Processo nº 0204896-15.2023.8.06.0112
ID: 275520210
Tribunal: TJCE
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Juazeiro do Norte
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0204896-15.2023.8.06.0112
Data de Disponibilização:
21/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELISA DINAH CRUZ SOBREIRA
OAB/CE XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE JUAZEIRO DO NORTE GABINETE DA 2ª VARA CÍVEL Rua Maria Marcionília, nº. 800 - Jardim Gonzaga - Fone (88)3571-8218 - CEP 63.046-550 E-mail: juazeiro.2civel@t…
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE JUAZEIRO DO NORTE GABINETE DA 2ª VARA CÍVEL Rua Maria Marcionília, nº. 800 - Jardim Gonzaga - Fone (88)3571-8218 - CEP 63.046-550 E-mail: juazeiro.2civel@tjce.jus.br 0204896-15.2023.8.06.0112 AUTOR: FRANCISCA DUDA CHAGAS REU: BANCO PAN S.A. Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS ajuizada por FRANCISCA DUDA CHAGAS em face de BANCO PAN S.A Narra a parte autora que, no início de setembro de 2022, recebeu ligação telefônica do Banco Pan com oferta de cartão de crédito, durante a conversa a consumidora se interessou e decidiu fazer o cartão fornecendo as informações necessárias para realizar a operação. Contudo, alega que nos dias seguintes, verificou o lançamento de R$ 11.762,33 em sua conta bancária na CAIXA, vinculada ao recebimento de benefício previdenciário. A partir deste momento começaram descontos mensais no valor de R$ 320,00 diretamente de seu benefício do INSS, além de outras cobranças nos valores de R$ 76,20 (reserva cartão consignado) e R$ 44,99 (consignação - cartão). Aduz que identificou, por meio de aplicativo, a existência de dois contratos ativos em seu nome: um de empréstimo consignado (contrato nº 364215847-5) e outro referente ao cartão de crédito (764216278-3), o qual nunca recebeu fisicamente. Alega que passou a receber mensagens de cobrança referentes ao cartão que jamais recebeu, embora já constassem duas faturas lançadas em seu nome. Relata, ainda, que em 24 de fevereiro de 2023, durante ligação com uma funcionária do banco que se prontificou a realizar o cancelamento por meio do aplicativo da instituição, seguiu todas as instruções fornecidas para acesso e navegação na plataforma. Contudo, não obteve êxito na operação. Na ocasião, a atendente informou que a devolução dos valores somente seria possível por meio de transferência via PIX, indicando o CNPJ destinatário e realizando um novo cálculo do valor a ser restituído. Assim, foram feitas duas transações para o CNPJ 49.285.910/0001-57, uma no valor de R$ 5.000,00 e outro no valor de R$ 4.720,00. Alega que no mês de abril, a autora conseguiu contato com um suposto gerente do Banco Pan, que se prontificou a cancelar o empréstimo, mas voltou a solicitar seus documentos. Temendo novas fraudes e seguindo orientação anterior do INSS, a autora recusou-se a enviá-los, por entender que o banco já os possuía. Afirma que passou a receber ligações insistentes do banco, inclusive durante o trabalho e horários de descanso, propondo a renegociação da dívida e o recálculo de juros, mesmo após ter negado qualquer contratação e manifestado sua insatisfação. Diante da continuidade dos descontos e cobranças indevidas, ajuizou a presente demanda, alegando falha na prestação do serviço, prática abusiva e violação ao direito do consumidor. Citado, o requerido apresentou contestação em ID 99395589, em que sustenta a existência de comportamento contraditório por parte da autora, alegando que, embora o contrato de empréstimo consignado tenha sido celebrado em 2022, a ação foi ajuizada apenas em 2023, cerca de um ano após o início dos descontos. No mérito, defende a regularidade da contratação, afirmando que o negócio jurídico foi formalizado de forma digital, com assinatura eletrônica via biometria facial, em conformidade com a Instrução Normativa INSS nº 138/2022. Alega que foram observados os deveres de informação e transparência. Argumenta ainda que os valores do empréstimo foram efetivamente depositados em conta de titularidade da autora. Ressalta, também, que os documentos pessoais utilizados na contratação coincidem com aqueles apresentados nos autos. Em ID 134400122, a parte autora foi intimada para apresentar réplica, bem como para manifestação acerca da produção de provas, oportunidade em que requereu o julgamento antecipado da lide. Em ID 136065331, o réu igualmente pleiteou o julgamento antecipado da demanda. Réplica em ID 136225556. Sucintamente relatado, DECIDO. Passo à análise das preliminares. Da preliminar de ilegitimidade passiva O Banco PAN suscitou preliminar de ilegitimidade passiva (ID 136065331), alegando ausência de conduta lesiva e de nexo de causalidade entre os danos narrados na inicial e a sua atividade. Contudo, a preliminar não merece acolhimento. No que diz respeito à legitimidade para figurar em um dos polos da ação, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido que "as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na Teoria da Asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial" (STJ - AgInt no REsp: 1641829 RO 2016/0315033-4, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 24/08/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/08/2020). A legitimidade, portanto, deve ser analisada em abstrato, com base nas alegações formuladas pela parte autora no que se refere a sua pretensão. Dessa forma, com fundamento na Teoria da Asserção, a promovida é parte legítima a compor o polo passivo da relação processual, considerando que fez parte na dinâmica jurídica debatida. No caso em comento, a autora imputa à instituição ré responsabilidade pela contratação fraudulenta de empréstimo consignado e pelos descontos indevidos em seu benefício previdenciário, além da alegada atuação de supostos funcionários do banco em orientações que resultaram em prejuízo material. Tais elementos colocam o banco diretamente na cadeia fática e jurídica dos eventos discutidos. Dessa forma, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Banco PAN, reconhecendo sua legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda. Da impugnação à concessão da gratuidade da justiça O requerido alegou em sede de preliminar a indevida concessão dos benefícios da justiça gratuita ao autor. Contudo, não trouxe nenhum fato novo que implicasse a revogação do benefício da gratuidade da justiça, nem comprovou, por meio de sua impugnação, que a parte autora possui meios financeiros de arcar com as custas judiciais sem prejuízo do seu sustento próprio. Nesse sentido: EMENTA: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JUSTIÇA GRATUITA. IMPUGNAÇÃO. PROVA DA CAPACIDADE DO BENEFICIÁRIO. ÔNUS DO IMPUGNANTE. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS NºS 7 E 83/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal de origem, apreciando as peculiaridades fáticas da causa, deferiu o benefício da assistência judiciária gratuita. A modificação de tal entendimento lançado no v. acórdão recorrido, como ora perseguida, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. 2. Além disso, na hipótese de impugnação do deferimento da assistência judiciária gratuita, cabe ao impugnante comprovar a ausência dos requisitos legais para a concessão do benefício, ônus do qual não se incumbiu a parte ora agravante, segundo assentado pelo acórdão recorrido. Incidência da Súmula 83 do STJ. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1023791 SP 2016/0304627-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 16/03/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/03/2017) (destacou-se). Assim, rejeito a impugnação e mantenho a concessão da gratuidade da justiça à autora. Do mérito Nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo antecipadamente a lide, uma vez que os documentos constantes dos autos são suficientes para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessária a produção de outras provas. Aplica-se ao presente caso o Código de Defesa do Consumidor. A relação jurídica questionada possui inegável natureza consumerista, na medida em que vinculada a contrato bancário celebrado no âmbito do mercado de consumo, enquadrando-se os envolvidos nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Cumpre registrar que o art. 3º, § 2º, do CDC é expresso ao afirmar que, para fins de aplicação desse "Codex" Protetivo, considera-se serviço toda atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações trabalhistas, o que é corroborado pelo enunciado n. 297 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. No que se refere à responsabilidade civil, o Código de Defesa do Consumidor adota, como regra geral, o regime da responsabilidade objetiva, ao qual se submete a pretensão indenizatória formulada pelo autor. Todavia, tal circunstância não exime o consumidor do dever de apresentar prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito, nos termos do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil. No presente caso, a controvérsia reside na validade da contratação de empréstimo consignado e cartão de crédito consignado, diante da alegação da autora de que forneceu dados apenas para adesão ao cartão, o qual jamais recebeu, e que desconhecia a contratação do empréstimo, surpreendendo-se com o depósito de R$ 11.762,33 em sua conta e descontos mensais de R$ 320,00, além de R$ 76,20 e R$ 44,99. A autora afirma que tentou cancelar o empréstimo e, durante atendimento com suposta funcionária do banco, foi orientada a realizar transferências nos valores de R$ 5.000,00 e R$ 4.720,00 para um CNPJ indicado pela própria atendente, sem que, contudo, o problema fosse solucionado. Para comprovar suas alegações, juntou aos autos: histórico do empréstimo consignado (ID 99395609), extrato de crédito do INSS (ID 99395610) e capturas de tela de conversas via WhatsApp (ID 99395611). Por sua vez, o réu sustenta a regularidade da contratação, juntando proposta do empréstimo (ID 99395592), documentos pessoais da autora, fatura do cartão consignado (ID 136065334), comprovantes de transferências e Termo de Adesão ao Cartão Benefício PAN (ID 136065337). Do cartão de crédito consignado É inquestionável que a autora, no contrato que celebrou com o banco réu, autorizou o último a se valer da reserva de margem consignável RMC (ID 136065337), conforme autoriza a Instrução Normativa INSS 28/2008, já com as alterações introduzidas pelas Instruções Normativas INSS 80/2015 e 81/2015. A própria autora em sua peça inicial diz ter se interessado e fornecido as informações necessárias para realizar a operação referente ao cartão de crédito. Vale destacar que o artigo 17-A, caput, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008, com redação dada pela Instrução Normativa INSS/PRES nº 39/2009, confere ao beneficiário o direito de solicitar o seu cancelamento a qualquer tempo, independentemente do adimplemento contratual, caso em que a instituição financeira fica obrigada a conceder ao devedor a opção de liquidar o valor total de uma só vez ou por meio de descontos consignados na RMC de seu benefício previdenciário (artigo 17-A, § 1º). Assim sendo, a autora faz jus ao cancelamento do cartão de crédito referente ao contrato de nº 764216278-3, conforme disposto no artigo 17-A, caput, da Instrução Normativa INSS nº 28/2008, com redação dada pela Instrução Normativa INSS/PRES nº 39/2009. O cancelamento do contrato do cartão de crédito não cancela o débito ainda existente e nem isenta a autora de quitá-lo. Cabe ao réu conceder as seguintes opções de pagamento do saldo devedor, com fundamento no artigo 17-A, § 1º, da mencionada Instrução Normativa: liquidação imediata do valor total ou descontos consignados na RMC do benefício da autora. Assim, é cabível o reconhecimento do direito da autora ao cancelamento do contrato nº 764216278-3, com fundamento no art. 17-A da IN INSS nº 28/2008, sem prejuízo da obrigação de quitação do eventual saldo devedor, cuja forma de pagamento deverá observar as alternativas legalmente previstas. Do empréstimo consignado A autora relata que, dias após a contratação do cartão de crédito, identificou a quantia de R$ 11.762,33 em sua conta bancária na CAIXA, vinculada ao benefício previdenciário, seguido de descontos mensais de R$ 320,00 diretamente em seu benefício do INSS. Trata-se de situação peculiar, em que a autora foi vítima de contratação não reconhecida de empréstimo consignado, contrato nº 364215847-5, no valor de R$ 26.880,00. E, após, uma orientação fraudulenta para devolução do valor ao CNPJ de terceiro, sem qualquer vínculo com o banco. Em sua contestação, a ré fez juntada de contrato, o qual alegou ter sido firmado pela autora de forma digital (ID 99395592). O demandado sustenta que: "tanto o documento apresentado durante a contratação, quanto o documento anexado à petição inicial do processo são idênticos". Os prints de conversas em ID 99395611, por outro lado, evidenciam o inequívoco desejo de cancelamento da operação. O fato da consumidora, após ter notado o crédito em sua conta, buscar a devolução dos valores, por si só, já demonstra que o financiamento não foi por ela solicitado. A contratação do empréstimo não reconhecido pela autora configura evento danoso (fato do serviço) de responsabilidade do banco réu, conforme disciplinado no artigo 14 do CDC. Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes jurisprudenciais: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA - Sentença de procedência - Recurso do réu - Abertura de conta bancária em nome do autor, com posterior contratação de empréstimo consignado - Fraude praticada por terceiro - Fortuito interno - Súmula nº 479 do STJ - Risco da atividade das instituições financeiras - Falha na prestação dos serviços evidenciada - Responsabilidade objetiva da instituição financeira - Ausência de presteza do banco apelante na resolução da fraude - Incumprimento dos deveres laterais de conduta decorrentes da boa-fé objetiva - Danos morais configurados diante das particularidades do caso concreto - Quantum indenizatório que não comporta redução - Sentença mantida - Recurso desprovido, com majoração da verba honorária. (TJ-SP- Apelação Cível 1001305-43.2022.8.26.0224, relator o Desembargador MARCO FÁBIO MORSELLO, julgado em 28/08/2023). APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO A DISTÂNCIA POR CONSUMIDOR IDOSO - SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE - BIOMETRIA FACIAL SEM VINCULAÇÃO SEGURA À CONTRATAÇÃO - VALOR DO ESPRÉSTIMO CONSIGNADO EM JUÍZO - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO (A PARTIR DE 30/03/2021 - EAREsp 676.608/RS). Empréstimo consignado a distância por consumidor idoso, conduz o contratante a situação de hipervulnerabilidade, não devendo ser permitido que instituições financeiras, na ânsia de auferir lucro de forma facilitada, formalizem negócios sem segurança quanto à efetiva e consciente adesão pelo consumidor. Embora possível contratação por meio eletrônico, exige-se mecanismo que permita vincular manifestação de vontade à efetiva contratação, mormente no caso de empréstimo consignado por idoso. O desconto indevido em benefício previdenciário, quando o empréstimo gerador desses descontos foi imediatamente devolvido pelo consumidor, configura ilícito civil passível de compensação por danos morais. Para o arbitramento dos danos morais, cumpre ao magistrado atentar, em cada caso, para as condições da vítima e do ofensor, o grau de dolo ou culpa, evitando, sempre, que o ressarcimento se transforme numa fonte de enriquecimento sem causa ou que seja inexpressivo ao ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa. Deve ser aplicado o entendimento firmado em julgamento repetitivo pelo STJ (EAREsp 676.608/RS0, de modo que somente aqueles descontos efetuados após a publicação do acórdão (30/03/2021) deverão ser restituídas em dobro. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.119573-6/001, Relator (a): Des.(a) José Augusto Lourenço dos Santos, 12a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/07/2023, publicação da súmula em 03/08/2023). Dessa forma, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade da parte ré pelo evento danoso, com a consequente declaração de inexistência da relação jurídica impugnada, bem como da inexigibilidade do débito. Da falha na prestação do serviço Da análise dos documentos acostados, a autora efetuou duas transferências via pix nas quantias de R$ 5.000,00 e R$ 4.720,00, ao que tudo indica, seguindo orientações de falsários. Importante frisar que o valor depositado na conta da autora foi de R$11.796,95. O cenário criado pelo terceiro fraudador levou a autora a acreditar que realmente estava tratando com o Banco Pan e, portanto, a concluir a operação. A consumidora viu-se diante de um empréstimo consignado não solicitado, além de ter sido vítima de fraude, na qual o fraudador se apropriou de parte da quantia creditada em sua conta. No presente caso, é evidente que os dados pessoais da autora foram acessados indevidamente por terceiros, permitindo que estes conduzissem a operação fraudulenta sob a aparência de um procedimento rotineiro de segurança bancária. No tocante à responsabilidade das instituições financeiras em casos de vazamento de dados, destaca-se julgado da Terceira Turma, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que tratou do dever de indenizar decorrente do tratamento inadequado de dados bancários sigilosos. Veja-se: EMENTA: CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO POR VAZAMENTO DE DADOS BANCÁRIOS CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. GOLPE DO BOLETO. TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS SIGILOSOS DE MANEIRA INADEQUADA. FACILITAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA. FATO DO SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR PELOS PREJUÍZOS. SÚMULA 479/STJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Ação declaratória de inexigibilidade de débito por vazamento de dados bancários cumulada com indenização por danos morais e repetição de indébito, ajuizada em 13/2/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 15/2/2022 e concluso ao gabinete em 19/6/2023 .2. O propósito recursal consiste em decidir se a instituição financeira responde por falha na prestação de serviços bancários, consistente no vazamento de dados que facilitou a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.3. Se comprovada a hipótese de vazamento de dados da instituição financeira, será dela, em regra, a responsabilidade pela reparação integral de eventuais danos. Do contrário, inexistindo elementos objetivos que comprovem esse nexo causal, não há que se falar em responsabilidade das instituições financeiras pelo vazamento de dados utilizados por estelionatários para a aplicação de golpes de engenharia social (REsp 2.015.732/SP, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023).4. Para sustentar o nexo causal entre a atuação dos estelionatários e o vazamento de dados pessoais pelo responsável por seu tratamento, é imprescindível perquirir, com exatidão, quais dados estavam em poder dos criminosos, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, consequentemente, a responsabilidade dos agentes respectivos. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada.5. Os dados sobre operações bancárias são, em regra, de tratamento exclusivo pelas instituições financeiras. No ponto, a Lei Complementar 105/2001 estabelece que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados (art. 1º), constituindo dever jurídico dessas entidades não revelar informações que venham a obter em razão de sua atividade profissional, salvo em situações excepcionais. Desse modo, seu armazenamento de maneira inadequada, a possibilitar que terceiros tenham conhecimento de informações sigilosas e causem prejuízos ao consumidor, configura defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC e art . 44 da LGPD).6. No particular, não há como se afastar a responsabilidade da instituição financeira pela reparação dos danos decorrentes do famigerado "golpe do boleto", uma vez que os criminosos têm conhecimento de informações e dados sigilosos a respeito das atividades bancárias do consumidor. Isto é, os estelionatários sabem que o consumidor é cliente da instituição e que encaminhou e-mail à entidade com a finalidade de quitar sua dívida, bem como possuem dados relativos ao próprio financiamento obtido (quantidade de parcelas em aberto e saldo devedor do financiamento).7. O tratamento indevido de dados pessoais bancários configura defeito na prestação de serviço, notadamente quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.8. Entendimento em conformidade com Tema Repetitivo 466/STJ e Súmula 479/STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" .9. Recurso especial conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido e reestabelecer a sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau. (STJ - REsp: 2077278 SP 2023/0190979-8, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/10/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2023) (G.N) A instituição financeira, ao não adotar os deveres mínimos de cautela e diligência, atrai, por consequência, o dever de indenizar, nos termos da responsabilidade objetiva (Súmula 479/STJ). RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011). Dessa forma, conclui-se pelo reconhecimento da responsabilidade da parte ré também quanto à operação fraudulenta que resultou nas transferências realizadas pela autora a terceiros, mediante orientação repassada por falsos atendentes que, ao que tudo indica, tinham acesso a dados sigilosos da relação contratual. Da compensação pelos danos sofridos Estando caracterizada a responsabilidade do réu pelos danos causados, impõe-se o dever de indenizar. A autora pleiteia a reparação pelos prejuízos suportados, tanto de ordem material quanto moral, decorrentes da situação danosa vivenciada. No tocante aos danos materiais, estes devem refletir com precisão o prejuízo efetivamente suportado, consubstanciado, no presente caso, nos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da autora, sem sua autorização. A restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente é cabível quando configurada conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente da comprovação de má-fé. Esse é o entendimento consolidado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os recursos EAREsp 676.608 (paradigma), EAREsp 664.888, EAREsp 600.663, EREsp 1.413.542 e EAREsp 622.697, fixando a tese de que: "A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva." No caso em tela, diante da ausência de comprovação da regularidade da contratação do empréstimo consignado e da realização de descontos no benefício previdenciário da autora, impõe-se a condenação do réu à devolução em dobro dos valores cobrados, como consequência da violação ao princípio da boa-fé objetiva que rege as relações de consumo. Igualmente merece acolhimento o pedido de reparação por danos morais formulado pela autora. É cediço que o ordenamento jurídico pátrio resguarda a restituição integral do dano sofrido seja em seu aspecto patrimonial ou exclusivamente moral, estando este último vinculado de modo indissociável à condição da dignidade humana e da personalidade da vítima. No presente caso, o benefício previdenciário da autora foi objeto de descontos indevidos, comprometendo recursos indispensáveis à sua subsistência e à de sua família. Dessa forma, não se pode minimizar o impacto do desconto indevido no benefício previdenciário como mero aborrecimento cotidiano, pois o constrangimento e a insegurança experimentados pela parte autora excedem os limites da tolerabilidade, caracterizando, assim, dano moral indenizável. Assim, analisando os efeitos causados à autora pelo prejuízo econômico, e considerando a condição socioeconômica das partes, a repercussão do evento danoso na esfera jurídica, bem como o caráter ressarcitório e pedagógico que deve ostentar a quantia devida, fixo a indenização por danos morais na quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Para fins de atualização do valor a ser restituído, a correção monetária deverá incidir a partir da data do efetivo prejuízo, nos termos do enunciado da Súmula nº 43 do STJ, que assim dispõe: "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo." Quanto aos juros moratórios, sendo a obrigação decorrente de ato ilícito, aplica-se o disposto no art. 398 do Código Civil, segundo o qual: "Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde que o praticou." Quanto aos danos morais, a matéria também é sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, em razão do que a correção monetária deve incidir a partir da data do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e os juros moratórios a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ). Vejamos: Súmula 54. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. Súmula 362. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para: a) Determinar o cancelamento do contrato de cartão de crédito consignado nº 764216278-3, com fundamento no art. 17-A da Instrução Normativa INSS nº 28/2008, sem prejuízo da obrigação da parte autora de quitar eventual saldo devedor, devendo o réu, para tanto, oferecer-lhe as opções legalmente previstas; b) Declarar a nulidade do contrato de empréstimo consignado nº 364215847-5, em virtude da ausência de manifestação válida de vontade da autora, nos termos da fundamentação supra; c) Condenar a parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (art. 398 do Código Civil c/c Súmula 54 do STJ), até o arbitramento; a partir deste, incidirão juros e correção monetária pela Taxa SELIC, conforme a Súmula 362 do STJ; d) Condenar a parte requerida à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados do benefício da autora, em decorrência do contrato de empréstimo consignado declarado nulo, com atualização monetária a partir da data do efetivo prejuízo (Súmula 43/STJ) e juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54/STJ), ambos calculados com base na Taxa SELIC, nos termos da sistemática introduzida pela Lei nº 14.905/2024. Considerando a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, a serem rateados proporcionalmente. Contudo, quanto à autora, fica suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais, nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, em razão do deferimento da justiça gratuita. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa. Juazeiro do Norte/CE, 20 de maio de 2025. Péricles Victor Galvão de Oliveira Juiz de Direito em respondência
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