Processo nº 1000798-98.2022.8.11.0095
ID: 299123954
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000798-98.2022.8.11.0095
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLAUDINEIA DE OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000798-98.2022.8.11.0095 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica] Relator: Des(a). O…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000798-98.2022.8.11.0095 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [ARLINDO PENNING KRACK - CPF: 549.177.609-25 (APELANTE), CLAUDINEIA DE OLIVEIRA - CPF: 045.473.866-84 (ADVOGADO), CARINA MOREIRA DO CARMO - CPF: 060.206.601-84 (APELANTE), LEANDRO KRACK - CPF: 030.555.981-80 (APELANTE), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ALEXANDRE PEREIRA BATISTA - CPF: 621.848.811-04 (TERCEIRO INTERESSADO), VANESSA DOS SANTOS SALES - CPF: 031.865.871-23 (TERCEIRO INTERESSADO), MARELISA KRACK - CPF: 014.980.721-00 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000798-98.2022.8.11.0095 APELANTE: ARLINDO PENNING KRACK APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO EMENTA. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AMEAÇA E VIAS DE FATO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINARES: 1.1) TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. REJEIÇÃO. EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ARTIGO 41, DO CPP; 1.2) AUSÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. IRRELEVÂNCIA. JUÍZO PRELIMINAR DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO EXAUSTIVA. MÉRITO: PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA RESPALDADAS NA PROVA TESTEMUNHAL. EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA E/OU USO DE MEDICAMENTOS CONTROLADOS QUE NÃO EXCLUI A IMPUTABILIDADE PENAL. ACTIO LIBERA IN CAUSA. SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CORPÓREA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. SÚMULA 588 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO. PENAS DE DETENÇÃO E PRISÃO SIMPLES. SOMATÓRIO INVIÁVEL. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame. 1. Recurso de apelação interposto contra sentença condenatória que impôs ao acusado penas privativas de liberdade pela prática do crime de ameaça (art. 147 do CP) e da contravenção penal de vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941), ambas no contexto de violência doméstica. II. Questões em discussão. 2.1 Em sede preliminar, debate-se: (i) a inépcia da denúncia por não descrever adequadamente a conduta e por ausência de justa causa; (ii) a nulidade da decisão que recebeu a denúncia por ausência de fundamentação idônea; 2.2. No mérito, há duas questões em discussão, saber se: (iii) há provas suficientes para manutenção da condenação pelos crimes de ameaça e vias de fato; (iv) é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a necessidade de separação das penas de detenção e prisão simples. III. Razões de decidir. 3.1. A denúncia não pode ser considerada inepta quando preenche os requisitos estabelecidos no art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo de forma suficiente o fato delituoso e viabilizando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Além disso, a prolação de sentença condenatória prejudica a análise da matéria. 3.2. O trancamento de ação penal é medida excepcional, admitida apenas quando demonstrada, de plano, a inexistência de justa causa, a atipicidade da conduta ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade. 3.3. O recebimento da denúncia constitui juízo preliminar de admissibilidade da ação penal, não exigindo fundamentação exaustiva, mas apenas a verificação dos requisitos formais do artigo 41 do Código de Processo Penal e a inexistência das hipóteses de rejeição previstas no artigo 395 do mesmo diploma legal. 3.4. A palavra da vítima assume especial valor probante para fundamentar a condenação, sobretudo quando confirmada pelas demais provas produzidas na instrução processual. 3.5. A utilização de medicamentos controlados, aliada à embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou de substância entorpecente, não exclui a imputabilidade penal. 3.6. Consoante disposição da Súmula 588 do Superior Tribunal de Justiça, a prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 3.7. Incabível a cumulação material entre o crime de ameaça e a contravenção penal de vias de fato, notadamente em razão da natureza distinta das penas previstas em seus preceitos secundários [detenção e prisão simples]. IV. Dispositivo e tese 4. Recurso desprovido, com providência de ofício para separar as penas impostas. Teses de julgamento: “1. A denúncia que preenche os requisitos do art. 41 do CPP não é inepta, sobretudo quando permite o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, sendo prejudicada a alegação de falta de justa causa após a prolação de sentença condenatória”. “2. A decisão de recebimento da denúncia exige fundamentação suficiente, mas não exaustiva” “3. A condenação por ameaça e vias de fato em contexto de violência doméstica pode ser fundamentada no depoimento da vítima, corroborado por outros elementos de prova” “4. É incabível o somatório de penas de detenção e prisão simples para fins de regime inicial. “5. A prática de violência doméstica impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.” ______________________________________________________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 69, 76, 147; Decreto-Lei n. 3.688/1941, art. 21; CPP, arts. 41, 395, 396. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC n. 203.226/SP; TJMT, N.U 1000364-45.2023.8.11.0105; STJ, AREsp n. 2.554.624/SE; Súmula 588/STJ. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000798-98.2022.8.11.0095 APELANTE: ARLINDO PENNING KRACK APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO R E L A T Ó R I O Cuida-se de Recurso de Apelação Criminal aforado por ARLINDO PENNING KRACK, contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Paranaíta/MT, nos autos da ação penal n. 1000798-98.2022.8.11.0095, que julgou a denúncia procedente e o condenou à pena de 2 (dois) meses e 22 (vinte e dois) dias de pena privativa de liberdade, no regime aberto, pela prática do crime previsto no artigo 147, caput, do Código Penal e da contravenção penal do artigo 21, do Decreto-Lei n. 3.688/1941. A defesa suscita, preliminarmente: 1.1) a nulidade da denúncia por ser inepta, porquanto “não especifica a conduta do apelante, não narra os fatos de forma concreta e não descreve um comportamento tipificado como crime”, faltando-lhe ainda justa causa para “a instauração e continuidade da ação penal, uma vez que não há indícios razoáveis de autoria nem certeza a sobre a materialidade do delito […] resultando na necessidade de trancamento da ação penal”; 1.2) a decisão que recebeu a inicial acusatória não possui fundamentação idônea e afronta o artigo 93, IX, da Constituição Federal. No mérito, consigna que: 2.1) a sentença condenatória se apoia em provas frágeis e inconsistentes, as quais são insuficientes para comprovar a autoria delitiva contida na exordial acusatória; 2.2) inexistem elementos probatórios robustos que confiram solidez às alegações da vítima, notadamente por ser contraditória em relação à dinâmica dos fatos; 2.3) a suposta ameaça foi proferida em contexto de discussão conjugal, na qual o acusado estava em “estado total de embriaguez, além de estar sob efeito de medicamentos controlados”, devendo ser aplicada a parêmia in dubio pro reo. Ao final, requer a substituição da reprimenda corpórea por restritivas de direitos, notadamente por se tratar de acusado “primário e de infração que não envolveu violência grave ou grave ameaça à vítima” [doc. digital n. 280471433]. A 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Paranaíta/MT rechaçou os alaridos recursais deduzidos pelo acusado, requerendo a manutenção integral da sentença condenatória [doc. digital n. 280471436]. O Procurador de Justiça, Almir Tadeu de Arruda Guimarães, se manifesta pelo desprovimento do apelo [doc. digital n. 282228858]. É o relatório. Inclua-se em pauta para julgamento. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000798-98.2022.8.11.0095 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: PRELIMINAR: INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. A defesa pleiteia o trancamento da ação penal, sustentando a inépcia da denúncia e a inexistência de justa causa que legitime o prosseguimento do feito. Para tanto, aduz que: 1.1) o Ministério Público “não especifica a conduta do apelante, não narra os fatos de forma concreta e não descreve um comportamento tipificado como crime, violando assim as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa”; 1.2) não há elementos suficientes para a instauração e continuidade do processo criminal, “uma vez que não se verifica a presença de indícios razoáveis de autoria nem certeza sobre a materialidade delitiva”. Os pedidos não prosperam. A despeito do esforço empreendido na inicial, certo é que “o trancamento da ação penal por ausência de justa causa é medida excepcional, admitida apenas quando demonstrada de plano a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a absoluta ausência de suporte probatório mínimo” [TJMT, N.U 0006730-77.2019.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 18/03/2025, Publicado no DJE 21/03/2025]. Some-se a isso que a exordial acusatória obedeceu aos requisitos previstos no artigo 41, do Código de Processo Penal[1], uma vez que apresentou a qualificação do denunciado, expôs o fato criminoso com todas as circunstâncias que permearam a prática delitiva, classificou a infração penal e listou o rol de testemunhas, de modo que não possui plausibilidade a arguição defensiva de inépcia da denúncia, sobretudo após a prolação da sentença condenatória. Colho da jurisprudência: “A superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, inclusive em razão de seu suposto caráter genérico, assim como da ausência de justa causa, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal. Não há inépcia da denúncia quando a inicial narra o fato em todas as suas circunstâncias, permitindo a adequada compreensão da acusação, assim como o exercício da ampla defesa e do contraditório. Não há falar-se em ausência de justa causa quando a inicial acusatória apresenta elementos suficientes a demonstrar a materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria ou participação” (TJMT, N.U 0021261-09.2019.8.11.0055, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 20/6/2023). “[...] Se a inicial acusatória contemplou os requisitos do art. 41 do CPP, contendo exposição clara dos fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação dos crimes e o rol de testemunhas, não há que se falar em inépcia, além do que, advindo sentença condenatória, houve a preclusão sobre tal matéria” (TJMT, N.U 0005131-46.2019.8.11.0021, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Vice-Presidência, Julgado em 4/8/2021). Enfrentando questão semelhante, assim já me posicionei: “[…] Não se vislumbra [...] a alegada ausência de justa causa para a denúncia, visto que a exordial preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, permitindo ao acusado a total compreensão dos fatos e possibilitando o amplo exercício do direito de defesa’ (STJ, AgRg no AREsp n. 1.279.681/PR). ‘Quanto a violação do art. 41 do CPP, o entendimento do STJ é no sentido de que a superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal’ (STJ, AgRg no AREsp n. 2.321.780/SP)” (TJMT, N.U 1001053-35.2022.8.11.0005, minha relatoria, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/9/2023). Desse modo, rejeito a preliminar. PRELIMINAR: AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE RECEBEU A INICIAL ACUSATÓRIA. A defesa suscita que o recebimento da denúncia se deu por meio de fundamentação inidônea, porquanto o juízo “limitou-se a afirmar a presença de indícios de autoria e materialidade sem apresentar qualquer justificação concreta para se instaurar a ação penal”. Verbera ainda que “essa abordagem genérica e superficial fere os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, uma vez que impede um controle efetivo sobre a legalidade e a legitimidade da persecução penal”. Por fim, assevera que a decisão não apresentou “análise aprofundada acerca da adequação da denúncia aos requisitos legais, restringindo-se a uma aceitação automática da peça acusatória”, o que culmina na sua anulação e dos atos processuais dela decorrentes. O pedido não comporta acolhimento. Sem maiores delongas e aprofundamento na questão isagógica, verifico que no caso em apreço, o juízo de primeiro grau analisou a narrativa apresentada pelo Ministério Público, reconheceu a presença de justa causa, recebeu a inicial acusatória e procedeu a citação do acusado nos termos do artigo 396, do Código de Processo Penal. Neste panorama, a decisão encontra-se suficientemente fundamentada, nos termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal, sendo desnecessária a fundamentação exaustiva para o ato de recebimento. Sobre o tema, trago precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Sodalício, verbis: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RATIFICAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE […] O recebimento da denúncia constitui juízo preliminar de admissibilidade da ação penal, não exigindo fundamentação exaustiva, mas apenas a verificação dos requisitos formais do art. 41 do Código de Processo Penal e a inexistência das hipóteses de rejeição previstas no art. 395 do mesmo diploma legal […]” (STJ, AgRg no RHC n. 203.226/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/3/2025, DJEN de 31/3/2025.) “DIREITO PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. NULIDADE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO [...] RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO [...] III. RAZÕES DE DECIDIR […] O recebimento da denúncia foi devidamente fundamentado, não sendo necessária uma fundamentação exaustiva, conforme a jurisprudência do STF e do STJ. […] Tese de julgamento: A decisão que recebe a denúncia não exige fundamentação detalhada, sendo suficiente a indicação do preenchimento dos requisitos legais […]” (TJMT, N.U 0032339-39.2019.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 01/04/2025, Publicado no DJE 04/04/2025) Rejeito a preliminar brandida. M É R I T O Pesa contra ARLINDO PENNING KRACK a prática do crime de ameaça e da contravenção penal de vias de fato, consoante se extrai da peça acusatória: “[...] Restou apurado que ARLINDO PENNING KRACK e M.K são casados. Consta do caderno informativo, que na data dos fatos, a ofendida se encontrava lavando roupas na residência do casal, quando o denunciado lhe apresentou um papel afirmando se tratar de uma denúncia que ele teria feito e que a polícia iria até a residência despejar M. já que ela não teria direito aos bens. Em decorrência de tal situação, o casal iniciou uma discussão, oportunidade na qual ARLINDO PENNING KRACK ameaçou M. afirmando que "a mataria". Ato contínuo, o increpado trocou de roupa e novamente afirmou que "quando voltasse, se M. estivesse na casa ele iria matá-la", saindo na sequência. Momentos após, ARLINDO PENNING KRACK retornou a residência, chegou por trás da esposa tentando pegar seu celular, afirmando que ela passava muito tempo no aparelho. Segundo a ofendida, notando o nervosismo que o ora denunciado apresentava e temendo por sua vida, correu pelo quintal, momento em que ARLINDO PENNING KRACK passou a arremessar vasos de plantas em sua direção, sendo que dois deles a atingiram, um deles na cabeça. A ofendida conseguiu correr, pegar uma carona e solicitar ajuda, sendo que na Delegacia firmou termo de representação criminal no ID 96481110 - Pág. 1.” (doc. digital n. 280471382). No que tange à absolvição por ausência de provas de ambos os delitos, o pedido não comporta acolhimento. A materialidade delitiva está demonstrada no auto de prisão em flagrante delito n. 61.3.2022.14335 (doc. digital n. 280471352), boletim de ocorrência n. 2022.248833 (doc. digital n. 280471354), termo de representação criminal n. 2022.16.356340 (doc. digital n. 280471362), laudo médico (doc. digital n. 280471363) e nos depoimentos de testemunhas. A autoria também restou comprovada. Na fase inquisitorial, o policial militar responsável pela prisão em flagrante, ALEXANDRE PEREIRA BATISTA, noticiou: “QUE compareceu no pelotão da Polícia militar o comunicante filho da vítima o qual relatou que a sua mãe estava sendo constantemente agredida e ameaçada pelo seu pai, que nesta data a vítima havia corrido até a sua casa pedindo socorro após ser agredida. O filho da vítima não conseguiu ligar para 190 pois o sinal telefônico na região não é bom e em sua casa o contato só pode ser feito via WhatsApp. De posse das informações o declarante junto com o Pm Osvaldo Cebalho deslocou até a residência do suspeito que estava na área da frente. O suspeito apresentava odor etílico e ao ser indagado sobre o ocorrido, relatou não ter feito nada, que sofria de ansiedade e fazia tratamento com medicamentos. Ato seguinte a vitima que estava na casa em frente se aproximou dizendo que o suspeito havia chegado da cidade após ingerir bebida alcoólica e estava muito agressivo dizendo que era para a vítima ir embora da casa. Relatou também que o suspeito disse que a mataria e logo em seguida passou a persegui-la vindo a jogar um vaso de plantas na sua cabeça. A vítima relatou ter ficado tonta, mas se recuperou e correu até a casa do filho que reside em frente. Diante do fato o suspeito foi detido e encaminhado ao pelotão para demais providências [...]” (doc. digital n. 280471357). Semelhante é o depoimento do também Policial Militar OSVALDO CEBALHO DA SILVA (doc. digital n. 280471358). Ouvida pela autoridade policial, a vítima, M.K., narrou: “QUE tinha saído no período da manhã, que ao chegar em casa a declarante começou a lavar a roupa, que o autuado chegou em casa mostrando um papel dizendo que era uma denúncia que ele tinha feito que dizia que a Polícia iria na casa despejar a declarante pois ela não teria direito a nada de bens, que a declarante ficou nervosa não conseguiu ler, que nisso começaram a discutir sobre esse assunto que o autor ficou bem nervoso e começou ameaçar a declarante dizendo que iria matá-la, que passou um tempo o autor trocou de roupa pois iria trabalhar, que antes de sair disse repetidamente que quando voltasse e a declarante estivesse na casa ele iria matá-la. Que, em seguida, saiu da casa; Que com isso a declarante relata que continuou a lavar a roupa que passado um tempo o autuado chegou na casa por trás da declarante, que ele chegou por trás tentando pegar o celular dizendo que ela passava muito tempo nele, e que estava muito alterado, segundo a declarante quando o autuado fica muito vermelho devido o nervosismo e raiva que ele sente; Que a declarante vendo o quanto estava nervoso o autuado, saiu correndo pois estava temendo por sua vida, que ficou correndo no quintal, que o autuado ao ver que não conseguiria pegar a declarante começou a arremessar uns vasos de planta que ali estavam, que nisso errou alguns mas conseguiu acertar uns dois vasos, que a declarante conseguiu defender parcialmente com a mão, que a pancada deixou a declarante tonta. Que nisso a declarante correu para a estrada e pediu carona para um carro que estava passando, que pediu ajuda para ligar para polícia pois não sabe mexer no celular novo que tem, que em seguida a declarante foi para casa de seu filho que fica vizinha a propriedade, que ao chegar seu filho não estava, ele estava na rua então a declarante ligou pelo Whatsapp e pediu ajuda, que nisso seu filho e sua nora foram até a polícia solicitar ajuda. Que a polícia militar chegou no local a declarante ainda estava na casa de seu filho, pois estava sem condições de ir para sua casa já que autuado estava muito alterado. Relata a declarante que já faz anos que sofre agressão do autuado, mas como não tinha parente para lhe apoiar na região a declarante manteve-se no relacionamento visto que a mesma tinha três filhos pequenos para criar, que essas agressões eram recorrentes, que o autuado até já foi internado devido o alcoolismo; que o autuado aproveita quando o filho não está próximo para agredir a declarante” (doc. digital n. 280471361) A testemunha, VANESSA DOS SANTOS SALES, nora da ofendida, relatou que: “[...] tinha vindo para a cidade com seu marido, que o autuado teria vindo para a cidade para trazer embalagem de veneno; a depoente relata que a vítima sempre fica apreensiva pois o autuado sempre bebe quando vem para a rua, a declarante relata que o autuado também aproveita quando ela e seu marido é filho da vítima não estão em casa para então agredir a vítima; Relata que a vítima teria enviado mensagem para o marido da depoente informando tudo que havia ocorrido que o autuado estava ameaçando ela de morte e que agrediu jogando vasos contra sua cabeça e que a depoente acompanhou a Policia Militar até a casa dela para mostrar o local, que a depoente ao chega na sua casa onde a vítima estava encontrou a vítima toda suja com terra nos braços, peitos e na cabeça, estava com uma parte da cabeça vermelha local onde o vaso que o autuado jogou na vítima teria acertado, relata a depoente que a polícia teria parado antes de chegar na sua casa e que viu o autuado na área da casa dele aparentemente observando a casa onde a vítima estava. Depoente relata que desde que esta se casou com o filho da vítima tem presenciado essas agressões do autuado, pois a vítima sempre pede socorro na casa da depoente [...]” (doc. digital n. 280471359). ARLINDO, quando interrogado, disse: “Que não se recorda de quem o prendeu, não sabe dizer o nome dos policiais, isto posto, foi informado que os responsáveis pela prisão foram os soldados Batista e Cebalho; Que diz não recordar como ocorreram os fatos, recorda-se apenas ter vindo a cidade para devolver algumas embalagens de agrotóxicos vazias, e de ter passado em um Bar e ingerido uma Dose de aguardente, e depois ingerindo duas latas de cervejas e retornou para sua casa na área Rural. Que faz acompanhamento médico para depressão, tem feito uso de medicamentos fortes, que acredito que isso lhe causou algum apagão. Que perguntado se ameaçou e jogou vasos de flores em sua convivente disse que não se recorda de nada [...]” (doc. digital n. 240268187) Em juízo, foram ouvidas a vítima, as testemunhas, VANESSA e CARINA MOREIRA DO CARMO, o informante, LEANDRO KRACK, e realizado o interrogatório do apelante. Nesta etapa, M. reafirmou as declarações prestadas em sede policial e acrescentou à sua narrativa: “Juiz: Foi dito que a senhora ainda está em relacionamento com o Sr. ARLINDO, mas isso não interfere em nada nesse processo [...] o que a senhorita puder se recordar [...]. Ofendida: Ele chegou da cidade muito alterado, xingando muito, gritando [...] jogou um papel em cima de mim [...] que iam me despejar da casa no outro dia [...] me agredindo com palavrões [...]. Ele saiu e antes falou que se ele voltasse e me visse na casa que iria me matar [...]. Quando ele voltou [...] ele queria tomar meu celular [...] correu atrás de mim [...] jogou os vasos de planta em mim [...] eu percebi que estava correndo risco de vida [...] saí para a estrada e pedi socorro. Ele falava assim: ‘de hoje não passa!’ ‘se você não sair da casa [...] eu te mato’. Correu atrás de mim, jogou os vasos pesados com as plantas, alguns me acertaram [...]. Passou um carro, pedi orientação, fui na casa do meu filho [...]. Não conseguia ligar para a polícia e liguei para o meu filho. Fomos até lá [...] falamos o que estava acontecendo e depois a polícia veio [...]. Isso já tinha acontecido outras vezes, várias vezes, mas foi a primeira vez que busquei a polícia [...], fiquei com muito medo porque ele me ameaçou muito. Defesa: Quando o ARLINDO chegou da cidade, ele estava lúcido, embriagado? Ofendida: Parecia que estava embriagado. Defesa: Ele tava com problema de saúde mental, fazendo tratamento [...]? Ofendida: Ele fazia um tempo que estava se tratando, mas quando bebia ficava muito alterado. Ele tava tomando medicamento controlado [...]. O médico falava que ele não podia misturar o remédio com bebida [...]. Defesa: Vocês reataram? Ofendida: Não. Defesa: Estão morando na mesma casa? Ofendida: É que ele não tinha mais onde ficar, depois da agressão [...] por pressão dos filhos, não sabíamos mais o que fazer com o pai [...] contra minha vontade trouxeram ele para dentro de casa. Moramos no mesmo teto, mas estamos separados [...]. Defesa: [...] na Delegacia [...] começaram uma discussão, como que foi essa discussão [...]? Ofendida: Não foi por causa de bens, ele jogou um papel em mim, falando que tinha ido na Delegacia denunciar eu [...] que iam vir me expulsar, porque ele não queria mais que eu ficasse lá. Eu não aceitei, discutimos, conversamos, mas não tem como discutir com ele quando tá desse jeito, mas aí ele começou a me amaçar. Defesa: Quem começou a discussão? Ofendida: Ele, com certeza [...] falando grosso comigo, alterado [...] só falei que não era assim e não iria sair da casa [...]. Daí ele começou a me ameaçar de morte [...], eu continuei fazendo meu serviço [...] depois ele veio e foi como eu já falei [...] saí correndo, ele atrás, jogando cadeira [...] jogou as plantas, os vasos, fiquei com medo [...]. Defesa: [...] a senhora sentiu medo? Ofendida: Com certeza, pois ele fica muito alterado e ele tem muita força quando fica assim. Defesa: Só estavam vocês dois? Ofendida: Sim” (mídia: 1000798-98.2022 oitiva da vitima marelise.mp4) Os informantes, LEANDRO e CARINA, asseveraram: “Leandro: Aquele dia dos fatos, eu tava morando em Sinop, minha mãe por mensagem mandou que meu pai tinha ido para cidade, chegado embriagado, só que ela não nos informou que ele tinha tacado objeto nela [...]. Ele chegava em casa embriagado, ele conversa demais [...], ele sempre entrava em discussão, só que ele não chegou a comentar que iria matar alguém, só em discussão mesmo. Ele chegava em casa, ele gosta de conversar e tem problema de saúde [...], ele sempre repetia as mesmas coisas [...], ela já ignorava ele, mandava ele calar a boca [...], eles começavam a discussão. Ela falava que ia separar dele [...]. Ele sempre fazia consulta com psiquiatra e psicólogo por causa desses ‘esquecimentos’ dele. Fazia anos que ele passava por esses tratamentos [...]. Eu não cheguei a conversar com ele e ela não dava o celular para conversar com ele, só dois ou três dias depois que falamos com ele. Ele não lembra quando chegou em casa, minha mãe acusou ele que tinha maltratado ela. Ele tomou remédio e ingeriu bebida alcoólica e não lembrava de nada do ocorrido” (mídia: 1000798-98.2022 oitiva do informante leandro.mp4) Carina: Eu estava na minha casa e chegou uma mensagem da minha sogra, vários áudios contando que ela tinha tido uma discussão e que ela correu para a casa do meu cunhado [...] dizendo que meu sogro tinha chegado da rua, ingerido bebida alcoólica, e no calor da emoção começaram a discutir, falar de separação, divisão de bens aí [...] minha sogra foi correndo e ligou para gente [...] que meu sogro estava nervoso [...]. Ligou chorando que tinha discutido [...]. Ligou para mim e para o meu marido. Ela falou que pelo que tinha percebido ele tinha ingerido bebida alcoólica. Ele fazia tratamento psicológico e psiquiatra, tomava calmante, forte” (mídia: 1000798-98.2022 oitiva da testemunha carina.mp4) A testemunha, VANESSA, declarou: “Testemunha: Naquele dia, a gente estava em casa [...] eu era casada com o filho deles [...] na parte da tarde [...] viemos eu e meu marido para cidade [...] e no celular dele chegaram várias mensagens dela, mandando áudio e ela tava tentando ligar. Ele falava que estava tentando ligar na Delegacia e não estava conseguindo [...]. Ela pediu para irmos lá [...]. Como ela foi para minha casa [...], a internet ficou ruim [...]. Fomos na Delegacia [...] falamos para os Policiais sobre isso [...] porque ela tinha falado que tinham brigado, que ele tentou agredir ela, jogou um vaso de flores, porque ela ficou correndo em volta da casa e ele atrás [...]. Fomos lá avisar a Polícia [...], eles ficaram conosco [...], pediram para a gente voltar [...]. Eu voltei, fui com eles na viatura [...]. MP: Então a senhora não presenciou os fatos [...]? Testemunha: Não, não presenciei, ela tava desesperada, mandando áudio falando o que estava acontecendo [...] quando cheguei lá [...] ele estava de pé na porta da casa, aí os policiais desceram e eu fui na minha casa [...] ela tava vindo, cheia de terra, tremendo, toda suja de terra, o rosto, o corpo, foi quando ela me falou que ele tinha tacado um vaso nela, na cabeça e que a terra tinha ficado toda nela [...]. Isso que eu vi, não vi agredindo nem nada, mas presenciei isso. MP: Ela falou também que ele a ameaçou de morte naquele dia? Testemunha: Isso, ela falou que ele tinha chegado nervoso, estava lavando roupa [...] falando as coisas para ela [...] palavras chatas para ela, aí começou a discussão [...], ela corria em volta da casa e ele corria atrás dela, tudo que ele via na frente jogava para tentar acertar ela. Era comum ele fazer esse tipo de coisa e como a gente morava na frente, ela sempre ia buscar abrigo [...] ela dormia em casa quando ele estava alterado [...]. Defesa: A senhora sabe dizer se o ARLINDO e a M. eles reataram o relacionamento? Testemunha: Não [...]. Estão separados [...]. Como ele não tinha lugar pra ficar, acabou voltando para casa, o meu ex-marido, o filho caçula deles mora junto com eles. Defesa: Frequentava muito a casa deles? Testemunha: Sim. Defesa: Na época, o ARLINDO estava com problema de saíde mental, fazendo tratamento psiquiátrico? Testemunha: Sim. Ele fazia o tratamento [...] psicólogos, só que ele não seguia muito a risca [...]. A gente falava para ele que não podia beber [...] e ele não ligava muito para o tratamento. Defesa: Quando chegou com os policiais lá [...] viu o ARLINDO [...] a senhora conseguiu verificar se ele estava alcoolizado? Testemunha: Não consegui, porque estava de longe, só os policiais. Defesa: A senhora disse que não presenciou os fatos, mas quando a sua sogra mandou mensagem e depois vocês se encontraram, o que ela contou [...] como aconteceram os fatos na versão dela [...]? Testemunha: Ela me contou [...] que ele chegou alterado [...] já brigando, falando coisas e começaram a discutir e a briga. Que ele chegou alterado [...]. Defesa: Ela falou nos depoimentos dela que começou uma discussão entre eles dois, ela comentou isso? Testemunha: Não chegou a comentar [...], todas as brigas que eles tinham, que a gente conversava [...] ele ameaçava, falava de matar [...], mas dessa vez ele tava tentando matar ela correndo atrás dela para acertá-la. Ela falou que ele tava correndo, ela estava muito nervosa, falou que ele tava tentando matar ela, correndo [...]. Defesa: Se essas situações eram frequentes [...] sabe por que ela nunca fez registro das ocorrências? Testemunha: Pela conversa que a gente tinha, quando entrei na família [...], ela tinha medo, um pouco de receio por conta dos filhos [...]. Porque antes os filhos eram pequenos [...] quando cresceram, uns são contra outros a favor dela [...]. Pelo que ela relatou era um relacionamento desgastante, que não tinha mais o que fazer, no meu entender, e o medo dela era dele ficar mais agressivo e questão dos filhos, pois eles não eram a favor da separação” (mídia: 1000798-98.2022 oitiva da testemunha vanessa.mp4) No seu interrogatório, ARLINDO afirmou: “Acusado: Eu só sei que eu tinha frasco de veneno para fazer entrega na cidade [...], eu com essa depressão, tomando muito calmante, ali na turma me esperando [...], eu acho que me ofereceram bebida [...]. Naquele dia [...] fui embora, quando cheguei em casa, eu sei que eu ainda lembro, porque a minha esposa falou que eu corri atrás dela, mas acho que ela me xingou [...]. Ela tava falando [...], eu não corri [...] eu nunca fiz maldade para ela. Tudo que ela precisava eu fazia, ela tava muito contra [...]. Eu não tenho nada contra a M. [...] que ela falou que eu atirei coisas contra ela, eu não sei [...] eu não lembro nada nada. Não me lembro de ter arremessado nada [...]. Eu não posso falar se é ou não é, porque eu não lembro. Defesa: [...] na cidade [...] se recorda quanto de bebida alcoólica o senhor ingeriu? Acusado: Não lembro, só que eu não podia [...]. A psiquiatra falava que não podia misturar, mas naquele dia [...] tomei um gole ou dois, não lembro se tomei muito, mas devo ter tomado sim” (mídia: 1000798-98.2022 interrogatório réu.mp4) Como se vê, as provas produzidas na instrução não deixam dúvidas quanto à autoria. ARLINDO, nas duas ocasiões em que foi ouvido, afirmou que, à época dos fatos, encontrava-se em tratamento psicológico, fazendo uso de medicação controlada, mas, não obstante, decidiu, de forma consciente, ingerir bebida alcoólica em um bar localizado na cidade de Paranaíta/MT. Por fim, aduziu que, após retornar à sua residência, não possui nenhuma lembrança de ter ameaçado, perseguido ou arremessado objetos contra a sua esposa. Os informantes, LEANDRO e CARINA, declararam que receberam mensagens da vítima noticiando que ela e o apelante haviam discutido em razão de desentendimento relacionados à separação e à partilha de bens. Asseveraram ainda que ARLINDO encontrava-se em tratamento psiquiátrico, fazendo uso de medicação controlada, e que, não obstante essa condição, no dia dos fatos optou deliberadamente pela ingestão de bebida alcoólica. Por fim, disseram que nas mensagens recebidas da vítima, não havia menção de que havia sido ameaçada ou que o acusado tivesse arremessado objetos contra ela. Lado outro, a testemunha VANESSA foi categórica ao afirmar que, acompanhada dos policiais militares, dirigiu-se à residência da vítima e presenciou a prisão do apelante. Narrou ter se deparado com a ofendida visivelmente abalada, trêmula, em estado de nervosismo e com as vestes sujas de terra, tendo-lhe sido informado por ela que tal condição decorreu do fato de ARLINDO ter arremessado vasos de plantas na sua direção, alguns dos quais chegaram a atingi-la. Acrescentou que a vítima estava atemorizada e destacou que fora ameaçada, porém, não se tratava de um episódio isolado, uma vez que, em ocasiões anterior, o apelante já havia proferidos ameaças de morte contra ela. Esclareceu que ARLINDO, embora submetido a tratamento psicológico, não observava rigorosamente as orientações terapêuticas, sobretudo porque fazia uso concomitante de bebidas alcoólicas e medicação controlada. Por fim, pontuou que, na condição de vizinha e ex-nora da vítima, mantinha constante contato com ela e os familiares, tendo conhecimento de que ela vivia um relacionamento marcado por sucessivos episódios de agressividade, e que, apesar do desejo de encerrar a relação conjugal, M. enfrentava resistência dos filhos quanto à separação. Nesse mesmo sentido, M. relatou que estava na residência conjugal, realizando atividades domésticas, quando foi surpreendida pela chegada de ARLINDO, o qual, com postura intimidatória afirmou ter comparecido à Delegacia de Polícia e que os agentes de segurança viriam para expulsá-la do imóvel. Segundo narrou, antes de o acusado se ausentar do local, proferiu ameaças de cunho grave, afirmando que a mataria caso permanecesse na residência. Acrescentou que, ao retornar, ARLINDO passou a persegui-la, inicialmente tentando tomar-lhe o aparelho celular, e, na sequência, arremessou diversos objetos em sua direção, inclusive vasos de plantas, dos quais alguns atingiram-lhe a cabeça. Ressaltou que se sentiu profundamente amedrontada diante da postura exacerbada do acusado, que naquela ocasião se mostrou ainda mais agressivo que em episódios anterior, motivo pelo qual, diante da reiteração das condutas, decidiu buscar amparo junto às autoridades competentes. Embora não tenha sido produzido laudo de exame de corpo de delito, a prática de vias de fato restou evidenciada pela narrativa firme e coerente da vítima, ao longo de todas as fases processuais, corroborada pelos demais depoimentos colhidos em juízo, de modo a justificar a manutenção da condenação. Sobre a contravenção penal, Guilherme de Souza Nucci leciona que: “O tipo penal padece de vício quanto à taxatividade, pois não especifica em que consiste, exatamente, esse formato de violência. Aliás, a doutrina termina definindo – o que seria trabalho do legislador – esta contravenção penal por exclusão, isto é, constitui vias de fato toda agressão física contra a pessoa, desde que não constitua lesão corporal. Por todos, confira-se a lição de Marcelo Jardim Linhares: ‘conceituam-se as vias de fato como a briga ou a luta quando delas não resulta crime; como a violência empregada contra a pessoa, de que não decorre ofensa à sua integridade física. Em síntese, vias de fato são a prática de perigo menor, atos de provocação exercitados materialmente sobre a pessoa, ou contra a pessoa. Assim, empurrá-la sem razão, sacudi-la, rasgar-lhe a roupa, agredi-la a tapas, a socos ou a pontapés, arrebatar-lhe qualquer objeto das mãos ou arrancar-lhe alguma peça do vestuário, puxar-lhe os cabelos, molestando-a [...]” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, vol. 1, 8. ed., Forense: Rio de Janeiro, 2014, p. 110/111, grifei). Na mesma linha, adverte Silvio Maciel, “o preceito secundário dispõe que o art. 21 somente se aplica se o fato não constitui crime. Trata-se, assim, de contravenção subsidiária (subsidiariedade expressa). Se a vítima sofre lesões, haverá o crime de lesões corporais (art. 129, §§ 1º a 11 do CP) ou tentativa de homicídio (art. 121 do CP)” (Legislação Criminal Especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 81). Colho ainda precedentes deste Sodalício: “[...] A palavra da vítima, em harmonia com demais provas, é suficiente para embasar a condenação por vias de fato no contexto de violência doméstica. O exame de corpo de delito é dispensável em contravenções que não deixam vestígios, podendo a materialidade ser comprovada por outros meios [...]” (N.U 1000175-18.2021.8.11.0047, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 23/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025) “APELAÇÃO CRIMINAL [...] ABSOLVIÇÃO DAS VIAS DE FATO – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE – INEXISTÊNCIA DE LAUDO PERICIAL – DESNECESSIDADE – SUFICIÊNCIA DA PROVA TESTEMUNHAL [...] Vias de fato é infração penal subsidiária, que se configura quando a violência empregada não deixa lesões na vítima, sendo dispensável a elaboração de respectivo laudo pericial, como é o caso em comento, em que resta sobejamente comprovada a materialidade, através do relato da vítima [...]” (N.U 0006631-12.2018.8.11.0045, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 11/05/2022, Publicado no DJE 13/05/2022) Quanto ao crime de ameaça, analiso que não existe motivo para absolver o apelante. Verifica-se que o depoimento da vítima perante o Juízo de primeiro grau é compatível com a declaração reportada por ela na fase policial, inclusive é corroborado pelas declarações de sua ex-nora, VANESSA, que manteve a versão da ofendida nas duas fases processuais. Inexistindo em nosso sistema a tarifação de provas, todas elas prestam para condenar ou absolver o acusado, inclusive a palavra da vítima, que, in casu, ao se mostrar coesa, coerente e uniforme, assume cabal destaque em crimes praticados no contexto de violência doméstica, sobretudo quando cometidos na clandestinidade. A propósito, o delito de ameaça é crime de natureza formal e instantâneo, cujo resultado ocorre de maneira imediata, não exigindo consequência naturalística, isto é, para sua configuração basta apenas que o agente prometa causar mal justo e futuro por meio de palavras, gestos, escritos ou qualquer outra via simbólica, e que a vítima se sinta verdadeiramente intimidada por essas ameaças. O temor experimentado pela vítima, em delitos dessa natureza, evidencia-se pelo afastamento do apelante do imóvel e pelo fato de que seu posterior retorno ao local somente ocorreu em razão da insistência dos filhos, sem que, em momento algum, tenha havido o reatamento da convivência conjugal. Aliás, tal circunstância foi expressamente esclarecida pela ofendida, quando inquirida pela defesa a respeito da eventual coabitação com o acusado, verbis: “Ele não tinha mais onde ficar, deu sete meses depois da agressão [...] por pressão dos filhos, que não sabiam mais o que fazer com o pai, porque não tinha mais onde ficar, contra minha vontade, trouxeram ele pra casa, mas a gente mora sob o mesmo teto, estamos separados, cada um fica no seu canto, um respeitando o outro” Nesse sentido, a posição deste Tribunal e da Corte Cidadã: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AMEAÇA [...] RECURSO DEFENSIVO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. AUSÊNCIA DE PROVAS. DESCABIMENTO. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELA PROVA TESTEMUNHAL [...] A palavra da vítima, em delitos de violência doméstica, possui especial relevância, mormente quando corroborada pela prova testemunhal, sendo suficiente para a manutenção da condenação [...]” (N.U 1000364-45.2023.8.11.0105, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025) “[...] O crime de ameaça é de natureza formal, consumando-se com a intimidação ou idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor da vítima ou a ocorrência de um resultado lesivo. As assertivas do acusado no sentido de verbaliza para a vítima "você vai ver o que vai acontecer com você" e "vou fazer da sua vida um inferno", têm idoneidade para causar temor à integridade física, psicológica, e moral da vítima, configurando, em tese, o delito previsto no art. 147 do Código Penal. A palavra da vítima em crimes de violência doméstica possui especial relevância, especialmente quando corroborada por testemunhas. O Tribunal de origem incorreu em erro ao considerar atípicas as ameaças, pois desconsiderou a natureza formal do crime e prescindibilidade da ocorrência de resultado lesivo, bem como a jurisprudência desta Corte Superior que valoriza a palavra da vítima em casos de violência contra a mulher [...]” (AREsp n. 2.554.624/SE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN de 6/12/2024.) De mais a mais, cabe ressaltar que não há qualquer indicativo de que a ingestão de álcool tenha decorrido de caso fortuito ou força maior[2]. Muito pelo contrário! As testemunhas e informantes ouvidas foram categóricos ao afirmar que o acusado estava sob tratamento psicológico e fazia uso de medicamentos controlados; contudo, desrespeitava as recomendações médicas e, por diversas vezes, ingeria álcool concomitantemente com os fármacos. Nesse contexto, tratando-se de conduta típica, devidamente demonstrada nos autos pelas provas judicializadas e sendo o apelante capaz de entender a ilicitude da sua conduta, deve ser mantida a sua condenação. Colaciono o seguinte aresto deste Sodalício: “Conquanto a defesa afirme que o réu estava sob o efeito de álcool e entorpecentes, sobreleva-se destacar, que o artigo 28 do Código Penal é claro ao afirmar que a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos, não exclui a imputabilidade penal.” (TJMT, N.U 0001237-15.2018.8.11.0048). Além disso impõe-se manter a condenação tal como posta, eis, que in casu houve exame de sanidade mental em que a ré foi considerada capaz de entender a ilicitude da conduta adotada .” (TJMT, Ap.1000416-41.2020.8.11.0042, Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, julgado em 21/03/2023). Embora não tenha sido objeto de irresignação, verifico que a dosimetria carece de ajustes, de ofício. Digo isso porque o juízo a quo, após encontrar o quantum final das penas do crime de ameaça [1 (um) mês e 25 (vinte e cinco) dias] e da contravenção penal de vias de fato [27 (vinte e sete) dias], realizou o somatório delas, a despeito da natureza distinta de cada reprimenda [detenção e prisão simples]. Como é cediço, no concurso material de delitos as reprimendas são aplicadas cumulativamente, ou seja, o quantum final corresponde ao somatório das penas impostas; contudo, no caso de imposição de penas de detenção e prisão simples, executa-se, em primeiro lugar, aquela mais grave, conforme estabelecem os artigos 69 e 76, ambos do Código Penal. Não se tratando da unificação das penas para fins de execução penal, mas para definição de regime inicial de cumprimento da pena, inviável o somatório das reprimendas. Confira-se: APELAÇÃO CRIMINAL - CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO (ART. 21 DO DECRETO-LEI N. 3.688/41) E CRIME DE AMEAÇA (ART. 147 DO CÓDIGO PENAL) - CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA [...] SOMA DAS PENAS DE DETENÇÃO E PRISÃO SIMPLES - CORREÇÃO NECESSÁRIA - ATUAÇÃO DE OFÍCIO [...] Inviável o somatório das penas de detenção e prisão simples, nos termos do art. 69 do Código Penal. A alteração da pena pode se dar de ofício, com fulcro no princípio da ampla devolutividade dos recursos criminais” (TJMG - Apelação Criminal 1.0000.24.264781-6/001, Relator(a): Des.(a) Valeria Rodrigues, 9ª Câmara Criminal Especializa, julgamento em 19/03/2025, publicação da súmula em 20/03/2025) APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR – LESÃO CORPORAL [...] VIAS DE FATO [...] PENAS DE DETENÇÃO E PRISÃO SIMPLES – SOMATÓRIO INVIÁVEL [...] “Incabível a cumulação material entre crimes e contravenção penal com preceitos secundários de gravidades distintas (detenção e prisão simples) [...]” (TJ/MT, N.U 0000065-63.2015.8.11.0009) [...]” (N.U 1021948-91.2020.8.11.0003, minha relatoria, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 03/08/2021, Publicado no DJE 11/08/2021) Por derradeiro, o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que “a prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos” (STJ, SÚMULA 588, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017). E, de igual modo, colho precedente deste sodalício quanto à impossibilidade de substituição da pena corpórea por restritivas de direito, verbis: “A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é incabível nos crimes cometidos com violência contra mulher no âmbito familiar, conforme Súmula 588 do STJ.” (N.U 1007395-19.2020.8.11.0042, Relator: Des. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 14/04/2025, Publicado no DJE 16/04/2025) Com essas considerações, em consonância com o parecer ministerial, NEGO PROVIMENTO ao recurso defensivo. DE OFÍCIO, procedo à separação das penas de detenção e prisão simples, ficando o réu ARLINDO PENNING KRACK condenado à pena de 1 (um) mês e 25 (vinte e cinco) dias de detenção [ameaça] e 27 (vinte e sete) dias de prisão simples [vias de fato], iniciando o cumprimento das reprimendas no regime aberto, tal como estabelecido na sentença objurgada. Mantenho incólume os demais termos da decisão. É como voto. [1] Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. [2] Art. 28 – (...) II, § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025
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