Processo nº 0033419-38.2019.8.11.0042
ID: 336042598
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0033419-38.2019.8.11.0042
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ GUILHERME DA SILVA CONCEICAO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0033419-38.2019.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Ameaça, Seqüestro e cárcere privado, Violência Doméstic…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0033419-38.2019.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Ameaça, Seqüestro e cárcere privado, Violência Doméstica Contra a Mulher] Relator: Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), BENEDITO MASCIMO DE SOUZA (APELANTE), LUIZ GUILHERME DA SILVA CONCEICAO - CPF: 045.933.291-08 (ADVOGADO), JULIO SILO DA CONCEICAO FILHO - CPF: 171.801.121-00 (ADVOGADO), CELIA APARECIDA RODRIGUES - CPF: 015.700.491-06 (VÍTIMA), BENEDITO MASCIMO DE SOUZA - CPF: 018.723.881-24 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CÁRCERE PRIVADO QUALIFICADO. PROVA NÃO REPETÍVEL. PALAVRA DA VÍTIMA NA FASE POLICIAL. DOSIMETRIA DA PENA. PARCIAL PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Criminal interposto contra sentença condenatória que impôs pena de 3 anos, 1 mês e 20 dias de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime de cárcere privado qualificado (art. 148, §1º, I e III, c/c art. 61, II, "f", do Código Penal), no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. A defesa sustenta insuficiência probatória e, subsidiariamente, busca a redução da pena, especialmente pela exclusão das circunstâncias judiciais negativas atribuídas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o conjunto probatório, formado pelo depoimento da vítima na fase inquisitorial e pela prova testemunhal indireta, é suficiente para sustentar a condenação pelo crime de cárcere privado qualificado; (ii) avaliar a correção da dosimetria da pena, notadamente quanto à valoração das circunstâncias judiciais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima possui especial valor probatório, sobretudo quando prestada de forma coerente e harmônica e quando não há elementos que a infirmem. 4. A morte da vítima antes da instrução configura hipótese de prova não repetível, permitindo a utilização de seu depoimento colhido na fase inquisitorial como elemento válido na formação do convencimento judicial, desde que corroborado por outros elementos. 5. O depoimento judicial da testemunha responsável pela Casa de Amparo confirma, de maneira coerente e consistente, os relatos da vítima, reforçando a materialidade e autoria do delito. 6. Na primeira fase da dosimetria, correta a valoração negativa das circunstâncias relativas à culpabilidade e à personalidade, diante da gravidade dos fatos e do comportamento controlador, agressivo e intimidatório do agente. 7. A valoração negativa das consequências do crime, contudo, não se sustenta, pois a necessidade de acolhimento da vítima em abrigo é consequência inerente aos crimes de violência doméstica e não extrapola o desdobramento típico do delito, assim como os traumas emocionais e psicológicos sofridos não excedem aqueles normalmente previsíveis no tipo penal de cárcere privado no contexto de violência doméstica. 8. Redimensiona-se a pena, afastando-se a valoração negativa das consequências do crime. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. O depoimento da vítima colhido na fase inquisitorial, quando configurada prova não repetível em virtude de seu falecimento, pode ser validamente utilizado para fundamentar condenação, desde que corroborado por outros elementos dos autos. 2. A palavra da vítima, especialmente em crimes de violência doméstica e familiar, possui elevado valor probatório quando coerente, consistente e harmônica, não sendo necessária sua confirmação judicial quando impossibilitada por motivo relevante e justificado. 3. A valoração negativa das consequências do crime exige demonstração concreta de efeitos que extrapolem aqueles inerentes ao tipo penal, não sendo suficiente, para tanto, a necessidade de acolhimento da vítima em abrigo, tampouco os traumas psicológicos decorrentes dos fatos, quando não excedem o dano previsível e normal já contemplado pelo próprio tipo penal. 4. Mantém-se a valoração negativa da culpabilidade e da personalidade quando evidenciado que o agente se valeu de grave intimidação, violência física e psicológica, e controle reiterado sobre a vítima ao longo de período prolongado. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XLVI; CP, arts. 59, 61, II, "f", e 148, §1º, I e III; CPP, art. 155; Lei 11.340/2006, art. 35, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2.090.018/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 22.11.2022, DJe 29.11.2022; STJ, EDcl no AgRg no AREsp 2.671.876/BA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 15.10.2024, DJe 22.10.2024; STJ, AgRg no AREsp 1473965/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 06.08.2020, DJe 17.08.2020. R E L A T Ó R I O Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto em benefício de Benedito Mascimo de Souza, visando reformar a sentença proferida nos autos n. 0033419-38.2019.8.11.0042, pelo 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Cuiabá/MT, que o condenou pela prática do crime de cárcere privado (art. 148, §1º, I e III, c/c art. 61, II, f, ambos do Código Penal), à pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto. Nas razões vistas no Id. 280037871, a defesa pleiteia a absolvição do apelante, alegando insuficiência probatória, sustentando que a condenação estaria baseada apenas em prova extrajudicial (depoimento da vítima prestado na fase inquisitorial) e em depoimento de testemunha indireta. Subsidiariamente, requer o redimensionamento da pena aplicada, para que sejam afastadas as valorações negativas das circunstâncias judiciais da culpabilidade, personalidade e consequências do crime. Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo desprovimento do recurso (Id. 286572376). O parecer, da lavra da douta Procuradora de Justiça, Dra. Josane Fátima de Carvalho Guariente, é pelo desprovimento do recurso (Id. 295471397), conforme entendimento assim sumariado: “Síntese ministerial: Apelação criminal. Condenação por cárcere privado qualificado. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Pleito absolutório. Impossibilidade. Materialidade e autoria delitivas devidamente comprovadas. Palavra da vítima colhida em sede policial. Prova irrepetível. Falecimento da vítima no curso da instrução processual. depoimento da vítima, mesmo colhido na fase inquisitorial, pode ser utilizado se irrepetível. Depoimento judicial de testemunha que confirma os relatos da ofendida. Prova testemunhal consistente e coerente. Conjunto probatório harmônico e suficiente para embasar a condenação. Princípio do livre convencimento motivado. Artigo 155 do código de processo penal. Excepcionalidade da prova não submetida ao contraditório. Dosimetria. Valoração negativa de circunstâncias judiciais. Fundamentação idônea. Culpabilidade, personalidade e consequências do crime analisadas adequadamente. Manutenção da sentença. O parecer é pelo desprovimento do recurso.” É o relatório. V O T O R E L A T O R Narra a denúncia que (Id. 285120358): O denunciado Benedito Mascimo de Souza e a vítima Célia Aparecida Rodrigues (35 anos) conviveram por aproximadamente 2 anos no Sítio São Francisco, nesta Capital; vindo a separarem dia 26 de junho de 2018, quando ela conseguiu ludibriá-lo e ir até a delegacia para registrar o BO 2018.201547 e ser abrigada na Casa de Amparo. Durante toda a convivência, desde junho de 2016 até o dia da notícia do fato, o denunciado manteve a vítima em cárcere privado, sob permanente vigilância, inclusive com emprego de faca e de uma espingarda, além de violência física e moral. No dia 21 de junho de 2018 a vítima foi ameaça com uma espingarda que o denunciado lhe apontou e disse para ela fugir. Temendo por sua vida, ela correu mas foi alcançada na estrada pelo denunciado que a deteve e levou de volta. No dia 26 de junho de 2018, o denunciado levou a vítima até a delegacia para tratar de um fato ocorrido com ela praticado por seu convivente anterior e na ocasião tomou coragem e relatou a situação de cárcere em que vivia. Diante de tais fatos, o apelante foi denunciado e, após regular instrução processual, foi condenado pela prática do delito previsto no art. 148, §1º, I e III, c/c art. 61, II, f, ambos do Código Penal. Passo, então, à análise das teses recursais. Malgrado irresignação diante do r. pronunciamento judicial de primeira instância, do exame dos autos depreende-se que a pretensão absolutória não merece prosperar. Isso porque tanto a materialidade quanto a autoria do crime de cárcere privado encontram-se satisfatoriamente comprovadas pelas provas que instruem o caderno processual, especialmente pelo que se infere do boletim de ocorrência (Id. 271919912, p. 4-5), termo de representação criminal (Id. 271919912, p. 10), pedido de providências protetivas (Id. 271919912, p. 11-13), bem como pelos depoimentos amealhados em ambas as etapas da persecução penal. Com efeito, a vítima Célia Aparecida Rodrigues, na fase administrativa, afirmou em síntese, que conviveu por cerca de dois anos com Benedito Mascimo de Souza, vaqueiro no Sítio São Francisco. Informou que, durante o relacionamento, foi vítima de constantes agressões físicas, verbais e ameaças de morte, inclusive mediante uso de faca e de uma espingarda, a qual ele adquirira, supostamente, para caça, mas que utilizava para intimidá-la, conforme se infere destes trechos do depoimento da ofendida (Id. 271919912, p. 7-9): [...] QUE convive com o autor há dois anos e sofre violência por parte dele que já lhe agrediu diversas vezes, tanto física quanto verbalmente com ameaças de morte, utilizando-se de faca e uma espingarda que ele adquiriu com o pretexto de caçar, porém, usa-a para amedrontá-la; QUE moram em um sítio onde ele é o caseiro e ela cuida dos serviços domésticos, portanto, ele a impedia de sair e a vigiava o tempo todo; QUE já o denunciou algumas vezes na Delegacia de Polícia da cidade de Rosário Oeste, porém, alega que naquele local não recebeu a devida atenção e que todos daquela cidade, policiais, promotores, defensores, não gostam dela e inclusive, perdera a guarda de seus filhos para o pai após denunciá-lo por ele influenciar os filhos a agredi-la; QUE o sítio onde residem é afastado, sem vizinhos e ele se aproveita da condição e a trata muito mal, sempre com xingamentos e ameaças; QUE para conseguir vir a Delegacia da Mulher aqui de Cuiabá-MT, ele a trouxe para que ela pudesse tratar de outro procedimento que possui contra seu ex companheiro e ao ser atendida, lhe perguntaram como estava e então, aproveitou a oportunidade para denunciá-lo e desde então, está abrigada na casa de Amparo; QUE no trajeto, ao virem para cá, ele a amedrontava e ameaçou dizendo VOCÊ TÁ EXPLICANDO O CAMINHO ERRADO PRA MIM, EU VOU QUEBRAR SUA BOCA; QUE por volta do dia 21/04/2018, quando o irmão do suspeito também se fazia presente no sítio, houve uma discussão pois pediu a ele para levá-la à Rosário Oeste para ver os filhos e ele passou a ofendê-la e ameaçá-la QUER VER EU ATIRAR EM VOCÊ AGORA? SUA BURRA, PUTA e PEGOU A ESPINGARDA, APONTOU A ELA E A MANDOU FUGIR; QUE correu dele, mas era noite, escuro e não foi longe pois ele foi atrás e a mandou voltar; QUE nesta ocasião, tentou fugir, mas por ser mato, escuro e longe, não conseguiu; QUE o agressor só a trata com rispidez, beliscões, empurrões e ameaças e, diante desta situação, REQUER MEDIDAS PROTETIVAS URGENTE; Perguntado qual o teor da ameaça e se utilizou de algum instrumento, qual foi ele? A declarante respondeu: QUE SIM UMA ESPINGARDA, conforme relato acima; Perguntado se na data dos fatos, além de ter sido ameaçada, a declarante também sofreu a prática de outros crimes, como Injúria, calúnia, difamação e, neste caso, qual o teor da ofensa ou da ameaça? A declarante respondeu: QUE SIM, INJÚRIA E CÁRCERE PRIVADO, conforme relato acima; Perguntado se após os fatos a declarante continuou tendo contato com o autor? A declarante respondeu: QUE após os últimos fatos não mais teve contato; Perguntado se houve testemunhas presenciais dos fatos, quem são e onde podem ser localizadas? A declarante respondeu: QUE não há testemunha; Perguntado se a declarante deseja representar criminalmente contra o(a) autor(a) a fim de que seja investigado (a), processado(a) e condenado(a) pela prática do crime? A declarante respondeu: QUE SIM deseja representá-lo pelo crime de CÁRCERE PRIVADO, AMEAÇA e INJÚRIA; Perguntado se a declarante gostaria de tecer alguma observação a respeito do evento? A declarante respondeu: QUE solicita as medidas protetivas contra o autor, a fim de garantir seus direitos e preservar sua integridade física e psicológica, assim como de sua família; QUE JÁ ESTÁ ABRIGADA NA CASA DE AMPARO; [...]. No entanto, a vítima não chegou a ser ouvida em juízo, uma vez que veio a óbito no decorrer da instrução processual. É cediço que nos crimes praticados m situação de violência doméstica contra a mulher, a palavra da vítima tem especial valor probatório, especialmente quando narra os fatos de forma coerente e harmônica em todas as oportunidades em que é ouvida, como ocorre no presente caso, e quando não há contraprova capaz de desmerecer o relato, consoante pode ser inferido do julgado do Superior Tribunal de Justiça abaixo ementado: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ABSOLVIÇÃO. LAUDO PERICIAL E DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS. LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. CONSUNÇÃO. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. AMEAÇA E INVASÃO DE DOMICÍLIO. BENS JURÍDICOS DIVERSOS. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No processo penal brasileiro, em consequência do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova, o que o autoriza a, observadas as limitações processuais e éticas que informam o sistema de justiça criminal, decidir livremente a causa e todas as questões a ela relativas, mediante devida e suficiente fundamentação, exatamente como observado nos autos. 2. Na hipótese, há prova pericial e testemunhos judiciais que atestam a materialidade e a autoria delitiva. Além disso, nos delitos de violência doméstica praticados em âmbito familiar, a palavra da vítima recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por outros elementos probatórios. 3. A invasão da antiga residência comum do casal, mediante a destruição da porta, após a separação, configura o crime de invasão de domicílio. 4. A incidência do princípio da consunção só é possível quando a conduta anterior for realizada com o único objetivo de praticar o crime-fim, o que não é o caso dos autos. Ademais, os tipos penais relativos aos crimes de ameaça e invasão de domicílio tutelam bens jurídicos diversos e as instâncias ordinárias registraram a existência de desígnios autônomos. 5. Este Tribunal Superior é firme em garantir a discricionariedade do julgador, sem a fixação de critério aritmético, na escolha da sanção a ser estabelecida na primeira etapa da dosimetria. Assim, o magistrado, dentro do seu livre convencimento motivado e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, decidirá o quantum de exasperação da pena-base, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.090.018/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 29/11/2022). Destacamos A testemunha Fabiana Maria Auxiliadora da Silva Soares relatou perante a autoridade judiciária que a vítima, Célia Aparecida Rodrigues, permaneceu aproximadamente seis meses na casa de amparo, para onde foi acolhida após conseguir fugir da situação de cárcere privado e das agressões físicas e psicológicas a que era submetida pelo acusado Benedito Mascimo de Souza. Segundo informou, Célia era uma pessoa humilde, tímida, de baixa escolaridade, natural de Rosário Oeste, onde residiam seus quatro filhos, nenhum deles fruto do relacionamento com o acusado. Fabiana esclareceu que, durante o período de acolhimento, a própria vítima confirmou os fatos constantes na denúncia, relatando que era mantida em cárcere privado, sob constante vigilância, sem possibilidade de se locomover livremente, além de sofrer agressões físicas, psicológicas e ameaças constantes. Afirmou, ainda, que Célia descreveu o acusado como uma pessoa que, com o tempo, especialmente sob efeito de álcool, tornou-se agressivo e violento. Acrescentou que, na casa de amparo, foram prestados todos os cuidados médicos e psicológicos necessários, considerando os traumas e o quadro de fragilidade emocional que ela apresentava, embora já fizesse uso de medicação anteriormente. Relatou que a vítima demonstrava muito medo do acusado, sendo perceptível seu estado de vulnerabilidade, sem recursos emocionais ou psicológicos para se impor, o que contribuiu, sobremaneira, para a dificuldade em buscar ajuda e denunciar a situação. Pontuou, ainda, que, na época dos fatos, a residência onde Célia era mantida era localizada em local ermo, sem vizinhos próximos, o que dificultava qualquer tentativa de fuga, circunstância esta que foi confirmada pela própria vítima ao narrar os acontecimentos. Por outro lado, ressalto que o réu, quando interrogado em juízo, exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio, não apresentando qualquer versão alternativa aos fatos narrados na denúncia. O argumento do recorrente é de que a condenação foi baseada exclusivamente na palavra da vítima dada na fase inquisitorial (não confirmada em juízo em razão de seu falecimento), sem qualquer respaldo nas outras provas do processo, somente no testemunho de Fabiana Maria Auxiliadora da Silva Soares que não presenciou os fatos. O artigo 155, caput, do Código de Processo Penal, é claro ao asseverar que o juiz não poderá fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos de informação colhidos na investigação, ressalvada as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Deveras, malgrado seja vedado ao juiz fundamentar a condenação exclusivamente nos elementos coligidos durante o inquérito policial (art. 155 do Código de Processo Penal), também não lhe é lícito ignorar aquilo que foi produzido nesse profícuo caderno investigativo, demais salutar não só à formação da opinio delicti do Ministério Público, como inclusive para a composição do convencimento do julgador em cotejo com a instrução penal. No caso em exame, a impossibilidade de oitiva da vítima em juízo decorreu de seu falecimento durante a instrução processual, configurando hipótese de prova não repetível, o que autoriza a valoração de suas declarações prestadas na fase investigativa. Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “O depoimento da vítima, mesmo colhido na fase inquisitorial, pode ser utilizado se irrepetível” (EDcl no AgRg no AREsp n. 2.671.876/BA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/10/2024, DJe de 22/10/2024). Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal, verbis: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO TENTADO – PRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO DO RÉU – DESPRONÚNCIA – IMPROCEDÊNCIA – EXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA – DECLARAÇÕES EXTRAJUDICIAIS DA VÍTIMA QUE FALECEU ANTES DA INSTRUÇÃO JUDICIAL – PROVA IRREPETÍVEL – IN DUBIO PRO SOCIETATE – RECURSO DESPROVIDO. As declarações prestadas no curso do inquérito policial pela vítima que falece antes de poder ser reinquirida na instrução judicial assumem a qualidade de prova irrepetível, podendo servir de base para a pronúncia do acusado. Não há falar em despronúncia do réu se existentes prova da materialidade e indícios suficientes da prática de crime doloso contra a vida, devendo, nessa hipótese, ser observada a soberania constitucional do Tribunal do Júri para deliberar sobre a matéria. (N.U 0002987-30.2017.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Vice-Presidência, Julgado em 06/07/2024, Publicado no DJE 06/07/2024). Destacamos Em seu depoimento na Delegacia de Polícia, a vítima relatou, de forma detalhada e coerente, as violências sofridas, afirmando que era mantida em cárcere privado pelo réu, impedida de sair da residência localizada em sítio afastado, sem vizinhos, e constantemente vigiada por ele, que utilizava sua força física, ameaças e armas (faca e espingarda) para intimidá-la. Ademais, as declarações extrajudiciais da vítima não constituem o único elemento de prova a embasar a condenação. O conjunto probatório inclui o depoimento judicial da testemunha Fabiana Maria Auxiliadora da Silva Soares, Coordenadora da Casa de Amparo de Cuiabá/MT, que confirmou os relatos da ofendida e esclareceu que a vítima permaneceu abrigada na instituição por aproximadamente 06 (seis) meses após conseguir fugir da situação de cárcere privado. Embora a defesa classifique tal depoimento como indireto, por não se tratar de testemunha presencial dos fatos, tal circunstância não lhe retira o valor probante, especialmente quando corrobora as declarações da vítima, demonstrando a verossimilhança da versão por ela apresentada e evidenciando as consequências do crime. Nesse contexto, considerando a harmonia do conjunto probatório e sua suficiência para embasar o decreto condenatório, não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas. De outro lado, a defesa busca a redução da pena-base para o mínimo legal sob o argumento de que a valoração negativa das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal ocorreu de maneira inadequada. É cediço que, no exercício de seu poder discricionário, o magistrado ao individualizar a pena está vinculado ao fato punível, devendo expor motivadamente as suas razões, especialmente quando considerar as circunstâncias judiciais como desfavoráveis ao réu, sob pena de violação aos princípios da razoabilidade e da individualização da pena. A par disso, não obstante a existência de certa discricionariedade, é imprescindível que o intérprete da lei, ao realizar a dosimetria da pena, deva obedecer e sopesar cada uma das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente à reprovação do crime. Para melhor análise da questão sub examine, necessária a transcrição parcial da decisão impugnada, verbis (Id. 271920869): [...] Na primeira fase, a pena cominada para o delito previsto no artigo 24-A do da Lei 11.340/06é de detenção, de um (03) meses a dois (02) anos. A culpabilidade é acentuada visto que a restrição de liberdade foi suportada pela vítima por longo período de tempo, tendo o réu se valido de sua força física, ameaças e uso de armas para intimidar a vítima. Inexistem nos autos provas quanto a maus antecedentes . A conduta social, na linha do direito penal do fato, não foi objeto de prova, sendo impossível a valoração negativa. Extrai-se dos autos que a personalidade do acusado é dominadora e cruel, intimidando reiteradamente a vitima ao longo dos anos. Os motivos são próprios do crime, razão pela qual, não serão considerados na dosimetria da pena. As circunstâncias são próprias do delito pelo qual o réu responde. As consequências do delito foram graves sendo nítido o abalo emocional da vítima que teve de permanecer abrigada por vários meses, tendo perdido qualquer apoio seja da família seja da comunidade. O comportamento da vítima não deve ser considerado, pois, não influenciou na conduta do réu. Assim, possuindo o agente circunstâncias judiciais que lhes são desfavoráveis majoro a pena em 1/3, fixando a pena base em 2 anos e 8 meses de reclusão. [...] É certo que na primeira fase da dosimetria da pena, o julgador deve avaliar as circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal dentro de um critério de discricionariedade. Contudo, à luz do que determina o art. 93, IX, da Constituição Federal, deve motivar quando entender que a pena-base deve ficar acima do mínimo legal, mostrando-se adequada e suficiente para a reprovação e a prevenção do delito. Na primeira fase, o magistrado sentenciante valorou negativamente as circunstâncias judiciais da culpabilidade, personalidade e consequências do crime, majorando a pena-base em 1/3 (um terço) acima do mínimo legal. Quanto à culpabilidade, a sentença destacou que “é acentuada visto que a restrição de liberdade foi suportada pela vítima por longo período de tempo, tendo o réu se valido de sua força física, ameaças e uso de armas para intimidar a vítima”. Esta fundamentação é idônea e adequada, evidenciando maior reprovabilidade da conduta do agente, que manteve a vítima em cárcere privado por período prolongado (aproximadamente dois anos), utilizando-se de meios coercitivos que extrapolam o tipo penal básico. Nesse sentido: Para o crime de sequestro e cárcere privado (art. 148, § 1º, I, do Código Penal), o Tribunal de origem considerou desfavoráveis as circunstâncias do crime em razão do longo período em que a vítima permaneceu sob o poder dos réus, privada de sua liberdade por mais de oito horas. Esta fundamentação mostra-se legítima, pois a privação prolongada da liberdade denota maior gravidade da conduta, não sendo elemento necessário para a configuração do tipo penal, que pode consumar-se mesmo em períodos mais curtos. (STJ - AREsp: 00000000000002838896, Relator.: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 05/06/2025, Data de Publicação: Data da Publicação DJEN 10/06/2025) No que diz respeito à personalidade do agente, como é de trivial sabença, prevalece na doutrina brasileira uma interpretação como sinônimo de caráter, de valores morais assumidos pelo agente, de sua forma de se comportar ou de se conduzir na vida e, especialmente, como expressão dos seus sentimentos manifestados no fato criminoso. Aníbal Bruno, interpretando o art. 42 do Código Penal, definiu o conceito de personalidade nos seguintes termos: Personalidade é o todo complexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano. A personalidade é uma realidade naturalística, cuja compreensão os dados antropológicos, em largo sentido, concorrem para esclarecer. (BRUNO, Anibal. Direito Penal. Parte geral. P. 155) Para esse autor, a investigação do juiz não pode estar apartada dos conhecimentos técnicos e científicos: “Seria absurdo que este se pusesse a decidir em matéria de tamanha relevância, pondo deliberadamente de parte as contribuições com que aquelas ciências, que constituem um setor tão importante da nossa cultura, tentam a aproximação desse mundo íntimo e dificilmente abordável, que é a personalidade humana.” Soma-se a isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, sobre a temática, se manifestou no sentido de que a mensuração negativa da referida moduladora deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos dos autos, veja-se: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE HOMICÍDIO E DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER. DOSIMETRIA DA PENA . CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVADAS. CONSEQUÊNCIAS E PERSONALIDADE DO AGENTE. MOTIVAÇÃO CONCRETA. FILHOS ÓRFÃOS, DEPENDENTES E DESGUARNECIDOS . DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DESAMPARO MATERIAL. MALDADE E FRIEZA JUSTIFICADAS. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. AGRAVO DESPROVIDO . 1. O fato de a vítima ter deixado filhos órfãos, dependentes e desguarnecidos constitui motivação concreta para a negativação das consequências do delito, não sendo necessário provar o desamparo material. 2. Quanto à personalidade do agente, a mensuração negativa da referida moduladora "deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos dos autos [ ...]' (HC 472.654/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/2/2019, DJe 11/3/2019)" (AgRg no REsp 1918046/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/4/2021, DJe 19/4/2021) .2.1. No caso dos autos, a maldade e a frieza que justificaram a negativação do vetor estão pautadas no fato de que o recorrente, no intervalo da execução entre as vítimas, ocultou seus cadáveres e seus pertences pessoais, a fim de continuar com as execuções. 3 . Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2549278 TO 2024/0015570-2, Relator.: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 03/09/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2024). Destacamos PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA . PRIMEIRA FASE. CULPABILIDADE. TESES DEFENSIVAS NÃO DEBATIDAS NO ACÓRDÃO DE APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO . NÃO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 83/STJ. INCIDÊNCIA DA VEDAÇÃO PRESCRITA NO ENUNCIADO N. 182/STJ . VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE. DESNECESSIDADE DE LAUDO TÉCNICO. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. TESE NÃO APRESENTADA NO RECURSO ESPECIAL . INOVAÇÃO RECURSAL. FUNDAMENTO NÃO COMBATIDO. SÚMULA N. 182/STJ . AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. As teses acerca da inidoneidade da negativação do vetor da culpabilidade não foram objeto de debate específico pelo Tribunal de origem, e não houve a oportuna provocação do exame da quaestio por meio de embargos de declaração, sendo patente a falta de prequestionamento, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial. Destarte, no ponto, tem incidência a vedação prescrita nas Súmulas n . 282 e 356/STF. 2. Esta Corte Superior tem jurisprudência consolidada de que a premeditação do delito é motivo apto a negativar a culpabilidade, razão pela foi aplicada a Súmula n. 83/STJ . Não tendo este fundamento da decisão agravada sido especificamente combatido no presente regimental, é caso de incidência da Súmula n. 182/STJ. 3. Vetor da personalidade corretamente desabonado, dada a verificação pelo julgador da frieza e calculismo da ré, sendo certo que, "[ ...] para a aferição da vetorial relativa à personalidade, é desnecessário laudo técnico, mas apenas, o exame pelo julgador de dados concretos que indiquem a maior periculosidade do agente, como visto in casu onde ficou cabalmente demonstrada sua índole violenta, fria e desvirtuada. Precedentes." (AgRg no HC n. 785 .120/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 14/12/2022.) 4. No que tange às consequências do delito, a agravante aduz tese que configura inovação recursal em agravo regimental e, portanto, não passível de conhecimento. Ademais, o fundamento considerado apto a negativar tal circunstância judicial não foi especificamente impugnado nas razões do agravo regimental, como determina o princípio da dialeticidade, o que atrai o óbice da mencionada Súmula n . 182/STJ.5. Agravo regimental conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2312848 PB 2023/0069693-5, Relator.: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 30/11/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2023). Destacamos Em situação semelhante, este Tribunal já decidiu: [...] A valoração negativa da personalidade do agente é válida quando fundamentada em elementos concretos. A frieza e insensibilidade do apelante, comprovadas por sua conduta de simular normalidade perante os familiares da vítima após o crime, justificam essa circunstância judicial como desfavorável. [...] (N.U 1010681-74.2021.8.11.0040, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 21/02/2025, Publicado no DJE 21/02/2025) Sendo assim, embora a valoração negativa da personalidade do agente possa prescindir de laudos técnicos de especialistas, faz necessário que haja nos autos outros elementos que demonstrem sua má índole, frieza e eventual comportamento perverso e voltado à criminalidade, eis que a personalidade do agente resulta da análise do seu perfil subjetivo, no que se refere a aspectos morais e psicológicos, sendo necessário, pois, para a sua valoração negativa, a demonstração concreta de desvio de personalidade, independentemente de perícia. No caso em espécie, o juízo sentenciante consignou que “é dominadora e cruel, intimidando reiteradamente a vítima ao longo dos anos”. Tal conclusão encontra respaldo no conjunto probatório, especialmente nas declarações da vítima e no depoimento da testemunha Fabiana Maria Auxiliadora da Silva Soares, não se tratando de análise genérica ou abstrata, mas fundamentada em elementos concretos extraídos dos autos. Entretanto, no tocante às consequências do crime, esta valoração, com a devida vênia, não merece subsistir. Com efeito, a necessidade de acolhimento da vítima em casa de abrigo é consequência natural e ordinária de diversos delitos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, não representando, por si só, um resultado extraordinário que justifique a exasperação da pena-base. Trata-se, na verdade, de medida protetiva implementada pelo Estado para resguardar a integridade física e psicológica da vítima, não podendo ser considerada uma consequência extraordinária do crime a ser valorada negativamente na dosimetria. Ademais, o afastamento da vítima do convívio familiar e social, embora lamentável, é efeito inerente às situações de violência doméstica, sendo expressamente previsto na Lei Maria da Penha o acolhimento emergencial e provisório de mulheres em situação de risco (art. 35, II, da Lei n. 11.340/2006). Nesse contexto, a valoração negativa das consequências do crime, na forma como realizada pelo magistrado de primeiro grau, não apresenta fundamentação concreta e idônea que demonstre que os resultados do delito extrapolaram o dano normal previsto no próprio tipo penal incriminador. Outrossim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que “A valoração negativa das consequências do crime exige fundamentação concreta e não inerente ao tipo penal” (AgRg no AREsp 1473965/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2020, DJe 17/08/2020). Além disso, os traumas psicológicos eventualmente sofridos pela vítima, em decorrência da ação delituosa perpetrada pelo acusado, não se revelam como consequências que extrapolam a normalidade do tipo penal, razão pela qual não devem ser considerados como fundamento para exasperação da pena-base. Assim, merece acolhimento o pedido defensivo para afastar a valoração negativa das consequências do crime, permanecendo como circunstâncias judiciais desfavoráveis a culpabilidade e a personalidade do agente. Diante do exposto, com base no princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal; e, reconhecendo como necessária a readequação da pena fixada, passo a redimensioná-la da seguinte forma: Na primeira fase, verifica-se que o juízo primevo considerou o aumento de 8 (oito) meses sobre o mínimo legal para três circunstâncias judiciais valoradas negativamente. Assim, remanescendo duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e personalidade), aumento 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias para cada vetorial, e aplicando-se esse aumento sobre o mínimo legal (2 anos), chegamos à pena-base de 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias. Na segunda fase, presente a agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal, razão pela qual fixo a pena intermediária do apelante em 2 (dois) anos, 10 (dez) meses e 6 (seis) dias de reclusão, a qual torno definitiva, à míngua de causas de aumento e diminuição de pena. Mantenho o regime aberto para início de cumprimento da pena, conforme fixado pelo juízo primevo. Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, dou parcial provimento ao recurso interposto por Benedito Mascimo de Souza, para afastar a valoração negativa das consequências do crime e redimensionar a pena para 2 (dois) anos, 10 (dez) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, mantendo-se inalterados os demais termos da sentença condenatória. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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