação firmada entre as partes a partir de vetustos referenciais que, em algumas situações, não servem para esclarecer a real característica da prestação dos serviços. De toda forma, tratando-se de referencial normativo vigente, a prestação jurisdicional deve ser orientada a partir da fórmula legal eleita. Preliminarmente, não existem expressivas divergências em relação ao quadro fático da prestação de serviços para as plataformas de transporte. O modelo do labor é praticamente uniforme e, com algumas poucas variações nos manuais de cada plataforma, a narrativa é a mesma, gerando um modo de contratação uniforme. Nessa perspectiva, é possível estabelecer um roteiro genérico para descrever a atuação empresarial da reclamada e de outras plataformas digitais de transporte: 1- O aplicativo é desenvolvido pelo empreendedor no sentido de oferecer aos consumidores, geralmente por meio de aparelhos celulares, o serviço de transporte, mediante pagamento de valor previamente arbitrado, a partir de algoritmos estruturados pela própria empresa. 2- Para a execução dos serviços requisitados pelos consumidores finais, a empresa cadastra motoristas, mediante a observância de determinados critérios e exigências previamente estabelecidas e geridas pelos algoritmos. 3- O motorista cadastrado receberá o valor dos serviços, devidamente descontados das taxas arbitradas pela empresa, consistentes em percentual a incidir sobre o montante cobrado dos consumidores finais, também estabelecidos pelas diretrizes algorítmicas. 4- O veículo usado na prestação dos serviços, bem como todas as despesas a ele vinculadas, insere-se no campo de responsabilidade dos motoristas integrantes das plataformas digitais. 5- O desempenho dos motoristas é monitorado pelas plataformas que, em situações extremas, poderá descredenciá-los. 6- Não existe determinação explícita quanto ao número de horas trabalhadas, tampouco delimitação dos dias da prestação dos serviços. 7- O auferimento de ganhos expressivos, por parte dos motoristas, depende diretamente da quantidade de serviço prestado. O quadro fático acima delineado é de amplo e notório conhecimento de toda sociedade, pois os serviços das plataformas de transporte se incorporaram de maneira definitiva no cotidiano. Não existem, portanto, maiores controvérsias fáticas em face do modelo de prestação de serviços. Dúvidas há, por outro lado, quando nos deparamos com a categorização jurídica dessa atividade. Tratando-se de prestação pessoal dos serviços, a autonomia privada de vontade, por si só, não é suficiente para afastar a incidência do conceito preconizado pela CLT, art. 3º. Esse modelo impõe um enquadramento compulsório, independentemente de manifestação volitiva em contrário, quando o prestador dos serviços executar o seu mister com pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica. A solução do presente litígio passa pela verificação do cumprimento de tais requisitos, a partir do enquadramento na situação fática acima relatada. Destaque-se, de logo, que a situação descrita nos presentes autos não discrepa da narrativa realizada anteriormente. Passemos à análise dos requisitos caracterizadores da relação laboral, de forma individualizada. No que concerne à pessoalidade, é indiscutível a presença da infungibilidade subjetiva na prestação de serviços em favor das plataformas digitais de transporte. Os trabalhadores dos aplicativos são selecionados, cadastrados e fiscalizados durante o exercício do seu mister. São identificados mediante foto e placa do veículo utilizado, não sendo permitida a substituição do prestador. Toda a contratação é procedida intuitu personae, não sendo admissível o exercício das atividades por pessoa diversa daquela objeto da avença. A pessoalidade, nesse caso, emerge de forma clara e inequívoca, sendo desnecessárias maiores digressões sobre esse requisito. A habitualidade também se encontra presente no modelo de prestação de serviços promovido pelas plataformas de transporte. O conceito de habitualidade, para os fins trabalhistas, revela-se de forma excludente a partir da exclusão da eventualidade. Isso significa dizer que, havendo prestação dos serviços inserida na atividade empresarial preponderante, a descaracterização do trabalho eventual ou episódico atrai a habitualidade, enquanto elemento conceitual da prestação dos serviços. Não é o número de dias prestados que determinará a existência da habitualidade, mas sim a presença de animus para a realização de serviços de forma continuada e longeva. O caráter nitidamente subjetivo da habitualidade é regra dominante em nosso direito do trabalho que apresenta apenas uma única exceção em relação aos trabalhadores domésticos, cujo reconhecimento da habitualidade dependerá da quantidade de dias da semana prestados (Lei Complementar n.º 150, de 01.06.2015, art. 1º, caput). Nas demais situações, a prestação dos serviços habituais deve ser mensurada a partir da identificação da intenção de prolongar a prestação de serviços e não da sua frequência. Essa conclusão de índole dogmática ficou evidente no plano normativo a partir da instituição do chamado contrato de trabalho a tempo parcial, nos termos da CLT, art. 442-B, § 3º, verbis: "Art. 442-B ... § 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (destaque nosso) Ora, o contrato de trabalho intermitente existe no mundo jurídico, mesmo que a prestação laboral não se concretize por meses a fio. A habitualidade, nesse caso, é ínsita à contratação e é reconhecida mediante a identificação da vontade contratual das partes envolvidas. O exemplo do contrato intermitente nos serve para ilustrar a natureza subjetiva da habitualidade. No caso dos motoristas das plataformas de transporte é notório que não existe uma exigência formal e direta acerca do número de horas ou de dias trabalhados. Essa faceta da prestação dos serviços não subtrai a ideia de não eventualidade, tendo em vista a potencialidade do labor. Além do mais, o senso comum nos apresenta a perspectiva de que os motoristas trabalham de forma ininterrupta a fim de conseguir ganhos razoáveis, como é o caso dos autos. A circunstância de o motorista se inserir na atividade empresarial típica e predominante dos aplicativos de transporte gera a presunção de não eventualidade da prestação dos serviços, independentemente da frequência com que os serviços são realizados. Inegavelmente tem-se por caracterizada a habitualidade. O terceiro requisito a ser analisado é a onerosidade. A prestação de trabalho a ensejar a formação do liame empregatício pressupõe o labor oneroso e voltado para a retribuição. Há uma incompatibilidade conceitual e ideológica entre o contrato de trabalho e a gratuidade na prestação dos serviços. Por tal motivo, a onerosidade se presume e o trabalho voluntário e gratuito deve ser inequivocamente demonstrado, conforme diretrizes fixadas pela Lei n.º 9.608, de 18.02.1998, arts. 1º e 2º, verbis: Art. 1o Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim. Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício. Compreende-se que, ao enunciar textualmente as hipóteses do trabalho voluntário, o ordenamento jurídico laboral elege o trabalho oneroso como regra geral norteadora das relações jurídicas. Logo, onerosa será a prestação dos serviços, mesmo que não esteja evidenciada a entrega de numerário em favor do trabalhador, sendo suficiente a mera promessa de algum tipo de retribuição, mesmo que de forma indireta. Na situação relatada nos presentes autos, a retribuição da parte autora consistia em repasses dos valores cobrados pela plataforma dos consumidores finais, com o abatimento dos percentuais ajustados. Ou seja, o trabalhador recebe, mediante repasse da empresa, o valor líquido das corridas realizadas e pagas pelos passageiros. O fato de ser do autor da demanda a responsabilidade pelas despesas com o veículo utilizado na prestação dos serviços não é elemento suficiente para descaracterizar a onerosidade. Na realidade, o prestador de serviços das plataformas digitais apresenta-se como um verdadeiro comissionista, a quem se atribui o valor total da transação comercial, excluídas as retenções estabelecidas pelo tomador dos serviços. Por óbvio, o valor da retribuição paga ao motorista é bem superior ao montante retido pelo tomador dos serviços. No entanto, isso acontece em função da particularidade de o prestador arcar integralmente com os custos dos insumos necessários para a prestação dos serviços. Tal particularidade não subtrai a onerosidade, que deve ser reconhecida na hipótese dos autos. Pelo que foi exposto até o presente momento, é possível reconhecer, com alguma facilidade, o atendimento de três requisitos caracterizadores da relação empregatícia para o presente caso: a pessoalidade, a habitualidade e a onerosidade. Resta-nos o enfrentamento do mais desafiador dos requisitos do presente caso, ou seja, a subordinação jurídica. Ora, a despeito de reconhecidas a pessoalidade, a habitualidade e a onerosidade, a relação de emprego só emerge no mundo jurídico quando demonstrada a subordinação jurídica. Compreendo que, dentro da ortodoxia do direito do trabalho, especialmente na vertente adotada pelo sistema jurídico brasileiro, o reconhecimento a posteriori da relação empregatícia e, por consequência, do contrato de trabalho tácito (CLT, art. 442), pressupõe a análise exaustiva e individualizada dos elementos integrantes do conceito legal de empregado (CLT, art. 3º). Essa fórmula, no entanto, não se amolda com facilidade às particularidades do presente caso. Não se pode deixar de registrar que o standard jurídico moldado pela CLT, art. 3º, centrou-se em um modelo de prestação de serviço fincado nas balizas de uma estrutura centralizada, hierarquizada e institucionalizada, na qual o tomador dos serviços apresentava-se de maneira concreta e atuante na relação jurídica. Nas relações de trabalho construídas globalmente no século XXI, não existe um compromisso com esse modelo regulatório, tendo em vista a configuração de liames difusos e descentralizados, alheios às estruturas laborais ortodoxas. Exatamente por se enfeixar em relações atípicas e desconectadas com a realidade laboral tradicional, permeada pelos controles digitais e impessoais, a mensuração do enquadramento do trabalho humano nos liames da proteção estatal não deve partir do uso do discurso tradicional de aferição dos elementos conceituais tradicionais. Mais relevante do que avaliarmos o enquadramento nos elementos conceituais tradicionais (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação), é a verificação acerca da existência, ou não, da alardeada autonomia dos motoristas de aplicativo. Assim sendo, a discussão acerca da formação do vínculo laboral deixa de ser analítica e passa a ser binária, residindo na análise da autonomia ou da dependência desses trabalhadores. É impossível afastarmos a premissa de que os motoristas de aplicativo são trabalhadores e não empreendedores, tal como alardeado por alguns segmentos econômicos e jurídicos. Resta saber apenas se esses trabalhadores são, de fato, portadores de autonomia no exercício do seu mister. Os próprios atores econômicos refutam expressamente o caráter autônomo da prestação de serviços, nos moldes defendidos pelas plataformas de transporte. O insuspeito grupo editorial britânico The Economist, em relatório publicado em 10 de abril de 2022, intitulado de The future of work - Labour gains, explicita o caráter dependente dos trabalhadores da chamada Gig Economy, conforme se vê do seguinte trecho: [...] Não é desnecessário esclarecer que o sistema laboral britânico reconhece duas figuras de trabalhadores dependentes: workers e employees. Os primeiros equivalentes aos parassubordinados (inexistentes em nosso regramento laboral) e o segundo correspondentes aos nossos empregados. A conclusão do texto é no sentido de que os trabalhadores inseridos na gig economy não são autônomos, sendo na realidade trabalhadores parassubordinados, conceitualmente muito mais próximos da figura do emprego. De qualquer modo, não são empreendedores. Essa qualificação pode ser transposta para o regime trabalhista brasileiro e, por consequência, para a análise do caso, ora submetido a esta Corte Trabalhista. Nesse sentido, é relevante pesquisarmos, antes mesmo da mensuração dos elementos conceituais da relação de emprego, se a prestação laboral se opera com autonomia. Caso essa autonomia aflore, o que certamente não se verifica das características da relação jurídica posta em análise, poder-se-ia afastar aprioristicamente a formação do liame empregatício nos moldes da CLT, art. 3º. Relevante observar que a mensuração da autonomia, embora nunca tenha gozado de protagonismo no direito do trabalho de vertente continental europeia, sempre esteve presente na análise da existência das relações de emprego. Trata-se de uma visão binária de mensuração que, pelas próprias características ortodoxas da relação emprego, não se consubstancia em critério relevante. Residualmente, adotava-se essa postura binária no sentido de classificar os trabalhadores dependentes e os independentes, conforme vetusta lição de Guillermo Cabanellas, verbis: Trabajador independiente es el hombre o mujer que realiza una actividad económico-social por su iniciativa, por su cuenta e según normas que él mismo se traba, conforme su conveniencia e los imperativos de las circunstancias. Trabajador dependiente es el que ejecita una tarefa o presta un servicio con sujeción a otra persona, voluntaria o forzosamente, contra un salario o medio de subsistencia. (In: Compendio de derecho laboral-Tomo I, 4.ed, Buenos Aires: Heliasta, 2001, p. 267) (Destaque no original) Na lição de Cabanellas, o trabalhador dependente seria protegido por um conjunto de normas sociais específicas, enquanto os independentes ostentariam estatuto jurídico próprio, desprovido teleologicamente de característica tuitiva. O caráter dual da classificação, tomando como base a autonomia do prestador, é o gatilho necessário para o desencadeamento da proteção social. De maneira ainda mais assertiva, analisando a questão a partir do ordenamento laboral português, Maria do Rosário Palma Ramalho, explicita que: A subordinação jurídica é o traço verdadeiramente delimitador da situação juslaboral do trabalhador, no sentido em que é este elemento que o diferencia dos demais prestadores de uma actividade laborativa; com efeito, o trabalhador não se obriga apenas a prestar determinada actividade de trabalho, mas obriga-se a desenvolver esta actividade sob 'autoridade' do empregador. (In: Direito do Trabalho - Parte I - Dogmática Geral, 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 433) (Destaque nosso) Sendo a subordinação o "traço delimitador da situação juslaboral", na visão da autora, o que subtrai o enquadramento legal é a autonomia. Caso a autonomia, no seu sentido estrito não seja observada, recaem sobre o liame jurídico todas as ferramentas tuitivas genericamente reconhecidas pelos ordenamentos constitucional e infraconstitucional. Na medida em que é a autonomia o elemento de afastamento do arcabouço de proteção da relação jurídica individual, a identificação de certo grau de dependência viabiliza o enquadramento do prestador no standard jurídico descrito na CLT, art. 3º. Ora, sendo o motorista de aplicativo inserido dentro de um processo produtivo em relação ao qual não dispõe de autonomia de precificar os seus ganhos ou mesmo de alterar as regras de prestação dos serviços, é inviável falarmos em autonomia. O modo de prestação dos serviços não apresenta um menor grau de autonomia, não restando ao motorista integrantes das plataformas de transporte nenhuma escolha, mas apenas participar, ou não, das corridas demandadas pelos consumidores. Observe-se que o controle aniquilador da defendida autonomia age de forma impessoal, sem a presença do elemento humano, tal como ocorria nas relações laborais tradicionais. Não existe um controle emanado dos superiores hierárquicos ou gestores, mas uma sistemática organização do processo produtivo por meio de algoritmos genialmente desenvolvidos para coordenar a prestação dos serviços. Nessa perspectiva, a subordinação laboral, nos limites das plataformas de transporte, não surge pela ação humana, mediante a formulação de ordens diretas, mas sim por intermédio de sistema digitais, coordenados por intermédio de instruções algorítmicas. As diretrizes do próprio aplicativo estruturam um sistema de dependência estrutural, por meio do qual as relações de trabalho são coordenadas. Dentro dessa linha de raciocínio, merece ser destacado recentíssimo artigo doutrinário da lavra de Ana Paula Didier Studart e Luciano Martinez, verbis: A ideia de uma subordinação por algoritmo parte do pressuposto de que, nesses modelos atuais de contratação, dispensa-se a atuação humana e pessoal do empregador ou de seus prepostos para o exercício das atividades de comando, direção, supervisão e fiscalização das atividades e da forma de execução do trabalho, ou seja, os algoritmos assumem o papel de direção, exercendo as atividades inerentes ao empregador. Dessa forma, o controle passa a operar mediante programação algorítmica, fixação de objetivos e medição informatizada do desempenho individual do trabalhador. (In: O Poder Diretivo Algorítmico. Revista Magister de Direito do Trabalho, Ano XVIII - Nº 105, Nov-Dez 2021, p. 46-47. (Destaque nosso) O realce feito pelos autores atesta a existência de uma nova forma de subordinação, encetada estruturalmente pelas diretrizes dos algoritmos usados nos aplicativos de transporte. As ordens deixam de ser diretas e emanadas do empregador e passam a ser expedidas de maneira difusa, por intermédio das estruturas de aferição, controle e operacionalização executadas sem a interação humana. Trata-se de subordinação diferenciada, executada em conformidade com as novas tecnologias sintonizadas com o mundo do trabalho contemporâneo. É a vetusta dependência laboral incorporada nos algoritmos destinados à construção das plataformas digitais. Os algoritmos usados nas plataformas digitais assumem "vida própria" e , na maioria das vezes, impõe decisões sem a participação de nenhum ser humano. Na realidade, a autuação das ferramentas digitais contemporâneas acaba por corporificar atitudes ou comportamentos inesperados pelos próprios operadores. Trata-se de preocupação presente nos estudos de inúmeros acadêmicos, como por exemplo, o italiano Valerio De Stefano, verbis: [...] A subordinação das plataformas digitais surge do próprio ciclo produtivo montado por intermédio dos algoritmos sem interação humana direta e específica. O controle opera de forma impessoal e a subordinação aflora pela simples inserção dos trabalhadores nos limites da plataforma. O trabalho é coordenado, fiscalizado, aferido e avaliado automaticamente, fazendo com que a subordinação seja elemento indelével da prestação laboral nos aplicativos de transporte, tal como acontece nos presentes autos. Não há, portanto, como se falar em trabalho autônomo dos motoristas de aplicativos, tendo em vista a existência de uma subordinação inerente à própria ferramenta digital. Não existindo a autonomia apriorística defendida pelo réu, ultrapasse-se o traço delimitador da proteção laboral, só sendo possível descaracterizar o liame laboral na hipótese de, no plano fático, demonstrar-se o descumprimento de algum requisito da CLT, art. 3º. Importante trazer à colação recente julgado do TST que trata da temática, proferido em processo de empresa de atividade econômica similar a da recorrida: [...] No dizer do e. Ministro Alexandre de Souza Agra, "na falta de regulação da matéria pelo Congresso", cabe ao Poder Judiciário decidir a matéria conforme o caso concreto a ele apresentado, a fim de evitar a sonegação deliberada de direitos trabalhistas: A regência trabalhista das plataformas digitais já deveria ter sido objeto de apreciação pelo Parlamento. A ele cabe decidir, auscultando a sociedade como um todo, pela melhor opção para a regulação dos motoristas de aplicativos, ou seja, decretando o vínculo total de emprego; ou a concessão apenas parcial de direitos, na condição de trabalhadores economicamente dependentes, mas semiautônomos. Na falta de regulação pelo Congresso, cabe ao Poder Judiciário decidir a questão de fato, de acordo com a situação jurídica apresentada e ela, como apresentada, remete, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao reconhecimento do vínculo empregatício, tal como vem sendo decidido no direito comparado. (Destaca-se.) Reconhecido o liame empregatício, passa-se ao enfrentamento da postulação específica do reclamante. Almeja o recorrente as verbas trabalhistas decorrentes do vínculo de emprego do período de 1º.10.2020 com o recorrido, sob a modalidade de contrato intermitente. Ocorre que a reclamada juntou com a defesa print de sistema de gestão de motorista (Id. 3e058f9), onde se constata que o cadastro do obreiro se deu em data posterior, qual seja, 08.10.2020, o que deve prevalecer como marco do início contratual. No tocante à base remuneratória, os relatórios de viagem apresentados nos autos, além de se tratarem de documentos produzidos unilateralmente e suscetíveis de manipulação, não refletem a efetiva remuneração do trabalhador, limitando-se a indicar os valores brutos das corridas realizadas. Assim, não podem ser considerados como prova para fins de comprovação da média remuneratória praticada. Dessa forma, superado o entrave jurídico quanto a existência do liame de emprego entre as partes, uma vez que exaustivamente enfrentada a temática em linhas anteriores, e não havendo a comprovação quanto à quitação dos direitos do autor, condena-se a parte acionada a pagar ao trabalhador os seguintes direitos: férias vencidas (em dobro) e simples, acrescidas do terço constitucional, 13º salários - proporcional de 2020 e integrais de 2021 a 2024 e depósitos de FGTS de todo o período contratual (a depositar na forma do art. 26-A,§1º, da Lei 8.036/90). Impõe-se ao recorrido registrar o contrato de trabalho em CTPS obreira, sob a modalidade intermitente, com admissão em 08.10.2020, com salário mensal de R$500,00, função motorista, sob modalidade intermitente, no prazo de 10 dias úteis, após o depósito do documento na Secretaria da Vara e depois da respectiva ciência da empresa, sob pena de responder pela multa diária de R$100,00, até o limite de R$ 3.000,00, a título de astreintes, conforme art. 536, § 1º, do CPC. Seguindo para o enfrentamento da insurgência envolvendo os honorários advocatícios sucumbenciais, observa-se que a presente ação trabalhista foi proposta quando já estava vigente a Lei n.º 13.467/2017, que inseriu o art. 791-A, na CLT. Dessa forma, condena-se a reclamada em honorários advocatícios sucumbenciais, em favor do patrono da parte obreira, na forma do art. 791-A da CLT, observado o percentual de 5% sobre o valor da condenação. Fica mantida a condenação do reclamante, em igual percentual, sob condição suspensiva de exigibilidade, sobre as parcelas julgadas improcedentes. Por fim, impõe-se destacar que, ao contrário da tese defensiva, os valores do pedido não limitam a condenação. Prevalece, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, a tese de que a exigência de liquidação prévia dos pedidos, direcionada para os ritos sumaríssimo (CLT, art. 852-B, I) e ordinário (CLT, art. 840, §1º), é de caráter meramente estimativo, não servindo de como limitador a priori para a liquidação da condenação (Emb-RR-555-36.2021.5.09.0024, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 07/12/2023). Nessa perspectiva, a liquidação do julgado com valores superiores aos descritos na petição inicial, desde que plenamente adstritos à postulação, não constitui julgamento ultra petita. Seguindo as diretrizes da Lei nº 14.905/2024, que alterou a Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), em companhia da decisão da SBDI-1 do TST, proferida nos autos do processo TST-E-ED-RR-713-03.2010.5.04.0029, publicada no DEJT em 25.10.2024, observar-se-á, para fins de correção do débito objeto da condenação: (i) o IPCA-E na fase pré-judicial acrescido dos juros de mora (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991); (ii) a partir do ajuizamento da ação até 29.08.2024, a taxa SELIC, ressalvados os valores eventualmente pagos, nos termos da primeira parte do item "i" da modulação do STF, vedada a dedução ou compensação de eventuais diferenças pelo critério de cálculo anterior; (iii) a partir de 30.08.2024, no cálculo da atualização monetária, será utilizado o IPCA (art. 389, parágrafo único, do Código Civil) e os juros de mora serão fixados pela taxa legal (SELIC subtraída do IPCA), com a possibilidade de não incidência (taxa 0), conforme art. 406, §§1º e 3º, do Código Civil. No presente caso, a Turma Julgadora entendeu pela existência do vínculo de emprego entre as partes litigantes, porquanto demonstrados os requisitos fático-jurídicos previstos na legislação trabalhista. Entretanto, a controvérsia se refere à questão constitucional para qual o e. STF fixou existir repercussão geral – Tema nº 1291 (" Reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital "), mas ainda pendente de julgamento e sem determinação de sobrestamento dos feitos com idêntica matéria. Ademais, o Colendo TST, por meio das 1ª, 4ª, 5ª e 8ª Turmas, em situação análoga à dos autos, tem se manifestado no sentido de que o trabalho desempenhado por meio das plataformas digitais não cumpre os requisitos dos artigos 2ª e 3ª da CLT, não havendo vínculo de emprego entre os trabalhadores e a respectiva plataforma. Vejamos: "RECURSO DE REVISTA. UBER E MOTORISTA DE APLICATIVO. INEXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Não se desconhece que, em tempos atuais, a economia globalizada e a tecnologia aproximam pessoas que, conjugando interesses em um mundo em constante evolução e transformação, erigem novas modalidades de contrato atividade. Dentre o extenso rol de novas atividades surgidas ao longo dos últimos anos, destaca-se a do motorista de aplicativo, que propiciou maior dinamismo e facilidade no transporte de pessoas/produtos. 2. A controvérsia dos autos diz respeito ao enquadramento jurídico dessa nova relação de trabalho que aproxima o motorista e a empresa que oferece tecnologia para o transporte de pessoas/produtos por meio de uma interface entre o prestador do serviço e o usuário-cliente. 3. Apesar de a Corte de origem ter concluído pela configuração do vínculo de emprego, os elementos fáticos delineados no acórdão regional permitem proceder ao reenquadramento jurídico da matéria, sendo possível depreender que não restaram caracterizados todos os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT para configuração do vínculo de emprego entre o motorista e a empresa ré, fornecedora da plataforma utilizada pelo autor para angariar “clientes”. 4. Os fatos retratados no acórdão regional evidenciam que a relação jurídica que se estabeleceu entre a empresa de aplicativo e o autor não era de emprego, especialmente pela falta de subordinação jurídica, pois a empresa não dava ordens aos motoristas e nem coordenava a prestação do serviço (ausente o poder direito da empresa). 5. Embora o Tribunal Regional tenha consignado que a recusa de chamadas acarretava ao motorista “decréscimo na avaliação da qualidade da relação contratual”, a observância de regras mínimas estabelecidas pela empresa para uso do aplicativo não significa ingerência desta no modo de trabalho prestado, e não tem o condão de afastar a autonomia do motorista, uma vez que, tratando-se de obrigações contratuais, serve apenas para preservar a credibilidade do aplicativo, mantendo-se a fidelidade dos seus usuários, em prol do sucesso do negócio jurídico entabulado. 6. Por outro lado, registrou a Corte de origem que não há “ exigência formal da empresa no sentido de estar o motorista conectado à plataforma por lapsos mínimos ou determinados de tempo. De fato, esta opção é do motorista, consoante suas necessidades pessoais ” e que o motorista poderia escolher “ em quais dias e períodos irá trabalhar ”. 7. Nota-se claramente que: a) a UBER é uma empresa de aplicativo, que pactua negócio jurídico com motorista autônomo, para que este possa usufruir da tecnologia ofertada e, em contrapartida, como consequência lógica do aproveitamento do aplicativo para captação de clientes, retira um percentual dos ganhos auferidos; b) o motorista presta serviços diretamente para o passageiro, por meio dessa ferramenta tecnológica (instrumento de trabalho) que possibilita a interação entre motorista e usuário-cliente, com autodeterminação na execução do serviço contratado e assunção do ônus econômico da sua atividade. O motorista usa o aplicativo, não é usado por ele. 8. Nesse mesmo sentido, já se manifestaram as 1ª, 4ª, 5ª e 8ª Turmas deste Tribunal Superior, assim como vem se firmando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, quando da análise de controvérsias análogas à dos presentes autos, ainda em Reclamações Constitucionais, tem cassado decisões em que esta Justiça Especializada reconhece o vínculo de emprego entre plataformas e motoristas. Veja-se, a título de exemplo, as decisões proferidas pelos Ministros Alexandre de Moraes na Rcl 59.795, Luiz Fux na Rcl 59.404, Gilmar Mendes na Rcl 63.414, Cristiano Zanin na Rcl 65.895, Nunes Marques na Rcl 65.906 e Cármen Lúcia na Rcl 67.693. 9. Não se desconhece a notória necessidade de proteção jurídica aos motoristas de aplicativo, porém, tal desiderato protetivo deve ser alcançado via legislativa, nada justificando trazê-los ao abrigo de uma relação de emprego que não foi pactuada, almejada e muito menos concretizada durante o desenvolvimento cotidiano da atividade. 10. Nessa perspectiva, forçoso reformar o acórdão regional para afastar o vínculo de emprego reconhecido entre as partes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-0010274-95.2020.5.15.0093, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 25/10/2024)." "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE, INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 - RITO SUMARÍSSIMO - UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. - TRABALHO PRESTADO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA O trabalho desempenhado por meio das plataformas digitais não cumpre os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, não havendo vínculo de emprego entre os trabalhadores e a respectiva plataforma. Julgados de Turmas desta Eg. Corte Superior. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA Mantida a improcedência da ação, resta prejudicada a análise do tema. Agravo de Instrumento a que se nega provimento" (AIRR-0010102-84.2024.5.03.0114, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 24/01/2025). "AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Em razão do reconhecimento da transcendência jurídica da matéria, viabilizando-se o debate em torno da interpretação do alcance dado ao art. 3º da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista não conhecido" (RR-1001059-90.2022.5.02.0054, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 11/10/2024). "GDCJCP/ lb AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. MOTORISTA DE APLICATIVO. UTILIZAÇÃO DE PLATAFORMA DIGITAL. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Considerando tratar-se a discussão de matéria nova, para a qual ainda não há no âmbito deste Tribunal Superior jurisprudência reiterada e pacificada, acerca do reconhecimento de vínculo de emprego com empresa detentora de plataforma digital, reconhece-se a transcendência jurídica da causa, nos termos do artigo 896-A, § 1º, IV, da CLT. 2. MOTORISTA DE APLICATIVO. UTILIZAÇÃO DE PLATAFORMA DIGITAL. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. Trata-se de pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego entre o reclamante motorista e a reclamada Uber provedora de plataforma digital. Como é cediço, para que se possa reconhecer a existência de vínculo de emprego, é necessário que na relação jurídica mantida entre as partes estejam presentes os elementos configurados do pretendido liame, na forma estabelecida pelos artigos 2° e 3° da CLT. Desse modo, somente há falar em relação de emprego quando devidamente comprovada a não eventualidade dos serviços prestados, a pessoalidade do trabalhador contratado, a subordinação jurídica e a onerosidade. Ausente um desses requisitos, não há falar em vínculo de emprego, e sim em relação de trabalho por meio de atividade em sentido estrito. Importante realçar que o fato de o tomador dos serviços fixar diretrizes e aferir resultados na prestação dos serviços não induz à conclusão de que estaria presente a subordinação jurídica. Isso porque todo trabalhador se submete, de alguma forma, à dinâmica empresarial de quem contrata seus serviços, em razão de ser ela (a empresa) a beneficiária final dos serviços prestados pelo trabalhador. Sendo assim, pode ela perfeitamente supervisionar e determinar a forma de execução das atividades, não cabendo para a espécie o reconhecimento de vínculo decorrente da chamada "subordinação estrutural". Precedentes. No que diz respeito à subordinação jurídica, para que haja a sua configuração, é necessário que estejam presentes na relação todos os elementos que compõem o poder hierárquico do empregador, quais sejam: os poderes diretivo, fiscalizatório, regulamentar e disciplinar, como bem ressaltou o eminente Ministro Alexandre Luiz Ramos no seu voto, no julgamento do RR-10088-46.2015.5.18.0002, de sua relatoria na Quarta Turma. Desse modo, inexistindo a convergência concreta de todos esses elementos, não há falar em subordinação jurídica e, por conseguinte, em relação de emprego. Na hipótese , a questão foi dirimida mediante análise do conjunto probatório, evidenciando a inexistência de controle ou supervisão por parte da reclamada, concluindo o Tribunal Regional pela não configuração da subordinação jurídica, apta a caracterizar o vínculo de emprego. Ficou expresso que o autor tinha autonomia para trabalhar, sem ter que se reportar diretamente a superiores hierárquicos, podendo escolher os dias em que trabalharia menos e os momentos destinados ao descanso. Acrescentou ainda que o percentual pago ao motorista, em torno de 80% do valor pago pelo passageiro, denota o caráter de parceria da relação, e não de subordinação. Desse modo, tem-se que o Tribunal Regional ao afastar a pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego, por não ficar demonstrada a subordinação jurídica, deu a exata subsunção dos fatos à norma contida nos artigos 2º e 3º da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento " (AIRR-0001185-73.2023.5.13.0004, 8ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 10/12/2024). Desse modo, ante a possibilidade de ofensa literal e direita ao artigo 5º, II, da Constituição Federal, dou seguimento ao recurso de revista. 3.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / LIQUIDAÇÃO / CUMPRIMENTO / EXECUÇÃO (9148) / VALOR DA EXECUÇÃO / CÁLCULO / ATUALIZAÇÃO (9149) / CORREÇÃO MONETÁRIA (10685) / TAXA REFERENCIAL - TR X IPCA-E Alegação(ões): - divergência jurisprudencial. -afronta aos artigos 5º, II; 97; 102, I e §2º; 48, XIV; 164, §2º da Constituição Federal. -contrariedade às ADCs 58 e 59; ADIs 5867 e 6021. -violação ao artigo 884 do CC. -contrariedade ao art. 1º, §1º da Circular nº 3.868/2017 do BACEN. A parte reclamada alega que "O v. acórdão recorrido, ao fixar os critérios de correção monetária e juros de mora, incorreu em manifesta contrariedade à legislação constitucional (art. 102, §2º, CF), bem como, à jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal (ADCs 58 e 59/ ADIs 5867 e 6021), merecendo urgente revisão por esta Colenda Corte Superior." A Turma Julgadora dirimiu a controvérsia em comento, nos seguintes termos: [...] Seguindo as diretrizes da Lei nº 14.905/2024, que alterou a Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), em companhia da decisão da SBDI-1 do TST, proferida nos autos do processo TST-E-ED-RR-713-03.2010.5.04.0029, publicada no DEJT em 25.10.2024, observar-se-á, para fins de correção do débito objeto da condenação: (i) o IPCA-E na fase pré-judicial acrescido dos juros de mora (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991); (ii) a partir do ajuizamento da ação até 29.08.2024, a taxa SELIC, ressalvados os valores eventualmente pagos, nos termos da primeira parte do item "i" da modulação do STF, vedada a dedução ou compensação de eventuais diferenças pelo critério de cálculo anterior; (iii) a partir de 30.08.2024, no cálculo da atualização monetária, será utilizado o IPCA (art. 389, parágrafo único, do Código Civil) e os juros de mora serão fixados pela taxa legal (SELIC subtraída do IPCA), com a possibilidade de não incidência (taxa 0), conforme art. 406, §§1º e 3º, do Código Civil. Verifica-se que o acórdão regional decidiu em consonância com a jurisprudência pacífica do C. TST, consubstanciada no julgado proferido, nos autos do processo TST-E-ED-RR-713-03.2010.5.04.0029, pela SBDI-1, órgão de uniformização de jurisprudência interna corporis do Tribunal Superior do Trabalho. Diante disso, o seguimento do recurso resulta obstado sob quaisquer alegações, consoante a disposição do art. 896, § 7º da CLT e entendimento cristalizado na Súmula n. 333 do TST, em razão dos quais não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Nego seguimento, no tema. CONCLUSÃO a) Dou parcial seguimento ao recurso de revista, concedendo vista à parte contrária para, querendo, oferecer as suas contrarrazões no prazo legal. Publique-se. b) No entanto, se interposto Agravo de Instrumento quanto à parte inadmitida, independentemente de nova conclusão, notifique(m)-se a(s) parte(s) agravada(s) para, querendo, apresentar(em) contrarrazões ao(s) recurso(s) de revista e contraminuta ao(s) agravo(s) de instrumento, no prazo de 08 dias; c) Decorrido o lapso temporal do contraditório, remetam-se os autos ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho. GVP/EJ/AW JOAO PESSOA/PB, 26 de maio de 2025. RITA LEITE BRITO ROLIM Desembargador Federal do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- 99 TECNOLOGIA LTDA
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