Processo nº 1020941-25.2024.8.11.0003
ID: 312954724
Tribunal: TJMT
Órgão: 1ª VARA ESP. DA FAZENDA PÚBLICA DE RONDONÓPOLIS
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1020941-25.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABIULA ANDREIA CIARINI VIOTT
OAB/MT XXXXXX
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PROCESSO N. º 1020941-25.2024.8.11.0003 VISTO. LUCIA DE OLIVEIRA SOUZA, A. D. O. L. e NIELI OLIVEIRA LIMA ajuizaram ação de indenização por erro médico em face do ESTADO DE MATO GROSSO, aduzindo, em …
PROCESSO N. º 1020941-25.2024.8.11.0003 VISTO. LUCIA DE OLIVEIRA SOUZA, A. D. O. L. e NIELI OLIVEIRA LIMA ajuizaram ação de indenização por erro médico em face do ESTADO DE MATO GROSSO, aduzindo, em síntese, que são companheira e filhas de OSVALDO BARBOSA LIMA, que faleceu em 10.05.2022 na UPA Hospital da Criança Wilma Bohac Francisco, devido a hipertensão intracraniana, hemorragia intracraniana e politrauma. Relatam que o Sr. Osvaldo foi vítima de acidente de trânsito (motocicleta) em 02.04.2022 na BR 364, em Rondonópolis/MT, sendo atendido pelo SAMU e levado ao Hospital Regional Irmã Elza Giovanella, onde permaneceu internado em UTI por mais de 30 dias. Aduzem que, no dia 08.05.2022, o paciente recebeu alta médica da UTI diretamente para casa, sem passar por período de observação em enfermaria, mesmo estando em estado grave, com déficit cognitivo severo, permanecendo acamado, dependente de terceiros e alimentando-se por meio de sonda nasoenteral, sem possibilidade de deglutição. Alegam que a família não tinha condições de cuidar adequadamente do paciente, principalmente no que tange à alimentação por sonda nasoenteral, e que o hospital não disponibilizou equipe de home care ou qualquer outro suporte técnico para os cuidados necessários. Afirmam que apenas dois dias após a alta médica (10.05.2022), o Sr. Osvaldo veio a óbito, tendo como causa da morte hipertensão intracraniana, hemorragia intracraniana e politrauma. Argumentam que o Estado de Mato Grosso deve ser responsabilizado objetivamente, por sua negligência e má prestação do serviço público, ao conceder alta hospitalar precoce ao paciente, sem as devidas cautelas e sem oferecer o suporte domiciliar necessário. Ao final, requerem: a) condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 150.000,00 para cada requerente, totalizando R$ 450.000,00; b) pagamento de danos materiais no valor de R$ 1.037,04, referentes às despesas com funeral; c) pensão alimentícia mensal no valor de R$ 2.000,00, equivalente a 2/3 dos rendimentos do falecido (R$ 3.000,00), pelo prazo de 12 anos para a viúva e até os 25 anos para a filha menor; o ESTADO DE MATO GROSSO apresentou contestação alegando, em síntese: a) ausência de prova da ocorrência de erro médico; b) ausência de nexo de causalidade entre a conduta estatal e o resultado morte; c) a responsabilidade civil decorrente de erro médico é subjetiva, exigindo comprovação de culpa do profissional; d) o paciente recebeu todos os cuidados necessários durante sua internação e a alta foi concedida depois de esgotados os recursos terapêuticos; e) o valor pleiteado a título de danos morais é excessivo; f) inexistência de direito à pensão mensal por ausência de comprovação da dependência econômica e da atividade laborativa do falecido (Id. 171696958). As autoras apresentaram impugnação à contestação reiterando os argumentos da inicial e sustentando que a responsabilidade do Estado, no caso, é objetiva (id. 171696958). Na fase de especificação de provas, as autoras requereram a realização de perícia médica, em relação aos documentos e prontuários médicos, bem como a oitiva do perito e dos profissionais de saúde que atenderam o falecido durante o período de internação (Id. 173137725 e 179354415). O Estado de Mato Grosso, por sua vez, informou que não possui interesse em produzir provas (Id. 175256817). Em decisão saneadora foi deferida perícia médica (id. 18145587). Realizada perícia médica, o laudo foi anexado aos autos (id. 190211083). As autoras manifestaram-se sobre o laudo pericial, discordando parcialmente da conclusão de que a falta de home care ou a alta diretamente para casa não teriam sido o motivo do óbito. Argumentaram que o paciente foi "lançado à própria sorte" sem qualquer suporte adequado, anulando suas chances de sobrevivência. Ressaltaram que o laudo confirmou a necessidade de home care para cuidar da alimentação por sonda e do tratamento fisioterapêutico (id.192322170). Em nova manifestação, as autoras pugnaram pelo julgamento antecipado do mérito, considerando suficientes as provas documentais e o laudo pericial (id. 195250696). É o relatório. Decido. A controvérsia central reside em determinar se houve ato ilícito por parte do Estado de Mato Grosso, consubstanciado na alta hospitalar concedida ao Sr. Osvaldo Barbosa Lima diretamente da UTI para sua casa, sem a disponibilização de home care ou outro suporte necessário para seus cuidados, o que, segundo as autoras, teria resultado no óbito ocorrido dois dias depois. DA RESPONSABILIDADE APLICADA AO ENTE PÚBLICO. Antes de adentrar no mérito, impõe-se esclarecer que se aplica a responsabilidade objetiva do Estado para prestação de serviços públicos, inclusive médico hospitalares como no caso dos autos, conforme prevê a Constituição Federal em seu artigo 37, § 6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Dessa forma, a responsabilidade do Estado independe de comprovação de dolo ou culpa de seus agentes. Seus únicos requisitos são a comprovação do dano e consequente nexo de causalidade com o comportamento danoso, resguardado direito de regresso contra servidor causador do dano, em caso de dolo ou culpa deste. Esse, inclusive, é o entendimento jurisprudencial: “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. ERRO DE DIAGNÓSTICO EM PARECER QUE BASEOU ATO DE REFORMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. - O direito pátrio consagra a responsabilidade civil do Estado, nos casos de erro médico, a possibilitar a indenização por danos morais e materiais, estes últimos devidamente comprovados. - Apelação parcialmente provida. (TRF5, Apelação Cível 362849 RN 2003.84.00.015671-4, ÓRGÃO Julgador: Quarta Câmara Cível, Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, Julgamento: 23/01/2006, Publicação: DJ 06/03/2006, pág. 720 – nº 44). “RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. LESÃO IRREPARÁVEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO ADMINISTRATIVO, DANO E NEXO CAUSAL. COMPROVAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO. DANO MORAL. FIXAÇÃO. PARÂMETROS RAZOÁVEIS. DESPROVIMENTO. DANO MATERIAL. VALORES CONDIZENTES AO DANO. INADEQUAÇÃO. MARCO INICIAL. AJUIZAMENTO DA AÇÃO. LIMITES DA LIDE. PROVIMENTO PARCIAL. – O que caracteriza a responsabilidade objetiva do Estado, modalidade do risco administrativo, é o fato de o lesado não estar obrigado a provar a existência da culpa do agente ou do serviço. Desconsidera-se, portanto, a culpa como pressuposto da responsabilidade civil. - O magistrado, em sede de indenização por erro médico, deve abalizar-se em parâmetros razoáveis em vista dos danos morais suportados pela vítima em decorrência da perda da incapacidade laboral e dos sintomas provenientes da lesão física, sendo capaz de amenizar o infortúnio experimentado. - A pensão de que trata o art. 950 do Código Civil deve ser compatível com a atividade desempenhada pela vítima antes de sofrer a lesão, suficiente à sua mantença, bem como, bastante para o custeio do tratamento patológico necessário. - Na processualística civil brasileira o princípio da adstringência da sentença ao pedido formulado pelas partes, o que significa dizer que ao juiz não é dado decidir além, aquém ou fora do que foi pleiteado pelos litigantes.” (TJPB - Acórdão do processo nº 20020050311949002 - Órgão (4ª Câmara Cível) - Relator DES. JOAO ALVES DA SILVA - j. em 24/11/2009). Assim, ao Estado demandado cabe comprovar a ausência de dano e nexo causal, ou provar a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito, ou força maior. Discorrido acerca da modalidade de responsabilidade a ser aplicada ao requerido, passo a análise dos fatos narrados na inicial. DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO Passo à análise dos fatos comprovados nos autos: 1. O Sr. Osvaldo Barbosa Lima, companheiro e pai das autoras, sofreu acidente de trânsito em 02.04.2022, sendo atendido pelo SAMU e encaminhado ao Hospital Regional Irmã Elza Giovanella (fato incontroverso); 2. Ele permaneceu internado na UTI por mais de 30 dias, tendo sofrido politraumatismo grave com trauma crânio-encefálico grave (fato incontroverso); 3. Em 08.05.2022, recebeu alta médica da UTI diretamente para casa (fato comprovado pelo laudo de alta médica apresentado); 4. No momento da alta, o paciente apresentava déficit cognitivo severo, permanecia acamado, dependente de terceiros e se alimentava por sonda nasoenteral, sem possibilidade de deglutição (fato comprovado pela documentação médica); 5. Em 10.05.2022, apenas dois dias após a alta, o paciente veio a óbito, tendo como causa da morte hipertensão intracraniana, hemorragia intracraniana e politrauma (fato comprovado pela certidão de óbito); 6. Não houve disponibilização de home care ou qualquer outro tipo de suporte técnico para os cuidados do paciente em casa (fato não contestado pelo réu). O laudo pericial realizado pela Dra. Giovanna Lemos Naiatrouxe importantes esclarecimentos para o deslinde da controvérsia (id. 190211083): a) Embora a alta da UTI diretamente para casa seja possível em alguns casos, a maioria dos pacientes que recebem alta da UTI passa por um período de internação em enfermaria ou semi-intensiva antes de ir para casa; b) O paciente necessitava de home care para cuidados com a sonda nasoenteral, pois os cuidados necessários “devem ser feitos por um técnico de enfermagem”; c) A perita foi categórica ao afirmar que pacientes em uso de sonda nasoenteral e necessidade de fisioterapia, como era o caso do paciente, “é necessário que o mesmo tenha alta com homecare para prestação desses cuidados”. A questão central é: houve falha no serviço público de saúde ao conceder alta hospitalar diretamente da UTI para casa, sem a devida assistência, a um paciente em estado grave? A resposta é afirmativa. Ainda que a perita tenha concluído que a alta da UTI estava correta do ponto de vista da estabilidade clínica, também reconheceu expressamente a necessidade de home care para os cuidados com a sonda nasoenteral e para o tratamento fisioterapêutico de que o paciente necessitava. Aqui reside o ponto crucial: não se questiona a decisão técnica de dar alta da UTI, mas sim a ausência de suporte adequado após essa alta. Um paciente com as condições de saúde apresentadas pelo Sr. Osvaldo - acamado, com déficit cognitivo severo e alimentando-se por sonda nasoenteral - não poderia ter sido simplesmente encaminhado para casa sem a devida assistência técnica. O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 2.156/2016, art. 10, estabelece que a alta de UTI pode ocorrer quando o paciente tiver seu quadro clínico controlado e estabilizado, ou quando tenha se esgotado todo o arsenal terapêutico curativo/restaurativo: “Art. 10. Os critérios para alta das unidades de tratamento intensivo (UTI) são: a) Paciente que tenha seu quadro clínico controlado e estabilizado; b) Paciente para o qual tenha se esgotado todo o arsenal terapêutico curativo/restaurativo e que possa permanecer no ambiente hospitalar fora da UTI de maneira digna e, se possível, junto com sua família.” No entanto, isso não significa que o paciente possa ser deixado sem os cuidados necessários após a alta. A conduta esperada do hospital seria, conforme indicou a própria perita, ou manter o paciente em enfermaria para observação (procedimento adotado na maioria dos casos), ou providenciar o home care necessário para os cuidados em domicílio, especialmente considerando a necessidade de alimentação por sonda nasoenteral. Ressalte-se que a perita foi categórica ao afirmar que um paciente com sonda nasoenteral necessita de home care, pois os cuidados devem ser realizados por técnico de enfermagem, não sendo qualquer familiar apto para realizar tal tarefa. Portanto, resta evidenciada a falha no serviço público de saúde, que não providenciou o suporte adequado após a alta hospitalar. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE Ainda que não se possa afirmar com absoluta certeza que o falecimento do Sr. Osvaldo decorreu diretamente da ausência de home care, é inegável que a falta desse suporte técnico reduziu consideravelmente suas chances de sobrevivência. Aplica-se ao caso, portanto, a teoria da perda de uma chance, segundo a qual há o dever de indenizar quando a conduta do agente retira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como a chance de cura ou sobrevida. A perita médica, embora tenha afirmado que o risco de óbito não era alto a curtíssimo prazo, não descartou a possibilidade de que a falta de cuidados técnicos adequados tenha contribuído para o resultado morte, especialmente considerando o curto intervalo de tempo entre a alta hospitalar e o óbito. No caso em análise, a chance perdida foi a de maior sobrevida ou até mesmo de recuperação, com o adequado tratamento e acompanhamento profissional que seria proporcionado pelo home care ou pela permanência em enfermaria. A jurisprudência tem decidido que a incerteza quanto à causalidade resulta na reparação parcial do prejuízo sofrido, mediante reconhecimento da perda de uma chance. Ou seja, a falha na prestação do serviço reduziu uma possibilidade concreta de sobrevida do paciente. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FALHA EM SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO. INCABÍVEL. ESTADO É RESPONSÁVEL PELO SISTEMA DE GERENCIAMENTO DE VAGAS DE UTI. MÉRITO. TRATAMENTO DE SAÚDE DA MÃE DA AUTORA. INSUFICIÊNCIA RENAL E HIPERTENSÃO. NECESSIDADE DE HEMODIÁLISE. DEMORA EXCESSIVA DO ESTADO NA DISPONIBILIZAÇÃO DO TRATAMENTO NECESSÁRIO E DO LEITO EM UTI. MORTE. PERDA DA CHANCE DE SOBREVIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO CARACTERIZADA. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO RAZOÁVEL E ADEQUADO. CORREÇÃO MONETÁRIA CONFOME TEMA 810/STF. APELO DESPROVIDO. 1. Não cabe a alegação de ilegitimidade do Estado, uma vez que a morte da de cujus foi causada pela demora no fornecimento de vaga em UTI, que poderia lhe fornecer a hemodiálise necessária. O Estado de Mato Grosso é o responsável pelo gerenciamento das vagas de UTI. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. 2. A responsabilidade civil decorrente de ato omissivo do Poder Público por falta ou falha do serviço, restou caracterizada na redução da chance de sobrevida da paciente, mãe da autora. 3. O nexo de causalidade entre a conduta omissiva do Estado de Mato Grosso e o dano que foi causado à parte demandante, enseja o dever de indenizar, devido a morte da sua mãe, sem usufruir de forma regular, digna, continua e integral do tratamento médico necessário. 4. A perda de um ente querido sem receber o tratamento necessário é fato que causa severo abalo de ordem moral, independente do evento morte. 5. O valor da indenização por dano moral se mostra adequado, não cabendo reparo. 6. Índices para atualização do débito deverão ser fixados na liquidação da sentença, observado o decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 810/STF. 7. Recurso desprovido, sentença mantida. (TJMT; AC 1007680-03.2018.8.11.0003; Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo; Rel. Des. Agamenon Alcantara Moreno Junior; Julg 26/04/2022; DJMT 09/05/2022)”. DO DANO MORAL O dano moral, na hipótese dos autos, é in re ipsa, ou seja, decorre do próprio fato, sendo presumível a dor e o sofrimento experimentados pelas autoras com a perda do ente querido em circunstâncias que evidenciam a falha no serviço público de saúde. A perda de um companheiro e pai representa um dos maiores sofrimentos que podem acometer o ser humano, sendo ainda mais dolorosa quando ocorre em circunstâncias que poderiam ter sido evitadas. No caso em tela, as autoras viram seu ente querido receber alta hospitalar em condições precárias de saúde, sem o suporte técnico necessário, vindo a óbito apenas dois dias depois, o que certamente intensificou seu sofrimento emocional. Quanto ao valor da indenização, deve-se considerar a extensão do dano (art. 944, CC), bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Na fixação do quantum indenizatório, deve-se levar em conta a natureza compensatória e punitiva da indenização, as condições econômicas das partes e a gravidade da lesão. Analisando casos análogos na jurisprudência pátria, entendo como razoável e proporcional a fixação do valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para cada uma das autoras, totalizando R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), quantia que se mostra suficiente para compensar o sofrimento experimentado, sem caracterizar enriquecimento sem causa, e ao mesmo tempo cumpre a função pedagógica da responsabilidade civil. Nesse sentido: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ERRO MÉDICO. HOSPITAL PRIVADOCONVENIADO AO SUS. FALHA NO ATENDIMENTO PÓS-OPERATÓRIO. MENORDE IDADE. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO POR DANOMORAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME1. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA POR HOSPITAL PRIVADO CONVENIADO AO SUS CONTRA SENTENÇA QUERECONHECEU SUA RESPONSABILIDADE POR FALHAS NO ATENDIMENTO MÉDICO PRESTADO AO PACIENTEEDUARDO VINGRE DE SOUSA SILVA, DE 17 ANOS, FALECIDO APÓS INTERNAÇÃO EM ESTADO GRAVE. ASENTENÇA CONDENOU O HOSPITAL AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AOS AUTORES, MÃE E PADRASTO DO FALECIDO, NO VALOR DE R$ 75.000,00 PARA CADA UM. O APELANTE PLEITEOU ORECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ESTADO DE RORAIMA, OU, SUBSIDIARIAMENTE, A REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO1. HÁ DUAS QUESTÕES EM DISCUSSÃO. (I) DEFINIR SE O HOSPITAL APELANTE DEVE SERRESPONSABILIZADO PELA MORTE DO PACIENTE, EM RAZÃO DE FALHAS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DESAÚDE. (II) ESTABELECER SE O VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADA POR DANOS MORAIS É PROPORCIONAL ERAZOÁVEL DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. III. RAZÕES DE DECIDIR1. A RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL PRIVADO CONVENIADO AO SUS É OBJETIVA, CONFORME O ART. 37, § 6º, DA CF/1988, SENDO SOLIDÁRIA COM O ENTE PÚBLICO CONTRATANTE. 2. O laudo pericial atestou falhas graves no atendimento, como ausência de monitoramento dos sinais vitais por cerca de 12 horas, omissão na investigação da piora clínica, falhas nos registros e na comunicação entre equipes, além da não adoção de condutas emergenciais p r e V I s t a s e m p r o t o c o L o s c L í n I c o s.3. A omissão do hospital reduziu significativamente as chances de sobrevida do paciente, configurando a responsabilidade com base na teoria da perda de uma chance, independentemente de prova de que a morte seria evitada. 4. O argumento de ausência de nexo causal direto é afastado, pois o atendimento negligente constitui causa juridicamente relevante para a responsabilização, mesmo diante da muLtIcausaLIdade d o ó b I t o.5. O valor da indenização (R$ 75.000,00 por autor) mostra-se adequado, proporcional à gravidade do dano, e em conformidade com precedentes jurisprudenciais para casos semelhante.6. A majoração dos honorários advocatícios para 12% do valor da condenação está de acordo com o art. 85, §11, do CPC. lV. DISPOSITIVO E TESE1. Recurso desprovido. Tese de julgamento:1. A responsabilidade de hospital privado conveniado ao SUS por falha na prestação de serviço é objetiva e solidária com o ente público contratante. 2. A configuração da teoria da perda de uma chance é suficiente para ensejar indenização por dano moral em caso de falha médica que comprometa a possibilidade de sobrevida do paciente 3. O valor da indenização por dano moral deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando as circunstâncias do caso concreto. (TJRR; AC 0820547-16.2022.8.23.0010; Câmara Cível; Rel. Des. Almiro Padilha; Julg. 13/06/2025; DJE 16/06/2025). “RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO DE DIAGNÓSTICO. PACIENTE, FALECIDA, ACOMETIDA POR NEOPLASIA MALIGNA DO ESÔFAGO, QUE NÃO RECEBEU DIAGNÓSTICO CORRETO NOS ATENDIMENTOS MÉDICOS PRESTADOS PELA RÉ. Erro de diagnóstico que causou agravamento do quadro oncológico. Laudo pericial que confirmou a inadequação da prática médica. Conquanto a patologia sofrida pela paciente fosse grave, retirou-se a chance de sobrevida e evolução bem-sucedida, com afastamento dos nefastos sintomas por ela sofridos durante o tratamento inadequado prestado pela ré. Aplicação ao caso da teoria da perda de uma chance. Reparação concedida não pela morte ocorrida, decorrente do quadro oncológico, mas sim pela falta de cuidado no diagnóstico, o que justifica a redução da indenização por danos morais de R$ 150.000,00 para R$ 75.000,00 a cada uma das autoras. Filha e mãe da paciente falecida. Dano moral indireto, reflexo ou em ricochete. Admissão na doutrina e na jurisprudência. Erro de diagnóstico que determina o pagamento pela ré de reparação por danos morais em ricochete. Redução determinada do valor da pensão devida à coautora, filha da paciente falecida. Sentença parcialmente modificada para reduzir o valor das reparações por danos morais e materiais. Recurso da ré parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1001323-18.2017.8.26.0296; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaguariúna - 1ª Vara; Data do Julgamento: 21/08/2024; Data de Registro: 21/08/2024) (TJSP; AC 1001323-18.2017.8.26.0296; Jaguariúna; Primeira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Alexandre Marcondes; Julg. 21/08/2024). Assim, entendo como justa e razoável a indenização por dano moral, no valor de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais). DO DANO MATERIAL As autoras comprovaram despesas com funeral no valor de R$ 1.037,04 (um mil, trinta e sete reais e quatro centavos) conforme documento anexado aos autos (id. 166245867), valor que deve ser ressarcido pelo Estado. DA PENSÃO MENSAL Quanto ao pleito das autoras consistente no lucro cessante, na forma de pensão mensal, em razão da assistência financeira que perderam em virtude da morte do companheiro e pai, anoto que não fazem jus á referida verba. Para a concessão da pensão alimentícia, é necessária a demonstração da dependência econômica em relação ao falecido e a comprovação de sua atividade laborativa e renda. No caso dos autos, as autoras alegam que o falecido auferia renda mensal de R$ 3.000,00 (três mil reais) como trabalhador autônomo. No entanto, não foram apresentadas provas robustas dessa renda, extratos bancários, comprovantes de pagamento ou qualquer outro documento que ateste a efetiva percepção desses valores. Além disso, considerando o estado clínico gravíssimo relatado no prontuário médico e confirmado pelo laudo pericial – que aponta sequelas neurológicas severas, dependência de terceiros e uso de sonda nasoenteral –, não é possível afirmar com segurança que o falecido estaria apto ao exercício de atividade laborativa após o acidente. Pelo contrário, conforme o relatório médico do Hospital Regional Irmã Elza Giovanella (id. 166245863), datado de 08/05/2022, o paciente “evoluiu com quadro neurosequelar, com déficit cognitivo severo, permanecendo acamado, dependente de terceiros”, atestando ainda que “não há nenhuma condição laboral por tempo indeterminado”. Tal documento é crucial para a análise do pedido de pensão, pois demonstra que, mesmo que sobrevivesse após a alta hospitalar, o Sr. Osvaldo não teria condições de exercer atividade laborativa por tempo indeterminado, em razão das sequelas neurológicas graves decorrentes do acidente. Assim, ainda que se considerasse comprovada a atividade laborativa anterior ao acidente, o fato é que as sequelas neurológicas já haviam comprometido sua capacidade laboral de forma definitiva, conforme atestado pelo relatório médico, o que impede a concessão de pensão mensal baseada na expectativa de que continuaria a prover o sustento da família. Portanto, considerando a ausência de comprovação robusta da atividade laborativa do falecido antes do acidente e, principalmente, o atestado médico que confirma a incapacidade laboral em razão das sequelas neurológicas após o trauma sofrido, o pedido de pensão mensal deve ser julgado improcedente. CONCLUSÃO: Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS para: a) CONDENAR o ESTADO DE MATO GROSSO ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para cada uma das requerentes, totalizando R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), acrescido de juros moratórios equivalentes aos juros aplicáveis à caderneta de poupança, desde o evento danoso (08/05/2022 – alta médica), até a data da sentença, a partir de então, aplica-se taxa SELIC (Súmula 362 do STJ), a qual engloba correção monetária e juros. b) CONDENAR o ESTADO DE MATO GROSSO ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 1.037,04 (um mil, trinta e sete reais e quatro centavos), corrigidos monetariamente pelo IPCA-E desde o desembolso até a citação (26/08/2024). A partir de então, aplica-se taxa SELIC, a qual engloba correção monetária e juros. c) JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de pensão mensal, considerando a ausência de comprovação robusta da atividade laborativa do falecido antes do acidente e, principalmente, o atestado médico que confirma a incapacidade laboral permanente em razão das sequelas neurológicas. Em razão da sucumbência recíproca, CONDENO ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 75% para o requerido e 25% para as requerentes, fixando os honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, I, do CPC. Considerando que as autoras tiveram procedência parcial de seus pedidos (dano moral), em conformidade com o art. 86 do CPC, condeno as partes ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 3º, I, do Código de Processo Civil. No entanto, considerando que as requerentes são beneficiárias da justiça gratuita, fica suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais que lhes foram impostas, nos termos do art. 98, §3º, do CPC. Isento, ainda, o Estado do pagamento das custas, em face do art. 3º, I, da Lei Estadual nº 7.603/01. Esta sentença não está sujeita a reexame necessário porque o valor da condenação e o proveito econômico obtido na causa não excedem a 500 (quinhentos) salários mínimos (art. 496, § 3º, II, do CPC). Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. P.R.I.C. Rondonópolis-MT, data do sistema. FRANCISCO ROGÉRIO BARROS Juiz de Direito
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